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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 50

ANO DE 1970 3 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 50, EM 2 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 40 minutos.

Antes da Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 45, 46, 47 e 48 do Diário das Sessões.

O Sr. Presidente informou de que estavam na Mesa duas propostas de lei, uma relativa a revisão constitucional e outra ao condicionamento e organização da imprensa, as quais iam ser enviadas a Câmara Corporativa para obtenção de parecer e publicadas no Diário das Sessões.

Informou também que estava na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de automação das receitas e despesas para 1972, o qual ia ser publicado no Diário das Sessões.

Informou ainda estarem na Mesa os n.ºs 275, 276 e 277 do Diário do Governo e o suplemento ao n.° 278,1.ª série, gue inserem vários decretos-leis.

Deu também nota dos elementos e publicações recebidos, durante os intervalos das sessões, em satisfação de requerimentos de vários Srs. Deputados, sendo a respectiva relação publicada no Diário das Sessões. Igualmente deu indicação dos elementos fornecidos a vários Srs. Deputados em satisfação de requerimentos apresentados no decurso da primeira sessão legislativa.

Informou também que estava na Mesa uma nota do Ministério do Ultramar para esclarecimento do Sr. Deputado David Laima quanto ao aviso prévio apresentado na sessão de 29 de Abril, a qual ia ser publicada no Diário das Sessões.

Fez depois evocação da figura do falecido Deputado Covas Lima, mandando exarar no Diário dos Sessões um voto de pesar pela sua morte e ainda pela de mais três antigos Deputados e dos pais dos Srs. Deputados Barreto de Lara e Mota Amaral.

Transmitiu ainda aos Srs. Deputados os cumprimentos que o Sr. Embaixador do Brasil, por seu intermédio, lhes dirigiu, deslocando-se para o efeito a Assembleia.

O Sr. Deputado Lopes Frazão referiu-se também a figura e obra do falecido Deputado Covas Lima, de quem fez o elogio.

O Sr. Presidente mandou ainda exarar no Diário das Sessões um voto de pesar pela morte do pai do Sr. Deputado Dias das Neves.

Os Srs. Deputados Barreto de Lara e Mota Amaral agradeceram os votos de pesar pela morte de seus pais.

O Sr. Presidente interrompeu a sessão por alguns minutos.

Reaberta a sessão, usou da palavra o Sr. Presidente do Conselho, que se referiu a vários aspectos da conjuntura internacional e portuguesa e a proposta de lei de revisão constitucional, que a Assembleia em breve iria discutir.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Correia da Cunha.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Foi-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.

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António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Baú.
Rafael Avia de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Foras de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 86 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 45, 46, 47 e 48 do Diário das Sessões, relativos, respectivamente, à sessão de 29 de Abril último, às duas sessões de 30 do mesmo mês, e à sessão de 25 de Novembro.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados tem qualquer reclamação a fazer sobre estes números do Diário das Sessões, considero-os aprovados.

Vou adiar a leitura de algum expediente, uma vez que é bastante abundante o que se acumulou nos últimos tempos.

Informo a Assembleia de que estão na Mesa, enviadas pela Presidência do Conselho, duas propostas de lei, uma de revisão constitucional, outra relativa ao condicionamento e organização da imprensa. Vão ser enviadas a Câmara Corporativa, para que sobre elas emita pareceres, e publicadas no Diário das Sessões.

Está também na Mesa uma rectificação ao parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre a actividade de seguros e resseguros, a qual vai ser publicada no Diário das Sessões.

Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1971. Cópias deste parecer vão ser distribuídas pêlos Srs. Deputados, e a sua publicação vai ser feita no Diário das Sessões.

Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 275, 276 e 277 do Diário do Governo e o suplemento ao n.° 278, 1.ª série, respectivamente de 26, 27, 28 e 30 de Novembro findo, que inserem os seguintes decretos-leis:

N.º 585/70, que actualiza, a orgânica do Conselho de Inspecção de Jogos e dos respectivos serviços, adapta o quadro do pessoal do referido Conselho às exigências, resultantes dos actuais contratos de concessão, bem como da nova zona de jogo permanente do Algarve, e revoga várias disposições legislativas;

N.° 588/70, que procede à remodelação do regime de estabelecimento e exploração dos parques de campismo e revoga os Decretos-Leis n.°s 43 505 e 47 330;

N.° 590/70, que aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos do Sueste do Atlântico, concluída em Roma a 28 de Outubro de 1969;

N.° 593/70, que aprova, para ratificação, o Acordo Internacional do Açúcar.

Vai ser publicada no Diário das Sessões a relação dos elementos e publicações recebidos, durante o intervalo das sessões, através da Presidência, do Conselho, em sa

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tisfação dos requerimentos apresentados por diversos Srs. Deputados, aos quais já foram entregues os respectivos elementos.

Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinho Brandão na sessão de 15 de Abril; os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 29 de Abril; os elementos fornecidos pela Secretaria, de Estado da Informação e Turismo, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Aguiar e Silva; os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Leal de Oliveira na sessão de 8 de Abril; as publicações requeridas pelo Sr. Deputado João Manuel Alves, e os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Silva Mendes na sessão de 30 de Abril último.

Está também na Mesa uma nota do Ministério do Ultramar visando o esclarecimento do Sr. Deputado David Laima quanto à matéria do aviso prévio apresentado na sessão de 29 de Abril último. Essa nota fornece elementos sobre as medidas adoptados no campo do turismo e respectivas estruturas nas províncias ultramarinas e vai ser publicada no Diário das Sessões, tendo já sido entregue uma fotocópia dela àquele Sr. Deputado.

Há na Mesa várias notas de perguntas e as respostas do Governo a elas relativas, as quais serão lidas noutra sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: No passado dia 2 de Novembro faleceu o Sr. Deputado António Covas Lima, que, em representação do circulo de Beja, pertencia à actual legislatura. O Sr. Deputado Covas Lima era homem de grande projecção social e política, como frequentemente acontece aos médicos que aliam a uma alta capacidade profissional um grande espírito caritativo.

A enorme reputação e estima que o Sr. Deputado Covas Lima tinha adquirido em toda a região, onde carinhosamente prestava os seus serviços a todas as camadas da população, quis ele também pô-la, de certo modo, ao serviço nacional através de uma acção política que vinha de longe e que culminou na aceitação da candidatura para Deputado à Assembleia Nacional na corrente legislatura. Tivemos ocasião de o ouvir e, através da sua intervenção, medir com quanta profundidade ele se dedicava aos problemas que tocavam o bem-estar dos seus doentes e, sobretudo, à numerosa classe dos mineiros, que ele tão intensamente acompanhou e que tanto mostravam estimá-lo. Em representação da Assembleia e por impulso próprio acompanhei o seu funeral, e tive ocasião de ver, pelo número de pessoas que a ele concorreram, pela evidente diversidade de situações sociais dos elementos dessa multidão, pela expressão de pesar patente em muitos rostos, quanto o Sr. Deputado Covas Lima era estimado pêlos seus amigos e vizinhos e quanto foi sentida a sua perda. E, portanto, com dobrada confiança que proponho a VV. Ex.ªs que exaremos na nossa acta um voto de profundo pesar pelo seu passamento.

Faleceram durante o interregno parlamentar três antigos Deputados. Proponho que exaremos também em acta um voto de pesar pêlos seus falecimentos.

Faleceram ainda, infelizmente, os pais dos Srs. Deputados Barreto de Lara e Mota Amaral. Igualmente proponho outro voto de pesar pela sua perda.

Informo a Assembleia de que no passado dia 7 de Outubro o Sr. Embaixador do Brasil deslocou-se aqui pessoalmente e pediu-me para transmitir a VV. Ex.ªs cumprimentos que quis deixar para a Assembleia, juntamente com os que fez o favor de me apresentar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Frazão.

O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Está vazia a bancada n.° 14 desta Casa, e por infelicidade nossa, dos seus pares de círculo, das gentes de Beja e seu termo - "O meu Alentejo", no seu dizer - , mesmo do País, que tanto lhe ficou devendo, não torna ela a ser preenchida enquanto durar esta legislatura. Cada vez que a olhamos, cada vez que notamos ali a falta daquela grande figura, de extraordinária nobreza e de exemplar abnegação, que a ocupava tão bem com o primado do seu humanismo, tolhe-se-me a alma de dor profunda, marejam-se-me os olhos de lágrimas de saudade infinda.

O Dr. António Covas de Lima, que não nos sai do pensamento, tanta e tão forte a amizade que nos unia, mais robustecida agora pelo perigo que em comum vivemos no tão fatídico quão triste acidente da Guiné, era a personificação do homem autêntico, do homem todo escrito a maiúsculas, do homem só espírito, inteiramente despido da vil materialização terrena.

Daquela bancada, enquanto ele ali teve assento, para além da irradiação plena da sua natural simpatia, só escorriam palavras,, sempre tão simples, repassadas da mais intensa humanização, da bondade que à sua volta espalhava a rodos, do saber profundo da sua radiologia, que exercia em verdadeiro sacerdócio, da solidariedade sem limite, do idealismo político, o mais alevantado, totalmente vivido em princípios da máxima rectidão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todo ele era, no seu sentir arreigadamente social, persuasão e apaziguam era, sim, decidido na acção, mas sempre dominado da generosa ideia, que tanto o nobilitava, da mais franca concórdia.

O Dr. Covas Lima era, na expressão bem ditada de Ramalho, também um "colosso de bondade".

Não havia virtude alguma que ele não possuísse em grau de alta elevação, isto o dizemos em consciência plena de aperto. Isso lhe valeu, ainda não há muito tempo, pois foi em Junho de 1969, no seu quadragésimo ano de exercitação médica, em que Beja inteira lhe prestou justa e relevante homenagem, a apelidação, por colega seu e verdadeiro amigo, com boa propriedade, de "Santo António de Beja".

Nessa "jornada ímpar de consagração", como alguém lhe chamou, e bem, o Prof. Aires de Sousa, na exaltação da personalidade desse homem bom e tão magnânimo, afirmou que "no seu esforço para curar os outros, perdeu a própria vida, como as suas mãos o atestam, queimadas na chama de uma mística", aquela mística, dizemos nós, da medicina radiológica, que o dominou na vida e o entregou à morte, mas tão-só o seu corpo, que o espírito, esse, tão grande e generoso, dela se libertou, e, pairando acima de todos nós, aponta-nos o exemplo, de "como deve ser a vida para merecer a pena vivê-la".

E porque Covas Lima viveu a vida sempre para os outros e pêlos outros, o Governo entendeu, tão justamente, agraciá-lo, aquando da homenagem, com o grande-oficialato da Ordem de Benemerência, insígnia que lhe foi entregue por S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, já no seu leito de dor e agonia, em data recente da inauguração do

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Hospital Regional de Beja, do qual, por unanimidade do corpo clínico - e isto não é vulgar - foi aclamado seu director honorário. Mas - ingratidão do distino - Deus não lhe concedeu a graça de o pisar em funcionamento, ele que foi seu paladino denodado!

Também Beja, Serpa e Moura, e mais vilas baixo-alentejanas, o proclamaram então cidadão honorário e enriqueceram com o seu nome a toponímia dos seus arruamentos.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: E do entendimento dos povos, e bem assegurado, que uma desgraça nunca vem só. Como se não bastasse o trágico acidente da Guiné, levando-nos amigos e companheiros do mais elevado quilate, toldando-nos de saudade, é agora também o Dr. Covas Lima, que igualmente pêlos ares dessa província se ia perdendo, que nos falece, tingindo de cores as mais negras o nosso sentimento, já duramente atingido por forte provação.

O violento stress da Guiné, estamos em crê-lo, e seguramente que não erramos, rompeu, nesse organismo já adoecido, o equilíbrio da luta que nele se travava de há muito tempo, provocando o desencadear violento da ofensão, que o abateu em fulminância, roubando-o muito mais cedo ao convívio de tantos que lhe queriam tanto, privando-os do muito de si a que os habituou.

A obra social realizada pelo Dr. Covas Lima foi de uma riqueza incomensurável. Quantas lágrimas estancados pelo seu combate sem tréguas à doença e amparo à miséria, tantas vezes por ela gerada! Quantos contos de réis, muito para cima do milhar, gastos do seu bolso em chapas radiológicas, usadas para satisfação do seu saber incontido e a favor dos economicamente débeis da sua terra! E tudo isto feito na maior humildade e no máximo silêncio, o silêncio dos autenticamente bons e generosos! Que devoção, Santo Deus, a causa a que se entregou por inteiro da luta inclemente contra a Parca traiçoeira e em defesa dos desprotegidos da sorte!

O Dr. Covas Lima foi um dos maiores ofensores na batalha desencadeada no País contra a "peste branca", essa terrível tuberculose, que foi mesmo durante tantos anos uma autêntica peste!

Logo após a formatura, pelo ano de 1929, começa a sua preparação especializada, embrenhando-se na ciência de Roentgen, frequentando cursos de roentgenterapia e curieterapia no nosso Instituto Oncológico.

Em 1947, em colaboração com o seu colega e grande amigo Dr. Flávio Santos, que a morte também já levou, e prematuramente, faz o primeiro rastreio radiológico contra a tuberculose no País, observando então um grupo populacional numeroso e diversificado de crianças das escolas primárias e do liceu e ainda de mancebos ao entrarem na lida militar. Depois são os funcionários públicos, os desportistas - é ele o pioneiro do exame médico aos rapazes do desporto- e muitos rurais, que sujeita à observação radiológica absolutamente gratuita!

A "Seara do Dispensário", concepção sua do maior interesse social, dá-lhe alguma ajuda de meios que lhe possibilita o levar de vencida toda esta obra enorme em que se empenha acrisoladamente.

O Dr. Covas Lima luta, combate, sem desfalecimento, numa dádiva total da sua vida - de passadio extremamente perturbado por trabalho extenuante, mas que nunca o esmorece - à batalha duma contra a tuberculose, até que, ajudado pelas novas conquistas da ciência, acaba mesmo por vencer! A terrífica doença é praticamente dominada e deixa de causar preocupação de maior. Mas o Dr. Covas Lima, atento, lá Continua no seu Dispensário, de que foi director tantos anos a fio, a atender e a observar as suspeições e incípiências, para que não causem dano grave! E tantas são abortadas pela sua mão de mestre, de bem e de saber!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como lutador que sempre foi, e porque a ofensão tuberculosa enfraqueceu, entrega-se devotadamente, com toda a sua alma e todo o seu coração, à luta contra a silicose, que tanto ,vem afligindo os mineiros da região - de Aljustrel, S. Domingos, Cercal e Lousal -, "os seus mineiros", como ele tantas vezes o pronunciou.

O Sr. Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza!

O Sr. Cancela de Abreu: - Conhecendo, e muito bem, toda a acção que o Dr. Covas Lima desempenhou no campo das doenças pulmonares, não posso deixar de apoiar V. Ex.ª em todas as palavras que está dizendo. Relembro agora que um dos fitos, um dos ideais do nosso querido Dr. Covas Lima, era precisamente a inauguração do dispensário contra a tuberculose e contra a silicose em Aljustrel.

Mas queria apenas aqui dizer o seguinte: que em homenagem ao seu nome me parece que esse dispensário que vai ser inaugurado ficaria realçado se pudesse ter o nome do Dr. Covas Lima.

O Orador: - Eu agradeço a V. Ex.ª a achega que me deu, essa ajuda preciosíssima à intervenção que estou fazendo, e devo dizer a V. Ex.ª que o Dispensário de Aljustrel, que realmente deve ser inaugurado, creio que em breve, já tem o nome do Dr. Covas Lima.

O Orador: - Fez estudos aprofundados sobre os tão molestas pneumoconioses, que relatou em congressos vários; o seu interesse por essa grave doença profissional fá-lo sócio fundador da Sociedade de Medicina do Trabalho. Bate-se pelo Dispensário Anti-Silicótico de Aljustrel, e vence. Muito pouco falta já para ele entrar em acção fecunda; e eu daqui dirijo ao Sr. Ministro das Corporações e da Saúde, como preito à memória desse batalhador incansável pelas classes mais humildes, mas de grandeza e nobreza agigantadas, tal é esta dos mineiros de Portugal, que o Dr. Covas Lima, em sua intervenção nesta Assembleia, disse que "devia usufruir agora e sempre os benefícios a que tem incontestável direito, tal e qual como todas as outras classes profissionais", e assim por igual entendemos nós que deve ser o pedido veemente para que o Dispensário de Aljustrel seja posto com urgência em funcionamento efectivo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Dr. António Covas Lima foi ainda um adepto fervoroso do desporto regional, entregando-se a ele, como sempre, com extrema dedicação.

Jogador de futebol, e muito bom, assim no-lo disseram, nos seus tempos de menino e moço, nunca mais deixou de se possuir do vírus desportivo, que mesmo em pleno período de doença o minava intensamente. Foi dirigente do desporto local por largos anos, e até à data da sua morte ocupou o honroso cargo de delegado da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar em Beja.

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Tão bem se houve na acção do desporto, que o Governo lhe concedeu há anos a medalha de bons serviços desportivos.

E no seu entender justo de médico consciente e em ânsia social - que o homem para ser forte e capaz precisa de se realizar fisicamente - tinha como seu anelo maior, de há anos, a implantação em Beja de um pavilhão gimno-desportivo. Esta era uma das suas grandes flâmulas de acção política, que defendeu acaloradamente. Outro pedido, portanto, eu me permito fazer ao Governo, na pessoa do Sr. Subsecretário da Juventude e Desportos, que dê realização ao anseio, prometido, deste homem justo e bom, que tanto queria à sua Beja, que nela seja edificado, com a maior brevidade, e agora com o seu nome, o pavilhão onde ele antevia a mocidade da sua terra em pletora de vida.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este homem, que também foi político e dos grandes, propugnador acérrimo da "evolução na continuidade" e do "Estado social" de Marcelo Caetano, veio paca esta Casa, já doente, tão-só na fidelidade aos princípios que desassombradamente abraçou no convencimento pleno da sua franca positividade e validez e ainda pelo querer de conciliação, como era seu timbre, e pelo entranhado apego à causa nacional, que defendia com intransigência.

Srs. Deputados: Foi um caudal de lágrimas aquele que correu no dia do seu funeral, de toda uma multidão que o acompanhou à sua jazida ou se acotovelava nas ruas por onde passou o seu féretro e que, compungida, chorava e sentia, mas sentia mesmo, com a alma dilacerada pela dor, a perda desse homem grande de Beja!

Beja ficou, com a falta irreparável desse seu filho dilecto, e sua relíquia preciosa, extraordinariamente empobrecida, como mais pobres ficámos nós todos, os seus amigos verdadeiros. Mas não o ficou menos esta Assembleia, onde ainda interveio, e com tanto brilho, e à qual, nós sabemo-lo bem, ele já se tinha dado em franca devoção.

Todos o choramos por o sentirmos desaparecido, mas temo-lo bem vivo junto de nós, indicando-nos o rumo certo de uma vida certa para um Portugal, como ele queria, perfeito, melhor, inteiro, indivisível e grande, tão grande como grande era a sua alma de grande português.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Também faleceu recentemente o pai do Sr. Deputado Dias das Neves. Igualmente proponho à Assembleia que exaremos em acta um voto de pesar pelo seu falecimento.

O Sr. Barreto de Lara: - Peco a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barreto de Lara.

O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente: Pedi a palavra apenas para agradecer, muito penhorado, a V. Ex.ª e, na pessoa de V. Ex.ª à Assembleia a manifestação de pesar pela morte de meu pai.

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Desejo igualmente agradecer as expressões de condolência de V. Ex.ª, a que a Câmara quis associar-se, por motivo do recente falecimento de meu pai.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 16 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai usar da palavra, por direito próprio, o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional, Srs. Deputados: A presente sessão legislativa foi iniciada nesta Casa com a justa homenagem prestada aos Deputados que no decorrer da missão de estudo a Cabo Verde e à Guiné, para que haviam sido convidados, encontraram a morto numa catástrofe invulgar.

O Governo partilha do pesar da Assembleia pela perda desses seus membros, perda posteriormente acrescida pelo falecimento de outro componente da missão, cuja precária saúde não resistiu ao abalo da comoção sofrida. É com profundo sentimento se associa ao louvor das pessoais e à exaltação do serviço público cujo cumprimento esteve na origem da sua morte.

Não esqueceu a Assembleia os militares que pereceram no desastre fatal: também o Governo quer acompanhá-la no respeitoso preito rendido à memória dos soldados que, fiéis ao seu dever para com a Pátria, têm tombado ao serviço dela.

É esta a primeira sessão que a Assembleia realiza após o falecimento do Presidente Salazar, e sublinharam VV. Ex.ªs, como mandatários do povo português, os altos serviços que o Pote ficou a dever à personalidade ímpar durante quarenta anos esteve à frente dos seus destinos.

Desde Setembro de 1968 que o Doutor Salazar não intervinha nos negócios públicos. O estado de sua saúde após a grave crise que forçou a substituí-lo no Governo não permitiu que eu com ele conversasse alguma vez na qualidade de Presidente do Conselho. Não foi a sua presença física neste mundo que me impedia, pois, a tomada de qualquer decisão política por mim julgada necessária ou oportuna. Enganam-se os que pensam o contrário e supuseram que a morte do grande homem removera algum obstáculo à realização dos projectos do novo Governo. Porque o respeito que tento pela sua figura, pelas suas ideias e pela sua obra depois de morto é exactamente o mesmo que me inspiravam enquanto ele vivo.

Ao tomar conta do Governo, logo anunciei que não hesitaria perante as reformas necessárias. Assim tenho procedido, reformando aquilo que careça de ser melhorado, alterando o que pareça exigir modificação, nas oportunidades que se me afiguram propícias, segundo as linhas julgadas convenientes ao País, mas sem espírito de demolição, nem frenesi de mudança. Oiço, volta não volta, perguntar se no rumo adoptado se opta pela continuidade ou pela renovação. Eis uma pergunta a meus olhos injustificada. A vida da Nação exige continuidade, e só nela pode inserir-se fecundamente a renovação. Não há, pois, que colocar a questão em termos disjuntivos, não há que escolher entre continuidade ou renovação, mas apenas que afirmar o propósito de renovação na continuidade, isto é, de seguirmos sendo quem somos, mas sem nos deixarmos anquilosar, envelhecer e ultrapassar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A maior homenagem que se pode prestar ao Doutor Salazar não é querer que o País permaneça imobilizado num determinado ponto que se julgue corresponder ao óptimo do seu pensamento político, mas, pelo con-

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trário, impulsionar vigorosamente o progresso da Nação Portuguesa, fazendo frente aos desafios que a todo o momento surgem na sua marcha, com o mesmo vigor mental, a mesma serenidade critica e a mesma vontade tenaz que foram apanágio da excepcional personalidade do grande homem de Estado cuja perda deploramos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos hesitar perante as decisões a tomar, nem tremer aos menores abalos de uma paz que por toda a parte é precária, nem desorientar-nos com as modos das ideias que andam, desvairadas, a torvelinhar nos "ventos da história", soprados para benefício de interesses e ideologias radicalmente contrarias às conveniências do povo português.

A fortaleza de ânimo não deve ser apenas apanágio dos governantes, mas também uma virtude dos governados. Não estamos a percorrer caminhos fáceis. Nem a viver tempos calmos. Habituámo-nos durante anos à segurança de um sossego para o qual talvez não contribuíssemos directamente, mas que as instituições garantiam com vigilância atenta e pronta repressão. E dever do Estado não afrouxar a sua actividade protectora da paz interna. Mas seria errado que à sombra dessa protecção os cidadãos adormecessem na ignorância dos perigos que espreitam a sociedade e das ameaças que pairam sobre a própria Pátria.

Nos últimos anos desenvolveu-se, como um incêndio, entre a juventude a ideologia revolucionária, marcada com a revivescência das críticas, dos métodos a dos ideais anarquistas. Condenado embora ao insucesso, como sucedeu noutros períodos da história, o movimento anarquista, qualquer que seja o partido, a seita ou a escola sob cuja égide se coloca ou com cujo disfarce se manifesta, encontra pela frente uma sociedade emburguesada, onde os interesses contam mais do que os princípios, com escasso espírito combativo e amortecidos instintos de autodefesa.

As instituições sociais onde tradicionalmente se formavam as novas gerações - a família, a Igreja, a escola ... - estão minadas ou acham-se vacilantes. Dir-se-ia que a maioria dos educadores perdeu a fé nas normas de vida que foram herdadas dos nossos maiores e que nos competia transmitir aos vindouros.

Por ora, a massa popular conserva as qualidades e as virtudes que sempre foram características do povo português. Mas o desequilíbrio entre as nossas condições económico-sociais e as dos países do Centro da Europa, conjugado com a mobilidade das pessoas, que as circunstâncias da vida contemporânea e o velho espírito de aventura que nos está na massa do sangue favorecem, fez aumentar o número dos emigrantes, dando novo cariz a esse fenómeno endémico da economia nacional e criando sérios problemas internos de mão-de-obra e graves apreensões para o futuro.

Sempre que encontro governantes de países onde se empregam trabalhadores portugueses oiço espontâneos louvores à nossa gente - sóbria, disciplinada, sã e produtiva. Os que regressarem trarão talvez melhores técnicas e novos hábitos.

Admito, como vêem, que as técnicas adquiridas sejam melhores; dos hábitos, uns serão, outros não. De qualquer maneira, a estabilidade social dos meios rurais está profundamente afectada pela emigração e pela industrialização, e teremos de contar com alguns anos de desajustamento e de reajustamento. Anos difíceis, para os quais não bastará confiar na rotina das práticas e no empirismo das soluções.

Tanto mais que, como constantemente se tem avisado desde há muito tempo, as próprias actividades económicas não podem continuar a contar com o estilo de protecção adoptado em conjunturas bem diferentes. Numa Europa que abate barreiras para permitir entre os países a liberdade de circulação de capitais, de mercadorias e de pessoas, é-nos impossível constituir excepção. Desde o início desse movimento que o País participa nele: trabalhámos na organização da zona de livre câmbio no seio da extinta O. E. C. E., fomos um dos fundadores da Associação Europeia de Comércio Livre, e na perspectiva da extinção desta estamos dispostos a associar-nos à Comunidade Económica Europeia ou Mercado Comum.

O Estado não abandonará as indústrias portuguesas, mas ser-lhe-á impossível protegê-las como na época áurea do condicionamento e das muralhas aduaneiras. Logo nos alvores da cooperação europeia, já lá vão três lustros, se preveniu disso os industriais, e para lhes dar tempo a prepararem-se obteve o Governo, aquando do ingresso nu E. F. T. A., condições muito favoráveis de transição. Apesar disso, é visível que teremos aí também um factor de instabilidade económica e social.

Ora tudo isto se passa enquanto sustentamos em três províncias ultramarinas o embate das guerrilhas que dos territórios vizinhos vêm semear inquietação e ruínas em certas regiões.

Contra nós foi desencadeada uma guerra subversiva que não surgiu da revolta das populações, que não traduz a aversão dos portugueses do ultramar contra a sua Pátria, que não representa o anseio de velhas nações, despojadas injustamente da soberania, reencontrarem a independência perdida ... As populações querem, sobretudo, trabalhar e viver em paz, em todo o ultramar a bandeira verde-rubra é amada e respeitada, em nenhuma das províncias existia há quinhentos anos, quando se tornaram portuguesas, nação ètnicamente homogénea e politicamente organizada que houvéssemos oprimido.

Os vários movimentos, chamados "libertadores", que nos duo combate na Guiné, em Angola e em Moçambique foram formados no estrangeiro, com dirigentes que o estrangeiro sustenta e apoia, e é de territórios estrangeiros que nos desferem os ataques e enviam os guerrilheiros.

Uma vasta organização de países africanos, asiáticos e socialistas conspira contra Portugal, acoitando quantos se apresentem como nossos inimigos, subsidiando as actividades terroristas, fornecendo armas, material e instrutores às guerrilhas e movimentando no mundo a propaganda antiportuguesa, que na tribuna das Nações Unidas encontra o seu púlpito de eleição, mas que depois se insere nos meios informativos através da falsa notícia e do comentário insidioso, quando não do ataque impudico.

Somos, assim, acusados, perante o mundo, de réus dos mais nefandos crimes: o catálogo clássico dos delitos teve de ser alargado para nele se incluírem as acções cuja autoria nos imputam. Pois, imagine-se que a nossa perversidade vai até no ponto de estarmos a construir na bacia do Zambeze uma das maiores barragens do mundo, que, além de permitir produzir energia em larga escala, irá facilitar o ordenamento, a cultura e o enriquecimento de vasta área a jusante. E não contentes com isso, também prosseguimos no aproveitamento do rio Cunene, procurando regularizar o seu curso, produzir maiores quantidades de energia e dar às suas águas a utilidade de regar largos espaços desolados, onde a agricultura e a pecuária possam florescer!

Criminosos inveterados, segundo vociferam os nossos inimigos, são maiores ainda os nossos malefícios: porque nas terras quase desertas do continente africano, onde as densidades populacionais são das mais baixas

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do Globo, queremos criar condições económicas e sanitárias que favoreçam a vida e permitam aos homens, pretos ou brancos, fixar-se em harmoniosa comunhão de objectivos e útil colaboração de esforços.

Em Cabora Bassa, símbolo da nossa vontade de criar riqueza para valorizar a África, acordando da inutilidade do seu desperdício milenário as forças da Natureza para as pôr ao serviço do homem, em Cabora Bossa que, por isso mesmo, os nossos inimigos escolheram para alvo das suas mais venenosas acusações e diatribes, homens de diferentes etnias trabalham lado a lado, irmanados no propósito de substituir à África das lutas tribais, da fome endémica, da humanidade ignorante e enferma, do medo, da magia e do feitiço, uma África nova que, sem negar os seus valores morais e sociais positivos, tome lugar no mundo civilizado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ali, nas escolas dos estaleiros onde a obra nasce para impor a disciplina da razoo humana ao tumulto impetuoso das águas, encontram-se lado a lado, sem discriminação, as crianças pretas e brancas, aprendendo as mesmas palavras, cantando as mesmas canções, rezando os mesmas preces e preparando-se para o destino comum!

É isto que em Cabora Bassa os críticos podem verificar com o simples esforço de lá irem vê-lo pêlos seus olhos, com olhos limpidamente dispostos a reflectir a verdade, isto é a prática em todo o mundo português, esta é a política que não nos cansamos de proclamar e, mais do que isso, de viver.

O ataque desencadeado contra Portugal pela construção de Cabora Bassa é, porém, bem significativo do carácter da guerra que nos movem.

Enganar-se-ia redondamente quem pensasse que nesta campanha o principal são as operações militares. A guerra subversiva difere por completo das guerras clássicas. Na luta que hoje se trava mo ultramar português o que se disputa não são areais, vilas ou cidades; não há batalhas, nem vitórias consequentes a choques de forças armadas; o que está em causa são as almas, é a adesão das populações.

Por isso mesmo só a rotina pode justificar que mós boletins das operações se mencione o inúmero dos inimigos mortos. E que os mortos são uma fatalidade da guerra de que nos não orgulhamos: o que conta, sim, é o número doa vivos que a mossa protecção, a nossa acção psicológica, as nossas razões, juntamente com os benefícios da Administração, consigam manter armes e tranquilos na fidelidade a Portugal.

E é pelo facto die estarem em causa as ideias, os sentimentos e as adesões que as armas a brandir não são apenas as clássicas, que feirem e matam os corpos, mas as modernas destinadas a impressionar e a persuadir os espíritos.

Isto, sabe-o e pratica-o o adversário a coda momento. A guerra subversiva é um combate que se dissemina aos territórios e infiltra, nas retaguardas. O cansaço da luta prolongada, a insinuação dais objecções de consciência, a perversão dos costumes, a corrupção da mentalidade, a destruição dos conceitos de honra pessoal, de dever cívico e de amor pátrio, tudo isso faz parte de num plano de desagregação da frente interna, enquanto pelo rasto do mundo se ensaiem todos os meios de pressão susceptíveis de procurar conduzir o País à mudança da sua política ultramarina.

E nesse caminho não há preocupações de coerência, nem escrúpulos morais. Não vemos por esse mundo homens que se intitulam democratas afirmar que o Chefe
do Governo Português - ele próprio, por um acto pessoal - deveria quanto antes consumar o abandono dias províncias ultramarinas, negociando a sua entrega aos bandos terroristas?

Julgava eu que o procedimento democrático era o seguido há um ano: submeter ao sufrágio popular esse problema vital da Nação Portuguesa. A resposta, aquém e além-mar, foi clara, inequívoca, esmagadoramente decisiva. Só uma atitude de franco desrespeito pela sua vontade, atitude que não seria apenas ditatorial porque seria tirânica, podia levar o Chefe do Governo a renegar o mandato recebido. O apelo à tirania não pode acobertasse decentemente com o manto da democracia.

É neste contexto de condições em que decorre a vida portuguesa que a Assembleia Nacional vai debruçar-se sobre a proposta de lei da revisão constitucional. Foi com essas condições presentes no seu espírito que o Governo a elaborou.

Uma ideia fundamental serviu de ponto de partida para a revisão proposta: a estrutura política da Constituição de 1933 deve ser mantida. Primeiro, porque, concebida de acordo com as lições da experiência nacional e segundo princípios cientificamente válidos, deu boas provas durante a vigência de quase quarenta anos, duração só excedida na nossa história pela Carta Constitucional de 1826. E em segundo lugar, porque rever não é substituir, e não se trata de decretar uma nova Constituição, de que o País não sente necessidade e para o que não conferiu mandato à Assembleia eleita.

Não foi tocado, portanto, o estatuto da Presidência da República.

Embora de feição acentuadamente presidencialista, a Constituição não fez do Chefe do Estado o Chefe do Governo. Essa distinção de funções afigura-se-me das mais felizes soluções da nossa lei fundamental.

Noutros países, com outras tradições e outros costumes políticos, as coisas podem ser diferentes. Entre nós há toda a vantagem em conservar o Chefe do Estado fora das responsabilidades quotidianas da governação, mantendo-o como suprema instância julgadora do procedimento e do modo de funcionamento dos outros órgãos da soberania, sobretudo o Governo e a Assembleia Nacional.

Será discutível a forma de eleição do Chefe do Estado. Mas não se afigurou conveniente, a tão curta distância da resolução tomada sobre o assunto na última revisão, voltar a controvertê-lo. Há que prosseguir na experiência da fórmula adoptada e colher daí lição para mais tarde formar um juízo fundado sobre a conveniência de a conservar ou substituir.

O Chefe do Estado designa o Presidente do Conselho de Ministros, que só perante ele responde pêlos seus actos e os do governo que constitui. Esse governo tem assim garantias de estabilidade e a Constituição dá-lhe poderes suficientes para conduzir com firmeza, coerência e continuidade a administração interna e a política internacional. O que há quarenta anos se chamava o "predomínio do Executivo" segue hoje sendo, e cada vez mais, uma necessidade vital. Não só para Portugal: mas para todos os países, cujas constituições, de uma forma ou de outra, têm procurado chegar aos mesmos resultados. Não há razão para aí introduzir grandes modificações.

Quanto à Assembleia Nacional, a sua função constitucional é sobretudo fiscalizadora, incentivado", representativa. Na revisão actual procura-se, todavia, ampliar-lhe as atribuições legislativas pela extensão da lista das matérias reservadas à sua competência exclusiva. E, seguindo uma tendência universal, de acordo com as aspirações manifestadas também no seio da Assembleia, dão-se mais largas possibilidades de funcionamento às comissões.

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Tem o Governo buscado valorizar cada vez mais a colaboração da Câmara Corporativa na publicação dos decretos-leis. A Câmara, que durante a sua existência se revelou uma das mais úteis instituições constitucionais, continuará a ser o apoio consultivo da Assembleia Nacional e do Governo, permitindo que se exprimam autorizadamente os interesses nela representados.

A Constituição assegura aos tribunais as garantias de justiça independente e imparcial. O estatuto dos juizes é da competência exclusiva da Assembleia Nacional. Podemos falar com orgulho da magistratura portuguesa; é com respeito que deveremos considerar o exercício da função judicial no nosso pais. Os princípios que a regem não ficam letra morta nas leis: são normas há muito praticadas, arreigadamente introduzidas na ética, e que nem os governantes se atreveriam a restringir nem os magistrados tolerariam que fossem violadas.

O Governo limita-se a propor neste capítulo uma alteração tendente a tornar mais eficaz a fiscalização da constitucionalidade das leis, prevendo-se que a competência para a decisão dos incidentes processuais suscitados nessa matéria possa ser atribuída a um só tribunal supremo, de modo a evitar a dispersão da jurisprudência e permitindo até conferir força obrigatória geral aos julgamentos proferidos.

Mantida a estrutura fundamental dos poderes do Estado, examinou-se depois cautelosamente tudo quanto respeita aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses.

Uma questão prévia tínhamos aqui a resolver: A da extensão doa direitos da cidadania portuguesa aos Brasileiros, em correspondência, por reciprocidade, com o disposto recentemente na Constituição do Brasil.

Os constituintes da nação irmã deram, com a inclusão na lei constitucional do preceito que equipara juridicamente os Portugueses aos Brasileiros, um passo largo e arrojado no caminho da criação de uma efectiva comunidade luso-brasileira.

Desde há muito os juristas dos dois países consideravam imperativo definir para os portugueses no Brasil e para os brasileiros em Portugal um estatuto que, nos primeiros estudos, foi designado de quase nacionalidade. O direito tem de reflectir as realidades, disciplinando-as, mas sem as violentar. Ora, a realidade é que, pela comunhão da língua, pêlos laços familiares, pela analogia dos costumes e hábitos, os nacionais de um dos países se não sentem estrangeiros no outro. E mais: em Portugal o sentimento popular e o consenso comum não reputam de estrangeiros os Brasileiros, assim como no Brasil os Portugueses se fundem no meio desde a chegada à terra, como se de nacionais se tratasse.

Foi, pois, com alvoroço que o Governo Português tomou conhecimento da iniciativa consagrada na Constituição do Brasil. E logo nos apressámos a entabular negociações para se concertarem condutas, a fim de que nos dois países não divergissem as leis reguladoras do novo estatuto.

A Constituição Portuguesa tinha de ser alterada para permitir a publicação da nossa lei interna ou o ajuste de qualquer acordo internacional sobre a matéria. Tendes agora em vossa mão a proposta. Não escondo que a sua aprovação, além de ser motivo de júbilo justificado para os dois países, me causará o maior prazer. Há trinta anos que defendo esta doutrina. Relembrei-a em acto soleníssimo celebrado no Rio de Janeiro, por ocasião da minha visita oficial, quando fui investido no grau de doutor honoris causa e no título de professor honorário da sua Universidade Federal. E a lembrança não foi em vão. Ouviram-na membros ilustres do Governo, juristas prestigiosos e autorizados, jornalistas eminentes - e porque a ideia correspondia a uma opinião já amadurecida e a um sentimento de há muito radicado, logo fez o seu caminho. Não seremos nós a embaraçá-lo!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a declaração de direitos constantes do artigo 8.°, nela se encontram incluídas todas as garantias fundamentais de que depende, nas sociedades civilizadas de tipo ocidental europeu, o respeito da personalidade individual. As alterações a introduzir visam reforçar as garantias judiciárias dos arguidos, a regular mais estritamente a prisão preventiva e a consagrar em termos genéricos a faculdade de recorrer contenciosamente dos actos administrativos definitivos e executórios que os interessados consideram terem sido praticados com violação da lei.

É corrente falar-se, a propósito da acção do governo da minha presidência, em liberalização. Professor vai para quarenta anos de disciplinas de direito público, não se estranhará que tenha uma formação que pode ser considerada liberal. Mas todos quantos me conhecem ou tenham lido as minhas obras sabem qual o meu conceito de liberdade. Para o jurista, que sou, a liberdade individual não pode ser avaliada fora do meio social em que os cidadãos vivem e relativamente ao qual têm deveres imperiosos a respeitar e a cumprir. A liberdade não é o capricho, não é o reino do egoísmo fantasista de cada um, não é a licença do procedimento anárquico: é a faculdade que se reconhece às pessoas de obedecer às leis mais do que aos homens, o direito de só se ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa em consequência de lei geral, isto é, que preceitue em termos iguais para quantos se encontrem em iguais condições.

Não há, pois, antinomia entre a Uberdade e a lei: pelo contrário, não pode haver garantia da liberdade de cada um sem lei que paute o procedimento de todos, de modo a evitar os choques de interesses, de apetites, de cobiças, dos indivíduos entre si e a lesão da paz social e do interesse colectivo.

Essa harmonização de interesses e conveniências, de modo a manter cada qual na sua órbita e a permitir a normal conveniência na sociedade, fazendo prevalecer nela a justiça, é o que se chama a ordem.

A missão da autoridade na variedade dos seus órgãos e manifestações, seja o Poder que legisla, seja o Governo que executa, sejam os tribunais que julgam, seja a Administração que prevê, orienta e providencia, a missão da autoridade, dizia eu, é a de sustentar e conservar essa ordem, sem a qual os direitos individuais são precários e as liberdades não passam de platónicas ilusões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Garantindo aos indivíduos meios eficazes de conter o Poder dentro da legalidade e de defender os seus direitos ameaçados ou ofendidos por actos ilegais, contribui-se para assegurar a ordem jurídica.

O desiderato de todos os governos ilegítimos é a manutenção do equilíbrio entre a liberdade dos indivíduos e a autoridade que lhes deve garantir a vida, a integridade pessoal, a propriedade, a prática religiosa, o bom nome e reputação e os outros direitos fundamentais da personalidade.

Em países onde arreigadas tradições de civismo dão aos indivíduos consciência dos limites dos seus direitos e da extensão dos seus deveres sociais talvez possam ser menos explícitas as leis e mais restrita a intervenção da autoridade.

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Entre nós, porém, passará ainda tempo antes que seja possível dispensar as leis que regulam o exercício das liberdades e reduzir os órgãos e agentes da autoridade a meros espectadores da actividade dos cidadãos.

Nem creio, aliás, que essa seja a tendência actual dos Estados. O aparecimento em cena de grandes massas de gente cada vez mais impaciente, inconformada e desejosa de fazer a sua vontade ca vida social; o desregramento de costumes de certos movimentos juvenis; o recrudescimento da violência manifestado por todo o lado em atentados, assaltos, raptos e outros actos de subversão, tudo isso impõe que o Poder não se desarme e, pelo contrário, tenha de reforçar os meios de intervenção para prevenir e proteger legítimos interesses individuais e a própria subsistência da sociedade civilizada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que respeita ao nosso país, se é certo que na metrópole a vida decorre mais tranquila e pacificamente do que na maior parte do mundo e se não é menos verdade que a mesma paz e tranquilidade se respiram na quase totalidade dos territórios ultramarinos, torna-se impossível esquecer a luta que os movimentos terroristas nos movem em certas regiões desses territórios e a campanha a que já vos fiz referência com que poderosos inimigos procuram fazer vacilar e obrigar a ceder a retaguarda.

Ao tomar posse do Governo, recordando esse estado de coisas, afirmei que "em tal situação de emergência há que continuar a pedir sacrifícios a todos, inclusivamente nalgumas liberdades que se desejaria ver restauradas".

Desde então nunca perdi o ensejo de informar o País dos perigos que o ameaçam e da necessidade de manter essa atitude de sacrifício, que procurei em todos os domínios reduzir o mais possível, seja na restrição da liberdade de imprensa (a comparação dos jornais hoje publicados com os de há três amos mostrará o esforço realizado para a aliviar), seja no plano fiscal, onde o peso tributário está longe de atingir o normal em finanças de guerra.

Mas as circunstâncias críticas não se modificaram: o País tem de continuar a manter-se unido e vigilante para fazer frente vitoriosamente aos seus inimigos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Governo vai abrindo caminhos para a normalidade, vai descomprimindo pressões desnecessárias, vai procurando criar nos portugueses maior consciência dos seus direitos e das suas responsabilidades, mas não pode abdicar dos meios de intervenção sem os quais lhe seria impossível corresponder ao grave e pesado mandato de defesa da integridade territorial do País que a Nação lhe cometeu.

(Aplausos.)

Em vários países do Norte e do Sul da América, por exemplo, o terrorismo interno tem forçado à proclamação do estado de sitio. Como se sabe, o estado de sítio corresponde à instauração da lei marcial, com entrega dos poderes à autoridade militar. Temos procurado evitar, nas próprias províncias ultramarinas, essa solução drástica e mantivemos sempre a supremacia do poder civil. Apesar da gravidade dos ataques de que somos objecto em três províncias, a verdade é que, mesmo no território delas, disse-o ainda agora, predominam as áreas onde reina a paz. Mas também já lembrei que a subversão é insidiosa; que não precisa do terrorismo para se manifestar; que usa de armas subtis para se infiltrar nos espíritos; que trabalha para alcançar os seus fins em todo o espaço nacional e possui apoios em poises estrangeiros. Por isso, o Governo tem de estar, nestes casos de subversão grave, apetrechado com os poderes necessários para lhe fazer face onde quer que, de uma maneira ou de outra, ela se manifeste. 33 o que se propõe na revisão constitucional. Besta-me fazer referência as profundas modificações introduzidas nos preceitos constitucionais relativos ao ultramar.

Como se sabe, até 1951 tínhamos duas leis constitucionais: a Constituição Política propriamente dita, só aplicável à metrópole, e o Acto Colonial.

Na revisão de 1951 a matéria do Acto Colonial, profundamente remodelada na forma e no espirito, foi acrescentada à Constituição Política, onde passou a ser o título VII da 2.ª parte, com umas quatro dezenas de artigos divididos por seis capítulos.

Entendeu o Governo que, na linha de integração a que obedece a nossa política, esse título não tinha razão de ser com tal extensão e variedade de matérias. Destas, tudo o que merecia ser conservado na Constituição foi agora, na proposta que vos é submetida, incluído nos lugares próprios, ficando assim a lei fundamental a ser realmente comum a todo o território nacional.

(Aplausos.)

No título VII da 2.ª parte, reduzido a quatro artigos, permanece apenas o que diz respeito à especialidade do regime político-administrativo das províncias ultramarinas, definidas como regiões autónomas dentro do Estado Português unitário.

Sei que para muitas pessoas, impressionadas pela intensa propaganda integracionista, a ideia de autonomia das províncias ultramarinas é chocante. Mós sem razoo.

No texto actual da Constituição, fiel nesse ponto ao estatuído desde 1930, reconhece-se a autonomia das provinciais ultramarinas, determinando-se que tenham "organização político-administrativa adequada à situação geográfica e ta condições do meio social".

Nem de outra maneira poderia ser. Compreende-se que se (prossiga, sem desfalecimentos, uma política de assimilação espiritual, de modo que metrópole e ultramar constituam uma unidade dada vez mais homogénea.

Essa política, porém, mesmo nos planos da cultura, deve respeitar as diferenciações regionais, como sucede dentro da própria metrópole. Em cada província ultramarina há populações com seus usos, costumes, religiões e práticas que em tudo quanto não ofenda os princípios morais da civilização respeitamos e procuramos conservar, fazendo, quando muito, evoluir colectivamente os agregados sociais.

Mas quanto à administração - que erro enorme se cometeria se pretendêssemos tratar os territórios do ultramar como simples circunscrições a que se aplicasse um Código Administrativo uniformei! Que equívoco seria pensar na possibilidade de os governar de Lisboa através de governadores civis l E que lastimável confusão a dos suas economias tropicais, com estádios próprios de desenvolvimento e sujeições inevitáveis ao meio e à localização dos territórios, com a economia metropolitana!

As província ultramarinas carecem de manter uma organização político-administrativa como a que a Constituição lhes assegura: com leis votadas para cada uma pêlos seus órgãos legislativos, com governo privativo que assegure a marcha corrente da administração pública, com finanças provinciais que permitam custear as despesas locais com es receitas localmente cobradas segundo o orçamento elaborado e aprovado pela sua assembleia electiva.

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A soberania do Estado una e indivisível nem por isso deixará de afirmar-se em todo o território da Nação, através da supremacia da Constituição e das leis provenientes dos órgãos centrais (onde as províncias aumentarão a sua representação) e da nomeação dos governadores delegados do Governo Central, cujos direitos de inspecção e superintendência se mantêm íntegros.

O Governo Central conserva, juntamente com os encargos da defesa nacional, o dever de zelar pelo respeito dos direitos individuais de todos os elementos da população do ultramar, sem discriminação. À igualdade jurídica de todos os portugueses tem de corresponder sempre e em todos os lugares a compenetração social. Se localmente se manifestarem algures tendências de segregação, elas serão inexoravelmente combatidas pela intervenção do Poder Central, caso venha a ser necessário. Não desistiremos da nossa política de fraternidade racial, não renunciaremos no nosso intento de prosseguir na formação de sociedades multiraciais, não transigiremos quanto a manutenção de um estatuto único para os portugueses de qualquer raça ou de qualquer cor.

(Aplausos.)

É dentro destes princípios que seguirá a política ultramarina de Portugal. Em Abril de 1969, ao discursar perante os Conselhos Legislativo e Económico-Social de Moçambique, na cidade de Lourenço Marques, dizia eu que "uma integração bem entendida de todas os parcelas no todo português exige que cada uma nele se insira de acordo com as suas próprias feições geográficas, económicas e sociais. Não seria sã uma unidade que fosse conseguida, não por acordo de vontades obtido na harmonia dos interesses, mas pelo espartilhamento forçado, segundo figurinos abstractamente traçados. A unidade nacional não prescinde das variedades regionais".

Grandes regiões, como Angola e Moçambique, de extensão imensa e incalculáveis potencialidades económicas, onde a todo o momento surgem novos problemas acarretados por um desenvolvimento impetuoso, com estruturas sociais muito diversas das deste rectângulo europeu onde nos comprimimos há muitos séculos, não seria razoável que não possuíssem uma administração localmente apta a dar seguimento rápido, adequado e eficaz às questões de que depende a marcha quotidiana da sua vida social.

Nesse, como noutros pontos em que se sugerem alterações A Constituição, o Governo não pretendeu senão corresponder a aspirações nacionais, atendendo a necessidades novas ou indo ao encontro de expressões de necessidades mitigas a que os tempos vão dando novos matizes, novo estilo ou novo vigor.

E fá-lo na plena consciência das responsabilidades que lhe cubem, depois de ponderar bem quais os passos viáveis no caminho que a Nação tem de percorrer corajosamente através das dificuldades do mundo contemporâneo sem negar a sua identidade, sem comprometer a sua coesão e sem perder de vista os seus interesses e os seus destinos.

Espero, confiadamente, que, como até agora tem acontecido, o povo português e os seus representantes acompanhem o Governo nesta política, ao mesmo tempo prudente e ousada, uma política de movimento, uma política de reforma, uma política de progresso, mas cujo desenvolvimento se pretende conduzir com o mínimo de abalos e, sobretudo, procurando preservar aquelas extraordinárias qualidades e puras virtudes populares que formam o inestimável património moral da Nação Lusíada a que Deus nos concedeu a graça de pertencer.

(Aplausos.)

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A ordem do dia tem por objecto, como VV. Ex.ªs sabem, a discussão, na generalidade, da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1971.

Tem a palavra o Sr. Deputado Correia da Cunha.

O Sr. Correia da Ganha: - Sr. Presidente: Permita-me V. Ex.ª que as minhas primeiras palavras sejam de respeitoso cumprimento para o homem que tão dignamente tem sabido dirigir os trabalhos desta Assembleia e de forma tão nobre a tem representado em inúmeros actos públicos. O seu exemplo permanece demasiado vivo para que possamos, em qualquer momento, deixar de o ter bem presente. Permita-me ainda, Sr. Presidente, que dirija uma calorosa saudação aos ilustres Deputados que, nesta tribuna, souberam tão fielmente traduzir os sentimentos de todos nós, recordando a figura de insigne governante que foi o Presidente Salazar e os saudosos companheiros de trabalho que, no cumprimento do seu dever, perderam a vida em terras do ultramar. Façamos por honrar o seu sacrifício, unindo fileiras em torno do que é essencial, para que RB possa, em plena liberdade de consciência, discutir o pormenor.

É neste estado de espírito que me dirijo a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, no início dos nossos trabalhos, para apreciar, na generalidade, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1971.

l - A leitura deste notável documento sugere sempre fortes motivos de reflexão sobre a nossa realidade económica e, naturalmente, sobre o rumo a imprimir à política geral do País. E digo isto, porque se me torna difícil, na conjuntura actual, isolar a metrópole do conjunto do território nacional; na verdade, não entendo que o conceito de nacional possa variar consoante as circunstâncias e necessidades do momento. Se o Ministro que subscreve a lei não é responsável pela gestão económica e financeira de todo o território português, já o mesmo se não pode dizer do Governo, que u referida lei compromete globalmente e no qual é dirigida a eventual autorização da Assembleia Nacional.

Exactamente porque é nacional, estão representadas nesta Assembleia todas as parcelas do território português, ainda mesmo as que foram subtraídas à nossa soberania. Os planos de fomento apreciados nesta Câmara assumem também carácter Racional; as contas gerais do Estado são apresentadas e discutidas no mesmo âmbito. Compete também a Assembleia Nacional (artigo 91.°, § 4.°) "autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas do Estado . . .". Mas que Estado? E que receitas? O artigo 63.° esclarece: "O Orçamento Geral do Estado para o continente e ilhas adjacentes é unitário, compreendendo a totalidade das receitas e despesas públicas, mesmo as dos serviços autónomos . . .". Mas, por seu turno, a contabilidade nacional é referida apenas ao continente e o Orçamento não é, na realidade, unitário.

Estas reservas, sobre as quais não me alongo, poderão deixar nos vossos espíritos uma falsa ideia do que penso deverem ser as relações entre a metrópole e o ultramar. O esclarecimento, porém, virá na devida altura. Pretendi apenas não deixar passar em claro a falta de coerência de situações que se vêm arrastando há muito e sobre as quais teremos de nos debruçar com a maior brevidade.

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Posto isto, volto à Lei de Meios. O documento, já o disse, á notável e honra o governante ilustre que o subscreve. Pela sua pena e palavra fluente o País ficou a conhecer o pensamento do Governo, não só sobre a conjuntura actual, como sobre a orientação geral que pretende imprimir à política económica e financeira.

O desassombro das posições assumidas e mais tarde reproduzidas perante as Comissões de Economia e Finanças sugerem um diálogo franco, esclarecedor, que possa contribuir para abrir caminho a um constante aperfeiçoamento do texto legal e uma maior abertura na sua apreciação.

2 - Referida esta plena aceitação de princípio, fixar-me-ei na apreciação de alguns aspectos que traduzem, situações merecedoras de reparo. Comecemos pela base, e essa não pode deixar de ser representada por elementos estatísticos. Apreciei este aspecto há cerca de um ano em termos talvez um pouco vivos, mas verifico agora que não fui suficientemente claro. Lê-se na Lei de Meios para 1970:

A falta de uma informação estatística mais extensa e oportuna continua a tornar difícil uma apreciação segura das tendências gerais da economia nacional, bem como a conveniente formulação de modelos de previsão conjuntural.

O nacional surge aqui, naturalmente, na acepção restrita, o que torna o problema ainda mais grave. O facto referido em documento de tal importância não podia passar em claro, pois não se concebe que seja possível governar um país, no momento presente, sem informes precisos e de permanente actualidade sobre conjunturas e tendências.

Mais adiante refere-se a preocupação do Governo sobre a evolução dos preços e diz-se:

... a influência perturbadora da metodologia estatística adoptada leva o Governo a ter de dar prioridade aos trabalhos de revisão e da administração do sistema estatístico nacional.

Não me consta que no decurso deste ano tenham sido adoptadas medidas de fundo para operar tal revisão. Mas se tal aconteceu, não resultaram, porque a proposto que temos tem discussão não esconde uma situação de idêntica ou mais grave carência.

A abrir somos logo prevenidos de que:

É difícil traçar um quadro rigoroso ;da evolução da conjuntura económica metropolitana em 1970, por influência idos elementos estatísticos a que se pede recorrer para esse efeito.

Por maioria de razão, é impossível tentar um ensaio de previsão económica através do qual se tracem, com algum pormenor e com verosimilhança aceitável, perspectivas quantificadas da evolução conjuntural no próximo ano.

No plano dos princípios, só com o conhecimento de tais perspectivas é que se poderiam definir de forma rigorosa os objectivos e os instrumentos de política económica e financeira de ordem conjuntural a aplicar pelo Governo pio decurso de 1971. A realidade prática impõe, porem, sob esse aspecto, limitações de profundas consequências.

Perante afirmações tão claras, sou levado de novo a felicitar o Sr. Ministro das Finanças pela coragem e boa vontade demonstradas na elaboração de trabalho de tanto fôlego, em semelhantes condições.

Concretizando, verifica-se pela leitura do texto legal que, no momento em que o mesmo foi redigido, se não dispunha de:

1) Elementos da contabilidade nacional para 1969 merecedores de crédito, sem os quais não é possível avaliar, por exemplo, a evolução real do investimento;

2) Qualquer estimativa de formação do produto em 1970;

3) Elementos que permitissem prever a evolução da actividade produtiva da indústria transformadora em 1971 e, por maioria de razão, da agricultura e pesca.

Por outro lado, deparou-se com a impossibilidade de formular conclusões dignas de crédito quanto às perspectivas de dominar as tensões sobre os preços e manteve-se a falta de confiança na estrutura do índice de preces no consumidor em Lisboa e várias cidades da província.

Por que se estará à espera, pergunto eu, para adoptar as medidas enérgicas que esta situação impõe?

Acaso se esqueceu que um dos objectivos do actual Plano de Fomento consiste em prosseguir no aperfeiçoamento da cobertura estatística do espaço português 1?

Ainda que internamente se admita ser possível definir uma política económica e social por simples palpite, as organizações internacionais a que nos encontramos vinculados são susceptíveis, só por si, de nos impor uma disciplina a que não podemos deixar de aderir.

E passo a outro ponto, deixando este muito longe de um tratamento exaustivo. Mas não quero tornar-me demasiado cansativo para VV. Ex.ªs.

3 - A presente proposta de lei assume, ainda mais que a anterior, um carácter programático, que apoio sem qualquer reserva, por me parecer a forma mais honesta de justificar a cobrança de receitas. Durante muitos anos imprimiu-se uma ênfase especial a esta solicitação, sem que a mesma fosse acompanhada de uma declaração de princípio, ou melhor, de uma explicação de intenções sobre a forma como as receitas a arrecadar iriam ser aplicadas. O Governo agora explica, o que é perfeitamente coerente com o novo estilo de Marcelo Caetano. E essa explicação é concreta, procurando constituir um autêntico programa de trabalho. Define objectivos e analisa a situação em termos de uma perspectiva a curto prazo.

A dúvida que se me levantou foi a de saber em que medida a programação enunciada na lei se integra naquela outra já aprovada nesta Câmara e que dá pelo nome de m Plano de Fomento (Lei n.° 2133, de 20 de Dezembro de 1967).

No n.° l da base II lê-se:

O Plano constituirá instrumento de programação global do desenvolvimento económico e do progresso social do País, tendo em vista a formação de uma economia nacional no espaço português e a realização dos fins superiores da comunidade.

Verifica-se, pois, que, como instrumento de programação, o Plano é bem mais amplo que a Lei de Meios: abrange todos os sectores de actividade e refere-se à totalidade do território português. Porque se trata de um documento que pretende ser válido por seis anos, é de-

1 Base IX da Lei n.º 2 133.

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composto anualmente no que se chama um programa de execução, aprovado em Conselho de Ministros e comprometendo, portanto, numa acção disciplinadora e coordenada, todo o Governo.

Eu teria desejado, e já o disse nesta tribuna, que a apresentação desses dois documentos basilares fosse feita simultaneamente. O Sr. Ministro das Finanças e da Economia, honra lhe seja feita, vai um pouco móis longe na sua insatisfação. Reportemo-nos à Lei de Meios aprovada para o ano corrente:

Importa acentuar que, apesar dos acrescentamentos introduzidos, não se pode falar ainda de um programa completo com todas as grandes directivas da política económica para 1970. Muitos aspectos importantes ficaram ainda de fora. De resto, houve que ter o cuidado de evitar duplicações e sobreposições inúteis em relação aos programas anuais de execução do III Plano de Fomento. À solução lógica e desejável seria a de que as leis de meios e as directivas para a elaboração dos programas de execução do Plano de Fomento se combinassem num documento único, em que se sistematizassem todas as grandes linhas da política económica nacional. Pretendeu-se, com as alterações na estrutura da presente proposta em relação às anteriores, dar um passo nesse sentido. Mas é fora de dúvida que o caminho que ainda falta percorrer é longo e que as dificuldades de ordem prática a vencer são muito consideráveis.

Passado um ano, verifica-se que o sistema permanece ilógico e indesejável, porque não foi possível vencer as tais dificuldades de ordem prática monto consideráveis.

Penso, A propósito, que a situação apenas resulta da nossa dificuldade em aderir a uma acção concertada. Somos, por natureza, improvisadores a avessos ao trabalho programado. Temos um plano, que é já o quarto de uma série iniciada em 1958, e comportamo-nos, na realidade, como se ele não existisse. É bom? É mau? É cumprido? Resulta ou não? - Quem cura de o saber?

Um plano que não seja participado parai pouco serve. O cariz regional que se lhe introduziu pretende responder a esta premissa. Ele influencia demasiado a vida Nação para que esta lhe possa ficar alheia. Mas, na realidade, ia o que se verifica; a própria Assembleia Nacional o esqueceu.

Como? No n.° l da base XI da lei que instituiu o Plano de Fomento em curso, lê-se:

O Governo publicará um relatório anual sobre a execução do Plano, mós dez meses seguintes ao termo de cada amo, e um relatório geral, até ao fim de 1974. Tanto os relatórios anuais como o relatório geral serão enviados à Assembleia Nacional.

Nestas circunstâncias, já podíamos ter apreciado o relatório referente a 1968, embora a lei seja omissa sobre prazos a cumprir mo envio à Assembleia.

O País desconhece, pois, em que medida o Plano está a ser executado, em que termos foi recentemente revisto e o que se pretende realizar mo próximo amo com o recurso às receites cuja cobrança esta Lei de Meios vai proporcionar.

Desta forma a Nação não adere ao Plano, nem pode participar ma concretização do desenvolvimento económico e social que o mesmo pressupõe.

Importa que a situação "e modifique drástica e rapidamente.

Com o mesmo interesse com que se explica como vão ser cobradas es receitais, deve dizer-se, muito concretamente, para que vão elas ser cobradas. E este é o momento azado. Com a Lei de Meios devíamos ter connosco o programa de execução do Plano para 1971, o relatório sobre a execução do mesmo em 1969 e, possivelmente, no 1.º semestre do ano corrente.

Só assim o processo se tomaria lógico e a lei seria cumprida.

Pessoalmente mão creio que as dificuldades a vencer sejam insuperáveis. Basta, por vezes, que os responsáveis pêlos vários sectores da Administração se compenetrem de que têm de responder pela actividade dos seus serviços. É uma atitude mental a que muitos ainda não aderiram e que não joga certo com o estilo adoptado pelo Presidente do Conselho quando procura estar em permite comunicação com o País.

No que respeita aos programas de trabalho definidos pelo Plano de Fomento, o que se verifica é que eles são quase sempre cumpridos de forma deficiente. As informações enviadas ao Secretariado Técnico não respeitam prazos e muitas vezes não respondem ao solicitado. Espera-se que a instalação de gabinetes de planeamento nos diversos Ministérios e Secretarias de Estado possa garantir a melhoria substancial de todo este circuito.

4 - Quero deixar ainda registado um último reparo à essência da proposta de lei, e esse já está amplamente detectado. Verifica-se a partir de elementos de contabilidade nacional para 1969 (sujeitos ainda às inevitáveis correcções) que as receitas da Conta Geral do Estado representam apenas 64 por cento do total das receitas do mesmo. Saliento, uma vez mais, que os elementos fornecidos se referem somente ao continente e excluem, por consequência, as ilhas adjacentes e ultramar.

Como se não bastasse esta restrição, a Lei de Meios que vamos apreciar não inclui a totalidade das receitas da Previdência, num montante superior a 7 milhões de cambos; dos serviços e fundos autónomos, quase da mesma ordem de grandeza; e da administração local, totalizando cerca de 3 milhões. Esta situação, perfeitamente inconstitucional, sugere ao Governo medidas de controle consubstanciadas mo antigo 5.° da proposta; fundamentalmente, pretende-se, cem obediência aos princípios da unidade e da universalidade do Orçamento", dar uma visão global da administração financeira do Estado.

Afigura-se-me da maior importância acelerar o processo de integração nas contas gerais do Estado dos orçamentos privativos dos organismos de coordenação económica e modificar a sua actual estrutura, em muitos casos perfeitamente inadequada às necessidades do momento. Impõe-se proceder, por outro lado, ao "ajustamento da organização corporativa aos princípios da Constituição e das leis fundamentais", como se refere também na proposta em questão. Chegou, na verdade, o momento de considerar anacrónicas um certo número de aberrações que tem marcado a nossa vida política.

5 - Uma vez que reservo para a apresentação do aviso prévio sobre ordenamento do território considerações de vária ordem que respeitam à política regional já definida ou a estabelecer, deter-me-ei agora apenas numa breve apreciação do capítulo v da proposta de lei dedicado aos critérios de prioridade das despesas.

No nota explicativa da proposta lê-se, com toda a clareza, que "a capacidade da defesa nacional é estreitamente determinada pelo potencial económico do País" e ainda que "a batalha que a Nação está a travar em prol do seu desenvolvimento económico é elemento fundamental du própria salvaguarda da integridade do território nacional".

Para além das vicissitudes da luta armada, temos de tomar consciência do que se está realmente a passar com a batalha do desenvolvimento económico. Assim, verfica-

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-se que no ano em curso a balança comercial apresenta um déficit muito elevado, sem precedente em anos anteriores; as despesas extraordinárias de índole essencialmente militar sofreram novo e importante empolamento; o excedente das receitas sobre as despesas acusou sensível contracção. Os preços subiram e a produtividade não os acompanhou. A execução do Plano de Fomento no 1.° triénio está longe de ser satisfatória para alguns sectores fundamentais, como a agricultura, a educação e o turismo. Entretanto, caminha-se abertamente para uma solução de compromisso com a C. E. E., o que implica a necessidade de nos prepararmos para enfrentar uma concorrência cada vez mais dura.

Até agora o deficit da balança comercial tem sido compensado pelo acréscimo das receitas líquidas de invisíveis correntes. Todos temos a consciência da fragilidade de que se reveste esta compensação. A corrente turística depende muito de factores externos e as transferências promovidas por emigrantes terão tendência para decrescer em consequência da progressiva integração destes nas sociedades dos países em que se fixaram.

Por outro lado, a realidade ultramarina portuguesa, ao mesmo tempo que proporciona um mais amplo espaço aberto às iniciativas, condiciona o ordenamento do território nacional e implica uma visão coordenada de toda a política económica.

Como muito bem afirmou o Ministro Dias Rosas em declarações recentes, as diferenças de nível de desenvolvimento económico das várias parcelas e a descontinuidade geográfica e diversidade de condições naturais impõem actuações descentralizadas no plano institucional e específicas quanto a certos aspectos da actividade económica e financeira; isso não impede, porém, que o empenhamento militar em que estamos envolvidos nos responsabilize a todos e esteja na base dos fortes laços de solidariedade existentes.

Se para as províncias mais directamente afectadas, nomeadamente a de Angola, ninguém nega que a presença dos forças armadas, directa ou indirectamente, constituiu o mais forte acicate para o espectacular surto de desenvolvimento económico e social que apresentam hoje, não se pode também esquecer que o preço dessa presença representa para a metrópole forte travão ao seu desenvolvimento.

Aceitando a premissa, que me parece muito realista, de que a frente de batalha se prolonga hoje pêlos campos, fábricas, portos, caminhos de ferro, gabinetes de estudo e decisão, por todos os locais onde se luta pelo desenvolvimento que promove e dignifica, então eu pergunto que sabemos nós do que se está a passar no ultramar? Que sabemos nós da execução do Plano de Fomento em Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde . . .?

É sobre a apreciação das contas, passados dois anos, que se vão tornar decisões? E para quê apreciar as contas do ultramar se o Orçamento Geral do Estado, sobre o qual nos debruçamos, respeita apenas ao continente e ilhas adjacentes 1 ?

Compreendo perfeitamente que se considere extremamente difícil integrar num esquema único de política económica e decisão governamental, um conjunto tão díspar de territórios. Não é preciso alongarmo-nos até ao ultramar para nos apercebermos dessa dificuldade. Basta, por exemplo, que nos reportemos as ilhas adjacentes, legalmente integradas na metrópole, mas durante muito tempo ignoradas dos planos de fomento.

Em determinado momento, a distância a que se situam dos centros de decisão foi argumento suficiente para que se lhes atribuísse um estatuto de autonomia, ainda hoje em vigor.

Com a definição de uma política de desenvolvimento regional pretende-se, por outro lado, em relação à metrópole, induzir cada região a participar mais largamente na definição dos parâmetros do seu desenvolvimento e assumir uma parte maior na responsabilidade das decisões.

Em relação a estes esquemas e directrizes, que dizer do ultramar? Todos sabemos incluir territórios vastíssimos, cheios de potencialidades e problemas, exigindo acções específicas e uma rapidez de decisão que, em meu entender, se não coadunam com o actual sistema de governação.

A arrancada para o desenvolvimento é irreprimível e irreversível. Do êxito que nela obtivermos dependerá, mais do que da sorte das armas, a permanência da nossa presença ecuménica. Os ajustamentos que implica são difíceis, lentos, por vezes mesmo, dolorosos? Mas não será em tarefas desta índole que se tem podido reconhecer a verdadeira grandeza do nosso povo?

Concluo com um velho provérbio africano, bem adequado ao estado de espírito que nos deve possuir neste momento histórico: "Se quiseres elevar a tua carga à altura dos joelhos, encontrarás com certeza quem te ajude a pô-la à cabeça."

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão, a hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão, na generalidade, da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1971.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

Artigo 63.° da Constituição.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Augusto Salazar Leite.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Delfim Linhares de Andrade.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Vasco Maria, de Pereira Pinto Costa Ramos.

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Antão Santos da Cunha.
Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

O REDACTOR - José Pinto.

Aditamento ao parecer sobre a proposta de lei acerca da actividade de seguros e resseguros:

Declaração de voto do Digno Procurador Carlos Eugênio Magalhães Confia da Silva referente ao parecer n.º 13/X (proposta de lei n.º 10/X - Actividade de seguros e resseguros):

Dou o meu acordo ao princípio da fixação de um capital mínimo para as empresas seguradoras, não superior a 20 000 contos, no contexto metropolitano. Porque a Câmara emite o voto de que o regime do diploma em apreço seja oportunamente estendido, pelo órgão constitucional competente, ao ultramar, desejo salientar que os considerações produzidas no parecer acerca da conveniência da fixação de um capital mínimo apenas se referem à situação das seguradoras metropolitanas. Não tendo sido examinada pela Câmara a questão das seguradoras com sede no ultramar, nem o seu condicionalismo específico foce à menor dimensão dos mercados em que actuam, creio que o parecer da Câmara acerca da base XII se tem de entender como necessariamente restrito ao espaço metropolitano. Formulo, portanto, o voto de que a extensão do diploma ao ultramar seja precedida de consulta as províncias ultramarinas, de forma a possibilitar a adaptação daquela base às condições próprias dos mercados financeiros de cada província. - Carlos Eugênio Magalhães Corrêa da Silva.

Relação dos elementos o publicações recebidos durante o intervalo da sessões, através da Presidência do Conselho, em satisfarão de requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados:

Do Ministério do Ultramar, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pela Sr.ª Deputada D. Sinclética Torres, na sessão de 4 de Fevereiro;

Do Ministério da Economia, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Oliveira Dias; na sessão de 8 de Abril;

Do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, a publicação destinada a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Disputado Teixeira Canedo, ma sessão de 8 de Abril;

Do Ministério da Economia, através da Secretaria de Estado ida Indústria, os elementos destoados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Coelho Jordão, na sessão de 26 de Fevereiro;

Do Ministério do Ultramar, e relativos à (província de Moçambique, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Barreto de Lara, na sessão de 4 de Fevereiro;

Do Ministério do interior, os elementos destinados a satisfazer, na parte que lhe diz respeito, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Martins da Cruz, na sessão de 26 de Fevereiro;

Do Ministério do Ultramar, os elementos destinados a satisfazer, na parte respeitante os Comissões Municipais de Turismo de Novo Redondo e de Luanda, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado David Laima, na sessão de 25 de Fevereiro;

Do Ministério das Obras Públicas, os elementos destinados a satisfazer, mo parte que lhe respeite, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro do ano findo;

Do Ministério do Ultramar, mais elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pela Sr.ª Deputada D. Sinclética Torres na sessão de 4 de Fevereiro;

Do Ministério das Obras Publicais, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos na sessão de 10 de Abril;

Da Secretaria de Estado da Indústria, através do Instituto Nacional de Investigação Industriai, os publicações com vista à satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Teixeira Canedo na sessão de 28 de Abril;

Do Ministério da Saúde e Assistência, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Agostinho Cardoso na sessão de 28 de Abril;

Do Ministério do Ultramar, fotocópia de um ofício do Governo-Geral de Angola destinado a satisfazer o requerimento apresentado pela Sr.ª Deputada D. Sinclética Torres na sessão de 4 de Fevereiro;

Do Ministério das Obras Públicas, os elementos destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro do ano findo;

Do Ministério da Educação Nacional, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carvalho Conceição na sessão de 21 de Abril;

Da Secretaria de Estado da Aeronáutica, um esclarecimento acerca do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 15 de Dezembro do ano findo;

Do Instituto Nacional de Estatística, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Agostinho Cardoso em 17 de Junho;

Do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Duarte do Amaral na sessão de 21 de Abril;

Do Ministério das Finanças, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Martins da Cruz na sessão de 26 de Fevereiro;

Do Ministério dos Finanças, os elementos destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro do ano findo;

Do Ministério dos Finanças, os elementos destinados a satisfazer, na parte que respeita ao Ministério da Economia, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro do ano findo;

Do Ministério da Economia, os elementos destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro do ano findo;

Do Ministério das Finanças, os elementos destinados n satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pontífice de Sousa em 21 de Outubro;

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Do Ministério da Economia, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Fausto Montenegro na sessão de 26 de Fevereiro;

Do Secretariado da Reforma Administrativa, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pela Sr.ª Deputada D. Maria Raquel Ribeiro na sessão de 29 de Abril;

Do Ministério das Obras Públicas, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Alarcão e Silva na sessão de 7 de Abril;

Do Ministério da Economia, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Teixeira Canedo na sessão de 28 de Abril;

Do Ministério das Finanças, os elementos destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro do ano findo.

Nota, do Ministério do Ultramar relativa ao aviso prévio ao Sr. Deputado David Laima:

Datam de 1957 e de 1959 (Decretos-Leis n.ºs 41 169 e 42 199, criando, o primeiro, a Repartição de Turismo ma Agência-Geral do Ultramar e, o segundo, as centros de informação e turismo) os primeiras medidas de coordenação e dinamização dó turismo ultramarino, que na altura começava a esboçar-se por naturais fluxos de vizinhança, situação semelhante à que se verificava nos países e territórios situados nos mesmos continentes.

Um ano depois, em Abril de 1960, a Portaria n.° 17 673 tornava extensivo ao ultramar o regime legal que na metrópole regulava o exercício da indústria hoteleira (Leis n.ºs 2073 e 2081), autorizando a criação de um fundo de turismo em todas as provinciais. Constituíram-se, assim, as bases do crédito hoteleiro.

Impulsionadas pela acção dos centros, que, por sua vez, dispunham e dispõem da colaboração e apodo, DOS mete diversos sectores, da Agência-Geral do Ultramar, as actividades ligadas ao turismo desenvolveram-se e multiplicaram-se, o que se traduziu num progressivo aumento de turistas e divisas entoados, provenientes dos correntes já encaminhadas.

Por outro lado, estudaram-se e programaram-se planos de cooperação regional (a African Travei Association Tour, no caso de Angola e Moçambique, e a Pacific Área Travei Association, no caso de Macau) com o intuito de captar novos mercados. Estes programas e aquelas actividades foram, porém, prejudicados por razões alheias ao turismo, muito especialmente no que se refere à Guiné e a Angola. Determinadas correntes provenientes de territórios vizinhos foram, nuns casos, desintegradas, noutros, desviadas.

O mesmo não sucedeu com Moçambique, Macau e, em menor escala, Timor, que fórum favorecidas por amistosas relações de vizinhança.

Considerando, porém, que as infra-estruturas de transportes e de acolhimento, essenciais ao desenvolvimento turístico, vêm sendo melhoradas de ano para ano, em ritmo acelerado, em todas as províncias, embora nem sempre por motivos relacionados com a indústria em causa, como não podia deixar de ser, o turismo ultramarino dispõe agora das melhores perspectivas, tanto mais que os promotores europeus de vendas procuram novas motivações, especialmente o continente africano, para a sua vasta clientela.

Dentro do exposto, visando o incremento de correntes regionais, sempre que possível, e a captação de mercados extracontinente, têm vindo a ser elaborados estudos para o efeito, tomadas medidas legais complementares dos já citados diplomas e levadas a efeito negociações com grupos financeiros para a construção e ocupação de complexos turísticos.

Entre as medidas legais referidas, são de salientar:

Em Cabo Verde:

Diploma Legislativo n.° 1649, de 30 de Dezembro de 1967, que criou o Fundo de Turismo dia província.

Na Guiné:

Diploma Legislativo nº 1761, de 24 de Junho de 1961, que estrutura o Centro e fixa os seus quadros.

Em S. Tomé e Príncipe.:

Diploma Legislativo n.° 691, de 20 de Agosto de 1964, que aprova o Regulamento da Lei Hoteleira.

Diploma Legislativo n.º 579, de 17 ide Novembro de 1960, que feriou o Furado de Turismo local.

Em Angola:

Diploma Legislativo n.° 3014, de 11 de Novembro de 1959, que aprovou o Regulamento do Centro de Informação e Turismo e criou o Fundo de Turismo e Publicidade.

Foi a primeira (província a regulamentar o Decreto-Lei n.° 42 194, que criou os centros, tendo este (o C. I. T. A.) vindo a beneficiar de uma série de disposições tendentes a reajustar os seus quadros, datando a última de 17 de Janeiro da 1969.

Diploma Legislativo n.° 3818, de l de Abril de 1968, que criou a Escola Hoteleira da província, a única existente no ultramar.

Em Moçambique:

Diploma Legislativo n.º 2732, de 3 de Dezembro de 1966, que criou o Fundo de Turismo da província.

Decreto n.° 170/70, de 16 de .Abril de 1970, que remodelou o funcionamento e quadros do Centro.

Em Macau:

Diploma Legislativo n.º 1555, de 22 de Setembro de 1962, que regulamentou o funcionamento do Centro.

Diploma- Legislativo n.º 1712, de 23 de Julho de 1966, regulamentando a Lei Hoteleira.

Em Timor:

Diploma Legislativo n.° 649, de 8 de Fevereiro de 1964, que aprovou o regulamento do Centro.

Diploma Legislativo n.º 747, de 31 de Fevereiro de 1966, que regulamento a Lei Hoteleira.

Estudos:

Nos últimos três anos, para além dos trabalhos que têm sido efectuados miais diversas províncias pêlos organismos locais responsáveis, foram elaborados os seguintes estudos, encontrando-se alguns ainda em vias de conclusão, pela Agência-Geral do Ultramar e pelo Grupo de Trabalho para o Planeamento Turístico e Matérias Afins

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que funciona no mesmo departamento, em íntima colaboração com os respectivos centros:

Cabo Verde:

Inventário das estruturas de natureza, estudo das condições bioclimáticas do arquipélago, investimentos nacionais e estrangeiros e constituição das sociedades responsáveis pêlos empreendimentos projectados pura as ilhas do Sal (Sociedade Detosal), Boa Vista (Sociedade Altântico-Interplano) e Mato Turmaio).

S. Tomé e Príncipe:

Prospecção de estrutures e infra-estruturas existentes, viabilidade do melhoramento destas.

Angola:

Prospecções in loco ao longo dos seguintes eixos de desenvolvimento prioritário:

Luanda-Malanje;

Lobito-Benguela-Nova Lisboa-Silva Porto;

Moçâmedes-Sá da Bandeira.

Prospecção ao longo da estrada asfaltada que constitui a espinha dorsal de contacto entre os eixos considerados e entre estes e os territórios vizinhos e via de penetração de primordial importância para o turismo interno e regional africano. O critério obedeceu à conveniência de se fazer coincidir os eixos de arranque e os pólos de atracção dos mesmos com as regiões já dotadas de um mínimo de infra-estruturas ou, pelo menos, de estruturas de natureza de viável valorização a curto prazo.

Destas viagens de prospecção resultou o estudo da Primeira Fuso do Planeamento Turístico de Angola, cujo índice se passa a resumir:

Características geográficas e climatológicas;

Características Históricas e artísticas;

Características económicas (abastecimentos, mão-de-obra e investimentos);

Estado e evolução da população;

Transportes;

Equipamento hoteleiro (situação e crédito);

Caça;

Equipamento de acolhimento;

Equipamento recreativo;

Mercados (concorrentes e potenciais - interno, regional africano e extracontinental);

Promoção;

Estrutura dos serviços provinciais de turismo;

Arquitectura e urbanização.

Iniciam-se ainda este ano prospecções na região Calue-que-Ruacaná, ligadas ao plano de desenvolvimento do Cunene, tendo em vista o aproveitamento turístico da região.

Iniciativas de resultados imediatos:

Em 1969 realizou-se o primeiro cruzeiro turístico à província de Angola.

A iniciativa, para além de ter ultrapassado as melhores previsões, constitui uma prospecção do mercado metropolitano.

Em face dos resultados de tal prospecção, efectuaram-se no ano em curso dois cruzeiros (um metrópole-Angola e outro Angola-metrópole), conjugando-se o transporte dos mesmos através do fretamento de dois Boeing 707 da TAP.

O interesse do mercado metropolitano pode ser avaliado pêlos seguintes números:

Doze dias após o início da promoção, as inscrições foram encerradas, pelo facto de a capacidade do Boeing 707 se encontrar já ocupada.

Dirigiram-se à entidade organizadora (Agência-Geral do Ultramar) três mil pessoas.

Quatrocentas pessoas ficaram em listas de espera, número que se não ultrapassou por ter sido considerado mais do que suficiente para casos de desistências.

Situação actual nas províncias de Angola, Moçambique, Macau e Timor:

Angola dispõe actualmente dos seguintes mercados:

Interno;

Regional africano;

Extracontinente.

O primeiro começa a delinear-se e é constituído pelas populações das regiões planálticas e subplanálticas que procuram a orla marítima e as populações desta aquelas regiões, visando climas de compensação.

O segundo tem origem no Sudoeste Africano e tende a avolumar-se não só por razões de natural movimentação das suas populações em procura de condições climáticas e paisagísticas mais favoráveis, como ainda pelas medidas de promoção já programadas.

O terceiro, turismo de negócios, circunscreve-se a Cabinda, Luanda e Lobito.

As infra-estruturas existentes e a capacidade de abastecimento, especialmente no que se refere aos eixos de desenvolvimento prioritário já mencionados, se os considerarmos ao nível do nosso espaço africano, servem perfeitamente as actuais necessidades do turismo desta província, mesmo prevendo um razoável aumento nos próximos três anos. Exceptua-se, porém, a rede hoteleira, de elevadíssimas taxas de ocupação (90 por cento em Luanda, 70 por cento no Lobito e Benguela, 80 por cento em Sá da Bandeira, 75 por cento em Nova Lisboa, 80 por cento em Silva Porto, etc.), superiores às consideradas excepcionais pêlos padrões internacionais, e tarifas elevadas, o que traduz a falta de uma concorrência sã.

No entanto, prevê-se nos próximos dois anos um aumento, em matéria de capacidade hoteleira, de 1617 quartos, repartidos por 17 unidades, circunstancia que, certamente, normalizará a situação.

Moçambique, para além do mercado extracontinente, que se circunscreve quase exclusivamente ao "turismo de safari, rico mas reduzido, conta, como principal e crescente fonte de visitantes, com a República da África do Sul, a Rodésia, a Suazilândia e o Malawi. São estes mercados já tradicionais. Acresce ainda que f) isolamento em que actualmente se encontram os dois primeiros países citados e .os efeitos da promoção que neles tem vindo a ser efectuada são factores que muito têm contribuído para avolumar tais correntes.

Embora, de momento, só potencial, mas com grandes possibilidades de captação, aliás já objecto de diligências nesse sentido, Moçambique (dispõe ainda de outro mercado regional: Madagáscar.

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3 DE DEZEMBRO DE 1970 1047

Em matéria de equipamento hoteleiro, a província já dificilmente satisfaz as necessidades do volume de visitantes que a procurem, pelo que se encontra em face de reapetrechamento neste sector.

Macau, em relação à sua área, é o território racional dum maior ocupação turística. A sua proximidade de Hong-Kong, um dos maiores centros da turismo do Extremo Oriente, confere-lhe a excepcional vantagem de absorver parte do contingente de visitantes daquele centro internacional, atraído pelo nosso particular ambiente e bom equipamento em matéria de acolhimento s motivações recreativas.

A reduzida área da cidade de Macau levou o Governo da província a aproveitar e (desenvolver os recursos naturais das ilhas da Taipa e de Coloane, dispondo já esta de um apreciável complexo turístico.

Timor começa captar, de maneiro lenta, mas progressiva, o mercado australiano. Os meios de promoção de que o respectivo Centro se tem servido (contactos directos no puís vizinho, junto de agências de viagens, consulados e associações diversas), para além de económicos, têm produzido os melhores resultados. A criação das infra-estruturas necessárias tem acompanhado a ocupação que se vem processando.

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