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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97

ANO DE 1971 28 DE ABRIL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 97 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 27 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 94 e 95 do Diário das Sessões, com rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Franco Nogueira e Cancella de Abreu.
Deu-se conta do expediente.
Foram presentes à Assembleia, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, vários decretos-leis.
Assinalada pelo Sr. Presidente a passagem do 43.º aniversário da entrada do Doutor António de Oliveira Salazar para o Governo, usou da palavra sobre a efeméride o Sr. Deputado Casal-Ribeiro.
O Sr. Deputado Carlos Ivo pronunciou-se sobre a balança de pagamentos de Moçambique.
Os Srs. Deputados Dias das Neves e Peres Claro referiram-se ao encerramento da exposição evocativa de 25 anos de ensino técnico.
O Sr. Deputado Valente Sanches assinalou a inauguração nas Caldas da Rainha, pelo Sr. Presidente da República, de uma estátua do Marechal Carmona, pondo em foco a admiração que o povo daquele concelho nutria pelo antigo Chefe de Estado, em virtude dos inúmeros benefícios que lhe ficou devendo.

Ordem do dia. - Na primeira parte da ordem do dia continuou a discussão na especialidade do projecto de lei sobre a reabilitação e integração social de indivíduos deficientes, incidindo a discussão sobre uma nova proposta, de aditamento de uma base VI-C, durante a qual usaram da palavra os Srs. Deputados Cancella de Abreu, Santos Dessa, Ricardo Horta, Salazar Leite, D. Maria Raquel Ribeiro, Linhares Furtado, Peres Claro e Alberto de Meireles.
Na segunda parte da ordem do dia o Sr. Deputado Correia da Cunha efectuou o aviso prévio sobre o ordenamento do território.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão, depois de requerer a generalização do debate, que foi concedida, usou também da palavra, logo seguido do Sr. Deputado Leal de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas o 35 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de AlarcHo e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Paires.

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Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Estevas Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte. João Lopes dia Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Bau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Voladão dos Santos.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 65 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram, 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 94 e 95 do Diário das Sessões.

O Sr. Franco Nogueira: - Sr. Presidente: No n.º 95 do Diário das Sessões, na p. 1877, col. 2.ª, 1. 11, onde está a palavra: «conjecturas», deve ler-se: «conjunturas».

O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Quanto ao n.º 94 do Diário das Sessões, na p. 1863, col. 1.ª, l. 40, onde está: «rentável», deve ler-se: «rendável»; na p. 1864, col. 2.ª, 1. 43, onde está: «de armas na mão, defendem heroicamente», deve ler-se:, «de armas na mão, se incapacitam defendendo heroicamente»; na p. 1866, col. 2.º, 1. 21, onde está: «Aristides Sain», deve ler-se: «Martin Sain». No que respeita ao n.º 95 do Diário das Sessões, na p. 1887, col. 1.º, 1. 52 a 65, onde está: «O nosso país è suficientemente pequeno para termos uma série de quintas. Temos todos, e juntos - e não somos de mais -, que lutar e puxar todos no mesmo sentido», deve ler-se: «O nosso país é muito pequeno para que nele possam coexistir tantas e tão numerosas dessas quintas. Temos todos e juntos - e não somos demais -, que lutar e puxar no mesmo sentido».

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum de VV. Ex.ª tem rectificações a fazer, considero os n.ºs 94 e 95 do Diário das Sessões aprovados, com as rectificações já apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

De apoio à intervenção do Sr. Deputado Moura Ramos sobre a transladação dos restos mortais de Mouzinho de Albuquerque para o Mosteiro da Batalha.

Cartas

De um beneficiário das caixas de previdência pedindo a instituição da reforma aos 60 anos;
De um filiado da Acção Nacional Popular elogiando as palavras do Sr. Deputado Sá Viana Rebelo sobre o combate à febre-amarela em Angola.

O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, estão na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 96 e 97 do Diário do Governo, de 26 e 27 do corrente, que inserem os seguintes Decretos-Leis:

N.º 1160/71, que determina que os oficiais da Armada habilitados com o curso geral naval de guerra ou curso equivalente, quando no desempenho de funções de estado-maior, tenham direito à gratificação de serviço estabelecida na alínea c) do n.º 5.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 30 249, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 40 672;
N.º 161/71., que extingue a Missão das Construções Navais Portuguesas em França, criada, temporariamente, junto da Embaixada de Portugal em Paris, pelo Decreto-Lei n.º 46 158;
N.º 162/7,1, que elimina ou diminui dificuldades que se têm verificado na efectivação do cumprimento da obrigatoriedade escolar e revoga o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 80 951 e os artigos 8.º e 52.º do Decreto-Lei n.º 40 964;
N.º 163/7;l, que dá nova redacção aos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 42 696, que designa a forma de nomeação do presidente da Junta de Investigações Agronómicas;
N.º 167/71, que determina que as escolas superiores com frequência inferior a mil alunos possam ter um. subdirector quando a complexidade dos respectivos serviços o tornar necessário;
N.º 169/71, que aprova, para ratificação, a Convenção para o Reconhecimento Mútuo das Inspecções Re-

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lativas ao Fabrico de Produtos Farmacêuticos (e Notas Explicativas), concluída em Genebra em 8 de Outubro de 1070;
N.º 170/71, que aprova as normas para a exploração e funcionamento das Estacões Centrais de Camionagem (E. C. C.).

Srs. Deputados: Passa hoje o 43.º aniversário da verdadeira entrada para o Governo do Doutor António de Oliveira Salazar. E uma data que, embora já recuada, pela enorme viragem que definiu na vida deste País, nunca será de mais recordar.
A intenção de celebrar o facto foi-me manifestada pelo Sr. Deputado Casal-Bibeiro e, dada a dignidade do tema, dando a palavra a este Sr. Deputado, convido-o a subir à tribuna.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Sr. Presidente: Apenas duas palavras, porque não é por elas serem mais simples nem mais curtas que revelam menos sinceridade e menos gratidão, para assinalar um acontecimento de transcendente importância que há quarenta e três anos se verificou na vida da Nação: a entrada para o Governo de um jovem e já ilustre professor da antiga e prestigiosa Universidade de Coimbra, o Dr. António de Oliveira Salazar.
Primeiramente Ministro das Finanças, rapidamente se transformaria, por direito próprio, no condutor que, através de mil vicissitudes, havia de governar o País como seus chefe político incontestado e incontestável.
Com detractores, como todos aqueles que se salientam até ao ponto de o venerando Chefe do Estado o ter proclamado Benemérito da Pátria, e o ilustre homem público que lhe sucedeu na chefia do Governo lhe ter chamado génio, o Doutor Oliveira Salazar, mesmo pelos seus próprios inimigos políticos - que, sem dúvida, tinha - era considerado, quando a honestidade e a objectividade não andavam afastadas do campo ideológico, um homem de Estado que devolveu ao País o prestígio externo e o equilíbrio interno de que carecia para um longo período de paz, de ordem e de progresso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem mesmo quando a doença o prostrou e Deus o chamou para Si, deixou de ser- para aqueles que com ele tinham servido ou simplesmente apoiado ou admirado- um Homem de dimensões políticas fora do comum; um homem dotado de extraordinário espírito de sacrifício; um verdadeiro e grande português, como, aliás, o provou através de mais de quarenta anos de dádiva total à Pátria de todos nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Silenciosamente, quer na condução da pasta das Finanças, quer do Ultramar, ou dos Negócios Estrangeiros, e, ultimamente, quando o Pais mais carecia de um comando firme e decisões rápidas, na Defesa Nacional, Salazar, silenciosamente, repito, suportou sobre os seus ombros os ciclópicos trabalhos inerentes a um governante esclarecido, patriota, honrado e de cuja acção se partiu para uma actualização de processos que ele próprio usou sempre que assim o entendeu, para bem da Nação, do seu prestígio internacional e da sua paz interna.
Doloroso foi para si, tanto quanto para quaisquer outros, mesmo os que sofreram as mais atrozes amputações, o sacrifício da juventude que combate e morre na defesa da unidade da Pátria!
Disse um dia Salazar, referindo-se à campanha do ultramar, que era preciso saber merecer os nossos mortos».
Hoje, ele que morreu ao serviço da Pátria e para ela viveu a trabalhar infatigavelmente durante mais de quarenta anos, tem de ser recordado; e que todos o mereçam!
Salazar deixou de estar entre nós, anãs o seu exemplo, a sua obra gigantesca e o seu génio político estarão indiscutivelmente na génese de todas as reformas, que sem a que ele realizou, a mais difícil, não seriam hoje, nem amanhã, possíveis e, sobretudo, consistentes.
Todos devem- ter plena consciência dessa verdade: usando-a como denominador comum das tarefas a ter em conta, não pode haver divergência de fundo no combate que todos nós temos de travar pela perenidade e grandeza de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Carlos Ivo: - Sr. Presidente: Por vários oradores que tomaram parte no debate sobre as contas públicas; de 1969 foi manifestado especial interesse pela situação de Moçambique, e destas intervenções saliento a do Sr. Deputado Alberto de Àlarcão, pela forma como situou é caso dessa província no contexto do espaço económico português.
Como corolário dessa análise, desejo dedicar a oportunidade que se me oferece para me pronunciar sobre a balança de pagamentos de Moçambique, que foi tema das primeiras palavras que da tribuna pública proferi nesta Assembleia.
E, se o faço como um dos representantes de Moçambique, não é por mero bairrismo, mas na plena consciência de que as dificuldades que atravessamos não são só de Moçambique, mas também de todos nós, do espaço económico português, ou seja do conjunto nacional.
As palavras do Sr. Deputado Àlarcão e Silva transmitiram a VV. Ex.ª a gravidade da situação mediante números referentes a 1969, e eu não hesito em afirmar que a situação se agravou de forma notória desde então para cá, não só pelas solicitações sempre crescentes de divisas, aliás natural num território em desenvolvimento, como também pelo embate das medidas que foram tomadas, algumas já neste ano, para enfrentar a crise presente, pois de uma crise se trata, na realidade.
Na minha intervenção, de 30 de Janeiro do ano passado, terminei pedindo medidas que na generalidade conduzissem:
1.º À possibilidade de transferências imediatas de Moçambique para a Metrópole,
2.º À eliminação das restrições que tornam aliciante o negócio clandestino que se verifica na compra de moeda metropolitana.
Daqui passarei a examinar sucintamente o que se fez e as consequências que já começam a tomar forma, e que, oxalá, não se concretizem de forma irreversível.
Temos, em (primeiro lugar, o despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Ultramar que estabelece um sistema de prioridades- visando especificamente os invisíveis correntes. Nada tenho a comentar quanto a esta ordem de prioridades estabelecidas, mas não posso deixar de apontar uma consequência que o sistema, só por si e como medida transitória que foi, fazia prever: é que, dispondo-se do mesmo volume de divisas, a melhoria ou tratamento prioritário de qualquer dós sectores

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interessados iria, como está a acontecer, prejudicar outros sectores; e destes, talvez o mais atingido é o das trocas comerciais entre a metrópole e o ultramar.
Para reforçar a primeira medida, outra foi tomada, restringindo em grau apreciável as importações para Moçambique, quer em qualidade, quer em quantidade, tanto da metrópole como do estrangeiro.
No passo da vida nacional em que nos encontramos e em que proclamamos a todo o momento a necessidade imperiosa de articularmos as economias das vários parcelas do território nacional, verificamos com pesar que, devido a circunstâncias várias, os resultados destas restrições não são animadores; se, por um lado, os inúmeros estatísticos mostram um decréscimo no ritmo de agravamento, esse agravamento continua, porém, a dar-se.
E as consequências, quais são?
Na metrópole, a perda de mercados tradicionais e até privilegiados está a causar sérias perturbações, como por vários Srs. Deputados e pela imprensa tem vindo a ser assinalado, especialmente quanto aos vinhos; em Moçambique, e certamente também em Angola em menor grau, as perturbações no comércio estão a tornar-se graves e tendem a piorar se uma solução radical, e, diga-se de passagem, que terá também de ser muito corajosa, não for adoptada imediatamente. O despedimento de pessoal e até a falência de empresas comerciais são consequências que já despontam no horizonte económico de Moçambique.
Os erros passados pagam-se sempre, mas vamos tentar pagá-los em dinheiro, e nunca em valores humanos de presença, onde ela é tão necessária para a nossa sobrevivência.
As consequências marginais e indirectas deste estado de coisas são numerosas, mas limitar-me-ei a mencionar apenas algumas que mais tocam o aspecto humano do problema:
A fuga da nossa mão-de-obra para os territórios vizinhos, onde obtém melhores condições de vida, que nós não lhe podemos oferecer em Moçambique por causa do nosso atraso económico, e onde tem a garantia de que as mesadas que envia para a família são recebidas pelos beneficiários dentro do tempo que as formalidades bancárias e o porte de correio exigem;
A dificuldade de recrutamento de pessoas para Moçambique, sabendo de antemão que vão ter dificuldades com as transferências das suas poupanças, quando, como é natural, delas pretendem dispor livremente, até para as suas férias;
O clima de desânimo que se gera por se não ver qualquer esperança de melhoria dentro do sistema vigente, aliás considerado inoperante em declarações públicas por parte de várias entidades ligadas ao mundo da finança e até de departamentos oficiais.
Só pergunto, e quem quiser e puder que me responda, sê não estaremos a pagar com «moeda» de mais valiosa o preço de um almejado equilíbrio nas estatísticas oficiais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A solução clássica para o equilíbrio de uma balança de pagamentos está na adopção de medidas tendentes a:

Reduzir as importações;
Aumentar as exportações;
Atrair a fixação e a entrada de capitais do exterior, quer nacionais, quer estrangeiros;
Evitar por todos os meios a saída clandestina de divisas.
Apenas se podem justificar desvios destes princípios base por. razões de ordem humana e social e, até um certo ponto, por razões de ordem política ao plano nacional.
Ignorando, por agora as soluções a longo prazo (de mais longo para valer à emergência que se nos depara) e nas quais se enquadra o aproveitamento integral dos recursos da província do espaço português já tantas vezes invocado nesta Assembleia, e que, de resto, está em curso, limitar-me-ei a fazer uma breve análise do que me é dado saber passar-se e do que penso poder fazer-se como achega para uma solução imediata e atenuante dentro dos quatro princípios que citei:

Quanto à redução das importações:

Aumento gradual das restrições à importação de certos artigos de consumo menos necessários, dando-se um prazo razoável ao comerciante para diversificar o seu comércio, de forma a poder suportar a proibição total da importação desses artigos quando terminar o prazo que lhe foi concedido.
Proibição total e imediata de certos artigos supérfluos ou sumptuários..

Não resisto à tentação- de mencionar um caso, mais anedótico do que grave, que há dias foi relatado na imprensa de Moçambique: é que se encontra à venda pão ralado ... importado 1 Mais: em Moçambique, onde não há televisão,, ainda há poucos anos foram importados televisores!

Abolição da obrigatoriedade de comprar aos fabricantes metropolitanos certos artigos que se produzem localmente.

Quero citar um exemplo: sabendo da entrada em vigor das disposições legais que obrigam os condutores de automóveis a colocarem na estrada triângulos de pré-sinalização, o dono de uma fábrica de moldagem de plásticos, na Beira, fez submeter às autoridades em Lourenço. Marques, para aprovação, unia amostra do tipo de triângulo que se propunha fabricar para venda em Moçambique. A aprovação foi obtida, mas, quando a legislação foi publicada, verificou que só os triângulos produzidos por três ou quatro fábricas da metrópole é que são aceites pela fiscalização do trânsito.
Pequenas coisas, mas sintomáticas.

Quanto ao aumento das exportações:

Intensificação das alterações de compra, pela metrópole, de produtos agrícolas de Moçambique, a preços compensadores que incentivem o desenvolvimento dessas culturas.
Eliminação de restrições à exportação para a metrópole de produtos agrícolas industrializados, dos quais salientamos o tabaco e o açúcar refinado, este sem prejuízo da capacidade actual de refinação da indústria metropolitana.

Quanto à entrada de capitais:

Considerando que a instalação de uma indústria ou de uma exploração agrícola exige a ocupação de terras, há que simplificar ao máximo, direi mesmo sumarizar, as formalidades necessárias à concessão de terrenos para certas actividades.

Devo dizer que, tanto para as iniciativas nacionais, como para investimentos de capitais estrangeiros, consi-

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dero o actual sistema de concessão de terrenos um dos estrangulamentos mais notórios para o desenvolvimento de Moçambique.
Cito, por exemplo, o caso de umas dezenas de pedidos de agricultores sul-africanos, que se encontram pendentes há cerca de quatro anos por estar ainda em estudo uma vasta zona para oeste da estrada Vanduzi-Vila Gouveia.
Igualmente perdemos uma oportunidade única de entrarmos no mercado internacional de tabaco por não termos permitido a entrada no nosso território de muitos agricultores rodesianos, especializados, que, ao tempo da declaração de independência desse país, se quiseram fixar na zona do recentemente criado distrito de Vila Pery.
Quantas iniciativas de residentes de Moçambique se têm dissipado em desânimos e desistências perante meses, se não anos, de espera estéril?
A isenção de impostos por períodos preestabelecidos sobre o rendimento de capitais das empresas que viessem tirar riqueza da terra, e só essas, também seria de grande interesse para atrair e fixar capitais.
E preciso lembrarmo-nos de que um território não enriquece só pelo que entra directamente nos cofres do Estado.
No sector do turismo pouco temos feito, a despeito do potencial que temos positivamente à nossa porta. Não fazemos nem deixamos fazer, esquecendo-nos de que, além do capital inicial que entra, as receitas da exploração vêm quase exclusivamente do exterior; preferimos quase nada receber além do que já recebemos a deixar entrar 100 e deixar sair 20; temos medo de deixar sair 20, mas esquecemo-nos dos 80 que lá ficariam!
Também perdemos a vez na instalação de zonas de jogo; com um casino na Suazilândia, outro em Victoria Falis e ainda outro projectado para a cidade fronteiriça de Umtali, difícil será fazermos vingar agora um tal empreendimento em Moçambique.

A taxa de juro que os bancos estão autorizados a pagar aos depositantes de Moçambique também devia ser mais elevada do que a que é autorizada na metrópole.

Quanto à saída e sonegação dos invisíveis:

Não é segredo para ninguém que, em invisíveis, as divisas se escoam, quer clandestinamente, quer legalmente, e em especial para a metrópole. Há, portanto, que estancar estas fugas, não só por acção directa como também por medidas que neutralizem as vantagens que daí advêm. Permito-me sugerir que, para já e entre outras, sejam devidamente controladas, restringidas e até mesmo proibidas, conforme os casos, as transferências provenientes de:

Venda da lotaria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa;

Pagamento de honorários e outras remunerações aos corpos gerentes de empresas que não tenham as suas sedes e direcções em Moçambique; Pagamento de fretes aéreos e marítimos; Controle rígido sobre as divisas que entram, as que deviam entrar mas não entram, e sobre as que saem, a mais.

Sr. Presidente e Sr s. Deputados: As sugestões que apresentei, só por si de pouco valerão; umas seriam transitórias e outras de «carácter permanente. Mas a solução radical e de fundo que as terá de acompanhar tem de ser muito corajosa e radical, de forma a podermos ir ao encontro das dificuldades que atravessamos e garantir um regresso à normalidade e fluidez do intercâmbio comercial das várias parcelas do território nacional.

O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Eu estou a ouvir V. Ex.ª com todo o interesse, quanto à forma como está a traçar o quadro doloroso da vida da província de Moçambique neste momento. Já há dias, quando o Sr. Deputado Alberto de Alarcão, a propósito das contas publicas, se referiu a este particular, eu me permiti pedir-lhe para o interromper para frisar que o tipo do que se passa hoje em Moçambique é característico de um momento de crise, mas não comporta, em relação ao futuro, negrume igual àquele de que no momento se reveste. E evidente que todas as soluções que se tomem em momento de crise são sempre uma arma de dois gumes. Se, por um lado, vamos proibir transferências de certo tipo, vamos restringir a aplicação de capitais. Se, por outro lado, vamos agir fomentando um tipo de produções, podemos estar a criar situações que podem igualmente ser económicamente anormais. Quer isto dizer que, em momento de crise, as medidas que se tomam são aquelas que podem e não podem ser tomadas a prazo. Têm de ser tomadas imediatamente, sob pena de os efeitos directos que ocasionassem serem descompensodos pelas defesas que automaticamente se criavam.

Não me esqueço, por exemplo, que, quando se anunciou uma eventual proibição de importação de certo tipo de ferro, se fez uma importação em Portugal de tal maneira vultosa que abastecia o País durante três anos.

E assim se frustrou a intenção. O mesmo aconteceria em relação ao comércio de Moçambique se o Governo fosse anunciar que as restrições vigoravam dali a seis meses ou um ano. O problema de fundo de Moçambique é um problema de produção. E um problema que, em grande parte, está afecto às competências da própria província. Eu sei, por exemplo, que, em matéria de oleaginosas, empresas metropolitanas lutam há dois amos por que sejam dadas facilidades para aproveitar reservas existentes, imediatamente utilizáveis, se as coisas se passarem de outro modo na província de Moçambique. Eu sei, por exemplo, que iniciativas de desenvolvimento, em matéria de açúcar, estiveram entravadas anos por uma política interna da província. Quer dizer, uma autonomia tem naturalmente vantagens, mas tem uma contrapartida que é a de saber tirar partido dela e de ter a coragem para não deixar que certos interesses de grupo se sobreponham aos interesses da generalidade.

Aludiu V. Ex.ª a certas opiniões emitidas pelos meios financeiros.

Eu também as VI e sorri-me, porque me lembrei de como essas pessoas que passaram pelo Governo não resolveram o assunto então. E agora é tão fácil quando se está foral E que estas coisas são demasiadamente complicadas e é fácil falar quando se está de fora. Eu creio, porém, que Moçambique tem potencialidade, tem capacidade para operar, a curto prazo, uma viragem completa na sua situação. É mister que a província de Moçambique tenha a coragem, como V. Ex.ª apontou, e bem, de restringir importações sumptuárias, de dar prioridade às coisas viáveis, de olhar para uma poli-

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tica de integração no espaço económico português, em vez de deixar autuar os capitais ao sabor das contingências. Eu acredito, por exemplo, que o empreendimento de Cabora Bassa há-de ter as mais sérias consequências no crescimento da província. Moçambique não participa das mesmas características de Angola. Angola tem muitas possibilidades ide coisas pequenas. Infelizmente, Moçambique só tem possibilidades de coisas grandes, e são essas que exigem um esforço maior, uma programação mais profunda e um compromisso financeiro que nem sempre a província e a metrópole estarão em condições de proporcionar.
Em qualquer hipótese, mo quadro que V. Ex.ª traçou, em que as autoridades tiveram a coragem de tomar atitudes, não sei se sempre felizes, mas aquelas que entenderam possíveis e de cuja correcção o tempo se encarregará. Eu penso que não há motivo para estarmos muito preocupados com o futuro. Antes, pelo contrário, eu partilho de optimismo, de franco optimismo em relação ao crescimento de Moçambique.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Camilo de Mendonça. Eu concordo inteiramente com as suas palavras e agradeço-lhe imenso a achega e a explicação que deu à interpretação que estou a dar à situação de Moçambique.
Quanto ao optimismo ou pessimismo, direi a V. Ex.ª que, pelo menos da minha parte, natural de Moçambique, não me passa pela cabeça ser pessimista. Eu creio que todos os outros Srs. Deputados naturais da província também pensarão da mesma maneira.

O Sr. Camilo de Mendonça:-Folgo muito, porque sabia que era exactamente essa a posição de V. Ex.ª e a de todos os Srs. Deputados moçambicanos.
O meu receio é que das afirmações feitas ou do quadro doloroso, mas real, que V. Ex.ª está traçando pudesse parecer a nós ou ao País que efectivamente o futuro não se anteolhava promissor, como é do interesse de todos.

O Orador: - Muito obrigado.

Não tenhamos ilusões quanto aos sacrifícios que estas medidas, se forem tomadas, irão impor - tanto à metrópole como a Moçambique. Não se trata, vejamos bem, de beneficiar só Moçambique: é uma parcela do todo que precisa de auxílio, mas se no presente essa parcela está a pesar de forma negativa, desde que os seus recursos sejam aproveitados, ela não deixará de no futuro contribuir de forma notável para a prosperidade do espaço económico português.
Ficam, portanto, postas as duas alternativas: deixar estagnar, ou mesmo retroceder, a economia de Moçambique, com todos os prejuízos que daí resultarão -especialmente em valores humanos -, ou tomarem-se medidas drásticas que possam garantir no presente e incentivar para o futuro um teor de desenvolvimento que fortalecerá a nossa presença em Moçambique.
A escolha é nossa, é de nós, Portugueses, e demais ninguém!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Dias das Neves: - Sr. Presidente: Pedi a V. Ex.ª a palavra para trazer à Câmara o eco de um acontecimento, que me pareceu dever ser realçado nesta Assembleia Nacional, e que foi a exposição evocativa de vinte e cinco anos de ensino técnico, que ontem se encerrou na Feira Internacional de Lisboa.
Inaugurada no passado dia 16 de Abril por S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, acompanhado dos Srs. Ministros da Educação Nacional, do Ultramar e das Corporações e da Saúde e Assistência, Subsecretário da Educação e outros altos funcionários do Ministério da Educação Nacional, mereceu também a honra da visita de S. Ex.º o Sr. Presidente do Conselho, tudo a afirmar bem do interesse que aos mais altos governantes do nosso país merece este sector da educação.
Trata-se de uma exposição evocativa da obra realizada ao longo de um quarto de século por um ramo de ensino que, ao País deu q melhor do seu esforço e contribuiu de forma decisiva, no campo da mão-de-obra qualificada, para a efectivação do desenvolvimento económico nacional e ao mesmo tempo para a elevação do nível cultural do povo português.
A exposição em si constituiu uma realização notável, a demonstrar a presença de uma equipa de dirigentes e professores conscientes do seu valor e da sua função, com uma elevada capacidade realizadora constituída por uma comissão que a concebeu, planeou e pôs em acção, atingindo um nível que não é vulgar entre nós.
Trata-se de uma exposição didáctica do que se fez, como se fez e porque se fez, demonstrativa das potencialidades e da força de um ramo de ensino nem sempre bem compreendido, mas a quem o nosso país muito deve.
Através de uma criteriosa selecção e distribuição dos trabalhos expostos podia seguir-se a cada passo toda a evolução deste ramo de ensino e verificar-se como durante este quarto de século tudo foi preparado, seguido e executado, sem nada deixar à improvisação, dentro das mais modernas técnicas didácticas e pedagógicas.
Não pretendo com estas minhas palavras afirmar que tudo está perfeito ou mesmo que tudo foi feito, pois todos sabemos que não é assim. Destinado a servir o desenvolvimento económico, o ensino técnico nem sempre foi compreendido pelas actividades económicas a que se destinava, pois estas, até- há pouco tempo, na sua actuação esclerótica e rotineira, herdada de muitos anos, não lhes interessavam diplomados inovadores e exigentes, preferindo manter nos -seus quadros pessoal na sua grande maioria analfabeto, mas evidentemente mais barato.
Hoje, o ensino técnico é acusado de não poder fornecer às actividades económicas os elementos necessários às suas exigências de uma rápida adaptação ao novo ritmo do desenvolvimento tecnológico.
Aqui, também a culpa não cabe ao ensino técnico, mas às actividades económicas para as quais foi concebido, as quais durante estes vinte e cinco anos permaneceram sem qualquer força dinâmica de modernização e sem necessidade, de exigir ao ensino técnico a sua renovação, e também ao próprio desenvolvimento económico, que, absorvendo todos os técnicos de grau médio e superior, tem tirado a este ramo de ensino todos ou quase todos os professores das matérias tecnológicas.
Todavia, esta exposição fica a fazer a demonstração do nível que atingiu o ramo do ensino técnico concebido para servir o País, preparando-lhe todos os técnicos especializados do grau secundário e médio e promovendo a elevação cultural do nosso povo pela distribuição de uma rede de mais de uma centena de escolas técnicas, que serviram centenas de milhares de alunos.

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Não atraiçoou nunca as suas funções, antes se excedeu nas suas possibilidades em busca de soluções que melhor contribuíssem para cumprir a sua finalidade, e neste momento, em que o Governo tem à discussão do Pais uma nova reforma educativa, onde uma filosofia de educação diferente parece querer impor outros rumos ao ensino técnico, não podemos esquecer que sem a sua colaboração o atraso no desenvolvimento do nosso país seria certamente muito maior.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: -Sr. Presidente: Queria juntar a minha palavra descolorida e breve às que o Sr. Deputado Dias das Neves acaba de proferir, com a sua autoridade de professor distinto do ensino técnico.

É velho de mais de dois séculos o ensino técnico profissional no nosso país. No último quartel dos tempos, porém, a sua acção tornou-se mais efectiva e mais considerada, pois da sua capacidade de formação de mão-de-obra especializada se partiu para a arrancada industrial, ao mesmo tempo que se lhe pedia salvaguardasse o artesanato do esquecimento imposto por essa mesma industrialização. Missão eminentemente nacional, cumprida com pundonor por entusiástica equipa de professores e mestres, que de si próprios se esqueceram para todos serem apenas dedicação total ao ramo do ensino que escolheram. Isso ficou amplamente comprovado na exposição referida pelo Sr. Deputado Dias das Neves, pelo alto nível e variedade dos trabalhos apresentados. Iniciando-se na secura dos dados estatísticos, esmagadores pela expressão dos números; abrindo-se no leque panorâmico dos mais diversos cursos, a exposição terminava numa apoteose de cor e de arte, em. que a graça subtil das mãos femininas se juntava o risco seguro dos biseis e dos punções.

Os programas que acompanharam o actual estatuto do ensino técnico profissional e os do ciclo preparatório, da responsabilidade da mesma direcção-geral, foram a integração do nosso ensino nas mais modernas correntes pedagógicas e constituem, assim um marco na história da educação nacional. Marco que não pode servir como reivindicação de posições, mas que exige ponderação aos que se debruçarem sobre a reforma do sistema escolar português. O ensino técnico profissional atingiu a maturidade, como a exposição irrefutavelmente demonstrou. Não pode, por isso, deixar de ser porta directa para os cursos técnicos da Universidade, por caminho semelhante ao que os liceus clássicos usarão para chegar aos cursos humanísticos. Uma louvável intenção sócio-cultural não pode abafar uma premente necessidade sócio-económica, no momento de explosão industrial em que se vive. Igualmente não pode ser deixado ao actual ensino preparatório o longo período de quatro anos de escolaridade obrigatória de orientação. A iniciação profissional tem de ser tentada mais cedo, com a franca possibilidade de transferências entre os futuros liceus clássicos, técnicos e artísticos. Isto também a exposição dos vinte e cinco anos do ensino técnico profissional veio sugerir. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Valente Sanches: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputados: Pelo Decreto n.° 14157, de 26 de Agosto do 1927, assinado pelo então Chefe do Estado, António Oscar de Fragoso Carmona, a vila das Caldas da Bainha foi elevada a cidade.

Por este facto, desde o dia 18 de Abril de 1971 tem o marechal Carmona, nesta cidade, a sua memória perpetuada por uma importante estátua de bronze, implantada na praça que já tinha o seu nome e que sairá das mãos do insigne artista caldense - o escultor João Fragoso.

O monumento foi inaugurado por S. Exa. o Chefe do Estado, e a esta cerimónia quiseram estar presentes o Sr. Presidente do Conselho e vários membros do seu Governo, encerrando-se, com leste acto, a série de solenidades que têm vindo a realizar-se nas comemorações do primeiro centenário do nascimento do marechal Carmona e, com ele, cumpriu a população do concelho das Caldas da Bainha um dever de gratidão se saldou, de forma condigna, uma dívida que contrairá em 11 de Agosto de 1927.

As gentes desta nobre cidade e de seu termo, que, como todos os portugueses, admiravam, respeitavam e amavam a figura insigne de homem simples e grande chefe que foi o marechal Carmona, esperavam por este dia para lhe prestarem justa homenagem de saudade e de gratidão.

O povo das Caldas da Bainha, que sempre soube ser grato aos governantes, engalanou, naquele dia histórico, as suas janelas e, vestindo as suas melhores vestes, veio para a rua prestar a sua homenagem ao saudoso e nobre estadista e manifestar o seu vivo reconhecimento ao venerando Chefe do Estado, almirante Américo Tomás, e ao Sr. Presidente do Conselho, pelo ensejo de também naquele dia poderem testemunhar a Ss. Exas. os seus sentimentos do mais profundo respeito e admiração.

Sr. Presidente: Pedi a palavra porque desejava também, em meu nome e no da população do concelho das Caldas da Bainha, que aqui represento, trazer a esta Câmara o testemunho do sentimento vivo e de profunda admiração e respeito que o povo deste concelho votava> àquele que, com rara dignidade, foi o Supremo Magistrado da Nação durante um quarto de século.

Há cercai de quatro décadas, as Caldas da Bainha graça» à actividade dos «eus habitantes, à excelência das suas termas, ao incremento demográfico e ao florescimento incontestável .da sua indústria, atingira um estádio de desenvolvimento e progresso que justificara a sua elevação ai cidade.

Pena foi que nos últimos vinte anos se não tivesse continuado e acelerado o ritmo do seu desenvolvimento, aproveitando-se, para tal, a sua excelente localização, no Centro do País, a 80 km de Lisboa, e munia região de apreciáveis belezas naturais.

A este propósito escreveu Ramalho Ortigão:

A circunstância que dá às Caldas da Bainha a sua grande superioridade sobre todos os lugares de vilegiatura, ainda os mais afamados, em Portugal, como fiinka1,como o Buçaco, como o Bom Jesus de Braga, ó que esta terra é o centro da mais artística, da mais histórica, da mais pitoresca região de todo o País.

Em nenhum outro lugar se proporcionam aos turistas mais rápidas e mais laceis excursões encantadoras de arte e arqueologia. Partindo da cidade é possível apreciar o rendilhado das rochas dos Remédios, em Peniche, usufruir o prazer desse passeio As Berlengas, conhecer Santa Cruz e a Areia Branca, admirar a paisagem do Castela de Óbidos, viver nesta vila nobilíssima, o recolhimento

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espiritual e a religiosidade dos seus templos, espraiar a vista dos píncaros da Nazaré, colher a surpresa do irreal, que é a perfeita concha- de S. Martinho, entrar no pó dos tempos mais arredados, evocando D. João I, na Batalha, D. Dinis, nas muralhas de Leiria, rezar no San (mamo de Fátima, meditar no silêncio do Convento da Cristo, em Tomar.

Colidas da Rainha- podia e devia ser de há muito, centra, de inradiacão de uma região de enormes recursos onde tudo cabe: termas famosas, praias de mar, indústrias características, frondosas matas, tranquilas lagoas, tudo, enfim, quanto é necessário pana (proporcionar um turismo rodeado de circunstâncias aliciantes, se devidamente acrescentado pelas mãos do homem. Sem querermos, de qualquer modo, antecipar-mos aos estudos do planeamento regional que abranjam a cidade das Caldas da Bainha, creio poder admitir que lhe estará reservado um importante futuro, como centro de uma vasta área com potenciali-dades muito apreciáveis.

Se esta cidade acolhedora e de recursos económicos excepcionais assistiu, sem reacção salutar « eficaz, nestes últimos vinte anos, ao.desfazer da sua .primitiva grandeza e a ver esvaírem-se os seus sonhos e os suas mais justas aspirações a grande centro a que tinha incontestável direito, cremos ter reencontrado, agora, o caminho certo do seu destino.

Caldas da Bainho, é hoje uma realidade viva no plano económico, político e social do distrito de Leiria.

De estrutura tradicionalmente agrária, está este concelho fazendo um forte esforço de industrialização e valorização económica, pois dispõe já de uma poderosa indústria de cerâmica, de concentrado de tomate e estão em vias de instalação mais duas unidades fabris, que ocuparão, numa primeira fase, mais de mil operários.

Os nossos -governantes, conhecedores das suas necessidades, através de um município renovado, a que preside, há pouco mais 'de dois anos, um homem dinâmico, esclarecido e de vontade férrea, vêm-lhes dando adequada satisfação.

Assim, o .Sr. Mindatro da Educação Nacional, por despacho de 8 de Março de 1971, correspondendo a uma velha e justíssima aspiração do concelho e regiões limítrofes, criou nesta cidade uma secção liceal, que entrará em funcionamento já no próximo ano lectivo. E pelo Decreto n.° 84, de 19 de Marco último, emanado do Ministério da Saúde e Assistência, foi também criado nas Caldas da Bainha o primeiro centro hospitalar do País, que integrará, dentro de pouco tempo, quatro hospitais em pleno funcionamento.

As manifestações .públicas que a população das Caldas da Bainha e as entidades oficiais levaram a efeito logo que destes factos tiveram conhecimento, deram já, sem dúvida, ao Governo a nota das repercussões que ali tiveram tão desejadas decisões.

Mas para além daquilo que o povo disse e que a edili-dade transmitiu a quem de dkeito, é meu dever, no próprio local onde tenho solicitado justiça e compreensão para aquela zona do País, afirmar também, em meu nome e no daqueles que aqui represento, a satisfação sincera que a todos nos domina,

A influência que a secção lioeal e o centro hospitalar poderão vir a -ter no desenvolvimento regional e na fixação de gente só a pode avaliar quem assistiu, como nós, a fuga das famílias para outras regiões e para o- estrangeiro, às dificuldades de conseguir técnicos que ali se fixassem.

Esperamos, agora, que outros instantes problemas ligados ao desenvolvimento das suas populações venham por igual a ser solucionados.

E sê-lo-ão, com certeza, «e o Governo, como o esperamos, não faltar com os necessários meios aos homens que com tanta fé e entusiasmo actualmente servem este concelho.

Temos a certeza de que o Sr. Ministro das Obras Pública, a quem as Caldas da Bainha'já tanto deve, não deixará de, nas suas costumadas visitas de trabalho, deslocar-se também às Caldas da Bainha, para aí tomar conhecimento directo das urgentes necessidades das suas populações, sobretudo dos meios rurais, onde quase tudo falta, e dar-lhe solução condigna.

As populações deste laborioso concelho encontram-se dispostas è preparadas, se forem ajudadas, para vencerem os enormes atrasos em que se encontram em relação à quase totalidade dos restantes catorze concelhos do distrito de Leiria.

Aqui deixam, por meu intermédio, as populações do concelho das Caldas da Bainha, ao Sr. Ministro das Obras Públicas, o seu apelo e a sua confiança.

Vozes: Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na especialidade e votação do projecto de lei sobre a reabilitação e integração social de indivíduos deficientes.

Estava em discussão a base vi-o. Acaba de entrar na Mesa uma nova proposta relativa à base vi-o, isto é, nova proposta de aditamento de uma base vi-c. Lamento extremamente não poder fazer distribuir imediatamente fotocópias deste texto para melhor apreciação de V. Ex.ª, mas o aparelho de que a Assembleia dispõe para o efeito, por infelicidade, avariou-se.

Peço, portanto, a atenção de V. Exas. para o texto que vai ser lido.

Foi lido. O seguinte:

Proposta de aditamento

Propomos que a seguir à base VI-B do projecto de lei sobre reabilitação e integração social de indivíduos deficientes se acrescente uma nova base (base vi-c), com a redacção seguinte:

BABE vi-o

Compete, designadamente, ao Departamento da Defesn e dos três ramos das forças armadas:

a) Criar e manter serviços de recuperação e reabilitação médica destinados ao tratamento de deficiências ocorridas durante o serviço militar;
b) Colaborar, com o Ministério da Saúde e Assistência e com o das Corporações e Previdência Social, na reabilitação vocacional, na educação especial e na integração no meio familiar, profissio-

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nal a social dos indivíduos que «e diminuíram durante o período em que prestaram serviço militar;

c) Promover a adopção de outras medidas com vista a assegurar a justa e adequada protecção e auxílio aqueles que se hajam incapacitado em campanha ou durante a prestação do serviço militar.

Os Deputados: Ricardo Horta Júnior - José da Costa Oliveira - José Coelho Jordão - Rogério Noel Peres Claro - Henrique José Nogueira Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O exame que se pode fazer na Mesa à vista dos textos conduz à impressão de que os dois textos para a base VI-C diferem essencialmente quanto a alínea a). E para que VV. Ex.ª possam ter mais presentes as diferenças, vão ser lidas de novo a alínea a) da base VI-C, apresentada com data de 23 de Abril, pêlos Srs Deputados Themudo Barata e outros, e que veio substituir a base VI-C proposta pêlos Srs. Deputados Cancella de Abreu e outros, por estes retirada, e ainda, paralelamente, a alínea a) segundo o texto agora preconizado pêlos Srs. Deputado Ricardo Horta e outros.

Foram lidas.

O Sr. Presidente: - Está, portanto, em discussão a proposta de aditamento de uma base nova a seguir à base vi do texto do projecto de lei e às VI-A e VI-B, já aprovadas pela Assembleia, base nova esta que se destina a ser, na numeração provisória, a VI-C.

Para esta base VI-C há propostas de redacção que diferem essencialmente quanto à primeira das alíneas, segundo parece e será melhor esclarecido no debate.

Continua, pois, em discussão a base VI-C, agora conjuntamente com a proposta acabada de entrar na Mesa.

O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Eu queria, ao começar estas minhas considerações, prestar homenagem ao entusiasmo, à convicção com que o Sr. Deputado Ricardo Horta se bate pela sua dama. Compreendo perfeitamente a sua posição e só posso lamentar não estar de acordo com ele.

Ha dias, quando nesta Assembleia se discutiam as contas gerais do Estado, o Sr. Deputado Themudo Barata apresentou, no meio do seu discurso, a seguinte nota: «Os hospitais militares israelitas, por exemplo, passaram, na quase totalidade, para o respectivo Ministério da Saúde, ficando a cargo das tropas unicamente os hospitais de campanha. Nós, pelo contrário, persistimos em manter serviços distintos e em grande parte paralelos em cada um dos três ramos das forcas armadas. Que desoladora diferençai» Ora bem, isto vem precisamente a propósito do ponto essencial da discordância de, digamos, duas correntes desta Assembleia «obre a alínea a): uma que defende que os Ministérios das forças armadas devem manter serviços separados e a outra que diz que poderão criar-se serviços quando não forem suficientes os do Ministério da Saúde e Assistência.

A nossa proposta não visa, de modo algum, diminuir as potencialidades dos serviços médicos das forças armadas, mas pretende unicamente evitar duplicações de serviços. Perante a doença, perante a morte, todos somos iguais. Nós temos já um hospital militar, nós temos um Hospital da Marinha. O meu amigo e Sr. Deputado Lopes Frazão apresentou, na sessão de sexta-feira passada, a sugestão de que se criassem hospitais para os funcionários públicos.

Meus senhores, parai onde é que vamos? Daqui a pouco os advogados querem um hospital, os engenheiros querem outro hospital, os médicos reclamam um.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós passamos a ter uma dispersa» de hospitais com um grave prejuízo, além de outros, que é o prejuízo financeiro. Isto vai custar muito caro e quem tem de pagar, no fim de contas, somos nós.

Portanto, devo dizer que não me custa nada a aceitar, pelo contrário, eu posso defender, e defendo, que se criem hospitais especializados. Temos um hospital ortopédico, podemos ter um sanatório para tuberculosos, podemos ter hospitais para doentes mentais. O que à minha consciência repugna é ter hospitais para determinadas profissões. Por isso mantenho, Sr. Presidente, a primitiva proposta. Os Ministérios do Exército e das Forças Armadas poderão criar um hospital para os seus incapacitados, mas desde que não sejam suficientes os do Ministério da Saúde e Assistência. Nós temos de trabalhar todos em colaboração. O outro facto dessa colaboração reside precisamente na coordenação que se está efectuando entre os serviços médicos do Ministério das Corporações e do Ministério da Saúde. Nós, de futuro, teremos de acabar por uma coordenação total, se quisermos fazer na nossa terra alguma coisa dentro das possibilidades financeiras que nós possuímos.

Portanto, Sr. Presidente, eu mantenho agora, na base vi-o, assinada pêlos Srs. Deputados Themudo Barata e outros, a frase «e enquanto os serviços do Ministério da Saúde e Assistência não forem suficientes».

O Sr. Santos Bessa: - Na proposta da base VI-C, subscrita pelo Sr. Coronel Themudo Barata e outros Srs. Deputados, na alínea a) encontra-se a parte final daquela que já tinha sido subscrita por outros Deputados na primitiva proposta VI-C, entre eles o autor do projecto. Julgo de meu dever declarar que é da minha responsabilidade a parte final dessa alínea, que diz o seguinte: «sempre que os serviços do Ministério da Saúde e Assistência não sejam suficientes». Porque é que o fiz, eu que sou médico militar, que à medicina castrense tanto devo e que sempre justamente admirei? Porque julgo da maior vantagem que este sector da reabilitação, e sem menosprezo pela medicina militar, seja abrangido pela coordenação dos serviços de saúde que é, sem sombra de dúvida, uma das facetas da política do Governo. Tenho sido sempre contra as duplicações' e contra os serviços estanques. Entendo que há a maior vantagem em evitar duplicações de serviços, mormente no sector da saúde. Aliás, não vejo porque é que os militares inferiorizados por acidente de guerra ou por qualquer outro motivo, enquanto estão em serviço nas forças armadas, não possam ser tratados, na sua fase de reabilitação, em serviços especializados do Ministério da Saúde, tanto mais que uns já tiveram e outros terão a breve prazo baixa do serviço das forças armadas.

Já aqui foi referido que o Alcoitão tem muitas camas vagas, que bem poderiam ser, segundo julgo, ocupadas por muitos militares que estão seguindo a sua fase de reabilitação em condições que, com certeza, não são melhores do que as do Alcoitão. Acaba de ser criado um novo hospital de ortopedia e de recuperação na Gila, destinado à reabilitação de traumatizados. Julgo que um e outro poderiam ficar a servir o Exército, mediante acordo de cooperação a estudar.

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Além destes, estfio em construção os centros de reabilitação das províncias do Minho, de Angola e de Moçambique, que poderão ser também objecto de acordo com as forças armadas.

Aliás, nemi o Departamento da Defesa mem qualquer rios três ramos das forças armadas deva ter receio do serviço especializado que ali se realiza. O Alcoitão é, pelo que tem feito, garantia suficiente de uma boa técnica e de uma boa assistência hospitalar em todos os seus aspectos. Os que vão começar a funcionar hão-de sê-lo também. Mas o acordo que for estabelecido com eles salvaguardará, com certeza, todas as exigências que as entidades militares entenderem dever consignar.

Suponho que os responsáveis pêlos departamentos militares hâo-cle estar de acordo com o que está incluído nesta base, tanto mais que há já muitos anos infelizmente aboliram os concursos de provas públicas para admissão ao quadro de medicina castrense medida que eu sempre deplorei e que continuo a lamentar e passaram a contratar para o exercício da medicina militar hospitalar médicos civis, milicianos ou não. Pois, se os médicos civis podem tratar nos hospitais militares em serviço ou não, porque é que os militares que venham a carecer de reabilitação' não podem ser tratados em hospitais civis especializados, mediante acordo de cooperação?

Quero acentuar que não tive nem tenho a intenção de negar ao Departamento da Defesa nem a qualquer dos três ramos das forças armadas o direito de virem a manter serviços privativos de reabilitação médica; mas tão-sòmente a de evitar que serviços dessa natureza possam vir a ser criados para além das necessidades do País e com agravo .da economia nacional. Não faço questfio do «sempre» ou do «enquanto» das duas propostas de alteração desta base vi-o.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Bicardo Horta, que já falou duas vezes sobre esta base, mas a quem agora concedo a palavra .pela- terceira vez em consideração do facto de ser co-autor da última proposta de emenda.

O Sr. Ricardo Horta: O Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com o máximo interesse e atenção as alegações do Sr. Deputado Cancella de Abreu, meu querido amigo, e a seguir as apresentadas pelo Sr. Deputado Santos Bessa.

Passarei a analisar algumas dessas alegações apresentadas pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu.

O Sr. Deputado fundamentou os seus pontos de vista no sentido de que tinha informações de que Israel tinha passado a sua medicina militar para a medicina civil uma das coisas escaldantes, gritantes, que pode impressionar esta Assembleia. É evidente que em qualquer país em guerra, e guerra total, o serviço de saúde, a cobertura sanitária é aguda, é estruturada de uma forma especial. E tanto interesse tem que a cobertura' médica total de Israel passe para o sector civil como não, porque é evidente que todos os elementos de Israel são hoje elementos militares activos, inclusivamente o seu serviço de saúde e os seus médicos.

Quanto á discordância de s. Exa. relativamente à existência de medicina diferenciada, de medicina especializada médico-militar, não há dúvida de que acho muito pouco, nas alterações da proposta do Sr. Deputado Cancella de Abreu, no sentido da extensão dos seus .pontos de vista, o localizá-la relativamente à reabilitação. Não há dúvida da qua era oportuno, se S. Ex.ª o quisesse, fazer-uma trans-formocilo global nesse seotor e fazer a absorção, através

do serviço de saúde civil, da medicina militar. Era oportuno, podíamos discuti-lo e podia até estudar-se o assunto. Agora só sectorialmente, Sr. Presidente, é que eu não compreendo.

Quanto ao Sr. Deputado Santos Bessa, que é ilustre médico militar, é evidente que as suas alegações também vieram, ate* certo ponto, influenciar a Assembleia, mas essas alegações são ultrapassadas, porque o Sr. Deputado Santos Bessa esqueceu-se da estrutura completa do serviço de saúde do Exército, desde que o indivíduo ferido na guerra, ou sem ser ferido, entra num estabelecimento militar. Vou-lhe dizer que se esqueceu de que é totalmente diferente do indivíduo civil que entra num estabelecimento civil. Quero referir-me aqui a dois, três ou quatro elementos, por exemplo, relativamente aos inferiorizados, aos graves feridos que vêm das zonas operacionais, porque nfto serão evidentemente feridos a brincar os que são evacuados para os hospitais. As evacuações nfio se fazem, por uma beliscadura, fazem-se sempre por gravíssimos ferimentos de .toda a natureza. E nfio se observou que esses indivíduos têm processos de serviço a organizarem-se, porque há indivíduos que chegam aqui poli-traumatizados e que não têm serviço, não têm processo organizado para a-nnmnliiL terem a sua vida em dia, isto é, saber se foi uma explosão por desastre, se foi um disparo de uma arma, etc. Tem de se estruturar um processo e esse processo corre os kâmites militares, e portanto o indivíduo tem de ser controlado sempre por uma entidade militar.

Outro aspecto são os seus vencimentos, o processamento dos seus vencimentos, que é uma coisa mais complicada para um indivíduo que é evacuado, muitas vezes precipitadamente, à procura de meios de salvação.

E ainda importantíssima é a questão do segredo militar, por exemplo. Vêm feridos graves, nós impermeabilizamos o seu recinto, para que não haja acesso, para que não haja informações de qualquer natureza, de curiosidade, de ordem política ou estratégica do inimigo. Não podíamos de forma alguma agarrar num indivíduo desses e atirá-lo para uma zona civil. Estava à mercê de todas as curiosidades, de todas as lamentações e de todas as emoções.

O Sr. Cancella de Abreu: Mas isso são hospitais de primeira linha, não são-hospitais de reabilitação.

O Orador: Já respondo a V. Ex.ª

Outra parte importante é a das reivindicações do indivíduo que vem ferido, que deseja ver a família, etc. Esse indivíduo precisa que tais reivindicações sejam satisfeitas, apesar de estar num hospital.

O que acabo de descrever é propriamente o aspecto psicológico que rodeia o doente.

Vou agora entrar na parte técnica, para que V. Exas. possam compreender.

Os indivíduo» que têm esses graves ferimentos, que são evacuados para um estabelecimento hospitalar do género de um hospital do interior, com os meios assisten-ciais de ordem técnica ampliados, são indivíduos que, além da sua espeoiaiuzaição de múltiplas especialidades, em que entra imediatamente o cortejo da especialização, têm eapecUmenite na reabilitação uma recuperação quase imediata. Não podem imobilizar-se indivíduos indefinidamente, à espera de uma reabilitação futura. Indivíduos com lesões cutâneas, queimaduras, etc., não podem estar à espera da tal reabilitação a «eu tempo. E um erro técnico, um erro gravíssimo, aniquilar funcionalmente o ndividiin que Himamhfí pode estar pronto para a sua vida.

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A reabilitação começa no primeiro dia de tratamento, e se por acaso estivéssemos à espera para um dia fazer a reabilitação, tínhamos um grave eiró de consciência. A reabilitação começa praticamente nos primeiros dias de acesso ao centro hospitalar, e com ela tem de colaborar, tem de se interligar, o. tratamento médico, o tratamento cirúrgico, o tratamento neuro-encefálico, etc. Só um serviço completo é que pode Malmente prestar serviços úteis a estes indivíduos.

Sobre o Alcoitão falou o Sr. Deputado Santos Bessa. Não há dúvida de que é um centro maravilhoso, sob o pauto de vista de construção e funcional. É preciso prestarmos homenagem às pessoas que lá trabalham, especialmente no ambiente maravilhoso, estilo de uma nação rica. Mas é evidente que o Alcoitão, VV. Ex.ª sabem-no muito bem, não tem o apoio técnico de todas as especialidades, sem o qual a reabilitação é impraticável. Alcoitão tem vogas, exactamente porque não tem esse apoio, porque, se o tivesse, os forças armadas teriam em camas ocupadas por doentes militares, devido ao contacto que temos com Alcoitão, para que eles no-las pudessem dispensar. Mas encontramos todos os esforços no sentido de não quererem ir para lá e os próprios módicos do Alcoitão, conscientes e conhecedores do grave problema, são eles próprios que vêm escolher os doentes às enfermarias, não levando qualquer doente, levando apenas aqueles que podem lá tratar, dentro da sua probidade profissional. Portanto, Alcoitão não está fora do acordo com as forças armadas. O que não pode é cumprir, porque enferma da sua orgânica e da sua estrutura. VV. Ex.ª sabem que de facto Alcoitão é uma maravilha. Mas as cidades não se fazem só de paredes, é preciso que haja estrutura, é preciso que haja lá meios paxá completar a grande obra que pode vir a constituir. Assim, entendo que, se se defender e aqui for aprovado que os feridos de guerra podem, no dia que o Ministério disser que as portas do hospital estão abertas, dar entrada no mesmo, isso é um grave erro que se comete para com as forças armadas e para com o País.

O Sr. Salazar Leite:-Sr. Presidente: Ouvi com a maior atenção os argumentos emitidos pêlos oradores que discutiram esta base e fiquei com algumas dúvidas, dúvidas não porque aquilo que ouvimos não fosse suficientemente claro e que não entrasse no espírito de todos, mas dúvidas sobra as minhas curtíssimas possibilidades de compreensão.

Fiquei, por exemplo, a perceber, desculpe-me, Sr. Deputado Ricardo Horta, que as bases principais de recuperação, quando se trata de um militar, implicam o tratamento imediato, desde que se desencadeou a doença, no sentido da recuperação. Ao passo que, quando se trata de um civil, isso não se verifica. Confesso que isto excede a minha capacidade de compreensão.

Portanto, há uma diferença. Já vi! E agora, uma vez que se pôs simplesmente este aspecto do problema, prestando toda a homenagem que me é possível prestar a todos os serviços das forças armadas, serviços das forças armadas nos quais eu também colaborei, já como médico e como oficial médico, serviços das forças armadas que têm neste momento sobre a sua alçada uma quantidade enorme de médicos civis, o que é preciso não esquecer, chamando a atenção só para estes factos, eu gostaria de encarar sob dois simples prismas, um humano e outro material, o assunto que se está neste momento a discutir.

Infelizmente, no nosso país - e isso já vem de longe - há uma tendência extraordinária para tudo duplicar. Não

é só para duplicar serviços; para duplicar inquéritos; para duplicar tudo aquilo que se pretenda. Em lugar de nos dirigirmos aos serviços competentes, nós perguntamos e críamos os nossos próprios arquivos, criamos os nossos próprios serviços. E este defeito creio que temos seguramente de o evitar, sobretudo sob o ponto de vista material. Somos um país que tem relativamente um pequeno número de habitantes; portanto, não é nada de estranhar que eu diga que, sob o ponto de vista de quantidade, as competências não abundam, porque não podem abundar, porque somos poucos. E o (que é que se verifica? Das duas uma: ou a mesma competência faz serviço em dois locais diferentes, com nítido prejuízo do serviço em qualquer desses locais, ou então procuram-se pessoas que não estão suficientemente habilitadas pana ocuparem situações onde não podem produzir aquilo que delas se deveria exigir. E creio que este aspecto do problema é importantíssimo num país pobre como o nosso, pobre em riqueza de valores, pela quantidade de indivíduos e de habitantes que possui.

Agora sob o ponto de vista material. Seguramente, todos têm a noção perfeita que o serviço de recuperação e reabilitação é extraordinariamente caro e dispendioso. Pergunta-se: por que havemos de gastar o dobro quando podemos gastar somente a unidade? Não chego a perceber, até ao ponto que me leva a discordar inclusivamente da primitiva proposta 6-c, na sua alínea a), a quem compete verificar se os serviços de saúde e assistência são ou não suficientes. É a minha pergunta. Portanto, sou obrigado, por este (raciocínio, a discordar completamente desta alínea a), tanto na proposta original, como na segunda proposta.

A Sr. D. Maria Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente: Peço a palavra para prestar todo o meu apoio à proposta do Sr. Deputado Themudo Barata, ao mesmo tempo que estou em desacordo com os argumentos e a proposta do Sr. Deputado Ricardo Horta.

Desejaria também aproveitar a oportunidade para esclarecer esta Câmara acerca de algumas afirmações que aqui foram feitas na sexta-feira passada a propósito deste mesmo assunto. Disse-se que os doentes militares mutilados não desejam ir para o Alcoitão. Ora, tenho informações directas de que eles chegam a chorar por não irem para o Alcoitão. Por que não vão? Porque a situação em que se -encontram muitos deles no pavilhão, militar no Hospital da Estrela é de tal modo que, ao fim de dois ou três anos, se não têm os tratamentos suficientes, ficam com as caras de tal ordem que, efectivamente, até agora os serviços do Alcoitão não têm podido entrar com a cirurgia necessária para as caras que eles obtiveram pela falta de tratamentos nos serviços militares. Em segundo lugar, foi dito também que os doentes não gostavam de ir para o Alcoitão; parecia até que ficavam sequestrados e que no pavilhão militar teriam toda a possibilidade de contacto com as famílias. Também não se passa bem assim, visto que há todo o trabalho nos serviços do Alcoitão para que os doentes não só saiam, mas para que possam ter todas as visitas que a família ou as pessoas amigas, inclusivamente os equipas de voluntários que ali trabalham dedicadamente,- lhes proporcionam e tudo o mais que é necessário.

Além disso, eu gostava de informar o Sr. Deputado Ricardo Horta de que me parece que realmente, aqui também, estará ultrapassado. E que, em relação ao Alcoitão, durante estes anos atrás, por dificuldades que riflo vale a pena aqui referir, na verdade o acordo que, ao fim de muito tempo de diligências, se conseguiu

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com os tratamentos de militares foi só na base de que apenas três militares poderiam ser internados, e daí fez com que ao longo destes anos apenas trinta e oito militares passassem pelo Centro do alcoitão, com uma média de internamento de um ano. Este acordo foi alterado e, com uma data de aprovação de Fevereiro passado, está previsto que passem a estar mo Centro do Alcoitão oitenta e cinco militares. Ora, isto realmente prova que, na verdade, já há um acordo, há um trabalho em marcha diferente daquele que parecia estava a tornar difícil as relações. Além disso, gostaria também de informar que a falta de infra-estruturas que aqui foi referida pelo Sr. Deputado Ricardo Horta foi considerada na base deste acordo, uma vez que, dependente da mesma entidade, que é a Misericórdia de Lisboa, existe o Hospital de Santana, que tem o seu bloco operatório, e por um acordo comum comi este Hospital, onde realmente podem ser sujeitos às intervenções cirúrgicas os doentes que de tal necessitem, passara a complementar a acção do Centro do Alcoitão. Era a informação que eu gostava de dar, precisamente, para que não ficasse em «no.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Linhares Fartado: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para, em primeiro lugar, apoiar as considerações que ouvi aos Srs. Deputados Canoella de Abreu, Santos Dessa, Salazar Leite e D. Maria Raquel Ribeiro. Em segundo lugar, como médico, não poderia deixar de referir que alguns factos apontados, particularmente pela Sr.ª Deputada D. Maria Raquel Ribeiro, são do meu próprio conhecimento e da minha experiência médica.

Mas ainda, além disso, queria chamar a atenção para um outro aspecto que considero muito importante. Sempre se me afigurou que um doente, pelo facto de ser militar de qualquer ramo das forças armadas, não deve ter a possibilidade, que é dada a qualquer doente, de escolher o centro ou os médicos que devem reabilitá-lo ou tratá-lo. E o facto de se escolher centros que não se incluem nos que correspondem às forças armadas não pode constituir motivo de perda de direitos, que naturalmente são adquiridos com a origem do acidente que sofreu ou do traumatismo ou agressão sofrida.

Paralelamente com o que passa na vida civil, não importa ao traumatizado que está coberto por uma determinada companhia de seguros que seja tratado no hospital C ou A.

Uma vez que hoje em dia os acidentes de viação são extraordinariamente frequentes no nosso país, ultrapassando mesmo a sua importância em mortalidade aquela que se verifica em relação à guerra no ultramar, suponho que também os politraumatizados na vida civil ultrapassam hoje aqueles que vêm provavelmente do ultramar. E a gravidade desses acidentes é por vezes de tal ordem que só esta noite no Hospital da Universidade de Coimbra entraram seis cadáveres. E isto repete-se quase constantemente. Isso prova que não são só os hospitais de que aqui se ouviu falar, os da capital, que têm de ter serviços de urgência à altura das necessidades e serviços de recuperação e reabilitação. Também os principais hospitais da província têm de os possuir, pois um doente que é militar, mas que pertence, por exemplo, ao distrito de Aveiro, pode preferir ser tratado num centro que esteja próximo da sua família. E se esse centro oferece as condições necessárias a um tratamento satisfatório, não vejo razão para que ele tenha de ser tratado forçosamente, ou, durante algum tempo até, desprezado, por excesso de doentes, num hospital militar principal.

Eram estas principalmente as considerações que queria fazer.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Quero esclarecer que estou de acordo com as declarações que acabam de fazer os Srs. Deputados Linhares Furtado e D. Maria Raquel Ribeiro e dizer ao Sr. Deputado Ricardo Horta que nem me esqueci da minha condição de médico militar, nem da diferença que existe entre medicina do tempo de guerra e do tempo de paz, nem julgo que os serviços de saúde tenham evolucionado de tal modo que não tenha podido acompanhar o seu desenvolvimento.

E quero ainda informar que nem as razões de ordem administrativa, nem os motivos de natureza afectiva, nem o processamento dos vencimentos, nem o segredo militar, me convenceram de modo a ter de abandonar a posição que assumi contra as duplicações e a favor dos contratos de cooperação. Mantenho, portanto, o meu ponto de vista.

O Sr. Pêras Claro: - Sr. Presidente: Eu também tenho sido, nesta Câmara, intransigentemente contra todas as duplicações. No entanto, subscrevi há pouco a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Ricardo Horta. E isto porque entendi que, além de todos os argumentos técnicos apresentados pêlos Srs. Deputados que me antecederam, se deve ter em atenção um argumento humano que considero de grande peso. Um homem que é ferido no campo de batalha, se, para o seu tratamento, o transferirem para um departamento civil, sentir-se-á decerto abandonado. Ele precisa de ser acompanhado em todo o seu tratamento por um clima militar. Ele tem de sentir-se amparado por aqueles que lutaram a seu lado ou por aqueles que nos hospitais o recebem para o tratamento. Ë exactamente isto que se faz, aliás, quando aos descendentes de um militar morto se atribui uma pensão de sangue.

O Sr. Alberto de Meireles: - Não é evidentemente como técnico, porque disso nada ou pouco sei, que pedi u palavra a V. .Ex.ª para ocupar uns minutos a Câmara, mas fundamentalmente para contar, se V. Ex.ª me permite, e já que não está presente na sala o nosso querido colega Dr. Melo e Castro, que a poderia reproduzir melhor que eu, uma pequena história.

Há anos, e não vão muitos, um técnico altamente qualificado da Organização Mundial de Saúde, penso que até o principal responsável, deslocou-se a Portugal e, numa visita, que não era de curiosidade mas de informação, andou e deambulou por esse país a ver as instituições e os serviços. E lembro-me que esse alto técnico, de renome mundial, concluiu no fim, com certo humor, que achava* extraordinário que um país 4ão bem governado por um técnico eminente das finanças, em matéria de saúde e assistência pudesse ser o contrário disso. Encontrou uma série de sobreposições de instituições e organismos assistenciais e de saúde que o espantaram. E dizia, concluindo: «Eu pensei que vocês não eram um país suficientemente rico para isso; não conheço outro igual no Mundo.»

Repito: Se o Dr. Melo e Castro, nosso querido colega, não estivesse impedido de éster aqui, ele poderia contar melhor do que eu esta história. E já que o lembro, permita-se-me também que lembre o facto de ele ter sido um pioneiro exactamente na instituição de um serviço para recuperação de diminuídos. Foi grande parte obra dele, do seu sonho e da sua tenacidade.

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Pois poderia concluir com esta história. Parece-me, no entanto, que o comando único, o órgão único de coordenação dos serviços de integração social de indivíduos deficientes se impõe, por tudo, até, relevem-me a afirmação, no aspecto técnico. Não temos suficientes técnicos no plano de readaptação e de recuperação e até de assistência médica para podermos duplicar ou sobrepor instituições de serviços.

O Sr. Casal-Rlbelro: - E preciso que se criem.

O Orador: - Simplesmente, parece-me que eles se criam melhor numa instituição com a dimensão e com a especialidade de um órgão nacional de readaptação, embora descentralizado. E já agora direi que, como toda a gente sabe, merca da ajuda substancial das Apostas Mútuas Desportivas, está a ser criado no Porto, ou já foi criado, o centro de 'recuperação e adaptação de Quinta da Prelada, sob a égide da Santa Casa da Misericórdia do Porto. E o Alcoitão do Norte, digamos assim, e que terá certamente a validade do Alcoitão.

Pois, Br. Presidente, ao fazer este pequeno apontamento eu queria apoiar as afirmações aqui feitas contra a duplicação, contra a sobreposição e contra as carências de serviço que talvez resultem, às vezes, dessa dispersão, dessa falta de comando. O órgão único parece ser aceite também, sem prejuízo dos serviços que as forças armadas podem fazer montar, criar, sem autorização nossa. Não têm de pedir licença à Câmara para o fazer, desde que tenham verbas para isso e necessidades para tal. Mas refiro, e hoje nos foi posto em cima da Mesa, um comunicado que vem assinado por dois oficiais, e presumo que os outros signatários também sejam pertencentes, de alguma maneira, às forças armadas, e nele se preconiza, no n.º 2, que, para atingir este fim, que é a reabilitação de todos os portugueses, o Estado promova, fomente e oriente, ordene e fiscalize a reabilitação e integração social dos deficientes, nas instituições públicas e privadas, através de um órgão único. Pelo menos aqueles dois oficiais do Exército, que se identificam como tal na comunicação que fizeram, não têm relutância em ser tratados, readaptados, porque são diminuídos ou deficientes, segundo se confessam, em estabelecimentos que mão sejam privativos das forças atinadas.

Volto a dizer, como disse o Sr. Deputado Santos Bessa. Se as forças armadas carecem desses serviços próprios, pois instalem-nos. E não é de qualquer maneira, por autorização nossa, que o fazem, é por necessidade própria e porque têm verba para isso. Mas o comando único na readaptação e recuperação de deficientes, esse considero-o, como aqui tem sido indicado, uma necessidade do País.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O número de intervenções sobre estas emendas e os seus sentidos divergentes permitem-me admitir a hipótese de VV. Ex.ª não terem ainda formado definitivamente o seu juízo sobre a bondade das duas propostas presentes à Assembleia ë discordantes entre si.

Em consequência, parece na e adequado dar à nossa Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social ò ensejo de ela própria examinar as duas propostas para nos habilitar com o seu parecer sobre elas, tanto mais que dessa Comissão fazem parte diversos signatários das duas emendas.

Vou, pois, suspender a discussão deste projecto de lei sobre a recuperação de diminuídos físicos.

Convoco a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social, de urgência, para reunir imediatamente ao fim da sessão, a fim de apreciar as duas propostas pendentes da apreciação da Assembleia e amanhã nos dar o seu parecer sobre elas.

Passaremos à segunda parte da ordem do dia, que tem por objecto a efectivação do aviso prévio sobre o ordenamento do território. Tem a palavra o Sr. Deputado Correia da Cunha.

O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente e Srs. Deputados:

Ainda há poucos dias desta mesma tribuna tive oportunidade de vos dirigir uma mensagem de esperança, ainda que atentadamente realista; foi esse sentimento que me levou a persistir no tratamento de tema de tanta actualidade e transcendência como o do ordenamento do território; é ainda sob o mesmo signo e amparado por uma fé sem reservas nos destinos do País que me proponho falar-vos hoje, com a franqueza rude que me caracteriza, das grandes linhas que terão de orientar a construção do Portugal de amanhã.

Não podendo ser exaustivo no tratamento de tão ampla problemática, terei de confiar numa possível generalização do debate para garantir, através de qualificadas intervenções de alguns Srs. Deputados, o indispensável complemento ou correcção às minhas afirmações de hoje.

Sr. Presidente: Quis V. Ex.ª ter a gentileza de inserir oportunamente este aviso prévio na ordem do dia. A seu tempo se ajuizará das vantagens que para o País pode não advir desta iniciativa. Mas não quero deixar de lhe exprimir, Sr. Presidente, quanto lhe agradeço a oportunidade quê me deu de usufruir um direito inerente à minha qualidade de membro desta Câmara.

Sabemos todos quanto o Sr. Presidente do Conselho se tem interessado por esta forma de participação da Assembleia na apreciação dos actos do Governo; resta-nos demonstrar que é possível abordar assuntos de grande importância com a simplicidade e rapidez exigidas pela complexidade do processo governativo. Esta experiência poderá ser bastante útil, por isso mesmo, para definir um outro estilo de trabalho por parte deste órgão de soberania.

Srs. Deputados: Não creio que alguém duvide da possibilidade de se encarar a construção do nosso futuro como um acto cada vez mais voluntário. O uso e abuso das técnicas dão hoje ao homem essa oportunidade; a sua capacidade de intervenção multiplicou-se, acelerando as transformações até um ritmo ainda há pouco insuspeitado.

Não obstante os meios poderosos de que se dispõe, nada de verdadeiramente grande se pode operar a curto prazo num país. Essas acções, quer se traduzam na construção de infra-estruturas ou numa alteração radical do estilo de vida e de trabalho de toda uma população, requerem, quantas vezes,' o tempo necessário para se formar uma geração. Pois bem. Ao atentarmos no horizonte do ano 2000 temos de tomar consciência do facto de estarem agora a despertar para a vida os homens que, então, hão-de conduzir o País.

A eles vamos legar um património que tanto poderá representar um quadro de vida aliciante como um fardo insuportável. Projectadas no futuro, as decisões de hoje assumem toda a sua grandeza e significado. Por isso, importa que elas sejam consideradas, não como simples actos de rotina de uma administração que se preocupa apenas com o dia a dia, mas com um verdadeiro empenhamento, conscientemente preparado e definido em termos de poder basear toda a política de acção que conduza a um futuro sempre melhor.

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Para os homens de boa vontade casa perspectiva não poderá deixar de se caracterizar por um acréscimo de liberdade, igualdade e solidariedade entre bodos os cidadãos. Se esse objectivo for conseguido ninguém se queixará de trabalhar um pouco zoais ou mão ter ainda atingido determinado grau de suficiência 'material. O crescimento económico representa, sem dúvida, uma ferramenta importante pára a construção desse mundo melhor; mas está longe de ser a única.

O que está em causa não é a grandeza das benesses a obter, mas o estado de espírito com que cada cidadão as recebe; o que está em causa não é tanto o esforço a desenvolver, mas a adesão que cada qual imprime à sua actividade; o que está em causa, na verdade, é a construção de cidades onde se possa Tiver sem sacrifício e a manutenção de um ambiente curai que «permita aos homens fatigados pelo trabalho reencontrar o seu equilíbrio psicológico e nervoso.

O maior problema dos povos, hoje em dia, não é tanto o de conseguirem mais riquezas quanto o de explorarem melhor as que possuem. Para que isto seja possível há que fazer ura balanço entre as potencialidades disponíveis e os objectivos a alcançar, à custa de opções e dos riscos que elas necessariamente envolvem.

É evidente que um programa a longo prazo não pode entoar no pormenor das acções que sugere; mias pode, e deve, fixar os princípios que interditam a persistência no erro. É no quadro de um planeamento maleável, imperativo para os serviços públicos, obrigatório em certo grau para as empresas apoiadas pelo Estado e indicativo para os restantes sectores, que se devem situar todas os iniciativas, para que, pela sua coordenação, se tornem mais eficazes. Com o planeamento pretende-se tomar ia decisão política mais segura através da analise cientifica de todas as informações necessárias e do estudo das diversas soluções possíveis.

Não está em causa apenas a produção, mas uma repartição que permita reservar ao progresso social - ao alojamento, à saúde e a cultura- uma parte cada vez maior dos recursos que a expansão económica não deixa constantemente de ampliar.

No fundo, planear mais não é do que reflectir sobre uma previsão; e porque essa previsão não pode deixar de ter em conta o futuro da Nação, então importa que n reflexão se transforme num acto colectivo, participado, consciente.

Ao efectivar este aviso prévio não tenho outra pretensão que não seja levar os responsáveis pêlos diversos sectores da Administração a meditarem sobre .o sentido e o rumo das acções em que se empenham e, se for possível, interessar esta Câmara numa apreciação desapaixonada das perspectivas que se nos abrem, alargando o âmbito das suas preocupações, no espaço e no tempo.

Srs. Deputados: Por que não havemos de iniciar imediatamente esse verdadeiro exame de consciência que a gravidade do momento impõe e sem o qual não poderemos entrar devidamente informados nos debates de tão alta responsabilidade que nos esperam? Por que não nos havemos de sentir legítimos- representantes deste povo bom de que nos orgulhamos, desta massa anónima de gente que trabalha nas cidades, circula nas estradas, estuda nas escolas, sofre nos hospitais, luta na guerra, se esquece nos sítios ermos mas, em qualquer circunstancia, se sente sempre solidária no mesmo destino?

E isso, é essa solidariedade que eu invoco neste momento como justificação maior para esta iniciativa. Não me sinto preocupado, como haveis de notar, com o atraso em que nos situamos em relação a outros povo»; Situações idênticas têm sido vencidas em todos os tempos e latitudes, ainda que a recuperação se torne cada vez mais difícil. Não creio que nos devamos sentir antecipadamente vencidos.

O que me preocupa, na verdade, é a apatia, o desinteresse, a alienação das responsabilidades, por parte de muitos; é a defesa intransigente de privilégios e honrarias, a permanente subordinação do interesse geral ao particular, pelo lado de alguns. E este estado de espirito, afecto a maior parte da nossa gente, que me preocupa, porque é incompatível com o arranque para um. desenvolvimento participado, um desenvolvimento preparado e querido por todos aqueles a quem se dirige. Até hoje os planos de desenvolvimento elaborados entre nós têm surgido como obra de magia; raros são os eleitos que os conhecem em pormenor, geralmente por obrigação do cargo. As populações ou as instituições que as representam não têm sido solicitadas para o efeito, talvez porque se considerasse que careciam da preparação mínima indispensável a uma intervenção útil.

Esta situação não podia subsistir e o III Plano de Fomento, ao introduzir a óptica regional, apontou na realidade um caminho com interesse, pela sensibilidade demonstrada em face dos desequilíbrios de desenvolvimento que não cessam de aumentar. A dimensão que lhe foi introduzida implicou também uma crescente preocupação com a sorte das populações, os seus problemas específicos, as suas aspirações. O Plano humanizou-se. E desta sorte tomou-se mais acessível ao homem comum.

Com a definição das regiões ganhou nova consistência a teoria das acções integradas; as intervenções sectoriais são entendidas como um meio que pode deixar de ter em conta o objectivo global traduzido por um plano de base regional.

Apercebemo-nos facilmente do significado e implicações desta nova óptica de trabalho; cada Ministério, como interferência no desenvolvimento económico, tem, necessariamente, de subordinar a sua acção aos programas definidos em conjunto, de forma a evitar estrangulamentos e a conseguir os melhores resultados. E portanto no escalão mais elevado da Administração, responsável pela elaboração do Plano e pela sua aprovação (neste aspecto a interferência da Assembleia Nacional tem tido escasso significado), que se deve verificar a adesão mais completa às orientações definidas. A esse nível não podem surgir duvides sobre a validade e a importância do seu cumprimento.

É lamentável, porém, que nem todos os responsáveis assim o entendam, continuando a olhar o Plano como um entrave ao seu livre arbítrio, e o órgão que vela pela sua execução como um intruso que interfere abusivamente nas teias da burocracia administrativa.

Rebelam-se esses responsáveis contra tudo o que implique transformação, adaptação a novas necessidades, cedência de atribuições, colaboração com outros interessados nos objectivos comuns. Tudo isto, que é o mínimo que se lhes pode pedir, assume e seus olhos a feição intolerável de um ataque à sua autoridade. Não admira, pois, que um número cada vez maior de «quartéis-generais» tenda a refugiar-se na Presidência do Conselho ...; que vários Ministros coordenem as funções de mais do que um Ministério . . .; que se multipliquem os grupos de trabalho interministeriais. E não é naturalmente por acaso que o Sr. Presidente do Conselho tem junto de si, como colaborador directo, o principal responsável por tudo o que diz respeito ao planeamento. A coordenação de esforços é a palavra de ordem e o trabalho em equipa uma obrigação de princípio.

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Mas não é efusivamente a este nível que o plano deve ser tido como um instrumento válido de acção. Toda a população se deve interessar por ele, se não em globo, ao menos no sector ou na área que mais directamente lhe disser respeito. Fará tanto importa que os princípios gerais e os grandes temas sejam submetidos a ampla difusão e discussão. Ela deve começar aqui, nesta sala, para rapidamente se propagar a todos os pontos onde lideram indivíduos preocupados com os destinos do País. Aos meios de informação, esclarecidos e interessados por matéria tão aliciante, caberá uma parcela importantíssima do esforço a aplicar na batalha do desenvolvimento económico.

Deve haver, portanto, um comprometimento total da Nação para com o plano. Em princípio, este documento está destinado e contrariar toda a acção sem nexo, fechada em si mesma, tida como um fim.

Mas para além dele há outros compromissos que, a pouco e pouco, se foram assumindo e transcendem as próprias- fronteiras. Com a vizinha Espanha há muito que se concertam acções de interesse comum. As medidas recentemente tomadas sobre a barra do Guadiana constituem um bom exemplo de colaboração a nível ibérico. Também no âmbito da N. A. T. O. Portugal está neste momento a desenvolver uma acção cheia de interesse na luta pela preservação do ambiente, especialmente no sector da poluição marítima.

Ainda aqui, ao nível internacional, a cooperação é a palavra de ordem. O prestígio já adquirido pelo País neste domínio implica redobradas responsabilidades.

Não foi por acaso que, após uma breve referencia ao desenvolvimento regional, salientei a importância da colaboração internacional. A revolução tecnológica veio realmente mostrar que, para o tratamento de numerosos problemas, as nações ou são demasiado pequenas ou excessivamente grandes. Quando o ponto de referência é o homem e os seus interesses mais directos, então a região é o quadro ideal de estudo e de acção; quando, porém, estão em causa as grandes (realizações e a usufruição das maiores conquistas da técnica, nenhum país se pode arrogar o direito de exclusivismo. Por isso se constituem blocos económicos e militares, por isso proliferam as organizações científicas. A solidariedade internacional é uma realidade que nenhum povo pode desconhecer.

Num e noutro caso, as estruturas têm de sofrer forte impulso renovador. Num mundo que progride e se transforma a ritmo cada vez mais célere, a paragem pode significar a atrofia e a morte.

Srs. Deputados: E hoje inconcebível imaginar um processo de desenvolvimento que não tenha por objectivo final uma crescente melhoria das condições de vida. Como o homem cada vez vive menos só de pão, há que cuidar muito a sério do ambiente que o inevitável progresso económico lhe virá proporcionar nas próximas gerações. Ele deverá garantir-lhe repouso e paz na usufruição da beleza e da harmonia de uma Natureza cada vez mais carente de protecção. Ao caminhar-se para o primado do homem urbano não pode deixar de se ter em consideração a importância que assume para o seu estado físico e equilíbrio mental o refúgio periódico num ambiente repousante, facilmente acessível. O ar e a égua, a terra e o mar começaram assim a assumir o carácter de bens raros, ou já protecção a expansão económica impunha a todo o transe. Esta preocupação pode considerar-se hoje universal e não são raros os países que dispõem de ministérios responsáveis pela protecção do ambiente.

No nosso pais o momento é francamente propício à aceitação generalizada de uma campanha com este objectivo. Não se estranhará, por isso, que venha a constituir-se um órgão que vise a protecção da Natureza e do ambiente, através da coordenação de todas as acções que o possam afectar.

Se tivermos em conta que o ordenamento do território procura, essencialmente, conciliar os objectivos do crescimento económico com o desenvolvimento harmónico de todas as regiões, assegurando a distribuição óptima das populações em função dos recursos a explorar, facilmente se avaliará quão importante será a acção a desenvolver neste sector.

É ponto assente que uma política de desenvolvimento à escala regional só pode ser válida se dispuser de um certo número de instrumentos de actuação e documentos de trabalho. Para corrigir distorções pressentidas e programar acções é indispensável conhecer a realidade física e humana nos seus múltiplos aspectos. Sobre a ocupação agrária do continente existe um conjunto primoroso de mapas que nos traduzem a situação actual com extrema minúcia. Devem-se ao Serviço de reconhecimento e Ordenamento Agrário e têm constituído, em várias reuniões internacionais, motivo de prestígio para o nosso país. Existe também uma cobertura fotográfica aérea, frequentemente actualizada, que tornou possível uma classificação sumaria das potencialidades dos nossos solos e a estimativa das respectivas áreas. Verificou-se assim que ainda hoje são indevidamente cultivados no continente cerca de 2 600 000 ha, correspodendo a 50 por cento da superfície agrícola útil total.

Este facto permite compreender muitas das insuficiências da nossa agricultura e, por extensão, a grandeza do fenómeno migratório que lhe está afecto. Mas não se trata apenas de um flagrante desfasamento entre o que é e devia ser a ocupação agrícola dos nossos solos. A racionalização desta actividade vai encontrar também um (poderoso travão na estrutura agrária que subsiste na maior parte do território, especialmente nas áreas mais acidentadas. Ora, não há dúvida que uma intervenção adequada neste sector não dispensa o recurso ao cadastro geométrico da propriedade rústica. A sua inexistência nas áreas onde os problemas de estrutura se põem com maior acuidade não pode deixar de ter graves consequências. O ritmo a que se vem processando a sua realização não abre perspectivas a uma rápida cobertura do território. Importa imprimir-lhe, pois, uma nova dinâmica e outros meios de trabalho. O Estado terá todo o interesse em andar depressa, porque só assim lhe será possível actualizar e uniformizar as bases em que assenta a contribuição predial rústica.

Para além desta carência, a que atribuo uma importância fundamental, não posso deixar de referir a de um inventário dos recursos hídricos, nomeadamente das reservas subterrâneas. As actividades económicas estão cada vez mais dependentes das disponibilidades aquíferas, em quantidade, qualidade e oportunidade de utilização, pelo que me referirei a este assunto com mais desenvolvimento. Mas o inventario não poderia circunscrever-se à água. Teria de ter em conta as riquezas mineiras susceptíveis de exploração rentável em termos de constituir uma base válida para a implantação de actividades económicas com interesse nacional.

Outro aspecto da maior importância, sobre o qual importa ter um conhecimento actual e pormenorizado, é o que respeita às disponibilidades de mão-de-obra. Nenhum plano de desenvolvimento poderá deixar de considerar este factor; ele representa simultaneamente um meio e

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um fim. É sempre o homem que está em causa quando se pretende ordenar o seu campo de trabalho, racionalizando a exploração dos recursos disponíveis e procurando projectar no futuro as premissas das acções a desenvolver. Neste ponto não há dúvida de que o conhecimento é escasso (os recenseamentos da população são decenais) e incapaz de acompanhar a extrema mobilidade das situações. Haverá, pois, que tornar mais adequada a recolha de um certo número de elementos estatísticos de forma a dar-se conta a tempo dos movimentos significativos de população no interior do território e especialmente dos que são orientados1 para o exterior.

A este respeito, penso que seria do maior interesse racionalizar o recurso a informática e às telecomunicações. No sector público são já várias as entidades que recorrem a computadores. E uma iniciativa que merece aplauso. Mas, se quisermos tirar das máquinas o máximo rendimento, teremos, enquanto é tempo, de evitar a multiplicação indiscriminada das pequenas unidades. Para os serviços que consideram o computador um elemento de prestígio e avanço técnico sem curarem de saber como poderão tirar dele todo o rendimento possível, eu direi que se trata de brinquedos muito caros. E porque são caros, não se podem dispersar; e porque são de utilização complexa, não se dispõe de operadores em número suficiente.

Quando na Europa se pensa instalar um único, mas gigantesco, cérebro electrónico, a que todos os países recorreriam para tratamento das informações preparadas pêlos seus. centros de cálculo, não parece despropositado sugerir que no nosso país se imagine uma estreita colaboração nesta matéria. Ainda que não pareça, este assunto está directamente ligado com o ordenamento do território. Na realidade, através de uma instalação devidamente dimensionada e ao serviço do órgão nacional de estatística, seria possível manter permanentemente actualizado o quadro da distribuição da população em todo o País.

Tudo o que se relaciona com escolaridade, mão-de-obra, assistência social, recrutamento militar, recenseamento eleitoral, emigração, depende do conhecimento preciso da mobilidade populacional. Enquanto esse conhecimento não for obtido, estaremos planeando no ar e construindo na areia.

Talvez que os resultados a obter a partir do último recenseamento, não obstante todas as limitações que se lhe conhecem, possam constituir o ponto de partida para urna frutuosa reflexão sobre este assunto. Em face da intensidade dos movimentos migratórios, é indispensável rever assiduamente todos os programas de investimentos públicos, para que se não corra o risco de construir estradas para povoações desertos, escolas para alunos que não existem, hospitais para doentes que já morreram. Estas situações, para além da caricatura que representam, surgem frequentemente no dia a dia, com inconvenientes de toda a ordem.

Atribuo ao potencial humano, como já acentuei, uma importância extrema. O arranjo das localizações e actividades que o ordenamento do território pressupõe não tem sentido se não tiver em conta as necessidades das populações. Porque as esquecemos durante muito tempo, sofremos agora a amarga sensação de abandono que nos deixa a emigração verificada no último decénio. Calculo as perdas sofridas neste período em cerca de l milhão de pessoas, correspondendo a 12 por cento da população presente em 1960. Mas, para além dessa diminuição, verificaram-se ainda intensos movimentos no interior do Pais. A atracção dos principais centros permanece como um dado importante da evolução demográfica.

Como ignorar estas tendências quando se pretende arrumar a casa e movimentar os meios necessários à fixação de uma nova sociedade rural, indispensável ao equilíbrio de qualquer esquema de desenvolvimento?

Ninguém duvida que só através da promoção das áreas deprimidas do interior será possível travar o movimento desencadeado. Mas, na verdade, no círculo vicioso em que se vive, custa a investir onde os capitais não rendem. Não é também pulverizando por todo o território pequenos benefícios sem. significado que o objectivo será atingido. Mais do que nunca temos de definir prioridade, fazer opções e aceitar sacrifícios.

Partindo do princípio, já suficientemente comprovado, de que o desenvolvimento é introduzido a partir dos centros urbanos, a que se podem ou não ajustar núcleos industriais ou áreas de agricultura intensiva, parece que é sobre eles que se deve primeiro fixar a atenção, procurando definir vocações e detectar potencialidades. E através da hierarquização da rede urbana que se torna possível ter uma visão global do ordenamento do território, uma vez que ela condiciona, em larga medida, o traçado das vias de comunicação, a implantação de unidades industriais, a localização dos centros de decisão e dos mercados, etc.

Uma vez que a nossa taxa de urbanização é ainda francamente baixa (da ordem dos 20 a 25 por cento), é de prever um crescente dinamismo na afluência das populações às cidades, o que não deixará de facilitar a indispensável concentração dos investimentos públicos. As áreas rurais disporão de centros de vária ordem a funcionar como pontos de apoio ao povoamento disperso, cada vez mais difícil de manter e justificar. E por isso que vejo com preocupação aparecer, um pouco por todo o lado, um neopovoamento disperso, resultante da aplicação de capitais por parte de emigrantes.

Dessa disciplina não poderão resultar senão dificuldades para o esforço a desenvolver na melhoria das condições dos meios rurais.

Por outro lado, o crescimento das cidades tem primado também pela anarquia, permitindo toda a sorte de especulações e injustiças. Não será necessário referir casos particulares, porque eles estão na mente de todos.

Numa tentativa para obviar aos numerosos inconvenientes resultantes das urbanizações desordenadas, com a construção de bairros em locais técnica e socialmente inapropriados, o Governo promulgou recentemente o Decreto-Lei n.° 576/70, que define a política dos solos com .vista à limitação do custo dos terrenos para construção. Será cedo ainda para apreciar a validade deste documento, mas o certo é que ele aborda apenas uma parte do magno problema da afectação dos solos para construção.

Encarando a problemática do ordenamento de uma forma muito mais global, o Governo desencadeou recentemente o estudo do assunto, abordando-o a partir das suas três facetas mais significativas: urbana, industrial e rural. Em qualquer caso deverão ser cumpridas as orientações formuladas no actual Plano de Fomento e que são as seguintes:

1) Equilíbrio da rede urbana, de forma a dotar toda a população, a distância razoável, de um mínimo de equipamento sócio-económico;

2) Expansão descentralizada da indústria e dos serviços, através da definição de pólos de crescimento;

3) Progressiva especialização da agricultura regional, tendo em conta uma melhor adaptação ecológica e a concentração dos investimentos.

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Como se verifica, o denominador comum da orientação assim definida cinge-se a uma preocupação única - o desenvolvimento do Pais deve beneficiar toda a população e mão apenas o sector privilegiado dos que vivem nas áreas urbanas industrializadas.

A magnitude da tareia pode aferir-se pelo número de habitantes que fie poderão vir a transferir dos próximos decénios porá estas áreas: 8 milhões de portugueses procurarão nas cidades os meios de subsistência e o padrão de vida a que legitimamente aspiram.

Isso significa que há toda uma paisagem agrária a refazer através da exploração mais racional dos recursos locais- e da definição de uma política de trabalho que conduza a uma elevação generalizada do móvel de vida.

O estilo de agricultura que hoje se pratica tem os seus dias contados; com a florestação de 50 por cento da superfície actualmente cultivada restarão aperras os perímetros de rega e as áreas de sequeiro onde ás máquinas possam operar.

No pólo oposto veremos crescer desmesuradamente as actuais aglomerações. Sem que nos demos conta estão a surgir no nosso país duos grandes cidades. A Lisboa do fim do século está prefigurada mo plano director da sua região e terá os «eus arrabaldes em Torres Vedras, Vila Franca de Xira e Setúbal.

Concêntrar-se-ão aí para cima de 2 milhões de criaturas a quem é preciso proporcionar alojamento, serviços, vias de acesso e um ambiente que as mão torture diariamente. O espartilho do limite concelhio já foi quebrado e a ponte sobre o Tejo ficou a constituir um elemento decisivo no processo de crescimento da capital. A sua configuração e estrutura transformá-la-ão num dos .pólos mais importantes da Península Ibérica, vértice de um triângulo que se apoia em Barcelona e Bilbau e tem o seu centro em Madrid. Lisboa nunca será grande de mais se soubermos racionalizar o seu crescimento. Competir-lhe-á, para além de tudo, dinamizai1 o grande eixo de circulação que é o vele do Tejo, indo ao encantoo de idêntica influencia exercida por Madrid no curso superior. Definindo vias de penetração no interior da península, estaremos a corresponder a instantes solicitações de uma vasta parcela do território espanhol que encontra na mossa costa o? pontos de mais fácil acesso.

Encontraram-se neste momento em estudo, através do Conselho de Economias Regionais do Oeste Atlântico, os aspectos mais salientes desta política de aproximação pela via regional.

Para norte, a faixa evoluída e densamente povoada do litoral encontrará uma cidade do Porto com um mínimo de l milhão de habitantes. Para tanto terá de se estruturar, em termos de uma urbanização adequada, toda a vastíssima mancha, já naturalmente definida, que se estende de S. João da Madeira a Santo Tirão e à Povoa de Varzim. Também aqui o Douro poderá vir a (representar um precioso traço de união com o interior, uma vez que se tome navegável; o seu interesse transcende a fronteira e incide em pleno nas províncias de Zamora e Salamanca.

Em qualquer daquelas aglomerações o grande problema .residirá na- disciplina que importa imprimir ao seu crescimento.

Este consideração perde muito do seu valor para os restantes elementos da rede urbana.

Sabe-se, por exemplo, em que medida Coimbra e Évora, consideradas capitais regionais, correspondam deficientemente a função que desempenham; mas essa incapacitaria (repercute-se por todos os cento» do interior, que raramente ultrapassam o estádio da pequena cidade sede de serviços concebidos & escala do distrito. Em todas elas a dificuldade consistirá em lhes imprimir dinamismo próprio, dotando-as das infra-estruturas necessárias à atracção e fixação de uma população cada vez mais numerosa.

Ao longo da costa algarvia começa a definir-se, merca da implantação de numerosos pólos de desenvolvimento turístico, um estilo de aglomeração linear que importará ter também, em atenção pelo valor de que se pode vir a revestir. Talvez mais do que em qualquer outra área do continente, o impacte das novas estruturas subverteu, transformando por completo, a paisagem tradicional.

Escolhidos os principais pontos de apoio da rede urbana, esta só se tornará funcional se for servida por boas vias de comunicação.

Na realidade, não se pode conceber uma melhoria da exploração dos recursos e das condições de vida de todo o interior se não se lhe der um Acesso fácil, pondo-o em contacto directo com os maiores centros. A este respeito gostaria de salientar que estes problemas não se resolvem à custa da construção de outo-estradas. Estes velozes canais para a viação automóvel destinam-se a permitir ligações rápidas entre pontos distantes e não podem colmatar a grande maioria das deficiências de que ainda enferma a nossa rede viária. Para que esta se torne verdadeiro instrumento de progresso precisa ser dotada de boas estradas cortando o País em todos os sentidos e permitindo ligação fácil aos principais centros urbanos. Convirá não esquecer que, ainda neste caso, a fronteira é um condicionante ultrapassado. Entre a Galiza e o sudoeste de Espanha o caminho mais rápido e agradável passa pelo nosso país.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: O tema que estou tratando é por tal forma vasto, aliciante e complexo, que me permitiria alongar este discurso muito para além do tempo regimental e do que é razoável esperar da paciência de VV. Ex.ª Antes de terminar desejaria ainda abordar dois pontos que considero da maior importância - a definição de uma política de gestão dos recursos aquíferos e a revisão da actual estrutura da divisão administrativa.

Pode dizer-se, na verdade, que não há desenvolvimento possível onde não houver água em quantidade e com a qualidade exigidas pelas suas múltiplas utilizações. A partir de certo grau de ocupação de um território a água transforma-se num recurso básico, cuja utilização requer um planeamento cuidado, capaz de superar os conflitos de interesses e os problemas suscitados por uma crescente poluição. A medida que se transforma num factor raro, a água condiciona todo o processo de desenvolvimento, ditando leis quanto à implantação de indústrias, à definição de grandes regadios te ao crescimento dos aglomerados urbanos.

O consumo de água por habitante é considerado, por isso mesmo, um indicador de riqueza tão válido como o número de viaturas ou telefones, o consumo de aço ou energia.

Em face do grau de subordinação das actividades produtivas ao localismo que caracteriza os recursos hídricos deve considerar-se da maior importância a elaboração de uma carta das disponibilidades de água, que resuma o inventário dos mananciais de superfície e das riquezas subterrâneas. Para uma agricultura moderna esta carta é tão importante como a da capacidade de uso dos solos. E a partir deste binário que «e pode imaginar uma perfeita utilização da terra.

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Tem-se porém a consciência de que o inventário referido não é nada fácil de fazer. Não dispensa o balanço hidrológico de uma área suficientemente vasta, referido a um período de tempo tão amplo quanto possível. A partir dele estuda-se o comportamento dia água precipitada, determinando os volumes que se infiltram, fluem à superfície e evaporam. Neste ciclo a intervenção do homem é sempre muito limitada. Em relação à bacia hidrográfica do Tejo, por exemplo, calculou-se recentemente que apenas O por cento do volume médio precipitado era mobilizado para as diversas actividades, com relevo para a agricultura. Em compensação o cariz mediterrânico do clima traduz-se num importante retorno a atmosfera (cerca de 70 por cento), reduzindo fortemente a margem de utilização possível.

Em termos absolutos o problema pode pôr-se assim; mas o certo é que os consumos variam, fortemente ao longo dos dias e do ano. Para além da quantidade e da qualidade há, pois, um outro elemento a ter em conta e que é a oportunidade da sua utilização. Tudo isto requer domínio, tão perfeito quanto possível, dos nossos cursos de água. Por isso se impõe ia definição de uma única autoridade gestora dos recursos hídricos, competente para proceder aos indispensáveis estudos e racionalizar os utilizações, definindo prioridades e controlando os processos poluidores. Esta organização ainda Tino existe em Portugal. É outro pombo que deixo a reflexão dos responsáveis.

Os resultados obtidos com o estudo do Tejo foram eloquentes. O Governo soube corresponder-lhes, mandando elaborar os projectos necessários a uma intervenção eficaz nos vários domínios. Só o regime de cheias que ainda se mantém provocou nos últimos vinte cinco anos um prejuízo médio anual 'da ardem dos 200 000 contos.

Mas não se sabe como avaliar, por todo o País, os efeitos perniciosos dos distúrbios hidráulicos revelados sob a forma de uma erosão e assoreamento crescentes e de um regime dos rios cada vez mais desequilibrado.

A revisão de toda a estrutura afecta ao domínio e uso dos recursos aquíferos deveria considerai: 'também, como ponto fundamental, a concepção e exploração das áreas de regadio existentes ou planeadas. O actual sistema provocou já a sua incapacidade em extrair dos vultosos investimentos feitos, toda a gama de resultados possíveis, tanto de ordem económica como social. Todas estas medidas se podiam situar no âmbito de uma política global de protecção do ambiente e dos recursos naturais, à semelhança do que já «e verifica em muitos outros países.

Suponhamos agora, por um momento (e não por absurdo!), que todo este esforço tendente a transformar a actual ocupação do território se traduzia num plano primorosamente elaborado. Será possível imaginar a sua conversão em realidades palpáveis a partir dos canais existentes? A minha resposta é negativa. Hás o depoimento produzido Decentemente pelo Sr. Subsecretário de Estado do Planeamento Económico ao empossar o presidente da Comissão de Planeamento da Região Centro parece-me suficientemente claro para dispensar outros comentários. É do seguinte teor:

O desenvolvimento regional requer a alteração dos instituições, das atitudes e dos métodos de gestão - tonto do sector público como privado - que sobreviveram de épocas em que predominava a economia agrícola de subsistência e se desconheciam as facilidades hoje existentes de transportes e comunicação, e, o dinamismo dos novos processos produtivos.

Impõe que sejam vencidos tais reflexos do passado e substituídos por métodos, atitudes e (estruturas de organização e administrativos adequados ao progresso sustentado de cada região.

Ao enunciar os principais entraves às transformações desejadas afirmou ainda:

Refira-se em primeiro lugar a compartimentação que resulta das estruturas administrativas locais tal como são ainda entendidas e que impede se trabalhe num quadro com a dimensão indispensável para o desenvolvimento.

Nem os municípios, nem os distritos, constituem, quando isolados, unidades capazes de acolher um sistema de produção com dinamismo próprio, face a atracção de Lisboa e do estrangeiro. Acresce que, por vezes, os seus limites dividem artificialmente unidades económicas ou de relação que entretanto se desenvolveram, dificultando o melhor aproveitamento das respectivas potencialidades de expansão.

No conteúdo destas linhas está justificada a minha negativa. Temos, na realidade, de ter a coragem de encarar frontalmente os problemas. Não é com os figurinos do século passado que poderemos resolver os problemas do presente e, muito menos, os que se adivinham num futuro próximo. Não se pode conceber uma evolução que se processa por sectores, só porque ela implica riscos que se não querem assumir. Por isso, considero indispensável e, mais do que isso, inadiável uma reforma da divisão administrativa que se adapte aos pressupostos do desenvolvimento económico e permita uma participação cada vez mais válida das populações. Perdoai-me se peço muito ou pareço apegado à utopia, mas habituei-me a imaginar o meu país numa situação bem diversa daquela em que se encontra hoje e por esse ideal estou disposto a bater-me enquanto me restar um pouco de esperança e houver quem me ouça ou me acompanhe.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Requeiro a generalização do debate e peço a V. Ex.ª que me conceda a palavra.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate e tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Ao subir a esta tribuna para advogar a causa do mundo rural em sua inserção no mundo moderno, sinto o peso da responsabilidade que outros oradores conferiram a tal lugar e a pena de não poder ser -como V. Ex.ª o foi, e grande - aquele tribuno de que, em questões agrárias, como em muitas outras, se guarda respeitosa memória nesta Casa e no espírito dos Portugueses.

Pela nossa modesta parte, ao aceitarmos a proposta de candidatura como Deputado «pelo círculo eleitoral de Lisboa em passadas eleições, havíamos expressado o propósito de que, «dentro do principio de que não pode haver compartimentos estanques na vida da sociedade e das

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comunidades, antes devemos ser solidários com as demais parcelas e gentes constituintes da Nação», haveríamos de levantar a questão dos «direitos de cidadania» - passe a expressão - do nosso mundo rural.

Aqui vimos, a tentar desobrigarmo-nos do mandato.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: E facto incontroverso, e quase se poderia dizer universal neste virar de página de civilizações, a crise do mundo rural.

Mais do que as palavras que pudéssemos proferir nesta Casa e neste momento, falam-nos os números dos que voo abandonando os espaços rurais da Nação, na tentativa de procura de soluções para casos individuais ou familiares: 200 000 rurais metropolitanos no decénio 1931-1940, 350 000 no imediato, 800 000 pessoas na década que findou em 1960, e quantos mais posteriormente?

Já Camilo de Mendonça aqui lembrou - e não seremos nós que iremos desmenti-lo- que «uma década bastou, como o censo em decurso comprovará, para (Trás-os--Montes) pender metade ida população total e cerca de dois terços da activa».

Qualquer que seja o número de ausências que vier a ser apurado no inundo rural pelo censo ora em apuramento - e concelhos [...], já apurados, em que o número de partidas ascendeu a um habitante em cada tares preexistentes Monforte, Alter do Chão ou Fronteira, por exemplo), sem que se considerem aqueles que entretanto se teriam, vindo juntar pelo saldo fisiológico-, a enormidade do fenómeno manter-se-á certamente. No anterior decénio, 800 000 metropolitanos em fuga das «zonas rurais», ou predominantemente rurais, é assaz impressionante e bem deveria ter justificado a revisão das coordenadas geográficas e de algum modo sectoriais do desenvolvimento económico e social da Nação.

Progressiva intensificação das partidas é, pois, a conclusão a extrair do conforto dos números apresentados pêlos recenseamentos gerais da população e anuários demográficos.

Mas se as repulsões derivam fundamentalmente de deficientes condições de vida e de bem-estar nas regiões de origem das migrações humanas, parece poder concluir-se pelo agravamento relativo das condições de existência no mundo rural português.

As partidos distribuíram-se por 220 concelhos naquele primeiro decénio, 256 concelhos no imediato, 276 no que findou em 1960: foce aos 303 concelhos que na altura compunham o continente e ilhas adjacentes, tais números representam 78, 84 e 91 por cento do total destas unidades administrativas.

Assim se apreende a extensão do fenómeno da repulsão demográfica em terra portuguesa e a sua extensificação a novas unidades-concelho até então liquidamente imunes.

Mas o espaço rural é mais vasto, no confronto entre concelhos rurais e concelhos urbanos. Mais de 90 por cento do número de concelhos, mas 95,5 por cento da área da metrópole, é actualmente terna de repulsão. Em 9 por cento do total de concelhos ou em 4,5 por cento área de Portugal metropolitano se acantonam os indivíduos atraídos pelas migrações internas da população em 1951-1960.

Os caudais de migrantes, homens e mulheres, crianças e velhos, são formados como que de gotas que constantemente se desprendem de uma aldeia ou lugar. Mas regiões há em que se atinge elevada concentração humana de partidas. criando quadros de vida (ou de ausência humana) bem diversos dos 'tradicionais, com os campos abandonandos e os casas aldeãs de portos cerrados e onde o lume há muito se apagou nas lareiras, com a partida dos seus últimos moradores.

A repulsão dos gentes era, ao tempo, particularmente expressiva no Noroeste do País e processava-se sobretudo a partir dos concelhos que marginavam cursos de água, de igual modo atravessados por linhas de caminho de ferro e estradas- nacionais.

Por esses vales interiores escoavam-se, e continuam a escoar-se, lado a lado com os águas movestes, os caudais de migrantes que, partindo isolados ou em pequenos grupas, de aldeias remotas e de cagais dispersos, aos poucos se vão reunindo paro desembocarem, avolumados, nos «centros urbanos» e em zonas industriais, sitos na vizinhança das embocaduras dos mais importantes cursos de água nacionais.

Mas não é já somente ao Noroeste - tradicional alfobre da migração portuguesa para o estrangeiro e sustentáculo bem valioso do processo de crescimento urbano da população do continente que se ficam devendo os altos valores da repulsão demográfica.

Nos últimos decénios, quebrado que foi o ancestral isolamento psicológico, cultural, económico, geográfico, ou motivado por falta de vias de comunicação e de meios de transporte, o próprio Sul aparece tocado, e ao Nordeste e Centro interiores se alarga também.

O alastrar das manchas em cortas que representam tal repulsão é bem expressivo de uma situação de êxodo que começa a generalizar-se e a fazer perigar os próprios valores absolutos da população presente ou residente nos meios rurais. Por esta forma se atingem os próprias fontes de reprodução da população metropolitana.

Atestam-no, aliás, o número de distritos onde se reduz a população. Tendo-se tal fenómeno afirmado apenas depois de 1950, são já 11 aqueles distritos onde no passada intercenso, 1951-1960, diminuiu a população residente: Viana do Castelo; Viseu e Guarda, Coimbra e Castelo Br finco; Portalegre, Évora, Beja e Faro, no continente; Horta, nos Açores; Funchal, na Madeira. Outros se deverão ter vindo juntar mais recentemente.

Comprovam-no, aliás, melhor, o número de concelhos onde se verificam reduções de população presente: 3, 32 e 168 concelhos, respectivamente, nos decénios de 1931-1940 e seguintes.

No passado intercenso, mais de 55 por cento dos concelhos de Portugal metropolitano assistiram à redução dos valores absolutos da população.

E, parafraseando J. F. Gravier, o começo da «desertificação» dos espaços interiores, das regiões montanhosas e de quantas mais não encontram em recursos próprios ou nos favores da política económico-social meios de continuar sustendo a população - se em seu auxílio não acorrerem «o engenho e a arte» postos ao serviço das sociedades e economias regionais.

Esta «erosão humana», que começou por degradar os estruturas demográficas das regiões montanhesas e, em particular, dos populações «activas» dos sectores deprimidos da economia nacional, acabará por se reflectir na própria cobertura démica dos espaços, com todo o seu cortejo de incidências em termos de sociedade e economia regionais - em termos de «futuro das regiões».

Em termos do «futuro da Nação».

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para além dos aspectos já referidos de uma generalização do fenómeno de

Mendonça, Camilo de - «[...] em Trás-os-Montes», Diário da , n.° 68, p. 84-, de [...] de Janeiro de 1971, Lisboa 1958.

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repulsão a novas áreas, tendem também a extremar-se o campo e a cidade, na medida em que começam a ter representação, ultimamente, os escalões de taxas superiores, quer de repulsão, quer de atracção demográficas. Ao acentuarem-se assim as disparidades económicas--sociais regionais, amplificam-se também as variações do comportamento demográfico do espaço.

Na década de 30 nenhum concelho registava taxas amuais de parlada superiores a 20 por cento da população - são já 9 e são 45 nós decénios imediatos; no escalão «entre 10 e 20 por cento de (partidas por amo figuravam apenas 17, passaram a -inscrever-se 48 e 144 concelhos.

Os homens, mais lestos à partida e enfileirando como regra em maior número nas migrações, chegam, inclusive, a admitir representação nos escalões superiores a 30 por cento ao ano, de ausências. Significa que concelhos (em número de 7) havia em, que um indivíduo do sexo masculino em cada três existentes em 1950 se viu compelido à partida até final do decénio.

Mas as mulheres rurais, depois de se dedicarem ao amanho dos campos, acabam por seguir os seus maridos, as filhas ... os pais e os entes queridos a tentarem na cidade e na «estranja» amealhar pé-de-meia que dá para pagar o seu bragal. Será, porventura, para regressarem um dia à ruralidade, pelo menos em seu contexto actual? Sara mesmo para regressarem ao País? Da construção do futuro de Portugal haverá de depender sua resposta.

Nb década de 50, concelhos houve de Portugal metropolitano onde uma em cada cinco, em cada quatro, e até menos, mulheres ou crianças do sexo feminino abalaram de suas tenras natais. Como se irá reproduzir a população da 'metrópole se se extinguir o «viveiro de almas» que Sempre foi a ruralidade?

Em tal matéria começa a ser preocupante o sentido do número de registos de nados-vivos:

1961 217 516
1962 220 200
1963 212 152
1964 217 136
1966 210 299
1966 209 940
1967 202 061
1968 194 962
1969 189 739

Em 1962 atingiram-se 220 000 nados-vivos na metrópole. No- final da década já não se alcançavam 190 000. Uma quebra em poucos anos de 30 000.

Viremos a renovar as gerações de metropolitanos ou iremos apagar-nos como povo entre quantos habitam a Tema?

Renovação ou continuidade? Ou será que alguns prefiram,na falta de um desenvolvimento económico e social que contemple' as aspirações do povo português a estádios mais evoluídos do progresso, prefiram acaso uma regressão da gente «metropolitana» no concerto mundial?

Ao. assunto haveremos de voltar um dia talvez com mais demora, pôr o termos por fundamental no conjunto dos problemas nacionais.

Regressemos, porém, novamente aos problemas da ruralidade.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pode tentar determinar-se a relação que porventura exista entre volumes de população «sangrada» ou «vitalizada» e frequência de migrantes saídos (repulsão) ou entrados (atracção).

Em suas linhas gerais, as frequências de partidas aumentam à medida que acresce a diminuição da comunidade humana onde se inseriam os migrantes, crescendo em sentido inverso as pemilagens das atracções à medida que aumenta a dimensão do concelho polarizaste das migrações humanas.

Efectivamente, no mundo moderno, nem o homem ou a família isolados, nem as mais pequenas comunidades de vida que podem definir-se e individualizar-se (casais, pequenos lugares ou outros povoados, aldeias), sói podem bastar a si mesmos, antes se vêem obrigados, para satisfazer as exigências mais instantes da vida, a entrar numa vida de relação que progressivamente os vão ligando a centros populacionais mais importantes (vilas, cidades, metrópoles, megalópoles).

Criam-se assim, como diz Lapraz, «andares de solidariedade é de polarização de funções» e identicamente se definem «unidades de vida» que a organização social e política deve respeitar e ir actualizando, se não quiser comprometer essas comunidades humanas vivas e vitais.

O que determina a formação e a extensão de tais comunidades não são factores de ordem administrativa, mas sim económicos, sociais, culturais. E tudo o que não respeite essas unidades de vida social, nem os centros vitais que nelas se definem, mais não fará do que mutilar as comunidades humanas que as integram.

Compreende-se assim que «muitas colectividades que outrora seriam comunidades vivas podem ter hoje deixado de o ser». É o caso de se terem tornado simples satélites de centros mais importantes; e é o caso, ainda, de já não poderem garantir os serviços colectivos da vida social elementar.

Segundo o sociólogo inglês Fogarty, para que uma povoação seja viva é necessário que a população trabalhadora e os demais possam encontrar possibilidades de exercer actividades que valham a pena e nela possam viver uma vida humana. Isto exige uma estrutura social suficientemente complexa que permita satisfazer gama variada de aspirações e preferências. Estudos diversos têm levado u conclusão de que quando uma população rural desce abaixo de 500-600 almas tais condições de vitalidade deixam de existir. Então, tais núcleos ou passam a integrar-se num conjunto social mais vasto, ou então fecham-se sobre si mesmos e, neste caso, tornam-se progressivamente incapazes de se bastarem e de manterem uma organização social capaz.

Ora nós temos centenas de freguesias em Portugal que não alcançam 500 habitantes, ficam mesmo aquém da centena. Surpreenderá o seu desfalecimento?

Esta atrofia lenta é descrita por Sauvy: «Diminui o poder de iniciativa, estabelece-se um clima de pessimismo, os investimentos de capital tornam-se arriscados, há u sensação de envelhecimento, os jovens sentem-se mal e são os primeiros a debandar.»

Estudos demográficos têm demonstrado que as pequenas povoações que não podem constituir comunidades vivas não podem impedir o despovoamento dos campos. Pelo contrário, os agrupamentos maiores resistem melhor ao êxodo, porque conseguem criar infra-estruturas vivas.

À semelhança do que vem sendo feito no ultramar em termos de «reordenamento das populações», urge encontrar na metrópole novas dimensões e arranjos demográficos e residenciais por forma a permitir-lhes uma vida social autêntica. 1 Lapraz, Yvês - Délimitatíon dês iniés rurales, «Connaitre une population rurale», Paris, Librairie Ëconomie et Humanirme, 1957.

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A importância da matéria pode ser documentada com o apuramento que efectuámos em 1941-1950, ou noutros decénios, e que apresentamos em mapa anexo, a título de exemplificação e de meditação às entidades responsáveis peles novos arranjos de população que venham a fomentar-se.

Muitos outros e diversos apuramentos poderíamos igualmente apresentar.

O despovoamento das unidades administrativas, no caso vertente os concelhos, é tanto mais intenso quanto menor a dimensão humana da comunidade, e a atracção demográfica tanto mais ampla quanto maior o agrupamento humano que solicita a migração.

Assim se afirma o fenómeno de rarefacção relativa de populações em certas zonas, eminentemente rurais e agrárias, e de concentração em outras, industriais e/ou administrativamente importantes - urbanas, numa palavra, para definir o seu estádio de desenvolvimento sócio-cultural e económico.

Quebrado, por vezes com ruptura, o ancestral tradicionalismo do viver de regiões e alterados os modos de pensar e de agir dos seus naturais ou residentes, não se estranhe a profunda transformação de muitos espaços regionais chamados ao convívio de novas relações económicas e sociais e ao incrementado apelo das migrações - não se estranhará assim que muitas tendam para a «desertificação» ou, pelo menos, para a redução drástica dos seus efectivos demográficos.

Par e passo que assim se desintegram as sociedades tradicionais do nosso interior colinar ou montanhoso para ceder o posso e o espaço ao vazio das populações em plena força da vida, e apenas aí restarem crianças, adolescentes Q idosos - não afirmou Camilo de Mendonça que, no Nordeste Trasmontano, dois terços da população activa se terá ido embora no decurso da última década? -, ver-se-á surgir, na faixa costeira e mais plana, as novas ou engrandecidas concentrações urbanas em continua criação ou recriação - se bem pouco for tentado em termos de descentralização das novas actividades produtivas.

Importa apreender o sentido da movimentação de gentes com tudo quanto comporta de desintegração, decadência, repulsão e senilidade, nus casos, e de incorporação, progresso, atracção e rejuvenescimento em outros, e pensar sobretudo nas consequências da falta de uma intervenção regionalizada no quadro das regiões suporte das repulsões como no das de solicitação das atracções.

O processo de desenvolvimento económico e social que não tenha em conta o devido aproveitamento das potencialidades naturais dos diversos espaços, os factores de inércia ou da dinamização das economias e das sociedades regionais, a diferente vivência do desenvolvimento pêlos leaders e autoridades locais, o conhecimento científico e de técnica operacional do desenvolvimento pelas elites e instituições regionais, a necessidade de criação de órgãos para o estudo, planeamento e execução -acção- a nível regional, tenderá a acentuar o desfasamento de estádios, a agravar o dualismo de estruturas, a diferenciar ainda mais as regiões quanto aos ritmos de evolução demográfica e de distribuição futura das populações.

Com a designação do último presidente das comissões de planeamento das várias regiões do continente parece querer dar-se início ao trabalho do efectivo desenvolvimento regional do País. Assim seja. Oxalá assumam a palavra as regiões.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vai o mundo aos poucos descobrindo a «idade do social».

Neste virar decisivo da história da humanidade, a paz, a «paz social», aquela que verdadeiramente se impõe aos espíritos e conquista corações, só pode alcançar-se pelo desenvolvimento integral do homem e pelo desenvolvimento solidário da humanidade.

As próprias tensões e conflitos sociais declarados ou ocultos, onde quer que se afirmem ou se reconheçam, têm de ser superados pela promoção de todos os homens e do homem todo, através de um desenvolvimento harmónico, autêntico, integral, participado de todas as parcelas e gentes constituintes das comunidades nacional e internacional. Só assim se dá sentido à vida colectiva, só por tal forma a vida social reveste significado e ganha valor.

Sendo a sociedade portuguesa o conjunto de cada um de nós e de todos colectivamente em nossa vida de relação, há-de ser primeiramente pela realização das partes; mas, ao mesmo tempo, pela valorização e realização do conjunto, que a Nação progredirá.

Só por esta forma ganhará «corpo» («corpo social») a Nação portuguesa.

Sr. Presidente: Afirma a Constituição Política da República Portuguesa - e não será de mais relembrá-lo -t em seu artigo 3.°, que «constitui a Nação todos os" cidadãos portugueses residentes dentro ou fora' do seu território (. . .)» e que a sua «soberania» como «Estado independente» (artigo 4.°) «só se reconhece como limites (. . .) a 'moral' e o 'direito'- (. . .)»

E concretiza (na actual versão do artigo 5.-°):

O Estado Português é uma República unitária è corporativa, baseado na igualdade dos cidadãos corante a lei, no livre acesso de iodas as classes aos benefícios da civilização e na interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis.

Incumbe, pois, ao Estado (artigo 6.º) «promover a unidade e estabelecer a ordem jurídica da Nação, definindo o fazendo respeitar os direitos e garantias impostos pela moral, pela justiça e pela lei (. . .)»; «coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais, fazendo prevalecer uma justa harmonia de interesses,, dentro da legítima subordinação dos particulares ao geral»; «zelar pela melhoria das condições das classes sociais mais desfavorecidas, procurando assegurar-lhe um nível de vida compatível com a dignidade humana (. . .)» (sublinhados

A que vem isto a propósito?

A sociedade portuguesa (ainda hoje em dia é uma sociedade eminentemente rural, pois que 77 por cento da população metropolitana, à data do censo de 1960, residia fora dos «centros urbanos» («capitais de distrito e outros localidades com, pelo menos, 10 000 habitantes de população residente»).

E, no entanto, «apesar dessa dominância em termos de cidadãos», os zonas rurais portuguesas mostram-se em grave crise de adaptação a um mundo que não cessa de evoluir e estão na origem, de forte repulsão ou êxodo com foros de patológico.

E evidente que alguma coisa se encontra deficiente na organização' e vida das nossas zonas rurais,' para que «as pessoas se mostrem inconformadas com a sua sorte», de forma como o vêm demonstrando e praticando.

Mais de 1 milhão de rurais - já tive ocasião de o afirmar, mas é bom que o vamos recordando - entrou em êxodo dos seus espaços ratais nos anos 40 a 60, e talvez que outro tanto se alcance no decénio que viu seu termo há dias. A grandeza dos números é tamanha que se chega a hesitar na aceitação da veracidade dos números de base.

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E, contudo, qualquer que seja a dimensão do erro, a enormidade do fenómeno do êxodo rural mantém-se e acentua-se.

Anunciam-se algumas medidas de valorização dos espaços rurais e das economias e sociedades regionais. O III Plano de Fomento era nesta matéria animador dos propósitos que informavam o Governo. O diagnóstico estava correcto, só havia que passar à acção. E cada hora passada é já perdida, para a construção do mundo rural em crise de adaptação e para o animar da vida social e das economias regionais em risco de depauperamento ou exaustão.

Por outro lado, sob o título viu - «Da ordem económica e social» da mesma Constituição, o seu artigo 2.° refere: « A organização económica da Nação deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectava de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos» (itálicos nossos).

São sobejamente conhecidos os defeitos de estrutura da nossa produção agrária, bem como dos esquemas de transformação e comercialização dos seus produtos, da organização da lavoura e da preparação profissional dos seus empresários e trabalhadores, para se compreender, além das demais, as causas do forte atraso da nossa agricultura e das deficientes condições de remuneração do sector, que estão na base da «miséria imerecida» dos nossos meios rurais.

Sem deixar de reconhecer o que ultimamente se começou fazendo em termos de formação profissional da população activa agrícola ou o que, de há mais longa data, se vem praticando em termos de empréstimos e subsídios para a compra de prédios e equipamento da agricultura, de criação de infra-estruturas para a transformação e comercialização dos seus produtos (de que as adegas cooperativas e as estações fruteiras são exemplo: a Estação Fruteira de Castanheira do Ribatejo, no meu círculo, foi a última inaugurada) e, sem deixar de louvar também o diploma que concede «direitos de cidadania» em matéria de abono de família ao trabalhador rural português, seja-me permitido formular o voto - que ouso crer toda a Câmara acompanhará - de que se intensifique a modernização da agricultura e dos meios rurais em terra portuguesa.

Mas se fomentem também e se dinamizem as restantes actividades económicas do País, até para que se possibilite emprego não agrícola a quantos estão a mais em nossos campos ou desejam reconverter a sua actividade profissional.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: «Em Portugal, onde neste momento estamos a 'braços com tantas dificuldades a vencer» - reconhecia não há muito tempo o Sr. Presidente do Conselho- «há [porém] um povo admirável que conserva intactas na alma preciosas virtudes ancestrais.»

Saibamos não perder o morte, manter viva a consciência do que convém & nossa existência colectiva, conservar a unidade que faz a força dos países fracos, resistir às seduções das promessas irresponsáveis e das soluções fáceis, não trocar o bom senso pêlos delírios da imaginação, e a tarefa de quem governa será facilitada.

E ela bem precisa de o ser. «Fácil nunca o será. Mas torná-la um pouco menos difícil é já uma prova de compreensão dos espinhos que a cercam.»

Possamos cada um de nós, um dia, cidadãos que nos orgulhamos, apesar de tudo, de ter nascido à sombra desta «Casa Lusitana», ultrapassados os «cabos das Tormentas» dos trabalhos que se avizinham, reconhecer o supremo interesse da Nação e ajudar a construir uma sociedade mais fraterna e mais justa entre quantos nasceram e hão-de continuar Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Ao ser anunciado nesta Assembleia, em 8 de Abril do ano passado, pelo Deputado Correia da Cunha, o Aviso prévio intitulado «O ordenamento do território, base de uma política de desenvolvimento económico e social», fiz imediatamente propósito de oferecer a minha fraca colaboração como testemunho vivo das virtualidades que para mim o tema encerra.

Escusai-me VV. Exas. por não fazer aqui prova desta minha certeza, já que é evidente o interesse da inventariação dos recursos económicos e sociais e transparente também é a necessidade do seu aproveitamento e arrumação com o convencimento geral de virem a obter-se resultados positivos de índole económico-social e políticos.

A improvisão e o baloiçar de decisões meramente conjunturais, ocasionalmente pouco fundamentais pelas urgências políticas, e, ao sabor, tantas vezes, de modas ou pressões de grupos económicos fortemente maculados pelo egoísmo dos objectivos a alcançar, terão de ser substituídos pelo conhecimento perfeito das potencialidades e limitações dos bens naturais e humanos e a sua utilização de forma a criar melhores condições de vida à Nação.

Sr. Presidente: Foi solicitado pelo Sr. Deputado avisante a maior brevidade aos discursos aqui a proferir, pelo que irei, imediatamente, concentrar-me no tema que me propus tratar: «Bases cartográficas do ordenamento agrário do território.»

Srs. Deputados: O sector agrário metropolitano está sofreando uma das maiores crises de todos 03 tempos. Crise de crescimento, assim o espero e desejo; mas crise grave que a todos os agrários - capitalistas, empresários, técnicos, trabalhadores rurais, etc., faz sofrer e, tantas vezes, faz sucumbir os mais fracos, os inadaptáveis.

As causas desta crise são numerosas. Já aqui foram focadas por muitos de VV. Ex.ª e até por mim, mas posso novamente reafirmar, sem medo de errar, que a luta travada ao longo dos tempos contra a Natureza, impondo-lhe culturas e especulações erradas ecologicamente e degradadoras do meio natural e a divisão indiscriminada, desordenada, alucinante, das terras de que resultou uma estrutura agrária péssima são os principais responsáveis pêlos baixos rendimentos agrícolas, pelo baixo nível de vida das populações ligadas ao sector e pela chaga que martiriza a Nação: o êxido rural.

Com efeito, como é possível produções rentáveis e, consequentemente, um sector economicamente válido se estimativas apuradas pelo Serviço de Reconhecimento e Ordenamento' Agrário (S. R. O. A.) nos indicam que 54,4 por cento (4 658 926 ha) da metrópole - continente têm utilização agrícola e somente 28,1 por cento (2 406 625 ha) desfrutam tal aptidão?

Forçosamente, pelo menos 26,3 por cento dos terrenos actualmente aproveitados agricolamente e que representam 2 252 291 ha possuem uma economia negativa, impõem certamente baixos níveis de vida aos seus utentes e o desvio vocacional que se observa não permite, evidentemente, o tão desejado « necessário aumento do rendimento bruto nacional.

Também não é possível produções rentáveis com a estrutura predial portuguesa, aqui recentemente referida

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pelo Sr. Deputado Alarcão e Silva ao intervir na discussão das contas gerais do Estado.

Aquele Deputado, com & competência e autoridade que o seu saber e ímpares qualidades de trabalho lhe granjearam, definiu a nossa estrutura predial e da propriedade com os seguintes e elucidativos índices:

Número dos prédios rústicos no continente - 10 121 285;
Área média de cada prédio - 0,88 ha;
Número de prédios por propriedade - 28,8.

Não é tarefa fácil ao Governo tomar decisões que alterem profunda e rapidamente o panorama agrário português. Também não é fácil à lavoura efectuar rapidamente a conversão cultural das suas terras, das suas explorações, e muito menos fácil é ao técnico agrário levar os seus conhecimentos cora o grau de persuasão conveniente e necessariamente lideratívo, estando certo de que a equação que pretenda resolver não tem como variáveis somente os que pode e sabe manejar, mas murtas outras, nomeadamente as referentes às estruturas:

Predial; Da exploração;

Dos circuitos comerciais e industriais; Da mentalidade e formação profissional dos empresários agrícolas.

Do mesmo modo, não deixa de sor certo que a tarefa de conversão e reconversão agrária ainda é mais difícil, quase impossível, se certas ferramentas imprescindíveis não estiverem à disposição do Governo e dos serviços.

Não poderei, como é evidente, abarcar e analisar todos os instrumentos necessários para uma eficaz política agrária - eles são tantos. Irei, se V. Ex.ª, Sr. Presidente, mo permitir, referir-me somente a dois que considero dos mais importantes para a arrancada que se impõe neste sector e necessários a generalização de uma mesma linguagem, clarificação de objectivos e formulação de directrizes exequíveis e de aplicação fácil, de forma que os técnicos chamados planificação e extensão actuem deliberadamente, sem receio de caminharem por caminhos desconhecidos e tantas vezes lodosos.

Esses tão necessários utensílios são, precisamente, todos os trabalhos já cometidos, mas muito atrasados, tendo em conta os necessidades do País, ao Serviço de Reconhecimento de Ordenamento Agrário e ao Instituto Geográfico e Cadastral.

Com efeito, como é possível a tomada de decisões para uma efectiva política agrária, para a localização de infra-estruturas comerciais e industriais ligadas ao sector, para a introdução de novas especulações que permitam melhorar o quadro muito restrito das culturas tradicionais, para o estudo da distribuição das populações rurais de acordo com as necessidades em trabalho convenientemente remunerado, etc., sem um conhecimento tão perfeito quanto possível da forma como é utilizado o solo em Portugal e como o deveria ser de acordo com as limitações próprias e do meio que o cerca?

Para que servirá também a tomada de decisões ecologicamente bem fundamentadas sem um bom conhecimento da divisão, repartição predial e da propriedade e das explorações agrícolas?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário, que sucedeu em 1958 ao Plano de Fomento Agrário, está realizando, com os meios que dispõe, as bases cartográficas necessárias, nu escala 1:25000, ao ordenamento agrário português.

Neste momento, a inventariação da utilização do solo do continente está pronta, isto é, a Carta Agrícola e Florestal tem o reconhecimento de campo e apuramento de áreas efectuados e procede-se a sua publicação.

Com tal Carta e apuramentos sabemos o que existe; como os terrenos estão a ser aproveitados.

O levantamento dos solos e a determinação da respectiva capacidade de uso, trabalho também cometido ao Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário, encontram-se bastante mais retardados, o que, aliás, não é de estranhar dada a sua natureza, que requer maior especialização e minúcia, e o reduzido número de técnicos e meios de acção que possui.

Neste momento somente cerca de 48 por cento do continente está reconhecido: todo o sul do Tejo e algumas superfícies dos distritos de Castelo Branco e de Bragança.

Note-se, todavia, que, verificada a impossibilidade da obtenção de uma carta de ordenamento do' continente em tempo viável, o Serviço de Reconhecimento e da Ordenamento Agrário elaborou, com a aplicação dê métodos expeditos, o esboço da carta geral de ordenamento, na escala 1:250 000, o que já, permitiu e permite uma panorâmica da vocação agrária do continente e o alicerçar de numas, muito gerais, para o sector agrário, sem a incerteza de então. Evidentemente esta carta não tem a minúcia ida que se pretende acelerar, na escala 1:25 000, que também de maneira (nenhuma substitui.

Srs. Deputados: Sem a Carta dos Solos e o conhecimento da respectiva capacidade de uso não é possível elaborar um. ordenamento agrário bem fundamentado - o que, diga-se de passagem, podia e devia já estar finalizado e a colherem-se os seus frutos: o sabermos onde se cultiva, o quê, quanto e o que se devia cultivar.

Como será possível definir-se uma política agrária eficiente sem um ordenamento bem alicerçado na ecologia?

Como será possível esquematizarem-se empreendimentos e projectos de índole agrária pura o IV Plano de Fomento sem tal base?

Sr. Presidente: Vai agora V. Ex.ª perdoar-me por aqui repetir algumas palavras proferidas por V. Ex.ª em 1962, mios elas são de tal forma actuais e claras que o decidi fazer como penhor da alta consideração que tenho a V. Ex.ª e até por simples hedonismo.

Disse então o Sr. Deputado Amaral Netto nesta sola e após uma visita às instalações do S. B. O. A.:

Que sólida base de progresso futuro, que garantia contra empresas vãs vimos nós ali a erguer-se e tomar corpo com toda a segurança que o devotamento total de um escolhido grupo de técnicos lhe podia imprimir.

Que precioso apoio para todos os planos, que valiosa sumarização de todos os capacidades ali se estavam aperfeiçoando.

Obrigado, Sr. Presidente, por estas palavras. Agradeço-as, pois iniciei a minha actividade profissional no S. B. O. A. e ali aprendi a conhecer o solo, a base, alicerce do êxito ou fracasso das actividades agrarias, e a trabalhar em inteira colaboração - única forma de se alcançarem resultados positivos - com todos os técnicos ligados ao sector: agrónomos, silvicultores, veterinários, e os insubstituíveis regentes agrícolas. Mas ainda disse o Deputado Amaral Netto em 1962:

Sabíamos ser necessário algum dinheiro para terminar; mas era pouco, comparado com os possibilidades do erário, com a facilidade dos gastos quotidianos em matérias bem menores, com a utilidade do trabalho, que confiávamos todos não poder vir

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daí obstáculo. Pois veio, e dez anos depois - referia-se o orador aos seus primeiros contactos com aquele serviço - os dotações a ser de miséria.

Verdadeiramente - ainda perguntou o Deputado Amaral Netto - andarei errado pondo a questão de uma falta de vontade governamental, de uma inconcebível incompreensão da utilidade e urgência do reconhecimento agrário do País?

Srs. Deputados: Estas palavras claras e plenas de razão foram aqui proferidas há dez anos e já então se referiam à década iniciada em 1952. .

Vinte anos estão passados e o panorama pouco evoluiu. As palavras do Deputado Amaral Netto estavam e estão em conformidade com a realidade dos factos.

Também em 1967, nesta Assembleia, o então Deputado e meu prezado amigo engenheiro Cortes Simões indagou ao Governo a posição do reconhecimento agrário do País na parte referente ao levantamento das cartas dos solos e de capacidade de uso, visando na pergunta a sua possível utilização nos estudos, projectos e empreendimentos paru o III Plano de Fomento.

Da resposta fornecida apurou-se que:

Trabalhavam na altura 20 técnicos, com o rendimento anual de 280 000 ha, o que permitia estimar serem necessários vinte e um. anos para a conclusão do reconhecimento do território continental;

e que:

Seriam precisos somente 40 técnicos para ultimarem os (trabalhos de campo ainda durante a vigência daquele Plano de Fomento.

Não obstante a importância e necessidade para o progresso do País do seu reconhecimento e ordenamento agrário, presentemente o número ide técnicos que trabalha no Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário, em serviço de campo, continua a ser pequeno.

Ë somente em número de 23 o total do pessoal que actualmente dedica a sua actividade ao reconhecimento dos solos e na determinação ida respectiva capacidade de uso, ò que leva a estimar-se, e com bastante mágoa o digo, faltarem ainda (dezoito longos anos para a tão desejada e necessária cobertura do Pais continente.

Mas, Srs. Deputados, não é ide mais afirmar mais uma vez, e estou certo de que VV. Ex.ª estão de acordo: as cartas acima indicadas são fundamentais e imprescindíveis para o ordenamento do território e assim peças básicas para a elaboração do IV Plano de Fomento.

Infelizmente, a realidade não torna viável a consecução do que se preconiza e seria curial.

Já não é possível, Sr. Presidente, levar a cabo tão ingente tarefa até 1973, já que seriam necessários cerca de cento e setenta e cinco técnicos.

Não seria muito fácil o recrutamento de número tão elevado de engenheiros agrónomos, silvicultores e regentes agrícolas, e ao mesmo tempo difícil bambem seria não só a sua preparação, que duraria pelo menos um ano, como também a obtenção dos meios logísticos para a sua actuação no campo.

Todavia, se o objectivo for mais modesto, apontando-se o termo dos trabalhos para daqui a dez anos -1961-, bastariam então cinquenta técnicos e, consequentemente, contando com os já existentes, o recrutamento de vinte e sete.

A título informativo ainda quero afirmar a VV. Exas. que o trabalho de campo custou em 1968 cerca de 14$ por hectare; a preparação dos elementos recolhidos até permitirem o seu emprego em estudos agronómicos e outros, cerca de 1 $ 23, e a publicação das cartas de solos e de capacidade de uso, cerca de 1$25, também por hectare.

São irrisórios os custos por hectare de tão úteis e imprescindíveis ferramentas.
Tendo por base estas estimativas de custos gastar-se - iam cerca de 7 500 contos por ano abe 1981; até ao total reconhecimento do País.

Que decida quem possa.

Não sei - deixai-me repetir novamente a pergunta - como se poderá arrumar o nosso desarrumado sector agrário sem uma carta de ordenamento, só possível com base nas cartas a que tenho vindo a referir-me.

Srs. Deputados: Este pessimismo e esta incerteza que envolveram as minhas últimas palavras são, todavia, em pobre atenuados por uma certeza que me permite até certo optimismo para o futuro.

Conheço, por contacto directo de há muito anos, as altas qualidades, a firmeza e honestidade dos seus propósitos, claros e persistentes, no sentido da edificação de uma agricultura do futuro, que permita ao sector agrário e às suas gentes um lugar ao sol, um lugar não por tolerância mas por direito, na sociedade de consumo que se desenha também em Portugal, e a passos muito largos,
- qualidades, dizia -, que caracterizam o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, de quem depende o S. B. O. A., razão por que estou certo, de que S. Ex.ª irá providenciar - eu sei que esta na sua linho- de pensamento e de acção -, e adentro das suas possibilidades, os meios humanos e materiais de forma a «proveitarem-se os elementos cartográficos já coligidos, e são muitos e pouco utilizados, e a intensificação dos trabalhos de campo cometidos ao S. B. O. A., de forma que em 1981'outro Deputado não se possa interrogar publicamente como fez em 1962 o actual Presidente desta Assembleia e cujas palavras, há momentos, tive a honra de aqui repetir.

Como sinal e prova de que esta minha apreciação e optimismo se não basearam somente em sentimentos humanos, não quero deixar de recordar o despacho n.° 3/70, que S. Ex.ª publicou logo após um escasso ano da sua posse e onde se verifica não só o seu interesse pelo Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário, na afirmação que «constitui elemento básico para a programação de todas as acções de fomento do sector», como também o início de reformas estruturais de forma «a permitir uma aceleração de processos compatíveis com as exigências que envolvem as transformações da agricultura, em face do desenvolvimento económico do País».

Srs. Deputados: Já vai longa a minha fala, mas ainda ouso ocupar a paciência de VV. Ex.ª, mias agora por uns escassos minutos a fim de cumprir o que me propus trazer hoje a esta Casa.

Com efeito, ainda pretendo aqui expor algumas considerações sobre o levantamento cartográfico dos prédios rústicos.

Uma política agrária baseada num bom ordenamento do solo agrícola, sob os pontos de vista ecológico e económico, poderá mesmo assim estar condenada ao insucesso se não existir o conhecimento perfeito da forma como se encontra a estrutura predial, da propriedade e da exploração tendo em vista, caso necessária, a sua conversão.

A «ecologia comandará certamente, em primeira análise, o êxito ou o fracasso de uma cultura, mas é evidente que o bom dimensionamento da empresa, a dispersão e a dimensão das parcelas que a compõem são também condicionadores muito importantes porá o êxito do empreendimento.

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28 ABRIL DE 16971 1989

Ora, somente com a finalização do levantamento da, planta topográfica cadastral do território português -continuo a referir-me «o continente - será, viável um conhecimento perfeito da estrutura agrária fundiária e a sua possível correcção com os instrumentos legais disponíveis: emparcelamento, parcelamento, agricultura de grupo ou outras formais de agricultura comunitária.

Infelizmente o programa neste particular é desencorajador. Em vinte e cinco anos de activo labor -aproveito para apresentar as manhas homenagens a todos que têm trabalhado por montes e vales ma cartografia dos prédios rústicos- somente cerca de 50 por cento da área territorial do continente possui cardas dos prédios em que está dividido.

Como, continuo a perguntar, se poderá levar a lavoura, o sector agrário, a seguir o caminho da agricultura do futuro, a trabalhar competitivamente, como se de uma indústria fosse, se não soubermos qual o dimensionamento e formas das empresas, das fábricas agrárias?

Como será possível agir na sua concentração ou divisão se não tivermos cartas topográficas onde o trabalho se possa estudar e projectar?

Não, não é de todo possível com ou sem cartas de ordenamento agrário, de que hoje já aqui defendi a sua necessidade, se não houver paralelamente o levantamento topográfico dos prédios rústicos e em escala conveniente.

Sr. Presidente: pelo andar da carruagem são precisos outros vinte e cinco anos para a totalizarão do levantamento cadastral do País. Vinte e cinco longos anos na melhor das hipóteses, porquanto vinte e cinco anos levou a fazer-se o levantamento das zonas mais faceia de cartografar: Baixo e Alto Alentejo, parte dos distritos do Lisboa, Santarém, Setúbal e Castelo Bronco, Algarve e alguns concelhos de Leiria, Alto Douro e Trás-os-Montes.

Os «ossos» representados pelas zonas minifundiárias ficaram para trás e assim prevejo que a carruagem começará agora, naquelas zonas, a andor mais devagar, e a minha previsão de outros vinte e cinco anos para a cobertura do País deverá ser largamente excedida.

Urge acelerar tão útil trabalho.
Urge completar o levantamento cadastral do País.
Urge a adopção imediata de novos métodos de trabalho; que os há e que não estão a ser aplicados.
Srs. Deputados: O Instituto Geográfico e Cadastral está realizando uma missão que «de uma maneira geral não há, nos países estrangeiros comparáveis, trabalhos mais céleres e rendosamente realizados; a sua perfeição técnica coloca o nosso país nas mais honrosas posições».

Todavia, a posição dos seus trabalhos - 50 por cento do território continental - e a necessidade da sua finalização (porá alicerçar o progresso do Pois) levam-me aqui a afirmar que presentemente o seu atraso é um factor de estrangulamento para se alcançar, em prazo razoável, o aproveitamento das potencialidades ainda não devidamente utilizadas.

È necessário que se aproveitem técnicas já experimentadas em países estrangeiros, nomeadamente na Itália, na Argélia, no tempo da administração francesa, e nalguns países da América Central, que, contemporizando com um decréscimo do rigor, permita, todavia, uma aceleração na realização dos trabalhos de campo e tombem em todos os processos subsequentes de avaliação e de tributação.

O método a que me refiro, e que se denomina «avanço cadastral», é baseado no exaustivo aproveitamento das potencialidades dos fotografias aéreas e não prescinde, como é óbvio, do cadastro geométrico clássico, que se irá processando adentro da sua normal lentidão.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: À guisa de conclusão, atrevo-me a tirar as seguintes ilações das palavras que aqui proferi:

1.° O ordenamento do território debaixo do ponto de vista agrário é uma peça fundamental para o conveniente ordenamento geral do País, base de uma política de desenvolvimento económico - social;

2.° O ordenamento agrário só será viável apoiado que seja nos cartas Idos solos e capacidade de uso e Carta Agrícola e Florestal, na escala 1:25 000;

3.° É possível a execução das cartas de solos e capacidade de uso para a totalidade do continente até 1981, caso os serviços existentes sejam reorganizados e devidamente apetrechados em meios técnicos e humanos.

4.° O ordenamento agrário fundamental para o progresso do País não terá plena eficácia se não forem paralelamente encaradas a conversão de outras estruturas, nomeadamente a que se relaciona com a divisão, distribuição e dispersão do capital fundiário terra. Desta forma, é imprescindível o aceleramento do levantamento dos prédios rústicos, preconizando-se que se inicie com urgência a sua activação pelo aproveitamento de técnicos mais expeditas, conhecidas internacionalmente por «avanço cadastral», e a continuação dos trabalhos cadastrais pela aplicação dos métodos tradicionais.

5.° Que é digno de nota e de louvor, patenteando sentido das realidades e compreensão das exigências, a elaboração pelo S. B. O. A. do esboço da carta geral de ordenamento agrário do .País, na escala l : 250 000, verdadeiro «avanço» às cartas que estão a elaborar em maior escala.

E, finalmente, também à guisa de conclusão, ouso lembrar ao Governo que os serviços cometidos ao Instituto Geográfico e Cadastral, Ministério das Finanças, pertenciam em tempos ao Ministério da Agricultura.

Não seria mais curial que base tão relevante para o alicerçamento de tanto projectos, estudos, empreendimentos económicos, etc., estivesse sim instalado no Ministério que orienta o fomento e a economia do País - no Ministério da Economia?
Deixo esta pergunta ao Governo para que estude a sua viabilidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia, em primeira parte, a continuação da discussão e votação na especialidade do projecto de lei da recuperação de deficientes físicos e, em segunda parte, a continuação da discussão do aviso prévio sobre o ordenamento do território.

Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre José Linhares Furtado.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.

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Fernando Augusto Santos e Castro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João Manuel Alves
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José João Gonçalves de Proença.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lufe Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Coita Agostinho Dias.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Bui de Moura Humos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando do Nascimento da Malafaia Novais.
Francisco Correia dos Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel LumbraLes de Sá Carneiro.
João António Teixeira Canedo.
João Pedro Milier Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Ganrett.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cofata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria de Castro Salazar.
José da Silva.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Fenreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Rui Pontífice Sousa.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - José Pinto.

Mapa a que o Sr. Deputado Alberto de Alarcão se referiu na acta intervenção:

[Ver tabela na imagem]
Escalões da população presentes
Saldos migratórios

IMPRENSA NACIONAL

PREÇO DESTE NÚMERO 10$40

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