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REPÚBLICA PORTUGUESA
Diário das Sessões
N,° 199 ANO DE 1969 24 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N°199, EM 22 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. — Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.° 180, inserindo o parecer sobre as contas gerais do Estado de 1967 (ultramar).
SUMÁRIO: — 0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. — Foram aprovados os Diários das Sessões n.ºs 174 e 175, o primeiro com rectificações, referindo-se o Sr. Presidente ao diligente esforço da Imprensa Nacional para ir vencendo o atraso da publicação do Diário.
O Sr. Presidente aludiu à visita que uma delegação da Assembleia Nacional fez, de manhã, ao Sr. Presidente da Mesa, Prof. Doutor Mário de Figueiredo.
Deu-se conta do expediente.
Foram lidas na Mesa uma nota de perguntas do Sr. Deputado Nunes Barata e a respectiva resposta da Secretaria de Estado da Indústria.
Foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pela Secretaria de Estado da Agricultura em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu na sessão de 21 de Janeiro ultimo.
Também foram recebidos na Mesa os volumes solicitados pelos Srs. Deputados Nunes de Oliveira e Duarte do Amaral ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Deputado Sousa Magalhães fez considerações sobre o indeferimento de um pedido relativo a uma carreira entre o Porto e Alfena.
O Sr. Deputado Armando Cândido tratou de problemas de natureza politica.
O Sr. Deputado Cancella de Abreu referiu-se à remessa extemporânea de elementos pedidos sobre adegas cooperativas.
0 Sr. Deputado Augusto Simões fez considerações sobre regimes de expropriação.
O Sr. Deputado Cerqueira Gomes proferiu palavras de homenagem e saudação ao Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Deputado Braz Regueiro tratou de problemas relativos à aposentação aos funcionários do Estado.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães referiu-se a alguns aspectos da nossa actividade siderúrgica.
O Sr. Deputado Pinto Buli congratulou-se com a próxima visita do Sr. Presidente do Conselho às províncias ultramarinas.
No mesmo sentido falaram também os Srs. Deputados Gonçalo Mesquitela e Horácio Silva.
O Sr. Deputado Pinto de Mesquita analisou alguns problemas relativos a Guimarães e desejou a, futura participação na Assembleia Nacional de elementos com recente passado no ultramar.
O Sr. Deputado Castro Fernandes pôs em relevo o carácter fraternal das relações entre os membros da Assembleia Nacional na presente legislatura e saudou especialmente os Srs. Prof. Mário de Figueiredo, Dr. Soares da Fonseca —pela sua actividade de leader e de Presidente — e Conselheiro Albino dos Reis.
O Sr. Presidente explicou que não se realizava este ano a costumada reunião de convívio dos Srs. Deputados, no final da legislatura, em virtude da doença do Sr. Prof. Mário de Figueiredo, e agradeceu as palavras que o Sr. Deputado Castro Fernandes lhe dirigiu.
Ordem do dia. — Foi aprovada na generalidade e na especialidade a proposta de lei que acrescenta uma alínea c) ao artigo 2° do Decreto-Lei n..° 46 838.
Intervieram no debate na especialidade os Srs. Deputados Sousa Magalhães e Virgílio Cruz.
Foi aprovado um voto de confiança para a Comissão de Legislação e Redacção redigir definitivamente os textos dos diplomas votados nas últimas sessões.
O Sr. Presidente, ao encerrar os trabalhos da legislatura, saudou o Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo, de quem fez o elogio, e produziu algumas considerações de natureza política.
O Sr. Deputado Albino dos Reis referiu-se aos trabalhos da Assembleia Nacional na presente legislatura e aos acontecimentos de maior transcendência na nossa vida política.
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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 199
O Sr. Presidente agradeceu as referências do Sr. Deputado Albino dos Reis.
Durante a sessão foram enviados para a Mesa requerimentos dos Srs. Deputados Braamcamp Sobral e Nunes de Oliveira solicitando o envio de publicações.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: —Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso. Deodato Chaves de Magalhães Sousa. Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral. Ernesto de Araújo Lacerda e Costa Fernando Afonso de Melo Giraldes. Fernando Cid de Oliveira Proença. Filomeno da Silva Cartaxo
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro). Francisco José Cortes Simões. Francisco José Roseta Fino. Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branço da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia. Manuel João Cutileiro Ferreira. Manuel Tarujo de Almeida. Manuel Marques Teixeira. Manuel de Sousa Rosal Júnior. Miguel Augusto Pinto de Meneses. Paulo Cancella de Abreu. Rogério Noel Peres Claro. Rui Manuel da Silva Vieira. Sebastião Alves. Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães. Teófilo Lopes Frazão. Tito Lívio Maria Feijóo. Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:—Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vou pôr em reclamação os n.ºs 174 e 175 do Diário das Sessões.
Antes, porém, devo registar com aprazimento o diligente esforço da Imprensa Nacional, nestas duas últimas semanas, no sentido de ir vencendo o atraso do Diário das Sessões.
Todos os dias pudemos aprovar um número, e às vezes dois, do nosso Diário. Eu sei que isto representa sacrifício do pessoal, que é dever registar-se com louvor.
Certo estou de que este diligente esforço prosseguirá, mesmo estando nós «ausentes».
A propósito, como houve vários debates na especialidade, e um deles com numerosas e vivas intervenções, peço aos Srs. Deputados interessados que não retardem a revisão ou a reconstituição dessas intervenções — que poderiam retardar ainda mais o aggiornamento do Diário.
Acresce que a nossa Comissão de Legislação e Redacção pode ter necessidade de ler essas intervenções, para melhor fixação do texto dos diplomas votados.
Posto isto, estão em reclamação os n.ºs 174 e 175 do Diário das Sessões.
O Sr. Armando Cândido:—Sr. Presidente: Requeiro que ao Diário das Sessões n.° 174 sejam feitas as seguintes rectificações: na p. 3117, l.ª col., 1. 43, onde se lê: «por sim mesma», leia-se: «por si mesma»; na p. 3117, 2.ª col., 1. 33, onde se lê: «ao pé da porta,», leia-se: «ao pó da porta:»; e na p. 3118, l.ª col., 1. 7, onde se lê: «ganhem a maior», leia-se: «ganham a maior».
O Sr. Presidente: — Se mais nenhum Sr. Deputado deduzir qualquer outra reclamação, considerarei aprovados os números do Diário postos em reclamação, com as rectificações requeridas ao n.° 174 pelo Sr. Deputado Armando Cândido.
Pausa.
O Sr. Presidente: —Estão aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Como delegação da Assembleia Nacional, estiveram esta manhã no Hospital da Cruz Vermelha os três vice-presidentes da Câmara, o leader todos os presidentes das comissões parlamentares e os secretários da Mesa.
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24 DE MARÇO DE 1969
Pudemos ter a alegria de ser recebidos pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo, a quem, por ser o último dia da sessão legislativa, dissemos da simpatia e saudade com que todos o lembrámos sempre nesta Casa, da grande pena de o não termos a presidir aos trabalhos finais da legislatura e dos votos ardentes que todos fazíamos pelo seu breve e completo restabelecimento.
O Sr. Dr. Mário de Figueiredo, cujas melhoras se vêm acentuando nìtidamente e nos pareceu ter magnífico aspecto, mostrou-se penhorado com a nossa visita, disse-nos da grata lembrança que de nós todos guarda no coração e pediu-me que fosse o intérprete dos seus sentimentos de viva estima e de sincero reconhecimento para com todos VV. Ex.ªs — mandato de cujo desempenho gostosamente me encarreguei.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Rotary Club de Viana do Castelo, apoiando o discurso do Sr. Deputado Henriques Jorge sobre o porto de Viana do Castelo.
Do presidente do Grémio de Comércio de Gaia, aplaudindo a intervenção dos Srs. Deputados Santos da Cunha e Pontífice de Sousa em defesa dos comerciantes.
Diversos, apoiando o discurso do Sr. Deputado Júlio Dias das Neves a favor dos serventes eventuais das escolas.
Do presidente da Câmara Municipal de Coimbra, associando-se às considerações do Sr. Deputado Santos Bessa sobre os campos do Mondego.
O Sr. Presidente: —Está na Mesa, fornecida pela Secretaria de Estado da Indústria, a resposta a uma nota de perguntas do Sr. Deputado Nunes Barata.
Vão ler-se a nota de perguntas e a resposta.
Foram lidas. São as seguintes.
Nota de perguntas
Ao abrigo do Regimento, tenho a honra de formular a seguinte nota de perguntas:
1.° Está nos propósitos do Governo definir e executar uma política especial de fomento ou valorização das estâncias termais da metrópole?
2.° No caso de a questão anterior merecer uma resposta afirmativa, quais os termos gerais da referida política?
Lisboa e Palácio da Assembleia Nacional, 12 de Março de 1969. — O Deputado, José Fernando Nunes Barata.
Informação
1. São três as indústrias relacionadas com a exploração das nascentes mineromedicinais:
a) Engarrafamento e venda ao público da água;
b) Termas;
c) Turismo,
das quais, apenas as duas primeiras dependem da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos.
2. Nos últimos anos as nascentes mineromedicinais têm sido valorizadas com obras de relevante importância, como a execução de novas captações e a construção e remodelação de oficinas de engarrafamento, balneários e hotéis. A Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos tem dado, sempre que lhe é possível, apoio técnico a estas realizações, as quais, no entanto, têm dependido apenas das empresas concessionárias.
3. O desenvolvimento turístico das termas está previsto no III Plano de Fomento, no capítulo que se refere ao turismo. A este respeito estamos informados de que a Secretaria de Estado da Informação e Turismo, através da Direcção-Geral do Turismo, está a estudar este assunto para cumprimento do estabelecido no referido Plano.
Inspecção de Águas, 17 de Março de 1969. — O Engenheiro-Chefe, Abilino Vicente.
Indústria de águas minerais e de mesa
Continua-se a notar nítida expansão da indústria de águas minerais e de mesa, quer na parte referente às oficinas de engarrafamento, quer na referente às termas. Os dois quadros seguintes mostram-nos os aumentos de vendas de águas minerais e de mesa nos anos de 1965, 1966, 1967 e nos onze primeiros meses de 1968:
Aguas minerais
[Ver Diário Original]
Aguas de mesa
[Ver Diário Original]
O aumento de frequência das termas também se está a acentuar de ano para ano, como o quadro seguinte mostra:
Termas
[Ver Diário Original]
Os primeiros dados estatísticos recebidos, referentes a 1968, revelam-nos que o aumento de frequências se continua a verificar, talvez com valores ainda maiores que em 1967.
Inspecção de Águas, 15 de Janeiro de 1969. — O Engenheiro-Chefe, Abilino Vicente.
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Saídas de águas minerais e de mesa
(Litros)
milhões
[Ver Diário Original]
Saídas de águas minerais e de mesa
(Garrafas)
[Ver Diário Original]
Número de inscrições registadas no triénio de 1965-1967
Milhares
[Ver Diário Original]
O Sr. Presidente: — Estão também na Mesa, fornecidos pela Secretaria de Estado da Agricultura, elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu na sessão de 21 de Janeiro. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão ainda na Mesa, fornecidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, os volumes requeridos pelos Srs. Deputados Nunes de Oliveira e Duarte do Amaral. Vão ser entregues àqueles Srs. Deputados.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Sousa Magalhães.
O Sr. Sousa Magalhães: — Sr. Presidente: Há cerca de um mês requeri que, pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres, do Ministério das Comunicações, me fossem fornecidos elementos que me habilitassem a ajuizar das razões que levaram ao indeferimento da carreira pedida pelo Serviço de Transportes Colectivos do Porto em 15 de Novembro de 1963, entre Porto e Alfena (cruzamento), do concelho de Valongo, e dos motivos que levaram a conceder a uma empresa transportadora privada a carreira regular de passageiros entre Agrela (Aldeia Nova) e Porto, anunciada no Diário do Governo n.° 97, 3.ª série, de 24 de Abril de 1067.
Admitindo que o tempo decorrido não era suficiente para que me fossem fornecidos os elementos solicitados, dadas as diversas formalidades a cumprir, desloquei-me ontem à Direcção-Geral de Transportes Terrestres, onde prontamente me foram prestados todos os esclarecimentos e onde me foi dado verificar o cuidado que tinha merecido o meu requerimento. Por isso aqui deixo expresso o meu agradecimento ao Sr. Ministro das Comunicações e seus colaboradores pelas atenções dispensadas.
Pena foi que os motivos que conduziram ao indeferimento da carreira entre Alfena e Porto, do Serviço de Transportes Colectivos, não tenham sido igualmente in-
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vocados ao apreciar o pedido da carreira agora concedida, para, utilizando o mesmo critério de justiça, a indeferir também. Mas vejamos o que se passou:
O Serviço de Transportes Colectivos do Porto requereu a concessão da carreira referida em 15 de Novembro de 1963, e foi-lhe negada em 30 de Dezembro de 1966, com o fundamento de que já todo o percurso estava servido (o que não era verdade) por intermédio de carreiras do requerente (Serviço de Transportes Colectivos do Porto) e de outros concessionários, não se tornando necessário o seu estabelecimento.
Logo a seguir, uma empresa particular requereu uma carreira para, fundamentalmente, servir a zona que o Serviço de Transportes Colectivos do Porto quis servir com a carreira que lhe foi negada, e, perante o espanto de milhares de alfenenses e ermesindenses, foi deferida sem que se tenha alegado que já todo o percurso estava servido. A mim disseram-me na Direcção-Geral de Transportes Terrestres que houve, de facto, um lapso, pois pensavam que o troço entre Alfena (cruzamento) e Ermesinde estava servido pela carreira quinzenal do concessionário A. Maia & C.ª, Lda, entre Castelo da Maia e Feira do Cô, mas que posteriormente ao indeferimento da carreira pedida pelo Serviço de Transportes Colectivos do Porto verificaram que efectivamente não estava servido, razão por que foi dada a concessão ao segundo requerente. Ocorre-me perguntar o que teria sido feito da oposição apresentada pelo Serviço de Transportes Colectivos do Porto em 9 de Maio de 1967 ao pedido do segundo requerente e que, clara e inequivocamente, demonstrava que a carreira requerida não tinha justificação, visto se encontrarem servidas de transportes as áreas por onde se pretendia fazê-la circular, como pouco tempo antes a própria Direcção-Geral havia reconhecido.
O Serviço de Transportes Colectivos do Porto, depois de ver negada a carreira com que pretendia servir a zona compreendida entre Ermesinde e Alfena (cruzamento) e que alimenta em grande parte a sua carreira de troleicarros entre Bolhão e Ermesinde, zona essa que, segundo a Direcção-Geral de Transportes Terrestres, foi considerada servida pela carreira quinzenal já referida, o que não é verdade, como foi testemunhado pela Polícia de Viação e Trânsito do Porto e pela Guarda Nacional Republicana de Ermesinde, tentou nova carreira, com aquela intenção, que apresentou em 2 de Novembro de 1967, e que, para mais fácil concessão, se sobrepunha inteiramente à carreira de troleicarros acima referida, prolongando-se depois até ao cruzamento de Alfena, com o que se procurava servir a população dessa zona da estrada nacional n.° 105-1, que não tinha outra ligação com o Porto e era obrigada a percorrer a pé mais de 3 km até à estação de Ermesinde, onde já podia beneficiar dos modernos troleicarros do Serviço de Transportes Colectivos do Porto.
Esta carreira, ao que parece, ainda não foi despachada, por exceder numas escassas centenas de metros (o que é discutível) a área preferencial do Serviço de Transportes Colectivos do Porto, fixada pelo Decreto-Lei n.° 40 744, num percurso que não é servido por qualquer meio de transporte.
Por isso, e atendendo ao interesse dessa carreira, quer para o próprio Serviço, quer para a populosa zona a servir, foi recentemente solicitado que fosse concedida a carreira até ao termo daquela zona de opção.
O Serviço de Transportes Colectivos do Porto e toda a população a servir crêem que agora não há mais possibilidade de engano e que a carreira requerida lhe será concedida, como é de elementar justiça.
Por outro lado, as Juntas de Freguesia de Alfena e de Ermesinde, que, consultadas pelo Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis, marcaram insofismadamente a sua posição, enviando nesse sentido ofícios e exposições, não só àquele Grémio, como a S. Ex.ª o Ministro das Comunicações, ao Sr. Director-Geral de Transportes Terrestres, ao Sr. Governador Civil do Porto, ao presidente da Câmara Municipal de Valongo e ao director do Serviço de Transportes Colectivos do Porto; o reverendo pároco de Alfena, que, através do seu jornal A Voz de Alfena, tanto tem pugnado pelo interesse dos seus paroquianos; a Câmara Municipal de Valongo, pertencente à Federação de Municípios, que junto das entidades competentes se fez eco dos anseios das suas populações; e, finalmente, os estudantes dos cursos secundários e superiores, operários, empregados comerciais e de escritório, funcionários, comerciantes e particulares que na cidade do Porto têm as suas ocupações e que diàriamente aí se deslocam podem esperar confiadamente a decisão final do Sr. Ministro das Comunicações, que, dado o seu superior critério de justiça e depois de convenientemente esclarecido, não deixará de atender esta premente necessidade de um povo laborioso e ordeiro que, nos momentos fáceis como nos difíceis, tem sempre correspondido a todas as solicitações das autoridades locais.
Pela minha parte, embora lamentando que um simples requerimento de uma empresa privada se tenha sobreposto ao interesse público, exuberantemente manifestado por todas as autoridades locais, e resumindo estas breves considerações, daqui faço um apelo ao Sr. Ministro das Comunicações, formulando o melhor dos votos, em nome dos habitantes da região, para que brevemente possa agradecer a concretização dos anseios de todos os alfenenses, tornando extensiva a rede do Serviço de Transportes Colectivos do Porto até ao centro cívico, situado no coração da freguesia e dentro da área de opção.
Vozes: — Muito bem, muito bem
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: — Sr. Presidente: Li estas palavras fortes e profundas:
Quem me dera ser rico para ser ainda mais soldado do que sou.
Depois, o autor da legenda explicou-me a ansiedade que dela rompe.
Vou tentar resumir o que me disse:
Quiseram um dia convencer-me de que a política não é um problema de princípios — mas de tacto. Reagi, pensando que a política é as duas coisas: um problema de princípios e um problema de tacto. Pois o senso capaz de tratar com os homens e de adivinhar o que mais lhes agrada não é o senso de conhecer os homens e de saber o que mais lhes convém, mesmo que os contrarie. Quer dizer, o problema dos princípios tem de figurar na base do problema do tacto, sob pena de este se desfazer em opções sem apoio firme, sendo, portanto, susceptível de se perder na ressaca das teorias mais ou menos sedutoras, ainda que enganosas.
Sempre combati o comunismo. E irreversivelmente ateu. E o que ó ateu por definição e prática não pode ser humano.
Combati-o, quando muitos o combatiam, e continuei e continuo a combatê-lo, agora mais do que nunca, por ver gente adormecida, ou indiferente, ou cansada, ou certa de que não vale a pena — gente talvez narcotizada pelas transigências sucessivas.
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Há dias encontrei alguém a quem Deus fez a mercê de conceder abundantes bens materiais. Reparando na sua tremenda ausência de juízo sobre o momento que estamos a viver, avisei-o:
Segues no cortejo. E vais sentado. Mas olha que as rodas partem-se e és baldeado no chão. Apeia-te já e pega em armas, como eu. Não te fies nas ajudas que dás ao próprio inimigo, imaginando que ele te poupará. Desce, ilumina o teu querer. Faz da tua abundância um meio lícito de combate, praticando o bem que puderes. E julga-te, ao mesmo tempo, pobre, pois sentirás assim a comoção da vanguarda que luta pelo enobrecimento da riqueza e da pobreza, para que uma não exclua a outra e ambas alcancem a sua dignidade com inteligência e compreensão.
Não sei ainda se o meu interlocutor já se decidiu a marchar ao toque do meu aviso, mas espero-o nas fileiras com fé na fé de o salvar.
Pior do que os comunistas são os progressistas, que lhes aceitam a mão estendida, julgando captá-los e serem captados para um convívio de fraternidade. Redobradamente piores e redobradamente cegos, visto que se afirmam cristãos e desse modo se iludem, podendo iludir outros cristãos.
Um dos recentes chefes comunistas, o mesmo que, em referência aos católicos, havia já afirmado: «conversemos com eles enquanto não os enterramos», ao aludir à necessidade de formar a geração do comunismo desde a infância, «pois é preciso orientá-la e temperá-la na juventude, cuidando para que em seu meio não existam moralmente taras», colocou, com terrível insistência, entre as «taras» a combater particularmente as decorrentes da religião, que impede — segundo declarou — o crescimento espiritual dos homens.
Essas expressões, aliás rudes e assaz elucidativas, ficaram ligadas ao Novo Programa, de 1961, do Partido Comunista. Essas expressões e tantas outras, entre as quais a seguinte: «No projecto do programa atribui-se grande importância à formação nos soviéticos de uma concepção do mundo científico e progressista».
Acresce que os programas do Partido Comunista são sagrados — salvo seja —, ou melhor, são para serem cumpridos à risca e a rigor.
E fala-se então de diálogo com os comunistas, como se o diálogo fosse possível.
Para haver diálogo é preciso haver boa fé recíproca, condição de ouvir e de responder em termos inequívocos, espírito de lealdade plena e, sobretudo, ideias e princípios susceptíveis de diálogo.
Os cristãos que pensam em entregar o poder temporal aos comunistas, ficando com o espiritual, não passam de traidores no salto, ou de agitados na perda do senso, ou de vítimas no transe da ilusão.
Misturem as pombas com os milhafres e os lobos com os cordeiros e, dentro em pouco, desaparecerão os cordeiros, ficando os lobos de ventre nutrido, e as pombas deixarão de voar, comidas pelos milhafres de asa redonda.
É a juventude — a juventude enredada no processo comunista, ou na trama progressista, ou na teia anarquista, ou delirante na contestação total, na embriaguez de destruir, na evasão pela droga?
Para onde vai essa juventude?
E que fazem os adultos?
Estão unidos para barrarem já os horizontes à loucura desses jovens, a fim de transformarem os próprios horizontes nas únicas perspectivas terminantemente aceitáveis?
Há pouco tempo, em Paris, foi a revelação da revolução. Uns tantos estudantes — uns tantos e não sei quantos — não se limitaram a alterar a ordem e a desrespeitar a autoridade. Implantaram a desordem em locais e edifícios que tomaram de assalto, estragando valores apreciáveis, incendiando outros, e atirando pragas e pedras.
Chegaram a pensar — e isto é espantosamente horroroso — em ir ao Museu do Louvre e retirar de lá, para lhes servirem de escudos com as medidas convenientes, quadros de raro valor, sem se importarem de que na refrega os quadros se perdessem.
Como hão-de existir preciosidades antigas ou novas para estes moços, se as únicas coisas preciosas para eles são o gosto da violência, a raiva contra a ordem estabelecida, a destruição de tudo e de todos — a concepção diabólica do nada?
Dizem-me que entre nós se verificaram já certos actos de revolta e até o arvoramento do retrato de um traidor que traiu a Pátria.
Mas nem a Universidade, nem a Igreja podem servir de baluartes para traidores contra a Pátria, e muito menos para traidores vomitarem fogo dos baluartes, contando com as leis e os tabus que os protegem.
Estamos nas fronteiras de Portugal de além-mar empenhando vidas e esforços. O inimigo ou ê traidor ou é mercenário. Vamos consentir no meio de nós ilhas de mercenários e de traidores?
Vi que o autor da legenda citada no princípio do meu discurso, depois deste passo vibrante de razão e indignação, se recolhia, como quem está moendo uma mágoa e precisa de considerar em que ponto vai o grão da sua dor.
A seguir acrescentou:
Em política tenho sido como um dia nos trópicos. Levaram tempos a dizer-me: és novo. De repente, buzinaram-me: és velho.
Assim, a idade da minha maturação, porventura a mais activa e mais útil, desenvolveu-se em termos de luta sem ajudas, e nem por isso deixei de ser fiel aos princípios.
Em dada altura fui vítima de condenáveis licenças jornalísticas. Recorri aos tribunais. Estava já o caso averiguado e os difamadores iam ser julgados, quando surgiu uma amnistia.
O Poder tem o direito de perdoar, mas não deve perdoar os crimes que ofendem a honra de cada qual. Não passei procuração ao Poder para perdoar em meu nome. E se, em face do perdão que não concedi, me entregasse ao desforço pessoal, não beneficiaria, certamente, de amnistia nenhuma. As injúrias e as difamações não devem ficar de pé por meio de actos de clemência que não derivem da vontade dos próprios ofendidos. Acresce que as sociedades e os regimes podem dissolver-se sob a pressão das difamações maquinadas pelas forças da subversão.
Em determinadas publicações, designadamente importadas, afia-se com particular e ofegante insistência a ideia de participação de todos na vida pública. Da participação de todos, nem que a participação directa acabe por ser a de alguns. Estamos sob a ofensiva dos aos: participação, confrontação, contestação, alienação, negação. Assim, quando nos referimos à participação de todos, temos e teremos de acentuar de cada vez mais e bem, na teoria e na prática: de todos os verdadeiros e bons portugueses.
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Não sou dogmático, tanto assim que os meus argumentos têm-me dado sempre muito trabalho a erguer e a sustentar.
Na luta com o inimigo não cabe nenhuma espécie de concessões. Nem de alianças. Nem de compromissos. O inimigo hoje assina tudo — amanhã rói tudo.
Tenho a coragem de não ter medo e o medo de não ter coragem, porque a coragem é o acento de ser homem e o medo é o temor de o ser.
Sr. Presidente: Resumi. Não resumi tudo, mas tenho a consciência de ter resumido o bastante. Fui expressivo e impressivo?
De qualquer modo, ficarei satisfeito se conseguir que estas palavras agora proferidas alertem uns e sejam estímulo para outros, na oposição à carga revolucionária acumulada à nossa volta. Para mim, servem de estímulo.
Não sei se do nosso lado todos sabem tudo e se, porventura, a alguns sobram o tempo e o feitio para aberturas escusadas e embaraçosas.
Pois eu todos os dias aprendo — e todos os dias combato.
Vozes: — Muito bem, muito bem! 0 orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cancella de Abreu:—Sr. Presidente: Quando há dias me ocupei da crise da lavoura, protestei contra o facto de não me terem sido remetidas informações das adegas cooperativas sobre a sua quantidade, colocação e capacidade. Quis utilizar essas informações na ocasião devida, mas não queria deixar de informar que finalmente as recebi e manifestar, portanto, o meu regozijo, embora a remessa fosse extemporânea.
Era ùnicamente isto que queria declarar a V. Ex.ª
O Sr. Augusto Simões: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: O exame da proposta de lei versando regimes de expropriação que acabam de ser aprovados sugere-me algumas considerações que me não julguei dispensado de fazer neste lugar, mesmo depois da sua aprovação.
E que me parece ser conveniente evidenciar a ideia de que a satisfação das necessidades da crescente vida económica não pode ser feita sem se salvaguardarem ajustadamente os direitos dos proprietários, à custa de quem, por expropriação, tais necessidades hajam de ser satisfeitas.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Porque nem sempre tem sucedido assim, ainda não há um código único versando os princípios informadores dos direitos e obrigações referentes às alienações forçadas, mas sim uma diversificada regulamentação jurídica que, em certos casos, apresenta verdadeiras aberrações.
E que, em vez de equilíbrio nas prestações mútuas, quem pretende adquirir forçadamente esquece-se de que está a escrever um direito excepcional, e luta com o maior denodo por adquirir por baixo preço, cobrindo-se com &s protecções derivadas do interesse público e da utilidade pública do empreendimento a instituir ou à sua vivência.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Todavia, quem cede, não pode escudar-se na mesma protecção, pelo que, só depois de laboriosas diligências, que culminam geralmente com a apreciação judiciária do diferendum, se alcança um estádio de convencional harmonia.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: —Exemplos típicos da antinomia dessas posições e das dificuldades que delas naturalmente derivam são abundantemente fornecidos pelas empresas produtoras, ou distribuidoras, de energia eléctrica, que têm gozado dos benefícios de regime muito especial para as expropriações que se lhes tornam necessárias.
Obtida a utilidade pública dos seus empreendimentos, essas empresas tornam-se majestáticas e ditam a sua lei sem constrangimentos.
Numerosos dissídios nascem e se complicam entre essas empresas e os particulares, porque a panaceia da dita utilidade pública pende sempre para o lado daquelas, desconsiderando, afrontosamente, as mais das vezes, os direitos dos proprietários, que, com arrepiante frieza, são havidos como se fossem meros poderes precários!
Ciosas até ao limite máximo da intransigência, essas empresas desvalorizam sem rebuço os bens do património alheio, para engrandecerem o seu próprio património!
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Ora estas atitudes de sobranceria, cada vez mais frequentes por nosso mal, têm afectado e continuam a afectar incontável número de pequenos proprietários rurais das zonas em que a terra se encontra largamente dividida, predominando, por isso, o regime em que, do muito, cada um possui muito pouco!
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E que esses proprietários, por sua debilidade estrutural, não têm poder para contrariarem as frequentes exigências que essas poderosas empresas lhes fazem a seu talante.
E o que sucede agora em muitos concelhos do distrito de Coimbra, em que predomina o minifúndio, como sucederá certamente em outros concelhos da zona rural minifundiária do País, com a exigência de largas faixas de protecção às linhas de alta tensão, que os proprietários são forçados a consentir sob pena da inacreditável sanção de desobediência....
Escudados na anacrónica legislação de há trinta anos, contida no Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de Junho de 1936, os concessionários da exploração das linhas eléctricas estão a exigir aos proprietários em prédios confinantes com essas linhas que cortem ou permitam o corte de todas as árvores situadas numa faixa de 20 m ao longo dessas linhas!
E, se os proprietários não satisfazem prontamente a exigência, os concessionários têm o direito, que o § único do artigo 54.° do mesmo decreto lhes concede, de os fazerem intimar pela direcção de fiscalização eléctrica da sua área para consentirem no corte, sob pena de lhes ser levantado auto de desobediência, destinado a condenação em processo crime pela delinquência prevista no artigo 188.° do Código Penal.
À sombra desta espantosa regulamentação têm-se praticado na região central do País os mais afrontosos e insólitos atropelos do direito de propriedade.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E que o organismo oficial não cura de saber se os concessionários estão devidamente creden-
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ciados por atempado pagamento de devidas indemnizações aos proprietários para eles exigirem a drástica restrição ao direito de fruírem as suas leiras antes de os mandar intimar para a destruição dos arvoredos que nelas estão radicados.
Procede a essa intimação sem quaisquer restrições, pouco lhe importando as consequências do facto.
Daqui tem resultado que os proprietários mais humildes são inteiramente despojados do único elemento de valorização dos seus pequenos prédios, que ficam, por isso, reduzidos a superfícies desérticas, que só rendem desolação e nada mais.
Ora este sistema é por de mais odioso para poder continuar a vigorar.
Contra ele se ergue a voz inquebrantável da razão.
Coagir os proprietários a consentirem no seu empobrecimento sob pena de serem havidos como desobedientes e condenados como tais nos tribunais comuns — afronta a própria dignidade humana.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: —No entanto, este procedimento está a ter o beneplácito de repartições oficiais da fiscalização eléctrica, que não curam de saber dos direitos dos proprietários......
Importa, por isso, remediar prontamente tão avantajada distorção dos princípios gerais abolindo a legislação que a consente.
Em matérias de tanto melindre, como são as das expropriações e das limitações ao aproveitamento normal dos bens do nosso património fundiário, não se podem deixar desamparados os direitos dos proprietários, perante as exigências sejam de quem for.
Por muito exigentes que se apresentem as necessidades da vida moderna no processamento do seu teor económico, não justificam de nenhuma maneira esse desamparo.
Há direitos cujo objecto perdura à custa de incontáveis sacrifícios, amealhados ao longo de muita vida.
Não se negue que tais direitos tenham de ceder perante outros que se tornaram imprescindíveis ao bem comum!
Todavia, se é em nome do bem comum que se pedem e se justificam sacrifícios," que eles sejam devidamente compensados por prestações conscienciosamente fixadas e prontamente satisfeitas.
De contrário, a continuarem os casos que citei do sector da electricidade, e que representam apavorantes enormidades, em vez de justiça igual e por isso indiscutível, teremos apenas uma aumentada protecção desigual e insólita a desequilibrar cada vez mais a própria estabilidade da vida.
Não quererá, certamente, o Governo que essa situação perdure e, assim, não deixará de mandar proceder à elaboração de um ajustado código de expropriações que abarque todas as formas de delimitação do direito de propriedade, definindo os direitos e as obrigações por forma clara e precisa, para terminarem as intoleráveis sobreposições de certos sectores.
Ao findar os meus trabalhos parlamentares, aqui deixo o meu instante pedido para que este melindroso assunto venha a ser colocado na agenda das preocupações importantes dos competentes departamentos do Estado, pois, se o for, como tanto espero, não tardarão, certamente, as soluções harmónicas que o bem comum exige e o Governo serve sem desfalecimentos.
E, a findar, consinta-se-me que deixe consignados os agradecimentos de que me sinto devedor: a V. Ex.ª, Sr. Presidente, pela compreensão e amizade com que me tratou; a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, pelas muitas gentilezas que me dispensaram, e aos representantes dos órgãos da informação, pelo acolhimento que generosamente me concederam.
Que as maiores e mais dilatadas felicidades estejam no venturoso caminho das preciosas vidas de todos.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cerqueira Gomes: — Sr. Presidente: De tudo que na minha intervenção de ontem não pude dizer, por escassez de tempo, só algumas breves palavras não queria que não fossem ditas. E são essas que aqui venho hoje proferir, ainda que, mesmo assim, reduzidas ao essencial. E são palavras de homenagem e saudação ao Prof. Marcelo Caetano — o homem que corajosamente e sacrificadamente sucedeu a Salazar e prolonga, a grande altura, a sua missão difícil de governar superiormente a Nação.
Saúdo o intelectual, saúdo o mestre da boa doutrina, saúdo o político e governante.
Saúdo o intelectual.
E no intelectual sobressaem nas múltiplas facetas o erudito, o pensador, o professor, o investigador, o publicista, o escritor. O erudito de ampla e sólida cultura, saber haurido no estudo e na meditação, ao longo de uma vida austera e operosa, produto das suas altas virtudes de trabalhador infatigável e da sua grande capacidade de apropriação e de ordenação intelectual.
O pensador de ideias claras, de raciocínios lúcidos, de juízos seguros. A clareza e lucidez que são, porventura, que são para mim, com certeza, a nota mais saliente e mais bela do seu alto espírito, da sua inteligência aliciante.
Professor de vocação, mas professor que não encerrou o seu magistério nos acanhados limites das aulas universitárias e se projectou amplamente na vida do seu tempo. Porque S. Ex.ª é mestre de todos nós. Pela sua palavra e pela sua pena manteve viva e sempre renovada, espalhou e levou a todos os que têm ânsia de luz, a luz do seu alto preceptorado.
Investigador, porque a sua grande sede de saber se não saciou nas fontes, tantas vezes escassas, que encontrou pelos caminhos já abertos e explorados. E em domínios da história, cheios de trevas e incertezas, pôde S. Ex.ª projectar preciosos raios de luz com documentos por sua diligência carregados do sono dos arquivos e outros que o seu superior critério devidamente valorizou. Assim nasceram os estudos sobre a antiga organização dos mesteres e certos aspectos da nossa vida municipal e os trabalhos sobre algumas cortes portuguesas de mais interesse e mais rico conteúdo histórico.
Publicista, que ao invés do que ó velho e feio pecado português, foi incessantemente e através dos prelos entesourando e difundindo os frutos preciosos dos seus estudos, das suas meditações e da sua experiência.
Escritor de expressão adequada à clareza e harmonia do seu pensamento — prosa de recorte elegante, de linhas sóbrias e clássicas, mas a que não falta o movimento que persuade e o vigor e o calor emotivo que alicia e convence.
A par do intelectual, saúdo em S. o mestre de vida e de verdade, o apóstolo e o construtor do novo mundo e da cidade nova.
Andamos numa das horas mais agitadas, mais confusas, poderíamos bem dizer mais dramáticas, da história. Debate-se em crise o mundo moderno. Crise e desorientação espiritual grave e profunda, multiforme e total. Grave e profunda, porque vem dos primeiros princípios e, logo à nascença, envenena o pensamento, logo à raiz deforma o sentido e a hierarquia dos valores supremos. Multiforme
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e total, porque é das essências que tudo o mais deriva, com lógica implacável; porque no mundo do espírito tudo é unitário e conforme, na ordem e na desordem. E o mal que vem das alturas irresistìvelmente se projecta em todos os planos do pensamento e da vida — na ordem social, na ordem económica; na ordem política.
Há, portanto, que restaurar se quisermos sobreviver os supremos conceitos da vida e para tanto, como manda lùcidamente o grande Pascal, aprender a bem pensar.
Corajosamente S. Ex.a tomou lugar de vanguarda, pelo seu desassombro, e de proeminência, pela sua alta superioridade, nesta rude batalha em que está em jogo para muito tempo, e porventura para sempre, a sorte do Mundo e o destino do homem.
E tomou lugar na batalha das ideias e na prova dura da acção. Semeou nas alturas do pensamento e desceu ao contacto da realidade viva e concreta, trazendo para a vida o seu alto desígnio de construir.
E, para findar, saúdo S. Ex.a nesta hora culminante da sua vida pública, quando tem aos ombros a alta e grave missão de condutor de um povo quase milenário que deixou assinalada, com rasto de luz criadora, a sua passagem na história do Mundo enquanto andou fiel à sua vocação e não deixou desfigurar as feições do seu génio inconfundível. E que depois de um largo abatimento se soergue outra vez animoso para a vida intensa, sacode o torpor e o pó bafiento dos séculos e, em magnifico ressurgir, retoma o seu lugar de pioneiro na vanguarda da civilização.
Parece que tudo designava o Prof. Marcelo Caetano para suceder ao homem superior que, durante quarenta anos, nos governou sàbiamente — a alta e lúcida inteligência, o patriotismo acendrado, a mentalidade política, a experiência de homem público.
Tomou tão naturalmente a dura cruz do Poder como o príncipe herdeiro filho de rei põe a coroa, na sua hora.
Graves são as suas responsabilidades. E nós pedimos-lhe muito. Nós, que amamos apaixonadamente Portugal. Mas verdadeiramente Portugal, na sua autenticidade e na beleza do seu génio. Portugal e as suas realidades eternas. Portugal, e não os verbalismos ocos e presunçosos que para aí rodopiam com grandes ares, envoltos em retórica de bricabraque. Portugal e os seus interesses profundos, e não as veleidades e falácias de ideologias sem consistência. Portugal e as soluções portuguesas, e não exotismos desnacionalizadores ou as novidades desvairadas do progressismo dissolvente.
Seguros das nossas verdades, não temos de conformar o nosso pensar e o nosso agir, não temos que modelar o nosso ordenamento político por figurinos estranhos. Eles é que terão que aprender pelas nossas lições, pelo exemplo das nossas ideias, comprovadas no plano experimental pelas mais eloquentes realidades — a nossa paz, o nosso ressurgimento material e espiritual. E que pedimos nós, Sr. Presidente do Conselho? Que não deixe perder esta hora magnífica de engrandecimento e de progresso da Nação. E que para isso, a par da sua alta inteligência, não hesite em usar decididamente da mais desenganada autoridade e cerre os ouvidos às vozes da perdição que pedem para aí aberturas e liberalização.
A autoridade e a liberdade são dois princípios ambos certos e ambos verdadeiros — complementares em certo sentido, e noutros, opostos e contrários. A sabedoria de quem governa ó de encontrar o ponto de equilíbrio destes princípios em tensão permanente. De encontrar em cada momento, porque esse equilíbrio se desloca com os tempos e os lugares. Nas horas de paz, de progresso, de estabilidade social, podem consentir-se liberdades que não serão oportunas em horas de desordem, de desvairo e de perturbação ou quando grandes tarefas se impõem aos povos.
Não é a nossa hora a hora da liberdade. Rondam à nossa volta as forças e as astúcias da subversão à espreita da sua hora para perturbar e demolir. Estamos a realizar uma obra reconstrutiva de grande transcendência histórica, sustentamos uma guerra de consequências decisivas para a vida da Nação, e essa impõe uma retaguarda sólida. Há, por isso, que segurar vigorosamente o comando no alto do Poder.
Esta é a hora da autoridade.
Vozes: —Muito bem, muito bem! 0 orador foi muito cumprimentado.
(Assumiu neste momento a presidência o Sr. António Júlio de Castro Fernandes.)
O Sr. Brás Regueiro: —Sr. Presidente: Dispõe o artigo 40.° do Decreto n.° 16 667, de 27 de Março de 1929, que cria a Caixa Nacional de Previdência, da qual ficou a fazer parte a Caixa Geral de Aposentações:
O aposentado ou reformado perde a respectiva pensão quando seja condenado em alguma das penas maiores estabelecidas na lei penal, ou ainda em pena correccional por crime de furto, abuso de confiança, burla, receptação de coisa furtada ou roubada, falsidade, atentado contra o pudor ou outra qualquer que importe perda de direitos políticos
Quer isto dizer que todo o funcionário público aposentado que for condenado em pena maior perde o direito à pensão de reforma que estiver a auferir.
Em tempos já bastante recuados, os empregos do Estado eram particularmente disputados, porque o funcionário público era especialmente respeitado — dada a função que exercia —, era mais bem remunerado, tinha uma garantia de trabalho e tinha sobretudo o direito de perceber uma pensão de reforma, benefício de que, em regra, não gozavam os demais trabalhadores.
E mesmo quando os salários pagos pelo Estado aos funcionários públicos passaram a ser inferiores aos pagos pelas empresas privadas, a função pública continuou a tentar os indivíduos na mira de receberem uma pensão de reforma ou invalidez.
O funcionário público ganhava menos, mas, em contrapartida, sabia que no fim da sua vida, quando não pudesse trabalhar ou se incapacitasse, não morreria à míngua e, em caso de morte, deixaria ainda ao seu cônjuge e aos descendentes uma pensão alimentícia.
Quer dizer: o estatuto do funcionário público comportava este benefício de que não gozavam, em regra, os outros trabalhadores ao serviço de particulares.
A pensão de reforma tem um carácter de subsídio alimentar (cf. Prof. Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, 4.ª ed., p. 507).
Destina-se a pensão, como é óbvio, a evitar que o funcionário que já não pode trabalhar possa de algum modo ocorrer às suas despesas de subsistência e às da família a seu cargo. Em suma, pretende-se evitar que o funcionário e sua família caiam em miséria.
E, dado o mecanismo da concessão das pensões de reforma, que entra em linha de conta com o tempo de serviço, contribuições depositadas pelo beneficiário e porventura serviços relevantes prestados ao País, a pensão representa, num certo aspecto, um prémio pela conduta passada do funcionário.
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Quer dizer: o funcionário tem uma pensão de reforma porque, pela sua conduta, enquanto trabalhou — não foi demitido, serviu a função bastantes anos, etc. —, a mereceu. Ou, melhor, a pensão de reforma refere-se ao que o funcionário era e como se conduzia na função antes de lhe ser concedida a pensão.
Ao instituir as pensões de reforma, que o mesmo é dizer os seguros sociais, o Estado quer evitar que os seus cidadãos caiam em miséria.
Isto porque todo o cidadão tem o direito de ser alimentado — se não morre —, e daí que este direito se confunda com o direito à existência.
Saliente-se que o próprio Estado está obrigado a alimentar os delinquentes presos, por maior que seja a gravidade do delito.
Ora, desde que a condenação em pena maior implica para o funcionário reformado a perda de pensão para toda a vida, isto significa que:
Ao reformado se aplicou uma pena corporal perpétua e se lhe negou o direito à vida.
Daqui resulta que o artigo 40.° do Decreto n.° 16 667 viola duas garantias individuais dos cidadãos portugueses, quais são as dos n.ºs 1.° e 11.° do artigo 8.° da Constituição Política.
E que condenar um homem à fome e à miséria é pena que dói e incide directamente no corpo da própria pessoa.
Tanto basta para que se imponha a revogação do preceito legal em exame.
O artigo 81.° do Código Penal dispõe que o condenado à pena de demissão de emprego incorre na perda do direito de se aposentar ou reformar por serviços públicos anteriores à condenação (n.° 2.°).
Quer dizer: se não houvesse o preceito do artigo 40.° atrás referido, o funcionário que à data do crime estivesse reformado não perdia a pensão.
O preceito correspondente do Código Penal de 1852 (artigo 62.°) era mais razoável e humano, e embora decretasse a perda do direito à jubilação, aposentação, reforma ou qualquer pensão por serviços anteriores, estabelecia isto tudo «sem prejuízo de pensão alimentícia, que possa depois ser legalmente concedida ao criminoso».
Nesta era de segurança social, as pensões de reforma deixaram de ser privilégio do funcionário público.
Em bom rigor, só há muito pouco tempo é que os benefícios do seguro social — tirante as pensões de reforma — concedidas aos trabalhadores de empresas privadas se vão alargando, com alguma timidez, também aos funcionários públicos, que, por via de regra, auferem salários em regra inferiores.
Em princípio, todo o trabalhador privado tem direito à percepção de uma pensão de reforma.
E, como é óbvio, as penas maiores também são aplicáveis aos trabalhadores de empresas privadas.
Vejamos então se os trabalhadores de empresas privadas condenados em pena maior perdem a pensão de reforma que estejam a auferir.
A alínea a) do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 33 533, de 21 de Fevereiro de 1944, relativo a caixas sindicais e caixas de reforma ou de previdência, dispunha que:
Serão expulsos das caixas, sem direito à restituição ou transferência da reserva matemática, os beneficiários que:
a) Forem condenados, por sentença transitada em julgado, a pena maior ou à perda dos seus direitos sociais e políticos.
Todavia, o artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 37 426, de 23 de Maio de 1949, revogou expressamente este preceito e não contém outro relativo à expulsão de beneficiários de caixas, nomeadamente quando condenados a pena maior.
Como se acentua no parecer da Procuradoria-Geral da República n.° 42/66, de 12 de Novembro de 1965 (in Diário do Governo, 2.ª série, de 4 de Setembro de 1967):
Não se colhe indicação clara de qual tenha sido o propósito de libertar da expulsão os beneficiários daquelas instituições de previdência. Mas é admissível que se tenha tido presente que o beneficiário expulso por factos porventura totalmente alheios às suas obrigações para com a caixa poderia ficar após o cumprimento da pena maior — ou mesmo durante esse cumprimento — numa situação de desprotecção pouco conciliável com a natureza e fins da previdência social, que de modo algum abstrai do próprio agregado familiar do beneficiário directo.
Acresce que a legislação posterior — Lei n.° 2115, de 18 de Junho de 1962 (que promulgou as novas bases de reforma da previdência), Decretos n.ºs 45 266, de 23 de Setembro de 1963, e 46 548, de 23 de Setembro de 1965 (que regulamentam aquela lei) — não contém qualquer preceito a prever a expulsão das caixas ou a perda da pensão por condenação do beneficiário a pena maior.
As penalidades que ali se estabelecem são relativas à suspensão dos benefícios e tão sòmente pela prática de factos contra a caixa.
Tudo isto veio a propósito de demonstrar a situação de desfavor em que se encontram os funcionários do Estado reformados frente aos beneficiários de reforma de caixas sindicais ou de reforma e de previdência de empresas particulares, que sejam condenados em pena maior.
Ora a Constituição garante «a igualdade dos cidadãos perante a lei» (artigo 5.°).
Mas a diversidade que vimos de apontar conduz a uma verdadeira desigualdade.
Todas estas considerações vieram a propósito de demonstrar que, por providência legislativa, se devem revogar, por injustos, os preceitos dos artigos 19.° e 40.° do Decreto n.° 16 667, de 27 de Março de 1929.
Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
(Reassumiu neste momento a presidência o Sr. José Soares da Fonseca).
O Sr. Albano de Magalhães:— Sr. Presidente: Segundo nos foi dado conhecer por V. Ex.ª, estará hoje na ordem do dia a proposta de lei de aditamento de uma alínea ao artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 46 838, de 18 de Janeiro de 1966, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 48 836, de 16 de Janeiro de 1969.
Necessariamente que não é o problema posto pelo simples aditamento de uma alínea a um artigo do referido diploma legal que tem a importância de nos prender hoje a atenção.
Isto, sem embargo de se reconhecer o valioso contributo dado pelo longo e douto parecer da Câmara Corporativa, cuja rapidez de execução e uniformidade de pontos de vista cumpre realçar.
Haverá, pois, e apenas que dizer que a proposta de lei que hoje irá ser posta em discussão não é mais do que uma última medida que o Governo achou oportuno integrar no
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referido diploma legal para que, dada à Siderurgia Nacional «a protecção adequada contra a concorrência de fabricantes de produtos siderúrgicos similares de origem estrangeira» compatível com as obrigações assumidas pelo País em convenções internacionais, nomeadamente junto da E. F. T. A. (Decretos-Leis n.ºs 47 521, de 3 de Fevereiro de 1967, e 48 757 e 48 760, de 12 de Dezembro de 1968), não resultassem, transitòriamente e enquanto a Siderurgia Nacional não fabrica esses produtos, prejuízos graves e irreparáveis para o sector industrial que consome esses mesmos produtos.
Haverá, pois, e nesta medida, que louvar a iniciativa do Governo.
Só que, com a aprovação por esta Assembleia dos Decretos-Leis n.ºs 48 757 e 48 760, de 12 de Dezembro de 1968, as questões de fundo continuam por discutir e também por resolver.
E o que interessa discutir e é necessário resolver para bem da economia nacional, tendo como assente a oportunidade e a validade das medidas proteccionistas que o Governo decretou e esta Assembleia aprovou, são, sem dúvida e sem demoras, os efeitos da incidência dos novos custos dos produtos siderúrgicos no custo do produto acabado.
E a pergunta a formular é esta:
(Será a protecção agora decretada compatível com o desenvolvimento, mesmo até com a sobrevivência, da indústria metalomecânica nacional no seio da E. F. T. A.?
A Siderurgia Nacional, em circular que a todos nos mandou, oferece, sem qualquer condicionamento nem restrição, preços que a indústria metalomecânica pode aceitar.
Simplesmente, em documentos posteriores enviados aos grémios, alterou logo de seguida esse condicionalismo, fazendo depender o oferecimento destes preços de um consumo mínimo de 400 t.
Pode, pois, dizer-se que, alterada desta forma a circular que nos foi enviada, a Siderurgia Nacional invalida tal oferecimento de preços, pelo menos para a esmagadora maioria da indústria portuguesa, por exigência de consumo de produtos da sua gama, que poucas unidades actualmente atingem.
Sujeitos, portanto, às tabelas gerais, terão os industriais portugueses que não atingirem as 400 t do consumo exigido — e que são a maioria — de pagar um sobrepreço.
Baseados sempre em números que a Siderurgia nos dá, vamos ver de quanto é esse sobrepreço.
Estes números ainda não foram citados nesta Câmara e não o seriam por certo se a Siderurgia Nacional não alterasse posteriormente as condições que reúne e quis mandar aos Deputados.
Há, pois, que esclarecer suficientemente os homens de boa vontade que todos nós somos e dar a conhecer ao Governo o que se está a passar, depois de já aprovados os diplomas legais de 12 de Dezembro de 1968, certos e confiantes de que merecerá a melhor atenção de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia, que sempre tem mostrado o maior empenho em tudo ver resolvido de forma que não seja injustamente afectado o sector metalomecânico.
Os preços para mcrchant bars (varões, vergalhões, barras diversas, cantoneiras e tês, bem como ferros is e us abaixo de 80 mm), constantes da carta escrita pela Siderurgia Nacional aos presidentes dos grémios em 24 de Janeiro de 1969, baseados na cotação à data, de exportações da C. E. C. A., para as três classes de fabrico, a que se fez alusão expressa na circular que recebemos, são:
a) 2472$ por tonelada;
b) 2696$ por tonelada;
c) 2921$ por tonelada.
Para estes mesmos produtos, e em relação à maioria dos industriais metalomecânicos, que são efectivamente consumidores de menos de 400 t, os preços aplicados pela Siderurgia Nacional, segundo as suas tabelas de 1 de Janeiro de 1969, estão a ser estes:
Varão: de 5100$ a 5700$ por tonelada;
Vergalhão: de 5100$ a 5000$ por tonelada;
Barras: de 4850$ a 5750$ por tonelada;
Cantoneiras: de 5150$ a 5650$ por tonelada;
TT: de 5300$ a 6050$ por tonelada;
II: de 4800$ a 5950$ por tonelada.
Como estamos longe do limite de 36 por cento que fez actuar a fiscalização!
Duas consequências, pois, resultam deste estado de coisas:
A primeira é a de que, num mercado fechado, o mercado nacional, o fornecedor único e intransigentemente defendido dá, pode dar e na realidade tem dado, a alguns consumidores uma matéria-prima de 2921$ que obriga outros a pagar a mais de 4800$.
Onde está, não falando já da justiça, a possibilidade de concorrência interna?
A segunda é a de que o consumidor nacional, na média das 200 t a 300 t, em vez de encontrar um estímulo no desenvolvimento da sua indústria, encontra antes um obstáculo tremendo a eliminá-lo a curto prazo.
E quem ganha com isso?
Não a Siderurgia, que passa a vender menos; não o consumidor referido, que acaba a médio prazo por desaparecer; não também a economia nacional, que acaba por ver não ser possível competir no seio da E. F. T. A., e, em contrapartida, tem que receber o produto acabado estrangeiro, escoando, em vez de produção e mão-de-obra nacional, divisas, muitas divisas.
Isto é o que se está a passar na prática, é o mundo das realidades, que, se não for atenuado a tempo, há-de, necessàriamente, trazer-nos, a curto prazo, uma crise grave no sector metalomecânico.
Sr. Deputados: Servi-me de documentos emanados da Siderurgia Nacional, que são o objecto da comercialização dos produtos que fabrica.
Perante eles e a realidade dos factos suponho que fica bem claro que o regime de comercialização proposto é absolutamente insustentável.
Porque o é e ao Governo, compete eliminar as graves deficiências desta comercialização, aqui deixo este apontamento.
Ao fazê-lo, apelo para o Governo, para o Sr. Ministro da Economia certo e confiante em que mais uma vez, como em tantas outras já o tem demonstrado, encontrará superior e inteligentemente a fórmula de eliminar estes resultados tão catastróficos para a nossa economia.
E, ao fazer este apelo sincero, faço-o prestando as minhas mais justas homenagens a esse notável governante, não esquecendo que é sempre fácil governar sem ter que o fazer e muito difícil quando a isso alguém não se pode recusar.
Vozes: —Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Buli: — Sr. Presidente, Srs. Deputados. Os jornais de ontem, a rádio e a televisão anunciaram com o devido relevo a boa e oportuna notícia da próxima visita do Sr. Presidente do Conselho, Prof. Doutor Marcelo Caetano, às províncias da Guiné, Angola e Moçambique nos meados de Abril.
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Prosseguindo a mesma política da verdade e de contactos, muita usada pelo Sr. Presidente da República, o Sr. Prof. Marcelo Caetano prometeu que visitaria, logo que fosse possível, as três províncias ultramarinas, onde se luta heroicamente contra os bandos de terroristas com bases nos territórios vizinhos e que, alimentados e municiados pelos nossos inimigos, continuam procurando subverter as populações ordeiras e pacíficas no nosso ultramar.
Foi, pois, com grande satisfação que a notícia foi recebida em todas as nossas províncias, nas quais se vivem novos momentos de verdadeiro júbilo, na certeza de que desta visita do Chefe do Governo, acompanhado pelo Sr. Ministro do Ultramar, resultarão os maiores benefícios para as províncias em guerra.
Como Deputado pelo círculo da Guiné, apresento, em meu nome pessoal, no dos eleitores e no de toda a população da província, os melhores agradecimentos por esta oportuna decisão de S. Ex.ª de visitar as terras ardentes do ultramar e faço votos sinceros para que nas três províncias que vai visitar o Sr. Presidente do Conselho possa ter os contactos necessários para conhecer e apreciar o portuguesismo das suas gentes, os anseios das respectivas populações, as necessidades vitais dos que labutam naquelas terras bem portuguesas, a necessidade de novo apoio mais efectivo do capital e de técnicos metropolitanos e a firme determinação que a todos anima — civis e militares, brancos, mestiços e negros — de prosseguirem a luta até ao dia da vitória final, ao mesmo tempo que, unidos, procurarão engrandecer, cada vez mais, aquelas parcelas do mundo português, que os nossos maiores nos legaram e que nós temos o dever de manter íntegro e indivisível.
Poderá ainda S. Ex.ª ter a oportunidade de verificar o entusiasmo com que se prossegue a gradual promoção social das massas nativas e a forma positiva como toda esse juventude autóctone corresponde aos anseios dos dirigentes em lhes proporcionar a melhoria do seu nível sócio-cultural e económico.
E durante a visita de S. Ex.ª às terras da Guiné, aquela boa gente lembrará, com simpatia e respeito, o Sr. Presidente Salazar, que todos gostaríamos de saudar nas terras do ultramar durante o longo período do seu mandato.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gonçalo Mesquitela: — Sr. Presidente: Acabámos de ouvir a voz da Guiné agradecendo a visita de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho ao ultramar anunciada nos jornais desta semana. Como, além da Guiné, S. Ex.ª visitará também Moçambique, não quero deixar de, em nome desta província que tanto me honro de representar na Assembleia, apresentar também os agradecimentos e a expressão solene de respeito e entusiasmo por mais esta iniciativa ultramarina do Sr. Presidente do Conselho. Estou certo de que Moçambique, martirizado no seu Norte pelo terrorismo, encontrará uma vez ainda o estímulo necessário nesta visita e saberá demonstrar ao Sr. Presidente do Conselho como é portuguesa e como pretende continuar a sê-lo pelos tempos fora.
Tenho dito.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Horácio Silva: — Sr. Presidente: Apenas um minuto et apenas duas palavras para me associar, em nome dos meus colegas por Angola e no meu próprio, ao regozijo que sei ser o de toda aquela grande província, como também o das províncias de Moçambique e da Guiné, pela próxima visita do Sr. Presidente do Conselho, que vai acompanhado pelo Sr. Ministro do Ultramar.
E a primeira vez, na nossa história política, que o Chefe do Governo visita o ultramar. Pode avaliar-se das enormes consequências susceptíveis de resultarem de tal facto, sabido como é que, no género, nada pode equivaler ao conhecimento directo, pessoal.
Não é, aliás, a primeira vez que o Sr. Prof. Marcelo Caetano' irá ao ultramar. Mas é a primeira em que dispõe do ângulo de visão, propiciado ao Chefe do Governo, e daí o grande regozijo das populações, que anseiam vê-lo, falar-lhe, abraçá-lo.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: — Sr. Presidente: Telegraficamente umas tantas considerações, que as últimas intervenções do Sr. Deputado Duarte Amaral me sugerem e que articuladamente passo a seriar. Faço-o no pressuposto das raízes que a Guimarães me prendem: a da afinidade familiar por minha mulher, que é natural dessa cidade, e a da saudosista fidelidade política ao franquismo. E assim deduzimos o articulado:
1.° O do anómalo funcionamento da Comissão dos Vinhos Verdes. Problema de remotas batalhas, que decerto o Sr. Deputado Amaral não se propõe reacender.
Acho óptimo que as estações oficiais possam esclarecer à saciedade o ilustre Deputado. Entrementes, procurarei promover junto da direcção daquela Comissão lhe seja enviado um volume onde o problema desde remotas premissas se acha posto e historiado, volume em que o orador teve ocasião de colaborar.
Apenas uma observação prévia, que deve pesar nos critérios da região minhota e desta Casa, dado que, como o Evangelho ensina, o melhor aferidor das obras são os frutos, e aqui estamos, ainda por cima, a falar de matéria atinente ao. reino vegetal. A valorização dos vinhos verdes tem-se notòriamente operado, sobretudo a do branco, com projecção na exportação de forma impressionante. Sob o ponto de vista nacional, é decerto esta Casa lugar próprio para se encarecer o facto. Tal valorização não teria sido possível sem o regulamento defensivo da produção dos vinhos em causa e do acerto predominantemente positivo da sua direcção.
Não será tal facto, de um organismo que é uso denegrir-se por anómalo, mas a funcionar útil e progressivamente, compensação consoladora para tantos casos de organismos fabricados perfeitinhos e que funcionam tão desastradamente que o melhor seria não fazerem nada?
Eis um paradoxo para que convidamos a reflexão dos Srs. Deputados, e sobretudo dos governantes.
Isto não quer dizer que não procure integrar-se a discutida Comissão na actual ordem corporativa, no sentido do que se fez com a Casa do Douro. Mas isto não à força de martelo, antes organicamente, no sentido de um corporativismo de associação, que, com todo o meu apoio, ouvi aqui defendido, com a sua experimentada e merecida autoridade, pelo Sr. Deputado Castro Fernandes.
2.° Da conjunto das reclamações que o Sr. Deputado Amaral formulou ao Governo a favor de Guimarães e
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que na generalidade aplaudo, por justas, sobressai a da restauração ali de uma unidade militar. Esta é uma reclamação que merece, à cabeça, ser atendida.
Como S. Ex.ª disse, já estão fixadas, além da infra-estrutura de um terreno expropriado, todas as condições legais para tal se processar. E até designada oficialmente tal unidade como sendo o Regimento de Cavalaria n.° 6. Sendo eu Deputado e nativo do Porto, não vejo qualquer objecção decisiva contra a deslocação dessa unidade, certo que o quartel respectivo será sempre aproveitado nesta cidade por unidade ou serviço militar, como sucedeu ao de Infantaria n.° 6, hoje Quartel-General da Região Militar respectiva.
Assim o reclama o passado militar de Guimarães, proclamado ainda aos nossos olhos pelo remanescente das suas muralhas, com a coroa do Castelo em serrilha de ameias. Esse padrão bélico bem recorda os prédios e cercos medievais que se deram à sua volta.
Mais em nossos dias o reclama a tradição do seu Regimento de Infantaria n.° 120, que, já caldeado nas invasões napoleónicas, veio depois a ter assento nesta cidade por muitas dezenas de anos, até à sua dissolução recente.
Sobretudo são de recordar os fastos dos batalhões desse Regimento que se bateram em 1916-1918 na França e no ultramar.
Ora a lembrança dos feitos de guerra de seus filhos, mortos ou sobreviventes, é para as terras motivo de orgulho e de lição muito mais estimulante do que a de um bronze comemorativo. E para se manter viva essa lembrança nada como a permanência de uma unidade militar.
3.° Esta alusão à guerra e ao ultramar leva-me, Sr. Presidente, a abrir um número neste articulado para notar duas observações.
Uma referente a aspecto relacionado com a futura renovação desta Casa pelas próximas eleições e que me esqueceu referir na minha intervenção de há dias ligada a tal matéria. E, como recomendação testamentária, o voto de que nessa renovação não deixe, quanto à escolha dos candidatos, de ter-se em conta com os seus indispensáveis méritos civis, e quando tal se verifique, o facto da sua passagem pelo ultramar em serviço da Nação.
Seria uma renovação sadia a que trouxesse para estas cadeiras uma meia dúzia de prestantes homens novos em tais condições. Lembremo-nos dos benefícios que resultaram para a França da infelizmente passageira Câmara dos Deputados que foi eleita sob o signo da vitória de 1918 e foi conhecida por bleu horizon.
Deverão contribuir elementos desses para ajudar com o conhecimento dos meios respectivos à progressiva osmose que se impõe à Nação Portuguesa, metrópole e ultramar.
O outro ponto: é o de traduzir a minha comoção, como velho expedicionário de 1917-1918 ao Norte de Moçambique, pelos alíseios de melhoria acentuada que, segundo agências noticiosas estrangeiras, por lá começam a verificar-se e definir-se como favoráveis para nós.
Os meus votos, e comigo os de toda a Assembleia decerto, são os de que tais monções resultem cada vez mais favoráveis. Isto, sim, seriam aberturas primaveris bem esperançosas.
4.° Regressemos ao declamativo do Sr. Deputado Amaral a favor de Guimarães: seja o da constituição de um distrito administrativo com cabeça nessa cidade.
Salvo melhor opinião, suponho que não será por esse caminho frontal dos desdobramentos distritais — Lamego, Guimarães, etc. — que a descentralização regional deverá vir a integrar-se no futuro. Os distritos, aliás, foram criados pelo liberalismo de 1834, visando sobretudo finalidades eleitorais.
Ora a distribuição regional deverá, porventura, orientar-se antes em dois escalões hierárquicos — por condições naturais, geográficas, económicas, etc, o que não é para aqui desdobrar hoje.
Quanto ao sentido dessa reforma, tem-nos sido dada lição válida por vários Srs. Deputados, à cabeça dos quais se me oferece nomear os Srs. Araújo Correia e Nunes Barata, a propósito sobretudo das sólidas realidades que são as líquidas bacias hidrográficas.
O próprio Sr. Deputado Amaral se refere, para o efeito, à constituição de distritos especificamente urbanos da Lisboa e Porto maiores. E daqui que, a nosso ver, se deverá partir como primeiro passo para uma melhor reestruturação regional.
Seria para o caso vimaranense aquilo que em arte militar Liddell Hart, como seu teórico célebre, chama estratégia indirecta. Mas eu só repetirei, como me ensinou, quando em maré de benevolência, o meu velho lente Dr. Calisto: «Por aí também se lá pode chegar.»
5.° Ponto no articulado. Eu, porém, não posso, pelo que me respeita, fechar este mandato sem uma palavra de rendida gratidão ao Doutor Salazar, por cuja preciosa saúde todos fazemos preces.
Com a reposição de Portugal nos seus trilhos, deixa-nos a lição política de quanto pode o equilíbrio genial de um homem, o que não frustra a complementar lição de quanto pode aproveitar a uma obra a continuidade de quarenta anos. Confia a Nação em que se não percam estas lições. Este voto por melhoras de doentes o dirijo com igual comoção ao Sr. Prof. Mário de Figueiredo, que com tanto zelo e sacrifício conduziu os trabalhos das duas últimas legislaturas.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Castro Fernandes: — Sr. Presidente: Coube-me, no início desta legislatura, a honra insigne de saudar o Sr. Presidente da primeira parte dos trabalhos, o nosso querido colega Dr. Paulo Cancella de Abreu, e a seguir o nosso querido Presidente eleito, Dr. Mário de Figueiredo. Já V. Ex.ª, em nome de todos nós, significou a estima que por ele temos, o carinho que lhe devotamos e as graças que pedimos para o seu pronto restabelecimento. Não me consentiria nenhum título que eu viesse repetir aquilo que V. Ex.ª disse com tanto brilho. Mas cabe-me neste momento, e sinto que o faço em nome de todos, saudar o Sr. Dr. Soares da Fonseca, leader do Governo durante três sessões legislativas e que todos nós quisemos e apreciámos como tal.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Cumpre-me igualmente saudar e apresentar cumprimentos de profundo respeito ao conselheiro Dr. Albino dos Reis, leader nesta sessão legislativa, antigo Presidente da Assembleia Nacional, antigo leader, homem da Situação desde a primeira hora e homem que nós respeitamos e queremos e a quem desejamos longa vida e longos triunfos.
Vozes: —Muito bem!
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O Orador: — E cabem-me agora — e termino já — mais duas saudações: uma a V. Ex.ª, que presidiu, na ausência do Dr. Mário de Figueiredo, das férias do Natal para cá, a esta sessão legislativa com brilho inexcedível e com o aplauso geral, e mais do que aplauso, porque o aplauso significa pouco quando o coração não está presente.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Permita-me V. Ex.ª que lhe diga que, se, como se diz em terras de África, o coração sente o que a cabeça pensa e a cabeça pensa o que o coração sente, na linguagem simples dos homens de Moçambique, que são quase meus conterrâneos pelos percursos que tenho feito por aquelas queridas terras portuguesas, neste momento estou de facto dizendo o que o coração sente.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E agora finalmente, como as circunstâncias não permitem realizar o que era costume, penso eu, em anos anteriores, quando nos reuníamos numa pequena festa, num pequeno jantar em que aproveitávamos a oportunidade para nos despedirmos uns dos outros, para nos saudarmos uns aos outros, para agradecermos uns aos outros, direi mesmo para pedirmos uns aos outros desculpa de alguma falta involuntária que tivéssemos cometido, pois façamo-lo neste momento. Falando em nome de todos, julgo poder afirmar que estivemos aqui quatro anos trabalhando a bem do País, fraternalmente amigos, fraternalmente pensando da mesma maneira, e Deus permita que o futuro desta Assembleia não se desvie do rumo que ela tomou nesta legislatura.
Tenho dito.
Vozes: —Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:—Srs. Deputados: Creio que W. Ex.ªs conhecem por que não há hoje a reunião de convívio costumada no fim de cada legislatura. Tal reunião de convívio tinha como pretexto uma homenagem ao Presidente da Assembleia Nacional. Como, porém, o Sr. Presidente está doente, é claro que não podia ser homenageado numa reunião de convívio a que lhe não era possível assistir. Pretenderam alguns Srs. Deputados derivar a homenagem para o vice-presidente em exercício, mas este não quis, nem poderia querer, aceitar tal ideia. A razão é que eu substituo o Sr. Presidente aqui, mas só aqui. Tenho pena que a reunião se não faça, pois ela constituía motivo de agradável convívio político. Mas, como disse, não podia aceitá-la naqueles termos usuais.
Quero agradecer muito penhorado, do fundo do coração, as palavras generosas e gentis que o Sr. Deputado Castro Fernandes me dirigiu.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O Sr. Júlio Evangelista: —As palavras proferidas pelo Sr. Deputado Castro Fernandes não foram apenas dele. Ele interpretou o sentir unânime de todos nós, e V. Ex.ª bem o sentiu no carinhoso sublinhado dos apoiados.
O Sr. Presidente: —Muito penhorado, agradeço a amável nota que V. Ex.a gentilmente quis apontar.
Pausa.
O Sr. Presidente: —Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — A ordem do dia será a discussão e votação de uma proposta de lei que acrescenta uma alínea c) ao artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 46 838.
Havia três inscrições para a discussão na generalidade. Sucede, porém, que dois dos oradores inscritos julgaram, e bem, que as suas considerações eram mais pertinentes no período antes da ordem do dia, por as mesmas não caberem perfeitamente na economia da proposta de lei. O outro orador inscrito desistiu.
Nestas condições, dou a proposta de lei por aprovada na generalidade e passamos imediatamente à discussão na especialidade, devendo informar que está na Mesa uma proposta de alteração subscrita pelo Sr. Deputado Albino dos Eeis e outros Srs. Deputados.
Vão ler-se a proposta de lei e a proposta de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
Proposta de lei
Ao artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 46 838, de 18 de Janeiro de. 1966, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 48 836, de 16 de Janeiro de 1969, é acrescentada a seguinte alínea:
c) Fios incluídos nas posições pautais 73.15.57 e 73.15.59.
Proposta de alteração
Propomos que a alínea c) passe a ter a seguinte redacção:
c) Fios incluídos nas subposições pautais 73.15.57 e 73.15.59, quando fabricados com fio-máquina que a Siderurgia Nacional não produza.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1969. — Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior — António Júlio de Castro Fernandes — Sebastião Garcia Ramirez — Armando Acácio de Sousa Magalhães — Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães—Antão Santos da Cunha — José Rocha Calhorda — João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira — André Francisco Navarro — Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: —Estão em discussão.
O Sr. Sousa Magalhães: —Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Sousa Magalhães: —Sr. Presidente: Tenho defendido, por mais do que uma vez, nesta Assembleia, que a indústria transformadora precisa de dispor de matérias-primas, energia e combustíveis sólidos e líquidos em condições internacionais de preço e qualidade. Disse-o quando discutimos a Lei de Meios para 1967; repeti-o ao apreciarmos o III Plano de Fomento, e, mais recentemente, ao analisar as contas públicas referentes ao ano de 1967, reafirmei ser indispensável para o nosso processo de industrialização poder-se dispor de matérias-primas básicas, energia e combustíveis a preços competitivos.
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E, entre nós, disse eu nessa altura, os preços chegam a ser de 50 a 100 por cento mais caros do que aqueles de que os concorrentes estrangeiros da nossa indústria transformadora dispõem nos seus países.
Ora os produtos siderúrgicos são produtos básicos, fundamentais, dos quais dependem, em maior ou menor grau, todas as indústrias: umas, utilizando-os directamente como matérias-primas (caso das indústrias de fabricação de produtos metálicos, de construção de máquinas, de material eléctrico, de materiais de transporte, etc); outras, utilizando-os na mais variada forma de equipamento (caso das indústrias de alimentação e bebidas, de têxteis e vestuário, de pasta para papel, das indústrias químicas e do petróleo, etc).
Por isso, e porque estamos a tratar de produtos siderúrgicos, parece-me ser oportuno comparar os preços, nos mercados internos dos países da O. C. D. E., de alguns desses produtos, referidos a 1 de Janeiro de 1968, em dólares por tonelada.
[Ver Diário Original]
Assim, o nosso preço é para o arco 78 por cento mais caro do que na Alemanha, Luxemburgo e Itália, 71 por cento do que na Bélgica, 82 por cento do que na França, 61 por cento do que na Holanda, 72 por cento do que na Áustria, 58 por cento do que na Espanha e 79 por cento do que na Inglaterra.
Para as vigas, essa percentagem varia desde 66 por cento na Itália até 94 por cento na Alemanha.
Por outro lado, a capitação de aço bruto em quilogramas por habitante, em 1967, foi a seguinte:
Alemanha — 476.
Suécia — 589.
Itália — 312.
França — 360.
Holanda — 327.
Áustria — 260.
Espanha — 188.
Inglaterra — 388.
Japão — 513.
Portugal — 69.
Estes números foram extraídos de L'Industrie Sidérur-gique en 1967 et Tendances en 1968 de L'Organisation de Cooperation et Développement Economique — Paris, 1968.
Não há dúvida de que a Siderurgia do Seixal deve ser ajudada, pois é uma indústria base fundamental para o desenvolvimento económico do País, mas ao ajudá-la há que ter em conta, fundamentalmente, que deverá exercer acção de estímulo sobre outras actividades produtivas, nomeadamente nos sectores das indústrias metalúrgicas e metalomecânicas.
Assim o estabelece o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 47 521, de 3 de Fevereiro de 1967, que diz ser indispensável encarar um progressivo abaixamento do nível da protecção existente e uma gradual aproximação dos preços internos dos produtos siderúrgicos em relação aos preços prevalecentes noutros países europeus. E nesse sentido estão os acordos internacionais.
Esta é que é a justa política a seguir para promover o desejável desenvolvimento e, consequentemente, aumentar a nossa baixíssima capitação em produtos siderúrgicos.
As indústrias siderúrgicas em todo o mundo têm tratamento especial, em virtude de serem indústrias motoras do crescimento económico. Na Inglaterra quase todas foram nacionalizadas. Na França, os objectivos do V Plano de Fomento em vigor, em matéria de siderurgia, consistem em tornar as empresas cada vez mais rentáveis, fundindo algumas e fechando pura e simplesmente as que não tiverem viabilidade económica.
Noutros países, os prazos de amortização para os empreendimentos siderúrgicos são larguíssimos.
Entre nós o Governo esteve inclinado, de princípio, a constituir uma sociedade de economia mista, embora depois tenha acabado por rejeitar essa solução, mas o assunto merece profunda reflexão, pois é de reconhecido interesse nacional.
O Governo, com o Decreto-Lei n.° 48 836, e a proposta de lei em discussão, veio suspender a aplicação da tributação constante dos Decretos-Leis n.ºs 44 137 e 48 757, relativamente às mercadorias neles indicadas, quando a sua importação seja autorizada pelo Ministério da Economia e enquanto a indústria nacional as não fabricar.
Por outro lado, a Siderurgia Nacional já prometeu à indústria portuguesa preços absolutamente razoáveis, embora não concretizados oficialmente. Simplesmente, a maioria dos industriais portugueses não poderá beneficiar de tal promessa, uma vez que poucos atingirão o mínimo estipulado de 400 t, fixado como condição do benefício a conceder.
Admito perfeitamente que a indústria siderúrgica se não compadeça com a venda a retalho, incompatível com a sua dimensão, mas não vejo razão válida para não fazer os mesmos preços às cooperativas de consumidores ou aos próprios armazenistas-grossistas quando adquiram a quantidade estipulada. Poder-se-ia, assim, resolver o problema do abastecimento da maioria da nossa indústria.
Acrescentarei, ainda, que nenhum industrial poderá aceitar, sem sérias preocupações, especialmente estando sujeito a aleatórias licenças de importação, prazos de entrega em que o único fornecedor declina qualquer responsabilidade na falta de cumprimento dos referidos prazos, conforme o estabelecido nas condições gerais de venda da Siderurgia Nacional para 1969.
Sr. Presidente: Não posso deixar de chamar a atenção do Governo para estes dois pontos, que reputo fundamentais, para que a nossa Siderurgia exerça, de facto e efectivamente, uma acção marcadamente positiva sobre as actividades produtivas que dela dependem.
O Sr. Virgílio Cruz: —Sr. Presidente: Interessa à economia nacional que não sejam agravados, desnecessária mente, os preços das matérias-primas importadas, isto para não dificultar a industrialização do País e para criar poder de concorrência à indústria portuguesa, não só nos mercados externos, como até no próprio mercado interno.
A proposta em discussão situa-se nessa linha de rumo e visa suspender a aplicação de taxas aduaneiras em relação a mercadorias que a indústria nacional ainda não fabrica.
A redacção sugerida para a alínea c) respeita a economia da proposta do Governo e mantém os seus objectivos; ela resulta de preocupações levantadas na Comissão de Economia.
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No articulado faz-se uma substituição que foi sugerida pela Câmara Corporativa e um aditamento que foi proposto por membros desta Assembleia.
Substitui-se o termo «posições» por «subposições», visto que na classificação decimal as referências indicadas na alínea c) dizem respeito a subposições. Adita-se a expressão «quando fabricados com fio-máquina que a Siderurgia Nacional não produza», e isto para defesa da indústria nacional e em certa medida dos utilizadores dos respectivos fios.
0 Sr. Presidente: — Continuam em discussão. Pausa.
0 Sr. Presidente: — Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de alteração.
Submetida à votação, foi aprovada.
0 Sr. Presidente: — Com esta aprovação está prejudicada a votação do texto inicial da proposta de lei. Fica assim convertida em decreto da Assembleia Nacional a proposta de lei relativa a produtos siderúrgicos.
Srs. Deputados: Como VV. Ex.ªs sabem, vão concluir-se os trabalhos da IX Legislatura e a Comissão de Legislação e Redacção carece de um voto de confiança para a redacção definitiva do texto de todos os diplomas aqui votados nas últimas sessões. Consulto, portanto, a Assembleia sobre se aprova ou não à Comissão de Legislação e Redacção o mencionado voto de confiança.
Consultada a Assembleia, foi aprovado.
O Sr. Presidente: —Srs. Deputados: Estamos a voltar, com natural emoção, a última página do calendário das sessões ordinárias da IX Legislatura. Tê-la-emos voltado completa e definitivamente quando, dentro de poucos momentos, proferir pela derradeira vez as palavras rituais: «Está encerrada a sessão.»
Antes, porém, quero significar-lhes a minha profunda mágoa por não ser o Sr. Doutor Mário de Figueiredo a pronunciá-las. Mais do que nunca, sem dúvida como cada um de VV. Ex.ªs, estimaria vê-lo hoje aqui presente no meio de nós ou, dizendo melhor, acima de nós.
Era no hemiciclo parlamentar, tantas vezes iluminado pelos clarões da sua formosa inteligência, e dirigindo-nos para a cadeira presidencial, por ele ocupada com tão alta dignidade, que todos, delegando validamente em alguma das mais bem timbradas vozes da Câmara, desejaríamos prestar-lhe o testemunho da nossa admiração pelos fulgores do seu talento, render-lhe a homenagem da nossa consideração pela firmeza do seu carácter, vincar-lhe a afirmação do nosso apreço pela plenitude da sua dedicação ao interesse nacional, abrir às escâncaras a portada do nosso coração amigo para lhe mostrarmos a totalidade da nossa estima.
Vozes: —Muito bem!
O Sr. Presidente: —Não apenas em meu nome, mas no de nós todos, saúdo-o comovidamente nesta hora crepuscular da despedida e daqui envio ao seu quarto de convalescente, com os mais sinceros votos de pronto restabelecimento, o grande braçado das imperecedouras flores de alma que são os sentimentos acabados de apontar.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: —Dita a palavra que aí fica e que era exigida por imperativo tanto da consciência como do coração, ocorre naturalmente dizer outra — esta relativa ao exercício da função presidencial nas últimas onze semanas, para mim penosamente longas.
Aqui muito...... à puridade, hei-de confessar-lhes que me sentei todos os dias nesta cadeira quase como se fosse o seu efectivo titular; quero dizer que procurei (sem, ai de mim, o ter podido conseguir plenamente) desempenhar-me a sério e a fundo dos deveres do cargo. Mas não lhes ocultarei também que sempre me levantei dela (repito: sempre) com o sentimento de quem cuida a valer não ter já de a ocupar no dia seguinte, isto é, perfeitamente desapegado de um ofício que não era verdadeiramente meu.
Por outras palavras: durante as sessões, porque tinha o indeclinável dever de substituir o Presidente, procurei o mais possível...... presidir (dentro, claro está, da míngua das minhas faculdades e da palidez do meu estilo); mas, fora das sessões, desejei sistemàticamente ser o menos possível «equiparado» a presidente.
Isto lhes explica, Srs. Deputados, o facto de não ter querido tomar iniciativas «presidenciais» para além das necessárias ao regular exercício da função. Todas as outras sacrifiquei alegremente na ara do aludido princípio.
A mero título exemplificativo (que, como apontamento orientador, são agora de todo inúteis), pedirei vénia para mencionar duas.
Era uma realizar certo número de reuniões informais dos Deputados para, em estilo de mesa-redonda e afastando toda a preocupação protocolar, debatermos em conjunto problemas da nossa comum vida política.
Falaríamos muito dos vícios e um pouco também das virtudes da instituição parlamentar em si mesma e, sobretudo, bastante das virtudes da nossa própria instituição parlamentar, salientando quanto há de mister evitar aqueles e praticar estas. Exploraríamos o problema da baixa de prestígio e da falta de eficácia de que, um pouco por toda a parte, se acusam os parlamentos — sem, todavia, se chegar a pretender secarem-se as fontes da sua vitalidade institucional. Finalmente, debruçar-nos-íamos, em especial e com esmerada atenção, sobre certas pequenas imperfeições de funcionamento de que, a meu ver, vem sofrendo a Assembleia Nacional — todas exclusivamente imputáveis às nossas humanas carências e algumas já por mim levemente esboçadas no decurso da sessão legislativa.
Era outra promover instrutivo colóquio, ou, como agora é uso dizer-se, abrir útil diálogo entre os representantes dos órgãos de informação na Assembleia Nacional e os Deputados, ou um grupo especial de Deputados, por exemplo, os membros da Mesa e os presidentes das comissões regimentais.
Como todos os parlamentos, a Assembleia Nacional estaria pràticamente isolada da opinião pública (e nas presentes circunstâncias até do Governo, dado o atraso na publicação do Diário das Sessões), sem o inestimável concurso dos órgãos de informação, designadamente da imprensa — que em todo o mundo detém, neste domínio, incontestável primazia entre os meios de comunicação, havendo mesmo países, a começar pela Inglaterra e pelos Estado Unidos, onde a rádio e a televisão são excluídas dos recintos parlamentares.
Dita órgão de soberania, a nossa Câmara é, sobretudo, graças à relevância da sua acção eminentemente fiscalizadora e reivindicativa, o mais importante poder intermédio entre o Governo e as massas populacionais da Nação. Mas este poder seria de minguada eficácia sem a permeabilidade dos órgãos de informação.
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Já um dia tive grato ensejo de prestar jus ao valimento dos seus representantes nesta Casa, reconhecendo pùblicamente, como é devido, os grandes méritos do seu inteligente e devotado labor, sem lhes faltar mesmo, como também pude sublinhar, o agradável sabor de alguns comentários cheios de vivacidade ou a feliz manifestação de uma admirável agudeza de espírito.
Pois, no meu fraco entender, seria útil, em ambiente de apropriada descontracção, ouvi-los fazer as suas críticas às nossas críticas parlamentares e aos processos de funcionamento da nossa instituição— ouvi-los e também ouvirem-nos, conforme lhes aconselhassem o instinto e o método inquiridores próprios da profissão jornalística.
A estas breves e singelas notas, seguir-se-ia lògicamente fazer agora a anatomia ou apurar o balanço da legislatura. Não enveredarei, todavia, por este caminho — menos por causa do túnel de dificuldades em que iria meter-me, do que pela clara noção de praticar com isso uma espécie de abuso de poder. Tenho para mim, na verdade, que esta matéria é, de sua própria natureza, domínio reservado ao titular efectivo da cadeira presidencial.
Por isso, tal como já disse, em ocasião idêntica a esta, mas em posição diferente da actual:
Não vou averiguar se alguma vez deixámos sobrepor a preocupação excessiva da originalidade aos imperativos da realidade, ou se deixámos misturar um pouco de joio da agitação com o puro trigo da acção, ou se deixámos que nos tentasse o absurdo de se pretender estar no forno e no moinho ao mesmo tempo ou se deixámos, até, que as aparências fizessem supor qualquer fenómeno de erosão intelectual.
Do mesmo modo [continuo a repetir-me], não vou alinhar a série abundante dos nossos procedimentos exemplares na defesa do bem comum — quer pela serena independência e perfeita objectividade de muitas críticas construtivas, quer pelo estudo aturado dos vários problemas postos ao nosso exame e apreciação, quer pela autêntica inquietação do espírito em busca das melhores soluções para a garantia e salvaguarda do interesse nacional. Seria injusto, no entanto, ocultar que, em meu juízo crítico, a linha geral da nossa actuação parlamentar foi caracterizada pela preocupação da seriedade e da dignidade.
«Uma ou outra vez», retorno a antigas palavras minhas, «não se terá actuado bem», mas sempre se terá actuado «por bem — embora a lisura mental das nossas intenções não possa, de si mesma, avalizar a bondade de todas as consequências naturais da actuação humana».
Chegado aqui, talvez alguém esperasse uma palavra relacionada com o aumento político determinado pelo final da legislatura. A mim, porém, não só me parece descabida, por prematura, mas também demasiada, por exceder a esfera das minhas atribuições neste lugar.
Direi no entanto que, seguindo a voz autorizada do Sr. Presidente do Conselho, a nossa linha essencial de comportamento político tem de ser dominada pela força substantiva da continuidade e adaptada às conveniências adjectivas da renovação — continuidade na observância cerrada dos princípios fundamentais do Eegime e da sua doutrina; renovação, onde quer que as circunstâncias a aconselhem e até imponham, no desabrochar do estilo próprio de cada homem e na utilização dos métodos ou processos mais adequados às circunstâncias de cada momento e de cada facto. A renovação não pode, na prática, levar à negação da continuidade autêntica. A continuidade não deve, na prática, esterilizar a actualização dos meios considerados mais aptos, em determinado momento, à realização do bem comum.
Da firmeza na aceitação concomitante de ambos estes postulados depende a estabilidade da nossa vida política — na base da qual estão a segurança da ordem pública, o equilíbrio financeiro, o desenvolvimento económico e a própria sorte da guerra ultramarina, em que há portugueses a sofrer e a morrer para que Portugal prospere e viva.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Presidente: —Eis por que importa mantermo-nos unidos em torno do Presidente Marcelo Caetano, que ,- pela sua aprimorada formação e experimentado saber político, pelo seu invulgar nível intelectual e cultural, pelo seu raro e sólido prestígio, em suma, por todos os seus muitos e altos méritos, o Chefe do Estado acertadamente designou como sucessor do grande, do muito grande Presidente Salazar.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Presidente: —Para terminar, resta cumprir o grato dever de, em nome da Assembleia Nacional, endereçar as mais respeitosas saudações ao Sr. Presidente da República, que todo o País carinhosamente estima e deferentemente venera, tanto pelas suas preclaras virtudes pessoais como pelo raro aprumo com que tem sabido ser, ao longo de mais de uma década, o símbolo vivo da unidade da Nação.
Vozes: —Muito bem!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Vai soar o derradeiro minuto. Aproveito-o para envolver todos num sincero abraço de agradecimento pelas atenções que se dignaram dispensar-me; de felicitações pela dignidade com que em regra souberam proceder; de escusa pela dureza com que, fazendo sempre violência sobre mim próprio, algumas vezes tive de os importunar; de votos profundamente sinceros pelas muitas venturas de VV. Ex.ªs
É com estes sentimentos, bem vivos dentro de mim, que de todos comovidamente me despeço e pela última vez lhes irei dizer que está encerrada a sessão.
O Sr. Albino dos Reis: — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: —Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Albino dos Reis: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por virtude de circunstâncias que não vale a pena evocar, tive de me inserir, sobretudo na última sessão legislativa, no ambiente denso e vibrátil desta Assembleia e de abandonar a posição de espectador atento e admirador das brilhantes manifestações oratórias aqui produzidas. Se eu dissesse a VV. Ex.ªs que todas mereceram a minha aprovação e adesão, mentiria a mim próprio e faltaria ao respeito que devo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a esta Câmara. Mas, no seu conjunto, essas manifestações, pela diversidade dos assuntos aqui versados, pela elevação com que foram tratados, pela sinceridade dos propósitos que as inspiraram, pela dignidade de que foram revestidas, constituem, a meu ver, um elemento positivo para o juízo de valor desta instituição política. Algumas delas tiveram um toque de arrebatamento e mesmo de paixão. Mas estas coisas são perfeitamente compreensíveis e desculpáveis no ambiente de uma assembleia política, e porventura são fulgurações instantâneas que iluminam a selva densa, não digo a selva escura, mas a selva enleante dos argumentos e dos frios raciocínios.
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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 199
Sr. Presidente: No decurso desta legislatura ocorreram acontecimentos dolorosos e da maior transcendência política e social que perturbaram profundamente a tranquilidade e a confiança no rumo em que vínhamos caminhando há muito tempo. O Sr. Presidente Salazar, com prudência e firmeza, de tal maneira conduzia os destinos da Nação que há muito o País se habituara a confiar nos rumos por ele traçados. Fomos a certa altura tràgicamente surpreendidos pela verificação de que as estações da vida, tal como as estações do ano, são irreversíveis e pela verificação de que a eternidade não é um atributo do homem, mesmo quando ele excede a craveira normal da humanidade. A árvore majestosa ruiu, deixando aberta uma clareira sinistra. Foi como um sismo que ameaçasse os próprios alicerces do edifício magnífico que com mão sábia e pacientemente foi levantando ao longo dos tempos. A perturbação nas consciências e nos espíritos foi geral, desde os lares mais humildes aos dos mais qualificados responsáveis. Das preces de milhões de portugueses ascenderam ao alto os rogos ardentes pelo seu restabelecimento e regresso às altas funções que exercia. Neste fecho de sessão, entendo que devemos prestar as nossas homenagens ao ilustre enfermo, a essa figura egrégia da nossa história, honra da nossa bandeira, cuja ausência da cena política portuguesa constitui hoje e constituirá durante muitos anos uma imensa saudade nacional.
Vozes: —Muito bem, muito bem
O Orador: — Sr. Presidente: Ainda não nos tínhamos refeito do abalo sofrido pela doença do Sr. Presidente Salazar quando de novo um golpe difícil nos atingiu. Fomos privados da presença do Sr. Prof. Dr. Mário de Figueiredo, por motivo' de doença que o fez recolher ao hospital. Faço aqui, Sr. Presidente, tendo a certeza de que sou acompanhado por todos, os mais ardentes votos pelo regresso ao seu lugar nesta Casa, onde a sua figura de traços severos, mas que encobria um coração transbordante de ternura, se moldou por forma imperecível.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: O Sr. Presidente da República, nos desvairados momentos que atravessámos, conseguiu manter intacta a sua lucidez, exacta a consciência das suas responsabilidades, inabaláveis a sua coragem e espírito de decisão. E por esta forma ele acrescentou àquela imagem paternal que se tinha entranhado na alma amorável do povo português os traços fortes do Chefe, mas de um Chefe que não oprime nem esmaga, de um Chefe em cuja resposta aos acontecimentos a Nação crê e confia.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O Orador: — E a resposta que ele deu ao trágico acontecimento da doença do Dr. Salazar foi a designação imediata do seu sucessor como Presidente do Conselho. Chego aqui a um ponto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que para mim é muito melindroso. Eu tenho, por temperamento, o maior respeito pelo poder constituído, e esta minha atitude é incompatível com a lisonja e com o panegírico. Todavia, seria, sem dúvida, faltar à justiça não prestar essa mesma justiça à decisão do Sr. Presidente da República e ao homem que em boa hora escolheu para suceder a Salazar. O Prof. Marcelo Caetano, pelo seu passado, pelo seu saber de experiência feito, pelo alto prestígio que conquistou no exercício de elevadas funções públicas, pela sua categoria intelectual, constitui uma esperança, mais que uma esperança, uma garantia da continuidade do renascimento nacional.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O Orador: — Devemos-lhe o nosso apoio e amparo incondicional.
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O Orador: — Livre-nos Deus da ganga das pequenas coisas inferiores que separam e enfraquecem. Procuraremos manter entre nós a união indispensável para que efectivamente os homens que nos governam vejam fortalecida a consciência da sua missão pelo nosso amparo e apoio.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: Devo agora uma palavra a V. Ex.ª, mas antes não quero deixar de agradecer ao Sr. Deputado Castro Fernandes as palavras de gentil amizade com que quis sensibilizar-me na alocução que há pouco proferiu. Sr. Deputado Castro Fernandes, muito e muito obrigado.
Sr. Presidente: Ascendeu V. Ex.ª à presidência efectiva desta Assembleia por motivo do doloroso acontecimento da falta de saúde do Sr. Dr. Mário de Figueiredo. A atenção de V. Ex.ª, sempre desperta a tudo o que passava nesta Assembleia, a sua intuição rápida e aguda das situações e até o descontraído bom humor com que de vez em quando esmalta os debates nesta Assembleia justificaram o vivo interesse pela figura de V. Ex.ª, não só dentro da Assembleia, mas em todo o País.
Não quero ver encerrada esta sessão sem primeiro lhe testemunhar o meu reconhecimento pela extrema boa vontade com que V. Ex.ª procurou aligeirar o fardo das minhas funções de leader. Sem ela, suponho que soçobrariam os meus já frágeis e cansados ombros.
Vozes: — Não apoiado!
O Orador:—Sr. Presidente, vem de muito longe o nosso encontro na vida. Pudemos seguir durante muitos anos os caminhos nem sempre soalheiros e nem sempre rectilíneos da vida política, sem que nunca o veneno das insinuações amáveis e o cepticismo que às vezes dominam os homens pudessem ensombrar a nossa amizade e entendimento. É-me grato, neste momento, recordar esta nossa peregrinação pelos caminhos acidentados da vida política, mas felizmente chegámos até aqui resistindo a todos os acidentes. Eu quero renovar os meus agradecimentos pelo entendimento e colaboração que V. Ex.ª me dispensou, desejar-lhe muita saúde e afirmar-lhe que estes meses em que tive de procurar a colaboração de V. Ex.a nesta Assembleia constituirão sempre, na memória do meu coração, felizmente ainda resistente, a melhor e a mais grata das recordações.
Srs. Deputados: Vamos separar-nos, e eu não queria partir sem lhes testemunhar também o meu reconhecimento pelo ambiente de carinho, pela sensibilizante vontade de facilitar a minha missão e dizer-lhes quanto admirei a vossa dedicação a esta instituição política e o vosso sentido das responsabilidades. Vamos separar-nos, mas continuamos sempre unidos numa estreita solidariedade e comunhão de aspirações e esforços, na comunhão das verdades fundamentais do nosso ideário político e
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24 DE MARÇO DE 1969
social. E necessário que se mantenha esta solidariedade e esta comunhão, mesmo quando separados pela distância. Continuaremos unidos pelos laços inquebrantáveis da mesma fé e missão que temos a desempenhar no País. E, se alguma vez a serpente da dúvida tentar enroscar-se na nossa alma, ponhamos os olhos nas forças armadas e sobretudo na nossa juventude que se bate e morre nos confins de Portugal para que a Pátria sobreviva, resistindo à adversidade dos tempos e das circunstâncias, mas sobreviva com a velha galhardia e nobreza do carácter português.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:—Agradeço muito sensibilizado as amáveis palavras com que o Sr. Deputado Albino dos Reis quis gentilmente honrar-me. Devo declarar aqui em público que a alta estima de S. Ex.ª, mantida há longos anos, sempre imperturbável, é das poucas compensações que tenho encontrado para a aridez da minha modesta vida política. Por essa estima, portanto, também o meu muito obrigado.
Renovando os meus votos das maiores felicidades para VV. Ex.ªs, apenas me resta declarar que:
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
D. Custódia Lopes.
Francisco António da Silva.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Buli.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram a sessão:
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando José Perdigão.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Fernando de Matos.
Gustavo Neto de Miranda.
João Ubach Chaves.
José Alberto de Carvalho.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Leonardo Augusto Coimbra
Mário de Figueiredo.
Raul Satúrio Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Tito de Castelo Branco Arantes.
O Redactor. — Manuel Colares Pereira.
Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:
Requeiro, nos termos regimentais, que me seja fornecido o 3.° volume da obra 20 Anos em Defesa do Estado Português da índia.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1969. — Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Requeiro que me seja fornecido o 5.° volume relativo a 10 Anos do Política Externa.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1969. —O Deputado, Joaquim José Nunes de Oliveira.
Imprensa Nacional de Lisboa