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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58
ANO DE 1970 17 DE DEZEMBRO
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 58 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 16 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa elementos fornecidos pelos Ministérios das Corporações e da Saúde e Assistência, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Machado na sessão de 5 de Fevereiro último, e elementos fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde e Assistência, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Silva Mendes na sessão de 26 do mesmo mês.
O Sr. Deputado Pinto Machado referiu-se às impressões colhidas na sua visita à Universidade de Luanda, em resultado do convite que lhe foi feito.
O Sr. Deputado Del fino Ribeiro preconizou a renovação da Secretaria dos Negócios Chineses de Macau.
O Sr. Deputado Bento Levy, depois de prestar homenagem aos Deputados desaparecidos no desastre da Guiné, referiu-se a diversos problemas da província de Cabo Verde.
O Sr. Deputado Neto de Miranda tratou de alguns dos diplomas legislativos de que em breve a Assembleia se iria ocupar - a proposta de lei sobre a liberdade religiosa, a lei de imprensa e a revisão constitucional, designadamente a última e na parte respeitante ao ultramar.
O Sr. Deputado Lopes da Cruz referiu-se igualmente à prevista revisão constitucional na parte respeitante ao ultramar.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade do projecto de lei acerca da designação pelas respectivas corporações dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa, Veiga de Macedo, Martins da Cruz e David Laima.
O Sr. Presidente, depois de convocar para o dia seguinte as Comissões de Legislação e Redacção e Administração Geral e Local, encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar da Gosta Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
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Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Sal azar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 105 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Dos cabos e cantoneiros de Entre-os-Rios, de apoio à intervenção do Sr. Deputado Alberto de Alarcão sobre os seus vencimentos.
Do presidente da Câmara Municipal de Castro Verde à intervenção do Sr. Deputado Leal de Oliveira, no debate da Lei de Meios, acerca do problema dos montados de azinho.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa elementos fornecidos pelos Ministérios das Corporações e da Saúde e Assistência, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Machado na sessão de 5 de Fevereiro último. Vão ser enviados àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde e Assistência, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Silva Mendes na sessão de 26 de Fevereiro último. Vão ser igualmente remetidos ao Sr. Deputado requerente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Machado.
O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: 1. No termo da passada sessão legislativa fui convidado pelo Sr. Governador-Geral de Angola para visitar a Universidade daquela província, visita que realizei no mês de Maio.
Porque o convite foi dirigido ao deputado e porque, compreensivelmente, tudo quanto diz respeito à Universidade e ao ultramar tem merecido particular atenção nesta Câmara, considero dever apresentar aqui o meu depoimento sobre a Universidade de Luanda. Falando numa assembleia política, situar-me-ei no plano da Universidade como instituição social com fins específicos que a justificam e explicam e com organização própria que lhe possibilita certo estilo de vida, dotado de dinamismo centrífugo e centrípeto que necessariamente a liga de moio íntimo à região, à Nação e ao mundo.
2. Ao contrário ao que alguns pensam, a instituição universitária não surgiu em Angola ex nihil. Como muito justamente afirmou nesta sala, em Abril passado, o Sr. Deputado Barreto de Lara, «o espírito universitário
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existia, faltava só a coragem de o traduzir em lei e fazer a instituição». Coragem, sim, pois todos os apelos e reclamações para a criação de uma Universidade em Angola encontravam oposição ao mais alto nível e dele terão feito incidir olhares de desagrado sobre os seus autores.
Tal como no mundo físico basta por vezes um pequeno toque para que moléculas dispersas se agreguem ordenadamente e se forme um cristal, chegou a determinação lúcida de um homem, o governador-geral Venâncio Deslandes, para que tivesse realidade o que de há muito era pedido, considerado possível, e tido como indispensável ao desenvolvimento e ao reconhecimento da própria dignidade da província. O Decreto-Lei n.º 44 530, de 21 de Agosto de 19S2, que criou os Estudos Gerais Universitários de Angola, mais não foi do que a certidão de nascimento de quem, após longa - demasiado longa! - gestação, por voz própria diz quem é e para que vem.
Demonstrada a qualidade do ensino ministrado, criados e postos satisfatoriamente à prova os meios materiais e humanos indispensáveis à realização de investigação científica séria, assegurada a permanência de docentes diferenciados e o apoio de professores dedicados das Universidades metropolitanas, iniciada com êxito a execução das medidas pertinentes em ordem a rápida - mas idónea - promoção na carreira académica, verificado o aumento, em progressão crescente, da população estudantil, reconhecido, numa palavra, que a instituição universitária estava sólida e definitivamente enraizada em Angola e constituía, simultaneamente, instrumento e testemunho do firme e vigoroso desenvolvimento da província, nada faltava para se consagrar, por via legislativa, uma situação de facto. Surge, assim, o Decreto-Lei n.º 48 790, de 23 de Dezembro de 1968, a criar a Universidade de Luanda, com delegações - sementes de novas Universidades - em Nova Lisboa e Sá da Bandeira.
3. Por vocação, apaixonado pelas questões universitárias e empenhado no progresso da Universidade portuguesa; por ligações da mais estreita amizade com alguns dos seus docentes, observador atento - embora distante no espaço - da evolução do ensino superior em Angola; por consciência cívica, profundamente interessado na promoção integral das gentes do ultramar, sem discriminações de qualquer ordem; por imperativo do mandato de Deputado, sensível aos apelos mais decisivos para o desenvolvimento da Nação: compreende-se o alvoroço que me animava à partida e o desejo de aproveitar a curta permanência em Angola para me inserir, no máximo de profundidade possível, na vida da sua Universidade, modo único de verdadeiramente se conhecer uma instituição. Embora não constituísse para mim surpresa, foi-me grato verificar que isso mesmo de mim esperavam o Sr. Governador-Geral, o Sr. Reitor e todas as autoridades académicas com quem contactei. Fica, pois, desde já expresso que se tratou de jornada de trabalho, totalmente despojada de actos de formal e estéril protocolo, jornada que, da parte de hóspede e de anfitriões, teve o timbre da exigência, da franqueza e da objectividade.
4. A Universidade de Luanda em 1970: O que é? Como é? Que diz e que não diz de si mesma? Que tem e que lhe falta? Que pretende? Que realiza? Que espera? Procurarei responder sumariamente a estas questões essenciais, arrumando os dados e as convicções nas alíneas seguintes:
a) Os homens;
b) As ideias;
c) As realizações;
d) As dificuldades;
e) As aspirações e projectos.
a) Os homens: qualquer instituição é o que forem os homens que a integram. Verdade de evidência cristalina e, contudo, tantas vezes ignorada na prática. O vinho morto não se revitaliza só por ser colocado em pipas novas... Se estruturas erradas podem deformar mentalidades sãs, certo é que mentalidades viciadas pelo egoísmo inutilizam a eficácia de estruturas correctas.
Essencialmente, uma Universidade é o que forem os seus docentes, particularmente os que ocupam funções directivas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta convicção não se apoia em espírito de dirigismo, mas no conceito de autoridade como serviço dos outros e ainda nos dados gritantes do real. No chefe de departamento, no director de curso, no reitor, o que acima de tudo importa é a dedicação apaixonada: é ela o motor que desenvolve continuamente as qualidades próprias indispensáveis de competência e zelo, é ela que dinamiza e forma colaboradores e discípulos, é dela que brota o inconformismo radical com o erro, a luz que descobre respostas adequadas às sempre renovadas solicitações da vida e a energia hercúlea necessária à sua efectivação. O docente universitário autêntico não produz apenas na medida do que lhe pagam, isto é, não se vende.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se exige remuneração justa é como meio indispensável ao desempenho integral da sua missão de libertador do homem pela descoberta das leis do mundo e pela ajuda aos discípulos, para que cada um encontre e realize a sua originalidade ao serviço da edificação de uma sociedade essencialmente justa, radicalmente fraterna, pujantemente criadora.
Encontrei homens destes na Universidade de Luanda: totalmente dados à sua Universidade, conscientes de que estavam sendo obreiros da árdua, penosa, sacrificada - e por vezes incompreendida -, mas entusiasmante e dignificante, construção de uma Universidade em terra nova.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tarefa árdua, penosa e sacrificada, que de muito excede a já não pequena de estruturar, vivificar e desenvolver um serviço, pois se alarga às dimensões da própria Universidade, considerada organismo uno e indivisível, por cuja edificação todos os que a integram são responsáveis e, portanto, chamados, por direito próprio, a participar. Mas tarefa entusiasmante para o vocacionado e dignificante para o cidadão!
Estes homens são o mais precioso aval a garantir o futuro da Universidade angolana, desde que lhes não sejam recusados a confiança e os meios, sem o que não bastam força e engenho humanos.
b) As ideias: a realização é ideia feita, energia criadora de ser. Uma Universidade é criação de uma ideia de universidade: a Universidade de Luanda não pode ser compreendida no seu ser actual e no seu ser prospectivo se não for apreendida a ideia de que jorra e cuja textura apresenta os seguintes pontos nodais: a Universidade é um organismo unitário cujos órgãos se inter-relacionam no cumprimento integrado das funções da instituição; a preparação profissional e científica e a investigação são funções naturais e relacionadas da Universidade, competindo-lhe ainda contribuir para a formação cívica, cultural e física dos seus membros; a Universidade deve
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garantir a actualização e aprofundamento pós-graduados; a Universidade não é um edifício onde se vai, mas um meio criador onde «e vive e de que se vive; a natureza da missão pedagógica da Universidade, cuja qualidade é a medida da autenticidade da instituição, exige o usufruto de todas as condições que permitam a relação personalista entre professores e alunos; a pedagogia universitária é científica, isto é, está orientada para a formação científica básica lata e profunda e para o desenvolvimento da mentalidade crítica objectiva dos estudantes; o contacto directo e a interpelação pessoal da realidade são exigências inalienáveis de uma formação universitária, em face do constante avanço da ciência e do contínuo fluir de novos fenómenos sociais, na maior parte dependentes daquele progresso; a Universidade é construção permanente em que os obreiros são todos os docentes e todos os estudantes; a valia da Universidade não reside em sumptuosidades arquitectónicas nem na riqueza em aparelhos que ninguém utiliza, mas da intensidade e substância da sua vida institucional, dependente esta do mérito (no mais lato sentido) dos professores, da capacidade e motivação dos alunos, da funcionalidade das estruturas materiais e da propriedade do estatuto universitário; cada Universidade é um ser original e inimitável, inserido num meio de características próprias, com o qual deve criar e desenvolver relações íntimas e dinâmicas de solidariedade.
A justeza destes conceitos e a unanimidade que quanto a eles encontrei em docentes, autoridades civis e individualidades pertencentes a departamentos de investigação científica aplicada não integrados na Universidade, (embora com ela colaborando estreitamente) têm um significado cujo alcance não é necessário encarecer.
c) As realizações: embora por imperativos da lei, enquadrada nas linhas definidoras da Universidade portuguesa, a Universidade de Luanda tem personalidade própria, e em muitos e importantes aspectos distingue-se do modelo estereotipado metropolitano. Factores diversos na natureza e proveniência - muitos deles resultantes de carências e limitações graves que desde início houve que realistamente enfrentar - possibilitaram a aplicação, em grau variável, dos princípios anteriormente enunciados, o que imprimiu à Universidade de Luanda a sua tipicidade. Desses factores saliento os seguintes: Legislação mais flexível do que a que espartilha as Universidades da metrópole nas dimensões pedagógica, científica e administrativa; ausência de forças tradicionais a frenar a busca e estabelecimento de fórmulas inovadoras de ensino, investigação, organização e gestão; juventude da grande maioria do corpo docente; concessão do regime de tempo integral a todos os docentes que o solicitam; proporção docentes/discentes favorável a um ensino activo; intercâmbio pedagógico e científico com departamentos de investigação não universitários da província; participação, por direito próprio, do reitor da Universidade no Conselho Económico e Social da província; profundo interesse do Governo-Geral pelo progresso da Universidade.
O visitante conhecedor e atento que percorre a Universidade de Luanda colhe as seguintes impressões dominantes: ideias lúcidas dos docentes quanto a fins, organização e ligação da Universidade com o meio social; dedicação exclusiva de muitos docentes à Universidade; tempo integral dos alunos, com utilização dos laboratórios para o estudo pessoal fora das aulas; ausência de barreiras entre » informação teórica e a aplicação prática dos conhecimentos, obrigando esta, sempre que necessário, à transferência das salas de ensino para os espaços imensos da planície ou montanha, onde se encontram os minérios, os parasitas e a agro-pecuária em seu meio próprio; estreitos laços de convívio entre docentes e discentes; participação activa dos alunos no acto pedagógico; instalações arquitectònicamente modestas, mas satisfatoriamente funcionais, com bom e até excelente apetrechamento, efectivamente utilizado no ensino e investigação; acentuado e até entusiástico interesse pela vida da Universidade em todos os seus aspectos; cordialidade das relações entre os docentes; espírito crítico muito vincado (uso o termo crítico no seu significado etimológico de julgamento objectivo); serviços sociais em franco crescimento, com larga participação dos alunos na sua gestão; vida circum-escolar activa; consciência esclarecida da importância e papel da Universidade no desenvolvimento da província.
Tem sido possível, assim, ministrar, com dignidade, o ensino nos cursos de Medicina, Engenharias (Civil, Electrotécnica, Mecânica, Químico-Industrial, de Minas), Ciências (Matemática, Física, Química, Biologia, Geologia), Veterinária, Agronomia e Silvicultura e Letras (Filologia Românica, História e Geografia).
d) As dificuldades: não se infira do exposto que a Universidade de Luanda não tem deficiências sérias e não enfrenta problemas preocupantes. Aliás, da parte dos seus responsáveis não houve intenção de encobrir o que falta e o que não está bem; pelo contrário, tiveram a honesta determinação de mostrar mais as necessidades que as sufi ciências.
Independentemente de dificuldades e mazelas decorrentes da nossa legislação universitária, e que, portanto, compartilha com todas as Universidades portuguesas - é o caso, entre outros, dos currículo, dos cursos e dos critérios de promoção dos docentes -, a Universidade angolana enfrenta problemas específicos, resultantes, uns, de carências de origem que ainda não foi possível suprir e, outros, fruto da sua própria expansão.
De entre esses problemas avulta o dos docentes quanto a quantitativo e diferenciação dos integrados no quadro permanente da Universidade. Realmente, proporção importante, embora minoritária, dos docentes actuais encontra-se em regime de comissão de serviço e de itinerância. Ora, o firme incremento da população estudantil (286 alunos em 1963-1964, 1493 em 1969-1970, previstos 2000 para 1971-1972 e 4000 para 1974-1975) e a necessidade de criar novos cursos que satisfaçam os apelos de desenvolvimento da província (já funciona o 1.º ano do curso de Economia) impõem o abandono progressivo de soluções provisórias de emergência, tanto mais que a situação gravemente deficitária em pessoal docente das Universidades da metrópole não lhes permitirá dar o apoio decisivo que, creio, sentem dever e gosto de prestar.
Os motivos citados tornam também urgente o abandono das actuais instalações provisórias e a utilização das construções definitivas projectadas. Os edifícios em uso, embora funcionalmente bem concebidos para o tempo em que foram criados, são já de dimensões acanhadas, e, dispersos, obrigam os alunos a deslocações que comprometem a eficiência do ensino. Acresce que alguns pavilhões são utilizados a título de empréstimo.
As acentuadas diferenças, da mais variada ordem, entre a metrópole e Angola e a problemática muito distinta de Universidades sedimentadas no decurso de longo e venerando passado - em que, consequentemente, a força do que foi é preponderante - e de uma Universidade nova - dinamizada pelo incentivo do que será - exigem que a Universidade de Luanda seja considerada na personalidade própria do seu ser e do meio em que está inserida e a que está estreitamente ligada. E de desejar, pois, da parte do Governo, uma dupla atitude de diferenciação e de descentralização.
e) Os projectos e aspirações: a Universidade de Luanda pretende vivamente constituir, pelo cumprimento integral
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das suas finalidades específicas, elemento válido de progresso humano, regional e nacional, e Contribuir, pela sua mensagem cultural, para o estabelecimento de uma ordem entre as nações segundo os princípios da dignidade e da solidariedade dos povos. Espera, do Governo e das Universidades da metrópole, uma atenção permanente e um juízo objectivo do seu labor e crê, pela obra já realizada, ser merecedora de confiança e apoio. Designadamente, pede ao Governo mais autonomia no que fundadamente se lhe afigura ter competência para escolher e rapidez e clareza na formulação das superiores opções que aos governantes cabe assumir; às Universidades da metrópole solicita a continuação, e se possível maior eficácia, do apoio prestado e o auxílio da sua crítica autorizada.
Sem prejuízo da colaboração, cuja valia reconhece e agradece, de professores da metrópole, é política da Universidade de Luanda ir estruturando os seus quadros docentes próprios a partir de licenciados residentes na província, nomeadamente dos que, nela diplomados, lhe estão cultural e afectivamente unidos.
Em devido tempo, a Reitoria apresentou superiormente o projecto das instalações definitivas da Universidade de Luanda, cuja concretização integral foi prevista para 1975. Circunstâncias diversas atrasaram a realização da primeira fase de trabalhos o que, dado o já referido aumento do número de alunos, pode prejudicar seriamente o ensino e a investigação. Espero que, no momento em que falo, as dificuldades tenham sido resolvidas; caso contrário, apelo para o Governo para que actue decisivamente na sua pronta remoção.
Consciente das suas pesadas responsabilidades e da confiança nela depositada, ponderando os problemas em todas as suas implicações, encarando, realistamente, capacidades, necessidades e limitações, procurando resolver em profundidade as dificuldades que enfrenta, a Universidade de Luanda, na simplicidade de quem está só para servir, vai agindo com segurança no presente, olhos postos em horizontes longínquos de futuro.
O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Na sessão solene de inauguração do ano lectivo de 1968-1969 na Universidade de Luanda, o reitor, Prof. Ivo Soares, afirmou:
Em Angola encontrámos [...] uma rara oportunidade de ensaiar e prosseguir, nos limites das opções estabelecidas, experiência modernizadora da Universidade...
E no discurso que pronunciou na posse do novo reitor da Universidade de Lourenço Marques, Prof. Vítor Crespo, o Sr. Ministro da Educação Nacional disse:
... as Universidades ultramarinas deverão ser um campo experimental, ensaiando métodos fundamentados nas realidades locais que lhes permitam caminhar à frente do movimento universitário português, gizando estruturas que possam constituir passos decisivos na renovação da Universidade.
Regressei com estas mesmas convicções da minha visita a Angola.
O Sr. Miller Guerra: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Miller Guerra: - Tenho ouvido com muita atenção o Sr. Deputado Pinto Machado acerca da Universidade de Luanda. Eu mesmo visitei essa Universidade, assim como a de Lourenço Marques, e tenho acompanhado, tão de perto quanto possível, não só a sua fundação, como o seu desenvolvimento e estado actual.
Pode-se tirar daqui um argumento contrário àquele que algumas pessoas, como eu, defendem, de que as Universidades não se auto-reformam, dizendo que as Universidades do ultramar são Universidades novas e diferentes, e, portanto, não é preciso inovar, mas tão-só repetir.
Ora, eu sustento que é mais um exemplo da necessidade de uma fundação de novas Universidades noutros moldes, com gente nova e ideias novas. Alguns dos defeitos aqui apontados pelo Sr. Deputado Pinto Machado e outros que ele não disse e que eu conheço e outras pessoas também provêm justamente da semelhança, direi quase da cópia, que se fez das Universidades continentais nas Universidades do ultramar: o mesmo centralismo, o mesmo predomínio da burocracia, o mesmo modelo pedagógico. E se elas são diferentes, deve-se isso a várias razões: a primeira, é a distância a que se encontram do Campo de Santana; a segunda, é a idade das pessoas docentes que foram para lá ensinar (algumas delas de certo modo inconformistas com a rigidez das Universidades metropolitanas, aí encontraram um campo de expansão que era difícil encontrar aqui); em terceiro lugar, a felicidade que houve de encontrar reitores, cujos nomes já foram pronunciados - refiro-me particularmente aos Doutores Veiga Simão e Ivo Soares -, que têm impulsionado as Universidades de uma maneira excepcional. Além disso, contaram geralmente com facilidades que encontraram nos governadores e com o bom acolhimento das populações.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Miller Guerra: - Por consequência, as Universidades do ultramar são um exemplo de vitalidade, mas de vitalidade que não colhe se essas Universidades fossem fundadas na metrópole, ao pé das Universidades tradicionais, porque foram as circunstâncias, e não as estruturas ou as intenções, que as têm feito um tanto diferentes das metropolitanas. Mas mesmo assim, as resistências que encontram e o modelo a que obedecem reflectem defeitos de origem.
O Orador: - Sr. Deputado Miller Guerra, estou inteiramente de acordo com o que V. Ex.ª acaba de dizer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: No notabilíssimo discurso que proferiu na sessão plenária de encerramento do 1.º congresso das várias etnias da província, em 3 de Agosto do ano corrente, o Sr. Governador da Guiné, general António de Spinola, afirmou que a luta armada mais não visa que criar e manter as condições de segurança indispensáveis à vitória na batalha da paz, caracterizada esta pelos seguintes princípios: respeito absoluto pelo mais puro conceito de justiça social; respeito pelas tradições e cultura africanas; fomento económico e social em benefício de todos; integração progressiva das estruturas étnicas nas estruturas administrativas da província («e um dia virá em que estas duas estruturas formarão um todo indissociável e em que a administração desta parcela da Pátria possa ser conduzida, em mais elevado grau, por portugueses filhos da Guiné»). Este espírito está conforme com o genuíno modo português de estar no Mundo, é o mesmo que inspira a proposta de revisão constitucional apresentada a esta Assembleia pelo Governo, no que ao ultramar se refere.
É a autêntica paz - construção de uma comunidade de irmãos - que, do que de mim é mais eu, desejo para
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Angola, e estou convicto de que, quando todas as etnias da província, e segundo a sua expressão demográfica - no pleno desenvolvimento da política que vem sendo seguida -, nela tiverem ingresso, a Universidade de Angola será instrumento decisivo na luta por essa paz e sinal seguro de vitória.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Delfino Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A diversidade de civilizações, culturas e mentalidades e a multiplicidade de línguas e idiomas exclusivos ou dominantes em cada região, que àquela acresce como agravante, impedem por vezes e amiúde dificultam a aproximação e compreensão entre os que, provenientes de diferentes latitudes, se vêem impelidos à mútua convivência por razões cumulativas ou isoladas de ordem espiritual e material.
Tal facto - hoje mais evidente e agudo devido ao progresso científico que, encurtando distâncias, torna o Mundo mais de todos e as necessidades ilimitadamente mais vastas - sempre constituiu preocupação dos governantes, mormente das potências que se abalançaram a descobrir novas terras e novas gentes.
Daí o recurso a indivíduos que, conhecedores da língua alheia e da sua maneira de ser e agir, garantissem, oralmente ou por via de escrita, a recíproca transmissão de ideias e pensamentos, servindo de elos de ligação e, em muitos casos, até de conselheiros.
Rasgaram-se, por conseguinte, no campo das relações humanas, novos horizontes, cujas fronteiras, primitivamente limitadas pelo factor linguístico e enquadradas em compartimentos estanques, se alargaram de molde a permitir uma sociabilidade universal e o melhor aproveitamento do que a vida pode proporcionar.
As considerações acima aduzidas assumem permanente actualidade num país que, como o nosso, assenta a sua unidade numa descontinuidade geográfica propícia a convívios multirraciais entre os seus próprios filhos e as relações com comunidades que alberga ou com povos que são seus vizinhos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como exemplo vivo, Macau.
A lição do seu passado - válida face às realidades palpáveis do presente e ao delineamento do futuro - dita a imprescindibilidade de sinólogos, cuja existência se prende à província, indissoluvelmente, e de modo sempre crescente, atenta a progressiva desproporção demográfica entre chineses e portugueses.
Conhecidos nos tempos antigos por «jurubaças», a estes técnicos cabia inicialmente o encargo de auxiliarem e aconselharem o Senado na boa administração do município e, mais tarde, a qualidade de intermediários nas nossas relações comerciais e diplomáticas.
A estruturação da máquina administrativa integrou-se, em 1865, numa secção da Procuratura dos Negócios Síndicos, departamento que, como tribunal, conhecia «todas as causas-crimes, civis e comerciais» em que fossem litigantes «chinas ou entre estes, como réus, e o Ministério Público ou indivíduos de outra nacionalidade». Sobre o seu procurador recaíam ainda funções administrativas «com as honras e categoria, de administrador do conselho» e funções políticas concernentes, no dizer da lei, a «relações com todas as autoridades subalternas do império chinês, com as quais se não corresponde directamente o governador da província, mão devendo trocar com tais autoridades correspondência de importância internacional sem prévio conhecimento e autorização do mesmo governador».
À referida secção, composta de «intérpretes sinólogos, alunos intérpretes, letrado e ajudante, e amanuenses», competia, segundo as próprias palavras do mesmo diploma, «o trabalho da versão dos escritos chineses para português e vice-versa, quer digam respeito os mesmos escritos a negócios privativos da Procuratura, quer tratem de negócios a cargo do governador da província ou do Ministro de Sua Majestade Fidelíssima nas suas relações com as autoridades superiores da China».
O aumento da população e o crescente acréscimo das solicitações reclamadas a esse corpo de intérpretes e tradutores conduziram, em 1885, à criação da Repartição do Expediente Sínico, que, destinada a servir de auxiliar de todas as repartições públicas da província nas suas relações com os Chineses, passou, em 1926, com a publicação da Carta Orgânica de Macau, a denominar-se Repartição Técnica do Expediente Sínico, ficando integrada na Direcção dos Serviços de Administração Civil, de que veio a emancipar-se em 1936.
Não se limitavam as suas atribuições a meras traduções. A amplitude da sua actividade, que levava esse departamento a intervir em pleitos judiciais, na instrução preparatória de processos-crimes, em actos notariais, de registo civil e em quaisquer outros que envolvessem interesses chineses, também se manifestava na informação do movimento político, económico e social da China, no envio de técnicos para as nossas representações diplomáticas e consulares em Pequim, Changai e Cantão, e, com a Junta de Inspecção das Escolas Chinesas, na superintendência dos estabelecimentos particulares onde se ministrava o ensino daquela língua.
A despeito de se tratar de uma carreira árdua que requeria, após o aproveitamento completo dos estudos liceais, oito anos de aprendizagem, em que se incluíam o pequinense, o cantonense, a literatura e os usos e costumes chineses, não faltava quem a abraçasse.
E deste modo dispôs Macau de um escol de sinólogos, cuja relevante acção muito facilitou e prestigiou a gestão pública, fortemente vincando a personalidade da nossa presença naquela parcela asiática.
Salvaguardada a dignidade desse departamento, alcançada a sua eficiência e assegurado o interesse dos seus servidores, era pois de esperar que a Administração imprimisse ao serviço feição e meios de acção condizentes com as influências decorrentes das transformações do meio social.
Tal não sucedeu, porém.
Poucos anos depois, em 1941, e precedido de um singelo e seco intróito, em que se referia que, «tendo em vista as circunstâncias especiais de Macau e muito convindo, por isso, de acordo com o respectivo governador, reorganizar alguns serviços», o Decreto n.º 31 741 declarava extinta a Repartição Técnica e determinava que os assuntos a seu cargo passassem a ser tratados por uma secção especial da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil.
A esta medida, que julgamos infeliz porque completamente divorciada das invocadas «circunstancias especiais de Macau», seguiram-se outras que, directamente referentes à criação de novos serviços e à remodelação de alguns, vieram lançar em crise o expediente sínico.
Diminuída em importância e acção, cerceadas as possibilidades de acesso do seu pessoal e colocado este em posição de inferioridade relativamente aos funcionários pertencentes a determinados serviços de fresca orgânica - habilitações exigidas inferiores, quadros amplos, pró-
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moções rápidas e trabalho menos complexo e delicado -, precipitaram-se as aposentações e sucederam-se as transferências, mantendo-se por preencher as respectivas vagas. A título exemplificativo, esclarecemos que de 1941 para cá, ou seja, num período de vinte e nove anos, se matriculou na escola que serve o expediente sínico menos de 1 aluno por ano, tendo apenas 9 concluído o curso. Isto, apesar de a sua duração haver baixado para seis anos, de o seu programa ser mais simples e de as qualificações para a sua frequência terem passado do 3.º para o 2.º ciclo liceal ou equivalente.
O problema esboçado vem figurando na agenda das atenções do Governo provincial, com o habitual interesse do Ministério do Ultramar.
Revela-o o Decreto n.º 48 420, de 5 de Junho de 1968, que, conservando o serviço anexo à Repartição Provincial dos Serviços de Administração Civil e alterando a sua nomenclatura para Secretaria dos Negócios Chineses, alargou apreciavelmente o seu corpo técnico e beneficiou a situação dos que o constituíam.
As dificuldades, porém, subsistem por diversas razões e, porventura ainda, porque, condicionada a execução dessa providência legislativa às disponibilidades orçamentais, continuam por dotar onze lugares - o de secretário, quatro de intérprete-tradutor de 8.º classe, dois de aspirante a intérprete-tradutor, dois de letrado de 3.ª classe, um de letrado auxiliar e outro de dactilógrafo.
Neste sentido depõe a recente aposentação de dois técnicos e, com particular eloquência, a circunstância de três dos novos lugares dotados se encontrarem até hoje desocupados.
Sabemos que se está procedendo a estudos em demanda da terapêutica apropriada.
Daí esta intervenção, em que reunimos os nossos melhores votos por que se surpreendam e dissequem as raízes do mal, a fim de que este possa ser estirpado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para tanto, será contra-indicado enveredar-se pelo caminho de meias soluções ou medidas parcelares e isoladas, no sentido de uma mera melhoria ou modernização, havendo, sim, que rever, reorganizar, reformar, sem esquecimento dos indispensáveis estímulos produtores de eficaz motivação psicológica nem do aumento de eficiência e rendimento do serviço.
Nesta base, alvitramos que a renovação da Secretaria dos Negócios Chineses abarque:
A autonomia perdida;
A sua equiparação aos serviços, que foram objecto de remodelação nos últimos anos, por forma a evitar desequilíbrios sectoriais na Administração;
O alargamento das suas atribuições e melhor definição das que lhes estão cometidas;
Outro arrumo da escola de intérpretes-tradutores, com a actualização e enriquecimento do programa e elevação do nível do corpo docente, em ordem à formação acelerada de técnicos e ao aperfeiçoamento profissional dos melhores;
Perspectivas mais vastas de .promoção ou, na sua impossibilidade, subida de categoria funcional em atenção ao tempo e qualidade do serviço prestado;
E a concessão, a título de emolumentos, de uma percentagem sobre as receitas que para o Estado ora revertem das traduções.
Aqui fica a sugestão, determinada pelo convencimento de que nenhum contributo é de mais para um serviço que, no exercício quase sempre discreto das suas funções, tanto fez e tanto tem ainda que fazer para o bom entendimento entre as comunidades portuguesa e chinesa de Macau, em prol do acerto e prestígio da nossa Administração.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente: Ao iniciar a minha actividade nesta sessão legislativa, não posso deixar de comungar com especial sentimento na dor que atingiu a Câmara com a perda dos Deputados que desapareceram no desastre ocorrido na Guiné, apesar das manifestações já produzidas, com brilho, por ilustres oradores desta Casa.
É que eles estiveram antes em Cabo Verde e mostraram real interesse pela vida das ilhas, contactando com as populações, para deixar nelas uma extraordinária simpatia e apreço.
Pinto Leite e Pinto Bull eram velhos amigos. Leonardo Coimbra e Vicente Abreu foram novos amigos que as ilhas perderam, sentindo profundamente o seu desaparecimento.
Deixo-lhes aqui ficar uma palavra de saudade e de agradecimento, extensivo ao Dr. Covas de Lima, cuja morte foi por certo apressada pelo desgosto sofrido.
Tenho a certeza de que, em vez de dois, seríamos nove Deputados por Cabo Verde, tanto foi o interesse que todos manifestaram pelo arquipélago, que percorreram em condições incómodas e precárias, interessando-se pelos seus problemas, pelos seus anseios, pelas suas potencialidades.
Ficámos quatro. Três deles - o Dr. Cancella de Abreu, o Dr. Lopes Frazão e o Prof. Salazar Leite - preencherão, com o brilhantismo que me falta, os lugares vazios deixados pelos que a morte levou, proporcionando à Câmara e ao País um melhor conhecimento das ilhas, cujas populações não deixarão de lhes manifestar a sua gratidão e jamais esquecerão esta presença tão útil.
Não obstante o desgosto que todos sofremos, resta-me esperar p proveito da efectivação da ideia que lancei, desde a primeira vez que falei nesta Casa - em Janeiro de 1962 -, de os Deputados visitarem o ultramar.
O que então preconizei deu já seus frutos pela palavra autorizada e distinta do Dr. Cancella de Abreu, que soube focar com brilho e isenção um panorama do arquipélago digno de todos os encómios.
As minhas homenagens ao ilustre Deputado.
Sr. Presidente: Cabo Verde está em crise! Crise por falta de chuvas - crise por uma seca que dura há três anos consecutivos e que naturalmente atingirá este ano uma acuidade superior à verificada anteriormente. Há trinta e três anos que vivo em Cabo Verde, onde aliás nasci, e nunca vi uma seca semelhante, apesar de ter assistido às consequências dolorosas de duas delas, que foram verdadeiras catástrofes.
Não venho reclamar, não venho protestar, nem exigir, nem mendigar.
Antes direi que não há fome em Cabo Verde e proclamo-o por dever de consciência, para que o País o saiba e para que os nossos inimigos do exterior, principalmente, não especulem com uma situação que, sendo melindrosa, nada tem de alarmante nem fundamentos para as deturpações habituais.
De resto, gostaria de saber a quem os «libertadores» de Cabo Verde iriam hipotecar - ou vender a independência das ilhas, em especial agora nesta conjuntura. Havia de ser bonita... a libertação!...
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Não. Não há realmente fome em Cabo Verde e para a evitar as ilhas não precisam de ser hipotecadas. Ali também é Portugal e a integridade nacional não se defende apenas com armas na mão. A vida normal e calma que se observa nas ilhas mais atingidas é o resultado de um sistema de auxílio às populações sincronizado nos mínimos pormenores.
Deponho com conhecimento directo da situação, pois venho de Cabo Verde. Tive o cuidado de percorrer a ilha de Santiago e verificar o que se passa.
Simplesmente desolador! Tudo seco. Toda a faina de um ano de esperança persistente se perdeu! Não se pode contar com um grão de milho!
No entanto, a população não sente os efeitos de tão grave calamidade.
O Governo está, realmente, senhor da situação. Em vez de aguardar o desencadeamento dos resultados, que seriam desastrosos, com a perda de milhares de vidas, preparou-se para o ataque imediato, detectando desde logo o estado nutricial dos atingidos, para acudir a tempo, proporcionando-lhes trabalho útil e prevenindo os abastecimentos, de forma a não faltarem. O brigadeiro Lopes dos Santos, recentemente governando a província, não se limitou a visitar as ilhas em mera cortesia. Estudou o meio em que tem de actuar e em pouco mais de um mês estava preparado e documentado para fazer frente ao desenrolar do ano, quaisquer que fossem as situações a resolver. Infelizmente, veio o pior, mas estou convencido de que a tormenta passará sem que tenhamos de lastimar perdas de vidas ou actuações inúteis para o desenvolvimento das ilhas.
Claro que vão surgir dificuldades. A tarefa não é fácil e um dos mais difíceis obstáculos a vencer será abastecer a ilha mais flagelada pela seca - a de Santiago, precisamente a maior e com uma população que atingia em Setembro último os 121 762 habitantes, pouco menos que metade do total das nove ilhas habitadas, calculado em 266 691. A agravar a situação, a inexistência de um cais acostável na ilha será um dos factores concorrentes.
Há anos que me venho batendo pela construção desse cais na Praia - capital da província -, e vamos agora sentir, mais do que nunca, as consequências da sua falta.
O cais da ilha do Fogo é uma realidade. O da Praia também tem de o ser. Desde 1961 ou 1962 que é uma promessa. Desde 1961 ou 1962 que a sua construção vem sendo objecto de estudos.
A velha ponte, sem resguardo, numa baía assoreada e de calemas frequentíssimas, não pode realmente manter-se. As companhias não seguram a carga e quando o fazem são tais as cláusulas cautelares que o seguro se torna proibitivo ou inútil. A indústria, tão necessária ao progresso económico do arquipélago, não se desenvolve, porque, exigindo maquinismos e apetrechamento, ninguém se afoita à sua importação por impossibilidade do seu desembarque na Praia, onde se chega à improvisação de jangadas para conseguir pôr em terra um simples camião.
E que dizer do comércio? E que dizer sobre a exportação? E que dizer das bagagens e dos riscos a que estão sujeitas as vidas dos que têm de embarcar ou desembarcar?
Sr. Presidente: A metrópole tem despendido milhares de contos em Cabo Verde. Dentro da solidariedade que enforma a unidade nacional, agora mais que nunca, impõe-se essa solidariedade.
Mas não vamos fazer as chamadas «obras de crise». Vamos continuar, como se está fazendo, a proporcionar trabalho - não para matar a fome aos que necessitam, mas para criar condições de vida progressiva e de aproveitamento das potencialidades existentes - capazes de provocar um desvio da rotina e do fatalismo de termos de viver sob o signo da chuva que não vem.
Uma dessas obras, aliás em agenda, é o cais da Praia. Pois vamos fazê-lo, proporcionando trabalho directo a algumas centenas de pessoas, a reflectir-se no seu passadio doméstico, com certo alívio das muitas preocupações que nos esperam.
O que é preciso é encontrar uma solução definitiva, uma solução válida, que dê para o futuro, sem nos apegarmos aos condicionamentos actuais, pois as limitações do movimento do porto da Praia são uma resultante de... praticamente não haver porto...
Ponho este aspecto porque num recente relatório que tive a oportunidade de consultar discutem-se soluções que me parecem de ponderar, pois há uma tendência evidente para o menor custo da obra, tendo em vista uma situação que pode ser actual, mas que dentro em pouco está inteiramente ultrapassada.
O primeiro ponto de divergência referia-se ao esquema de um cais ao correr da vaga, isto é, sem abrigo. É mais barato, mas chega-se a esta prevenção: o cais não poderá ser utilizado, em média, durante 155 dias em cada ano I Quer dizer, além de outros inconvenientes, como o enxovalhamento quase permanente do cais, tudo a criar ambiente de desconfiança, termos já como certo que em cada ano só teríamos cais durante cerca de metade do correspondente período - isto sem contar com factores psicológicos de receio de atracar, não fosse a acontecer que tanto se fizesse, precisamente num dos tais 155 dias em que o cais não seria praticável. Iríamos assim gastar um dinheirão, apesar de menos oneroso, para continuarmos sem cais...
ou com cais, mas sem rendimento...
Quanto ao dimensionamento, duas soluções: cais fundado a (-7,50 m) e cais a (-9,00 m). Sente-se de novo a inclinação para o mais barato, mas com razões que, salvo o devido respeito e penitenciando-me pela minha ignorância destas coisas, não convencem.
Uma dessas razões é que os navios que demandam presentemente o porto da Praia não precisam de um cais com cota de fundação que vá além de (-7,50 m). Antes de mais nada, esses navios estão velhos e são de uma incomodidade e tão vagarosos que até parece impossível que se mantenham ao serviço. Depois, se já estavam assim condenados, agora têm mesmo que desaparecer da circulação.
De facto, uma oportuna decisão do Sr. Ministro da Marinha manda fundir várias empresas, entre as quais a que serve Cabo Verde, o que nos permite prever a ida à província dos barcos que fazem as ligações com as de Angola e Moçambique, com um maior calado, a exigir, portanto, uma cota de fundação superior e uma extensão de cais que corresponda ao seu comprimento.
Porque estou informado de que se vai abandonar a solução «cais ao correr da vaga», vejamos as estimativas do cais com abrigo:
150 m de cais a (-7,50 m) e 80 m de cais a (-5,00 m) - 55 000 contos;
150 m de cais a (-9,00 m) e 90 m de cais a (-9,00 m) - 57 000 contos.
200 m de cais a (-9,00 m) e 90 m de cais a (-9,00 m) - 65 000 contos.
Pelas razões expostas, o cais a (7,50 m) já não é de prever, nem se deverá executar, sob pena de até os actuais navios não poderem atracar.
Entre a previsão intermédia e a terceira, que, não sendo óptima, é a que pode satisfazer necessidades futuras, vai uma diferença de custo de 8000 contos.
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O Sr. Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Cancella de Abreu: - Poderia V. Ex.ª informar-me, nesta outra hipótese, quantos dias é que o cais da Praia deixaria de poder ser utilizável?
O Orador: - Realmente a pergunta tem oportunidade e sobretudo permite-me esclarecer a Câmara. Embora não tenha tomado nota directamente na minha intervenção, posso dizer a V. Ex.ª que o cais (-9,00 m), dá uma utilização de 350 dias por ano. Quer dizer que, em relação ao cais referido anteriormente, que não seria praticável durante 155 dias, teríamos um cais que só durante cerca, de 15 dias não poderia ser utilizado em cada ano.
O Sr. Cancella de Abreu: - Muito obrigado. A informação de V. Ex.ª é bastante elucidativa.
O Orador: - Muito obrigado eu, por me ter proporcionado este esclarecimento.
Ora, onde se despendem 57 000 contos, 8000 a mais pouco é, sendo certo que não podemos esquecer, além do mais, que as tentativas de turismo de passagem em Santiago falharam escandalosamente em face da forma inusitada e imprópria como os passageiros conseguem alcançar terra pelo porto da Praia. E o turismo é uma indústria em que de forma alguma podemos deixar de insistir.
E não se diga que o porto da Praia não dá, que o seu movimento não compensa o dispêndio, ou que não o justifica.
Os números são fastidiosos, mas já que eles «falam como gente», permita-se-me uma rápida citação a demonstrar a evolução que se vem operando e a necessidade de nos prepararmos para o futuro.
O mapa dos rendimentos arrecadados na circunscrição aduaneira da Praia passou, em curva sempre ascendente, de 8 601 578$ em 1964 para 21 262 949$ em 1969 - de 338 navios entrados em 1967 passou-se para 362 em 1969 -, e note-se que os barcos fogem de ir à Praia. A carga descarregada subiu de 16 242 t em 1967 para 44 858 t em 1969. Carregaram-se 9485 t e 12 855 t, respectivamente, nesses dois anos - isto sem indústrias palpáveis e com uma agricultura praticamente limitada à exportação da banana. O movimento de passageiros revela também entre os dois anos considerados um aumento de 2874 para 4970 desembarcados e 3585 para 8344 embarcados. Foram 3326 e 5755 os passageiros em trânsito, também em 1947 e 1949. Estes não desembarcaram por falta de meios próprios e consequente receio. Mas com um cais não deixarão de o fazer, dando vida à ilha, com incidência no seu comércio, nos transportes, etc.
Os números demonstram que o movimento no porto é nitidamente ascendente, não obstante as precaríssimas condições em que esse movimento se processa, o que deixa concluir que seria muito maior se tais Condições fossem eficientes.
Mesmo que estagnássemos e mantivéssemos apenas as carreiras dos actuais navios -o que não é de conceber - com uma receita de 21 000 contos, em cinco anos estariam largamente compensados os 65 000 da estimativa do custo de um cais que não pode ser projectado pana hoje. O desenvolvimento económico que necessariamente há-de surgir dos dispêndios que o País vem fazendo na província impõe uma, solução que permita acompanhar esse desenvolvimento estreitamente ligado à existência do cais.
Acrescentarei que, sem uma estruturação ainda capaz, a receita própria da exploração do porto da Praia, quer dizer, sem contar com aquelas que hão-de acrescer e lhe têm de ser atribuídas como organismo autónomo, tiveram uma subida de 1 465 560$70 em 1967, alcançando em 1969 a soma de 4 921 314$.
Tanto significa que, mesmo a tratar-se de um negócio particular, em vinte anos estava pago o cais, cobrindo-se as despesas, com margem para lucros, isto só contando com as receitas actuais que necessariamente hão-de aumentar - insisto - com uma exploração capaz de garantir a segurança e a celeridade das operações.
Ora, vinte anos é o tempo normalmente Calculado para ressarcir o capital empregado num simples prédio urbano...
Eu bem sei que não estão feitas as estimativas das obras complementares, mas um cais não pode ser construído para menos de cem anos.
Deixemo-nos, pois, de receios infundados. Temos o exemplo do cais de S. Vicente, que, inaugurado há menos de dez anos, já não chega para as necessidades.
Não insistamos em obras que custam, afinal, e mesmo assim, rios de dinheiro e não dão o rendimento compensador por que continuamos a viver o dia de hoje, sem nos convencermos de que temos de projectar para uma progressiva evolução que necessariamente se há-de operar.
De outra maneira, continuaremos obrigando o Sr. Engenheiro Araújo Correia a lamentar-se - com razão - de que o País emprega vultosos capitais na província e que não se vêem resultados.
Sr. Presidente: Sou um leigo na matéria exposta. Nada sei de engenharia e muito menos de portos, que me dizem ser uma especialidade muito delicada. Colhi elementos para um raciocínio preventivo, e porque me pareceu oportuno aqui o deixo ficar com estas palavras do Prof. Marcelo Caetano, que reputo pertinentes e reproduzo com a devida vénia:
Toda a solução de um problema fundamental que não ressalvara o máximo de possibilidades de acção futura e de aproveitamento futuro de recursos é errado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Neto Miranda: - Sr. Presidente: Meditar sobre factos, do que muitas vezes andamos arredados, creio ser a melhor forma de valorizar a nossa inteligência, aperfeiçoar a nossa crítica, praticar justiça.
Assim, em breves minutos, mas que julgo indispensáveis por o lugar e o momento serem adequados, irei percorrer caminhos velhos com ideias renovadas, tendo em vista pensamentos políticos que ultimamente tiveram percussão em parcelas nacionais mais distantes e que integram a Nação: o ultramar.
E também o faço porque, dentro do esquema político que preside à res publica, não pode ser indiferente a uma parte, ainda que directamente lhe não respeite, o que constitui o fio condutor da unidade daquelas.
Os factos mais salientes que ultimamente ocorreram e que interessa acentuar correspondem a atitudes deliberadamente assumidas, como actos de governo, que assinalam a prevalência desta Câmara na definição político-legislativa do todo nacional. Por outras palavras, parece que o Governo sentiu que teria sido chegado o momento de reconduzir a Assembleia Nacional à sua verdadeira di-
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mensão, entregando-lhe para discussão e decisão propostas de dei que interessam a toda a Nação na sua realidade política. Quero referir-me, além de outros diplomas de aplicação mais restrita e que já no período da última sessão foram submetidos à Assembleia e se mantêm em discussão, às propostas de lei sobre a liberdade religiosa, a lei de imprensa e a revisão constitucional.
Qualquer destas propostas traduz uma iniciativa governamental que,, visando fins de actividade intelectual e política, considera o exercício da liberdade e estabelece normas fundamentais da sua interdependência com os superiores interesseis da Nação.
Não Sendo esta a altura de nos debruçarmos sobre tais propostas de lei, pretendo apenas fazer ressaltar a importância fundamental que tem para o ultramar a apresentação dessas propostas, que, constituindo uma ideia renovada, revigora, por isso mesmo, os laços de confiança espiritual, mental e política do espaço português.
O Governo está, assim, plenamente consciente do cumprimento dos seus deveres para com a Nação quando entende que esta é a altura de estreitar os laços da família portuguesa, dando-lhe os meios de sinceramente dialogar entre si, em confiança lusíada.
E para que nada se perdesse da intensidade, importância e sinceridade que põe nos actos que vêm comandando a sua acção, quis o Sr. Presidente do Conselho, no exercício de um «mandato indeclinável» que a Nação lhe outorgou ao constituir esta Assembleia, ser ele mesmo, pessoalmente, a esclarecer esta Câmara dos motivos das reformas propostas e, mais em particular, da que respeita à revisão constitucional.
Todos o ouvimos nesta Casa e soubemos bem avaliar da extraordinária importância da sua comunicação.
A sua presença aqui foi uma atenção que ficamos a dever e mais um serviço que o Sr. Presidente do Conselho prestou ao eleitorado, que o mesmo é dizer ao País.
Dentro dos factos que venho referindo, aquele que mais toca a Nação, quer no «rectângulo europeu», quer na outra dimensão geográfica e multirracial, é o que respeita à revisão constitucional.
Quem tiver lido atentamente o preâmbulo da proposta, relativo ao título VII «Das províncias ultramarinas», creio ter ficado sossegado sobre o verdadeiro conteúdo das alterações, pois houve a cuidada intenção de estabelecer, no essencial, o paralelismo da situação actual da descentralização administrativa e autonomia financeira com a autonomia agora designada. Praticamente a situação não sofre alteração, e, quando muito, melhora no seu aspecto formal, ao desdobrar a descentralização administrativa e a autonomia financeira, no artigo 134.º e nas alíneas do artigo 135.º propostos, para constituírem uma autonomia definida.
É que também não deve ser esquecido que, para além das actuais disposições constitucionais, há a lei orgânica e os estatutos político-administrativo das províncias, que contêm precisamente os mesmos princípios, agora mais bem esclarecidos e enquadrados no diploma próprio: a Constituição.
As províncias do ultramar sempre tiveram órgãos próprios de execução e de legislação para a sua gestão, independente da do Governo Central.
O seu poder legislativo caracteriza-se pela especialidade das leis, ou seja, pela promulgação de diplomas legais ou regulamentares, próprios de cada província, e, nesse aspecto, podemos considerar de exclusiva a sua competência.
Por outro lado, as províncias ultramarinas sempre contrataram ou concederam direitos sobre o domínio privado do seu património.
Já têm representação na Assembleia Nacional, na Câmara Corporativa, como no Conselho Ultramarino, representação toda electiva.
Na proposta que vai ser submetida à discussão, apenas em alguns casos se preconiza a dilatação dos poderes estabelecidos, bem como uma maior representação nesta Assembleia, o que para nós significa maior reconhecimento do peso político, económico e humano que as províncias exercem no todo nacional.
Na realidade, quando se propõe uma maior representação nacional nesta Assembleia, passando o número de Deputados de 130 para 150, teve-se em vista, como exprimiu o Sr. Presidente do Conselho, também a representação do ultramar, o que deriva, evidentemente, do reconhecimento do progresso que o ultramar atravessa. E por isso se aconselha uma representação adequada ao conhecimento pleno de problemas que estruturam a Nação e que dela fazem parte integrante.
Creio, neste aspecto, que a lei especial que oportunamente vier a definir a composição dos círculos eleitorais terá em conta que a distribuição do aumento da representação será, na sua maioria, atribuída a Angola e Moçambique.
Por outro lado, parece indicado que a representação dos órgãos de governo das províncias seja também aumentada, como expressão ou em consequência do grau de desenvolvimento de cada uma.
Estes os factos, aqueles factos que para nós significam uma notável intenção de estabelecer o equilíbrio dos factores políticos, económicos e administrativos da Nação, para que nada se perca da unidade que constituímos e da integração que fixa as parcelas nacionais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Poderia dar por encerradas aqui as minhas considerações. Mas outro facto há que não pode deixar de ser referido nesta Assembleia.
Outrem o faria, seguramente. O Dr. Pinto Bull, que tão tragicamente perdeu a vida ao serviço da Nação com outros seus pares, e que serviu a Guiné na administração pública e a continuava a servir nesta Casa. Tal como agora o faria para levantar a sua voz em veemente protesto contra a iníqua acusação de termos sido autores dos actos de agressão praticados na Guiné de Conakri no passado dia 22 de Novembro.
O Sr. Lopes Frazão: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Lopes Frazão: - Perante a palavra de V. Ex.ª, que é brilhante e tocou numa ferida extraordinariamente dolorosa, a ferida da nossa Guiné, acicatada por ondas fortes, horríveis, não podia deixar aqui, porque vivi o problema da Guiné, de dar o meu caloroso apoio às palavras de V. Ex.ª, e visto que o Governo da Nação já expressou, através da palavra do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o seu pensamento sobre os acontecimentos, infelizes e terríficos, ultimamente ocorridos, eu não podia deixar de dizer o seguinte: esta Câmara não se podia silenciar perante tal acontecimento de tanta gravidade.
Hesitei em lançar aqui a minha palavra, exactamente por ter vivido o problema da Guiné, mas entendi que ela seria mais bem dita pela boca de um autêntico Deputado do ultramar, que não eu, que na afirmação que fizemos perante o Sr. Governador da Guiné, o Sr. General António de Spinola, apenas nos consideramos hoje, e ele teve a gentileza da aceitação desta nossa afirmação, Deputados pela Guiné, mas tão-sòmente pelo coração.
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V. Ex.ª é um Deputado do ultramar autêntico, portanto mais autêntica é à sua palavra aqui proferida.
Nós estamos cansados de ser santos, de apresentar a outra face, e pode o Governo ter a certeza do caloroso apoio da minha modestíssima pessoa, e estou convencido de que de muitos pares nesta Câmara, e da gente da Guiné, que se for preciso despirmos o casaco e arregaçarmos as mangas também saberemos cumprir o nosso dever e bem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estou muito grato a V. Ex.ª pela interrupção que fez à minha intervenção e sinto-me também feliz por ter dado oportunidade de encontrar em V. Ex.ª, e de certo modo em toda a Câmara, o eco das palavras que comecei a proferir sobre os acontecimentos da Guiné.
V. Ex.ª referiu que eu seria a pessoa talvez mais indicada para fazer esta referência. Mais indicada por uma questão de situação geográfica e de domicílio, mas também mais indicada porque vivo o problema do ultramar, onde nasci, e onde vivo desde há muitos e muitos anos. E como V. Ex.ª irá ver a seguir, há mais uma razão para isso.
Já o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros exprimiu ao País o repúdio dessa acusação, sancionada pelo Conselho de Segurança, da O. N. U., e formulou a esse respeito considerações ou razões sobre a origem daquela atitude.
Quem como mós, em três províncias africanas, faz frémito a uma guerra que nos é movida inteiramente do exterior e que mantém uma permanente atenção à subversão orquestrada pelo imperialismo dito afro-asiático e sabe quanto pana eles essa guerra significa de desprezo pelos valores humanos que compõem a comunidade de cada um dos territórios, não tem de se admirar que também em determinado sector da frémito da O. N. U. surja a bandeira vermelha da subversão, pois que o respeito ao temor pela maioria é jurisprudência cautelar que convém ter presente.
Para nós nem tudo é novidade.
E esta decisão é mais uma que nos aconselha a uma maior vigilância e a uma maior determinação em ligarmos frente e retaguarda, para fortalecermos os elementos resistentes da Nação que desejamos continuar a ser, cada vez mais próspera e digna.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes da Cruz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era grande a expectativa existente quanto à apresentação da proposta de lei relativa à revisão constitucional. Natural era que tal sucedesse, dado o clima de renovação progressiva que o Governo tem imposto a todos os seus actos, além de se tratar do diploma fundamental que rege todas as nossas estruturas políticas.
Quis S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho vir pessoalmente a esta Assembleia expor as alterações constantes da proposta governamental e as razões da mesma. À gentileza da atitude correspondeu esta Assembleia com aplausos calorosos e informais, que significaram também uma atitude clara de adesão dos que a aplaudiram.
Como Deputado por Moçambique, apenas farei ligeiras considerações no que ao ultramar diz respeito, e mesmo essas circunscritas a certas implicações nas relações metrópole-ultramar.
Mantém-se íntegra na proposta governamental a unidade política nacional, e se possível mesmo reforçada, pela aplicação do mesmo diploma fundamental a todo o espaço português. É a continuação de uma política tradicional de integração, profundamente enraizada em todas as camadas sociais das populações das várias parcelas geográficas do todo.
Nem podia ser de modo diverso, dado o ambiente em que decorreram as últimas eleições para esta Assembleia, em clima de quase plebiscito à unidade nacional.
E na proposta de aumento de número de Deputados, que as províncias ultramarinas esperam lhe sejam reservados na sua maioria, sentem os portugueses de além-mar que os seus interesses foram devidamente ponderados e os laços de união espiritual e política ficam mais reforçados.
Todavia, porque as diversas áreas territoriais assentam na descontinuidade geográfica, a cada província ultramarina é reconhecido estatuto próprio, como regiões autónomas.
É sobre este particular aspecto que me deterei por breves momentos.
As lúcidas palavras que S. Ex.ª proferiu sobre este tema, por tão claras, dispensariam qualquer comentário.
Será bom, todavia, recordar algumas:
Compreende-se que se prossiga, sem desfalecimentos, uma política de assimilação espiritual, de modo que metrópole e ultramar constituam uma unidade cada vez mais homogénea.
E mais adiante:
Mas quanto à administração - que erro enorme se cometeria se pretendêssemos tratar os territórios do ultramar como simples circunscrições a que se aplicasse um Código Administrativos uniformei Que equívoco seria pensar na possibilidade de os governar de Lisboa através de governadores civis! E que lastimável confusão a das suas economias tropicais, com estádios próprios de desenvolvimento e sujeições inevitáveis ao meio e à localização dos territórios, com a economia metropolitana!
Das duas frases transcritas se infere o exacto alcance da configuração das províncias ultramarinas como regiões autónomas.
Será nova tal terminologia?
Sem dúvida que não, apenas é mais clara e incisiva, e reveladora de que os princípios terão aplicação prática. O artigo 26.º do Acto Colonial já dispunha que:
São garantidas às colónias a descentralização administrativa e a autonomia financeira que sejam compatíveis com a Constituição, o seu estado de desenvolvimento e os seus recursos próprios...
Posteriormente, o texto do artigo 148.º da Constituição, que está em vigor, introduzido pela Lei n.º 2048, dispõe que:
São garantidas às províncias ultramarinas a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição e com o seu estado de desenvolvimento e os recursos próprios...
Deste modo se conclui que a autonomia financeira e a descentralização administrativa estão bem dentro da nossa tradição ultramarina.
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E, no seguimento dos mesmos princípios, a Lei Orgânica do Ultramar vigente, na sua base III, preceitua que:
São garantidas às províncias ultramarinas a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição, seu estado de desenvolvimento e recursos próprios.
E na base L se dispõe que:
As províncias ultramarinas são pessoas colectivas de direito público, com a faculdade de adquirir, contratar e estar em juízo.
E o artigo 61.º do Estatuto Político-Administrativo da Província de Moçambique, aprovado pelo Decreto n.º 45 375, de 22 de Novembro de 1963, assegura que:
A província tem activo e passivo próprios, competindo-lhe a disposição dos seus bens e receitas e a responsabilidade das suas despesas e dívidas e dos seus actos e contratos.
Assim, o conceito de autonomia não é novo dentro da tradição ultramarina portuguesa.
Mas podemos recuar ao século passado e encontramos os mesmos princípios.
O movimento contra uma prática de assimilação uniformizadora e de centralização administrativa exagerada partiu dos homens que fizeram a campanha de Moçambique, sendo seu iniciador António Enes, e de que foram paladinos Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro e Frei de Andrade.
São de Mouzinho de Albuquerque as seguintes palavras:
Evidentemente, quanto mais centralizada for a administração ultramarina em Lisboa, quanto menos atribuições se derem aos governos locais, mais penoso e pior desempenhado será o serviço que compete à Secretaria de Estado do Ultramar, e mais empregados, unicamente ocupados da redacção, expedição e registo da correspondência, serão precisos, não só nesta Secretaria, mas nas dos governos coloniais, classe esta de funcionários indispensável por certo, mas que se deve procurar reduzir ao mínimo, por ser de facto completamente improdutiva como factor de riqueza nacional.
E o que se diz do Governo Central e das colónias pode respectivamente dizer-se dos governos das províncias e dos governos dos distritos que lhes estão subordinados.
E explica Mouzinho de Albuquerque como procedeu para dar cumprimento à tendência descentralizadora, seguindo o princípio básico de
... dar atribuições aos meus subordinados e exigir-lhes responsabilidade efectiva,
ou ainda,
... dar-lhes a máxima liberdade de acção tornando-lhes quanto possível efectiva a responsabilidade.
E, para evitar a prática de abusos e desvios, sem, todavia, emperrar as iniciativas, adoptou o sistema de fiscalizar e inspeccionar, que, refere, «nunca se deve confundir com espionar».
E a política de descentralização administrativa, com autonomia financeira, esteve sempre presente posteriormente, quer na fase da I República, quer anda no Decreto com força de lei n.º 18 570, de 18 de Junho de 1930, cujos princípios informadores o ilustre Ministro do Ultramar, Sr. Prof. Silva Cunha, condensa lapidarmente e considera tradição nacional nesta matéria, a p. 139 do vol. II da obra Questões Ultramarinas e Internacionais:
a) Unidade política da metrópole e do ultramar;
b) Autonomia administrativa e financeira dos territórios do ultramar;
c) Solidariedade económica da metrópole e do ultramar;
d) Assimilação cultural das populações nativas.
Parece-me que dentro deste contexto de princípios, que são tradição nossa, se deverá entender a autonomia preconizada para as nossas províncias de além-mar.
Mas haverá razões que inculquem deva prosseguir-se numa .política de descentralização administrativa?
São diversas algumas das condições existentes no momento que atravessamos das que se verificavam no final do século passado, mas a maioria delas mantém-se, e outras novas, que o evoluir da situação económico-social fez surgir, indicam firmemente a necessidade da acentuação da descentralização administrativa, quer ao nível dos governos principais, quer dos governos distritais.
Basta referir-se a extensão territorial de cada um dos distritos das províncias de Angola e Moçambique, que no seu maior número são, cada um deles, de área superior à da metrópole, para se ajuizar da necessidade de conceder aos órgãos de administração distrital mais largos poderes de acção, se quisermos progredir com maior rapidez e eficácia.
Por outro lado, o desenvolvimento económico-social de cada distrito, as suas potencialidades, os problemas que cada um deles apresenta e carecem de prioridade de solução, dão a cada um deles características específicas, que não se compadecem com soluções uniformizadoras ao nível provincial, exigindo antes soluções próprias ao nível distrital.
Se é certo que os meios de comunicação são hoje cada vez mais rápidos, não se pode esquecer que, dentro da província, principalmente ao nível dos núcleos mais pequenos e isolados, eles são ainda deficientes e morosos, sendo razão emperradora do desenvolvimento natural das localidades e regiões do interior uma centralização exagerada de poderes de decisão ao nível provincial.
Porque há a natural tendência para ajuizar os problemas das diversas regiões sob a óptica de perspectiva que resulta do próprio local onde as autoridades a quem cumpre decidir se encontram, é difícil que essas mesmas autoridades se apercebam das particularidades locais, e que, por vezes, têm de conduzir a apreciações e decisões diferentes daquelas que estão propensas a dar-lhes.
Daí que se torne necessário dotar a organização administrativa ao nível distrital das províncias ultramarinas de mais largas possibilidades de decisão e execução, ampliando largamente os poderes dos respectivos governadores de distrito, e também dando nova estruturação às juntas distritais, ampliando-se-lhes a competência deliberativa e consultiva e possibilitando-se-lhes os meios financeiros de poderem exercer acção eficaz, e não apenas simbólica e de interesse prático bastante reduzido.
Porque é diverso o estádio de desenvolvimento de cada distrito, o critério de serem fixadas dotações que são muito uniformes e constantes ao longo dos anos para todos eles dificulta o seu normal e natural desenvolvimento, sendo desejável que para os orçamentos distritais sejam reservadas percentagens das receitas estaduais cobradas nas suas áreas, de forma que o ritmo de expansão a imprimir pela Administração possa acompanhar
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o progresso económico-social das respectivas actividades privadas.
E o que se referiu quanto aos distritos aplica-se igualmente aos concelhos, e também às relações entre cada província ultramarina e o Governo Central.
Todos os que detêm responsabilidades administrativas, aos mais diversos escalões hierárquicos, sentem que se torna necessário descentralizar a actividade administrativa para que os problemas sejam resolvidos com maior rapidez e eficiência.
Creio ser este o sentido da autonomia administrativa e financeira, no prosseguimento de uma tradição bem nossa, e harmonizada no plano jurídico com a classificação das províncias ultramarinas como pessoas colectivas de direito público.
Mas sempre sem transigirmos, no dizer de S. Ex.ª o Presidente do Conselho:
... quanto à manutenção de um estatuto único para os Portugueses, de qualquer raça ou de qualquer cor.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade o projecto de lei sobre a designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Só pela circunstância de presidir à Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência desta Câmara é que uso da palavra sobre o projecto de lei n.º 1/X, do ilustre Deputado Camilo de Mendonça, acerca da «designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por elas coordenadas».
E digo que é só por esta circunstância porque não gosto de me meter por trilhos que não conheça suficientemente. E esta matéria é das tais que exige muito conhecimento da doutrina, da organização e até dos homens. Mas o que me falta nesta matéria sobeja aos meus pares da Comissão a que tenho a honra de presidir. Nas sessões que se realizaram e em que foram ventilados e analisados com pormenor os vários problemas que estão abrangidos neste projecto de lei, tive ensejo de apreender quantos e quão variados eles são, a subtileza de muitos deles e a extraordinária competência em tal matéria dos meus colegas da Comissão.
Por isso mesmo, é com perfeita consciência que dirijo ao ilustre autor deste projecto de lei as minhas sinceras felicitações.
Julgo ter compreendido os elevados objectivos que se propôs atingir e que ele definiu de maneira tão clara e tão simples na sucinta exposição que fez ao anunciar o seu projecto de lei e que tão bem justificou, na sua intervenção de há dias, nesta Câmara:
1) Designar pelas corporações os representantes das actividades económicas coordenadas pelas comissões reguladoras e juntas nacionais;
2) Fazer corresponder a duração do mandato desses representantes aos mandatos nas secções ou nos conselhos das corporações;
3) E também com estoutro que vem a título acessório: que os demais representantes designados pelas corporações para os órgãos consultivos dos, Ministérios tenham idêntico tratamento.
Por idêntico motivo me considero de perfeito acordo com o parecer da Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social, que foi aprovado por unanimidade e que reza assim:
A Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social examinou o projecto de lei sobre a designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas, bem como o douto parecer da Câmara Corporativa.
A Comissão entende que o projecto em apreciação pretende, por um lado, assegurar nos organismos de coordenação económica uma representação mais autêntica - através de representantes eleitos com mandato das entidades eleitorais - para actuarem em representação dos interesses económicos, aliás na linha de orientação da Lei n.º 2086, e, por outro, tornar exequíveis, através de uma fórmula prática e expedita, princípios e preceitos já definidos e aprovados.
Efectivamente, dada a actual estrutura das Corporações, em que há uma corporação para cada um dos grandes ramos das actividades, corporação que representa toda a actividade, o exclusivo da representação impõe-se numa nação corporativa, o que não se compreenderá se em organismos paraestaduais as actividades económicas privadas não estiverem aí representadas por quem legitimamente o deve e pode fazer no seu conjunto.
E esta conciliação de interesses resultante da colaboração pacífica entre organismos dotados de autonomia e o Estado pressupõe, naturalmente, que não poderá haver bem comum sem a garantia dos bens particulares, como não poderá haver bens particulares válidos e verdadeiros se não favorecerem simultaneamente o interesse geral.
Julga-se, assim, que se procurou caminhar num sentido consentâneo com os pressupostos e finalidades do regime corporativo naquilo que representa de permanente e no que terá, porventura, de acidental. Anote-se ainda a circunstância de se estabelecer uma útil renovação nos quadros representativos, fazendo coincidir essa representação com os mandatos daqueles que foram eleitos para as actividades representadas. Trata-se de uma medida, certamente, com vista a permitir a necessária mobilidade e, bem assim, garantir uma articulação efectiva entre os representantes e os corpos gerentes das instituições que representam.
Entende ainda a Comissão que sempre que haja actividades não organizadas corporativamente e se pretenda assegurar representação nos organismos de coordenação económica se integrem essas actividades na corporação respectiva, como, de resto, se prevê na base XI da Lei n.º 2086, intervindo, consequentemente, a corporação com plena legitimidade e autenticidade na designação dos representantes das actividades nos organismos de coordenação económica. De resto, crê-se serem já raros os casos em que as actividades não estejam organizadas corporativamente; e se a uma dinâmica económica deve igualmente corresponder uma dinâmica corporativa, que abarque as novas actividades que vão surgindo, não se julga advirem inconvenientes de tal prática, a título de uma disposição excepcional.
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Postas estas breves considerações, a Comissão pronunciou-se favoravelmente sobre o projecto nas suas linhas gerais, propondo, todavia, as seguintes alterações ao texo:
Proposta de alterações
Propomos que ao projecto de lei sobre designação, pelas respectivas corporações, dos representantes que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas seja dada a seguinte redacção:
BASE I
Enquanto não for regulamentada a base IV da Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, os representantes a que se referem os artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de Julho de 1936, são designados pelas respectivas corporações.
BASE II
1 - A designação deverá recair em membros dos conselhos das secções das corporações correspondentes às actividades coordenadas.
2 - Quando os referidos membros não possuírem os requisitos exigidos pelo diploma orgânico do respectivo organismo de coordenação económica, a designação deverá recair, sempre que possível, em membros do conselho da respectiva corporação.
3 - Quando as actividades não estiverem organizadas corporativamente, a designação deverá recair em representantes dessas actividades depois de integradas, pelo Conselho Corporativo, nas respectivas corporações, nos termos da base XI da Lei n.º 2086.
4 - Enquanto o Conselho Corporativo não decidir que façam parte dos conselhos das corporações representantes das actividades não organizadas, a designação efectivar-se-á nos termos do n.º 2 desta base.
BASE III
O mandato dos representantes nos organismos de coordenação económica coincide com os mandatos das secções ou dos conselhos das corporações.
BASE IV
Os mandatos dos representantes das corporações nos órgãos consultivos dos Ministérios coincidem com os mandatos dos órgãos das corporações que os designaram, salvo as representações de carácter transitório.
BASE V
O mandato dos actuais representantes nos organismos de coordenação económica cessa trinta dias após a publicação da presente lei, devendo as respectivas corporações, promover que, dentro desse período, sejam designados novos representantes nos termos das bases I e II.
BASE VI
Os mandatos dos representantes das corporações nos órgãos consultivos dos Ministérios, sem prejuízo do disposto no final da base IV, cessam no prazo de trinta dias a contar da publicação da presente lei, devendo as corporações efectuar nova designação dentro desse período.
BASE VII
Fica revogada toda a legislação, mesmo especial, em contrário.
Sala das Sessões, 16 de Dezembro de 1970. - Os Deputados: José dos Santos Bessa - Luzia Pereira Beija - Amílcar Mesquita - Albano Vaz Pinto Alves - Fernando David Laima - Teófilo Lopes Frazão - Maria Raquel Ribeiro.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Julgo poder afirmar, com algum conhecimento de causa, que o projecto de lei da autoria do ilustre Deputado Camilo de Mendonça, agora em apreciação, vem ao encontro da real necessidade de se assegurar uma adequada representação corporativa nos organismos de coordenação económica.
Sei que o projecto não visa qualquer inovação jurídica de fundo, mas reconheço que reveste interesse e oportunidade definir o processo prático e expedito de levar à efectiva aplicação de preceitos legais em vigor.
O autor do projecto foi, a este respeito, bem claro, quando denunciou o propósito de «fazer cessar uma incongruência e suprir uma ausência de iniciativa do Governo...».
Não pode contestar-se a justeza deste propósito, pois, de há muito, normas legais vigentes consagraram, na matéria, a orientação mais consentânea com os pressupostos e as finalidades do regime corporativo.
A Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, resultante de uma proposta que me honro de ter elaborado como titular da pasta das Corporações e Previdência Social, é, na verdade, muito clara ao prescrever, na segunda parte do n.º 2 da base IV, que «os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica devem ser constituídos, sempre que possível, pelas secções das corporações»!
O mesmo diploma estabelece, na base VI, que «os órgãos consultivos dos ministérios serão substituídos, sempre que possível, pelas corporações, às quais se agregarão, para o exercício de funções de consulta, representantes dos serviços públicos ou de entidades especializadas» e que, «quando não for possível esta substituição, caberá às corporações designar os representantes das respectivas actividades nos órgãos consultivos, dos ministérios».
A Câmara Corporativa, no seu douto parecer sobre o projecto de lei, não deixando de aludir também aos preceitos em vigor e à anómala situação de os mesmos não estarem ainda a ser devidamente observados na vida da organização corporativa, analisa, com superior critério, o problema, embora não se tenha registado unanimidade de opiniões por parte dos Procuradores intervenientes na apreciação do assunto. E fá-lo com uma elevação igualmente impressionante, quer se considere o ponto de vista perfilhado pela maioria dos Dignos Procuradores, quer o
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expendido pelos que assinaram vencidos o parecer na parte mais relevante, ou seja a da representação corporativa nos organismos de coordenação económica.
A Câmara inclina-se para a solução de os representantes a que se referem os artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de Junho de 1936, deverem ser designados pelos grémios interessados, enquanto alguns procuradores entendem que a designação deve pertencer às corporações e outros sugerem a atribuição do encargo aos grémios e aos sindicatos em conjunto.
Prestando homenagem ao vigor da argumentação que a favor das diferentes soluções preconizadas se utilizou, penso que nenhuma delas ofende a ortodoxia da doutrina. Tudo está em procurar as fórmulas que, em cada caso, respeitem os diversos aspectos e interesses em presença e em escolher as melhores oportunidades para o fazer, tendo especialmente em atenção a evolução corporativa e as modificações que vieram a operar-se nos organismos de coordenação económica.
Deve, porém, ter-se presente que a Assembleia Nacional, por princípio e porque para tanto não está nem tem de estar preparada, não pode preocupar-se com o estabelecimento de normas que, pelo seu carácter secundário ou complementar, hão-de ser objecto de função regulamentar manifestamente fora da sua alçada. Aliás, a Constituição é bem explícita ao prescrever que à Assembleia cabe apenas fixar as bases gerais dos regimes jurídicos.
É certo que o Governo tem submetido, com frequência, à apreciação desta Câmara propostas contendo disposições meramente regulamentares que, em regra, foram convertidas em lei.
Não poderá, contudo, fazer-se esta crítica à mencionada Lei n.º 2086, a qual, precisamente pelo carácter genérico e fundamental dos seus preceitos, oferece ainda o sentido de soluções válidas para problemas corporativos, como, por exemplo, aqueles que de momento prendem a atenção da Assembleia.
Repare-se no cuidado posto na redacção da base IV dessa lei, quer na parte relativa aos organismos de coordenação económica, quer na segunda parte, onde se prescreve que os órgãos representativos desses organismos devem ser constituídos, sempre que possível, pelas secções das corporações.
Deixou-se, pois, às entidades competentes uma grande latitude para definirem as condições de adopção desta solução, sem pôr de parte outras que, porventura, se mostrem mais adequadas. Certamente se atendeu a que, em alguns casos, não seria viável ou vantajosa uma representação global através das secções das corporações, em virtude da variedade multiforme, quer das estruturas corporativas, quer dos organismos de coordenação económica.
Mas quis-se, acima de tudo, marcar uma posição nítida que assegurasse à organização corporativa uma efectiva representação nos organismos de coordenação económica, ou seja nos institutos, nas juntas e nas comissões reguladoras.
Infelizmente, faltou a indispensável regulamentação, condicionada pelas providências de forma e de fundo, a que avisadamente se refere a Câmara Corporativa no seu parecer. Daí que tenha de rodear-se de especiais cautelas a formulação de quaisquer novas disposições sobre a matéria, não vá acontecer se criem ainda maiores dificuldades praticais à desejada e indispensável representação corporativa nos organismos de coordenação económica.
É, a este respeito, muito de louvar a ponderação revelada pela Câmara Corporativa mas alterações que propõe ao articulado do projecto em debate. Sem tais alterações, seria preferível, à votação de movo texto legal, a aprovação de uma moção recomendando ao Governo o urgente cumprimento do que sobre o assunto preceitua o Estatuto Jurídico das Corporações (Lei n.º 2086).
Ora, a Câmara Corporativa entende que devem ser os grémios, e não as corporações, a indicar os seus representantes junto dos organismos de coordenação económica, fundamentando o seu parecer em razões de ordem prática e no invocado princípio da subsidiariedade. Neste sentido, a Câmara é bem expressiva quando afirma que:
Pretender atribuir essa competência à corporação iria contra o princípio da subsidiariedade em que o sistema se apoia e seria grave atentado à autonomia corporativa.
E acrescenta:
É, na verdade, em nome desse princípio que se pretende retirar ao Estado a competência para efectuar a designação dos representantes da actividade, pois esta, por já estar corporativamente organizada, encontra-se em condições de exercer tal atribuição.
Reputo, como disse, válido o argumento, mas reconheço que o invocado princípio da subsidiariedade pode, aliás, em certos casos, não ser afectado com a entrega da atribuição em causa ao organismo superior da estrutura corporativa, desde que, neste plano, o processo de eleição e o âmbito dentro do qual tem de exercer-se a escolha respeitem as posições e os interesses legítimos dos organismos primários ou secundários, como quer, e bem, a Câmara Corporativa.
De qualquer modo, não deixarei de manifestar, uma vez mais, o meu receio de ver as corporações demasiadamente predispostas a limitar a iniciativa dos organismos primários e intermédios, a absorver as suas atribuições específicas, a reduzir o seu natural campo de acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As corporações não valem apenas por si, mas também pela vida, eficiência e prestígio dos organismos que as integram e de que elas são a expressão jurídica mais alta. São o fecho ou a cúpula, mas não são a base. São a unidade orgânica, mas não a diversidade institucional.
Poderá mesmo dizer-se que a corporação é todo o complexo vertical e horizontal das suas estruturas institucionais: todas a formam na coordenação das actividades, na cooperação dos esforços e na aproximação das classes, sem prejuízo da polivalência dos interesses, da autonomia equilibrada das funções e da personalização jurídica específica de cada uma dessas estruturas. Se, por isso, no seio da corporação, entendida rio sentido lato e nesta perspectiva integral, se fere ou destrói, a qualquer nível, esta personalização e autonomia, é a própria corporação que sai diminuída ou mutilada. Poderá ela, mesmo assim, ter força, mas esta, em vez de emergir de um sistema orgânico autêntico, resulta antes de uma imposição de alto para baixo com ofensa de legítimos interesses sectoriais ou regionais. A corporação não passará, assim, de um produto institucional deformado ou aberrante assente num desvio ou abuso de poder ou numa indevida e nefasta deslocação de atribuições.
A vida é muito variável e complexa para, sem nocivos constrangimentos ou deformações, poder enclausurar-se nas artificiosas construções operadas pela tendência tão em voga de, a todo o custo, submeter ou ligar as suas multímodas manifestações e relações a organismos e serviços
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únicos ou macrocéfalos. Por não ter sabido evitar este perigo, caiu o corporativismo italiano em estruturas indesejáveis, que a nossa concepção orgânica, pluralista, mas não anárquica, repele na doutrina, e deve arredar das leis e da prática.
Não foi, por isso, pequena a vantagem de, entre mós, as corporações terem sido constituídas muito depois de grande parte dos organismos de primeiro e segundo grau. E nunca serão poucos os Cuidados para se impedir aquele, perniciosa tendência, se acaso ela já não está a ganhar raízes e a reduzir ou afectar, no domínio económico ou social, as funções e prerrogativas das instituições que, no vértice da pirâmide, se juntam nas corporações, mas que, na base, sendo de direito daferenciadas e autónomas, o devem ser também, de facto, na sua vida e acção.
Faço a prevenção ao menos para a hipótese de vir a triunfar a tese de se entregarem sempre às corporações a designação dos representantes das actividades junto dos organismos de coordenação económica que, é bom não esquecer, têm estrutura, âmbitos de acção e finalidades específicas bem diversas dos órgãos consultivos dos ministérios.
Volvendo agora a minha atenção para as razões produzidas pelos Procuradores que não concordaram com a conclusão do parecer da Câmara Corporativa, é de perguntar se o chamado princípio da paridade gremial e sindical é, ou não, prejudicado pela doutrina que aí fez vencimento.
Equacionada a questão, assim, a resposta há-de ser negativa. Quando a Lei n.º 2086 previu, como solução de fundo, a de serem as secções das corporações a constituírem, sempre que possível, os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica, também se teve em vista dar execução a esse princípio.
Os próprios termos adoptados na redacção do preceito traduzem a intenção do legislador de olhar em frente e para longe: não para o incompleto e imperfeito condicionalismo institucional do momento, mas já para uma fase mais adiantada da evolução corporativa susceptível de rasgar perspectivas mais amplas e concretas à representação das actividades nos organismos de coordenação económica, cuja gradual revisão orgânica também se admitiu não só como possível, mas como necessária. Diga-se, de passagem, que a primeira providência tomada neste sentido - a do Decreto n.º 44 388, de 7 de Junho de 1962, relativa à Junta Nacional dos Produtos Resinosos - não foi feliz, a ponto de a Câmara Corporativa frisar que, nas condições então estabelecidas, «será quase impossível falar de eleições, pois que, realizando-se entre pessoas que, na sua quase totalidade, desconhecem os elegíveis, bem como os problemas que se lhes depararão, não podem votar conscientemente, e assim não satisfazem aquele mínimo para que ao seu voto se possa reconhecer qualquer valor».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sempre fiel ao princípio da paridade, pois de contrário não poderia falar-se em regime corporativo, já em 23 de Setembro de 1957, no preâmbulo dos diplomas de criação das Corporações da Lavoura, dos Transportes e Turismo, do Crédito e Seguros e da Pesca e Conservas, o considerarei essencial, em nome do Governo e de iniludíveis imposições de ordem humana e social, justificando-o com palavras que mantêm plena actualidade. Sem esse princípio, as corporações não passariam de simples conselhos patronais ou operários ou de meras centrais sindicalistas, isto é, não seriam corporações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda há dois anos, ao apreciar aqui a proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural, cheguei, movido pela mesma ideia, a advogar a criação de sindicatos de trabalhadores rurais, a fim de que estes, no plano de defesa dos seus interesses e no da participação da vida nacional, vejam assegurada uma representação para e efectiva na Corporação da Lavoura.
Por outro lado, cumpre frisar este outro aspecto que, especialmente, a partir da criação das corporações, parece estar a ser minimizado ou esquecido, apesar da sua importância: o sistema corporativo, unitário no topo, assenta na diferenciação orgânica da representação das entidades patronais e dos trabalhadores - grémios e suas federações e uniões, de um lado; sindicatos e suas federações e uniões, do outro. Este dualismo, decorrente de fortes exigências da vida, e que importa fazer triunfar também nos domínios do trabalho agrícola e do das pescas, deve estar bem presente no espírito daqueles que têm de fixar ou de executar as regras de representação corporativa em geral ou junto dos organismos de coordenação económica.
Isto quer dizer que o princípio da paridade tem planos próprios para se observar e que o seu mais fundo substrato doutrinal e natural é o mesmo que leva à separação, na base, das instituições patronais e operárias, o que não exclui a ideia da cooperação e do entendimento, antes a torna mais rica dê virtualidades pela liberdade de iniciativa que implícita e desenvolve. E é necessariamente nesses planos que certos problemas da vida económica e social têm de ser tratados e resolvidos pelos organismos gremiais ou pelos sindicais, uns e outros com mandatos representativos bem definidos e autónomos.
Nem vejo como, de outra maneira, se materializará aquela participação que decorre de imperativos éticos e políticos do regime corporativo, e não de outros sistemas que a não comportam ou autorizam, embora os seus sequazes a agitem como bandeira de aliciamento popular e processo de conquista do Poder. Mas participação não significa que todos participem em tudo, mas sómente naquilo em que podem e devem participar. Fora deste entendimento, a participação ou não será nada ou será condenável intromissão ou inversão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas considerações evidenciam, segundo creio, que os problemas em análise aceitam soluções de feição prática diferente, como as apontadas no parecer da Câmara Corporativa. O que importa é que as formas de designação dos representantes conduzam à escolha de pessoas conhecedoras das questões nelas directamente interessadas, pertencentes, como associadas e, se possível, como associadas e dirigentes, aos organismos corporativos das suas actividades.
É altura de dizer agora uma palavra sobre a representação corporativa nos órgãos consultivos dos ministérios, aos quais se refere a base VI da Lei n.º 2086, ao prever a sua substituição, sempre que possível, pelas corporações, e ao atribuir a estas de modo expresso, enquanto aquela substituição não se verificar, a competência para designar os mandatários das actividades interessadas.
Esta última modalidade vem tendo gradual aplicação, embora me pareça deverem extrair-se da experiência as lições que suscita. Mas a primeira não obteve até ao presente a consagração que merecia, havendo, quanto a ruim, dois casos, pelo menos, em que a lei é susceptível de aplicação sem dificuldades de maior. Refiro-me ao Conselho Superior da Agricultura e ao Conselho Nacional de Crédito. Se, aquando da sua criação, o funcionamento inci-
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piente das corporações poderia ter aconselhado a não aplicação do n.º 1 da base VI, não vejo como agora se persiste em manter a situação. Já tive ensejo de, na sessão de 7 de Dezembro de 1957, me pronunciar aqui sobre o problema. Chamei então a atenção para o facto estranho de, enquanto, por um lado, não se conferiam à organização corporativa atribuições que, sem dúvida, são da sua natural esfera de competência, se lhes outorgava, por outro lado, outras manifestamente inconciliáveis com a sua índole e as suas finalidades.
Corro o risco de ser menos agradável, mas julgo-me no dever de insistir no assunto, já pela minha qualidade de Deputado, já porque haverei sido dos que terão concorrido para a expansão e consolidação do sistema, mediante diversas providências que culminaram na instauração das primeiras corporações. Sou, por isso, insuspeito, ao pedir se evite aquela dupla e contraditória orientação oficial.
Os organismos corporativos devem ter atribuições válidas e permanentes, mas não podem desempenhar funções por natureza reservadas às entidades privadas, transformar-se em empresas do comércio ou da indústria e, muito menos, ser detentores, nesse domínio, de privilégios, isenções ou exclusivos.
«Quando isto acontecer» - insisto -, «saem desprestigiados o Estado e os próprios organismos corporativos e, ao mesmo tempo, nega-se a economia de mercado, ofendem-se direitos e expectativas de legitimidade indiscutível e prejudicam-se os consumidores e até os associados da organização.»
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, afinal, esta linha de orientação que me leva a não dar a minha concordância à doutrina em que se apoia a Câmara Corporativa ao propor que «os representantes dos organismos de coordenação económica das actividades que não estejam organizadas corporativamente são designados pela respectiva corporação de entre os interessados».
A Câmara Corporativa fundamenta a sua posição, observando:
Nestes casos em que, por inércia ou desinteresse dos produtores, estes não se agremiarem, terão um representante escolhido pela corporação em que se enquadrará o organismo corporativo que os vier a abranger. Ainda assim -acrescenta a mesma Câmara - convém dispor que essa representação venha e efectivar-se através dos indivíduos pertencentes à actividade, dentro dos princípios do sistema. O princípio da representação por um interessado directo item sido uma constante do nosso corporativismo, desde os sindicatos e grémios até às corporações, e convém reafirmá-lo aqui.
Ora, a Câmara Corporativa mão deve ter atentado ma circunstância provável de haver actividades insusceptíveis, pela sua fraca relevância ou por se encontrarem concentradas munia única ou em poucas empresas, de se organizarem.
Mas o que interessa é ter presente que a Lei n.º 2086 previu, ma base XI, que «o Conselho Corporativo pode decidir que façam parte dos conselhos da corporação representantes de actividades não organizadas».
Ao abrigo desta disposição, aquele Conselho, ma sua reunião de 15 de Abril de 1958, aprovou a proposta do Ministro das Corporações e Previdência Social no sentido de os transportes ferroviários, aéreos e colectivos urbanos, não
organizados corporativamente, passarem a fazer parte do Conselho da Corporação dos Transportes e Turismo.
Assim sendo, não se vê vantagem em votar o preceito sugerido pela Câmara Corporativa, uma vez que, sempre que haja actividades não organizadas a que se mostra aconselhável assegurar representação nos organismos de coordenação económica, bastará integrá-las na corporação, e esta, poderá, então, intervir, com legitimidade, nessa designação.
Se não se vir vantagem em recorrer à faculdade da base XI da referida Lei n.º 2086, não deve caber, de forma alguma, às corporações a indicação dos representantes de actividades nela não integradas. Admitir o contrário seria reconhecer às corporações uma atribuição que, em face dos princípios e da essência do próprio instituto jurídico da representação, lhes não pertence, mas, sim, directamente ao interessados, ou ao Estado, no caso de haver uma razão de interesse público a justificá-lo.
Aliás, as razões apresentadas pela Câmara Corporativa, ao apreciar na especialidade a norma que sugere, ou seja o artigo 2.º, não se conciliam, antes chocam com o pensamento mais saliente que preside ao seu parecer.
A contradição ressalta, entre outros, do passo do parecer que a seguir transcrevo:
Enquanto tais actividades não estiverem organizadas corporativamente, afigura-se que a melhor solução será admitir que os seus representantes ingressem directamente nos conselhos das corporações, ao abrigo da base XI da Lei n.º 2086. For essa via passarão a estar representados nas corporações e estas terão então qualidade para designar representantes de tais actividades nos organismos de coordenação económica. Trata-se de um recurso ao abrigo de uma disposição excepcional, mas a Câmara considera que são tão poucos esses casos e confia em que não tardarão a constituir-se os respectivos organismos que não crê advirem inconvenientes de tal prática.
A concluir, direi, reiterando a minha consideração pelo Deputado a quem cabe o mérito da iniciativa deste debate, que me apraz dar ao projecto de lei o meu voto de concordância na generalidade, mas que, por isso e pelas razões aduzidas, me pronuncio sem a menor hesitação contra o artigo 2.º proposto pela Câmara Corporativa, a não ser que nele se preveja, expressamente, a obrigatoriedade do uso prévio, pelo Conselho Corporativo, da faculdade que lhe confere a base XI da Lei n.º 2086 para indicar os representantes de actividades não organizadas nos conselhos das corporações.
Talvez seja este mesmo o entendimento da Câmara Corporativa, mas, se o é, não o formulou de modo claro, embora na transcrição acima feita de parte do seu parecer se aluda à base XI da Lei n.º 2086. Não deixarei, porém, de notar que, nos casos em que não tenha havido «inércia ou interesse dos produtores em se agremiarem», seria mais consentâneo com o próprio pensamento de fundo da Câmara Corporativa, com o qual concordei em princípio, atribuir aos interessados a faculdade de procederem à designação dos seus representantes nos organismos de coordenação económica. Mas não valerá a pena levar tão longe, nestes casos que serão raros e de reduzido interesse prático, o rigor da lógica.
Sr. Presidente: Do que disse poderá, acaso, depreender-se que não continua firme e calorosa a minha fé no princípio corporativo? De forma alguma.
O meu pensamento mantém-se fiel às premissas e às finalidades essenciais do regime vigente. Aliás, já no relatório da (proposta de lei relativa ao Estatuto Jurídico
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das Corporações adverti, embora noutra qualidade, não dever pensar-se que tudo iria correr bem, pois as construções políticas e sociais são obra de homem, não podendo, por isso, exigir-se que uns sejam infalíveis na concepção e ma previsão e outros perfeitos na aceitação e na execução dos princípios.
Não há dúvida: um sistema político e social como o nosso, muito embora alicerçado nas realidades da vida, não se ergue de uma só vez como um bloco, antes se vai desenvolvendo e aperfeiçoando com o rodar dos anos e o esforço dos homens.
E neste espírito que aqui deixo esta singela reflexão.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era minha intenção não tomar parte no debate do projecto de lei sobre a designação pelas respectivas corporações dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Todavia, os termos em que o seu ilustre autor, Sr. Deputado Camilo de Mendonça, se exprimiu na apresentação e defesa de tal projecto obriga-me, por dever de consciência, a intervir, tentando trazer algumas achegas ao esclarecimento do assunto.
Propriamente quanto ao conteúdo do projecto de diploma não posso concordar com a finalidade que se pretende obter com o mesmo, ao atribuir sómente às corporações a designação dos vogais que fazem parte da representação das actividades nos organismos indicados, pelos inconvenientes que o douto parecer da Câmara Corporativa apresenta numa larga e completa explanação.
Não se trata efectivamente de dar realização a um princípio fundamental da organização corporativa - que era o de assegurar nos organismos de coordenação económica uma representação mais autêntica através de representantes eleitos com mandato das entidades eleitorais para actuarem em representação dos interesses económicos -, mas sim de olhar, à realidade do nosso corporativismo actual e verificar se, com essa aliteração, não iríamos diminuir uma representação que se pretende mais perfeita.
Parece que a demonstração se encontra plenamente fundamentada no bem elaborado parecer da Câmara Corporativa.
Com efeito, coordenando os citados organismos actividades distribuídas por diversas corporações e englobando cada uma das suas secções mais actividades do que as correspondentes a cada organismo de coordenação económica, não será curial fazer designar pelas corporações os membros dos órgãos representativos desses organismos.
De facto, como se afirma no citado parecer, só uma reestruturação das corporações e uma reestruturação dos organismos de coordenação económica permitiria criar condições aceitáveis para essa designação.
Acresce ainda - e continuo acompanhando o referido parecer - que a estruturação dos organismos de coordenação económica assentou na concepção de que as entidades eram representadas totalmente pelos grémios. Deste modo, enquanto aqueles organismos não forem estruturados com base numa concepção diferente, estão os grémios em melhores con lições de poderem designar representantes nos organismos de coordenação económica.
Julgo, pois, que as razões apresentadas constituem motivo fundamental e suficiente para não poder aceitar o conteúdo do projecto de lei em discussão.
E ficava-me por aqui, depois de ler atentamente e reflectir ponderadamente sobre o douto parecer da Câmara Corporativa.
Porém, quando pensava que o Sr. Deputado Camilo de Mendonça ia pura e simplesmente fazer a defesa do seu projecto, sou surpreendido pelo ataque cerrado que S. Ex.ª faz aos organismos de coordenação económica, advogando a sua extinção e, que me perdoe o ilustre Deputado, em termos que não posso deixar de considerar demagógicos, assacando para eles a responsabilidade de todos os males deste mundo.
De facto, dizer-se que eles só se «mantêm por maldade e desacreditados, ora por inoperância, ora pela contradança de dirigentes, ora por longa e inexplicável crise de dirigência» - e neste ponto seria conveniente que S. Ex.ª nos explicasse melhor o seu pensamento concretizando as situações a que se quer referir -, não me parece que seja uma maneira construtiva de pôr os problemas perante esta Assembleia.
Mas entrando em aspectos concretos examinarei, embora ligeiramente, qual a justificação para a extinção de tais organismos, transitando algumas das suas funções para a organização corporativa e outras para o Estado.
Para já, e actualmente, pode afirmar-se que os organismos de coordenação económica são organismos do Estado, dependendo directamente, nas suas mais elementares funções, da Administração Central, e os serviços executam a política económica preconizada pelo respectivo Ministro.
Independentemente da necessidade de modificar neles o que necessita de ser modificado, convém analisar, antes de mais, os princípios a que se subordina a sua acção.
Na sua concepção original, os organismos de coordenação económica constituem os órgãos de que o Governo dispõe para estudo das acções de coordenação e empreender nos grandes sectores económicos e a via por que canaliza a acção a desenvolver.
A prova de que uma organização deste tipo é absolutamente indispensável é dada quando, ao pretender-se a sua extinção, se entende que as funções que lhe estão confiadas devem permanecer, mas desmembradas, passando umas a caber ao Estado, outras à organização corporativa.
Ora, sendo assim, parece não estarem em causa os princípios, mas sim as vias, pela qual se tem procurado torná-los operantes.
Duvida-se, porém, que aquele desdobramento resulte eficaz. Receia-se, por um lado, que a sua transformação em departamentos do Estado lhes cerceie muita da autonomia de que gozam ainda, se bem que muito inferior à que conheceram a seguir à sua criação, por se lhes ter sido progressivamente aplicado o espartilho das regras rígidas da Administração Central.
Por outro lado, a entrega de funções que lhe são específicas aos organismos corporativos levanta um problema grave: se não existe uma corporação do consumidor, quem exercerá o papel de árbitro dos interesses em jogo quando a agricultura, o comércio ou a indústria quiserem impor à colectividade os «seus» níveis de preços?
Pretender que a organização corporativa é capaz de autoconduzir a economia no sentido mais favorável ao progresso do País é dar provas de um optimismo que os factos de forma alguma justificam.
Considerar a sua criação resultado da situação criada por circunstâncias emergentes da guerra mundial é falsear profundamente a verdade, pois que quase todos eles foram criados muito árabes. Prestaram sim, durante a guerra, serviços inestimáveis ao País nas horas difíceis para o abastecimento das populações, serviços esses, aos quais se dedicaram muitos e bons dirigentes e funcionários, que
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arcaram com responsabilidades que, verdadeiramente, lhes não cabiam e que nem sempre encontraram compreensão - nem da parte de quem lhes estava acima, nem da parte do público a quem serviam. É de elementar justiça dedicar-lhes aqui uma palavra de louvor e reconhecimento.
É evidente que a sua actuação, em meio fortemente influenciado pela guerra, os desvirtuou e que certos desvios então justificáveis se têm mantido. A deficiência de recursos materiais e o desnatamento de muitos dos seus melhores elementos, pela impossibilidade em que estiveram de acompanhar a evolução do mercado do trabalho, justificam muito da sua moderada autuação. Mas não é a este tipo de organismos que podem ser assacadas as responsabilidades por esse facto.
Para além de todos os defeitos, de todos os erros, de todas as insuficiências, a organização de coordenação económica tem a seu crédito uma longa e difícil actividade que não há interesse em minimizar.
Precisa de ser restituída à pureza dos princípios norteadores da sua acção, reforçada na sua característica original de órgão colegial, mais bem dotada em recursos materiais e humanos, de ver mais afirmada a sua autonomia, para que da sua actuação se colham mais benefícios.
Pretender, pura e simplesmente, suprimi-la parece-me acto irreflectido que está longe de servir os interesses do País. Procurar substituí-la por uma organização corporativa que actua principalmente em obediência a visões sectoriais, que procura, antes de mais, consolidar posições adquiridas baseadas em estruturas a carecer urgentemente de reforma, parece-me por de mais perigoso.
Sr. Presidente: Já fui longe de mais e, pelo facto, apresento as minhas desculpas a V. Ex.ª e aos meus ilustres Colegas.
E mais longe iria, se V. Ex.ª mo permitisse, e se fosse agora apreciar a parte altamente positiva dos dezassete organismos de coordenação económica - e graças a Deus não me faltam elementos de muita valia -, mas creio que fugiria à ordem dos trabalhos e não quero que V. Ex.ª me chame a atenção.
Todavia, parece-me que o problema central que se pretendeu discutir foi o da sobrevivência ou não dos organismos de coordenação económica. Essa questão está, aliás, posta em declarações de voto ao parecer da Câmara Corporativa e constituiu o conteúdo fundamental das alegações do Sr. Deputado autor do projecto.
Posto assim o problema, estamos fora do âmbito do projecto de lei cuja economia assenta na existência dos mencionados organismos de coordenação.
Nesta conformidade, a Assembleia e o ilustre Deputado autor do projecto poderiam dar um contributo positivo à questão da existência desses organismos se, em vez do assunto apresentado, tivessem elaborado um projecto de diploma para a sua extinção.
Se assim acontecesse teríamos então oportunidade de, dentro da ordem dos trabalhos, tomar uma posição clara quanto à análise dos fundamentos dessa proposta.
Haveríamos de, nessa altura, discutir quais as funções que poderiam competir às corporações, se é que entre as que hoje os organismos de coordenação económica exercem algumas poderiam ser transferidas para aquelas instituições com real benefício para a colectividade.
Integrados os organismos de coordenação económica na Administração Central, haveríamos que aceitar, possivelmente, a não participação das corporações nas suas decisões, mas apenas uma mera audição; e no tocante às corporações estariam possivelmente em pior situação da que actualmente desfrutam. E haveríamos de examinar se os interesses de um sector seriam mais bem estudados e apreciados pelo facto de se extinguir uma Junta Nacional do Vinho, um Instituto do Vinho do Porto, integrados certamente numa Corporação da Lavoura, ou repartidas as suas actuais funções pelas Corporações da Lavoura e do Comércio e, possivelmente, da Indústria. Problema, complicado e complexo, necessitando de um estudo aprofundado que se não coaduna com o tipo de intervenção efectuado pelo Sr. Deputado autor do projecto.
Que necessita de ser revista a actuação dos organismos de coordenação económica e definidas melhor as suas funções, e, possivelmente, reduzindo, concentrando, ou até que se conclua pela sua integração nos órgãos centrais da Administração Pública, não temos hoje dúvidas; de resto, toda a máquina burocrática estatal estará hoje desactualizada em face dos anos que passaram sobre determinadas estruturas e a evolução acelerada da vida económica e do acréscimo das obrigações do Estado neste domínio.
Que o Governo tem consciência disso é testemunhado pelas declarações dos responsáveis de que está em curso a reforma dos ditos organismos de coordenação económica.
Daqui se infere da inoportunidade do projecto de lei em discussão, ao qual, como já acentuei, não posso dar o meu acordo.
Resta-me, pois, deste lugar apelar para a Administração no sentido de que promova com a maior brevidade a conclusão dos estudos em curso e realize com oportunidade as reformas que se impõem neste campo de actuação económica.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. David Laima - Sr. Presidente: Palavras de franco elogio são devidas ao engenheiro Camilo de Mendonça pela iniciativa do projecto de lei ora em discussão e que, em nosso entender, se reveste da mais iminente oportunidade e interesse.
Já foi dito - mas nunca será de mais repeti-lo! - que a ausência de uma representação legítima das actividades económicas privadas nos organismos para estaduais de coordenação económica é incongruência inadmissível.
Com efeito, a conciliação de interesses resultante de uma franca e válida colaboração entre os organismos autónomos privados e o Estado oferece a garantia de que os bens particulares e o interesse geral serão mais bem servidos.
O alheamento que tantas vezes se verifica, no ultramar, pelo menos em Angola, pela representação e pela colaboração dos interesses privados, quer nos referidos organismos para estaduais, quer em grupos de trabalho criados had hoc é, em nosso entender, deplorável. Infelizmente, a representação do sector do trabalho é ocorrência excepcional - o que, como é evidente, se não pode conceber.
Não se diga que as contingências locais justificam o divórcio que se assinala. Pelo contrário, cremos que são as próprias contingências locais que aconselhariam procedimento bem diverso, procedimento que se desejaria pautado pelas disposições do projecto de lei que se discute.
Para além do que se refere, parece-nos oportuno um segundo apontamento.
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Acreditamos que os governos das províncias ultramarinas não possam prescindir de uma coordenação económica paraestadual. Não acreditamos, porém, que certos organismos de coordenação económica existentes - estáticos, onerosos, alheios dos bens particulares e por conseguinte do bem comum - possam ter a utilidade pretendida. Outras estruturas mais esclarecidos ou mais actualizadas podem ser tentadas em Angola; felizmente já estão a ser tentadas.
Ao reiterar, pois, as minhas felicitações ao autor do projecto de dei a que dou o meu caloroso aplauso, faço o voto veemente de que o exemplo frutifique no ultramar, garantindo-se sempre, e mão apenas por excepção, a representação legítima e desejada dos interesses privados - capitai e trabalho - nos organismos de coordenação económicamente dinâmicos.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Convoco para amanhã, às 11 horas e 30 minutos, as Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral e Local. Amanhã não haverá sessão, para que essas Comissões possam continuar os seus trabalhos até onde entenderem necessário.
A próxima sessão será na sexta-feira, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade do projecto de lei sobre a designação
pelas respectivas corporações dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
José Dias de Araújo Correia.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
Augusto Domingues Correia.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
D. Custódia Lopes.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
O REDACTOR - José Pinto.
IMPRENSA NACIONAL
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