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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 52
ANO DE 1970 5 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 52, EM 4 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mº Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mºs Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 50 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou ter sido recebido na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.° da Constituição, o Diário do Governo, 1.ª série, n.° 280, de 3 do corrente, inserindo diversos decretos-leis.
Foi igualmente recebida na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, a resposta à nota de perguntas do Sr. Deputado Agostinho Cardoso, ontem lida.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto Meireles, para um requerimento; Almeida Garrett, lambam para um requerimento; Concilia de Abreu, sobre assuntos de interesse para a província de Cabo Verde; fausto Montenegro, para se referir às vias de comunicação da região do Douro; Baptista da Silva, acerca da fiscalização do tráfego; Sousa Pedro, sobre a recente viagem do Santo Padre, e Joio Duarte de Oliveira, para evocar o orfeão de Coimbra e a sua acção.
Ordem do dia. - Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1971.
Usou da palavra o Sr. Deputado Alarcão e Silva.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 11 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Humberto Cardoso de Carvalho.
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João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Dias de Araújo Carreia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rogério Noel Beires Claro.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Vasco Maria de Peneira Finto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 50 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum de V. Ex.ª deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado aquele número do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta sobre as promoções no funcionalismo público;
Canta sobre a actualização das rendas Lisboa e Porto.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, o Diário do Governo, l.ª série, n.º 280, de 3 de Dezembro, que insere os seguintes Decretos-leis:
N.° 594/70, que autoriza o Governo a mandar pagar as despesas com as cerimónias fúnebres dos Deputados que morreram na Guiné, por motivo de desastre, quando em missão oficial naquela província ultramarina;
N.° 595/70, que introduz alterações a vários artigos da Pauta de Importação e a lista dos produtos submetidos ao regime do artigo 3.° da Convenção que instituiu a Associação Europeia de Comércio Livre;
N.° 598/70, que dá nova redacção ao § único do artigo 3.º e ao artigo 26.° do Decreto-Lei n.° 36 935, que cria, no Ministério da Economia, a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais e define as suas atribuições.
Está na Mesa a resposta, enviada pela Presidência do Conselho, à nota de perguntas do Sr. Deputado Agostinho Cardoso, que foi lida na sessão de ontem.
Vai ser lida essa resposta.
Foi lida. É a seguinte:
Em cumprimento de determinação de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.ª que, segundo comunicação do Ministério das Corporações e Previdência Social, relacionada com os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso, na sessão de 23 de Abril último, o anteprojecto de regulamentação da Lei n.° 2127 já está ultimado e acerca do mesmo foi pedido parecer às Corporações.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Alberto de Meireles.
O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Tendo tomado conhecimento, pela imprensa, de situações que se me afiguram graves na Junta Nacional do Azeite e desejando documentar-me para abordá-las em oportuna intervenção, se for caso disso, requeiro que, nos termos do Regimento e pela Secretaria de Estado do Comércio, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1} Cópia do despacho do Sr. Secretário de Estado do Comércio de Janeiro de 1969, que ordenou se procedesse a inquérito aos actos da presidência da Junta Nacional do Azeite;
2) Cópia das conclusões do inquiridor;
3) Cópia do despacho do Sr. Secretário de Estado do Comércio de Outubro de 1969, que ordenou se convertesse o processo de inquérito em processo disciplinar;
4) Cópia da nota de culpa que neste processo tenha sido elaborada;
5) Cópia das conclusões do instrutor do processo disciplinar;
6) Cópia do despacho do Sr. Secretário de Estado do Comércio que recaiu sobre essa conclusão;
7) Cópia do auto lavrado pelo inquiridor do processo referido em l e 2, sobre a elaboração das actas do conselho administrativo da Junta Nacional do Azeite;
8) Montante dos diferenciais do preço da semente de amendoim devidos à Fazenda Nacional ou ao Fundo de Abastecimento
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pelas empresas importadoras da referida semente;
9) Cópia do despacho ou despachos ministeriais que tenham autorizado qualquer moratória no pagamento dos mesmos diferenciais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para um requerimento, o Sr. Deputado Almeida Garrett.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos regimentais e a fim de me habilitar e, eventualmente, intervir sobre problemas do regime de trabalho na indústria hoteleira e de actividades similares, roqueiro que pelo Ministério das Corporações e Previdência Social me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Contratos colectivos e regulamentos de carteira profissional em vigor, para as respectivas actividades em todo o País, bem como outros elementos respeitantes à sua disciplina jurídica;
2.º Práticas seguidas sobre descontos para a Previdência e sua conformidade com as observadas em matéria de imposto profissional;
3.° Práticas seguidas quanto ao pagamento de trabalho extraordinário, nomeadamente o considerado nos cláusulas 41.º e 42.º do contrato colectivo homologado por despacho de 16 de Março de 1968.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Ao iniciar as minhas considerações acerca da visita que uma delegação desta Assembleia Nacional fez às províncias de Cabo Verde e da Guiné, não posso deixar de, muito comovidamente, recordar os nossos amigos e companheiros de viagem, que hoje já não estão connosco e cuja memória foi exaltada nesta Câmara, no passado dia 25, por alguns dos melhores e mais cintilantes oradores desta Casa. Dos oito que partimos com rumo à ilha do Sal restamos apenas três. Deus, que é sumamente justo e bom, certamente que terá junto de si esses excelentes portugueses, que tanto fizeram pelos seus semelhantes e que tanto e tão bem lutaram e defenderam os seus ideais e os superiores interesses de Portugal.
Curvo-me, respeitosamente e com imensa tristeza, ao lembrar os quatro camaradas que ao nosso lodo perderam a vida num brutal acidente na Guiné, e o quinto, que, tendo a plena noção dos seus deveres, fez a viagem com grande sacrifício pelo grave estado de saúde em que já se encontrava e cujo mal o viria a vitimar, cerca de três meses após o nosso regresso à metrópole.
A melhor homenagem que poderemos prestar à morte de tão queridos companheiros é manter bem vivo no nosso espírito o seu exemplo e a sua dedicação à causa nacional. Assim façamos, e eles continuarão sempre presentes a nosso lado.
Sr. Presidente: Há quem pense que estas visitas de Deputados às diversas parcelas do território português não são mais do que o pretexto para um ameno e irresponsável passeio. Nada mais errado! Todos aqueles que ao serviço desta Câmara já tiveram a oportunidade de se deslocar às províncias ultramarinas podem ser testemunhas do esforço que se despende para, em relativamente pouco tempo, visitar tudo o muito que nos programam, apreender os problemas que sempre nos apresentam, quantas vezes bem importantes e complexos, e ficar com uma ideia o mais exacta possível do ambiente, dos desejos das populações e das necessidades mais prementes dos diversos sectores cia administração pública desses territórios de Portugal.
Sendo essas deslocações sempre muito agradáveis, estão bem longe de constituir simples, calmos e aprazíveis circuitos turísticos, mas, antes, importa acentuá-lo, assumem aspecto de árduas jornadas de intenso e cansativo trabalho. Mas apesar de tudo, de algumas incomodidades sofridas, do intensivo e diário labor e, por vezes, de certas desilusões quanto às pessoas ou às coisas, essas viagens têm uma enorme e indiscutível vantagem: permitem-nos tomar contacto directo com os problemas, conhecê-los localmente, analisá-los no seu clima próprio e, assim, quando vierem a ser discutidos nesta Assembleia Nacional, poderemos neles intervir com um muito maior conhecimento de causa. Acrescento, ainda, que para muitos de nós - e eu incluo-me nesse número- alguns dos aspectos, estruturas e orientações que observámos no ultramar constituíram verdadeiras e agradáveis surpresas, que vieram contribuir para uma melhor compreensão das organizações, circunstâncias, formações e directrizes que ali se estabeleceram.
Quero, antes de prosseguir, dizer aqui uma palavra de muito e grato apreço para o Sr. Ministro do Ultramar, Sr. Prof. Doutor Silva Cunha, pela magnífica iniciativa que tomou, de dar a conhecer as nossas províncias de além-mar aos Deputados da Nação. E temos, igualmente, de exprimir a nossa maior simpatia para com os _ Srs. Governadores, que, sempre à nossa disposição, nos mostraram o que de bom e de mau há nas terras sob a sua jurisdição, os projectos quanto ao futuro e, até mesmo, os erros cometidos no passado e no presente. Bem hajam, todos, e que os componentes desta Câmara possam continuar, com mais frequência, as suas visitas, não só às províncias ultramarinas, mas também a iniciativas em curso na metrópole, pois que muitas delas, e importantes, só por leitura são de nós conhecidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O grupo de que fiz parte iniciou a sua volta por Cabo Verde e, temos de o confessar, não viemos entusiasmados com o que nos foi dado observar. Bem sabemos que a visita se realizou depois de dois anos de seca e que no arquipélago, mais do que em qualquer outro território nacional, devido à notória falta de água, tudo depende da existência ou ausência de chuva na época própria. Eu mesmo, que há três anos fizera uma estada de trabalho em Cabo Verde e encontrara as suas ilhas com muita vegetação, pois chovera anteriormente, vi-as agora completamente diferentes, áridas e secas, com uma ausência quase completa de verdura, se exceptuarmos o arvoredo da ilha Brava, habitualmente tão viçosa que até lhe chamam, com certo optimismo, a Sintra de Cabo Verde.
Ë muito triste observar aqueles campos cheios de pedras, e os gentes, vergadas ao peso do fatalismo da Natureza, fazer as suas sementeiras no pó, aguardando a queda de uma problemática chuva.
O problema de Cabo Verde, por mais voltas que se lhe dê, só na existência de água pode encontrar solução. A ela estão íntima e profundamente ligados a agricultura e o saneamento, E certo que nestes sectores verificámos atrasos, que já não são compatíveis com a nossa época, mas temos de compreender que sem água nada
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se poderá conseguir. A agricultura, salvo algumas poucas excepções, encontra-se ainda no período anterior ao do conhecimento do arado. Mas como se poderão introduzir técnicas modernas na cultura dos campos, sempre dispendiosas, se o futuro das colheitas se baseia na mais do que problemática vontade da Natureza? O mesmo poderemos dizer do saneamento, pois sem água será impossível pensar no abastecimento- das populações e na instalação de uma eficiente rede de esgotos.
A falta de chuva e de água e a sua correspondente influência nas colheitas agrícolas faz pairar sobre o arquipélago o espectro da fome. À mais urgente preocupação é, pois, não deixar morrer os Cabo-Verdianos de inanição, como em tempos- já a alguns aconteceu. Aliás, neste campo, tem sido notável a acção do Governo, fornecendo os necessários abastecimentos aos habitantes daquelas ilhas.
Apesar de dois anos de seca - e parece que, infelizmente, vamos a caminho do terceiro ano -, não se registou em Cabo Verde, e o facto é de realçar, qualquer morte por falta de alimentação. Mas os pesados encargos que traz essa louvável actuação repercutem-se sobremaneira, o que bem se compreende na conjuntura que estamos atravessando, na economia e desenvolvimento do arquipélago, pois têm de desviar-se verbas importantes para a compra de milho, feijão, leite e outros produtos alimentares e fornecimentos de igual modo vitais, verbas essas que de outro modo poderiam utilizar-se em bem necessárias obras de fomento.
Acontece, ainda, que é indispensável dar que fazer às gentes que as crises agrícolas atiram para o desemprego. Observamos, assim, centenas, se não milhares, de homens e mulheres aproveitados em retirar as pedras que aos milhões se encontram nos campos para possíveis futuras culturas, quando esse trabalho poderia ser feito mais rápida e economicamente por meios mecânicos. Mas se as máquinas viessem substituir o homem nesses trabalhos, o que fazer, em que ocupar tantos desempregados? Sem dúvida que muita gente trabalha na construção de estradas, mas a rede de comunicações nas ilhas é já bastante satisfatória e não será necessário tanto pessoal para o que, nesta matéria, há ainda para fazer.
A juntar à falta da água, ao espectro da fome e à ameaça do desemprego, acresce a ausência de uma valida industrialização e o excesso de população, resultante de a um pequeno território se associar um elevado Índice de natalidade. Para que a indústria se instale e progrida é indispensável que existam ou se consigam matérias-primas e é necessário que haja- iniciativas por parte dos Cabo-Verdianos.
Das impressões que colhi na rápida visita de duas semanas a Cabo Verde - impressões que podem não corresponder à realidade- fiquei com a odeia de que talvez no arquipélago se pudesse instalar algumas indústrias rendíveis, mas que falta na sua população, em apreciável escala, o espírito industrial, dado que me pareceu que quase toda a sua tendência vai pana o sector muito menos arriscado do comércio.
Quanto ao excesso de população, que é uma série realidade, a solução é verdadeiramente difícil de alcançar. Poderá encontrasse, em grande parte, DO incremento da emigração, já significativa em direcção à Holanda e aos Estados Unidos da América, ou, talvez, apesar das sérias implicações que certamente traz, muito em particular de natureza moral e religiosa, no emprego dos antigos ou recentes matados de planificação familiar.
Mas certamente que o remédio para o mal que se está a verificar só se conseguirá realizando um esforço imenso para melhor se desenvolverem todas as valiosas
potencialidades desta terra. Então, apesar de muitos, mas com a sua própria e indispensável contribuição, os Cabo-Verdianos encontrarão com que viver, em bom nível nas ilhas onde nasceram. Mas todos têm de ajudar, pois o Governo e a metrópole mão podem, só por si, solucionar este e os outros problemas de Cabo Verde.
Srs. Deputados: Parece, por aquilo que tenho dito, que saímos de Cabo Verde desanimados quanto ao seu presente e inquietos quanto ao seu futuro. Mas convém recordar que toda a medalha tem sempre um reverso, e é sobre este que agora vamos proferir algumas palavras.
Em primeiro lugar irei referir-me, como é natural, ao magno problema da água. Pois bem, visitámos no Mindelo a construção e montagem de um grande dessalini-zador, dos maiores do Mundo, obra notável em vias de acabamento, e cujo custo ascende a algumas dezenas de milhares de contos.
Outro dessalinizador, em Santa Maria, na ilha do Sal, tem as suas instalações quase concluídas. Mas com muito mais interesse do que os dessalinizadores reputo as pesquisas que têm sido feitas no sentido de prospectar as águas que, porventura, existam no subsolo das diversas ilhas. Esses trabalhos, realizados pela Inspecção-Geral de Minas e por uma empresa francesa especializada na matéria, efectuaram-se já nas ilhas de Santiago, Fogo, S. Nicolau e Boa Vista, com perspectivas que podem considerar-se animadoras.
Os estudos e investigações de campo vão prosseguir em ritmo acelerado e oxalá correspondam às esperanças que nelas se depositam, pois penso que só na captação das águas subterrâneas, se elas existirem, como parece, se encontrará solução prática e económica para solucionar o gravíssimo problema das secas de Cabo Verde.
Outro aspecto favorável para o futuro da economia do arquipélago é o que fortemente se desenha quanto ao aproveitamento das possibilidades turísticas de algumas das ilhas. Na verdade, a um clima de estabilidade excepcional vêm juntar-se praias magníficas, mar com águas temperadas e uma população lhana e afável. Por isso, já um grupo ligado a individualidades belgas iniciou as instalações de um importante complexo turístico na ilha do Sal e estão em curso empreendimentos na Boa Vista, com financiamentos alemães, e no Maio, com interesses ligados a relevantes personalidades portuguesas.
De todos os projectos, o que se encontra mais adiantado é, sem dúvida, o da ilha do Sal, onde existem esplêndidas pistas para aterragens dos mais modernos aviões e onde é pena que faltem pequenos pormenores para que o novo edifício do aeroporto se possa classificar como excelente. Mas é preciso não esquecer que para o êxito de qualquer empreendimento turístico é absolutamente necessária a existência das respectivas infra-estruturas. Contamos que este aspecto tenha sido suficientemente equacionado no que respeita ao turismo de Cabo Verde.
No que se refere no aspecto industrial, ainda bastante incipiente, as perspectivas quanto a possibilidades - que não a iniciativas -, afiguram-se-nos prometedoras. Vemos, assim, que poderão ter futuro a industrialização de certos produtos agrícolas, como as conservas de fruta, muito em particular a das excelentes mangas, e o aproveitamento dos produtos do mar, especialmente os peixes e os mariscos.
A pesca, que tem sido vultosa fonte de receita para empresas estrangeiras que trabalham em águas bem vizinhas de Cabo Verde - haja em vista o exemplo dos Japoneses -, não tem dado às empresas nacionais os rendimentos mínimos que seriam para desejar, melhor diríamos, que tinham a absoluta obrigação dê apresentar.
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O caso afigura-se-me tanto mais grave quanto em algumas empresas, como a Congel, o Estado investiu muitos milhares de contos. Temos esperanças de que dentro em breve, com a entrada, já verificada, de conceituados técnicos, para a sua administração, a Congel possa sair do inexplicável e inadmissível marasmo em que tem vivido.
Os estaleiros navais de Cabo Verde, a instalar na ilha de S. Vicente, são uma aspiração que merece um estudo cuidadoso e pormenorizado. Pelas ideias e orientações gerais que nos explanaram fiquei com a impressão de que poderia tratar-se de um empreendimento de vulto que teria manifesto interesse, não só para a economia do arquipélago, como para a da própria Nação.
Li, aliás, nos jornais de há meia dúzia de dias a agradável notícia de que os estudos se iam iniciar desde já, facto com que todos nos devemos congratular.
O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha primeira ideia é exprimir como Deputado de Cabo Vende o meu profundo agradecimento, que, estou certo, o meu colega Dr. Bento Levy comigo compartilha, pelo que nos foi dado ouvir da parte do Sr. Deputado Cancella de Abreu.
E sempre agradável verificar que há alguém que nos ajuda na luta que todos temos, aqui, de ter e manter para procurar elevar, tanto quanto possível, o nível de vida em territórios onde, infelizmente, ele ainda mão atingiu aquilo que todos nós aspiramos.
O que acaba de dizer sobre Cabo Verde, sobre as suas dificuldades, sobre o ingrato clima sob o ponto de vista hídrico, que aí assim verificamos, é realmente algo que dificulta extraordinariamente o desenvolvimento dessas populações.
Não fosse o seu espírito de compreensão, não fosse o seu profundo sentimento de patriotismo e de amor a berra onde nasceram, natural era que tivessem já quase que desistido de mais lutar contra o ambiente desfavorável que lhes foi dado.
Felizmente que é nesse mesmo ambiento que nós vamos encontrar os elementos necessários que permitirão a essas populações sair, talvez, do marasmo em que têm vivido, caminharem no sentido de uma maior prosperidade, aproveitando aquilo que até há pouco tempo nem mesmo se ligara importância ao ambiento em que viviam
Refiro-me às admiráveis condições climatéricas para a possibilidade de instalação de um turismo que deve estar seguramente orientado no sentido de -permitam-me a expressão- uma venda de saúde aos turistas que procuram aqueles lugares.
Também como ilhéus têm de olhar com mais atenção para o mar que os cerca e encontrar nesse mar, como muito bem disse o Dr. Cancella de Abreu, os elementos necessários para o desenvolvimento rápido da população. Felizmente, compartilho com ele a esperança de que a Congel, nas mãos de técnicos competentes, possa vir a dar os frutos que todos nós desejamos.
Mas o que me levou, sobretudo, a pedir autorização ao Sr. Dr. Cancella de Abreu para esta interferência foi a citação que acaba de fazer dos estaleiros navais de Cabo Verde.
A. situação dessas ilhas no meio do Atlântico, ilhas que seguramente podem constituir-se sobre diversos aspectos, sobretudo sobre o aspecto político e militar. Algo de muita importância no conjunto da nossa posição no Mundo merece ser acarinhado e temos a noção nítida de que o desenvolvimento de estaleiros nessas ilhas poderá ser um grande auxílio para o fomento de Cabo Verde.
Estão extraordinariamente bem localizadas no cruzamento das rotas que ligam as Américas à África e à Europa e têm as condições óptimas para que nelas possam vir a ser instalados grandes estaleiros, de que temos já, felizmente, alguma experiência.
Mas eu não quero esquecer, neste momento, e isto é uma homenagem que presto a um homem que sempre admirei, os homens da Armada, não quero esquecer-me o que a força naval de Cabo Verde tem já feito num pequeno estaleiro que ocupavam em boa hora e que têm desenvolvido tanto quanto possível, conseguindo que ele sirva amplamente às necessidades de cabotagem, mas podendo aspirar-se, se não for contrariada a sua tendência de desenvolvimento, a que ela possa vir a representar um factor importante nas comunicações marítimas de Cabo Verde.
E esse pedido que aqui deixo, que o facto de olharmos para um grande estaleiro com capacidade internacional, volto a pedir licença para empregar esta expressão, não ponha de parte a ideia do auxílio que há a prestar ao pequeno estaleiro que em boa hora o Comando Naval de Cabo Vende tomou sob a sua couta.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Salazar Leite, pela importante achega que quis trazer a esta minha intervenção. E absolutamente justa a referência que V. Ex.ª quis fazer aos estaleiros de Cabo Verde da parte da Marinha, tanto mais que, sendo de primeiríssima importância, o trabalho que executam, o que fazem, por aquilo que nos foi dado observar, quase, chamemos-lhe assim, em regime artesanal.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Roboredo e Silva: - É consolador ouvir um ilustre Deputado, ou melhor, dois ilustres Deputados desta Camará, que, aliás, são ambos médicos, falar da posição estratégica excepcional de Cabo Verde no Atlântico e, consequentemente, ligar essa posição àquilo que significam as actividades marítimas ou navais em que o arquipélago deve embrenhar-se a fundo. Por consequência, parte daquilo que eu poderia dizer já foi dito, mas eu desejaria reforçar com o seguinte: na primeira sessão legislativa, numa das minhas intervenções, se bem me lembro, salientei que, para o futuro da economia de Cabo Verde, considerava como ponto fundamental o desenvolvimento do Porto Grande de S. Vicente, de Cabo Verde.
Este porto, justamente pela excepcional posição geográfica do arquipélago, a cavalo nas linhas de navegação entre a Europa e a América do Sul, e muito próximo das linhas de navegação que se dirigem à África ocidental e à África do Sul, era de tal maneira valioso que tudo quanto se fizesse para o desenvolver e para lhe dar meios não só no campo das reparações navais, como, e acima de tudo, para fazer dele um grande porto petroleiro de reabastecimento de navios, era fundamental. E continuo convencido de que na nossa política de petróleo -.se é que temos realmente uma verdadeira política nacional de petróleo, isto é, que abranja a metrópole e o ultramar - S. Vicente de Cabo Verde seria das posições magnificas para instalar uma refinaria.
Vozes: - Muito bem!
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O Sr. Roboredo e Silva: - Mesmo assim, Cabo Verde, que se deixou atrasar em relação a Dacar e às Canárias, ainda é um porto importantíssimo de reabastecimento de combustível a navios, pois, apesar de eu neste momento não ter números precisos, creio ainda hoje que devem ser da ordem das 400 000 t os combustíveis que se fornecem à navegação.
Ora, se nós tivermos presente as condições do porto, que não tem abastecimento de petróleo no cais, que é feito nos fundeadouros com barcaças, tão vultoso número de toneladas de combustível que se fornecem aos navios, poderíamos imaginar, se tivéssemos uma infra-estrutura adequada no porto de S. Vicente, dada a sua posição excepcional, como nós conseguiríamos uma situação dominante em relação às Canárias e a Dacar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Roboredo e Silva: - Consequentemente, o futuro da economia de Cabo Verde é, acima de tudo, em minha opinião, a estrutura de um grande porto para a navegação oceânica em S. Vicente de Cabo Verde.
Os estaleiros navais iniciaram-se muito modestamente pela marinha, necessariamente não pelo Comando Naval, mas pelas autoridades da marinha do continente, que, logicamente, são elas que têm de projectar e realizar o desenvolvimento das infra-estruturas navais em todo o território nacional. Mas este foi um primeiro passo, pois a marinha tinha projectos para desenvolver esses estaleiros.
A coisa tomou agora um novo aspecto, como o Sr. Deputado Dr. Cancella de Abreu acaba de informar a respeito de um despacho nomeando uma comissão de técnicos estrangeiros para estudar as bases do desenvolvimento e condições económicas desses estaleiros. Mas não há dúvida - e é justo fazer-lhe justiça - de que foi o Ministério da Marinha que teve a noção exacta da importância que tinha um estaleiro a sério em Cabo Verde.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Roboredo e Silva: - Por outro lado, Cabo Verde precisa de ter uma força naval em permanência de certo poder, dentro da modéstia dos nossos recursos navais; e, necessariamente, para ter permanência uma força naval no arquipélago tem de se lhe dar apoio logístico local. Um dos apoios fundamentais de uma força naval é o estaleiro e condições de reabastecimento. Certamente que para a forca naval as condições de reabastecimento actuais satisfazem, mas não satisfazem para atender às necessidades da grande navegação.
Consequentemente, eu continuo a insistir que o grande futuro de Cabo Verde, que é de todas as parcelas do território nacional indubitavelmente uma das mais firmes no seu portuguesismo, merece que se faça um esforço no sentido de lhe dar todos os meios para fazer do seu Porto Grande o grande porto que deve e tem o direito de pretender vir a ser.
Muito obrigado, Sr. Deputado.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Almirante, porque as suas palavras vieram dar um apoio multo valioso aquelas simples que eu tenho estado a dizer.
O Sr. João Vasconcelos Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor!
O Sr. João Vasconcelos Guimarães: - Eu começo por pedir desculpa ao Sr. Deputado Cancella da Abreu pelo tempo que todos nós lhe temos tomado na sua valiosa intervenção. Todavia, tenho obrigação de acompanhar o interesse desta Câmara para o assunto levantado, onde os problemas, quer económicos, quer materiais, quer até estratégicos, como os levantados pelo Sr. Deputado Roboredo e Silva estão, não digo completamente, mas profundamente debatidos.
Sinto-me na obrigação de levantar a minha voz para neste momento prestar homenagem ao grande oficiai de marimba e antigo governador de Cabo Verde comandante Sacramento Monteiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. João Vasconcelos Guimarães: - Que a todos estes problemas dedicou o melhor do seu esforço, do seu trabalho e até da sua saúde.
Muito obrigado, Sr. Deputado, pelo tempo que me permitiu tomar.
O Orador: - Mas ainda noutros campos, como no da exportação para a Europa, nos períodos de Inverno deste continente, de produtos hortícolas e frutícolas, que aqui só aparecem noutras estações, muito se poderá, todavia, fazer em Cabo Verde. Não falando já nos bananas, que teriam de exportar-se em muito maiores quantidades, nem nos mangas, não quero deixar de me referir às possibilidades da colocação em mercados estrangeiros ou no metropolitano das muitas toneladas de tomates e pimentos que o arquipélago produz.
Se é verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não saímos de Cabo Verde entusiasmados no que se refere à sua presente conjuntura, poderemos dizer, no entanto, e sem perigo de errar, que as perspectivais quanto ao seu futuro se nos apresentam sob um prisma mais optimista.
As ilhas tem possibilidades naturais que não podem menosprezar-se e são habitadas por uma população boa e simpática, talvez um pouco indolente, devido ao clima, mas muito culta e com um elevado sentido artístico.
Nesta terra, onde a frequência no ensino primário atingiu, o ano transacto, 90 por cento das crianças em idade escolar, encontram-se notáveis prosadores e poetas e numerosos indivíduos com acentuada e valiosa inclinação para a música.
Pois bem, se as gentes de Cabo Verde quiserem, se localmente aparecerem iniciativas válidas e ousadas e houver um vigoroso dinamismo a ajudar o esforço que a Nação está fazendo para a valorização do arquipélago, se se der andamento rápido e eficiente a tudo o que está previsto e aos demais planos que os Governos Central e Local e a Comissão Central de Planeamento vierem a elaborar, se todos, mas todos, ajudarem e colaborarem, posso garantir que o futuro económico e social das ilhas que Diogo Gomes e António da Nola descobriram em 1460 será bem diferente daquele que actualmente é.
A importantíssima situação estratégica de Cabo Verde para a defesa do mundo livre, a presença ali de Portugal há mais de quinhentos anos e a cultura, o génio e a alma lusíada dos Cabo-Verdianos não podem permitir - e não permitirão! - que as ilhas deste arquipélago parem a sua evolução no tempo e que não acompanhem o progresso sócio-económico que caracteriza a civilização da nossa época.
Haja, pois, confiança no futuro de Cabo Verde! A superior orientação e o patriotismo do Presidente Marcelo Caetano, a dedicação e o conhecimento dos problemas ultramarinos por parte do Ministro Silva Cunha, a muita vivência de todos os assuntos do arquipélago pelo Sub-
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secretário Sacramento Monteiro e o entusiasmo e a devoção do governador Lopes dos Santos são um valioso penhor de que Cabo Verde e a sua gente estarão melhor e mais prósperos e felizes nos dias de amanhã.
Por não desejar abusar da paciência de VV. Ex.ªs, e com autorização do Sr. Presidente, reservarei para um dos próximos dias algumas considerações acerca da segunda parte da nossa visita, daquela que fizemos à província da Guiné.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Fausto Montenegro: - Sr. Presidente: Entre as mais diversas actividades dos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações, um dos problemas primaciais deverá ser o de dotar o Pais de vias de comunicação que satisfaçam a promoção sócio-económica e com ela se possa garantir o bom êxito dos planos de fomento.
E nosso entender, firmado na experiência quotidiana, que só caminharemos para uma melhoria de vida colectiva quando possamos satisfazer as exigências dos transportes nos seus mais variados aspectos.
E sem necessitar de mais justificação, pois seria pura redundância pela evidência a todos comum, passo a pedir a atenção dos referidos departamentos de Estado para a situação de atraso e de penúria em que se encontra toda a região duriense, melhor direi, a bacia hidrográfica do Douro, com os seus concelhos confinantes.
Lembrar a história das vias de comunicação durienses nestes últimos duzentos anos (que ficou na nossa literatura assinada por Sousa Costa, Araújo Correia, Alves Redol e Miguel Torga), torna-se necessário para a confrontarmos com o presente.
Esta região começou primitivamente a ser servida pêlos barcos rabelos que do Porto subiam com cargas e passageiros até às imediações do Cachão da Valeira. Dal por diante o transporte fazia-se por transbordos para pequenas embarcações e nos usados na região.
Reconhecido o valor económico de toda a regulo vinícola do Douro, que compensava a exportação dos produtos da terra com a maior importação de divisas, foi construída no século XVIII a chamada e conhecida estrada pombalina, que ainda hoje se conserva na maior parte do seu primitivo traçado, e que, saindo de Lamego, possibilitou o desenvolvimento do tráfego com o cais de embarque dos vinhos da Feitoria, na margem meridional do Douro.
Entretanto, abre-se o caminho de ferro em fases quase contínuas até à Barca de Alva e, dadas as suas possibilidades de transportar maiores cargas e de ser muito mais rápido, toma a primazia sobre os outros.
O progresso e respectivas exigências fazem a sua revolução e, consequentemente, renovam os processos para uma constante melhoria.
O tráfego dos barcos rabelos, que dos muitos em uso já transportavam cerca de 50 t, começa a diminuir com a preferência pelo caminho de ferro e com abertura nas duas margens de novas estradas para o Porto.
No entanto, todas estas se fazem com projectos tímidos e com os olhos postos nas velhas diligências, primando pela constante das grandes curvas e pela reduzida largura.
O mesmo não sucedeu muitas décadas atrás com a citada estrada pombalina, que, por exemplo, de Lamego à Régua tem menor percurso e, para a região, razoáveis rectas, se a compararmos com a posteriormente construída, com cento e trinta e cinco curvas e que, actualmente, serve Lamego, como estrada nacional n.º 2, que é. A tal chamada estrada pombalina parece uma estrada do nosso tempo!
E é já nos nossos dias que os barcos rabelos, ainda usados nos transportes dos vinhos generosos do Douro e de consumo corrente para os armazéns de Vila Nova de Gaia, deixam de subir suavemente com as suas largas velas brancas, símbolo de uma região, começada a construção da barragem do Carrapatelo; e agora, com a de Bagaúste, torna-se impossível a utilização deles.
Seria por isso que a Natureza se enfureceu e assoreou a barra do Douro, tornando-a impraticável ao acesso de barcos que vinham as suas margens carregar o afamado vinho do Porto e as mais variadas mercadorias, esquecendo-se do privilégio concedido por um dos poucos amigos da região duriense, o conselheiro João Franco, ao decretar o exclusivo da barra do Porto para os vinhos do Douro?
Que projectos há para o seu desassoreamento, podendo assim dar-se legítima satisfação aos interesses económicos da laboriosa e invicta cidade do Porto, aos armazéns de Gaia, aos cais e a toda a tradicional vida marítima da Ribeira que floresceu nas suas margens, dando-se também, assim, esperanças aos Durienses de que o rio Douro se torne navegável para embarcações da ordem das 1200 t logo após a construção das programadas barragens?
Prometem-nos um Douro navegável só até ao Pocinho, o que é considerado pelo ilustre Deputado Engenheiro Almeida e Sousa como o maior erro económico, se tal se aceitar, como o demonstra em trabalho recente e de muito mérito.
Outros maiores gastos se têm despendido na administração das barragens, os quais não parecem satisfazer o autêntico interesse nacional.
E também parece não haver igual zelo em economizar, numa criteriosa administração, os 100 000 contos necessários para a construção da eclusa do Pocinho.
E com esta insignificante verba -se a compararmos com as restantes - privaremos o transporte fluvial dos produtos da terra e de toda a sua bacia "da província de Trás-os-Montes e Alto Douro", incluindo o velho Riba-douro, e "também de Castela-a-Velha, que veria reduzida em centenas de quilómetros o seu acesso ao mar"? Entretanto esperamos que o bom senso decida. Como ainda está demorada a concretização desta válida realidade, resta-nos o caminho de ferro e as estradas, que, sem necessidade de fazer grande prova, posso afirmar não corresponderem às necessidades do momento no rápido estreitamento do intercâmbio comercial de todo o Douro com o seu principal e velho amigo companheiro de trabalho - o Porto.
No Porto sempre se reflectiu o progresso ou as crises do laborioso e sacrificado povo duriense, que também é português, e dos melhores, pois entre eles - o Porto e o Douro - sempre permutaram esforços, trabalhos e resistências para vencerem o esquecimento a que têm sido votados.
Sem favor, são dignos de melhor sorte, e que, com esforços próprios, teimosamente, mas com legitimidade, hão-de conseguir melhores dias, assim o creio. Analisemos a via aérea.
Se nos últimos anos melhoraram as composições, os horários teimam na lentidão. Será um agravo ao poder energético do Douro?
"Os santos da porta não fazem milagres", e assim a linha do Douro não recebeu os favores com que a Natureza dotou o seu rio, exportando a sua riqueza para benefício dos outros e continuando num aflitivo subdesenvolvimento.
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A Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses faz estudos, promete que um dia virá a justa satisfação às Legítimas aspirações da região, que, convém frisar, não o exige por comodidade egoísta, mas por essencial ao desenvolvimento económico de uma região considerada pêlos técnicos do planeamento como n mais atrasada do País.
E também estes prometeram para estas regiões em atraso pólos ou subpólos de desenvolvimento, que, infelizmente, não se vislumbram e só tiveram o mérito negativo de criar uma total descrença no porvir de dias melhores.
Desculpado este aparte, lembremos que um passageiro que saia do Porto para Barca de Alva tem um percurso de 203 km e que o fará na automotora mais rápida em quatro horas e trinta e nove minutos, se cumprir o horário, o que nem sempre acontece, e que dá a média de 45 km.
Nos outros comboios, directo e correio, a média da velocidade desce para 30 km e 25 km, pois gastam sete horas e oito horas e quinze minutos, respectivamente.
Mais pavorosa e depreciante é a utilização das linhas do Corgo, Tua e Sabor.
O viajante que necessite de embarcar no Porto para Chaves - 203 km - demora seis horas e trinta e cinco minutos, no rápido, e, nos outros, sete horas e cinquenta e quatro minutos, na proporção de 30 km/h e 25 km/h
Só por penitencia!
Os passageiros de Bragança - 277 km - têm de se mortificar sete horas e oito horas e quarenta e sete minutos, conforme utilizem o rápido ou os expressos.
O mesmo sucede aos utentes da linha do Sabor.
Perigos constantes nestas linhas, deficits permanentes, estudos efectuados, etc., são o somatório de muitas causas que se apontam para remediar esta antieconómica exploração, que nem serve a região, nem os interesses nacionais.
Dê-se-lhe a melhor solução. Há que a definir.
Com ou sem caminho de ferro, com o traçado transformado em estrada a possibilitar o uso de autocarros, peja o que for, o certo e legítimo é que as populações têm o direito de ver melhorada a sua comunicação com os centros de progresso e a não ficarem indefinidamente à espera de uma solução. Se esta não for melhor, então será preferível optar pelo inédito conservantismo.
Passemos agora às estradas nacionais.
Os seus traçados, como já dissemos, foram feitos para as velhas diligencias, e não para os monstruosos camiões-cisternas que, às muitas dezenas, diariamente os utilizam no transporte dos vinhos do Douro e dos combustíveis, aumentados com os que transportam materiais dos mais diversos para as barragens.
Curvas constantes, pavimento péssimo, faixas difíceis, largura inerente a estradas de 2.ª classe, são as características de todas as vias de acesso ao Porto, de uma e de outra margem do rio, com o agravamento de frequentes passagens na via férrea, como, por exemplo,- na Régua, Rede, Marco e Paredes, e com os estrangulamentos perigosíssimos na vila da Régua - aqui mais que em qualquer outra e a reclamar já de joelhos compreensão -, e também Resende, por isso tão atrofiaria no seu desenvolvimento.
Nenhum automobilista consciente dos seus deveres de condutor pode pensar que faz os 110 km que vão de Lamego ou da Régua ao Porto em menos de três horas.
Se a estrada estivesse livre, seria lógica a utilização em menos tempo, embora saiba de antemão que tem de vencer contínuas curvas e péssimo piso.
Mas como o tráfego é permanente, curves, subidas e descidas frequentes, com os camiões-cisternas e todos os outros que foram Construídos não paira este tipo de estradas, mas que são uma realidade, que ocupam toda a estrada e vão numa mancha lenta, na ordem dos 20 km, com a agravante de tarem de parar quando cruzam com outras camionetas, o automobilista que vai com necessidade de cumprir um horário, nos seus mais variados aspectos da vida quotidiana, vê-se prisioneiro mas longas files e passa por demorar mais do que três horas.
Não há outra região no País com tão péssimas estradas nacionais.
Daqui se infere toda a ordem de agravamentos para a vida económica da região, não só mo acréscimo do preço dos seus produtos, como também no desgaste dos materiais circulantes, perda, de tempo, perigos de vida, etc.
São factores que pesam na economia da região e do País.
A juntar a tudo isto o abandono a que estão votados.
Nem um alargamento, nem uma rectificação, nem a melhoria do pavimento - observará o transeunte mais curioso.
Será por antieconómico?
Poderemos estar de acordo. Mas, para isso, mais uma vez peço a valiosíssima atenção da Junta Autónoma de Estradas para a concretização da estrada nacional na margem esquerda do rio Douro, desde Barca de Alva até Vila Nova de Gaia, a classificada com o n.º 222, aberta em moldes funcionais e que venha rapidamente suprimir os graves inconvenientes das esteadas atarás referidas. E até porque seria uma estrada de grande valor turístico.
Será muito mais económico rasgar esta estrada do que estar a gastar verbas astronómicas naquelas que nunca deixarão as cicatrizes do passado.
Renovo o apelo que aqui fiz o ano passado, em 11 de Dezembro, quando pedia a construção de algumas estradas nacionais programadas para o meu distrito de Viseu, entre as quais devia merecer primazia a estrada nacional n.° 226-2, entre Lamego e Armamar, há tantos anos prometida.
Nesta hora em que o País vê com esperança a renovação das suas rodovias, lícito é deixar uma palavra de louvor para a decisão do Governo na construção das auto-estradas.
Não temos a veleidade de pedir que a auto-estrada projectada até Penafiel siga até Barca de Alva, mas temos o direito de exigir para toda aquela região, pelo menos, uma estrada quê sirva as suas inadiáveis necessidades.
Para isso apelamos para o superior critério e dinamismo do Sr. Ministro das Obras Públicas e das Comunicações, no sentido de lançar os seus olhares sempre atentos para as pavorosas vias de comunicação da região do Douro: a fluvial, a ferroviária e a rodoviária.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Baptista da Silva: - Sr. Presidente: O Diário do Governo, de lá de Junho passado, representou bem, em matéria de trânsito rodoviário, uma política de um passo em frente e dois à retaguarda.
A imagem serve bem ao verificarmos que nesse mesmo dia se criava, por um lado, a Comissão Nacional de Segurança Rodoviária, preenchendo-se inconveniente lacuna da indispensável e inadiável coordenação de esforços dos sectores oficiais e privados, mas, por outro lado, se extinguia a Polícia de Viação e Trânsito, transferindo a sua competência de fiscalização do cumprimento das disposições legais e regulamentares sobre vinculo terrestre e transportes rodoviários, dentro de dezoito dias. Eu sublinho o prazo, repetindo-o: dezoito dias!!
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Apenas reduzidíssimo número de pessoas, mais reduzido do que seria curial sob múltiplos pontos de vista [. . .], não foi surpreendido pela forma que marcou o segundo diploma. Da surpresa à preocupação, e daí ao temor, só terão escapado os caracterizadamente inconscientes quanto a gravidade da situação criada.
Olhemos a decisão, antes do mais, na generalidade e sob duas perspectivas: a da articulação das forças policiais da metrópole e a do ponto de vista técnico das forças especialmente empenhadas na fiscalização do tráfego, quanto ao seu enquadramento.
Dentro da primeira posição, pois sabe-se que em território nacional - casos de Cabo Vende e Angola - já se operaram concentrações de forças, integrando a Guarda Fiscal na Polícia de Segurança Pública, mas por razões e circunstâncias diferentes. Sabe-se ainda que, há muitos e muitos amos, chegou a ser encarado igual propósito para a metrópole, em toda a sua amplitude, o qual não logrou vingar. Seria muitíssimo estranho que se promovesse, dezenas de anos passados, sem movo e actualizado estudo, a concretização desse pensamento. Se o fosse, aliás, outras caminhos haveria mais recomendáveis para começar. Sê-lo-iam, por exemplo, a polícia da Administração-Geral do Porto de Lisboa - por curiosidade também pertencente ao Ministério das Comunicações - ou até a própria Guarda Fiscal, se fosse considerada entusiasmante a experiência colhida no ultramar, transplantada para o território metropolitano. Não á de acreditar, portanto, que o que se determinou, envolvendo a Policia de Viação e Trânsito e a Guarda Nacional Republicam., tenha sido o primeiro passo de um movo critério de articulação das forças policiais.
Dentro da segunda perspectiva, sabe-se que nos países onde as polícias de trânsito mão estão afectos ao ministério responsável pelo tráfego se levantam numerosas e assíduas críticas ao sistema, focando os inconvenientes de tal situação.
Entre nós, dizia, em 1968, o então presidente da Junta Autónoma de Estradas: "constrói-se e conserva-se a estrada com vista a um determinado trafego - as questões emergentes do seu escoamento hão-de caber à mesma responsabilidade e o contrário é erro manifesto. Sem falsa modéstia, reconheço que esta observação não merece ser classificada de inteligente . . ." Pois quando esse erro estava a caminho de ser eliminado pela recente ligação dos Ministérios das Obras Públicas e Comunicações, eis que surge o Decreto-Lei n.° 265/70, de 12 de Junho, atirando com o policiamento de trânsito das estradas para o Ministério do Interior. Se acrescentarmos que o n.° 2 do artigo 1.° do referido decreto mantém a mesma competência à Direcção-Geral de Transportes Terrestres, que é a constante do artigo 2.° do Código da Estrada, mais dúvidas nos assaltarão, desde o continuar com igual competência fiscalizadora à da Guarda Nacional Republicana o pessoal técnico daquela Direcção-Geral designado para o efeito.
Tudo leva a pensar, assim, que se deu uma inesperada mutação no seio do Ministério das Comunicações, pois menos de ano e meio antes estava decidido proceder-se a uma remodelação profunda da Polícia de Viação e Trânsito, indo-se, até, muito naturalmente, de encontro a uma das conclusões do I Congresso Nacional de Trânsito, realizado pelo Automóvel Clube de Portugal em 1965.
O propósito do Governo pareceu ser, sem cuidar bem da forma nem do tempo, extinguir, pura e simplesmente, a Polícia de Viação e Trânsito sem qualquer alternativa. Pois poderia ter sido encarada, mesmo mantendo igual espírito de intransigência, entregando-se a missão à Polícia de Segurança Pública, por dispor de um corpo especializado com algumas centenas de homens, por já lhe caber igual responsabilidade no interior das localidades e ter um dispositivo de forças que, embora sem a molha apertada e preferível da Guarda Nacional Republicana satisfaria perfeitamente.
O Governo, porém, nada dizendo ao País dos razões que o motivaram para tão drástica atitude, permitiu que todos os interpretações fossem possíveis, incluindo os que, ofensivo e injustamente, generalizavam o todo o corporação o comportamento de alguns. Por mim, recusei-me a tal aceitar. Não sério critério defensável extinguir todo um serviço público mesmo que afectado por graves abcessos morais. Mas se o fosse aos olhos do Governo, de certo o teria estendido já a outros lados, possivelmente indo ate a incineração, que extinguir não bastaria.
A minha surpresa fundamentou-se, pois, nos aspectos expostos. A minha preocupação e o meu temor - que os factos inevitável e infelizmente reforçaram - apoiaram-se em aspectos de carácter bem mais específico e a saber:
Estabelecimento de prazo incrivelmente diminuto para o transferência da responsabilidade, nem que tudo tivesse sido longamente preparado;
Escolha do pior período do ano, dados os volumes móis elevados de tráfego, incidência da circulação internacional e das férias dos emigrantes;
Certeza de a Guarda Nacional Republicana não poder dispor de pessoal com preparação satisfatória sequer para a fiscalização do Código da Estrada e seu Regulamento, que envolvem a aplicação de 111 artigos e cerca de 50 despachos do Ministério das Comunicações;
Garantida ausência de fiscalização às disposições do Regulamento de Transportes em Automóveis - 238 artigos e cerca de 60 despachos do Ministério das Comunicações -, já que para poucas das suas disposições tem competência fiscalizadora a Polícia de Segurança Pública e outros elementos afectos a fiscalização;
Dificuldades imediatos e próximas na instrução do pessoal por falta de um corpo de instrutores com um mínimo de qualificação técnica, o qual não se improvisa, pese todo o brio e esforço;
Perda de quadros médios, os mais importantes sob o ponto de vista operacional e que só anos passados permitirão suprir capazmente;
Inevitáveis situações de perturbação na regularização das grandes correntes de circulação, por ser missão que exige, além de pessoal bem instruído, no teoria e na prática, muita experiência;
Dificuldades graves no levantamento de acidentes, com possíveis prejuízos materiais e morais para os intervenientes, já que o pessoal empenhado nessas acções tem de dispor de adequado preparação;
Determinação coincidente com um novo período de limitação de velocidade em todas as estradas do País - que decorreu de 31 de Julho a 10 de Agosto -, quando em períodos análogos anteriores a própria Polícia de Viação e Trânsito se tinha mostrado insuficientemente dotada de efectivos e equipamento.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Júlio Evangelista: - Efectivamente, não é segredo para ninguém, e muito menos para V. Ex.ª, a
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estima particular que eu lhe devoto, que vem dos tempos muito recuados da nossa juventude e, sobretudo, que devoto à sua inteligência e à sua preparação. Eu apenas ponho a minha dúvida à intervenção de V. Ex.ª, e no aspecto que está a referir, é a dúvida do homem comum, do homem da rua, é que me parece o diploma não extinguir um corpo policial do trânsito. Mandou-o integrar noutro corpo policial. E isso, não é?
O Orador: - Não é, Sr. Deputado Júlio Evangelista. O diploma extinguiu a Polícia de Viação e Trânsito.
O Sr. Júlio Evangelista: - Mas os seus elementos. . .
O Orador:- Não interrompa, Sr. Deputado Júlio Evangelista!
O Sr. Júlio Evangelista: - Mas permitiu-lhes integrar, não?
O Orador: - Permitiu apenas parte desses quadros da Polícia de Viação e Trânsito serem integrados na Guarda Nacional Republicana. A parte. A parte mais modesta desses quadros; aos seus quadros médios e superiores fechou-lhes as portas.
O Sr. Júlio Evangelista: - Muito obrigado. Era esse esclarecimento que eu precisava.
O Sr. Leal de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Leal de Oliveira: - V. Ex.ª talvez nos possa dizer, e peço imensa desculpa de ter intervido, mas houve uma reacção tão repentina que gostaria de saber a razão por que é que não houve essa integração.
O Orador: - Pus exactamente nas palavras que pronunciei antes esse problema a opinião do Governo, pois disse que o Governo não dando ao País conta das razões que motivaram, essa medida tão drástica, deu campo a todos as interpretações, uma das quais considerei injustamente ofensiva da corporação extinta.
Eu, como V. Ex.ª, e julgo como todo o país, com autenticidade não sabemos por que é que a corporação foi extinta.
O Sr. Cunha Araújo: - Acho que o que sobretudo importa é que nós não temos realmente fiscalização na estrada. Noto isso quase de quinze em quinze dias, pois venho do Douro, numa viagem de quatrocentos e tal quilómetros, e encontro um ou outro guarda-republicano debaixo de uma árvore, à sombra, de Verão, com uma pasta na mão, que nos olha simplesmente, e, portanto, sinto-me desacompanhado. Nós os automobilistas, sentimo-nos desacompanhados na esteada.
O Sr. Júlio Evangelista: - Mas se VV. Ex.ªs me permitem todos e V. Ex.ª, em particular, que é o orador, eu então ainda diria mais um aparte, que é um aparte do homem da rua, que sabe interpretar o que sente à sua volta. Eu quero dizer a V. Ex.ª que, nos meios do povo, nos meios rurais, onde eu vivo, onde efectivamente ausculto opiniões, eu devo dizer a V. Ex.ª que, nessa altura, o País aceitou, com júbilo, a medida do Governo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Alguns outros aspectos poderia eu acrescentar aos enumerados, pois também eles, com força igual, me impressionaram. Não preciso de recorrer a essa citação, sendo-o agora, como são, perfeitamente dispensáveis. O mesmo não pensaria com vista à habilitação para apreciar e decidir o problema quando esteve em causa.
O Sr. Ricardo Horta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Foça favor.
O Sr. Ricardo Horta: - A Assembleia Nacional deve considerar a exposição de V. Ex.ª como transcendente sobre os acontecimentos do nosso país, aliás, não só no nosso país, mas em todos os países. Hoje consideramos-o problema que V. Ex.ª está aqui a levantar, o problema técnico de condução, o problema velocidades, especialmente. A velocidade hoje é comparada como a peste da Idade Média, os acidentes da estrada no Mundo devem matar tantas vidas quase como a peste que lavrava na Idade Média.
Logo, é evidente que os países através dessa impressão, desse acontecimento saliente na vida dos povos têm de reagir, e reagem estruturando todo o sistema que tem de evitar essas mortes. Evitar essas mortes no sentido de impossibilitar que eles marram abandonados na estrada, sem apoio de qualquer natureza.
Ora, nos escalões desses apoios que são necessários na estrada, diz V. Ex.ª que os elementos da ordem da Guarda Nacional Republicana, da Polícia de Viação e Transito e outros precisam de técnica e de meios para assistir m loco onde eles estão morrendo abandonados.
É certo, quero dizer: esses homens precisam de uma diferenciação técnica, de uns conhecimentos de forma que possam evitar parte da extinção da vida desses - coitados - que, por vezes, por sua culpa, outras vezes, por culpa alheia, perdem-na aí nessas estradas.
Mas não é só isso, V. Ex.ª fala no escalão, no escalão dos elementos da ordem, mas nós falamos na estrutura nacional que precisamos urgentemente realizar desde os órgãos que vão com o perigo que está no lugar do acidente até ás comunicações perfeitas, até aos órgãos hospitalares com as suas equipas e os seus equipamentos capazes de ressuscitar e salvar a vida que está a falhar. V. Ex.ª sabe que morrem cerca de 30 por cento dos feridos que podiam ser salvos, por insuficiência de meios, destes meios escalonados, destes meios cívicos, que uma nação precisa de ter.
Agradeço a V. Ex.ª as informações e felicito-o por ventilar um grave problema.
O Orador: - Eu é que agradeço as palavras de V. Ex.ª e reconhecer-me-á o direito de eu procurar falar só daquilo que sei.
Tenho, no entanto, perfeita sensibilidade para ouvir as palavras que V. Ex.ª pronunciou sobre um dos aspectos fundamentais da situação do tráfico rodoviário no nosso país, porque ainda outro dia tive. durante largo tempo, a felicidade de ouvir o ilustre médico que é o chefe de serviços de neuro-cirurgia dos Hospitais Civis de Lisboa, focando exactamente o aspecto que V. Ex.ª aqui sublinhou. Portanto, tenho sensibilidade para compreender a gravidade desse aspecto do socorro na estrada. Não sei dele suficientemente como V. Ex.ª para me atrever a debatê-lo aqui em profundidade, procuro falar só de alguma coisa que sei.
Dado que a qualidade de pessoal de uma polícia de trânsito é o seu melhor capital, deve à Brigada de Trânsito oferecer-se o mais vasto campo de recrutamento e ser ele criado através das exigências recomendadas para a especialidade, incluindo testes psicotécnicos.
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Quererei então dizer, dispensando-me de ampliar os fundamentos do meu juízo - no qual sei, aliás, estar honrosamente acompanhado -, que tal não vale sequer a pena, por estarmos perante um caso perdido e de consequências sem fim? Mas certamente que não, sem que deixe de pensar estar em curso um período muito preocupante da fiscalização do tráfego nas estradas do continente, embora com a fase pior já ultrapassada. Isso não pode, porém, dar tranquilidade seja a quem for, pois as estatísticas hão-de confirmar indesmentivelmente ter sido essa fase violentamente debitada ao País.
Que se deve, pois, advogar para que mais rapidamente se processe a recuperação de quanto de bom foi deitado fora e logo de seguida se ultrapasse esse estádio que se tinha já como inadequado?
Pois, hesitando pelo lugar e pelo momento, que nunca pelo espírito que me determinou e sempre me anima, por mim direi:
Sendo toda a polícia de trânsito um ramo perfeitamente diferenciado da restante acção policial, deve ser assegurado à Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana total autonomia técnica e a mais lata autonomia administrativa dentro da corporação.
Devendo uma polícia de trânsito dispor de quadros altamente especializados, urge - conforme proposto no I Congresso Nacional de Trânsito - a criação de uma escola nacional para possibilitar a completa preparação dos quadros da Brigada de Trânsito, bem como dos Serviços de Trânsito da Polícia de Segurança Pública, além de outras formações que ali poderão caber.
Competindo à polícia de trânsito velar pelo cumprimento de toda a regulamentação da circulação rodoviária, deve ser mantida uma constante, estreita e directa ligação entre a Brigada de Trânsito e a Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
Devendo a polícia de trânsito manter oportunamente informado o departamento responsável pela construção, manutenção e sinalização das rodovias, sobre todas as circunstâncias que perturbem a fluidez ou a segurança do trânsito, deve manter-se uma colaboração permanente entre a Brigada de Trânsito e a Junta Autónoma das Estradas.
Competindo à polícia de trânsito participar nas acções educativas e de informação em matéria de segurança rodoviária - conforme ainda recomendado na reunião de 7 de Outubro último da Conferência Europeia dos Ministros de Transportes -, deve a Brigada de Trânsito apoiar as actividades da prevenção rodoviária e outras eventuais e similares.
Dado ser imperativo que uma polícia de trânsito disponha de efectivos que lhe permitam exercer todas as suas missões com permanente eficiência, devem os efectivos da Brigada de Trânsito ser periodicamente ajustados à situação da circulação automóvel.
Considerando de indispensável complementaridade à acção geral de uma polícia de trânsito dispor de pessoal e meios para um controle selectivo, deve a Brigada de Trânsito ser dotada de todo o equipamento necessário à constituição de brigadas técnicas de controle (de velocidade, cargas, gases, ruídos, iluminação, pneus, etc.).
Sendo tarefa que ultrapassa a preparação base do pessoal de uma polícia de trânsito, o levantamento de muitos acidentes, deve a Brigada de Trânsito dispor de brigadas técnicas de acidentes, com pessoal de apurada e adequada aptidão técnica e todo o equipamento especializado necessário.
Considerando que em toda a polícia de trânsito a instrução geral formativa (de base) como a instrução geral de aperfeiçoamento devem ser mantidas ao melhor nível, deve à Brigada de Trânsito ser proporcionado assegurar a colaboração dos melhores instrutores.
Comprovado que o contacto de uma polícia de trânsito com os utentes da estrada se reveste de circunstâncias delicadas e especiais - uma polícia de trânsito deve ser capaz de ajudar e aconselhar antes de castigar -, a Brigada de Trânsito deverá atentar cuidadosamente nas relações globais e individuais com o público.
Quero terminar com uma palavra de confiança e de justiça para a Guarda Nacional Republicana. O País sabe que tem o privilégio de poder esperar que a corporação supere as dificuldades que enfrenta e mantenha incólume aos olhos de todos o prestígio incontestável acumulado ao longo de dezenas de anos. O País reconhece que a Guarda Nacional Republicana tem, talvez como nunca, o direito a dispor do apoio do Governo e do respeito colaborante da população.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Pedro: - Sr. Presidente: O Mundo tem estado a viver na última semana, mais precisamente desde a manhã do passado dia 26 de Novembro, um acontecimento da mais alta transcendência nas suas múltiplas e profundas implicações: religiosas, sociais e até políticas. Refiro-me, é evidente, a viagem que, em espírito de missão, como chefe da Igreja, o Papa Paulo VI iniciou na manhã daquele dia com rumo a países e povos do Extremo Oriente, da Ásia e da Oceânia, aonde foi "como pastor e missionário" a visitar irmãos e filhos, entre os quais lhe merecem particular predilecção, segundo as suas próprias palavras, os pobres, os jovens, os sedentes de justiça e de paz, os que sofrem.
Dias em que o Mundo parece mais amável, mais humano, mais cristão - estes em que o Bispo de Roma, Pontífice da Igreja de Cristo, seguindo na peugada do Grande Apóstolo dos gentios, cujo nome adoptou, percorre caminhos e terras de cristandades distantes: da Pérsia e do Paquistão; das Filipinas, de Samoa e da Austrália; da Indonésia, da China e do Ceilão.
Viagem antecipada e longamente preparada, a ela repetidamente se referiu o Papa para vincar sempre o objectivo religioso, a preocupação apostólica, eclesiástica, espiritual e missionaria que o motivou, na esperança confiante de uma maior unidade e fortalecimento da Igreja Católica e de um melhor entendimento com as outras religiões, ao serviço do progresso e da paz.
A unidade e o fortalecimento da Igreja de Cristo; o melhor entendimento entre pastores e fiéis de religiões diferentes; o serviço do progresso e da paz no Mundo - sim, são estas as grandes preocupações, os elevados anseios, nem podiam ser outros, de quem, na Terra, carrega sobre frágeis ombros humanos, embora amparados pela Graça, o pesado e glorioso encargo de ser Vigário, isto é, de fazer as vezes do próprio Cristo!
De um modo particular, agora, é a Ásia que polariza o pensamento e a solicitude pastoral do Papa. A Ásia que, por si só, representa um terço da superfície habitada do Globo, e onde nasce, vive e morre metade da população do Mundo. E, no entanto, é aí, nesse imenso continente, que silo em menor número os operários da Messe - 40
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milhões de católicos, num total de 2 biliões de almas -, facto que terá a sua explicação na circunstância de que só a partir do século XVI é que a Ásia, praticamente, entrou nas preocupações dos missionários católicos, especialmente portugueses e espanhóis. Pois é para essa Ásia, metade do Mundo, terra imensa de, mistérios e de sombras, pujante de Vida, prenhe de promessas, que se volta nestes dias a cristandade inteira e com ela toda a Humanidade.
Na palavra de um dos seus mais eminentes filhos, o cardeal Paulo Yu Pin, arcebispo de Taipé, está reservado à Igreja, na Ásia dos tempos de hoje, o papel de ser mãe e mestra da grande maioria dos pobres e dos menos privilegiados ainda em grande parte vítimas de um passivismo fatalista, da ignorância, da miséria, da corrupção e abuso do poder de oligarquias políticas, dos flagelos da guerra e da fome que, endemicamente, dizimam e martirizam milhões, talvez, de seres humanos.
E neste contexto histórico - religioso, social e político -, feito de um passado conhecido, de realidades de hoje e de um futuro cheio de incógnitas que a Humanidade inteira e de um modo especial a cristandade há-de situar e medir o significado desta peregrinação do Papa a terras do Oriente. De facto, a importância desta viagem reflecte, e nesta perspectiva deve ser entendida, preocupações pastorais que transcendem os motivos religiosos, colegial e ecuménico que directamente a motivaram.
O Papa não foi à Ásia simplesmente para se encontrar com as conferências episcopais da Ásia oriental, em Manila; e da Austrália e Oceânia, em Sidney - mesmo considerando a oportunidade que se lhe oferecia de um encontro, em espírito ecuménico, com protestantes e ortodoxos, budistas e muçulmanos. Já isso era muito, mas não foi tudo.
A guerra que ainda hoje dilacera pedaços da Ásia; a situação dos 3 milhões de católicos da China continental; os graves problemas sociais do chamado "Terceiro Mundo", que inclui vastas regiões da Ásia - foram também com certeza razões de força na motivação desta longa viagem do pontífice. A etapa de Hong-Kong onde o Papa celebrou, num grande estádio da cidade, uma missa por intenção de todos os povos chineses, é bem significativa; como é prova evidente da atenção que lhe merecem os problemas dos países subdesenvolvidos o facto de ter aceitado presidir na Universidade Católica de Manila a uma reunião de bispos cujo objectivo foi "o estudo do papel que a Igreja pode desempenhar no desenvolvimento económico e social das regiões deserdadas da Ásia". A visita ao bairro pobre de Tondo insere-se, logicamente, nesta mesma linha das preocupações do pontífice.
Sim, é certo: "O problema de promover os direitos de Deus e do homem, que hoje se impõe ao trabalho missionário, não pode ser formulado em termos de dilema", conforme dizia o cardeal-secretário do Estado, interpretando o pensamento de Paulo VI, na carta que escreveu ao Prof. Giuseppe Lazzati, por ocasião da XI Semana de Estudos Missionários, promovida pela Universidade Católica de Milão. E acrescentava: "O progresso material, civil e intelectual não pode ser obtido separadamente do progresso religioso e moral.
A civilização autêntica abarca todo o homem, e, quando algum aspecto humano não é considerado devidamente, está condenada ao declínio."
Sr. Presidente: Se esta viagem do pontífice romano pode ser vivida, e está a sê-lo, com particular emoção por todos os povos do Mundo, especiais razões assistem à Nação Portuguesa para rejubilar com ela, pois nela relembram os portugueses "feitos com que senhorearam pedaços da Ásia tão ricos e tão vastos", que na era de Quinhentos chegaram a formar um "luzido império", na linguagem expressiva do erudito historiador Manuel de Faria e Sousa.
Na ânsia de difundir a Fé e o Império, portugueses de gema, no tempo das Descobertas, pela Ásia imensa semearam luzeiros sem conta de civilização e de fé: na Arábia, na Pérsia e na índia; em Ceilão e na península de Malaca; em Samatra; no arquipélago malaio, nas Molucas e na China.
E por essas paragens e terras do Oriente em que tantos dos nossos se encheram de glória e merecimento aos olhos de Deus e da Pátria, é por aí que peregrina hoje o Papa Paulo VI, esquecido de si mesmo, do peso dos seus 78 anos, indiferente a riscos e perigos tão evidentes que já fizeram prova, alheio a fadigas e canseiras dê uma viagem tão longa e cheia de cuidados.
Apraz-nos recordar nesta hora páginas maravilhosas de uma história ímpar, tal foi aquela que souberam escrever os Portugueses em tenras do Oriente desde que em 1498 apontaram a Calecut.
E com santo orgulho que podemos dizer ao Munido que fomos dos primeiros a desbravar os caminhos de glória que envolvem em triunfo esta viagem do Papa.
Sr. Presidente: Por todos estes motivos, pela, peregrinação do pontífice em si mesma digna de todo o louvor e pêlos sentimentos e lembranças que ela desperta na alma desta velha e nobre mação missionaria, não podia calar a minha voz.
Pena é que o seu fraco brilho não tenha correspondido à nobreza dos valores que quis exaltar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Duarte de Oliveira: - Sr. Presidente: Iniciaram-se hoje em Coimbra as comemorações do Orfeão Académico.
Foi em 1880 que João Arroio, músico distinto e que depois veio a ser Ministro da Instrução, mobilizando boas vontades e relegando as desavenças políticas da época para segundo plano, o fundou.
E assim o mais antigo organismo estudantil e o primeiro grupo coral português.
Desde aquela data até hoje tem sido uma realidade viva e esplendorosa de arte e de tradições.
Norteado por ideais artísticos e académicos, tem-se mantido, desde sempre, impermeável a infiltrações da política e alheio a pressões estranhas aos seus específicos fins.
A sua arte e as directrizes altruísticas, que o levam a estar presente com frequência em espectáculos de benemerência, conquistaram-lhe distinções que são o reconhecimento dos seus méritos académicos, artísticos, culturais e beneficientes.
E comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada; comendador da Ordem da Instrução Pública; grande-oficial da Ordem de Benemerência; oficial da Ordem do Império, além de sócio e membro de inúmeras instituições Artísticas e benemerentes nacionais e estrangeiras.
O Orfeão Académico de Coimbra tem levado o nome de Portugal a Europa, Ásia, África e Américas. Foi o primeiro organismo académico a visitar o ultramar.
Em todos estes continentes - lembro particularmente as suas últimas actuações nos Estados Unidos da América e no Japão - ele item sido um digno embaixador de Portugal.
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Por lá fica e perdura a imagem da juventude, da alegria, da arte e do convívio portugueses, uma mensagem de lusitanidade.
E com prazer e emoção e também com orgulho que presto na Assembleia Nacional esta homenagem ao Orfeão Académico de Coimbra. Ele bem a merece.
Todos mós, Portugueses, lhe devemos alguma coisa.
E este o testemunho de quem dele fez parte durante quatro inolvidáveis finos.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A alguns dos Srs. Deputados que esperavam usar ainda hoje da palavra no período de antes da ordem do dia tenho de pedir um pouco de paciência e de conformação, mas a circunstância de certas das comissões convocadas necessitarem de reunir ainda esta tarde obriga-me a prever a conveniência de suspender os trabalhos parlamentares um pouco mais cedo. Em consequência, não lhes pude dar a palavra, como, aliás, desejaria. E vem a propósito, também, pedir aos Srs. Deputados que desejam usar da palavra em apartes o favor de serem sempre, quanto possível, sucintos, uma vez que estão a usar do tempo que pertence aos oradores e podem prejudicar não só aqueles que interrompem, mas até, como hoje aconteceu, os que lhes haviam de suceder.
Vamos entrar na
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alarcão e Silva.
O Sr. Alarcão e Silva: - Sr. Presidente: Recordados os mortos, há que cuidar dos vivos. A vida continua . . .
Uma vez mais vem até esta Câmara política, cumprindo o disposto no n.° 4 do artigo 91.° da Constituição, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas do Estado para 1971. E antecede-a, como já vem sendo hábito, um preclaro relatório de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças acerca das economias internacional e nacional.
Só há que nos louvarmos por esse facto, pois que em tal documento se condensam algumas das mais interessantes páginas que todos os anos vêm a público e nos duo couta de como vai o mundo e esta parcela dita "metropolitana" de Portugal, a respeito da evolução conjuntural das economia e finanças. E serviço de que esta Assembleia Nacional é devedora, e não será de mais agradecer.
É evidente que sobram deficiências estatísticas, coroo, aliás, é reconhecido a pp. 15, 38, 44, 68 e 68 da proposta de lei de meios. E em outros mais campos se poderiam apontar. Mas importa reconhecer, igualmente, quanto esforço tem vindo a ser consagrado ao aperfeiçoamento do aparelho estatístico nacional e da sua informação.
Irá cumprir-se este ano, o primeiro da década de 70, um novo recenseamento geral da população e um inventário de prédios e fogos em Portugal.
Um e outro são peças fundamentais para melhor conhecimento e apreciação das sociedades e gentes portuguesas - há que os saudar, com a esperança de que traduzam, com verdade, a realidade demográfica e aspectos da habitação.
Daqui lanço - pedindo a colaboração dos prestimosos órgãos de informação - um apelo ao País, a todos os seus chefes de família, para que respondam com honestidade, com veracidade; e à população, em geral, e aos agentes recenseadores, em particular, para que se dêem à tarefa com o melhor espírito de serviço e animados de boa colaboração.
E pensando em todos e por todos que se promove, é no bem-estar dos Portugueses que se faz. Assim saibamos cada um de nós, cidadãos de Portugal, corresponder.
O bem-estar dos Portugueses depende muito das actividades económicas, da produção de bens à prestação de serviços. O nível de vida, evidentemente, não é tudo, mas representa muito nas aspirações de cada qual - até para uma vida melhor. Em muitos casos haverá de reconhecer-se, fora de toda a parcialidade, não estarem satisfeitas as condições mínimas de existência material para que a vida tenha, verdadeiramente, dimensão humana - e não se restrinja apenas a vida vegetativa mal cumprida.
De acordo com o estabelecido no artigo 29.° da Constituição:
Art. 29.° A organização económica da Nação deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos.
A iniciativa privada pertence parcela substancial, predominante, da actividade económica nacional (v., nomeadamente, antigos 32.° e 33.° da Constituição), mas ao Estado assiste "o direito" e compete-lhe até "a obrigação" de "coordenar e regular superiormente a vida económica e até", tendo sempre em vista os objectivos consignados no antigo 31.° da Constituição.
Não pode ser-nos indiferente o conhecimento do modo como as actividades económicas nacionais, privadas e públicas, se têm comportado ultimamente.
E sobejamente conhecido, terá mesmo entrado entre as afirmações pacíficas, a de que a economia portuguesa - mais realisticamente se diria do continente e ilhas adjacentes, porquanto o ultramar continua constitucionalmente ausente desta análise - se não tem desenvolvido de um modo satisfatório nestes últimos anos.
Persiste a dúvida - e bem importaria resolvê-la ou esclarecê-la definitivamente - se o problema é mais de conjuntura, se de estrutura, conforme se anota ou subentende, entre outros passos, a pp. 16, 49, 60, 66, 74, 97, 99-100, 101, 126, 128, 130-181, 137-138, 139-140, 142 e 143-144 do relatório que antecede a proposta.
Pode ser exemplo esta afirmação, a p. 97:
Acresce que não se torna possível avaliar em que medida problemas como os da alta de preços e do insuficiente ritmo do investimento privado podem explicar-se por factores de carácter conjuntural e solucionar-se, portanto, mediante acções susceptíveis de produzir efeitos a curto prazo.
E mais adiante, a p. 101-102, se reconhece:
[. . .] as providências adoptadas para contrariar as tendências da subida de preços não produziram ainda resultados satisfatórios. Nalguns sectores mantêm-se certas dificuldades de adaptação da oferta a uma procura sensivelmente aumentada e diversificada.
Esta situação justifica principalmente um reforço da acção tendente a corrigir deficiências de natureza estrutural que dificultam a expansão da oferta. Haverá, por outro lado, que orientar a evolução dos factores que influenciam a procura, em lugar de
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adoptar medidas restritivas, tendentes a moderar a procura, as quais comprometeriam a desejada aceleração do crescimento económico.
Assim, dignamente consciente, não admira que se afirme, a p. 100, acerca do objectivo "transformações estruturais dos sectores produtivos":
Não deverá, porém, deixar-se de o considerar na definição das actuações que serão realizadas no próximo ano, dado que as transformações estruturais se revestem cada vez móis de um caracter imperativo e devem por isso ser intensificadas.
Ficamos aguardando interessados quanto venha a ser presente a esta Câmara em tal matéria e de que algo já aliás se anunciava na passada proposta de lei de meios.
Em qualquer hipótese - mal de conjuntura ou deficiências estruturais a exigirem imperiosamente algumas transformações de estrutura e condicionamento -, o facto é que "a capacidade física foi [tem sido] insuficiente para permitir maiores aumentos de produção, o que em parte se deve à insuficiência de investimentos durante os últimos anos em determinados sectores".
Bem desejaríamos considerar a evolução do produto interno bruto como expressão dos acréscimos de valor da produção, ou as suas taxas, sobretudo se "deflacionadas" ou "inflacionadas" - passe a expressão - pela introdução correctiva dos factores variação populacional e preços.
Mas, porque desse indicador o relatório não cuida - e alguma surpresa poderá manifestar-se pela ausência total de referência a passados P. I. B. -, teremos de socorrer-nos desse outro: a taxa de investimento, algo mais importante desde que se reconheça no estímulo e promoção da formação de capital "imperativo fundamental, dado a ema função estratégica no processo de desenvolvimento económico e social".
Vejamos, pois, o que de essencial o relatório nos conta e apresento a propósito do investimento:
[. . .] A actividade económica nacional apresentou durante os anos de 1967 e 1968 um comportamento nitidamente insatisfatório do investimento privado, explicando não só por factores conjunturais desfavoráveis, mas ainda por certas dificuldades de índole inconstitucional. Apesar de intensificação que em 1968 se começou a imprimir ao investimento público [...], a expansão de formação brota do capital fixo global processou-se nesse ano, tal como em 1967, a ritmo insuficiente.
Essa evolução determinou, no ano seguinte, uma intensificação das medidas do Governo, destinadas a impulsionar a formação bruta do capital fixo, quer através da expansão mais acelerada do investimento público, quer da criação de um conjunto de condições favoráveis à recuperação da formação de capital por parte do sector privado. No ano em curso, esta acção foi consideràvelmente reforçada, com vista a imprimir maior dinamismo ao aumento da taxa de investimento, que, entretanto, teria começado a subir no 2.° semestre de 1969, em particular no domínio dos investimentos industriais.
Pode aperceber-se tal dinamização, já nos primeiros oito meses do ano em curso, através, nomeadamente, desse outro posso do mesmo relatório que antecede a lei de meios:
As despesos com investimento, depois de uma evolução relativamente insatisfatória que se prolongou desde 1966 até começo de 1969, entraram numa fase de rápida expansão. Todos os indicadores concorrem, para fazer crer que em 1970 se verifica uma aceleração substancial no ritmo de acréscimo da formação bruta de capital fixo.
Só há que saudá-la e formular o voto de que assim prossiga e acelere.
Efectivamente, "a elevação da taxa de investimento revela-se [. . .] de extrema importância, pois determinará o incremento da capacidade produtiva da economia e o desenvolvimento das infra-estruturas sociais, contribuindo para a realização de um dos objectivos fundamentais do III Plano de Fomento - a aceleração do ritmo de crescimento económico e a elevação do nível de vida".
Bem importa atentar nesta matéria, para que os inevitáveis movimentos de integração económica europeia, por uma forma ou outra, nos não levem, futuramente, muito desse dom mais precioso da Nação, os filhos seus, a quem saúdo, agora que se aprestam a vir passar (ou comemorar) o Natal em Portugal (o Natal dos emigrantes).
Demasiados temo-los nós perdido, anos passados, sem que se haja tentado quanto importaria como obrigação do Estado, por forma a "estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho", em redacção que, aliás, não podemos considerar muito infeliz; ou de, ao menos, atentos o subpovoamento e os vazios demográficos do ultramar, "desenvolver a povoação dos territórios nacionais, proteger os emigrantes e disciplinar a emigração" (n.ºs 1.° e 5.° do artigo 31.º da Constituição).
Terá assim pleno cabimento, e merece o nosso mais caloroso aplauso, a afirmação de que "a intervenção do Governo deverá dirigir-se a ambos os espécies de investimento - em empreendimentos produtivos e em infra-estruturas económico-sociais, nomeadamente através de uma acção programada". Pena é, inclusive, que as propostas de leis de meios não venham breve a fusionar-se com os programas anuais de execução dos planos de fomento, agregando num único documento o que deve andar bem conjugado, como sejam as medidas de política económica e de política financeira.
"É propósito do Governo fixar em nível elevado as despesas públicas em formação de capital a realizar em 1971, atribuindo-lhe o primeiro lugar na ordem de precedência das despesas orçamentais, em paralelo com os encargos da defesa nacional."
Mal se compreenderia, aliás, que assim não fosse, atenta "a importância estratégica que os investimentos públicos mais essenciais assumem na actual conjuntura nacional": a projecção e defesa de Portugal como nação passam também pelas frentes do desenvolvimento económico e pelas fronteiras do progresso social.
"Sempre que o sector privado não se mostre atraído para a promoção de actividades produtivas consideradas relevantes para o progresso do País", justificar-se-á até que o Estado ou empresas públicas exerçam o seu direito de intervenção na vida económica, através de iniciativas de realização directa ou recorrendo a fórmulas de participação com a actividade privada. Empresas públicas ou sociedades de economia mista poderão ser assim bem-vindas.
Reconhecido, no entanto, o papel ainda hoje preponderante da iniciativa privada na vida económica nacional, "competirá fundamentalmente ao Estado a criação das condições necessárias para que aquela iniciativa responda de forma adequada às exigências do desenvolvimento".
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Múltiplos têm sido os incentivos, desde o desagravamento ou reduções às deduções e isenções fiscais, da concessão de crédito e taxas de juros praticadas às acções de informação sobre novas oportunidades de investimento e assistência técnica, que o Estado tem vindo a tomar ou a facultar nestes últimos anos para estímulo e promoção da actividade produtiva privada. A esses, alguns mais se vêm juntar na presente proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971.
Outros factores ajudarão para além de uma procura incrementada e diversificada. A própria "situação cambial do País constitui um dos elementos favoráveis à expansão do produto nacional, desde que a iniciativa privada se mostre capais de a aproveitar de modo conveniente.
Contrariamente a certas ideias que por vezes se têm exprimido, não se reconhecem razões de interesse nacional que aconselhem nas circunstâncias actuais a sucessiva acumulação de importantes saldos positivos na balança de pagamentos [. . .]".
A questão é de saber o que se importa e para que se importa, pois não é indiferente o seu significado: "[. . .] com a expansão das despesas de investimento irão formar-se a curto prazo rendimentos acrescidos, determinando uma procura mais dinâmica, que, embora venha a repercutir-se em parte nas importações, terá efeitos expansionistas na actividade produtiva do País."
Saudemos, pois, esse surto de importação de bens de equipamento ("maquinas, aparelhos e material de transporte", acrescidos 53 por cento face aos correspondentes valores nos primeiros oito meses do ano passado) e de matérias-primas e produtos intermediários, como sintoma - que parece desenhar-se - de uma possível reactivação das actividades económicas privadas.
Foi assim lançado pelo sector público o desafio para que a iniciativa privada mais e mais se esforce também ela na construção do Portugal de amanha. Só haverá que aguardar a resposta. Só o futuro nos dirá como virá a ser o Portugal de nossos filhos na década de 80.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Conforme me foi solicitado, para que possam reunir comissões que têm urgência de desenvolver os seus trabalhos, vou encerrar a sessão.
À próxima sessão será na quarta-feira dia 9, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei da autorização das receitas e despesas para 1971.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho Jordão.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Martins da Cruz.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horto Júnior.
Rui Pontífice Sousa.
Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Caixeira.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Jorge Augusto Correia.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - Luís de Avilles.
IMPRENSA NACIONAL
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