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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 56
ANO DE 1970 16 DE DEZEMBRO
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 56 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 15 de DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr.Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
Nota. - Foi publicado o 2.º suplemento ao Diário das Sessões, n.º 50, que insere a proposta de lei n.º 14/X (revisão constitucional).
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 54 do Diário das Sessões, com algumas rectificações.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério da Economia e destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro de 1969.
Informou ainda estarem na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 287 e 288, 1.ª série, do Diário do Governo, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 616/70 e 618/70.
O Sr. Deputado Fausto Montenegro tratou das escolas de promoção social rural e de problemas do ensino em Lamego.
O Sr. Deputado Correia das Neves falou sobre problemas do Baixo Alentejo, nomeadamente as carências de industrialização do distrito de Beja.
O Sr. Deputado Veiga de Macedo referiu-se à recente visita de um grupo de Deputados a Angola e a S. Tome e Príncipe.
O Sr. Deputado Correia da Cunha deu conta das impressões que colheu na referida viagem a Angola.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Cotta Dias, Eleutério de Aguiar e Almeida Garrett.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 35 minutou.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco António da Silva.
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Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Maria Raquel Ribeiro.
iguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 59 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 54 do Diário das Sessões.
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Solicito que ao referido Diário das Sessões sejam feitas as seguintes rectificações: na p. 1122, col. l.ª, 1. 24, onde se lê: «Lisboeta», deve ler-se: «lisboeta»; na mesma página e coluna, 1. 38, onde se lê: «usos», deve ler-se: «usos,»; na mesma página, col. 2.ª, 1. 65, onde se lê: «regulamento», deve ler-se: «recenseamento»; na p. 1123, col. l.ª, 1, 12 e 13. onde se lê: «e na sua sessão finda», deve ler-se: «e na última sessão»; na mesma página e coluna, 1. 25, onde se lê: «encontrámos», deve ler-se: «desencontrámos»; na mesma página, col. 2.ª, 1, 5, onde se lê: «auto-estrada do oeste», deve ler-se: «auto-estrada do Oeste»; na mesma página e coluna, 1. 10, onde se lê: «auto-estrada de Sintra», deve ler-se: «auto-estrada do Oeste»; ainda na mesma página e coluna, 1. 53, em vez de: «de oravante», deve ler-se: «doravante», e na p. 1124, col. 2.ª, 1, 57, onde se lê: «modelos», deve ler-se: «modestos».
O Sr. Ribeiro Veloso: - Sr. Presidente: Solicito que seja feita a seguinte rectificação ao Diário das Sessões em reclamação: na p. 1121, col. 1.ª, 1, 33, onde está: «lhes», deve ler-se: «lhe».
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio do Comércio dos Concelhos de Torres Vedras, Cadaval e Sobral de Monte Agraço, da Comissão Pró-Auto-Estrada do Oeste e do presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, de apoio à intervenção do Sr. Deputado Alberto de Alarcão sobre a auto-estrada do Oeste;
Do presidente da Câmara Municipal de Lamego, de apoio à intervenção do Sr. Deputado Fausto Montenegro sobre o problema rodoviário da região;
Do Grémio da Lavoura de Castro Verde, de apoio à intervenção do Sr. Deputado Leal de Oliveira sobre os montados de azinho;
Do Grémio da Lavoura do Porto, de apoio à intervenção do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre a representação corporativa nos organismos de coordenação económica;
Da Associação de Fomento Agrícola e Industrial de Moçambique e de alguns criadores de gado, de apoio à intervenção do Sr. Deputado Maximiliano Fernandes sobre o problema pecuário em Moçambique.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 9 de Dezembro de 1969. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 287 e 288, 1.ª série, do Diário do Governo, respectivamente de 12 e 14 do corrente, que inserem os decretos-leis:
N.º 616/70, que determina que o disposto no n.º 8 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 49 107, que reorganiza a estrutura das forças armadas nas províncias ultramarinas, seja interpretado no sentido de que as comissões nele referidas como já efectuadas são as que tenham tido completa realização depois de 1 de Janeiro de 1961;
N.º 618/70, que reestrutura o quadro do pessoal civil do Ministério da Marinha.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fausto Montenegro.
O Sr. Fausto Montenegro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os contributos dispensados ao problema do ensino serão poucos para atingirmos o fundamental, tão vasto e complexo é o campo da educação.
Nesta Assembleia muito se tem dito acerca do ensino nos seus vários graus e alguns dos seus mais ilustres pares lhe têm dispensado estudo, saber e experiência.
Conhecedor das minhas limitações, atrevo-me a trazer aqui apenas certo à aspectos circunscritos a determinada região e os referentes ao problema da promoção dos nossos meios rurais, problema que se torna inquietante
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e que não pode resolver-se por meio de iniciativas particulares, improvisadas por forca de circunstâncias de momento e levadas a cabo aqui ou além, embora com as melhores intenções, pois tais iniciativas reclamam uma articulação, requerendo mesmo a criação de estruturas próprias e de instituições adequadas.
Afirmei que se trata de um problema inquietante, pois não podemos iludir-nos quanto às características do bem marcado subdesenvolvimento com que se processa ainda entre nós a vida do mundo rural.
O seu viver demasiadamente primitivo está a denunciar uma educação que ainda está por fazer, se bem que algumas experiências proveitosas lhe facultou, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 40678, dando legalidade ao funcionamento das escolas de formação social rural, sem esquecermos o ensino e conselho, sempre oportuno e esclarecedor, dos professores primários e de sacerdotes ignorados do grande público que, em muitas aldeias perdidas na serra ou no vale, chamaram a si iniciativas desta natureza.
Algumas iniciativas particulares afiguram-se-me inteiramente válidas e a todos o títulos dignas de louvor.
Por isso, seja-me lícito trazer aqui o exemplo de duas obras de promoção que estão localizadas na região em que vivo e que por isso mesmo conheço mais de perto: uma delas é a Obra do Bem-Estar Rural, do concelho de Baião, já suficientemente conhecida em muitos meios do País.
Foi um concelho que se levantou espontâneamente neste caminho da promoção, com inteira solidariedade de todas as suas freguesias.
Um punhado decidido de pessoas válidas do concelho puseram-se à testa desta Obra, que visa muito particularmente o bem-estar das populações, cujos frutos são bem palpáveis, na preocupação de estabelecer no meio rural novas condições de vida, com incidência particular na realização de cursos para donas de casa.
A outra obra que me apraz mencionar é a do concelho de Lamego, a que pertenço, a qual, após dez anos de uma luta sem tréguas por parte dos seus promotores, se apresenta nesta hora com duas modalidades: a Escola de Formação Social Rural, que prepara as agentes de educação familiar para os meios rurais, e o Centro de Promoção Social Rural, que, integrado complementarmente nos mesmos objectivos da Escola, conforme o teor dos seus estatutos, visa o bem-estar das populações agrícolas, dispondo-se a colaborar com as instituições e serviços que prossigam finalidades idênticas. Tem esta Obra entre seus vastos objectivos: estudar os problemas e necessidades do meio rural; promover a elevação cultural, profissional e social das populações rurais, através da promoção comunitária dos indivíduos, das famílias e dos agregados rurais; e, finalmente, desenvolver planos de acção para a solução dos problemas rurais, em estreita colaboração com organismos e instituições que têm funções sociais no meio rural.
E tal é o anseio que as jovens têm pela sua promoção que é bem significativo o ter de ser limitada a frequência, e na sua maioria com raparigas vindas de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Beira-Douro, todas com o legítimo interesse de se valorizarem e poderem dar à sociedade maior contributo de promoção. É oportuno lembrar que muitas dezenas de alunas saídas desta Escola são preferidas no ultramar pelo seu trabalho em todos os aspectos de missionação.
Com efeito, recebem uma esclarecida formação moral, social e religiosa, aliada ao estudo de disciplinas que mais se prendem com o meio rural.
Todos vemos como iniciativas desta natureza merecem ser acarinhadas, e não resta dúvida de que algumas entidades oficiais o têm feito, não faltando a palavra estimulante de alguns membros do Governo, muito particularmente do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, a quem é justo enaltecer, pois dignou-se recentemente, e propositadamente, visitar a Escola e assistir à entrega a esta do projecto para as novas instalações que a Junta de Colonização Interna lhe ofereceu.
E, de entre as entidades particulares, merece uma especial referência a Fundação Calouste Gulbenkian, que tem atribuído largas somas para trabalhos de promoção em várias regiões do País, sem esquecer esta Escola, que quase tudo lhe deve.
Pedimos ao Sr. Ministro da Educação Nacional que oficialize estas escolas e tome sob a sua responsabilidade o seu normal funcionamento, para se evitar a perda dos seus frutos, dadas as carências financeiras com que se debatem, por serem de inestimável interesse para o ensino no meio rural.
Este sector deve merecer primordial interesse às comissões do planeamento regional.
Educando, constrói-se.
Outro aspecto do nosso pedido visa a inserção das profissionais saídas destas Escolas em quadros próprios que lhes permitia ver assegurado o problema do seu futuro. Estou informado de que das Escolas de Formação Social Rural de Braga, Leiria, Coimbra, Baião e Lamego saíram até hoje já muitas centenas de profissionais e também me informaram que nestas agentes de promoção social
reina um geral descontentamento por mão verem resolvido este problema do seu futuro de uma forma condigna e por quem de direito. Estas Escolas passaram a funcionar, já lá vai um bom inúmero de amos, ao abrigo do já citado Decreto-Lei n.º 40 678, o qual atribuía a tais agentes a missão de Coadjuvarem os serviços social, sanitário e de formação agrícola dos meios rurais, assim como indica as condições de admissão e frequência dos cursos que passaram a ser dados nestas Escolas. O decreto tem a data de 10 de Julho de 1956 e não me consta que, após a publicação desse decreto, se tenha feito algo no sentido de dar uma garantia sólida a estas humildes obreiras da promoção rural.
E um dos melhores meios para se lhes conceder tal garantia seria o de dar equivalência ao curso complementar do ensino primário, o que lhes abriria automàticamente o acesso ao ensino técnico e liceal.
E seria a hora de conjugar os esforças de quantas entidades oficiais trabalham em serviços de promoção, de forma a criar as tais estruturas a que me referi, sem o que não será possível realizar eficiente e regularmente uma obra de promoção, nem tão pouco continuar o funcionamento das referidas Escolas, por falta de candidatas que as frequentem, em virtude de não existir um centro de interesse, nem o estímulo de quadros próprios com os respectivos concursos.
Para complemento do ensino ministrado na Escola de Formação Social Rural, muito oportuna e justamente pediu a Câmara Municipal de Lamego ao Sr. Ministro da Educação Nacional, em 34 de Abril, numa bem fundamentada exposição, que fosse criada na Escola Industrial e Comercial da cidade a secção do ensino agrícola.
Entre as várias razões invocadas, confere-lhe especial direito ser o centro de uma região agrícola, por excelência, «onde predomina uma policultura rica e muito variada», exceptuando-se apenas «a cultura do arroz e da alfarrobeira», e o ser a sede dos serviços regionais de agricultura, florestais e pecuários, cujos técnicos lhe dariam
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uma assistência por eles tão ambicionada, pois conhecem os inconvenientes da falta do ensino agrícola no meio.
A Câmara Municipal, ao indicar o local para a construção dos futuros edifícios da escola industrial e comercial e da escola preparatória do ensino secundário, às quais a seguir me referirei, já o fez com vista a possibilitar ao Ministério da Educação adquirir uma propriedade com campos experimentais para o ensino da secção agrícola.
Teve a felicidade de encontrar no perímetro da cidade essa propriedade piloto, com a superfície de 23 ha, delimitada por duas estradas nacionais, com óptima situação geográfica e a de ser o seu relevo uma excepção para a região, pois é composta de grandes campos quase planos.
Um inspector da Direcção-Geral do Ensino Técnico já confirmou no local a veracidade da pretensão.
Em nome de toda a região da Beira-Douro, que é essencialmente agrícola e vive num atraso de cultura agrícola quase medieval, em nome de todos os onze concelhos que a compõem, eu renovo aqui o apelo que a Câmara Municipal de Lamego fez ao Sr. Ministro da Educação Nacional para, não só criar a secção agrícola, como também comprar já essa propriedade, antes que outro fim lhe seja dado.
Se tal viesse a acontecer, muito mais difícil seria a satisfação de tal exigência.
Eu lamento-me de só referir nesta Assembleia assuntos que carecem de solução urgente, mas é tal a carência das mais elementares condições primárias que me vejo no dever de pedir aos vários departamentos governamentais soluções inadiáveis para eles.
E para exemplo veja-se a situação da Escola Industrial e Comercial, que figurava desde há muitos anos nos programas de criação e só o foi no ano escolar de 1967-1968.
Ao fim dos seus quatro anos de existência, por não ter edifício capaz, cancelou as matrículas e como solução de emergência pediu pavilhões pré-fabricados, mas só nos princípios cio próximo ano lhe serão fornecidos.
Tem uma limitada frequência, de 246 alunos, por não ter espaço para mais.
Embora estejam criados três cursos, só funcionam dois: curso geral de comércio (diurno e nocturno) e curso de formação feminina.
Nunca foi possível abrir o curso industrial de electro-mecânicos, devido à falta de instalações para as oficinas.
Sendo o que faz mais falta à cidade e à região, é precisamente o que não funciona. Além disso, não pode ministrar a disciplina de Educação Física, dada a ausência de ginásio, balneário e vestiário.
O mesmo sucede à escola preparatória do ensino secundário.
Tem uma frequência de 460 alunos, com um aumento de mais de uma centena de alunos por ano, e funciona em pavilhões pré-fabricados, numa região onde as temperaturas negativas são de longo período, originando todos os graves inconvenientes para o rendimento do ensino e prejudiciais à saúde das crianças.
O Liceu também carece de ampliação.
Foi inaugurado em 1937 e para uma frequência da ordem dos duzentos alunos. Presentemente tem cerca de mil alunos.
Nessa ampliação, que também não seja esquecido o tão necessário conforto.
No ensino primário, por onde devia começar, notaram-se há dois anos perturbações, que só o estoicismo do presidente da Câmara e a abnegação dos mestres conseguiram vencer.
De momento, vêem-se privados da Escola Central Primária, onde estava instalada quase toda a população escolar, por ter sido dada como incapaz para o ensino, em virtude de ter aparecido uma pequena fenda no topo de uma das paredes, que, convém frisar, são verdadeiras muralhas de granito e que dão a certeza, mesmo ao mais ignorante, de que não mais cairão.
No entanto, isso foi o suficiente para os serviços escolares lançarem o pânico e terem proibido que se continuasse a utilizá-la.
Felizmente que a Escola continua de pé e a Câmara já adquiriu terreno para a construção de uma nova escola de doze salas, cuja construção começará dentro de poucos meses.
Urge iniciar a construção de outros núcleos.
Propositadamente referi-me a este acidente para demonstrar que só a Lamego acontecem as coisas mais inverosímeis e que tudo quanto tem só é devido à sua persistente vontade de vencer as constantes incompreensões e a pouca sorte de que é vítima.
Pelo exposto, são gerais as precárias condições em que se ministra o ensino em Lamego.
Não há dúvidas de que fomentar o ensino é tarefa necessária e louvável, mas paralelamente deve haver um programa de construções que evite a perturbação no ensino.
Geralmente a necessidade de criar novas escolas está presente no anseio de muitos, mas a sua concretização deve-se ao esforço das entidades locais, quase sempre compreensíveis.
Nesta sacrificada terra uma solução resta: construir imediatamente um edifício para a escola técnica, outro para a escola preparatória, sem esquecer as escolas primárias.
Pela situação privilegiada de Lamego e pelo exemplo das virtudes cívicas e do respeito pelos superiores princípios do espírito, possui a qualidade de cidade ideal para o ensino.
A beleza dos seus jardins e dos seus parques, a riqueza histórica de todo um passado glorioso, tendem a ministrar no espírito do aluno o respeito e o amor devido aos princípios eternos da nossa civilização lusíada.
Aqui florescem dois grandes colégios particulares: um, de rapazes, já centenário e distinguido com a Comenda da Instrução Pública, instalado em edifício grandioso e funcional, sob a direcção da Ordem Beneditina, e outro, da Ordem Franciscana, para raparigas, que vê a sua frequência interna na ordem das 200 alunas. Para bem poder cumprir a sua missão, vai em breve iniciar a construção de um novo edifício, cujo custo orça por 25 000 contos, precisando de uma correspondente comparticipação do Ministério das Obras Públicas.
De salientar a irradiação cultural do seu Seminário Maior, instalado num importante edifício, e dirigido por um escol de sacerdotes que conserva total fidelidade à Igreja e à Nação.
Neste aspecto, seria falta grave não deixar uma palavra de gratidão ao seu venerando bispo, por ser na sua diocese um verdadeiro mecenas.
Permitiu que os seus padres criassem e dirigissem colégios em quase todos os concelhos.
E não seria menos grave ocultar a irradiante beleza moral de todos os mestres e da juventude escolar de Lamego, que, num espírito de disciplina e vontade decidida, são exemplo de podermos, nós os mais velhos, ter a certeza de que, dadas as suas excepcionais qualidades, serão os continuadores de um Portugal melhor e maior.
Para terminar, deixo aqui um apelo ao Sr. Ministro da Educação Nacional, a esse jovem mestre de Coimbra, para que inclua no seu já vasto roteiro de estudo a cidade de Lamego, onde com o seu inteligente espírito de observação e sabedoria confirmará o que deixo dito e que já o é do inteiro conhecimento do seu mais directo colaborador,
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o Sr. Subsecretário de Estado da Administração Escolar. O convite que lhe faço é em nome dos milhares de estudantes de Lamego.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Correia das Neves: -Sr. Presidente: No limiar desta nova sessão muito me apraz dirigir a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos e a expressão de profundo apreço por quem tão dignamente vem presidindo aos trabalhos desta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Embora a economia portuguesa, em geral, continue principalmente assente nas estruturas agrícolas e com uma actividade industrial ainda secundária, é certo que a partir dos últimos anos Portugal vem caminhando no trilho de uma progressiva industrialização.
Verifica-se, por exemplo, que a população activa ocupada na agricultura, na proporção de 41,5 por cento em 1959, desceu para 37,3 por cento em 1963, para 32,2 por cento em 1967 e para 30,9 por cento em 1968. Reflexamente, a população activa empregada nas indústrias de transformação evoluiu durante esses anos na seguinte proporção: 21,4, 23,2, 25,2 e 25,6 por cento.
A produção industrial aumentou à taxa média anual de 8,2 por cento entre 1959 e 1963, de 7,4 por cento entre 1963 e 1967 e de 6,2 por cento de 1967 a 1968, embora se note, assim, uma diminuição tendencial no ritmo de crescimento, que urge sustar.
As despesas globais de investimento aumentaram a uma média anual de 6,3 por cento entre igual período de 1959 a 1968.
E quanto ao ritmo de consumo, sempre reflexo do progresso económico e onde conta, sobremaneira, o desenvolvimento industrial, é bem significativa a evolução: o número de calorias por habitante passou de 2440 em 1959 para 2620 em 1966; o número de aparelhos de rádio subiu de 84 em 1059 para 151 em 1967, e o de automóveis, de 14 para 34, por cada 1000 habitantes 1.
Está o Governo empenhado, como é do conhecimento geral, em programar e prosseguir uma política industrial mais adequada, mais dinâmica e mais justa.
No plano dessa orientação não poderá deixar de estar presente, além do mais, a preocupação de contribuir para a correcção de desequilíbrios regionais internos.
É já bem sabido que na metrópole as indústrias transformadoras, por exemplo, se concentram, essencialmente, nos distritos de Braga, Porto e Aveiro (zona Norte) e nos de Lisboa e Setúbal (zona Sul), começando a ganhar corpo uma zona Centro, que abrange Coimbra, Leiria, Santarém e Castelo Branco. Por outro lado, a sua repartição espacial dentro de cada distrito é deficientemente ordenada, tendendo para a aglomeração em alguns concelhos apenas.
Desta desequilibrada «localização industrial» tem sido principal vítima o Sul do País e, muito em especial, o Baixo Alentejo, que o mesmo é dizer o distrito de Beja, essencialmente, cujos interesses me cumpre defender, já que, confiadamente, me quis seu representante nesta Câmara.
Por isso, as minhas ulteriores considerações, embora pertinentes, em boa medida, a todo o Alentejo, apontarão sobretudo para o distrito de Beja.
O maior da metrópole - cuja área ultrapassa o milhão de hectares -, embora possuindo das melhores terras, a verdade é que sómente 27,1 por cento da sua área total mostram boa aptidão ou vocação agrícola, segundo a conclusão a que chegou o Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário.
A crise rural e a emigração estão a criar vazios económicos e clareiras demográficas por todo ele, já de si dotado de uma densidade demográfica tradicionalmente fraca, e em alguns locais agravados por causas específicas, como é o caso da região Mértola S. Domingos, devido ao encerramento das minas de cobre desta última localidade.
Com uma classe média pouco engrossada, é o distrito da metrópole com menos residentes cursados a nível universitário.
Um dos seus concelhos - o de Mértola - continua com electricidade apenas na sede, cuja rede e potencial, aliás, são bastante deficientes para todo o distrito e altamente cara em relação a outras regiões.
A cobertura do ensino, a todos os níveis, é muito deficiente em estabelecimentos e, sobretudo, em agentes docentes. Ausência total de ensino agrícola. Carência desoladora de rede hoteleira.
Os maus anos agrícolas, a peste suína, as imperfeições da comercialização dos produtos e outras causas têm criado nos últimos anos sérios embaraços à agricultura - fonte tradicional da melhor riqueza do Alentejo.
A par de tudo isto, e, em boa medida, ora sua causa, ora seu efeito, verifica-se uma extraordinária carência de industrialização por todo o distrito de Beja.
E, entretanto, temos ali as melhores lãs do País - mas não possuímos uma fábrica de lanifícios. Temos rebanhos e leite abundante - mas não temos uma indústria de lacticínios. Óptimo e muito gado - mas não há uma fábrica de enchidos, salsicharia, fiambre e afins. Por graça do Alentejo, continuamos a ser, em todo o Mundo, o maior produtor-exportador de cortiça - mas quis o destino, irònicamente, que até hoje não fosse ali implantada uma fábrica transformadora de tal matéria-prima. É lá o festejado celeiro de Portugal - mas não possuímos qualquer fábrica de massas, bolachas ou afins. Ali se produzem as melhores e abundantes cevadas - mas não há indústrias de malte ou cerveja.
Quando, há poucos anos, se iniciou a indústria automóvel no País, foram instaladas «linhas de montagem» em diversos pontos, até mesmo no interior (Setúbal, Azambuja, Leiria, Guarda, Mangualde, etc.). Mas também desta feita o Baixo Alentejo não foi contemplado.
Houve a esperança de ser montada uma fábrica de têxteis e, depois, uma de mármores polidos, na Mina de S. Domingos, mas não se concretizou nenhuma das hipóteses.
Deve reconhecer-se o valioso esforço já encetado para a melhoria de condições sócio-económicas da região. A obra do regadio, ainda não concluída no todo, começa a produzir seus bons frutos, e surgiram já no distrito duas fábricas com ela relacionadas para concentrados de tomate.
O Governo, ao conceder, há tempos, a exploração de um novo couto mineiro, na zona de Aljustrel, impôs a obrigação de a empresa investir 350 000 contos na respectiva indústria transformadora, que se espera, venha a ser instalada na região. Estão em curso as diligências para a criação do matadouro industrial (c) sua «rede de frio na cidade de Beja. Anima-nos a visita do Secretário de Estado da Indústria há tempos feita à Base Aérea n.º 11, nos arredores da cidade, que havia aberto grandes perspectivas à cidade e à região, de súbito Lustradas,
1 Cf. Dr. Vasco Vieira de Almeida, no Bulletin E. F. T. A., apud Diário Popular, de 2 de Fevereiro de 1970.
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como golpe do fatalismo em cuja crença o destino parece querer trazer preso o bom povo alentejano ...
Debatido na crise agro-pecuária (com abuso da circulação de dinheiro e meios de pagamento puramente artificiais e ilusórios, ou simbólicos os mais das vezes, representados por letras que se descontam e não são pagas no vencimento), com um fraquíssimo nível de industrialização e turismo - o Baixo Alentejo bem merece e precisa que o Governo o ausculte e ampare.
Mas é a altura oportuna para acusar também o próprio alentejano, o capitalista, o grande proprietário, que com a sua falta de espírito empreendedor, de mentalização, de dedicação ao bem público «tem graves culpas no cartório» ... Por que não investem, decididamente, na sua própria terra, em unidades fabris ou para agrícolas, os seus capitais, os homens ricos do Alentejo? Louvam-se as excepções, pois, felizmente, já as há. E, com efeito, ninguém espere que o Governo possa fazer tudo. Nunca foi assim. Não o é aqui, nem na Rússia, nem na América ou no Japão.
Andam o Governo e a Companhia Portuguesa de Electricidade (C. P. E.) empenhados na construção de centrais térmicas e da primeira nuclear para a produção eléctrica. Por que não se encara a sério a hipótese do Baixo Alentejo, onde, de resto, como aludimos já, são tão deficientes a rede e o potencial eléctricos, constituindo estes, como também é sabido, infra-estrutura essencial ao desenvolvimento industriail, a par da água (que já vamos tendo e com possibilidades de maior aproveitamento)?
Por recente despacho do Ministro da Economia, também subscrito pelo Secretário de Estado da Indústria, foi traçado o novo plano petrolífero e petroquímico e que visa, em especial, «a expansão da capacidade de refinação e a instalação de petroquímicas de aromáticos e olesfinas no continente».
Nesse mesmo despacho vemos já contempladas, novamente, outras zonas da metrópole.
Foi por ele também autorizado o exercício da indústria de refinação de petróleos e seus resíduos a uma nova sociedade portuguesa. A futura refinaria será instalada no Sul.
O seu local será oportunamente aprovado pelo Governo e terá de possuir, como é natural, bons acessos ferroviários, rodoviários e marítimos.
Ora, o Baixo Alentejo, o distrito de Beja, tem, além de redes ferro e rodoviárias, também orla marítima (concelho de Odemira), desprezando já a possibilidade de abertura de canais ou o lançamento de oleodutos.
Assim, não deixará de ser razoável que um Deputado do distrito de Beja - tão carecido de industrialização - aqui lembre, a tal propósito, o seu distrito, que, aliás, tem um vizinho já tão brindado com unidades industriais, como é o de Setúbal. Ali, podem crer, ainda não temos problemas de poluição ida atmosfera...
certo que os empreendimentos do valioso Plano de Rega do Alentejo - alguns já em funcionamento - hão-de fomentar a riqueza e um maior desenvolvimento económico-social da região sul-alentejana. Mas está já bem esclarecida a importância decisiva que terá nessa processo de benfeitoria a conveniente comercialização e industrialização dos produtos da terra.
Está também estudado que, entre outros, poderemos contar com a produção, nas várias áreas do regadio, de tomate, arroz, beterraba sacarina, forragens, pimentão, espargos, alcachofras e frutas.
Ora, é certo existirem já no distrito de Beja duas unidades industriais para concentrados de tomate, mas, e mesmo apesar da sua não grande dimensão, não parece aconselhável, no ponto de vista da comercialização, a instalação de mais, por agora.
Assim, haveria toda a justiça e vantagem em que fossem atraídas para o distrito de Beja, quanto antes, unidades industriais de bom porte, relacionadas com a transformação dos restantes mencionados produtos ou outros que se mostrem viáveis.
Consta estar prevista a construção de uma fábrica de descasque de arroz, mas a localizar em Alvalade, que é já distrito de Setúbal.
A beterraba sacarina foi considerada pelos serviços competentes como base económica de alguns regadios. Mas o incremento e apoio dessa cultura muito lucraria com a instalação de fábricas de açúcar, e consta que há já pedidos em tal sentido.
E parecer-nos-ia que a criação de um complexo agro-industrial, ou pólo de atracção, para já, dentro do distrito, relacionado com tais produtos agrários teria manifestas vantagens sobre a dispersão, na medida em que, além do mais, como está bem de ver, conduziria ao aproveitamento de instalações técnicas, comerciais e administrativas comuns a uma maior produtividade do pessoal e técnicos ao serviço, dado o carácter sazonal da laboração da maior parte dessas indústrias, facilitando, ao mesmo tempo, o aproveitamento dos seus subprodutos, por exemplo, através de uma fábrica de rações.
Ora, pela análise cuidada do Plano de Rega do Alentejo (1965) - do qual temos presente uma planta parcelar para consulta de quem o deseje fazer -, verifica-se que a vila de Ferreira do Alentejo é o centro geográfico natural de uma zona com 25 km de raio e cuja área já beneficiada e a beneficiar pelas obras de rega anda por 80 000 ha a 90 000 ha (cerca de metade do total do Plano).
Seria assim razoável pensar-se na instalação de tais indústrias (ou da maior parte, pois a especial natureza de algumas pode aconselhar outro local) nas proximidades da vila de Ferreira do Alentejo, que, aliás, poucos favores tem recebido da Administração Central.
Acontece mesmo que na citada vila já existe uma cooperativa de agricultores, cuja principal secção é o lagar de azeite, bem como, a poucos quilómetros, em Montes Velhos, uma outra, que se tem dedicado, em especial, ao concentrado de tomate. Pois é uma ideia a meditar a possível dinamização dessas cooperativas, no sentido de lhes cometer a industrialização e a comercialização da maior parte dos produtos produzidos e a produzir pelo regadio e mesmo do sequeiro envolvente, podendo vir a ser criadas nelas as secções de secagem de arroz e outros cereais, destilaria polivalente, horto-industriais, estação fruteira, fábrica de rações, fábrica de açúcar de beterraba, central leiteira, etc.
Não desconhecemos que a localização das indústrias há-de obedecer a um avisado critério selectivo.
Reconhecemos, em consciência, que o Governo se está esforçando pelo estudo e realização de um desenvolvimento económico regional mais harmónico e equilibrado, que, inclusivamente, implicará a revisão de estruturas e métodos da própria administração pública em sectores pertinentes.
Também deve recordar-se, como já fizemos, que à actuação do Governo deve juntar-se a colaboração dos interessados de cada região - das populações das empresas, das autarquias e autoridades locais, dos organismos corporativos, como ainda há dias o lembrou o Subsecretário de Estado do Planeamento Económico no colóquio de Vila Real, em Trás-os-Montes.
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Mas pedimos ao Governo que, ao estudar os planeamentos e a concessão dos licenciamentos às instituições de crédito e de fomento, em especial ao Banco de Fomento Nacional, novel sociedade financeira portuguesa e à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, a estudarem os financiamentos, a concessão de crédito e a promoção de empresas ou industriais, aos grandes grupos e empreendimentos já existentes, ao delinearem a sua expansão, enfim, a todos os cidadãos com boa vontade, meios e civismo, a começar pelos Alentejanos, que atentem bem nas carências industriais e na inferiorização sócio-cultural em que se acha o recanto extenso de Portugal, que é o Baixo Alentejo, onde este se mostra mais genuíno e virtuoso, mas também mais chagado e entristecido.
Não ganhamos nada em ocultar as realidades - alguém o disse ainda há pouco.
Importa, sim, que se estude e dialogue com serenidade, com consciência e sem desânimo e se dê ao tempo o tempo inevitável para realizar.
E ninguém veja nas minhas lamentações qualquer laivo de pessimismo ou descrença. Bem ao contrário, sou um homem de muita fé e só há razões para esperar uma próxima e acentuada melhoria da vida portuguesa em todos os seus estratos e em todas as regiões. Que cada um saiba cumprir o seu dever!
É a altura própria para lembrar, tanto ao Governo Central como ao distrital, a vantagem da realização para breve do I Colóquio sobre o Desenvolvimento do Distrito de Beja, à semelhança do que se vem fazendo noutros distritos, o qual deveria ter sessões, pelo menos, em Beja, Odemira e Moura - para então aí se acentuarem bem as contas, as razões e os caminhos ...
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Durante três semanas, um grupo de Deputados de que tive a honra de fazer parte pôde visitar Angola e S. Tomé, graças à esclarecida compreensão do ilustre Ministro do Ultramar a quem, com o testemunho do alto apreço devido à sua notável obra na gerência da pasta, exprimo os protestos do mais caloroso reconhecimento pelas facilidades que mós concedeu e pelo amabilíssimo convite com que nos distinguiu para um grato encontro em Luanda.
Vivos agradecimentos devemos ainda aos Srs. Governador-Geral de Angola e Governador de S. Tomé e Príncipe, fidalgamente inexcedíveis no significativo acolhimento que nos dispensaram, bem como a todas as entidades oficiais, civis ou militares, e organizações privadas com as quais contactámos e que nos cumularam de penhorantes deferências.
Para os ilustres colegas que nesta Câmara representam as duas províncias vai a expressão de todos os nossos afectuosos sentimentos. Gentilíssimos, sempre nos acompanharam - alguns deles com prejuízo das suas ocupações e trabalhos - e nos envolveram em manifestações de carinhosa simpatia. Os esclarecimentos que nos puderam prestar foram preciosos. E o seu perfeito conhecimento dos problemas e aspirações das regiões visitadas e a lucidez dos seus juízos só encontraram paralelo na abertura de alma e na excelência da hospitalidade que nos ofereceram e de que guardaremos indelével recordação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O êxito desta viagem de estudo e de trabalho, que foi também verdadeira peregrinação patriótica, deve-se, em grande parte - é justo sublinhá-lo -, precisamente ao admirável portuguesismo, ao tocante pulsar de corações e à nobre compreensão que vieram ao nosso encontro por toda a parte e que tanto nos sensibilizaram.
Pudemos, assim, ficar elucidados sobre muitos aspectos de Angola e de S. Tomé e sobre os estados de alma das suas gentes, mas pudemos também elucidar muitas pessoas sobre problemas do vasto mundo português e sobre finalidades e resultados de certos programas de acção política, económica e social.
Ouvimos e falámos. Observámos e estudámos. Trocámos impressões. Houve diálogo vivo, a que sempre presidiu o espírito da verdade e o signo da cordialidade.
Valeu a pena esta caminhada por terras nossas - parti nos reconfortarmos e para robustecermos a nossa fé.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pela minha parte, muito aprendi, e se nalguns pontos tive de rectificar as minhas opiniões, noutros encontrei para elas a mais inequívoca e eloquente confirmação.
Na impossibilidade de aludir aqui a tudo o que se revestiria de interesse para esta Assembleia, limitar-me-ei, por hoje, a breves palavras sobre doas ou três aspectos de carácter anais geral.
O contacto, a diversos níveis, da vida de Angola e de S. Tomé fez avultar aos meus olhos a premente necessidade ide se imprimir à política nacional de informação uma acrescida intensidade e um mais racional e eficaz sentido coordenador.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não são apenas largos estratos populacionais que se encontram, por vezes, em pleno desconhecimento do essencial sobre os assuntos e os acontecimentos e sobre os planos da acção governativa e seus princípios de base. Esta lacuna depara-se também em vários sectores da administração pública e de importantes organizações privadas que ignoram, amiúde, o que se passa por não disporem de regulares e actualizados elementos de informação.
Não admira, assim, que, por mera deficiência de esclarecimento, a muitos assuste ou não agrade ver experimentar princípios e métodos já aplicados com êxito noutras parcelas do nosso território e que alguns ainda sejam tentados a contribuir para um clima menos favorável a avanços e renovações imprescindíveis.
A título exemplificativo, direi que este estado de espírito prevalece no que toca à cobertura dos riscos sociais. Nas nossas províncias de além-mar não se instaurou ainda o regime obrigatório da previdência. Apenas se ensaiaram soluções de emergência, em campos muito limitados, idênticas àquelas que, há mais de trinta anos, se adoptaram em alguns sindicatos da metrópole, e que foram postas de parte, a tempo, por força de princípios e razões triunfantes em todos os países com uma política social moderna.
Julgo que também nas províncias ultramarinas tais soluções devem ser rejeitadas: impõem-no indeclináveis imperativos de justiça e a necessidade de não afectar ainda mais quer a fixação nelas de trabalhadores metropolitanos, quer a deslocação dos que, vivendo do trabalho, não se sentirão inteiramente livres para mudar de actividade profissional ou de local onde a prestam, se não houver esquemas generalizados de segurança social ou se estes
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não forem sensìvelmente idênticos em todos os territórios portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O mesmo se passa, aliás, no campo do direito do trabalho e da estruturação corporativa, com sérias repercussões de toda a ordem para o harmónico desenvolvimento económico e social das diferentes regiões do espaço nacional. Sei bem que em certos sectores económicos, cuja representação associativa se inspira em princípios de índole sindicalista, que não de ordem corporativa, o que é outra deficiência cujas graves consequências estão a patentear-se cada vez mais, não se criou ainda a mentalidade propícia à execução de uma política institucionalista e social, de espírito e finalidades idênticas à que, por força de preceitos constitucionais, vigora na metrópole. Penso, todavia, pelo que vi, que não será difícil levar aos mais directamente interessados a convicção da necessidade de cooperarem num arranque exigido pelos princípios consagrados na lei fundamental do País.
Tudo está em que se preparem os espíritos, com seriedade e sinceridade, e, logo de seguida ou simultaneamente, se definam com vigor as linhas mestras dos esquemas e, corajosa e firmem emite, se passe à sua progressiva aplicação.
A já chamada «visão rectangular» da vida portuguesa tem de ser afastada, cada vez mais, de alguns espíritos dominados pelo cepticismo ou por um sentimento ainda menos nobre. Aias há outras visões, tão limitadas e tacanhas como aquela que também urge rasgar e classificar com as luminosas perspectivas da unidade nacional na pluralidade dos territórios, das raças e das crenças.
E não é apenas no domínio a que me estou reportando, mas noutros, como o da educação e do ensino, um que se torna mister empreender, completar ou rectificar diversas reformas, em obediência estrita ao princípio de só adoptar soluções diferenciadas quando irremovíveis circunstâncias o impuserem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não sou - insisto, uma vez mais, neste ponto para afastar erradas interpretações - pela uniformização a todo o custo, pela unificação sistemática e pela planificação niveladora desligadas das realidades humanas ou das conveniências políticas. Preconizo apenas - o que é muito - a unidade ou a coordenação dos órgãos superiores do Estado e dos serviços públicos que intervêm na feitura da lei, na execução das normas jurídicas e nos planeamentos económicos, sociais e culturais. E só advogo a identidade das regras ou dos métodos quando os assuntos ou as questões, pela sua origem, determinantes e implicações, o aconselham.
Por isso, o meu reparo incide tão-sòmente no muito que está a contribuir para manter e aumentar duplicações de energias e gastos, complicar a vida e afectar importantes objectivos de interesse geral.
A estas considerações, que, em consciência, não poderia evitar, é com viva satisfação que junto uma breve palavra para traduzir a forte e bela impressão que me deixou a visita a algumas frentes da nossa luta pela permanência de Portugal em terras africanas.
O que aí vimos é indiscritível. Espírito de sacrifício, vontade indómita, acendrado patriotismo, simplicidade admirável, ali se consubstanciam numa juventude que merece de todos louvor e gratidão, mas que também de todos exige um comportamento digno do seu esforço e do seu heroísmo.
Lá os vimos, aos nossos rapazes, brancos e pretos, votados ao mesmo holocausto, irmanados no mesmo ardor patriótico. Lá os vimos, firmes e destemidos, pelas florestas e pelo capim, pelas serras e pelas chanas, pelos rios e pelos pântanos!
Pensei, então, naqueles que, perto, bem perto, ou longe, bem longe, lá ou cá, pela palavra escrita ou falada, pelas suas atitudes claras ou insidiosas, de modo consciente ou insconsciente, fomentam a divisão e instalam nas almas o veneno da dúvida ou o espírito da demissão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pensei em certos jovens que, esquecendo ou desprezando os soldados das frentes da batalha e até os trabalhadores que, às vezes em circunstâncias penosas, labutam nas oficinas, nos escritórios e no campo, por aí persistem em desafiar impunemente a autoridade e em manter um clima de dissolvente agitação.
Pensei em como alguns deles, aqui em Lisboa ou em Nova Lisboa, em Luanda ou no Porto, em Coimbra ou em Lourenço Marques ... conseguem situações que os libertam de cumprir o dever militar nas zonas mais avançadas da luta, em que o seu espírito combativo, bem mal orientado na retaguarda, poderia exercitar-se, regenerando-se e sublimando-se, na defesa dos valores essenciais da Nação e da cultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E pensei ainda naquela minoria reduzidíssima, mas ignara, que entende dever dispensar-se a acção militar nesta guerra impiedosa que inimigos irredutíveis e fortes nos movem, como se a diplomacia, só por si, ou eles, na fragilidade dos seus recursos, fossem capazes de sobreviver, na hipótese, só por absurdo admitida, de poder fazer-se-lhes a vontade.
Não é verdade, oficiais, sargentos e praças que em Angola, em Moçambique e na Guiné vigiais e combateis?
Não é verdade, major Marquilhas e capitão miliciano Forsado Correia, do Batalhão de Cavalaria n.º 2899? Não é verdade, «flecha» Eduardo, que, vindo do campo inimigo, desiludido e revoltado, estás, tu e os teus camaradas, a constituir exemplo de abnegação e de coragem?
Eles, todos eles ... respondem um sim definitivo e categórico, que não se compadece com quaisquer hesitações ou congeminações dos que ignoram ou minimizam a força da razão e o poder da vontade e da fé na vida dos homens e das pátrias.
Estas palavras hão-de servir, ao menos, de fundamento ao apelo que faço para que se não falte seja com o que for «tos nossos soldados, mormente àqueles que nas áreas mais afastadas, inóspitas ou perigosas estão a aguentar o peso maior d» guerra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É que alguns deles VI eu como estão instalados na fronteira, norte de Moçambique, junto ao Rovuma, e na frente leste de Angola - e fiquei entristecido e desolado por lhes minguar, em conforto e assistência, o que, porventura, sobejará a outros na retaguarda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este apelo envolve o problema da prioridade dos gastos públicos, que importa estabelecer com justeza, quer no aspecto a que aludi, quer na valorização
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económica e social das regiões mais distantes dos grandes centros, quer ainda na execução de uma política de educação e de promoção que a todos, brancos, pretos e mestiços, abranja na igualdade de tratamento e na mesma dimensão de justiça e de amor.
É-me grato referir que, neste domínio da acção educativa, pude encontrar em Angola uma obra já grandiosa, que começa a ganhar raízes fundas e benéficas. O esforço despendido mia difusão da língua e na educação de base ide extensas camadas populacionais é impressionante e está a reflectir-se na própria expansão dos outros ramos de ensino.
Importa agora não deixar que afrouxe de ritmo este movimento cultural, como importa estar atento para que a carência de bons elementos humanos, a nível superior e médio, não o faça enveredar por caminhos diferentes daqueles que o interesse nacional e o da cultura pressupõem e exigem.
Justo é ainda que se exalte a surpreendente acção que um escol lúcido e dinâmico está a desenvolver na abertura de vias de comunicação essenciais ao progresso económico e social e à própria defesa do território. O que já se fez é verdadeiramente extraordinário e digno do mais alto e grato apreço.
Neste e noutros domínios, Angola está a desenvolver-se, a progredir a olhos vistos. Em Angola trabalha-se muito, caminha-se em força e com rapidez, vive-se intensamente. Angola é uma lição de portuguesismo e um exemplo para o mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para além de aspectos negativos que, aqui e lá, aos homens da representação nacional cabe denunciar, no cumprimento do seu mandato, é também dever salientar os êxitos alcançados, a obra realizada e as virtudes de todos aqueles que, na vida pública ou privada, contribuem para o bem-estar das populações e para a segurança da comunidade portuguesa.
É neste mesmo espírito que evoco a ilha de S. Tomé - as suas autoridades, as suas gentes, o seu encantamento sem par. A «Ilha ilustre que tomou o nome de um que o lado a Deus tocou» não me sai da saudade. Embora pequena no seu corpo recortado pelo mar, empolgou-me tanto como a portentosa grandeza de Angola. Ao deixá-la, extasiado, saudei-a como apoteose de beleza e explosão telúrica vestida de esmeraldas, como encontro de vidas feitas uma só vida ao serviço da ideia e sentimento - força que se chama comunidade de almas ou identidade de destinos.
Ao deixá-la? Não, porque, afinal, a ilha do meio do mundo continua perante mim ou dentro de mim, envolvente, penetrante, sedutora ... nos traços inconfundíveis da sua alma e do seu viver, no aceno verde do seu corpo crioulo, nas canções dolentes das suas vozes mestiças ou nos ritmos exóticos dos lunduns, das ússuas e do danço-congo e também na magnificência dos palmares e cacaueiros, no ondular interminável dos fetos e begónias, no feitiço do seu mar equatorial, na força alada da sua poesia.
Viana da Mota aí nasceu. Almada Negreiros também. De lá era ainda o poeta de eleição que foi nosso par nesta Casa e se chamava Francisco Vasques Tenreiro.
A todos evoco emocionadamente e, neles, os de ontem e os de hoje que fizeram e estão a robustecer e a dilatar uma obra amorosa de promoção humana, de miscigenação de raças, de ascensão, de apostolado, de aglutinação nacional.
Ali, exactamente onde o Equador cortado pelas naus de Pedro de Santarém e João Escobar nos abriu, há quatro séculos, os horizontes bussolados pelo Cruzeiro do Sul e pelo nosso destino, deveriam ir enterrar o seu cepticismo, a sua miopia ou o seu espírito derrotista aqueles que se entretém a diminuir a mossa capacidade de acção, a denegrir a razão da nossa luta e as nossas vitórias, a pôr em dúvida a nossa vocação civilizadora, a minar os alicerces morais e materiais da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Só uma palavra mais para dizer que, se outro mérito não tivera esta visita de Deputados a Angola e S. Tomé, ela bem se justificaria pela cordial camaradagem que proporcionou a todos nós.
Ficámos a conhecer-nos melhor. Reforçaram-se sentimentos de amizade, o que, numa época em que tudo parece apostado em dividir, se reveste de relevante alcance humano e político.
Esta é a homenagem que devo a todos esses colegas que, durante alguns dias de franco convívio, sentiram, souberam, sentar, quanto, acima dais ideologias ou dos preconceitos que separam, valem a simpatia e a afeição que unem.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mercê de amável convite dos Srs. Ministros do Ultramar e Governador-Geral de Angola, visitei recentemente esta província integrado numa missão de parlamentares. As palavras que passo a transmitir-vos pretendem ser mais do que um mero agradecimento pelas muitas gentilezas que, por toda a parte, me foram prodigalizadas; quero que elas correspondam também a um depoimento sincero do que VI e senti em terra tão maravilhosa.
Porque nunca tinha ido ao ultramar, esta visita trouxe consigo todo o aliciante da novidade; permitiu-me fazer o ponto sobre algumas ideias que pairavam no meu espírito e sobre as quais evitara sempre pronunciar-me em termos conclusivos, receoso de que pudessem não corresponder à realidade: Pude, assim, reforçar algumas convicções, mas tive também oportunidade de emendar a mão em muita coisa. O que Angola oferece hoje ao visitante avisado é a imagem mais acabada do território que vive um espectacular surto de progresso, procurando encontrar um rumo, um estilo e uma função bem definida na conjuntura que o velho continente africano atravessa.
É, pois, um território em que se vive um ambiente de euforia e em que cada dia e hora contam como se o tempo fosse o que realmente é: um parâmetro fundamental na crise de crescimento que o mesmo atravessa.
Como frequentemente acontece em circunstâncias idênticas, as engrenagens envolvidas na acção nem sempre se ajustam perfeitamente, por forma a que tudo funcione a pleno rendimento. Mas Angola não pára de crescer. Rica de tudo o que é necessário para se tornar grande no contexto da África de hoje, Angola está prestes a atingir a maioridade sem se preocupar muito com o passado recente. Na verdade, por muito que nos custe, 1961 ficou a constituir uma data histórica na vida da província. É por ela que se afere o antes e o depois; nesse ano Angola aderiu deliberadamente ao século XX, ansiosa por recuperar o tempo perdido.
Sem a chicotada monstruosa que tanto sofrimento trouxe, é crível que a actual dinâmica se não tivesse atingido em tão pouco tempo; passado o ponto de ruptura,
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tornou-se mais simples liquidar entraves obsoletos e estruturas ultrapassadas, para ser possível caminhar a direito e depressa.
O que se passou em 1961 percutiu fundo no ânimo de todos e seria extraordinário que tal não acontecesse; mas a lembrança do período tão funesto não impede que hoje se trabalhe em vastas áreas em boa harmonia e pleno rendimento. Esta circunstância constitui para mim a melhor prova da inegável capacidade da nossa gente para criar o clima humano favorável à aglutinação de etnias diversas.
Aliás, não foi em vão que decorreram séculos de convívio sob a mesma soberania. Nos homens e na paisagem as marcas da nossa presença são por tal forma impressivas que não se deve recear qualquer brusca mudança de rumo se soubermos continuar a corresponder às necessidades do momento histórico que a província vive.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Regressei de Angola enamorado da terra e da sua gente. Encontrei lá exemplos de dedicação a uma causa que nunca mais esquecerei. Mas senti também, com pesar, que muitos travões se opunham deliberadamente à mobilização geral dos recursos e à promoção global de todo o povo angolano. O espírito de doação e pioneirismo de tantos funcionários administrativos e missionários deixou de ser suficiente para garantir o normal desenvolvimento do território.
Angola é demasiado grande para poder ser entendida e encarada em termos de uma simples dependência da metrópole. Para a governar é necessária uma visão larga, um conhecimento profundo da problemática das áreas tropicais e a capacidade de arcar com as responsabilidades inerentes. Marcelo Caetano teve a coragem de encarar de frente o problema ao apresentar a proposta de revisão da Constituição. Estou certo de que esta tomada de posição foi recebida com júbilo por todos os que servem devotadamente a província. Mas das palavras terá de se passar aos actos. E será por estes que se poderá aferir das intenções.
Há poucos dias o jornal  Provinda de Angola escrevia no seu editorial:
Se as palavras puderem ter o significado que delas se infere e se os propósitos forem enquadrados na dialéctica realista dos actos subsequentes que estão no pensamento do Prof. Marcelo Caetano, Angola começará a poder despertar e não será difícil imaginar o que para a Nação representará o despertar deste gigante adormecido, se for honestamente aproveitado todo o potencial das suas incomensuráveis potencialidades. E oxalá não faltem os homens necessários a esta transcendente gesta.
Oxalá, na realidade, não faltem os homens para que o tom, meio pessimista, meio incrédulo, usado pelo articulista se não venha a justificar no futuro. Não tenho dúvida de que da autonomia a outorgar virá a resultar uma maior aproximação com a metrópole; não tanto por necessidades de defesa, mas de fomento económico.
Angola necessita de quadros como de pão para a boca, e penso que seria obrigação de muitos de nós colaborarmos voluntária e desinteressadamente na tarefa estimulante de ajudar a província a recuperar os seus atrasos, para se transformar na grande potência económica que não tardará a ser.
Às autoridades da província e a todos os colegas que a representam nesta Câmara manifesto o propósito de retribuir o muito que de todos recebi, dedicando-lhes um pouco do meu tempo, entusiasmo e experiência no cumprimento de um serviço cívico cuja aceitação muito me honraria.
A grande batalha que Angola hoje trava não é tanto dirigida contra a subversão como contra a situação de atraso em que até há pouco se manteve. No inventário dos recursos naturais quase nada fora feito porque não existia uma cobertura cartográfica decente. Hoje, Angola começa realmente a ser conhecida, e bem importante é que se contrarie, quanto possível, a inevitável atracção do litoral. Todo o esforço que se traduza em melhores vias de comunicação - rodoviárias, ferroviárias e aéreas - será sempre pouco para atender à necessidade instante de encurtar distâncias e aproximar os povos. Ainda no âmbito da estratégia militar, é indispensável a uma melhor defesa, porque permitirá a mobilidade dos efectivos, com grande aumento da sua eficácia. Parece dever-se pugnar, pois, pelo acerto das actuações, neste como noutros sectores, entre os serviços civis e militares.
Mas a maior facilidade de penetração em vastas áreas não só irá contrariar o alastramento da acção da guerrilha, como permitir que seja combatida a sua influência junto da maior riqueza de Angola - a sua gente de cor.
Nem sempre se atribuiu a este potencial humano a importância que lhe é devida como elemento indispensável ao desenvolvimento da província. É vulgar ouvir-se dizer que os indígenas são avessos ao trabalho, naturalmente dados ao furto e ao alcoolismo e incapazes de assumir responsabilidades.
Seja-me permitido manifestar uma opinião bem diversa.
A integração numa sociedade de consumo por parte de uma população tão vasta e diversificada não se poderia nunca fazer à base do comerciante do mato. Requer uma acção de captação bem orientada e imbuída de espírito de justiça. O jovem preto é ávido de conhecimentos; adora, como nós, comer e vestir bem; mais do que nós, tem o sentido da religião e da justiça e uma consciência mais aguda do que é o bem e o mal. Responde como ninguém a uma prova de confiança que se lhe dê: testemunham-no os bravos que dão pelo nome de «flechas». O que o preto não tem, nem pode ter, é a obsessão do lucro; uma noção idêntica à nossa do que é a propriedade fundiária, e o mesmo espírito de competição.
Não é em poucos anos que se modificam estruturas de milénios; o indígena foi criado para a auto-suficiência na comunidade tribal, mas adere aos nossos esquemas económicos como o montanhês do continente o está também fazendo. Para isso, precisa ser instruído e sentir-se honrado nas suas relações com os detentores do poder económico. Para comprar precisa ganhar e para ganhar requer, como qualquer outro, um trabalho que o estimule.
O contacto com o branco tem constituído a grande escola e quase a única via apontada ao indígena para ascender à civilização; e quem não se sentir culpado de alguns desvios verificados nessa ascensão que atire a primeira pedra. O trabalho dos missionários e de alguns leaders religiosos locais tem provado, entre outras coisas, que o indígena não é um alcoólico incorrigível. Bem pelo contrário, é muitas vezes a miséria e a frustração que o levam a cair no vício. Mas não se passará o mesmo connosco, brancos e civilizados?
E em que sentido conduzimos nós, comerciantes por excelência, a produção de bens de consumo orientada para essa numerosa clientela? Difundindo a produção de álcool, pulverizando as chamadas fábricas de sumos fermentados?
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Não bastariam a cerveja e o vinho que se importam, fabricam e adulteram com notória facilidade?
Para que Angola possa cumprir o seu destino de grande baluarte da civilização em África importa, a todo custo, promover a sua gente, evitando tudo quanto possa contribuir para que ela se degrade.
Muito bem!
O Orador: - Numa terra de contrastes, a obra maravilhosa que se está a desenvolver no sector da educação, a todos os níveis, serve, quanto a mim, de paradigma do que pode e deve ser a nossa acção civilizadora. É nesta frente que é mister concentrar esforços; é aqui que não podem faltar soldados; é na escola que os preconceitos se esbatem e se constróem sociedades multirraciais. É através da qualificação profissional que o indígena, branco ou preto, pode ajudar a construir uma civilização. Este é o caminho, meus senhores, para conseguir que Portugal se continue em territórios de além-mar.
Angola, no estádio actual de desenvolvimento, requer avultado número de técnicos, médicos e professores.
Acima dos interesses pessoais ligados a situações de privilégio deve imperar o interesse da província, e esse impõe, urgentemente, a diversificação dos quadros e o acesso de empresários jovens e dinâmicos.
No sector agrícola estou convicto de que a iniciativa privada, quando estimulada, pode operar verdadeiras milagres. O recente desenvolvimento da cultura do algodão, equacionada em moldes correctos, é uma amostra significativa. Mas em castas áreas há florestas a plantar, terrenos a desbravar, regadios a explorar e, também, concessões a anular. Dir-se-á que a terra chega para todos, mais importa ter em atenção que os direitos adquiridos por determinados indivíduos e empresas implicam a atribuição de deveres que, em numerosos casos, não estão a ser cumpridos. E algumas situações de conflito podem ser previstas, porque, se a generalidade dos indígenas não apropria terrenos, precisa efectivamente deles para a sua cultura itinerante. 0 mesmo se poderá dizer da pastorícia no Sul, onde os grandes rebanhos dos pastores nómadas ainda representam o essencial da pecuária local.
Qualquer transformação drástica de estrutura deve ser estudada em termos de justiça social e tendo em consideração as necessidades económicas do presente e do futuro.
Sem querer, estou a lembrar-me do até agora misterioso plano do Cunene, elaborado como se se tratasse de autêntico segredo de Estado. Um organismo que se chama Junta Provincial de Povoamento não tem conhecimento dele, e, no entanto, prevê-se que envolva verbas da ordem dos 6 milhões de contos. Este e outros factores levam-me a pôr a questão de saber se, no âmbito da província, não existirão autonomias a mais contando a possibilidade de íntima colaboração entre numerosos órgãos da Administração.
Esse facto parece contraditório com a circunstância de o território, em globo, poder já hoje ser governado de forma muito mais independente. Só haveria a lucrar com o facto se, em contrapartida, na ordem interna, toda a Administração pudesse actuar como um bloco, acabando com os numerosos fundos, que nada significam, e os feudos económicos, que ainda subsistem. Eles não podem impedir que se proceda a uma prospecção exaustiva dos recursos mineiros, para o que, necessàriamente, as dotações actuais são insuficientes; que se realize um esforço maciço em ordem a explorar, em competição directa com as frotas estrangeiras, as riquezas piscícolas da nossa costa; que se mobilizem e distribuam por todo o território os potenciais de energia hidroeléctrica indispensáveis a uma economia em pleno crescimento; que a província opere, cada vez mais, a transformação dos seus recursos primários, para poder competir livremente nos mercados internacionais.
Tudo isto Angola pode e deve fazer se houver a coragem de decidir que assim seja.
As forças militares estacionadas na província não devem ser encaradas como uma superstrutura difícil de tolerar. No fundo, elas são a garantia da actividade económica. Mas a sua função não é a de coçar a sarna do terrorismo. Nestes casos, nada há pior do que a habituação. Há realmente um problema que tem de ser resolvido, mas numa acção conjugada de fomento económico e promoção social. Não se trata de uma guerra de canhões, porque na realidade estão em causa as consciências de milhões de criaturas. Para ganhar esta guerra são precisos mais tractores do que tanques, mais estradas do que auto-metralhadoras, mais navios mercantes e arrastões de pesca do que submarinos e corvetas. E a adesão da maior parte das populações indígenas à nossa causa deve poder ser traduzida por um maior número de jovens indígenas nas acções de polícia. Eles sabem, meus senhores, que, lutando connosco, estão defendendo a sua terra, as suas famílias e o seu futuro.
É mister terminar, e vou fazê-lo manifestando um sentimento de profunda, de enorme, admiração pelos nossos bravos rapazes, brancos e pretos, que, irmanados no mesmo sentimento de patriotismo, continuam a garantir a permanência de Angola como parcela integrante do grande mundo português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eles não são sensíveis a razões de ordem económica, cultural, financeira, educacional; tudo isso lhes escapa quando desmontam minas, se defendem de emboscadas ou choram os camaradas mortos. Por isso, eu respeito muito esses fazedores de heroísmo anónimo, e exijo que o seu sacrifício seja tido em conta em toda e qualquer decisão que respeite à terra que eles defendem.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre autorização das receitas e despesas para 1971. Tem a palavra o Sr. Deputado Cotta Dias.
O Sr. Cotta Dias: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai adiantada a apreciação pela Câmara, nas suas comissões e no plenário, sobre a generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971.
Não pretendendo transformar-me em interventor habitual na discussão de tal proposta, pareceu-me nesta altura indispensável alinhar sobre ela algumas notas.
O trabalho intenso a que se procedeu no âmbito das comissões viu-se beneficiado por exposição muito elucidativa do Sr. Ministro da Economia e Finanças acerca dos objectivos e propósitos que o Governo teve em vista ao formular a proposta nos termos em que o fez.
Foi grande o interesse que nos Deputados suscitou a presença do Ministro na reunião conjunta das Comissões de Economia e Finanças, em continuidade, aliás, da prá-
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tica por ele iniciada no ano anterior. E esse interesse traduziu-se significativamente pela assistência, à reunião mencionada, de número apreciável de Deputados que não pertencem a tais Comissões.
Permito-me Sublinhar o facto pela convicção em que estou da grande utilidade dos contactos directos entre os membros do Governo que inspiram determinada proposta de dei e as comissões parlamentares que sobre ela devem regimentalmente pronunciar-se.
É esse, com efeito, o com o benefício da presença do Governo, o primeiro lugar e talvez o lugar mais próprio para, na ordem técnica, levantarem problemas e equacionarem dúvidas as pessoas que construtivamente queiram encaminhar aqueles para a solução e estas para o esclarecimento. E é também aí que os técnicos, dominados e exclusivamente dominados pela preocupação de uma análise aberta e objectiva, podem contribuir, de forma extremamente válida, para a melhoria e clarificação dos esquemas e das normas que se propõem e colher glórias menos efémeras do que as que resultam da exploração política de questões que, pela sua tecnicidade intrínseca, a ela se deveriam considerar subtraídas.
No caso da Lei de Meios para 1971, a exposição do Sr. Ministro das Finanças, ampla e precisa, e os esclarecimentos que no debate subsequente nos facultou foram, como aliás no passado ano, exemplo frisante da utilidade que referi.
A proposta em exame aparece inteiramente informada pela concepção fundamental a que o Governo já fizera obedecer a respeitante ao ano precedente e que mereceu a esta Câmara juízo de muito apreço.
A preocupação de explicitamente inserir nas grandes linhas de orientação económica e financeira a política de curto prazo e os objectivos conjunturais que o Governo se propõe vê-se, com efeito, confirmada e mesmo ampliada. Saudemos o quanto essa atitude programática, sinónimo de maturidade e de segurança governativas, contém de salutar e facilita a objectiva apreciação pelo País e pela Câmara da política que se anuncia. Por mim, faço-o convictamente, como no passado ano, embora, como nele, não possa deixar de insistir em que tal apreciação não será inteiramente esclarecida sem informação pormenorizada sobre a conjuntura ultramarina, que empreste à lei anual a projecção nacional que as ligações interterritoriais, consequentes da inalienável unidade do espaço económico português, evidentemente impõem.
E não será deslocado insistir também nas sensíveis limitações a que a execução dos esquemas propostos naturalmente ficará sujeita por dificuldades de coordenação em domínios essenciais, em que a competência e a acção, repartindo-se por vários ministérios, pode levar a comportamentos desligados e a desfasamentos ou desconexões na intervenção governativa, que se desejaria unitária e sistemática. São, assim, manifestas, por exemplo - e já o disse no ano transacto - as inter-relações entre a política económica e financeira e a política dos salários, do emprego e da emigração; entre a indispensável aceleração do investimento, que o relatório da proposta de lei de meios justificadamente situa na primeira linha das preocupações do Governo, e a orientação dos recursos canalizados através do seguro social; entre a revisão da estrutura e funcionamento dos circuitos comerciais e a política de transportes.
A coordenação, nestas e em outras matérias, ao nível dos departamentos governamentais e dos numerosos serviços que directamente intervêm ou indirectamente influem na concepção ou execução do planeamento, constitui, com efeito, pressuposto essencial da viabilidade e do êxito de qualquer programa, seja qual for o seu grau de realismo e a sua consistência intrínseca.
Para além das duas considerações de fundo que ficam alinhadas - a primeira a pedir maior correspondência entre a Lei de Meios e a globalidade da conjuntura efectiva do todo nacional, a segunda a apontar para um constante aperfeiçoamento estrutural e funcional da máquina administrativa e governativa -, uma terceira observação caberá ainda no âmbito da generalidade.
Mais uma vez se referiu a ausência de dados estatísticos que permitam conhecer, dentro de limites de segurança aceitáveis, o comportamento dos principais agregados macroeconómicos relativos à economia nacional em 1970, e nos quais possa alicerçar-se, com a mesma relativa segurança, a prospectiva do comportamento dessas variáveis em 1971.
Apesar dos progressos verificados nos últimos anos em matéria de instrumentos de análise e de previsão económica, nomeadamente pelo que toca aos dados de contabilidade nacional e aos modelos de médio prazo utilizados pelo plano, muitos elementos basilares não puderam ser investigados nem considerados, pelo menos em termos satisfatórios, o que leva a Câmara Corporativa a reputar imperioso que, no futuro, venha a dispor-se, em tempo oportuno, das informações que lhes respeitam.
E, além disso, é certo que não se tornou ainda possível a construção de modelos de curto prazo capazes de enquadrar e de permitir uma avaliação adequada das repercussões das políticas orçamental, monetária e financeira que a Lei de Meios contempla, assim como se não deu continuidade efectiva ou actualização às experiências feitas com a construção de quadros de relações intersectoriais.
Deste modo, não pode deixar de oferecer dificuldades para o Governo a realização de uma política conjuntural consistente e atempada, em virtude, por um lado, da ausência de indicadores de curto prazo, seguros e sensíveis, e, por outro lado, da reduzida flexibilidade da estrutura administrativa para fazer face a uma eventual dinamização da intervenção, a curto prazo, sobre o comportamento da economia.
Encontramo-nos perante um ciclo vicioso: não há dados nem há modelos; e mesmo que se conseguisse ter modelos válidos, não se tornaria viável operacionalizá-los porque não dispomos de instrumentos adequados de actuação a curto prazo. Urge quebrar este ciclo e, para o fazer, pode-se, simultâneamente, caminhar no sentido de uma melhoria dos dados de base - que certamente poderá ser facilitada pela utilização sistemática dos modernos meios de tratamento de informações, completada por uma melhor cobertura estatística da actividade económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E no da criação de instrumentos de política de curto prazo que não necessitem, forçosamente, para a sua instituição e ensaio da elaboração prévia de um modelo irrepreensível.
Tais são, pois, ais principais considerações de grande generalidade, que se me afigurou útil salientar no domínio do «pano de fundo» em que a Lei de Meios se recorta e desenvolve.
Serão alguns naturalmente impedidos, nessa perspectiva, a levar mais longe a sua análise, a multiplicar, em níveis cada vez mais abstractos, as suas perguntais; na vida das sociedades tudo se encontra tão ìntimamente relacionado que todo o grão de areia nos pode levar à montanha e toda a gota de água ao oceano. E há depois, sempre, os espíritos inquietas - quase me tentava a dizer irrequietos -,
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que, por excesso de intelectualismo ou de tecnicismo, ou por outras quaisquer razões, se comprazem em problematizar tudo e em todos os momentos, até mesmo quando os problemas já há muito, salutarmente, desaguaram em transparentes soluções.
De uma forma ou de outra, não é, manifestamente, inviável ou ilógico perguntar, por exemplo, em que sistema político-económico se insere a proposta de lei de meios submetida à nassa apreciação. Será, porventuraa, ilegítimo e deslocado, quando se discute apenas e essencialmente um programa conjuntural, mas, lògicamente, e como disse, não é inadmissível a questão.
Sucede, todavia, que a pergunta foi amplamente respondida, nos momentos e nos lugares próprios, por quem naturalmente tinha a responsabilidade de definir e propor ao País esses parâmetros fundamentais da vida nacional.
Já em 27 de Setembro de 1968 foi dito ser preocupação imediata do Chefe do Governo «assegurar a continuidade, não apenas na ordem administrativa, como no plano político». E essa continuidade traduzia-se, sem prejuízo das reformas necessárias, «na fidelidade à doutrina até então brilhantemente ensinada pelo Doutor Salazar», e, portanto, «na constância das grandes linhas da política portuguesa e das normas constitucionais do Estado».
Aí está, pois, que a primeira e terminante resposta à dúvida que assim se quisesse levantar é a própria Constituição que a dá. O regime e o sistema político-económico em que a governação portuguesa se situa são precisamente as que a Constituição Política Portuguesa de há muito definiu e que todos aceitámos. Disse-o repetidamente o Chefe do Governo, e particularmente quando, em 10 de Outubro do mesmo ano de 1968, sublinhou que «o Governo, fiel à Constituição Política, não pode deitar de ser fiel aos ideais corporativos» e quando, pouco tempo depois, afirmou que «o corporativismo tem de ser vivido pelo País inteiro». O problema foi, de resto, equacionado frontalmente e desenvolvidamente tratado pelo Presidente do Conselho também em 22 de Maio de 1969 ao declarar:
Não falta, na verdade, quem se interrogue sobre a conveniência de serem mantidas as designações, as fórmulas, as instituições do Estado Corporativo ...
O caminho que o bom senso nos indica é aperfeiçoarmos aquilo que temos, emendando erros (de que, aliás, nenhuma forma política ou social está isenta), corrigindo desvios, tornando mais eficientes e justas as soluções ou os processos de as atingir - em vez de irmos aventureiramente experimentar outras vias, por imitação de estranhos ...
Estejamos, pois, descansados e tranquilos sobre a questão de ser o modelo liberal, o corporativo ou o socialista aquele por que se pautará o desenvolvimento da sociedade portuguesa O problema é, bem vistas as coisas, um falso problema, pois não me parecem lícitas a ninguém dúvidas de que o corporativismo constitui a nossa opção vazada nos textos básicos por que se rege o País.
E não receemos a opção feita, como se dela resultasse inconveniente rigidez nas concepções ou falta maleabilidade na acção, já que é sabido não constituir o corporativismo uma doutrina e uma fórmula mais ao lado das outras, mas síntese do individual e do colectivo, sem que se atenue ou diminua o seu essencial personalismo.
Também aí o Chefe do Governo não hesitou em afirmar, com meridiana nitidez, o seu pensamento, ao dizer, por um lado, que considerava «inteiramente ultrapassada a fórmula liberal» e que «a social democracia não é uma solução que em Portugal possa ser aceite por quem não queira a subversão social».
Objectar-se-á então, a ser assim, como é, a que vem a ideia do Estado Social? E o que se pretende, no fundo, que seja esse Estado Social?
Também aí as respostas não estão atrasadas e são suficientemente amplas e inequívocas para quem quiser entendê-las.
Logo em 10 de Outubro de 1968, com a introdução da fórmula, foi dito que «o Estado Corporativo que a nossa Constituição consagra é, necessàriamente, um Estado Social, isto é, um poder político que insere nos seus fins essenciais o progresso moral, cultural e material da colectividade numa ascensão equilibrada e harmoniosa que, pela valorização dos indivíduos e pela repartição justa das riquezas, encurte distâncias e dignifique o trabalho».
Aí está, pois, em toda a limpidez e com intencional dado profunda, o conceito de Estado Social que não surge a caracterizar um novo estilo de vida política, mas a qualificar mais intensamente o Estado Corporativo de que decorre.
De resto, não se ficou o Chefe do Governo pelo rápido e enunciado de um conceito: entendeu que lhe cumpria dar corpo e figura definitiva a essa fórmula basilar, traçando-lhe contornos nítidos e oferecendo-lhe conteúdo rigoroso. E, assim, em 21 de Maio de 1969, esclarecia:
É por isso que defendo o Estado Social - mas não socialista. Social, na medida em que coloque o interesse de todos acima dos interesses dos grupos, das classes ou dos indivíduos. Social, por fazer prevalecer esse interesse mediante a autoridade que assenta na razão colectiva. Social, enquanto procura promover o acesso das camadas deprimidas da população aos benefícios da vida moderna e proteger aqueles que nos relações de trabalho possam considerar-se em situação de fraqueza. Mas não socialista, pois se pretende conservar, dignificar, estimular até a iniciativa privada e animar empresam a fazer aquilo que o Estado nunca poderia realizar sòzinho.
E em 21 de Fevereiro de 1970, acentuando que se dirigia à gente do seu país «que não perdeu o bom senso e o sentido da moderação e, com os pés fincados na terra, sabe distinguir entre a realidade e a utopia, sem se deixar iludir na escolha entre os caminhos seguros do esforço colectivo e as vias sinuosas que conduzem à perdição», disse, ao lado de muitas outras coisas fundamentais:
O Estado Social, que desejamos tornar realidade cada vem mais viva, respeita e dignifica o indivíduo e considera a liberdade e a propriedade projecções naturais da personalidade humana. Põe, porém, em relevo a função social que também é inerente à personalidade.
Tendo de viver em comum, não podemos guiar-nos exclusivamente pelas nossas próprias conveniências ou pelos nossos interesses particulares. Somos solidários uns com os outros ... É forçoso que nos nossos actos, nas decisões que tomemos, tenhamos sempre presente as projecções que possam produzir na vida dos nossos cidadãos. O Estado e as sociedades intermediárias não podem deixar de manter esse justo equilíbrio entre o indivíduo e a colectividade.
Liberdade, propriedade individual, empresa privada, têm de ser, assim, concebidas e reguladas de modo a que cumpram a sua função social: não seria tolerável que prejudicassem os interesses colectivos.
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Eis [...], em breve síntese, o ideário que propomos ao País [...]. É um sistema, singelo, preciso e coerente, firmado na razão e confirmado pela experiência. Um sistema de princípios que poderemos pôr em prática e que está contido, aliás, desde 1933, na Constituição Política do Estado.
Julgo, meus senhores, que no conteúdo e na transparência das concepções e das palavras que me permiti citar - e muitas outras, respigadas de discursos de Presidente do Conselho, poderia ainda referir - encontram as pessoais simples como eu a clara e precisa definição do enquadramento político de fundo em que se desenvolve e enraíza a acção política que se pretende levar a cabo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e meus Senhores: Impõe-se-me solicitar de VV. Ex.ªs que me relevem tão longa digressão em matéria que, por muitos títulos, se haveria de considerar alheia ou marginal à apreciação pròpriamente dita da proposta de lei de meios.
Julguei, todavia, conveniente, porque se tomou necessário, demonstrar que não existem, ao nível da concepção política e económica de base em que a proposta se insere, quaisquer indefinições ou obscuridades.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: -Faça favor.
O Sr. Júlio Evangelista: - Tenho estado a seguir com o maior interesse as considerações de V. Ex.ª Toda a Câmara, aliás, o tem ouvido com igual interesse. Referiu-se V. Ex.ª à extraordinária obra de doutrinação política do Estado Social, que o Chefe do Governo tem vindo a realizar. Dela dão particular testemunho os dois volumes Pelo Futuro de Portugal e Mandato Indeclinável, em que estão reproduzidos os textos dos seus discursos, das suas «conversas em família» e outros documentos tornados públicos pelo Chefe do Governo. A obra doutrinária do Prof. Marcelo Caetano vem, aliás, de longe. Há o sentimento, em quem acompanha a vida pública deste país, em quem se debruça conscenciosamente sobre ela, de que essa obra extraordinária e imensa de doutrinação política do Chefe do Governo, de clarificação de conceitos e propósitos não está sendo acompanhada, ao nível do Governo, mediante o desenvolvimento dos corolários indispensáveis que a cada membro do Governo, por ser político e participar de um órgão político de carácter colegial, que é o Governo, cumpria fazer. (Apoiados.) Efectivamente, não é só ao Chefe do Governo que incumbe doutrinar, mas, sim, a todo o Governo, com insistência e em cada oportunidade. (Apoiados.) E somos todos nós quem tem de acompanhar e sublinhar a doutrinação que ele, imensamente e com prodigioso poder de convicção, vem apontando ao País.
Era esta ideia que eu queria deixar aqui bem vincada, por corresponder a um sentimento político geral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Agradeço muito ao Sr. Deputado Júlio Evangelista o que disse, aliás em abono do que venho a afirmar, porque procuro demonstrar que há uma doutrinação ou que existe um esclarecimento das condições políticas de base. E também julgo que comungamos do desejo de que essa doutrinação seja recebida e aceite pelo maior número de pessoas, Governo ou não Governo.
A doutrina que informa o Governo do Prof. Marcelo Caetano está aí, acessível a todos, perfeitamente erigida em «sistema de princípios singelo, preciso e coerente».
A quem quer é legítimo discordar dela. O que a ninguém é legítimo é pôr em causa a sua existência.
E, dito isto, permitir-me-ei apenas, Sr. Presidente, algumas considerações muito breves sobre certos aspectos de maior especialidade da proposta em exame.
Apontam-se como objectivos essenciais da política conjuntural o «de manter elevado nível de investimento», «estimular o crescimento da actividade industrial» e «evitar agravamentos de pressões sobre os preços».
Não é difícil concluir que uma das motivações básicas dos objectivos que o Governo aponta como essenciais para a sua política conjuntural é o combate à inflação. O próprio reforço do investimento, o estímulo ao crescimento da actividade industrial, as acções sobre circuitos comerciais internos e de comércio externo desempenham, em larga medida, função instrumental em relação a esse grande desiderato.
Sublinhando alguns aspectos em que, nessa ordem de ideias, se terá de ir mais longe, não pode deixar de referir-se a clareza e o realismo com que o Governo avalia a importância de medidas como as conducentes à selectividade do crédito e as que, tendo em vista a racionalização dos circuitos comerciais, contribuirão para eliminar factores que, não sendo inflacionários no sentido económico do termo, se repercutem na alta dos preços.
Um ponto, porém, a emigração, apenas ligeiramente aflorado, parece que necessitaria de mais ampla consideração, pelos efeitos com que pode dificultar a realização dos objectivos de investimento e de combate à inflação. As remessas de emigrantes têm constituído, ao nível dos pagamentos externos da metrópole, o principal elemento compensador de uma situação de comércio externo extremamente desfavorável, possibilitando, assim, a aquisição externa de equipamentos necessários à expansão do País; mas, em contrapartida, a sangria de mão-de-obra inerente à emigração pode constituir factor condicionante da expansão da capacidade produtiva do País.
Por outro lado, a situação criada com a emigração é ainda susceptível de opor resistência directa ao objectivo de combate à inflação. Antes de mais, é geradora de inflação pela via da procura: as remessas de emigrantes criam uma procura (e dirigem-se, em grande parte, a populações ávidas de consumos) sem contrapartida em oferta nacional (já que a oferta correspondente foi criada nos países onde se encontram os emigrantes). Em segundo lugar, acaba por pressionar os preços pela via dos custos: a escassez de mão-de-obra e a necessidade de fixar no País os trabalhadores levam a aumentos acentuados de salários, nem sempre em correspondência com o aumento da produtividade. E para além destes aspectos, haverá que tomar em consideração que se geram distorções na estrutura dos preços dos bens (nomeadamente da terra, sobre que, particularmente, incide a procura dos emigrantes) e que, na medida em que o factor mão-de-obra se aproxima do pleno emprego, a economia se apresenta, em geral, mais vulnerável à inflação.
Nesta perspectiva, e menos como crítica de generalidade à proposta do que como sugestão construtiva de trabalho, convirá sublinhar o risco de se encarar a emigração essencialmente como uma fonte de divisas e de se descuidar a avaliação dos seus efeitos negativos e a promulgação oportuna de medidas que os contrariem. Entre estas, desempenharão, por exemplo, papel de extremo relevo as que se editem com vista a atrair para o mercado financeiro e, através dele, para o investimento e conse-
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quente reforço da capacidade produtiva nacional, a maior parcela possível das remessas de emigrantes.
Um outro aspecto que se me afigura útil pôr em relevo, para além da crescente integração da Lei de Meios em orientações económicas e financeiras que transcendem o exercício, é o de uma cada vez maior pormenorização da política económica e o do mais directo interesse desta pelos problemas concretos. É clara prova desse novo espírito tudo o que respeita, por exemplo: à promoção industrial; à substituição de um condicionamento industrial rígido e discricionário, essencialmente virado para as novas implantações por um condicionamento mais liberalizado, que melhor se chamaria de regulamentação, centrado sobre as condições financeiras, técnicas e de dimensão dos empreendimentos; à intervenção directa no domínio dos preços em alguns sectores; à definição das actividades que, por carências de oferta para o mercado interno ou para a exportação, devem ter prioridade na concessão de incentivos a investimentos; ao agrupamento de exportadores; à revisão e racionalização de circuitos comerciais de produções específicas, etc. Constitui este, a meu ver, um dos aspectos mais significativos da proposta em exame, na medida em que, só assim, atacando frontalmente os problemas concretos da economia, se poderá, finalmente, sair da zona etérea da meditação para a zona prática das realizações efectivas.
Sobre outros pontos desejaria fazer ainda um apontamento ou tecer um comentário. Não dá para tanto o tempo disponível e não se trata, de resto, de pontos essenciais.
Limitar-me-ei, por isso, a exprimir ao Sr. Ministro das Finanças e Economia o meu incondicional aplauso e o meu apreço, que sei serem também os de toda a Câmara, pela forma como procura transformar em poderoso instrumento de trabalho uma lei que a menos se reduzia tradicionalmente e pelo modo como lùcidamente define e prossegue uma política económica e financeira de realismo, de verdade e de coragem.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Antes de iniciar a leitura das considerações que alinhavei a propósito da Lei de Meios, peço licença para afirmar o meu júbilo pelo facto de o Governo já ter providenciado a concessão das verbas necessárias à sobrevivência das instituições de assistência do meu distrito, bem como do arquipélago dos Açores.
O assunto constou da minha intervenção do passado dia 9, e no dia 11 a folha oficial inseria o respectivo diploma.
Faço esta referência, não tanto para esclarecer qualquer lapso circunstancial de tempo, porventura ocorrido, nem para atribuir-me qualquer mérito, quanto e sobretudo para testemunhar a maior satisfação por tão decisivo acto governamental.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estamos no fim do debate na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, que hoje mesmo a Câmara aprovará, nos termos constitucionais. Documento que se considera fundamental para a vida do País, importa acentuar que foi elaborado de forma suficientemente clara, permitindo-nos, em especial com a ajuda preciosa do relatório que o acompanhou, conhecer os aspectos mais significativos da situação económica e financeira, sendo ainda de salientar o facto de manter a orientação consagrada em leis anteriores, procurando-se «integrar a política financeira do Governo na realização dos objectivos fundamentais de uma política económica global, mediante a apresentação de um conjunto de medidas em vários domínios devidamente articulados».
Além do relatório que antecedeu a proposta governamental, já aqui considerado notável, dispomos agora dos doutos pareceres da Gamara Corporativa, introduzindo pequenas alterações de pormenor, e da nossa Comissão de Finanças e ainda dos textos apresentados pelos nossos colegas, analisando sob os mais variados aspectos tão importante documento, pelo que nos sentimos perfeitamente à vontade e bem acompanhados para rendermos também a nossa homenagem ao Ministro que a subscreveu.
Na apreciação que fizemos, sentimo-nos estimulados pelo facto de se continuar a dedicar o maior interesse ao desenvolvimento económico de todo o espaço português, sem se esquecer a dotação indispensável à prossecução da defesa da integridade do território nacional, não obstante os reflexos que a situação de guerra em que nos encontramos naturalmente provoca no processo do referido desenvolvimento.
Igualmente, merecem-nos inteiro apoio as prioridades definidas, sem prejuízo de alteração na ordem estabelecida pelo Governo: saúde pública; educação de base, formação profissional, promoção social e investigação; infra-estruturas económicas e sociais de actividades agro-pecuárias; bem-estar das populações rurais, e, finalmente, habitação social, aspectos todos eles de primeiríssima importância na presente conjuntura nacional.
Em relação à actividade desenvolvida no ano prestes a lindar, afigura-se-nos justo expressar o nosso aplauso, pelo esforço despendido no arranque das estruturas afectas aos sectores prioritários, sendo relevantes o aumento dos gastos com a educação e, bem assim, as medidas adoptadas ou em estudo no âmbito da política comercial, relativamente a circuitos de distribuição e revisão da legislação referente a preços e margens de lucro. Conforme se afirma no relatório que antecedeu a proposta governamental, alguns desses estudos estão já em fase adiantada e virão traduzir-se certamente em benefício para a população, em geral, pela promulgação de diplomas e regulamentos apropriados, acabando-se com os estrangulamentos que se vêm manifestando de forma assaz violenta no consumidor, sendo desnecessário acentuar o interesse da conjugação de esforços tendentes a sustar a crescente tensão inflacionária.
Saúdam-se, também, e com entusiasmo, os propósitos evidenciados com vista ao estabelecimento do relações com a comunidade europeia, pois - como se lê no parecer da Câmara Corporativa - «a intensificação do esforço de desenvolvimento económico se converterá, para Portugal, em autêntico imperativo categórico, se não se quiser, e ninguém por certo o desejará, que constitua uma economia marginal no novo espaço europeu». A este propósito, e como testemunho do alto interesse que o assunto vem merecendo, haja em vista que ainda no último Conselho de Ministros foi aprovado o diploma que transfere para a Presidência do Conselho a comissão que dele se vinha encarregando, com a nova designação de Comissão Interministerial de Cooperação Económica Externa, a cargo da qual ficará tudo quanto respeite às negociações entre o nosso país e as comunidades europeias.
Outro aspecto que nos mereceu particular atenção é o que se refere à política regional, em conformidade com os objectivos de planeamento fixados no III Plano de Fomento, propondo-se o Governo conceder os incentivos
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necessários ao desenvolvimento das infra-estruturas económicas e sociais, atinentes à elevação do nível de vida das populações. Neste campo, na decisiva batalha do desenvolvimento, nunca serão de mais os esforços oficiais e privados, merecendo-nos o maior interesse a afirmação do Subsecretário do Planeamento Económico, há poucos dias, em Vila Real, quanto à necessidade da «criação de entidades especìficamente voltadas para a industrialização e o desenvolvimento das regiões menos favorecidas, sob forma de sociedades públicas ou de economia mista, que possam assegurar o impulso indispensável, face às limitações do sector administrativo, à carência de empresas válidas e às más condições de enquadramento dessas regiões». Como acentuou o Dr. João Salgueiro, «em nenhum caso o desenvolvimento regional poderá resultar de simples actuação do sector público. Só será possível como obra colectiva de todos os interessados de cada região - das populações, das empresas e das autoridades locais».
No caso específico das regiões insulares, parece oportuno referir que, nas conclusões apresentadas ao Governo acerca da revisão do Estatuto de Autonomia, ficou claramente demonstrada a necessidade de se proceder a acertos nas atribuições das juntas gerais, nomeadamente os que lhes permitam participar eventualmente no desenvolvimento industrial e do turismo e noutras actividades de fomento, havendo que dotá-las - bem como às restantes autarquias locais - do suporte financeiro que lhes possibilite levar a cabo a obra que delas se exige, a qual tem sido fortemente prejudicada pelo pagamento de serviços do Estado, que absorvem o principal quinhão das suas receitas ordinárias.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Feitas estas considerações sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, e saudado o esforço que a Governo se propõe prosseguir e até incentivar, com vista ao desenvolvimento económico-social do País, focarei alguns aspectos do ensino, que figura na primeira linha das grandes preocupações nacionais e ao qual venho dedicando talvez a parte mais prestante da minha actuação nesta Câmara.
Verificando que se mantêm plenas de actualidade as afirmações que produzi na primeira sessão legislativa, e em especial na minha intervenção de 11 de Dezembro de 1969, também no debate da Lei de Meios, procurarei não me alongar desnecessàriamente, até porque nunca como hoje houve tão unânime comunhão de ideias quanto à urgência de reformas profundas em todo o nosso edifício educativo.
Como sempre tenho acentuado, todos os esforços devem tender para a democratização do ensino, no verdadeiro sentido da palavra «democratização», envolvendo, para além das já tão proclamadas reformas, a adopção de medidas que possibilitem a todos os Portugueses o acesso à escolaridade, que deverá apenas ficar condicionado às capacidades individuais sem excepção quanto ao grau a atingir.
É evidente que continuamos longe do objectivo, mas vê-lo definido e proclamado como fundamental pelos governantes é já motivo de muita satisfação. Ao referir-se a tão magno problema, ninguém poderá deixar de reconhecer que se tem andado muito mais depressa e com espírito mais esclarecido do que era norma no nosso país. A actividade do Ministro Veiga Sim ao tem sido, a todos os títulos, digna da maior admiração, pois nem a doença o fez abrandar o ritmo ou desviar-se do rumo traçado, e é ouvi-lo, serena, mas objectivamente, citando e reconhecendo deficiências e indicando os caminhos que se hão-de percorrer para atingir-se o estágio desejado.
Partindo desta afirmação de confiança no homem que está à frente da Educação Nacional, farei determinados considerandos, qualquer deles a merecer sem dúvida referência mais pormenorizada, no sentido de se definir uma linha de pensamento e, vamos lá, na esperança de se concorrer, ainda que modestamente, para um mais completo domínio do assunto que tanto nos apaixona.
A primeira referência será para saudar a explosão escolar, que de novo se acentuou no ano lectivo em curso. No primeiro dia de aulas, mais de 1 milhão de jovens iniciaram a grande jornada, e, se o seu número é de longe superior à capacidade do equipamento escolar e veio ocasionar ainda maior handicap face à insuficiência de professores, há que encará-lo com optimismo, pois é sintomático de que algo se vem modificando para melhor na estrutura social portuguesa.
A batalha do ensino será vitoriosa, mesmo que à custa de sacrifícios de vária ordem. Recentemente, afirmou o Ministro Veiga Simão que novo esquema educativo será lançado ainda no ano lectivo em curso, anunciando que «as linhas gerais da reforma do ensino superior, universitário e não universitário, enquadrar-se-ão na orgânica, tendo em conta que os institutos politécnicos nela se deverão integrar, devidamente, de forma a permitir várias vias de acesso aos mais altos graus do ensino». E elucidou que «tudo tem, no entanto, de assentar numa programação de base, em que se atenda às tendências e realidades da evolução do Mundo nos domínios da técnica, da ciência e do humanismo, pelo que precisamos de elaborar a nossa lei fundamental da educação», diploma de transcendente importância e que deverá estar concluído, na sua primeira fase, até Março próximo.
Batalha decisiva esta que travamos nos domínios da educação, como tem repetido o próprio Ministro, pois não podemos esquecer que cerca de 50 por cento das nossas crianças ainda não usufruem da escolaridade obrigatória de seis anos, numa altura em que já se vai impondo a necessidade da sua extensão. Batalha que também se trava noutros países, sendo de salientar o espírito de compreensão que os tem levado a conjugar esforços, no âmbito da U. N. E. S. C. O. e da O. C. D. E., encontrando-se precisamente neste momento em Portugal um técnico desta última organização, que vem analisar com os serviços competentes do Ministério das Obras Públicas a possibilidade de ser incrementada entre nós a aplicação das técnicas de pré-fabricação na construção escolar, exigência inadiável para se colmatar a crescente e alarmante falta de edifícios.
Nestes últimos meses, foram criadas dezenas de escolas em várias regiões, desde unidades do ciclo preparatório a secções liceais e do ensino técnico, bem como novos cursos em alguns estabelecimentos já em funcionamento. Com satisfação se faz esta referência, pois uma das grandes necessidades que frequentemente se apontam é exactamente a da criação de novos estabelecimentos, acentuando-se, entretanto, a urgência do planeamento educacional, que dê ao País a natureza dos cursos indispensáveis ao desenvolvimento e nas localidades onde a sua falta mais se faz sentir.
Há dias recordava o Secretário de Estado da Agricultura que, «na sociedade industrial em que vivemos, só com lavradores esclarecidos se criam oportunidades para uma agricultura moderna». Pois, no relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo de Formação Profissional Agrícola, concluído em 1968, fazia-se larga referência ao facto de sómente 169 milhares (cerca de 18 por cento) dos 900 milhares de indivíduos previstos para 1973 na população activa agrícola se situavam nos quatro distritos
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que possuíam um estabelecimento de ensino secundário, com cursos agrícolas em funcionamento: Lisboa, Porto, Bragança e Setúbal. São manifestamente insuficientes os estabelecimentos de ensino especìficamente agrícola (agentes rurais e regentes), impondo-se a sua criação noutros pontos do País, em especial, como é óbvio, nos distritos onde se situam os 82 por cento da população activa agrícola. O planeamento é, pois, inadiável.
Algumas palavras sobre o ensino infantil, outra exigência do nosso edifício educativo. Criado, com carácter facultativo e gratuito, em 1911, veio a ser extinto em 1936, porque a experiência demonstrara não se encontrar organizado de forma que os seus frutos correspondessem aos encargos. Quase quarenta anos depois, havemos de saudar o seu reaparecimento, em termos de se poder generalizar à população em idade pré-escolar, que anda à volta de 1 milhão, ao passo que apenas cerca de 20 milhares dele beneficiam.
Está-se mesmo a ver que tão cedo não será possível assegurar o ensino pré-primário a toda a população infantil, uma vez que ainda 50 por cento não usufruem da actual escolaridade obrigatória. Enuncia-se, por isso, uma série de ideias acerca de medidas que podem ser tomadas a curto prazo: conveniência de se começar por subsidiar os estabelecimentos actualmente existentes, isentando-os de impostos e outros encargos demasiado onerosos e que tornam este tipo de ensino inacessível mesmo à classe média; maior cobertura em Lisboa e Porto e noutras cidades onde sejam mais prementes as necessidades da população, principalmente em consequência do trabalho feminino; incremento pela Previdência da criação de estabelecimentos destinados à infância, em conformidade com a Portaria n.º 21 906, de 4 de Março de 1966, subsidiando, entretanto, os seus contribuintes para frequência dos filhos em semi-internatos; alargamento das actividades circum-escolares e recreativas, fomentando-se a criação de ateliers, bibliotecas infantis, etc., internatos em pequenas comunidades e grande integração na sociedade; creches suficientemente apetrechadas, em pessoal e equipamento, para corresponderem às necessidades da primeira infância.
Gostaria ainda de dizer algumas palavras sobre o ensino especial, a orientação escolar e outros temas igualmente aliciantes. Ficará para outra oportunidade, porque o tempo voa e desejo referir-me à actual situação do ensino oficial no meu distrito, onde continuam a escassear os professores e as escolas, bem como outras estruturas coadjuvantes da acção educativa.
A evolução da situação escolar no distrito do Funchal deu-se no sentido positivo, no que respeita ao aumento da frequência de alunos de ambos os sexos, mas acentuando-se ainda mais as lacunas referidas o ano passado quanto a equipamento e pessoal docente. Vejamo-la:
No presente ano lectivo o ensino primário elementar é frequentado por 39 261 crianças, sendo 35 243 no oficial e 4018 no particular. O pessoal docente está assim dividido: quadro geral, 562; quadro de agregados, 100; professores em regime de acumulação, 109; regentes em escolas, 61, e em postos, 12. Verifica-se, por conseguinte, largo déficit em matéria de professores, havendo ainda 507 crianças no distrito sem escolaridade por esse motivo.
O ciclo complementar abrange apenas 1546 crianças, estando criados 42 lugares, assim distribuídos por concelhos: Funchal, 18; Câmara de Lobos, 1; Ribeira Brava, 3; Ponta do Sol, 4; Calheta, 1; S. Vicente, 3; Santana, 2; Machico, 4; Santa Cruz, 4, e Ponto Santo, 2. Número diminuto, como vê, estando em branco o concelho de Ponto Moniz.
Em matéria de instalações, o panorama é deveras alarmante: elevada percentagem não reúne condições mínimas e estão a funcionar 261 lugares sem sala própria, duplicando-se o número de classes afectadas por essa anomalia.
Assistência escolar pràticamente não existe, pois apenas estão criadas 21 cantinas: Funchal, 10; Câmara de Lobos, 2; Ribeira Brava, 1; Ponta do Sol, 2; Calheta, 1; S. Vicente, 2; Santana, 1; Machico, l, e Santa Cruz, 1. Quem não ignora as necessidades da criança, em matéria alimentar, fàciüimeinite ««vadia dais repercussões ido tão grave lacuna.
De salientar que, oportunamente, foram postas em vigor disposições para que os professores em regime de acumulação «nitrassem ao serviço «antes da homologação da respectiva proposta pela Direcção-Geral, evitando-se assim que maior inúmero de crianças passasse longos meses sem escolaridade, paira o que solicitámos providências, assinalando-se o evento com natural júbilo.
Igualmente periclitante se mantém a situação do ensino secundário, uma vez que o distrito, com população aproximada de 300 000 habitantes, continua, a dispor apenas de dois estabelecimentos oficiais, um liceu e uma escola técnica, que recebem no seu seio os alunos da Escola Preparatória, como seguidamente se evidenciará.
O Liceu Nacional do Funchal tem mais do que duplicada a frequência para que foi construído, ou sejam 1556 alunos do ensino oficial e 800 da secção feminina do ciclo preparatório, funcionando mais algumas classes, num total de 194 alunos, em edifício adaptado. Relativamente a professores, para fazer face a tão elevado número de alunos, o Liceu dispõe de 50 apenas, sendo 19 com o curso superior e 12 efectivos. Por seu turno, a secção feminina da Escola Preparatória conta com 61 unidades, 6 com curso superior e só 2 efectivos, registando-se 11 vagas.
Na dependência do Liceu continua a funcionar a Escola do Magistério Primário, por mais incrível que pareça, tanto mais que dispõe de edifício e quadro de pessoal privativos. Este ano, a sua frequência é de 97 alunos, com substancial aumento em relação ao transacto, em que era apenas de 57, prevendo-se acréscimo nos anos mais próximos, facto que recomenda a concessão de completa autonomia pedagógica e administrativa para o estabelecimento, pedido que efectuámos há um ano e voltamos a fazer.
Finalmente, a Escola Técnica, que, conforme já acentuei neste lugar, foi prevista para 1600 alunos, só está construída em cerca de dois terços, mas é frequentada por 976 alunos dos cursos de formação, 619 do ensino de aperfeiçoamento e 1296 da secção masculina da Escola Preparatória, que tem ainda uma secção a funcionar em Machico, com 170 alunos. No que respeita a pessoal docente, a situação é a seguinte: 85 professores, 9 dos quais efectivos e 30 sem curso superior, havendo a preencher 14 lugares de professor efectivo e 4 de professor extraordinário. Por seu turno, a secção masculina da Escola Preparatória - a tal que possui quase 2500 alunos, mas não tem edifício - dispõe de 68 professores, 5 efectivos e 43 sem curso superior.
Os números falam por si e traduzem o drama do ensino oficial na Madeira, cuja situação pedagógica é sobremaneira agravada, no campo administrativo, também por falta de pessoal. A título de exemplo, citarei que o quadro administrativo da escola técnica está há já vários anos apenas com dois funcionários, tornando-se imperioso abrir concurso na própria sede do distrito, a fim de completá-lo, pois a experiência tem demonstrado que não há concorrentes continentais interessados e os candidatos madeirenses não se arriscam às despesas que a deslocação a Lisboa comporta.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para não me alongar ainda mais, deixarei para uma próxima oportunidade a análise de outros aspectos do ensino no meu distrito (Música e Belas-Artes, Enfermagem, Hotelaria, Agrícola, etc.), bem como do muito que se espera, no que respeita à educação permanente, da difusão dos meios áudio-visuais, com relevo para a Telescola. Estando prevista para breve a inauguração da TV na Madeira, o ensino muito beneficiará certamente. Recordo, a propósito, uma audiência concedida conjuntamente aos dois Deputados do distrito, em exercício, pelo Secretário de Estado da Informação e Turismo, dias antes da sua última visita à Madeira, e durante a qual tive excelente ensejo de expor o meu pensamento nessa matéria. A população da Madeira e de Porto Santo necessita de programas intensivos de acção educativa, e todos os meios disponíveis não serão de mais para levar a campanha a bom termo.
Termino, Sr. Presidente, concedendo o meu voto na generalidade à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, com o desejo muito sincero de que ao Governo não faltem os recursos humanos e materiais para cumprir quanto se consente em tão notável documento.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: No termo do debate sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1971, a Comissão de Economia entende manifestar o seu acordo à orientação definida pelo Sr. Ministro das Finanças, nos termos que constam do parecer que tivemos a honra de submeter à consideração dos Srs. Deputados. E entende, ainda, a Comissão que deve propor sejam emitidos alguns votos, tendentes a melhorar a actuação político-económica do Estado - aliás, geralmente, no quadro de preocupações, espírito e objectivos últimos da proposta.
Peço a VV. Ex.ªs escusa de os ler.
Sr. Presidente: Tem a Câmara debatendo a proposta de lei de meios para 1971; e, a seu propósito, tem agitado problemas importantes da vida portuguesa, expresso anseios e aspirações dos povos, formulando interrogações que lhes preocupam os espíritos.
E tudo isto sobre o pedido de uma autorização que possibilita ao Governo a cobrança das receitas do Estado e o pagamento das despesas públicas na próxima gerência.
Não podia, no entanto, deixar de ser assim.
Pois cobrar receitas e realizar despesas é administrar; e administrar é sempre estar presente de um modo activo nos meios em que a administração se exerce; e o Estado, ao estar presente, influencia com poder (quando não determina e modela decisivamente) todo o complexo da vida colectiva.
Mal se andaria, por isso, se a presença do Estado não fosse pré-ordenada por um conjunto de princípios coerentes, exequíveis e estáveis.
Compreende-se, assim - compreende-se e louva-se -, a preocupação do Sr. Ministro das Finanças em situar os preceitos e princípios orçamentais no quadro das grandes linhas de orientação da actividade financeira do Estado; e, colocando esta no plano que hoje lhe corresponde, em inserir a gestão a curto prazo no enunciado das políticas económicas formuladas para o conjunto dos elementos e sectores nacionais.
O documento em análise é, assim, mais do que uma simples proposta de gestão orçamental, um pedido de acordo à orientação político-económica pretendida pelo Governo.
O que se propõe, o que se discute, sobre o que tem de versar o nosso eventual acordo é, pois, de um modo ou outro, com esta ou aquela dimensão e incidência, uma política.
E a política, pelo seu próprio conceito, requer sujeito definidor e órgãos actuantes, a imputação de efeitos a uma entidade homogèneamente definida, a possibilidade de enunciar validamente o conjunto dos valores e fins por que essa entidade há-de determinar-se, os modos por que tais valores e fins se precipitam em objectivos programàticamente enunciáveis; sem esquecer o conhecimento e domínio dos mecanismos fundamentais presentes na vida colectiva daquela entidade e por cujo funcionamento hão-de actuar os instrumentos e medidas da política adoptada, com relevo muito significativo para os meios de ligação entre sujeitos definidores, órgãos actuantes e destinatários da actuação respectiva.
A sociedade - como entidade objecto e causa da actuação política - defronta-se com a necessidade de ver estabelecidos de modo suficientemente claro e preciso essas elementos essenciais à definição da própria política. E não só de modo aforo e preciso, como também homogéneo, dada a múltipla dimensão que as actuações revestem em resposta à diversidade de aspectos excluída pela realidade social.
Pois a sociedade dos nossos dias - cuja complexidade crescente potência cada vez mais as interdependências, mas tende ao mesmo tempo a compartimentar perigosamente os horizontes e a anonimizar os indivíduos sem robustecer muitas vezes o viver colectivo -, a sociedade dos nossos dias esquece frequentemente o sentido unitário da entidade que constitui, a universalidade de valores e imputações que a definem como autêntico agregado. E assim se acrescem os riscos da formulação de políticas parcelares, desligadas do sentido geral pretendido para a evolução da sociedade como um todo. Daqui decorre que a validade de uma política não depende apenas da coerência definida pela compatibilização dos objectivos e instrumentos próprios do seu campo específico; para além disso, a validade de uma política depende também, e essencialmente, da coerência apresentada pelo todo, e, portanto, das compatibilidades encontradas na inserção de cada uma das políticas específicas no mundo global de valores, fins e processos de imputação e actuação concluídos como válidos para o conjunto da vida colectiva.
O comentário vale para todo e qualquer aspecto da actuação política, e cremos que apresenta relevo e actualidade indiscutíveis no campo da vida económica e financeira.
Pelo que a esta respeita pode dizer-se que a proposta se orienta, bàsicamente, por duas finalidades: a promoção do desenvolvimento e a preservação de estabilidades fundamentais. Assim, tudo se estabelece em ordem à prossecução de mais elevados ritmos de crescimento global: promovendo, nos campos de actuação económico-financeira, as medidas tidas como necessárias à aceleração do investimento; procedendo a transformações estruturais que permitam um melhor aproveitamento dos recursos e o reforço da capacidade competitiva; procurando sustar e reduzir atritos e desfasamentos nos vários circuitos componentes da economia global. Ao mesmo tempo - considerando a preservação de um grau razoável de estabilidade como essencial à consecução das finalidades de desenvolvimento propostas - insere-se toda uma política conjuntural no quadro desses objectivos, nomeadamente pela consideração de uma política de reforço da oferta e
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seu melhor ajustamento à procura,, de olhos postos na evolução dos preços e dos pagamentos externos.
Expansão na estabilidade é, assim, o princípio orientador da política económica proposta. E não serei eu quem lhe diminua o alcance ou regateie adesão.
Neste momento, o ponto é outro: que correspondência tem essa linha de orientação (e as medidas por que se pretende efectivar) com a visão definidora de uma atitude política global perante a vida colectiva?
E não se julgue que o problema é académico ou especioso. Pois a política económica, segundo o princípio da expansão na estabilidade, pode ser prosseguida nos mais diversos enquadramentos teleológicos da sociedade, nos mundos mais dispares de valores, concepções e finalidades. E, por isso, não basta a uma assembleia política dar o seu acordo ao princípio proposto; importa enquadrá-lo na verdadeira dimensão das nossas responsabilidades.
Na verdade, é certo ser possível acreditar-se que a política económica pode ainda aspirar a manter-se no campo relativamente inócuo de meras técnicas: prosseguindo o aumento da capitação do rendimento real, bastar-lhe-ia sabê-lo como objectivo e adequar-lhe os instrumentos eventualmente utilizáveis. Simplesmente, esse seria um objectivo imediato comum a toda e qualquer política, em toda e qualquer sociedade, em todo e qualquer sistema, o que logo nos diz que não pode ser o objectivo último proposto.
O que a política económica faz é actuar, pelo seu lado, sobre o progresso da sociedade como um todo; mas este progresso é, evidentemente, definido por parâmetros que excedem os daquela política.
Eles resultam, como se sabe, das respostas dadas a algumas interrogações fundamentais: que sociedade se quer construir? Como se julga poder exprimir no campo ideológico as suas opções? E modelar a inserção individual no contexto colectivo? Que conta de ganhos e perdas pode e deve estabelecer-se entre o complexo de fins e valores propostos, colectivos e individuais, perante a utilização de certos instrumentos de política económica e determinadas opções de selecção sectorial?
Estas algumas das perguntas de cujas respostas depende o poder aferir-se, com inteira justeza, do significado e alcance da política que vise o progresso do todo.
Todavia, não tenho de ficar à espera que me respondam para dar o meu acordo à generalidade da proposta em análise, louvando mais uma vez o Sr. Ministro das Finanças e da Economia pelo contributo notável que, com a sua apresentação, dá ao diagnóstico de alguns dos nossos problemas mais agudos e à definição de uma adequada e urgente terapêutica.
Convencido, como estou, de que dispomos do arsenal doutrinário e cultural - no sentido sociológico de cultura - requerido pela definição, apontada, do quadro de concepções, valores e fins em que queremos fazer evoluir a nossa sociedade, assim convencido, a minha reflexão tem apenas um significado: confessar em voz alta a necessidade, que sinto, de termos sempre presente esse quadro essencial do nosso viver colectivo e de desenvolvermos todos um esforço permanente de, à sua luz, clarificarmos por ele as nossas visões parcelares. Se o não fizéssemos, se o esquecêssemos aqui e além, correríamos o risco de, ao enunciarmos políticas tecnicamente louváveis, as esvaziarmos de significado global válido, distorcendo-lhes o alcance, desbaratando esforços e meios, não lhes permitindo, como se impõe, o maior efeito útil sobre o progresso geral, entendido em termos de todo o agregado nacional.
Por tudo isso, renovando a minha aprovação à proposta de lei em debate e permitindo-me sublinhar mais uma vez o sentido dos votos emitidos pela Comissão de Economia, peço licença, Sr. Presidente, para lhe juntar um outro, de minha exclusiva responsabilidade, no sentido de um progressivo dimensionamento político global de todos os nossos esforços e actuações.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O parecer da Comissão de Economia sobre a proposta de lei em debate será distribuído em cópia aos Srs. Deputados no princípio da sessão da tarde.
Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito para se ocupar na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1971. Os oradores, em geral, exprimiram os seus votos de concordância e não está apresentada qualquer questão prévia que possa pôr em causa a economia da proposta. Considero-a, portanto, aprovada na generalidade.
Passaremos à discussão, na especialidade, durante a sessão desta tarde, que terá início à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Píeres Claro.
Teófilo Lopes Frazão.
Sr s. Deputados que faltaram a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Augusto Domingues Correia.
Bento Benoliel Levy.
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Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João José Ferreira Forte.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier.
Montalvão Machado.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - José Pinto.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão:
Propostas relativas à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971
Proposta de aditamento
Nos termos do § 2.º do artigo 37.º do Regimento, proponho que ao artigo 3.º da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, apresentada pelo Governo, seja feito o seguinte aditamento:
Artigo 3.º ...................
d) Intensificar a ligação entre o que respeita à defesa e ao fomento, procurando, nomeadamente, que se integrem no circuito interno do País despesas ainda realizadas no exterior.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Filipe Themudo Barata.
Proposta de alteração
De acordo com as conclusões do parecer da Comissão de Finanças, propomos que se adoptem as sugestões da Câmara Corporativa, relativamente ao n.º 1 do artigo 5.º, ao artigo 8.º, ao n.º 1 do artigo 12.º e à alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º da proposta de lei, passando estas disposições a ter a redacção seguinte:
N.º 1 do artigo 5.º:
Os serviços do Estado, autónomos ou não, e os institutos públicos, incluindo os organismos de coordenação económica e, bem assim, as autarquias locais, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e os organismos corporativos, observarão, na administração das suas verbas, as normas de rigorosa economia que forem prescritas ao abrigo do artigo anterior.
Artigo 8.º:
O Governo procederá, sem prejuízo dos princípios definidos no artigo 4.º, à revisão dos critérios de execução do Orçamento, de modo a permitir-se a utilização integral dos créditos orçamentais.
N.º 1 do artigo 12.º:
Fica o Governo autorizado a manter no ano de 1971 a cobrança do imposto extraordinário para a defesa e valorização do ultramar, que recairá sobre as pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividade de natureza comercial ou industrial em regime de concessão de serviço público ou de exclusivo e, bem assim, sobre as que exerçam outras actividades, a determinar por decreto-lei, desde que beneficiem de qualquer privilégio ou de situação excepcional de mercado, ainda que resultante de condicionamento.
Alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º:
Ao desenvolvimento da formação profissional;
aditando-se uma alínea e) assim redigida:
e) Ao aperfeiçoamento de processo de gestão das empresas e ao da qualidade da sua produção.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Dezembro de 1970. - Os Deputados: Rui Pontífice de Sousa - Miguel Pádua Rodrigues Bastos - António Lopes Quadrado - João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco - Manuel Artur Cotta Agostinho Dias - Fernando de Sá Viana Rebelo.
Proposta de emenda
Nos termos do Regimento da Assembleia Nacional, propõe-se uma emenda ao artigo 20.º, constante da proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado Themudo Barata, que passará a ter a seguinte redacção:
Art. 20.º Fica o Governo autorizado a alterar o regime estabelecido pela Lei n.º 2020, de 19 de Março de 1947, para os estabelecimentos fabris do Ministério do Exército, com o fim de permitir que sejam reestruturados por forma que constituam factor de coordenação e desenvolvimento do respectivo sector industrial do País.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Dezembro de 1970. - Os Deputados: João Vasconcelos Guimarães - Rui Pontífice Sousa - António Lopes Quadrado - Gabriel da Costa Gonçalves - António da Fonseca Leal de Oliveira.
Requerimentos
requeiro, ao abrigo do título IV «Funcionamento da Assembleia», capítulo I, artigo 19.º, § 3.º, do Regimento da Assembleia Nacional, as seguintes publicações oficiais:
Ministério das Obras Públicas, Junta Autónoma de Estradas - Estatísticas de Tráfego, Estradas, Lisboa, M. O. P. (vários anos).
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
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Requeiro, ao abrigo do § 3.º do artigo 1.º do capítulo I do Regimento da Assembleia Nacional, a seguinte publicação:
Vasco da Gama e Suas Viagens de Descobrimentos (editada pela Câmara Municipal).
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Dezembro de 1970. - O Deputado, João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Requeiro, ao abrigo do § 3.º do artigo 1.º Ido capítulo I do Regimento da Assembleia Nacional, as seguintes publicações oficiais:
Vol. VI de Dez Anos de Política Externa; Vasco da Gama e Suas Viagens de Descobrimentos (editada pela Câmara Municipal).
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Rui de Moura Ramos.
Parecer da Comissão de Economia sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas
1. A proposta, de lei de autorização de receitas e despesas para 1971, na sua orientação geral, segue o rumo a que obedecera, no ano anterior, idêntico diploma.
Assim: visando basicamente, como lhe compete, enunciar os preceitos relativos à autorização geral para cobrança das receitas do Estado e o pagamento das despesas públicas na próxima gerência, bem como a definição dos princípios a observar na elaboração do orçamento das despesas para 1971, a presente proposta de lei pretende situar estes princípios e aqueles preceitos num quadro tão completo e coerente quanto possível sobre as grandes linhas de orientação da actividade financeira do Estado.
Já, teve a Comissão de Economia de se pronunciar sobre a natureza programática assumida pelas propostas de lei de autorização de receitas e despesas. E pronunciou-se favoravelmente, dadas as vantagens evidentes de uma inserção progressiva da gestão a curto prazo nas grandes linhas da política económica e financeira: não desligando do conjunto das providências requeridas pela prossecução dessa política as autorizações orçamentais que ao Governo cumpre pedir nos termos do artigo 91.º, n.º 4, da Constituição, fica enriquecido o alcance daquelas autorizações na medida em que se situam em enquadramento mais válido.
2. Assim se compreende que a proposta, revestindo aquela natureza, tenha de continuar a guiar-se pela generalidade dos objectivos apontados à formulada para 1970. Pois, tal como no ano prestes a findar, em 1971 haverá de adequar a gestão económico-financeira, simultâneamente, às exigências da defesa e da aceleração do desenvolvimento, que, sendo variáveis da nossa política a médio e longo prazos, sempre teriam de estar presentes num programa harmónico de gestão económico-financeira anual, como o expresso por um pedido de autorização orçamental da natureza revestida pela proposta de lei em análise.
3. A actuação político-económica que aquela gestão terá de servir em 1971 enfrenta a necessidade de reforçar a expansão da economia global e, simultâneamente, de reduzir os riscos de desequilíbrios profundos, associáveis no progresso de desenvolvimento, nomeadamente quanto a preços e à evolução dos pagamentos externos.
Compreende-se assim que, embora reflectindo um quadro geral de condições e objectivos semelhantes ao que presidira à elaboração da proposta para o ano corrente, o pedido de autorização para- 1971 ponha maior ênfase nos aspectos conjunturais.
Na verdade, empenhado em potenciar o ritmo de progresso da nossa economia, o Governo propõe-se, para tal, acelerar o investimento, proceder às necessárias transformações estruturais dos sectores produtivos e melhorar o ajustamento da oferta à procura.
Se o primeiro objectivo, por evidente, dispensa qualquer referência adicional, o mesmo não sucede com os demais: as transformações de estrutura, para se inserirem adequadamente no quadro das orientações propostas, não podem surgir desligadas umas das outras, antes exigem uma visão global, de modo a poderem constituir medidas de política com a indispensável coerência. Julga-se não ser aceitável enunciar uma política de reajustamento estrutural do sector agrícola ou industrial independentemente da Consideração dos demais sectores e aspectos envolvidos pela necessidade de modificações de estrutura.
Tudo aponta, por isso, para a necessidade, cada vez mais premente, de considerar globalmente a prosseguir de modo coordenado as providências referidas nos artigos 19.º, 20.º e 21.º da proposta, a que a Comissão de Economia dá o seu acordo. Constituindo factores de perturbação dos preços e da situação externa muitas das inadequações e defeitos das estruturas visadas nesses três artigos, as medidas que enunciam, como os objectives que visam alcançar, têm um significado complexo: ao mesmo tempo que se orientam pela consecução de finalidades de desenvolvimento e expansão, dirigem-se muito significativamente ao campo das nossas dificuldades conjunturais presentes. O mesmo objectivo se pretende, promovendo o melhor ajustamento da oferta à procura, pois, ao mesmo tempo que a política proposta pretende não contrariar o papel expansionista do mercado, visa orientar a evolução dos factores que a influenciam; por esta última via, tenta conseguir-se o máximo de efeito útil sobre o crescimento global aliado a um mínimo de pressões inflacionistas e das consequentes ou associadas distorções económico-sociais. Assim se visa harmonizar objectivos de longo e curto prazo, respondendo, de pontos de vista estruturais e conjunturais, a alguns dos mais agudos e importantes problemas da economia portuguesa actual.
4. A Comissão de Economia considera pertinente esta orientação. Entende, no entanto, que, implicando a sua adopção uma esforço enorme de acompanhamento, coordenação, controle e intervenção no complexo da vida económica e financeira do País, o acordo dado pela Câmara aos princípios por que essa política se determina e à generalidade dos meios enunciados para a prosseguir corre o risco de ficar largamente esvaziado de conteúdo e alcance, se não emitir o voto de que se caminhe o mais ràpidamente possível no sentido de uma coordenação eficiente entre as actuações processadas sobre a vida económica e social em todas as parcelas da Nação Portuguesa.
Paralelamente a este voto, outros devem ser considerados, na mesma, linha de esforço, pelo fortalecimento e dinamização da economia nacional, nomeadamente o de uma actualização rápida e adequada de toda a máquina administrativa, do Estado, a fim de ser possível executar em termos aceitáveis as políticas enunciadas pelo Governo, bem como o voto expresso por esta Comissão no ano anterior, e em que se entende dever insistir no sentido de se vitalizarem e aproveitarem todos os instrumentos de política económica já ao alcance do Governo, sem prejuízo do interesse que revista a utilização de novos instrumentos contemplados na proposta em análise.
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5. Mantendo a sua posição sobre propostas de lei de autorização das receitas e despesas com a natureza programática que se vem acentuando, a Comissão de Economia continua a entender desejável resistir à tentação de aferir pelos seus critérios este ou aquele preceito do pedido de autorização formulado pelo Governo. Procedendo de outra forma, correria o risco de reduzir a eficácia global das políticas enunciadas, quer do ponto de vista estrutural, quer, sobretudo, no plano Conjuntural.
Nestes termos, e mais uma vez, a concessão das autorizações pedidas traduz fundamentalmente o acordo da Câmara aos princípios orientadores da política em que se enquadram as medidas enunciadas a propósito da gestão referida na autorização orçamental.
Tal acordo representará, assim, para este período, um primeiro passo da colaboração da Assembleia no enorme esforço que a todos se pede no sentido de acelerar o progresso económico-social do País, esforço a que a Câmara se associará sem dúvida, dando a maior atenção aos grandes problemas que solicitem a sua intervenção nos vários capítulos de actuação político-económica ora enunciados.
6. Nestes termos, entende a Comissão de Economia que a proposta deve ser aprovada, na generalidade; haverá ainda a considerar, na especialidade, algumas alterações ou aditamentos que foram submetidos a esta Comissão relativamente a aspectos económicos do esforço da defesa e apreciação da lei de desenvolvimento industrial anunciado.
Tendo em vista, porém, que tal aprovação não contraria que se insista na acentuação da necessidade e urgência de certas actuações, a Comissão de Economia propõe que se emitam os seguintes votos:
a) Que se articule a gestão económica e financeira com a formulação e programação da política económica global, à escala nacional;
b) Que, em obediência 4 natureza do pedido formulado, se continue a procurar alargar o estudo e avaliação das receitas e despesas do sector público, de modo a incluir, para além das do Orçamento Geral do Estado, as dos fundos e serviços autónomos, das autarquias locais e da Previdência, em todas as parcelas do território nacional;
c) Que, em obediência aos superiores imperativos da unidade nacional, se dê prioridade à articulação das economias das várias parcelas do mundo português, sem prejuízo dos condicionalismos peculiares de cada uma;
d) Que, a fim de se possibilitar a sua conveniente apreciação pela Assembleia Nacional, os programas de execução anual do Plano de Fomento acompanhem as propostas de autorização de receitas e despesas para o ano respectivo; com as contas públicas devem ser apresentados os relatórios de execução daqueles programas;
c) Que se tomem urgentemente as medidas requeridas para que o instrumental estatístico seja o necessário à formulação e execução políticas do fomento;
f) Que se dê maior relevo à intervenção dos objectivos sociais que orientam a política definida no III Plano de Fomento, nomeadamente os relativos ao problema da distribuição dos rendimentos e da riqueza;
g) Que a concretização das principais políticas por que há-de prosseguir-se a orientação definida na proposta, nomeadamente no que respeita à reestruturação dos sectores fundamentais, como as de orientação agrícola, de fomento e reorganização da indústria, dos circuitos de distribuição e do planeamento regional, seja antecedida de uma conveniente apreciação das suas linhas gerais pela Assembleia Nacional.
Sala das Sessões, 14 de Dezembro de 1970.
IMPRENSA NACIONAL
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