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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 95

ANO DE 1971 23 DE ABRIL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 95 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 22 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amilcar da Costa Pereira Mesquita

Nota. - Foi publicado um 4.º suplemento do n.º 88 do Diário das Sessões, que insere os pareceres da Câmara Corporativa n.ºs 22/X (proposta de lei n.º 14/X), 23/X e 24/X (projectos de lei n.ºs 6/X e 7/X) sobre alterações à Constituição Política.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Ur. Presidente informou ter sido visitado por um filho do falecido Deputado Antão Santos da Cunha para agradecer, em nome da família, o pesar manifestado pela Assembleia quando da morte de seu pai.
O Sr. Presidente assinalou em seguida a celebração do dia da comunidade luso-brasileira.
Sobre o mesmo assunto falaram os Srs. Deputados Franco Nogueira, Roboredo e Silva, D. Custódia Lopes, Martins da Cruz e Júlio Evangelista.

Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade do projecto de lei sobre a reabilitação e integração social dos indivíduos deficientes.
Usaram da palavra os Sn. Deputados Ricardo Horta, D. Raquel Ribeiro, D. Luzia Beija, Eleutério de Aguiar e Almeida e Sousa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Heis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada dó Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.

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Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joio Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Rute de Almeida Ganrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bossa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro. Baessa.
Prabacor Baú.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão. Tomás Duarte da Camará Oliveira Dias. Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não tenho expediente a submeter hoje ao conhecimento da Assembleia, mas desejo informar VV. Ex.ª de que fui ontem visitado por um filho do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha, que me exprimiu os agradecimentos da sua família pelo pesar manifestado pela Assembleia Nacional quando do falecimento de seu pai, nosso colega.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Celebra-se hoje o dia da comunidade luso-brasileira.

Foi por um movimento da Câmara dos Deputados do Brasil que foi instituído originariamente o dia da comunidade luso - Brasileira e escolhido para o celebrar anualmente a data de 22 de Abril.

Na nossa Assembleia Nacional, em 22 de Março de 1967, foi votada por unanimidade uma moção em que se significava o apreço por essa resolução da Câmara dos Deputados do Brasil e se pedia ao nosso Governo para instituir paralelamente, em Portugal e na mesma data, a celebração da comunidade luso-brasileira.

Efectivamente, por decreto de 22 de Abril de 1967, foi também instituído no nosso país o dia 22 de Abril como cie celebração da comunidade luso-brasileira.

Nem sempre a Assembleia Nacional tem estado reunida nesta data. No ano passado encontrávamo-nos em trabalho e comemorámos o dia; hoje encontramo-nos de novo em trabalho e é justo que novamente celebremos o dia.

Fixei certa vez o conceito de um respeitado pensador espanhol, que afirmou: «A Pátria é espirito», «La Pátria es espiritu.»

Como se há-de explicar senão pelas forças misteriosas, mas poderosíssimas, de todo o domínio não material da personalidade humana a intensidade dos laços de vizinhança, o poder do sentimento de origem comum, o amor pátrio e o sentido de comunidade com os povos afins? Como se há-de explicar tudo isto senão por aquelas forças do espírito que nenhum parâmetro físico pode medir, mas que afinal dominam o mundo?

Ainda que hoje a nossa celebração da comunidade luso-brasileira seja essencialmente um acto de espírito, ele há-de contribuir para fortalecer os ânimos e as decisões no campo da materialidade, que darão, dia aipos dia, ano após ano, a comunidade luso-brasileira todo o seu significado espiritual, toda a sua força política, porventura até toda a força material que pode resultar do bom entendimento de dois povos que têm tanto de comum e querem preservar tão fortemente e tão dedicadamente as suas heranças comuns, não sem embargo de, não menos ciosamente, preservarem as independências de cada qual nas suas determinações.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Quis assistir à sessão de hoje S. Exa. o Embaixador do Brasil, dando assim uma prova de quanto ele próprio, o seu Governo e a sua grande Nação têm em apreço a comunidade luso-brasileira e todos os actos tendentes a enaltecê-la e a fortalecê-la.

Creio interpretar os sentimentos de todos VV. Exas., e satisfarei profundamente o meu próprio, dirigindo daqui a S. Ex.ª uma palavra de especial cumprimento em que vai todo o carinhoso respeito e estima que nós sentimos pela grandeza do seu país e toda a confiança e esperanças que depositamos no apoio dessa mesma grandeza ao fortalecimento da nossa própria grandeza portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra para se ocupar deste assunto, e outro não preencherá hoje o nosso período de antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Franco Nogueira. E, dada a dignidade da matéria, peco-lhe o favor de subir à tribuna.

O Sr. Franco Nogueira: - Sr. Presidente: Por imposição de lei, e tanto no Brasil como em Portugal, celebra-se hoje o dia da comunidade luso-brasileira. Por imposição de sentimentos nacionais, partilhados no Brasil e em Portugal, invocamos hoje a fraternidade incomparável que liga os dois países. Mas não seria necessário para esta celebração que a lei o dispusesse: o querer dos dois povos antecedeu a iniciativa dos legisladores, e foi tão claro e tão forte que estes se limitaram a dor expressão a uma vontade colectiva.

E nem seria preciso tão pouco marcar um dia para nos recolhermos num pensamento comum: porque este é uma constante íntima de que as duas nações se não podem apartar. Mas foi bem, Sr. Presidente, que se tivesse escolhido como símbolo para esta comunhão a data em que no ano remoto de 1500 as naus portuguesas «houveram vista de terra».

Foi bem, Sr. Presidente, que se designasse um momento em cada ano para que desviássemos das preocupações quotidianas o nosso sentir e os nossos pensamentos, e os concentrássemos nesse objectivo superior, que é a comunidade luso-brasileira. Será assim ajustado no dia de hoje olhar o passado, e ver o que se fez, e evocar o futuro, para averiguar o que se deva ou possa fazer. Não pretendo decerto anunciar numa palavra breve os passos maiores que nas últimas décadas têm sido dados no campo das relações entre o Brasil e Portugal: são já complexas por de mais para que caibam numa síntese rápida. De festo, julgo saber que outros colegas se ocuparão de muitos outros aspectos. Mas os caminhos percorridos são já longos.

Desde o Tratado de Amizade e Consulta até aos acordos de 1966, muito se tem construído, muitas pedras fundamentais têm sido dispostas, e pode talvez afirmar-se que o quadro jurídico da comunidade está traçado nas suas grandes linhas. Está pelo menos delineado com nitidez bastante para que aos dois povos sejam viáveis as mais arrojadas iniciativas e possam, se esse for o seu querer, rasgar os mais audaciosos horizontes. No imediato, e além do problema em debate nos dois países, sobre o estatuto jurídico - político de brasileiros em Portugal e de portugueses no Brasil, outras questões poderiam acaso ser ventiladas com proveito, e decerto o seu estudo e solução estará no ânimo dos dois Governos. Neste particular, serão de referir problemas culturais, como o do acesso do livro português ao mercado brasileiro, já que não sofre embaraços o do livro brasileiro ao mercado português; ou problemas de cooperação técnica- e de intercâmbio de especialistas e investigadores; ou problemas de colaboração económica e comercial; ou até problemas de defesa que importam «os dois povos e que aparecem coda vez mais evidentes.

Moa todos estes aspectos, Sr. Presidente, e muitos outros, podem ser havidos como secundários e de somenos importância e urgência perante a questão básica, e que me atreveria a formular deste modo: que Ideia, que visão, que conceito político - sociológico queremos nós, de um lado e outro do Atlântico, fazer da comunidade luso-brasileira? Posta assim a questão - e creio que esta é, pelo menos, uma forma de a apresentar com toda a sua profunda seriedade e alcance -, logo Vemos que estamos num terreno político que deveremos examinar com frieza e com realismo. Com uma frieza e com um realismo que não esqueça os problemas imediatos, mós que os ultrapasse e que não se alheie dos aspectos sentimentais, mas que os supere, porque se trata, em última análise, de edificar em permanência e de construir em grande. Se partirmos destas premissas, haveremos logo de tirar mais de uma conclusão.

Antes de mais, não devem os relações luso - brasileiras sofrer de insegurança e de instabilidade, e isto quer dizer que não podem estar à mercê de dúvidas ou interrogações periódicas; nem devem processar-se em função de conjecturas políticas de uni ou outro dos dois países, e isto significará que devem constituir coordenadas constantes da política nacional de ambos...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - nem devem ser conduzidas em termos de modas ideológicas de ocasião, e isto implica a sua independência quanto a conceitos teóricos ou idealistas, efémeros e transitórios, que num dado momento histórico beneficiem no mundo de maior ou menor audiência ou tenham maior ou menor curso internacional...

O Sr. Júlio Evangelista: - Muito bem!

O Orador: - ... e nem devem finalmente subordinar-se a desígnios de terceiros ou a pressões interesseiras de alguns, e isto implicará a recusa de seguir oportunismo políticos alheios para apenas considerar os interesses permanentes e vitais do Brasil e de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E estes dados singelos, Sr. Presidente, parecem-me importantes, porque apenas a partir dos mesmos julgo ser viável construir obra duradoura que acredite na história a visão dos dois povos. Mas aqueles dados são ainda importantes, porque dos mesmos decorre toda uma filosofia e uma economia da comunidade luso-brasileira e que se podem desdobrar naquelas ramificações que descem às minúcias e abrangem os aspectos relevantes da vida de portugueses e brasileiros. Neste sentido, o quadro comunitário poderia bem constituir uma maneira de ser, uma maneira de sentir, uma maneira de actuar no mundo como luso-brasileiros - perante nós próprios e sobretudo perante outros.

Dever á daqui deduzir-se que a comunidade luso-brasileira se cinge a um estado de espírito, construído sobre a mesma língua, caldeado no mesmo sangue, firmado na mesma religião, assente na mesma cultura? E isso, é tudo isso. Mas é e pode ser muito mais do que isso. Pode ser a influência, perante terceiros, de um conjunto de mais de 100 milhões de pessoas, actuando no Mundo com desígnios paralelos; pode ser o peso de vastas áreas na América, na África, na Europa, com os seus recursos, as suas posições estratégicas, os seus portos, as suas vias de penetração, os seus contactos com outros povos. Mas se tudo isto é uma visão possível, também, por outro lado, tudo isto é incompatível com quaisquer restrições que um dos - países faça à estrutura política ou territorial do outro, ou com quaisquer hesitações quanto à defesa dos valores que são essenciais a ambos, ainda que hajam de caminhar ao arrepio do que terceiros, no seu próprio interesse e não no nosso, possam acaso advogar.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - É neste particular será lícito pensar que o Brasil, certo como deve estar de que posições portuguesas arrebatadas a Portugal seriam posições perdidas para o Brasil, será o primeiro a não desejar uma comunidade restringida, diminuída, resumida e, portanto, também enfraquecida nos planos em que mais peso pode ter e maior - papel pode desempenhar.

O Sr. Júlio Evangelista: - Muito bem!

O Orador: - Todas estas observações, Sr. Presidente, apenas me responsabilizam a mim. Mas é já em nome da comissão a que tenho a honra de presidir, por favor dos meus colegas, que quero dirigir à comissão brasileira nossa congénere uma saudação muito calorosa nesta data festiva para os dois países e assegurar-lhe ao mesmo tempo quanto estamos prontos e empenhados em juntar aos esforços dos colegas brasileiros os nossos próprios, na luta pêlos mesmos princípios, na proclamação dos mesmos ideais, na defesa dos mesmos valores.

Não podemos, nem decerto queremos, subestimar dificuldades, ou ignorar obstáculos que outros nos coloquem no caminho, ou desconhecer resistências suscitadas por aqueles - e alguns dizem-se amigos de Portugal e do Brasil - que vêem numa ampla comunidade luso - brasileira unir ofensa a interesses, aliás ilegítimos, ou uma frustração de esperanças que melhor poderiam realizar à custa dos dois países, se um e outro mutuamente se desconhecessem. A relação luso-brasileira tem, com efeito, qualquer coisa de específico, de típico, de único, e não pode, sem que se violente a história e se esmaguem as realidades, ser confundida ou assimilada as relações que cada um dos dois povos acaso tenha com quaisquer outros. E dentro deste espírito que a comissão portuguesa se junta e apoia as celebrações que o Governo Português promove hoje em todo o mundo português, e embora eu não tenha mandato desta Câmara para o fazer, estou seguro de interpretar e exprimir também os sentimentos da Assembleia Nacional, manifestando o nosso júbilo no dia de hoje, fazendo votos pelo crescimento e engrandecimento da comunidade e saudando daqui, com o calor do nosso afecto e com o preito da nossa admiração, o fraterno povo brasileiro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apóstolo há muitos anos de uma efectiva e operosa comunidade luso-brasileira, pode imaginar-se a satisfação com que uso hoje da palavra, neste dia dedicado à nossa comunidade, para tecer louvores à grande pátria irmã, ao seu génio criador, às suas potencialidades e riquezas em produção e desenvolvimento, que lhe consentem já hoje um lugar destacado no Mundo e lhe assegurarão, num futuro não distante, emparceirar com as maiores potências do Globo.

Há precisamente 471 anos que a expedição oceânica de Pedro Alvares Cabral teve à vista novas terras que apelidou de Santa - Cruz. Quem poderia então imaginar - mesmo o célebre e erudito Pêro Vaz de Caminha, que em face do seu magnífico relatório para o rei D. Manuel, poderemos dizer que fez nascer o Brasil sob o signo da literatura que ali se desenvolveria uma tão vasta e proveitosa actividade civilizadora que permitiria que, mais tarde, num momento europeu difícil, ali viesse a instalar-se o rei de Portugal com a sua corte e as estruturas fundamentais da Nação! E o que de tão transcendente decisão resultou para o futuro do Brasil !

Vai também fazer 149 anos no próximo dia 7 de Setembro que o Brasil deixou de fazer parte do Reino Unido de Portugal e Brasil, para se tornar no portentoso país independente que respeitamos e amamos, e que atingiu actualmente os fastos da nação mais progressiva, populosa e rica da América Latina. Regozijamo-nos sem discrepância, na terra portuguesa, com os êxitos e a projecção do Brasil.

Não interessa focar agora os erros que se cometeram naquelas duas primeiras décadas do século XIX, nem conjecturar sobre o que fiaríamos hoje se tais erros se não tivessem praticado; importo, sim, lembrar, melhor, ter presente, com orgulho, mas com humildade cristã, que constituímos dois grandes países, cada um em seu género, com as mesmas história, língua - e este é ponto dominante da nossa realidade-, cultura, tradição, costumes - estes terão de comparar-se necessariamente dentro do Portugal euro-africano que somos - e os mesmos princípios anti-racistas e religiosos.

Somos cerca de 120 milhões de almas nas duas pátrias de língua portuguesa, sem falar nas numerosas comunidades espalhadas por todos os continentes. Constituímos uma prova indiscutível de que não é sobre alicerces de ódio que se constrói o bem comum. Lamentável é que o nosso salutar exemplo não faça reflectir tantos que bem precisavam de se debruçar sobre os bons caminhos que trilhamos e que conduzem ao perfeito entendimento humano, definindo as grandes linhas do - equilíbrio viável, na pluralidade das raças, das estruturas políticas e dos credos religiosos.

Mas talvez me possa ser consentido que recorde, sem vaidade ou pretensiosismo, apenas para sublinhar o substrato das nossas relações de países irmãos, que de tudo o que de bom tínhamos, nesses anos longínquos de séculos, demos um pouco ao querido Brasil: levámo-lhe os nossos eficientes municípios, cortes e governos representativos, tradições e até o sentido do mar, elevámos as raças - aborígenes injectando-lhes sangue novo, estruturando, no fim de contas, o Brasil com a nossa carne e o nosso sangue; em resumo, obra da nossa civilização!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ultrapassados? Sem dúvida o estamos actualmente em alguns aspectos, e afirmamo-lo sem pesar, antes com alegria, mas não deixemos de ponderar quão diferentes são as características físicas e geopolíticas dos dois países e os continentes em que se situam.

Greto, todavia, que estamos finalmente na boa orientação para firmar a verdadeira e autêntica comunidade luso-brasileira.

Desde a assinatura do Acordo de Setembro de 1966, destinado a intensificar as relações políticas, culturais e económicas, algo se terá progredido particularmente após a visita, em 1969, do Sr. Presidente do Conselho ao Brasil. Desde a Comissão Económica luso-brasileira, que trabalha sem desfalecimentos, a fim de encontrar soluções apropriadas para os problemas que têm de ser equacionados e resolvidos, as missões económicas empresariais que visitam os dois países, tudo merece ser assinalado e louvado.

Não estaria certo também omitir uma referência ao Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, realizado em 1967 em Moçambique, no qual foi dado grande

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realce às relações económicas da comunidade luso-brasileira e feitas algumas sugestões dignas de análise e ponderação.

Enfim, tudo se apresenta com características de que se vai sair do campo sentimental e romântico em que se tem. vivado para um intercâmbio económico e de solidariedade humana a que os laços de sangue imprimem forte impulso. Saliento, com o devido relevo, a transcendência do projecto de revisão constitucional em estudo na Assembleia, no que respeita à dupla nacionalidade.

Mas até as consultas que tiveram ultimamente lugar para a construção de navios mercantes no Brasil, apesar de não terem tido o desfecho desejado, são sintomáticas.

Já nem falo, por a elas me ter referido anteriormente nesta Câmara, das íntimas relações de respeito, estima e sã camaradagem que existem entre os três ramos das nossas forças armadas que não podem, - nem devem, ser minimizadas. Permito-me especificar as que se processam entre as duas marinhas de guerra, pelo conhecimento pessoal que delas tive durante vários anos e para as quais de alguma forma contribuí.

Será também licito esperar algo de frutuoso das respectivas comissões parlamentares dos nossos dois países.

Penso que muito poderemos fazer para facilitar a nossa expansão económica comum, quer abrindo os mercados respectivos para, adentro do que permitem os - tratados a que estamos vinculados, prosperarmos e progredirmos, e no que respeita ao Brasil, designadamente para a sua já importante indústria, através das nossas províncias de África, permitir-lhe penetrar connosco nos vastos mercados que ali se apresentam, criando, inclusive, zonas francas em alguns dos nossos portos.

A instalação de empresas brasileiras em Portugal e portuguesas no Brasil e o impulsionamento de outras de capital conjunto luso-brasileiro muito contribuirão para dar à comunidade a feição prática e positiva que pretendemos.

Apesar de sermos países por enquanto de economia mais preparada para receber investimentos do que investir fora de casa, entendo que neste nosso caso tão especial o investimento não sai da família.

Restaria falar do mar, tema para mim sempre tão aliciante e que no campo da comunidade luso-brasileira tem um significado ímpar.

Mas o assunto tem sido suficientemente ventilado para não Se tomar impertànenifce sobre ele me alongar. Lembro, todavia, que no Atlântico, que é hoje, sem dúvida, o mar de maior projecção do Universo, não só pela importância e riqueza das nações que banha, como pela intensa navegação marítima e aérea que o frequenta, a nossa posição é dominante. As 7 000 milhas de litoral de que nele dispomos -Brasileiros e Portugueses a cadeia de posições estratégicas continentais e insulares, estas últimas qual rosário que se estende em latitude, dão aos dois países situação inigualável e invejável . . .

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... (dessa inveja sofremos nós, Portugueses, em meu juízo., consequências que em boa parte se traduzem no criminoso terrorismo que temos de enfrentar em África).

Regressada a tranquilidade e a calma às três províncias portuguesas tão sacrificadas do continente africano, o que sucederá, sem dúvida, quando os ventos do bom senso e das realidades soprarem, finalmente, na direcção apropriada, julgo que uma revisão conjunta da alta estratégia política dos dois países - esta, como se sabe, envolve a diplomática, a militar, a económica, a financeira e até a social - daria à comunidade luso-brasileira uma projecção, um poder e uma força que nenhuma potência ou grupo de países poderia minimizar e muito menos deixar de respeitar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E dadas as afinidades, interesses e amizade existentes entre as duas nações peninsulares e as que as ligam às repúblicas latinas e estas entre si, na sua esmagadora maioria, afigura-se-me que, sem egoísmos nem espírito de absorção ou predomínio, a que são avessas as nossas concepções humanas e cristãs, mas somente com a intenção de fazer valer o nosso merecimento, constituiríamos um dos mais fortes e poderosos agrupamentos de nações do Orbe.

Desviei-me dos meus propósitos, e estes eram fundamentalmente de homenagem, no dia de hoje, à grande nação irmã, e assegurar-lhe a nossa devoção e admiração, com a certeza de que, lá como cá, os eminentes responsáveis dos nossos dois países darão à comunidade luso-brasileira a estrutura e importância que ela tem de ter neste Mundo em desequilíbrio e em crise de evolução social, de ideologias e de crenças, aliás, tão perigosa em múltiplos aspectos.

Honra, proveito e glória, pois, à comunidade luso-brasileira!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: O facto, para mim honroso, de pertencer à Comissão Parlamentar da Comunidade luso-brasileira leva-me a pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a palavra, para me associar à alta homenagem com que esta Assembleia quis assinalar este grande dia das duas Nações irmãs.

A escolha solene de um dia para celebrar todos os anos, no Brasil e em Portugal, esta singular comunidade, recaiu expressamente na data em que pela primeira vez se avistaram terras do Brasil, há mais de quatro séculos.

Quis-se exaltar assim a criação de uma comunidade que nasceu, não de circunstâncias ocasionais ou de meros interesses materiais a que tratados ou acordos dão expressão jurídica, mas das relações de dois países que, embora distintos, se identificam por um passado comum e pela mesma origem racial e cultural e se continuam na fidelidade a princípios e objectivos da maior significação humana.

Ao falar da Comunidade luso-brasileira não se pode, pois, deixar de invocar toda uma história de séculos que vem do descobrimento de um surpreendente novo mundo para onde os Portugueses levaram as suas crenças, os seus costumes e a sua língua, convivendo e misturando-se com as novas gentes e formando com elas uma verdadeira e harmoniosa sociedade multirracial que havia de tornar-se no portentoso Brasil de hoje.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Embora irmanados por sentimentos afectivos, tão sobejamente demonstrados nas horas jubilosas dos triunfos ou nos momentos angustiosos da vida colectiva, Portugal e o Brasil viveram, contudo, por demasiado tempo, como que ignorando-se mutuamente e não aproveitando, por isso, em toda a extensão, as suas imensas potencialidades e virtudes.

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Dir-se-ia até que certo tipo de emigrante foi, por vezes, a única imagem, nem sempre completa ou justa, que o brasileiro possuía da vida portuguesa.

Hoje, graças a um intercâmbio que se tem vindo a acentuar nos aspectos sócias e culturais, a vários níveis, o conhecimento mútuo dos dois povos é bem mais profundo.

Mas à nossa frente apresenta-se ainda um longo caminho a percorrer. Basta pensar que a vida e os problemas do ultramar português são quase ignorados em certos meios brasileiros.

Só muito recentemente, e, sobretudo, a partir dos acordos de cooperação, firmados em 1966, começaram os Brasileiros a interessar-se mais pelas terras ultramarinas portuguesas e a tomar contacto directo com as suas múltiplas possibilidades. Fará isso se deslocaram, já em 1968, a Moçambique, província de que tenho honroso mandato nesta Assembleia, numerosos e qualificados representantes de organizações económicas e de outras, que constituíram a primeira missão comercial brasileira n visitar esse maravilhoso território português do Indico.

Foi um passo para uma aproximação mais efectiva e real no campo económico, tão necessário para o progresso e desenvolvimento de territórios que pelas suas características tropicais- em muito se assemelham. E certo que, por esta mesma razão, muitos dos produtos do Brasil existem também nos províncias ultramarinas portuguesas, o que os toma, de certo modo, concorrenciais. Contudo, caminhando o Brasil, a passos largos, para uma ampla industrialização e encontrando-se as nossas províncias ultramarinas em fase de pleno crescimento, carecidas, portanto, dos mais variados maquinismos e instrumentos, parece-nos que as trocas comerciais em muito beneficiariam amibas as portes. Angola, por exemplo, poderia fornecer ao Brasil petróleo e metais que possui em abundância.

Nesta mesma linha de pensamento, não deixarei de chamar a atenção para a necessidade! premente de se elaborar e executar um plano nacional e eficaz mo domínio da informação, o qual deveria incidir de modo muito particular sobre aã provindas ultramarinas portuguesas, tão desconhecidas, repito, de muitos brasileiros. Trata-se de uma lacuna bem séria, que está na base de muitas opiniões e afirmações que Dão correspondem à verdade dos factos.

E isto é particularmente grave, sabido que se vem desenvolvendo, nós últimos anos, uma campanha internacional contrai Portugal, a qual não tem hesitado em recorrer a todos os processos para denegrir o nosso esforço construtivo e paira criar no imundo uma falsa ideia sobre as intenções, os princípios e os métodos da nossa acção política e social.

Seria, pois, da maior vantagem que entidades brasileiras, a começar pelas mais ligadas às actividade da cultura e da informação, viessem, com frequência, observar os vários aspectos da vida das nossas províncias ultramarinas, a fim de poderem transmitir, depois, a imagem verdadeira e segura que se sobreponha as ideias erróneas e deturpadas divulgadas por unta propaganda tendenciosa que, infelizmente, não tem poupado alguns sectores brasileiros.

E não é só neste domínio que se abrem perspectivas n uma cooperação calda vez mais aberta e fecunda.

Pense-se ainda no muito que é mister fazer para assegurar transportes directos entre o Brasil e as províncias portuguesas de África.

Apraz-me referir, a propósito, que, recentemente, passaram as províncias de Angola e Moçambique a ter garantidas comunicações aéreas e marítimas regulares directas com o Brasil. Com efeito, a Unha aérea brasileira que serve a África do Sul tem agora escala em Luanda, ao mesmo tempo que a canseira marítima do Brasil para o Oriente passou a tocar o porto de Lourenço Marques.

Imagine-se o que poderá conseguir-se para a consolidação da nossa comunidade se, prosseguindo, corajosamente, nesta Unha de rumo, se estabelecer um plano integral de desenvolvimento turístico entre o Brasil e Portugal, em que se dê o devido relevo às inúmeras e magníficas possibilidades que também neste campo as províncias ultramarinas oferecem.

Estes minhas palavras assentam numa grande esperança, pois, assiste-se, felizmente, à intensificação crescente da colaboração nos mais diversos domínios entre as entidades públicas e privadas de Portugal e do Brasil.

Ainda hoje mesmo, segundo o que li na imprensa, será entregue, em Brasil, à Comissão de Educação e .Cultura da Câmara dos Deputados, o parecer conjunto da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa sobre a reforma ortográfica, o que irá conferir ainda maior uniformidade a linguagem escrita dos dois países.

Não é de mais encarecer o que a língua representa como factor de unidade cultural e espiritual dos povos.

Como diz o poeta, ela é «laço de povos e harmonia».

Na verdade, a língua portuguesa foi, e é, dos mais actuantes e - decisivos elementos na formação da extensa comunidade de povos que hoje celebramos.

E idêntico o culto que ao idioma pátrio dedicam Portugueses e Brasileiros. Podemos dizer, mesmo, que ao Brasil, pela sua vastidão territorial e populacional e ainda pela sua pujança literária, muito se deve na propagação da língua portuguesa no Mundo.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Defendé - la e prestigiá-la em tudo é, pois, dever indeclinável e necessidade primacial de quantos se orgulham de pertencer à comunidade luso-brasileira.

Sr. Presidente: Depois do muito que ilustres colegas já aqui disseram, de modo tão eloquente, sinto que não devo acrescentar mais as breves e modestas palavras que acabo de proferir.

Este o Dia da Comunidade luso-brasileira, ou melhor, o dia instituído para se salientar publicamente a força, a determinação e o sentido de dois povos cônscios tio seu destino e da sua vocação.

Tudo está agora, porém, em que todos os dias e não apenas este, sejam de real e autêntica comunidade - comunidade nos sentimentos e nos propósitos, mas também nos actos e na vida.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vou ser breve. Antes, porém, quero felicitar os colegas que me antecederam pelas suas brilhantes orações.

Mais uma vez peço a palavra nesta Câmara para me ocupar das relações luso-brasileira.

O facto de ser Deputado por Coimbra, em cuja Universidade se formaram grandes vultos que no Brasil deram toda a sua inteligência e saber, leva-me, entre outros e muito fortes motivos, a exaltar essa fraternal união, que, apesar de todas as vicissitudes por que a têm feito passar, apesar de na emigração para o país irmão ter quase cessado, apesar de a influência de emigrantes de outras origens ser já há muito em larga escala, apesar de a pré-

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ponderância económica e financeira dos portugueses do Brasil ter diminuído consideravelmente nos últimas décadas, apesar disto tudo, me parece possuir, paralelamente, uma reserva de incalculável valor, qual semente generosa lançada às fecundas terras de Santo Cruz pêlos portugueses de antanho para fazer frutificar cada vez mais os sentimentos de grande amizade que nos une, dando-lhes em cada instante um novo vigor.

Foi essa semente robusta, levada pêlos homens que desbravaram os sertões, que desfraldaram suas bandeiras em regiões desertas, implantando cidades e vilas, ou que tomaram conhecidos os grandes mares interiores ou, ainda, que fundaram Misericórdias, escolas e beneficência numa cruzada de amor que fez chegar abo nós as tradições heróicas da propagação da Fé e da civilização, e que, através da miscigenação e do conceito plurirracial, conseguiu manter o Brasil como nação una e indivisível.

Se os feitos das cruzadas que demandavam a Terra Santa para a libertarem dos infiéis está na origem da nossa expansão no continente europeu, podemos afirmar que, animados dessa maravilhosa ideia - força, sulcámos os mares, atravessámos os desertos e passámos tormentosos flagelos com o único fim de levar ao Mondo a civilização, estruturada na fé a Deus e no amor ao próximo.

Não foram os nossos navegadores acompanhados nas suas epopeias de ministros da Igreja e de imagens portadoras da Fé?

Pedro Alvares Cabral, o primeiro construtor da nossa comunidade, não se fez acompanhar de frei Henrique de Coimbra e da imagem de Nossa Senhora da Esperança? O seu primeiro acto ao desembarcar em Porto Seguro não foi o de evocar Deus na missa que ali mandou celebrar?

E se assim foi, não admira que a nossa comunidade, assente nos valores imutáveis do espírito, resista a todos os vendavais que políticos mal avisados pretendam desencadear por motivos que contrariam as realidades históricas.

Estamos a celebrar o dia da comunidade luso-brasileira. Foi em 22 de Abril de 1967 que os Chefes de Estado das duas pátrias, irmãs promulgaram os diplomas que instituíram este dia de glorificação.

Nato seria preciso fixar normas para exaltar a nossa comunidade, pois ela dura e perdura há mais de quatro séculos, mas este dia oferece-nos mais uma possibilidade de avivarmos as nossas raízes comuns e dissertarmos sobre a construção de uma comunidade em termos mais realistas.

Se os sentimentos, a língua e a religião comuns ajudaram Brasileiros e Portugueses a consolidar para sempre um amizade fraterna, cumpre-nos, graças a esse estado de alma, ir mais além na efectivação da nossa comunidade.

E este avanço nas relações nutre os dois países interessa sobremaneira a Portugal, mas interessa também, e muito, ao futura do Brasil.

Às amigas e tradicionais jaculatórias sobre os nossos avós comuns tenho verificado, pela receptividade do brasileiro culto ao problema, que o negócio não era de avós mas de netos. Do que se trota é de saber se, dentro de vinte anos, o Brasil cabe na América do Sul.

O exemplo de expansão norte-americana, que obriga os Estados Unidos a manter longe do seu território guerras que se destinam a abrir esse espaço de influência essencial, leva naturalmente o brasileiro a perguntar-se se, no futuro, e feita a valorização total das imensas virtualidade nacionais, o Brasil poderá continuar a ser uma nação sul- americana ou terá de se converter numa potência mundial.

Ora, a existência de um espaço português pluricontir, onde o brasileiro ouve falar a mesma língua e não é considerado estrangeiro, representa um valor decisivo para uma expansão eventual dos mercados consumidores dos seus produtos. Não é um problema que se ponha hoje, mas ele nato deixará de surgir amanhã. Mesmo que o tempo dos avós, é o dos netos o que impõe o estreitamento das relações e o esforço solidário na defesa da unidade do mundo português.

Quais as razões que levam as nações a constituírem-se em bloco? Podemos resumi-las denominando-as razões de sobrevivência. À Terra tornou-se excessivamente pequena para uma humanidade cada vez mais numerosa, que não pode mais subsistir em unidades isoladas. Os poderosos meios de comunicação e transporte provocaram o aceleramento do processo multimilenar de interpenetração de culturas e as luzes da civilização brilham em todas as ribaltas do Mundo, dos arranha-céus de Nova Iorque as cubatas africanas. Uma nova, extraordinária e absorvente mística apaixona os povos, mais forte que a das ideologias políticas - a mística do desenvolvimento económico a qualquer preço, mesmo à custa do holocausto dos mais altos conceitos da liberdade e dignidade humanas.

Quando faltam elos políticos, até os artificiais, de tradições, raça ou cultura, tecem-se complicadas bramas económicas, recorre-se mesmo a violência pura e simples, ao direito de conquista do mais fonte: o que importa é alcançar o objectivo, constituir um bloco de nações capaz de fazer-se ouvir mais alto nas decisões mundiais.

Unidos Brasil e Portugal, teremos, liminarmente, essa voz pujante de comunidade autêntica de nações.

Descobrimos que neste momento difícil da história do Mundo Portugal e Brasil constituem o único genuíno bloco de nações de formação natural e histórica.

O que tem custado sacrifícios e violências a tantas nações a nós não nos custa nada - festa feito. Estava feito quando disso tomámos consciência.

Mentalizar as massas e as elites será assim o primeiro passo para a concretização da comunidade luso-brasileira. As massas, através do princípio dos vasos comunicastes, objectivando o melhor aproveitamento de mão-de-obra, novos empregos em novos empreendimentos, novos padrões de conforto, como decorrência da dinâmica de produção. As elites, pelas novas oportunidades de negócios que se abrem com a integração económica de Portugal e Brasil, pela soma dos respectivos parques industriais e pelo considerável reforço que significa a organização de uma frente única no comércio internacional. Aos investigadores estrangeiros a comunidade luso-brasileira abrirá também novas perspectivas. Grandes empresas internacionais, já em operações nos dois países, encontrarão, por certo, múltiplas possibilidades de aplicação de capitais, numa área geográfica imensa, na qual a integração económica de Portugal e Brasil garante um clima de segurança. Será um território enorme com potencial inesgotável a ser aproveitado e desenvolvido em paz dentro de estruturas sociais estáveis.

As primeiras pedras deste monumental bloco foram já lançadas pêlos Governos do Brasil e de Portugal. Refiro - me à equiparação de direitos privados e de direitos políticos entre Brasileiros e Portugueses em coda um dos dois países, que em boa hora se pretende introduzir na lei fundamental portuguesa, depois de o ter sido já na Constituição do Brasil.

Sr. Presidente: Seja-me permitido, ao finalizar este pequeno depoimento, que, como amante de Portugal e do Brasil, deposite a minha fé na sabedoria dos homens responsáveis das duas pátrias e a minha esperança na

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determinação dos dois povos irmãos, para que, unidos na estrada do futuro, construam um mundo melhor onde possam viver em ordem e progresso sob os desígnios da Providência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Não é sem alguma emoção que, ao subir a esta tribuna no dia em que se celebra a comunidade luso-brasileira, saúdo respeitosamente V. Ex.ª pela oportunidade desta intervenção. Emoção que tem um outro ângulo, pois, quando nesta Casa, já lá vão alguns anos, os suficientes para separarem uma juventude da madureza da vida, subi pela primeira vez a esta tribuna, foi para tratar de problemas que respeitavam à comunidade luso-brasileira nos anos já distantes de 50. E depois, noutras oportunidades, aqui estive para versar o mesmo tema.

Sr. Presidente: Os meus respeitosos cumprimentos e as minhas homenagens repetidas.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Diz-se que o historiador é um profeta voltado para trás. E Paul Valéry asseverava que a história «é o mais perigoso produto elaborado pela química do intelecto», porquanto a história «faz sonhar, embriaga os povos, engendra para eles falsas recordações, exagera os seus reflexos, alimenta as suas velhas querelas, inquieta-os no seu repouso, condu-los ao delírio das grandezas ou da perseguição e torna as nações azedas, insuportáveis e vãs».

Mas sem história não haveria nações, como sem o sangue não haveria a vida, como sem a seiva não frutificariam as árvores. Sem história o futuro não teria alicerces, sem história tudo seria como o homem despido de carácter. Não é o repouso, não é o remanso, que faz a história, e sim a acção criadora e dinâmica. Hoje se memora, e honra e exalta a comunidade luso-brasileira. Hoje é o dia do espírito sobrepujando e animando a matéria, realizando a ascensão da natureza, dando forma e claridade as coisas. Hoje é dia da história, construída, em gerações solidárias, em comunidade de pessoas, ideais, vontades. A história é a marca do homem no mundo, é o espírito harmonizando e libertando, é o esforço épico para sair do egoísmo e da fatalidade material. Na história se afirmam os povos e se distinguem, isto é, honram-se.

Ultrapassando-nos a nós próprios, dominando o peso do instinto e do mundo externo, nós fazemos esplender a luz, alar-se a actividade e o munido, espiritualizados e verdadeiramente livres, porque sem contradição com o bem, com a verdade e com a unidade. Este poder de ultrapassamento, esta dádiva à acção comum, esta construção de vida sempre mais alta, eis a manifestação do mundo lusíada, da comunidade luso-brasileira, nobilitarão autêntica, humanização perfeita. A virtude, a força, o carácter, residem nessa vocação e nesse imperativo que os dois povos sentem, unindo-nos, para a continuidade da missão, pela qual a criação comum se transmite, e se desenvolve, e expande.

A própria cultura não é museu de valores, mas «herança conquistada», na lapidar expressão do autor da Condição Humana. Quando o presente ressuscita o passado, nem por isso deixa de o transfigurar. A Renascença, por exemplo, redescobre os deuses da Antiguidade, mas se Praxíteles rendia culto a Afrodite, nem Botticelli nem Rafael a vêem como «deusa», .pois a conquista da cultura a transformara em obra de arte. E que, afinal, cada geração recria a sua carteira de valores culturais

E em cada século se refazem as antologias. Se não houvesse cultora, existiriam os «ié-ié», mas soem Mozairt, nem Villa Lobos; existiria publicidade, mas nem um Nuno Gonçalves, nem um Portinari; haveria jornais, mas nem Camões nem Machado de Assis; haveria James Bond, mas nem o Amadis de Q aula, ou a Peregrinação, ou A História Trágioo-Marítima. Os nossos mestres vivos estão intimamente ligados ao passado. Assim como «Hemingway é mais parente de Shakespeare do que do Now York Times», também Lins do Rego ou Jorge Amado estão mais próximos de Camilo do que dos portentosas jornais do Rio ou de fl. Paulo.

Ao celebrarmos hoje a comunidade luso-brasileira, nós queremos exprimir um actual desafio de combate contra o crespuscularismo doentio da nossa época, contra a massificação brutal da vida moderna, numa encruzilhada em que há-de contar o coração dos homens para edificação da paz, da acção, da subida ininterrupta, cumprindo humanamente, gloriosamente, os caminhos do mundo nas certezas cristãs que estão no cerne dos dois povos.

Acentua Paul Morand que alguns conquistadores, ao porem pé no continente americano, logo comandavam: «Fogo!», sendo esta a merca da sua colonização. Outros, como os holandeses, ao transporem a Wall Street, em Nova Iorque, principiaram por estoutra palavra: «Quanto? Hoeweel?» Este «quanto» igualmente permanece na feição colonizadora. Os portugueses, ao aportarem a terras de Santa Cruz, logo, e antes de tudo, se prostraram de .joelhos, rendendo graças ao Senhor. Foi essa a marca decisiva da história comum do Brasil e Portugal. Aquela cruz que se conserva na Sé Primacial em Braga e que serviu na primeira santa missa celebrada por Frei Henrique de Coimbra no ilhéu de Porto Seguro, após a descoberta, é bem um símbolo, e por isso ela foi também a cruz da primeira missa de Brasília, capital do novo, imenso e esplendoroso Brasil.

Sr. Presidente: O Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e o Brasil foi assinado no Rio de Janeiro em 16 de Novembro de 1058; foi aprovado para ratificação em 21 de Dezembro de 1954, mediante resolução da Assembleia Nacional, que, em 6 desse mês, precedendo o debate, escutara uma primorosa comunicação sobre o assunto feita pelo Presidente Salazar. Em 4 de Janeiro de 1955 entrava em vigor aquele instrumento diplomático. Uma portaria de 23 de Março de 1955 constituiu a comissão portuguesa para o estudo das medidas de natureza legislativa e administrativa necessárias ao cumprimento do tratado em Portugal. Dois meses depois, pelo Decreto n. 37 874, de 23 de Maio de 1955, foi criada no Brasil a comissão nacional brasileira.

Em declaração conjunta dos Presidentes dos Estados Unidos do Brasil e de Portugal, reunidos no Rio de Janeiro em 11 de Junho de 1957, foi instituída a Comissão Mista Brasil Portugal, destinada a dar seguimento ao resultado dos trabalhos dias duas comissões nacionais. São dessa declaração as seguintes afirmações solenes - mas:

Portugal e Brasil, na realização de uma concepção em que os ideais e interesses nacionais encontram seu lugar no quadro mais lato dos ideais e interesses comuns, tomam posição, de mãos dadas, na política mundial.

Por decreto desse mesmo dia - 11 de Junho de 1957 - o Brasil criou a sua comissão permanente. Em Março de 1960 foi criada a comissão permanente portai-

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guesa e em Agosto, no Palácio das Necessidades, em Lisboa, perante os Chefes de Estado do Brasil e de Portugal, foram assinados alguns diplomas regulamentares.

Em 7 de Setembro de 1966, também no Palácio das Necessidades, foram assinados pios Ministros dos Negócios Estrangeiros do Brasil e de Portugal, alguns convénios aplicáveis a todos os .territórios dos dois países - de natureza económica, técnica e cultural. Não queria deixar de lembrar com «regozijo que, do lado português, subscreveu esses convénios o actual presidente da Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, Sr. Deputado Franco Nogueira, que então conduzia a nossa política externa, onde deixou assinalada a sua passagem de maneira verdadeiramente notável.

De longe vinha, aliás, a aspiração da comunidade lusíada, logo enunciada, ao «alvorecer da independência brasileira, no tratado de 1825, concluído entre Sua Majestade Fidelíssima e seu filho o Sereníssimo Príncipe D. Pedro, imperador do Brasil.

Em 1815, D. João VI, numa intuição dinástica repleta de significações, havia criado o Reino Unido de Portugal e Brasil. E por todo o século passado o Brasil foi, para os Portugueses, não só o irmão mais novo que se havia emancipado, como ainda o país predilecto da nossa emigração, que aí se encontrava e agia como em terra sua. Em 1908, o Brasil preparava-se para receber com manifestações inesquecíveis o nosso rei D. Carlos, projecto a que o regicídio opôs o seu veto sangrento.

Nem por isso esmoreceu no ânimo dos dois povos o desejo de exteriorizar oficialmente o que era uma realidade no sangue, nas almas, nos interesses e ma história. E é assim que uma plêiade de homens notáveis se devota ao estreitamento das relações entre os dois países, após o advento da República, obra que veio a culminar no êxito da viagem do Presidente António José de Almeida.

Reedificado pacientemente e genialmente por Salazar o quadro da nossa política externa, as relações luso-brasileiras vieram a ter o seu natural coroamento no tratado de 1953, pelo qual se criou a comunidade que hoje estamos celebrando, indo-se-lhe depois definindo os contornos práticos.

Logo após a sua posse como Chefe do Governo, em Setembro de 1968, o Presidente Marcelo Caetano enviou uma saudação especial ao Brasil, e não deixou de acorrer ao convite do Governo da Pátria-Irmã para ali ir conversar sobre os problemas que interessam às relações entre os dois países. E como se o destino caprichasse em ofertar motivos de regosijo, a visita do Chefe do Governo Português ao Brasil -que constituiu um dos mais belos e exaltantes capítulos da história da comunidade - ocorreu precisamente no ano em que era celebrado o centenário de Gago Coutinho, figura singular, figura da nossa época, que enche de aventura, de glória e de grandeza meio século da história luso-brasileira.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Foi durante essa viagem que, em 11 de Julho de 1969, o Prof. Marcelo Caetano, em discurso proferido na Universidade Federal do Rio de Janeiro, relembrou o velho projecto de conferir estatuto especial aos portugueses no Brasil e «os brasileiros em Portugal, o que ao constituintes brasileiros recentemente consagraram no seu texto fundamental e nós iremos em breve debater e introduzir na Constituição Portuguesa.

Tudo confirma, efectivamente, haver na política externa portuguesa uma constante inalterável, a amizade com o Brasil, e, segundo as próprias palavras do Chefe do Governo em Brasília:

Não se trata de orientação de um regime, de programa de um governo, de lema de um partido - mas de exigência profunda e consciente do próprio povo, mas de imperativo visceral da própria Nação.

Bem se pode dizer que o Atlântico sul é o maior rio da comunidade luso-brasileira -desta comunidade prodigiosa de navegadores dos mares, navegadores dos ares - navegadoras de almas!

Navegadores de almas!

A constituição da U. N. E. S. C. O. inscreve a afirmação de que cãs guerras começam no coração dos homens», sendo «no coração dos homens que devem ser construídas as defesas da paz». Pois nós, Portugueses e Brasileiros, podemos inscrever solenemente, no texto constitucional da nossa comunidade, que ao longo de séculos moldámos e consolidámos a única- democracia racial, a única democracia humana no mundo trabalhado pela cultura do Ocidente. Democracia humana cada hora mais viva e mais pujante em todos os continentes, no seio de todas as raças.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vivemos a época dos grandes arranjos! políticos e das vastas composições económicas. Temos de nos impor, por outro lado, num tempo em que os diferendos raciais envenenam o coração dos homens sendo erigidos em razões de Estado.

Portugal, nação pelo Mundo «em pedaços repartida», tem retalhos da sua carne e do seu espírito nas sete partidas da Terra. O Brasil, pátria morena que se orgulha de o ser, está em condições de privilégio entre o Terceiro Mundo e os blocos detentores da balança do poder internacional. Dispõe, além disso, do prestígio do seu peso territorial e demográfico. Participando dos destinos portugueses, através da comunidade, como noa participamos dos seus próprios destinos, estamos em condições de assumir no Mundo papel de proporções incalculáveis. Dentro de algumas décadas seremos cerca de 200 milhões de almas, falando e sentindo de igual modo em todos os contir entes, que por todos eles se espalha e vive a comunidade.

A nossa época definitiva e cruelmente quebrou as torres de marfim, quer para os indivíduos, quer para os estados. A nossa época arrasta-nos, impele-nos e postergou os isolamentos estratégicos ou simplesmente cómodos.

Quando Manuel Bandeira - S. João Baptista do modernismo brasileiro, na expressão de Mário de Andrade - apostava Pasárgada como o lugar que a sua imaginação inventara para se viver e morrer em plena felicidade, ainda então não se criara no mundo uma organização chamada Nações Unidas. Na ilha de Pasárgada, o seu genial criador viveria feliz, porque «... em Pasárgada tem tudo / e outra civilização». Tratava-se de um mundo maravilhoso, mundo de paz e de plenitude espiritual, onde ele próprio, por ser amigo do rei, sente-se como rei: «Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que eu quero . . .»

Hoje, Pasárgada teria de pedir licença à O. N. U. para existir como Estado independente; disporia obrigatoriamente de bandeira e de sufrágio universal; pagaria jóia e quotas; 03 seus «telefones automáticos», de que falava o poeta, estariam ligados a Nova Iorque, ao palácio das Nações Unidas, onde um ministro das Relações Exteriores daria conta dos resultados Aritméticos da autodeterminação e assistiria às sessões da Assembleia Geral.

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A ilha de Pasárgada já nem seria um reino, o monarca teria sido destituído ou executado em qualquer encruzilhada da felicidade, ou teria feito como outros, que- escondem, envergonhados, a qualidade de príncipes. Pasárgada foi destruída, o poeta já n Só encontra ali o mundo da sua fantasia, já não mora lá o rei seu amigo, já não terá a mulher desejada para a noite em que tiver vontade de se matar.

Pasárgada tornou-se membro das Nações Unidas, a felicidade sucumbiu à espionagem organizada, às pressões diplomáticas, e aquela civilização prodigiosa, onde havia de tudo, afundou-se no caos, donde um tirano emergiu e pôs a ilha a ferro e fogo.

Pasárgada, a Pasárgada do poeta onde todas es coisas davam, aos homens que fossem preocupados ou tristes, uma lição de infância, essa ilha sonhada, exportaria agora grandes títulos para o noticiário internacional.

É nesta civilização quase despida de sonhos, nesta «civilização da aventura no mais alto sentido, onde o homem avança iluminando-se com o facho que ergue em suas próprias mãos» (André Malraux), é aqui o limiar das grandes tarefas que desafiam a comunidade luso-brasileira.

Escreveu Moniz Barreto que a nós, Portugueses, «a função que coube na história é o heroísmo e a fé». E ia explicando:

Destituídos de imaginação penetrante e do dom de vasta compreensão, desprovidos de larga simpatia e de curiosidade infatigável, primamos pela energia da vontade e pela grandeza do carácter. 0 fundo deste carácter é a honra militar.

E prosseguia o fascinante ensaísta goês:

A capacidade de afirmar e querer, de obedecer e dedicar-se, uma tendência singularmente nobre de transformar o mundo à imagem do nosso ideal, uma generosa impaciência da perfeição, o desdém da beleza plástica e dos delicadezas aristocráticas, um pensamento simples como um acto, a paixão concentrada e a seriedade trágica, eis outros tantos troços do génio peninsular.

E dentro desta linha de carácter que a nossa literatura se afirma no lirismo, no teatro de caracteres e espelho da vida, num romance em que a análise da alma humana não cede perante o aceno irresistível da acção, e sobretudo por uma produção épica em que a nobreza se exalta mo culto do dever e na grandeza da Nação. É esta lição que ainda hoje nos afirma perante o mundo como entidade histórica digna de respeito.

Somos europeus sem deixarmos de ser atlânticos e universalistas. A comunidade que fizemos espalhar pela rosa-dos-ventos recebeu de nós o espírito da nossa faixa atlântica - «o rosto com que fita», nos versos de Fernando Pessoa -, mas, na osmose do carácter, no cadinho da História, onde se forjam as nações e os. povos se afirmam e sublimam, recebemos algo que nos fez transcender da Europa, sem deixarmos de ser fiéis à madre - àquela princesa, filha do rei fenício Agenor, que Zeus raptou e trouxe para cá do Mediterrâneo e que viria a desentranhar-se em beleza, em cultura, em arte, em civilização.

Estamos hoje exaltando a comunidade das nossas duas pátrias. Celebramos o Brasil e celebramos Portugal- hoje em todos os continentes, por gente de cores diversas e de credos diversos, de raças diferentes e diferentes

usanças, mas falando a mesma língua em qualquer dos sete partidos, defendendo os mesmos valores, participando da mesma história e endereçada para o mesmo destino, que são as largas e promissoras estradas do futuro.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Desde Brasília a Lisboa; de Luanda a Macau; do Rio a Moçambique; dos Açores a Timor; da Guiné até aos longínquos e misteriosos sertões da Amazónia - por todo o Terra se ergue hoje um coro de louvor à comunidade luso-brasileira. E nesse coro, a repercutir-se pêlos continentes e pelas campinas celestes, parece entender-se distintamente o mandato da História e o mandato dos povos:

«Mais alto, mais além!»

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 17 horas o 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão ma generalidade do projecto do lei do Sr. Deputado Cancela de Abreu sobre a reabilitação e integração social de indivíduos deficientes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Horta.

O Sr. Ricardo Horta: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontra-se em discussão nesta Assembleia um projecto de lei regulador dos preceitos jurídicos e outros relativos à reabilitação e integração social dos indivíduos deficientes.

Estou certo que este diploma vem demonstrar aos cidadãos conscientes a complexidade de um problema, dos mais sérios do nosso tempo.

Cresce de forma assustadora o número destes inadaptados, sendo uma grande parte consequência dos meios do progresso das sociedades modernas.

Os países não podem hoje ficar indiferentes às camadas populacionais que por qualquer forma se desvalorizem, às quais assiste o direito de recuperação e ingresso nas populações activas.

São responsáveis os governantes pela aplicação da moral e da justiça social, e neste campo não é aceitável actualmente o imobilismo ou o indiferença, pois correm o risco de os povos que governam serem considerados ausentes do civilização moderna.

Não devem, e nem hoje são totalmente aceites os imperativos nacionais que visam somente o desenvolvimento económico ou a administração.

Há outro sector, o espiritual, que para a vida humana, e em especial para o momento que passa, é indispensável ponderar, pelo seu extraordinário interesse, ainda que as actuais civilizações não o tenham acompanhado de forma o trazer a sua harmonia para o bem e o conforto dos povos.

Se uma sociedade se esvazia do seu espírito, resta somente o económico e o político com o fim de criar o

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espaço onde o homem possa viver. Nada podemos aceitar a não ser a totalidade dos factores que constituem sociedades com autoridade, mas com autoridade consentida; com solidariedade saída de uma longa história e mantida por uma excepcional comunidade de sentimentos, onde não possa haver hostilidades, mas sim opções pela amizade, compreensão e entendimento.

Pode, à primeira vista, constituir o tema em discussão um problema simples na sua resolução, mais se o aprofundarmos nas suas contingências, temos de admitir que tem implicações das mais transcendentes na vida da colectividade.

Temos de abordar as anormalidades da juventude, das pessoas idosas, das diversas situações de doenças resultantes de patogenias ou etiologias das mais variadas.

Os problemas postos através deste diploma não podem ficar imperfeitamente formulados ou por executar, pois que às sociedades apenas se devem pôr os exequíveis, devendo sempre escolher-se os que tomam os comunidades mais fortes e mais justas.

Penso que a execução completa e bem estruturada do sector dos inferiorizados é um passo para a demonstração do nosso progresso, da nossa justiça social e da nossa solidariedade humana.

Seria de grande interesse possuirmos elementos estatísticos informadores do número, das causas e do grau dos inferiorizados que atingem as nossas populações.

Infelizmente não podemos obter em termos globais ou de qualquer outra forma, à excepção do sector das forças armadas.

Mas servindo-nos de estatísticas estrangeiras podemos considerar que 5,4 por cento da população de certos países desenvolvidos são inferiorizados motores ou sensoriais (paralíticos, mutilados, cegos, surdos, afásicos, etc.) ou incapacitados mentais.

Se adicionarmos as pessoas de idade superior a 60 anos ou mesmo superior a 65 e ainda outras categorias, podemos praticamente concluir que cada pessoa activa chega a trabalhar produtivamente para duas.

Que peso social, económico e humano não têm estas populações numa estrutura colectiva e civilizada! Parece-nos à primeira vista que a solução desta carga nacional não oferece dificuldades pela inserção no mercado do trabalho destes seres humanos.

Quantos obstáculos deve este diploma encontrar na sua aplicação!

Analisemos em primeiro lugar a gestão das empresas.

Todo o dirigente empresarial sabe, por experiência própria, que a sua acção depende directamente da qualidade profissional dos homens que trabalham nas oficinas, nos armazéns ou nos escritórios.

A economia moderna exige uma preparação constante e progressiva das pessoas que a servem.

Ora, os nossos inferiorizados, seja qual for a causa determinante, muitos mão item preparação para desempenhar funções diferenciadas em concorrência com elementos humanos preparados. Para tanto, há necessidade de estruturar sectores de tratamento para que as sequelas resultantes da doença, quando for possível, sejam em menor grau; criar-lhes um ambiente de (recuperação e de reabilitação de forma que as qualidades residuais existentes possam ser aproveitadas ao máximo.

Seguidamente tem de se estruturar a sua cultura, pois admite-se actualmente que a maior dificuldade do homem de hoje não é a pobreza, mas sim a desigualdade ria sua cultura.

Não é suficiente esta lei para tratar na sua verdadeira amplitude o problema em apreciação, pois este é tão vasto e profundo que se vincula a todas as actividades e emoções nacionais.

Se nós nos quisermos limitar somente ao drama das crianças inferiorizadas, descobrimos um mundo de implicações.

Só com inquéritos nacionais poderíamos ter conhecimento de que existem problemas psicológicos, económicos, morais, afectivos e outros, inseridos no meio familiar, no ambiente social, que vão desde a aceitação do doente, ao seu encargo económico, às suas preocupações educacionais, à sua contemplação de férias ou outras distracções.

um mundo de ansiedades em que a flexibilidade do espirito humano, dos meios económicos e outros seriam bem vindos a esse campo de desespero.

Se nos debruçarmos sobre os inferiorizados motores ou sensoriais de causa determinada por acidentes ou por guerra, podemos verificar um ambiente familiar e social semelhante.

Há pouco referi-me ao crescimento assustador, em todo o mundo, do número de inadaptados resultantes de desastres, conflitos e de todos os outros factores que intervêm no progresso das sociedades modernas.

Portugal enfrenta também uma situação semelhante no que se refere aos seus inferiorizados.

Podemos calcular que, em cerca e 2000 mortos por ano nas estradas, haverá 20000 feridos graves, e, destes, uma grande percentagem fica profundamente desvalorizada. Tendo em vista o aumento dos desastres rodoviários e a falta de cobertura sanitária e de técnica pronta e perfeita para evitar uma parte das mortes e os aleijões ou deformidades resultantes das lesões sofridas, temos de considerar que existe pressão constante no número dos inferiorizados. Mas o País enfrenta uma situação que se prolonga, da qual resultam estados de inferioridade dos mais graves, quanto à espécie e quanto ao grau.

Quero referir-me ao sector das forcas armadas que tão abnegadamente, tão valorosamente e com tanta isenção defendem o património nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sabemos que a potência militar é indispensável para a política de qualquer país, visto que aquela é sempre influenciada pela sua força e, assim, o exército e a defesa são sempre uma preocupação de todos os governantes. Os governos jamais largam da sua mão o comando das suas forças armadas, porque sabem que estas estão sempre ao serviço dia nação.

E na legitimidade governamental que o exército encontra um comando para o seu combate. Por isso os dirigentes políticos devem compreender as responsabilidades e manter as funções militares em alto nível de consideração.

Têm as forças armadas portuguesas sabido defender com valentia e generosidade os territórios portugueses do ultramar que os seus antepassados lhes legaram.

O Sr. Roboredo e Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Roboredo e Silva: - Pedi-lhe licença para o interromper unicamente para apoiar calorosamente as referências que V. Ex.ª está a fazer ao espirito de sacrifício, à devoção e ao patriotismo das forças armadas na luta em que estamos envolvidos para manter a integridade territorial da Nação e a defesa e a segurança das nossas populações.

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Consequentemente, penso que as justas palavras, a justiça que V. Ex.ª lhes está a fazer e que muito me apraz, como muito que sou, aliem de Deputado, ouvir nesta Câmara, e ouvir não só da boca de V. Ex.ª mas de outros Deputados, e a meu ver nem sempre com a frequência que eu desejaria que essa justiça fosse feita, penso, repito, que essas palavras são dignas de todo o aplauso.

Antecipando-me um pouco talvez ao decurso das suas considerações, gostaria de dar um esclarecimento, que não é para V. Ex.ª desde logo, mas que será possivelmente para a maioria dos Srs. Deputados.

Há um país amigo que recebe em permanência um determinado número dos nossos militares mutilados em campanha, há alguns anos, e até quando começou a recebê-los ali se fizeram trabalhos de prótese, se assim se deve dizer, que talvez nós não estivéssemos ainda habilitados e executor com tanta (perfeição. Esse país é a República Federal da Alemanha, e eu não queria, por consequência, deixar passar este momento sem prestar aqui uma justa homenagem à oferta, à generosidade que esse país amigo e aliado na N. A. T. O. mós tem concedido.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Almirante Roboredo e Silva, pelas palavras de apoio que V. Ex.ª me trouxe a esta- ligeira exposição.

Tenho a dizer a V. Ex.ª que as palavras que eu já proferi e aquelas que espero dentro de momentos transmitir a V. Exas. estão de acordo com o espírito de justiça e dos conhecimentos que tenho dos acontecimentos que as forças armadas vivem no momento que a Nação a/travessa. E relativamente ao caso desse país que recebe os nossos inferiorizados, é realmente uma atitude de dignificação humana e de compreensão do nosso grave problema.

As forças armadas protegem permanentemente as populações dessas zonas, proporcionando-lhes um ambiente de trabalho; colaboram na grande obra de desenvolvimento, na produção de riqueza, na sua socialização distributiva e na dignificação humana. Estou certo de que a Nação está confiante no destino do conflito em curso, que é seguramente a vitória do direito e da justiça.

Quero aqui afirmar que situações idênticas sempre os Portugueses tiveram de enfrentai, a partir da sua época expansionista, nos seus territórios ultramarinos. Tiveram de dominar tribos guerreiras ou os seus chefes ambiciosos, dando sempre as forças armadas ao País entrega total das suas aptidões, da sua inteligência e do sacrifício dia sua própria vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Têm custado ao País milhares de vidas, e investimentos intelectuais á defesa e o desenvolvimento do seu património ultramarino.

Lembremo-nos da plêiade de 1895, que obteve vitórias militares na província de Moçambique decisivas para a pacificação daquele território. Se recordarmos os seus nomes, era esta equipa constituída por homens, militares e civis, dos mais notáveis da nossa história contemporânea.

Igualmente nos podemos referir à história maravilhosa escrita com o Sacrifício, com as vidas e inteligências dos grupos de portugueses que se dedicavam à defesa e ao progresso de Angola e da Guiné.

Como poderá um povo de passado tão glorioso e abnegado aia defesa do seu património humano e espiritual e que possui umas forcas armadas actuais, que são bem dignas dos valorosos militares seus antepassados, admitir n possibilidade de uma derrota no conflito que suporta?

São estes e outros feitos que fizeram a historia de Portugal; mas os chefes militares na maior parte foram forjados no seu carácter e conhecimentos técnicos nas escolas militares especializadas.

Há necessidade de afirmar a juventude actual que a Nação acredita e necessita dela e que nas forças armadas existiram e existem valores morais e intelectuais de transcendente importância para a salvaguarda da nossa Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É necessário que a nossa juventude se mentalize de que seguir a carreira das forças armadas é uma honra, que, como tal, custa a granjear e tem por penhor a vida que se oferece com desprezo de conveniências, de conforto e ou de comodidades.

O Sr. Casal Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Foi sempre considerada honrosa a qualidade de ser militar e pelas forcas armadas têm passado sempre membros das famílias mais ilustres e poderosas do País.

Mas estando nós a tratar de inferioridades físicas, quero neste momento analisar os nossos bravos combatentes que se inferiorizaram no conflito em que o País está empenhado. Aqui posso depor como interveniente na terapêutica, na sua recuperação e reabilitação, na educação, cultura e destino destes. Posso afirmar que a Nação não os tem esquecido, nem os esquece, e está disposta a fazer todos os seus esforços para lhes dar a maior compensação possível.

O Governo está permanentemente atento às pensões atribuídas, intervindo e dinamizando por todos os meios instituições de fins humanitários, tendo em vista a cura, a reabilitação, as Instalações, o conforto, a distribuição de casas e a sua forma de construção, os seus lares, diligenciando a obtenção de empregos, etc. Ë certo que poderá, por vezes, haver demora na satisfação de direitos legítimos, mas a falta de disposições legais assim o determina. Mas estas faltas resultam de o Governo não ter estruturado os diplomas necessários, visto estes particularismos a maior parte das vezes só estarem em dia naquelas nações que se preparam para a guerra, e não na nossa, que- sempre professou a paz e a concórdia entre todos os povos. De resto, observa-se no departamento da Defesa Nacional, e dirigido pelo próprio titular, da pasta, um conjunto de medidas de carácter social com incidência em todos os seus escalões.

Verifica-se uma cobertura medicamentosa de incontestável valor; de assistência hospitalar totalmente gratuita; de criação de instalações hospitalares para oficiais, sargentos e suas famílias; de subsídios sociais justos e de várias medidas, que sei estarem em curso, da maior transcendência para a família militar.

Para terminar, repito que há necessidade de manter e fortalecer um plano com as suas verdadeiras dimensões para que o Governo atenue ou evite a segregação destes homens da sociedade nacional.

Não podem estas populações que se inferiorizaram pelo País e todos os outros na mesma situação serem abandonados, devendo-lhes ser fornecidos os meios necessários para o seu conforto, para a sua sobrevivência e para a sua inserção no conjunto das populações activas portuguesas.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Desta forma dou o meu acordo, dou o meu aplauso, à lei, que está em apreciação nesta Assembleia.

O orador foi cumprimentado.

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu visa assegurar a reabilitação de deficientes com o fim último da sua integração social.

Pensando que se torna desnecessário focar aqui a oportunidade da iniciativa, julgo dever trazer o meu contributo para corroborar alguns princípios que a presente lei confirma, apelando para o Governo no sentido da sua imediata regulamentação e efectivação.

Sem querer ir mais longe, poderemos enunciar alguns nomes que entre nós, nas duas últimas décadas, mais sentiram o problema da necessidade da reabilitação e da integração social de os diminuídos vir a constituir preocupa, cão do Estado, no sentido de providenciai- a criação de medidas dirigidas à satisfação do direito à saúde, & segurança social, ao trabalho, onde a (reabilitação encontra o seu lugar: Melo e Castro, Martins de Carvalho, Gonçalves de Proença, Neto de Carvalho, Cancella de Abreu foram;, enquanto governantes, incentivadores desta política.

E, como aqui já foi referido, desejaria também alinhar neste sentimento a actual presidente da Secção Auxiliar Feminina da Cruz Vermelha Portuguesa, D. Maria Amélia Pitta e Cunha, pela sua acção a favor dos militares mutilados.

O Sr. Cancella de Abreu: -Muito bem!

A Oradora: - Mas, porque nesta matéria a missão do Estado não é meramente supletia, cabe-lhe assegurar o funcionamento adequado de serviços de reabilitação médica vocacional, de educação especial, e outras medidas destinados à integração familiar, profissional e social dos deficientes reabilitados, considerando a necessidade de fomento e coordenação das instituições particulares.

Neste campo como noutros no nosso país tem perfeito cabimento a coordenação das iniciativas; tal como já várias vezes tem sido focado nesta Câmara, não somos tão pobres de bens e serviços como por vezes se pensa e diz: o maior problema está em que nisto sabemos programar coordenando, articular acções complementando serviços. Desprezamos instalações, especialistas e técnicos, multiplicando a criação de serviços, sem que a completa rentabilidade tenha sido obtida nos existentes.

O Sr. Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?

A Oradora: - Faz favor.

O Sr. Cancella de Abreu: - Estou ouvindo com o maior agrado a intervenção de V. Ex.ª e queria, apoiando o que está a dizer, acrescentar que nós necessitamos, de uma vez para sempre, de acabar com os «quintos». O nosso país ó suficientemente pequeno para termos uma série de «quintas». Temos todos, e juntos -e não somos de mais -, que lutar e puxar todos no mesmo sentido.

A Oradora: - Muito obrigado.

Isto pode encarar-se quer ao nível da actividade pública quer privada.

Ora, se a função de reabilitação é dispendiosa por natureza, mais uma razão para que nesta matéria as medidas de política sejam programadas com a necessária articulação e complementaridade.

Foi ontem já referido pelo Sr. Deputado Canoella de Abreu, na sua extensa intervenção, justificando o projecto, alem de outros, os (problemas existentes e as realizações efectuadas no domínio da educação de menores deficientes e da reabilitação de adultos, no âmbito do Ministério da Saúde e Assistem cia, por força das venhas do «Totobola», cuja receita está consignada legalmente à actividade desportiva e à função reabilitadora de indivíduos deficientes.

Todavia, porque desejamos para todos as possibilidades de acesso a uma vida humana digna, sentimos o que está por fazer, perante alguns milhares de deficientes que ainda não foram beneficiados. E porque a guerra, a doença, os acidentes de trabalho e de viação vêm engrossar dia. a dia este número, apelamos para o Governo, e, sobretudo, para a sociedade e para a opinião pública, no sentido de se tomarem as providências necessárias à prevenção das situações que provocam a rejeição social do deficiente.

O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?

A Oradora: - Faz favor.

O Sr. Jorge Correia: - Devemos apelar principalmente paira o Governo. Não podemos estar à espera de favores. Temos de acabar, de vez, com o estender a anuo a caridade. A caridade é um sentimento. Não podemos dar saúde por «aridade, dar fotos por caridade ou dar comida por caridade. Temos de acabar com esta mania de ver as coisas.

Entendo que o Governo é que deve ser realmente um motor mestas coisas e os outros, então, supletivamente; e não o contrário, como até aqui se fazia.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado: Estou perfeitamente na mesma ideia; e por isso referi que de facto o Governo não pode ter nesta matéria uma acção meramente supletiva. A caridade supõe a justiça. E, portanto, desde que consideramos a saúde um direito, tal como o direito ao trabalho, dar saúde é realmente- ir na ordem da satisfação de um direito.

Se considerarmos de capital importância a educação ou reeducação do próprio diminuído, a fim de ser ajudado a adaptar-se a sua diminuição, valorizando as suas capacidades, mão menor será a acção a desenvolver junto da própria família, dos locais de ensino, de trabalho e de ocupação de tempos livres.

Verifica-se constantemente uma atitude de rejeição ou paternalista, e não de integração social. Se não, vejamos o que se passa nos serviços públicos ou nas empresas privadas perante o funcionário ou trabalhador que fica diminuído. A tendência ainda hoje verificada é para apressar a reforma. Esperamos que os dirigentes e responsáveis, os sectores da medicina do trabalho e do serviço social do pessoal actuem no sentido de encontrarem furacões adaptadas aos deficientes, sempre que possível no próprio local de trabalho.

O Sr. Cancella de Abreu: - E há muitas.

A Oradora: - Queremos chamar a atenção particularmente para os diminuídas viscerais-cardíacos, tuberculosos clinicamente ourados - que podem pesar de forma assustadora à sociedade quando poderiam ainda ser com-

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todos como elementos válidos, em determinadas tarefas, com. Características até de maior rendimento funcional e de maior rendimento.

O que se diz paira o adulto deficiente põe-se para a criança- se esta puder receber o ensino integrado com as demais crianças, dificilmente se sentirá rejeitada quando adulta.

Entre as medidas que desejaríamos ver consideradas s partir da presente lei, à qual dou a minha aprovação na generalidade, enumeramos as seguintes:

1) Facilidade de acesso às aulas do ensino regular;
2) Adaptação dos alojamentos, de preferência na habitação social, às condições de acesso e de mobilidade dos deficientes;
3) Facilidades nos acessos aos transportes;
4) Obrigatoriedade para, os serviços públicos e para as empresas com determinada dimensão de admitirem de preferência, em equivalência de habilitações, deficientes reabilitados, a outros candidatos devendo para tal a construção das instalações contar antecipadamente com a presença de diminuídos;
5) Existência de serviços domiciliários para ajuda da integração do deficiente no contexto da sua família e na comunidade;
6) Criação de lares de apoio, com as adequadas instalações, destinados ao período de reabilitação medicai, quando não seja necessário o regime de internamento, ao período de treino e tunda, após o ingresso na vida profissional e social, sempre que não possam voltar à própria família;
7) Instalação de lares para grandes deficientes, com a necessária abertura à comunidade, podendo funcionar como «centros de dia» para outros

diminuídos, com actividades de adaptação à vida diária, de cultura e de convívio.

Finalmente, tendo em canta que os encargos financeiros são demasiado onerosos na cobertura das necessidades do Pois em matéria de reabilitação e integração social de indivíduos deficientes, e porque a população activa está em vias de ser totalmente abrangida pela previdência social, formulamos o voto de que no seu esquema de seguro social passe a figurar o encargo com a reabilitação dos deficientes.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Acreditamos que os votos formulados não serão vozes mo deserto!

Vozes: - Muito bem!

A oradora foi cumprimentada.

A Sr.ª D. Luzia Beija: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reabilitação é, nos nossos dias, uma preocupação de todos os povos, por imperativos de ordem humana, social e económica, contribuindo para o aproveitamento de todas as potencialidades do indivíduo e para o enriquecimento das sociedades em que o mesmo se insere.

Dia a dia se verifica, em progressão alarmante, a existência de maior número de diminuídos e se avolumam os condicionalismos que os motivam.

O alongamento da duração média da vida humana, os progressos da ciência e da técnica que salvam a vida a milhares de acidentados, o desenvolvimento da medicina preventiva e curativa que preserva inúmeras crianças diminuídas, o número crescente de acidentes de viação, os desastres de trabalho e as doenças profissionais, as mutilações de guerra, os sobreviventes de catástrofes, as doenças que invalidam total ou parcialmente e tantas outras causas são determinantes imperativas a impor uma política de reabilitação que de há muito se vem delineando entre nós e que agora se define e estrutura neste projecto de lei da autoria do Sr. Deputado Cancella de Abreu, a quem felicito pela oportunidade do diploma que inteiramente apoio.

Os imperativos de ordem humana que impõem a reabilitação, inserem-se DO próprio direito natural que reconhece a cada homem o direito à vida e ao trabalho, na medida das suas capacidades.

Tem assim o diminuído, de capacidade limitada, portanto, mas com os direitos de qualquer indivíduo, o direito, aliás, ratificado em diplomas internacionais de, na medida das suas aptidões, fazer face, trabalhando, aos encargos da própria existência.

Restaura-se assim a dignidade da pessoa do diminuído que, pelo trabalho, se reintegra na comunidade, compartilhando o sentimento de ser útil e satisfazendo assim profundas necessidades psicológicas.

Além do aspecto humano, há, porém, a considerar, na reabilitação, as incidências de natureza sócio-económica. Ignoramos o número de diminuídos existentes neste momento no País, por falta de estatísticas específicas. As internacionais revelam-nos percentagens elevadas, que vão desde 7 por cento da população, no Canadá, até 35 por cento em alguns países orientais.

Acresce entre nós o agravamento causado pela emigração dos trabalhadores mais válidos e pela mobilização dos jovens para a defesa do ultramar, que, reduzindo substancialmente o grupo economicamente activo, aumentam a percentagem dos dependentes.

Há, portanto, que recorrer a todas as potencialidades de trabalho existentes no País, aumentando, pela reabilitação, o número de elementos activos da sociedade.

Se pelo direito natural, ratificado aliás pelo artigo 8.° da nossa Constituição, todo o indivíduo tem direito ao trabalho, e permitindo as modernas técnicas de reabilitação uma recuperação válida, tem o diminuído, como principal interessado, o dever de colaborar na própria reabilitação em ordem a reintegrar-se validamente no seu meio social e profissional.

Ao direito ao trabalho corresponde, pois, o dever de trabalhar! Trabalhar na medida da própria capacidade, mas contribuindo assim mesmo para o bem comum.

É se a colaboração do diminuído corresponde, em muitos casos, ao esforço que se faz para o reabilitar e reintegrar, principalmente no sector mais esclarecido ou nos pessoas habituadas a uma vida activa e útil, verifica-se que, infelizmente, esta não é regra geral.

Nem sempre este objectivo é conseguido, instalada como está a ideia de que será a sociedade que terá de suprir as necessidades do diminuído, pelo internamento ou por subsídios, acrescidos geralmente da prática da mendicidade.

Não raro a deficiência física, seja cegueira ou notória e confrangedora deformação física, é considerada como fonte de rendimento, avaramente defendida no fundo, embora se chame clamorosamente a atenção para o abandono a que os poderes públicos votam semelhantes desgraças.

O relatório dos dois anos de actividade do Serviço de Reabilitação do Instituto de Assistência aos Inválidos aí está a provar que, ao lado dos consoladores resultados obtidos, permanece esta deplorável mentalidade.

Bem haja, pois, o ilustre autor do projecto ao legislar sobre o papel que cabe ao Ministério da Educação Nacio-

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nal na solução deste problema. Não propriamente na reabilitação dos diminuídos, mas principalmente na prevenção que na infância se pode fazer de males maiores, ensinando a suprir carências, formando as personalidades e preparando para uma vida útil as crianças com diminuições, quer de ordem motora, sensorial ou mental.

E aqui, mais uma vez, chamo a atenção desta Câmara para o problema da intensificação do ensino especial, que no nosso país á apenas simbólico, pedindo ao Sr. Ministro da Educação Nacional que, na reforma do ensino, considere esta profunda necessidade.

E imperativo que se criem escolas de ensino especial em número suficiente, e sobretudo que se cuide, quanto entes, da preparação e especialização dos professores correspondentes.

Além do dever social que implica este ensino, bem expresso na Declaração Internacional dos Direitos da Criança, é muito mais económico investir na prevenção do que na reabilitação.

O que se gasta neste ensino em pouco zoais aumentará as verbas da educação do Orçamento Geral do Estado e quanto se gastará depois, as vezes «em resultados positivo», em serviços de reabilitação, subsídios assistenciais, assistência médica e psiquiátrica, reformatórios e cadeias, sem cantor já com o encargo que resulta- para a Noção da existência de

Um outro aspecto relacionado com ia educação há a focar ainda no espírito deste projecto. É o da falta de preparação actual da sociedade paro integrar validamente os indivíduos reabilitados.

A atitude atávica perante o diminuído á de comiseração, de simpatia traduzida em caridade e nada mais.

Quando muito, dá-se-lhe trabalho como quem disfarça uma esmola considerando com cepticismo as suas possibilidades de bom desempenho de qualquer tarefa.

E o que se pretende não á caridade! E, como tão bem demonstrou ontem nesta Tribuna o Sr. Deputado Cancella de Abreu, somente justiça

E difícil porém criar uma nova mentalidade que vise a considerar o reabilitado como um elemento útil, e em igualdade de circunstâncias com outros trabalhadores perante uma tarefa panai que esteja capacitado.

Mas ó absolutamente necessária esta mentalizarão, pois sem ela não 'haverá verdadeira reintegração e a reabilitação não conseguirá a sua verdadeira finalidade.

Impõe-se, para uma perfeita rentabilidade na aplicação desta lei, uma verdadeira campanha nacional de mentalização, evidenciando o valor humano e social da reabilitação e sensibilizando ia população para o dever de a completar, (colaborando na colocação dos (reabilitados.

O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!

À Oradora: - Ao lado da reabilitação há que fazer educação!

Educar para prevenir é sempre a mais válida forma de solução de todos os problemas.

Educar a população pana a necessidade da reabilitação é a primeira condição para a sua eficácia.

Educá-la para a completar é a garantia do seu êxito.

Em grande parte á aqui -no problema da educação, que está na base de quase (todos os grandes males do nosso tempo- que assenta o sucesso do complicado e oneroso processo da reabilitação...

Vozes: - Muito bem!

A oradora foi cumprimentada.

O Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, uma pequena justificação para a minha presença nesta tribuna, com o propósito de apresentar algumas considerações, muito breves, aliás, acerca do projecto de lei sobre a reabilitação e integração social dos indivíduos deficientes.

A elevada consideração que me merece o Sr. Deputado Cancella de Abreu, autor do projecto de lei, a cuja acção em prol dos deficientes, quando titular da pasta da Saúde e Assistência, já oportunamente me referi nesta Câmara,' a importância que, efectivamente, se reconhece aos problemas da (reabilitação e integração social dos diminuídos e, finalmente, uma receptividade que nasce, como é evidente, da actividade profissional que exerço e que, necessariamente, havia de despertar-me maior sensibilidade para o sector da educação especial, são razões, qualquer delas - julgo eu - só por si plenamente justificativas desta intervenção.

Como já aqui foi acentuado, principalmente pelo autor do projecto de lei, ao iniciar o debate, com um trabalho notável, pêlos conceitos e pela documentação, estamos no limiar da «década» proclamada pela Sociedade Internacional de Reabilitação, com os altos propósitos de despertar o interesse público pêlos problemas decorrentes da incapacidade dos indivíduos e acentuar as vantagens económico-sociais em os resolver, proporcionando os elementos orientadores para o planeamento, o desenvolvimento e a criação dos serviços necessários e intensificar os programas de preparação de pessoal especializado, além da simplificação da metodologia e dos meios de acção, a fim de se permitir a criação de um maior número de serviços, em conformidade com os recursos existentes.

Interessante notar que, com o debate produzido nesta Assembleia, foi possível alertar, com impacte amplamente favorável, os Poderes Públicos e a população em geral, e ficará o Pais mais bem habilitado, do ponto de vista legal e do esclarecimento da matéria, & conveniente participação naquela jornada internacional, circunstância que, infelizmente e em prejuízo de todos nós nem sempre se tem verificado, pelo menos com o alcance e a repercussão que bem justificavam outras grandes iniciativas visando o aperfeiçoamento do homem lançadas à escala mundial e para atém de diferenciações políticas e das lutas que empobrecem a Humanidade.

Porque toda a matéria em discussão se tem de inserir numa política global de assistência social, afigura-se-me oportuno procurar reter o que com este conceito se pretende: se um conjunto de iniciativas impregnadas de sentimentos de caridade e amor ao próximo (que até se consideram bastante válidas e imprescindíveis), mais no âmbito do sector privado e autárquico, embora com o apoio do Estado, se uma acção deliberada deste, no sentido de pôr termo a desigualdades, pelo (reconhecimento de que existem direitos básicos que têm de ser assegurados a todos os cidadãos, indiscriminadamente.

Pela minha parte, opto declaradamente pelo segundo daqueles critérios, o que de forma alguma põe à margem a colaboração de entidades particulares, antes as incentiva e apoia, no sentido do seu mais perfeito funcionamento, como participantes autênticos no todo que constitui a própria assistência social.

Nesta conformidade, é ao Estado que, fundamentalmente, compete adoptar as medidas e criar os serviços que supram deficiências da estrutura social e dos próprios indivíduos, em todos os aspectos que interessam a uma vida de relação efectivamente superior, nos domínios da saúde, da educação, do trabalho, da previdência, da habitação, da segurança social, etc.

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Precisamente porque se recusa admitir mais um conceito assistencial, sinónimo tão-sòmenfe de ajuda material ou mesmo moral e espiritual, antes a reputo acção destinada a assegurar os direitos que os próprias leis conferem, precisamente por isso - repito - ó que se exaltam com entusiasmo os princípios que informam o projecto de lei sobre a reabilitação e integração social dos indivíduos deficientes, o qual se propõe garantir a todos eles os meios que os habilitem a uma vida social activamente participada e produtiva, e não meramente secundária, passiva e, consequentemente, subsidiada, atribuindo-se ao Estado papel decisivo, no que respeita à consecução dos 'fins expressos, cabendo-lhe a obrigação de «fomentar, coordenar, orientar e fiscalizar», não se limitando, portanto, a incrementar iniciativas particulares, como já foi norma corrente, de acordo com conceitos boje ultrapassados ou em vias de o serem.

De tudo quanto se tem afirmado ao longo do debate e noutros locais, desde conferencias, colóquios e publicações oportunos artigos em jornais de grande expansão, está a resultar a concienciolização do País para a importância destes problemas e pressente-se um apoio sempre crescente a todos as iniciativas que visem a preparação dos indivíduos diminuídos, quer ao nível da simples educação, como da reabilitação para o trabalho, tendo-se motivos para acreditar que eles serão cada vez menos considerados um «peso morto», que suscita compaixão, quando não indiferença, e transformor-se-ão em cidadãos válidos, colaborantes também no processo de desenvolvimento económico, pelo desempenho de actividades as mais diversas, desde que devidamente habilitados física, intelectual e profissionalmente.

Se hoje prepondera a convicção de que a educação é o melhor investimento, o princípio mantém toda a sua razão, ao que respeita à formação e à reabilitação do homem momentaneamente diminuído nas suas potencialidades físicas ou psíquicas, quer seja portador de deficiências congénitas ou adquiridas.

Em consequência de oportuno alargamento de âmbito do projecto de lei a indivíduos com menos de 14 anos, aliás com total compreensão e apoio do seu autor, ganham, como é óbvio, particular acuidade as problemas da educação. Só há que louvar o facto, que se reveste de interesse especial, na altura em que se discute o projecto de reforma do ensino, a qual, para ser completa, tom de, igualmente, alargar o seu âmbito às crianças deficientes intelectuais e sensoriais.

Pelo interesse que este aspecto me merece, em Janeiro de 1970 tornei-o objecto de uma intervenção, em que ficou sintetizado o meu pensamento, razão por que não se entrará agora em desnecessárias pormenorizações. Já então tive oportunidade de acentuar que eram francamente animadoras as perspectivas quanto à educação de crianças invisuais e «urdas, os quais se têm confirmado plenamente, graças ao notável esforço que o Instituto de Assistência aos Menores vem desenvolvendo para assegurar a cobertura total da metrópole, que ficará garantida até 1973, estando prevista a actuação dos serviços junto dos indivíduos que ultrapassaram a idade escolar, tanto em relação ao seguimento de programas educativos como ao seu ajustamento social, alargando-se experiências em curso, com excelentes resultados, nomeadamente na integração de deficientes no ensino regular.

Já o mesmo não se pode afirmar em relação ao espaço ultramarino, nem no que respeita aos deficientes intelectuais, que estão em grande desvantagem e cujo número é tão elevado que só um arrojado programa a nível nacional poderia atenuar as suas dimensões.

Pensa-se, no entanto, que grande parte dos alunos considerados diminuídos mentais são mais vítimas da actual estrutura escolar do que deficientes na verdadeira acepção. A falta de instalações e de professores, provocando o congestionamento das classes, não favorece o regular aproveitamento do ensino, por seu turno desajustado, tanto no que respeita às necessidades psico-somáticas da criança quanto às próprias exigências da sociedade actual. Anulando-se tais deficiências de estrutura, de pessoal e de programas, normalizando-se a actividade escolar, criando-se serviços coadjuvantes e praticando-se uma verdadeira política de saúde e assistência, ter-se-á, sem dúvida, a redução substancial da percentagem de crianças considerados deficientes, tornando-se menos oneroso um programa de acção destinado às que efectivamente devem a sua inadaptação a comprovadas incapacidades orgânicas.

Ainda aqui, e até de modo particularmente sensível, se faz sentir a urgência dos programas de promoção das populações de baixo nível económico e de protecção materno-infantil. E insiste-se na referência aos resultados espectaculares de experiências realizadas pelo Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa, que consistiram, como largamente se divulgou, na observação e interpretação dos factores justificativos do precário rendimento escolar, pela análise das características individuais e do contexto sócio-familiar, revelando-se 77,8 por cento dos alunos examinados de nível intelectual médio, não obstante elevado número ter acusado perturbações tensoriais e diversos casos de saúde. Por outro lado, ficou claramente demonstrado que a maioria dos alunos sem aproveitamento era originária de meio sócio-económico caracterizado por complexa trama de situações desfavoráveis à sua educação e ao rendimento do ensino.

Por tal motivo, considera-se justificada a insistência neste ponto, que é fulcral, acreditando-se nos reflexos positivos da promoção social e da reforma do ensino, não se devendo esquecer, entretanto, que com uma formação mais consentânea com as necessidades da «escola nova» e com frequentes cursos de aperfeiçoamento, também os educadores estarão mais aptos a' responderem às exigências pedagógicas dos «alunos difíceis», desde que disponham do indispensável material didáctico e a sua acção incida sobre turmas substancialmente reduzidas.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foi com o maior interesse que ouvi tudo quanto aqui se afirmou relativamente à reabilitação e integração social dos indivíduos deficientes, solidarizando-me com todos os que me antecederam no uso da palavra. Desejo, no entanto, expressar especial apreço por quanto se tem feito pela reabilitação dos militares afectados em consequência de acções de combate nas nossas províncias ultramarinas. É um direito que duplamente lhes assiste, atendendo às especiais circunstâncias em que ocorreu a sua incapacidade. E recorrido, ainda, o que também aqui já foi afirmado quanto ao elevado número de vítimas de acidentes de viação, que estão na base da maioria das incapacidades verificadas no nosso país, impondo-se o incremento de medidas que atenuem as trágicas consequências de tão generalizado suicídio, bem como o apetrechamento dos nossos estabelecimentos hospitalares com os necessários meios de acção para acudir aos sinistrados, evitando-se o aumento sempre progressivo dos indivíduos diminuídos.

E é tempo de concluir, o que farei de seguida, reiterando o meu entusiástico aplauso à iniciativa efectivada pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu, que vem indiscutivelmente em momento assaz oportuno, esperando-se que seja, na realidade, o ponto de partida para uma acção conjunta do Estado e das entidades autárquicas e pri-

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23 DE ABRIL DE 1971 1891

vadas, em ordem a poder-se assegurar a reabilitação e integração social de todos os indivíduos diminuídos, como é propósito expresso do projecto de lei, a que dou a minha aprovação na generalidade.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Almeida e Sousa: - Sr. Presidente: Em plena sinceridade, não posso deixar de lamentar que o carregado da nossa agenda obrigue a consentir tão pouco tempo para assunto tão importante.
Infelizmente, todos o sabemos, estamos ainda muito longe de aproveitar todas as potencialidades dos portugueses que, por seu mal, nasceram ou se tornaram deficientes. A fatalidade, que, como povo, sempre tivemos certa tendência para aceitar, ainda hoje nos leva a transigir com situações que já não são dos nossos dias, situações que já não são dos nossos dias, situações como que, acima de tudo por eles, mas também por nós próprios é imperioso acabar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todos temos de Ter, no seio da sociedade, lugar que nos aproveite e nos honre em toda a medida das nossas faculdades e da dignidade da vida humana para que todos nascemos. Enquanto assim não fôr, estará mal.
Todo o esforço, portanto, que possamos fazer em pró daqueles que fisicamente não podem o que podemos, aproveitando tudo quanto puderem e pondo à sua disposição a felicidade suprema do trabalhar e do vencer, muito mais do que o nosso encómio, merece todo o nosso entusiasmo e todo o nosso sacrifício.
Bem haja, pois, o ilustre autor deste projecto da lei pela sua iniciativa. Que Deus lhe pague na mediada da felicidade que ao seu próximo dará.
Dito isto, suponho Ter expressado suficientemente, para além da importância nacional que sinto no problema, a justiça que faço às intenções do projecto.
Outros, mais sabedores, terão dito e dirão das suas virtudes. Consinta-se apenas ao homem do concreto que desde o primeiro dia, aqui disse desejar ser, a crítica do que nesse projecto se pensa poder vir a ser melhor, na ânsia de conseguir o sonho que urge materializar.
Com a franqueza rude do que quer construir, tenho de dizer que muito gostaria que a lei que agora vamos votar nascesse algo de mais imperativo do que o simples enunciado de muita coisa boa e justa, sem dúvida, mas que receio que não seja suficientemente eficaz.
Para além dos doutos organismos coordenados ou consultivos que já existem ou virão a ser criados, quereria ver neste sector uma estruturação mais forte, mais poderosa, mais responsável, que nos obrigasse mais a todos, na medida do poder de cada um.
Talvez seja apenas pressa o motivo próximo deste meu anseio, mas em assunto de tanta premência e onde tanto temos que recuperar penso que será bem mais desculpável a pressa do que a conformidade, talvez seja querer de mais, mas em domínio tão vasto, se não quisermos cem, chegaremos algum dia a Ter dez?
A obra é de facto imensa.
Já pensaram VV Exas. a quanto nos obriga, para ser cumprida a doutrina da base IV deste projecto de lei, a que não posso aliás, deixar de dar o meu mais completo aplauso? Para que a partir donde partimos, seja o que se diz dever ser que ingente obra temos na nossa frente!
Estaremos todos bem conscientes da sua dimensão?
Por isso nos custa ver imediatamente a seguir, na base V parecer - serem entregues, em primeira mão, à iniciativa particular os objectivos desta lei, relegando-se bem entendemos, para supletiva a acção do Estado.
Com certeza que tenho no maior apreço - diria antes veneração- a caridade dos Portugueses, mas em assunto de tamanha importância, perante obra tão grandiosa, entendo que o comando e a responsabilidade final deverão caber sempre e indiscutivelmente ao Estado.
Só o Estado terá força, para transformar a caridade em justiça, e os diminuído? físicos de hoje, em meu entender, mais do que de caridade, precisam de justiça. Precisam de que a sociedade se organize para lhes dar, em toda a medida do possível, a justa posição que as suas faculdades lhes consentem. Essencialmente, precisam de se sentir úteis. E a sociedade, afinal, também precisa deles - precisa, pelo menos, e de que maneira!. do exemplo de coragem que tantas vezes lhe dão.
Parece-me, de facto, que só a força e o poder do Estado poderão construir a esmagadora obra que urge pôr de pé. Aproveitando, sem dúvida, todas as boas vontades que a caridade inspirar, mas sem nunca perder a noção de que a obra é de, sua inteira, responsabilidade e de que jamais lhe servirão de escusa as deficiências ou a pobreza das instituições que com ele colaborem.
A obra, - repito, é grande de mais, importante de mais e urgente de mais para que outrem, que não o Estado, assuma a responsabilidade da sua execução.
Se pensarmos de outra forma, creio bem que não nos valerá a pena subscrever, a base IV. Será mais um texto que ficará a exprimir- mais uma bela intenção, infelizmente sem possibilidade de realização prática.
Por outro lado, se aceitarmos o que a base IV .tem de ser - e creio que todos o aceitamos - e se aceitarmos até às últimas consequências a doutrina da alínea f) da base XIV, não compreendo então por que não devemos pôr as coisas no seu devido lugar, entregando ao Estado, com o encargo, a plenitude desta nobre missão.
Creio bem que seria útil, na discussão na especialidade, que se vai seguir, reflectirmos um pouco sobre este ponto, por escasso tempo que tenhamos.
É só mais uma palavra, já que prometi ser breve: li essa palavra será para dizer que acho insuficientes as garantias expressas na base XII. Estou aqui muito mais no meu campo, mais à vontade para a discutir.
Penso que, se, a Nação quiser cumprir o que na base IV promete temos de encarar desde já as coisas de outra forma, ternos de fazer uma análise de funções que reserve para os diminuídos todos os empregos compatíveis; em resumo, temos de organizar, à escala racional, todo um esquema de colocações para os reabilitados, que permita os grandes números. Sem isto, bem pouco é o que podamos fazer. Foi o que fizeram outros países em situações bem mais agudas do que a nossa.
Eu bem sei que mais uma vez o desequilíbrio laboral do País. com empregos à mão apenas em privilegiadas zonas, dificulta muito a acção. Contraria, pelo menos, o que se escreve na base VIII. É mais uma dificuldade a vencer, entre tantas outras.
Por tudo isto, consciente da importância e da dimensão do problema, muito sinceramente tenho de dizer que não acredito que, sem uma autoridade centralizada o responsável, com meios e poderes suficientes, seja possível cumprir o que se promete.
Esforços fracos e dispersos penso que não podem resultar. Tenho presente um exemplo bem frisante: sensibilizado pelo caso dos diminuídos, cujo número infelizes causas todos os dais fazem aumentar, propôs-se um dia o Grémio dos Industriais Metalúrgicos do Norte chamar a atenção de todos e de quem de direito para o problema, polarizando boas vontades até aos limites do seu poder.

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1892 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 95

Para isso, publicou veemente apelo no número de Janeiro de 1968 da sua revista Metal, e, desde então, em todos os lugares e em todas as ocasiões que lhe tem sido possível, a propósito ou a despropósito, tem procurado agitar o problema. Pois até agora, que eu saiba, não ouvi o mais pequeno eco.
Há qualquer coisa que falta na nossa organização. Que a lei sobre a qual agora nos debruçamos venha a colmatar esta falta e possa ser o motor que todos precisamos seja, é a minha grande esperança e a única razão das palavras que VV. Ex.ªs acabam de ouvir.
Na generalidade dou o meu apoio ao projecto.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não está mais nenhum orador inscrito para este debate. E como não foi apresentada qualquer questão prévia tendente a retirar da discussão o projecto de lei, considero-o aprovado na generalidade!
Amanhã marcarei para ordem do dia a sua discussão e votação na especialidade.
Durante a sessão entrou na Mesa uma proposta de resolução relativa às contas da Junta do Crédito Público de 1969, que vai ser lida.

foi lida. É a seguinte:

Proposta de resolução

A Assembleia Nacional, depois de tomar conhecimento do parecer tia Comissão das Contas Públicas, resolve dar a sua aprovação às contas da Junta do Crédito Público referentes a 1969.

Lisboa, Sala, das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1971. - Os Deputados: José Coelho de. Almeida Cotta - Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva - António da Fonseca Leal de Oliveira - Manuel Monteiro Ribeiro Veloso - Fernando de Sá Viana Rebelo - Delfino José Rodrigues Ribeiro Rebelo - José Maria de Castro Salazar - Filipe José Freire Themudo Barata - Bento Bcnoliel Levy.

O Sr. Presidente: - Fiz ler agora esta proposta de resolução porque marco para amanhã, como primeira parte da ordem do dia, a discussão das contas da Junta do Crédito Público e a votação das resoluções pendentes acerca da Couta Geral do Estado e daquelas contas, relativas ao ano de 1969.
A segunda parte da ordem do dia terá por objecto a discussão e votação na especialidade do projecto de lei cuja discussão na generalidade acabamos de concluir.
A terceira parte da ordem do dia, que ainda marco, destina-se à efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Correia da Cunha sobre o ordenamento do território. Este programa é um pouco carregado, porque assim o impõe o avanço dos dias, que se aproximam do termo dos nossos trabalhos.
Há também bastantes oradores inscritos para o período de antes da ordem do dia. Dependerá do tempo que cada um desses Srs. Deputados deixe para os seguintes o poder conceder ou não a palavra a todos durante esse período.
A sessão de amanhã terá início à hora regimental.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando David Laima.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui Pontífice Sousa.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António de Sousa Vndre Castelino e Alvim.
Fernando Augusto Santos e Castro.
João Manuel Alves.
José Guilherme de Melo e Castro.
José da Silva.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - Januário Pinto.

Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:

Requeiro que me seja fornecida a seguinte publicação oficial:

Aspectos Fundamentais dos Sistemas Geral e Prisional e da Organização Judiciária em Portugal - Ministério da Justiça.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1971. -X) Deputado, Francisco Manuel Lumbiales de Sá Carneiro.

IMPRENSA NACIONAL

PREÇO DESTE NÚMERO 6$20

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