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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
ANO DE 1969 22 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 181 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 21 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Muno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. - Foi publicado o 2.º suplemento ao Diário das Sessões n.º 156, que insere o relatório das contas de gerência e exercido das províncias ultramarinas de 1967.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 163, com rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Nunes Barata e Elísio Pimenta.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foi presente à Assembleia, o Decreto-Lei n.º 48875.
O Sr. Presidente anunciou ter recebido da Câmara Corporativa o parecer sobre a proposta de lei relativa à reorganização das Casas do Povo e previdência rural; mandou baixar esta proposta de lei à Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social, dando ainda esclarecimentos sobre o funcionamento das Comissões; convocou a Comissão de Legislação e Redacção para o dia 24 do corrente, a fim de começar a estudar o texto definitivo dos diplomas ultimamente votados pela Assembleia, e anunciou que o próximo assunto a entrar na ordem do dia seria a discussão das contas públicas.
O Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo agradeceu o voto de pesar que a Câmara lhe expressara na sessão da véspera pelo falecimento de seu pai.
O Sr. Deputado Sousa Magalhães requereu ao Ministério das Comunicações vários elementos sobre transportes colectivos no Porto.
O Sr. Deputado Jerónimo Jorge referiu-se ao incêndio que destruiu o edifício do Instituto Hidrográfico e congratulou-se com as medidas prontamente anunciadas pelo Governo para reparar essa perda.
O Sr. Presidente associou-se, em nome da Câmara, às palavras proferidas por aquele Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Pinto Bull assinalou a passagem do 1.º aniversário da triunfal viagem realizada pelo actual Chefe do Estado à Guiné.
O Sr. Deputado Salazar Leite exaltou o significado da viagem efectuada há precisamente um ano pelo Sr. Presidente da, República ao arquipélago de Cabo Verde.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta fez considerações sobre a, recente visita do Sr. Ministro das Comunicações à cidade do Porto.
O Sr. Deputado Cunha Araújo comentou uma nota, enviada à Assembleia pela Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, acerca de uma sua anterior intervenção sobre serviços telefónicos.
A Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes pôs em relevo o significado da visita do governador-geral de Angola à provinda de Moçambique.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate do aviso prévio acerca dos problemas da população idosa do nosso pais, do fenómeno do envelhecimento da população e da política da velhice.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Leonardo Coimbra, Salazar Leite e Alves Moreira.
O Sr. Presidente, nos termos dó § 2.º ao artigo 4.º do Regimento, prorrogou a actual sessão legislativa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
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António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinte de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás. da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Soares ia Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Ponho em reclamação o Diário das Sessões n.º 163, que ontem foi distribuído a VV. Ex.ªs, pelo que tiveram tempo de o ler para saberem ao certo se têm alguma rectificação a propor.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: No requerimento por mim apresentado e transcrito nesse Diário, onde se lê: «Touvões», deve ler-se: «Tourões».
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: Na p. 2953, col. 1.ª, regista-se o seguinte aparte do Sr. Deputado Augusto Simões à minha intervenção: «É lamentável que tão ostensivamente se tenha desviado o cumprimento da lei.» As palavras que se seguem a estas duas linhas pertencem já à minha intervenção, pelo que deverão ser antecedidas do habitual «O Orador».
O Sr. Presidente: - Com estas duas rectificações, considero aprovado o Diário das Sessões n.º 163.
Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 43, de 20 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 48 875, o qual cria os Serviços Sociais do Ministério da Saúde e Assistência.
Está também na Mesa, enviado pela Câmara Corporativa, o parecer n.º 22/IX sobre a proposta de lei relativa à reorganização dás Casas do Povo e previdência rural. Já tive ocasião de anuncia a VV. Ex.ªs que me proponho fazer hoje a prorrogação da sessão legislativa. Nessas condições, suponho que não cometo nenhum ilogicismo dizendo desde já - antes de prorrogar formalmente a sessão legislativa - que mando baixar à nossa Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social esta proposta de lei. Lembro ao Sr. Presidente desta Comissão a conveniência de a fazer reunir o mais depressa possível e todas as vezes que forem necessárias, para o conveniente estudo da proposta de lei, que, dos pontos de vista político, económico e social, é do mais alto interesse. Lembro mais uma vez que todos os Srs. Deputados que pertencem à Comissão mencionada são obrigados a assistir às respectivas reuniões como se fossem sessões plenárias, o que quer dizer que a ausência às reuniões da Comissão implica a aplicação de falta. Lembro também o direito que têm de assistir às reuniões das Comissões os Srs. Deputados que delas não façam parte, embora apenas com o direito de opinar, e não com direito a voto. Designadamente aos Srs. Deputados que desejem intervir na discussão da proposta de lei, e em especial aos membros da Comissão de Economia, dentro do princípio há dias manifestado pelo Sr. Presidente do Conselho perante as câmaras de televisão de que só se distribui aquilo que se tem, recomendo que se interessem pelo estudo desta proposta de lei.
Dentro do mesmo princípio de não ilogicismo, considerando a prorrogação da sessão legislativa a partir de amanhã, o que, aliás, anunciarei no fim da sessão, convoco a Comissão de Legislação e Redacção para na próxima segunda-feira, dia 24, à hora regimental, começar »i estudar o texto definitivo dos projectos e propostas de lei ultimamente aqui votados.
Lembro também aos Srs., Deputados que, a seguir a este aviso prévio, que suponho terá a sua discussão terminada no próximo dia 27, a ordem do dia será a discussão das contas públicas. Convém, por isso, que todos os Srs. Deputados interessados em intervir nessa discussão, que é sem dúvida, com a proposta de lei orçamental, dos
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trabalhos mais importantes, que vêm oficialmente à Assembleia, vão preparando desde já as suas intervenções. Posto isto, dou a palavra ao Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo.
O Sr. Tito Lívio Feijóo: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para agradecer a V. Ex.ª e à Câmara o voto de pesar que tiveram ontem a bondade de expressar por motivo do falecimento de meu pai.
O Sr. Sousa Magalhães: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos constitucionais e regimentais, requeiro que, pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres, do Ministério das Comunicações, me sejam fornecidos, com a brevidade possível, os seguintes elementos:
1.º Quais as razões que levaram ao indeferimento, em 30 de Dezembro de 1966, da carreira pedida pelo Serviço de Transportes Colectivos do Porto em 15 de Novembro de 1963, entre Porto e Aliena (cruzamento), do concelho de Valongo;
2.º Quais os motivos que levaram a conceder a uma empresa transportadora particular a carreira regular de passageiros entre Agrela (Aldeia Nova) e Porto, anunciada no edital do Diário do Governo n.º 97, 2.ª série, de 24 de Abril de 1967.
O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: O País tomou conhecimento, com o maior desgosto, do grande incêndio que destruiu um valioso departamento do Património Nacional, instalado na ala oeste da grandiosa edificação pombalina, onde outrora existia o Arsenal da Marinha.
O destino tem sido adverso para o majestoso edifício, pois todos nos recordamos! do enorme fogo que há cerca de meio século destruiu a vasta Sala do Risco daquele Arsenal.
Mas o sinistro de agora revestiu, infelizmente, aspectos porventura ainda mais graves.
Com efeito, funcionava na ala destruída o Instituto Hidrográfico. Dirigido e assistido por pessoal de excepcional competência, prestava valiosos serviços à Nação (sem excluir o aspecto de defesa), à navegação internacional e à ciência oceanográfica.
A sua organização modelar, a valiosa aparelhagem de que dispunha, os seus laboratórios e biblioteca permitiam-lhe operar com uma notável eficiência cientificamente reconhecida.
Possuía nos seus arquivos preciosos documentos cartográficos antigos, colecções valiosíssimas de estudos preparatórios e cartas levantadas, ao longo de várias., décadas, pelas missões hidrográficas, na metrópole e no ultramar, à custa de um trabalho consciencioso, simultaneamente perseverante e estrénuo, que importava em verbas avultadas em si mesmas, mas modestas quando comparadas aos resultados obtidos.
É que as missões hidrográficas, servidas por homens de devotação inexcedível, da qual o Sr. Presidente da República foi exemplo notável, faziam e fazem milagres para bem cumprir, com um dispêndio mínimo dos dinheiros públicos.
Numa escassa hora o sinistro destruiu a obra de tantos anos, e, se a perda não foi irreparável, no referente a alguns dos documentos mais preciosos, deve-se ao cuidado que houvera na sua arrecadação em cofres à prova de fogo.
Ante a gravidade da situação criada, dado que as actividades do Instituto Hidrográfico não podem parar, sem grandes inconvenientes para a navegação e até para o prestígio do País perante o estrangeiro, preparava-me para aqui solicitar o apoio da Câmara junto do Governo no sentido de serem encaradas com a maior urgência as providências indispensáveis.
Hoje, porém, ao examinar a imprensa diária, VI com grande regozijo que o Conselho de Ministros de ontem, sob a presidência do ilustre Chefe do Governo, Prof. Doutor Marcelo Caetano, a quem presto as minhas calorosas homenagens, se ocupara do momentoso assunto, manifestando o seu pesar pelas consequências do incêndio, e decidira da necessidade de se providenciar quanto à defesa dos valores históricos e culturais que se reconheça não estarem devidamente protegidos. E, mais especificamente, que havia ainda sido deliberado que os Ministérios da Marinha e das Obras Públicas estudassem com a maior urgência a resolução a tomar para se instalar definitivamente o Instituto Hidrográfico.
O Sr. Presidente do Conselho, como é de seu timbre, abrangendo todo o horizonte, não guinou para a direita ou para a esquerda, manteve o rumo, navegando em frente, pois considerou com a maior urgência o ocorrido e tomou as providências adequadas.
Assim, em presença de atitude tão oportuna, tão rápida, reveladora do espírito de decisão a que, felizmente, o Governo da Nação já nos habituou, só me resta congratular-me com as medidas que vão ser tomadas, medidas que, de algum modo, constituem um certo lenitivo paira o profundo pesar que sombreou o coração do País por tão doloroso acontecimento.
Permito-me, pois, Sr. Presidente, sugerir que seja dado o mais veemente apoio à decisão ministerial e fazer votos para que as medidas adoptadas entrem, o mais brevemente possível, no campo da materialização.
Manifesto a minha profunda admiração pelo espírito de devotamento e de sacrifício de que deram provas ilustres membros do Governo, oficiais da Armada, as nobres corporações de bombeiros, marinheiros portugueses e brasileiros, etc., os quais, correndo ao local do incêndio, contribuíram com assistência material e moral para debelar a tragédia que a todos afligia.
Entendo ainda não dever terminar este breve apontamento sem aqui deixar bem expressa a minha certeza de que um novo Instituto Hidrográfico será, em futuro próximo, uma realidade, e que aqueles que o serviam saberão suprir com o seu esforço a manutenção do prestígio internacional deste científico Instituto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Suponho interpretar o sentir unânime da Câmara associando-me em nome dela às palavras que acabam de ser proferidas relativas ao Instituto Hidrográfico, sobretudo na parte que diz respeito a ter de lamentar-se profundamente a irreparável perda da documentação valiosa, sob o ponto de vista histórico, arquivado nesse Instituto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passa hoje o primeiro aniversário que o venerando Chefe do Estado regressou da sua triunfal viagem às terras da Guiné e de Cabo Verde, visita em que S. Ex.ª teve opor-
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tunidade de apreciar o portuguesismo da boa gente daquelas terias, e na Guiné pôde observar que todo aquele emaranhado de raças e tribos, constituindo um verdadeiro xadrez etnográfico, irmanava na mesma decisão de defender o seu terrão natal e continuar ligado à bandeira d is quinas.
Teve ainda S. Ex.ª ocasião de percorrer de lês a lês a cidade de Bissau e visitar algumas regiões do interior, sempre aclamado com entusiasmo e simpatia pelas respectivas populações, e esteve nalgumas dessas regiões a escassas três dezenas de quilómetros das frentes de combate.
Sempre sorridente e afável, S. Ex.ª auscultou os anseios das populações autóctones, contactou com as forças vivas para conhecer a situação económica da província e pôde, assim, certificar-se da persistência e da tenacidade com que todos aqueles portugueses procuram consolidar a retaguarda para, em franca colaboração com as forças armadas, tornarem possível e rápido o dia da vitória final.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca é de mais salientar os relevantes serviços que o venerando Chefe do Estado vem prestando à Nação, e com a sua viagem à Guiné S. Ex.ª procurou acompanhar, pari passu, a vida administrativa, económica e social daquela parcela do espaço português, e desta sorte a Guiné sentiu a presença cio almirante Américo Tomás e o calor do seu apoio e do seu exemplo dedicado e serenamente lúcido. Esteie S. Ex.ª nas terras ardentes da Guiné, e pôde assim demonstrar mais uma vez que ali também é Portugal.
Teve riscos a visita do Chefe do Estado? Ninguém o ignora. Mas todos esses riscos foram altamente recompensados com o êxito dessa inolvidável viagem, cuja repercussão internacional foi de incalculável valor.
A Câmara Municipal de Bissau, querendo comemorar esta data festiva, resolveu, por unanimidade, proclamar o venerando Chefe do Estado e o Ministro do Ultramar cidadãos honorários da cidade, e a Liga dos Amigos da Guiné, a que tenho a honra de presidir, resolveu associar-se a esta manifestação de respeito e simpatia pelo mais alto magistrado da Nação, e, assim, vai levar a efeito uma série de conferências, exposições fotográficas e de arte nativa e projecções de filmes respeitantes à Guiné em todo o País, para procurar chamar a atenção de todos os homens de boa vontade e da nossa juventude pelos problemas da martirizada Guiné.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cometeria uma grande falta se deixasse passar despercebido o dia de hoje, dia festivo para as gentes da Guiné, que jamais se esquecerão da bondosa figura do venerando Chefe do Estado, que em todos deixou um admirador profundo, e traduzirei bem o sentir de toda a população da província, brancos, mestiços e negros, pedindo a Deus que continue guardando o Chefe do Estado e que nos ajude a dar à Guiné a paz e o sossego de que bem precisa para conseguir o desenvolvimento a que tem jus.
Prestando as minhas homenagens ao venerando Chefe do Estado, apresento a S. Exa., em nome de toda a população da Guiné, os mais vivos agradecimentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há imagens de cenas vividas ou que nos foram transmitidas que, por muito afectarem a nossa sensibilidade, ficam gravadas em nosso espírito.
Algumas delas desfilam neste momento no meu pensamento ao recordar, passado um ano que hoje se completa, tudo o que se exteriorizou na visita de S. Ex.ª o Presidente da República ao arquipélago de Cabo Verde, depois de idênticas jornadas na província da Guiné.
Mas, para além de todas as manifestações de entusiasmo, respeito e simpatia de que fomos testemunhas e que cercaram essa visita, foi o seu significado profundo que fez prevalecer essas imagens em meu espírito.
Recebemos uma grande herança dos que nos precederam, herança que, por pesada nos dias do presente, não podemos ignorar e abandonar; por ela temos a obrigação de nos manter no sentido que conduz ao alvo a atingir, caminhando juntos, para a civilização, com gentes e povos a quem demos a nossa amizade e que são elementos de uma mesma pátria.
Foi essa finalidade que S. Ex.ª o Presidente da República nos quis recordar e que, para a atingir, forçoso é caminharmos unidos, tendo sempre presente que, assim actuando, lutamos pela felicidade desses povos, felicidade que não atingiriam seguindo por outras veredas, que não as estradas limpas do direito e do amor por todos os que connosco procuram o bem da humanidade.
Eu e o meu colega de círculo, em nome das gentes de Cabo Verde, voltamos a agradecer-lhe, Sr. Presidente da República, o exemplo que nos soube dar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: Dinamizar, descentralizar e responsabilizar ...
Eis o método de governo do Sr. Ministro das Comunicações, enunciado por ocasião da sua recente visita à cidade do Porto.
Mas, ao tomar contacto com os serviços e os problemas dependentes do seu Ministério, ao estudar as soluções, ao incentivar os trabalhos em curso, fez o Sr. Ministro, durante a visita, política da melhor, porque não se limitou a prometer ou a calar, mas, dinamizando os homens e os serviços, descentralizando a execução dos empreendimentos e marcando metas e prazos, convenceu mesmo os cépticos das viagens oficiais de que chegara a hora de pôr fim às obras nunca acabadas ou de se iniciarem as nunca começadas.
Não houve sessões solenes, não houve banquetes, não houve discursos, não houve distinções honoríficas. Trabalhou-se.
E outra virtude política mostrou possuir o Sr. Ministro, com o aval, aliás, dos anos passados à frente do mais vultuoso e espectacular empreendimento executado em Portugal nestas últimas décadas, a Ponte Salazar, de que, se a publicidade extemporânea pode prejudicar o silêncio dos trabalhos de gabinete, a opinião pública lhe merece a consideração de conhecer a tempo quanto o Governo se propõe fazer, ou está realmente a fazer, ou de saber a razão por que não faz, ou faz mais vagarosamente do que o previsto, o anunciado ou o desejado.
A retina do governado é extremamente sensível à imagem do governante, quando projectada sob a luz da verdade, e a .imagem nunca se deformará enquanto a luz brilhar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como demonstração, ponho alguns casos, entre outros, saídos há dias do segredo dos gabinetes ou
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do domínio dos técnicos para as devidas soluções ou para o conhecimento público.
Alguns deles constituem a definição de nova política, que condicionará os rumos a seguir no aproveitamento ou no desenvolvimento de estruturas fundamentais, como em relação ao porto de Leixões e ao aeroporto das Pedras Rubras; outros estabelecem as bases da execução ou do termo imediato, ou a curto prazo, de empreendimentos importantes para a resolução de problemas de comunicações ou de trânsito, e refiro-me ao novo edifício dos correios, às estações centrais de camionagem e à ponte ferroviária sobre o rio Douro.
Sobre cada um deles, e dos outros, houve uma nota orientadora ou esclarecedora, completada sempre por exposições mais ou menos desenvolvidas, mas sempre claras e elucidativas de um propósito planificado e estudado, e, finalmente, o despacho geral no qual se analisaram com inteligência, ordem e minúcia os diferentes problemas e se determinaram as soluções convenientes, com um sentido das realidades verdadeiramente notável.
Creio sinceramente, pelo que se passou, que há motivos para confiar. Falou-se dos problemas em voz alta, respondeu-se às dúvidas, dinamizaram-se os homens e os serviços, saiu-se fora de uma centralização absorvente e deu-se a palavra de ordem responsável e responsabilizadora, capaz de vencer os atrasos.
Algumas vezes, e até recentemente, Sr. Presidente, me VI forçado, deste lugar, a chamar a atenção para o que julgava errado na concepção ou demorado na execução, interpretando, dessa forma, o mandato dos que aqui me trouxeram e a opinião pública, mal informada ou perturbada pela inércia inexplicável, ou não explicada, dos serviços.
Fi-lo sempre com desgosto e no propósito de provocar um esclarecimento gerador do prestígio dos mesmos serviços, competentes em razão da matéria, mas incompetentes em razão de actividade, como por ironia se ouvia julgar, e do próprio prestígio do Governo.
Pois, desta vez, sinto satisfação em falar sobre os mesmos assuntos, e estou certo de vir a dar por bem empregadas as expectativas manifestadas perante os factos da visita do Sr. Ministro das Comunicações e a confiança que ela suscitou na opinião pública, agora bem esclarecida. E nessa linha de considerações, com o propósito de completar melhor as minhas afirmações, farei perder mais um pouco de tempo a VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Contra a ideia de um fatalismo que condenava o porto de Leixões aos limites do plano geral de ampliação aprovado em 1955, e em parte executado, plano esse julgado bastante para corresponder às necessidades do tráfego até ao fim do século, mas já hoje a caminho de uma rápida saturação, pelo espectacular aumento do seu comércio geral e do apoio a uma das maiores concentrações industriais do País, chegou-se agora à visão rasgada de um aproveitamento progressivo, de harmonia com o crescimento económico da região e dos serviços por ele impostos. Porto de abrigo que começou por ser e porto de escala de navios de passageiros, depois conjuntamente porto comercial complementar do Douro e porto de pesca, ainda hoje o primeiro sardinheiro da Península, Leixões movimenta presentemente quase 3 milhões de toneladas de carga geral e vai ser dentro de meses, como complemento da grande refinaria da Sacor, o major terminal petroleiro do País, para navios até 100 000 t, com possibilidades anuais de 6 500 000 t de produtos.
Pois, não sòmente o porto de Leixões continuará a sua expansão para terra e para o mas, como acontece por mercê das possibilidades da técnica em todos os portos comerciais do Mundo, e para o efeito se determinou agora o estudo e revisão do seu plano geral, à luz das perspectivas actuais e futuras da região que se destina a servir, como lhe foi reconhecida a nova dimensão de terminal mineraleiro, destinado a receber e encaminhar por via marítima os minérios transmontanos, nos barcos apropriados, que atingem 80 000 t ou 90 000 t de deslocação, a partir do exterior do molhe sul.
Se das ligações marítimas passarmos às ferroviárias, ficou a conhecer-se o Plano Geral do Nó Ferroviário do Porto, a que a imprensa fez larga referência, e assente o imediato andamento dos projectos e obras já estabelecidos definitivamente, e, entre estas, a mais espectacular, que é a nova ponte sobre o rio Douro, com duas vias, cujo concurso público se realizará em Junho ou Julho próximos, na base do anteprojecto do Prof. Edgar Cardoso, com o aproveitamento do cimbre da Ponte da Arrábida, havendo sido considerada urgente, dentro do princípio da continuidade das obras, a preparação dos processos de concurso dos respectivos acessos, que prevêem a construção de novos túneis.
Com a louvável insatisfação de ver terminados os empreendimentos no seu tempo normal, não poderia o Sr. Ministro das Comunicações concordar com o largo prazo de anos, a acrescer às décadas já despendidas em estudos e obras, para o termo da construção do edifício dos correios, na Avenida dos Aliados, que constitui o verdadeiro paradigma das obras que nunca mais começavam e uma vez começadas nunca mais acabam, ficando assente também que se considerasse a sua ampliação, contribuindo-se, assim, para a solução de um importante problema urbanístico da zona central da cidade do Porto, que, à ilharga do monumental edifício da Câmara Municipal, compromete ou define uma administração.
Por outro lado, o Sr. Ministro, no desejo de tomar contacto com os serviços e problemas, estudar soluções e incentivar trabalhos, não poderia, da mesma forma, deixar de encarar de frente o decantado problema das estações centrais de camionagem, com todo o seu cortejo de atrasos, divergências de critérios sobre a sua função e localização, e conjugação de actividades com os transportes colectivos urbanos.
Recorde-se que muito embora a localização das referidas centrais houvesse sido feita de acordo com o plano director da cidade, a verdade é que muito tempo decorreu desde o ano de 1962, em que o estudo base foi aprovado pelo Ministério das Comunicações, o que modificou consideràvelmente os dados do problema.
Não se previu então o excepcional surto de tráfego rodoviário ocorrido entretanto, com o congestionamento das vias de acesso ao centro da urbe, nomeadamente através da Ponte de D. Luís e a dificuldade em se desviar parte desse tráfego para a Ponte da Arrábida, por falta das convenientes rodovias.
Daí todos os inconvenientes da prevista estação do Parque das Camélias, como procurei demonstrar não há muito tempo, que se viria a transformar em mais um obstáculo para o descongestionamento do tráfego da zona central da cidade, a continuar a insistir-se na sua utilização pelas carreiras de longo curso, quando tudo indicava, pelo contrário, que o espaço destinado à sua instalação poderia ter melhor aproveitamento como parque de estacionamento de automóveis, transferindo-se a projectada estação para terrenos a sul da Ponte da Arrábida.
Mas tal solução, como também, fiz notar, provocaria o colapso da construção da desejada central, cuja urgência se impõe constantemente: os terrenos estavam nas mãos do Estado, os projectos, aprovados ou em vias de o serem, e a obra, dotada financeiramente pelos Planos de Fomento.
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Novos estudos, novas expropriações, novos orçamentos ...
Pois também aqui a visita do Sr. Ministro das Comunicações se mostrou excepcionalmente profícua. A estação central de camionagem do Parque das Camélias será um facto, e da sua execução se encarregará imediatamente a Camará Municipal do Porto, por conta do Ministério das Comunicações, destinando-se, uma vez construída, conforme o previsto inicialmente, à camionagem oriunda do sul, apoiada, todavia, por uma outra estação, a construir em Vila Nova de Gaia, e até que entre em funcionamento um» terceira, a situar no Bessa, «procurando-se a rápida execução dessas importantes peças da infra-estrutura dos transportes para que possam começar a funcionar quanto antes e para permitir uma repartição de trânsito que chegue e parta da cidade pelas vias e obras que têm sido realizadas e não estão a ter a utilização que devem ter», segundo consta do despacho ministerial.
E se, entretanto, a estação do Parque das Camélias vai poder ter o aproveitamento nocturno de estacionamento de automóveis, uma vez desafectada, por desnecessária, ao fim para que foi construída, ainda lhe ficará a função importante de estação de camionagem de turismo.
Enfim, Sr. Presidente, e para não demorar mais este aspecto promissor de novas perspectivas rodoviárias da cidade do Perto, só acrescentarei que já está aprovado um outro plano base das estações de camionagem e nele se compreendem, além das referidas anteriormente, duas outras, uma 310 Ameal e outra em Campanhã, por forma a conseguir-se uma perfeita coordenação dós transportes rodoviários entre si e destes com os transportes ferroviários.
Esperemos que o Município possa acompanhar o ritmo actual de decisão e trabalho do Ministério das Comunicações.
E, para terminar, quero referir-me ao aeroporto do Porto, mas desta vez com um optimismo que nunca dominou as minhas anteriores intervenções sobre esse importante, assunto.
Estou certo de que o optimismo não será partilhado por todos quantos acharam demasiado rápida a visita do Sr. Ministro ao aeroporto, que, aliás, conhecia bem, e lacónicas as si as declarações, pelo menos em relação aos outros problemas debatidos, na conferência de imprensa com que rematou a sua estada no Porto.
Estou habilitado a afirmar que o meu optimismo está mais na linha das resoluções tomadas do que o desapontamento manifestado por alguns que desde sempre aguardam as soluções compatíveis com a função que o aeroporto deve exercer como estrutura fundamental da economia da cidade do Porto e de toda a sua vastíssima área de influência.
Quase esquecendo a principal função do aeroporto do Porto, temo-nos preocupado, por vezes, com alguns dos seus aspectos, marginais, como, por exemplo, ele dever ser ou não alternante do aeroporto de Lisboa. A função de alternante é meramente acidental e compete a todos os aeroportos comerciais, com serviços instalados para satisfazer as necessidades dos utentes da navegação aérea. E sob esse aspecto o Porto dispõe de excelentes condições para continuar a ser um aeroporto alternante do de Lisboa, como o de Lisboa alternante do Porto, sempre que as circunstâncias o imponham.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: E para ver como essa função é acidental bastará dizer-se que, durante o ano de 1968, em 2047 voos comerciais estabelecidos em horário, apenas 16 foram cancelados no aeroporto das Pedras Rubras, por razões metereológicas, o que ao mesmo tempo mostra a sua excelente localização.
Mas o que importa saber-se é o que consta do despacho ministerial de 3 do corrente, proferido a propósito da visita ao Porto.
Pois nele se diz que «a importância que têm para o Porto as comunicações aéreas obriga a atenção especial a dar ao seu aeroporto. Ele tem de ser considerado como um aeroporto que se destina essencialmente a servir a cidade e o Norte, pelo que tudo terá de se fazer» - e chamo a especial atenção para esta passagem do despacho - «para o levar para o nível de um aeroporto internacional».
E por isso mesmo foi determinado à Direcção-Geral da Aeronáutica Civil que promovesse, quanto antes, a revisão do plano director do aeroporto, «com a indicação dos principais problemas relativos às áreas operacionais e sua possibilidade de execução» quanto a pistas, caminhos de circulação, plataformas de estacionamento e edifício destinado à carga aérea e ainda o arranjo do edifício da gare na parte destinada ao público, «por forma a ter um aspecto mais digno e actual».
O despacho recomenda urgência nos estudos, a fim de ser concedida a dotação necessária para a efectivação dos trabalhos quanto antes, acrescenta.
Creio que nunca se disse tanto e tão bem quanto ao presente e o futuro do aeroporto do Porto, cuja função, em última análise, ficará, certamente, subordinada à definição de uma política aérea geral, que não pode deixar de estar nos propósitos do Governo, como, aliás, foi anunciado.
Com o aumento de novos voos diários pelos Transportes Aéreos Portugueses, a partir de Abril, na linha Lisboa-Porto e a concretização, que se deseja, de uma carreira Lisboa-Porto-Paris, para passageiros, e outra Lisboa-Porto-Francoforte, para carga, já em estudo, novas perspectivas se abrem, finalmente, para o aeroporto do Porto.
Eis, Sr. Presidente, as considerações que entendi dever fazer à recente visita do Sr. Engenheiro José do Canto Moniz à minha cidade, que podemos considerar de interesse fundamental para a solução de problemas que estão na base do seu progresso e acto político de invulgar importância para o crédito do Governo, pois, no estilo do Sr. Prof. Marcelo Caetano, nada prometeu que não possa ser cumprido, mas traçaram-se as necessárias metas a atingir e dinamizou-se quem as havia de executar com responsabilidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: A posição de defesa do direito e do interesse dos povos não é tarefa fácil, mesmo para aqueles que estejam legalmente investidos no dever de os patrocinarem e o façam, para além de um simples gosto de reclamar, determinados por insuspeitáveis propósitos de servir, forçando quem de direito às explicações conducentes ao aclaramento de certas situações de facto.
A reclamação, como expressão que é de um direito fundamental dos cidadãos, consignado no n.º 18 do artigo 7.º da nossa Constituição Política, desde que fundamentadamente apresentada perante aqueles a quem cumpre a sua apreciação, devidamente subscrita e deduzida em termos hábeis, como direito que é, ninguém legitimamente pode opor ao seu livre exercício peias,
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suspeições ou críticas desvirtuadoras do seu real sentido. Quem reclama dentro de tais moldes, seja qual for a natureza da reclamação ou a entidade a quem se dirige, ou a tribuna donde o faz, exerce sempre um direito, que só pode ser contestado nos factos em que assenta, e nunca em si mesmo, como faculdade de utilização discricionária que é. E mesmo que não haja direito ou interesse efectivamente ofendidos, mas apenas ofensa aparente daqueles, uma simples iminência ou desconfiança de um estado de perigo, ainda assim, a reclamação, mormente no nível em que nos situamos, é sempre meio pertinente e útil para se obter a aclaração das razões de determinado status que afectante deste ou daquele interesse, deste ou daquele sector de actividade em que se gerou o mal-estar ou sofreu o prejuízo.
O que dito fica não é susceptível de contestação.
Não obstante, geralmente, os Poderes, seja qual for o seu nível ou o paralelo em que se exerçam, não gostam de que se reclame, nem gostam de quem reclama.
São incómodos os que reclamam. Dão trabalho nas explicações a que obrigam, pois quase nunca interessa o que julga, nem o que pensa, o reclamante em face do que já foi superiormente dado como certo ... Embora mal, é este um entendimento muito generalizado entre nós.
Ora o facto de se não duvidar de que o Poder, quando se debruça e quando decide, tem sempre em vista o interesse nacional - aqui o Poder é sinónimo de Governo -, não quer dizer que o mesmo seja insusceptível de errar, pois o acerto das medidas tomadas afere-se, não pela convicção unilateral de que se satisfez o interesse visado, mas pelas reacções públicas que a sua aplicação origina - de se louvarem quando satisfatórias; reclamáveis e criticáveis quando suscitem reparos e queixas atendíveis, ou que o não sejam, caso em que, não obstante, haverá sempre vantagem em se conhecerem para que se possa esclarecer os que reclamam e contestam o seu acerto.
Sr. Presidente: Não sei corno, às vezes, mais do que desejava, sucede-me pôr os problemas «às avessas» no que respeita à sua exposição, não raro começando por onde devia acabar. Não será tanto, creio-o, por um gosto de causar suspenso - que me perdoem o designativo os defensores da pureza da língua - como pela obediência a um jeito que sempre me fez encontrar melhor sabor na preparação projectava do que propriamente nos fins determinantes, na emergência talvez mais bem servidos com o entendimento resultante das palavras adrede pronunciadas.
Assim é que talvez eu devesse começar por me congratular com o facto de a minha intervenção sobre os telefones ter possibilitado a nota esclarecedora (?) que, segundo creio, emanada dos C. T. T., foi lida na Mesa desta Assembleia e a imprensa diária largamente difundiu, proporcionando ao público ledor e interessado ocasião para se documentar e poder ajuizar do valor da argumentação que se me opôs - certa ou precária, os elementos aí ficaram submetidos ao julgamento público. Talvez devesse começar por me congratular e por agradecer, apesar de a Administração-Geral dos Correios. Telégrafos e Telefones, cujo timbre se ostenta no papel em que a nota se apresenta dactilografada, me não ter agradecido o serviço prestado no sentido de lhe haver facultado, mercê da minha iniciativa, a bela oportunidade de «esclarecer» e «rectificar», em termos de desmentido, o que através deste órgão da soberania lhe chegara pela voz de um representante do povo, eleito para o representar nos seus interesses e dar conta dos seus anseios e inquietações, função em que nunca pensou poder ser confundido com um vulgar «propagador de boatos», como tristemente se entendeu na nota tão precipitadamente elaborada com base nos relatos necessariamente incompletos do Diário de Noticias, de O Século e do Diário da Manhã e aqui chegada alguns dias depois de ter sido publicado o Diário das Sessões desta Assembleia!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Digo tristemente porque, como se infere da nota, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones parece ignorar que os Deputados não propagam nunca boatos. Quando os referem, do que é exemplo flagrante a neta, pelo contrário, estão a contribuir como devem para o desanuviamento do estado de ansiedade e inquietação que aqueles geram. Estão, consequentemente, a colaborar, pelo que permitem à Administração de uma atitude esclarecedora e pacificadora face às perturbações verificadas e lhes cumpre levar ao seu conhecimento para que tome as medidas convenientes no sentido de evitar o seu recrudescimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais. Quando o Deputado intervém, mesmo que o faça influenciado por um boato que corre, a atitude do sector ofendido com a sua propagação, ao contrário da verificada por parte dos C. T. T., deve ser de agradecimento pela oportunidade que lhe foi dada de se lhe opor, e não de enfade, como que a sentir-se tocado na sua honerabilidade e omnisciência, certo como é não deverem, nem poderem, ser suspeitos de tais propósitos os ilustres Deputados, como o Governo igualmente empenhados em servir a Nação. Além de que, no caso sub judice, o chamado «Deputado propagador» só incidentalmente se referiu ao falado aumento das taxas, que de nenhum modo constituiu o fundo da sua intervenção, muito outro, a cujo trato a nota se furtou e se concretizava num reparo aos serviços telefónicos, geralmente mal reputados, cada dia mais caros, exactamente como o disse:
... a encarecer e a servir pior, estranhamente, tanto mais quanto mais se dilatam as redes e as instalações, quando não no aumento das taxas, em que já se fala, na incontrolável escrituração das chamadas e contagem dos períodos, que temos de aceitar como certa, embora o não esteja, e somos sempre obrigados a pagar como no-lo impõe o poder coercivo do serviço explorador.
Assim mesmo. Tal como consta do respectivo Diário das Sessões n.º 162, de 15 de Janeiro próximo passado, que para os devidos efeitos aqui se dá como inteiramente reproduzido e melhor poderá fundamentar segunda nota, pois a verdade é que a primeira não satisfez o Deputado interveniente - nem quanto à forma, nem quanto ao fundo - e, ao que parece, nem a Câmara, nem o público, que mais interessava esclarecer e ficou como dantes ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Continua, pois, de pé o essencial.
Porque o essencial não é discorrer sobre o que já era sabido no tocante à transferência para o Estado dos
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serviços telefónicos em causa, demasiado conhecida e que nem por o ser obstava a que, tal como decorre da intervenção criticada, se continuasse a estabelecer a diferenciação entre Estado e companhia ou C. T. T. e companhia, com vista unicamente a mostrar-se um comportamento divergente quanto à apresentação da escrituração das chamadas, aliás no prosseguimento de um modo arreigado de diferenciar entidades que os próprios serviços assim continuam a distinguir, o que pode ser verificado mesmo aqui dentro desta Casa quando procuramos o telefone e o contínuo nos interroga se queremos a rede do Estado ou a da companhia ....
Porque o essencial não é comparar taxas vigentes em países estrangeiros, cujos níveis de vida se nos não equiparam.
Porque o essencial não é ....
Mas valerá a pena insistir no que seria ou não seria essencial foca: nessa nota dos C. T. T., que não convenceu ninguém?
Evidentemente que não. Até porque esta espécie de réplica não visa realmente o fundo, mas a forma (modo) de um continente sem conteúdo, importando, sobretudo, que fique bem claro não dever, nem poder, ser repetido em tão alto nível que nesta Assembleia se propagam boatos!...
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: O facto de pela primeira vez na já longa história da província de Moçambique um governador-geral da província de Angola a visitar oficialmente leva-me, como representante da província do indico nesta Câmara, a dizer algumas palavras de aplauso e de satisfação por este acontecimento, palavras que reflectem o sentir de toda a população de Moçambique, que, ontem, à chegada do ilustre governante, se manifestou calorosamente em expressões de júbilo e da alegria por tão honrosa visita.
Na mensagem que o ilustre visitante dirigiu ao povo de Moçambique, logo após a sua chegada, estão bem expressos os sentimentos de fraternidade que unem as duas províncias e que o ilustre governador-geral de Angola tão bem traduziu no abraço muito grande que consigo levou e que, como disse, não cabe nos seus braços, pois é enviado por 5 milhões e meio de portugueses de Angola para todos os seus irmãos de Moçambique.
Em boa hora o governador-geral de Moçambique, com o compreensivo assentimento de S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, entendeu estreitar mais ainda os laços fraternos que sempre uniram as duas grandes províncias portuguesas do Atlântico e do Indico, que para mais se amarem melhor se devem conhecer.
E nada mais acertado do que um intercâmbio de conhecimento das duas províncias, começando pelos seus mais altos e ilustres governantes, a quem incumbe, nesta hora difícil, zelar pelo desenvolvimento e progresso destas terras portuguesas, que, embora diferentes em vários aspectos, têm problemas e sentimentos comuns.
Gostaríamos de que esta larga visão política de intercâmbio se estendesse aos demais territórios ultramarinos e pudesse abranger também os representantes das várias províncias ultramarinas nesta Câmara, à semelhança do que se vem fazendo com a visita de ilustres Deputados metropolitanos ao ultramar.
Seria também de desejar que se intensificasse o intercâmbio nos vários sectores culturais e sociais, não esquecendo a juventude escolar, que, através de excursões tão do seu gosto, muito aprenderia pelo contacto directo com a geografia, a história, as gentes e os costumes das várias terras do ultramar, e colheria dele uma visão mais ampla e realista, que muito contribuiria não só para seu conhecimento mais concreto e profundo dos seus múltiplos problemas, mas também para um estreitamento de relações entre as diferentes populações portuguesas do ultramar, entre si e com as da metrópole, com as quais se torna igualmente necessário acentuar o intercâmbio, para que assim se fortaleça cada vez mais a unidade de sentimentos que deve ser comum a todos quantos, nos diversos continentes, constituem a Nação Portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate do avisa prévio acerca dos problemas da população idosa do nosso país, do fenómeno do envelhecimento da população e da política da velhice.
Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Coimbra.
O Sr. Leonardo Coimbra: - A história, para além das contradições que dinamizam a sua evolução, possui um valor de eternidade. Todo o acto realizado no tempo, pelo seu conteúdo moral e espiritual e pela sua dependência ou oposição ao amor essencial, assume uma ressonância eterna. O Universo, na sua fase actual de gestação e cosmogénese, como maravilhoso pedestal da eternidade, está dividido entre o egoísmo próprio da ordem da natureza, e que sòmente conduz à tirania, contradição e caos, e o amor trazido por Cristo à terra e que, por ser a própria essência de Deus, é a única força definitivamente criadora e unificante.
Das existências ordenadas e aparentemente sem sentido, o amor de Cristo forma um mundo unificado e harmonioso. É a orientação reintegradora de todas as realidades em Deus, como seu fim último e supremo, que explica e dá sentido a toda a existência, de outro modo pulverizada e perecível como astro desorbitado e sem rumo. E o que se passa com a criação em geral sucede com o destino individual de cada homem.
Toda a existência é uma luta entre o egoísmo, que enraíza o homem nos valores perecíveis e efémeros (e sòmente pode conduzir à contradição e ao dissídio), e o amor, que unifica e constrói, no complexo entrelaçamento da liberdade (que nos torna semelhantes a Deus) e da graça vivificante, capaz de renovar e recriar o novo homem na ordem do amor e da vida espiritual.
E nesse progresso e acção criadora, que constitui o drama profundo e irrevogável de toda a existência humana, o homem vai-se enriquecendo espiritualmente, na medida em que os degraus do tempo se desgastam e ele caminha para a velhice e para a morte.
A velhice deveria, assim, constituir o período mais rico de densidade existencial e. de mais válida maturação cultural e espiritual, para que a grande e definitiva opção da morte pudesse ser profundamente consciente e lúcida.
Mas esta condição ideal pode não se realizar, e talvez a maior parte das vezes assim suceda. A velhice, considerada sòmente como expressão da decadência das vir-
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tualidades pessoais e da actividade social e profissional, com o seu cortejo de frustrações sociais, familiares e psicológicas, insere-se numa problemática confusa e pouco compreensiva e respeitadora dos direitos humanos e da situação concreta da pessoa que a idade desinseriu das normais relações com a comunidade a que pertence. Encontrar o caminho que permita ao homem solitário e isolado pela idade realizar a plenitude das suas responsabilidades até ao fim - de acordo com a parábola dos talentos, que requer de cada um a plena valorização das suas possibilidades e recursos - é a tarefa de uma fecunda política de reabilitação humana e social da velhice.
Ela deveria constituir a idade da plenitude. Plenitude da experiência humana e de maturidade moral e espiritual. Entretanto, durante séculos e milénios, o homem, precocemente gasto pelas agressões do mundo, exterior, como doenças, guerras, subnutrição, precária higiene habitacional e do trabalho, não podia atingir essa idade em condições de equilíbrio físico e mental. Mas, com os progressos da higiene, da medicina preventiva e curativa e do nível social, a duração média da vida e o nível sanitário foram subindo, de tal modo que hoje já se pode pensar na velhice como idade de plenitude, e não de inevitável decadência. Mas essa vitória implica problemas e conflitos que requerem estudo e solução.- E, tal como nos outros países, também para nós a situação começa a constituir realidade a considerar dentro dos próximos dez anos.
Ao fim de uma longa vida de trabalho o homem adquire o direito a ser protegido pela sociedade que serviu e contribuiu para melhorar e enriquecer. Por isso lhe é devida justiça social, segurança e bem-estar.
Para além da realização das imperiosas medidas de justiça social, a grande tarefa humanizadora dos estados deve consistir, como natural consequência, em libertar os homens das suas naturais alienações e carências terrenas, para que possam, livremente, realizar os seus destinos espirituais imperecíveis. E, assim, para que a velhice possa realizar a sua função de acabamento social e espiritual do homem e constituir a ponte segura para passar da dispersão deste mundo para a paz plenificante da contemplação divina, é necessário definir e estruturar condições económicas, sociais e familiares que propiciem uma plena maturação espiritual e moral, como condição de verdadeiro acabamento do destino do homem no rumo indeciso da sua passagem na terra.
Como consequência do alongamento da duração média da vida, que hoje atinge 70 anos, como resultado dos progressos sanitários e sociais, verifica-se uma tendência para o envelhecimento das sociedades. A baixa de natalidade também influi, de modo que a França pode considerar-se, apesar de toda a sua riqueza humana e capacidade técnica, um país envelhecido. Por tal motivo, procedeu à elaboração de um plano fundamentado nos estudos da Comissão Laroque.
As sociedades envelhecem num ritmo que exige planeamento oportuno, pois que este fenómeno representa um encargo grave, de ordem humana e económico-social, para as comunidades que o suportam.
Em menos de dois séculos, segundo Paul Paillat, o número de pessoas com mais de 60 anos multiplicou-se por quatro, e a sua proporção duplicou largamente. Igualmente o grupo de pessoas com 80 anos triplicou desde o Segundo Império até hoje.
A idade média da morte passou de 40 anos, em 1900, para cerca de 70 anos, actualmente, com o simultâneo fenómeno de mais tardio aparecimento dos sinais de senescência.
Assim, vive-se mais tempo e envelhece-se mais tarde. Na «terceira idade», como lhe chama Huet, processa-se um declinar suave, o período pré-senil, em que o indivíduo mal se apercebe da sua diminuição progressiva. A energia vital decai apreciavelmente, mas, essa quebra é ainda largamente compensada pela densidade da experiência acumulada c que é utilizada com maior rendimento. Nesse, ainda fecundo, período de transição, que tantas vezes só prolonga para além da cobertura social da reforma obrigatória, o homem pode representar um valor social inapreciável, que é preciso aproveitar, em benefício próprio e também do interesse comum, mediante adequadas medida-? de reabilitação e integração! familiar e social. Se considerarmos os dados estatísticos referentes às curvas dos principais tipos de rendimento humano, somos conduzidos, com o psicólogo italiano Greppia, ao conhecimento da existência de três curvas de rendimento cujo início assinalará o começo da velhice.
A «curva da capacidade para os trabalhos manuais» terá já o seu inicio por volta dos 50 anos; a «curva das responsabilidades sociais e económicas», por volta dos 60 anos; e a «curva da capacidade para o trabalho intelectual», por volta dos 70 anos. Donde, estas conclusões importantíssimas para a higiene mental do velho, nos seus vários aspectos: do ponto de vista do seu rendimento ou produções, o homem parece não envelhecer todo por igual, pois poderá já ter começado a ser velho para o exercício de actividades físicas, conservando-se ainda ágil em matéria de direcção social, e quase jovem em matéria de actividade intelectual. «Muitos sexagenários forçados à retirada ou à reforma conservam, pois, intactas as suas possibilidades de rendimento intelectual», diz ainda Greppia. E esta afirmação é extremamente importante no seu significado humano e social, pois permite evitar que o velho seja eliminado da vida familiar e comunitária, como um resíduo social, pela promoção de medidas de reabilitação que o recuperem como elemento social ainda activo e fecundo. E este facto reveste-se de marcado significado social e económico, porque os velhos improdutivos representam uma sobrecarga para as populações activas. Segundo Paul Paillat, no seu livro Sociologie de la Vieillesse (p. 134), para suportar os encargos de 1438 000 indivíduos inactivos é necessário o trabalho de 609 000 activos suplementares, que terão ainda de arcar com as suas próprias necessidades, reduzindo, assim, a produtividade do aglomerado populacional. E o aumento da população idosa, arrastando consigo a eclosão dos seus problemas inerentes, atingirá também entre nós volume justificativo da nossa atenção. Assim, numa previsão estatística que admite a lenta e contínua descida da natalidade e da mortalidade, e não considerando mesmo a emigração, calcula-se que haverá em Portugal, em 1980, 1 076 000 pessoas de mais de 65 anos, o que corresponderá a 10 por cento da população total.
Assim, utilizando a proporção indicada pelos autores franceses, podemos calcular que será necessário o trabalho de perto de meio milhão de pessoas activas, ou seja quase a população de duas cidades como o Porto, para cobrir as despesas do País com a população inoperante ou reformada. Por esta proporção, que exprime a seriedade do significado económico do problema, e considerando que muitos excluídos da actividade social pela reforma são ainda capazes de um labor fecundo, e pensando igualmente nas profundas, implicações psicológicas, afectivas e espirituais da solidão e inactividade forçadas, impõe-se meditar e planear um efectivo e válido programa de política da velhice.
É social e humanamente inaceitável a situação do velho desamparado que se arrasta a trabalhar até aos últimos
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dias da vida, por vezes em trabalhos pesados e com largas distâncias a percorrer a pé.
Lembro-me de um velho de 80 anos, já desaparecido, que todos os dias se deslocava a pé cerca de 20 km, ida e regresso, para exercer a sua profissão de serralheiro.
É certo que o vigoroso e feliz movimento social da previdência fez definitivamente desaparecer estas situações inaceitáveis, através das suas múltiplas expressões do seguro social.
A justiça social impõe-se com todo o peso das razões sociais e morais, mas a sua aplicação deve consentir uma zona de transição onde se insira a capacidade relativa do homem atingido pela reforma, mas que possa ainda trabalhar em postos melhorados e em tempo parcial. E assim deve ser, porque a própria reforma pode suscitar tensões familiares e sentimentos de frustração e angústia.
Impõe-se, portanto, planear um sistema que conduza à reabilitação; reintegração social e familiar do homem que se avizinha do termo da existência, para que esta possa ser fecunda e feliz.
O reajustamento psicossocial do homem diminuído pela idade pode COM seguir-se por meio do recreio formativo, formas leves de actividade física, actividades sociais de grupo do tipo associativo e cuidados médicos especializados, para promover a reabilitação geriátrica.
Particularmente nos países onde se verifica a existência de falta de mão-de-obra, é evidente a vantagem que, oferece a reabilita não e reajustamento do trabalho dos velhos em actividades compatíveis com a sua capacidade relativa e reclassificação profissional.
O Serviço Nacional de Colocação de Velhos aconselha, como mais conveniente, manter o trabalhador nas mesmas actividades ou afins, modificando sòmente o ritmo e o grau de responsabilidade, dado o facto de a capacidade de aprendizagem de novas técnicas sofrer redução com a idade e existir uma permanente mutação nos processos tecnológicos modernos. Sem dúvida, os velhos têm menos aptidão para responder a provas psicológicas e para se adaptarem a novas tarefas, pelo que é difícil proceder à sua reclassificação.
Mas, desde que se trate de continuar a exercer a profissão que comecem, é fácil estabelecer um regime de compensações útil para as duas partes interessadas, o que é particularmente fácil quando se trata de indivíduos evoluídos e exercendo profissões intelectuais.
As incidências económicas do fenómeno do envelhecimento das camadas sociais são pesadas e traduzem-se pelo envelhecimento do equipamento de produção.
Uma população em que pesassem os velhos inúteis tornar-se-ia estagnante e perderia espírito de iniciativa e de renovação do seu potencial criativo e de produção.
Como já vimos, o aumento do número de velhos impõe uma sobrecarga aos adultos que trabalham.
Portanto, se o número de reformados aumentar sem que se eleve a população activa, tem de se caminhar para uma das duas soluções, como preconiza Darie: ou aumentar o encargo da população activa, ou diminuir os encargos com os velhos inactivos. Como esta última solução é contrária aos seus interesses e direitos, afigura-se que o único caminho consiste em elevar o seu rendimento, aproveitando a sua capacidade remanescente de trabalho, sempre que seja possível, o que só oferece vantagens psicológicas para o próprio, para a sua integração social e familiar, e para o conjunto da comunidade social.
É, pois, no Sentido do prolongamento da vida activa que se deve caminhar. Por isso os aposentados devem usufruir do direito de continuar a trabalhar, embora em escalão mais reduzido, sobretudo quando a aposentação é económicamente insuficiente. Escreveu o Prof. Lian que «não deveriam encontrar-se trabalhadores tendo atingido os 50 anos e perdido o emprego, quase sistematicamente recusados na admissão por causa da idade».
Existe um evidente conflito entre a vantagem da empresa e o interesse da colectividade, que se poderia contornar pela reabilitação e reorganização, de conjunto que assegurasse às pessoas capazes de actividade produtiva um trabalho útil segundo as suas possibilidades e de acordo com reclassificação adequada.
Deveria caminhar-se no sentido do aproveitamento de convenientes postos de trabalho e uma modificação de equipas e horários, de modo a promover uma política de humanização do trabalho.
Sauvy lançou a ideia valiosa das «hierarquias paralelas», que, sem perturbar o acesso dos novos e a indispensável vitalidade da sua iniciativa, mantivesse os indivíduos idosos e experientes nos postos de conselheiros técnicos, administradores, inspectores, etc., em tempo completo ou parcial, conforme as necessidades das empresas e a capacidade dos colaboradores.
Também é possível recorrer a permutas com postos de trabalho menos exigentes, à mecanização ou automatização das operações, a adaptação do posto, de modo a permitir a posição sentada, por exemplo, a substituição das instruções escritas, que cansam os olhos, pelo uso das instruções gravadas em fita magnética, etc. É de lamentar que, havendo por toda a parte falta de técnicos qualificados, se eliminem, por vezes, competências em função do puro critério de idade cronológica. Para os reformados que não usufruam de condições que lhes permitam o acesso, assim como a prática minimamente produtiva da sua profissão, mesmo após a reabilitação, há que pensar na vantagem das oficinas protegidas, muito valorizadas na Inglaterra e outros países da Europa ocidental. O melhor tratamento para assegurar o bem-estar das pessoas idosas consiste em assegurar-lhes adequado estímulo e actividade social e mobilizar todas as suas reservas físicas e mentais em plena função, para evitar que se abandonem à solidão e tédio, que precipitam o desmoronamento da personalidade em difícil equilíbrio.
No relatório da III Conferência Pan-Pacífica sobre Reabilitação, realizada em Tóquio em 1965, pode ler-se esta afirmação categórica:
O problema das pessoas idosas tornou-se um dos mais urgentes nas sociedades modernas.
Por isso os países socialmente mais evoluídos criaram os seus esquemas de protecção à velhice.
Assim, no Japão existem lares para velhos e lares com assistência de enfermagem, a par dos benefícios próprios do seguro social.
Como parte da reabilitação geriátrica, há que estabelecer lares para pessoas idosas. No Japão, por exemplo, foi promulgada, em 1963, uma lei para assegurar o bem-estar das pessoas idosas, tendo em vista promover a saúde e combater a solidão de que os velhos naturalmente sofrem.
No referido país, a reforma e a ocupação dos velhos tornou-se um grave problema no sector da economia e do trabalho devido à falta de mão-de-obra jovem.
Por isso o Ministério do Trabalho programou um amplo plano de trabalhos adequados para trabalhadores idosos.
As soluções dos problemas suscitados pela velhice podem enquadrar-se dentro desta breve esquematização:
a) Cobertura económica - assegurada pela reforma, por invalidez ou por velhice, de modo a tornar
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o indivíduo relativamente independente, na família ou em instituição residencial;
b) Alojamento - na família, em instituições residenciais com actividades de grupo, em lares com assistência, em hospitais gerais ou psiquiátricos ou em unidades geriátricas, de que já existem cerca de 90 na Inglaterra, e só em Estocolmo existem 8 hospitais geriátricos dispondo de 2000 leitos. Todo o conjunto das relações humanas é acompanhado pelo serviço social. A permanência na família deve ser auxiliada o mais possível, pois a ela o prendem fundas raízes psicológicas e afectivas, evitando que represente um fardo que o faria sofrer por se sentir esquecido e rejeitado.
Por representar o sistema mais económico e mais humano, importa auxiliar uma política de forte apoio domiciliário.
c) Ocupação - em trabalho reclassificado nas próprias empresas, em oficinas protegidas para os mais diminuídos, ou em convívio nos clubes de bairro, onde se desenvolvem as mais variadas actividades culturais e de lazer. No Japão existem 47 000 clubes para velhos, servindo 3 milhões de pessoas.
Só na região de Lancashire, fortemente industrializada, existem cerca de 800 clubes para assegurar a integração e o convívio social. Tal como sucede na Inglaterra, alguns clubes são mesmo organizados por empresas poderosas;
d) Cobertura sanitária - assegura a profilaxia da invalidez, assistência médica, preventiva e curativa, e medidas de reabilitação. Na recente medicina geriátrica o termo «reabilitação» surgiu a par da medicina preventiva e curativa e propõe-se mobilizar as reservas funcionais para restaurar os diminuídos no máximo da sua capacidade possível.
Na Inglaterra vivem cerca de 10 por cento de pessoas com 65 anos ou idade superior. Assim, processa-se neste país uma política habitacional especialmente orientada para as necessidades da idade avançada, através de associações construtoras de casas para gente idosa.
Para os 10 por cento mais idosos que requerem assistência especial, por viverem solitários e se encontrarem enfermos, as autoridades locais organizam igualmente serviços domiciliários de assistência, que cuidam da alimentação, prestam assistência na doença e realizam trabalhos domésticos, como lavagem de roupas, etc. Mais de 1300 comissões locais para o bem-estar das pessoas idosas foram criadas sob a orientação do National Old People's Welfare Council.
Estas comissões locais organizam também clubes, serviços de visitas, férias e assistência com transporte e compras.
Mas a senilidade pode atingir um grau que não consente a independência da vida pessoal em casa própria, mesmo com a assistência dos serviços domiciliários.
Então o indivíduo idoso deverá viver em instituições residenciais de várias índoles, desde grupos de 30 a 60 residentes, a números mais elevados, como na América, ou entre nós a notável e modelar organização do Lar do Comércio, no Porto, disponde de quartos para os casais que a vida uniu e só a morte deverá separar.
Para os indivíduos idosos que adoecem oferecesse o recurso ao hospital, alguns dos quais dispõem de unidades geriátricas onde o doente beneficia de medidas de diagnóstico, terapêutica e efectiva reabilitação.
Segundo a Royal Comission of Mental Health, 20 por cento dos doentes idosos apresentam perturbações que necessitam de ser tratadas em hospitais psiquiátricos.
O aspecto psicológico da assistência aos velhos é muito importante, pois os sociólogos afirmam que a reforma abrevia a vida pela solidão e pelo sentimento de não ser desejado, assim, como pelo receio da doença e do acidente, que despertam um sentimento nefasto de intranquilidade e insegurança. Todo o esquema de protecção deve, pois, seguir o caminho oposto, assegurando, a estabilidade emocional e mantendo a actividade e independência do indivíduo idoso. Este é o caminho do respeito pela dignidade do homem que atingiu os horizontes da existência.
O velho desamparado terá de acabar sozinho a sua última e trágica experiência, e isso ser-lhe-á imensamente mais difícil que no caso de se sentir activamente amado e protegido.
A situação de desamparo afectivo coloca-o dramaticamente em face da morte, da solidão e frustração. Por isso, é preciso adoptar métodos e conceitos generosamente confiados e optimistas sobre a capacidade de recuperação o ocupação do velho.
À sociedade moderna, mais consciente das suas obrigações para com o homem dramático e existencial, incumbe elaborar a complexa estrutura de uma cúpula protectora sob a qual se desenrole, pacífica e humanizada, a última e definitiva jornada do seu destino temporal.
No mundo extremamente complexo e tenso dos nossos dias, a sociologia da velhice representa um capítulo cheio de validade e interesse.
A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (O. C. D. E.), que consagrou numerosos inquéritos e seminários aos problemas do emprego, liga particular importância ao grupo habitualmente desfavorecido dos trabalhadores idosos, quer dizer, dos trabalhadores com idade superior a 40-45 anos. Neste sentido já estabeleceu pertinente legislação a América do Norte. Como vemos, o problema começa muito antes da idade da reforma. Uma série de publicações difunde os resultados dos trabalhos realizados sobre: ordenação dos postos de trabalho (S. Griew); métodos de formação (Belbin); técnicas de colocação (Sobel e Wilcock), e colocação dos trabalhadores idosos (Div. dos Assuntos Sociais da O. C. D. E.).
Como conclusão final, chamarei a atenção para algumas vantagens essenciais oferecidas por uma valida política da velhice:
a) A reabilitação do velho reduz os encargos com as instituições assistenciais;
b) A reintegração social reduz os encargos familiares e liberta a família para outras actividades;
c) Libertando leitos de hospitais, ocupados indefinidamente por inválidos recuperáveis, melhora- as condições gerais de assistência;
d) Se os velhos puderem ser encorajados a trabalhar durante mais tempo, obtém-se a desoneração de todo o esquema protector e aumenta-se o rendimento dos impostos pelo exercício das actividades profissionais remuneradas. E é mais vantajoso para a economia cuidar da reabilitação dos velhos do que suportar os encargos resultantes da sua assistência improdutiva;
e) Também o próprio é beneficiado pelo trabalho nos planos económico, social, psicológico e familiar.
Cabe aos Governos proporcionar, através de legislação adequada, empregos convenientes para os velhos ainda válidos, o que se reveste de grande importância económica e social.
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Neste, sentido os sindicatos e as indústrias dos países mais evoluídos do Ocidente realizaram importante tarefa, promovendo esquemas de reabilitação e recolocação profissionais.
É, pois, de desejar que o Governo, por intermédio do Ministério da Saúde e Assistência e apoiado nas autarquias locais, promova as medidas mais convenientes para que sejam asseguradas as fundamentais soluções que descrevemos e que permitam salvaguardar os direitos do trabalhador envelhecido e os interesses da família e da Nação:
A exemplo do National Old People's Welfare Council, é de esperar que seja criado um departamento oficial, um instituto social de gerontologia, com a finalidade de estudar e planear, oportunamente, os problemas sociais que vão surgir;
Que também seja promulgada, como sucede noutros países, legislação própria para protecção dos velhos, que garanta as soluções implicadas pelos problemas que, na generalidade, equacionamos;
A exemplo do que sucede no Japão, e tal como já existe o Dia Mundial da Criança, para chamar a atenção sobre os problemas da infância, poderia igualmente ser instituído o Dia Nacional da Velhice, como manifestação de respeito e focalização da sua problemática;
Que seja criado um esquema de medicina preventiva, assim como, nas Faculdades de Medicina, uma cadeira de Geriatria.
Sr. Presidente: Eis alguns aspectos da sociologia da velhice que é necessário consciencializar em tempo útil, não só como promoção dos direitos sociais e exaltação da eminente dignidade do homem, mas também, como ressonância benéfica na ordem dos interesses humanos, sociais e económicos das comunidades.
Assim, por ima fecunda política da velhice, planeada e orientada dentro destas linhas gerais, seria possível ajudar o homem, tantas vezes desamparado e solitário, e encaminhá-lo para mais densa realização do seu maravilhoso destino.
E, como membros da mesma enriquecida humanidade, também para cada um de nós se tornaria mais fácil seguir a sugestão de S. Paulo ao desejar aos cristãos de Éfeso que crescessem, para além de um exíguo e apagado destino terrestre, na plenitude espiritual de um destino superior.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O homem é uma parte da vida, constituindo mesmo a sua parte mais característica; no topo da diferenciação, representa, não só um tipo zoológico, mas, principalmente, o núcleo da vida, é o centro dos movimentos constantes que animam tudo o que o cerca, quer esses movimentos sejam naturais quer tenham sido desencadeados pelo seu engenho.
Tomando isto como premissa, lógico nos parece que se procure estuda: o homem em todas as suas facetas, em todos os seus períodos de evolução. Bastaria este facto para que se justificasse a necessidade de promover, nesta Assembleia, o estudo de um desses períodos de evolução, no conjunto populacional de um mundo que tende, cada vez mais para o desequilíbrio de distribuição dos seus elementos não só quando o problema é encarado sob o prisma da sua distribuição geográfica, como também sob o da inter-relação dos diferentes grupos etários.
Mas não reside sòmente aqui o mérito do aviso prévio em estudo: o seu autor deu-nos um panorama da situação analisado exaustivamente, não se limitando ao enunciado de todos os seus aspectos, mas abordando-os o estudando-os um a um.
Duplo mérito que quero referir no início desta minha forçosamente modesta intervenção.
O referir os desequilíbrios verificáveis no estudo da população mundial traduz, em meu espírito, a noção de que é difícil abordar a análise de um só período de evolução do homem, dissociando-o do conjunto.
Atravessamos uma época que podemos considerar de expectativa crescente; cada homem espera que melhorem as suas condições de vida, mas, na verdade, muitas dessas esperanças se desvanecem e, em algumas partes do Mundo, pouco se pode esperar de bom nos tempos mais próximos. Esta uma das razões mais fortes que limitam as possibilidades de estudo de uma parcela do problema, dissociando-a das conexas, de entre as quais, em relação com a distribuição populacional, cito, como muito importante, a da produção de alimentos.
No estudo das populações ressalta, com clareza, que, em algumas partes do Mundo, há uma tendência para a superpopulação; o crescimento da população mundial, que em 1920 se mantinha em nível aceitável para as possibilidades de então, de perto de 2000 milhões de indivíduos, registou como que uma explosão (este é o termo correntemente empregado), que a fez ultrapassar até hoje os 3000 milhões, isto é, um aumento de 50 por cento em cerca de quarenta anos; isto, é evidente, se não considerarmos a possibilidade da melhoria das condições de apreciação por maior correcção dos dados obtidos nos mais recentes censos populacionais; no ritmo actual ela subirá a perto de 7000 milhões antes do ano 2000.
No entanto, este crescimento não é uniforme, torna-se muito mais acentuado na Ásia, que albergava, em 1950, 55 por cento da população mundial, percentagem, que deverá aumentar para 62 por cento até ao fim do século; no mesmo período a América Latina aumentará de 6,5 a 9 por cento, e, perante um estacionamento em África, uma queda, que me custa a classificar como compensadora, verificar-se-á na América do Norte e na Europa. Estes números não são pessimistas, pois são estabelecidos partindo do princípio da manutenção da actual tendência até 1975 e de que, dessa data em diante, uma moderada regressão ou um simples estacionamento se verificará.
A partir destes elementos fácil é prever que, ao passo que a América do Norte e a Europa terão tendência ao envelhecimento, a América Latina, e sobretudo a Ásia, se excluirmos o Japão, tendem para o rejuvenescimento; esta tendência mais e mais se acentuará pela melhoria das condições sanitárias e assistenciais que, embora actuando sobre todos os grupos etários, não deixarão de ter marcada influência na primeira idade, pelo aumento do saldo de vidas e pelo prolongamento da esperança de vida, com o reflexo directo na terceira idade.
A nossa posição foi analisada, não só pelo Sr. Deputado avisante, como pelos outros Srs. Deputados que usaram já da palavra neste debate, e não quero repetir o que melhor do que eu o faria, já fizeram. Uma só curta referência, que, por se limitar a uma pequena parcela do nosso território ultramarino, pouca influência poderá ter no conjunto, mas que cito por constituir excepção no todo africano; refiro-me à população de Cabo Verde, excepcionalmente jovem, em que os elementos de menos de 20 anos atingem os 50 por cento do todo, não chegando aos 6 por cento os indivíduos da terceira idade. A causa da queda que se verifica na população de idade
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mais activa, entre os 20 e os 60 anos, reside no fenómeno social a que já me tenho referido noutras oportunidades, a par das implicações positivas e negativas que acarreta: o da emigração.
Não me atrevo a dizer que se deva procurar orientar e corrigir as tendências referidas, no sentido que se julgue mais conveniente para a humanidade, pois qualquer tentativa nesse sentido teria de ser tomada em comum, o que se apresenta impossível num mundo em que as chamas da dúvida e da incompreensão ateiam as fogueiras de ódios nas quais a humanidade se lança cegamente. Somos forçados a cingir-nos ao nosso mundo e procurar nele e para ele as metas que nos indiquem o sentido do nosso esforço.
O aumento progressivo do número de pessoas idosas é um facto incontroverso, quer analisando esse aumento em número absoluto, dependendo do aumento apreciável da esperança média de vida, que em trinta anos, graças aos progressos médicos, subiu de 57 anos para 70, quer analisando-o em valor relativo, na dependência dos factores já referidos.
Quais os reflexos sociais desse aumento? É um ponto sobre o qual algo gostaria de dizer.
O velho, hoje, já não é considerado o patriarca, o fulcro do movimento familiar, a pessoa que se escutava e a qual não se faziam sentir os possíveis efeitos fisiológicos de uma idade avançada; cercam-no gerações de inconformistas, a juventude na sua ânsia de gozo e de independência, que, não só não o escuta, como se torna agressiva e, por vezes, o amesquinha se realça aspectos de uma parcial ou total incapacidade, analisando-a cruamente. Esta atitude é, em relação aos diferentes países, tanto mais marcada quanto neles mais impera o materialismo sobre o poder das tradições.
Este estado de coisas é agravado pela reforma, que, para o velho, conduz a uma inactividade, à noção mais exacta da aproximação do final e, quantas vezes, à sensação de que se está a mais no Mundo, o que leva, por vezes, a atitudes desesperadas. Este conjunto desencadeia no indivíduo perturbações psicológicas, que se vão acentuando à medida que sente uma regressiva decadência física, à medida que se vai deformando, pela força das realidades, a imagem que fez de si próprio; isto leva-o, irresistìvelmente, ao isolamento, atitude que Freud interpretou como uma volta ao narcisismo da juventude, mas que me parece mais lógico, como o quer Furtado, ser o resultado de uma atitude defensiva do eu que pretende egoìsticamente manter, levando-o geralmente à exacerbação de atitudes por vezes ridículas aos olhos de outros.
A quebra dos seus atributos físicos, a incapacidade de raciocínio perante um mundo que se modificou e ao qual não se adaptou, a falta de memória, sobretudo dos factos recentes, levam-no a atitudes que cada vez mais o afastam dos que o cercam. É então que no seu espírito nasce uma ansiedade latente perante o problema da morte, que pode, mais tarde, e se o rodar do tempo o permite, transformar-se em serenidade perante a força do destino.
Num terceiro e último aspecto daquilo que estou tentando transmitir-lhes, gostava de dizer umas palavras sobre a maneira de combater e atenuar o inexorável.
O aumento progressivo do número de pessoas idosas e o incremento das suas crescentes dificuldades sociais num mundo como o actual, que não as minimiza, antes as realça, foram os pontos até agora focados e justificados deste, último, pelas alterações psicológicas que se desencadeiam nos indivíduos da terceira idade.
De entre os traumas psíquicos que podem, directa ou indirectamente, afectar a velhice, como o desaparecimento daqueles que com ele se movimentam em determinado ambiente, a crescente dificuldade da vida em comum nas grandes cidades, o que, em parte, condiciona o seu afastamento e isolamento, há a realçar, como dos mais importantes, a reforma. A reforma, não só porque acarreta com ela o fenómeno da inutilidade, mas também porque, na maioria dos casos, lhe soma uma preocupação financeira; são palavras de um relatório da Organização Mundial de Saúde as que transcrevo:
As pensões de reforma são insuficientes e a pobreza é uma das características mais salientes e mais constantes da sorte das pessoas idosas de todos os países.
Para tentar combater os males que advêm da reforma, uma possibilidade desde logo se impõe: o trabalho dos velhos. Isto não significa a alteração de um limite de idade, pois somos dos que defendem como moral e socialmente justificável a existência de um limite, mas sim a aceitação da possibilidade de um trabalho para aqueles de mais de 05 ou 70 anos, que fosse benéfico para os que o produziam e para os que dele beneficiassem.
Sabe-se que o rendimento do trabalho diminui a partir dos 60 anos, em média, sobretudo aquele que exige reacções e reflexos rápidos; executado por indivíduos de idade mais elevada, traz diminuição de produtividade, embora quase sempre se possa admitir uma maior precisão. Isto leva a pensar na adaptação do velho a novas tarefas, tarefas que não exijam grande desgaste por esforço físico.
Não foco, intencionalmente, o crucial problema do abrigo para os velhos isolados, em cuja dependência se. podem apontar tantos factores de ordem social já aqui referidos e estudados; não me refiro também ao problema dos velhos incapacitados por uma doença aguda ou crónica, pois esse aspecto levaria ao estudo das estruturas hospitalares, que não poderão deixar de prever sectores próprios para os incapacitados, nos quais a assistência adquire características inteiramente diferenciadas, que impõem a sua separação.
Para que o indivíduo só tenha de recorrer a este tipo de assistência o mais tardiamente possível, é preciso mante-lo nas melhores condições físicas e mentais; cresce assim, e parcialmente se individualiza, um novo ramo da ciência médica, enquadrado na patologia, que se designa por «geriatria».
É, em minha opinião, absolutamente necessário que esta especialidade passe a ser considerada nos programas das cadeiras de Patologia, Clínica e Psiquiatria, principalmente; talvez não se justifique a existência de um ensino separado, não só porque as noções que todo o clínico deve ter se distribuem por diversos ramos do ensino médico, como também porque, sendo a geriatria uma ciência em que os aspectos dominantes são mais preventivos do que curativos, a eficiência da sua acção deve basear-se numa previsão das possíveis alterações senis, de que se pretender e tardar o aparecimento.
É um ponto discutível, admito, e porque este, como tantos outros, necessitam de estudo e ponderação, subscrevo qualquer moção que recomende a constituição de uma comissão de estudo, conforme sugerido pelo Sr. Deputado avisante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que transmiti foi pouco, fraca contribuição para a finalidade em vista, como que apelo à consciência dos jovens e dos responsáveis perante o angustiante problema da maioria dos velhos. Que algo seja possível fazer no sentido de levar os que chegaram à terceira idade a encarar a aproximação
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do fim, não como a libertação de um fardo que cada vez mais dificilmente se transporta, mas que lhes permita pensar que, afinal, a vida mereceu a pena ser vivida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente: A V. Ex.ª, Sr. Doutor Sr ares da Fonseca, neste momento investido nas elevadas funções de presidente desta Assembleia, quero apresentar os mais respeitosos cumprimentos e significar, com eles, para além dos protestos da minha admiração, o respeito e consideração que me merece como ilustre homem, público que é, não só pela posição de relevo que nesse momento tão brilhantemente ocupa, mas também, e muito particularmente, por todo um passado de vivência política de muito valimento, a merecer incontestado louvor e reconhecimento como de grande mérito.
A V. Ex.ª os sinceros votos de uma continuidade política de proeminência dentro dos quadros orgânicos da governação, pois a tal tem pleno direito pelos dotes invulgares de inteligência que possui e pelas provas já dadas, que, embora com sacrifício pessoal, ainda a enaltecer devidamente, têm merecido a melhor aceitação por parte de todos quantos têm tido a feliz oportunidade de colaborar com V. Ex.ª
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem poderá dizer-se ter sido providencialmente inspirado o muito ilustre Deputado avisar-te, Dr. Agostinho Cardoso, ao tomar a iniciativa de apresentar à consideração da Assembleia o aviso prévio em discussão, pois a oportunidade, para além de outras plausíveis razões evocadas, justifica plenamente que sobre ele se debrucem todos aqueles que têm altas responsabilidades pela representação em que foram incumbidos, incluindo, muito naturalmente, também, as camadas mais idosas da população. Merece, pois, rasgado louvor o colega brilhante que tem sido o Dr. Agostinho Cardoso, na certeza de que se lhe rende homenagem justa, até pela maneira tão clarividente como apresentou o problema e aponta as adequadas soluções. Realmente, analisando o seu tão meritório trabalho, verifica-se que foram tratados os principais problemas que afectam a população mais idosa da Nação, em confronto com o que se passa em alguns países, bem evidenciados nas suas judiciosas considerações.
Resta-nos, pois, apoiar inteiramente tão importante e válido trabalho, a que haverá sòmente que acrescentar aquilo que, porventura, pode surgir no espírito de quem se tem apercebido dos grandes e graves problemas que afectam a situação de um numeroso sector da população nacional, pela observação directa de reais factos e consciencialização de situações delicadas que vêm afectando as camadas mais idosas.
É evidente que a problemática é delicada, e mais ainda o é a solução adequada à circunstância, pois o pouco que existe e é muito que há a exigir, criará, muito naturalmente, aos responsáveis pela governação do País, preocupações nesta matéria, a demandar esforço, ponderação e reflexão, compatível com a sua solução nos anos próximos, até se criar ambiente favorável a uma estabilização, que se deseja, de todos os expressivos e variados casos que afestarão quase 10 por cento da população, em 1980, segundo previsão estatística que se admite, pois se calcula haver no nosso país, em tal data, 1 076 000 pessoas com mais de 65 anos.
Haverá, pois, que encarar, desde já, com as ajustadas medidas preventivas, o caso que virá a ser a situação, com os seus múltiplos problemas, de uma importante parte da população, a merecer, para além do respeito por um passado digno, a justeza de uma compreensão social a que têm jus e de acordo com tendências proteccionistas em que todos devemos estar empenhados.
Haverá a considerar, fundamentalmente, a criação de medidas ordenadas no sentido de combater o isolamento, a inactividade e a dependência económica, já não falando na miséria que todos quereríamos ver banida, das chamadas camadas da terceira idade, para além de uma eventual melhoria sanitária e higiénica de todos quantos se incluem em tão representativo grupo nacional.
O problema, nacional como é, e a exigir uma política adequada, pode e deve ser encarado como qualquer outro que afecte as classes física e mentalmente válidas, pela criação de medidas que obstem aos inconvenientes apontados, nivelando em direitos todos quantos se integram na comunidade nacional, em obediência a um sentimento de justiça social a que todos aspiram, seja qual for a actividade a que se dedicam, seja qual for a idade em que se incluem.
Se assim é, haverá que encontrar solução para os problemas da velhice, como tem sido encontrada para as idades mais jovens e para os adultos de igual maneira, ou até com mais acentuado espírito de dedicação, pois o mesmo será que render a homenagem que nos merecem os nossos progenitores, igual àquela que um dia nos será dirigida pelos nossos descendentes. Os povos mais evoluídos, por maiores possibilidades, assim têm encarado a situação, e, não seremos nós, que aspiramos a uma equiparação com tais povos, que faremos por não os acompanhar nesta cruzada digna dos maiores encómios.
Criar condições de vida às pessoas mais idosas do nosso país compatíveis com a decência dos bons costumes, em guerra aberta à miséria e à corrupção, será o nosso objectivo número um. Mas, para tal, torna-se imprescindível que todos aqueles que atingem as idades de reforma reconhecida pela lei, não antevejam esse espectro ameaçador de uma velhice sem recursos financeiros, sem alojamento decente, sem assistência médico-sanitária adequada & nova situação, tão atreita a enfermidades próprias, sem aceitação de uma sociedade que vê, acima de tudo, a validade das pessoas no seu rendimento, esquecendo-se, fundamentalmente, de que sem os velhos, de que tudo receberam, nada tinha sido possível atingir. Respeite-se a velhice, se um dia queremos igualmente ser respeitados; esta é a verdade, e como tal a teremos de reconhecer.
Ë óbvio, e felizmente que assim sucede muitas vezes, nem todas as pessoas da terceira idade, tal como se consideram, têm problemas a resolver de ordem financeira (aquele que sobreleva todos os outros), mas nem por isso carecem da nossa melhor atenção, pois basta a sua condição de pessoas idosas para necessitarem de ambiente próprio para poderem dispor a seu gosto do tempo, totalmente livre, com aceitação pelos mais novos das suas aspirações em matéria de ocupação e de lazeres, de acordo com as suas preferências e possibilidades. Aceitemos as suas tendências e predilecções, procurando facultar-lhes ambiente, condições e estruturas próprias, para que possam encarar os dias restantes da sua vida com compreensível receptividade da sociedade de que fazem parte integrante.
Mas o mesmo se não poderá dizer quanto ao condicionalismo financeiro em que vive a maior parte da população idosa, a carecer de atenção muito particular quanto a sobrevivência, alojamento e assistência, pois as limitações de vencimentos por reforma ou ausência, mesmo de qualquer pensão que assegure a subsistência, suscitam problemas sobre os quais haverá que se debruçar quem
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tem as graves responsabilidades de governo, tendo em vista uma acção supletiva de molde a proporcionar uma política de bem-estar compatível com a situação.
É a cobertura económica da velhice que deve primeiro que tudo interessar toda- a sociedade, acabando-se com situações conducentes à miséria e, como consequência, a degradações humanas sempre lastimáveis e criticáveis. Assiste-se, quantas vezes, a lamentáveis situações, a merecerem autêntica comiseração, pelo facto evidente de as pensões que são atribuídas aos incapacitados, mercê da lei inexorável da idade, por meio de disposições legais regulamentadas, serem, regra geral, de longe inferiores às necessidades primárias a que se não podem furtar.
É o caso de os funcionários públicos aposentados mais modestos auferirem pensões de reforma que ficam muito aquém do mínimo compatível com uma sobrevivência digna. Pois, se a média de aposentação dos funcionários públicos no nosso país é de 1330$ (antes do subsídio eventual de custo de vida), incluindo todas as classes, fácil é concluir-se que os menos qualificados, percebendo mensalidades muito inferiores, não poderão ter uma velhice tranquila, mais agravada se do seu agregado familiar constar ainda o seu cônjuge.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: O mesmo se concluirá, ainda com maior acuidade e evidência, ao analisar-mos a cifra média correspondente à aposentação na previdência, pois ela se aproxima de 430$ mensais, quantia esta irrisória nos tempos actuais, mais agravada pela sua inalterabilidade perante o decorrer do tempo e pela desactualização perante o acréscimo do custo de vida, em acelerado ritmo ascensional.
Mas existe ainda outro grupo, e deve ser eventualmente o mais significativo, pois se constitui por todos aqueles que, amanhando devotadamente e com sacrifício a terra, não puderam amealhar o suficiente para auferir uma velhice sem preocupação, até porque nunca foram criados meios assistenciais de previdência, à semelhança do que houve de suceder noutros sectores de actividade mais favorecidos. E este estado de coisas, agravado por factores de vária ordem, continuará por largo tempo, pois sòmente a partir do momento em que forem adoptadas medidas, cuja instituição se prevê para breve, atinentes à cobertura do meio rural pela previdência, e decorrido o tempo necessário à sua execução, é que se poderá considerar minorado, pois estamos convictos de que nunca se atingirá o ideal se se processar de idêntica maneira ao que aconteceu com as outras populações laboriosas. E vem-se assistindo, não raras vezes, a quadros familiares em que os velhos não são mais do que tolerados, permita-se-me a expressão, (enquanto o são ...) por descendentes que não sabem ou não podem compreender e satisfazer as necessidades daqueles a quem devem o ser, terminando tão angustiosas situações com o abandono do lar familiar por parte daqueles que mais precisavam do seu calor e ambiente, terminando os seus dias a esmolar meios de subsistência ou internados em asilos ou albergues, quando existem possibilidades de alojamento (o que, diga-se de passagem, sucede poucas vezes), num convívio que não lhes agrada, pois, mercê de instalações nem sempre adaptadas exclusivamente a velhos, o ambiente não lhes proporciona o mínimo de atractivos.
A propósito destas considerações, quero desde já manifestar o desejo de que as situações citadas sejam devidamente encaradas, actualizando-se pensões de reforma, aliás desajustadas ao momento, como no caso dos funcionários públicos aposentados; proporcionando-se meios supletivos aos beneficiários da previdência, quando as minguadas pensões sejam incompatíveis com uma sobrevivência digna, e criando-se possibilidades legislativas que obriguem os descendentes, à semelhança do que sucede com os filhos menores, a manterem os pais, sem recursos próprios, em ambientes familiares dignos, quando tiverem possibilidades materiais para o fazerem, por si ou conjuntamente com os irmãos, se os houver.
O alojamento das pessoas idosas é outro aspecto do problema para que pretendo chamar a atenção dos responsáveis, pois ele é fundamental, mais ainda propriamente do que aquele que acabo de citar a propósito da cobertura financeira, pois, estando resolvido aquele importante problema, este outro passará a ocupar um lugar meramente secundário.
Realmente, se houvesse número e qualidade suficiente de instalações adequadas para resolver o problema do alojamento das pessoas idosas, com os requisitos ideais preconizados pelo Deputado Agostinho Cardoso, no seu tão bem elaborado e pormenorizado trabalho, ou com outros que, embora não obedecendo às melhores regras, minorassem as privações existentes, estaria solucionado o problema equacionado, com aceitação geral.
A tal propósito tem pleno cabimento pôr em evidência o papel relevante que ao Ministério das Corporações e Previdência Social poderia caber na solução do mais importante problema nas necessidades das pessoas idosas, proporcionando a todos os seus beneficiários, carecidos de recursos próprios, possibilidades de alojamento adaptado ao desfrutar de uma velhice sem preocupações, com toda a assistência inerente à circunstância. Naturalmente que as pensões de reforma que se verificam, apesar de exíguas, poderiam em grande parte reverter como pagamento da instalação colectiva ou em pequena parte para instalações isoladas, o que viria facilitar uma maior cobertura do País, muito para além da que se verifica, que é praticamente inexistente nesta matéria. Através dos seu serviços sociais, o Ministério citado, todos os outros com serviços equiparados, contribuiriam largamente, e dentro da sua própria finalidade, para a solução de tão cruciante problema. Parece que a aplicação de grande parte dos seus fundos não poderia ter melhor destino, dentro das atribuições que lhes compete.
É evidente que nem todas as pessoas idosas, com necessidades a resolver, se incluem em beneficiários de tais serviços, mas, para aqueles que não teriam aqueles recursos ou familiares que os acolhessem em razoáveis condições, então restaria o seu albergamento em asilos dotados dos requisitos mais modernos e adequados, de molde a cativarem as pessoas idosas colocadas na contingência. É neste particular que os asilos para velhos teriam todo o cabimento, dentro de uma orientação a dimanar do Ministério da Saúde e Assistência, numa verdadeira cobertura nacional em apertada rede, em que cada célula estaria a nível concelhio. Os fundos para a manutenção deste serviço assistencial poderiam, de igual maneira, como sucede para com os doentes de qualquer idade, carecidos de recursos próprios, na parte que lhes diz respeito, caber às autarquias locais. Mas, para tal ser possível, tornar-se-ia necessário, como se processa para efeitos de assistência médica e internamento de doentes em hospitais, á cobrança, por parte das câmaras municipais, de uma derrama que cobrisse inteiramente as despesas com o internamento dos velhos que nada mais podiam socorrer-se senão do internamento em asilos. (Como é óbvio, esta possibilidade do lançamento da derrama às contribuições do Estado, para fins de assistência na velhice, teria como objectivo o não prejuízo das administrações municipais noutros sectores de actividade.)
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A tal propósito, cabe referir o quanto se tornaria útil a criação de um serviço próprio, enquadrado nas delegações distritais do Instituto de Assistência à Família, constituído por assistentes sociais, suficientemente preparadas para o efeito, com a finalidade de despistar tais situações, de maneira a poderem ser encaminhadas as pessoas idosas sem recursos para a melhor solução ajustada a cada caso, em si, e dentro de uma orientação geral que seja considerada a mais conveniente.
Com a adopção de uma tomada de posição válida por intermédio dos serviços dos Ministérios competentes, far-se-ia uma cobertura total do País com instalações adequadas a albergar as pessoas idosas carecidas de recursos próprios. Poder-se-ia admitir que, para este e outros problemas inerentes à solução de uma verdadeira política da velhice, fosse criado um órgão coordenador, a nível superior interministerial, que supervisionasse todas as actividades inerentes a uma protecção à velhice, como se impõe no momento actual, e que o futuro mais justifica ainda.
A finalizar as minhas despretensiosas considerações, queria frisar devidamente, e agora é o profissional que fala, o quanto se impõe, não só pela humanidade que o caso requer, mas até pela produtividade que ainda se pode esperar da muitas pessoas idosas, a valorização crescente da especialidade médica que estuda e trata as doenças da velhice, a geriatria, individualizando-a na patologia, clínica e terapêutica médicas, de molde a formar profissionais mais bem preparados, a servir na profilaxia e terapêutica da velhice e sua eventual recuperação.
Com médicos devidamente especializados far-se-ia uma cobertura mais eficiente em assistência médica de todos os estabelecimentos hospitalares em que fossem criados tais serviços da especialidade, e sugere-se que, pelo menos nos hospitais centrais e regionais, tão acertada medida seja breve realidade. Os licenciados em Medicina valorizados com a especialidade deveriam ser os escolhidos para uma assistência médica adequada a instituir nos asilos ou outros estabelecimentos de recolhimento das pessoas de avançada idade, sobretudo tendo em vista uma recuperação a todos os títulos meritória e aplaudível, com enriquecimento da produtividade.
Muito poderia ser dito a propósito da delicada matéria em discussão, mas, de acordo com o que disse no início desta intervenção, o problema foi analisado tão profundamente pelo ilustre Deputado avisante que, realmente, pouco ou nada haveria a acrescentar. Somente quero dizer mais, e este dizer significa voto sincero, que o problema da velhice no nosso país seja encarado com a brevidade e a acuidade que merece, dentro de uma linha de compreensão humana, para além de factor de valorização do homem idoso, que nem sempre é sinónimo de velho inútil, integrado em tão importante grupo etário da população residente, que o mesmo é dizer na própria Nação, como têm sido tratados os problemas dos seus próprios filhos, pois, tendo ofertado à comunidade, durante o período válido de actividade, todo o seu melhor em produtividade material e espiritual, esperam, como recompensa, um fim de vida com ajustada dignidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Como já tinha anunciado que faria, prorrogo, usando dos poderes que me confere o § 2.º do artigo 4.º do Regimento, a sessão legislativa, de modo a poder completar-se a discussão das diversas questões ainda constantes da agenda dos trabalhos parlamentares e de outras questões que eventualmente surjam no decurso da prorrogação.
Vou encerrar a sessão.
Marco sessão para o próximo dia 25, terça-feira, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputadas que entraram durante a sessão:
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Janeiro Neves.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Bui Pontífice de Sousa.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA