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REPÚBLICA PORTUGUESA
Diario das Sessões
N.° 194
ANO DE 1969
19 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 194, EM 18 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretarios: Ex.mos. Srs. {
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. — Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 189, inserindo o parecer da Câmara Corporativa n.° 23/IX [proposta de lei n.° 5/IX, acerca do aditamento de uma alínea ao artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 46 838, de 18 de Janeiro de 1966, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 48 836, de 16 de Janeiro de 1969 (produtos da indústria siderurgica)].
SUMÁRIO: — 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. — Foi aprovado o Diário das. Sessões n.º 169.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente deu conhecimento de ter sido introduzida pela Câmara Corporativa uma alteração no seu parecer acerca da proposta de lei sobre o regime jurídico das expropriações muito urgentes.
Foram recebidos na Mesa e entregues aos Srs. Deputados Campos Neves, Nunes Barata e Águedo de Oliveira os elementos por eles requeridos, em sessões anteriores, ao Ministério do Ultramar, à Secretaria de Estado da Informação e Turismo e à Secretaria de Estado da Agricultura, respectivamente.
0 Sr. Deputado Henriques Mouta agradeceu à Câmara o voto de pesar pelo falecimento de sua mãe.
O Sr. Deputado Pinto de Meneses referiu-se a um comunicado da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, publicado na imprensa, acerca de uma sua intervenção anterior sobre o aumento do custo dos bilhetes nos transportes daquela empresa.
O Sr. Deputado Henrique Tenreiro fez considerações sobre os benefícios concedidos aos pescadores no campo da previdência e assistência social.
O Sr. Deputado Gonçalo Mesquitela falou sobre problemas de povoamento do ultramar.
O Sr. Deputado Folhadela de Oliveira pediu ao Governo a criação de um estabelecimento de ensino liceal no concelho de Vila Nova de Famalicão.
0 Sr. Deputado Armando Cândido chamou a atenção para a necessidade de se resolver o problema da electrificação da ilha de S. Miguel, nos Açores.
0 Sr. Deputado Alves Moreira assinalou as finalidades do Fundo de Acção Social Escolar, criado pelo Decreto-Lei n.° 47 311, que reorganizou a Mocidade Portuguesa.
0 Sr. Deputado Leonardo Coimbra teceu considerações sobre problemas de reabilitação profissional.
0 Sr. Deputado Augusto Simões defendeu a criação de um departamento de alto nivel para organizar eficientemente o combate aos incêndios.
O Sr. Presidente deu alguns esclarecimentos sobre inscrição de oradores para as sessões seguintes.
Ordem do dia. — Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Teófilo Frazão, Ferrão Castelo Branco, Amaral Neto, Nunes Barata e Ernesto Lacerda. 0 Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: —Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso. Alberto Henriques de Araújo.
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Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Júlio de Castro Fernandes.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Roseta Fino. Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu,
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogeiro Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:—Estão presentes 69 Srs. Deputados.
Esta aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Ponho em reclamação o Diario das Sessões n.° 169. Se nenhum Sr. Deputado deduzir qualquer reclamação, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: —Esta aprovado.
Foram distribuídos hoje a VV. Ex.ªs os Diários das Sessões n.ºs 170 e 171, que porei em reclamação amanhã. Com a publicação destes números verifica-se que, para a publicação do Diário das Sessões andar em dia, faltam 22 números.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Sousa Magalhães sobre ensino particular.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Pontífice de Sousa em defesa dos comerciantes.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha sobre o mesmo assunto.
Vários, de funcionários da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, a manifestar discordância com algumas passagens daquela intervenção.
O Sr. Presidente: — Esta na Mesa um ofício da Câmara Corporativa informando que, relativamente ao parecer acerca da proposta de lei sobre o regime jurídico das expropriações muito urgentes, há nas conclusões uma alteração a fazer. Dispenso-me de a ler, porque mandei distribuir a VV. Ex.ªs cópia dessa alteração.
Estão também na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Campos Neves na sessão de 25 de Fevereiro findo.
Estão ainda na Mesa elementos fornecidos pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Nunes Barata na sessão de 8 de Março corrente.
Estão igualmente na Mesa elementos fornecidos pela Secretaria de Estado da Agricultura, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira na sessão de 6 de Fevereiro findo.
Todos estes elementos vão ser entregues aos Srs. Deputados requerentes.
Pausa.
O Sr. Presidente:—Tem a palavra o Sr. Deputado Henriques Mouta.
O Sr. Henriques Mouta: —Sr. Presidente: Dignou-se V. Ex.ª propor, e, dignaram-se os Srs. Deputados aprovar, a condolência da Câmara por motivo do falecimento de. minha mãe. Se há horas em que se sente que se tem coração, uma delas é quando se perde aquela a quem, depois de Deus, mais se deve na vida. E se é verdade
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que o conforto mais poderoso vem do alto, da fé e da esperança, também é certo que é lenitivo vermo-nos acompanhados pelos sentimentos da caridade cristã e humana compreensão.
Por isso, Sr. Presidente, agradeço profundamente reconhecido. Agradeço e guardo no coração. Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado, Srs. Deputados.
O Sr. Pinto de Meneses: — Sr. Presidente: Nalguns jornais de 14 e 15 de Março corrente veio um comunicado da Companhia Carris de Ferro de Lisboa acerca da minha intervenção do dia 13. Por agora apenas desejo informar a Assembleia do seguinte:
1.° Os números de passageiros de eléctricos que referi foram extraídos do relatório então em análise, por sinal escrito em papel timbrado da Companhia. Tenho aqui fotocópia da respectiva página, que os Srs. Deputados, querendo, poderão ver;
2.° Quanto aos resultados da exploração no corrente ano, acho ainda muito cedo para se estabelecer qualquer definição de ganho ou perda de causa. Esperemos e confiemos.
Vozes: —-Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Tenreiro: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A previdência das Casas do Povo, assunto de transcendente importância, Intimamente ligado à promoção social da mais numerosa classe trabalhadora portuguesa, esta em apreciação nesta Assembleia. Embora não me parecesse oportuna a minha intervenção neste magno problema, que tem já o douto parecer da Câmara Corporativa e sobre o qual muitos e distintos colegas têm esclarecido o País, permitam-me que, antes da ordem do dia, deixe registadas, em breve apontamento, algumas considerações sobre o que no mesmo sector se vem passando com a gente do mar.
Há muito que vimos dedicando a maior atenção à previdência e assistência social dos nossos pescadores. Tem sido mesmo nossa preocupação constante velar pelo bem-estar desses trabalhadores, melhorando e aumentando, desde 1936, muitas modalidades de previdência e assistência que me dispenso de enunciar para não tornar prolongado este meu apontamento. Mas, na verdade, as Casas dos Pescadores têm sido e continuam a ser obra de inestimável valor ao serviço de uma das nossas mais laboriosas classes trabalhadoras. Há dias foi feito aqui um breve reparo, por um ilustre deputado do círculo de Setúbal, à previdência prestada aos pescadores do seu distrito.
Devo esclarecer que nas pescas industrialmente organizadas —do bacalhau, do arrasto do alto e costeiro, da sardinha, da baleia e do atum —, que empregam cerca de 20 mil homens, a assistência e previdência, incluindo o abono de família e a reforma, é já prestada em grande escala. Não obstante as regalias já concedidas, encontra-se presentemente em curso novo estudo do problema, com vista a ampliá-las ainda mais, o que espero venha a verificar-se dentro em breve.
Quanto às pescas artesanais em que ainda há problemas a resolver, estes estão a. ser estudados e em vias de solução.
Com efeito, a situação destes pescadores é diferente da dos das pescas industrializadas — não podem ser enquadrados corporativamente, como aqueles. Mas, em consequência da 'ajuda financeira que lhes tem sido concedida pela Junta Central das Casas dos Pescadores, facultando-lhes os meios financeiros necessários para adquirirem melhores embarcações motorizadas e ainda moderna aparelhagem de pesca, encontram-se já hoje numa situação económica e de produtividade, o que anteriormente não acontecia, e que assegura a base necessária para lhes poder ser prestada uma assistência e previdência equivalente àquela de que já dispõem os outros pescadores.
No entanto, mesmo 'actualmente e apesar de as suas contribuições para estes fins serem muito reduzidas, já têm assistência médica, medicamentosa, materno-infantil, moral, religiosa e educativa, através das escolas de pesca. Estão também seguros contra acidentes de trabalho na Mútua dos Pescadores.
Além da obra de assistência e previdência aos pescadores, tem também grande relevo a construção de bairros e casas para pescadores, sector impulsionado pela sua Junta Central em colaboração com as Casas dos Pescadores.
O recente diploma legal devido à iniciativa do Sr. Prof. Gonçalves Proença — a quem dirijo as minhas saudações pela sua notável obra no Ministério das Corporações e a quem também os trabalhadores do mar devem as medidas necessárias para se conseguir grande desenvolvimento e aperfeiçoamento na sua preparação tecnológica e profissional —, com os Srs. Ministros da Marinha e do Ultramar, criou as condições para se poderem conceder maiores benefícios -a todos os pescadores e estende a todo o ultramar a obra de previdência e assistência que se vem praticando na metrópole e nas ilhas adjacentes.
É uma das medidas de maior visão, que ficará a atestar no futuro uma obra que justifica amplamente o esforço de Portugal nos seus territórios ultramarinos.
As soluções que sempre se têm encontrado, no que diz respeito à previdência e assistência a estes trabalhadores do mar, muito contribuíram para a valorização da indústria das pescas — que muito pouco ou nada era há anos atrás e que hoje, através da grande realidade que são as Casas dos Pescadores, desempenha um papel de relevante importância de previdência e promoção social.
Não restam dúvidas de que estamos a seguir o caminho certo, para que pela «valorização dos indivíduos e pela repartição justa das riquezas se encurtem as distâncias e se dignifique o trabalho», conforme lúcido pensamento expresso pelo Sr. Presidente do Conselho — «o Estado Corporativo que a nossa Constituição consagra é, necessàriamente, um Estado Social, isto é, um poder político que insere nos seus fins essenciais o progresso moral, cultural e material da colectividade, numa ascensão equilibrada e harmoniosa».
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gonçalo Mesquitela: —Sr. Presidente: Desde a doença de Salazar e a nomeação de Marcello Caetano para lhe suceder na Presidência do Conselho, é hoje a primeira vez que uso da palavra nesta Assembleia. Se noutras circunstâncias não me tivesse pronunciado já, pùblicamente, sobre estes dois factos de tão transcendente importância na vida portuguesa e sobre a admiração profunda que me mereceu a singela serenidade do Chefe do Estado, que, com magnífica autoridade, dominou com paz o que podia vir a ser a grande crise da vida portuguesa das últimas décadas, teria certamente de utilizar todo o tempo regimental para ao que vou dizer acrescer os comentários que me imporia.
Tendo-o ]á feito e sendo de todos conhecido em Moçambique, que tanto me honro de representar, e nesta Assembleia o meu profundo devotamento por Salazar e a dedicação pessoal que há dezenas de anos tributo a Mar-
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cello Caetano, louvo-me neste conhecimento para sintetizar os meus sentimentos num muito sincero e confiado voto:
Deus permita a completa recuperação da saúde de Salazar e lhe dê longa vida e a Marcello Caetano não lhe falte com a sua ajuda e a sua protecção, para bem do País, que tem demonstrado eloquentemente como nele confia para nos conduzir na linha de rumo que há quarenta e três anos singramos através da evolução tão difícil a que o mundo nos tem obrigado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Há mais de três anos, na minha primeira intervenção parlamentar, tentei chamar a atenção do País e do Governo para o grave problema do povoamento do ultramar. Fi-lo em termos de o classificar como questão de âmbito nacional e de primeira prioridade na preocupação dos responsáveis pela manutenção do todo humano e geográfico que constitui Portugal.
Vão passados aqueles anos e pouco se tem podido fazer para organizar esquemas vivos e eficientes que ajudem a fixar povoadores em número adequado e a reagrupar as populações autóctones pela forma mais aconselhável ao seu desenvolvimento cultural, social e económico.
Mas o tempo passou também sobre as camadas que, com particular afinco, trabalham nas escolas para se elevarem socialmente através do ensino; passou também sobre uma estrutura económica que não se desenvolveu a par e passo com as necessidades de se dar um lugar ao sol aos que, em revoadas maciças, se vão apresentando para o pedir.
Poderemos assim concluir que, se os problemas ligados ao povoamento não agravaram ainda os restantes — e receio bem que já assim não seja —, não se simplificaram em coisa alguma com o decorrer destes anos.
Entendo, por isso, ser minha obrigação voltar a chamar a atenção da Camara e do Governo para esta questão, cujo exame julgo ter aqui feito todos os anos.
Com ela comecei esta legislatura. Com ela, possìvelmente, a terminarei.
E que, meus senhores, a vida ultramarina comprova que: sem um esforço concentrado no sentido de haver nas províncias mais povoadores portugueses civilizados; sem uma preocupação semelhante para que nos planos de fomento económico sejam consideradas prioritariamente as coordenadas sociais daquele esforço; sem uma séria e definitiva política de fixação dos militares que queiram ser desmobilizados no ultramar, para o que há que criar condições de atracção....
Vozes: —Muito bem!
O Orador: —.... sem a preocupação nacional de povoar o ultramar — estamos a agravar o risco de, por faltas do passado e de hoje, se perder o sangue que a juventude lhe sacrifica e a herança que os homens de amanhã têm o dever de nos exigir.
Controlada a luta armada contra o terrorismo; vencida a não menos importante batalha contra a dúvida, pela firme e frequente reiteração da política de intransigente defesa do território nacional que Salazar proclamou e que Marcello Caetano reforçou ao confirmá-la; criado o interesse nacional generalizado pelo ultramar, no qual tantas centenas de milhares de jovens já serviram como militares — não devemos permitir demoras ou insuficiências que prejudiquem a grande tarefa da qual depende, na opinião de muitos e à qual adiro, o futuro ultramarino e nacional: o seu povoamento por elementos mais evoluídos, que
auxiliem a,, promoção social, económica e política dos que ainda vivem em fases de civilização mais atrasadas.
A tarefa tem de ser nacional e não só de cada província. Por mais esforços regionais que se façam, os resultados não poderão ser satisfatórios, dada a exiguidade dos meios em relação à grandeza das realizações mínimas essenciais.
Se continuarmos a aguardar que o desenvolvimento económico normal de cada parcela seja o único incentivo à fixação dos portugueses civilizados que para elas se transfiram e ali trabalhem com os autóctones, para com eles desenvolverem o aportuguesamento dos espíritos, das almas e das aspirações, se ficarmos só à espera de que a economia funcione como motor desta obra, então nunca mais a veremos realizar-se na medida indispensável.
Há que planear, para além da economia, com decisão e com arrojo e programar com clarividência. E há que insuflar-se em cada dirigente português — e a todos os níveis —a imperativa necessidade de executar os planos definidos, tendo em conta o ultramar quando se pense na Europa e tendo a metrópole em conta quando do ultramar se trate. Há que impregnar as inteligências e as vontades de todos os responsáveis da coisa pública e das actividades privadas com a imperativa necessidade de se abrirem largos caminhos ao povoamento das províncias ultramarinas.
Quando -assim falo não me refiro — já o esclareci em anteriores intervenções — a embarcar metropolitanos para África, mas sim, também, a promover as condições para, com os portugueses evoluídos (seja qual for a sua cor, origem ou credo, desde que portugueses de vontade e de alma), se conseguir amalgamá-los com os que nesta altura são portugueses de nacionalidade mas ainda o não sejam no seu nível médio de cultura e vida.
A urgente promoção social do homem e da mulher africanos, que tem sido preocupação, a todos os títulos de louvar, e a que tanto se esta dedicando o actual governador-geral de Moçambique, esta promoção social tem de ser feita simultâneamente com o aportuguesamento interior de cada indivíduo e de cada família.
Sem isso, estaremos a construir na areia, no que a Portugal respeita, porque a elevação para formas mais altas e civilizadas da vida humana não terá os alicerces nacionais profundos que permitam, dentro de poucos anos, que aqueles que agora vivem o seu processo de ascensão sejam tão portugueses como todos os outros.
E não se pense que a obra é simples ou fácil. Não é. Póde avaliá-lo devidamente quem se tenha debruçado sobre a questão e sobre os resultados — sucessos e fracassos — ligados à promoção social do autóctone africano na época que vivemos. Do mundo de problemas a enfrentar, quanto a mim, um dos mais imperiosos é este do aportuguesamento simultâneo com a promoção.
Não podemos, para tanto, contar apenas com a acção das escolas ou dos serviços oficiais. Como elemento indispensável a considerar esta o contacto permanente dos que vão subindo a íngreme ladeira do progresso material e mental com os que têm de há muito a vivência portuguesa dos degraus mais elevados. Sem o contacto, sem o exemplo, sem a criação de uma comunidade natural de idioma e de ideias básicas, não o poderemos fazer.
Não bastará criar usos novos ou ensinar as palavras das cartilhas. Ê preciso insuflar nos costumes e nos espíritos um conteúdo cultural e sociológico português que, respeitando embora as ideossincrasias originais de cada grupo, se não perca com o decurso de poucos meses ou mesmo anos e se transmita às novas gerações. E isto não se obterá sem um esforço à escala nacional, de todo o País, para conseguir o povoamento que coloque em presença os
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grupos autóctones, a promover, com os outros, já evoluídos, a fim de que, pelo contacto diário e constante, a fusão de mentalidades seja realizada.
Recordemos, por exemplo, que em Moçambique, actualmente, para cerca de 7 ou 8 milhões de autóctones existe o contacto com aproximadamente 400 mil civilizados. Com singelas observações como esta podemos avaliar as dificuldades a vencer e o imperativo do esforço imediato e contínuo de toda a Nação.
Se pensarmos agora que nos próximos anos serão muitos os milhares de alunos autóctones que as escolas diplomarão, nos vários graus de ensino, e que exigirão o seu lugar na vida, podemos avaliar a preocupação com que, uma vez mais, hoje e deste lugar, apelo para a atenção de todos os responsáveis pelo País, a fim de que, em horas do futuro, só o examinemos entre portugueses de alma que possam ter um conceito comum de Portugal.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: —E para que aproveitemos agora o tempo, para evitar por todas as formas que nos vejamos amanhã obrigados a abrir a dialéctica de conceitos sociológicos e económicos fundamentais sem que ela se estruture na indiscutida certeza vivida de uma pátria comum a unir-nos.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Para prepararmos essas horas do porvir talvez não seja ainda insuficiente o tempo de que dispomos. Mas o que agora perdermos, nenhuma das próximas gerações o poderá recuperar.
E ó com o pensamento nelas, tal como perante a nossa história de oito seculos, tal como perante os mortos que hoje se glorificam no combate por Portugal e perante os sofrimentos e sacrifícios da juventude actual que nós responderemos.
Esta a nossa responsabilidade. Não lhe poderemos fugir. Sejamos, pois, dignos da hora portuguesa que Deus nos confiou e não deixemos que a nossa determinação e o nosso engenho sejam menores do que as dificuldades que se nos deparam para as vencermos.
Tenho dito.
Vozes: —Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Folhadela de Oliveira: —Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será legítimo a um deputado, com o conhecimento que lhe advém da permanência em duas legislaturas e no fim da sua actividade parlamentar, será legítimo, dizia, deixar-se tentar pelas «coisas fáceis» que provocam felicitações retumbantes, elogios rasgados nos jornais concelhios e cair na «política de campanário»?
A minha própria consciência respondeu, uniformemente, durante oito anos. E o seu conteúdo negativo mantêm-se, apesar de tudo, inalterável.
Sempre entendi que os assuntos a trazer à Assembleia Nacional não deveriam deixar de ser senão de interesse eminentemente nacional. E se, por acaso, havia que fazer referências especiais a zonas, regiões ou concelhos, apenas como pormenorização de um enquadramento geral.
Todos os casos de carácter regional ou local — e quantos de premente necessidade! — entendo eu deverem ser tratados nos departamentos respectivos ou em gabinete ministerial.
Com a meditada certeza de que me contrario pessoalmente, mas que, mesmo assim, não escandalizo esta Câmara, benevolente como tem sido nestes casos, vou fazer também «política de campanário».
Seria altura de tentar chamar a mim maciça dose de eloquência, servir-me de robusto e apropriado vocabulário, para enaltecer exuberantemente a obra ministerial no assunto que vou abordar — tudo isto como preâmbulo.
Depois faria sumário das necessidades locais, tirando dos números todas as ilações possíveis na parte favorável. Compararia o caso vertente com outros análogos e que obtiveram espectacular deferimento.
Por fim, com toda a lógica que tivesse à mão, deduziria que, embora fosse evidente e justa a satisfação daquela necessidade, bem compreendia que os condicionalismos nacionais não haviam ainda tornado possível realizar aquilo que constitui na última década merecida aspiração do bom povo do concelho.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Teriam assim W. Ex.ªs, ilustres Deputados, uma oração parlamentar a não cair mal nas do seu género e teria eu, além das boas graças de quantos, ingenuamente, pensam depender de uma palavra proferida na Assembleia Nacional a resolução imediata dos problemas, o apetitoso e inestimável dom de ser benquisto em certos departamentos oficiais.
O resto seria encenação montada nos moldes do estilo. Arrastaria a Lisboa um comboio de munícipes intrigados — por não compreenderem o porquê das coisas incompreensíveis —, a avolumar o selecto núcleo das «forças vivas».
Na audiência trocavam-se os discursos da circunstância e tudo, absolutamente tudo, seria normal.... e habitual. Isto sem esquecer, obviamente, o antecipado convite para a cobertura informativa.
Enfim, usos a que me não acostumo e entendo ficarem mal a quem os fomenta, acolhe e aprecia.
Com a relutância de quem discorda do processo de que se serve, referirei o caso, da alçada do Ministério da Educação Nacional.
Devo esclarecer que por várias vezes, sozinho ou 'acompanhando presidentes da Câmara do meu concelho, subi os degraus dos departamentos oficiais, onde obtive boas palavras, tranquilizantes promessas....
Esgotadas as diligências, resta-me o meu «campanário».
Vou alinhar alguns números demonstrativos da realidade que é o concelho de Vila Nova de Famalicão:
Superfície: 212,16 km2;
População: 93 000 habitantes;
Densidade populacional: 438 habitantes por km2;
33 500 contos saídos do concelho, contributo ilíquido recebido pela Fazenda Nacional.
Salientarei que o orçamento da Camara Municipal para o corrente ano prevê em receitas ordinárias e extraordinárias a verba total de 31 500 contos.
Da lavoura, em crise em todas as províncias metropolitanas, apenas referirei a produção de vinho, 20 000 pipas (10 000 000 1), de milho, 3000 t, e de centeio, 1000 t.
No comércio parece dever sublinhar-se a existência de 1300 estabelecimentos.
Mas o que engrandece e notabiliza Vila Nova de Famalicão ó a sua variada, pujante e evoluída indústria. Dos têxteis aos pneumáticos, dos relógios aos contadores eléctricos, de gás e de água, das metalomecânicas às fundições, dos plásticos ao tratamento de madeiras e dos botões às manufacturas, largamente beneficia a economia nacional.
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Com fonte no relatório do III Plano de Fomento (vol. II, pp. 555 e seguintes), analisando o valor acrescentado do sector secundário, Vila Nova de Famalicão, com 870 000 contos, ocupa o 4.° lugar, tendo à sua frente apenas os concelhos de Lisboa, Porto e Barreiro.
A população activa do concelho, constituída por 68 000 pessoas, reparte-se do seguinte modo:
[Ver Diário Original]
Da restante população, além de 4000 pessoas a distribuir em governo doméstico, velhice, etc, há 6000 crianças na primeira idade e 15 000 estudantes distribuídos em todos os graus de ensino.
É esta população estudantil que interessa agora considerar, reportando-me ao presente ano lectivo:
Ensino primário:
Alunos
Elementar.............................................12 161
Complementar........................................... 771
Particular............................................ 170 13 102
Ciclo preparatório do ensino secundário:
Instalado na escola industrial e comercial............. 237
Em 10 postos da TV..................................... 255
Nos colégios do concelho............................... 123 615
Ensino técnico............................................. 938
Ensino 'secundário particular (nos colégios)................... 188
14 853
Incluindo os alunos que frequentam o magistério primário, liceus — Porto, Braga e Póvoa de Varzim—, institutos industriais, seminários e Universidade, pode afirmar-se atingir o número de 15 000 a população académica famalicense. Portanto, 17,1 por cento dos habitantes (excluída a população de idade pré-escolar) frequentam estabelecimentos de ensino.
Não devo deixar de fazer elogiosa referência ao facto de ser, no distrito de Braga, o concelho de Vila Nova de Famalicão aquele que mais escolas primárias construiu ao abrigo do Plano dos Centenários. Assim, possui 238 salas de aula (108 para o sexo masculino, 90 para o sexo feminino e 40 mistas), além de 30 postos escolares.
Exacta noção das exigências do mundo contemporâneo, esta procura de valorização pessoal pelo ensino!
Sabido que, nos nossos dias, o maior e melhor investimento executado nos países evoluídos é a instrução, julgo da maior necessidade não deixar esmorecer esta procura de enriquecimento, traduzida na actual explosão escolar.
Concelho populoso e progressivo, merece a justa compreensão do Governo para um problema que urge resolver: o da criação do seu estabelecimento de ensino liceal.
Não me interessa fazer quaisquer comparações numéricas com concelhos vizinhos que recentemente beneficiaram de tal atribuição. Contudo, afirmo que as razões que levaram à criação de secções liceais nesses concelhos são ainda mais evidentes e poderosas para Vila Nova de Famalicão.
Se, portanto, entendeu o Ministério da Educação Nacional dotar esses concelhos com ensino liceal — o que, aliás, aplaudo —, apenas julgo dever exigir que o caso de Vila Nova de Famalicão seja analisado à luz do mesmo critério.
Um estabelecimento de ensino não é um luxo nem uma benesse que se alcança por favoritismo ou pelo peso de eventuais pressões.
Recordo que a Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão foi instituída em 1957. Iniciou a sua actividade com 350 alunos. Frequentam-na hoje 1200.
Pode afirmar-se, pois, que plenamente se atingiram os objectivos da sua criação.
A massa humana de um concelho, onde há empresas de nível internacional — que contribuem de modo sensível para ò volume nacional da exportação —, onde há notória sede de aprender, onde se verifica indesmentível frequência nos estabelecimentos de ensino, não pode ser esquecida nas suas elementares aspirações e necessidades.
Todas as outras razões que é costume considerarem-se factores de determinação são já sobejamente conhecidas nas altas esferas do ensino, pois constam quer dos memoriais entregues, quer de numerosas publicações oficiais.
E precisamente justiça que o meu concelho reclama.
Concedendo-lha, exultará Vila Nova de Famalicão e o Governo poderá sentir-se honrado por uma providência de verdadeiro interesse nacional.
Vozes: —Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: — Sr. Presidente: Uma portaria de 12 de Maio de 1951, assinada pelos Ministros da Economia e das Obras Públicas, nomeou uma comissão para estudar na ilha de S. Miguel «a situação jurídica dos diversos aproveitamentos hidroeléctricos em exploração e examinar a orientação a adoptar, de futuro, no respeitante à produção e grande distribuição de energia». Fui o presidente dessa comissão, da qual faziam também parte dois engenheiros.
O problema apresentava-se deveras emaranhado, pois existiam então naquela ilha «oficinas autorizadas», que produziam energia, explorações concedidas, com as suas centrais em funcionamento, e ainda situações especiais difíceis de averiguar e enquadrar, pelo que houve necessidade de se proceder a demoradas buscas nos arquivos da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, com o fim de serem encontrados os documentos comprovativos das licenças porventura concedidas. Além disso, a comissão não fora dotada com quaisquer fundos que lhe permitissem pagar o seu expediente e as suas deslocações e o trabalho de terceiros que tivesse de utilizar, o que ocasionou embaraços fáceis de supor, tantos que, se não fosse aquela Junta Geral e ainda o facto de os comissionados terem suportado certas despesas, algo ficaria por fazer.
«Seja como for e apesar de tudo, compreendeu-se o interesse revelado na portaria, e uma grande e tenaz vontade de servir, com o mais devotado e consciente esforço, nunca mais deixou de animar toda a comissão».
Recordo isto e conto isto, à guisa de preâmbulo, para arrefecer na origem possíveis comentários de gente sempre disposta a ver luzir a paga em relação aos serviços públicos que somos chamados a prestar, por vezes com
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bastos sacrifícios de tempo e de saúde. A gratuidade aqui até serviu para que os trabalhos fossem levados a cabo com mais denodo e consciência. E quem se der ao incómodo de investigar talvez colha motivos para respeitar o esforço despendido. A comissão não naufragou.
O que não posso é descrever em breves minutos aquilo que levaria tempo a escrever, pois este assunto, se Deus me prolongar a vida, poderá dar para dois grossos volumes compostos em normal ou vulgar letra de imprensa.
Resumirei, alinharei apontamentos, que mais parecerão disparos dos vários redutos em meu poder, figurando nos redutos os abundantes conjuntos de textos e notas que possuo e sobre os quais montei as peças da minha razão — da razão que tinha e da razão que continuo a ter.
Andam agora convencidos è silenciosos alguns daqueles com quem discuti os factos e as ideias, ou, por outras palavras, os dados do problema e o seu melhor destino. Mas eu não calo a razão que sustentei, sei puxar por ela e sei repô-la no lugar que lhe compete, em qualquer tempo e em quaisquer circunstâncias.
Tenham paciência!
No vasto e trabalhoso relatório que então entreguei esta tudo o que convinha saber para o que mais convinha adoptar.
Uma das alíneas da referida portaria de 12 de Maio de 1951 precisa e aponta:
O problema da electrificação da ilha poderia ser satisfatòriamente resolvido entregando a produção e a grande distribuição de energia a uma única entidade, mista, de carácter privado.
Foi dentro desse critério que, depois de estudar a situação jurídica dos aproveitamentos hidroeléctricos existentes, desenvolvi e assentei os meus pontos de vista, sustentando-os com argumentos pensados e repensados e não com palavras ao acaso, tendo os outros membros da comissão feito o mesmo nos seus relatórios, um como engenheiro civil, o outro como engenheiro electrotécnico.
Uma nota indispensável — indispensável para sepultar de vez algum energúmeno ou afogar no rapadoiro alguma toupeira: a minha objectividade na feitura do relatório foi tão grande e tão absoluta que propus, e foi aceite, que o mesmo relatório fosse submetido à apreciação da Procuradoria-Geral da República, pois, além do mais, havia um pormenor que me preocupava especialmente, e esse pormenor — há que revelar isto— consistia em existirem dois caminhos jurìdicamente defensáveis para determinada situação criada a uma das empresas — a Empresa Eléctrica da Povoação — e eu ter escolhido e defendido o caminho desfavorável a essa empresa, cujo dono era meu estimadíssimo amigo. Os meus escrúpulos tinham a sua razão de ser, mas eu pensava, ao mesmo tempo, que a amizade não pode servir nem para carregar nem para desanuviar a face da justiça. E ainda bem que me lembrei da Procuradoria-Geral da República, pois foi ela que abriu à referida empresa o caminho que eu lhe havia fechado.
Adiante:
Por escrito e muitas vezes pela palavra, muitas vezes junto das entidades e repartições superiores, batalhei duro e firme para que fosse criada a empresa mista, aliás de harmonia com a solução apontada na portaria em referência. Cheguei até a elaborar o projecto de um diploma que levaria as empresas então existentes a concordarem com aquela solução.
Discuti enquanto me foi possível e adverti — adverti sem guardar qualquer das advertências que se me afiguraram úteis, desde as mais suaves às mais vigorosas. Mas foi publicado o Decreto-Lei n.° 40 904, de 15 de Dezembro de 1956, e nasceu a Federação dos Municípios de Ponta Delgada, com o temeroso destino de produzir energia e de a distribuir pela ilha de ponta a ponta.
Passados dez anos — se eu fosse árabe tinha levado esse tempo todo sentado à minha porta —, o quadro dos sucessos principiou a mostrar-se ao conhecimento do público com estas tintas nada agradáveis: o despacho do Secretário de Estado da Indústria de 6 de Junho de 1965 regista «o carácter melindroso da situação» da Federação, «com tendência a agravar-se», e recomenda às entidades locais que estudem a melhor solução a propor.
No despacho orientador sobre o Relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Problemas da Energia Eléctrica em S. Miguel, constituído por despacho do Secretário de Estado da Indústria de 29 de Outubro de 1965, o mesmo Secretário de Estado, em 6 de Dezembro de 1966, escreve:
Decorridos dez anos sobre a criação da Federação e depois de aplicar 74 000 contos de empréstimos e outras importâncias previstas de comparticipação do Estado (10 900 contos) e das receitas da exploração, pode apresentar-se, em síntese, o seguinte panorama:
E no panorama, entre o mais, que não é pouco, avulta:
As novas tarifas adoptadas em 1960 não habilitam a Federação a fazer face aos seus encargos, nem a aproveitar devidamente as comparticipações do Estado para melhorar e expandir as redes de distribuição da energia, nem a obter, por si, os financiamentos necessários para promover a instalação de novas centrais produtoras com a urgência que se impõe; relativamente à realização do plano geral dos aproveitamentos hidráulicos previstos no Decreto-Lei n.° 40 904, apenas se verificou a elaboração por uma empresa consultora do anteprojecto de um aproveitamento, e nenhum aproveitamento novo foi executado; os investimentos a prever para o próximo decénio (contado, já se vê, sobre a data do despacho e sem contar os pagamentos a fazer à Empresa de Electricidade e Gás, Lda) ascendem a 120 000 contos no sector da produção e a 35 000 contos no transporte e grande distribuição, além de 40 000 contos para a parte não comparticipada da pequena distribuição; perante a gravidade dos problemas com que se debate a Federação e a comprovada impossibilidade de os resolver por si própria, foi criado um grupo de trabalho para estudar o assunto; o grupo de trabalho, ainda que se incline para a integração vertical, propõe, em primeiro lugar, a criação de uma empresa mista para se ocupar da produção e a sobrevivência da Federação para se ocupar da distribuição; a decisão final sobre o problema fica a depender ao Conselho de Ministros" para os Assuntos Económicos.
Então, no dia 10 de Abril de 1967, o Governo Civil de Ponta Delgada, em comunicação feita à imprensa, informa:
O Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, ao apreciar, mediante nota do Secretário de Estado da Indústria, o problema da electrificação da ilha de S. Miguel, resolveu, tendo presentes to-
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das as suas incidências, confiar a sua solução a uma empresa de economia mista a organizar, a qual se ocupará da produção, transporte e distribuição da energia eléctrica na ilha de S. Miguel e, provàvelmente, também na ilha de Santa Maria, transferindo-se assim para a nova empresa as atribuições da Federação dos Municípios de S. Miguel.
E logo a Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, no seu Boletim de 13 daquele mês de Abril, afirma a sua plena concordância com a orientação definida pelo Ministério da Economia ao pronunciar-se pela «criação de uma empresa de economia mista em solução da integração vertical geral do sector», e no suplemento ao n.° 20 do referido Boletim, com data de 18 de Maio, manifesta o seu regozijo por aquela deliberação do Conselho de Ministros, « aprovativa — palavras textuais — da solução do problema de electrificação do distrito através da criação de uma empresa de economia mista e proposta pelo Ministro da Economia».
Quer dizer — o desmoronamento da Federação dos Municípios de S. Miguel.
E eu poderia intimamente alegrar-me, pois combatera sempre e sem descanso — desde que surgira — a ideia de confiar a uma federação dos municípios de S. Miguel a electrificação da ilha. Nunca desprendera — como afirmei algures — o problema em causa das realidades do meio, com os seus autênticos factores de posição e reacção. Sabia que na base da ideia errada havia uma ideia mais errada ainda — mais errada e mais estranha —, que era a de os lucros da Federação poderem concorrer «para atenuar o estado de quase permanente insuficiência dos municípios micaelenses».
A certa altura desfraldaram o argumento de que a Federação representaria a solução política. Mas não reconheci soberania alguma a essa bandeira. Por isso respondi de pronto:
Existe na ilha de S. Miguel, à volta do problema da electrificação, uma questão política. Mas essa questão não se liga, de modo nenhum, ao facto de o Governo não ter já e para o efeito constituído uma federação de municípios. ~
A questão deve-se, única e exclusivamente, ao facto de o Governo não ter, até hoje, resolvido o problema.
Disse mais, escrevi mais, combati mais. Não vale a pena nem posso recordar aqui todo esse conteúdo de luta intensa. Nem o tempo de que disponho nem a paciência de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a dos Srs. Deputados o consentiriam.
O certo é que me poderia considerar satisfeito, ao menos por ter acertado em absoluto com o trabalho e não com a sorte dos meus vaticínios. Mas não, redondamente não. O homem que tomou, com a mais profunda e justificada tristeza, conhecimento das palmas dadas na grande manifestação realizada no Governo Civil de Ponta Delgada, em 10 de Janeiro de 1957, em louvor do Decreto-Lei n.° 40 904 — que criou a Federação dos Municípios de S. Miguel — é o mesmo que tomou, com a mesma tristeza, conhecimento dos despachos e resoluções que deram a Federação por inviável.
Ê porque, no fundo, não esta nem nunca esteve em causa a minha razão. O que estava e esta em causa é a razão, e essa permanece imperturbável, por mais palmas que a contrariem ou por mais palmas que lhe ofereçam. Assim fiquei e. continuo triste. Até lamento o facto de ter tido razão. Pois preferia ter errado, uma vez que a
ilha de S. Miguel e porventura a ilha de Santa Maria se encontrassem hoje conveniente e amplamente electrificadas ou em seguras e muito adiantadas vias de serem totalmente arrancadas ao atraso em que se encontram nesse importantíssimo domínio do desenvolvimento económico e social.
Poderá dizer-se — e já se disse — que a Federação serviu para a fase de arranque. Mas encarando generosamente essa mais do que generosa satisfação, pergunto se a empresa de economia mista então preconizada — e agora redimida — não seria mais proveitosa; se ela não teria arrancado melhor e com mais segurança — com a segurança que fica.
Não, não estou contente — embora o pudesse estar, até por brio —, pois louvo e prezo, acima de tudo, as certezas da Administração e o bem que lhe cumpre fazer.
Quero ainda afirmar o meu respeito por todos os que defenderam ou louvaram a ideia contrária à que defendi, caminhando com ela ou apoiando-a como quem de boa fé abraça ou exalta o melhor.
Mas a verdade é que a experiência foi escusada — como esta dolorosamente demonstrado — e contribuiu, além do mais, para demorar a electrificação da ilha de S. Miguel.
El certo que a Federação instalou três grupos térmicos; realizou alguns melhoramentos na sede dos serviços, no sistema de transporte de energia, na rede de distribuição de Ponta Delgada e em outras existentes e electrificou — o que me encheu e enche de particular satisfação — a vila do Nordeste e duas ou três pequenas localidades.
Não obstante, considerando o tempo decorrido e, designadamente, o programa dos aproveitamentos hidráulicos a levar a cabo, temos de concordar que se realizou muito pouco do muito a realizar, e que o fôlego chegou ao fim.
A Federação meteu ombros ao problema sem disponibilidades financeiras para o resolver. Recorreu ao crédito. Mas o recurso ao crédito tem limites que não podem ser ultrapassados, sob pena de se incorrer nos riscos subsequentes.
Por outro lado, depois da citada resolução do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos — a resolução que deu a Federação por incapaz de executar plenamente as obras indispensáveis à electrificação de S. Miguel — não se entrou ainda na prática da orientação definida e o problema em aberto agrava-se assustadoramente dia a dia. A energia é cada vez menor, em face dos crescentes aumentos do consumo, e são frequentes as interrupções, os racionamentos, e são muitas as localidades e zonas que ficam, por vezes, às escuras, além das que estão mesmo às escuras.
Há muito que a Federação vende energia que não tem, pois não dispõe de energia bastante para a vender como devia.
Experiência escusada — disse e repito.
Pois se até em Fevereiro de 1956 e depois, perante o choque recebido com a publicação do Decreto-Lei n.° 40 904, de 15 de Dezembro do mesmo ano, os concessionários das centrais e «oficinas autorizadas» então existentes — com excepção dos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Ponta Delgada — se puseram à disposição do Governo para resolverem o problema como o Governo entendesse, invocando para tanto, e por sinal, o artigo 32.° da Constituição, que afirma o princípio de favorecer as actividades económicas particulares, e o artigo 165.° do Código Administrativo, segundo o qual as necessidades colectivas da população dos concelhos só
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poderão constituir objecto de municipalização quando a iniciativa privada as não proteja satisfatòriamente!
Sr. Presidente: Eu não queria falar aqui deste problema— sobre o qual me proponho escrever dilatadamente, se Deus me conceder vida e tempo para o efeito. E não queria falar para não recordar nesta Assembleia, em brevíssimo resumo — em resumo de resumos —, matéria tão vasta e complexa. Mas impunha-se que desse uma palavra, certo de que ninguém me poderá negar a autoridade nem a oportunidade.
Na ilha de S. Miguel e na ilha de Santa Maria as populações esperam que o Governo se decida depois de ter decidido.
Será preciso agora andar mais tempo em menos tempo.
Tenho por sublimes a vontade e o esforço quando recuperam as vontades perdidas, repondo-as e afervorando-as no caminho certo.
O Sr. Presidente do Conselho, Prof. Marcello Caetano, já esteve nos Açores. Conhece a terra e as suas gentes. E já lhes prestou relevantes e inesquecíveis serviços. Apelo para a sua alta competência e superior consciência. Apelo — reafirmando a minha admiração e o meu respeito.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alves Moreira: —Sr. Presidente: Pelo Decreto-Lei n.° 47 311, de 21 de Novembro de 1966, que reorganizou a Mocidade Portuguesa, foi criado o Fundo de Acção Social Escolar, organismo este visando, essencialmente, lançar as bases de programação e de planeamento das actividades sócio-escolares, abrangendo os vários quadrantes das classes estudantis.
Tal organismo, assim instituído, sob a égide do então Ministro da Educação Nacional, Prof. Doutor Galvão Teles, pretende, para além de órgão executório, ser também de doutrinação em toda a matéria de âmbito sócio-escolares e ainda verdadeiro elemento formativo, auxiliar precioso de promoção cultural de convívio social, de educação estética e sociológica, pelo que lhe esta reservado um papel de transcendente importância no labor pedagógico; e ainda, pela criação de verdadeiros laços de compreensão humana entre os jovens alunos e entre estes e os professores, uma verdadeira comunhão de ideias e sentimentos que fortalece e conduz à paz social entre os homens.
Tal finalidade enquadra-se verdadeiramente na actual determinação dos povos e dos governos que os conduzem, preocupados, cada vez mais, na valorização das sociedades em todas as suas camadas. E é precisamente na escola que tal espírito actuante se justifica mais, pelo melhor aproveitamento das virtualidades juvenis, tendo em vista uma gradual e crescente valorização humana.
Eis porque de tal valorização quantitativa e qualitativa, pelo livre acesso dos jovens aos mais altos escalões da vida intelectual e melhor aproveitamento das capacidades das energias estudantis, com o resultante maior rendimento escolar, resultará extraordinário benefício para o progresso e enriquecimento espiritual do País.
Ora a Acção Social Escolar, possibilitando o acesso ao estudo de jovens de precária situação económica e fomentando uma maior rentabilidade do ensino, e, lògicamente, suscitando o aparecimento de novos valores, contribuirá largamente para o enriquecimento da comunidade, para além da prática de justiça social a que todos aspiram.
Da acção de tal organismo, que terá de ser acompanhada de uma conveniente evolução das actividades pedagógicas e das técnicas do ensino, como, ainda, dos meios técnicos que permitam uma verdadeira selecção de valores, possibilitar-se-á uma promoção sócio-económica valorativa da sociedade estudantil, pela permissão de livre acesso intelectual a escalões escolares mais elevados, e também uma imprescindível coordenação das distintas iniciativas públicas e privadas, que tão louvàvelmente têm procurado suprir algumas insuficiências e lacunas de um serviço social ainda a ensaiar os primeiros passos, mas que, amparado, como se impõe, e devidamente organizado, poderá evitar duplicações e sobreposições de benefícios, em obediência a um plano de coordenação, dentro de um critério de maior rentabilidade e justiça.
0 Fundo de Acção Social Escolar, desde que foi instituído e dentro das suas finalidades, tem permitido a concessão de bolsas de estudo e subsídios, dentro das suas limitadas possibilidades financeiras, para além da atribuição de prémios escolares aos alunos do ensino secundário e médio que os mereçam, num digno labor que se vai desenhando por todo o País, o que tem merecido a mais expressiva gratidão de numerosos familiares que, sem os auxílios concedidos, não poderiam ver os seus filhos ascender na escala social. Em apenas dois anos lectivos foram distribuídos pelo F. A. S. E. 1200 benefícios sociais, no valor global de 3000 contos. No último ano lectivo foram concedidos prémios que ascenderam a 30 contos, galardoando-se desta forma a aplicação e inteligência dos alunos que mais se distinguiram. Conseguiu ainda a valiosa colaboração do ensino particular, que ofereceu à Organização nos anos escolares de 1967-1968 e 1968-1969 um total de 300 bolsas de estudo para alunos pobres ou de fracos recursos económicos.
Acompanhou o aproveitamento e comportamento escolares dos alunos que protegeu, procurando extrair do trabalho e aprumo dos estudantes o maior rendimento; e pelos resultados obtidos fácil é concluir-se que os estímulos encontraram a melhor correspondência no labor intelectual e trato dos alunos, pois de tão operante actuação resultou um aumento de rendimento da ordem dos 60 por cento, o que dignifica a Organização e, muito particularmente, os seus dirigentes, que tão bem se compenetraram no espírito e na finalidade de um serviço escolar de extraordinário alcance social. E nem outra coisa seria de esperar de um organismo que tem como director pessoa altamente qualificada, pois, como deputado que foi na última legislatura, sempre manifestou excepcional interesse e saber na defesa dos problemas escolares.
Mas o F.A.S.E. pretende ir mais longe na sua elevada missão de desenvolver a escola e, à sua volta, os sentimentos de solidariedade, exercitando entre os jovens, muito particularmente, as virtualidades espirituais que são o ponto fundamental da sua personalidade, pondo em evidência, numa activação perenemente válida, o exercício, tão prodigiosamente salutar, das virtudes cristãs.
Quer ainda votar-se à organização e fomento de uma rede nacional de cantinas, de secções e núcleos de acção social escolar, assim como de sociedades de convívio e de promoção social, ao nível dos vários centros. Acalenta também a ideia da criação do seguro social escolar, extensivo a todos os alunos que ainda o não possuam, e, bem assim, de lares académicos destinados a alunos especiais. Tal aspiração enquadra-se verdadeiramente na nossa legislação e ó exigência dos tempos actuais, já que é comum à maior parte das nações mais civilizadas e encontra a sua lógica premência no maior impulso que a reestruturação da Mocidade Portuguesa imprimiu às actividades circum-escolares. Tal seguro abrangeria, numa fase pri-
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meira, o acidente e, posteriormente, tornar-se-ia extensivo à doença e ao infortúnio familiar.
Haveria ainda a encarar a criação na escola de uma nova faceta, a dimensão social, apercebida não só nos efeitos materiais, mas também entendida nos seus encantos espirituais. Conhecido que é o problema do abandono a que estão» votados grupos estudantis de certas zonas do País, sujeitos a buscar por si o rumo da sua actuação, já que, separados do ambiente familiar, são permeáveis a influências as mais nefastas, que o ambiente de miséria e de desconforto em que vivem mais reforça, traz à luz das grandes realidades da nossa época a necessidade de preservar e defender socialmente o melhor investimento de todos os capitais — o da massa humana escolar. Tal problema reveste-se de características especiais no aglomerado das zonas industriais, mas não apresenta menor agudeza nas concentrações urbanas, como até nas rarefeitas dos sectores rurais. Sabe-se que as carências de subsistência e de conforto, reflexos de determinados ambientes sociais e familiares, têm as mais graves incidências no ambiente psicológico e moral dos rapazes, provocando-lhes as maiores dificuldades na adaptação aos vários processos pedagógicos, originando-lhes, ao mesmo tempo, as maiores dificuldades não só quanto ao aproveitamento escolar, mas também quanto ao comportamento humano.
Perante tais factos, é evidente a necessidade de os enfrentar, com vista ao alto objectivo de valorização do estudante como unidade de uma colectividade que se deseja melhor.
Para tal haverá que criar meios de natureza material e de organização que facultem ao F. A. S. E. maior âmbito na actuação que vem tendo, mas que pretende atingir os objectivos mais latos acabados de enunciar.
Dentro de um projecto válido, poderia criar-se um gabinete ou secção do serviço social, integrado no Fundo de Acção Social Escolar, que actuaria em todo o País, através do sistema de delegações distritais, o que permitiria, em íntima colaboração com as secções de acção social escolar de todos os estabelecimentos de ensino secundário e médio, realizar operosa acção no ajustamento dos jovens às estruturas sociais e escolares. Assistentes sociais, devidamente qualificadas e integradas no gabinete central e nas delegações distritais, em colaboração com os dirigentes dos estabelecimentos de ensino, teriam oportunidade de realizar profícuo e inestimável labor em matéria tão importante e actual.
E evidente que tal organização tem implicações várias, mormente de natureza financeira, mas há que considerar devidamente os resultados que adviriam de um investimento em material humano tão precioso, pela rentabilidade que o País poderia extrair, em todos os domínios, de uma bem equacionada acção social escolar que seleccione e ganhe novos valores à Nação; que assista e beneficie os jovens bem dotados, pobres ou de economia débil; que realize, por novas vias, uma promoção social e cultural das massas estudantis; enfim, que vele e acompanhe os jovens escolares, zelando pela sua saúde e alimentação, robustecendo-lhes o corpo, como lhes cuidando do espírito, neste desiderato, norteando-lhes os sentimentos, em ordem a princípios que, tendo validade em todos os tempos, são o melhor suporte em que se afirmam as mais vincadas personalidades.
Tal objectivo deve merecer-nos todo o apoio e carinho, motivo pelo qual deixo nesta Assembleia o apelo ao muito ilustre titular da pasta da Educação Nacional, esclarecido e experiente homem público que tem larga visão dos problemas mais prementes do seu Ministério, já sobejamente demonstrada no curto espaço de tempo do seu profícuo exercício, e ao Governo, chefiado por um estadista de eleição, com dilatada visão dos problemas da juventude, e que afirma, tão seguramente, que «o nosso problema é agora o de valorizar os homens pela educação», para que o problema equacionado tenha, para além da receptividade, o devido e rápido andamento, para que os seus frutos mais cedo se possam colher, em prol da valorização da Nação, pela dignificação e adequada orientação de todos os estudantes nela integrados e de que tanto há a esperar. Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
0 Sr. Leonardo Coimbra: —Sr. Presidente: Como todos os assuntos relacionados com o enriquecimento da pessoa humana, a reabilitação é um tema apaixonante.
Ele é tão vasto como o próprio mundo do sofrimento do homem, oprimido pela inquietação e pela angústia, mutilado pelo acidente ou pela guerra, diminuído pela doença que corrói as energias do corpo e da alma.
Lutar contra essas forças de degradação e morte é uma das tarefas mais nobres que o homem pode assumir na terra. E na luta da humanidade com o universo, em que se afirma o poder criador do homem, a reabilitação pode representar uma das suas maiores vitórias, pois que mais valioso do que dominar as leis do mundo material é realizar a conquista de valores de ordem moral e espiritual ao restaurar o homem, desfigurado e decaído, na integridade primeira de suas esperanças e direitos. Não se pode aceitar passivamente a invalidez como uma fatalidade irreversível, e a reabilitação surge para recuperar e reintegrar o diminuído na vida normal e activa da comunidade a que pertence.
Se pintar um quadro, esculpir uma estátua, erguer uma catedral, constituem geniais expressões do poder criador do homem, quanto mais maravilhoso não será fazer caminhar os paralíticos, ajudar os cegos a viver como se vissem e de toda a invalidez fazer brotar uma esperança e uma fonte de acção e de ressurgimento?
Vêm estas considerações a propósito da recente criação e fecunda actividade do Serviço de Reabilitação Profissional, criado pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, em 15 de Fevereiro de 1966, pelo Decreto-Lei n.° 46 872. No ciclo da protecção social do homem e de promoção da dignidade do trabalho surge, em primeiro plano e como atitude ideal, a prevenção de acidentes e doenças profissionais, completada pela compensação e reparação económica quando as doenças profissionais e os acidentes não puderam ser evitados.
E a reabilitação surge como processo complementar, tendo em vista revalorizar o homem de modo a reintegrá-lo numa actividade tanto quanto possível produtiva e normal. As estatísticas referentes à sinistralidade laboral, só na metrópole, revelam que o número de inválidos ó avaliado em 75 000, dos quais 35 000 são recuperáveis. Se considerarmos que o rendimento médio do trabalhador é de 1300$ mensais, vemos que o prejuízo anual que essa perda representa pode aproximar-se de meio milhão de contos.
Mas a reabilitação, que começou a estruturar-se e a produzir os seus preciosos resultados entre nós, não se limita à sinistralidade e à patologia do trabalho. Por isso julgo que uma actividade de tão vasto alcance e fundas repercussões sociais e humanas devia ampliar-se à escala
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nacional, pela estruturação de um serviço nacional de reabilitação que tudo coordenasse.
E assim penso porque a reabilitação engloba todo o vasto campo da invalidez resultante de múltiplas e proteiformes situações.
Só no sector dos acidentes rodoviários ocorridos durante o ano de 1966 foram atingidas 21 603 pessoas, das quais 20 573 sofreram lesões com maior ou menor necessidade de beneficiar da reabilitação funcional e médica.
A explosão demográfica elevará a seis biliões a população mundial no ano 2000; o alongamento da duração média de vida, que atingirá os 70 anos, com os problemas da velhice capaz ainda de reabilitação em ordem a actividades produtivas; o desenvolvimento da medicina preventiva e curativa, que salva milhões de crianças diminuídas e que a selecção natural outrora eliminava; o grande potencial industrial, condição de progresso, mas também acompanhado do inevitável corolário de doenças profissionais e acidentes; a impressionante sinistralidade do tráfego; as doenças congénitas e adquiridas; as doenças profissionais resultantes de uma deficiente estruturação da medicina do trabalho e higiene industrial; as guerras sempre renascentes e demolidoras de almas e de corpos; a sobrevivência, agora possível, de muitos traumatizados graves, e as catástrofes casuais, provocam um imenso caudal de destroços humanos, que se perderão para os superiores interesses da comunidade se um bem planeado movimento de reabilitação — à escala nacional, porque os problemas são de extensão nacional — não se erguer como poderosa barragem defensiva.
Como um torvo ciclone que despenha os seus malefícios sobre a terra, muitas são as causas de invalidez que requerem o movimento oposto de ressurgimento e reabilitação e cujos capítulos sòmente poderei aflorar para além das situações já referidas.
Há que considerar o que representam, como peso morto, as doenças cardiocirculatórias, as artrites reumatóides, as paraplegias traumáticas ou não, a lepra curada, os diminuídos sensoriais (audiovisuais), a tuberculose curada ou estabilizada, as amputações acidentais, as paralisias cerebrais, os espásticos e poliomielíticos, os diabéticos, as doenças pulmonares crónicas e as pneumoconioses, que entre nós provocaram enormes descalabros na sua expressão silicótica.
Temos ainda de considerar o grave problema, que tanto preocupa os Estados Unidos da América, das múltiplas formas de psicopatias e inadaptação social, o alcoolismo, a epilepsia e, finalmente, o grave problema da debilidade mental. Aqui não posso deixar de referir, porque se encontra profundamente arreigada na minha vida pessoal, uma forma de reabilitação de crianças débeis mentais que, graças a auxílios do Governo e várias entidades particulares e oficiais, pude estruturar e cujo esquema, em vias de acabamento e iniciado em 1954, se descreve em breves linhas.
Um lar para crianças vítimas de maus tratos e abandono moral e material representa a fase de higiene mental infantil pela prevenção das distorções da personalidade em formação.
No aspecto de reabilitação, por processos médico-sociais e psicopedagógicos, dispõe também a Associação Protectora da Criança contra a Crueldade e Abandono de um Centro de Recuperação, provisòriamente instalado na Senhora da Hora desde Janeiro de 1960 e em vias de se transferir para amplas e modernas instalações, em fase final de acabamento, em São Mamede de Infesta, para o mesmo tipo de débeis superficiais.
À inauguração corresponderá a sua oficialização, ficando a Obra a dispor do lar inicial e de valiosas instalações agrícolas em Famalicão, oferecidas pelo Sr. Jorge da Silva Reis, onde serão reabilitados débeis médios, ficando depois os débeis profundos instalados no actual Centro da Senhora da Hora.
Assim ficará assegurada a cobertura no Norte do País, em ordem à reabilitação dos três graus da debilidade mental infantil, de tão grave significado humano e social.
No sector da reabilitação é muito importante considerar o problema dos débeis mentais, cujo gravame estatístico ó de cerca de 5 por cento, e mesmo de 10 a 15 por cento para os casos discretos e marginais, e esse facto leva-nos a números médios, para uma população escolar infantil de 900 000 crianças, que podem oscilar entre 45 000 e 100 000, ou mesmo mais. Esta estimativa incerta leva-nos a insistir no vasto esquema protector que é urgente criar, iniciativa a que se entregou com dinamismo vigoroso o Instituto de Assistência aos Menores.
Segundo pensa o Prof. Henyer, 30 por cento dos delinquentes juvenis são recrutados no grupo dos débeis mentais, e o sociólogo americano Glueck considera as psicopatias como factor criminogéneo em 51,4 por cento dos casos.
Por isso, impõe-se também pensar, como fase remota, no vasto problema das condições da assistência às crianças até à idade escolar, ou seja durante o período que a psicologia moderna considera definitivo para a formação da personalidade, e em que tantas vezes se encontram privadas das essenciais relações afectivas com a mãe.
A esse respeito formularei um apontamento bem expressivo sobre a situação do concelho de Gaia, onde, entre 25 974 crianças até aos 6 anos, filhas de beneficiários da previdência, sómente 385 usufruem de protecção e formação em creches e infantários, sendo para as restantes a rua, com os seus perigos e ciladas, a grande mestra da vida. E esta referência ó significativa na medida em que nos permite inferir a vastidão do problema no resto do País. Este é um facto social de significado irrecusável, e por isso insistirei, mais uma vez, em dizer que esta situação poderia melhorar extraordinàriamente se renascesse renovada, ou mesmo tal como era, a velha e boa Lei de 14 de Abril de 1891, que declarava obrigatória a existência de creches ou infantários em empresas com mais de 50 operárias. Empresas que poderiam recorrer à sempre boa solução interempresarial e associativa para alívio dos encargos económicos, largamente compensados pelas imensas vantagens sociais para o futuro.
Dado o extraordinário valor humano e social da reabilitação, múltiplas são as instituições em todos os países evoluídos que a promovem e vários são já os congressos internacionais realizados.
As Nações Unidas, por meio de unidades de reabilitação para inválidos, têm desenvolvido vasto programa de assistência técnica em numerosos países chamados do Terceiro Mundo, preparando pessoal e bolseiros para tratar e recuperar doentes congénitos e crónicos, epilépticos, cardíacos, mutilados, doentes do foro psiquiátrico e deficientes mentais, reumáticos, etc.
Durante os últimos anos o Conselho Social e Económico das Nações Unidas e os seus departamentos da UNESCO, UNICEF e WHO (World Health Organisation) delinearam programas para auxiliar os governos a promover os seus esquemas de reabilitação para os inválidos dos respectivos países. Inúmeras são as organizações nacionais e internacionais que promovem a reabilitação, englobando todas as formas de invalidez. Já se realizaram dez congressos mundiais, o último dos quais na Alemanha, em 1966.
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A International Society for Behabilitation of the Disabled realizou uma função chave na concepção e execução de «um programa de coordenação internacional para a reabilitação do diminuído». Este programa, iniciado em 1950, mobilizou os recursos das Nações Unidas para desenvolver os serviços de reabilitação através do mundo. Também a Organização Internacional do Trabalho, desde 1944, tem dirigido a este propósito, às nações nela integradas, várias recomendações específicas e tem colaborado com as Nações Unidas na criação de centros pilotos para promover a reabilitação no mundo. Para além das organizações e medidas oficiais dos governos, existem numerosos organismos privados, como, por exemplo, a Sociedade Alemã para a Reabilitação dos Inválidos, constituídos para assegurar um fim comum.
Todos têm como finalidade combater as deficiências físicas e mentais que surgem como consequência de doenças, guerras e acidentes, de modo que, por meio de adequados processos de observação, avaliação, orientação, recuperação médica e funcional, aprendizagem profissional e colocação selectiva, os que foram afectados possam ser reintegrados e restituídos ao exercício de funções produtivas e, por vezes, mesmo mais qualificadas.
A reabilitação impôs-se no mundo, e, fenómeno feliz, mesmo para além de representar uma resposta ao direito do homem de viver uma vida humana e dignamente vivida, sucede que, tal como acontece com a prevenção, representa uma tarefa averiguadamente rentável.
O amplo e envolvente movimento da reabilitação impõe-se por motivos de ordem humana e social, mas, por acréscimo feliz, sucede que constitui também fonte de promoção e rendimento.
Muito embora a assistência e protecção a que todo o homem tem direito não devam constituir matéria de rendimento ou lucro, a verdade ó que, em actividades sociais ou técnicas alicerçadas no económico, esse facto não deixa de representar um estímulo e uma garantia de progresso.
Para não alongar as razões desta afirmação, e em resumo, direi, com os americanos, que por um dólar investido em reabilitação se recuperam dez em rendimento económico para o país. Só em impostos federais um reabilitado pagará cinco vezes mais do que custou a sua reabilitação. Em cinco anos cada reabilitado reembolsa assim o Estado (sómente sob a forma de impostos) dos investimentos realizados com a reabilitação profissional efectuada.
Os interesses vitais do País, que esta a realizar um magnífico esforço de promoção e progresso, exigem o maior número de braços válidos e a maior competência técnica dos seus trabalhadores.
Por isso se impõe a reabilitação, que, por sua vez, tem o seu acabamento na colocação, a realizar por visitadores-colocadores.
A colocação dos reabilitados, pelas características próprias que envolve, deveria ser assegurada por um serviço de colocação de reabilitados, como ramo próprio ou independente do Serviço Nacional de Colocação, pois que a colocação de inválidos reabilitados, como sucede com os cegos, mutilados e todos os outros casos, requer conhecimentos especiais.
A colocação deverá ser realizada, tanto quanto possível, dentro da mesma empresa, em regime selectivo ou no mesmo trabalho, de preferência.
Em casos mais difíceis estará indicado o trabalho domiciliário ou em oficinas protegidas, de que já dispõe o próprio Serviço de Reabilitação Profissional.
Mas não pode o inválido reabilitado ficar sómente entregue às condições precárias e aleatórias da presumível boa vontade da entidade patronal.
Seria um grave risco psicológico e social preparar um inválido e deixá-lo entregue à frustração e talvez ao desespero, assim como representaria prejuízo económico inaceitável, porque cada reabilitação profissional representa para a economia um encargo de 30 000$, não contando com as despesas da recuperação médica e funcional, que não podem desprezar-se.
Assim, impõe-se que seja complementarmente estabelecida legislação adequada, pelos sistemas de colocação preferencial, como esta previsto na nova Lei de Acidentes. n.° 2127, ou a reserva de postos de trabalho, ou ainda o sistema da «quota» obrigatória, sob o qual as empresas devem reservar uma determinada percentagem de lugares: na Áustria 5 por cento, na Alemanha 10 por cento do total de empregados, na Inglaterra 3 por cento, sempre em empresas com mais de 20 empregados.
Sr. Presidente: Tem esta minha intervenção como finalidade sublinhar o extraordinário interesse da reabilitação, servida hoje pelos valiosos recursos da medicina moderna e da formação profissional especializada. Dada a vastidão da problemática, que abrange todas as formas de invalidez e muito particularmente a nossa situação de guerra, formulo o voto de que um serviço nacional de reabilitação coordene e integre todas as actividades parcelares já existentes. Muito especialmente, e para que nada se perca do já tão fecundo e oneroso esforço em marcha, desejaria ainda que a legislação complementar se concretizasse para eliminar todo o factor de incerteza e insegurança.
Sr. Presidente: O movimento de reabilitação resultou de uma consciência colectiva perante o desafio do sofrimento humano no que possui ainda de remediável.
A angústia do homem isolado dos outros pela invalidez, provocada pelas agressões do universo em que vivemos, deixou de constituir um fenómeno individual para se tornar num problema que a todos interessa e diz respeito.
E neste momento, para além da legião de outras formas de invalidez e impotência, penso nos jovens que nas fronteiras distantes da Pátria deixaram generosamente a frescura e a incoercível confiança da mocidade, sempre aberta às ilimitadas perspectivas do futuro, e regressaram destroçados, na dramática situação de mutilados de guerra, com as dolorosas angústias do presente e o entenebrecido horizonte de um futuro vazio e sem esperança. Para com eles, nós, que somos seus pais ou seus irmãos, de sangue ou de raça, criamos o compromisso sagrado e irremissível de os restituir à vida e à esperança a que todo o homem tem direito.
Caminho longo a percorrer e que já começou a ser trilhado, exige que a reabilitação seja completada pela lei, de modo que, como arcos de duas ogivas convergentes, apontem ao homem o caminho da reencontrada esperança.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O revolutear sinistro das labaredas, quando inexoràvelmente nos consomem a fazenda ou sacrificam vidas humanas envolvidas traiçoeiramente nos seus macabros amplexos, é espectáculo apavorante que, profundamente gravado na memória, nos concita à luta pertinaz contra o temível flagelo do fogo.
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É por isso que, várias vezes nesta Câmara, se tem propugnado por essa luta, e recordo a propósito os notáveis depoimentos dos Srs. Deputados Cancella de Abreu, Duarte do Amaral, Amaral Neto e outros, e também os meus próprios — esses bem modestos —, em várias sessões das últimas legislaturas.
Todavia, embora reconhecidos e devidamente valorizados, os argumentos a favor do estabelecimento de uma estrutura com possibilidade de equacionar e resolver, com eficiente carácter de generalidade, os grandes problemas que suscita a profícua luta contra os malefícios do fogo e de outras calamidades do mesmo paralelo, tal estrutura ainda se não criou, pelo que se continua a viver dentro de orgânica em que se subestimam muitos dos pressupostos essenciais que deveriam ser tidos na devida consideração.
Afirme-se desde já que a culpa do facto não reside em inércias a debitar à predita orgânica, mas em deficiências funcionais provindas do seu próprio estatuto.
Apercebido dessa circunstância, ainda pensei em tomar a iniciativa de apresentar projecto de lei concernindo à modificação do actual ordenamento; todavia, depois de haver elaborado o sumário da estrutura que a meu ver se impunha, topei-me com o condicionalismo impeditivo da possibilidade desse projecto, que o Regimento desta Câmara proclama no n.° 3.° do seu artigo 33.°, dado que me seria extremamente difícil, ou mesmo impossível, propor a criação de novas estruturas sem que essa criação envolvesse aumento de despesa.
Desisti do meu intento, mas não desisti de trazer a esta Câmara o somatório das ideias que formei no estudo deste aliciante tema.
Esta a razão das palavras que me proponho proferir.
Sr. Presidente: Importa fazer um breve escorço da actual orgânica do serviço de defesa contra o fogo, para bem se poder avaliar da necessidade da sua adequada revisão.
Estruturada no artigo 156.° do Código Administrativo de 1940 com carácter eminentemente regional, ali se preceitua que essa defesa é feita a nível concelhio e fica a cargo dos seguintes organismos: batalhões de sapadores bombeiros, nos concelhos de mais de 100 000 habitantes; corpos de bombeiros municipais, nos concelhos de 1.ª ordem, e associações de bombeiros voluntários.
Além destas corporações, existem ainda, por permissão legal, os serviços de corpos de bombeiros privativos das organizações comerciais e industriais que os desejem criar e manter.
Pelo Decreto n.° 35 857, de 11 de Setembro de 1946, substituído em 27 de Setembro de 1951 pelo Decreto n.° 38 349, foi uniformizado o funcionamento de todos estes corpos de bombeiros, tendo-se dividido o País em duas zonas, norte e sul, com sedes, respectivamente, no Porto e em Lisboa.
Como organismo coordenador, com funções orientadoras, de fiscalização, de fomento e até tutelares, foi criado pelo Decreto-Lei n.° 35 476, de 12 de Julho de 1946, o Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios, que funciona na Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior, o qual, constituído pelo respectivo director-geral, que é o presidente, tem como vogais os comandantes dos Batalhões de Sapadores Bombeiros de Lisboa e do Porto, que são também os inspectores de cada uma dessas zonas, e dois representantes dos corpos de bombeiros voluntários.
No fim de 1968 havia em Portugal, salvo erro, 348 corpos de bombeiros, constituídos por 25 corpos municipais, que incluem os 2 batalhões de sapadores de Lisboa e Porto, 307 de voluntários e 16 de corpos de bombeiros pertencentes a empresas particulares.
Além de todos estes corpos de bombeiros pròpriamente ditos, há ainda o pessoal de certos serviços do Estado, como, por exemplo, dos Serviços Florestais, que, muito embora não constituam organismos específicos da luta contra os incêndios, no entanto nela tomam parte muito activa quando o fogo se ateia e se propaga na floresta pertencente ao Estado, ou a ameaça.
O pessoal dos serviços não esta submetido à disciplina dos corpos de bombeiros, obedecendo apenas à hierarquia dos mesmos serviços, pois a jurisdição do Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios não ultrapassa os domínios das corporações, pelo que também não interfere nos domínios da propriedade privada.
A contemplação deste conjunto de dados torna desde logo evidente que a defesa contra os malefícios do fogo nunca foi encarada como constituindo a satisfação de necessidade essencial e igual em todo o território. É o que resulta da consideração de só existirem corpos de bombeiros municipais ou oficiais em Lisboa e no Porto e, de uma maneira geral, nos concelhos de 1.ª ordem.
Nos restantes concelhos, que formam a grande maioria dos municípios, essa defesa só será viável se se puder organizar uma corporação de bombeiros voluntários. De contrário, contra o flagelo do fogo apenas combaterão os povos locais ou as corporações de outros concelhos.
Deve, porém, notar-se que a existência de 307 corporações de bombeiros voluntários demonstra claramente que o bom povo português não minimiza a necessidade de eficiente organização para se defender do fogo e, por isso, colmatou a indiferença ou a inconsideração da lei administrativa perante esse flagelo formando voluntàriamente essas corporações, de que tanto e tão legìtimamente se orgulha em toda a latitude do território nacional.
O alheamento das leis pela institucionalização de adequada defesa contra o fogo já vem de outras eras. Prevaleço-me do interessante trabalho do bombeiro do Corpo Municipal de Coimbra, Sr. António Maria da Conceição, apresentado nas cerimónias da comemoração do 188.° aniversário da fundação do mesmo corpo, há pouco celebradas, para referir que as primeiras providências oficiais para o efeito datam de 1395, promulgadas pelo Mestre de Avis, D. João I, que embora rudimentares, permaneceram durante quase dois séculos....
A despeito do bem conhecido empenho dos portugueses de defenderem e consolidarem Portugal contra os inimigos tradicionais, em muito pouca conta tinham os perigos dos incêndios, pois não lhes opuseram tácticas de combate do mesmo teor daquelas com que desbaratavam sucessivamente esses inimigos. E essa tendência passou precípua pelos tempos até atingir quase os nossos dias.
Na verdade, desde essa recuada data do século XIV, a evolução dos meios de combate ao fogo foi extraordinàriamente lenta. Efectivamente, só em 1756 foi criado o primeiro comando e nomeado o primeiro comandante de bombeiros em Lisboa, designado por capitão dos bombeiros, e só então foi regulamentado o serviço de «aguadeiros alistados».
Em 1794 criou-se o lugar de inspector de incêndios, também na capital, que em 1852 viu a respectiva Câmara Municipal dar aos seus bombeiros a designação de Corpo de Bombeiros Municipais, que conservou até à actual designação de Batalhão de Sapadores Bombeiros.
Mas isto passou-se na capital, porque nas restantes cidades muito menos ainda se operou.
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Coimbra teve em 13 de Março de 1781, devidamente institucionalizada, a sua primeira corporação de bombeiros, criada por provisão da Rainha Senhora Dona Maria, corporação que forma actualmente o seu Corpo de Bombeiros Municipais.
Fora destas cidades não há notícia de qualquer manifestação devidamente organizada da defesa contra os incêndios; cada um se defendia por suas próprias forças, com o auxílio da extraordinária solidariedade local. Sabe-se, contudo, que a primeira corporação de bombeiros voluntários foi criada em Lisboa por Guilherme Coussul, no ano de 1868.
Formou-se e enraizou fundo a ideia de que o combate ao fogo só pelas autarquias locais deveria ser considerado, e daqui o regime implantado pelo Código Administrativo e que ainda hoje vigora.
As condições de vida dos portugueses evoluíram, porém, extraordinàriamente, como é bem sabido. Se os centros urbanos de primeiro plano experimentaram um progresso acentuadíssimo, também nas grandes vastidões da ruralidade a vida não parou. Por isso, o crescimento económico e social verificado impõe o fortalecimento das actuais medidas de defesa e também a criação de outras adequadas aos mandamentos dos novos ritmos da vida.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — As suficiências de outras épocas transformaram-se em afrontosas carências nos nossos dias. Ê que, na nossa era, tudo aumentou de intensidade e de volume, o que nos força a termos de encarar as realidades que nos cercam, na sua exacta dimensão. Os ginetes apocalípticos galopam agora mais furiosamente e mais apressadamente pelo nosso orbe, legando-nos aumentado número de perigos e de calamidades. O próprio fogo parece ter-se tornado ainda mais difícil de dominar e mais frequente.
Aparece-nos então como irrecusável o mandamento de que novos perigos nos impõem que reforcemos as nossas defesas contra eles. E chega-se à consideração de se tornar imperioso encarar com a maior urgência a estrutura actual dessas mesmas defesas.
Ora o fogo foi sempre o nosso maior e mais cruel inimigo. Traiçoeiro depredador, tem o diabólico poder de destruir em minutos o que levou décadas e centúrias a criar. Estão perante nós as recordações de tantos e tão pavorosos incêndios que em todas as latitudes de Portugal consumiram bens irrecuperáveis, deixando um rasto de dor e de miséria de alta transcendência.
E não foi sómente em Lisboa que tais tragédias se verificaram; se outras cidades deploram prejuízos irreparáveis, também as nossas vilas e aldeias têm sofrido os latrocínios do fogo, principalmente nas suas florestas, ficando ostensivamente empobrecidas.
Importa, por isso, considerar que se não pode ter como eficiente e escalado com as necessidades actuais o sistema vigente da luta e defesa contra os incêndios.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — A época das chuvas já, por certo, deve estar no seu fim e as novas estações que se avizinham trazem-nos o calor e o tempo seco, que culminará nos estios e nas securas outonais.
O fogo vai ter o seu tempo próprio para nos flagelar, segundo costuma. Temos de estar precavidos para lhe dar luta de forma a não lhe consentir que nos cause os volumosos prejuízos dos verões anteriores.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: —Para tanto há que mobilizar total e convenientemente todos os nossos recursos. Mas isso só se alcançará se à defesa contra o fogo for dada a amplitude que ela carece, com a criação de organismo apto a concentrar os poderes indispensáveis.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Não é que se não devam ao Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios os mais assinalados e assinaláveis serviços, nestes vinte e dois anos da sua vigência. Na verdade, entre muitíssimos outros, prestou este organismo da cúpula hierárquica dessa defesa os de haver disciplinado as actividades múltiplas dos corpos de bombeiros portugueses e criado ao pessoal dos respectivos corpos activos as melhores condições para a prestação dos seus abnegados serviços, e às corporações as melhores possibilidades de sobrevivência.
Tomando a seu cargo as necessidades de materiais de custos elevados para o desenvolvimento da prestação de socorros na ocorrência de sinistros, o Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios disciplinou a forma de aquisição desses materiais por via de concursos públicos, definindo qualidades e tipos, o que conferiu os maiores benefícios.
Por outro lado, ainda dentro da normalidade das suas missões específicas, este organismo distribuiu nos primeiros 21 anos da sua vigência, isto ó, até ao fim de 1967, subsídios no valor de 318 393 902$70, repartidos pelas importantes verbas de 141 450 811$, que se destinou às Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto, para compensação dos respectivos gastos com os Batalhões de Sapadores Bombeiros, e de 176 943 091$70, atribuída às restantes corporações e consignada à compra do material indispensável à sua eficiência, desde os pronto-socorros e autotanques até às mangueiras, escadas e motobombas.
Não obstante esta tão válida e tão prestimosa actividade, o Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios tem, mesmo assim, as naturais limitações de um serviço integrado numa direcção-geral, limitações essas que o estorvam ou o impedem de abarcar toda a problemática da defesa contra o fogo, solucionando com medidas de aceitação generalizada as suas variadas cambiantes.
Empenhada no desenvolvimento da vida autárquica, a Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior é um departamento de missões absorventes que se não compadecem com as exigências daquela vastíssima problemática, em que abundam as necessidades de estudos técnicos e de sistematizações, que ali se não podem efectuar, dentro dos limites do seu actual funcionamento.
Terá então de criar-se um departamento apto a resolver o grande número de problemas que suscitam, em nossos dias, as duas diferenciadas fases da defesa contra os incêndios: a da prevenção dessa grande calamidade e a do seu eficiente combate.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Entre muitas outras soluções que o problema essencial comporta, duas se me afiguram mais de considerar. A opção por qualquer delas depende apenas, segundo creio, da extensão que se deseje conceder-lhes.
Se se entender que interessa predominantemente a defesa contra os malefícios do fogo, suponho que bastará criar um secretariado técnico da defesa contra o fogo, junto da Presidência do Conselho, organismo que poderá
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vàlidamente estruturar e resolver todos os problemas específicos deste sector, em nível nacional.
Se, porém, se quiser considerar que, paralelamente ao fogo, outros flagelos ameaçam e sinistram a nossa vida e a nossa fazenda, impondo igualmente uma apropriada defesa, então parece que será necessário criar um departamento de maiores potencialidades e projecção, que não poderá deixar de corresponder a uma Secretaria de Estado.
De qualquer forma, o que se me afigura imprescindível é a autonomização em organismo apropriado dos meios de defesa contra o fogo e contra as calamidades do mesmo paralelo, definindo-se esses meios por forma que vigorem imperativamente em todo o território nacional e se imponham a todas as entidades assim públicas como particulares.
Organizou-se e funcionou razoàvelmente há anos uma instituição denominada Defesa Civil do Território, que parece ter abandonado grande parte da sua actividade. Atentos os seus fins e as importantes missões que lhe eram próprias, poderia essa instituição dar lugar a uma secretaria de Estado, que passaria a denominar-se Secretaria de Estado da Defesa Civil do Território, funcionando então o sector da luta contra o fogo como uma sua direcção-geral.
Certamente que a criação de qualquer destes organismos implicaria gastos maiores do que os necessários para manter a actual orgânica do serviço de incêndios; o resultado do apropriado funcionamento de qualquer destes departamentos compensaria certamente e em larga medida as despesas da sua criação e manutenção.
E que ninguém contestará que a defesa das pessoas e dos bens do património nacional — seja esse património público ou privado — é tão importante como a defesa da integridade territorial da própria nação, que nunca esteve subalternizada.
Ora nas condições em que essa defesa se processa actualmente não pode afirmar-se que esteja devidamente garantida a segurança indispensável! Tenham-se em conta, sem qualquer laivo de dramatismo, os resultados funestos dos incêndios que, em Lisboa e em outras cidades, consumiram nos últimos tempos valores preciosíssimos por estarem mal acautelados.
Considere-se quanta riqueza se queimou, não só nesses incêndios, como também em tantíssimos outros que devastaram enormes áreas de floresta integrada no domínio público ou no dos particulares.
Sobem esses prejuízos a dezenas, quiçá a centenas de milhares de contos, que certamente não teriam sido sacrificados se, como em outros países, tivéssemos uma defesa contra o fogo e contra outras calamidades, devidamente estruturada e eficientemente dotada.
Portugal orgulha-se muito justamente das tradicionais intrepidez e coragem dos componentes do seu valioso capital humano.
Se na guerra, hoje como ontem e como sempre afinal, temos dado provas inequívocas das nossas virtudes ancestrais, lutando galharda e generosamente por nós e pelos outros, também iguais provas já estão dadas na defesa da integridade dos nossos patrimónios, quando ameaçados ou atingidos pela fúria dos elementos, provas em que não falta uma autêntica solidariedade.
Pelo que respeita aos nossos bombeiros, sejam voluntários ou profissionais, podemos orgulhar-nos da integral abnegação com que se dispõem a dar a sua vida pela vida alheia, como é do seu lema.
Ainda não esmoreceu nem se quebrantou a lição e o exemplo de homens como Guilherme Gomes Fernandes, que perduram íntegros e com os mais abundantes frutos. A nova orgânica da luta contra o fogo poderá contar, por isso, com servidores do mais alto quilate; recorde-se que mais de 300 corporações de bombeiros voluntários servem abnegadamente o País em nossos dias. Mas também neste capítulo se torna necessário reformar e melhorar as condições de prestação de serviços, para que o sacrifício não penda apenas para um lado.
Todavia, não basta à plena eficiência dessa nova orgânica apenas o elemento pessoal. Há que desenvolver uma larga campanha de prevenção contra o fogo e contra as restantes calamidades, editando mandamentos que não podem deixar de ter carácter obrigatório para bem de todos nós. Há também que criar meios de combate cada vez mais fortes e mais eficientes e em número suficiente para serem eficazes onde forem necessários.
Ora todo o vasto plano de operações que se tornam imprescindíveis para o conveniente resguardo da nossa vida e haveres exige estudos e decisões que só um departamento de alto nível pode tomar.
Deixo, por isso, ao Governo, e em especial ao Sr. Presidente do Conselho, cuja alta inteligência e conhecido esclarecimento se orientam afanosamente no sentido do progressivo melhoramento das condições de vida dos portugueses, o meu veemente apelo para que esse departamento seja criado sem demora e rodeado de todas as possibilidades de bem poder cumprir as suas altas funções. Não tem o Governo as limitações legislativas que pesam drasticamente sobre os Deputados, e por isso nenhum obstáculo se lhe depara para o fazer.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Vai começar o tempo estival, em que, no dizer sapiente do povo, «costumam secar as fontes e começar a arder os montes», não havendo, por isso, lugar a demoras na justa solução dos problemas postos.
A trágica lição de tantas calamidades e de tão vultosos prejuízos causados pela fúria dos elementos, quando actuam livremente, não pode ser e não será certamente esquecida.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: —Srs. Deputados: Antes de passarmos à ordem do dia, um pequeno apontamento. Desejaria terminar a sessão legislativa nesta semana, isto é, desejaria não ter de marcar sessão para o dia 24, segunda-feira. Por isso vejo-me forçado a dar duas sessões amanhã, a primeira das quais às 11 horas precisas. De qualquer modo, como o tempo aperta e ó necessário conhecer com antecedência o panorama exacto das discussões que irão seguir-se, marco até amanhã, ao começo da ordem do dia da sessão da tarde, a inscrição dos Srs. Deputados que queiram intervir no debate na generalidade das três propostas de lei que se irão apreciar a seguir. Depois disso não aceitarei mais inscrições, porque, como disse, é necessário conhecer o número de oradores para averiguar se podemos ou não terminar nesta semana.
Agradeço também que os Srs. Deputados que queiram fazer intervenções antes da ordem do dia, quando essas três propostas de lei estiverem a ser apreciadas, o comuniquem à Mesa até ao fim da sessão da tarde de amanhã.
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Dito isto, vai passar-se à
Ordem do dia
0 Sr. Presidente: — Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Teófilo Frazão.
0 Sr. Teófilo Frazão: — Sr. Presidente: Ao subirmos a esta tribuna pela primeira vez sob a égide de V. Ex.ª, a quem tanto consideramos, consinta-nos que lhe afirmemos com sinceridade o quanto de apreço e estima nos merece, e ainda lhe transmita o nosso sentir profundo de muito agrado pela maneira sumamente criteriosa e viva como V. Ex.ª tem conduzido a pesada tarefa desta presidência.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Beja, com o rural na exponência maior do seu viver agrário, que é afinal quase todo o seu viver, não podia deixar de trazer aqui uma palavra, ainda que minguada no seu luzimento, sobre a proposta de lei em discussão, esta que às Casas do Povo e à previdência se refere.
Também não ficaríamos bem em consciência, deparada tão feliz oportunidade, se não contemplássemos um diploma de tanta importância para a melhor mantença da devotada população obreira do nosso agro, e por isso mesmo extraordinàriamente incisiva na vida da terra, a que por inteiro nos temos entregado, em aturada exercitação técnica.
E se ao técnico agrário cumpre o dever de se debruçar sobre assunto de tanta monta, a doblez do nosso ser, ainda que apoucado, de político mais nos impõe essa obrigação, pelo prometimento, afirmado em sessões de propaganda eleitoral, de fazer quanto em nossas forças coubesse a favor dessa pedra vivíssima da Nação que é o rural do Alentejo, herói obscuro e ignorado da primeira linha da batalha sem tréguas em que todos os homens da terra esforçadamente se empenham.
E é que dissemos então, numa pronúncia de verdade indiscutível, que esse homem rude mas bom, de vontade férrea, leal e decidido, fortemente apegado ao torrão que o viu nascer; esse homem que temos tido constantemente ao nosso lado, dando-nos franca e dedicada ajuda; esse homem que tantas vezes temos visto regar' a terra com o suor do seu rosto, e nisto não há qualquer figuração de retórica, mas sim a realidade e a realidade autêntica; esse homem que é afinal a expressão mais viva da terra e na terra, bem merece que se acarinhe e se conforte para uma vivência mais digna, que se olhe para ele com os olhos do bem-querer e da bondade, desejando-o melhor e mais promovido.
Já Herculano entendia como objectivo da boa política que «na morada do homem laborioso a escassez deve ser substituída pela abundância».
E é que na morada do nosso rural, laborioso como poucos, não tem havido, e é preciso que haja, a suficiência para uma nobreza de viver, que é justa e devida a toda e qualquer condição humana.
Assim o sente a inteligência grandemente esclarecida do nosso Presidente do Conselho, a quem por isso rendo o meu preito mais sincero, na sua afirmação da «necessidade de acelerar o ritmo da política social, devendo merecer especial cuidado a situação dos trabalhadores rurais, por dever de justiça e para fixação nos campos da mão-de-obra de que a agricultura carece».
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nós prometemos atentar no viver rural, e aqui estamos hoje presentes a observá-lo, como já estivemos antes, em Dezembro de 1965, em Novembro de 1967 e em Janeiro de 1968, isto é, sempre que tivemos ensejo para tal.
Também em Dezembro do ano que findou, em debruçamento sobre a Lei de Meios, ditámos, o que supomos ser do consenso unânime, não poder haver agricultura progredida enquanto assente no mal-estar rural. E apelámos então para a lavoura, apelo que em reforço lançamos hoje com as veras maiores do nosso sentir, para animosamente trilhar o rumo do seu próprio engrandecimento, a fim de que tenha uma existência melhor, que lhe é absolutamente legítima, e assente no maior bem-estar de quem a serve.
Em todas essas nossas intervenções passadas lançámos o proclame da necessidade premente, em favor dos tão desprotegidos trabalhadores da terra, de uma previdência válida, por extensa e forte, e de um abono de família de aliciação, por vultosa, adentro do possível, que nunca deverão cair abaixo dos níveis atribuídos aos serventuários do comércio e da indústria, para que não haja recriminação pela injustiça de trato dado a quem já hoje se sente deprimido no seu mister, e o deve ter antes por credor de exaltação.
Na Carta Encíclica de Sua Santidade João XXIII — a iluminada Mater et Magistra — é dito que
em todas as comunidades políticas há um problema de fundo que urge solucionar: distanciar o menos possível o nível da população agrícolo-rural do nível de vida dos cidadãos que tiram o seu rendimento do sector industrial e do dos serviços.
Sr. Presidente: A proposta de lei do Governo, em apreciação; pelo seu anseio de promover socialmente o mundo rural e apontando soluções tendentes a atingir o nivelamento que se deseja, merece-nos, para além de uma simples aprovação na generalidade, o mais vivo e acalorado apoio.
E como não havíamos de ditar assim, se em entender nosso, já expressado há tempo, a franca e alargada debilitação rural em que vivemos não consente a progressão social e económica que o bem-estar do País exige. E é que a nossa economia, já de si minguada no seu valimento e de caminhar inseguro, suporta mal qualquer empeço, por mais ligeiro que ele seja.
A exploração agrícola, do maior destaque no concerto económico nacional, encontra-se quase na totalidade de pressionada por um viver precário, apesar das melhores vontades postas ao serviço dela, haja em vista os muitos despachos altamente saneadores saídos nos últimos anos do departamento da Economia, plenos de interesse e utilidade, mas estorvados tantas vezes na sua acção, que se previa fecunda, por condicionalismos que transcendem o poder do homem.
Assim é neste negregado ano em que estamos, da mais obscurecida perspectiva para o viver agrário. E quase sempre uma desgraça não vem só; os anos maus sucedem-se numa frequência impressionante, que acorrenta a nossa lavoura a situações do maior desfavor, incapacitando-a para a harmonicidade económica, de que tão carecidos nos encontramos.
E o homem sem uma agricultura viva e bem viva, dissemo-lo já, arrasta-se agrilhoado a uma existência de estiolamento.
Ora, Sr. Presidente, uma lavoura estiolada como a que temos — e eu recordo a debilitação do nosso Campo Branco sul-alentejano: as terras de Mértola, Almodôvar,
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Castro Verde e Ourique; e mais as serranias de Serpa e do Algarve — não vejo como há-de suportar mais encargos, e da ordem daqueles que se antevêem na proposta de lei.
E aqui reside para nós o maior dói da proposta, diga* mos até o seu único dói, aquele que nos parece não ter cura, senão erradicando-o completamente.
Picámos em extremo agradados com a compreensão mostrada pela situação deprimida da economia agrícola, e consequente imposição, prevista, de um substancial reforço de receitas exteriores ao sector. Nós diremos que ele não tem de ser substancial, tem mesmo de ser total, pois a contribuição do patronato agrícola não pode ir além daquela hoje já difìcilmente suportada, sobretudo para muitas explorações, que são as de mais.
Nós bem sabemos que o -regulamento anunciado, e não conhecido, é que ditará a concretização das normas gerais expressas nas bases da proposta. Só se pede que ele tenha a tessitura tão perfeita e compreensiva quanto o texto em discussão. Mas, no entanto, antolha-se que o contribuinte agrícola, para além do que já paga às Casas do Povo, e continuará a pagar, obriga-se a mais encargos com o regime geral de previdência e ainda com o abono de família, a satisfazer, assim nos parece, na complexidade de vias diferentes de cobrança.
Isto é que não pode ser!
Há que ir buscar fundos para o avolumamento do bolo, que não deverá ser pequeno, para ter divisão que se veja e talhado irmãmente, a fontes inexauridas dê financiamento, mas não à lavoura, que essa, descapitalizada e empobrecida, só tem a receber, que não a dar.
A proposta tem outro reflexo de boa compreensão ao afirmar «a função social e a estratégia económica dos produtos agrícolas e da sua missão no equilíbrio geral das actividades nacionais», e assim entende que «o encargo do respectivo seguro social não recaia exclusivamente sobre a economia agrícola».
Sr. Presidente: Somos tentados, para reforço desta asseveração, a dar notícia do que numa revista recente da nossa especialidade vimos no tocante às necessidades anuais em produtos agro-pecuários de uma grande indústria americana de automóveis. São elas da ordem das 25 000 t de milho, 20 000 t de sementes de linho, 74 000 fardos de algodão, para cujas produções se precisariam de 6000 ha para o milho, 32 000 ha para o linho e 32 000 ha para o algodão. E quanto à pecuária, a fábrica de automóveis utilizou os produtos derivados de 364 000 ovinos e 36 000 bovinos. Um responsável por esse sector industrial afirmou que «a sua indústria, bem como a de todo o mundo, teria, em poucos dias, de fechar as suas portas se se interrompesse a entrada nas fábricas de produtos de origem agrícola».
Preciso é, para que estes possam existir nas quantidades exigidas e aos preços compatíveis com o viver do comum dos homens, que eles não sejam desajudados por alcavalas incomportáveis, e antes ajudados quanto possível, e por todas as formas, na sua produção.
Sr. Presidente: Para além disto, que nos parece em desajustamento com a realidade agrária, só temos que dizer bem da proposta de lei.
A cobertura actual das Casas do Povo, em 30 por cento, necessita urgentemente de ser alargada até à sua totalidade. Queremos um corporativismo como deve ser. e as Casas do Povo, suas células primárias, necessitam de uma vitalidade exagerada, pois assim, e só assim, serão os grandes esteios da promoção rural, e sê-lo-ão se os homens o quiserem. A obra realizada é já grande, mas muito diminuída para a imensidão do que há a fazer.
E é no domínio da educação que a sua acção mais se deve fazer sentir sobre o homem da terra. Com mentalidades abertas podemos ir longe, mas os passos serão muito curtos se nos mantivermos educacionalmente fechados.
Concordamos em absoluto com os sócios efectivos na presidência da direcção das Casas do Povo, nem compreendemos o contrário. Só dessa maneira teremos a autêntica representação profissional e iremos consciencializando melhor os quadros dirigentes.
No que respeita à previdência, parece-nos muito bem que a ela tenham direito os produtores agrícolas de rendimentos extremamente minguados.
É também damos plena concordância, atentas as múltiplas implicações em assunto de tanta magnitude e transcendência, à necessidade de se caminhar sem pressas, por fases, para que não haja passos em falso.
Mas note-se que não se deve ir tão devagar que não se chegue mesmo ao fim. A premência do bem-estar rural não se compadece com uma marcha excessivamente lenta e intermitente.
E pior será se ao seu demorar se juntarem máculas de apoucamentos detestados e de desníveis flagrantes.
Isto também não pode ser!
Quanto ao abono de família, quer-se que ele tenha expressão que se mostre, seja generalizado e atribuído em valor igual a permanentes e eventuais, e por inteiro satisfeito quando das crises de trabalho por desfavor climático, o que é frequente no Alentejo, mesmo sem a prestação dos vinte dias de serviço efectivo no mês.
A previdência e o abono de família são pedras fulcrais do jogo económico, que, para ser ganho, haviam na verdade de ser jogadas, e quanto antes.
O Ministério das Corporações e Previdência Social, lançando-as no xadrez da nossa economia, através do diploma em. discussão, prestou um serviço da mais extraordinária relevância ao País.
Disse.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ferrão Castelo Branco:—Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural, agora em debate nesta Camara, reveste-se de tão grande significado e de tão grande importância para toda a Nação, para a economia agrícola do País e, designadamente, para todos os que à terra dedicam as suas energias, que eu, como um dos representantes do distrito de Beja na. Assembleia Nacional, não podia — nem o meu próprio sentimento o consentia — deixar de subir a esta tribuna para, embora com palavras descoloridas, dizer alguma coisa do muito que me sugere o texto em discussão.
O distrito de Beja, de feição predominantemente agrícola, tem em funcionamento 61 Casas do Povo, espalhadas pelos seus 14 concelhos.
Assim, desde Barrancos a Ferreira do Alentejo e de Vidigueira a Odemira, pode dizer-se que a cobertura pela rede das Casas do Povo da região é, se não completa, bastante significativa, pois que é através dela que se vêm outorgando cada vez mais benefícios às gentes do campo. -
Com efeito, sendo, em 1967, de 614 o número de Casas do Povo em actividade em todo o País, com 224 613 sócios contribuintes, 252 371 sócios efectivos e 13 320 outros beneficiários, no distrito de Beja, no mesmo ano, as
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Casas do Povo eram em número de 61 em plena actividade, com 21 391 sócios contribuintes, 30 760 efectivos, e 61 244 familiares.
Pelo parecer da Câmara Corporativa ficamos sabendo que as despesas das Casas do Povo no sector da previdência, no que respeita à assistência médica e medicamentosa, subsídios por doença, morte, nascimento, casamento e outros, atingiram, também em 1967, 55 949 contos.
As Casas do Povo do distrito de Beja despenderam, nesse ano, em previdência e com despesas de administração, instalação, honorários dos médicos, enfermagem e outras a significativa verba de 10 309 996$60, apresentando nas rubricas que compõem este montante a de 2 339 476$ 10 referente a medicamentos a sócios efectivos e seus familiares e a de 2 735 780$ de subsídios de invalidez.
Não quero abusar da benevolência com que VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, têm ouvido esta minha fala e estes números, que me parecem indispensáveis para, no conjunto da obra de previdência levada a efeito pelas Casas do Povo, demonstrar o que têm distribuído as da província do Baixo Alentejo.
Todavia, mercê de muitas e variadas circunstâncias, por de mais conhecidas e que tantas vezes e com alto brilho têm sido postas em foco nesta Câmara, o êxodo rural persiste e o trabalhador do campo continua a olhar com certa desconfiança o momento que passa e á pôr os olhos mais longe, no futuro que há-de vir, sendo certo que, como se sabe e aqui já foi dito, na maior parte dos casos este êxodo não vai ocupar posição produtiva essencial à formação do produto interno bruto.
As jornas aumentam constantemente, e é assim que o salário do trabalhador rural esta hoje quase equiparado ao do operário da indústria não qualificado, com a agravante de que, quando ele parte para os grandes centros industriais, o custo da sua manutenção é sensìvelmente agravado e não vai, na maioria dos casos, gozar de qualquer espécie de promoção social.
O ritmo acelerado com que se tem processado o êxodo rural no nosso país tem tido como consequência uma mais rapida reconversão cultural do que aquela para que a lavoura, de um modo geral, esta preparada, e tem-na levado ao abandono de certas culturas e não realização de algumas benfeitorias necessárias ou simplesmente úteis.
No entanto, a valorização regional, que já hoje se vem verificando, e as regalias obtidas pela ordem jurídico-estadual laboral para os trabalhadores acentuam-se através da segurança no trabalho, da regulamentação meticulosa sobre acidentes de trabalho — assente no princípio fundamental de a responsabilidade do acidente ser imputável ao empresário, mesmo tratando-se de caso fortuito, isto é, sem que da parte deste tenha havido dolo ou culpa — e das providências sobre a segurança social. Providências estas em que «o princípio da solidariedade — como alguém já acentuou — é ainda mais claro, se possível, relativamente a outros riscos que, em princípio, não têm relação alguma com o trabalho por conta alheia e que hoje, em maior ou menor medida, são objecto dos seguros sociais, designadamente a doença comum (a profissional não é„senão um tipo de acidente), a velhice, a invalidez, a morte e os encargos familiares».
A proposta de lei em apreciação visa também estender à população rural associada nas Casas do Povo o abono de família, prestação que vai juntar-se aos rendimentos que os sócios efectivos obtêm do seu trabalho e instituído a favor de descendentes.
Não pode negar-se justiça na criação de mais esta, regalia a conceder, merecidamente, aos trabalhadores rurais, mas a verdade é que, prevendo-se o financiamento de parte do abono de família pelas entidades patronais, isto é, pelos empresários agrícolas, eles não estão presentemente em condições de poderem suportar um encargo que venha onerar ainda mais a situação difícil que a lavoura atravessa, pois que, como já se anotava no estudo provisório da Comissão de Política Social Rural.
é unânime a afirmação da crise que a lavoura atravessa, afirmação expendida desde os directamente interessados — os agricultores — aos mais altos governantes da Nação.
O. estado de deprimida situação em que se encontra a lavoura filia-se, como ó hoje do conhecimento geral, em variados factores, tais como as desfavoráveis condições climatéricas, o desfazimento dos preços dos produtos agrícolas, a subida dos salários e também os encargos com investimentos imprescindíveis, dada a adaptação necessária a novas técnicas de cultivo, e ainda encargos fiscais e outros.
Com efeito, no que se refere ao distrito de Beja, o montante da contribuição predial rústica (verba principal) liquidada no ano de 1966 foi de 10 074 979$ e em 1908 a mesma contribuição atingiu a verba de 13 814 007$.
Este aumento deve-se a terem sido revistas pelo Instituto Geográfico e Cadastral as matrizes cadastrais dos concelhos de Alvito, que pagava 312 133$ e passou para 637 039$, Barrancos, de 147 123$ para 214 872$, Beja, de 1 589 092$ para 3 543 636$, Castro Verde, de 294 822$ para 632 821$, Cuba, de 465 095$ para 586 375$, Mértola, de 473 830$ para 931 614$, e Vidigueira, de 697 239$. para 873 410$. Não foram ainda revistas as matrizes cadastrais dos concelhos de Almodôvar, Moura, Odemira, Ourique e Serpa e os de Aljustrel e Ferreira do Alentejo tinham-no sido anteriormente a 1966.
Quanto à quotização para as Casas do Povo do distrito, em 1966, os 21 568 sócios contribuintes pagaram 6 324 391$ e os 32 540 sócios efectivos 1011210$; no ano de 1967, 21 391 sócios contribuintes pagaram 6 715 003$80 e 30 760 sócios efectivos pagaram 975 126$, e no ano de 1968, 21 502 sócios contribuintes pagaram 6 458 559$30 e 29 411 sócios efectivos pagaram 1 406 815$.
Além das demais contribuições a pagar ao Estado, há ainda os adicionais à contribuição predial, quotas para os Grémios da Lavoura, licenças camarárias e vultuosas verbas para prémios de seguros de acidentes de trabalho, por virtude dos quais os empresários transferem a sua responsabilidade previsível para o segurador, o que, por si só, acarreta um elevado ónus para a empresa agrícola. -
Afigura-se-nos, assim, que não devem contribuir para o regime geral do abono de família as «explorações agrícolas cujo rendimento colectável exceda determinado montante a designar por despacho ministerial ouvida a Corporação da Lavoura», já que é através desse rendimento que se efectua a liquidação da quotização devida pelos sócios contribuintes das Casas do Povo, embora na base x se não faça tal referência.
Também a lavoura, dado o estado de descapitalização em que se encontra, não poderá contribuir, como se prevê na alínea a) da base XXIX, para o regime especial do abono de família, que deverá, assim, ser coberto pelas comparticipações e subsídios na mesma base previstos, além de que nada se diz na proposta de lei quanto ao quantitativo das. contribuições a pagar pelas entidades patronais, visto que isso é relegado para o regulamento a promulgar pelo
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Governo, observando-se no douto parecer da Camara Corporativa o seguinte:
No que respeita às contribuições patronais e dos trabalhadores, trata-se da imposição de novo encargo, cujo volume não pode ser avaliado em termos absolutos, pela já referida carência de elementos concretos para o efeito necessários. Poderá, no entanto, afirmar-se — e é importante fazê-lo — que, no relativo às contribuições patronais, dada a limitação das categorias profissionais dos trabalhadores a inscrever no regime geral, as empresas afectadas serão principalmente aquelas que pela sua maior dimensão e capacidade devem assumir maiores responsabilidades sociais e no campo económico se apresentam mais susceptíveis de adequação aos inerentes encargos. Aliás, quando tais empresas já sejam contribuintes das Casas do Povo, deverá atender-se, nas quotizações a estes organismos devidas em tal qualidade, aos encargos por elas suportados relativamente aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral, mediante convenientes deduções na medida julgada razoável, sem o que haveria lugar a duplicação de contribuições, que deve ser evitada. E matéria a ter em consideração na regulamentação da lei ora proposta.
Quanto às contribuições dos trabalhadores, a mesma limitação das categorias profissionais a enquadrar no regime geral e a atenção ao volume dos benefícios advenientes levam a considerar que de modo algum a sua imposição virá constituir um sacrifício económico individualmente incomportável. Apenas será igualmente de atender, na regulamentação da nova lei, a que, nas regiões abrangidas por Casas do Povo, tais trabalhadores deverão ser desagravados, na quotização para estes organismos, da parcela imputável à previdência, reduzindo-se as suas quotas ao quantitativo proporcionado o sua participação nas actividades de convívio, representação e promoção social exercidas pelas Casas do Povo.
Na base XXIII define-se, para efeitos do disposto na proposta de lei, o que se emende por trabalhadores permanentes e na alínea c) da base XXVIII diz-se quais os trabalhadores que têm direito a receber o abono de família por inteiro ou em metade, nas em nenhuma destas bases esta definida ou prevista a situação dos trabalhadores rurais que trabalham de empreitada.
E é verdade que ainda hoje, para levar a efeito determinados trabalhos agrícolas, tais como desbaste de arvoredo, ceifa manual de cereas e de algumas leguminosas, apanha da azeitona, abertura de poços e tantos mais, se usa em larga escala o trabalho de empreitada.
O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial, como se determina no Código Civil (artigo 1153.°), e é o Decreto-Lei n.° 47 032 de 27 de Maio de 1966, completado por vastíssima legislação extravagante, a sua lei reguladora, que nela não inclui o trabalho rural.
Assim, a regulamentação deste continua a ter o seu assento no Código Civil di 1867, visto que as disposições contidas no seu artigo 191.° e seguintes constituem legislação especial que não foi revogada pelo artigo 3.° da lei preambular.
Na proposta de lei ora um debate contempla-se sómente a forma de trabalho salaiado e nada se refere quanto ao trabalho de empreitada, sendo certo que, aqui também, os trabalhadores rurais não deixam de estar subordinados a um patrão — o manaceiro, vulgarmente designado, ou o empreiteiro — e sujemos às normas gerais do contrato de prestação de serviços, pois que aqui a actividade não é prestada sob a direcção da pessoa a quem o trabalho aproveita.
Muitos desses trabalhos prolongam-se por largos períodos, vulgarmente mais de trinta e até de sessenta dias.
Logo, parece que esta lacuna da proposta de lei em discussão deveria ter sido preenchida no sentido de se definir a quem incumbe contribuir para o abono de família.
Sr. Presidente: A iniciativa privada e a liberdade dos contratos foram, durante largo tempo, corolários inseparáveis entre as entidades patronais e os trabalhadores.
No domínio da legislação e doutrina do direito laboral que a ordem corporativa proclama e reivindica, a liberdade contratual não é um direito essencial e natural do indivíduo, é antes um meio reconhecido, com certos limites, para que o objecto do contrato entre o dador e o prestador de serviços possa melhor cumprir a função social que a cada um compete: maiores regalias para este e mais eficiente produção económica.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, todos os benefícios que possam ser concedidos — quer no campo da previdência, quer na concessão do abono de família — aos trabalhadores rurais, sem esquecer a situação difícil dos empresários agrícolas, são por nós aplaudidos.
Estes os termos em que, na generalidade, dou o meu acordo à proposta de lei em discussão.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: — Sr. Presidente: Com simpatia vi anunciar esta proposta de lei; interessadamente me debrucei sobre ela; e venho dar-lhe, bem expresso, o meu voto, favorável na generalidade; mas faltaria à habitual franqueza se ocultasse certos obstáculos que lhe antevejo e podem, ao menos nos primeiros tempos, baldar esperanças que despertou.
Dirigida a um meio de condições muito diversificadas, daqui provirão as primeiras dificuldades a oporem-se à lei, a quebrarem-lhe aceitação ou alcance, se não for regulamentada muito atentamente e com as adequadas flexibilidades; financeiramente cara, tanto mais cara quanto melhor vá resultando, se com decisão a não lançarem logo assegurada de créditos supletórios da pobreza rural afundar-se-á no. desprestígio das veleidades, deixando ressacas de desapontamento que melhor seria não provocar.
Habilidade na execução e suficiências nas provisões requererá esta lei, como poucas, para surtir, ainda que moderadamente, os efeitos desejados, e assim ganhar a adesão dos que os hão-de pagar como o apreço dos que os aproveitem. Isto convém salientar, até ao enfado da repetição; não para diminuir a proposta, mas, pelo contrário, para lhe marcar possibilidades se forem esconjurados tanto os rigores da uniformidade como os tímidos compromissos da meia-medida.
A proposta mantém, mais ou menos no que já era, o sistema dos benefícios de previdência das Casas do Povo, segundo o que se chamava — para lhe dar um nome — o esquema mínimo. Temos de nos fiar nas palavras da Câmara Corporativa para presumir melhorias de grau quantitativo e — isto sim, será importante — a generalização do subsídio de invalidez, mas tudo continuará confinado às áreas das Casas do Povo existentes, e que não cobrem, estima-se, muito mais de uma quinta parte da
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população trabalhadora rural, e das que venham a constituir-se.
0 benefício novo do abono de família, sem dúvida apetecido e estimável, valioso apoio aos pais carregados de filhos, também será primàriamente concedido aos trabalhadores das áreas das Casas do Povo, e de futuro, além destes, extensível apenas aos trabalhadores com emprego permanente nas demais zonas.
Por fim, o benefício total do regime geral de previdência e abono de família, o das simplificativamente chamadas «caixas», aquele de que gozam os trabalhadores do comércio e da indústria, com mais substância nas vantagens e a coroa da reforma em idade certa, será o privilégio, nos campos, dos trabalhadores especializados e dos empregados permanentes das empresas grandes: uma minoria, por ora, que todavia tenderá a crescer vista a evolução da agricultura.
Assim resumido o programa da lei, mas creio que, sem faltar nada de relevante, ela dá-nos ares de pouco ambiciosa; porém, cumpre atentar em que, mesmo, assim, vem pejada de grandes encargos novos, segundo nos adverte a Câmara Corporativa no seu esclarecedor parecer.
Se sé confirmarem as suas presunções quanto às melhorias a conceder, só quanto à previdência sob, gestão directa das Casas do Povo — médicos e medicamentos; subsídios por casamento, nascimento de filhos e morte dos sócios; generalização e aumento para o dobro dos subsídios de invalidez e velhice — os encargos, que foram de 56 000 contos em 1967, virão a subir para 106 000 contos, tão-sòmente para a, população beneficiária actual, que, convém manter na ideia, é apenas cerca de um quarto de número total das pessoas em condições de aproveitarem, em todo o território metropolitano, da generalização da rede das Casas do Povo, e com isto desta previdência. No acrescido número, só a estimativa dos subsídios de invalidez e velhice triplica quase o montante actual.
Quanto ao custo do abono de família, no mesmo âmbito — isto é, dentro da cobertura das Casas do Povo existentes —, o seu cômputo global atinge os 290 000 contos anuais, a igualar os 100$ por mês e descendente do regime geral da previdência. Convém determo-nos um instante sobre este último número, o do quantitativo individual do abono, pois sobre ele se cruzam conjecturas diversas. Não é segredo que os primeiros estudos se inclinaram para a hipótese dè uns meros 40$ por unidade, mesmo assim já intimidados com o preço global entrevisto. Ora este seria um abono mesquinho, quase ridículo ante o poder de compra do dinheiro, sem significado material nem político. E as esperanças já suscitadas não comportam tamanha desilusão.
A concessão do abono de família será, afigura-se-me, o mais palpável e apreciável dos benefícios da lei. Vantagem imediata, directa, de alívio concreto para os pais de família, com larga incidência, ela não poderá ser estabelecida a nivel inferior ao atribuído aos trabalhadores dos demais ramos de actividade sem reacender aqueles sentimentos de diferença que tanto ferem os do campo e obviamente se quis minorar-lhes.
Aqui esta precisamente um dos pontos em que eu pensava, aquele em que mais pensava, quando de entrada avancei o sentimento de que a lei requer suficiência nas provisões, de que não pode apagar-se em compromissos de meia medida.
Mas será também neste aspecto, quiçá, que ela carecerá de mais habilidade na regulamentação.
O trabalho rural ainda é, em muitas partes, grandemente variado: intervêm períodos de desemprego, as pessoas sáem dos domicílios buscando intercalarmente ocupação noutros lugares — o caso dos trabalhadores migrantes será exemplificativo, mas outros poderão apresentar-se ainda mais intrincados; alterna o labor de conta própria com o de conta alheia, etc.
Porque há-de, como nenhum outro, ser função do emprego quotidiano, e fica com a ligação territorial à Casa do Povo, a concessão do abono de família exigirá não só a decisão de gastar bem, mas também a de regulamentar com adaptabilidade e prudência.
Da gestão da sua previdência já as Casas do Povo afeiçoaram a prática; nesta modalidade nova do abono de família, terão muito que aprender para acertarem.
Previdência específica e abono de família delimitam as relações de causalidade das Casas do Povo com a previdência rural, segundo a lei em exame, e logo a confinam nesses aspectos, portanto, as áreas que tais instituições sirvam.
Quer dizer, liminarmente nem talvez uma quarta parte da população rural ficará por esta -via atendida, pois tal é a proporção da cobertura presente do território metropolitano por aqueles organismos.
Esta ó uma limitação séria, mas creio que esta bem assim.
Utiliza o instrumento mais disseminado, mais acessível, mais da familiaridade, já da confiança dos camponeses; e permite a instalação gradual, a adaptação progressiva do sistema ao meio e deste àquele, conveniente tanto à mais eficaz aplicação como à introdução praticável do suporte financeiro.
Recordei atrás como, desde já, os encargos se podem calcular na ordem dos 400 000 contos anuais, soma cuja importância se avaliará melhor considerando que em 1967 toda a previdência das Casas do Povo custou 73 718 contos, que incluíram aliás uma parte substancial de prestação de serviços médicos a beneficiários da previdência geral, ou fosse a trabalhadores não agrícolas.
O salto é grande, e multipicá-lo imediatamente por quatro conduziria a encargos provàvelmente incomportáveis — que incomportável já seria, sómente para o depauperado meio agrícola, aquela soma de 400 000 contos da. modesta entrada. A este respeito não há, porém, dúvidas, e, as longas e judiciosas considerações da Câmara Corporativa sobre a indispensabilidade e justiça de um muito forte apoio, exterior à agricultura, não carecem de mais elaboração.
Isto não exclui um ajustamento das receitas internas do sector, e a este respeito não me furtarei a considerações delicadas, porque envolvem as bolsas mais fracas, mas necessárias, porque é tempo te encarar de frente todas as realidades.
E nunca é de mais insisti em como a timidez, o acanhamento de decidir, poderá comprometer fundamente a viabilidade do novo regime se no início se não chamarem a adequada comparticipação todos a quantos interessa, para reunir os máximos recursos.
Devemos ter presente que lodos os novos encargos repugnam, todos determinam protestos e originam fugas, mas, se dentro do razoável, enformes com a equidade, contidos nas verdadeiras posse, a acomodação acaba por fazê-los aceitar. Diz o povo que onde todos pagam nada é caro, e se decerto o conceito não é de elasticidade ilimitada, contém no entanto sabedoria bastante para se tomar em conta.
O mundo de hoje tem tendência a esquecer o custo das comodidades que todos os ias pede com mais gana. No espírito do comum das pessoas generalizou-se a noção de que os outros é que pagam, de que «eles» — uns «eles» de que cada qual só sabe que ião quer ser parte — se
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aguentem. O mito universal do progresso funda-se em muito na enorme ilusão de que é possível obter alguma coisa a troco de nada, e quando se fala em pagar o preço todos se furtam, esquecidos de que ele acaba por deparar-se-lhes acrescido, sob alguma forma inesperada onde nem se descortina a origem.
Também a previdência social tem seu preço, um preço que parece sumir-se detrás dos benefícios mas acaba sempre por reaparecer, feito na volta sob os múltiplos disfarces em que os mecanismos económicos diluem os custos; reaparece, talvez um pouco melhor repartido — e aqui o objectivo —, mas sempre inteiro.
Tem a previdência o seu preço, e pesado; para ajudar a levar a carga parece legítimo e próprio que também os beneficiários tomem para si um pouco dela, participando no seguro de si mesmos. Uma parte para o trabalhador, três para o patrão, é o regime geral da previdência, aplicado no comércio e na indústria; no caso rural não ó de propor tanto, que nem se entende serem só o trabalhador e o seu patrão a custeá-la, mas não estará certo, numa revisão que marca novos rumos e se abre às mais amplas perspectivas, continuarem as quotizações dos sócios efectivos das Casas do Povo contidas nos míseros limites actuais.
Estas quotizações foram fixadas entre o mínimo de 1$50 e o máximo de 3$, mensalmente, pelo legislador de há trinta anos, quando as Casas do Povo não eram ainda vistas como instrumentos de previdência; e só em 1967 o limite legal foi elevado para 5$, depois de três décadas de estiolamento à míngua de rendimentos.
Ninguém que conheça a vida de um só que seja destes organismos deixa de atribuir à mesquinhez em que as quotizações foram mantidas primacial influência na modéstia da acção desenvolvida.
E para mim foi sempre intrigante que se restringisse tão baixo a contribuição do trabalhador rural para o seu próprio seguro, quando se lhe impunha, de cada vez que ia ganhar algumas semanas num armazém ou numa fábrica, pagar dez vezes mais para o seguro dos outros, pois como temporário escassamente vinha a aproveitar daquilo para que descontava.
O parecer da Camara Corporativa, sempre o nosso único guia para perscrutarmos números, e que aliás também considera «extremamente reduzido» o presente nível delas, faz contas sobre quotizações elevadas para níveis mensais de 12$ ou 16$, insinuando por aqui um critério da actualização.
Entendo que deverá haver o máximo cuidado também nesta matéria, para não ficar a meio caminho do que as realidades justificam. A nova previdência desservir-se-á a si mesma, desservirá pois os que quer servir, se não aproveitar a oportunidade para uma consciencialização geral do seu valor, que inclui a do seu custo; se desprezar o importante contributo da razoável participação dos beneficiários; se se limitar a dar à timidez antiga apenas nova aparência.
E convém ser realista neste como nos demais pontos conexos; importará consignar critérios de actualização evolutiva, para não cair de novo na cristalização da inércia, tanto mais custosa de vencer quanto mais as circunstâncias externas se lhe forem adiantando.
Uma coisa é de ter como certa: qualquer elevação substancial de quotas afugentará sócios efectivos das Casas do Povo, embora para voltarem quando meçam as vantagens; sendo assim, a fazer alguma revisão., ao menos faça-se que valha a pena.
Além e acima da previdência gerida pelas Casas do Povo. entrará nos campos, oficialmente, pela obra desta lei, a forma mais evoluída o mais prestante — também mais cara — do regime geral das caixas de previdência e de abono de família e da Caixa Nacional de Pensões, o regime dos trabalhadores do comércio e da indústria. Alguns supõem-no muito invejado dos camponeses, e como tal, e por si só, capaz de os aquietar nos desejos de mudança de situação: atenuará certamente uma diferença, mas não a única que clama por correcção.
Entra com pés de lã, mas para ficar. E espalhar-se. Eu aceito-o e aprovo-o, embora bastante lhe tema o custo, porque creio que a meta a procurar é a igualização de todos os trabalhadores em vantagens sociais, como nas outras. E uma questão de justiça, e será também o modo de evitar as inúmeras complicações de regimes que se sobrepõem ou confundem.
Mas trará consigo não poucos problemas, obstáculos à melhor aceitação e, por aqui, aos mais satisfatórios resultados.
Em primeiro lugar, acontecerá que alguns trabalhadores, como os seus patrões, ficarão presos tanto às Casas do Povo, pela obrigatoriedade ou conveniência de associação, como a este regime de previdência; presos, entre outros laços, pelos deveres de quotização ou contribuição.
E se os trabalhadores podem, pràticamente, embora não devam por atenção aos outros fins delas, esquivar-se de sócios efectivos das Casas do Povo, os patrões, esses, não podem furtar-se' por igual, que para eles as cominações são mais imperativas.
Verificar-se-ão -assim condições de dupla contribuição, que deve ser evitada. A Câmara Corporativa bem o aponta, recomendando a questão ao cuidado dos regulamentadores. Eu insistirei em que a sua importância pode ser tal que não deverá a lei dispensar-se de determinar de modo expresso, com toda a sua força, providências que evitem duplicações desta natureza.
Do facto de a inserção dos trabalhadores num ou noutro regime de previdência depender do patrão que tornem e do seu contrato com ele — o regime geral será sómente para certos tipos ou dimensões de empresa, e dentro destas sómente para os trabalhadores permanentes, como ressalta da proposta — surgirão não poucos problemas.
Duas ordens deles se podem ab initio figurar.
Uma virá da possibilidade de os próprios trabalhadores se não interessarem pelo regime geral. Cabe considerar que os benefícios mais apreciados, porque de mais imediata percepção, são em regra os da assistência médica e medicamentosa e o do abono de família. Outros são a haver no futuro, em que nem toda a gente se demora a pensar; estes estão certos, são os pássaros na mão. Ora os dois regimes de previdência, o geral e o das Casas do Povo, assegurá-los-ão quase equivalentes, e o segundo com menor contribuição do beneficiário, se podemos julgar pelo que transpira.
Não virá, pois, a acontecer que o tiro do regime geral de previdência saia de vez em quando pela culatra?
Segunda e mais complexa ordem de problemas poderão encontrar os trabalhadores que as circunstâncias forcem a mudar de patrão, e com este de regime de previdência. Não vejo na lei qual a lei que os regule. No regime geral haverá uma inscrição, uma escrita, um sistema, e direitos ganhos com o correr do tempo — o direito à reforma, em particular; no regime das Casas do Povo haverá outra inscrição, outra escrita, outro sistema, e nada a ganhar com a antiguidade. Como passar de um para o outro, e voltar do segundo ao primeiro, se tais forem as contingências?
Numa terceira circunstância pode o próprio beneficiário encontrar contraproducente a vantagem que com as me-
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lhores intenções lhe é oferecida. Seja o trabalhador empregado de uma empresa em área onde não haja Casa do Povo que por delegação preste assistência, ou onde a previdência geral não mantenha serviços: quem lhe assegura os benefícios sem o obrigar a porventura longas e incómodas deslocações até onde possa recebê-los? Para cobrar de mês a mês o abono de família, a pensão de reforma, a caminhada poderá não custar muito, ou arranjar-se-á quem de passagem lá vá; mas nos casos de doença, que impõem o contacto pessoal e frequente, como será? Sabemos quanta queixa determinou a previdência enquanto e onde prestava a sua assistência médica a distância, pelo tempo consumido, pelo cansaço das deslocações, pela incongruência dos horários dos transportes com os das consultas, para podermos de boa mente encarar a renovação destes desajustamentos. Haverá que ponderar a maneira de não criar encargos maiores sem servir melhor, que já bastou a experiência passada!
Sr. Presidente: Outras vozes teceram nesta tribuna louvores não mitigados à proposta de lei, algumas precisaram discordâncias, houve quem se interrogasse, inseguro de encontrar nela respostas como desejaria; por minha parte preferi mostrar que no caminho da sua execução nem tudo será fácil, não para a reprovar, mas para advertir de problemas a resolver, segundo me aparecem mais agudos.
As variadas apreciações que tem consentido reflectem bem a complexidade das questões que envolve e a impraticabilidade de as resolver a universal contento.
Ê no tocante à melhoria da previdência rural que ela fere mais as atenções, e ninguém duvida de ser este o seu principal fim.
Seja embora apenas um passo mais em longa estrada que serpeia entre as vicissituds de uma actividade pobre, este passo havia que o dar; ao menos este.
Pois que seja cauteloso no pisar do terreno, mas firme no avanço.
A proposta o permitirá, com certas emendas, que espero lhe sejam feitas a seu tempo; nesta confiança a aprovarei.
Tenho dito.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: —Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a extensão dos benefícios da segurança social às populações rurais corresponde a uma aspiração generalizada em todo o País.
Quem procura conhecer as realidades da vida rural portuguesa, quem contacta com as necessidades dessas populações, quem, enfim, nos últimos anos, assistiu à debandada dos campos, não pode deixar de enaltecer as finalidades da proposta de lei em discussão.
Nem será mesmo inoportuno acentuar que a Assembleia Nacional tem larga quota de responsabilidades na atitude agora assumida pelo Governo. Foram tantas e tão eloquentes as intervenções dos Srs. Deputados, nesta Câmara, solicitando protecção social para as populações rurais, que todos nos sentimos moralmente solidários na caminhada que se pretende iniciar.
De resto, os n.ºs 2 e 3 da base IV e o n.° 2 da base VIII da Lei n.° 2115, de 18 de Junho de 1962, revelaram como, já há anos, a Assembleia Nacional acolheu favoràvelmente oportunas sugestões da Câmara Corporativa definindo orientações relativas à desejada protecção social dos rurais.
Será pois necessário insistir no fundamento ético, económico e político desta extensão da previdência a sectores mais largos das populações dos campos?
Cerca de dois terços dos trabalhadores subordinados da agricultura não usufruem de quaisquer benefícios da previdência e o terço restante — correspondendo a áreas abrangidas por Casas do Povo — é coberto por esquemas bem modestos na sua comparação com os do comércio e da indústria.
Por outro lado, a forma como nos últimos anos diminuiu o número de trabalhadores rurais (menos 40 000 entre 1966 e 1967) e a rapidez com que se processou o aumento dos salários rurais (80 por cento entre 1960 e 1966 e 19 por cento entre 1967 e 1968) são, no plano económico, consequências desta prolongada situação de desfavor do sector agrário.
Não terá tal situação, no plano interno, criado mesmo um clima de depressão política, traduzindo-se numa agonia lenta de muitas regiões do País?
Poderá, por outro lado, no plano internacional, o sistema..português aspirar a um juízo favorável, a um prestígio indiscutível, quando os próprios movimentos migratórios põem mais a claro um contraste que se salda, para nós, tão negativamente?
Já por mais de uma vez trouxe a esta Câmara números sobre os benefícios auferidos pelas família dos nossos emigrantes, em resultado dos acordos de segurança social. Subiram, nos últimos anos, a centenas de milhares de contos e já constituem, se não o factor decisivo, ao menos um elemento de importância nas motivações dos deslocados.
Associo-me, portanto, nos louvores ao Governo por tão oportuna iniciativa, formulando, ó certo, dois outros votos:
1.° Que a reestruturação das Casas do Povo se enquadre num esforço mais vasto de revigoramento da vida local portuguesa, empreendimento a concretizar através de uma política de , desenvolvimento económico, social e cultural, em que participem não só o Governo, mas ainda as populações beneficiadas e toda a gama de instituições em que se integram;
2.° Que a generalização dos esquemas da previdência seja acompanhada de uma política, esclarecida e eficaz de valorização da agricultura, dando-lhe uma consistência económica que permita suportar a quota adicional das responsabilidades financeiras que lhe possam caber.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ocupa-se a proposta de lei em discussão de dois aspectos, embora relativamente ligados: a reestruturação das Casas do Povo e a extensão da previdência no sector rural.
Caracterizadas como organismos de cooperação social, de representação profissional e de previdência e assistência, as Casas do Povo abonam-se num passado em que as vitórias e os insucessos terão constituído luz para as orientações agora acolhidas, ajudando, portanto, a construir o futuro.
O preâmbulo da proposta de lei e o exaustivo parecer da Câmara Corporativa sumariam o que há de relevante nesta experiência. Repetindo o nosso ilustre colega Dr. Veiga de Macedo, direi também que no domínio da assistência médica, no amparo aos inválidos, na acção formativa, na educação familiar, na valorização do artesanato, na difusão da cultura, na cooperação social e na aproximação das classes, as Casas do Povo ergueram, dentro das suas possibilidades, obra digna de louvor.
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O confronto que resulta desta experiência vivida e das perspectivas abertas por orientações expressas na proposta em discussão sugerem-me também alguns comentários.
Não creio que o dinamismo interno dos nossos meios rurais seja sempre suficiente para dispensar os impulsos exteriores, ou, pelo menos, um apoio atento e esclarecido, quanto à criação de novos organismos.
Penso, por outro lado, que a divisão administrativa do território revela muitos desajustamentos, mesmo em relação às freguesias, não proporcionando sempre ambiente para, nessa base, garantir um funcionamento eficaz das instituições.
Deste modo, uma maleabilidade quanto à iniciativa da constituição (mesmo para lá das simples razões da viabilidade dos esquemas de previdência e à área territorial das Casas do Povo filia-se em criterioso realismo.
Não raro assistimos a conflitos positivos ou negativos de competências e atribuições entre as instituições básicas da vida local. Os municípios, as Misericórdias, as Casas do Povo, as juntas de freguesia, etc., concorrem em alguns domínios ou, o que talvez seja mais triste, furtam-se a iniciativas ou colaborações que lhes pertencem. Resultará tudo isto, algumas vezes, da insuficiência das leis; será fruto, na maioria dos casos, da acção imponderada ou do imobilismo dos homens. Quando nos detemos nas largas perspectivas oferecidas, em nome da cooperação social, às Casas do Povo, não será despropositado recordar tais dificuldades. Tenho, de resto, para mim que a futura definição e execução de planos de desenvolvimento regional fará apelo às instituições já hoje tidas por tradicionais. As Casas do Povo não poderão furtar-se a esta integração no esforço conjunto, não devendo, por outro lado, o seu papel ser aí minimizado.
Atentemos nas modernas fórmulas de cooperação social e nos meios humanos e técnicos capazes de lhes dar expressão., A promoção cultural dos trabalhadores não pode hoje fazer-se com a leitura ingénua dos nossos autores românticos, tal como a formação social não deve esquecer que a educação tende para a liberdade, assegurando a participação consciente e activa de todos no agregado de que fazem parte.
Quanto às carências nos domínios da formação profissional e, nomeadamente, ao primitivismo em que decorrem certas actividades agrícolas, insisto na profunda revolução que se deveria operar no País com a valorização, para as tarefas da agricultura, das populações dos nossos campos. Se tal esforço não se deverá pedir exclusivamente às Casas do Povo, estas poderão constituir o cenário onde se concretize uma colaboração dos serviços dos vários Ministérios, organismos corporativos ou outras instituições chamadas a dar o seu contributo a um grande esforço de valorização do homem rural... Acentue-se que a riqueza das expressões de solidariedade local, postas actualmente em relevo através de fórmulas conhecidas por «desenvolvimento comunitário», deverá ser objecto de um aproveitamento mais intenso e eficaz. Surgirão, ainda aqui, os momentosos problemas da carência de pessoal especializado, desde técnicos de bom nível até aos indispensáveis animadores locais. As dificuldades não se resolvem desconhecendo-as ou fugindo a elas. Se não prepararmos pessoal, se continuarmos entregues ao amadorismo, ou reduzidos ao esforço solitário de uns tantos devotados, esta esperançosa via da renovação local, pela participação activa e solidária de todos, continuará a frutificar modestamente.
Creio no alto alcance de duas modalidades previstas entre as fórmulas de cooperação social: o recurso às soluções cooperativas e o pequeno crédito.
O sucesso das cooperativas esta, ao menos em parte, dependente de toda uma legislação adequada, que não se pode dizer existir no ordenamento positivo português. Não me ficará mal desejar que o Governo se debruce sobre este ponto e dote o País com os instrumentos jurídicos definidores das estruturas cooperativas e protectoras das respectivas instituições.
Quem vive as dificuldades dos homens do nosso campo sabe como uma pequena ajuda pecuniária tem para ele bem mais importância do que a conquista da Lua ou a construção da ponte sobre o Tejo. O pequeno empréstimo que surge na hora do infortúnio ou da ousada, embora modesta, iniciativa transforma todo o seu mundo.
As Casas do Povo prestigiar-se-ão na própria razão directa das facilidades desta natureza que possam prodigalizar. Penso mesmo que em ambientes desprovidos de recursos, como os rurais, estes pequenos empréstimos deveriam beneficiar todos os que, nas condições de fortuna, se equiparam aos trabalhadores agrícolas. As próprias actividades artesanais — que importa em tantos casos defender ou ressuscitar — poderiam encontrar aqui apoio.
Não creio, de resto, que seja fácil esgotar as fórmulas de cooperação social. Renovam-se com as necessidades, a evolução dos tempos, o próprio engenho dos homens.
Embora incidentalmente, volto a uma questão que se me afigura de grande importância e não será de todo descabido referir: a das remessas dos nossos emigrantes.
As estatísticas revelam que o saldo das «transferências privadas», da balança de pagamentos da metrópole com o estrangeiro, ultrapassou, em 1966, os quatro milhões e meio de contos e atingiu, em 1967, os seis milhões de' contos. Mesmo se aceitarmos que o que se tem contabilizado na rubrica de «turismo» (mais de cinco milhões de contos de -saldo em qualquer dos anos referidos) não se acha empolado com remessas de emigrantes, podemos, sem qualquer dificuldade, concluir que só em dois anos (1966 e 1967) tais remessas rondaram os onze milhões de contos. E a pergunta que nos ocorre é esta: se os trezentos mil portugueses que estão em França são, na quase totalidade, oriundos dos meios rurais, qual a percentagem das suas remessas que serão gastas nas terras de origem, onde permanecem os seus familiares?
Não deveriam as' divisas enviadas pelos nossos emigrantes, em vez de servirem de apoio a incompreensíveis políticas de importações ou a consumos sumptuários, ter utilização numa indispensável reestruturação da agricultura ou fomento da indústria?
As realidades da emigração portuguesa, como já aqui afirmei noutra oportunidade, deveriam fundamentar a definição e execução de uma política económica tendente a tirar da situação actual todo o possível proveito para construir o futuro.
Para assegurar às economias dos emigrantes um destino reprodutivo, as autoridades turcas tomaram já em 1964 medidas especiais. Foi instituído um Fundo destinado à colocação de tais economias. Os depósitos darão aos retornados direito a empréstimos, em condições favoráveis, que lhes permitirão criar pequenas indústrias ou melhorar as suas habitações. Vai-se mesmo mais longe. Criam-se sociedades de economia mista, em cujas actividades se absorverão os retornados, e instituem-se cooperativas agrícolas, apoiadas igualmente pelo Estado, que, promovendo o desenvolvimento do sector primário, contrariarão novos êxodos.
Será heresia perguntar se, definida uma política de atracção e orientação, entre nós, das remessas dos emigrantes, as Casas do Povo não poderiam também colaborar
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nela? Mais: sendo expressa a referência ao fomento da habitação, não poderia este propósito conjugar-se com. a conduta — tão evidenciada em algumas regiões do País — de os emigrantes melhorarem as suas habitações? E incontestável que a problemática da habitação rural não se traduz hoje principalmente na construção de novas casas, mas, muito particularmente, na melhoria das condições de alojamento existentes.
Sr. Presidente: As actividades de representação profissional dão origem a muitas dificuldades, tanto no domínio dos princípios como no da sua execução prática.
Uma antinomia entre a cooperação social e a representação profissional tem-se afigurado, a alguns, como fonte de colisões. Creio mesmo que fez hesitar, durante tempo, quanto aos caminhos a seguir.
Por mim, julgo indispensável encarar com realismo o problema da representação profissional do trabalhador agrícola, sob pena de o empurrarmos para outras soluções à margem das instituições legais existentes ou desejadas.
A defesa da autenticidade da representação profissional é, em todos os meios sociais, um tributo à verdade das instituições e condição essencial da sua eficácia.
Sem ofensa para os distintos representantes das Casas do Povo na Corporação da Lavoura, nunca me pareceu que aí soasse autêntica uma presença dos mandatários dos trabalhadores rurais.
As exigências desta representação e autenticidade revelam-se, na proposta de lei, por um lado, na laboriosa solução das comissões de representação profissional e no maior apelo às federações das Casas do Povo e, por outro lado, nos cuidados postos quanto à presença de sócios efectivos na direcção.
Tem-se repetido que no mundo rural, onde foram destruídas as classes médias agrárias, de onde desertaram os homens das profissões liberais, ou, ainda, onde o Governo, por ingénuas razões de economia, suprimiu serviços públicos, não existem elites capazes de tomar a direcção das instituições. Anda-se, segundo se diz, por exemplo, com uma candeia acesa à procura de alguém para presidente da câmara.... Tudo isto, por maioria de razão, se passará com as direcções das Casas do" Povo, nomeadamente se exigirmos a presença de sócios efectivos. A própria emigração levou os homens mais aptos e com maior iniciativa.
Mau grado a verdade que existe nestas afirmações, penso que um processo de revelar os homens consiste em dar-lhes responsabilidades e facultar-lhes o acesso. O nosso pequeno mundo é, por vezes, estranhamente contraditório a este propósito. Mantemos, com sacrifício dos próprios, à frente das instituições os mesmos homens, alegando que os outros não se revelam capazes. Mas, efectivamente, impedimos esses outros de darem provas da sua capacidade. Creio tratar-se de um círculo vicioso, que não ajuda o próprio desenvolvimento da vida institucional.
Esperemos, de resto, que a tarefa de educação e preparação profissional das populações, em que nos devemos empenhar mais intensamente nos próximos tempos, nos ajude quanto a este propósito de fazer participar os trabalhadores rurais, de forma mais efectiva, na gestão dos seus próprios interesses.
Poder-se-á mesmo pôr a questão de limitar o período, ou períodos, de exercício das funções directivas, facultando uma renovação e evitando que os mesmos homens se eternizem nas direcções.
Pertenço a uma região de propriedade extremamente fragmentada, onde, pode dizer-se, não há proletários, mas onde, igualmente, a maioria necessita de trabalhar os campos próprios ou alheios para equilibrar a sua economia.
Esta realidade constituirá, em muitas regiões do País, um sério obstáculo ao sucesso da proposta de lei, se a não tivermos em conta. Deverão considerar-se sócios efectivos estes pequenos produtores agrícolas? Beneficiarão dos esquemas de previdência, particularmente do abono de família? Eis aspectos que, por certo, não deixarão de preocupar esta Câmara, na discussão na especialidade, e, posteriormente, o Governo, na gradual execução do regime.
Assistimos nos últimos anos, na vida portuguesa—e muito bem —, a uma notória promoção das classes trabalhadoras. Em contrapartida, sacrificamos particularmente classes médias de agricultores, artífices ou funcionários públicos, forçando-os a imposições ou negando-lhes regalias que prodigalizamos aos operários. Não será portanto descabido renovar o voto de que a execução da lei que sair do presente debate não reedite ou acelere uma situação intolerável relativamente aos modestos produtores agrícolas.
Sr. Presidente: As soluções consignadas na proposta de lei, em matéria de previdência social, não podem considerar-se como definitivas. Representam o primeiro passo de um processo que se desenvolverá com o tempo.
A cumulação, nesta primeira fase, do regime geral das caixas de previdência e de abono de família e da Caixa Nacional de Pensões com os regimes especiais de previdência das Casas do Povo e de abono de família revela uma atitude realista perante o que seria possível fazer para começar.
Qual a duração desta primeira fase? Eis o que não se me afigura possível prever. Mas a experiência noutros sectores da previdência tem revelado que muitas vezes as novas conquistas se antecipam às previsões mais audaciosas. De resto, as profundas alterações no mundo rural permitem aceitar que tanto o Estado como os patrões e os trabalhadores se encontrarão compenetrados de que é preciso' avançar com rapidez.
Esperemos, pois, que, ao chegar-se a uma segunda fase, seja mais numeroso o grupo de trabalhadores abrangidos pelo regime geral e que, por outro lado, a prevista multiplicação das Casas do Povo, cobrindo as zonas brancas, e a melhoria nos próprios benefícios da assistência médica e medicamentosa e na invalidez, do regime especial, se concretizem. Se, por outro lado, não for possível desde já situar o abono de família do regime especial ao nível do regime geral, esperemos que tal desejo se concretize na segunda fase, em que, de resto, este regime especial se encontrará mais expandido entre os trabalhadores das zonas brancas.
A terceira fase representará uma equiparação do regime especial ao geral. Acentue-se, contudo, que mesmo em países mais evoluídos tal equiparação ainda não é hoje integral.
Naturalmente que a obtenção de benefícios tem os seus custos. O problema consistirá em estimar os novos agravamentos e definir quem os deve suportar.
Nesta primeira fase, o custo do regime geral não trará embaraços de grande monta. A limitação das categorias profissionais dos trabalhadores a inscrever e o nível da remuneração média dos mesmos permite concluir que do alargamento previsto não resultará perturbação para o equilíbrio financeiro do' regime geral da previdência.
Não se prevê igualmente que afecte a economia das explorações agrícolas, que são as de maior dimensão e capacidade, dada ainda a limitação e categoria dos beneficiários.
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Pode mesmo dizer-se tratar-se de uma extensão do regime geral, que dispensaria nova lei.
Quanto ao regime especial, no bem elaborado parecer da Câmara Corporativa faz-se uma análise minuciosa das suas realidades, agravamentos e possibilidades de custeio.
Parte-se do esquema de benefícios actualmente concedidos aceitando duas alterações:
Actualização no quantitativo dos subsídios por casamento, nascimento de filhos e morte de sócios e, eventualmente, subsídio pecuniário de doença;
Estabelecimento de subsídio de invalidez como prestação regulamentar generalizada.
Este esquema, aceitando a actual cobertura, teria custado em 1968 cerca de 111 000 contos. Como as despesas efectivas da previdência das Casas do Povo andam à roda de 74 000 contos (incluindo 18 000 contos de subsídios de invalidez), o novo esquema custaria mais 37 000 contos.
Para o cobrir bastaria ajustar as quotas dos sócios efectivos, que se encontram presentemente fixadas em 5$ mensais.
Ninguém de boa fé poderá dizer que sejam elevadas. Quando, por exemplo, computamos as «despesas extraordinárias» dos trabalhadores, desde os gastos no Totobola ao que fica pelas tabernas, acharemos mesmo irrisório que apenas 0,5 a 1 por cento dos seus salários mensais se destine a quotizações que lhes asseguram benefícios de previdência. Será, por exemplo, ocioso recordar que os encargos dos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da previdência se situam em 5,5 por cento dos salários?
Se elevássemos as quotas mensais para 12$ (homens) e 6$ (mulheres), a receita anual atingiria os 43 000 contos. Se alargássemos mesmo o montante das quotas para 16$ e 10$, a receita subiria para 57 800 contos.
Quanto ao regime especial de abono de família, um modelo, embora modesto e falível, se poderia esboçar nestes termos:
Se aceitássemos a existência de 300 000 sócios efectivos, uma média de um descendente por trabalhador com direito a abono e um abono mensal de 50$, o encargo anual totalizaria 180 000 contos;
Se para a cobertura deste encargo a contribuição patronal fosse de 2$ por dia de trabalho e se aceitássemos uma média de 200 dias de trabalho-homem e 100 dias de trabalho-mulher nas estruturas de trabalhadores de ambos os sexos projectadas a partir de números de 1960, a receita andaria à volta de 120 000 contos.
Isto significaria que para este modelo seria necessário procurar fora das contribuições patronais cerca de 60 000 contos, ou seja um terço do total.
Tudo isto é excessivamente simplificado e um abono de família de 50$ muito modesto.
Aos encargos dos benefícios acrescerão, como é óbvio, as despesas com a máquina administrativa. Não se pode dizer que, no conjunto, venham a ser insignificantes, mas não será ousado acreditar que sejam suportadas pelo regime geral da previdência.
Com todos estes números, que exprimem meras hipóteses, chego ao fim desta intervenção. E ao dar a minha aprovação na generalidade à proposta em discussão mais oportuno se me afigura o seguinte passo do relatório preambular do Sr. Ministro das Corporações:
O interesse nacional do sistema proposto, pelo qual se abre caminho decisivo à cobertura integral dos trabalhadores subordinados na previdência, e a própria situação da economia agrícola justificam e impõem um substancial reforço de receitas exteriores, além da crescente participação da organização geral da previdência. Toda a evolução das Casas do Povo demonstra a necessidade e os efeitos de tal reforço, cuja previsão constitui alta responsabilidade de decisão política.
Tenho dito.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ernesto Lacerda: — Sr. Presidente: Não é sem uma ponta de emoção e de sincero júbilo que tomo a palavra para me referir, embora sucintamente, à proposta de lei «A reorganização das Casas do Povo e a previdência rural», que esta Assembleia esta a apreciar.
Quando em Setembro de 1967 o ilustre Ministro das Corporações, Prof. Doutor Gonçalves de Proença, ao pronunciar na cidade do Porto o seu memorável discurso na comemoração do 34.° aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional, dizia que da aprofundada análise do nosso seguro social se tinha extraído, entre outras, a conclusão' de que as caixas de previdência, nas suas diferentes modalidades, estavam prestes a cobrir a totalidade da população que lhes estava confiada no sector do comércio, indústria e serviços, e que ia chegando a altura de ponderar a possibilidade do alargamento daquela cobertura aos restantes sectores, designadamente o sector agrícola, pensei que tão importante e justo cometimento não pudesse, em tão curto lapso de tempo, receber a trave mestra sobre que há-de erguer-se a sua estruturação, que em breve será uma consoladora realidade.
Justificava o meu pensar apenas o conhecimento da debilidade da economia agrícola, que desde os primórdios da nacionalidade vem imperando no País, embora tenha merecido dos poderes públicos impulsos e providências de toda a ordem e em todos os tempos. Efectivamente, como na própria proposta de lei já se reconhece, não poderá o sector agrícola suportar, por si só, os elevados encargos com a previdência rural, recorrendo-se, por isso, à colaboração dos demais sectores enquanto puderem subsistir as naturais dificuldades na evolução do novo dispositivo social.
Também no nosso país, como em grande parte dos outros países, é um sector subdesenvolvido, por isso sempre na cauda dos esquemas de previdência, como marca de um fatalismo que o persegue, espalhando o mal-estar social entre a comunidade e achacando-o de complexos que intimamente o vão debilitando e conduzem a situações angustiosas para si e, sobretudo, para a própria Nação, em que se integra.
Amparado até agora pelas minguadas possibilidades dos diversos Fundos das Casas do Povo, a sua população manteve-se alheia aos grandes benefícios que invadiram os restantes sectores, com todas as graves consequências a que estamos assistindo, desde o êxodo impressionante para os aglomerados e centros urbanos, emigração legal e clandestina da maior parte da sua mão-de-obra, até ao desinteresse dos seus elementos impulsionadores da produtividade, receosos de investir os seus aforros em empresa tão desprotegida e lançando, por isso, os seus olhares previdentes e cautelosos para outros empreendimentos mais rentáveis e de mais amplas perspectivas.
Criou-se assim um ambiente de desolação e de desânimo nos meios rurais, nem sempre dotados com os
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factores de que carecem, para o seu desenvolvimento e progresso, designadamente a construção de estradas, abastecimento de água e electricidade, habitação condigna, assistência médica, meios de ensino e culturais, e que teve também a incrementá-lo o crescente desenvolvimento económico do País, fenómeno sempre determinante de uma fuga altamente sensível da mão-de-obra para os sectores mais evoluídos, na ânsia de auferir melhoria de salários e alcançar, consequentemente, melhor nível de vida.
Para fazer face a situação tão melindrosa, lança-se agora o Governo da Nação na ciclópica e humaníssima tarefa de, a meu ver, desenvolver os seus esforços no sentido de estabelecer, dentro do possível, o equilíbrio entre o sector agrícola e os sectores da indústria, comércio e serviços, prosseguindo uma política de equidade e de justiça digna dos maiores louvores. Com esta decisão enfrenta o Governo um problema que a todos parecia insolúvel e que ele próprio considera necessário escalonar por fases, preferindo o passo lento mas firme às improvisações e à necessidade de legislar apenas para legislar.
Todos os portugueses, principalmente aqueles que, como eu, se encontram sentimental e materialmente ligados à agricultura e que têm vivido intensamente as suas agruras e dificuldades e suportado o ostracismo a que, por força das circunstâncias e das vicissitudes dos tempos, tem sido votada, não podem ficar indiferentes a este magnífico arranque que será a cobertura de uma grande parte da população do País pelos benéficos efeitos do seguro social. Protegidos os interesses e satisfeitas as legítimas reivindicações do trabalhador rural e dos pequenos agricultores, não é difícil antever que novos horizontes se rasgam para o revigoramento e valorização da economia agrícola, que, despida de preocupações e anseios agora altamente amenizados com o estabelecimento do esquema da previdência rural, liberta de importantes factores impeditivos de considerar estável e prometedor o seu futuro, poderá lançar-se num aperfeiçoamento de produção quantitativa e qualificativa que a equipare aos restantes sectores, bastando-se a si própria para solucionar os seus próprios problemas e contribuindo larga e generosamente para a prosperidade e engrandecimento da Nação.
Como se conclui da proposta de lei em apreciação, a extensão da previdência à população rural far-se-á progressivamente e em três fases.
Na primeira fase, com que se iniciará, vai adoptar-se o sistema, já em prática nas Casas do Povo, conhecido por «esquema mínimo», esquema que mais se encaminha para os domínios da assistência do que pròpriamente para o campo da previdência, cujas vantagens e benefícios só serão atingidos nas duas últimas fases.
Ninguém desconhece as débeis condições financeiras da grande maioria das Casas do Povo e as dificuldades com que lutam para manter os seus serviços administrativos em pleno rendimento e eficiência em relação à actividade que desenvolvem. Os funcionários, talvez pela magreza dos vencimentos e do trabalho excessivo, são de difícil recrutamento e os dirigentes, assoberbados com os afazeres da sua vida profissional, nem sempre dispõem de tempo para solucionar problemas, enfrentar situações, resolver e decidir com a oportunidade e assiduidade que numerosos casos requerem.
Sabemos que a reestruturação destes organismos, gizada na proposta de lei que estamos a apreciar e que afinal ó consequência do objectivo principal a atingir, ou seja o alargamento da previdência social à população agrícola, dará oportunidade a que surjam os diplomas reguladores e os próprios regulamentos internos, criando
não só as condições financeiras propícias à sobrevivência deste objectivo, mas sobretudo estabelecendo serviços administrativos seguros e eficientes, provendo as lacunas e dificuldades que agora se verificam e que a maioria das Casas do Povo, pelas razões que referi, não poderão sanar apenas pelos meios de que presentemente dispõem. Acrescente-se que os serviços das caixas de previdência prestarão a sua colaboração neste particular e que a sua longa experiência, colhida através de muitos anos de actividade nos sectores já privilegiados, será garantia segura de uma orgânica perfeita e eficaz, condição que reputo relevante e decisiva para a introdução do novel esquema assistencial nas Casas do Povo e essencialmente para que se imponha e vingue o espírito de humanidade e de justiça de que se encontra insuflado.
Ainda nesta primeira fase, e como aditamento inovador ao esquema respectivo, se prevê a concessão de abono de família a favor dos descendentes ou equiparados de todos os trabalhadores por conta de outrem.
A instituição deste regime merece todo o nosso apoio e constitui um importante passo na melhoria das condições de vida das famílias rurais, em geral numerosas -e carecidas de amparo material precisamente quando os elementos que as constituem e lhes conferem o direito à concessão do abono permanecem em situação de nada produzirem em favor do agregado familiar.
Pena é que no regime estabelecido não possa desprezar-se o factor duração de trabalho, para fixar o quantitativo do abono a atribuir aos beneficiários, já que, quanto a nós, e salvo o devido respeito pelos cálculos técnicos e financeiros, quando existe redução de dias de trabalho, principalmente por circunstâncias ou motivos não cobertos pelos benefícios da previdência, mais necessária se torna a manutenção desse abono.
Também a restrição do círculo dos familiares aos descendentes, que na proposta de lei em apreciação se afasta abertamente do regime geral do abono de família, embora a imponha a economia do sistema, nos parece desvirtuar um pouco o espírito que presidiu à instituição desse regime. Dado que só nas últimas fases desse sistema se alcançará o esquema das caixas de previdência, com a protecção à velhice e à invalidez, parecia-nos que teria sido justo encarar a possibilidade de conceder, ao menos nesta primeira fase que vai iniciar-se, a concessão do abono de família também aos ascendentes.
Mas a este respeito, porque tudo certamente foi ponderado e apreciado, resta-nos fazer nosso o voto já formulado pela Câmara Corporativa de que o abono a estabelecer para os trabalhadores agrícolas se não afaste substancialmente do nível fixado no regime geral.
Terminamos estas breves considerações felicitando vivamente o Governo da Nação por ter empreendido providência tão notável, que há-de ser apreciada e enaltecida como um dos passos mais importantes no campo da sua salutar política social dos últimos tempos.
Tenho dito.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: —Vou encerrar a sessão.
Como disse há pouco, teremos amanhã duas sessões: uma da parte da manhã, às 11 horas precisas, e outra da parte da tarde, à hora regimental. A ordem do dia da sessão da manhã será a mesma de hoje.
Esta encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
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19 DE MARÇO DE 1969
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Rui Pontífice de Sousa. Sebastião Alves.
Srs. Deputados que faltaram a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando de Matos.
Francisco José Cortes Simões.
Gustavo Neto de Miranda.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Joaquim de Jesus Santos.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário de Figueiredo.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Redactor — Januário Pinto.
Imprensa Nacional de Lisboa