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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 92
ANO DE 1971 17 DE ABRIL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 92 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 16 DEI ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
Nota. - Foi publicado um suplemento ao n.º 88 do Diário das Sessões, inserindo um despacho que designa uma comissão eventual para estudar a proposta e os projectos de lei de revisão constitucional.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 89 do Diário das Sessões, com rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Alberto de Alarcão, Amilcar Mesquita o Correia da Cunha.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Sá Carneiro apresentou dois requerimentos, um, pedindo diversos elementos sobre publicações impressas não periódicas impedidas de circular em 1968,1969 e 1970, e, outro, pedindo uma relação de todas as transferências monetárias de Angola e Moçambique para a metrópole, autorizadas em 1970, referentes a lucros de sociedades comerciais com actividades naquelas provindas e u remunerações dos seus corpos gerentes.
O Sr. Deputado Henrique Tenreiro referiu-se à modificação do aspecto do porto de Vila Real de Santo António, graças às obras na barra do Guadiana.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira congratulou-se com as perspectivas da reforma administrativa que ressaltam das recentes declarações do Sr. Presidente do Conselho na primeira reunião do Conselho Coordenador da Função Pública.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre a Conta Geral do Estado de 1969.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Themudo Barata e Correia da Cunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Amílcar Mesquita, que com tão boa vontade se tem prestado a suprir a falta do 2.º secretário da Mesa, o favor de exercer mais uma vez essa função.
Vai proceder-se à chamada.
Eram, 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armiando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimenitel.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Gados Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Diavid Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
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Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo. João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Perão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Grua.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Vaiada o dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior. Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está em reclamação o n.º 89 do Diário das Sessões.
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Nem todos os passos da minha intervenção na ordem do dia do Diário das Sessões, ora em apreciação, terão sido assinalados como teria sido meu desejo Confio que os leitores saberão fazer a devida destrinça entre o que possa ser autoria própria e o que constitua citação do parecer. Muito obrigado.
O Sr. Amílcar Mesquita: - Sr. Presidente: Requeiro a V. Ex.ª se digne determinar a seguinte rectificação ao n.º 89 do Diário das Sessões: a p. 1783, col. 1.ª, parte final da 1. 14 e começo da 15, onde se lê: «... que, com ele, estão empenhados em colaborar ...», deve ler-se: «... que, com ele, querem colaborar ...»
O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente: Solicito que ao Diário das Sessões em reclamação seja feita a seguinte rectificação: na p. 1793, col. 2.ª, 1. 3, onde se lê: «a região constituída», deve ler-se: «a região como constituída».
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ª deseja usar da palavra sobre o n.º 89 do Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado, com as reclamações já apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De apoio à intervenção do Sr. Deputado Almeida e Sousa sobre os preços dos ferros e aços.
De apoio à intervenção do Sr. Deputado Fausto Monte-negro sobre problemas da região do Douro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para dois requerimentos o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Carneiro: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa os seguintes dois
Requerimentos
Roqueiro que mo sejam fornecidos os seguintes elementos:
Relação de todas as publicações impressas não periódicas impedidas de circular durante os anos de 1970, 1969 e 1968;
Autoridades que ordenaram as suas apreensões, entidades que a elas procederam, fundamento legal invocado e inúmero de autos de apreensão levantados;
Processos instaurados após as apreensões;
Destino das obras apreendidas e restituições ordenadas.
Requeiro que me seja fornecida uma relação discriminada de todas as transferências monetárias, de Angola e de Moçambique para a metrópole, autorizadas durante o ano de 1970, referentes a lucros de sociedades comerciais com actividades naquelas províncias ultramarinas e a remunerações dos seus; administradores e demais membros dos corpos gerentes.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na qualidade de Deputado pelo Algarve, seja-me permitido assinalar aqui, em breves palavras, a decisão tomada pelos Governos de Portugal e de Espanha, da abertura do concurso internacional, ontem (realizada, para a empreitada dag obras que irão defender e abrir à navegação, com segurança, a barra do rio Guadiana, modificando, por completo, o actual panorama do porto de Vila Real de Santo António.
Congratulo-me por verificar que, com a efectivação desse concurso, levado a efeito na sequência do Convénio assinado pelos dois países em 20 de Junho de 1969, ratificado em 8 de Maio de 1970, vai concretizar-se, a breve prazo, um importante melhoramento de relevantes reflexos na economia nacional.
Legítima aspiração de quem vive naquela região do Algarve que, pouco a pouco, verificara a quase total
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paralisação do seu porto, tanto no que diz respeito às embarcações de pesca como de comércio, as quais só ema condições muito precárias .e com sério risco de perda de vidas e de bens se aventuravam a transpor a, barra do Guadiana. A diata que assinala a abertura do concurso constitui já a certeza de que melhores dias virão para Vila Real de Santo António.
Os sectores das pescas e das indústrias de conservas de peixe, que têm sido, naturalmente, os miais afectados pelo estado a que chegou a referida barra, terão no futuro maiores possibilidades de se desenvolverem e as embarcações e os pescadores poderão, sem riscos a que agora estão sujeitos, exercer a saia faina e regressar a terra com a indispensável confiança na barra do seu porto de abrigo.
As obras previstas beneficiam sobremaneira ambos os países, cujos Governos demonstram sempre o interesse e propósito de solucionarem o magno problema que afectava o desenvolvimento das duas regiões limítrofes.
Pode afirmar-se que, tanto em Portugal como em Espanha, se trabalhou afincadamente para se vencerem as dificuldades que se depararam ao longo de meses de projectos e de estudos destinados a encontrar a forma adequada para a execução das obras indispensáveis ao empreendimento que vai ser finalmente levado por diante.
Mais uma vez o Governo esteve atento e se esforçou por proporcionar condições de trabalho e de defesa económica àqueles a quem a Natureza caprichara em negá-la?.
É, pois, grande e justificada a nossa satisfação ao verificar que os apelos foram escutados e que Vila Real de Santo António poderá olhar b futuro com maior optimismo.
Desejo salientar, em especial, a atenção e o muito empenho que o Sr. Ministro das Obras Públicas dispensou a este assunto, a esclarecida actuação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e a valiosa colaboração do embaixador de Portugal em Madrid. São também devidas as nossas homenagens fio Sr. Ministro das Obras Públicas de Espanha, que demonstrou toda a sua melhor boa vontade na resolução deste assunto.
Estou certo de que, oportunamente, as gentes da laboriosa vila ribeirinha saberão manifestar os seus agradecimentos ao Governo, que tão bem compreendeu as suas preocupações e anseios.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Em 15 de Janeiro passado proferi nesta sala algumas considerações sobre o funcionalismo público, reforma administrativa e dos serviços que considerei e considero de fundamental importância para â promoção económico-social do mundo português.
As minhas palavras de então não foram laudatórias, mas de crítica construtiva, porquanto apresentei situações negativas, anseios e necessidades que não permitiam e ainda não permitem à maquina administrativa e aos serviços o rendimento que a Nação espera, tem direito e exige.
Mas hoje, após meditar sobre as recentes declarações de S. Ex.ª o Presidente do Conselho na primeira reunião do Conselho Coordenador da Punção Pública, as minhas palavras são de agradecimento e plenas de certeza que S. Ex.ª e os seus colaboradores irão mais além do que solicitei nesta Casa.
Basta, com efeito, relembrar algumas passagens do discurso então proferido para bem demonstrar as razões da minha certeza.
Com efeito, disse S. Exa.:
Nos planos da reforma administrativa têm estado sempre presentes os problemas do pessoal. Como não haveria de ser assim? A Administração vive da actividade dos seus agentes. Toda a sua orgânica só é profícua na medida em que nos vários postos existam homens conscientes da sua missão, animados da vontade de servir e cumpridores dos seus deveres. O espírito de servir o público é e será sempre o principal motor de uma administração eficiente. E esse espírito havemos ide cultivá-lo, sublinhando a importância fundamentei que no progresso do País pode ter a acção dos funcionários do Estado e das autarquias locais e a dignidade e nobreza de que revestem a realização e defesa dos interesses gerais da colectividade.
Afirmou também o sr. Presidente, do Conselho:
Estamos a trabalhar para que, ao menos, estes - referia-se, como é óbvio, aos funcionários públicos e administrativos - não fiquem em situação desfavorecida em relação aos empregados e operários das empresas particulares.
E, finalmente, ainda disse S. Exa.:
O meu empenho, que é de todo o Governo, em que a reforma administrativa seja mais que um programa, seja mais que uma intenção, seja uma realidade efectiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca deixei de ter confiança nas altas qualidades do nosso Chefe do Governo, confiança que também todo o povo português inequivocamente partilha, tanto nos momentos de alegria como nos de graves preocupações, razão por que estou convicto de que tudo se fará para que o progresso do País seja uma realidade e, para tanto, real será, em futuro próximo, caminhando-se de forma segura, a reforma administrativa e dos serviços, molas reais onde assentou na década de trinta o ressurgimento nacional e assentará na década de setenta a evolução económico-social da Nação Portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão das contas gerais do Estado de 1969.
Acerca destas contas foi entregue na Mesa uma proposta de resolução que vai ser lida e publicada no Diário das Sessões.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de resolução
1. A Assembleia Nacional, tendo examinado os pareceres sobre as contas gerais do Estado respeitantes ao exercício de 1969, tanto da metrópole como das provindas ultramarinas, e concordando com as
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conclusões da Comissão idas Contas Públicas, resolve dar a essas contas a sua aprovação.
2. A Assembleia considerando, todavia, os grandes esforços e sacrifícios que estão a ser exigidos à Noção; a necessidade de continuarem os elevados encargos com «i defesa nacional, exigidos pela salvaguarda da unidade e integridade do País e, ao mesmo tempo, a necessidade de estimular também vigorosamente a sua economia; reconhecendo o acrescido peso e responsabilidade das tarefas que recaem, não só sobre o Governo, como também sobre toda a administração pública:
Chama a atenção para as recomendações constantes dos referidos pareceres e, nomeadamente, para as seguintes:
a) Que - de harmonia, aliás, com bem patentes propósitos do Governo, ainda recentemente reiterados - se torna urgente acelerar a execução de uma profunda, ainda que progressiva, reforma administrativa, que abranja as estruturas dos serviços públicos, os métodos e processos de trabalho, que assegure a conveniente preparação e recrutamento do pessoal, em particular do profissionalmente mais qualificado, para que se lhe possa assim vir a garantir tombem a adequada remuneração;
b) Que os prementes interesses da defesa e do progresso económico-social da Nação impõem que se intensifiquem as medidas para associar mais estreitamente o esforço da defesa ao do fomento, para coordenar mais Intimamente os departamentos militares entre si e estes com os correspondentes serviços civis.
c) Que se procure, através da melhoria dos meios materiais que equipam ou apoiam as forças armadas, economizar meios humanos, posto que o homem é a maior riqueza da Nação, não só como valor espiritual, mas também no plano da economia.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1971. - Os Deputados: Filipe José Freire Themudo Barata - António Bebiano Correia Henriques Carreira - Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva - José Gabriel Mendonça Correia da Cunha - Manuel Joaquim Montanha Pinto - Fernando de Sá Viana Rebelo - João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães - Manuel de Jesus Silva Mendes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Themudo Barata.
O Sr. Themudo Barata: - Sr. Presidente: Permito-me ocupar por alguns minutos a atenção da Câmara para explicar o sentido e o fundamento de conclusões que, em meu entender, deveriam aditar-se à usual moção com que esta Assembleia irá encerrar o debate «obre ais contas gerais do Estado de 1969.
Antes, porém, de entrar na matéria, credo importante uma declaração prévia, para que não haja lugar a erradas interpretações acerca dos intuitos ou dos pressupostos que estão na base do que irei dizer.
O problema ou problemas que irei referir não nasceram em 1969. Agravaram-se ao longo de vários anos e - verdade é também - não se vislumbra infelizmente que
hajam parado de agravar-se. Com a sua origem nada teve o Governo responsável pela gerência agora em apreço, apenas lhe cabendo naturalmente a sua quota-parte, como aos anteriores, neste tremendo fardo de trabalhos e responsabilidades, que é governar um país como o nosso, com os desfasamentos que apresenta no seu desenvolvimento económico e no nível cultural das suas massas e que, para além de tudo isso, atravessa horas das mais duras e das mais difíceis.
Portanto, nas considerações que irão seguir-se estão inteiramente fora de causa quaisquer ideias ou quaisquer propósitos de criticar pessoas, do presente ou do passado, tarefa que, aliás, seria bem mesquinha perante as batalhas tão árduas e tão sérias que todos juntos temos de travar e de vencer em várias frentes.
Por outro lado, os problemas quanto mais difíceis, no domínio individual como no colectivo, só ganham em encarar-se com objectividade, pois quer a matemática, quer depois também a vida, há muito me ensinaram que a primeira condição de sucesso para bem resolvê-los consiste em equacioná-los com clareza. E isso que tentarei.
O parecer, sempre tão completo e tão claro, da Comissão de Contas Públicas, fornece alguns dados sobre a vida económica e financeira do País em 1969, que não podem considerar-se tranquilizadores e que creio dignos de atenta reflexão.
Nos aspectos que me proponho tratar, sintetizá-los-ei da forma seguinte:
A taxa de crescimento do produto nacional, que já do anterior vinha sendo baixa, reduziu-se apreciavelmente;
A defesa nacional ocasionou encargos financeiros do nível dos anos anteriores, continuando a absorver elevados efectivos;
A emigração prosseguiu e foram as suas tilo aleatórias receitas que lograram equilibrar, já com pequena margem, a balança de pagamentos metropolitana;
A máquina do Estado, sobre a qual recaem tarefas cada vez mais pesadas, carente de meios - sobretudo de meios humanos, mas também de produtividade -, debate-se com obstáculos cada vez maiores para coordenar e dinamizar a vida do País.
Já por mais de uma vez tive ocasião de aqui referir o que penso sobre as verdadeiras proporções do esforço de defesa que está a ser exigido à Nação; de afirmar, contrariando o que é usual pensar-se, que aquilo que considero mais pesado não são os encargos financeiros, os quais, em valor absoluto, nada têm de exagerados, mas sim o elevado potencial humano a que há que recorrer; de chamar a atenção paira a urgência e a importância de coordenar mais estreitamente a economia e a defesa e os próprios departamentos militares entre si; e sempre pude verificar o eco que aqui encontraram tais pontos de vista e o apoio unânime que tiveram quando expressos em moção ou em textos legais que tive a honra de apresentar.
Já por várias vezes insisti também - e continuarei insistindo - pela urgência de caminhar mais afoitamente na chamada Reforma Administrativa.
Ora, todos estes assuntos se prendem Intimamente uns com os outros e todos requerem meios, requerem ponderação e requerem tempo. "Por isso, compreendo e respeito as preocupações d.e prudência e de cautela com que o Governo pretende caminhar, mas penso que a situação impõe, nestas matérias, uma acção vigorosa e
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dinâmica, ou seja, por outras palavras, que aqui se requer um forte e corajoso sopro de renovação.
Somos, na verdade, um povo singular. Dizemo-nos um país pobre e desperdiçamos com enorme prodigalidade e a maior despreocupação a nossa maior riqueza - o capital humano.
Desperdiçamo-lo pela emigração, exportando mão-de-obra, e considerando-nos compensados ao receber em troca modestas economias, arrancadas com sacrifícios e privações, economias estas que, evidentemente, representam apenas uma parcela do acréscimo de riqueza que esses trabalhadores portugueses produziram em benefício dos países estranhos que os acolhem e nem sempre os acarinham.
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Eu creio ter ouvido V. Ex.ª dizer que desperdiçamos mão-de-obra - o que é um facto -, mas o que eu não percebi bem era se no entender de V. Ex.ª nós a deixamos partir por gosto ou por ainda não termos sido capazes de o evitar?
E como me preocupa muito a forma de evitar a emigração, gostaria muito de ver um contributo de V. Ex.ª para isso.
O Orador: - A resposta às suas palavras está dada na segunda disjuntiva de V. Ex.ª
O Sr. Camilo de Mendonça: - É que eu estou de acordo, e creio que levantei aqui o (problema em termos perfeitamente claros: a emigração constitui um drama, drama para o País num futuro próximo, drama para as regiões, drama para os emigrantes, que bem conheço, até porque tenho convivido intimamente com eles.
O que para mim é mais grave ou mais difícil é saber como vamos resolver o problema em tempo e por outro lado que não fique a ideia de que nos conformamos com isso. Ainda não vi ninguém conformado com isso. Vejo que as coisas acontecem, anãs que ninguém desejava que acontecessem.
Se em algum momento se pensou que a emigração era uma solução para o problema da balança de pagamentos, não creio que seja essa a opinião dominante no momento, felizmente.
O Orador: - Nem minha.
A resposta às minhas perguntas deu V. Ex.ª com a segunda (disjuntiva. Nas considerações que irão seguir-se creio mostrar - não era ocasião agora para abordar o problema da emigração, nem estou preparado com dados para isso - que as nossas dificuldades provêm do nosso atraso económico, que se traduz essencialmente numa baixa produtividade em todos os sectores, como adiante referirei.
Portanto, não nos era possível absorver nas devidas condições de dignidade humana essa mão-de-obra que sai do País.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Com certeza, a minha nota era só para este aspecto; nós conformamo-nos de facto, mas não em espírito nem como desejo com. a emigração, que respeitamos como direito natural. Tudo devemos fazer para nas suas causas a desnecessitar.
O Orador: - Muito obrigado.
Desperdiçamo-lo abundantemente em actividades económicas que teimam em não compreender os novos tempos, como é o caso de grande parte da nossa agricultura e de tanta ainda da nossa indústria, com unidades sem dimensão, sem técnica, sem adequada gestão, verdadeiras «subempresas», que naturalmente só podem facultar «subempregos».
Desperdiçamo-lo, sem porventura medirmos bem todo o seu montante, nos vários serviços públicos.
Vejamos, por exemplo, o caso das forças armadas.
Não será difícil apontar vários factores desse desperdício: a carência de meios materiais que permitam tirar todo o rendimento dos seus homens; não se haver ainda conseguido uma efectiva coordenação que evite a dispersão de serviços afins, não só entre os próprios sectores militares, como também entre estes e os correspondentes serviços civis; não havermos ainda vencido velhas e enraizadas rotinas, como é o caso de se não haver ainda dado à mulher o papel que ela poderia e mereceria ter no gigantesco esforço que está a ser exigido para defesa da Nação, e como é o caso, também, de continuarmos dedicando apreciável parte do contingente anual e do pessoal dos respectivos quadros permanentes a tarefas em que poderiam grandemente ser aliviadas as forças armadas.
Não seria lógico, por exemplo, pretender que todas as populações civis, não só as das aldeias, mas também as das vilas e cidades, toda a gente, em suma. das áreas onde se pretenda infiltrar a subversão, prestasse mais activo contributo para a sua autodefesa?
Seria absurdo meditar os ensinamentos de Israel, que, no interesse da- sua economia e na linha dos seus conceitos de segurança, concluiu dever levar a coordenação dos seus serviços militares ao máximo possível de centralização entre si e de integração com os serviços civis?
Os hospitais militares israelitas, por exemplo, passaram na quase totalidade para o respectivo Ministério da Saúde, ficando a cargo das tropas unicamente os hospitais de campanha. Nós, pelo contrário, persistimos em manter serviços distintos, e em grande parte paralelos, em cada um dos três ramos das forças armadas.
Que desoladora diferença!
A recente nomeação, para Angola, do respectivo secretário provincial deixa, todavia, supor que as ideias anteriores estilo ganhando algum terreno, que já não são tidas por heréticas, ao menos nos domínios da saúde.
Oxalá se caminhe rápida e decididamente neste sentido, neste como noutros domínios, e que as forças armadas sirvam uma vez mais de exemplo, promovendo, o mais prontamente possível, a efectiva integração entre tantos sectores que lhe são comuns.
Seria, afinal, uma forma mais de pôr cobro a este perdulário desperdiçar de energias que tanto entrava o nosso progresso económico e mais pesada torna a nossa defesa.
Procurarei esclarecer a situação com a ajuda de algumas cifras.
Foram atribuídas à defesa nacional verbas que, em 1969, se aproximaram de 10 por cento do nosso P. N. B. Todavia, estes dispêndios, que são grandes para nós sem a menor dúvida, em si mesmos são inferiores aos da generalidade dos nossos companheiros na N. A. T. O.
Na verdade, embora sejamos, entre todos, o único país com operações militares activas no seu território, as nossas despesas militares sómente são superiores às do Luxemburgo. Mesmo em relação aos pequenos países da Europa de Leste, apesar do seu mais baixo nível de vida, tão pouco são excessivas, pois apenas a Bulgária as tem ligeiramente menores.
Não deverá ser, por conseguinte, neste ponto que reside a verdadeira razão dos nossos males.
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Uma das razões será evidentemente o nosso grande atraso económico-social, mas a outra, talvez a mais importante - ainda que corolário, em certa medida, da anterior -, é que, ao contrário daqueles países, vemo-nos forcados a empenhar no esforço militar percentagem muito superior da nossa mão-de-obra activa.
Mesmo uma nação como a Austrália, com um continente inteiro u sua guarda, com população pouco superior à do Portugal europeu, participando ainda em operações no Vietname, ocupa no serviço militar percentagem muito inferior da sua população, embora lhe destine um volume de recursos muitíssimo superior.
Na realidade, em 1970, a Austrália afectou ii defesa verbas da ordem, dos 35 milhões de contos, mas, em contrapartida e mercê precisamente dos meios materiais de que assim dispõem as suas forçais armadas, utiliza muito menos de metade dos efectivos que nós necessitamos.
Os problemas, é verdade, não são iguais, mas o contraste é bem flagrante.
Ainda há pouco o País pôde certamente aperceber-se, através da exposição clara e autorizada do general comandamte-chefe das Forças Armadas em Moçambique, da importância e da vantagem da melhoria da mobilidade, quer táctica, quer estratégica, na economia não só de tempo como também de energias humanas.
Evidenciou, por outro lado, essa exposição como um reorudescimento da nossa actividade operacional conduz, no fim de contas, a uma redução das perdas humanas motivadas pela subversão, as quais, nos casos descritos, chegaram a baixar para a ordem da terça parte.
Parece, portanto, evidente que neste domínio haverá ampla matéria para reflexão e também para úteis e urgentes ajustamentos.
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Estou a ouvi-lo com o maior interesse, e têm a maior importância as considerações que V. Ex.ª está a fazer. É que tenho a impressão de que nem toda a gente se dá conta de que se não foram as despesas militares a que somos forcados em África, pouco menores poderiam ser as nossas despesas militares por força das obrigações da N. A. T. O. Eu creio que este ponto referido por V. Ex.ª é extraordinariamente importante e por isso o ouvi com muita satisfação e me julguei no dever de o acentuar.
Sobre outro ponto, se V. Ex.ª me permite, eu queria fazer uma observação. É que em relação à afirmação do Sr. Comandante Militar em chefe de Moçambique há também uma observação a fazer: é que essa mobilidade, se possibilita uma redução de homens, conduz a um aumento de despesas. E é cloro também que essa mobilidade, que aquele nosso valoroso comandante pode por em prática, conseguiu-o, na medida em que lhe deram maiores meios materiais para a poder processar. Há assim uma opção que teremos de fazer nesse aspecto: entre os homens que dispomos e os meios que temos de investir. Uma coisa sem a outra poderia parecer que se poderiam fazer morcelas sem sangue.
O Orador: - Muito obrigado pela sua intervenção, Sr. Engenheiro Ramiro de Mendonça. E como eu já tive ocasião de dizer várias vezes, arama época, como esta, dominada por técnicas evoluídas, com emprego de computadores, e que adoptam o nome de investigação operacional, julgo que seria exactamente uma matéria para ser encarada por essa perspectiva e ver qual seria a optimização dos resultados no plano de economia.
Este (mesmo problema, se pode colocar, em termos gerais, em relação a toda a máquina da nossa administração pública.
Diz-nos o parecer que os servidores civis do Estado eram, em 1968, de cerca de 160 000, havendo ainda mais de 10 por cento de lugares vagos.
Se consultarmos as listas das grandes empresas mundiais, verificaremos que este número só é excedido por 9 ou 10 de entre as maiores.
Ora, é já lugar comum afirmar-se que a sua prosperidade e eficiência estão Intimamente ligadas ao cuidado que dedicam aos seus problemas de pessoal.
Em estudo difundido por um destes autênticos impérios dos novos tempos, chamava-se a atenção para este ponto: tentava pragmaticamente avaliar-se quanto custaria reconstituir o potencial humano de uma empresa, chegando a cifras enormes para exprimir o seu valor económico, e concluía-se por afirmar que um chefe que conseguisse melhorar a capacidade de produção e, portanto, o valor do seu pessoal em apenas 5 por cento, duplicaria, por esse simples facto, o lucro líquido do seu departamento.
Por terem bem claras estas noções, todas as empresas pesam seriamente o prejuízo que para elas representa a saída do seu pessoal qualificado e, em geral, a perda de interesse ou de motivação dos seus servidores, para impedirem aquilo a que alguém já chamou, com ironia mas com muita propriedade, a «reforma no efectivo», isto é, a situação daqueles que estão fisicamente presentes, mas não produzem.
O Estado pressiona - e muito bem - as actividades privadas para que se actualizem rapidamente nos métodos e processos de trabalho e nos conceitos que orientam a sua gestão, com a finalidade de as fazer alcançar níveis de produtividade que assegurem justa e estimulante remuneração, quer ao capital, quer ao trabalho. Não será, por consequência, razoável e. mais do que isso, absolutamente inadiável, empreender uma pronta e corajosa reforma que proporcione à máquina do Estado os meios e o vigor necessários para que seja um mais activo dinamizador do desenvolvimento do País?
Por mim, creio-o sinceramente, pois penso que a verdadeira causa das nossas dificuldades económicas está mais no atraso das mentalidades e na mediocridade de conceitos do que propriamente na pobreza dos recursos materiais com que Deus nos dotou.
Perante uma das clássicas crises de desemprego ninguém discutiria que entre as primeiras e mais imperativas das providências estaria, com certeza, a de dar sem demora trabalho aos desempregados.
Pois eu direi que quando nos encontramos numa situação como a actual, que, para o mundo em que vivemos, representa uma crise algo similar, uma crise crónica de progresso, porque tem na base uma crise endémica de produtividade, as mais imperativas e urgentes das medidas serão aquelas que visem vencer este «desemprego invisível», que entorpece e emperra a nossa economia e a nossa administração.
Se víssemos atingida pelo desemprego metade da população portuguesa, consideraríamos isso - e com toda a razão - uma trágica calamidade, perante a qual não hesitaríamos em agir pressurosamente e sem contemplações, em obediência às mais sãs e comezinhas exigências de ordem social.
Pois, em termos de produção, existe entre nós calamidades paralela, ainda que disfarçada ou diluída sob a
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forma subtil desse «desemprego invisível» que atinge todos aqueles que, em maior ou menor grau, voluntária ou involuntariamente, trabalham sem produzir.
O Governo, só por si, não pode fazer o milagre de mudar subitamente as mentalidades. de desenraizar num só dia velhas rotinas.
Porém, se todos nisso colaborarmos, ajudando-o na indiscutível boa vontade e devoção com que pretende servir o País, sem dúvida caminharemos mais depressa!
E esse, pois, o sentido da moção que, conjuntamente com outros ilustres colegas, tive a honra de submeter à consideração desta Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O orador fui cumprimentado.
O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pretendo ser extremamente breve neste depoimento sobre as Contas Gerais do Estado de 1969. Ao fazê-lo, não quero repetir-me nem tão pouco reforçar opiniões de ilustres Deputados que me antecederam nesta tribuna. Pretendo apenas procurar cumprir o que considero um dever inalienável, chamando a atenção do País para o que se não lê ou apenas se subentende no documento em questão.
Em primeiro lugar, não é difícil depreender que a nossa situação económica se está progressivamente deteriorando. Não adianta ignorá-lo ou tentar ocultar o facto. Importa, sim, que um número cada vez maior de portugueses tome consciência da realidade e se prepare para os inevitáveis sacrifícios a que não poderemos fugir. Se a tarefa for repartida por todos, o fardo tornar-se-á menos pesado.
É também evidente que a guerra condiciona cada vez mais a economia portuguesa. Com o tempo, as forças produtivas estão-se adaptando a uma situação que não pode deixar de ser considerada anormal. Só não se sabe em que medida o processo é reversível e até que ponto as situações de emergência poderão transformar-se, a médio prazo, em elementos motores de progresso económico e social. Torna-se extremamente difícil programar e decidir conscientemente nestas condições, e só com o recurso a muita prudência, bom senso e devoção à causa comum se poderá conseguir algum êxito.
Na verdade, que ambiente se vive hoje em Portugal? Serão as nossas atitudes pautadas pela perfeita consciência da gravidade do momento que se atravessa? Puseram-se de lado ambições pessoais, interesses mesquinhos, orgulhos ridículos, agravos e disfunções? Arregaçaram-se as mangas para trabalhar mais e melhor, para produzir o que nos falta e vender o que nos sobra?
Ou, pelo contrário, aderimos mais ou menos inconscientemente à doutrina do «salve-se quem puder», do «não vale a pena», ou do providencial! Mas que ainda acredita nos rasgos pessoais de alguém que há-de vir para conduzir a nau a bom porto?
Pois, meus senhores, quando o Governo orienta e comanda o esforço renovador, planeia, propõe e executa as reformas necessárias, não esquece que cada vez mais a sorte do País depende da capacidade, da resolução, da tenacidade dos seus cidadãos. Disse-o Marcelo Caetano, com a convicção e a autoridade de quem, nesse capítulo, está dando ao País um impressionante exemplo.
Não se ganham guerras e superam crises com discursos inflamados e louvaminhas; ganham-se com trabalho, com sacrifício, com fé e audácia. Ganham-se em cada escola, em cada fábrica, em cada empresa agrícola.
É aí, nos postos de trabalho e no íntimo de cada um de nós, que se joga a sobrevivência da Pátria. 15 por isso que eu tanto espero da nossa juventude, da sua generosidade e capacidade de aderir às causas nobres; e é por isso também que eu abomino todos os vendilhões de drogas e falsidades, que, por todos os meios, a querem corromper e trair. Refiro-me tanto aos traficantes que a induzem a consumir «quilómetros de prazer», como àqueles outros que a anestesiam com a miragem da vida fácil, irresponsável, em que se salientam apenas direitos e se esquecem deveres.
É tempo de vivermos da harmonia com a grandeza do momento que passa e de olharmos para o futuro com a disponibilidade de quem já pouco espera do passado.
Impressionado com o que vi e ouvi na grande Angola que visitei há meses, ansioso por ajudar II acelerar a mobilização dos enormes recursos que lá existem, lancei aqui um repto aos homens da minha, geração - técnicos, professores, cientistas - para que dessem um pouco do seu esforço ao desenvolvimento do ultramar. Nem sequer ouvi o eco da minha voz.
Será que o espírito de missão foi totalmente esquecido?
Será que interessa mais saber o preciso sentido da palavra autonomia do que lutar para que todos os portugueses, de cá e de lá, vivam melhor e se sintam cada vez mais ligados à sua terra?
Ao fazer esta pergunta, penso angustiadamente no drama de tantos dos nossos irmãos a quem não foi dada a oportunidade de se valorizarem, integrando-se de pleno direito, e em tem a portuguesa, numa sociedade evoluída.
Mas, neste momento, já não são necessários apenas dirigentes. A mobilização que preconizo tem de ser mais ampla. Não pode deixar de lado a enorme massa de jovens estudantes que anseia por ocupar os tempos livres nas tarefas mais diversas, contribuindo utilmente para o desenvolvimento de muitas actividades. Mas, para além das colocações a que normalmente se candidatam, quantos não estarão dispostos a participar em vindimas, colheita e calibragem de frutos, cursos de aperfeiçoamento para rurais, acompanhamento de núcleos de emigrantes e tantos outros- serviços!
Em países mais desenvolvidos do que o nosso há a preocupação de não deixar que se percam colaborações tão preciosas pela qualidade e a alegria com que são oferecidas.
É importante que este assunto seja encarado por qualquer via, ainda antes que o quadro demográfico legado pela última década nos mostre, em toda a sua crueza, quão profundamente o surto emigratório está a alterar as estruturas tradicionais das áreas pobres do País.
Mas não me quero cingir apenas à mobilização das pessoas e dos bens de produção; não quero pedir apenas que se distribua melhor um rendimento que deve ser de todos; não quero pôr apenas em causa o desperdício, a inépcia ou a cupidez. Quero lembrar também que existe um trunfo ainda mal jogado e que pode vir a pesar decisivamente nesta arrancada em que todos nos temos de empenhar. Refiro-me ao interesse estratégico da localização do nosso país numa das maiores encruzilhadas do mundo actual. Ainda que se não queira considerar e valorizar devidamente os preciosos pontos de apoio que são as ilhas dos Açores e Cabo Verde, bastará dedicar um pouco de atenção a um mapa do hemisfério ocidental para se concluir pela actualidade dos factores geográficos que fizeram de nós os principais protagonistas da epopeia dos Descobrimentos.
Hoje a situação é outra, evidentemente. Mas a nossa posição de finisterra num continente superocupado como
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a Europa permite-nos beneficiar do privilégio de constituirmos a plataforma de chegada ou partida para um certo tipo de ligações marítimas ou aéreas transcontinentais.
Possuímos, na realidade, todas as condições para voltarmos a ser uma das charneiras fundamentais desta engrenagem complexa de transportes que serve a economia dos nossos dias.
Em relação ao terminal aéreo, preparado para receber aviões gigantes em vagas sucessivas ou os supersónicos que se encontram em fase de ensaio, apenas direi que me parece termos perdido tempo demasiado na sua apresentação ao mundo. Continuamos & ter condições excelentes, mas prescindimos ingloriamente das vantagens da antecipação. Neste ponto, resta-me desejar que se trabalhe bem e depressa.
Quanto às instalações portuárias, atentemos no afã com que por toda a fachada atlântica do velho continente se estudam localizações e se aliciam eventuais utilizadores. Os nossos amigos espanhóis depositam as maiores esperanças na ria de Villagarcia de Arosa, pouco a norte de Pontevedra. Nenhum dos grandes portos da Europa atlântica, para além da Mancha, está em condições de dar acesso fácil aos petroleiros gigantes e aos grandes mineraleiros. Eles requerem fundos e uma superfície de manobra que transcendem o que é normal encontrar-se em portos de estuário. E a Mancha, a estrada marítima mais congestionada do mundo, impede o acesso aos grandes portos do Mar do Norte.
A conjuntura parece ser, pois, extremamente favorável ao aparecimento desse terminal na nossa costa. Possuímos condições magníficas para o efeito. Mas temos de nos deitar ao trabalho, e depressa, fazendo por esquecer os nossos pequenos problemas para pensar apenas no interesse nacional.
O Governo não se tem poupado a esforços para induzir esse estado de espírito entre todos, lançando-se em iniciativas cuja dimensão e fundamento garantem melhores perspectivas para o futuro.
Temos Cabora Bassa, temos uma rede de auto-estradas, temos um grande aeroporto, temos um grande complexo industrial ...
Está-se a gerar, neste momento, o Portugal do ano 2000.
Não podemos deixar de corresponder, com todo o entusiasmo, a essa responsabilidade. Por isso o sentimento que expresso ao aprovar um parecer, que subscrevo, sobre as Contas Públicas de 1969, é o de uma grande esperança na nossa capacidade global de vencer obstáculos e fazer obra para o futuro. Assim saibamos trabalhar e agir de acordo com a transcendência do momento que se atravessa.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados: Este debate continuará, mas há-de concluir-se na sessão de terça-feira próxima.
Estão presentemente imperitos para essa sessão, e sobre a matéria da ordem do dia, sete Srs. Deputados, e não tenho a certeza se não se inscreverá mais algum. Queria pedir a atenção de VV. Ex.ªs para o facto de que nem em todos os tem as que se aproximam poderá ser significante para a Assembleia e útil para a condução dos trabalhos que comecem os debates com um ou dois oradores e nos últimos dias se juntem todos. VV. Ex.ª não precisam que eu lhes diga mais nada, mas desculpar-me-ão que me sinta na obrigação de lhes dizer isto.
Na terça-feira haverá sessão à hora regimental. A primeira parte da ordem do dia dedicá-la-emos à eleição do 2.º secretário da Mesa, para substituir a vaga aberta pela escusa do Sr. Deputado Mota Amaral. A segunda parte da ordem do dia será dedicada à conclusão da discussão das contas gerais do Estado do ano de 1969.
Para quarta-feira, dia 21, será marcada como ordem do dia a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Cancela de Abreu sobre a reabilitação de deficientes.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Júlio dos Santos Almeida.
Bento Benoliel Levy.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Francisco José Pereira.
Pinto Balsemão.
José Dias de Araújo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel José Archer Homem de Mello.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Vasco Moda de Pereira Pinto Costa Ramos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Peneira de Magalhães.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João Manuel Alves.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Miaximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rui de Moura Ramos.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - José Pinto.
IMPRENSA NACIONAL
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