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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETAR1A-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.°48

ANO DE 1970 26 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 48, EM 25 DE NOVEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.

Luís António de Oliveira Ramos

Eleutério Gomes de Aguiar

Nota. - Foram publicados cinco suplementos ao Diário das Sessões, n.º 47, com os textos, aprovados pela Comissão ao Legislação e Redacção, de vários decretos da Assembleia. Nacional: o 1.º suplemento insere dois decretos, sob a forma de resolução um acerca das contas gerais do Estado respeitantes ao exercício de 1968 e o outro acerca das contas da Junta do Crédito Público relativas ao mesmo ano; o 2.° suplemento, um, sobre a circulação do mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre o continente e as ilhas adjacentes; o 3.º suplemento, dois - um sobre acordos colectivos de comercialização de produtos agrícolas, florestais e pecuários e o outro sobre a assistência judiciária; e o 4.º e o 5.º suplementos inserem cada um o seu, nobre, respectivamente, o credito de colheita e a protecção da Natureza e dos eus recursos. Foi ainda publicado o 6.° suplemento, com o aviso convocatório para a abertura da Assembleia Nacional no dia 25 e Novembro.

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 5 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou a Assembleia de que, nos termos do Regimento, aceitara o pedido de enuncia do mandato apresentado pelo Sr. Deputado Giesteira, de Almeida.

Deu-se conta do expediente.

Foram presentes na Mesa a proposta de lei de autorização e receitas e despesas para 1971 e um projecto de lei de imprensa a autoria dos Srs. Deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão ambos os diplomas furam enviados à Câmara Corporativa para vierem parecer.

O Sr. Presidente prestou homenagem à memória dos Srs. Deputados James Pinto Bull, José Pedro Leite, José Vicente Abreu e Leonardo Augusto Coimbra., desaparecidos na província Gabriel em missão da Assembleia.

Sobre o mesmo assunto usaram da palavra os Srs. Deputados Almeida, Coito, Sá Carneiro, Lopes Protão, Almeida Garrett e Coita Dias.

Ordem do dia. - Procedeu-se a eleição dos Vice-Presidentes e secretários da Mesa para a actual sessão legislativa.

O Sr. Presidente convocou várias comissões para o estudo de alguns diplomas sujeitos à apreciação da Assembleia.

O Sr. Presidente encerrou a, sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Convido para secretariarem a Mesa os Srs. Deputados Oliveira Ramos e Eleutério de Aguiar.

Estes Srs. Deputados ocuparam os seus lugares na Mesa.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.

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António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia dos Neves.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horto Júnior.
Rogério Noel Píeres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortes.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Estando presentes 96 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Informo a Assembleia de que o Sr. Deputado Artur Manuel Giesteira de Almeida me exprimiu o desejo de renunciar ao seu mandato parlamentar. Nos termos do Regimento, aceitei a renúncia, que teve efeito desde ontem.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Numerosas manifestações de condolências recebidas aquando dos acontecimentos que enlutaram a Assembleia Nacional, em si mesma e com a Nação, durante o interregno legislativo.

Dirigiram condolências à Presidência da Assembleia, por motivo do falecimento do Presidente Salazar, o presidente da Assembleia do Atlântico Norte, diversos Srs. Deputados, impedidos de participarem pessoalmente nas cerimónias fúnebres, e diferentes entidades públicas e privadas.

Em análogo sentido, mas por motivo da perda dos Srs. Deputados Pinto Buli. Pinto Leite, Vicente Abreu e Leonardo Coimbra, quando em missão de informação da Assembleia Nacional visitavam a província da Guiné, manifestaram-se SS. Ex.ªs o Presidente da Dieta Federal Alemã e o Embaixador dos Estados Unidos da América, os Srs. Governadores das províncias ultramarinas, diversos Srs. Deputados, impedidos nas suas pessoas, governadores civis, câmaras municipais e diversas personalidades colectivas e privadas.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa a proposta de lê de autorização de receitas e despesas para 1971. Vai ser enviada à Câmara Corporativa. Tanto como nós, essa Câmara há-de ter noção da urgência dos prazos constitucionais. Portanto, não proponho que lha marquemos o espero que o seu parecer seja apresentado em tempo oportuno.

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Está ainda na Mesa um projecto de lei de imprensa subscrito pêlos Srs. Deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão. Vai também ser enviado a Câmara Corporativa.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Arredei pura ulterior oportunidade outras matérias, a fim de com VV. Ex.ª me concentrar na recordação dos tristes acontecimentos que com. especial acuidade nos magoaram durante o recente intervalo dos nossos trabalhos.

Do falecimento do Presidente Salazar, na evocação, que vem a propósito, dos seus altíssimos serviços ao País, espero que nos ocupemos amanha com adequado relevo.

Porque nos feriu na própria substância da Assembleia, e aliás se antecipou na ordem do tempo, cabe, porém, dedicar este primeiro momento do nosso reencontro a uma palavra de respeito e saudade pêlos Srs. Deputados James Pinto Buli, José Pedro Pinto Leite, José Vicente Abreu e Leonardo Augusto Coimbra, desaparecidos na província da Guiné, por brutal acidente de aviação, quando a visitavam no intuito de recolherem directamente, para depois poderem trazer até nós, as mais recentes e vivas noções das capacidades e dos problemas dessa parcela do território nacional.

Na tarde de 25 de Julho último, um sobressalto dos ares, tão pouco de prever - embora a região seja muito atreita a eles - quanto violento, precipitando em queda irreprimível a frágil aeronave que transportava esses nossos colegas, tornou a Assembleia Nacional mais pobre de composição humana, mas ao mesmo tempo mais rica de créditos morais e políticos.

Refulgem decerto na nossa lembrança as figuras desses companheiros, que no mais puro desinteresse pessoal aceitaram acrescentar aos trabalhos das suas vidas os trabalhos da nossa vida, e na dedicação a esta perderam as próprias; mas mais alto ainda havemos de colocar e agradecer-lhes o lustre triste, mas soberbo -, que adveio para o mandato parlamentar do sacrifício não procurado, mas consentido no mesmo momento de aceitarem ir servir tal mandato em lugares e circunstâncias onde o perigo é companheiro mais acercado do que nos remansos domésticos.

Iam, na verdade, em missão de informação da Assembleia esses quatro Deputados; missão não formalmente cometida, porque voluntária e de oportunidade, mas oferecida e recebida de acordo com um plano bem determinado de colheita, em primeira mão, de dados sobre a marcha dos negócios nacionais nas partes onde correm mais conturbados ou se oferecem mais promissores.

As missões parlamentares de estudo e observação são de prática corrente em muitos países; e não é de duvidar que os juízos de homens esclarecidos, dedicados ao bem público, colhendo os factos com a frescura de novidades e apreciando-os sem preconceitos de ambiência, mas com escrúpulos de objectividade, podem oferecer valiosos contributos a elucidação dos dirigentes superiores, fundamentar melhor votos das assembleias e proporcionar à opinião geral informações orientadoras.

Elas são, afinal, apenas um exercício das funções de investigação dos negócios de Estado, ao mais eito nível, de que as câmaras políticas nunca se desprenderam; e de que na própria história da nossa Assembleia há, pelo menos, um exemplo, quando - se a memória me não atraiçoa - se debruçou, vai em trinta anos, sobre praticas de emergência que pareciam comprometer directrizes basilares do Regime.

Em tão útil função, e com o auxílio do Governo, que para tanto bem proporcionado os meios desde há vários anos, e com geral aprovação, grupos de Deputados &e item deslocado ao ultramar, onde se situam agora algumas das nossas internares esperanças e mais candentes preocupações, para tomarem directo conhecimento das gentes, das terras e dos acontecimentos.

Destas, era a viagem à Guiné, aliás já a segunda.

Correra bem, e, segundo ma consta, com verificação de muitíssimos animadores progressos no vencimento das contrariedades com que a província se tem debatido.

Dobrada razão, a última, de dor valor aos inevitáveis incómodos sofridos, em meio onde se vive duramente, pêlos representantes da Assembleia Nacional; dobrada razão, bambem, de deplorar que os portadores do testemunho recolhido hajam sido tão dolorosamente reduzidos no seu número, no número das bocas que poderiam difundir esse testemunho.

Mas redobrados razões de situarmos muito alto a missão cumprida e de chorarmos os que não lhe puderam ver o termo de outro modo feliz.

Com infinita pena, a pena de um apartamento em que se apaga a esperança, recordo as figuras e as pessoas de Pinto Buli, Pinto Leite, José Abreu e Leonardo Coimbra, que poderei não mais ver neste, isola, mas me ficam redivivas >no coração; companheiros que já vinham de trás, carregados de boas obras ti prol do comum, lutador roxas recente da mesma luta, esbraseado nos ardores da juventude. Com infinita simpatia meço o vazio que deixaram no seio das suas famílias, partilho da saudade que os há-de consumir.

Mas lugar mais alto ainda lhes proponho nos nossos espíritos; título mais precioso confiro as suas memórias; reputação mais rara peço para os seus nomes; porque estes quatro homens iam em missão parlamentar, que é missão nacional; e o seu sacrifício no serviço da Pátria transborda em glória do seu mandato, que era como o nosso!

Srs. Deputados: Vários de VV. Ex.ªs se inscreveram parai lembraram também, e melhor honrarem, a memória dos desaparecidos da Guiné.

Antes, porém, que os fios das vossas vozes venham juntar-se ao da minha para engrossarem a comente da comum estima e do comum pesar, desejo satisfazer mais alguns impulsas da consciência, que espero sancioneis.

Com os nossos colegas vinham e perderam-se também dois militares, no cumprimento dos deveres que desde logo lhes tornaram o direito à vida; por isso se aproximaram mais do nosso sentimento, e se nos impõem agora particularmente à recordação; quero, porém, envolver, na ternura que nos suscita a sua lembrança, todos quantos, além-mar, servem nas forças armadas o mesmo ideal português que animou até ao último extremo os nossos colegas desaparecidos.

O Senhor Presidente da República, a Câmara Corporativa, nas pessoas do seu Presidente e de muitos Dignos Procuradores, o Governo, diferentes entidades há pouco mencionadas, quiseram acompanhar a Assembleia Nacional no luto sofrido, em especial participando das homenagens fúnebres que, dirigidas a única das vítimas cujos restos corporais puderam ser encontrados, de certo modo se revestiam de valor simbólico mais amplo.

No vosso forçoso silêncio do tempo, logo exprimi agradecimentos; mas conto que queirais agora reforçá-los com expressa reiteração.

Além disto, o Governo facultou à Assembleia todos os meios materiais necessários as diversas cerimónias; e com notável prontidão, sublinhando a mais larga generosidade compatível com os preceitos gerais, providenciou quanto

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ao amparo material das famílias atingidas. Impeliram-no decerto os valores morais e políticos em causa; mas é difícil não ver em todos estes actos uma expressão de deferência para com a Assembleia Nacional, como órgão da soberania, que entendo devermos registar com apreço.

Por fim, desejo dedicar uma palavra aos funcionários da Secretaria-Geral da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa pela colaboração diligentíssima e mesmo carinhosa que prestaram &s cerimónias desenroladas neste Palácio e que muito contribuiu para as dignificar.

Srs. Deputados: Detenhamo-nos um momento em silêncio na recordação das vítimas do desastre da Guiné.

A Assembleia, do pó, guardou uns momentos do silêncio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Cotta.

Em virtude da importância que tem para a vida da Assembleia o assunto de que ele e outros Srs. Deputados se voo ocupar, peço ao Sr. Deputado Almeida Cotta que suba à tribuna, donde igualmente falarão depois os outros oradores deste período de antes da ordem do dia.

O Sr. Almeida Cotta: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O trágico acontecimento ocorrido na província da Guiné no passado dia 25 de Julho não podia deixar de ser sentido nesta Câmara com a mais funda saudade e imensa tristeza. Não podia também deixar o Pais de o marcar com luto e com pesar.

Em missão de estudo e de informação, tinham-se deslocado a Cabo Verde, dali seguindo directamente para a Guiné, oito colegas nossos, entre os quais os Drs. Leonardo Coimbra, Pinto Leite, Pinto Buli e José Vicente e Abreu.

Naquele infausto dia 25, ao regressarem de helicóptero de Teixeira Pinto para Bissau, foram acometidos por um violento tornado que arremessou o aparelho onde viajavam para as águas profundas e barrentas do rio Mansoa. Nelas desapareceram aqueles nossos colegas e os oficiais do Exército alferes Pruri cisco Lopes Manso e capitão José Carvalho de Andrade, perante o lancinante desgosto de toda a população da província e dos seus companheiros, Drs. Salazar Leite, Cancella de Abreu, Lopes Frazão e Covas de Lima, este último falecido no passado dia 2, vítima de doença implacável que nos roubou essa generosa alma franciscana, amoravelmente devotada à prática da caridade crista e cuja memória será chorada por quantos tiveram a felicidade de sentir os efeitos da sua salutar presença.

O Governo da Guiné tomou imediatamente as providências necessárias para se encontrarem os ocupantes do helicóptero, e o Ministro do Ultramar foi incansável na promoção de diversas diligências que em tão preocupante situação haviam de tomar-se. Dois dias depois apareceram os corpos do Dr. Leonardo Coimbra e do capitão José Carvalho de Andrade, nunca mais se encontrando os outros, apesar dos incansáveis esforços feitos nesse sentido.

A perda daqueles nossos camaradas é irreparável, pois jamais os poderemos ter no nosso convívio, jamais poderemos contar com a sua presença nesta Casa, que tanto dignificaram.

Da sua juventude, da sua inteligência, do entusiasmo posto no desempenho dos suas funções parlamentares, era lícito esperar uma colaboração valiosíssima.

Mas, se esta Câmara está de luto pela perda dos preciosos elementos que a depauperam e cuja falta profundamente sente e lamenta, que dizer das esposas, dos filhos, dos parentes e dos amigos?

Que dizer, Deus meu, de quem fica sem esse amparo insubstituível?

Curvo-me com o maior respeito diante Idos que perdem os seus entes queridos, magoa que, por experiência própria, sei bem quanto é amarga e dolorosa.

Poderá o Governo reparar em parte essa falta, como aliás já fez, mas não <é privara='privara' com='com' carácter='carácter' de='de' nossos='nossos' casa='casa' viverão='viverão' fora='fora' do='do' fim='fim' pelo='pelo' mais='mais' vida.='vida.' aberto='aberto' das='das' também='também' própria='própria' primores='primores' serviram='serviram' camaradas='camaradas' continuarão='continuarão' desaparecimento='desaparecimento' suas='suas' exemplo='exemplo' em='em' relações='relações' pátria='pátria' as='as' sinto-me='sinto-me' na='na' saudade='saudade' causou.='causou.' famílias='famílias' qualidades='qualidades' lembrança='lembrança' que='que' no='no' cordiais='cordiais' apreciando='apreciando' dor='dor' compungido='compungido' alto='alto' deram='deram' desta='desta' nos='nos' para='para' cicatrizar='cicatrizar' não='não' mantinha='mantinha' pois='pois' particularmente='particularmente' à='à' ferida='ferida' a='a' nossa='nossa' seu='seu' humanamente='humanamente' dentro='dentro' os='os' e='e' sacrifício='sacrifício' porém='porém' é='é' aqueles='aqueles' grau='grau' o='o' pôr='pôr' p='p' coração='coração' trato.='trato.' vivos='vivos' possível='possível' todos='todos'>

O seu comportamento frutificará no esforço que estamos a fazer, aquém e além-mar, para estreitarmos cada vez mais os laços que unem a comunidade portuguesa, para edificarmos um Portugal cada vez melhor e mais próspero.

A sua perda é, de facto, irreparável, mas o legado que nos deixaram é para nós, e para o País, fonte perene de esperança e de fé nos princípios em que acreditamos, na força espiritual que os anima e informa, nas suas potencialidades criadoras, na própria capacidade de restituição do dom da vida, pois se alguns lha sacrificam muitos a ficam a dever também aos que a perdem por esses ideais.

Dar a vida pêlos nossos semelhantes, oferecê-la ao altar da Pátria, para a tornar cada vez mais excelente e cada vez mais próxima dos conceitos superiores que constituem a mais alta expressão do pensamento e do sentimento humano, é reproduzir o milagre da criação pura, é lançar a fecunda semente que poderá permitir um verdadeiro c real progresso pela renovação autêntica do homem, pela sua promoção social, moral e espiritual.

Por isso, os nossos colegas continuarão connosco, continuarão a viver na recordação daqueles que, à sombra do seu exemplo, procuram segui-los, quer nas tarefas quotidianamente executadas em espírito de bem-servir, quer nas fronteiras africanas, defendendo a terra e as gentes, quantas vezes também com o sacrifício da vida e para que ela seja melhor.

Ao prestarmos aos nossos colegas, Drs. Leonardo Coimbra, Pinto Leite, Pinto Buli e José Vicente de Abreu, mortos ao serviço da Pátria, a nossa mais sentida homenagem, penso ser grato à sua memória e ao legado que nos deixaram aliarmos às suas as nossas preces, pedindo a Deus que, ao recebê-los em Seu seio, nos conceda a graça da paz e da reconciliação da grande família portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: O brutal acidente da Guiné atingiu duramente esta Câmara, da qual faziam parte quatro dos ocupantes do helicóptero destruído: Lopes Manso, Carvalho de Andrade, Leonardo Coimbra, Pinto Leite, Vicente de Abreu e Pinto Buli; se a memória dos seis vítimas unidas no termo da vida tem por isso de ser lembrada com profunda mágoa, compreensível será que neste momento nos detenhamos nas figuras daqueles que connosco partilharam a vida de uma breve sessão legislativa.

Iam em missão da Assembleia. Viagem de trabalho que era um prolongamento do desempenho do seu mandato

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com a necessidade e o dever que ele envolve de contactar o mais possível bodos as realidades da vida nacional.

Viagem que nem era favor do Governo nem passeio para os Deputados; o desastre a todos colheu no desempenho ida sua missão.

Se hoje aqui estivessem, seríamos os primeiros a beneficiar dos resultados dessa viagem de informação, enriquecendo-nos com o compartilhar dos suas experiências, com o testemunho do que tiveram ocasião de ver nessas berras que não mais os deixaram viver.

Já que não podemos usufruir da riqueza da sua companhia, saibamos pelo menos aproveitar a lição das suas vidas, especialmente na dimensão política que é a desta Casa.

Todos a seu modo foram exemplares, certo como é que da actuação de cada um podemos colher lições para nós próprios; natural é que "s saliente quem pela sua proximidade humana e ideológica melhor pode testemunhar do que foi a existência política de cada um.

Do José Pedro Pinto Leite aproximava-me uma amizade antiga, uma idade recente e sobretudo uma esperança de evolução que nos levou, juntamente com vários outros, a acreditar que ao serviço dessa esperança devíamos pôr generosamente os nossos esforços, por muito que estivessem já absorvidos.

Distanciava-se ele pelo nível das qualidades humanas e políticas de que deu amplo testemunho na sessão passada, com largo e justificado relevo para a sua figura simpática e combativa, animada de uma veia política rara de encontrar, que o levava a não desesperar do combate; por tudo isso, ele tinha à sua frente largos anos de actividade, tia vasta obra das reformas a empreender.

Muito se falou da novidade desta Assembleia, na realidade profundamente renovada na sua composição.

Mais do que mudança das pessoas, era em especial n introdução de representantes de correntes de pensamento diferente que se louvava ou combatia, era desse pluralismo político que muito se esperava ou tudo se receava.

E, no entanto, nem a ideia nem a experiência eram novas, pois de longe vinha a defesa, pelo menos teórica, da presença nesta Sala, para aumento da Uberdade da Assembleia, "de pessoas independentes e desligadas de disciplinas partidárias, com os olhos postos apenas na sua competência, independência de critério e idoneidade moral, bom senso e espírito patriótico", como referia em 1953 o Doutor Salazar, que catorze anos frisara já que "o Regime só tem vantagem em funcionar de modo que homens, mesmo em discordância com. os fundamentos do sistema ou inibidos por qualquer circunstância de confessar o seu acordo, tenham também possibilidade de servir a Nação".

Não interessa agora analisar as razões que levaram a que fosse tão escassa e infrutífera a realização prática destas intenções de pluralismo político, para cuja realização se contava .com a acção da União Nacional.

Por certo que convidantes e convidados tinham ideias não coincidentes sobre o modo e o fim da sua actividade política; nada mais natural, portanto, que no jogo indulgente das boas vontades permanecesse a opinião dos anfitriões.

O curioso é que, quando finalmente se chega a uma situação diferente por alteração de todo um condicionalismo longamente sedimentado, essa mesma alteração vem tornar ambígua a situação decorrente da composição pluralista desta Câmara.

Entendamo-nos claramente quanto aos termos: a independência salientada é sempre referida a opções políticas, e jamais ao foro íntimo e à dignidade de cada um.

Nestes planos todos somos independentes, todos temos de sê-lo, pois não podemos nortear-nos senão pala nossa consciência, sob pena de trairmos o mandato que recebemos e a nossa própria dimensão de homens.

Mas já nem todos poderão estar politicamente vinculados a um regime ou à acção de um governo; e, como se viu, no plano das intenções antigas, não só se admitia a discordância em relação a este, como se não via impedimento político na própria discordância dos fundamentos mesmos do sistema.

Ora, quando desses velhos intuitos se consegue uma realização significativa, consubstanciada na composição desta Câmara, torna-se extremamente difícil assinalar as diversas correntes.

Normalmente, a mudança de um chefe do Governo no quadro do mesmo esquema político não põe imediatamente problemas de regime nem leva logo a reclassificações das forças aparentes.

Já assim não sucede quando o regime é muito mais um homem do que as instituições dadas à Nação, as quais se acham elas mesmas imbuídas e animadas de um pensamento e de um estilo que sobrelevam a lei que as fundamenta.

Os próprios textos e as instituições vão sendo ao longo dos decénios a interpretação que deles é dada, de tal sorte que só quando se retira o pensamento que os anima nos damos conta do vazio criado e da escolha que nos é imposta - a de substituir um por outro pensamento análogo que continue a ser o esteio de toda uma política, carecida de autonomia institucional; ou a de dar vida própria aos textos e às instituições para além do seu suporte humano.

Antes mesmo de optar, temos, no entanto, a noção de que cabem na interpretação dos mesmos textos e no quadro das mesmas instituições soluções diversas daquelas que durante tempos lhe foram dadas.

Aí está, portanto, uma situação ambígua, em que todas tis esperanças são consentidas para uns, todos os receios se mostram fundados para outros. Ambiguidade que permanecerá enquanto uma política não aparecer nítida, mais na precisão dos actos do que nas definições verbais.

Ora o regime político emergente da revolução de 1926 foi não só uma ordem constitucional completada por leis ordinárias, mas uma política, como assinalava em 18 de Fevereiro de 1965 o Chefe do Governo, que durante quase quarenta anos a encarnou.

Se recordo este contexto é porque isso me parece indispensável para apreciar e actuação do Deputado Pinto Leite, as resistências que encontrou, os entusiasmos que suscitou, os resultados que conseguiu.

A política que ele notavelmente defendeu, no seguimento da sua campanha eleitoral, foi uma política de verdade, uma política de progresso, uma política de concreto.

Foi-o na definição inicial da sua própria posição - "não me trazem aqui intenções de celebrar um passado recente ao qual em muitos pontos não adiro" - inteiramente coerente com os orientações que anteriormente expressara, assumindo A responsabilidade de publicamente manifestar as suas divergências.

Do princípio ao fim da sessão, verdade crua e corajosa na dificuldade dos problemas que analisou, na dureza sem contemplações da denúncia de situações, no enfrente polémico das reacções que suscitou.

Logo o demonstrou na sua primeira intervenção acerca da guerra do ultramar: "a guerra em si mesmo, qualquer guerra, a guerra em que Portugal está envolvido, não podia ser justificada, não carece de ser desculpada com argumentos de carácter económico [...] A minha homenagem e o meu apoio aos que se babem. O meu desacordo àqueles que fazem a defesa económica da guerra"

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Ousado realismo político no desbravar dos caminhos da Europa, que agora se começam a trilhar afoitamente, mas que na altura eram havidos por muitos como vias de deserção.

Antes mesmo da polémica aqui suscitada, tão ao gosto do seu feitio combativo, a opção europeia é apresentada em termos contundentes, que não suscitam então reacções e que há que citar para que melhor se apreenda como o que Finto Leite aqui disse em Janeiro corresponde à posição que havia de merecer consagração governamental: "Como já o tenho dito, penso que, a médio ou a longo prazo, a integridade da Nação Portuguesa como comunidade multirracial e pluricontineal só poderá ser mantida com base na independência política do território e esta só será viável desde que prossigamos uma hábil e oportuna política europeia, que nos assegure a indispensável participação no progresso económico, tecnológico e social das nações mais avançadas do Globo. Trata-se, portanto, de enunciar inversamente a tese que faz depender a independência política do próprio território metropolitano da manutenção du integridade de todas as parcelas do território nacional."

Estas opções haveriam de aqui ser contestadas, aquela tese viria a ser defendida em debates vivos, nos quais as suas intervenções de resposta iriam rebater os argumentos dos seus opositores, sem falso respeito pelas pessoas e pelas situações.

E o debate sobre a política de integração europeia que dá lugar aos seus mais completos, estruturados e arrasantes discursos.

Olhado então com certa desconfiança, mercê da defesa dessa política, não obstante a simpatia humana que sempre suscitava, ele reentraria agora com a satisfação de ver essas mesmas posições consagradas.

"Há quem sustente que a defesa do ultramar é imprescindível, porque a sua perda significaria a perda da independência de Portugal. Não estou de acordo", haveria de afirmar o Presidente do Conselho, permitindo concluir quem estava contra quem, quanto à Europa e quanto ao ultramar.

E seria com justíssimo regozijo que o ouviríamos aqui celebrar a abertura das negociações que nos preparam o caminho do Mercado Comum, ontem encetadas em Bruxelas.

Só a já assinalada ambiguidade do nosso contexto político explica que, durante a primeira, sessão, alguns entronizassem os reais opositores e houvessem encorado como dissidentes aqueles que afinal defendiam es posições que o Governo ia adoptando.

Quanto a este, dois traços caracterizam a actuação de Pinto Leite - apoio e antecipação. Apoio franco e confiante, especialmente ao Sr. Presidente do Conselho, sem excluir independência crítica relativamente aos actas e às instituições.

Antecipação nas soluções defendidas e mas vazões invocados, os factos demonstrando, como se viu, quem estava afinal na linha do Chefe do Governo.

Pedindo do progresso económico, social e político, Pinto Leite era o mais alto defensor parlamentar de uma política de centro reformista, esperança daqueles que entendem que a anarquia que tememos e a ditadura que não queremos só se conjuram com a existência de leis justas, claras e precisas, que, devidamente aplicadas pelos tribunais comuns, garantam o, dignidade da pessoa humana e o exercício efectivo das liberdades fundamentais.

Ele soube expressar a nossa indignação contra os actos de terrorismo, manifestando-se imediatamente contra os extremistas da esquerda e da direita a propósito da execução do embaixador Von Spreti.

E daqui apelou para o Sr. Presidente do Conselho, no sentido de enviar rapidamente às câmaras- ias leis tendentes à liberalização do condicionamento político em que temos vivido, condicionamento que ele próprio havia da experimentar com justa indignação quando, meses depois, prestou o seu depoimento a um semanário sobre os trabalhos da primeira sessão; infelizmente ficamos privados de tomar integral conhecimento das suas palavras, as últimas, suponho, que publicou.

Progresso político, ainda, o defendido na última intervenção que aqui lhe escutámos e que haveria de dar seus frutos em prometidas iniciativas legislativas: "Não posso deixar de afirmar que fazem ainda porte do nosso sistema político algumas disposições restritivas da liberdade, dos indivíduos, que serão possivelmente anticonstitucionais, que ferem a minha sensibilidade moral, e que tenciono apresentar na próxima sessão legislativa, coso o Governo nada tenha previsto nesse sentido, uma proposto de alteração a essas mesmas disposições."

Os seus amigos sabiam que a sua actividade política não era mais do que o prolongamento natural da sua forte e inteligente personalidade, do seu carácter generoso e honesto, corajoso e combativo, intransigente apenas com o imobilismo, a subserviência e o domínio de qualquer espécie, onde quer que se acoitassem.

Mas a Nação tem o direito de julgar os seus representantes em função da sua actuação política; por isso me parece essencial salientar os traços fundamentais daquela que José Pedro Pinto Leite desenvolveu generosamente e para a qual se preparara na seriedade do estudo e da reflexão; ela atesta melhor a dimensão da sua personalidade do que as palavras sinceras e sentidas que brotam de um conhecimento privado.

Dentro e fora desta Casa, o Deputado Pinto Leite desenvolveu uma actividade política constante, procurando a resolução dos problemas tanto na actuação discreta e ignorada junto dos responsáveis, tantas vezes frutuosa, como na intervenção contundente e na denúncia pública.

Sempre sem pensar em si, em projecção ou relevo pessoais, preocupado apenas com a obtenção do resultado útil e concreto em proveito do bem comum, em benefício das pessoas atingidas, como é característico da política autêntica, que se não compadece com o egocentrismo e a mesquinhez dos politiqueiros.

Por isso acorria com o mesmo entusiasmo à defesa dos grandes temas nacionais como à dos casos restritos a uma profissão ou instituição: beneficiários de pensões, professores do ciclo preparatório e do Conservatório Nacional, Escola Superior de Belas-Artes, foram temas que aqui trouxe dos muitos que suscitaram o seu interesse, que beneficiaram da sua actuação permanente como Deputado.

Tragicamente inexactas foram apenas as derradeiras palavras da sua primeira intervenção: "durante quatro anos terão de me aturar."

Mas nos quatro meses de uma sessão legou-nos de modo insuperável o exemplo alto do que é um Deputado, um político autêntico.

Prestigiou esta Câmara, a Nação e o próprio Governo.

Exemplo que nos responsabiliza gravemente e que nos move a sair do acabrunhamento da sua perda irreparável para o esforço da actividade política intensa a que nos chama o seu lugar vago e que a Nação tem o direito de nos exigir.

Não que alguém queira ou possa imitá-lo, mas que cada um a seu modo preste, mercê de um trabalho mais árduo, mais corajoso, mais aguerrido, o tributo que merece a sua memória e a de todos os que pereceram no

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desempenho do mandato que haviam recebido dos eleitores.

Ha momentos foi feita a apresentação do projecto de lei de imprensa, em concretização de iniciativas anteriores que ao Pinto Leite eram tão caras.

Estou certo de que outras iniciativas legislativas se seguirão, algumas das quais ele tinha já em mente na ideia exacta, que exprimiu, de que uma acção colaborante, mas sempre livre e independente, desde o- crítica à iniciativa legislativa, constituem para esta Assembleia a melhor forma de cooperar seno. subserviência com. os outros órgãos de soberania, dentro das funções que a Constituição lhe confere, para cujo desempenho fomos eleitos.

Entendo que se conseguirmos desse encargo desempenhar-nos cabal e frutuosamente, haveremos correspondido no dever de representação política nacional que sobre nós exclusivamente impende e teremos prestado à memória dos que pereceram homenagem justa e condigna, porque merecida e eficaz.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente: A V. Ex.ª eu dirijo a expressão acalorada do mais vivo reconhecimento, por nos terdes confiado a primeira palavra, a proferir nesta Casa, de preito muito sentido a memória dos nossos inditosos companheiros de missão, tombados, em holocausto à Pátria engrandecida, no chão pleno de força e nobreza da nossa Guiné, ora maculado por cáfilas malditas e traiçoeiras, mas que teima em querer, e há-de sê-lo pêlos tempos fora - tenhamos fé em Deus -, bem português.

Confessamos o esmagamento da nossa valia modesta por tamanha responsabilidade, a de memorar os vultos enormes destes homens que a crueldade do destino quis que de nós se apartassem tão cedo, roubando-nos o seu convívio do mais extremado interesse e afectuosidade, e quando tanto havia ainda a esperar deles, da pujança do seu extraordinário mérito e saber, e ânsia de serem prestantes à causa nacional, que devotadamente serviam, e já muitíssimo lhes devia.

Srs. Deputados: Com a alma fortemente alanceada pela intensidade da dor sentida, que a esponja implacável do tempo não conseguiu sequer esbater, mesmo ao de leve, falecem-nos as palavras que em perfeição traduzam a imagem rápida mas verdadeira do trágico acidente da Guiné, e menos ainda a mágoa profunda que guardamos bem gravada daqueles que, a servi-la na primeira linha de combate, caíram nela para todo o sempre, mas envoltos em glória, e que as águas arrebatadas e lamacentas do Mansoa ciosamente arrecadam, qual relicário a apontar ao Mundo, na irmandade dos sangues aí recolhidos, de corpos só diferenciados pela cor, a perenidade de uma pátria.

A Guiné é uma verdade nossa, absolutamente incontroversa.

Só quem nunca a pisou e auscultou o pulsar sinceramente português do coração dos suas gentes, gentes destemoradas na resistência à perfídia infame de bandos assoldadados, sabe-se a quem e porquê, e determinadas no seu apego à bandeira que as acolhe vai para mais de cinco séculos, pode acreditar nas mentiras torpes do nosso controle territorial extremamente diminuído e do desencontro das populações à nossa causa.

Nós próprios fomos para a Guiné cheios de dúvida e de Já viemos seguros do futuro da província, no seu querer vincado de nos seguir no recto caminhar em que vivemos.

Por isso é que as missões como esta que efectuámos de informação e esclarecimento, para quantos são responsáveis no viver do País, e como tal nesta Casa se obrigam a debruçar-se sobre problemas de tanta monta, tais são os que ao ultramar respeitam, deviam multiplicar-se, de tal maneira que a nenhum fosse dado ignorar a mais ínfima parcela territorial.

Isto já por muitas vezes aqui foi dito e tido em concordância de todos, mas preciso é que seja fielmente observado.

Só assim teremos o apercebimento exacto da nossa grandeza e da nossa razão.

Por assim o entendermos, aceitámos, não sem sacrifício, logo desprezado, o convite recebido para calcorrearmos por largos dias o chão montuoso de Cabo Verde e as planuras da Guiné, ao serviço da Assembleia Nacional.

Mas mais ainda a nossa condição de técnico da terra nos impôs a aceitação do convite, exactamente para vivermos os problemas dessa mesma terra em províncias onde sobretudo é ela que conta no seu enquadramento económico.

Extremamente acarinhados pelas populações cabo-verdianas e cheios de encantamento pela beleza deslumbrante dessas ilhas de majestade, com as quais a Natureza foi madrasta, e, por isso, se têm como algo infortunadas, deixámo-las para trás, com intenso saudosismo, e entrámos, em malfadada hora, na conturbada e pura nós mal conhecida Guiné.

Percorremo-la de lês a lês, pelo ar e em muitos quilómetros de estrada, no desmentido cabal de que o seu maior quinhão é pertença das hordas terroristas. Só vimos lá mandar, e por toda a parte, tão bem e com tanto acerto, a nossa governação, timonada pela mão de génio, com destemer e firmeza na acção, do governador da província, o general António de Spinola, a quem um dever de justiça me manda render a mais calorosa homenagem pela obra vultuosíssima, de perfeita concepção e realização esforçada, que está empreendendo "por uma Guiné melhor", para que tenhamos um Portugal maior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esse dia fatídico de 05 de Julho, o último dos nossos trabalhos, de memória inapagável, trazendo já em si o espectro da morte, paradoxalmente acordou cheio de vida, com um sol rútilo, sem a mais pequena mácula de névoa a turvá-lo, num verdadeiro inebriamento dos sentidos.

Por estrada, nos seus 90 km de bom asfalto, caminhámos com destina a Teixeira Pinto, ao encontro do Chão Maujaco, onde as tarefas sócio-económicas e culturais aí cumpridas pelas nossas forças armadas são tantas e tão frutuosas que não há palavras que as possam exaltai- no seu autêntico merecimento.

A esses nossos bravos rapazes, gigantes na valentia e intrepidez, que eu vi, nesse chão guineense, com uma mão na carabina e outra no arado, esculpindo com o máximo dos sacrifícios, a traços bem fundos, a figuração de uma Guiné mais viva, para uma Guiné maior e melhor, eu daqui, de muito longe, mas com o coração bem arrimado a eles, lhes dirijo, e aos seus comandantes, que sabem mesmo comandar, com a minha mais cordial e sincera saudação, um bem-haja muito sentido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados: Terminada que foi a visita a Teixeira Pinto, rumámos para Bissau, nos malfadados helicópteros, num entardecer algo enevoado e chuviscoso, mas com franca visibilidade, de que o comandante da formação tão cuidadosamente se apercebeu.

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Vinte minutos, pouco mais, seria o tempo desse voo de termo de missão, que em consciência todos a tínhamos por plenamente cumprida.

Mas eis que de súbito, sobre o rio tormentoso, uma dezena de minutos passada, fomos envolvidos por nuvens densamente enegrecidas, que nos travaram a marcha, e arrebatados por vento ciclónico, obrigando os helicópteros a cabriolas estonteantes. Umas clareiras abertas nos palmares do ilhéu de Jete recolheram dois dos aparelhos para lá arremessados em emergência providencial.

Lembramos todo este passo da tragédia tão-somente por ainda haver quem descreia da verdade do tornado maldito.

Os elementos revoltos vindos da banda das Dórcadas, ilhas citadas pelo Poeta na embocadura dos rios da Guiné, até parece que mais uma vez carrearam, espalhando a morte, a maldade viperina das Górgonas que as habitaram, e nesse dia infausto voltaram a ter lá assento!

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Infelizes companheiros aqueles que não tiveram por si a Providência que a nós nos amparou!

Mas não os choremos; honremo-los antes com as veras maiores do nosso sentir!

Morrendo pela Pátria -Pinto Buli, Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu e Pinto Leite -, libertaram-se da lei da morte, e aqui, nesta Casa, continuam espiritualmente a viver connosco lado a lado, alentando-nos para as tarefas ingentes que temos a desempenhar, para um amanhã sumamente avigorado, que encha de orgulho o sentimento arriagadamente português dos seus desditosos filhos e lhes dê a justa compensação da sua desventura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - "A terra da Guiné - disse-o ainda não há muito tempo o Sr. Presidente do Conselho -, adubada pelo sangue dos soldados portugueses há-de florescer", e agora, com mais este sangue derramado, por homens desta têmpera e valimento, afirmamo-lo nós, em plena consciência de certeza, que há-de mesmo dar flores bem férteis, que hão-de frutificar, e tanto, que a havemos de ter, por muitos longos tempos, inteira e grande, como se quer!

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Voltamos a reunirmos para o começo de mais uma sessão legislativa. Voltamos a esta Casa com os anseias, as esperanças, os entusiasmos e a determinação persistente que reflectem, em nossas consciências, as responsabilidades irrecusáveis do mandato que a Nação nos conferiu.

Mas, porque somos homens, alo reentrar no hemiciclo desta Sala, sentimo-nos ensombrados pela tristeza e tentados pelo lamento de nos considerarmos mais pobres.

Olhamos à nossa volta: Pinto Buli, Vicente da Abreu, Pinto Leite e Leonardo Coimbra - ontem, aqui, no convívio fraterno de homens que, por o serem, se respeitam e estimam na eventual diversidade dos formas de pensar e de agir!

Pinto Buli, no entusiasmo da sua permanente defesa dos mais profundos valores e interesses da sua tão querida Guiné, berço amorável e túmulo cioso do seu ilustre filho. Vicente de Abreu, na delicada discrição de um trato exemplar, voltado dedicada e apaixonadamente para os problemas da tenra, batendo-se por ela sem descanso, desinteressadamente e com todos as suas forcas. Pinto Leite, prodígio de energia e entusiasmo, servido por uma inteligência desempoeirada, um coração de ouro e afecta consciência, que sustentavam uma forte personalidade, inteiramente devotada aos ideais superiores de uma sociedade portuguesa cada vez mais justa e progressiva.

E Leonardo Coimbra, o S. Leonardo do nosso circulo do Porto, tão firme nas suas convicções como tolerante com as dos outros, retrato em corpo inteiro de um verdadeiro homem, no que a palavra tem de mais elevado e mais digno! Leonardo Coimbra, o conscientemente esquecido de si próprio para se entregar, por todos as formas, à defeso e promoção de uma sociedade mais justa, por mais autenticamente humana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: A sua notabilíssima obra de protecção à criança socialmente em dificuldades, de promoção da sua defesa contra a crueldade e o abandono, e da sua readaptação quando "interiormente empobrecida" e incapaz, por isso, de se adaptar por si própria os duros exigências" da vida - essa notabilíssima obra já constitui hoje um marco inapagável da passagem pela berra, nortenha da personalidade verdadeiramente apostólica de Leonardo Coimbra, filho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Leonardo Coimbra, o inquieto pensador dos problemas da juventude, o interessado estudioso e impulsionador do generalização de uma preventiva medicina do trabalho, o dedicado paladino da consideração urgente e sistemática dos problemas da velhice em todas as suas implicações humanas - Leonardo Coimbra tinha um passado parlamentar e projectos objectivos de futuro. Um e ou feros inseriam-se numa coerente unha de pensamento, em que o respeito pelo seu semelhante, como respeito integral que era, se animava ao calor de uma presença constante, origem, fim e medida de todos os seus actos; pois com Cristo, em Cristo e por Cristo vivia e trabalhava, confundindo com o seu destino, em fraterna humanidade integral e indestrutível, "os destinos mutilados e infelizes" que tonto ajudou a reconstruir e a salvar!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - "Ajudar o homem a possuir-se a si mesmo e a crescer em dignidade humana é a mais alta missão a que nos podemos entregar" - são palavras de Leonardo Coimbra.

Reconhecendo que a sua entrega foi total e que Deus, ao aceitá-la, lhe concedeu a suprema graça de encontrar, na hora própria, o caminho verdadeiro para a afirmação de uma vida valido e autêntico, compreendemos a razão profunda por que, com humildade, mas com avaliação consciente do seu significado, Leonardo Coimbra pode dizer: "Assim, hoje não me encontro solitário na existência!"

E, compreendendo-o, compreendemos também ser essa uma situação que transcende o próprio Leonardo Coimbra, na vida e na morte: comungamos dela, através da nossa participação nos seus anseios, nas suas preocupações e nos seus projectos. É o modo como os vivos podem participar na glória que a paz, de Deus concede aos seus eleitos chamados deste mundo.

Pinto Buli, Vicente de Abreu, Pinto Leite, Leonardo Coimbra!

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Ontem, aqui, no convívio fraterno de homens que se respeitam e estornam na eventual diversidade dos formas de pensar e de agir. Ontem, aqui - hoje, na melancolia dos seus lugares vazios, sentimos a sua presença invisível roçar-nos os pensamentos, inundar-nos os espíritos, caminhar connosco nos indispensáveis propósitos de um quotidiano parlamentar responsável, intenso e construtivo.

Perdemo-los?

Ficamos mais, pobres? A morte só empobrece quando os, vivos não merecem os mortos; e só desanima os que não liem coragem de realizar, mais sós, a sua missão. No recolhimento das nossas consciências, os parlamentares definitivamente ausentes do nosso convívio terreno continuam a participar dos nossos trabalhos, pelas nossas inquietações, anseios e esperanças, pela firme vontade que pusermos na efectivação válida Ido mandato que a Nação nos confiou " que eles tanto souberam honrar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Cotta Dias: - Sr. Presidente: Morreram no Guiné e em teatro de guerra, quando no exercício das suas funções parlamentares procuravam informar-se adequadamente sobre os problemas essenciais da província, quatro Deputados & Assembleia Nacional.

Tal é, nua e cruamente, o facto que se apresenta à meditação de todos nós, que há pouco mais de um ano com eles iniciámos uma cruzada em representação e em prol do País que sem eles teremos de continuar.

Meditar nada mais é - para ser alguma coisa de válido - do que o esforço para extrair da vida já vivida lições úteis à construção do futuro, sem que seja tal esforço redutível a mero exercício mental, rígido e frio como equação matemática.

O homem só compreende o que sente: ou o sentimento se encontra, palpitantemente, na raiz e no cerne de todo o raciocínio, ou o homem não irá além da superfície dos acontecimentos, sem jamais os entender na sua íntima essência.

A morte inesperada de quatro colegas nossos temos de a sentir primeiro com todas as fibras do nosso ser para podermos depois meditar sobre ela em termos de, pelo menos, essa morte não haver sido inútil.

Será este o único meio de prestarmos a Leonardo Coimbra, José Abreu, José Pedro Pinto Leite e Pinto Bull a nossa última e mais significativa homenagem: a de, meditando sobre a tragédia que os roubou do nosso convívio, adquiramos uma consciência mãos nítida e mais vigorosa dos deveres que sobre nós impendem e em nome dos quais, porque emanados dos interesses superiores da Pátria, eles se sacrificaram.

A Assembleia Nacional mão se limitara à exteriorização de um luto pesado, como sempre é o da Pátria, por aqueles filhos que no seu altar são imolados.

A morte, com a força do definitivo, sempre impôs aos vivos a reflexão sobre o significado profundo d"s coisas. Se por tal motivo nunca nenhuma morte foi em vão, esse sentimento deve, quando é a Pátria que enlutece, ser ansiosamente buscado, sondando os altos desígnios de Deus, como única origem possível de reconforto perante o insólito de todas as mortes, perante o que na interpretação temporal e limitada não causaria mais do que a expressão profunda do injustamente gratuito.

Meditemos como o morte nos impõe.

Morreram quatro homens.

Morreram ao serviço da Pátria.

Morreram sobrepondo aos seus egoísticos interesses pessoais, desde a comodidade a segurança, os interesses da Nação.

Morreram ensinando-nos a dimensão quase sobre-humana do civismo actuante, da entrega ao bem comum pela força irresistível de uma escala de valores em que o social prevalece, de forma categórica, sobre o individual.

Surge, em plena luz, o significado profundo do mandato que cada um de nós recebeu do País - mandato de inteira dedicação à coisa pública, mandato de trabalho isento de esforço desapaixonado, mandato de doação integral que pode ir, como foi o caso, até ao sacrifício da própria pessoa se os interesses da Nação o exigirem.

Na raiz do mandato parlamentar está o dever de documentação e conhecimento sobre os grandes problemas nacionais. No remanso dos gabinetes em meditação e estudo ou ao calor da vida no afrontar directo de todas as suas asperezas, há que cumprir dever tal para um desempenho honesto da missão que aceitámos.

Nessa qualidade que tinham de comum, nesse seu amor à objectividade, nesse quererem informar-se bem para bem decidir, nesse seu realismo estreme de homens de acção, vai muito da característica essencial do verdadeiro Deputado.

E a consciência das responsabilidades do mandato que aceitaram; é a consciência das responsabilidades do órgão de soberania que representam perante a Nação que os leva à Guiné ao encontro da morte.

E é essa a primeira lição que a sua morte nos dá. A missão parlamentar sai dela elevada e enobrecida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Morreram quatro homens cujos ideais, obviamente, não coincidiam em todos os pontos. Conhecemo-los nós com maneiras de ser diversas, formações intelectuais distintas, modos diferentes de ver e atacar determinados problemas e, se me é permitido exprimir-me assim, "programas de vida diferenciados". Numa coisa, porém, e essa fundamental, eram idênticos: no escrúpulo de objectivamente se informarem sobre as realidades nacionais, a fim de, na escolha das soluções a adoptar, se pautarem sempre, à margem do academismo de ideologias pré-fabricadas, pêlos imperativos decorrentes dos verdadeiros interesses do País.

Estamos aqui, não em nome de ideias feitas ou de receituários políticos padronizados neste ou naquele quadrante, mas em nome dos superiores interesses nacionais. Estamos aqui, não para exercícios escolares de dialéctica política, não para nos confrontarmos na defesa personalística de doutrinas ou de preconceitos mais ou menos enraizados em nós - mas para estudar escrupulosamente, com o espírito aberto e a consciência límpida, as realidades nacionais e para, determinados apenas por elas, encontrarmos as soluções que melhor sirvam os interesses fundamentais da comunidade portuguesa, projectados no tempo e considerados na ampla perspectiva espacial em que se situam.

Daí que, na morte dos nossos quatro colegas, nos interesse, não aquilo que entre si os distinguia, mas aquilo que magnificamente os identificava.

Os homens cuja morte lamentamos chegaram à Assembleia Nacional em diferentes momentos políticos e a partir de posições de que se não tornaria difícil focar a diversidade. Isso, que seria fácil, não estaria, porém, na linha mais pura da homenagem que queremos prestar-lhes.

A morte de todos juntos, juntos no mesmo espírito de missão, juntos na mesma ânsia de bem servir, comporte mais uma mensagem dolorosamente forte sobre o alto valor dos ideais que unem e a insignificância mesquinha das querelas que dividem.

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A herança moral que estas mortes noa averbam avoluma-se com a grandeza de tal mensagem.

Como sempre acontece, quando a distância ou o tempo apagam o fogo-fátuo dos subjectivismos arrogantes, é o que os unia, e não o que os separava, o que com maior nitidez se desenha na nossa memória respeitosa e o que mais os enraíza na nossa saudade.

Eis, meus senhores, a segunda lição que recebemos.

Esta, insisto, a grande lição que a sua união na morte indirectamente nos ensina: a da união fundamental que entre nós deve existir, consciencializada e actuante, em torno dos verdadeiros interesses nacionais.

Uniu-os, aliás, na tragédia que os vitimou, uma outra circunstancia pletórica de significado e sobre a qual indispensável é que muito se medite.

E que a morte destes quatro civis ocorreu juntamente com a de dois militares numa província em guerra, onde a nossa juventude se bate, sem regatear sacrifícios, pela integridade ida Pátria. E assim foi sublinhada com a imolação de muitas promissoras vidas n solidariedade e a coesão que ferreamente têm de existir entre a frente militar e a retaguarda civil.

Assim se ermanaram magnificamente, em idêntica e incondicional subordinação aos valores essenciais da comunidade portuguesa, os nossos quatro colegas, os dois oficiais que com eles morreram e a generosa mocidade que todos os dias cai nas diversas frentes dos nossos territórios ultramarinos.

Muitos são os que, em rasgos empolgantes que por conhecidos a Pátria pode borrar, ou ignorantemente em esforço anónimo não monos heróico, nas fileiras das forças militares ou de segurança arriscam a vida por ideais, e por eles muitas vezes a perdem. Seguramente, não são esses diferentes em nada dos Deputados que aqui invocamos.

A Nação é uma só, nas ideias-força de sentimento palpitante em que a própria nacionalidade se resume. A Nação só se converte em suprema realidade histórica e política se e na medida em que cada um de nós encontra remoções espontâneas, autênticos, a exprimirem adesão integral à hierarquia de valores que a informam e estrutura. "Portugal é uma maneira de ser, uma maneira de ser gente e uma maneira de ser povo." A Nação ou está em cada um de nós, na plenitude das opções fundamentais em que se analisa, ou não está em parte nenhuma.

E estava inteiramente nos quatro Deputados que morreram na Guiné, como estava inteiramente nos dois militares que os acompanharam na morte, como está, na quotidioneidade do seu esforço heróico em coda um dos que nas patrulhes, nas operações e emboscadas do moto, colocam a Pátria "cima- da sua própria vida.

E aí descobrimos uma outra lição: uma lição de portugalidade na sua mais elevada expressão.

Todos sentimos, de forma quase física, que a realidade subjacente nestas mortes é a do envolvimento completo da Nação mo esforço ultramarino. No altar em que as que recordamos se imolaram não pode deixar de oferecer-se em holocausto o sacrifício integral de um povo.

Símbolo doloroso e forte suo estais mortes do que deve ser a compreensão desse sacrifício que só é justo pedir a alguns se for de todos. E, se deixar de o ser, terá sido em vão o sacrifício dos nossos Amigos.

Saberemos, porém, colher o símbolo nele envolvido. Saberá o País que a missão ultramarina ou corresponde ao empenhamento integral de um povo, ou perde sentido o sacrifício de parte dele. Os civis não desmerecerão dos militares e, se estes caem na frente, aqueles têm de dar o seu esforço de trabalho, de vida sóbria, numa palavra, de dignidade cívica.

A retaguarda não desmerecerá da frente. Inspirando-nos no exemplo dos mortos que recordamos, importa que, cada um de nós, no desempenho das tarefas que nos competem, saibamos ser dignos dos que em Angola, em Moçambique ou da Guiné dão, afinal, muito mais do que nós damos para que Portugal continue a ser idêntico a si mesmo.

Um tema mais de meditação se impõe às nossas consciências, ao considerar que os quatro Deputado" mortos eram oriundos de recantos diversos do País.

Representando diferentes etnias, era um deles filho da própria província onde todos vieram a morrer, da mesma Guiné que gerou Honório Barreto.

Não estamos tripudiando, para colher efeitos políticos, sobre mortes que nós tão intensamente sentimos. Mas não podemos deixar de, por certo com o arrepio da dor, ser tocados pela força de demonstração tão directa e brutal daquilo que representa a maior força moral da presença portuguesa no Mundo, demonstração que, tanto como dolorosa, é definitiva e cabal. Também ela vem engrossar a nossa herança de responsabilidades morais e, também por ela, o sacrifício não pode ter sido em vão e terá de ser honrado.

Sr. Presidente e meus Senhores: Os sentimentos fortes são sempre escassos na sua expressão verbal. Quem vive intensamente uma emoção logo se apercebe de como a palavra é pobre para intensamente a exprimir.

E se entendi dever intervir nesta sessão, que é de homenagem aos quatro colegas nossos, mortos em missão, foi tão-só por me parecer necessário extrair do seu sacrifício o exemplo que nos deram e as lições que contém.

Nada do que se passa na vida é inútil, porque tudo só contém nos desígnios de Deus. Muito do que a razão humana não entende obedece a um propósito coerente e visa finalidades bem definidas, num contexto transcendental que nos escapa.

Perante o facto inexplicável, aparentemente gratuito, porventura revoltante, resta no homem procurar, com todos as forças da sua inteligência, algumas linhas da mensagem em que ele se traduz.

Também estas mortes inopinadas de José Pedro Pinto Leite, de José Abreu, do Pinto Buli e de Leonardo Coimbra, contêm uma mensagem poderosa, desdobram-se em ensinamento" do mais alto valor que me pareceu importante explicitar numa hora a que a emoção e a saudade conferem nobreza particular.

A Assembleia Nacional chora os seus mortos.

A Assembleia Nacional deve aprender com os seus mortos a ser cada vez mais genuína e intensamente aquilo que o País necessita que ela seja.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vamos passar à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A ordem do dia é constituída pela eleição dos 1.°, 2.º e 3.° Vice-Presidentes e dos 1.° e 2.º secretários da Mesa.

Nos termos do Regimento, esta eleição faz-se sobre listas que devem ser apresentadas e subscritas por cinco Srs. Deputados. Está agora na Mesa apenas uma lista que propõe para 1.º Vice-Presidente o Sr. Deputado José Guilherme de Melo e Castro, para 2.° Vice-Presidente e Sr. Deputado Armando Júlio de Roboredo e Silva, para 8.° Vice-Presidente o Sr. Deputado João Ruiz de Almeida Garrett, para 1.° secretário o Sr. Deputado João Nune

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Pimenta Serras e Silva Pereira e para 2.º secretário o Sr. Deputado João Bosco Soares Mota Amaral. Subscrevem esta lista os Srs. Deputados Gonçalves de Proença, Cotta Dias, Cancella de Abreu, Alberto Alarcão e Ribeiro Veloso. A fim de que se possa proceder a distribuição de exemplares desta lista e eventualmente de outras que venham a ser presentes na Mesa, interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas o 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Não foi apresentada mais nenhuma lista. Vai, pois, proceder-se ò chamada para efeitos de votação na eleição dos 1.°, 2.º e 3.º Vice-Presidentes e 1.° e 2.° secretários da Mesa.

Faz-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Convido os Srs. Deputados Leal de Oliveira e Macedo Correia para servirem de escrutinadores desta eleição.

Fez-se o escrutínio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Está concluído o escrutínio da eleição para os Vice-Presidentes e secretários da Mesa. Verificou-se que entraram, na urna 109 listas, tendo sido votados: para 1.° Vice-Presidente o Sr. Deputado José Guilherme de Melo e Castro, com 81 votos; para 2.° vice-presidente o Sr. Deputado Armando Júlio de Roboredo e Silva, com 107 votos; para 3.º vice-presidente o Sr. Deputado João Ruiz de Almeida Garrett, com 106 votos; para 1.º secretário o Sr. Deputado João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira, com 108 votos; para 2.º secretário o Sr. Deputado João Bosco Soares Mota Amaral, com 84 votos. Proclamo eleitos para completarem a Mesa da Assembleia Nacional os Srs. Deputados que acabo de mencionar, nos cargos referidos.

Agradeço aos Srs. Deputados que me secretariaram na abertura dos trabalhos a sua colaboração. Convido os Srs. secretários eleitos a tomarem os seus lugares, aproveitando o ensejo para os felicitar pela eleição.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados: A fira de iniciarem o estudo Ala proposta Ide lei de autorização de receitas e despesas para 1971, convoco para amanhã, às 14 horas e 30 minutos, a Comissão de Economia, apare as 18 horas, as Comissões da Economia e da Finanças, conjuntamente.

A fim da iniciar o estado das propostas de lei do teatro e do cinema, convoco a Comissão da Educação Nacional,

Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais para o dia 27, às l5 horas e 30 minutos.

A fim de iniciar o estudo do projecto de lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre a designação de vogais dos organismos de coordenação económica, convoco a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social para as 14 horas e 30 minutos do mesmo dia. Fica também convocada a Comissão de Economia pana se ocupar do estudo do mesmo projecto de lei.

As Comissões continuarão em trabalhos, até concluírem a apreciação dos temias que lhes estão agora dados como motivos de convocação, ao bom critério dos seus presidentes.

Amanhã haverá sessão à hora Regimental. Terá como tema a evocação da vida e obra do Presidente Salazar. Dada a solenidade da matéria, não haverá período de antes da ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Rui Pontífice Sousa.
Sinclética Soares dos Santos Torres.
Vasco Mania de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Santos da Cunha.
António Lopes Quadrado.
Custodia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Jorge Augusto Correia.

O REDACTOR - Januário Pinto.

IMPRENSA NACIONAL

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