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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º99

ANO DE 1971 30 DE ABRIL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 99 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 29 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram apresentadas, pelos Srs. Deputados Carlos Ivo, Alberto de Alarcão, Leal de Oliveira, Cancella de Abreu e Correia da Cunha, rectificações ao n.º 97 do Diário das Sessões, cuja aprovação definitiva ficou pendente de outras rectificações que possam ainda surgir.
O Sr. Deputado Humberto de Carvalho referiu-se à urgente necessidade da construção do Hospital Regional de Vila Real.
O Sr. Deputado Coelho Jordão tratou da situação das juntas autónomas dos portos em face da abolição do imposto de pescado.
O Sr. Deputado Moura Ramos manifestou insatisfação pela resposta a um requerimento que dirigiu ao Ministério da Educação Nacional relativo aos distúrbios estudantis verificados na Universidade de Coimbra na noite de 9 para 10 de Maio de 1970.
O Sr. Deputado Augusto Correia tratou dos problemas da energia eléctrica do distrito de Coimbra, a propósito de uma reunião do governador civil de Coimbra com os presidentes das câmaras do distrito, em que os mesmos foram analisados.
O Sr. Deputado Pinto Machado fez considerações a propósito da discussão pública dos projectos de reforma do ensino.
O Sr. Deputado João Manuel Alves deu conta das impressões colhidas no colóquio dos municípios recentemente realizado em Lourenço Marques.
O Sr. Deputado Carlos Ivo lamentou a continuação da interferência da comissão de censura de Moçambique na livre publicação das intervenções parlamentarem.

Ordem do dia. - Continuou o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Correia da Cunha sobre o ordenamento do território, no qual intervieram os Srs. Deputados Almeida e Sousa, Sousa Pedro e Joaquim Macedo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: Vai proceder-se à chamada.

Eram 11 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.

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Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Lïebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Searas e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O n.º 97 do Diário das Sessões foi distribuído durante a sessão da tarde de ontem. Em geral, procuro não pôr à reclamação o Diário das Sessões sem deixar passar o tempo que me pareça razoável para VV. Ex.ªs poderem analisar as suas intervenções e a expressão delas, a fim de rectificarem qualquer erro ou lapso.
Nessas condições, se VV. Ex.ªs não me requerem outra coisa, ponho à reclamação o n.º 97 do Diário das Sessões. Se VV. Ex.ªs entendem que é cedo ainda para o terem apreciado, virá à reclamação numa próxima sessão.

O Sr. Carlos Ivo: - Sr. Presidente: Peço a V. Ex.ª a fineza de mandar fazer a seguinte rectificação ao n.º 97 do Diário das Sessões, p. 1920, col. 1.ª, 1. 30.ª, substituir as palavras "naturais da" por "que representam a".

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Solicito que sejam efectuadas as seguintes rectificações ao n.º 97 do Diário das Sessões: na p. 1933, col. 1.ª, 1. 62, tem vez de: "uma aldeia", deve ler-se: "cada aldeia"; na p. 1934, col. 1.ª, 1. 9, 11 e 17, em vez de: "por cento", deve ler-se: "por mil"; na mesma página, col. 2.ª, 1. 48, faltou a palavra "algumas" entre "mesmo" e "aquém".

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Peço a V. Ex.ª que mande rectificar os seguintes erros no referido n.º 97 do Diário das Sessões: na p. 1936, col. 2.ª, 1. 20, onde se lê: "improvisão", deve ler-se: "improvisação"; na mesma página e coluna, 1. 21, onde se lê: "fundamentais", deve ler-se: "fundamentados", e ainda na mesma página e coluna, 1. 49, onde se lê: "êxido", deve ler-se: "êxodo"; na p. 1939, col. 1.ª, 1. 33, logo a seguir a "Setúbal", em vez de "e", uma vírgula, e a seguir à palavra "Branco", em vez de uma vírgula, "e".

O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Solicito a V. Ex.ª que ao Diário em reclamação sejam feitas as seguintes rectificações: na p. 1923, col. 1.ª, 1. 55, onde está: "criar-se serviços quando não", deve ler-se: "criar-se serviço apenas quando não"; na mesma página, col. 2.ª, 1. 20, onde está: "O outro facto dessa colaboração", deve ler-se: "Um exemplo dessa colaboração"; na mesma página e coluna, 1. 23, onde está: "Nós, de futuro", deve ler-se: "De futuro"; ainda na mesma página e coluna, 1. 25 e 26, onde está: "que nós possuímos", deve ler-se: "que possuímos".

O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: Não tive tempo de ler, e muito menos de ler bem, o texto referente à minha pequena intervenção neste número do Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Amanha, se V. Ex.ª quiser apresentar alguma, nota de rectificação, creio que ainda pode ser aceite.

O Sr. Alberto de Meireles: - Queria só pedir a V. Ex.ª que se consignasse que eu não revi, como nunca revejo, os textos das intervenções que faço de improviso. Já vi noutros casos que se põe, como é costume, "o orador não reviu". Basta-me isso.

O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ª quiser.

O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente: Peço a V. Ex.ª se digne mandar proceder às seguintes rectificações ao Diário posto em reclamação: na p. 1928, col. 2.a, 1. 37, onde se lê: "como", deve ler-se: "com"; na p. 1929, col. 1.ª, 1. 15, a palavra "plano" deve figurar com maiúscula.

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o n.º 97 do Diário das Sessões, com a reserva de que, se algum de VV. Ex.ªs, por considerar prematura a oportunidade,

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quiser amanhã aluda apresentar as suas rectificações, elas serão enviadas à redacção para constarem do Diário. No entanto, pareceu-me bem pôr hoje já à apreciação o n.º 97 do Diário das Sessões, e verifico, com prazer, que alguns do VV. Ex.ª já tiveram ocasião de rever os seus textos, em paute para não quebrar o bom ritmo em que se tem podido viver e que me tenho esforçado por conseguir que não quebre pelo lado da Assembleia.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Uma vez que mais nenhum de VV. Ex.ªs parece desejar usar da palavra hoje sobre o Diário das Sessões em reclamação, considero-o aprovado com as rectificações apresentadas e com a ressalva de que, se. até à sessão de amanhã algum de VV. Ex.ªs ainda encontrar alguma rectificação a fazer, ela será recebida na Mesa e enviada para os serviços competentes.
Não havendo expediente de que dar Conhecimento à Assembleia, tem a palavra o Sr. Deputado Humberto de Carvalho.

O Sr. Humberto de Carvalho: - Sr. Presidente: Na minha primeira intervenção realizada nesta Assembleia, na sessão de 22 de Janeiro do ano findo, depois de me referir à fisionomia económica do distrito de Vila Real - que forma, com o seu vizinho de Bragança, a sub-região-plano anais pobre de todo o continente -, e de afirmar das legítimas esperanças num melhor porvir, que as suas gentes depositam no facto de a correcção dos desequilíbrios de desenvolvimento constituir um dos objectivos a atingir pelo III Plano de Fomento, chamei a atenção do Governo paira algumas medidas a tomar desde logo, "nomeadamente o início da construção dos Hospitais Regionais de Vila Real e Chaves e dá modernização, já com vistas ao futuro, da estrada nacional n.º 15, vulgarmente conhecida por "Estrada do Marão" - empreendimento da maior importância para o progresso da região e que não poderão, portanto, deixar de ser considerados no respectivo plano de desenvolvimento a elaborar.
Prometi então, "por imperativo de consciência e por força do mandato que me outorgaram, os eleitores do meu círculo", voltar a tratar, mais pormenorizadamente e por sectores, dos assuntos do meu distrito. E, por isso, aqui estou hoje para, desta bancada, abordar um dos problemas que, em Vila Real, miais urgentemente requerem solução: o do seu hospital regional.
Antes, porém, não posso furtar-me à grata obrigação ide exprimir o natural regozijo dos meus representados mesta Casa por se encontrar já em elaboração o projecto de modernização do troço da estrada nacional n.º 15, entre Amarante e Vila Real - "infra-estrutura vital para mós, e à qual será reconhecida, com certeza, pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, a prioridade que a Junta Autónoma de Estradas não deixará, certamente, de lhe atribuir", como previ, com legitimidade pois, na intervenção acima referida.
Sr. Presidente: A Vila Real incumbe a assistência hospitalar a prestar no seu concelho e ainda o apoio a. dar aos de Alijo, Mesão Frio, Mondim de Basto, Murça, Ribeira, de Pena, Sabrosa e Vila Pouca de Aguiar, com uma população total de cerca de 200 000 habitantes.
Para tal, conta unicamente com o hospital da Santa Casa da Misericórdia, instalado, há mais de cinquenta anos, num velho edifício construído para colégio, que foi objecto de simples adaptação portanto, e que não dispõe, logicamente., do mínimo de condições para o efeito.
Com uma área insuficiente - que se traduz numa capacidade de utilização de 180 camas, hoje largamente excedida- - , sem comunicações verticais capazes .entre os seus três pisos - pois não tem sequer um monta-camas - e ainda em péssimo estado de conservação, é com enormes dificuldades que o pessoal ali destacado vem conseguindo desempenhar as funções que lhe estão cometidas.
E é já considerável o que se exige do nosso hospital, como o mostram com suficiente clareza os números constantes do mapa que se segue e que sintetizam o movimento ali registado nos últimos três anos:

[ver tabela na imagem]

Sr. Presidente: Graças aos subsídios concedidos pelo Estado, à estruturação das carreiras médicas hospitalares e a outras medidas adoptadas no sector da saúde encontram-se satisfatoriamente resolvidos, ou em vias de solução, os problemas do hospital de Vila Real, nos domínios do apetrechamento e do pessoal, técnico e administrativo, pelo que cabe aqui -e deixo-a com total satisfação- a palavra de homenagem justamente devida ao Ministério da- Saúde e Assistência, em particular à Direcção-Geral dos Hospitais e sua delegação no Norte.
Mas, se os problemas respeitantes a pessoal e a apetrechamento não assumem relevância de maior, os que se referem a- instalações constituem grave obstáculo a vencer, decididamente e quanto antes, através da construção do hospital regional - obra absolutamente indispensável para a cobertura sanitária do distrito, e cuja efectivação se impõe, não só pelas razões apontadas, como ainda para evitar que continue a afluir aos hospitais centrais um número de doentes incompatível com as suas instalações e possibilidades de tratamento. Tanto mais que, das três zonas em que se encontra dividido o sector hospitalar da metrópole, é precisamente a zona norte aquela que dispõe de menor cobertura global.
Acresce ainda que, com a construção do novo hospital, aumentará naturalmente o número de médicos ao serviço desse distrito, que ocupa, presentemente, a última posição entre os dezoito do Continente, apenas com três médicos por cada 10 000 habitantes.
E não se pode esquecer que, "no campo da saúde, a política de atenuação dos desequilíbrios regionais tem como principal finalidade a intensificação da cobertura médico-sanitária, em especial fora dos grandes centros" - como se afirma no III Plano de Fomento.

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Sr. Presidente: No que se refere à construção de novos hospitais., consta daquele documento, como objectivo a atingir, o seguinte:

O aumento do número e qualidade de camas hospitalares, mediante a construção de dois hospitais centrais (um em Coimbra e outro em Lisboa), com a capacidade de oitocentas camas cada um, e de quinze hospitais regionais.
Destes - prossegue o Plano - nove foram já inicialmente previstos pelo Plano Intercalar, encontrando-se três (Beja, Bragança e Funchal) em construção e seis (Faro, Portalegre, Castelo Branco, Viana do Castelo, Aveiro e Évora) em fase de elaboração do projecto ou de início de obras, devendo ficar concluídos no período de vigência deste III Plano; os restantes seis localizar-se-ão em Chaves, Lamego, Guarda, Vila Real, Viseu e Santarém, sendo de prever apenas o seu começo no decurso da execução do Plano.

Com esta previsão -mesmo que "ela fosse rigorosamente cumprida - não se compadecem as necessidades de Vila Real, o que levou a Santa Casa da Misericórdia local, e a despeito da magreza do .seu erário, a adquirir, por 800 contos, para oferecer ao Estado, uma parcela do terreno destinado à implantação do hospital regional - enorme sacrifício que se dispunha a fazer com o único objectivo de acelerar o mais possível aquela construção! Valeu-lhe então a compreensão do Sr. Ministro das Obras Públicas, mandando pagar à Santa Casa a importância que tinha despendido com aquela aquisição.
Resta-nos, pois, uma vez que os terrenos necessários se encontram já praticamente na posse do Estado, lançar daqui um veemente apelo ao Governo, para que ao Hospital Regional de Vila Real se atribua a prioridade de construção que as circunstâncias exigem.
E faço-o plenamente convencido de que as minhas palavras encontrarão a justiça, que merecem, no espírito que levou à recente criação da Direcção-Geral das Construções Hospitalares e à fixação do seu programa de acção.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Coelho Jordão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelos Decretos-Leis n.ºs 49 319, de 24 de Outubro de 1969, e 237/70, de -25 de Julho, foram abolidos os impostos sobre a sardinha e sobre o pescado, numa intenção perfeitamente compreensível e louvável de, reduzindo os encargos dos armadores, permitir-lhes fazer face a uma situação de crise que as pescas têm vindo a atravessar nos últimos anos. Medida que resultará assim num benefício para o armador e na possibilidade, como de facto se veio a verificar, de uma melhor remuneração do pescador.
Os impostos que incidiam sobre a pesca atingiam cerca de 13,5 por cento, dos quais 10 por cento cabiam ao Estado e às câmaras municipais, e apenas 1 por cento, em média, se destinava às juntas autónomas.
Aquela percentagem de 1 por cento, apesar de pequena, constituía a verba mais importante nos orçamentos das juntas, e isto porque, salvo um ou dois casos, o principal movimento desses portos é a frota pesqueira.
A abolição daquele imposto iria assim afectar profundamente as receitas de alguns organismos, em cujos orçamentos tinha grande representatividade.
Considerando esta situação, legislação posterior veio permitir o estabelecimento de uma compensação, paga pelo Orçamento Geral do Estado, para algumas instituições, como as câmaras municipais e comissões distritais de assistência; outro tanto não acontecendo ainda para o caso das juntas autónomas.
Com esta medida, as receitas das juntas autónomas dos portos do continente e ilhas adjacentes sofreram uma forte redução, que em orçamentos pequenos, como são aqueles, provoca uma perturbação total no funcionamento das instituições. Só nos últimos cinco meses do ano findo (o decreto é de 25 de Julho) houve uma redução nas receitas de 12 000 contos, o que poderá significar uma diminuição de mais de 20 000 contos no ano completo, e que representará uma quebra de receita de, aproximadamente, 40 por cento (a conta provisória do Estado de 1970 indicia como previsão orçamental 53 650 contos e receitas cobradas 40 979 contos).
Mas juntas autónomas houve (caso do Algarve) que já em 1970 tiveram uma redução de receitas, motivada por aquele facto, de 46 e 60 por cento.
A situação financeira das juntas é assim muito grave, e de tal forma que em algumas já foi dispensado pessoal eventual, e receiam mesmo não poderem dispor das verbas necessárias ao (pagamento ido pessoal do quadro.

O Sr. Leal de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Leal de Oliveira: - Queria sòmente agradecer-lhe a oportunidade das suas palavras e dar o meu inteiro apoio precisamente, digamos, à reclamação que V. Ex.ª está fazendo.

O Orador: - Muito obrigado.
As administrações portuárias vivem com sérias apreensões, porque não têm possibilidades de acorrer às pequenas obras de conservação, urgentes, que sempre surgem depois de um Inverno, e que a não se realizarem poderão ter consequências graves nos portos.
O Plano de Fomento, nos programas de trabalhos portuários, prevê o autofinanciamento das juntas, verbas essas que foram mandadas inscrever nos respectivos orçamentos. Mas como dar realização a esses programas se não lhes forem facultados meios financeiros?
As juntas lutaram sempre com imensas dificuldades para ocorrerem aos gastos inadiáveis de aquisição de equipamento, de apetrechamento do porto, de conservação corrente, reparação de obras marítimas e terrestres, etc., de forma a manter os portos operacionais, para oferecerem aos armadores, em especial das frotas de pesca, instalações e serviços portuários nas melhores condições que lhes era possível. A carência de verbas começa a deteriorar os serviços prestados, e as instalações e as administrações portuárias, embora cheias de boa vontade, não podem dar satisfação às solicitações constantes dos armadores.
Ora, o imposto sobre o (pescado cobrado para as juntas não pode ser considerado apenas por uma óptica fiscal, mas ela representava .antes uma taxa pela utilização das instalações do porto e pelos serviços prestados, visto as frotas de pesca não pagarem qualquer outra taxa.
E creio mesmo que os armadores de pesca estarão o mais receptivos a uma taxa destas, como já ouvi de alguns, porque vêem nisso um benefício directo e um apoio para a sua actividade, através dia realização de obras e melhoria de equipamentos ido porto, que de outra forma as juntas não poderão fazer.
E não será mesmo de sã justiça o pagamento de um serviço que lhes é prestado pelas administrações portuárias?

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Seja como for, a realidade da situação, com quebra de receitas importantes em 1970 e no corrente ano, reveste uma gravidade extraordinária, com risco de, a não serem tomadas medidas urgentes, criando uma compensação que restabeleça o equilíbrio financeiro daqueles organismos, se comprometer a execução de todos os programas de obras, a exploração conveniente dos portos e até o próprio funcionamento de algumas juntas.
Julgamos saber que este assunto tem provocado as maiores preocupações aos organismos responsáveis e que estará a ser considerado pelas instâncias superiores, mas deixamos aqui o nosso apelo para a brevidade na sua resolução, pois assim o exige a hora difícil que as juntas autónomas dos portos estão a passar.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou proferir as palavras que se seguem com pesar e até com certo constrangimento. Todavia, um imperativo de consciência a tanto me obriga, porque devo à Câmara e àqueles que me elegeram uma explicação e um esclarecimento.
Sem que me sinta na obrigação de fazer neste momento e lugar uma profissão de fé política, não quero deixar de referir que somos dos que entendem não dever a Assembleia Nacional embaraçar com a sua acção a acção do Governo, nem as actividades governativas deverem estar na absoluta dependência da Assembleia, ao ponto de esta poder minar perigosamente o princípio da autoridade governamental.
Isto quer dizer que somos partidários de um Estado forte e que aceitamos o magistério político do grande doutrinador e estadista que foi Salazar, ao ensinar-nos que "não há Estado forte onde o Executivo o não é".
Mas também pensamos que será de interesse e utilidade para a Nação uma perfeita audição dos problemas levantados nesta Câmara, para que o Executivo aproveite a sua colaboração leal, como, aliás, o interesse nacional reclama. E isto não só para evitar se crie no espírito dos Deputados a ideia ou o complexo da inutilidade no exercício do seu mandato, com o consequente desgosto, desinteresse e até tibieza na afirmação dos princípios fundamentais e da defesa dos interesses assumidos por compromisso perante os seus eleitores, mas também para que seja dado cumprimento ao preceito constitucional - artigo 91.º, n.º 2.º -, que faz impender sobre os mandatários da Nação o encargo de exercer o poder fiscalizador que lhe compete, evitando, assim, que o controle ou fiscalização aos actos do Governo ou da Administração seja meramente platónico e, portanto, desprestigiante para o órgão controlador ou fiscalizador.
Acontece ainda que o referido preceito da lei fundamental é também, uma fórmula útil, desde que os governantes não façam "ouvidos de mercador", pois que tende a afastar suspeitas e boatos pelo esclarecimento oportuno da opinião pública.
Ora, foi neste espírito que, ao ter em vista pronunciar-me sobre as perturbações da vida académica ultimamente ocorridas nas Universidades portuguesas, requeri me fossem prestadas informações quanto às medidas oficialmente tomadas perante estes acontecimentos.
Assina, referi-me particularmente a dois casos que, longe de serem únicos, me pareciam ser aqueles que, quer pela sua data recente, quer pela gravidade de que se tinham revestido, mais interessariam à análise que me propunha fazer: os desacatos e distúrbios desencadeados, em Dezembro último, na Universidade de Lisboa, e os incidentes verificados em Coimbra na noite de 9 para 10 de Maio do ano passado.
Se, quanto ao primeiro caso, o Ministério da Educação Nacional me informou cabalmente do estado do problema (que se encontra, aliás, na esfera da competência da Reitoria da Universidade de Lisboa), já quanto ao segundo, porventura o mais grave, não se entendeu útil adoptar o mesmo procedimento.
Com efeito, em relação aos incidentes de Coimbra, o particular condicionalismo que envolvera o caso tinha-me levado a requerer que me fossem, fornecidas informações sobre o estado do processo de inquérito, conclusões do inquiridor e despacho que sobre ele recaíra, o que fiz em 14 de Janeiro passado.
Particular condicionalismo esse expressamente reconhecido pelo Sr. Reitor da Universidade de Coimbra ao solicitar ao Sr. Ministro da Educação Nacional a instauração de um inquérito rigoroso. Efectivamente, na nota na altura divulgada na imprensa pretendia a referida autoridade académica um completo esclarecimento dos factos que servisse de base não só a um apuramento de responsabilidades - que os acontecimentos, originando um ferido grave e a interrupção de um espectáculo que decorria normalmente bem justificavam -, como também ao estabelecimento de directrizes futuras, o que certamente justificaria que a morosidade dos procedimentos legais fosse neste caso sacrificada à necessidade de definir uma política que prevenisse casos semelhantes.
Mas então o que foi que se passou em Coimbra na noite de 9 para 10 de Maio? Apenas isto: com a autorização do reitor da Universidade, realizou-se nas instalações académicas um espectáculo em que um organismo estudantil - a Oficina de Teatro - representava a peço O Livro de Cristóvão Colombo, do consagrado dramaturgo francês Paul Claudel.
Decorria o espectáculo com elevado nível artístico, compostura e disciplina, quando, com surpresa e espanto gerais, o Sr. Heitor ordena a sua suspensão imediata, que, a não ser respeitada - disse -, levá-lo-ia a mandar evacuar a sala pelas forças policiais que emites se tinham ocupado a dispersar e a -tentar meter na ordem elementos estudantis que, arruaceiramente, no exterior do edifício tudo procuravam fazer para provocar distúrbios e prejudicar de qualquer modo o acesso ao espectáculo e depois a sua realização.
Convidado a dar uma explicação à assistência que enchia a sala e composta de alguns mestres, entidades oficiais, estudantes e seus familiares, quanto aos motivos determinantes da decisão tomada, o Sr. Reitor recusou-se a fazê-lo, com o fundamento de que "não estava em cena", recusa quanto mais chocante ser tida ao arrepio de um já, por mais de unia vez, manifestado pendor para o diálogo, por parte de S. Exa., com os mais marcadamente elementos contestatários.
Interrompido que foi o espectáculo, o facto, como é óbvio, não poderia ter deixado de causar a maior indignação por parte de todos quantos a ele assistiram, isto até pelo que traduzia de mais unia prova de complacência e fraqueza frente às patentes cenas de arruaceirismo e subversão em que vinha sendo fértil a agitação estudantil e que, nessa noite, exuberantemente, foram evidenciadas.
E a tal ponto que os espectadores tiveram, para sair, de ser protegidos pelas forças policiais para ali destacadas e que dispensaram os provocadores e agitadores, do que veio a ficar gravemente ferido um estudante.
Publicados em 11 e 12 de Maio, respectivamente, o comunicado da Reitoria e a nota do Gabinete do Ministro da Educação Nacional, tudo parecia levar a crer que, pelo menos desta vez, não se iria verificar a costumada transigência com actos graves de indisciplina cometidos "por

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parte dos que fazem da vida de estudante um mero pretexto para passar os anos da juventude em estéril ociosidade ou em perniciosa agitação", mo dizer ainda recente do Sr. Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porém, terminou o ano de 1970 e começou mesmo o ano corrente sem nada se conhecer e com o processo de inquérito a dormir, esquecido, o sono dos justos nos arquivos do Ministério, o que só veio a aproveitar aos prevaricadores, que, desta sorte, viam criado o meio ambiente próprio para que o "diz-se", o boato tomasse corpo e começasse a circular, apresentando, com ares de verosimilhança, as versões e as explicações mate tendenciosas e extravagantes.
Efectivamente, passaram, a correr boatos confirmativos de que os delitos haviam sido cometidos em nome de uma tão apregoada e rei vindicada liberdade e, por isso mesmo, deviam ficar impunes!..., ao mesmo tempo que circulava que o resultado do inquérito não podia ser publicado, porquanto as autoridades académicas saíam dele muito maltratadas, sendo até julgadas responsáveis por quanto se passara... e ainda que parecia aceitar-se a orientação de que a promoção dos jovens só se podia fazer à custa das Concessões de quem dirige, mormente se tais concessões são feitas a estudantes agitadores ...
Ciente de que era a melhor forma de evitar a propagação destes boatos, e na disposição de buscar a verdade onde ela se encontrasse e fazer a justiça a quem merecesse, formulei o requerimento a que já anteriormente aludi.
Volvidos quarenta e três dias, como a resposta estivesse a tardar demasiado, voltei a insistir em 25 de Fevereiro, acrescentando então que tal demora só poderia atribuir-se a um de dois factos: ou quem de direito se teria acomodado perante a solução de graves problemas de disciplina, ou em tão que teria resolvido reduzir a um estado de segredo o que de forma alguma era comparado a um segredo de Estado!...
Ingénuto, esperava eu que a- resposta, quando chegasse, seria em termos de diálogo aberto com esta Assembleia, até porque, no pensar do Sr. Ministro da Educação Nacional, "os caminhos do diálogo são os mais sadios do progresso", como ainda há poucos dias afirmou em entrevista, ao Diário de Luanda.
Com muito espanto, porém, vi iludida a minha boa fé, pois que, relativamente aos acontecimentos de Coimbra, a resposta ao meu requerimento apenas diz isto que passo a ler:

a) A instrução do processo de inquérito relativo aos incidentes verificados na noite de 9 para 10 de Maio passado encontra-se concluída;
b) A decisão definitiva sobre o mesmo processo está dependente da realização de formalidades legais ainda não preenchidas.

Temos de convir que, adoptando o Ministério da Educação Nacional um silêncio e uma mudez que se arrastou por mais de noventa dias, a resposta dada constitui um autêntico mons parturiens...
O nosso padre Manuel Bernardes disse um dia que a virtude do silêncio consistia, não em cessar o ofício da língua, mas em calar e falar a seu tempo. Ora, foi com o espírito preparado por estia sentença do nosso escritor moralista-religioso que, apôs morosa e certamente penosa gestação, surgiu a resposta ao meu requerimento de 14 de Janeiro, resposta que, por tão breve e tão pouco dizer, só é para admirar que tanto tempo tivesse levado a elaborar ...
Quase que somos levados a pensar que, no fundo, não se deseja dar satisfação ao que se pediu, e isto é pana lamentar, na medida em que traduz pouca atenção e desprestígio para esta Assembleia, a quem, não são dados os meios de um exercício profícuo e efectivo.
Não me considerando satisfeito com a resposta dada, vejo-me forcado, por isso, a renovar o pedido feito, nomeadamente quanto ao envio da cópia do relatório feito pelo Sr. Inquiridor, a que acrescem tarei mais estes pedidos:

Desde quando a decisão definitiva aguarda a realização de formalidades legais ainda não preenchidas?
A quem cabe a responsabilidade de uma tão prolongada demora, uma vez que vai para um ano que o processo de inquérito foi entregue no Ministério?

Quer o ambicionado e manifestado interesse no apuramento das responsabilidades, quer a não menos premente necessidade de estabelecer directrizes futuras, tendentes a evitar acontecimentos desta gravidade, não justificará que o Ministério da Educação Nacional dê maior celeridade pana a conclusão definitiva deste processo?
Cremos bem que sim, até porque, ulteriormente, voltaram a repetir-se acontecimentos perturbadores da vida escolar, o que constitui traição num momento em que a Nação vive com empenho decisivo a defesa dia sua integridade.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Augusto Correia: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Realizou-se,, na passada segunda-feira, na Câmara Municipal de Camtanhede, uma reunião do governador civil de Coimbra com os presidentes das câmaras do distrito, em que participou o director-geral dos Serviços Eléctricos, acompanhado de alguns colaboradores.
Estive, com outros Srs. Deputados, nessa reunião, em que se tratou da electrificação do distrito e, ao sair dela, depois de ouvir dos presidentes das câmaras as povoações que têm por electrificar e, também, as condições de exploração das redes existentes e o ilustre director-geral na apreciação, clara e precisa, das suas exposições, senti-me na obrigação, de alguma coisa dizer na Assembleia sobre tão grave problema.
Assim me junto a ilustres Deputados que, na presente legislatura, se ocuparam da energia eléctrica, contemplando, somente, a sua distribuição.
O distrito de Coimbra tem cerca de 1000 povoações por electrificar, a que corresponde, aproximadamente, uma população de 120 000 habitantes. Só o concelho de Arganil contribui para aquele número com 118 povoações.
Verifica-se, entretanto, que as câmaras municipais elaboraram projectos de electrificação de algumas daquelas povoações, que oportunamente apresentaram à Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, com os respectivos pedidos de comparticipação. Esses projectos, em número de 76 e com orçamentos que totalizam cerca de 40 000 contos, estuo incluídos na "Relação de pedidos e plano para 1971" da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos e aguardam comparticipação.
Poderá então perguntar-se quando serão comparticipados? E, também, quando serão electrificadas as povoações, e tantas são, que ainda não têm projecto?
Para a resposta, recordarei que a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos dispõe de uma verba anual para elec-

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trificação que se aproxima de 60 000 contos, a qual permitirá comparticipar, com uma percentagem média de 50 por cento, projectos no valor de 120 000 contos. E acrescentando que a relação referida, em que estão os 76 projectos do distrito de Coimbra, tem o orçamento global de 760 262 contos, direi, sem pensar na actualização de orçamentos que a evolução dos preços de mão-de-obra e materiais bem justificaria, que serão necessários sete anos para a Direcção-Geral, com as verbas que actualmente tem, conceder as comparticipações já pedidas.
E quantos anos aguardarão a energia eléctrica as povoações que ainda não têm projecto?
Temos, assim, prazos que as povoações dificilmente compreenderão e que bem justificam todas as atenções e acções que possam contribuir para a sua redução.
O que poderá então fazer-se, com urgência, neste sentido?
Aceitamos que a nova electrificação do território metropolitano do País, que faculte energia de boa qualidade e a preço aceitável, deva assentar na reforma da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos e rã profunda alteração de todo o sector da distribuição da energia eléctrica.
Na verdade, nem a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, com um quadro que corta cerca de vinte e três anos e apresenta mesmo assim 50 por cento de vagas para técnicos, poderá desempenhar as missões que lhe cabem em todo o processo de electrificação, desde a revisão de projectos à fiscalização das respectivas obras, nem a distribuição de energia eléctrica, actualmente dispersa por câmaras municipais, serviços municipalizados, federações de municípios e empresas privadas, poderá, assim, realizar-se em condições técnicas e económicas satisfatórias.
Pensamos, no entanto, que nem a reforma da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos nem a conveniente estruturação do sector da distribuição da energia eléctrica se poderão concretizar imediatamente.
Assim, se desejarmos mais electrificação a partir do corrente ano, como se impõe, haverá que reforçar a verba da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos e esperar que estes prestigiosos Serviços, embora lutando com dificuldades próprias da sua organização e também com as do sector da distribuição, possam cumprir a pesada tarefa que lhes é reservada.
E confiante na Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, e sem esquecer a necessidade da sua reforma, que hoje peço ao Governo o reforço da verba de comparticipações para electrificação.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Termina amanhã o prazo estabelecido pelo Sr. Ministro da Educação Nacional para discussão ampla e livre do "Projecto do sistema escolar" e das "Linhas gerais da reforma do ensino superior" e envio àquele Ministério de críticas e sugestões a considerar na elaboração das bases fundamentais do programa de reforma, reforma cuja importância e premência o Ministro não se tem cansado de proclamar. Como tal data coincide com o termo do período ordinário desta sessão legislativa e porque não sei se me será possível estar presente amanhã, proponho-me apresentar agora depoimento necessariamente muito breve - pois a agenda do dia está carregada e o tempo disponível para a cumprir é curto - sobre o modo como se processou essa discussão e seus resultados imediatos.
Foi recebida com júbilo unânime a declaração do Prof. Veiga Simão de que os textos programáticos de reforma do ensino, preparados pelo Ministério da Educação Nacional, seriam submetidos a discussão pública livre, pois "não pode vencer-se a batalha da educação sem conseguir a participação de todos os portugueses" e é "prova de inteligência corrigir possíveis erros antes de os cometer". Ao dizer "unânime", refiro-me, é claro, aos que se pronunciaram sobre este ponto: reservas, ou mesmo reprovações, se as houve, quedaram-se prudentemente em incomodados monólogos interiores ou em cautelosas conversas de gabinete e corredor. Na sua última "conversa em família", o Sr. Presidente do Conselho entendeu conveniente dar o seu explícito aval ao gesto do Ministro, afirmando então que "o Governo ao abrir a discussão pública [...] mostrou que não se considera senhor de certezas absolutas e que está pronto a ter em conta as correcções razoáveis". Alguns consideraram que as palavras "correcções razoáveis" exprimiam a intenção restritiva de apenas serem eventualmente aceites alterações de pequena monta. Tal não foi, nem é, o meu entendimento, pois "razoável" é tudo o que é conforme à razão, e "razão" é a faculdade de conhecer e julgar. Naturalmente, pois, o Governo só pode ter em conta as "correcções razoáveis": pode e deve.
A atitude do Governo não foi concessão de favor: as palavras do seu Chefe e do Ministro da Educação Nacional definem claramente um pedido de colaboração dirigido ao País, não para que ratifique, num incenso de louvores, as propostas do Executivo, mas para que as analise, corrija e complete. Atitude que significa, afinal, que o Governo reconhece que não existe para impor o que por si só congemina, mas para executar, do modo mais seguro, o que a Nação deseja. Lamentavelmente - como o Sr. Deputado Miller Guerra referiu nesta Assembleia -, aqui e ali, houve quem, mais papista que o Papa - para usar a expressão que ontem ouvimos do Sr. Deputado Cancella de Abreu-, impedisse que tivesse resposta o pedido dos governantes. Só razões gravíssimas, que prontamente deveriam ser comunicadas ao País, justificariam tais medidas repressivas que, tomadas sem explicações; propiciaram que injustamente se pusesse em dúvida a recta intenção do Governo. Associo-me inteiramente à reprovação manifestada pelo Sr. Deputado Miller Guerra a respeito de tais autoritarismos.
Quem respondeu?
No continente - quanto às ilhas e ao ultramar não tenho elementos para depor - foi significativa a mobilização de pessoas e instituições. Muito público e profundamente interessado assistiu e participou nos numerosos colóquios que se realizaram em cidades, vilas e mesmo aldeias, e que tiveram como animadores personalidades que mais se têm preocupado com problemas da educação. Estabelecimentos de ensino oficiais e privados, organismos profissionais, colectividades de cultura, associações de desenvolvimento económico e social, organizações políticas (A. N. P.), etc., tomaram e apoiaram iniciativas visando responder honestamente ao apelo do Governo. Professores de todos os graus de ensino, estudantes, homens das mais diversas profissões e posições sociais, pessoas de diferentes credos políticos e religiosos - no pluralismo que é a realidade do País -, reconheceram ser seu direito e dever participar na "tarefa de transcendente significado no futuro do povo português: [...] condição de sobrevivência" 1. Através de um do-

1 Projecto do Sistema Escolar, Ministério da Educação Nacional, 1971.

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cumento do Episcopado da metrópole, a igreja católica associou-se também a este movimento.
Menção particular - que faço com palavras simples, mas profundamente sentidas- merece a imprensa. A sua resposta foi imediata, contagiante e sustentada. Páginas de jornais e revistas abriram-se para mesas-redondas, inquéritos e estudos de sua iniciativa e ofereceram-se para acolher depoimentos de quem os quisesse enviar. E não só forneceram elementos de informação que constituíram instrumentos preciosos para objectivamente se analisarem os textos programáticos em seu conteúdo e condições de execução. Mais ainda: as páginas da imprensa foram os canais por que o País conheceu o que de essencial se disse nos colóquios e palestras realizados aqui, ali, além. Por todo este imenso benefício, manifesto à nossa imprensa o meu agradecimento, a minha admiração e o meu respeito de Deputado, de professor e de cidadão.
Naturalmente, a participação deveria ter sido mais, muito mais ampla. Deveria, mas não podia: de vigília poucos são capazes e do sono ... muitos não acordam depressa ... Porém, silêncios houve que, por o serem de quem tinha obrigação de falar, assumem significado de depoimento significativo: quem cala nem sempre consente ... Não falando de pessoas - seria deselegante -, aponto apenas a insólita mudez do órgão de informação com maior capacidade de influência: a Radiotelevisão Portuguesa. «Sempre atenta aos superiores interesses da Nação», a Radiotelevisão Portuguesa em três meses não conseguiu algum quarto de hora que, sem prejudicar a sua altamente educativa programação, contribuísse, através de palestras, entrevistas, mesas-redondas, etc., para consciencializar o povo português quanto à importância vital da educação e dever consequente de cada um exprimir pareceres, desejos, exigências, dificuldades e até frustrações. Ou entende a Radiotelevisão Portuguesa - onde creio existir um delegado do Governo - que a colaboração pedida pelo Presidente do Conselho e pelo Sr. Ministro da Educação Nacional não lhe diz respeito, e que isto de a reforma do ensino ser condição de sobrevivência é delírio do Prof. Veiga Simão?

O Sr. Correia da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Correia da Ganha: - Queria apenas felicitar V. Ex.ª por ter trazido a esta Assembleia, quase no termo do prazo estabelecido pelo Ministro Veiga Simão, um assunto que considero da maior importância para a nossa sobrevivência.
Mas já que fez referência à Radiotelevisão Portuguesa, que considero um canal fundamental para a informação do nosso povo, desejo perguntar se os dirigentes desse órgão se sentem satisfeitos por terem substituído uma participação activa nessa campanha por aquela outra que tem propagandeado uma colecção de obras literárias em que a própria Radiotelevisão Portuguesa e uma editora estão materialmente interessadas. Trata-se de uma concepção de participação que eu difìcilmente entendo.

O Orador: - Estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado.
De resto, o problema dessa colecção também, já agora que o levantou, teria interesse em vir a ser tratado aqui.
Como se respondeu?
Tem sido dito, e por mim também, que a reforma do es sino começou ao ser submetida a debate. Porém, pessoas de mentalidade elitista (e que, evidentemente, se auto-incluem nas élites), ao denunciarem imperfeições, banalidades ou excentricidades que notaram em declarações lidas ou ouvidas nestes meses de discussão da reforma do ensino, se não ousam afirmar que a decisão do Governo de submeter a debate as suas propostas foi uma insensatez, não deixam de concluir que se trata de matéria reservada à reflexão de escasso número de entendidos. Estas pessoas, certamente, começaram a andar sem primeiro gatinhar e a ler sem antes soletrar. Como tudo o que é fruto de aprendizagem progressiva, aprende-se a discutir - discutindo, e a participar - participando. Da sua argumentação, o menos que se pode dizer é que não é razoável (quero dizer, conforme à razão). Mas pode acrescentar-se que ainda, na melhor hipótese, é também distraída, pois, se em vez de nos fixarmos no acidente atentarmos na substância, a discussão acerca da reforma do ensino proporcionou a recolha de críticas, correcções e aditamentos extremamente válidos e, o que é da maior importância, bastante coincidentes em aspectos essenciais. Não é este o momento para a dissecação descritiva e análise crítica do conteúdo substancial do debate havido: por isso me fico nesta apreciação genérica sumaríssima. Cabe ao Secretariado da Reforma do Ensino a árdua e responsável tarefa de elaborar um relatório que fielmente resuma toda esta vastíssima contribuição, na certeza -que creio ser de todos nós - de que será estudado pelo Prof. Veiga Simão com largueza de espírito, receptividade e respeito.
Não raro os depoimentos - e precisamente os mais penetrantes na análise teórica e os mais objectivos na consideração das condições de êxito da reforma proposta-, entraram no campo sócio-económico e assumiram até marcado cunho político. Houve quem se indignasse, quem se perturbasse, quem se preocupasse. Quanto a mim, essas penetrações em terrenos aparentemente alheios à matéria em discussão não foram desvios abusivos e oportunistas. Para não invocar outros exemplos, pois é tempo de terminar, basta pensar nos obstáculos sócio-económicos à satisfação do «direito inalienável de todos os Portugueses à educação» - a efectivação e debate do aviso prévio em curso fàcilmente permite identificá-los- e reconhecer que a sua remoção pressupõe opções políticas fundamentais e a coragem de uma actuação coerente. Os problemas educacionais estão na base, no miolo e no topo do desenvolvimento do País: do seu desordenamento actual e do seu ordenamento urgente. Pois quem ouviu ontem com atenção - e foram todos os então presentes - o extraordinário depoimento do Sr. Deputado Magalhães Mota e, conforme o seu voto, saiu da sala inquieto, terá forçosamente de reconhecer que a satisfação do inalienável direito à educação de que é detentor cada português - satisfação que implica a de muitos outros que a condicionam, como é o caso do direito a habitação condigna, a alimentação racional, ao usufruto de meios de higiene e de assistência eficazes, a ambiente familiar adequado-, começa por resolver-se no campo político. A questão, porém, é muito mais nuclear.
A educação não é fim em si mesmo, mas meio. Educar, para quê? Estamos, assim, ainda antes da política, estamos no que enforma a política, é seu alimento, leme, vida: a ideologia. Que tipo de homem e que tipo de sociedade queremos preparar com a educação? Uma sociedade dualista de minorias usufruidoras e gestoras e maiorias produtoras e escravizadas? Uma sociedade tecnocrática programada por computadores e constituída por massas alienadas do supremo direito de escolher o próprio destino? Uma sociedade ideológica, em que o sistema - manipulado por alguns que, pela força ou

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oportunismo, com ele se identificaram - de instrumento passa a sujeito e se impõe, tirânicamente, à liberdade inalienável de cada um? Que modelo escolhemos?
Quanto a mim, que creio no dinamismo da utopia a alimentar o esforço criador do homem, e porque creio no homem, decido-me pela sociedade que se plasma pela realização plena de cada pessoa, obra própria de liberdade pessoal, realização que necessáriamente deve incluir intrínseca vocação social do homem, que o dirige para o esforço activo e generoso na construção da comunidade de que participa. Ora, como se escreve na carta da Secretaria de Estado do Vaticano à XXVIII Semana Social de Espanha, em Abril de 1970, «esta tarefa será facilitada se, já a partir das escolas, de qualquer grau, se inculcarem o sentido do outro e as exigências da solidariedade humana». A educação é, afinal e em resumo, a preparação para o uso responsável «dia liberdade numa linha de solidariedade humana, linha não de conveniência, mas de essência. Assim entendida, a educação é condição decisiva de edificação de uma sociedade à medida do homem - na antinomia da inviolável individualidade da pessoa e da sua iminente sociabilidade. A lucidez, determinação e coragem postos na concepção e efectivação da «grande batalha da educação», é, pois, a pedra de toque que avaliza um Estado social.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. João Manuel Alves: - Sr. Presidente: Decorreu nas duas últimas semanas, na cidade de Lourenço Marques, como é do conhecimento de todos, o II Colóquio Nacional de Municípios.
Tive o honroso privilégio de participar nele.
Julgo, por isso, ser meu dever trazer a esta Câmara, que é representativa da Nação, embora em modesto e ligeiro apontamento, algumas impressões ali colhidas e um relato sucinto do que foram essas jornadas de trabalho, vividas e realizadas sob a bandeira da Pátria una e em ambiente do mais entranhado ardor patriótico.
Juntaram-se ali cerca de duas centenas de homens bons que, por uma ou outra forma, em doação total ao bem comum, mourejam desde o Minho a Timor, na defesa dos interesses locais, velam pelo bem-estar dos seus vizinhos e assim contribuem para o engrandecimento do País.
A cidade de Lourenço Marques, princesa do Indico, geogràficamente africana, mas portuguesa no seu porte de urbe moderna e, mais do que isso, na expressão das suas gentes, recebeu-nos com requintes de um trato fidalgo e com o alvoroço e carinho com que se acolhem velhos amigos ou chegados parentes.
Era, afinal, uma reunião da velha casa lusitana que, embora construída sobre os cinco continentes, vento nenhum desconjunta.
Daqui, por isso, quero endereçar à fidalga população de Lourenço Marques o meu sentido agradecimento pela hospitalidade com que nos recebeu e a lição de espírito lusíada que ali fomos colher.
Deve a Nação à Câmara Municipal daquela cidade - pois foi um alto e relevante serviço que lhe prestou - o ter tomado à sua conta a tarefa difícil da organização do Colóquio.
É com o maior prazer e com o mais vivo reconhecimento que aqui quero deixar expresso que se desempenhou dessa tarefa por forma impecável.
Não só as sessões de trabalho puderam, por isso, decorrer com alto nível de utilidade, como também os participantes puderam usufruir, fora delas, de esplêndidos programas sociais, que melhor lhes permitiram um contacto mais íntimo com a terra e suas gentes.
Sobre a utilidade ido Colóquio, direi que, para além do mais, o simples encontro de portugueses de diversas paragens, irmanados pelo sentimento de uma mesma Pátria, embora constituída por parcelas diversificadas, proporcionou um vasto enriquecimento da experiência de cada um e um estreitamento maior dos laços que a todos nos unem.
Por outro lado, foram valiosas e oportunas as teses apresentadas, e as conclusões obtidas, se forem devidamente ponderadas, abrirão novos caminhos à redenção e revigoramento do municipalismo, numa perspectiva do mundo de hoje.
Verdadeiras e admiráveis cortes gerais do municipalismo português, como o classificou o Prof. Marcelo Caetano, o Colóquio, correspondendo ao voto emitido no amável telegrama que nos enviou, soube afirmar os sentimentos do povo e cimentar a unidade indestrutível da Pátria, a que nos orgulhamos de pertencer.
Termino este breve apontamento reproduzindo a afirmação de um português de Angola - o ilustre representante da Câmara Municipal de Luanda:

Quando se conclui, como-se concluiu, neste Colóquio, por aclamação, que o municipalismo tem constituído uma das bases essenciais do desenvolvimento político e social das comunidades lusíadas e, em especial, no que respeita ao ultramar, um veículo da afirmação da capacidade humana e dos valores culturais das respectivas populações que, nas suas múltiplas expressões de vitalidade, asseguram a unidade na diversidade da Nação Portuguesa e quando esta conclusão é alcançada ao nível de multiplicidade representativa em que o foi, já nenhuma hesitação pode conceber-se quanto à prossecução do destino do País, soprem de onde soprarem os interesseiros ventos da história, sejam quais forem as pressões da ambição internacional.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Carlos Ivo: - Sr. Presidente: Lamento ter de trazer ao conhecimento de V. Ex.ª que, em Moçambique, a Comissão de Censura persiste em interferir com a livre publicação do texto integral das intervenções proferidas nesta Assembleia.

O Sr. Almeida Cotta: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Almeida Cotta: -Há pouco, um ilustre colega nosso evocou aqui o Padre Manuel Bernardes para dizer que se deve falar na devida oportunidade. A este respeito, talvez eu já devesse ter falado antes. Eu quero mais uma vez dizer que confirmo inteiramente a declaração feita há tempos a propósito da censura à imprensa. Nessa declaração afirmei que a Presidência do Conselho tinha dado ordens para não se cortarem os discursos dos Srs. Deputados, quando de textos autênticos se tratasse. Simplesmente, VV. Ex.ªs podem calcular as dificuldades que os responsáveis podem ter em certas circunstâncias para saber se se trata ou não de um texto autêntico.

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Quero crer que, na maior parte dos casos, se apresentam às entidades responsáveis meras cópias dactilografadas, outras transmitidas telegràficamente, portanto sujeitas a qualquer erro. E vejam VV. Ex.ªs quanto seria desagradável transcrever um texto errado ou deturpado. Quer dizer, isto funciona, a meu ver, em defesa do próprio orador ou autor do discurso. Permita-me a Câmara um desabafo. Eu suponho que impaciências nesta matéria são com as vagas do mar: ou causam dados ou são apenas espuma.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª dá-me licença para uma observação?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Barreto de Lara: - É que, numa conferência ou reunião que tive em Luanda, há dias, com os órgãos da informação, fui inteirado de que, segundo se vem entendendo, as determinações do Sr. Presidente do Conselho, no tocante à censura de escritos dos Srs. Deputados, não tinham aplicação no ultramar, e que, exactamente por isso, haviam sido censurados textos enviados, que não eram cópias mais ou menos erradas, ou gralhadas, mas o próprio Diário das Sessões.
E se faço este apontamento, é apenas, não para confirmar ou criticar o que V. Ex.ª acaba de dizer, mas sim para ressaltar que há um desvio ou uma deturpação das ordens de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, o que considero verdadeiramente inadmissível perante a clareza daquelas afirmações que foram produzidas nesta Casa pela voz autorizada de V. Ex.ª, interpretando exactamente o pensamento do Sr. Presidente do Conselho.
É que não sei o que haja de especial no ultramar para que textos que constam do Diário das Sessões sejam (eu queria usar uma expressão, mas o Sr. Presidente não me autorizaria, com certeza, a usá-la), sejam, repito, usando uma expressão mais suave, mutilados. E por quem? Pela Censura, onde existem vários indivíduos a quem não reconheço maturidade intelectual para censurar os meus escritos, que se contêm no Diário das Sessões, e produzidos à luz do mandato que a Nação de outorgou.

O Orador: - Eu queria esclarecer o Sr. Deputado Almeida Cotta que foi enviada para a Beira uma fotocópia das palavras que aqui proferi. Se foi esse texto ou não que foi submetido à censura, confesso que não sei, mas saberei então, de futuro, proceder, como devo.

O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Sá Carneiro: - Era só para pedir um esclarecimento. V. Ex.ª teve a sua prosa suspensa, até averiguarem a autenticidade dela, ou pura e simplesmente cortada?

O Orador: - Eu creio que não foi suspensa. Não foi toda cortada, foi só em parte, mas creio que não esteve suspensa.

O Sr. Sá Carneiro: - Não esteve, portanto, suspensa; foi cortada.

O Orador: - Julgo ser fundamental, tanto para governantes como para governados, que o enunciado dos problemas seja posto com clareza e em toda a extensão da
verdade; só assim, creio, se poderá adquirir a consciência desses problemas e exortar ao esforço colectivo que eles exigem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à

Ordem do dia

Continuação do debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Correia da Cunha sobre o ordenamento do território.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida e Sousa.

O Sr. Almeida e Sousa: - A apresentação tão serena, tão realista, mas ao mesmo tempo tão confiante, deste aviso prévio calou profundamente no meu sentir e determinou que, querendo, na medida do meu poder, contribuir para o êxito da iniciativa, resolvesse refundir o trabalho que tencionava apresentar na ideia de que, tornando-o complementar dos que aqui ouvi, pudesse vir a ser mais útil. Oxalá o consiga.
Penso que, em teima com a importância vital que este tem paira toda a Nação Portuguesa, só de um trabalho de equipa, aturado e profundo, podem resultar as directrizes verdadeiramente válidas que o País quer e pode esperar desta Assembleia.
Porque me coube ser dos últimos oradores inscritos neste debate, tive ocasião de observar, sem surpresa, aliás, que, pelo menos aqueles cujos interesses estão mais perto dos meus, se aproximaram muito do trabalho que, sem prevenção, aqui viria apresentar. Embora admita que o repetir possa frisar, que possa dar mais força, sinto que o pouco tempo de que dispomos deve ser aproveitado preferentemente paira trazer aqui novas ideias, pôr novos problemas, propor novas soluções.
O ordenamento do território é assunto tão vasto que, por muito que seja explorado, algo de novo haverá sempre que dizer. E sem me querer substituir, de forma nenhuma, as conclusões que o ilustre apresentante por certo irá tirar, gostaria, na medida do possível, de falar daquilo de que ainda não ouvi falar, de dizer do que me ocorre para completar o que aqui foi dito.
Com certeza que o não conseguirei, mas penso que a intenção é boa e que vale a pena tentar. Pedirei a indulgência de V. Ex.ª para o que não conseguir.
Em primeiro lugar, queria salientar a urgência com que me aparece este problema. Não pode ser para amanhã, tem de ser para hoje. Não o permitem nem a injustiça flagrante que todos os duas consentimos, nem o constante agravar de uma situação que nos não honra e nos empobrece hora a hora.
Se persistirmos nos métodos lentos com que temos atacado este problema -se é que alguma vez já decidimos atacá-lo -, arriscamo-nos a ser tarde de mais quando o quisermos resolver. Portugal, todos estamos de acordo, não pode continuar a ser apenas uma reserva de mão-de-obra não qualificada para as indústrias europeias, mão-de-obra que se vá desnacionalizando pouco a pouco até se fixar definitavamente noutras terras, deixando atrás de si um deserto de pedras erodidas onde oxalá as árvores ainda possam, crescer.
Este pensamento, melhor do que nenhum outro, marca a urgência da solução.

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Ainda estamos em tempo de evitar o deserto, mas, se de facto o quisermos evitar, não podemos perder um dia que seja. Repovoar será sempre muito mais difícil e muito mais caro do que fixar ou canalizar as populações que ainda existem.
Queria, assim que a urgência de solução fosse o primeiro e miais gritante voto deste meu trabalho.
E o segundo segue-se-lhe imediata e lògicamente. Nada se poderá fazer sem um plano, plano que, quanto sei, ainda não há. É inadiável, portanto, ai elaboração do Plano Geral do Ordenamento do Território.
Os trabalhos aqui apresentados dir-me-iam, se o não soubesse já, que são suficientemente conhecidas as carências a que urge obviar. Há problemas graves de infra-estruturas, de estruturas de empresas, de obsoletismo, de meios financeiros, de mentalidade até. Que fazer?
Pois o que em 1971 se faz para resolver qualquer problema económico em qualquer parte do Mundo: estudar, decidir, planificar e realizar.
Simplesmente o estudo tem de ser obra de um estado-maior consciente e conhecedor e, para nosso mal, por razões de todos conhecidas, não são superabundantes os quadros humanos de que o Estado Português pode dispor.
No entanto, e apesar disso, o plano é imprescindível e inadiável, e nunca serão de mais os recursos de toda a ordem - humanos principalmente - que o Pais nele
empenhe no sentido de o tomar, quanto o puder ser, eficaz, económico e justo.
Para que o seja - já aqui teria sido dito, mas creio que devo repetir -, entendo que nunca se poderá fugir das três directivas rígidas que devem comandar toda a acção:
1.º Ter em vista as realidades do futuro, sendo preferível que peque por arrojo do que por timidez.
2.º Tirar o maior proveito possível do dinheiro que houver que despender.
3.º Aproveitar o investimento a fazer no sentido de assegurar a mais justa e mãos ampla distribuição de réditos.

Eu sei que as realidades do futuro são sempre terrìvelmente difíceis de prever. E mesmo quando são possíveis de prever, nem sempre são fáceis de aceitar.
Circunstâncias favoráveis, pelo menos para a geração que nos antecedeu, criaram em Portugal um clima propício à fé de que as coisas mão evoluiriam ou que, se evoluíssem, evoluiriam sempre lentamente. Quanto a mim, pelo menos no campo económico, apegámo-nos demais a estia ideia.
Hoje, perante as modificações vertiginosas que verificamos, quase que diria dentro de nossas próprias casas, seria altamente culpável uma obstinação que, há poucos anos, era, pelo menos, muito compreensível.
Não podemos ainda conhecer, em toda a sua extensão, as consequências fatais da evolução a que vimos assistindo. Uma coisa, porém, é certa: o mundo para trás não toma e, se quisermos edificar para o futuro, teremos de esquecer o passado cómodo que tivemos e aceitar corajosamente os sacrifícios que o porvir nos possa impor.
É-nos necessário um plano, sem dúvida, mas é imperioso que esse plano seja feito olhando decididamente para os tempos que vamos viver. Um plano mão é feito para o passado, nem mesmo para o presente. Por definição, um plano tem de ser feito pana o futuro, em toda a lonjura em que o possamos antever.
Teremos talvez paira isso de derrotar, dentro de nós próprios, conceitos em que fomos formados, muito válidos e muito úteis há poucos anos ainda, mas agora esmagados pelo implacável rodar dos tempos e das ideias. Só assim, libertos, poderemos escolher a opção que mais convém ao futuro do povo português.
Assim, não acreditamos que, quando por todo o Mundo, à procura dos grandes espaços e dos grandes mercados, as fronteiras económicas vão tombando uma a uma, nos seja possível planear o nosso futuro à margem da opção que o Governo Português livre e deliberadamente tomou, primeiro, aderindo à E. F. T. A., e, depois, promovendo a reunião de Bruxelas.
Como não acreditamos que, mais tarde ou mais cedo, a problemática do nosso desenvolvimento económico não exija outra noção de fronteira que não a que nos espartilha do lado de Espanha. Não nos parece que seja a melhor solução, para dois povos que têm tantos interesses comuns, a manutenção de um costas contra costas absurdo e arcaico que, em nossa opinião, é a maior causa do atraso de que padecem as nossas regiões limítrofes.
A livre circulação dos homens e das mercadorias foi sempre a grande fautora do progresso, e quantas vezes cismo porque é que nós, que sabemos quantificar tão justo os prejuízos que nos advêm do bloqueio da Rodésia, nunca nos debruçámos sobre os que nos tem causado, desde sempre, o desvio para outros portos e outras paragens dais mercadorias produzidas ou compradas pelas regiões espanholas fronteiriças.
A prova mais cabal que conheço da persistência desta ideia foi o ter-se, há anos, estudado a navegabilidade do Douro cortando o hinterland do rio pela fronteira espanhola, como se esta fosse ainda um cabo Não, temeroso e intransponível.
Ideias do século passado que ainda pesam muito sobre a nossa economia. Quando nos libertaremos delas, meus senhores?
Não! O Plano de Ordenamento do Território que temos de fazer tem forçosamente de se basear em coordenadas novas, e da aceitação que quisermos dar a essas coordenadas dependerá, em grande parte, o seu êxito.
Mas coordenadas novas para todos! E daqui tentarei tirar o terceiro voto deste trabalho.
Na grande obra que temos de empreender, adivinho que o tradicional poder de adaptação do povo .português a todas as tarefas que a vida lhe impõe consiga triunfar das dificuldades ingentes que haverá que vencer. Uma há que me parece mais difícil porque mais material: o dinheiro. E agora penso em termos da indústria que urge criar ou modificar, como principal elemento motor do desenvolvimento económico.
Por mais modesto que se possa querer ser, e por mais barato que se possa planear e executar, o Plano, na sua parte industrial, custará sempre muito dinheiro.
Ora, já muitas vezes aqui o tenho dito, em Portugal, infelizmente, o dinheiro não acorre à indústria, pelo menos no caudal indispensável..
Por medo do risco, por falta de informação, por deficiência de estrutura das empresas, por experiências infelizes, o certo é que a sociedade anónima não goza aqui de prestígio que lhe permita cumprir a sua missão. E, sem sociedade anónima, mão se vê como possa ser possível canalizar a poupança privada para os grandes investimentos que urge fazer.
Nestas circunstâncias, só nos reatam duas hipóteses: ou capital estrangeiro, ou dinheiro do Estado. Atentos os inconvenientes do capital estrangeiro, pelo menos na modalidade por que tontas vezes vem sendo constituído, ficar-nos-ia apenas a hipótese Estado, preferentemente sob a forma de sociedade mista.

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Suponho que, pelo menos na fase de arranque da nova estrutura que urge criar, a sociedade mista se impõe com símbolo de garantia que o Estado viria dar a um público indeciso e reticente. Uma vez escorvado o processo, é natural que as coisas corram por si e que as eminentes qualidades dos nossos trabalhadores.- a todos os níveis - triunfem e, com elas triunfo também a confiança nas novas indústrias.
Que a sociedade mista seja encarada como garantia e polarização das poupanças privadas ao serviço do Plano, será pois o terceiro voto que exprimo.
E não queria ir mais além. Falei da urgência da obra, do seu planeamento e, agora, dos meios para a sua execução. Tarei dito tudo? Penso que não!
Penso que o ordenamento do território, para ser válido, deve e tem de ser essencialmente uma mentalização, um estado de espírito.
Todos temos de nos convencer que é ou não é, que queremos ou não queremos. Se dizemos sim, pois façamos sim! A principiar pelos Poderes Públicos.
O que será o País amanhã dependerá em grande parte das decisões governamentais que hoje forem tomadas. Do Governo será essencialmente a honra da obra, mas, em compensação, também será sua a responsabilidade da demora, se a houver, ou até - Deus queira que não! - a culpa do impassível fracasso.
É preciso que desde agora todas as decisões sejam tomadas em plena consciência de que há um território a ordenar, de que há forças centrípetas que urge, por todos os meios, combater.
Figurando, pois, o que tiver de ser em Lisboa, que seja em Lisboa, mas há tanta coisa que o podia não ser, que seria bem melhor e bem mais barato que o não fosse! Tanta escola, tanto quartel, tanta repartição!
Se, de facto, ao mais alto nível, se tem prestado há mais tempo Atenção a este gravíssimo problema, hoje o País seria bem diferente!
Para mais, o nosso território europeu é bem pequeno ... Teremos nós presente que a fronteira espanhola corre a uma distância da costa atlântica que se situa sempre apenas entre no e 210 km? Poderemos, à luz só destes números, falar em continentalidade, em interior?
Se a nossa estrutura viária fosse a conveniente, seria assim tão difícil programar uns poucos, muito poucos, pólos de crescimento que escorvassem o desenvolvimento de um território tão pouco profundo? Mesmo tendo em conta as montanhas que o quebram.
Toda a questão está na escolha bem programada das potencialidades que há que aproveitar e dos pólos que há que criar.
Será, penso, a grande aventura da nossa geração: idealizar o futuro, gerar novos meios de vida, criar novas cidades. Fazer ou refazer, a bem de todos os portugueses, a nossa geografia!
Será nos seus riscos e nos seus inevitáveis desenganos uma missão sublime, uma missão bem digna dos Homens com um H muito grande que todos queremos ser.
Assim a empreendamos com o verdadeiro espírito de missão que é, em pró dos portugueses esquecidos, cujos problemas no nosso egoísmo tão mal temos sabido compreender.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sousa Pedro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar estas breves considerações, queria antes de mais nada felicitar o Sr. Deputado Correia da Cunha pela oportunidade que deu aos membros desta Câmara de se debruçarem sobre um tema de tanta relevância, como é este do ordenamento do território, exactamente numa hora em que andam no ar estudos e projectos que podem vir a ter unto importância decisiva no futuro do País.
Tenho pena que depois do seu discurso e de outros tão igualmente brilhantes venha eu obrigá-los a uns minutos mais de atenção. Mas não fitaria bem com a minha consciência se nesta altura não tentasse ao menos trazer ao de cima das nossas preocupações e do pensamento do Governo a presença e a singularidade dos territórios insulares dos Açores e da Madeira, até porque, como todos sabem, mas nem sempre lembram, laqueies arquipélagos, ditos adjacentes, fazem parte integrante do território metropolitano.
Como é óbvio, deter-me-ei, especialmente sobre a região Açores; mas em muitos aspectos os problemas açorianos são comuns aos da Madeira, e até aos das outras ilhas portuguesas do Atlântico, de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe; pois todas elas, umas mais, outras menos, têm a sua economia e progresso muito limitados por uma mesma determinante - o isolamento no meio do oceano e a distância que as separa do continente.
Bem sei que, num certo estilo de oratória, mais inspirado pelas musas que pela objectividade dos factos, soa bem dizer-se que o mar une, não separa; por mim, nunca ouvi nenhum ilhéu, sem ser poeta, a usar semelhante alegoria ...
Mas vamos ao que interessa. Disse o Deputado Correia da Cunha, com a autoridade que lhe confere a sua competência na matéria, que «o ordenamento do território procura, essencialmente, conciliar os objectivos do crescimento económico com o desenvolvimento harmónico de todas as regiões, assegurando a distribuição óptima das populações em função dos recursos a explorar». O conceito de «região» entra assim, de pleno, no processo do desenvolvimento integrado do País; é a estrutura básica, «espacial» do próprio desenvolvimento.
No continente pode haver alguma dificuldade na fixação dos limites das quatro regiões que integram o território nacional. Nas ilhas adjacentes convencionou-se, e parece que bem, sobrepor o esquema da regionalização ao modelo definido pela própria geografia, de modo que os arquipélagos dos Açores e da Madeira formam cada um uma região distinta, apesar da exiguidade das áreas e da fraca representatividade, em termos numéricos - permitam-me a imodéstia -, da sua população. Simplesmente, enquanto o desenvolvimento económico da faixa continental se foi processando na vigência dos sucessivos planos de fomento, em termos de relativo progresso, o arquipélago dos Açores esteve pràticamente abandonado à sua sorte durante todo esse tempo.
Só recentemente, já no decorrer da década de 60, na fase preparatória do III Plano de Fomento, começaram a surgir ali os primeiros indícios de uma procura concreta e sistemática de informações, através de inquéritos lançados pelo Serviço Nacional de Estatística e pelo Instituto Nacional de Investigação Industrial, nalguns dos quais colaboraram, em sectores específicos da sua competência, a Junta de Colonização Interna e a O. C. D. E.
É justo, porém, frisar o papel decisivo que na origem deste movimento coube aos próprios Açorianos, justamente alarmados com o marasmo da economia regional e com o esquecimento a que se sentiam votados por parte do Governo Central.

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Por iniciativa de um grupo responsável, organizaram semanas de estudo, em que especialistas locais e outros do continente e até do estrangeiros trataram com profundidade muitos dos principais aspectos da problemática açoriana de então.
Algumas das premissas de que partiram e das conclusões a que chegaram estão hoje manifestamente desactualizadas. Mas não há dúvida de que eles foram os pioneiros do trabalho de investigação e de estudo sistemático, que o Governo depois tomou à sua responsabilidade.
Não é por mero diletantismo, ou por orgulho mal contido, que faço esta referência. É, sim, por um imperativo de justiça, porque muitas vezes se tem pretendido sacudir a água do capotte, lançando sobre o povo açoriano e as suas elites a responsabilidade pelo atraso que os amarfanha. Muito pelo contrário, a história dos Açores está recheada de acontecimentos que provam bem a vitalidade do seu povo: na política, na economia, na cultura e em tantos outros aspectos da actividade humana.
No decorrer dos séculos, desde que as ilhas foram povoadas, as iniciativas de desenvolvimento e de progresso económico e social foram sempre surgindo, algumas até primeiro nos Açores que em qualquer outra parte do País.
Foram as culturas, para abastecimento próprio e para exportação, do trigo e cana-de-açúcar, do pastel e da laranja. Depois o tabaco, ananás, chá, espadana, vinha, chicória, inhame lacticínios e carne.
O primeiro jornal agrícola português, intitulado O Agricultor Micaelense, foi em Ponta Delgada que apareceu, em 1843.
Na indústria, já em 1866 se lançava a fábrica de tabaco Micaelense, à qual se vieram somar, depois, outras unidades, trabalhando a mesma matéria-prima, em S. Miguel e na Terceira.
Ainda no século passado, outras fábricas se foram instalando: uma de álcool, outra de cerveja, de açúcar de beterraba, várias de conservas de peixe, de óleo de baleia, de tecidos de linho, de bordados, de sabão, de rações, etc.
Por iniciativa própria e com capitais seus, os Açorianos fundaram bancos comerciais; empresas de navegação marítima, com tráfego para o continente português, para es Estados Unidos da América, para a Inglaterra e países do Norte da Europa; e, há cerca de vinte anos, uma empresa de transporte aéreo para as comunicações interinsulares.
Enfim, não vou tomar mais tempo a VV. Ex.ªs alongando um relato que faz parte da história.
Mas insisto em dizer que o chamado «torpor açoriano», à sombra do qual se têm acorbertado algumas incompetências e comodismos, não tem nada que ver com as virtudes e a capacidade de iniciativa e de trabalho de um povo que tem vivido com um dinamismo e arrojo que não tem comparações.
A última prova mais relevante dessa vitalidade, agora no domínio político-administrativo, foi a instauração do regime autonômico, que caracteriza a forma de governo ainda hoje existente nas ilhas adjacentes; fruto da saudável irrequietude e inconformismo de um punhado de micaelenses ilustres, que, feridos pelas desigualdades de tratamento da sua terra, se lançaram numa campanha política que culminou com a publicação, em 1895, do primeiro estatuto de administração distrital autónoma.
O rapidíssimo bosquejo da história social e económica dos Açores, que acabo de fazer, dá já ideia da realidade humana de uma região bastante bem definida no contexto nacional.
Isto tem interesse prático, porque, no dizer de um técnico da competência do nosso colega engenheiro Correia da Cunha, «para corrigir distorções pressentidas e programar acções é indispensável conhecer a realidade física e humana nos seus múltiplos aspectos».
Do ponto de vista geográfico, não há dúvida de que o arquipélago, situado em pleno Atlântico, a 1400 km da costa portuguesa e a 3600 km da América do Norte, com as suas nove ilhas sensìvelmente agrupadas à volta do paralelo que passa por Lisboa e Washington, tem uma individualidade evidente.
Em todo o caso, em muitos aspectos, que não só os da estratégia militar, põe-se hoje a questão de saber até que ponto os Açores devem ou não integrar-se num complexo geográfico mais amplo, que abranja a Madeira, Cabo Verde, talvez São Tomé e Príncipe e até as Canárias. A Madeira e os Açores não são estranhos ao que se passa nas Canárias, por exemplo, em política de navegação marítima e no turismo; não será razoável, por outro lado, qualquer política séria de fomento da pesca, na área do Atlântico Norte, sem apoios fixos infra-estruturais em todos ou em alguns dos arquipélagos mencionados. Até em matéria de administração e de governo há pontos de contacto flagrantes entre os arquipélagos. Já ouvi formular e defender a ideia de um Portugal insular, pela semelhança de tantos problemas que são comuns às ilhas, em contraste, tantas vezes, com soluções globais, boas para o continente, mas desfasadas das realidades insulares.
De entre estas, para uma, de modo particular, gostaria de pedir dois minutos de atenção: o isolamento. Ele «é uma realidade de que não pode abstrair-se, qualquer que seja o aspecto por que se encare a conjuntura sócio-económica açoriana».
O conceito tão difuso de «insularidade», a que abusivamente se recorre, como tábua de salvação, para explicar desequilíbrios e retrocessos das estruturas insulares, creio que pode ser materializado neste facto muito concreto: o isolamento.
A questão é que este pode ser atenuado por meio de medidas objectivas de adequação racional do sistema de comunicações e dos meios de transporte. Talvez, por isso, se fale hoje tanto de insularidade; porque, sendo um termo de conteúdo mal definido, responsabiliza muito menos as pessoas.
Além do papel fundamental que o sistema de comunicações desempenha em qualquer tipo de economia insular, os transportes são um elemento imprescindível de coesão da comunidade nacional.
Isto, que parece uma verdade elementar, tem sido, porém, muito difícil de entender.
Permita-se-me, a propósito, um breve parêntese só para dizer que toda esta esplêndida teoria - que até parece estar certa- sofreu um rude golpe, há bem poucas semanas, com a aprovação oficial do novo regime tarifário que, a partir do dia 1 deste mês, passou a vigorar entre o continente e o arquipélago dos Açores. Os fretes marítimos sofreram um agravamento de 12,5 por cento; isto depois de três fusões de empresas e de várias medidas de simplificação e economia dos serviços ...
O agravamento de preço das passagens aéreas teve uma característica especial: foi discriminatório - porque, praticamente, só incide no voo Lisboa-Ponta Delgada ...
Enfim, tudo isto é muito curioso e é matéria para algumas palavras mais, além daquelas que me seria lícito agora proferir.
Voltarei a este assunto numa próxima oportunidade.
Feito o parêntese, a ideia base que eu queria realçar é a seguinte: toda a política de desenvolvimento regional aplicada a territórios insulares tem de atender, de um modo especialíssimo, ao sistema de comunicações com o

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exterior. Tudo o mais estará condenado ao fracasso, se o isolamento, que é o maior obstáculo do progresso, não for adequadamente corrigido.
Uma das práticas adoptadas em países estrangeiros interessados, de facto, na recuperação de áreas monos favorecidas do seu território, consiste exactamente
na minimização do custo dos transportes. No caso concreto dos Açores, sabe-se que a missão técnica da O. C. D. E., que visitou oficialmente o arquipélago em data ainda recente, recomendou, em matéria de prioridades, que se deviam tomar decisões imediatas quanto a transportes aéreos e marítimos, facilidades de carga e fretes.
Numa perspectiva, de ordenamento do território da metrópole, outras características, além do isolamento geográfico, podem alinhar-se num trabalho de caracterização do arquipélago açoriano. Limitar-me-ei quase só a enunciá-las porque não me parece que seja oportuno, agora, ir além disso.
E como o ordenamento só tem isentado pelo contributo que pode vir a dar na valorização d«as regiões que definir, focarei em especial os aspectos potencialmente rentáveis da realidade açoriana. Esses são: o mar; as condições excepcionais das suas pastagens; a fertilidade da terra; a abundância de mão-de-obra não diferenciada; a amenidade do clima e a riqueza de paisagem; a própria situação geográfica e a função que, por via desta, está reservada aos Açores no contexto da estratégia militar do Ocidente.
É evidente que sobre cada um destes pontos muita coisa havia pêra dizer. Só farei, a propósito, uma breve referência a um, assunto que teve honras de primeira página na imprensa mundial, em data recente: a entrevista concedida pelo Prof. Marcelo Caetano ao director-geral dia United Press International.
Está fora de dúvida que o papel desempenhado pelas bases dos Açores, no quadro dia estratégia militar do Ocidente, tem sido e é da maior importância.
Resumirei, em duas palavras, o que esta matéria de momento me sugere.
A primeira é para apoiar a política de firmeza que o Presidente do Conselho está disposto a seguir perante uma situação de facto que «não pode continuar».
A segunda palavra é para lembrar ao Governo uma antiga e justa pretensão dos Açores: a de não serem esquecidos nos acordos feitos, ou a fazer sobre a utilização de bases militares instaladas no seu território.
No âmbito do tema em debate, deixei alinhadas algumas considerações que justificam a individualidade dos arquipélagos adjacentes, no esquema proposto da regionalização do território metropolitano. Referi-me, de um modo especial, ao isolamento para dizer que ele é o maior obstáculo ao progresso dos ilhas, justificando, por esse motivo, a adopção de medidas adequadas em matéria de comunicações e transportes. Aludi aos recursos naturais; pareceu-me razoável incluir no esquema o aproveitamento que for possível obter em troca de facilidades concedidas aos países estrangeiros que utilizam bases nos Açores.
Queria terminar com o voto esperançoso de que as comissões de planeamento regional produzam realmente trabalho que esteja à altura das suas responsabilidade». Mas, para não nos ficarmos em verbalismos, com mais relatórios a juntar a tantos que permaneceram estéreis, é necessário ir além. No caso concreto dos Açores, parece-me que devia merecer a melhor atenção do Governo a proposta feita pelos técnicos da O. C. D. E., no sentido de criar em Lisboa um organismo que centralize a responsabilidade de execução dos planos regionais - um executivo a nível do arquipélago. Por mim, apoio-a decididamente. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Joaquim Macedo: - Sr. Presidente: Seja-me permitido iniciar esta intervenção no aviso prévio sobre ordenamento do território com um cumprimento muito sincero ao seu apresentante, Sr. Deputado Correia da Cunha. No convívio estreito estabelecido aqui nesta Casa, bem depressa o pude apreciar e admirar-lhe o ânimo batalhador, a inteligência aberta e esclarecida, a tolerância, que não é renuncia nem abdicação, o amor entusiasta e contagiante à nossa terra e à nossa gente. Desse entusiasmo e desse interesse é mais uma prova este aviso prévio, de cujo tema não sei se deva salientar mais a importância ou a oportunidade. Que me perdoe a sua modéstia este meu elogio, descolorido na forma, mais, rico de sentido, que faço tão ao arrepio da minha índole de homem que preza mais os actos que as palavras, movido pela gratidão aos que, como ele, lutam sem desfalecimento por um Portugal mais próspero, mais justo e mais feliz.
Sr. Presidente e Sins. Deputados: Quando se fizer a historia do tempo em que vivemos, penso bem que, um dos traços mais característicos que se lhe apontará será decerto a velocidade da evolução. Transportados por correntes poderosas de informação, que tudo penetram, ideias novas rapidamente influenciam mentalidades e modificam concepções; as técnicas, colocadas sob a tutela dominadora do rendimento e da eficácia, porfiam em novos produtos e novos serviços; e a economia, libertando-se da sujeição estreita da natureza e do seu ritmo lento e sempre repetido, e tendo passado a conhecer melhor e a dominar os mecanismos de crescimento económico, acelera o aumento de riqueza colectiva, permitindo antever, a prazo curto, níveis de vida. difíceis de imaginar ainda há poucas décadas. As sociedades não podem assim deixar de mostrar fortes mudanças na sua vida, nas suas estruturas, no quadro natural em que se desenvolvem.
Por outro lado, e isso é também uma tendência bem recente, o homem perscruta o futuro, não magicamente debruçando-se sobre bolas de cristal, mas procurando descortinar ais linhas de força dominantes que o influenciam, com o objectivo de prevenir erros, de evitar desperdícios, de preparar mensalidades.
E neste ponto nos integramos no tema agora em discussão - o ordenamento do território. É que, neste momento de fundas transformações sociais e que se processam com tanta rapidez, mão é mais possível deixar de dar uma grande atenção ao meio ambiente; não .se pode abandoná-lo a uma evolução anárquica, mas, ao contrário, deve-se projectá-lo em função do tipo de sociedade que nele há-de viver. Temos assim de ordenar o território; e neste capítulo, como .em muitos outros, o atraso com que partimos obriga-nos a andar depressa, sob pena de nos encontrarmos perante soluções estratificadas e, por isso, de modificações dispendiosas, difíceis e até muitas vezes impossíveis, pelo menos a curto prazo.
Um dos fenómenos mais salientes e mais generalizados dos nossos dias é o de urbanização. Desde que a agricultura deixou de ser a principal actividade criadora de riqueza e a base da subsistência da maior parte dos homens, a qual passou a transferir-se cada vez em maior

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grau para a indústria e, no futuro, para os serviços, as populações, anteriormente presas à terra, têm vindo a acorrer às cidades, atraídas pela maior disponibilidade de emprego e também pelos benefícios dos serviços sociais aí existentes - ensino, cultura, saúde, distracções. No nosso país a taxa de urbanização ainda é reduzida - no censo de 1960 a população distribuía-se entre 75 por cento rural e 25 por cento urbana -, mas ela atinge presentemente 70 por cento na Alemanha Federal, 90 por cento na Inglaterra e nos Estados Unidos. Mesmo na Rússia - pois o fenómeno é independente de ideologias e está sobretudo ligado ao grau de desenvolvimento económico -, ainda há poucos anos de estrutura profundamente rural, tem já metade dia sua população concentrada em aglomerações urbanas. No entanto, a nossa situação evolui ràpidamente, como se pode verificar nos resultados parciais conhecidos do recenseamento de Dezembro último, pelos quais se vê que, praticamente sem - excepção, houve no decénio de 60 um decréscimo sensível de população nas zonas rurais. E se muitos dos que saíram emigraram para o estrangeiro, à procura de melhores condições de vida, muitos outros também vieram, com objectivo idêntico, engrossar as nossas cidades. Foi apresentada, no Colóquio sobre Política de Habitação, realizado em 1969, uma projecção, segundo a qual, considerando a evolução demográfica prevista a uma taxa de urbanização próxima, de 90 por cento, 8 a 10 milhões de portugueses metropolitanos seriam urbanos no fim deste século. Atentando nestes factos, aqui exprimo o voto que se procura evitar, através de informação adequada, que tantos dos nossos emigrantes malbaratem o património, amealhado quase sempre com tanto sacrifício, comprando, na sua aldeia natal, terras que não se poderão no futuro cultivar e construindo casas que serão abandonadas.
O fácies urbano vai, pois, alterar-se profundamente, e a formai que assumir não é indiferente para o homem que aí habita. E que a cidade, dizia um intelectual francês, é a projecção no (terreno de uma sociedade. E ainda a este propósito da relação entre a forma arquitectórica e o comportam emito humano, me permito referir um significativo facto, relacionado com a reconstrução da Gamara dos Comuns britânica, seriamente danificada pelos bombardeamentos durante a última guerra mundial. Discutia o grande estadista Winiston-Churchill se se deveria aproveitar para dar maior dimensão, imponência e comodidade à velha sala, adequando ainda a sua lotação, altamente insuficiente, ao efectivo de Deputados, para decidir, apoiando-se em razões ricas de observação e de profundidade, que nada se deveria alterar. E concluía esse extraordinário vulto político com a sabedoria que dá uma longa sedimentação de tradições e de experiências, conscientemente vividas:

Nós damos forma aos nossos edifícios, mas depois são eles que nos modelam.

Um dos traços mais característicos da urbanização moderna é que ela põe em causa as suas estruturas tradicionais. A cidade, mesmo depois de se ter libertado da compressão da cintura de defesa, cresceu densa e compacta, pela subordinação a transportes lentos e escassos. O aparecimento do automóvel vem alterar profundamente estas coordenadas. A sua velocidade e a sua expansão favorecem a extensão da zona urbana, permitindo residir longe do emprego, do centro comercial e das distracções, mas, à medida que a cidade cresce, o automóvel absorve cada vez mais espaço para circulação e estacionamento. Como estas áreas não estão disponíveis suficientemente, produz-se um efeito de congestionamento crescente, que leva ao fenómeno paradoxal de automóveis, sempre mais velozes, circularem nas cidades a velocidades cada vez mais lentas, que não ultrapassam muitas vezes a de veículos de tracção animal há muito desaparecidos. E dão esqueçamos também os malefícios da elevada poluição atmosférica, provocada por essas desmesuradas densidades de tráfego.
Por outro lado, os centros citadinos, não tendo sido projectados para o automóvel, entram em acentuado declínio, sobretudo quando, como acontece frequentemente em cidades americanas, não têm importância histórica que force a conservá-los.
Por acção do automóvel, pois, a área das cidades - e aqui não me refiro a limites administrativos - cresce muito mais depressa que a sua população. Já não se trata de zonais urbanas contínuas, imas sim de uma interpenetração do urbano e do rústico, pois englobam bosques e campos. É a chamada estrutura em nebulosa, que surge nos Estados Unidos e em certas zonas europeias. Estas novas regiões urbanos são diferentes das cidades tradicionais, e o estilo de vida dos seus habitantes não é o citadino clássico: a cidade era caracterizada por uma forte concentração populacional, criadora de um sentimento de enquadramento e de dependência, e pela proximidade dos serviços sociais colectivos. O conforto e o poder de compra transferem-se presentemente para a periferia, tornando-se o centro uma zona de depressão, incapaz de animar e tornar solidárias as populações urbanas. A cidade transforma-se, assim, num tecido indiferenciado, onde a função de associação se encontra pràticamente limitada ao centro comercial e a função cultural aos meios de informação de massa - televisão, rádio, imprensa.
Esta tem sido a evolução mais generalizada do fenómeno urbano nos países mais desenvolvidos, produto das transformações sociais, económicas e técnicas, mas também, e eu diria sobretudo, por uma ausência de política suficientemente prospectiva, o que faz subordinar a evolução mais a conveniências individuais do que ao bem colectivo. E se a estrutura urbana em nebulosa permite um maior contacto com a Natureza, traz, em contrapartida, encargos desmesurados em infra-estruturas, promove e intensifica a utilização do transporte individual e esbate o sentido comunitário pela dispersão e o isolamento.
Em Portugal, o problema não tem ainda a dimensão de que se reveste lá fora; tiremos ao menos partido do nosso atraso para evitar os erros dos outros. Há, pois, que promover uma rápida planificação concertada, que permita uma razoável concentração urbana em núcleos habitacionais, que, ainda que dispersos, devem ter suficiente densidade, com as indispensáveis zonas verdes, devidamente servidos por uma rede de transportes públicos eficientes e rápidos, que frenem a utilização indiscriminada do automóvel; conservar e revitalizar, se necessário, os centros citadinos e reservá-los sempre que possível e conveniente à circulação de transportes públicos e de peões, de modo a permitir a sua função aglutinadora e criadora do espírito cívico e comunitário: evitar a edificação de zonas exclusivamente dormitório, integrando harmoniosamente sectores industriais, de convívio, de serviços sociais e de residência.
Para essas transformações imensas do habitat urbano surge desde logo a necessidade de se dispor de largas áreas, e aí aparece a dificuldade do preço especulativo dos terrenos nas zonas citadinas e a sua excessiva pulverização. O Governo recentemente tomou medidas indispensá-

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veis neste capítulo, pelo Decreto-Lei n.º 576/70, que introduz a expropriação sistemática de terrenos destinados a urbanização, com a apropriação definitiva dos solos pela Administração e a Cedência, do direito de superfície para construção, por longo prazo, à iniciativa particular. Ficará assim resolvido o problema da disponibilidade de áreas para novos núcleos urbanos e infra-estruturas respectivas, mas fica ainda sem solução a especulação e o encarecimento excessivo dos terrenos nas áreas já edificadas, que impede a readaptação dessas zonas aos novos condicionalismos de trânsito, estacionamento e implantação de serviços sociais indispensáveis.
Mas simultâneo com este problema de preparar as estruturas urbanas para receber as populações repelidas das zonas rurais, ou certamente até precedendo-o, surge o de orientar estas populações quanto às regiões em que se vão fixar. Excluídas quaisquer medidas de carácter coercivo, por atentatórias às liberdades dos cidadãos, é através da criação de oportunidades de emprego que o Governo pode influenciar a orientação das migrações internas. E aqui aparece neste nosso estádio de desenvolvimento, caracterizado pela transferência para a indústria do maior peso de função produtiva, a necessidade de um plano adequado de Localização de industrias, que permita corrigir a natural acção centrípeta das zonas mais desenvolvidas.
Que no nosso país há assimetrias no crescimento que conduziram a uma situação de macrocefalia da região de Lisboa, é de todos sobejamente conhecido. No entanto, permito-me citar alguns índices, que são ainda, apesar da sua aridez, um modo mais objectivo de retratar a realidade, procurando cotejar as situações de Lisboa e do Porto. Deputado da Nação, não posso nem quero esquecer nunca as particulares responsabilidades que assumi com o meu círculo.
Para não saturar demasiado VV. Ex.ªs, apenas centrarei a minha análise nalguns números referentes à instrução, à indústria e ao nível dos rendimentos, apesar de tudo suficientes para demonstrar o desnível já actualmente existente.
Às populações residentes, calculadas para o ano de 1969 nas estatísticas regionais, eram, respectivamente, para os distritos de Lisboa e do Porto, de 1 590 000 e 1 375 000 pessoas.
No ensino primário, também no ano de 1969, havia 122 000 alunos matriculados no distrito de Lisboa e 162 000 no do Porto, enquanto que no ensino secundário os números eram já de 115 000 e 59 000 e no superior de respectivamente, 25 000 e 7000. Isto é, para uma população apenas 16 por cento superior, encontramos no ensino primário uma diferença para menos, explicada pela maior taxa de natalidade do Porto relativamente a Lisboa, mas no ensino secundário o desnível é já favorável à capital de 94 por cento e no superior de 256 por cento.
Na indústria, encontramos, no inquérito de 1964, a seguinte estrutura dos estabelecimentos industriais, nos distritos de Lisboa e do Porto:

Relativamente ao pessoal, e no escalão das 21 a 50 pessoas, havia 453 unidades em Lisboa e 554 no Porto. No escalão de 101-200 pessoas, os números eram de respectivamente, 186 e 189, começando aí o desnível crescente, que alcança no escalão entre 501-1000 os números de 67 e 39 e no escalão superior a 1000, 98 e 14, respectivamente.

Quanto ao valor da produção, a situação é paralela. Assim, encontramos para produções entre 101 e 500 contos anuais 38 unidades em Lisboa e 16 no Porto, e
entre 1001 e 5000, 525 e 523. Mas no escalão de 50000 a 100 000 contos, as unidades eram já 34 em Lisboa e 7 nó Porto, e acima de 100 000, 14 e 2, respectivamente.
Vemos nìtidamente um predomínio de empresas pequenas no Porto e de grandes unidades em Lisboa.
Mas o quadro é mais negro se atentarmos a que, no Norte, estão sobretudo concentrados os sectores industriais tradicionais, de baixa produtividade e reduzido efeito motor, nomeadamente os têxteis, o vestuário e o calçado, que representavam, quando do inquérito, 41 por cento da produção industrial do distrito.
Aliás, essa estrutura é bem demonstrada no facto de a produtividade do pessoal, relativamente ao valor acrescentado, ter sido, em 1964, de 25,8 contos no Porto, 44,2 em Lisboa, para uma média de 33,2 no continente. Ou ainda atentando que em Lisboa o capital fixo por pessoa ocupada era de 101,2 contos e no Porto apenas de 60,7.
Quanto ao aspecto tributário, temos para o ano de 1969, e para a contribuição industrial em Lisboa, 73 599 contribuintes com. um montante global de cobrança de 1 240 660 contos, o que dá um valor por contribuinte de 16,9 contos, enquanto que no Porto os valores são, respectivamente, de 52 775 contribuintes, 451 413 contos de colecta e apenas 8,6 contos a contribuição média, ou seja, cerca de apenas metade.
No imposto profissional, aparecem, em Lisboa e no mesmo ano, 170 408 contribuintes, um montante global de colecta de 508 709 contos, o que dá um valor médio de cerca de 3 contos, enquanto que para o Porto os números são, respectivamente, de 86 516 contribuintes, 166 171 contos para a colecta e 1,9 contos para o valor médio, ou seja, menos 35 por cento.
Estes índices permitem concluir, e isto mais não é senão confirmar a convicção generalizada, de que o nível da instrução e da cultura, e portanto das elites, as empresas de maiores dimensões e maior densidade de capital, e por isso mais progressivas, e a riqueza são proporcionalmente muito maiores em Lisboa.
E a tendência da evolução, se não a inflectirmos, não é certamente no sentido de reduzir este desequilíbrio.
Não será profundamente errado permitir uma progressiva atrofia do Porto, comprometendo-se assim a existência de um centro com suficiente importância para polarizar toda a zona norte, única possibilidade de se evitar caminharmos irremediavelmente para a solução aberrante de uma Lisboa grandiosa e dinâmica, cercada de uma província parada e vazia?

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, às 10 horas e 30 minutos, e o período da ordem do dia, em virtude do grande número de oradores inscritos, terá de começar até às 11 horas e 30 minutos, do que julgo conveniente prevenir VV. Ex.ªs, sobretudo aqueles que estão inscritos para falarem no período de antes da ordem do dia.
A ordem do dia terá como tema a continuação e conclusão do debate do aviso prévio sobre o ordenamento do território.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Página 1991

30 DE ABRIL DE 1971 1991

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Vaz Pinto Alves.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
António de Sousa.
Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Filipe José Freire Themudo Barata.
João António Teixeira Canedo.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Valente Sanches.
Teodoro de Sousa Pedro.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chames de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Diavid Laima.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalha.
João Duarte de Oliveira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Júlio Dias das Neves.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Rafael Valadão dos Santos.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortes.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - José Pinto

IMPRENSA NACIONAL

Página 1992

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