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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.°40

ANO DE 1970 23 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 40, EM 22 DE ABRIL.

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral

Nota. - Foi publicado um suplemento ao n.º 30 do Diário dos Sessões, inserindo o parecer n.° 10/X da Câmara Corporativa (proposta de lei n.° 5/X), sobre a actividade teatral.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidenta fez considerações sobre o dia da celebração da Comunidade Luso-Brasileira.

Usaram ainda, da palavra sobre o mesmo tema os Srs. Deputados Martins da Cruz e Albino dos Reis.

Ordem do dia. - Na primeira parte continuou a discusado na generalidade da proposta de lei sobre a livro circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e as ilhas adjacentes, tendo usado, da palavra ou Srs. Deputados Valadão dos Santos, Mota, Amaral, Linhares de Andrade e Ávila de Azevedo.

Na segunda parte continuou a discussão conjunta na generalidade dos projectos sobre acordos colectivos de comercialização de produtos agrícolas, florestais ou pecuários e sobre o crédito de colheita, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Camilo de Mendonça, Cotta Dias, Leal de Oliveira. Trigo Pereira e António Lacerda.

O Sr. Presidente encerrou a sessilo às 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-te a chamada, a qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silvo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar da Cesta Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Aloura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Fernando Covas Lima.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Manuel Giesteira de Almeida.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto de Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa.
Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.

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Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
James Pinto Bull.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José da Silva.
José Vicente Abreu.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Perimo Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Baú.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

O Sr. Presidente: Estão presentes 84 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes, da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Celebra-se hoje, aniversário do adiamento oficial do Brasil há exactamente 470 anos, o dia da Comunidade Luso-Brasileira. Comunidade forjada por mais de três séculos de vida comum, em quê um vastíssimo território ;foi aberto à civilização ocidental, temperada por século e meio de verdadeira e íntima amizade, fundada em laços espirituais e sentimentais e em muitos pontos de comunidade de interesse, soldada pelo oceano, que se estende de margem a margem e que ainda hoje, como sempre, é caminho de mais rápida e íntima união do que tem sido a terra, a Comunidade Luso-Brasileira justifica as maiores esperanças para o futuro, as maiores confianças no presente e a mais grata revivescência de grandezas e trabalhos passados.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se o tempo o permitisse, eu consagraria toda a sessão de hoje desta Assembleia a celebração do conceito, à exaltação do facto real desta Comunidade, à prospecção das esperanças que ela justifica para as duas nações. Mas V. Ex.ª sabem como é carregada a nossa agenda. Em homenagem, limitar-me-ei a dizer que não haverá hoje no período de antes da ordem do dia outro tema que não seja a evocação, a celebração e, repetirei, a exaltação da Comunidade Luso-Brasileira por dois Srs. Deputados, que se dirigirão a V. Ex.ª com uma vantagem muito maior do que o vosso presidente, pois, por contacto mais íntimo com as terras e os povos de além-Atlântico, puderam aperceber-se da profundidade das raízes sentimentais, das realidades dos laços materiais que forjam, mantêm e darão cada vez mais força, esperamos, a esta Comunidade.

Tem, pois, a palavra em primeiro lugar, para me substituir com mais autoridade de experiência e com mais profusão de termos, o Sr. Deputado Martins da Cruz, a

quem convido para subir à tribuna, dada a dignidade do tema de que se vai ocupar.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemora-se hoje, no Brasil e em Portugal, o Dia da Comunidade Luso-Brasileira.

Pelas distinções particulares e oficiais com que tenho sido distinguido e pêlos laços que me ligam a esse grande país irmão, onde tantas vezes tenho sentido o calor fraterno da amizade que une Brasileiros e Portugueses, numa convivência sincera, apenas dispensada a irmãos do mesmo sangue, não podia deixai- em claro esta data de transcendente importância na vida e nas relações dos dois povos de raiz comum.

Pedi a palavra, Sr. Presidente, para mais uma vez exaltar esta grande comunidade, exemplo vivo da nossa concepção histórica de tolerância política e religiosa, da nossa presença no Mundo em comunhão permanente nos anseios cios representantes das mais variadas etnias, virtudes que à sombra da cruz de Cristo soubemos sempre imprimir aos nossos feitos e desejamos manter nas relações com todos os povos que queiram viver em boa paz connosco.

O Brasil é a prova concludente desta nossa maneira de estar no Mundo, respeitando o nosso semelhante e com ele conviver pacificamente, se não até com alianças fecundas e duradouras.

Desde a sua independência até ao presente mantivemos sempre com o Brasil uma estreita comunhão sentimental que jamais foi abalada, embora algumas vezes as orientações políticas dos Governos a tenham confinado a estados de apatia injustificáveis.

Diz-nos a História que nos 148 anos que distam da declaração da independência do Brasil, só em 1894 tivemos um corte nas relações. Foi por ocasião da guerra civil da noção irmã, quando os revoltosos que. combatiam o governo do marechal Floriano Peixoto se viram derrotados no Rio de Janeiro, pediram e obtiveram asilo político nos

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dois vasos de guerra surtos na Guanabara, as corvetas Afonso de Albuquerque e Minado. O Governo Brasileiro não se conformou com. esta nossa decisão e exigiu a entrega dos asilados, contrariando o carácter político-jurídico em vigor em muitas-nações do velho e do novo mundo. Como não fosse atendido, decidiu pedir a retirada do representante de Portugal acreditado no Rio de Janeiro, chamando simultaneamente o seu representante em Lisboa.

Todavia, este pequeno mal-entendido durou pouco tempo, pois em Março do ano seguinte foram reatadas as relações amistosas entre os dois países, sendo, então, nomeados ministros de Portugal no Brasil o conselheiro Tomás Ribeiro, grande poeta e escritor, e Ministro do Brasil "m Portugal o Dr. Assis Brasil, que aqui se casou com uma senhora portuguesa da família dos condes de S. Mamede.

Desde então, e até hoje" se têm mantido cordiais e amistosas, e muitas vezes fraternas, as relações entre Portugal e o Brasil.

Ainda hoje são lembradas, com saudade, no Brasil, as visitas dos Presidentes da República Portuguesa Dr. António José de Almeida e marechal Craveiro Lopes e ainda ressoa o eco da triunfal e recente viagem do Presidente do Conselho Sr. Prof. Marcelo Caetano. Reciprocamente, ninguém aqui terá esquecido as espectaculares visitas de amizade doa Presidentes do Brasil Br. Café Filho, Dr. Juscelino Kubitechek de Oliveira e marechal Castelo Branco e do Presidente eleito marechal Costa e Silva.

Alicerçada na história comum de mais de três séculos, é a Comunidade Luso-Brasileira a mais consistente de todas as comunidades conhecidas, em que a língua e a religião suo factores poderosos da sua perenidade. E de aceitar a afirmação de que a Comunidade Luso-Brasileira teve origem em 1530 com a acção colonizadora iniciada graças ao espírito clarividente de D. João III.

Apesar dê ambas as partes terem retardado, ou até esquecido, os factores igualmente validos e não menos importantes para u consolidação e actualização permanente desta Comunidade, como os culturais e os económicos, que outras nações mais avisadamente têm aproveitado para desenvolver as suas relações com o promissor Brasil, soo ainda os laços afectivos que unem portugueses e brasileiros.

O Brasileiro é um homem estruturalmente generoso, simples e cordial. O Brasil é um país que, pelas inesgotáveis reservas de simpatia,- de capacidade de comunicação humana, da maneira de resolver todas as dificuldades pelo simples contacto de uns com os outros, se torna extremamente atraente. Um português não pode deixar de ver no Brasil um prolongamento das suas próprias raízes, e para que o portuguesismo no Brasil reviva e perdure é preciso que uns e outros estejam atentos aos valores profundos e perduráveis da vida do espírito.

Já alguém chamou u concepção romântica de Portugal e Brasil os "Estados Unidos da Saudade".

Nós, que pertençamos a essa Comunidade Luso-Brasileira, constituída por cerca de 100 milhões de almas, não podemos situar-nos no sentido literário da sua glorificação e, muito menos, limitar-nos a uma atitude contemplativa à margem dos acontecimentos.

A Comunidade Luso-Brasileira. necessita de agentes de aceleração do meu processo. Impõe-se, progressivamente, a substituição das suas bases originais - dia após dia mais inexpressivas - por outras de maior consistência, ajustadas ao trepidar das relações entre, os povos, hoje e no futuro.

Partamos deste dia 22 de Abril, o Dia da Comunidade Luso-Brasileira, instituído sob feliz proposta do Senador Vasconcelos Torres, para uma arrancada expressiva nas relações com o país irmão. Ainda há poucos anos, em 1966, num colóquio realizado em Lisboa de âmbito particular, foi recomendado:

a) Ser necessário olhar as relações entre os dois países, e por toda a restante comunidade Justada, por uma óptica não apenas sentimental, pois nenhum plano sócio-cultural e político comum será possível sem o conhecimento prévio de cada uma das actuais realidades nacionais; nenhum dos nossos dois povos deve ver o outro como queria que ele fosse, mas como ele realmente é.

b) Promover o estudo objectivo, digamos científico, de todas as condições, históricas ou presentes, que dificultem ou impeçam um mais íntimo conhecimento e uma mais criadora convivência entre os dois povos, por forma a promover ao nível, tanto individual como colectivo, a mais ampla e acessível visão do destino comum, primeiro atlântico, mas agora universal, dos povos de raiz lusíada;

c) Ser urgente intensificar a acção sobre a juventude dos dois países, sobretudo por uma intensa divulgação de livros e de troca de estudantes, cujas férias devem ser transformadas em verdadeiros "cursos livres de reconhecimento";

d) No plano geral da educação popular defendeu que "e realizem cursos de história comum e comparada dos dois povos, se instituam bibliotecas rolantes, exposições itinerantes (em particular com obras realizadas por alunos das escolas primárias e técnicas) e se promova a circulação domiciliária de livros;

c) Entendeu, igualmente, ser preciso promover os movimentos cívicos que nos dois países possam demonstrai- que existe realmente uma comunidade luso-brasileira, e que poderão ser, no plano administrativo, supressão de passaportes, reconhecimento recíproco dos documentos notariais, preferência mutua na colocação de capitais de empresas, protecção consular comum e equiparação dos cursos técnicos, sempre que esquemas básicos comuns; de ensino assim o permitam;

f) Considerando que a nossa maior riqueza política comum é o idioma, propôs que se abram novas diligências para o exame do problema ortográfico e apela para os Governos no sentido de se acelerar uma política de aproximação linguística, baseada em concessões mútuas. E nesse sentido, e à margem dos grandes trabalhos académicos, necessariamente morosos e mais rígidos, indica o papel que nesse arranjo são chamados a desempenhar os homens dos jornais, do teatro e das telecomunicações. Os elos clubes insistem sobre a necessidade de criar um centro de documentação e informação da língua portuguesa e a realização de um novo colóquio sobre a língua falada, para o que oferecem toda a sua colaboração.

Se alguma coisa se fez depois desse colóquio, foi muito pouco em relação ao que se devia ter feito, dedo que as influências culturais e económicas de outras nações, como a Espanha, a Franca, a Itália e os Estados Unidos da América, passaram, na sua actividade permanente, a adquirir uma posição de primeiro plano, substituindo a que outrora esteve reservada aos Portugueses.

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Todavia, o futuro da Comunidade Luso-Brasileira, alicerçada como ainda está em bases espirituais e afectivas, será aquilo que nós quisermos se, Portugueses e Brasileiros, acertarmos o passo na concretização dessa grande realidade histórica, mas depressa e bem.

E não só no plano económico, mas nos outros domínios do cultural e do administrativo, e neste é pedra fundamental a reciprocidade de tratamento com relação aos cargos de que o Governo Brasileiro considerou poderem ser ocupados por portugueses, bem como a abolição de passaportes entre os cidadãos dos dois países, bastardo apenas a identificação usual exigida aos respectivos naturais.

São do Sr. Presidente do Conselho as seguintes palavras proferidas em S. Paulo aquando da sua recente visita:

De qualquer maneira, não podemos, a partir de agora, parar ou esperar mais. Há que transportar paro o plano da, Comunidade Luso-Brasileira e dos seus interesses económicos este afã que fez de S. Paulo uma cidade em continuo crescimento na extensão e na riqueza. Sente-se a vida, vive-se o movimento, respeita-se o êxito. Não ha espaço para o pessimismo, nem tempo para o desânimo. Como duvidar neste lugar de que querendo firmemente construir e consolidar a Comunidade Luso-Brasileira o conseguiremos?

Obstáculos existem, decerto. Mas não há obstáculo que resista à firme resolução de o vencer. A causa do nossa comunidade merece bem que na máxima tensão das nossas energias nos proponhamos obter uma vitória plena.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:

A Comunidade é um sentimento. A Comunidade é um propósito. A Comunidade é uma política. Pois bem: depende da vontade dos Brasileiros e dos Portugueses, depende da nossa energia realizadora, depende da nossa acção eficaz, depende, senhores, de nós todos, que a Comunidade Luso-Brasileira seja no Mundo uma grande, uma pujante, uma imponente realidade viva e fecunda.

Que assim seja é o meu mais ardente voto.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: Silo para V. Ex.a as minhas primeiras palavras, para renovar as saudações que lhe dirigi no acto da eleição para o alto cargo que vem desempenhando com aprumo e dignidade. Sabe V. Ex.ª quão sinceras são as minhas palavras. A longa camaradagem que nos uniu nesta Casa, embora em lugares distintos, permitiu-me a mim admirar o parlamentar e conhecer o homem. A gentileza de espírito e de trato dão com certeza realce ao cargo que exerce e prestígio à instituição. E são a demonstração de que, para além da competência e do saber para o bom desempenho dos altos cargos do Estado, não são indiferentes uma esmerada educação e inatas qualidades humanas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aos meus distintos colegas quero apresentar os meus cumprimentos fraternos e dizer-lhes que tenho seguido com a atenção possível as intervenções que têm feito nesta Assembleia, que os tenho ouvido encantado e aprendido muito com VV. Ex.ªs. Quero afirmar-lhes que os ouço sempre com o espírito de larga compreensão. Sejam quais forem as divergências que por vezes nos separem, eu mantenho sempre o espírito de respeito pela sinceridade das convicções e rectidão das intenções que os animam c por uma indiscutível devoção ao serviço do País.

Sr. Presidente: Entendeu V. Ex.ª que não devíamos deixar de anotar, neste dia, nos fastos da Assembleia, a comemoração da Comunidade Luso-Brasileira. Felicito V. Ex.ª, porque interpretou perfeitamente os sentimentos da Câmara e, certamente, o sentimento dos portugueses de aquém e além-mar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com efeito, por iniciativa feliz do Senador brasileiro Vasconcelos Torres, depois sancionada por deliberação do Senado e da Câmara dos Representantes e por uma resolução desta Assembleia, votada por unanimidade, e mais tarde traduzida no decreto de 22 de Abril de 1067, ficou instituído o dia 22 de Abril de cada ano como destinado à comemoração da data gloriosa da descoberta do Brasil. Posteriormente, no dia 22 de Abril de cada ano sempre se têm realizado comemorações significativos dos estreitos laços que nos prendem ao Brasil.

É na sequência destes factos que eu venho evocar e erguer, perante VV. Ex.ªs e perante o país continental e ultramarino, essa entidade singular que é a Comunidade Luso-Brasileira, mostrar ao mundo que já existe uma grande comunidade, resultante apenas da associação de dois países irmãos: o Brasil e Portugal. E neste momento, em que tom to se fala de integrações económicas, pressuposto interessado de sonhadas integrações políticas, parece oportuno verificar e proclamar: já existe no Mundo uma grande comunidade, a Comunidade Luso-Brasileira, comunidade, que não resulta de qualquer artifício da política, mas flui naturalmente da consciência e do coração dos dois povos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Comunidade que não é mais um produto das férteis e transitórias criações da diplomacia, mas uma imposição e um corolário da realidade da história comum de uma convivência secular de dois povos fraternos.

Sr. Presidente: Estas comunidades que têm raízes naturais são aquelas em cuja permanência e eficácia mais podemos acreditar: o Brasil e Portugal. O Brasil é hoje, com os seus 100 milhões de habitantes, com uma extensão territorial da grandeza de um continente, uma grande nação. E Portugal, meus senhores, com a vida em pedaços repartida, na expressão do nosso épico, com a constelação brilhante das suas províncias ultramarinas, é também hoje, e há-de continuar a ser, se assim o quisermos, uma grande e próspera nação, na frase do Presidente Salazar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pensemos, por momentos, no que pode representar esta vasta associação como presença, como força, como cultura portadora de novos ideais de justiça e humanidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - E nossa obrigação consolidar e fortalecer esta Comunidade, para que ela não seja uma mera expressão sentimental, mas se desentranhe, no terreno dos factos, em afirmações positivas de solidariedade e de objectivos comuns.

Sr. Presidente: Situado neste extremo ocidental da Europa, "onde a terra acaba e o mar começa", na expressão do nosso épico, Portugal sentiu-se envolvido carinhosamente pelas ondas do oceano Atlântico e sentiu o fascínio e o apelo desse mar na sua infinidade, nas suas brumas, no seu mistério, nas suas lendas maravilhosas. A Portugal, ao velho Portugal, já lhe corria nas veias o impulso estuante da aventura. E começou assim a sua grande aventura, ou melhor, o destino providencial da sua história.

Lançou-se nos mares, sofreu tempestades e naufrágios, arrostou com as profecias temerosas do gigante Adamastor. Varreu os monstros e os fantasmas do Mar Tenebroso e lançou as suas âncoras heróicas nos outros lados do mar. Aportou as praias do Brasil com Álvares Cabral. O Atlântico nos conduziu, o Atlântico nos une. Depois desvendamos os invioláveis segredos dos mares longínquos, revelamos ao Mundo populações remotas e insuspeitadas e em toda a parte fomos criando novas portugalidades. Portugal criou assim uma personalidade inconfundível entre os outros países da Europa e do Mundo. Portugal firmou assim a sua personalidade e a sua vocação marítima. Na Europa há países mediterrâneos, países continentais, países atlânticos. Portugal é na Europa um país atlântico. E a sua vocação atlântica não se opõe nem contraria os relações de boa vizinhança, amizade e cooperação, que devemos manter e desenvolver, com os países da velha Europa, aos quais nos ligam uma convivência secular, identidade de cultura e civilização, grandes interesses económicos. E que não existe essa oposição e contrariedade demonstram-no factos muito recentes. O nosso Secretário de Estado da Indústria visitou há pouco tempo a Alemanha e em seguida a Espanha. Depois, o próprio Presidente do Conselho projecta uma viagem à nossa vizinha Espanha e anuncia-se ultimamente uma visita de cooperação a Portugal do Ministro francês Schumann. Mas Portugal, repito, é um país essencialmente atlântico, verdade que não pode esquecer-se sem se ofender uma das mais fortes determinantes da nossa história e uma das constantes mais seguras da nossa existência como nação.

Sr. Presidente: O Brasil deu já um passo significativo da eficácia da Comunidade concedendo aos Portugueses a sua cidadania, sob a cláusula da reciprocidade. É de esperar que na próxima revisão constitucional esta Assembleia dê réplica conveniente a tão simpático e admirável gesto de comunidade que o Brasil praticou.

Recordo agora, Sr. Presidente, :i minha visita oficial no Brasil, em 1950, para assistir a posse do Presidente Kubitschek de Oliveira. Transposto o Atlântico, ao descer do avião no Recife e ouvindo falar a mesma língua, vendo a manifestação dos mesmos sentimentos, vendo o entusiasmo, a familiaridade com que era recebido, eu tive um deslumbramento e uma grande comoção, deslumbramento e comoção que se foram acentuando depois, ao contacto com as entidades oficiais e com o povo humilde do Brasil. Tive então orgulho de ser português, porque perguntava a mim próprio como foi possível que este pequeno país imprimisse àquele imenso império que é o Brasil a unidade de uma nação. Tive depois uma explicação clara, precisa, por parte do Ministro da Justiça brasileiro de então. A unidade de religião, a unidade de língua, a unidade de direito fizeram a unidade do Brasil. O Brasil é, pensei-o então e penso-o hoje, a mais portentosa realização do nosso esforço de universalidade, da nossa índole humaníssima e da nossa vocação fecunda.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Há do outro lado do Atlântico um país, um povo que fala a mesma língua, a nossa língua, "última flor do Lácio, inculta e bela", na expressão de um poeta brasileiro. Nessa mesma língua que nós falamos, esse povo ergue para o céu as suas preces, as suas orações e os seus votos. Nessa mesma língua exprime os mesmos sentimentos de heroísmo, amor e piedade. Nessa mesma língua canta os seus hinos triunfais de patriotismo, exprime os seus desgostos de amor, as suas aleluias e os seus trenos de desgraça. É um país, é um povo cujo coração se exalta com os nossos triunfos, se abate com os nossos infortúnios, um país donde muitos dos nossos compatriotas datam a sua ascensão e prosperidade. E foi esse país o primeiro a tomar a iniciativa da comemoração da Comunidade Luso-Brasileira.

Sr. Presidente: Unidos Portugal e o Brasil, poderemos dar ao mundo perturbado de hoje em dia um grandioso espectáculo e à humanidade um alto, edificante e eficacíssimo exemplo, para abrir, nas angústias e nos funestos pressentimentos do presente, uma clareira de esperança num futuro melhor, de justiça, de paz e de fraternidade.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Antes de entrarmos na ordem do dia, interrompo a sessão por alguns minutos.

Juram 16 horas o 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 16 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Informo a Assembleia de que tive agora o prazer de receber pessoalmente o Sr. Encarregado dos Negócios do Brasil, que quis sublinhar com uma visita directa o interesse e a simpatia com que nos tinha acompanhado nesta celebração de há momentos.

Vai passar-se a

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia vai ser constituída pela continuação da discussão na generalidade da proposta de lei relativa a livre circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e as ilhas adjacentes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Valadão dos Santos.

O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Como representante nesta Câmara de um dos distritos autónomos das ilhas adjacentes - o de Angra do Heroísmo -, não podia deixar de subir a esta tribuna para fazer umas breves considerações acerca Ida proposta de lei que o Governo submete agora à apreciação da Assembleia sobre a circulação ide mercadorias, nacionais ou nacionalizadas, entre o continente e es ubás adjacentes. Mas, antes de prosseguir, não quero, desde já, deixar de salientar não só a oportunidade da mesma, mas, e sobretudo, o que ela é de reveladora e Ide sintomática do espírito de dinamismo e de actualização que anima o Governo da presidência do Prof. Marcelo Caetano.

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É que as medidas agora em discussão desde há muito são reclamadas e exigidas, sem que ninguém até ao momento, se tivesse debruçado sobre elos, procurando dar o remédio que as circunstâncias aconselhavam, finalmente, elas aí estão a tentar, rápida e, tanto quanto possível, eficientemente, a colmatar aquelas brechas e aqueles males, que infelizmente, tanto afectam a Nação dos nossos dias. Mas estas medidas serão, principalmente, uma autêntica baforada de ar fresco num arquipélago que tão carecido está de profunda renovação e transformação.

Sr. Presidente: Quando nos debruçamos sobre o minucioso e bem elaborado parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei que o Governo submeteu à sua apreciação, em que es propõe a revogação pura e simples de uma série de decretos-leis, ou apenas artigos ou alíneas de outros, e em que o primeiro destes cinta de 1870, facilmente se verifica como andamos atrasados e como estavam completamente manietadas todas as 7 108 808 possibilidades de desenvolvimento económico. Todavia, não se infira daqui que estas leis não tiveram, na altura devida, a sua razão de ser e que se terão justificado por certos condicionalismos históricos, pela necessidade de proteger ou fomentar produções locais ou, até, tendo em vista particularismos das economias insulares. Elas, naturalmente, apareceram, pela necessidade primordial de proporcionar recursos financeiros às colectividades ou serviços que deles necessitavam, nomeadamente juntas gerais, câmaras Municipais, juntos dos portos, comissões de assistência, etc.

É evidente que acabou por se cair num uso e abuso desse processo de soluções de aflitivos problemas monetários, a tal ponto que alguns deles foram totalmente desviados do seu objectivo principal. É o caso, por exemplo, do Decreto-Lei n.º 23 847, de 14 de Maio de 1934, que determinava que parte das receitas que pertenciam a Junta Autónoma dos Portos da Madeira passariam a ser entregues a Câmara Municipal do Funchal e isso para fazer face "os encargos com a amortização e juros de um empréstimo de saneamento contraído em 1926, no total de 10 000 cantos, determinando-se que assim que o referido empréstimo estivesse amortizado passaria essa verba a constituir receita do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, para fazer face aos encargos com o sanatório e preventório que mantém na ilha da Madeira. Pois a Câmara Municipal recebeu várias vezes a importância do valor dó empréstimo de 1926, e, até agora, o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos ainda não "viu" qualquer importância da que lhe competia nos termos legais!

Por estas autênticas anomalias fiscais, pela sua desactualização, ia até dizer, pela sua desvirtualização, se poderá aquilatar do ancilosado processo de circulação de mercadorias entre o continente e as ilhas adjacentes, travando, juntamente com um sistema de comunicações absolutamente caóticas e obsoletas, o progresso de uma economia que poderia e deveria ser próspera. Basta citar-se o que se passa com a pecuária, a pesca e o turismo - três indústrias fundamentais - para se ter uma noção exacta do atraso em causa e que tantas implicações de ordem económico-social traz para o desenvolvimento de um arquipélago, francamente, tão esquecido e tão desconhecido.

Nós temos. Sr. Presidente, pago bem cara a nossa insularidade. Com excepção da carne, dos lacticínios e do peixe, praticamente todos os outros produtos necessários ao nosso viver do dia a dia, e que há que os importar do continente, chegam ali altamente onerados com taxas, impostos, fretes e despachos, e isto sem que tenhamos qualquer espécie de compensação a não ser a do orgulho muito legítimo de termos nascido naquelas maravilhosas e bem portuguesas ilhas do Atlântico. E essa insularidade, com marcas bem vincadas na nossa vida, que tão necessária é conhecer-se para depois, e só então, se poder legislar sobre os problemas açorianos. Ela possui características próprias de distrito para distrito, de ilha para ilha.

O homem do Pico, por exemplo, é diferente do da Terceira, e este do de S. Miguel. Diferente nos seus hábitos, diferente na sua alimentação, diferente nos seus divertimentos e, até, diferente na sua maneira de reagir.

É que o mar que nos afasta do continente é o mesmo que nos separa de ilha para ilha. E é esse mesmo mar, motivo de tanta angústia, sofrimento e tragédia, mas também de tanto do nosso orgulho, é esse mar que leva o Ilhéu a olhar o horizonte, vezes sem canta, numa ânsia incontida de conhecer o desconhecido e que o arrasta, por espírito de aventura, de curiosidade e, sobretudo, do desejo natural de acautelar o futuro, que o arrasta, ia a dizer, para outras e longínquas terras da América ou do Canadá. E é ainda e também esse mar que tanto podia contribuir para o desenvolvimento de uma indústria fundamental naquelas ilhas, e que é a da pesca, pois é riquíssima em muitas e variadas espécies, bem como para a valorização de outra, não menos importante, e que é a do turismo, pela amenidade das suas águas. Todavia, por culpa nossa e, principalmente, destes muitos entraves que até agora se nos têm levantado não temos sabido e podido explorar convenientemente.

É evidente, Sr. Presidente, que a proposta de lei agora em discussão traduz um sadio optimismo quanto às potencialidades económicos dos arquipélagos da Madeira e dos Açores na medida em que procura integrar no todo harmónico do espaço português e também na medida em que essas mesmas potencialidades não vão e não querem ser absorvidas ou estranguladas por regimes monopolistas.

Contudo, estas medidas propostas vão, inicialmente, causar muito de desequilíbrio e de perturbação, ia até dizer de certa desorientação, na vida daquelas gentes, que será bom pôr de sobreaviso, pois que nem tudo será um mar de rosas. O ilustre relator da Comissão de Economia desta Câmara, conhecedor profundo dos nossos problemas, assim o diz também, quando afirma: "Vai-se deliberadamente provocar uma crise para, a partir dela, criar as condições mínimas de sobrevivência. Os altos preços de custo de numerosos produtos agrícolas e industriais não podem interessar senão a uma parcela exígua da população local. Eles não são justificados por salários elevados nem por produções unitários baixas; bem pelo contrário." E aponta, em seguida, que os circuitos comerciais anacrónicos, as rendas altas, a multiplicidade de alcavalas alfandegárias, a exiguidade dos mercados, o Atraso das indústrias transformadoras, garantidos por regimes monopolistas c outros, têm contribuído para travar uma economia que poderia ser próspera.

Logo na base I do projecto de lei em discussão, a par da preocupação de desarticular, de uma vez para sempre, um conjunto tão complexo, oneroso e pernicioso, a par dessa preocupação, há também a de facilitar, de libertar e tornar principalmente muito mais cómodo, quer para quem tem de importar, quer até para quem tem de viajar. Viu-se até ao ponto de sugerir que entre as ilhas, em que u circulação deve ser absolutamente livre, em lugar das guias de trânsito - não vá ainda o fisco à sua sombra levantar problemas - sejam usados senhas de despacho das empresas transportadoras.

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Só quem tem de andar ali, de ilha para ilha, sabe os transtornos, os aborrecimentos e os contratempos que todas estas peias nos causam. Já não basta o termos de usar transportes morosos e antiquados, para termos de enfrentar uma série de papelada que quase nos asfixia. E a ira volta-se, geralmente, contra a alfândega, normalmente o "bode expiatório", porque, na maior parte dos casos, limita-se a fiscalizar e a receber para as autarquias locais. Eu sei que nunca ninguém teve grande simpatia pelas alfândegas. Esta atitude já vem de há muitos anos. Já o Eça, o nosso Eça de Queirós, ao referir-se-lhes chamava-as "fonte perene das nossas amarguras". E dai para cá não há duvida, bastante nos tem amargurado a vida, a bolsa ... e a nossa paciência!

Quanto à base II e sua alínea a), e sobretudo a base V, não posso deixar de manifestar a minha insatisfação perante um tratamento tão discriminatório para com o tabaco. Todos nós sabemos que o tabaco é um vício, e os vícios pagam-se caro. Mas também todos nós, os das ilhas, sabemos que esta indústria durante muitos e muitos anos desempenhou papel de relevo no panorama económico daqueles arquipélagos. Ela manteve e sustentou alguns milhares de famílias, procurando, e sempre que fosse possível, melhorar as suas condições de industrialização. E isso sem que o Estado lhe proporcionasse ajuda de qualquer ordem, bem pelo contrário, tratando-a de uma maneira bem diferente das suas congéneres do continente.

Basta verificar-se que os cigarros estrangeiros pagam a entrada no continente português 162$ por quilograma e nos Açores apenas 15$. O tabaco picado 143$ contra apenas 13$. Isto vem demonstrar, bem claramente e sem subterfúgios, a protecção concedida ao tabaco continental, deixando no esquecimento a pequena indústria tabaqueira insular.

Por tudo o que fica exposto, o meu pleno desacordo, não só perante esta disparidade de tratamentos, mas, sobretudo, perante esta atitude de procurar nesta indústria a resolução, ou melhor, a solução de males que vêm de há muito. Ela é, na realidade, a mais cómoda, mas é, bem evidentemente, a mais injusta. Há que encaminhar sem demora este, delicado assunto de modo que a indústria de tabacos nas ilhas possa sobreviver condignamente sem se deixar absorver melancólica e letargicamente por potentados por de mais conhecidos. É um dever de consciência que se impõe às esferas superiores, nomeadamente aos Ministérios das Finanças e da Economia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao n.° 2 da base II, não há dúvida de que terei de optar pela proposta do Governo, todavia com a redacção final sugerida pela Comissão de Economia, por ser a que mais serve os verdadeiros interesses daquele arquipélago.

O vinho que se produz nos Açores, embora sendo, na maioria, de inferior qualidade, todavia há inúmeras zonas que não poderiam produzir outra coisa, nem tão-pouco outras castas. Não o acautelar devidamente seria abrir uma nova brecha na débil economia açoriana. E é isso que se procura a todo o custo evitar, esperando que a proposta da Comissão de Economia seja aprovada por esta Assembleia.

Quanto à base III, não se sugerem quaisquer comentários, o mesmo não acontecendo a base IV e seus n.° l e 2. Quanto ao primeiro, foi o próprio Sr. Presidente do Conselho, aquando da sua visita ao Açores, que referiu a necessidade e premência no sentido de ser revista toda a vida administrativa dos arquipélagos. Na verdade, a nossa administração insular, em muitos pontos, encontra-se ultrapassada e há que adaptá-la às necessidades actuais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao n.° 2, aquele em que diz que o Ministério das Finanças tomará as medidas regulamentares e financeiras indispensáveis à perfeita execução Já presente lei, tenho a dizer que muita gente naquelas ilhas vai olhar, ou melhor, vai lei este número com muita desconfiança, incredulidade e cepticismo.

E que todos receamos, e, sobretudo, as autarquias locais neste projecto de lei atingidas, que aconteça o mesmo que sucedeu aquando do penúltimo aumento verificado no funcionalismo público.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As juntas gerais, a quem incumbe pagar, até, aos servidores do Estado, como, por exemplo, aos professores primários, viram-se de um momento para o outro a braços com sérias dificuldades financeiras para fazer face a esses novos encargos. Foi-lhes então prometido - isto há coisa de cinco anos - que o Ministério das Finanças cobriria as diferenças verificadas. Entretanto, novo aumento se deu e, se as situações das juntas gerais eram aflitivas, passaram então a ser desastrosas, pelo menos para a Junta de Angra do Heroísmo.

Agora, nem as honras podiam ter de meras pagadorias.

Nova promessa foi feita, mas, até ao momento, nem a primeira, e muito menos a segunda, foi cumprida . . .

Ora, Sr. Presidente, na verdade, não sei com que espírito podemos olhar, ou melhor, votar este n.° 2 da base IV, visto sabermos que ele pretende, do mesmo modo; ir cobrir as diferenças havidas com os novos encargos ...

Além disso, há que acautelar sempre a sua actualização, quer isto dizer, há que "ver em intervalos relativamente curtos (três e quatro anos)., não se vá dar o caso de esse género de comparticipação se manter por muito tempo e, entretanto, com a natural desvalorização do dinheiro, ela deixe de cobrir, como compete, as diferenças havidas. E um ponto que reputo da maior importância.

Vozes: - Multo bem!

O Orador:.- Finalmente, a base VII, sobretudo na nova redacção proposta no n.º 9 do artigo 44.° do Código da Estrada (Decreto-Lei n.º 80 672), vem pôr no seu lugar uma situação injusta e anacrónica e vem, principalmente, facilitar a vida aos que, por qualquer motivo, tinham de levar o seu automóvel, com matrícula continental para aqueles arquipélagos. Aqui também prevaleceu o espírito de compreensão para uma norma que, às vezes, tantas complicações de ordem burocrática originava.

Sr. Presidente: Após estes breves comentários sugeridos pela lei agora em discussão, uma pergunta aflora, imediatamente, ao espírito de todos aqueles interessados em too magno problema. Quais os grandes beneficiados deste projecto de lei.

Para já não falar no que ele representa de comodidade e facilidade para as populações em causa, que, na maioria dos vezes se sentiam autênticos estrangeiros na sua própria casa, eu direi que em primeiro lugar a Nação, na medida em que contribui decididamente para a unificação e desenvolvimento do espaço económico português.

Vocês: - Muito bem!

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O Orador: - Depois, e apenas sob o ponto de vista açoriano, há um sector, e da maior importância para o arquipélago, e que é o da agro-pecuária, que, assim, se vá libertar de uma sobrecarga extraordinária e que muito pesava no tão desejado desenvolvimento económico.

A carne e os lacticínios vêem assim o caminho aberto a um futuro mais prometedor e compensador. Em seguida, vem o comércio. Justo é dizer que este sector, e salvo algumas excepções, tem vindo a exercer a sua actividade de uma maneira bem débil, pesadamente onerado por impostos, despachos, fretes, etc., que não permitem aquele desafogo que se nota no comércio continental.

O comerciante tem agora uma boa oportunidade não só de alargar a sua actividade, mas, sobretudo, de contribuir, de maneira bem acentuada, para o progresso e desenvolvimento daquelas regiões. Alguns dos argumentos mais válidos, e que tanto serviam para os seus legítimos queixumes, deixam agora de ter significado.

Justo será aguardar que estas novas disposições legais visam, além do mais, beneficiar o consumidor. E necessário termos isso bem presente. E, embora logo de entrada este não possa aperceber-se disso, é, todavia, imperioso que passado algum tempo ele sinta os seus benéficos reflexos.

E que a generalizada abolição dos encargos alfandegários tem forçosamente, mais cedo ou mais tarde, de se traduzir numa baixa sensível de preços dos produtos adquiridos no exterior. Se assim não for, algo permanece entoo errado - conforme afirma o ilustre relator da Comissão de Economia -, e há que intervir com firmeza e pôr as coisas no seu devido lugar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, de que nos servirá, tudo aquilo que a presente lei vem libertar e facilitar se não tivermos transportes marítimos e aéreos devidamente organizados e eficientes? De que nos servirá se; as mercadorias continuarem a aguardar praça durante tempos infindos e se, até, as encomendas postais chegam com atrasos de meses?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E por isso que daqui apelo, mais uma vez, para a Junta Nacional da Marinha Mercante e para o seu ilustre presidente no sentido de, agora que está, ao que consta, em organização uma nova administração que vai gerir os barcos que escalam as ilhas, ele usar todo o peso da sua autoridade no sentido - dizia eu - de uma séria e rigorosa elaboração dos horários e das fretes, pois estes são dos mais elevados que se praticam no Pais, de modo a servir, na realidade, os justos interesses daquelas populações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sei que S. Ex.ª se tem debruçado com a maior atenção sobre este tão importante problema, mas agora, e mais do que nunca, ele carece de uma solução válida e inadiável.

No que concerne a transportes aéreos, continuamos praticamente na mesma. O Governo e todos nós sabemos que são as comunicações o problema mais importante para o nosso desenvolvimento em todos os sectores. Todavia, o tempo passa e continuamos a marcar passo. Por isso, a minha voz jamais deixará de se ouvir nesta Assembleia, enquanto fizer parte dela, para reclamar, pugnar, e até exigir uma solução neste campo que satisfaça os Açorianos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas uma solução rápida e sem delongas. Estamos, na verdade, já saturados de tonto esperar. Eu aguardo, por isso, Sr. Presidente, e comigo praticamente uma boa parte da população dos Açores, que não tenham ficado apenas em palavras as inequívocas promessas feitas pelo antigo Ministro das Comunicações, brigadeiro Fernando de Oliveira, quanto à imediata utilização, por aviões da T. A. P desse grande e excelente aeroporto, que é o dos Lajes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essas afirmações, proferidas em acto tão solene e perante S. Ex.a o Presidente da República, traduziam, então, o pensamento do Governo. Não sei ainda de que estamos à espera para avançar. Ser-me-ia penoso voltar a falar neste candente problema e que tanto apaixona as gentes da minha terra, e tão-pouco queria supor que, por detrás de tudo, andam envoltos interesses monopolistas, tão contrários aos verdadeiros e reais interesses dos nossas ilhas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que até há relativamente pouco tempo ouvia palavras de esperança c indicativas das maiores facilidades ma solução desta questão. Agora passei a ouvir falar de dificuldades. Porquê atitudes tão díspares e contraditórias e que só podem desprestigiar quem as toma? Acaso a política não será ainda a mesma neste curto período de tempo, ou terão aparecido interesses que, entretanto, e por pouco, se haviam eclipsado? E neste assunto não me quero adiantar mais . . .

Vou finalizar, Sr. Presidente, mas antes não quero deixar de dizer que, salvaguardando alguns comentários que expendi durante esta breve exposição, não posso, na verdade, deixar de dar a minha concordância na generalidade de lei em tão boa hora submetida à apreciação desta Assembleia.

Há, todavia, um outro trabalho a prosseguir se se quiser progredir em todos os sentidos nos Açores, e que é o da mentalização da sua população, para estar absolutamente aberta e receptiva a estes movimentos inovadores e renovadores, que só podem contribuir para o bem-estar social das suas gentes. Há, sobretudo, que afastar os "velhos do Restelo" e os "botas de elástico" e há que olhar o futuro com aquela confiança e com aquela optimismo próprio de homens que sabem o que querem, por que querem e para onde vão. Só assim, Sr. Presidente, nós poderemos, na verdade, contribuir para o progresso real e tão almejado daquelas ilhas, e que o mesmo é dizer, da Nação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Impõe praxe antiga nesta Casa que, ao subir à tribuna pela primeira vez na legislatura, comece cada Deputado por saudar aquele dos seus pares que de entre todos foi eleito para presidir à Assembleia.

Não é, porém, apenas em atenção a esse velho preceito costumeiro que cumprimento agora V. Ex.ª Com palavras

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francas e singelas, cumpro, antes de mais, um imperativo de consciência, pois o respeito e o apreço pelas qualidades de carácter de uma pessoa são devidos em justiça. Obedeço também do mesmo passo a um impulso do coração: a cativante simpatia de V. Ex.ª, a sua bondade, o seu permanente bom humor, transformaram a solidão do lugar que ocupo na Mesa, à esquerda da cátedra curul, em convívio inesquecível e o exercício de funções tantas vezes Áridas em colaboração gostosa com quem muito se admira - poderei dizer: com quem se mantém verdadeira amizade?

Sr. Presidente: Em boa hora submeteu o Governo à apreciação desta Assembleia a proposta de lei, ora em debate, sobre circulação de mercadorias, nacionais ou nacionalizadas, entoe o continente e as ilhas adjacentes.

Vem de longe o regime hoje em dia vigente, que a proposto de lei pretende modificar. Consiste ele na existência de entraves de diversa ordem a livre circulação das mercadorias entre os vários parcelas da metrópole portuguesa, de entre os quais se salientam, os encargos tributários que constituem receita das autarquias e de outras entidades públicas locais.

Com efeito, a descontinuidade do território das ilhas entre si e destas com o continente sugeriu um processo expedito de obtenção de receitas, qual seja a tributação dos produtos importados, mesmo quando nacionais, mesmo até quando insulares, originários de outro distrito. Cada distrito autónomo passou, assim, a constituir como que um território aduaneiro, com pauta de tributação camarária própria, decalcada sobre a Pauta de Importação, à qual acrescem variadas outras alcavalas, e com fiscalização alfandegária.

Às consequências desta situações são conhecidas ou facilmente imagináveis: agravamento do custo dos produtos importados, que vão desde máquinas até bens de consumo de primeira necessidade, designadamente produtos alimentares, sobre os quais já incide, aliás, o encargo de fretes marítimos que são, entre o continente e as ilhas, dos mais caros do Mundo; estrangulamento de actividades produtivas locais, ricas de possibilidades, devido aos encargos acrescidos dos bens intermediários importados necessários a sua laboração; entorpecimento da vida económica das ilhas pela burocracia aduaneira . . .

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À sombra de tal situação, e, nalguns casos, ainda de outros proteccionismos, surgiram iniciativas, desde o início ou com o decorrer do tempo, economicamente inviáveis em mercado aberto, vendendo os seus produtos a preços incomportáveis para a debilidade de recursos da esmagadora maioria da população dos ilhas e remunerando as matérias-primas e a mão-de-obra locais em termos que melhor é nem sequer qualificar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda como reflexo dessa mesma situação, as receitas das entidades públicas locais assentaram sobre a tributação indirecta, com as habituais sequelas da regressividade na repartição da carga fiscal - pagam proporcionalmente mais os que menos podem - e do desinteresse pelo total aproveitamento da capacidade tributaria dos titulares dos rendimentos altos, designadamente os provenientes da propriedade fundiária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é de excluir que este regime e os seus elementos anexos, dos quais avulta a faculdade, atribuída aos governadores de distrito pelo n.° 9.° do artigo 99.º do Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, de "regular a exportação de produtos agrícolas e de gado por meio de instruções dirigidas às alfândegas" - faculdade essa em muitos casos concretos exercida, em tempos idos, no distrito de Ponta Delgada, ao arrepio do interesse geral e com claro prejuízo para a expansão das actividades produtivas, em especial a pecuária -, não é de excluir, dizia, que as famosas barreiras alfandegárias das ilhas adjacentes tenham tido a sua razão de ser.

Hoje, o conceito de economia autárquica que lhes está subjacente encontro-se totalmente superado, mesmo a nível nacional. E a segura convicção de que o alargamento dos mercados, derivado da integração dos espaços económicos, é estímulo adequado para o incremento das produções efectivamente competitivas, saldando-se portanto numa desejável especialização de acordo com as virtualidades próprias de cada região, condena irremissivelmente à extinção essas barreiras aduaneiras. Caberia mesmo perguntar como conseguiram tais vestígios do tempo das caravelas sobreviver até ai era das viagens espaciais . .

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: A proclamação do princípio da livre circulação das mercadorias nacionais e nacionalizadas entre as várias ilhas adjacentes e entre estos e o continente, com abolição dos gravames fiscais, dos regimes particulares de certos produtos, que são considerados "estrangeiros" ao entrarem em zonas diferentes da de origem e das discricionárias intervenções administrativas que a limitam, corresponde às realidades do mundo de hoje, em que os distâncias se anulam e o isolamento desaparece, e vai ao encontro dos interesses e aspirações da população insular.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Como já tive ocasião de referir alguma vez nesta Casa, desde sempre me lembro de ouvir protestos e reclamações contra a manutenção das barreiras alfandegárias que para Madeirenses e Açorianos se traduzia numa situação ominosa, já dificilmente justificável. Anoto, de passagem, que a supressão dos encargos aduaneiros locais constituiu mesmo um dos pontos do programa de reformas que eu e os meus colegas de círculo propusemos ao eleitorado de Ponto Delgada durante a companha que precedeu o acto eleitoral que aqui nos trouxe.

Com a revogação dos numerosos diplomas e preceitos legais dispersos que estabelecem entraves de diversa natureza à livre circulação dos mercadorias entre o continente e as ilhas adjacentes, ficam criados os condicionalismos jurídicos paro o integração do espaço económico metropolitano.

Digo que ficam criados os condicionalismos jurídicos para a integração económica da metrópole, porque este complexo fenómeno não depende apenas das leis. O desarmamento aduaneiro puro e simples, entre zonas em diferentes estádios de desenvolvimento económico-social, muito à margem de integração, o que causa é a total absorção do mercado da zona menos evoluída pêlos produtos originários daquela que o é mais, onde se recorre a tecnologias avançadas e se produz a preços unitários mais baixos, e até por vezes o colapso das estruturas produtivas da região atrasada, que não conseguem competir no mercado interno, muito menos no de exportação.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Impõe-se, portanto, a adopção de um conjunto harmónico de medidas de política económica que vise promover o desenvolvimento das regiões afectadas - Açores e Madeira - de modo a permitir a adequada integração delas no todo metropolitano e tendo no horizonte os espaços mais amplos e que o País já se encontra ligado, ou virá a estar, mais cedo ou mais tarde.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não sendo assim corre-se o risco de o passo agora tentado vir a redundar em prejuízo dessas terras já tão desfavorecidas, reduzindo-as a um estado pior ainda do que aquele em que se encontram.

Tudo isto quer dizer que A supressão idos entraves a livre circulação das mercadorias entre os ilhas e o continente não ó panaceia que, sem mais, tudo há-de sarar. Trata-se, sem dúvida, de um degrau que se tem de subir, que apresenta até prioridades sobre outros. Devo mesmo acrescentar, e julgo exprimir o pensamento de muitos dos meus concidadãos do distrito de Ponta Delgada, que essa supressão assume um significado simbólico: é a quebra libertadora de grilhões que nos prendem ao passado, o augúrio de uma nova era, em que o estímulo atento do Governo Central permitirá a eclosão de um clima colectivo e das concretas iniciativas individuais necessárias à realização, entre nós, de uma sociedade mais justa. Mas, para além Ida abolição das barreiras, outras medidas terão de vir, as quais, desde já, ficamos aguardando.

Não podemos, com efeito, resumir-nos a aceitar os benefícios directa e indirectamente decorrentes da modificação do regime em vigor: baixa de preços no consumidor e melhoria das condições de produção e exportação das actividades agro-pecuárias e industriais insulares.

Estas mesmas vantagens, aliás, não chegarão a verificar-se - com consequências político-sociais que nem me atrevo a imaginar - se não se assentar num regime de fixação das margens de lucro dos intermediários e de fiscalização dos preços de venda, e podem vir a ser anuladas se o Governo consentir em novo aumento dos fretes marítimos - que será sempre a medida mais fácil enquanto não se enfrentar o trabalho de rever a economicidade de uma solução de há muito obsoleta. Para além destes benefícios, que não são tão automáticos como parece à primeira vista, necessitamos, na verdade, de medidas positivas de estímulo ao nosso progresso económico-social.

E que a economia das ilhas - e refiro-me em especial aquelas que formam o distrito que aqui represento - vai sofrer um forte abalo. Estávamos já habituados a viver com as nossas malfadadas barreiras aduaneiras! E como, apesar de tudo, a rotina é sempre mais cómoda do que a aventura de mudar, custar-nos-á, sem dúvida, esta alteração, que vamos desde logo sentir o a correcção do artificialismo dos preços no mercado interno dos produtos susceptíveis de exportação, o qual terá de ser alinhado pelas cotações praticadas nos mercados para onde é costume proceder ao seu escoamento.

A mudança vai ser árdua e não se fará sem sofrimentos. Algumas actividades produtivas não poderão subsistir e vai ser preciso garantir a reabsorção da mão-de-obra que a reconversão decerto irá libertar. Não quero omitir aqui uma palavra acerca do pessoal, que se situa, embora noutro plano, até agora ocupado no despacho alfandegário, muito dele já sem possibilidades de reciclagem, a cuja situação o Governo decerto não deixará de atender, em estreita colaboração com o seu organismo representativo, a Câmara dos Despachantes Oficiais.

Essa mudança - como tantas outras e em tantos campos por este país fora - é, porém, necessária, e só se dignifica perante si próprio e perante a história quem não recua face aos riscos que a vida, individual e social, constantemente apresenta a cada homem e a cada colectividade.

Precisamos, pois, de apoio para a reconversão inevitável o para o efectivo enraizamento daquelas actividades agrícolas e industriais para as quais nos encontramos realmente capacitados, em condições de concorrência. Precisamos também de orientação e estímulo para a iniciativa individual, de ampliação dos esquemas de colaboração de capitais públicos e privados, de um verdadeiro arranque do sector público na colmatação de carências inadiáveis em matéria de infra-estruturas e estudos de base. Tudo isto aponta para a urgência do desenvolvimento económico-social dos Açores, que, pelo menos ao nível da orgânica institucional do planeamento, parece finalmente ver chegada a sua hora.

Sr. Presidente: A liberdade de circulação dos mercadorias entre o continente e as ilhas adjacentes cede apenas perante interesses económicos ou sociais superiores, nomeadamente os relativos à protecção da vida e da saúde das pessoas e animais e a preservação da vida vegetal. E conhece poucas excepções, que se resumem, nos termos da proposta de lei em discussão, ao tabaco, aos produtos sacarinos e ao vinho e derivados. Quanto aos dois primeiros casos imperam razões de ordem económica e fiscal, cujo ajustamento se encontra em fase de estudo, de que esperamos ver em breve a conclusão; quanto ao último, e no que toca aos Açores, onde o vinho assume especial relevo na economia de algumas ilhas, é, sobretudo, a conveniência de fazer a integração com o mínimo de custos económicos e sociais que impõem a excepção, de resto mitigada por várias formas.

Como reflexo da instituição do regime de livre trânsito das mercadorias, verificar-se-á quebra notável nas receitas das autarquias locais e de outras entidades insulares, designadamente ás comissões distritais de assistência. A compensação será feita através do alargamento as ilhas do imposto sobre o consumo do tabaco e a reorganização de certos serviços autónomos, presumivelmente os de assistência, que serão integrados no Ministério competente, e de agora em diante sustentados por verbas do Orçamento Geral do Estado.

Não devem impedir estas medidas, enunciadas na proposta ou deduzidas dos trabalhos preparatórios que precederam a sua elaboração, a revisão da situação financeira das autarquias locais das ilhas. Quanto à referida restruturação dos serviços, quero vê-la como prelúdio da necessária revisão do Estatuto dos Distritos Autónomos, que possibilite actuação mais efectiva das juntas gerais, que é - refiro-me a Ponta Delgada - por onde passa o caminho a percorrer para superar a presente situação política, económica e social, tão deteriorada, e lançar nos arquipélagos um surto de verdadeiro progresso.

Com expectativa pêlos resultados a alcançar e sem prejuízo de observações de pormenor que melhor cabem no debate da especialidade, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei em discussão.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Linhares de Andrade: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O momentoso problema que é o objecto da proposta de lei agora em discussão tem sido tema de frequentes intervenções dos Srs. Deputados pelou círculos dos dois arquipélagos adjacentes nesta legislatura e em quase todas as anteriores.

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Eu próprio, em despretensiosa exposição antes da ordem do dia, já a ale me referi para concluir com os meus ilustres colegas pela necessidade de rever o regime de circulação de mercadorias entre as ilhas adjacentes e entre estas e o continente, regime que conduziu a uma indesejável compartimentação do espaço económico metropolitano.

Foi, portanto, com justificado júbilo que todos nós, representantes dessas duas parcelas da metrópole, acolhemos a entrada nesta Assembleia ido projecto de diploma que, finalmente, visa dar satisfação as nossas insistentes reclamações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, e antes de mais, cumpro gostosamente o dever de exprimir ao actual Governo o nosso agradecimento por esta sua oportuna e notável iniciativa, destinada, sem dúvida, a marcar o começo de uma nova era na vida económica e social dos ilhas adjacentes.

Vêm de há mais de um século as imposições fiscais que incidem sobre as mercadorias nacionais destinadas aos Açores e à Madeira ou daqui provenientes com destino a outras terras da metrópole, as primeiras inspiradas pela necessidade, então justificada, de proteger certas indústrias ou culturas Agrícolas insulares.

Para tanto, foi adoptado o sistema de a todas sujeitar à transitação de um despacho aduaneiro à saída como à entrada dos seus portos. Neste sistema se encontrou, depois, um meio aparentemente fácil e seguro de permitir às câmaras municipais arrecadarem os seus impostos indirectos, qual foi o de cometer às alfândegas a respectiva cobrança no acto do despacho, mediante determinada compensação.

O mesmo processo passou, a seguir, a ser utilizado para cobrança de outros impostos que, entretanto, se foram criando, alguns sob a designação imprópria de taxas a favor das mais diversas instituições locais, como juntas gerais, juntas autónomas dos portos, juntas distritais de assistência e até, nalguns casos, Misericórdias e associações de bombeiros.

Deste modo, cada ilha se converteu numa autêntica região fiscal, mesmo dentro do distrito administrativo a que pertence.

Ora, o peso de todos os referidos impostos não podia deixar de vir a constituir, só por si, grave obstáculo ao movimento de bens de cada ilha com o exterior, já naturalmente dificultado pêlos inevitáveis fretes marítimos que, na região, são dos mais caros que se praticam em todo o Mundo.

Como a tantos encargos fiscais acrescem ainda os resultantes dos próprios despachos aduaneiros, de montante muito superior ao daqueles, com facilidade nos apercebemos da extensão dos inconvenientes deste regime a que a proposta do Governo pretende pôr termo. Sobre representar chocante contradição do enunciado princípio da unidade económica em todo o espaço português, ele tem sido, com "feito, muito justamente considerado factor responsável da estagnação da nossa economia insular.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei estabelece nisto só a cessação de todos os impostos, direitos e taxas que presentemente oneram a circulação da generalidade das mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre as ilhas adjacentes e o restante território metropolitano, como a substituição dos complicados e onerosos despachos alfandegários a que está sujeita por uma simples guia de circulação.

No seu intróito explica que este documento, de custo não superior a uma dezena de escudos, só se mantém por ser de todo indispensável, dado que nos meios de transporte utilizados podem circular conjuntamente outras mercadorias não nacionalizadas.

Quanto a este último ponto, um comentário e uma sugestão, embora de pormenor, me sugere a proposta: entre as ilhas do mesmo arquipélago há carreiras regulares de transporte de mercadorias e de passageiros efectuadas em barcos que averiguadamente não transportam senão mercadorias nacionais, caso, portanto, em que falecem os razões em que se funda a indispensabilidade da documenta-lo e da interferência aduaneira, as quais, sendo embora simples e pouco onerosas, representam, apesar de tudo, uma despesa e um incómodo. Nestes casos, afigura-se-me, portanto, desejável e vantajosa a dispensa da referida guia de circulação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Prudentemente, a proposta não estabelece a integração económica total e imediata de todo o território metropolitano, mas aponta-a como solução final a atingir brevemente logo que for possível rever os diferentes regimes fiscais a que estão sujeitos os tabacos e os produtos sacarinos nos dois arquipélagos adjacentes, no continente e no ultramar, substituindo-os por um único regime nacional.

Além das restrições à circulação dos referidos produtos que aqui devem subsistir a título meramente transitório, a proposta consigna a manutenção de certas outras restrições, ditadas num caso, exclusivamente pela necessidade de proteger a sanidade vegetal e animal, noutro caso, o dos vinhos e derivados, aguardentes e licores, pela necessidade de garantir a genuinidade dos produtos e, simultaneamente, de conceder protecção à vinicultura regional.

As primeiras, de nenhum modo ofensivas do princípio da liberalização económica que se pretende instituir, pois sempre são, por natureza, de admitir em qualquer espaço economicamente unificado, tem plena justificação nas ilhas, cujo isolamento natural tem permitido se conservem imunes certas epizootias e epifitias.

As segundas inserem-se no condicionalismo geral para que tende o. comercialização de toldos os produtos vinícolas - o de restringir a sua livre circulação quando não engarrafados.

Admite-se, pois, que, em diploma a publicar, a circulação de vinhos do continente para os Açores e Madeira possa continuar-se a fazer-se em cascos ou depósitos, com vista ao seu engarrafamento local, mas sujeita a medidas de controle, tendentes a evitar. fraudes, e a restrições quantitativas a fixar periodicamente pelo organismo competente, de modo a não surgirem embaraços à vitivinicultura insular.

Neste ponto nos permitimos discordar do douto parecer da Câmara Corporativa, quando sugere a manutenção das restrições que legalmente agora condicionam a circulação de vinhos. Isto, porque presentemente elas só existem em relação à Madeira, apesar ide serem absolutamente análogas nos dois arquipélagos os razões que as justificam quanto a este aspecto particular de poderem actuar como instrumento de protecção à produção local.

Predominantemente no Pico e na Graciosa, mas também na Terceira e em S. Miguel, há apreciáveis extensões de vinhedos em terrenos cuja constituição física não permite outra cultura, tal como acontece na costa

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norte da ilha da Madeira. Nos dois casos, a natureza do solo exige amanhos culturais mais dispendiosos e o clima, favorecendo o desenvolvimento de doenças criptogâmicas, impõe tratamentos fitossanitários mais frequentes e caros do que no continente, do que resulta serem os custos de produção ali muito mais elevados. Se não forem opostas restrições quantitativas à entrada de vinhos continentais nos Açores, poderão, por isso, surgir embaraços sérios à economia daquelas três ilhas, tal como à da Madeira.

A solução prevista na proposta de lei merece, assim, a nossa inteira preferência sobre a sugerida no parecer da Câmara Corporativa, pois concede tratamento igual para situações idênticas, através de um único regime válido para ambos os arquipélagos.

Uma única observação ela me merece, e essa é a de não haver justificação para quaisquer restrições à livre circulação de vinhos e aguardentes entre as ilhas do mesmo arquipélago, ainda que esses produtos não circulem engarrafados. E um pormenor de que me ocuparei quando se proceder à discussão na especialidade.

Com a supressão dus actuais imposições fiscais e a simplificação das formalidades aduaneiras por que passa a regular-se a circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas nestas duas (parcelas du metrópole, o Governo dá o primeiro e decisivo passo no caminho do progresso das suas economias.

Mas é evidente que este só poderá processar-se em toda a sua plenitude e com a rapidez desejável se, entretanto, forem estabelecidas outras condições de que igualmente depende, como a adopção de medidas de fomento destinadas a activar as produções para que as ilhas oferecem especial vocação e a criação das infra-estruturas indispensáveis ao escoamento destas, problema, este último, que nos Açores se reveste de grande premência e acuidade.

Na verdade, algumas das ilhas açorianas, como a Terceira, o Pico, as Flores, a Graciosa e Santa Maria, não têm um único porto capaz e todas estão pessimamente servidas de transportes marítimos, porque os navios da empresa concessionária são insuficientes e inadequados para as necessidades do trafego actual.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem portos seguros e sem meios de transporte eficientes não será possível encarar a sério o desenvolvimento económico do arquipélago.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Designadamente a pecuária nas ilhas do Pico e das Flores, apesar de longe ainda do índice do desenvolvimento que poderá atingir, já se ressente, e muito, das dificuldades de transporte de gado vivo, seu principal produto de exportação.

Sabemos, porém, que estes problemas estão bem presentes nas preocupações do Governo e, por isso, estamos certos de que a todos dará adequada solução como agora pretende dar a este da livre circulação de mercadorias, velha aspiração de todas as populações insulares.

Louvando as suas intenções, com o maior prazer dou a minha inteira aprovação na generalidade à proposta de lei em discussão.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: Os meus ilustres colegas pêlos distritos insulares já analisaram n proposta de lei sobre a circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e as ilhas adjacentes; nas suas implicações e consequências económicas, em especial desejo, apenas e em breve apontamento, apreciá-las nas suas incidências político-administrativas.

Anteriormente ao regime constitucional, que inaugurou o ciclo de relações humanas em que ainda vivemos, os arquipélagos da Madeira e dos Açores formavam capitanias gerais. Eram considerados possessões ultramarinas. Encontravam-se, portanto, sujeitos a um sistema jurídico-administrativo de natureza colonial. Os governos liberais apressaram-se a transformá-los em ilhas adjacentes, com a divisão em distritos, e o mesmo tipo de administração seguido no continente. A tendência pura centralizar e unificar o governo do território nacional foi então levada no ponto de nele integrar todas as dependências ultramarinas, com os mais desastrosos resultados quanto às províncias de África.

Todavia, permaneceram nus ilhas, durante decénios, as reminiscências riu sistema que untes ali vigorava. A carência de comunicações regulares entre os arquipélagos e o continente, a própria condição de insularidade, os factos históricos da colonização eram circunstâncias ponderosas que só muito lentamente se vieram a esbater. Pelo que respeita aos Açores, ainda me foi dado conhecer na minha infância dois vestígios do regime colonial: "a moeda insulana", então chamada "moeda fraca", com uma diferença de 25 por cento para mais em relação à "moeda, fonte" do continente, e os selos do correio, com n sobrecarga "Açores", que eram a predilecção dos filatelistas.

Como tantas vezes acontece na custosa evolução de novas condições administrativas, a famosa "adjacência", só tarde, muito tarde, passou a ser justificada pêlos factos. Ainda não há muitos anos se publicava em Lisboa um jornal de defesa dos interesses insulares, fundado já neste século, que se denominava Portugal, Madeira e Açores. Isto é: apenas se considerava como Portugal o Portugal continental, despojado das suas ramificações insulares . . .

Ora, o projecto de lei que estamos discutindo pretende exactamente eliminar as últimas- e teimosas sobrevivências da administração setecentista, abatendo as barreiras alfandegárias e outros entraves à livre circulação das mercadorias entoe o continente e os arquipélagos e entre as ilhas dos arquipélagos. Como disse o Sr. Presidente do Conselho na sua sensibilizante mensagem de despedida dos Açores, pronunciada em Angra do Heroísmo, "trata-se de uma velha aspiração dos Açores e Madeira". Enquadra-se dentro dessas "reformas importantes" prometidas pelo seu Governo e felizmente encetadas.

Como tivemos ocasião de ouvir no debate da generalidade, a circulação de mercadorias entre o continente e ilhas e entre as diferentes ilhas defrontava-se com as mais extravagantes e absurdas disposições restritivas. Por exemplo, a cerveja açoriana, os bordados e outros artigos eram considerados mercadorias estrangeiras - assim mesmo "estrangeiras" - quando entravam no continente; o queijo da ilha do Pico, um dos queijos mais rescendentes e saborosos da indústria doméstica açoriana, não se, podia vender fora do distrito da Horta; neste mesmo distrito tinha sido proibida a importação de margarina; no arquipélago da Madeira vedava-se a entrada às aguardentes de origem continental . . .

Sr. Presidente: Como todas as mudanças que afectam interesses adquiridos, ainda que mal adquiridos, costumes

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consagrados pelo tempo, um estado de coisas que embora anacrónico era admitido pelo consenso geral - as novas disposições legais vão produzir um sobressalto, não somente entre os que são atingidos nos suas conveniências, mas ainda em camadas mais vastas da população, facilmente impressionáveis pela opinião dos descontentes.

Esperamos algumas reacções, sem dúvida legítimas, eram facilmente remediáveis. Algumas modificações do texto inicial já foram consentidas pela Comissão de Economia para serem votadas no debate da especialidade. Outras, que se afigurem oportunas, subirão provavelmente a esta Câmara por intermédio dos representantes dos distritos insulares. Contudo, na aplicação do regime legal agora proposto, certos aspectos sobrelevam dificuldades passageiras e necessitam de ser encarados seriamente pelo Governo Central. As autarquias locais, as instituições de beneficência e outros organismos, que viviam a sombra das barreiras agora derrubadas, têm de contar com subsídios que os compensem das receitas suprimidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E uma necessidade imperiosa e inadiável, já objecto de um voto inserto no douto relato da Comissão de Economia da Assembleia Nacional. Mas para além destes subsídios, de carácter naturalmente transitório, importa proceder-se imediatamente ao estudo de disposições fiscais que venham a substituir o obsoleto sistema pautai por um outro mais moderno e mais eficiente.

Sr. Presidente: Estou convencido de que a esclarecida proposta de lei do Governo reforça a unidade do espaço económico nacional, alargando-o estatisticamente em cerca de 3300 km2, tal é, em conjunto, a superfície dos dois arquipélagos, e ainda englobando nele uma população de 600 milhares de consumidores. Equivale a uma área bastante superior ao distrito de Lisboa, com 2747 km2 de superfície.

A entrada em vigor da lei deverá ainda produzir benéficos resultados na interdependência das ilhas dos arquipélagos, especialmente do arquipélago açoriano, disseminadas numa extensão atlântica de 200 000 km2, ou seja um pouco mais do dobro do da superfície do rectângulo português. Por mais singular que nos pareça, as mercadorias transportadas de ilha para ilha estavam sujeitas a "um despacho de cabotagem", com a aplicação da taxa de l por cento sobre o valor daquelas e oneradas com outros emolumentos alfandegários. Não somente a Madeira e os Açores tinham sido instituídos em território aduaneiramente autónomos em relação ao continente, mas ainda cada uma das ilhas tendia a formar uma unidade aduaneira, uni país em que os guardas fiscais vigiavam as entradas e as saídas . . . Com o novo regime, desde a ilha de Santa Morta à do Corvo, os Açores poderão constituir um espaço único, uma região ou uma província perfeitamente caracterizada dentro do contexto do território nacional.

Sr. Presidente: Como frisou o Sr. Presidente do Conselho, a proposta de lei n.º 8/X vem de encontro a uma antiga aspiração - uma aspiração que já conta, pelo menos, meio século - dos habitantes das ilhas adjacentes. Todas as razões nos levam a crer que o regime legal agora instituído não somente facilite e abrevie a livre circulação dos mercadorias, mas funcione ainda como factor de desenvolvimento das actividades no sucessivo alargamento do espaço económico nacional.

Por isso, a lei merece a minha aprovação na generalidade.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à segunda parte da ordem do dia: continuação da discussão, em conjunto, na generalidade dos projectos de lei sobre acordos colectivos de comercialização de produtos agrícolas, florestais ou pecuários e sobre o crédito de colheita.

Tem a palavra, pela segunda vez, o Sr. Deputado Camilo de Mendonça.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: Não seria naturalmente necessária grande fundamentação para justificar o projecto de lei n.º 2/X, em discussão, sobre o crédito de colheita.

O problema da dependência do agricultor, ultrapassada a agricultura de subsistência, relativamente à venda imediata da produção é bem conhecido de todos num pais em que poucos não são proprietários rurais, embora bem poucos sejam agricultores . . .

Uma solução creditícia que permita escolher a melhor época de venda, deixar definir e aclarar o mercado, escalonar as entregas, lutar contra a concentração da procura, enfim, minorar a dependência do agricultor e melhorar as condições de venda para não constituir matéria discutível ou controversa.

Que uma das modalidades a usar para atingir esse objectivo possa ser a do penhor da própria produção parece dever ter-se como solução natural, representando o crédito a contrapartida dos produtos armazenados. E esta modalidade é usada com grande generalidade em diversos países europeus, como a atestar as virtualidades e possibilidades do sistema.

Nestas condições, está facilitada a minha tarefa e poderia desonerar-me de mais explicações que não fossem as relativas ao funcionamento do sistema que os princípios legais propostos proporcionam.

Julgo, porém, que não devo eximir-me a abordar, resumidamente embora, o problema do crédito agrícola em geral, enquadrando a modalidade que apresentei e evidenciando as limitações e deficiências que têm caracterizado o crédito agrícola entre nós, quando o Governo se prepara finalmente para dar um passo, que bem pode ser decisivo, neste domínio.

Efectivamente, o crédito agrícola conhecera nos fins do século passado (1888 e 1898) e primeiros anos deste (1901) algumas providências positivas, para em seguida sofrer, com os alvores da República (1913, 1914 e 1918), os efeitos do intelectualismo generoso, mas ineficaz, que caracterizou aquela época.

Depois talvez em consequência daquelas circunstâncias, talvez por força da crise económica que mais evidenciou as graves enfermidades da nossa economia, depois o problema do crédito agrícola adormeceu por longos anos em jeito de profunda hibernação, de que só agora parece despertar ...

Basta atentar no papel que chegaram a desempenhar as caixas de crédito agrícola, numa época em que, por motivos de natureza económico-social, as exigências de crédito não tinham paralelo nem proporção com os actuais, para se ficar com uma ideia do atraso em que nos encontramos como da importância de que pode revestir-se para execução de uma política agrícola, efectiva, esclarecida e actuante.

O crédito agrícola costuma desdobrar-se em dois ramos fundamentais: o fundiário e o de exercício.

Enquanto o crédito fundiário cobre as exigências de investimento agrícola a longo prazo e, eventualmente, n médio, já que em agricultura chega a considerar-se médio prazo um período de quinze ano? . . ., trate-se do melhoramento da estrutura agrária, trate-se de benfeitorias, trate-se de oficinas tecnológicas, etc., o crédito de exer-

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cício dirige-se à satisfação das exigências em capital de exploração fixo, vivo e morto, para aquisição de gados, alfaias, máquinas agrícolas, etc., e circulante para avanços às culturas, seja em sementes, adubos, fungicidas, seja em salários, encargos sociais, etc.

Pelo que respeita ao crédito fundiário, poderá considerar-se que se encontra resolvido, e bem resolvido, entre nós, desde há pouco mais de vinte anos, com a promulgação da Lei n.° 2017, de 25 de Junho de 1946, a Lei dos Melhoramentos Agrícolas, que ombreia em operosidade e resultados com a dos Melhoramentos Rurais, devida, na sua concepção inicial, no Ministro Antunes Guimarães.

A Lei dos Melhoramentos Agrícolas, que ficou a dever-se ao Ministro Supico Pinto e ao Subsecretário de Estado da Agricultura Albano Homem de Melo, constituiu, pela sua simplicidade e eficiência, um marco miliário na nossa política agrícola, a testemunhar que por este caminho e com este espírito não há dificuldades que se não vençam, objectivos que se não atinjam.

Durante a sua já longa vigência, depois do arranque, em jeito de apostolado, por um grupo pouco numeroso de técnicos agrários chefiados pelo engenheiro agrónomo Pereira Caldas, a cuja memória é devida uma palavra de comovida saudade e muito reconhecimento, teve a sua expansão, em termos espectaculares, sob a chefia do engenheiro agrónomo Vasco Leónidas, sem aumento do número de técnicos, que deste modo resistiram ao vício da burocratização.

Apesar de nem sempre ter o Fundo sido provido dos meios financeiros necessários, mais por incúria ou política dos responsáveis superiores do que por verdadeiras dificuldades, o volume de empréstimos excedeu já os 2 milhões de contos, dos quais cerca de metade aplicados em construções rurais ou oficinas tecnológicas, mormente de associações agrícolas, e cerca de 15 por cento em obras de rega, que beneficiaram 26 000 ha, por custo inferior a 1/4 do verificado nas obras por iniciativa do Estado!

Se compararmos os resultados obtidos com Os meios utilizados na aplicação da Lei dos Melhoramentos Agrícolas com situações similares nos outros países, havemos de concluir que, não obstante os prazos serem em muitos deles mais longos e os juros mais baixos, em consequência de uma maior participação de fundos públicos, o confronto não nos deslustra nem contém motivo para lamentações.

Carecendo embora de ser completada pela prática normal de subsídios para as associações agrícolas, como ocorre com a dos melhoramentos rurais, do Ministério das Obras Públicas, para as autarquias locais e acontece em todos os países entre 1/2 metade dos investimentos colectivos, revista quanto à estrutura, cuja regularização se impõe, e finalidades que deverão tornar-se preferentemente colectivas em tudo em que a agricultura não possa deixar de enveredar por esse caminho e desonerada quanto a contemplação de objectivos do domínio do crédito a prazo curto ou médio no foro do capital de exercício, especialmente fixo morto e vivo, a Lei dos Melhoramentos Agrícolas continua a constituir peça angular de uma política agrícola, instrumento indispensável do progresso e modernização agrícola, mesmo na ausência de uma política agrícola coerente, nítida e permanente.

Naquele sentido, não pode deixar de ser anotado que, em matéria de máquinas agrícolas, os objectivos da lei de mecanização, por algum irrealismo de concepção e certo deformação de uso, não estão a revelar-se conformes com a suprema finalidade, como se documentam pela revelação de que os subsídios concedidos em dois anos excedem em quase 20 por cento os financiamentos facultados durante vinte anos, e que estes nem em metade se dirigiram a soluções colectivas, apesar da estrutura agrária determinar precisamente o contrário ...

Em Espanha, de resto, tem ocorrido precisamente o mesmo, já que num, como noutro caso, a deformação provém das casas comerciais de maquinaria, como de uma excessiva liberalidade de interpretação da lei, a atestar a necessidade ide rever a regulamentação, conformar as práticas dos objectivos permanentes, cortar cerce as habilidades comerciais, que se traduzirão em irremediável prejuízo de agricultores de economia débil e limitados horizontes.

E ainda a necessidade de tornar efectivo o processo de financiamento de obras colectivos de restruturação e melhoramento agrícola, já que o condicionalismo legal actual se torna praticamente inexequível, e para toda a vasta área em que os defeitos são a pequenez e a dispersão das parcelas se não conhece outro meio válido de exploração agrícola moderna e rentável.

Sendo, de resto, esta a via mais directa e simples em matéria de reestruturação e por isso o caminho que deve ser estimulado, em confronto com a obra estadual de emparcelamento, não deverá deixar de ser considerada conjunta e concomitantemente, a comparticipação em percentagem variável com a natureza do melhoramento, a sua importância social, bem como as dificuldades regionais, pelo grau de atraso ou depressão em que se encontre no concerto nacional.

No outro sentido não pode deixar de ser completada com outras leis idênticas, relativamente ao crédito de exercício nos dois aspectos de que costuma revestir-se, que possam tomar sobre si a responsabilidade de todo esse conjunto de actuações creditórias que não tenham como fundamento a garantia pessoal, modalidade naturalmente indicada para as caixas regionais, mas especialmente acompanhada pela comparticipação a fundo perdido, como se pratica para as autarquias locais e de um modo geral utiliza o Ministério das Obras Públicas, mesmo em empreendimentos com finalidade agrícola, trate-se de matadouros, de entrepostos frigoríficos, de obras de rega, etc., mas como especialmente ocorre em todos os países da Europa Ocidental em que oscila, como se disse, entre 1/2 e metade do investimento, devendo apontar-se o caso da França, em que geralmente é de 35 a 40 por cento, e da Itália, em que chega para obras colectivas visando a estrutura e as zonas deprimidas, a 90 por cento.

Não fossem as comparticipações previstas na Lei dos Melhoramentos Rurais e limitada teria sido a obra das autarquias locais em Portugal, como em França ou em Espanha. Ora. a situação actual cias associações agrícolas não difere daquela em que se encontravam as autarquias locais há quase quatro décadas, tanto em relação às tarefas a realizar como h. urgência em as executar, tanto no que respeita às possibilidades da lavoura como no valimento do apoio técnico que pode ser-lhes oferecido.

Para isso é mister que em vez das diferenças de preços, originadas em geral em produtos normalmente agrícolas importados, que constituem receita do Fundo de Abastecimentos, e não da Secretaria de Estado do Comércio, passem a reverter para uma acção concertada e dirigida da Secretaria de listado da Agricultura o que implicará uma mudança radical de atitude, passando as subvenções, como regra, de visar os produtos para se dirigirem as condições de produção.

E esta tarefa, que é primária na prática de uma verdadeira política agrícola, não poderá deixar de ser contemplada com a rapidez requerida, atitude que esperamos poder ficar a dever-se ao profundo conhecimento e ao realismo sereno do Sr. Ministro dos Finanças e da Eco-

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nomia, como à acção apaixonada do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, e bem pode consubstanciar-se, como já tive ocasião de explanar, na criação de um organismo regulador dos mercados agrícolas, a exemplo do que apontei constituir prática dos países ocidentais, um Forma português.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Antes de prosseguir no enquadramento do crédito de colheita e apreciação da situação das diversas modalidades de crédito entre nós, sinto que não devo encarar as referências à lei dos melhoramentos agrícolas sem uma homenagem bem sentida e ainda mais merecida aos autores da lei, o Ministro Supico Pinto e o Subsecretário de Estado Albano Homem de Melo, pela lucidez da sua visão, pela clareza do seu objectivo, pela coragem da sua acção. Sentimentos que julgo a lavoura portuguesa participar sem excepção e que pessoalmente vivo, até pelo privilégio de ter, como jovem irrequieto e animoso, podido colaborar com aqueles estadistas no estudo desse problema, nas dificuldades do seu nascimento, nas angústias da sua aplicação. Honra lhes seja e proveito do País.

Ao engenheiro agrónomo Vasco Leónidas, actual Secretário de Estado da Agricultura, pelo dinamismo que soube emprestar à execução da lei e a largueza com que a soube perspectivar, bem como ao corpo de técnicos, pequeno em número, que, dispersos pelas regiões ou localizados na sede da Junta, ainda em menor número, têm sabido, com chama de apóstolos e alma de pioneiros, manter e desenvolver a prática da lei, Deus sabe com que sacrifícios pessoais, enquanto outros serviços improdutivos se acham pletóricos de técnicos, é devida uma palavra de louvor, de apreço, de estímulo e, também, de humana compreensão e justo agradecimento.

São casos destes que nos permitem manter a fé e a esperança nesta quadra de burocratismo como fim, de indiferença como prática, de distância como costume.

Recordá-los constitui um dever, lembrar o seu exemplo é uma imposição da justiça!

E, posto isto, adiantarei que o crédito de exercício destinado a facilitar tanto a aquisição de máquinas, alfaias, como de gados, de uma forma geral a médio prazo, para custear as despesas com capital fixo certo e vivo, que os Italianos habitualmente denominam de dotação, como a fazer foce aos avanços as culturas, seja em sementes, adubos ou fungicidas, seja para pagamento de tarefas diversas a executar pelo pessoal especializado (podas, tratamentos fitossanitários, tosquias, ceifas, etc.) ou de colheita, isto é, para capital circulante, denominado pelos Italianos de condução, em regra a curto prazo, constitui uma dos maiores preocupações e exigências da actual agricultura, ao passar da finalidade da subsistência à do mercado quando se encontra descapitalizada, as exigências em que todos os aspectos se aumentam pela crescente mecanização e progressiva tecnicização, enquanto os salários se elevam e os operários rurais escasseiam em número e qualidade, ao mesmo tempo que sobem os salários horários, baixando a produtividade . . .

Pelo que respeita ao crédito de dotação, em regra a médio prazo, destinado à aquisição de todas as coisas móveis que constituem meio ou objecto de exploração, decide as máquinas e seus complementos até ao gado e suas exigências, pode ser efectuado com a garantia das próprias coisas, como por meio de crédito pessoal e ainda pelo fornecimento das próprias maquinas, como dos animais (créditos em espécie).

No primeiro caso está indicado que sejam os institutos de crédito agrário, em cooperação com as associações, a propiciar o crédito com a garantia das próprias coisas; no segundo deverão ser as caixas regionais com' a garantia pessoal que melhor podem, avaliar e no último os organismos agrícolas regionais, habilitados pêlos fundos postos à sua disposição, em numerário ou em espécie, pelos institutos ou fundos de crédito agrícola.

Este crédito, que presentemente, em boa medida, se encontra integrado no crédito fundiário concedido pelo Fundo de Melhoramentos Agrícolas, não suscita na modalidade de garantia objectiva grandes problemas, para além da falta de uma integração em todas as finalidades conjuntas de uma política agrícola, duplicando despesas e originando efeitos contraditórios.

Pelo que se refere ao crédito de condução de uma forma geral para capital circulante e a curto prazo é que o problema do vazio é quase completo entre nós, constituindo o grande obstáculo à modernização como à expansão do associativismo agrícola. Efectivamente, o exemplo mais flagrante de seguir neste caminho - o crédito à cultura do trigo -, instituído pelo Ministro Rafael Duque, veio a ser extinto uma vintena de anos depois, a pedido dos representantes da lavoura trigueira do Sul, na expectativa de que, em contrapartida, viesse a ser elevado o preço do trigo.

Consistia no fornecimento de determinado crédito, tendo como limite determinado valor por hectare de cultura, era intencionalmente previsto em espécie (adubos, sementes, etc.) e tinha como garantia a ulterior entrega do trigo nos celeiros da Federação Nacional dos Produtores de Trigo.

Desvirtuado, quase desde início, pela conveniência da comercialização autónoma das companhias produtoras de adubos e pelas práticas de desvio da finalidade, em regra pelo menos parcial, do capital mutuado, veio n cessar, inglória e contraditoriamente, depois de ter provado poder constituir meio idóneo para uma orientação agrícola e um auxílio efectivo ao agricultor, se o caminho do financiamento em espécie foi preferente e firmemente defendido.

Esta modalidade pode designar-se como antecipação do penhor do produto e exige apenas uma garantia de recebimento do produto e de financiamento da colheita. Aquela só tem como solução a colaboração de associações agrícolas, de adesão voluntária e entrega obrigatória, com ou sem a intervenção avalista de outro associado, esta só tem saída na existência de preços de garantia ou de acordos colectivos de comercialização, e, em qualquer dos casos, no pleno funcionamento de um crédito de colheita.

A alternativa está no crédito com garantia pessoal por via bancária ou por parte de caixas locais de crédito agrícola mútuo, que será sempre restrito e independente de uma política agrícola.

Quer dizer: o crédito agrícola ide exercício com vista ao capital circulante, designado como "crédito de condução", poderá regular-se praticamente através das associações agrícolas, preferindo a entrega em espécie (sementes, adubos, fungicidas, rações, etc.) e o fornecimento de serviços (podas, enxertias, tratamentos fitossanitários, ceifas, apanhas mecânicas, etc.) e o numerário estimado como necessário para os serviços que não podem ser fornecidos, a partir das áreas ou produções médias anteriores e do custo unitário de cada uma.

Para o seu pleno funcionamento, os institutos de crédito agrícola terão de dotar com os meios necessários as associações agrícolas, segundo as regras e esquemas estabelecidos, mas para que possam os produtos a recolher constituir garantia objectiva - antecipação de penhor - é indispensável que exista em perfeito funcionamento o crédito de colheita, tanto que só foi viável o uso deste caminho na cultura cujo preço esteve fixado e a comercialização garantida por uma única via.

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Quer dizer: o crédito de exercício de condução ou capital circulante só tem solução através de garantia pessoal, seja pela via bancária, seja pelas caixas locais de crédito agrícola mútuo, ou então, frequentemente, por intermédio das associações agrícolas, dentro do possível em espécie, assistidas, para o efeito, pêlos institutos de crédito, mas na condição de que existe um funcionamento automático, um crédito ide colheita, apoiado em preços de garantia, acordos de comercialização ou organização de comercialização.

Chegados aqui, compreender-se-á bem o grau de dependência entre o projecto de lei sobre os contratos colectivos de comercialização e o crédito de colheita e a importância de que este se reveste para a resolução Idos problemas de financiamento de exercício em capital circulante, mas também a grande relevância que tem a existência das associações agrícolas como meio indispensável à resolução de um sem-número de problemas agrários.

O crédito agrícola, em todas as modalidades, não poderá deixar de considerar como meio e como objectivo as associações agrícolas como forma de resolver uma multiplicidade de problemas dos agricultores, para o que se exige a prévia resolução daquelas associações, seja em capital circulante, seja em crédito para manutenção de serviços, seja para criar as infra-estruturas indispensáveis à execução plena das finalidades.

Nestas condições, as associações agrícolas constituem intermediário indispensável que avaliza, reconhece e garante o crédito concedido.

E por isso que o funcionamento do crédito de colheita, meio e fim dos actuações de defesa da agricultura, de uma forma objectiva e automática não pode dispensar-se de se revestir da maior segurança e regularidade, incompatíveis com facilidades incontroláveis, número de intervenientes e deficiências de manuseamento, tanto mais que nem no sector industrial nem no agrícola tem grandes tradições de uso, interrompida que foi a prática por mais de meio século.

Eis porque o apoio decidido da administração pública, tanto no que respeite a controle como a facilidade de desconto e redesconto por parte dos institutos públicos de crédito, se torna indispensável nesta primeira fase, sob pena de o crédito continuar a ser concedido frequentemente ao comércio em prejuízo da defesa da lavoura, circunstâncias que não baste reconhecer e proclamar quando mais importa remediar como urge e é indispensável que ocorra sem reticências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de concluir, depois desta panorâmica do crédito agrícola entre nós, que conta afinal apenas com uma solução positiva no domínio dos melhoramentos fundiários e, em parte, no que respeita ao crédito a médio prazo de dotação.

No mais, terminado o crédito à cultura do trigo, o crédito agrícola só tem alguma existência no aspecto pessoal ou como garantia fundiária, já que a acção dos organismos de coordenação económica têm sido, com excepção do sector dos vinhos, talvez pela existência das adegas cooperativas, decepcionante no volume, forma e oportunidade.

Todavia, este crédito é, em todos os países, várias vezes maior do que o fundiário, enquanto as exigências de investimento e de capital de exercício são, na agricultura moderna, normalmente muito mais elevadas do que na generalidade da indústria ...

Ficaremos a dever ao Ministro Dias Rosas e aos Secretários de Estado Vasco Leónidas e Costa André homenagem como aquela que prestei a Supico Pinto e Homem de Melo, mas também atitude paralela à de Antunes Guimarães?

Por mim creio, espero ... e dispus-me a colaborar com este contributo.

Que os Deputados das legislaturas vindouras possam repetir-me na homenagem e no Agradecimento aos governantes de hoje.

São estes os meus votos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Cotta Dias: - Sr. Presidente: Como tem sido uso nesta legislatura, depois de as comissões, no presente caso as de Economia e Finanças, terem procedido ao exame do projecto em diversas sessões de trabalho, cumpre trazer ao conhecimento da Câmara o parecer por elas emitido.

Parecer conjunto das Comissões de Economia e Finanças

1. Actividade de características muito diferenciadas, tem a agricultura, e em toda a parte, necessidades especiais para um funcionamento normal em face às restantes actividades económicas industriais e comerciais. Onde se verifica como no nosso país o predomínio de pequenas e muito pequenas unidades de produção, os baixos rendimentos destas, o carácter cíclico de quase todas os produções determinam, naturalmente, reacções lentas de adaptação aos mercados, de absorção de técnicas novas e, em resultado de tudo, um baixo rendimento per capita e uma fraca resistência às contingências da exploração, nomeadamente às climatéricas.

É sabido que a agricultura apresenta, quase invariavelmente, características de sector diminuído, sendo o seu fraco poder de contratação indicador claro e incontroverso de tal situação. Aliás, a incipiência de tal poder de contratação apenas vem ilustrar o peso de uma forte rigidez de funcionamento, o qual colhe as razões causais mais objectivas na natureza do processo produtivo agrícola (que dificulta o controle rigoroso da oferta), na forma de mercado dos produtos agrícolas (a mais próxima que se conhece do modelo teórico da concorrência perfeita), na pulverização dos centros de decisão, nas dificuldades que o sector apresenta nos domínios da integração vertical, etc.

Não é, assim, difícil concluir serem necessários impulsos especiais que, melhorando a rentabilidade global da agrigultura metropolitana, tornem possível a fruição de maior bem-estar para os activos que nela procuram ocupação, e evitem que um depauperamento crónico do sector funcione como factor de desaceleração do processo económico geral. Entre tais impulsos conta-se, necessariamente, o instrumento crédito.

2. Não se hesita em considerar o crédito como peça indispensável de qualquer política de desenvolvimento agrícola, mas não podemos apreciar o alcance de qualquer sistema de crédito agrícola se o mesmo não aparecer devidamente articulado numa política de conjunto.

O crédito é, assim, apenas um dos meios de tal política, de cuja boa concepção e organização dependerá o funcionamento eficaz do conjunto de medidas equilibradas e coesas de política económica sectorial. Por outras palavras, se o crédito tem valor em si, a medida da sua eficácia reflectirá a bondade do programa integral de desenvolvimento da agricultura em que se integre.

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Não pode a política agrícola deixar de constituir um todo de instrumentos harmónicos, que incidam quer sobre o tecido estrutural onde se gera a produção, quer sobre o apetrechamento do sector em meios aptos a proporcionar um funcionamento regular das unidades produtivas de base: neste caso, as explorações agrícolas.

Neste sentido se refere no relatório da Lei de Meios de 1970 que "a condução de política agrícola, para ser eficiente, envolve intervenções simultâneas em numerosos domínios em virtude da estreita complementaridade entre os diversos tipos de medidas que podem ser aplicadas". No mesmo relatório, no desenvolvimento da ideia anterior, se prevê a inscrição de estímulos de ordem financeira a conceder aos empresários em plano orientador da promoção e integral aproveitamento dos regadios.

Esta indispensável inserção do crédito numa política agrícola de conjunto leva directamente à conclusão de que ele será tanto mais útil e fundamentado quanto orientado para os objectivos finais dessa política. Esta uma crítica que, em aspecto de generalidade, poderia ser feita ao projecto, visto conter-se nele um sistema de crédito caucionado, em que os aspectos selectivos das operações têm pouco cabimento, não podendo considerar-se tal crédito orientável para o incentivo de produções e ou de regiões convenientemente seleccionadas.

Somos, assim, levados, face à conjuntura agrícola metropolitana, a considerar o projecto como uma forma de colaborar na regularização de conjunto do crédito agrícola sobre produtos ou mesmo do crédito agrícola de apoio comercial, ao encontro de preocupações do Governo que as citações feitas na Lei de Meios documentam, coordenável, portanto, com eventuais futuras medidas sobre a matéria. Assim se retira certa força àquela objecção se e na medida em que dela se retire uma intenção de indispensável aperfeiçoamento futuro, que as comissões desejam tenha lugar em prazo curto.

3. Ao procurar-se a inserção do crédito sobre produtos agrícolas numa política de conjunto que sirva a agricultura, não podemos deixar de ligá-lo à sustentação de preços agrícolas. Esta tem sido, de facto, pelas razões que já referi de depressão da agricultura, peça indispensável do programa de conjunto a ela destinado.

O valor sócio-económico de algumas culturas, a ideia de subsistência autónoma que domina outras, a indispensável rentabilidade de explorações que substituam a importação de produtos, são outras tantas razões que têm fundamentado a indispensabilidade de sustentação de preços em sectores diversos da nossa agricultura.

Julga-se importante sublinhar não permitir esta inserção económica confundir qualquer espécie do crédito agrícola com actuação de carácter social, de forma alguma contribuindo para a manutenção de empresas antieconómicas. Tal interpretação seria tão errada como injusta, tornando-se evidente que o problema é o de conceder às empresas agrícolas condições de trabalho e exploração normais que não as inferiorizem relativamente às restantes actividades económicas.

A função do financiamento não pode deixar de se dirigir à agricultura como actividade económica e, por isso, financiava!.

Entre as espécies de crédito agrícola, e procurando a ligação com a política agrícola geral através de uma das suas peças fundamentais, que é a sustentação dos preços, caracteriza-se o crédito à colheita - de que nos estamos ocupando - como um crédito de apoio comercial. Julga-se, de facto, ser este o principal aspecto a referir ao apreciar a modalidade de crédito agora proposta.

4. Nesta linha de raciocínio, que nos traria de uma política económica e uma política agrícola geral, através de uma sua indispensável peça que é a sustentação de preços, até à caracterização do crédito sobre produtos agrícola como crédito de apoio comercial, entende a Comissão dever ser salientado um outro aspecto em que este tipo de crédito se torna indispensável àquela política e à defesa dos dinheiros públicos nela investidos.

Qualquer esquema de garantia de preços visa resolver situações de ponta do mercado, devendo preservar-se o livre funcionamento deste fora delas, entre o mínimo de rentabilidade a assegurar às explorações e às práticas altistas de que o público consumidor deve ser defendido. Qualquer sistema deste tipo será necessàriamente frustrado se a debilidade económica dos produtores conduzir a uma sobreoferta artificial, por sua vez gerando um aviltamento que não seria imposto pela real situação do mercado.

Forma única de obviar a tal dificuldade será o equilíbrio da situação do produtor que lhe permita uma normal resistência as forças do mercado. A isto vai destinado o crédito de apoio comercial e daí o seu inestimável valor como factor de normalização das explorações agrícolas e do mercado dos seus produtos.

5. Porque os realidades práticas se não iludem, irrompem, aqui e ali situações em que a necessidade o apoio comercial por via do crédito levou a incluí-lo nos esquemas de coordenação económica de alguns sectores da nossa agricultura. Interessará conhecer quais os esquemas até agora adoptados e de que o projecto em apreço pode considerar-se generalização sistematizada.

Assim, no domínio da cerealicultura, desde o lançamento da campanha de trigo, como largamente vem referido no parecer da Câmara Corporativa, tomou corpo um esquema de financiamento de utilização muito vasto e que, por se considerar bem sucedido, se pretende agora generalizar.

Tal financiamento é utilizado na quase totalidade pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo, incidindo praticamente sobre o volume total das colheitas.

O sistema funciona sobre um ciclo inteiramente coordenado e dirigido, não oferecendo complicações.

No sector coordenado pela Junta Nacional das Frutas, alguns programas de crédito de incidência limitada no tempo e no valor têm sido seguidos, sobretudo através das cooperativas.

Tais financiamentos, baseados em propostas da Junta e despacho ministerial, são feitos contra o depósito de produtos e limitados a frutas secas. A sua aplicação tem sido muito restrita, podendo no entanto admitir-se a extensão fácil a azeitonas e conservas de várias espécies.

A única acção de relevo lançada neste sector como crédito de apoio comercial contém-se no Decreto-Lei n.° 43 102, de 3 de Agosto de 1960, que instituiu o regime de armazéns gerais e financiamento limitado a 75 por cento do valor dos produtos industrializados das actividades coordenadas pela Junta Nacional das Frutas. Para cada produto prevê-se que sejam fixadas, por portaria, as características, tarifas e outras condições, o que só veio a verificar-se para o concentrado de tomate, para o qual foi publicada a Portaria n.° 18 456, de 3 de Maio de 1961.

Também a vinicultura, sem que disponha de sistema organizado ou legislado, ter beneficiado, pode dizer-se, desde sempre, de crédito sobre produtos, aliás encadeado com um crédito para colheita destinado a despesas de vindima e vinificação.

O recurso àquele crédito denuncia a situação do mercado e, por isso, se contrai por vezes até zero. Tem, no entanto, já atingido 128 000 contos às adegas cooperativas e 95 000 ao produtor individual, numa campanha.

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No domínio pecuário, os operações de crédito concentradas na Junta Nacional dos Produtos Pecuários vão buscar fundamento legal ao diploma que criou o organismo e têm sido dirigidas a produtos da indústria de lacticínios e a lãs, com depósito nos grémios da lavoura e avaliação.

Também para o azeite existe um esquema de financiamento de campanha sobre o produto armazenado em instalações da Junta Nacional do Azeite ou dos produtores, estabelecido em portaria das Secretarias de Estado da Agricultura e do Comércio.

Considera a comissão ser mérito do projecto a contribuição para que sejam sistematizados estes diversos esquemas de crédito.

Para além deles, que representarão casos prementes, não pode deixar de considerar igualmente importante a possibilidade legal de extensão a outros produtos e situações, que o projecto é tendente a conseguir.

6. Pelos fundamentos expostos em reunião conjunta das Comissões de Economia e de Finanças, unanimemente foi dada ao projecto aprovação na sua generalidade.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fortemente vinculado aos problemas agrários, foi com muito agrado que vi um ilustre membro desta Assembleia apresentar um conjunto de projectos de lei, já vulgarmente conhecidos por "leis camilianas", que, se outro mérito não tiveram, servirão, certamente, para se olhar, pensar, resolver ou tentar resolver muitos problemas que afligem o sector agrário português.

Estão em estudo, presentemente, na Camará Corporativa e em comissões de parlamentares, os seguintes projectos de lei:

l/X - Designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas;

2/X - Crédito de colheita;

e hoje discutimos:

3/X - Acordos colectivos de comercialização de produtos agrícolas, florestais ou pecuários.

Considero, meus senhores, e desde já, todos estes projectos de decreto-lei de importância decisiva para o revigoramento das actividades agrícolas.

Sr. Presidente: O sector agrário português encontra-se em situação angustiosa, em verdadeira crise de sobrevivência.

Ou arranca para aquilo que é vulgarmente apelidado de "agricultura do futuro" ou soçobra e morre.

Bem haja o Deputado Camilo de Mendonça por ter proposto as suas leis; não, como é evidente, por julgar que os problemas agrários fiquem resolvidos, promulgadas e cumpridas que sejam as referidas leis, mas, sim, e principalmente, pelo estímulo que provocarão nesta Assembleia, no Governo e A toda a Nação Portuguesa, de reflexão sobre as agruras por que passa a lavoura e todos que a ela estão ligados - lavradores e técnicos agrários.

A crise agrária foi endémica ao longo dos séculos e persiste infelizmente.

Sempre se ouviu falar nas crises por que têm passado as gentes dos campos. O problema não é novo, qualquer compêndio de historia no-lo afirma.

Sr. Presidente: Estou certo de que a crise agrária, não obstante as boas intenções desta Câmara, continuará, aprovado que seja o diploma em discussão e os outros que esperam a sua vez para aqui serem discutidos, se não se efectuar uma análise profunda às causas da crise e não se tentar uma cura do problema tão completa quanto possível.

Panaceias, Sr. Presidente, têm sido praticadas ao longo dos séculos e os resultados não são, na verdade, brilhantes.

Considero panaceias todas as intervenções parciais, mesmo que necessárias e de evidente benefício.

Os fenómenos agrários, tão complexos, são de índole físico-química, biológica e humana.

Se não forem globalmente tratados, e adentro daquele contexto, as melhores e mais inteligentes intervenções podem ser inaproveitadas e até contraproducentes.

Perdoai-me VV. Ex.ªs o pessimismo destas minhas primeiras palavras. Não costumo ser derrotista, mas, com efeito, o sector agrário português necessita fortemente de ser amparado por uma política realista, global, forte e, essencialmente, assente na realidade económica e na realidade humana.

Para tanto, além dos diplomas a que já fiz referência, tentarão solucionar, urge atacar de frente outras causas do mal-estar agrário e, entre elas, saliento por básicas:

Estrutura agrária defeituosa por predomínio de divisão e pulverização predial du propriedade e até da exploração Agrícola;

Aproveitamento racional do solo;

Desequilíbrio dos factores de produção;

Educação, promoção, participação das populações rurais insuficiente;

Bem-estar rural pouco desenvolvido;

Inexistência ou insuficiência de poios industriais atractivos da população agrícola excedentária.

Basta, efectivamente, a enumeração dos pontos atrás focados e a realidade que nos cerca para analisarmos quão profunda é a, crise agrária e quão difícil será a resolução das consequências negativas do desequilíbrio a que se chegou.

Sr. Presidente: Sei que é muito complicado atacar e vencer batalhas com inimigos poderosos.

Mas sei também que a coragem, a perseverança e a inteligência permitiram a David vencer o gigante Golias e que mesmo os grandes edifícios se desmoronam quando os alicerces são minados.

Pois nós, os que se dedicam de alma e coração ao sector agrário, teremos também de vencer a crise agrária que envolve o sector a que pertencemos.

Há que arrasar rapidamente os fautores, as causas conhecidas da crise agrária.

Começou o Deputado Camilo de Mendonça pela cúpula por problemas de índole comercial e, portanto, inerentes ao final do circuito produção-consumo.

Começou e começou bem, uma vez que os resultados, certamente positivos, que advirão das suas propostas serão de acção rápida e visível.

Todavia, creio de urgente necessidade olhar e resolver os problemas que considero mais importantes, por essenciais, com relevo dos referentes à estrutura agrária e ao ordenamento cultural.

Estou certo, e sem qualquer sombra de dúvida, da necessidade do saneamento dos circuitos comerciais fortemente ancilosados e parciais, mas sei também que tal saneamento pouca utilidade terá sem empresas bem dimensionadas e onde as culturas se pratiquem em condições ecològicamente favoráveis.

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Desta forma, mais uma vez chamo a atenção para a necessidade de se acelerar com a máxima urgência todas as actuações que possam promover o conveniente dimensionamento das empresas agrícolas, equilíbrio dos factores de produção, promoção e formação de mão-de-obra e empresarial, e se garantam, por apoio infra-estrutural comercial e industrial, opções válidas aos empresários, de forma a levá-los a especulações de acordo com a vocação dos solos que exploram.

Conheço as dificuldades dos problemas que apresentei. Há, na verdade, necessidade de muita coragem, perseverança e inteligência para os vencer.

Sr. Presidente: O projecto de lei que hoje se discute é uma achega que irá permitir um saneamento do circuito comercial dos produtos agrícolas e, consequentemente, a defesa do interveniente mais débil.

A Câmara até agora tem visto, como a generalidade dos produtos que esforçada e ardorosamente se desentranham da berra, os seus esforços serem ingloriamente aproveitados por gama larga de intermediários que absorvem importante percentagem do preço pago pelo consumidor.

Ao mesmo tempo, os custos de produção elevam-se ano após ano e têm alcançado verbas de tal forma elevadas que provocam, ao longo do País, o abandono de especulações até há poucos anos altamente rentáveis.

Com efeito, quem comparar os alteamentos havidos nos últimos anos em inúmeros produtos que a lavoura necessita, nomeadamente e com relevo as máquinas agrícolas e mão-de-obra, de certeza se admirarão do facto de a lavoura ainda sobreviver.

No entanto, a resposta é fácil de se dar e verificável.

A lavoura, a lavoura evoluída, melhorou os seus métodos de produção, mecanizou-se, usou sementes mais produtivas, atirou-se para especulações de êxito mais seguro, associou-se em cooperativas, e, concomitantemente, a assistência técnica e financeira estatal também apresentou nos últimos anos aumento substancial.

Infelizmente, Sr. Presidente, a corrida entre a lavoura e os aumentos de preços que oneram os custos de produção está prestes a dar uma vitória, certamente não será à lavoura.

Há que tomar providências neste particular, evitando-se as periódicas subidas de preços dos adubos e das máquinas agrícolas.

Para finalizar, quero deixar mais uma vez bem patentes os meus agradecimentos ao Deputado Camilo de Mendonça pela apresentação de um projecto de lei tão necessário à lavoura portuguesa, razão por que aprovo na generalidade o texto apresentado pela Câmara Corporativa, partindo do princípio, afirmado no mesmo parecer, de que "os organismos corporativos não se vão dedicar à produção ou à comercialização directa dos produtos, mas apenas intervir na fixação de regras de comercialização",

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Trigo Pereira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A agricultura tradicional não é uma verdadeira actividade económica, senão uma forma de vida, onde os preços de custo são de muito difícil ou mesmo aleatória determinação e os gastos agrícolas e familiares por tal forma imbricados naqueles que se torna praticamente impossível distinguir com clareza entre crédito para fins produtivos e crédito para fins de consumo (F. A. O., 1966).

Assim sendo, todo o crédito agrícola deve atender finalidades produtivas bem definidas, para que, ao fim e ao cabo, seja, antes de mais, um crédito eficaz, aspirando, portanto, a melhorar os condições gerais da produção agrária, da industrialização e do mercado dos produtos da terra.

E lugar-comum dizer-se que antes que possa ter lugar qualquer desenvolvimento a grande escala da economia de um país deficientemente desenvolvido a produção e eficácia da agricultura têm de aumentar, a fim de que por um lado, se possam alimentar as populações dos centros urbanos e industriais e, por outro, incrementar o aumento das disponibilidades em numerário do rural, por forma que este, por sua vez, se possa transformar em comprador de produtos industriais (N. U., 1956).

Não admira, pois, que todo o nosso esforço vise em última análise levar a agricultura a sair da sua forma tradicional de aproveitamento das potencialidades da terra para um estádio mais evoluído, digamos de tipo industrial.

Para o efeito, haverá que dispor de técnica suficiente, quadros de gestão e de maneio adequados, preços e comercialização capazes, capital abundante e estruturas próprias.

Daí o problema que hoje nos traz a este lugar ser, não um todo, mas, antes, uma parcela do conjunto, conjunto, aliás, que transcende o âmbito estrito da compartimentação estatal da problemática agrícola, hoje repartida infelizmente por várias Secretarias de Estado.

Mas o que de momento importa é dispor-se de crédito fácil, justo e capaz de permitir alicerçar com segurança o edifício de uma nova agricultura, nova na idade, na técnica e nos conceitos.

A necessidade de criar uma figura creditícia adaptada às peculiaridades da exploração agrária, pode dizer-se, é uma das grandes questões da economia monetária e financeira da conjuntura histórica actual.

Esta exigência, que se sente na agricultura com especial intensidade, tende, em última análise, a permitir que este sector se integre no dinamismo económico geral.

A especificação do crédito agrícola tem a sua base na própria diversificação da empresa e no desvazamento entre os necessidades de investimentos e gastos e o aparecimento das receitas correspondentes.

Desde logo, a necessidade de haver um tipo de crédito, digamos fundiário ou de inversão, que será sustentáculo e apoio dos respectivos investimentos e de que, aliás, já dispomos de algumas formas, e mais, de completar este com outros tipos susceptíveis de amparar os gastos de exploração.

Repare-se que na agricultura os gastos de exploração se repartem ao longo do ano e que o empresário só pode fazer receitas no fim do período vegetativo ou de produção animal, período este muito longo e sujeito a inúmeros riscos.

No projecto de lei que nos cabe analisar, transparece com evidente clareza a necessidade imperiosa que a actividade agrícola tem de dispor de uma nova modalidade de crédito, digamos de apoio comercial, que a defenda das pressões e de uma comercialização desregrada, para além daqueloutros que lhe possibilitam já a melhoria das estruturas fundiárias, de instalação, de apetrechamento mecânico, da aquisição de gados e de alguns tipos de ordenação de culturas.

A modalidade de crédito proposto a incidir sobre produtos agrícolas, que se denominou "crédito de colheita", deixa transparecer perfeitamente a necessidade de ordenar e dilatar o crédito, promovendo-se em contrapartida forma justa da respectiva garantia, através do armazenamento de produtos de fácil conservação.

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Daí, penso que o não se ter dado o devido relevo aos aspectos que a produção pecuária envolve se justificará por esta ser diversificada e, ainda, por exigir infra-estruturas diferenciadas e condizentes com as produções de base - carne, leite, ovos, lã e peles -, muito embora estas tenham posição de muita evidência no quadro da economia agrária e representem, na roda do ano, forte apoio ao ingresso de numerário das explorações agrícolas, de que, bem pode dizer-se, constituem o respectivo fundo de maneio, razão por que entendo dever focalizar o problema.

A produção pecuária é, sem dúvida, aquela que mais facilmente evolui para o tipo industrial, uma vez que, como se sabe, por exemplo, a criação de aves e de suínos pode-se levar a efeito sem haver suporte agrícola. Isto é, podemos desde já considerá-las verdadeiras indústrias transformadoras.

Dada esta feição industrial, para onde se orienta toda a produção pecuária, necessário se torna ao empresário dispor de crédito fácil, abundante e diferenciado que lhe permita investir em instalações, efectivos, alimentação e sistemas de transformação e conservação dos produtos obtidos.

Em termos de crédito do tipo em discussão havemos de considerar dois casos distintos. Um dirá respeito a animais vivos, o outro incidirá sobre os produtos da sua exploração, quer estes estejam em natureza, quer transformados.

A garantia do crédito concedido ficará assim diversificada e com ela toda a
linha de actuação, conforme se trate de um ou de outro caso.

Para animais vivos, o penhor garante do crédito, para o ser na verdade e para que não venha a constituir causa de ruína fácil para o empresário, haverá que estar coberto por seguro, ou ser sujeito a tipos especiais de acção concertada entre os intervenientes, o que, ao fim e ao cabo, vem a resultar numa forma de seguro.

Como sabemos, no País, excepção feita aos seguros de gado levados a efeito pelas mútuas, que bem poucas são e de âmbito estritamente regional, este não se pratica, e eu pergunto se se poderá levar a bom termo um sistema de crédito à existência de gado vivo, sem, concomitantemente, haver um sistema que cubra os riscos inerentes à sua exploração.

Quanto a produtos, digamos do tipo de colheita, carne, leite, lã, ovos e couros, alguns há que, sem dispêndio avultado e dinamizando as estruturas actuais podem desde já ser passíveis do tipo de crédito indicado no projecto de lei em causa, como seja a lã, os ovos e mesmo as carcaças congeladas ou borregos vivos.

Quanto aos restantes, falta, para se poder levar a efeito o tipo de crédito proposto, todo um mundo de infra-estruturas, que vão desde a rede de matadouros e de frio até ao sistema de recolha, tratamento, industrialização e abastecimento de leite, produtos de que é passível a exploração animal.

Por estas razões, ter-se-á, terá o Governo, enveredado por uma política de subsídios aos produtos pecuários, quando é certo que, paira u implantação e desenvolvimento de uma indústria pecuária, melhor seria dispor-se de crédito em boas condições e devidamente regulamentado, preços de garantia definidos com justiça e justeza e uma política de investimentos e de fomento, a tempo equacionada e com duração suficientemente dilatada.

É por demais evidente que, por exemplo em bovinos, necessitamos pelo menos de três anos para se começar a ter resultados dos investimentos feitos, e, neste caso, será licito ou não pedir que o Governo defina uma tal política com a duração necessária, abandonando de vez a prática da definição de sistemas parcelares e indicações sectoriais com efémera duração, que deixa sempre no criador uma sensação de insegurança que tem de certo modo impedido uma evolução segura, certa e tão rápida como necessária, aliás, possível, uma vez que esta actividade pode cantar com o apoio técnico, saber e experiência dos serviços ligados ao sector?

A indústria pecuária só pode fazer investimentos em instalações, efectivos e alimentação se porventura os puder utilizar na sua máxima capacidade e por tempo que permita ia sua rápida amortização, porque, de outra forma, estará n cavar a sua ruína, lenta, mas seguramente, embora disponha já, como disse, de formas de crédito específicas a esta finalidade.

Deficitários, como somos, em carne, e continuaremos a ser, e até com maior acuidade, desde que se aumentem as respectivas capitações, como esperamos, o sistema de crédito proposto à discussão não é só válido, como merece, quanto a nós, apoio decidido, pois representa, para além de tudo, um passo agigantado na abertura de uma política global de crédito, razão por que aprovo na generalidade o respectivo projecto de lei.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. António Lacerda: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto a tentar prender a atenção de VV. Ex.ªs sobre assuntos agrícolas, procurando ser o mais breve possível, ao intervir neste debate. E faço-o por duas razões principais.

Uma é o desejo de secundar, apoiando, a acção, o dinamismo, a tenacidade, a fé do meu amigo e colega Camilo de Mendonça, testemunhando-lhe a minha admiração, mesmo quando episòdicamente eu não estivesse totalmente de acordo com os seus pontos de vista ou altitudes assumidas.

Admiro a sua inteligência vigorosa e pronta, que entregou completamente ao combate pela sua dama em acções que se multiplicam.

Presto homenagem, ao seu dinamismo capaz de demover montanhas, à sua. capacidade de criação e realização.

Bendigo a sua tenacidade e a sua fé contagiante que imprime um sentido diferente à sonolência e mesmo fatalismo que se apoderaram de grande parte dos homens do campo e também de muitos responsáveis por esse sector e que ou descrêem ou preconizam soluções utópicas.

Exemplo magnífico que o chefe de fila daqueles que são considerados, e no fundo se consideram, Deputados agrários nos dá, deu, ao País, foi a apresentação dos projectos de lei enunciados, aqueles agora em discussão, e quero referir-me especialmente ao crédito a colheita. Seguir-se-á o que diz respeito à participação mais directa das organizações da lavoura nos organismos de coordenação económica.

A lógica desta acção é por de mais evidente para necessitar de ser posta em relevo; mesmo assim, não faz mal insistir, pois tudo o que seja acentuar o interesse dos problemas agrícolas nas suas ligações com os sectores aos quais estão intimamente ligados nunca será de mais. Até em termos de economia geral não será possível pensar na promoção e desenvolvimento global do País enquanto não for possível eliminar a crise de mal-estar existente na agricultura, e que é em grande parte proveniente do baixo nível de vida de uma parte importante dos lavradores.

Mesmo, quanto mais não seja, há toda uma acção revigorante a desenvolver no sentido de mostrar aos agricul-

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tores que não estão sós, que tudo tem de ser feito e será feito para melhorar substancialmente a sua vida, que será encontrada maneira, a bem, sem violências, de trazer os lavradores aos benefícios materiais do tempo em que vivem. E sem destruir a sua maior força, a sua forca moral.

Inegavelmente que a lavoura já está cheia de palavras, de conversas bonitas, de diálogo a todos os níveis ... de discursos de todo o tamanho! Até nós! . . . Mas uma das suas principais virtudes é, sem dúvida, a da esperança e da confiança, sem as quais não teria sentido lançar a semente à terra, confiado na Providência!

A outra razão que me leva a intervir descolorida, mas sinceramente, neste debate, é ter este um interesse enorme para a lavoura em geral e suas organizações, pelas repercussões que as medidas a que na generalidade dou a minha concordância podem ter na animação do sector e no seu progresso.

Todos sabemos que a empresa agrícola está em crise e que as causas que a motivam são de uma complexidade enorme, na base da qual estão a educação e formação dos agricultores, parte integrante da estrutura dessa empresa, e a falta de meios materiais que permitam a sua promoção.

Ela está, de uma maneira geral, mal dimensionada e vai, no nosso país, de um mínimo sem individualidade própria, existindo como apoio de uma outra actividade, até à grande empresa, gigante, complexa, que foge ao equilíbrio razoável. Aceitando que os problemas das grandes empresas agrícolas são de outra ordem, ou têm de ser considerados a outra luz, temos que, ligado à estrutura, outros dos principais factores de crise agrícola é a fraqueza, relativa do rendimento dos agricultores. Esta realidade gera um mal-estar terrível e faz pensar a gente do campo que é vítima de uma grande e grave injustiça.

É-o em grande parte, mas também as condições de produção vão-se modificando a passos agigantados e a lavoura não tem sabido ou podido adaptar-se às novas concepções. O horizonte das suas vistas, ou o limite dos seus voos, são, sem dúvida, restritos, mas vão-se alargando progressiva e seguramente, e neste processo têm de ter um papel muito significativo as organizações da lavoura.

Mas para que elas sejam muito diferentes do que são, a generalidade dos homens que as integram, mal preparados do ponto de vista técnico e social e em que as ideias rotineiras abundam, há necessariamente um grande passo a dar, um longo caminho a percorrer.

A mentalidade dos homens que constituem determinada organização, a menos que ela seja polarizada por um factor extrínseco ou motivada por alta razão dinamizadora, reflecte-se fortemente na sua projecção e vida.

É normal, é natural, como também é certo que o sector deve ter ampla participação no processo do seu desenvolvimento e é difícil conceber que ele se acelere sem essa participação. Forçoso é, assim, admitir que as organizações da lavoura necessitam de franco estímulo e ajuda, sem o que não poderão tomar a parte que lhes compete no referido processo.

Poderia ser a altura, Sr. Presidente, para abordar novamente nesta Câmara, agora em desenvolvida intervenção, aspectos muito relevantes da problemática do crédito agrícola nos diferentes escalões. E tanto haveria para dizer, desde os excessos mal orientados dos empréstimos concedidos até às carências manifestas em sectores que de tanto auxílio necessitam!

Mas será preferível abordar esses aspectos em outra altura e limitar-me agora a manifestar todo o interesse que nos parece contêm as disposições do projecto de lei do crédito à colheita no sentido de os lavradores, através das suas organizações, poderem escalonadamente e em tempo oportuno, apresentar no mercado os seus produtos.

E só quero referir agora dois aspectos da maior relevância: o crédito a fornecer aos produtores de fruta e aos produtores de vinho organizados. E bom será que os anos de produção abundante possam ser também financeiramente bons para os agricultores, tirando parte do conteúdo ao triste, certo, mas acabrunhante, princípio!

O assunto é deveras complicado e angustiante para a grande gama da produtores que são tantas vezes forçados, pela necessidade de realizar dinheiro, solver compromissos, a entregarem-se, pois não têm resistência para esperar melhor oportunidade.

Este aspecto, que em muitos casos o presente projecto de lei pretende melhorar, é de facto só uma parte, e bem pequena, da ajuda que os agricultores e as suas organizações necessitam de receber do Estado para poderem sobreviver em posição que não seja de extrema debilidade.

A análise das experiências agrícolas contemporâneas assim o prova mais ou menos por toda a parte.

No nosso país, por efeito de uma série de circunstâncias inibidoras, talvez possíveis de detector e apontar, certo é que o movimento cooperativo agrícola tem uma incidência pequena na transformação e comercialização dos produtos da terra. E a associação corporativa também, e é só relevante num ou noutro sector e local, mercê de impulso dinamizador muito especial.

E a lavoura precisa, através da sua organização, de ir mais além na condução dos seus produtos, manufacturados ou não, até ao consumidor, coma forma de auferir directamente maiores benefícios dos produtos que cria e para tomar verdadeira consciência daquilo que com eles pode conseguir.

Mas a lavoura, sobretudo a pequena, que tem necessidade de se associar para se defender, não possui capitais próprios suficientes, nem foi educada ou estimulada para os empregar, os poucos que eventualmente possua, indo mais longe no prolongamento legítimo da sua actividade.

Mas para isso aí as suas organizações têm uma palavra segura a dizer, como factores de equilíbrio e de estabilização.

Nas nossas condições, com a nossa maneira de ser, suponho ser utópico pensar que a organização cooperativa, por exemplo, em qualquer sector, nomeadamente no das frutas ou do vinho, se poderá substituir completamente às organizações comerciais, que são úteis e têm uma maleabilidade de actuação e processos que as faz apresentar potencialidades à parte que não sofrem com o conjunto.

A existência, porém, em concorrência, de unidades bem estruturadas da produção, é factor essencial de progresso dos sectores que sara injusto querer compartimentar, confiando-os, limitando-os.

É um facto que, se não houver uma interferência mais vasta das cooperativas, o lucro do aumento de rendimento vai em grande porte parar aos intermediários, e também é uma realidade que elas só podem iniciar-se e arrancar com ajuda substancial do Estado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!

O Orador: - E não se diga que não é justo, quando tudo está e sempre esteve preparado para ir à agricultura sugar e buscar o que de melhor ela bem. Até os homens.

O manancial humano da lavoura, seguro, sacrificado, forte física e moralmente, está na base do que de melhor possuem os outros sectores.

O relatório da Lei de Meios para 1970 diz claramente:

A agricultura tem todo o interesse em afastar-se da simples posição de fornecedora de matérias-primas,

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para se tomar produtora de géneros prontos a consumir, beneficiando da mais-valia resultante da transformação.

Há sinais de que o apoio efectivo da Administração à instalação e auxílio às cooperativas agrícolas de produção e transformação está em progresso, para além das lindas e bem ordenados palavras e promessas que continuam presentes na boca dos responsáveis. Não está mal que as façam, o que é preciso é que as cumpram. Mas outros sinais há, infelizmente, que nos retiram desse optimismo.

Em relação aos primeiros, quero referir, por exemplo, o aumento do subsídio de instalação às adegas cooperativas, cada vez mais necessário.

Em relação aos segundos, e também só um exemplo, a taxa de juro exigida pelo Estado num empréstimo pedido pela União das Adegas Cooperativas dos Vinhos Verdes, praticamente incomportável e superior àquela que pode ser obtido na banca comercial.

Bons prenúncios, maus prenúncios? . . .

Queira Deus que haja uma feliz realidade e a concretização de sábias, úteis e judiciosas acções que dêem alento a uma actividade em acentuada depressão.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão. Mas antes quero dar conta à Assembleia de um documento importante que lhe é dirigido, que, espero, profundamente a interessará, e que foi recebido na Mesa no decurso da tarde.

Ao vir para a sessão, foi-me entregue um ofício do Sr. Secretário de Estado da Informação e Turismo, o qual, reportando-se às referências a cortes da Censura ontem feitas pelo Sr. Deputado Miller Guerra no seu discurso, me pedia que obtivesse daquele Sr. Deputado informação do jornal que fora alvo desses cortes. Depois recebi o ofício, que vou ler, e cujas primeiras palavras se reportam a esse outro que não lerei a VV. Ex.ªs, por já ter resumido dele o essencial.

O ofício recebido há pouco é nos seguintes termos:

Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Em aditamento ao meu ofício n.º 186, de ontem, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.ª as conclusões apuradas no rápido exame das provas existentes na Comissão de Censura de Lisboa e respeitantes ao aviso prévio do ilustre Deputado Prof. Doutor Miller Guerra, feito na sessão da Assembleia Nacional do dia 14.

1. Nenhuns cortes foram feitos na referida exposição do ilustre Deputado constante das provas dos jornais A Capital e República.

2. Nas provas do vespertino Diário de Lisboa foi suprimido um pequeno intróito à exposição, na qual o jornalista fala das circunstâncias que terão demorado o aviso e cita, depois, entre aspas, a seguinte passagem do discurso: "decidiu persistir no seu intento, em primeiro lugar porque as medidas iniciadas apenas roçam pelos problemas fundamentais, em segundo lugar porque é preciso abrir uma discussão larga, livre e prolongada sobre a questão do ensino superior, a qual não pode confinar-se no interior dos claustros universitários. A reforma deve ser participada por todas as camadas interessadas na cultura e no progresso ilustrado do País e não se limitar ao reduzido numero de professores e de burocracias ministeriais". Esta passagem também foi cortada. Nenhum outro corte foi feito na exposição.

3. Nas provas do Diário Popular, além de corte idêntico ao do n.º 2, apenas com a diferença de que u citação começa pelas palavras "ponderando a matéria . . .", observa-se o seguinte:

a) Quatro ligeiros cortes em frases que, por não se encontrarem entre aspas, se torna difícil saber se representam a exacta expressão do pensamento do seu autor ou são a forma que o jornalista encontrou para traduzir esse pensamento no resumo que faz da exposição, já que esta não é transcrita na íntegra;

b) Corte da expressão "esta decrépita e agonizante", respeitante à Universidade metropolitana, que o jornalista isolou do contexto para utilizar como subtítulo.

4. O exame dos jornais matutinos não suscitou qualquer reparo.

Atendendo às claras instruções que tinham sido dados nos serviços de censura, não deixarão de ser tomadas as medidas disciplinares que forem julgadas adequadas. Mas parece fácil concluir do que se averiguou não ter havido qualquer propósito de impedir a difusão do pensamento do ilustre Deputado avisante e, muito menos o de adulterar o seu pensamento e intenção, obrigando-o a dizer o contrário do que havia dito.

Por este novo incidente, peço-lhe, Sr. Presidente da Assembleia Nacional, se digne aceitar as nossas desculpas e de as transmitir a essa Ex.ma Assembleia.

Aproveito o ensejo para apresentar a V. Ex.ª os mais respeitosos cumprimentos.

A bem da Nação.

Secretaria de Estado da Informação e Turismo, 22 de Abril de 1970. - O Secretário de Estado da Informação e Turismo, César Henrique Moreira Baptista.

O Sr. Presidente: - Foi para poder transmitir a VV. Ex.ªs os pedidos de desculpa do Sr. Secretário de Estado da Informação e Turismo que me pareceu importante e urgente comunicar-lhes este documento.

Vou encerrar a sessão, repito.

Amanhã haverá sessão, à hora regimental, sendo a ordem do dia dividida em duas partes. A primeira parte será dedicada à continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a livre circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizados entre o continente e as ilhas adjacentes; a segunda porte será dedicada à continuação da discussão conjunta na generalidade dos projectos de lei sobre acordos colectivos de comercialização de produtos agrícolas, florestais ou pecuários e sobre o crédito de colheita.

Informo VV. Ex.ªs de que é meu propósito encerrar amanhã os dois debates na generalidade.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Augusto Domingues Correia.
Bento Benoliel Levy.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.

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João António Teixeira Canedo.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pedro Maria Anjos Pinto Leite.
José dos Santos Bessa.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Salazar Leite.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Ricardo Horta Júnior.

O REDACTOR - José Pinto.

Propostas enviadas para a Mesa durante a sessão:

Propostas de emenda

Propomos que aos n.ºs l e 3 da base I do texto sugerido pela Câmara Corporativa para a proposta de lei n.º 8/X, sobre a circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e ilhas adjacentes, seja dada a seguinte redacção:

BASE I

1. É livre a circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e ilhas adjacentes, bem como entre estas.

3. As mercadorias a que se refere o n.° l circularão a coberto de guias emitidas pelas alfândegas, salvo quando se destinam a ilhas do mesmo arquipélago.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1970. - Os Deputados: João Bosco Soares Mota Amaral - José Gabriel Mendonça Correia da Cunha - Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso - Eleutério Gomes de Aguiar - Rafael Valadão dos Santos - Rafael Ávila de Azevedo - Delfim Linhares de Andrade.

Propomos que ao n.° 2 da base II do texto sugerido pela Câmara Corporativa para a proposta de lei n.° 8/X, sobre a circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e ilhas adjacentes, seja dada a seguinte redacção:

BASE II

2. Os vinhos e derivados, aguardentes diversas e licores só podem circular sem restrições quando os respectivos produtos se encontrarem engarrafados e nas condições aprovadas pelas entidades competentes; entre as ilhas do mesmo arquipélago a circulação destes produtos será livre.

Sala dos Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1970. - Os Deputados: Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso - João Bosco Soaras Mota Amaral - José Gabriel Mendonça Correia da Cunha - Eleutério Gomes de Aguiar - Rafael Valadão dos Santos - Rafael Ávila de Azevedo - Delfim Linhares de Andrade.

Proposta de aditamento

Propomos que a base v do texto sugerido pela Cornara Corporativa para a proposta de lei n.° 8/X, sobre a circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e ilhas adjacentes, passe a constituir o n.° l dessa base e que se adite à mesma base um outro número, que será o n.° 2, com a seguinte redacção:

BASE V

2. O Governo providenciará no sentido de corrigir as disparidades de regime aduaneiro do tabaco manufacturado em vigor nas várias parcelas da metrópole, elevando os direitos de importação nas ilhas adjacentes em termos de facilitar a reestruturação da indústria tabaqueira insular.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1970. - Os Deputados: Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso - João Bosco Soares Mota Amaral - José Gabriel Mendonça Correia da Cunha - Rafael Valadão dos Santos - Eleutério Gomes de Aguiar - Rafael Ávila de Azevedo - Delfim Linhares de Andrade.

Propostas relativas ao projecto de lei sobre o crédito de colheita e enviadas para a Mesa durante a sessão.

Propõe-se a seguinte redacção para o artigo 1.° do projecto de lei (texto da Câmara Corporativa):

Artigo 1.º As federações dos grémios da lavoura são autorizadas a emitir e descontar em instituições de crédito cautelas de penhor (warrants), a propor a

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margem de garantia, taxa de juros, prazo e mais condições estabelecidas pela respectiva direcção, e a dar como garantia os produtos agrícolas, florestais ou pecuários, originários, em via de transformação ou já transformados, depositados nos grémios da lavoura e cooperativas agrícolas da sua área.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1970. - Pelas Comissões de Finanças e de Economia, Manuel Cotta Dias.

Propõe-se a seguinte redacção para o artigo 3.° do projecto de lei (texto da Câmara Corporativa):

Art. 3.º - 1. Às federações de grémios da lavoura poderão delegar em associações agrícolas e, especificadamente, nas cooperativos e suas uniões, cuja dimensão e importância o justifiquem, os poderes que lhes são conferidos por este diploma quanto à emissão e desconto de cautelas de penhor (warrants) e sua garantia.

2. A delegação de poderes referida no n.º l só produzirá efeitos depois de homologada pelo Secretário de Estado da Agricultura.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1970. - Pelas Comissões de Finanças e de Economia, Manuel Cotta Dias.

Propõe-se a seguinte redacção para o artigo 5.° do projecto de lei (texto da Câmara Corporativa):

Art. 5.° - 1. Em cada armazém ou grupo de armazéns pertencentes ao mesmo organismo haverá um director, que será responsável pela guarda e conservação dos produtos, e um fiel de armazém, a quem cabem as responsabilidades previstas nos artigos 108.° e 109.° e seus parágrafos do Decreto n.º 10 837, de 8 de Junho de 1925.

2. O cargo de director será desempenhado por um dos directores, pelo gerente ou por um empregado de nível não inferior a chefe ou director de serviços do organismo a que pertencer o armazém ou grupo de armazéns.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1970. - Pelas Comissões de Finanças e de Economia, Manuel Cotta Dias.

Propõe-se a seguinte redacção para o artigo 6.° do projecto (texto da Câmara Corporativa):

Art. 6.° Em portaria do Ministério da Economia são fixados os modelos a que devem obedecer as cautelas de penhor (warrants) e estabelecidas as normas que devem reger a verificação dos armazéns e a fiscalização técnica dos produtos.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1970. - Pelas Comissões de Finanças e de Economia, Manuel Cotta Dias.

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