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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105
ANO DE 1971 23 DE JUNHO
X LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 105 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 22 DE JUNHO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.José Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
Nota. - Foram publicados o 3.º e 4.º suplementos ao n.º 100 do Diário das Sessões, que inserem, respectivamente, o parecer n.º 25/X (projecto de proposta de lei n.º 6/X), sobre liberdade religiosa, e o aviso de convocação extraordinária de S. Ex.ª o Presidente da República para reabertura da Assembleia Nacional no dia 15 de Junho.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Enviados pela Presidência do Conselho foram recebidos na Mesa, para cumprimento do exposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 139 (suplemento), 142, 143 e 144 do Diário do Governo, inserindo diversos decretos-leis.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Alar cão, que enviou um requerimento à Mesa, e Peres Claro, para se referir às recentes declarações do Sr. Presidente do Conselho proferidas em Setúbal.
Ordem do dia. - Apreciação na generalidade da proposta e dos projectos de lei sobre alterações à Constituição Política.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ávila de Azevedo, Sá Viana Rebelo e Cunha Araújo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 11 horas.
Procedeu-se à chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
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João Duarte de Oliveira.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Informo VV. Ex.ªs que na sessão da tarde porei em reclamação o n.º 102 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas de várias entidades ultramarinas apoiando a proposta do Governo sobre a revisão constitucional;
Telegramas de aplauso ao discurso do Sr. Deputado Ribeiro Veloso;
Telegramas de concordância às considerações do Sr. Deputado Neto de Miranda;
Telegramas acerca da invocação do nome de Deus na nova Constituição;
Carta de aplauso ao discurso do Sr. Presidente do Conselho proferido em 14 do corrente.
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho encontram-se na Mesa, para cumprimento do disposto no § 8.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo, 1.ª série, n.ºs 139 (suplemento), 142, 143 e 144, respectivamente de 15, 18, 19 e 21 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis:
N.º 257/71, que aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional da Constituição da União Postal Universal, aprovada pelo Decreto n.º 47 597, a
Convenção Postal Universal e respectivo Protocolo final, assinados no XVI Congresso da referida União, celebrado em Tóquio em 1969;
N.º 263/71, que aprova o novo regime sobre classificação de espectáculos -e divertimentos públicos - Revoga o Decreto-Lei n.º 41 051 e vários artigos do Decreto-Lei n.º 42 660 e do Decreto n.º 42 661;
N.º 264/71, que cria no concelho da Ribeira Grande, do distrito autónomo de Ponta Delgada, a freguesia de Santa Bárbara, com sede na povoação de Lomba de Santa Bárbara;
N.º 265/71, que insere disposições relativas a solucionar vários problemas sobre zonas de protecção para os estabelecimentos prisionais e tutelares de menores - Revoga os artigos 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 31190;
N.º 267/71, que introduz alterações ao Regulamento do Imposto para a Defesa e Valorização do Ultramar, aprovado pelo Decreto n.º 47 780;
N.º 268/71, que prorroga a vigência do Fundo de Renovação de Apetrechamento da Indústria da Pesca, criado pelo Decreto-Lei n.º 39 283, e altera a sua estrutura e funcionamento - Revoga os Decretos-Leis n.08 42390, 4849] e 49299;
N.º 270/71, que cria o Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines, destinado a promover o desenvolvimento urbano-industrial da respectiva zona;
N.º 273/71, que aprova, para ratificação, a Convenção Geral sobre Cooperação Científica e Tecnológica entre Portugal e a Espanha, assinada em Madrid em 22 de Maio de 1970.
Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Alberto de Alarcão.
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro, ao abrigo da alínea d) do artigo 11.º do Regimento desta Assembleia, que, pelo Governo, me sejam, facultadas as seguintes informações:
1.º Números de empresas industriais de tomate existentes no continente;
2.º Número de agrupamentos, e de empresas agrupadas em cada um deles, constituídos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 401/70, de 21 de Agosto;
3.º Critérios de fixação de pré-financiamento de campanha;
4.º Definição do período de campanha e critério de escalonamento da satisfação de pré-financiamentos;
5.º Número e montante de pré-financiamentos concedidos na campanha agrícola de 1971, ao abrigo do referido diploma.
Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Junho de 1971. - O Deputado, Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Esteve há poucas horas no distrito por cujo círculo fui eleito e na cidade que me foi berço o Sr. Prof. Marcelo Caetano, que, na sua qualidade de Presidente da Comissão Central da Acção Nacional Popular, ali foi encerrar o II Plenário dos dirigen-
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tes das várias comissões do distrito de Setúbal. Apresentando a comissão distrital local como um exemplo a seguir pelas demais, na evidente preocupação de doutrinação política para levar os cidadãos a participar mais na vida pública, informados melhor sobre os grandes problemas nacionais, mais uma vez o Sr. Prof. Marcelo Caetano, na sua habitual clareza e concisão de palavras, definiu os caminhos da organização cívica pela qual todos quantos aqui estão foram propostos ao sufrágio dos cidadãos e por eles escolhidos, sabendo-os vinculados a uma formulação política.
E ao mesmo tempo que isto fazia, o Prof. Marcelo Caetano, também com a responsabilidade e a autoridade da Presidência do Conselho de Ministros, deixou um aviso, um aviso mais que me permito ler nesta manhã de outro dia de debates sobre a nossa lei fundamental:
Temos de nos acautelar contra a tentação de opor ao comunismo um liberalismo moldado sobre os padrões do descuidado século XIX. Não é por acaso que, nos países não comunistas, os partidos socialistas aparecem como estrénuos defensores de todas as liberdades, por eles mesmos metodicamente sufocados nos países onde governam sós. Os comunistas gritam sempre em voz alta contra as restrições dos direitos individuais nos estados que não dominam. E a razão é fácil: o liberalismo político, praticado com a ingenuidade de outrora, assegura-lhes facilidades de doutrinação e de acção preciosas para a destruição da própria liberdade. Ora uma liberdade que permita aos seus inimigos actuar à vontade é uma liberdade suicida.
O Sr. Casal Ribeiro: - Muito bem!
O Orador:
E mal vão os países que sacrificam ao mito da liberdade acima de tudo e ao prevalecimento da consciência e da opinião de cada um sobre a razão colectiva, a sua segurança interna e externa: por muito poderosos que sejam, espreita-os a decadência, se não a revolução e a ruína.
O aviso é tão claro que não necessita de comentários, nem eu sou homem capaz de os fazer senão com frases ditas e reditas desde o princípio da historia e que não serão de dizer entre gente esclarecida, tais como a do cavalo de Tróia e outras quejandas. O que eu sei é que o povo - aquele que trabalha e luta e sofre na carne as agruras do dia a dia, não os intelectuais dos cafés ou os revolucionários das alfurjas -, esse povo não está hipnotizado por quarenta anos de paz, de ordem e de progresso social.
O Sr. Casal Ribeiro: - Muito bem!
O Orador: - Está, sim, consciente dos benefícios do clima em que viveu. Se isso á estar despolitizado, então o povo está despolitizado, mas não é com banhos de liberdade, temperados à bomba, com assaltos e atentados, que o politizaremos melhor.
O Sr. Casal Ribeiro: - Muito bem!
O Orador: - Por cá, como se amostra, a mezinha continua a ser a mesma. Sejamos realistas.
O Verão começou hoje. Bendigamos a amenidade estival do nosso clima. Não ficaremos talvez na história, mas, francamente, quem trabalha aqui para isso?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito para usar da palavra no período de antes da ordem do dia.
Vamos, pois, passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade da proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política. Tem a palavra o Sr. Deputado Ávila de Azevedo.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: 1. Quando se inaugura um novo período da vida política nacional e se procede a uma revisão constitucional, quando se debatem doutrinas ou simplesmente se opõem atitudes sobres determinadas concepções do nosso direito público - será porventura oportuno e até proveitoso debruçar-nos sobre a era constitucional da Nação Portuguesa.
Procurar não sòmente seguir a sua evolução, os seus avanços ou os seus recuos, as suas conquistas ou as suas derrotas, as suas afirmações ou as suas negações, mas também - e esta parece-me a análise mais interessante - deduzir os princípios fundamentais, sempre os mesmos princípios, em que assenta o nosso direito constitucional.
Não precisamos de remontar a um passado muito longínquo. Mas temos realmente de proceder a uma rápida prospecção histórica para que possamos compreender as linhas determinantes da nossa revolução liberal e termos a noção bem precisa dos valores das nossas instituições políticas. Na história de Portugal, oito vezes secular, o liberalismo conta cento e cinquenta anos, um século e meio, ou seja sòmente a sucessão de cinco gerações de Portugueses. Assim, os avós de nossos avós debateram quase em idênticas circunstâncias os problemas que estamos agora a debater. E, pois, por uma tentativa de visão objectiva das realidades, e não pelo gosto do passado, que os vamos expor.
2. De facto, o período, constitucional da Nação iniciou-se com a «Constituição Política da Monarchia Portugueza», datada de Lisboa e do Paço das Cortes de 23 de Setembro de 1822. Nesta Assembleia continuamos a tarefa começada pelos 141 Deputados das Constituintes. Somos os herdeiros dos vintistas, tal o nome como passaram à história os prosélitos da primeira revolução liberal.
A Constituição, a que acima aludi, se «rã um instrumento jurídico e uma norma fundamental da governação pública, tinha igualmente aspectos míticos. O Soberano Congresso - tal como ele foi celebrado na literatura do tempo - despertara no País uma rajada de euforia, donde tudo se esperava para a regeneração nacional.
A Constituição elaborada por aqueles Deputados inspirava-se na célebre Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa e transcrevia uma grande parte dos seus artigos da constituição espanhola de Cádis de 1812, renovada em 1820. Correspondia a um impulso revolucionário e reflectia as novas correntes ideológicas, sociais, políticas e económicas. Mas os seus redactores
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tiveram ainda a pretensão de se fundamentarem nas nossas tradições de liberdade cívica e de representação popular das antigas cortes medievais.
Era - ou melhor, julgava-se que fosse - um compromisso entre as nossas tradições de direito público e o novo direito escrito, cujo primeiro texto tinha sido redigido na Constituição Americana de 1787. Essas tradições de direito público tinham, pelo menos, vigorado em Portugal até às Cortes convocadas por D. João IV no momento da Restauração. Foram perfeitamente definidas por um jurista contemporâneo, o Dr. Fr. Velasco de Gouveia:
Este poder [escrevia ele a propósito do poder político] consiste e está em toda a república, povo ou comunidade.
E explicava ainda melhor:
O poder régio dos reis está originalmente nos povos e nas repúblicas e que deles o recebem imediatamente.
Ora, quando a Constituição de 1822 declarava no seu artigo 26.º:
A soberania reside essencialmente na Nação ...
Nenhum indivíduo ou corporação exerce autoridade pública que não derive da mesma Nação.
repetia, por palavras modernas, as normas jurídicas consignadas nos textos e transmitidas pelos costumes da Nação Portuguesa. Se, por um lado, o novo direito constitucional restaurava as antigas liberdades, por outro lado, negava o absolutismo dos monarcas, o poder legislativo, inspectivo, policiativo, judiciário e executivo do rei, sumariado por estas palavras na linguagem preciosa do marquês de Pombal. Este poder dividia-se agora em executivo, legislativo e judicial, segundo o Espírito das Leis, de Montesquieu ...
A nossa Constituição, como todas as outras constituições europeias, iniciava a era das constituições escritas, espécie de contratos entre os representantes do povo e o Estado para regular a vida dos cidadãos e construir uma sociedade sobre novos moldes.
Até então, os povos e as nações tinham vivido e prosperado sem as constituições. Já o bom José de Maistre, mestre da contra-revolução, escrevia em 1809:
Um dos grandes erros do nosso século, que abraçou todos os erros, foi acreditar que uma constituição podia ser escrita e criada a priori. A razão e a experiência aprovavam que as leis fundamentais de uma nação nunca podiam ser escritas.
E chamava ele aos textos constitucionais verdadeiras quimeras. Mas, meus senhores, são muitas vezes as quimeras que governam os povos e até os conduzem aos mais altos destinos.
3. Apesar dos seus propósitos de renovação e da sinceridade do ideal revolucionário dos seus representantes, as Constituintes de 1821-1823 foram apenas um episódio, sem continuidade imediata, na evolução das nossas instituições políticas. Porventura a razão essencial da falência do Soberano Congresso provinha do facto de ele representar um acidente extemporâneo na nossa tradição monárquica, no paternalismo real, numa colectividade nacional mal preparada para receber e para compreender os direitos do homem e os conceitos de cidadão, tal como eles haviam sido formulados pelos «filósofos» da Revolução. Era uma planta exótica mal transplantada para a terra portuguesa. Como se escrevia na Gazeta de Lisboa por esta época:
Não se havia passado de «declamações vagas e estéreis, fanfarronadas de ânimo, valor e coragem que morriam, de medo, antes de acabarem de sair da boca de quem as proferia» 1.
A Constituição de 1822 reunia um conjunto de teorias arriscadas, .cujos efeitos ainda não se tinham experimentado. Coarctava o princípio da intervenção real num momento em que ela ainda estava bem viva na memória dos Portugueses. Era apenas uma explosão de romantismo político gerado numa coorte de militares e de académicos, sem apoio nem adesão da massa populacional, sem ligações com a organização administrativa do território. D. João VI, na proclamação que dissolvia as Cortes, podia designá-la como «a monstruosa Constituição», e acrescentava com alguma verdade que ela era «incompatível com os antigos hábitos, opiniões e necessidades do Povo Português». Dos debates e das resoluções das Constituintes e da Constituição por elas promulgada nada ficava de pé aparentemente. Eram iconoclàsticamente declaradas pelo rei «nulas e de nenhum efeito todas as inovações, decretos e leis emanadas das referidas Cortes, como destituídas de toda a autoridade, poder soberano e legislativo» 2. O Portugal histórico e tradicional retomava todos os seus direitos e a Revolução de 20 não fora mais do que uma nuvem de fumo dispersa por acto de vontade do soberano.
No entanto, uma parte do escol português, experimentado nas agruras da emigração, instruído pelas obras dos enciclopedistas, humilhada com as desgraças da Pátria, não prescindia do direito escrito como lei suprema do País. Já não se podia governar senão em termos constitucionais. Dizia uma quadra popular:
Já pouco tarda o momento
Da nossa consolação
Em que há-de baixar dos Céus
A nova Constituição 3.
O próprio D. João VI, apesar do seu realismo, da sua experiência amarga, quando revogou a Constituição de 1822, nomeou uma Junta para preparar o projecto da Carta de Lei Fundamental da Monarquia 4.
Não cumpriu, porém, a promessa desta Carta, que só seria outorgada, depois da sua morte, pelo filho primogénito, D. Pedro IV. O falecimento de D. João VI foi considerado pelo boletim clínico «a morte miais calamitosa para os Portugueses». E os factos vieram a confirmar esta asserção.
4. Desde a revogação da lei constitucional de 1822 a Nação ficara dividida em duas facções: a dos Liberais ou Constitucionalistas e a dos Absolutistas ou Realistas. Os primeiros propunham reformas e julgavam indispensável uma alteração do sistema de governo; os últimos apenas se contentavam com reformas superficiais, admitindo, porém, uma convocação das Cortes à maneira tradicional.
Foi neste clima de opinião - e passo em claro factos conhecidos de todos - que surgiu na barra de Lisboa, em 2 de Julho de 1826, a corveta Lealdade com a «Carta
1 Gazeta de Lisboa, 8 de Agosto de 1823.
2 Proclamação de 4 de Junho de 1824. Idem, suplemento ao n.º 133, de 5 de Junho de 1834.
3 António José Brandão, Sobre o Conceito de Constituição Política, p. 32.
4 Gazeta de Lisboa, de 21 de Junho de 1823.
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Constitucional da Monarchia Portugueza dada e decretada pelo Rei de Portugal e Algarves, D. Pedro, Imperador do Brasil aos 20 de Abril de 1826». Apesar de a infanta-regente, D. Isabel Maria, asseverar que cumpriria e faria cumprir «aquele imortal Código Constitucional», «única tábua de salvação política», a Carta só vigorou, nesta primeira fase, dois escassos anos. D. Miguel I, regressado ao Reino, do seu exílio de Viena de Áustria, dissolvia as Cortes e convocava no Palácio da Ajuda, em 3 de Maio de 1828, «os três estados do Reino», os representantes dos três braços, clero, nobreza e povo ...
A Carta Constitucional, depois do efémero reinado de D. Miguel I, só seria restabelecida em 1834 com o triunfo das hastes liberais, comandadas por D. Pedro, o rei-soldado. Ainda assim sofreu um eclipse de 1838 a 1842, enquanto vigorou a Constituição promulgada pelos revolucionários de Setembro, inspirada na de 1822. Mas é sob a sua égide, durante sessenta e oito anos seguidos, até 1911, quase na nossa geração, que decorre um dos períodos mais tranquilos, mais prósperos, mais fecundo em enriquecimento moral e em realizações materiais da história da Nação Portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As três revisões que sofreu em 1852, 1855 e 1896 não alteraram os seus preceitos fundamentais.
Depois desta excursão histórica, de que peço vénia aos meus ilustres ouvintes, podemos concluir que a Constituição de 1822 e a Carta de 1826, os dois textos básicos do nosso direito constitucional, marcam igualmente duas tendências, duas correntes, duas concepções políticas do nosso sistema liberal, com ressurgências que chegaram até aos nossos dias e daí o seu interesse. São os vintistas de 1822 que reaparecem na Constituição Política da República Portuguesa de 1911; são os cartistas moderados, os defensores do poder executivo autoritário que inspiram a Constituição do Estado Novo de 1933, aquela que estamos presentemente a rever.
Sr. Presidente: - 5. De facto, na Constituição de 1822 estavam representadas as ideias liberais na sua feição mais extremista. O poder real encontrava-se diluído, deixando-lhe intervenção insignificante na promulgação das leis. Criava-se ainda uma deputação permanente das Câmaras como que encarregada de vigiar o procedimento do Governo. Além disso, como a Constituição só previa uma câmara electiva, não existia um órgão colectivo que servisse de conciliação entre ela e o Governo. Os representantes directos do povo podiam usar discricionàriamente da força da sua opinião. A Constituição iniciava-se pela declaração dos direitos do cidadão, tal como tinham sido proclamados pela assembleia revolucionária da França. Deste modo as Constituintes de 20 representavam um meio termo entre o poder demagógico da maioria e o poder que resvalaria facilmente para o despotismo. E, na verdade, quando a Revolução de Setembro triunfou em 1836, Passos Manuel e os seus sequazes promoveram as principais reformas liberais, em regime de governo pessoal, sem o funcionamento da Câmara, só convocada mais tarde.
Na famosa Carta Constitucional, pelo contrário, quase decalcada na Constituição Política do Império Brasileiro, inspirada pelos ditames políticos de Benjamim Constant, outorgada pelo presuntivo rei de Portugal, como um favor concedido aos seus súbditos, toda ela arquitectada em torno das prerrogativas e da intervenção do monarca, contenham-se os ingredientes fundamentais para se conciliar em Portugal a autoridade e a liberdade, o exercício do poder legislativo e do poder executivo, da soberania popular e dos direitos reais ainda tão solidamente ancorados na mentalidade do povo português. Desta maneira, a Carta, redigida apressadamente, era, na verdade, um instrumento legislativo que correspondia às necessidades reais da Nação.
Segundo um dos mais doutos juristas portugueses, a Carta tanto é a pedra angular de todas as nossas leis secundárias como a cúpula de todo o edifício social que construímos no século XIX 5. Pode afirmar-se que, por uma sábia inspiração dos seus redactores, ela constituía uma experiência das regras e das condições em que devia ser governado o povo português.
Donde lhe provinha esta validade e esta vitalidade? A Carta Constitucional tinha introduzido no seu contexto, além dos três poderes clássicos - executivo, legislativo e judicial -, um quarto poder, que exerceu notável influência nos nossos costumes políticos - o chamado «poder moderador» -, tal como vem identificado no capítulo I do título v.
«O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e compete privativamente ao Bei» - são expressões do texto da Carta. Acrescentava-se ainda, não tanto como norma de execução, mas como preceito didáctico, que este poder devia velar pela «independência, harmonia e equilíbrio dos mais poderes políticos» (artigo 71.º).
Esta ideia não tinha brotado do cérebro dos conselheiros de D. Pedro IV, mas havia sido produto das lucubrações de um desses irrequietos espíritos do Romantismo, o escritor e jurista Benjamim Constant (1767-1830), que subtilmente distinguiu o poder real do poder moderador:
O poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial [escrevia ele] são os três mecanismos que devem cooperar, cada um na sua parte, no movimento geral; mas quando estes mecanismos se desarranjam, se atravessam, se entrechocam e se embaraçam, é necessária uma força que os reponha no seu lugar ... Esta força tem de estar fora para que seja neutra e a sua acção se aplique quando se torne necessária 6.
Adivinhamos que a força neutral, cuja interferência é logo solicitada quando se desarranje alguns dos mecanismos constitucionais, é o poder real, não tanto como poder executivo, mas como poder moderador. Isto numa monarquia. Mas numa república, de tipo presidencialista, será o próprio Presidente da República.
Este quarto poder, ainda reforçado na monarquia constitucional como uma câmara vitalícia, a Câmara dos Pares, é porventura o traço mais característico das nossas instituições políticas na época contemporânea.
Permitiu ele que na segunda metade do século passado, apesar das lutas partidárias, das balbúrdias parlamentares, das mudanças sucessivas de governo, o monarca representasse um elemento de equilíbrio e de persuasão, fosse um árbitro respeitado acima das paixões e das facções, um esteio seguro dos interesses nacionais nos momentos de crise. Podia afirmar um comentador avisado que a Carta era mais liberal do que democrática. Mais liberal - porque não só inscrevia, mais ainda, procurava garantir as liberdades fundamentais dos cida-
5 J. Lopes Praça, Estudos sobre a Carta Constitucional, vol. 1.º, p. III.
6 Príncipes de politique applicables à tous les gouvernements representatifs, pp. 34 e 35.
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dãos; menos democrática - porque cerceava os impulsos da soberania popular, por intermédio de um sistema assaz complexo de pesos e de contrapesos, cujo funcionamento se destinava a refrear e a neutralizar todas as formas, políticas 7.
E a vida constitucional portuguesa passa a oscilar desde 1822 até aos nossos dias nestes dois pólos, nestes dois termos contraditórios: umas vezes reforça o poder da autoridade, outras vezes ensaia os princípios democráticos mais extremos. Sob muitos aspectos, a Constituição Política da República Portuguesa, promulgada em 21 de Agosto de 1911, revivia pela sua intenção democrática, pela reafirmação dos direitos individuais, pelo predomínio parlamentar e sua consequente iniciativa legislativa e, sobretudo, pela ausência do poder moderador, as Constituições de 1822 e de 1838. Com esta Constituição, e tendo em linha de conta o ardente idealismo, a elevação moral e até o desinteresse material dos propagandistas republicanos, caímos novamente nos excessos da demagogia, a pretexto de proclamarmos novamente as liberdades e garantias democráticas.
É mesmo de sublinhar que esta Constituição tenha como fontes principais não só a Constituição Brasileira de 1891 e as constituições do regime liberal de 1822 e 1838 - aquelas que tinham sobreposto as liberdades do indivíduo ao consenso dos interesses supremos da colectividade. Era, por consequência, a corrente individualista, provavelmente imanente da psicologia social ido povo português, que triunfava. Estava igualmente de acordo com os princípios do Contrato Social de Rousseau, que admitia a existência de direitos anteriores à própria sociedade, derivados da existência de um estado natural, anterior ao estado social. Esta teoria, segundo um notável constitucionalista português, leva a definir os direitos do indivíduo como liberdades e os direitos do Estado como domínio 8. Isto é, no pacto social a afirmação de cidadania primava sobre a constituição da própria cidade ...
Como acontecimentos calamitosos vieram a demonstrar nos anos compreendidos entre 1911 e 1926 - período limitado de quinze anos-, as leis constitucionais do regime, que se pode chamar com alguma propriedade a Primeira República Portuguesa, não se adaptavam ao estádio de evolução social e à mentalidade do agregado nacional. As virtudes e excelsas qualidades de alguns dos nossos estadistas diluíram-se e naufragaram num sistema constitucional que não assegurava nem a estabilidade das instituições nem os governos.
E foi assim que surgiu em 1926 a Segunda República Portuguesa, com a Constituição aprovada em 1933, ainda em vigor.
6. Esta nova ordem constitucional tem como objectivo adaptar-se às exigências temporais de um determinado momento histórico, como apreciou com a sua habitual justeza e a sua meridiana clareza o Prof. Marcelo Caetano 9. Nela se reunia ou se julgava reunir com largo espírito de assimilação o que a experiência tinha definido como superiormente útil e aproveitável e conservava-se, em obediência no respeito pelas liberdades humanas, tudo o que era possível haurir da Constituição de 1911, ainda que com cautelas e restrições que o tempo veio a provar serem inadequadas ao nosso sistema social.
7 António José Brandão, op. cit., p. 59.
8 Marnoco e Sousa, Constituição Política da República Portuguesa, pp. 7 e 37.
9 Tratado de Ciência Política e Direito Constitucional, pp. 450-469.
Nesta Constituição tornava-se visível a tendência presidencialista e o uso da faculdade legislativa do Governo. Introduziam-se disposições da Constituição de 1826; certos esquemas corporativos, tal como haviam sido definidos pelos doutrinários da contra-revolução portuguesa e ainda uma inspiração de natureza externa para reforçar a autoridade presidencial e o exercício do poder executivo de um primeiro-ministro ou Presidente do Conselho: a da Constituição da República Federal Alemã de Weimar. É bem notório que, para evitar os abusos do parlamentarismo das Constituintes de 1822 e da Constituição da República Portuguesa, se caiu no extremo oposto do predomínio do Executivo. Eram, porém, os sinais dos tempos e o reflexo de uma reacção antiparlamentar que sobrevinha na Europa depois da conflagração de 1939-1945. Afirma, no entanto, o Prof. Marcelo Caetano, com razão, que, apesar do desfavor em que se encontrava a ideologia democrática, não se deixaram de consignar mo texto alguns dos seus preceitos fundamentais.
Todavia, o seu princípio orientador, a sua força actuante residia na inclusão de um idos valores herdados da experiência constitucional portuguesa e já assente na tradição que produzira os melhores frutos: o famoso «poder moderador». No dizer ainda de Marcelo Caetano, os governos passavam a apoiar-se não nas assembleias parlamentares, mas, para usar das suas palavras, na «confiança do Chefe do Estado, do Presidente da República, que constituía assim, de direito e de facto, o fecho da abóbada constitucional» 10.
Pode concluir-se, portanto, que importa manter, revigorar e aperfeiçoar este (princípio orientador. Mas, como já ensinava o Prof. Marnoco e Sousa, as constituições políticas têm por objecto organizar os poderes do Estado e sancionar as garantias imprescindíveis da liberdade dos cidadãos. Devem estabelecer harmonia perfeita e fecunda entre o direito do Estado e o direito do indivíduo, entre as exigências da autoridade e as da liberdade 11. É, afinal, neste necessário equilíbrio entre a autoridade e a liberdade - uma autoridade que não se transforme em poder despótico ou totalitário, nem liberdades que se dissolvam na desordem e na anarquia - que se pode garantir uma vida constitucional sã e produtiva.
As constituições são ou devem ser obra do tempo, e não uma criação arbitrária dos homens. E, por consequência, numa fase de transformação da política nacional, num desafio ao imobilismo em que por vezes mergulhamos, na necessidade de obedecer aos condicionalismos de um novo ambiente social e económico que a proposta de revisão constitucional do Governo é presente a esta Câmara e à qual dou a minha aprovação na generalidade.
7. A mim, que não sou jurista, julgo que na sua essência esta proposta constitucional vem muito especialmente assegurar e concretizar as liberdades dos cidadãos portugueses, para além de outros pormenores de natureza jurisdicional. Como já acentuámos, a Constituição de 1933, embora, por singular paradoxo, alongando e especificando essas liberdades, levantara com o .decorrer do tempo barreiras ao seu pleno exercício. Liberdades que são ainda as formuladas pela primeira Constituição portuguesa - «ninguém deve ser preso sem culpa formada»; «a casa de todo o português é para ele um asilo»; liberdade de consciência religiosa; liberdade de expressão de pensamento e de associação; liberdade de viajar e de emigrar; o sigilo da correspondência ... São elas a pedra de toque
10 Tratado de Ciência Política e Direito Constitucional, pp. 450-469.
11 Op. cit., p. 4.
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da segurança pessoal e do respeito devido à dignidade da pessoa humana. Nesta nova teoria de direitos da proposta de lei do Governo também se podem inserir aqueles concedidos às populações das nossas extensões ultramarinas, que eu já tinha visto afirmados e desejados durante os vinte anos que vivi em Angola. São igualmente outros direitos outorgados pela nova revisão constitucional os que alargam os poderes e as responsabilidades desta Assembleia como lídima representação das aspirações e dos interesses dos cidadãos portugueses.
É de esperar, em tempos mais próximos, que a educação do povo português na liberdade, a elevação do seu nível de vida e a sua progressiva europeização, uma mais clara e mais sólida consciência cívica, meios eficientes e mais directos de comunicação humana nos levem a uma segunda revisão constitucional. Será então a oportunidade de alargarmos e reforçarmos estes direitos individuais. Para a consecução desse ideal constitui a mais valiosa contribuição toda a matéria contida e brilhantemente exposta pelos nossos colegas redactores do projecto de lei n.º 6/X.
Entre outras inovações - se se pode chamar inovação - do articulado desse projecto encontra-se o da eleição do Presidente da República «por sufrágio directo dos cidadãos eleitores». Não resta qualquer sombra de dúvida, como já aqui foi demonstrado com argumentação convincente, que só este processo de escolha do Chefe do Estado corresponde à feição presidencial, ao conceito do poder moderador e ao mecanismo da Constituição vigente. E um atributo da soberania nacional, tal como ele vem definido no artigo 71.º da própria Constituição. Como poder supremo, a autoridade do Presidente deve brotar da mesma fonte que a da eleição da Assembleia. Há, todavia, uma diferença entre uma realidade constitucional e uma consideração de oportunismo político, que leva a não alterar a forma de eleição por colégio reduzido. Nas actuais circunstâncias ambientais da vida nacional, julgo de conceder a primazia ao oportunismo político.
O terceiro texto da revisão constitucional - o projecto de lei n.º 7/X - representa na sua aspiração essencial o voto de um dos nossos inesquecíveis companheiros de trabalho, o Dr. Leonardo Coimbra, falecido ao serviço da Nação. Pugnou sempre para que o nome de Deus figurasse no texto da Constituição. Esta generosa intenção foi esclarecidamente resolvida pelos juristas da comissão eventual com a redacção sugerida para o artigo 45.º
A revisão da Constituição, da feliz iniciativa do Governo a que preside o Prf. Marcelo Caetano, bem como as leis subsequentes sobre a liberdade religiosa e a liberdade de imprensa, são decisões há muito esperadas, que anunciam a alvorada de um. novo ciclo no sempre precário e custoso equilíbrio entre o prestígio da autoridade do Estado e a afirmação das liberdades individuais - no (dualismo com que as procurámos concretizar na nossa intervenção.
Pelo que ouço lá fora, a Nação acompanha as perplexidades e as ansiedades dos seus representantes neste apaixonado debate. Há, de facto, um despertar da consciência nacional e uma esperança de que os preceitos constitucionais se possam cumprir e guardar inteiramente, para usar de uma fórmula da nossa primeira Constituição.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sá Viana Rebelo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Breves palavras vou pronunciar. Um depoimento apenas, que se traduzirá com declaração de voto.
Não há muito tempo, Marcelo Caetano, ao dirigir-se aos Portugueses a propósito da revisão constitucional, afirmou saber bem o que dela pensavam as gentes do ultramar e, por isso, não tinha receios de ser, ali, o projecto apresentado pelo Governo, alvo de dúvidas, de inquietações ou de más interpretações.
Tinha razão o Sr. Presidente do Conselho.
No ultramar sabe-se bem aquilo que, unicamente, pode pensar e dizer um governante a quem Portugal conferiu um mandato baseado em confiança, simpatia e consideração e não se admitem controvérsias sobre os princípios fundamentais da Nação, tão simples, tão claros, tão irredutíveis têm sido através de séculos de uma história que o fio se renegou, pois nela nada se encontra que envergonhe ou sequer minimize.
Portugal, sentimo-lo bem, palpita nos corações dos homens de além-mar com a mesma veemência que aqui, na Europa, com o mesmo desejo de pertencermos à lusitana grei, anima-nos idêntica ânsia de servir a Nação.
Mas também, isso sim, possuímos uma forte vontade de, sem abandonarmos os rumos gerais, sem nos desviarmos das directrizes mestria.» do Governo, que devem ser, que são, as mais convenientes para o País, possuímos uma forte vontade, dizia eu, de maior autonomia político-administrativa, de maior capacidade de governação, pois, não afirmo só nós, mas principalmente nós, julgamos saber o que mais convém ao ultramar para a sua vivência, para o seu progresso e até para o fraterno estreitamento de relações com Portugal europeu.
A política só é uma realidade válida quando verdadeira e justa. Ora deixa de patentear essa desejada verdade, essa ansiada justiça se ante ela se ergue a geografia, com as distâncias que podem galgar-se em horas, mas têm exigências que só anos de vida conseguem minorar.
O homem do ultramar, e nele destaco e me refiro ao de Angola, porque Angola represento nesta Casa, é tão português como o do Minho ou Alentejo, mas aprecia os problemas da terra onde vive por óptica própria, habituado a horizontes vastos da sua província, às perspectivas largas, aos potenciais poderosos. Não poderá, portanto, sem se sentir anquilosado, pensar em ser praticamente administrado de longe por departamentos estatais tantas vezes orientados por pessoas que de Angola pouco sabem, ou porque jamais viveram os seus anseios, ou .ainda porque, tendo lá estado e até lá ocupado cargos por vezes elevados há dezenas de anos, pensam conhecê-la, esquecidos de que Angola está em renovação constante, impaciente, explosiva.
Tais processos de administração geram atritos e às vezes espantos que convém arredar das relações entre .partes integrantes de Portugal, e julgo que os artigos referentes ao ultramar constantes da proposta de lei n.º 14/X conseguem o que se pretende, isto é, «leis votadas pelos seus órgãos legislativos, governo privativo que assegure a marcha corrente da administração pública, finanças provinciais que permitam custear as despesas locais com as receitas localmente cobradas segundo o orçamento elaborado e aprovado pela sua assembleia electiva»..
Assim se dará cumprimento àquilo que o ultramar deseja e ao que Marcelo Caetano afirmou:
Grandes regiões, como Angola e Moçambique, de extensão imensa e incalculáveis potencialidades económicas, onde a todo o momento surgem novos problemas acarretados por um desenvolvimento impetuoso, com estruturas sociais muito diversas das
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deste rectângulo europeu, onde nos comprimimos há muitos séculos, não seria razoável que não possuíssem uma administração localmente apta a dar seguimento rápido, adequado e eficaz às questões de que depende a marcha quotidiana da vida social.
Posto isto, desejo bordar leves referências ao artigo 72.º da Constituição, isto é, à eleição do Presidente da República por intermédio de um colégio eleitoral constituído por membros da Assembleia Nacional e Câmara Corporativa em efectividade de funções e pelos representantes municipais de cada distrito ou de cada província ultramarina e ainda pelos representantes dos conselhos legislativos e dos conselhos de Governo.
Um projecto de lei apresentado e vozes autorizadas ouvidas durante este debate preconizam a eleição do Chefe do Estado por sufrágio directo dos cidadãos eleitores. O meu raciocínio e a minha sensibilidade conduzem-me a uma eleição por consulta à Nação, pois ao eleito convém certamente saber a sua audiência perante os Portugueses e estes sentem-se no direito de escolher a pessoa a quem entregarão durante anos a suprema responsabilidade de chefiar o Estado.
Sou, portanto, basicamente, pelo sufrágio directo e, consequentemente contra o recurso ao colégio eleitoral.
Todavia, não posso esquecer-me de que represento aqui Angola, uma província ultramarina actualmente atingida pela subversão, onde se combate ou se está em alerta permanente, situação que continuará, provavelmente, durante mais alguns anos e na qual é em absoluto necessário procurar afastar todas as causas que possam atentar contra a coesão, todos os motivos de divisão, e um deles poderia ser uma discussão para que não está preparada a maioria do eleitorado angolano. Formar-se-iam, inevitavelmente, correntes de opinião exaltadas e isto não só nas cidades, o que seria mau, mas também nos concelhos delas distantes, o que seria péssimo. E antevejo Angola, durante um ou dois meses, dividida, agitada, entregue a uma luta eleitoral, transformada, portanto, em campo mais aberto à guerra subversiva, que não deixaria, por certo, de aproveitar a dispersão das atenções para aumentar a agressividade, a confusão e talvez desordens sangrentas, isto é, a subversão traiçoeira a coberto de um acto cívico puro.
Encontro-me, pois, perante o que me dita a razão e aquilo que me aponta o sentido das realidades, este baseado em embates já distantes no tempo, mas que, infelizmente, ainda não esqueceram.
Pesando-os na balança das conveniências, do interesse das populações angolanas, sobretudo da grande massa que não possui a maturidade política precisa para distinguir a serena escolha de um Presidente da República da agitada e facciosa luta partidária, à volta de dois ou mais candidatos a tal cargo, ponderando as prováveis consequências, sou levado a optar pela eleição através do colégio eleitoral.
Sr. Presidente: Antes de subir a esta tribuna auscultei vontades, ouvi pessoas, li argumentações, meditei e concluí reproduzir o pensamento de Angola, dando a minha concordância na generalidade à proposta n.º 14/X apresentada pelo Governo, conducente a uma maior autonomia político-administrativa do ultramar, o que equivale, evidentemente, e ainda bem, a maiores responsabilidades governativas dentro de um Portugal sempre unido.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Dco juvante. Assente o princípio de que os homens nasceram para viverem em sociedade, e aceite, por outro lado, aquele outro que obriga ao respeito pela pessoa humana, é no aparecimento do Estado, como suporte de defesa e realizador da solidariedade social, que reside a origem da autoridade criadora do direito conciliador dos interesses de cada um com os do agregado sobre que aquele exerce o seu poder de soberania-una, indivisível, independente, inalienável e imprescritível. E, embora o direito seja anterior ao Estado por força de um consenso tácito inveterado consequente dos sentimentos de justiça comuns ao geral dos indivíduos, a verdade é que o direito positivo que naquele se molda não pode estar sujeito ao arbítrio nem às improvisações, por ter de assentar sempre em princípios preestabelecidos limitadores da sua actividade legislativa.
Daqui, organizados os Estiados como ordenadores da vida social, a necessidade de criar-se um estatuto disciplinador da sua função, regulador das relações Estado-cidadãos, isto é, uma lei fundamental que, sem ignorar as liberdades «essenciais» dos governados, fixe os princípios gerais que as leis ordinárias concretizarão, em obediência ao seu espírito informador. Neste discorrer, porque estamos tratando da revisão da nossa lei fundamental, ou Constituição Política, como, mais vulgarmente, se lhe chama, o facto, para além da responsabilidade e esforço de meditação a que obriga, convida a um relancear retrospectivo que nos dê uma ideia do quanto, já num passado distante, se cuidava da regulamentação do exercício do poder soberano, frente aos indivíduos que formavam e integravam a realidade social portuguesa.
São de sempre as leis fundamentais. Muito anteriores já ao constitucionalismo liberal, sempre através delas se autenticou o poder real da nossa monarquia tradicional. Anteriores mesmo ao século XVII, logo nos nossos primórdios, no século xm, segundo as Actas das Cortes de Lamego, os membros do clero, da nobreza e do povo, eleito D. Afonso Henriques, fizeram as leis da herança e sucessão do reino, havendo mesmo muito cedo a funcionar, através das denominadas «beetrias do reino» - houve dez em Portugal-, um curioso princípio de inspiração democrática, graças ao reconhecimento de um privilégio fundamentado na idoneidade - já então esta. era condição necessária- que àquelas circunscrições era reconhecida pelo rei e se concretizava na possibilidade de nelas, em vez de escolhido pelo trono, serem eleitos os seus representantes junto da coroa. (Entre parêntesis, devo dizer que a minha terra mereceu a honra deste privilégio régio.)
Assim, pactos de sujeição no passado, leis fundamentais seguidamente, constituições depois, seja qual for a denominação adoptaria, será sempre da organização do Estado e do consequente exercício da sua soberania que se trata, com vista à conveniente defesa dos direitos individuais e realização do bem comum.
Entre nós, o regime constitucional, em obediência ao surto do liberalismo de inspiração francesa, encontrou na Revolução de 1820 o ambiente propício ao seu estabelecimento e obteve a sua primeira expressão n» Constituição de 1822, que haveria de vigorar até à implantação da República, a qual, passando pela Carta Constitucional, sucessivamente abolida, restaurada e reformada por vários actos adicionais, daria lugar, implantado o novo regime, ao aparecimento da Constituição de 1911, que estabeleceu em Portugal o parlamentarismo, cujos inconvenientes, subordinado como se encontrava o poder executivo ao poder legislativo, cedo a desacreditariam
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pela instabilidade governativa que gerava, os partidos a dominarem o executivo manietado e submetido aos seus interesses e objectivos. Por tal modo, que as forças armadas, interpretando a vontade da Nação, sem sangue, através do chamado Movimento do 28 de Maio de 1926 - infelizmente já pouco lembrado -, instauraram um governo de ditadura militar, que suspendeu a Constituição de 1911, consequentemente o Parlamento. E assim, durante sete anos, se arrumou a Casa, findos os quais o Pais pôde regressar à legalidade constitucional com a Constituição de 1933, democraticamente «provada em plebiscito nacional, e que ainda se encontra em vigor, com as «Iterações que sucessiva e constitucionalmente lhe foram introduzidas através do órgão representado da vontade nacional e agora sujeita pela mesma via a novo processo de revisão, num esforço de actualização reconhecida como conveniente, embora sob o domínio de uma ideia fundamental: «A estrutura política da Constituição de 1933 deve ser mantida», pois, com a proposta de alteração em análise, «o Governo não pretendeu senão corresponder a aspirações nacionais, atendendo a necessidades novas ou indo ao encontro de expressões de necessidades antigas a que os tempos vão dando novos matizes, novo estilo ou novo vigor, na plena consciência das responsabilidades que lhe cabem». Aliás, dificilmente poderia tão perfeitamente coincidir o princípio da revisão, assinalado no artigo 176.º da Constituição, com a evidente necessidade de actualização e ajustamento requeridos por uma política de movimento e revitalizarão do Regime, a que, logo de início, Marcelo Caetano definira o rumo como sendo de evolução na continuidade, quanto a mim na mais perfeita síntese do programa de acção que melhor servia o interesse nacional.
De facto, não usados na legislatura passada os poderes constituintes que lhe cabiam, transitados estes para a presente, foi a iniciativa da lei de revisão aproveitada pelo Governo, numa atitude perfeitamente consentânea com os propósitos anunciados, os quais, dentro do espírito de maior liberalização adoptado, se, por um lado, aconselhavam a manutenção da estrutura da Constituição de 1933, pelo outro, lhe impunham um dever de estar atento e precavido contra os assaltos da subversão, isto é, «apetrechado com os poderes necessários para lhe fazer face onde quer que, de uma maneira ou de outra, ela se manifeste».
Isto o que fundamentalmente se quis e se propõe na proposta de revisão constitucional em apreciação, indubitavelmente toda ela impregnada de uma salutar preocupação de corresponder a anseios e necessidades nacionais justificadoras do recurso ao dispositivo que a permitiu. Identificado embora com tais propósitos, não me dispensei de usar da prerrogativa conferida pelo § 2.º do artigo 176.º da Constituição, subscrevendo, com outros Srs. Deputados, um projecto-lei em que se consignam algumas alterações julgadas oportunas e que em nada contendem com a essência da proposta na sua tramitação política, nem mesmo, e sobretudo, com a de maior valia para mim respeitante ao espírito inspirador da preconizada invocação do nome de Deus no preâmbulo da lei fundamental, aspecto que muito naturalmente me impõe por aqui começar a minha meditação. Se o puder conseguir, como quem fala de novo sobre problema velho, e de tal modo absorvido que talvez me suceda ser levado a descurar o trato de outros problemas que mais apaixonadamente têm preocupado as atenções de outros sectores desta Câmara.
Neste pendor, começarei por afirmar que, para mim, a invocação do Santo Nome de Deus no preâmbulo da nossa lei fundamental não resulta de qualquer predilecção mística, pois, por mais estranho que pareça a alguns, embora homem de fé, de obediência católica, razões políticas simultaneamente me orientam, estas derivadas de uma obrigação de darmos satisfação ao que se tem mostrado ser uma aspiração nacional. De facto, numa Nação de crentes - repare-se que falo apenas de crentes -, a discussão na sua Assembleia representativa do instrumento jurídico-político que consubstanciará a sua lei fundamental, põe, no meu entender, desde logo o problema da legitimidade do exercício do poder, para além do efémero da presença do homem na terra, no plano mais alto da sua derivação como ser, criatura de Deus, Senhor de todas as coisas, inspirador e julgador dos homens, governantes ou governados, todos de emanação Sua, que lhes predestinou os caminhos e marcou os rumos. Isto, independentemente da expressão religiosa da sua fé, católicos ou não, todos voltados para Ele. Insisto, independentemente da expressão religiosa da sua fé.
Mas digo legitimidade do exercício do poder, porque, tal como o concebo, o não julgo legítimo senão quando é exercido em obediência ao superior ordenamento divino de que brotou a consciência moral reguladora da conduta humana, fonte do direito normativo de convivência social, porque anterior ao Estado e à ordem jurídica por ele criada numa incontestável aceitação da origem sobrenatural do poder emanado de Deus - omnia potestas a Deo, como já dizia S. Paulo-, e só reconhecido e aceite pelos homens quando inspirado nos princípios humanitários pregados por Cristo na terra e defendidos mesmo por aqueles que O negam como Filho de Deus.
Pode haver quem discorde do ponto de vista exposto; porém, como nele estou muito bem acompanhado, não me impressiona o facto. Estou a lembrar-me, muito a propósito, do insigne mestre de Direito que foi Mário de Figueiredo, presidente desta Assembleia e seu leader também, quando, na discussão sobre o mesmo assunto havida em 1059, propôs, na Assembleia Constituinte de então, uma moção, que foi votada, em que se afirma «o profundo respeito por tudo quanto Deus representa como fonte e origem do poder, fundamento da moral e da justiça nas relações humanas».
Fonte e origem do poder, fundamento da moral e da justiça!
Certo. Certíssimo, Sr. Presidente.
Assim posta a questão, não tenho podido descortinar como numa nação como a nossa possa levantar problemas a inserção do nome de Deus na sua Constituição, que tantíssimas exibem, especialmente tal como se propugna, apenas como quem se persigna na invocação do patrocínio divino em missão de tanta responsabilidade, comprometido como se encontra nela o próprio homem e os seus direitos fundamentais, o homem que é criação Sua e Sua encarnação viva. Será por isso que, assim expresso o meu pensamento, me recuso a aceitar discutir Deus, tanto como não discuto a família de instituição sua, a não ser para afirmar Aquele e defender esta na indissolubilidade dos laços que homogenizam as pátrias, igualmente indiscutíveis, tudo a formar a sagrada trilogia sob cujo impulso dilatámos fronteiras e assegurámos soberanias, cruz à frente ostentando uma fé e identificando um povo de guerreiros, heróis e santos.
Não. Não iremos discutir Deus nem deixar de exteriorizar o Seu nome, invocatório de um patrocínio que todos desejamos em momento tão responsável. Poderemos aceitar discutir o lugar da Sua entronização, nunca o Seu reconhecimento expresso como fundamento da moral e da justiça que formam a substância das leis dos homens.
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Sr. Presidente: Não é esta a primeira vez que nesta Casa aparece um projecto de lei em que igual iniciativa se verificou, não procedendo, com verdadeiro pasmo nacional, que perdura, um desiderato, que, não prosseguindo objectivos confessionais, ninguém entendeu nem entende como pôde ou poderá contender com a essência política da lei fundamental. E não procedeu, certo que mais por pusilanimidade de alguns do que por oposição de princípio a sentimentos religiosos que, raríssimos, apesar de tudo. teriam a coragem de abjurar.
Vozes responsáveis de crentes intimoratos se afirmaram então numa limpidez de raciocínio impecável e insuperável contra que - longe disso - não foram formuladas objecções válidas. Tão bem, que considero a matéria esgotada, consequentemente de difícil trato, por nada de novo haver para acrescentar-lhe, de tal modo se «laminou» a argumentação da Câmara Corporativa, que à falta de outra para a já aduzida nos remete quanto ao essencial da questão. E, sendo assim, face ao inconformismo gerado, não é de estranhar que o problema voltasse a ser proposto, desta feita numa redacção que se não prestava a equívocos, satisfatória de todos os credos e anseios da era ecuménica que atravessamos entre nós mais do que justificável num momento em que o Estado se prepara para reconhecer a liberdade religiosa de todas as confissões, autonomizando a sua organização, com o fim de possibilitar a prática comunitária do culto de Deus; seja qual for a expressão religiosa, católicos, protestantes, maometanos, etc. - na metrópole ou no ultramar, onde virá a aplicar-se o regime que vier a ser aprovado. De estranhar é, pelo contrário e em consequência, que a Câmara Corporativa reedite argumentação infeliz, sem consideração pelas reacções verificadas e sentimentos latentes numa nação de crentes, a tal ponto que se não perdeu a oportunidade de «sujeitar» mais uma vez o nome de Deus à discussão e votação desta Assembleia, sem nenhum outro propósito, por todos o posso afirmar, que não fosse o de dar satisfação à consciência religiosa nacional, sem curar de distinguir as doutrinas com que cada um julga melhor servir Aquele. Ou não teria resultado evidente a intenção dos Srs. Deputados que subscreveram o projecto de lei n.º 7/X?
Para a ilustre Câmara Corporativa parece que não. Mas quando se volta para o que «lhe parece», amarrada ao que já lhe pareceu em 1959, então não consegue encontrar razões diferentes daquelas com que contrariou a primeira iniciativa, a meu ver numa predisposição incrível de não querer compreender o qlue é claro.
Pois de duas uma ...
Ou esta Assembleia é constituinte ou não é.
Ou representa ou não representa a vontade nacional.
Se é constituinte, no exacto entendimento do artigo 176.º da Constituição, tem poderes de revisão, e revisão é, segundo os lexicólogos, que os princípios de uma sã hermenêutica jurídica não contrariam, análise no intuito de rectificar, reformar, alterar ou anular, sendo certo que reformar significa mudar de forma, melhorar ou modificar. Modificar no sentido de completar e actualizar, tal como em 1945 já se fez ao «enxertar» na Constituição uma afirmação de princípio na consignação de que a religião católica é a religião da Nação Portuguesa, o que resultou incompleto sem a invocação do nome de Deus, pois não há religião stricto sensu sem Deus.
Se representa a vontade nacional, devem naturalmente ser seus e só seus os escrúpulos de consciência no tocante ao seu modo de estar espiritualmente no momento em que se prepara para deliberar em assunto de tamanha monta. E então, a invocação que se pretende do nome de Deus resultará de uma atitude devocionista sua indiscutivelmente satisfatória de um anseio nacional e absolutamente oportuna quando se revê, já que quando se revê se procura ver o que se não teria visto ou considerar o que se não considerou. Aliás, o que sobre o mais importará é dar satisfação à consciência nacional, razão do princípio constitucional que possibilita e justifica as revisões periódicas, sem preocupações quanto ao momento em que a satisfação se dá, desde que se dê, e sem atenções também pelo poder de quem partiu a iniciativa.
Daqui, no meu modesto entender, o não colher a argumentação do parecer da Câmara Corporativa no que se revela preocupado com o que chama adicionamento ex post factum de um pórtico ao edifício constitucional, que, segundo proclama, surgiria como que «enxertado» na lei fundamental. Isto porque não se trata exactamente de um «pórtico», mas de uma «inscrição» ausente de um pórtico que, mesmo como «lembrança fora de prazo», tem todo o cabimento. Ademais que nada repugna crer que, se em 1933 o Poder Constituinte se tivesse exercido pelo modo que o está sendo hoje, diferentemente se teriam considerado os direitos de Deus, que não teria deixado de obter a consagração por que se tem vindo a pugnar, sem que ao facto se possa chamar um «enxerto», que, a sê-lo, o é tanto como as restantes alterações que o processo revisionista autoriza e se pretendem introduzir como único modo de se actualizar o estatuto político-jurídico que se pretende fazer por adaptar às supervenientes exigências da vida da colectividade. Aliás, o facto de não constar ab initio do texto constitucional o nome de Deus, o que impede que, através das vias normais, o venha a ser desde que os actuais representantes da vontade nacional o decidam, o queiram no exercício de um legítimo poder de decidir e de querer? Por acaso, numa decisão de muito mais melindre, não se «enxertou» já na revisão de 1951 uma declaração de princípio, já referida, de indiscutível natureza confessional, contida na afirmação que se mantém na proposta de que a religião católica é considerada a religião tradicional da Nação Portuguesa?
Não. Mais do que a averiguação das intenções determinantes dos Srs. Deputados legislantes no uso de uma prerrogativa constitucional, importaria, por parte da Câmara Corporativa, & averiguação quanto à viabilidade ou inviabilidade da questão proposta no tocante a saber se caberia ou não dentro dos poderes revisionistas de que esta Assembleia está investida, já que da oportunidade ou inoportunidade do aditamento ela julgaria. Isto o devia à magnitude do problema proposto e ao respeito pela parcela de soberania que detemos, um e outro fundamente tocados por um raciocínio gerador de confusões e desavenças que haveriam de retirar todo o valor ao declarado reconhecimento «dos altos propósitos dos Srs. Deputados que subscreveram» o projecto de lei n.º 7/X, não tanto, afinal, que impedissem a douta Câmara de «desaconselhar a sua aprovação na generalidade»!
Mas bem hajam os ilustres Procuradores, que, esses sim, votaram vencidos no reconhecimento desses altos propósitos ...
Além de que resultava evidente que a intenção dos Srs. Deputados subscritores não foi a de, «mediante uma declaração preambular, deixar entendido que as demais
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declarações de princípios deverão ser interpretadas à luz de uma certa concepção de vida, que é a concepção cristã».
Mas se o fosse, porque os princípios consignados na Constituição são de influência sua - como se reconhece -, nada mais consentâneo do que afirmar-se Deus em cujo Nome Cristo, Seu Filho, pregou a sua doutrina; tão actual, que ainda hoje se reconhece como fundamento da moral e da justiça dimanada do código social mais avançado do Mundo, o Evangelho.
Pois é igualmente evidente que se a intenção fosse a de sublinhar «a posição muito especial que a religião católica goza em Portugal», mesmo assim, dada a formação que o parecer pressupõe nos signatários do projecto de lei e dado o reconhecimento expresso da religião católica como religião da Nação Portuguesa, também aquela seria legítima e de todo Compatível com o texto constitucional.
Mas não foi, pela circunstância facilmente a perceptível de que os Srs. Deputados subscritores não poderiam pretender impor ao todo nacional o reconhecimento de um Deus confessional, na medida em que não ignoravam que dentro dele existem, não interessa averiguar em que dimensão, outras expressões religiosas que crêem em Deus como Senhor e Criador dos Homens e de todas as coisas.
Quanto à insinuação de não ser de atribuir aos senhores subscritores do projecto «o simples propósito» de pretenderem, com a desejada invocação «dar a ideia de que o direito fixado na Constituição é qualquer coisa de particularmente estável e de particularmente merecedor do respeito de todos», embora se não alcancem as razões das dúvidas, se o tivesse havido - pois que o direito fixado na Constituição deverá ser, de facto, qualquer coisa de particularmente estável e de particularmente merecedor do respeito de todos - aqui ... já a Câmara Corporativa não andou distante, talvez, de parte do pensamento inspirador daqueles, não obstante o reconhecimento de que todo o direito é susceptível de ser revogado, o que Deus não impediria no sempre presente ordenamento de acerto e actualização que exige dos homens, a quem cumpre trabalhar para um mundo cada vez melhor.
Demonstrada assim a insubsistência da argumentação da Câmara Corporativa no iniciar da sua apreciação na generalidade do projecto de lei n.º 7/X, não querem deixar de particularmente contestar o valor daquela que se escuda no entendimento de não ser oportuna a invocação do nome de Deus num momento de revisão constitucional, já que, revista uma Constituição, a que resultar é para todos os efeitos uma Constituição nova, como a quiseram os legítimos representantes da vontade nacional quando chamados a pronunciarem-se sobre o seu conteúdo. Nova, ou se o preferirem, renovada, rejuvenescida «para dar satisfação a necessidades novas ou ir ao encontro de expressões de necessidades antigas», tal como o referiu o nosso ilustre Presidente do Conselho.
Pois, no que respeita, a pretendida invocação do nome de Deus, tal como se pretendeu, mais não foi do que a expressão de «uma necessidade antiga». Uma necessidade antiga cada dia mais premente e actual, tão arreigada se mostra na alma de todo um povo que penosamente percorre os longos caminhos que a Fátima - altar da Pátria - conduzem. Respeitosa e silenciosamente se incorpora nas procissões, ajoelha, humilde, à sua passagem quando nelas o Corpo de Deus, deixado o sacrário, vem à rua na imensa Majestade da Sua representação
eucarística. De todo um povo que enche os nossos templos, manda os seus filhos à catequese e reza cada dia mais sequioso de infinito na procura de Deus que lhe proteja os filhos, noivos, maridos e pais em luta aberta pelo ultramar, que também o é pela Cristandade que ali nos levou e arreigou para dilatação da Fé.
Porquê, pois, todos nos perguntamos, numa Constituição que se revê em aceso período de uma guerra espoliadora que o ateísmo sobretudo fomenta - porquê, pois, numa Constituição que se revê em larga medida com a preocupação desse ultramar que colonizamos à sombra da Cruz e missionamos em nome de Deus, porquê os pruridos em volta do Seu nome e malabarismos de raciocínios injustificados?
Será, de facto, uma questão de lógica jurídica que leva à oposição que se não adivinha donde vem e por que vem?
Sr. Presidente: Eis a pergunta que todos nos pomos aqui e lá fora, convencidos de que outras serão as razões ...
Pois a verdade é que se sussurra nos bastidores, se contesta por contentar, sem persuasão nem fundamentos válidos. Nem se sabe onde se acoitam as forças opositoras nem se lhe adivinham os instigadores!
Mas a oposição existe.
Procuram-se fórmulas conciliadoras para se dar satisfação não se sabe a quem, como a temer-se que Deus .venha a dividir os homens; aqui e além alguns a esquivarem-se a uma decisão de consciência, como se Deus e César estivessem em conflito ou estivéssemos em presença de opções que não são de pôr, de qualquer modo alheados da consciência nacional a que apenas devemos subordinação, tudo a mostrar escrúpulos e tibiezas hoje, que se não verificaram com o aparecimento da mais liberal das nossas Constituições, a de 1822, que começava como devia, invocando o nome da Santíssima Trindade!
Perdoe-me, Sr. Presidente, mas tenho tido uma enorme dificuldade em parar. Só agora estou sentindo que talvez tivesse sido melhor «rejeitar» desde logo na generalidade, sem comentários, o parecer, que tão longe me levou, pois, deste jeito, consumi o tempo de que tanto necessitava para uma rápida justificação das restantes alterações sugeridas no projecto n.º 7/X, sobretudo porque não queria deixar de referir-me à proposta do Governo, embora, em ligeiro comentário, tudo o que afinal servirá para demonstrar que na discussão em curso foi Deus quem me apontou o caminho desta tribuna, para onde subi invocando o Seu santo nome.
Não se infira, porém, de tudo quanto dito ficou que estarei disposto a manter uma atitude de intransigência quanto ao lugar em que se deverá inscrever o nome de Deus na nossa Constituição. Neste aspecto, sinto-me inclinado a ceder, não vão as «forças ocultas» beneficiar de desavenças que lhes fiquem como proveito nos riscos, que francamente temo de não ver o nome de Deus nem no princípio nem no fim, embora ele seja o princípio e o fim de todas as coisas. De qualquer modo, intransigente na reprovação da sugestão da Câmara Corporativa e não obstante as reconhecidas dificuldades em conseguir-se uma solução satisfatória fora do preâmbulo, igualmente discordante da sugerida pela comissão eventual de estudo da proposta de lei, bebida na Constituição alemã, pois, a ficar inscrito o nome de Deus no artigo 45.º da nova Constituição, então para ele preferia a redacção de que me coube a iniciativa, com a
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concordância dos colegas subscritores presentes numa reunião de trabalho, e assim concebida:
Art. 45.º O Estado, no reconhecimento da existência de Deus, inspirador da moral e da justiça, assegura a liberdade do seu culto, bem como a de organização das confissões religiosas cujas doutrinas não contrariem os princípios fundamentais da ordem constitucional, nem atentem contra a ordem social e os bons costumes e desde que os actos de culto praticados respeitem a vida, a integridade física e a dignidade das pessoas.
Quer dizer, à fórmula vaga «o Estado, consciente das suas responsabilidades perante Deus e os homens, assegura a liberdade do culto», vaga e imprecisa, porque então melhor se diria «o Estado, consciente das suas responsabilidades perante os homens, reconhece Deus e a liberdade do seu culto ...», achamos de todo preferível, porque mais afirmativa, a que deixamos transcrita, mais afirmativa e mais satisfatória, portanto, dos altos propósitos dos Deputados subscritores do projecto de lei n.º 7/X; a quem, com retribuição do seu espírito aberto às Soluções conciliatórias, devia ser dada a compensação que a sua iniciativa merece, aprovando a Garrara a redacção oferecida, em todos os sentidos respeitadora dos diferentes credos com que se adora a Deus e de nenhum modo susceptível de controvérsia confessional, confessionalismo a que, por ela, o próprio Estado não fica vinculado.
Sr. Presidente: Estou a falar um bocadinho depressa, para não fazer demorar V. Ex.ª, mas estou a tirar um bocadinho de brilho do meu discurso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nunca nenhum de VV. Ex.ªs tem de se apressar, para não me demorar. Mas é conveniente que respeitem o que o Regimento estabelece.
O Orador: - Sr. Presidente: Consciente da minha origem como homem, não podia deixar de exaltar Deus como criador do corpo social em que me integro. «Potência criadora», como lhe chamou Soijentsine, escritor actual russo que na sua pátria foi proibido de escrever Deus com maiúscula. Por isso, ao pretender a inscrição do Seu nome na Constituição, sou apenas coerente comigo próprio e bato-me simultaneamente pela coerência do texto constitucional que há-de resultar da proposta de lei n.º 14/X. No preâmbulo ou no artigo 45.º, desde que Deus seja afirmado, para mim e para a grande maioria de nós, como derivação da indiscutida declaração de que a religião católica é a religião tradicional da Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: O processo de eleição do Chefe do Estado tem sido um dos «pontos quentes» do debate em curso, e, caso curioso, são justamente os mais jovens de todos nós quem, numa história de oito séculos, se mostram decididos pelo que nela foi mais transitório; fica-se na dúvida se para darem satisfação, sem originalidade, a exigências da inteligência, se antes, o que me parece reprovável, por espírito de contestação, ou, o que seria ainda pior, pelo prazer de «ajudarem» aqueles que mais acesamente se têm mostrado contrários ao espírito apartidário da organização política em cujo enquadramento aceitaram candidatar-se a Deputados ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... hipótese em que estão decerto a constituir-se em surpresa para todos quantos, no mais eloquente dos actos eleitorais, lhes deram o seu beneplácito para que, sem perigos para o essencial, evoluíssemos na continuidade e entre os quais se não encontravam, com certeza, os mais acérrimos defensores do sufrágio directo, que tão bem se devem agora sentir representados nesta Câmara.
Não os felicito por isso. Tão-pouco me surpreendo, consciente como já antecipadamente estava da linha de rotura que representavam. Escancarada a porta, uma vez eleitos Deputados da Nação, como a todos nós, nada os obriga a serem Deputados do Regime nem sequer a recordarem que foi sob o signo da unidade nacional que a União Nacional de então lhes abriu os braços acolhedores. Conseguiram, no entanto, mais do que com certeza pensavam - ser uma lição 1 Não um perigo, porque a Nação inteira sabe e os seus representantes nesta Casa igualmente sabem como se dão os golpes de estado constitucionais. E o pior será que ninguém, nem os que desserviram nem os que mais directamente serviriam, lhes agradecerá, nem como nós saberão «perdoar» se algum dia o Poder lhes permitir transformar em marionettes o povo soberano sempre escravo do totalitarismo democrático que o incensa.
O Sr. Pinto Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
Pausa.
O Orador: - Desculpe, não tinha ouvido.
Permito a V. Ex.ª só uma ligeira observação. Adoro, mais do que ninguém, o diálogo, por isso sou, mais do que ninguém, democrático. Estou aflito com o tempo. V. Ex.ª faça uma pergunta incisiva para eu responder incisivamente.
O Sr. Pinto Machado: - Eu não ia fazer nenhuma pergunta, Sr. Deputado Cunha Araújo. Ia simplesmente manifestar o meu repúdio pelas afirmações ...
O Orador: - O seu? ...
O Sr. Pinto Machado: - O meu repúdio, em relação às afirmações feitas a alguns Deputados.
O Orador: - Escusava de se ter dado a esse trabalho, porque eu, afinal, já julgava que ele existisse da parte de alguns Srs. Deputados.
O Sr. Pinto Machado: - V. Ex.ª não tem a menor base para as afirmações extremamente graves, que são acusações ...
O Orador: - Aqui tratou-se só de suposições.
O Sr. Pinto Machado: - Não lhe quero tirar tempo.
Obrigado.
O Orador: - Muito obrigado.
Mas adiante. Quem isto afirma só como «cidadão» está interessado no processo electivo do Chefe do Estado como «cidadão» tou-court, já que em diferente ideal político vislumbra a solução definitiva para o exercício da chefatura do Estado, cuja legitimidade há-de derivar de valores mais altos, de modo que, acima das quarelas que dividem os homens, o exercício da sua autoridade arbitrai seja indiscutível para que não possa correr perigos «o essencial», como sobretudo convém aos interesses superiores da Pátria, no entendimento de que a autoridade se não discute.
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Mas não irei abrir discussão sobre problema que não está posto nem tenho em mente levantar. Só frisarei, no tocante, e é com orgulho que o faço, que não é possível encontrar-se em quaisquer outros princípios diferentes dos que me informam o acatamento capaz de servir com sacrifício de ideais os superiores e mais relevantes interesses da grei. Será por isso que, tendo em atenção aqueles e crente que é na continuidade que esses interesses são melhor servidos, que francamente me oponho ao sufrágio directo e me decido pelo sufrágio orgânico, único capaz de possibilitar uma eleição consciente do Chefe do Estado com a efectiva participação da Nação organizada; organizada e consciente ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só quem, como eu, e muitos foram, viveu, desde 1945, na primeira tentativa de um golpe de estado constitucional, a intranquilidade e a balbúrdia das eleições do Chefe do Estado por sufrágio directo, pode bem aquilatar das desvantagens de um sistema que sempre se haveria de mostrar contrário à índole de um povo «amadurecido», que nunca se mostrou disposto a confiar aos caminhos da aventura a suprema representação nacional. Impreparado politicamente embora, e sem mesmo se discutir se seria legítimo fazer participar, em condições de igualdade, em tão transcendente acto, uma tão grande massa de cidadãos facilmente sugestionável por propagandas fáceis, o certo é que um apurado instinto de legítima defesa sempre o manteve desinteressado do que se lhes mostrou pôr em risco o seu apego à família, o seu direito ao trabalho, o seu acesso ao pão, o seu desejo à paz, à ordem e à tranquilidade pública - esta, sim, a verdadeira liberdade.
Vozes: - Apoiado!
O Sr. Mota Amaral: - Não apoiado!
O Orador: - Muito me encantou, Sr. Deputado Mota Amaral, o seu «não apoiado», nem calcula.
Por isso as oposições sempre sucumbiram. Daí o sucesso do acto eleitoral, quando desaparecida da cena política a eminente figura de Salazar, Marcelo Caetano se lhe apresentou como garante da disciplina que lhe proporcionava a continuidade do viver dentro daqueles valores essenciais. Chamem-lhe embora os vencidos, como sempre, um povo despolitizado! ...
Não, o sufrágio directo não servirá o interesse nacional. JÁ vestimos demasiado essa camisa. Não é esse o caminho para a instauração do «Estado social e corporativo, em estreita (correspondência com as realidades sociais - a família, as freguesias, os municípios e as corporações, organismos verdadeiramente constitutivos da Nação, que como tais, devem ter intervenção directa na formação do Poder Público».
E que dizer da constitucionalização das liberdades individuais nos termos ousados em que se têm defendido a constituir outro «ponto quente» da discussão em curso?
Também aqui, graças à vigência de uma Constituição semi-rígida, e não rígida como já lhe ouvi chamar, o processo de revisão que decorre nos possibilitou um curioso espectáculo de retrocesso às doutrinas originariamente sopradas da Inglaterra, que os Franceses viriam a adoptar e feito triunfar na sua revolução, muito mais tarde pano de fundo da célebre declaração dos direitos do homem tão invocada e desmentida pelos factos. Foram ainda os mais jovens que, na falta de espírito criador, tão longe foram beber, ultrapassados embora na predilecção manifestada por um individualismo obsoleto em manifesto desacordo com as tendências e exigências do Mundo contemporâneo - o indivíduo a sobrepor-se ao Estado, o direito natural a exercitar-se livremente com absoluto desprezo pelo conjunto social! ...
Salus populi suprema lex esto. E tudo isto em nome da salvação do povo! Esquecidos, porém, de que um dos objectivos da lei de revisão derivou justamente da preocupação de salvar o povo das consequências da subversão, que nas liberdades pretende encontrar os caminhos da opressão que o Estado tem de evitar, atento e precavido contra os seus assaltos, mantendo-se «apetrechado com os poderes necessários para lhe fazer face onde quer que, de uma maneira ou de outra, ela se manifeste», revestindo qualquer das formas habituais e demasiado conhecidas, através de pseudo políticos ou de políticos que, inconsciente ou conscientemente, servem desígnios obscuros, agitando os espíritos nas escolas, nas fábricas, nos campos ou na rua, com o fim de obrigar o Estado a largar mão da autoridade, sempre demasiada na incompatibilidade da soberania reivindicada para o indivíduo com o sacrifício da autêntica que o Estado não pode alienar sem se negar.
Pois não seria para combater todas essas tendências desagregantes do corpo social que se criou o nosso Estado corporativo devotado à integração profissional do indivíduo como modo melhor de o tornar forte e livre através da única subordinação legítima dos interesses individuais aos gerais?
Falece-me o tempo para prosseguir no que poderia ser um interminável discorrer. Mas, com a Assembleia, estarei atento, embora ultrapassados e disso tristemente esquecidos os messiânicos ressuscitadores do cidadão eleitor, criação do famigerado Estado liberal que a história já há muito condenou, recentemente a própria Igreja, pelas injustiças sociais e desigualdades económicas que a sua filosofia política autorizava.
Não se diga, porém, que não é curiosa mais esta manifestação «tradicionalista» na Assembleia, onde surgiu sem novidade ao querer ressuscitar um passado bem morto.
Estaremos atentos, não sem a manifestação da nossa simpatia, pois que, gratos pela oportunidade que nos deram de conhecer os seus desígnios e de a eles nos opormos, situação em que, ao arrepio de «certas esquerdas» a nossa coragem em muito sobreleva a sua num mundo em que cada vez «mais vai valendo tudo», a violência, os raptos, os criminosos descarrilamentos de comboios, os ataques à bomba, aos bancos, etc., numa contestação de princípio contra os princípios que nos têm proporcionado Ordem e Paz!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª está quase a atingir o tempo regimental. Se necessitar, posso ainda conceder-lhe uma pequena prorrogação.
O Orador: - Sr. Presidente: Não posso terminar sem breves reflexões sobre matéria inovadora contida na proposta de lei revisionista. Quanto ao ultramar e quanto à instituição do regime de equiparação entre Portugueses e Brasileiros, com que findarei, pouco me detenho sobre eles na sua apreciação.
No que se refere ao ultramar, porque não gosto de falar sem razão de ciência certa, influenciado por paixões ou predilecções pessoais, próprias ou alheias, integrado como me sinto num Estado de direito em que a participação não deverá ser exercida levianamente, cada um de nós a julgar-se suficientemente conhecedor das problemáticas que aconselham certas decisões que entre as roupagens da simples inovação podem, e tudo leva a crer que sim,
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significar muito mais como força de revitalização necessária à perduração e à continuidade. Pois é verdade que em tudo facilmente se podem encontrar discordâncias, mas raro rabões de fundo convincentes de que estará errado o que com simples retórica se apresenta como reprovável. E as questões, tantas vezes as grandes opções, não se resolvem nem se tomam partindo de platonismos, com base em palavras, mas só e apenas com acção, com base nos factos.
Reconhecido como incontroverso que temos de «arrancar» com decisão para as tareias que envolvem o desejado e preciso progresso do nosso ultramar, não há dúvida de que, sem quebra da soberania e unidade nacional, temos de caminhar abertamente para a descentralização, condição sine que non de u
Nem me atreveria a ver mais do que nela pôde e pode ver Marcelo Caetano, a cujo portuguesismo rendo as minhas homenagens, na certeza antecipada de que não posso querer mais do que ele quererá para a perenidade da Pátria no seu vasto conjunto de nação intercontinental e plurirracial que tão denodadamente temos continuado a afirmar urbi et orbi na mais bela e eloquente exaltação do velho nome de Portugal.
Do Portugal imenso, constitucionalmente em breve mais ligado ao Brasil, consagrados como ficarão na nossa lei fundamental, em regime de reciprocidade, os fraternos sentimentos de uma equiparação de direitos políticos que de futuro nos obrigarão a seguir mais juntos e mais conscientes de que no Mundo nos interessa manter e conservar unidos, na obrigada afirmação de uma raça e expansão de uma língua que de nós fará a maior comunidade, a mais perfeita comunidade num aperto de laços promissores de uma expressão humana em que, de braço dado, poderemos ficar sendo os maiores na continuação de uma caminhada na esteira prateada das caravelas de Quinhentos, ao som ainda do seu cordame rangente que nos convida a estugar os passos.
Pois vamos depressa ...
Só por isto, Sr. Presidente, tinha valido a pena o recurso ao processo revisionista em que estamos empenhados.
Bem haja, pois, o Governo, a cuja proposta de lei dou a minha inteira aprovação na generalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará rã sessão da tarde, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco António da Silva.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Ricardo Horta Júnior.
TeófiLo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Srs. Deputados que faltaram à chamada:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Augusto Domingues Correia.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José de Mira Nunes Mexia.
José da Silva.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Marques da Silva Soares.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rui Pontífice Sousa.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Redactor - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL
PREÇO DESTE NÚMERO 5$60