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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA GAMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106

ANO DE 1971 23 DE JUNHO

X LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 106 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 22 DEI JUNHO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

Nota. - Foram publicados o 5.º e 6.º suplementos ao n.º 100 do Diário das Sessões, que inserem, respectivamente, o despacho que designa uma comissão eventual para estudar a proposta de lei sobre liberdade religiosa e o texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, do decreto da Assembleia Nacional sobre actividade teatral.

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 102 do Diário das Sessões, com algumas rectificações.
Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado Miguel Bastos requereu ao Ministério da Economia elementos sobre o estado actual do problema da indústria das conservas de peixe, nomeadamente no que se refere à sardinha.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral agradeceu ao Sr. Ministro das Corporações e da Saúde e Assistência a inauguração dos primeiros centros de saúde no Minho, dois deles em Guimarães.

Ordem do dia. - Continuou o discussão na generalidade da proposta e dos projectos de lei de alterações à Constituição Política.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Moura Ramos, Bento Levy, Homem Ferreira, Magalhães Mota, Linhares de Andrade e Oliveira Dias.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correi» Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.

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Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Lama.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 94 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões, n.º 102. Acerca deste Diário, dois Srs. Deputados - Oliveira Pimentel e Agostinho Cardoso-, prevenindo a hipótese de não poderem estiar na altura da reclamação, enviaram-me por escrito notas das reclamações que têm a apresentar. Serão remetidas à redacção do Diário das Sessões para serem devidamente consideradas.

O Sr. Roboredo e Silva: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para apresentar rectificações, o Sr. Deputado Roboredo e Silva.

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Solicitava que fossem feitas as seguintes rectificações à minha intervenção constante do Diário das Sessões, n.º 102: na p. 2058, col. 2.ª, 4.º período, onde se lê: «33», deve ler-se: «133»; na p. 2059, col. 1.ª, l. 5, a palavra «desacordo» deve ser substituída por «desacerto».

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o Diário das Sessões, n.º 102. Se mais nenhum de VV. Ex.ªs tem qualquer reclamação a apresentar sobre este Diário, considerá-lo-ei aprovado.
Está aprovado o Diário das Sessões, n.º 102, com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

Com numerosas assinaturas, apresentada por D. Isabel da Nóbrega, Urbano Tavares Rodrigues e Manuel Rodrigues de Oliveira, sabre a proposta de lei de imprensa.

Carta

De Américo Júlio da Silva Serra apoiando as intervenções dos Srs. Deputados Roboredo e Silva, Sá Carneiro e Duarte do Amaral sobre a revisão constitucional.

Telegramas

De vários sindicatos apoiando as intervenções do Sr. Deputado Sá Carneiro sobre liberdade sindical.
Vários apoiando a intervenção do Sr. Deputado Neto de Miranda sobre a revisão constitucional.
Do presidente da Câmara Municipal de Bissau e do presidente da Comissão dia Província da Acção Nacional Popular da Guiné apoiando a proposta de lei sobre a revisão constitucional.
Vários apoiando a intervenção do Sr. Deputado Ribeiro Veloso sobre o mesmo assunto.

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Vários apoiando as intervenções dos Srs. Deputados de Moçambique sobre o mesmo assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Miguel Bastos.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte

Requerimento

Roqueiro, nos termos regimentais, que me sejam fornecidos, pelo (Ministério Ida Economia, os elementos que aquele Ministério entenda serem os necessários e suficientes para que eu fique convenientemente esclarecido sobre o estado autuai do problema da indústria das conservas de peixe, nomeadamente no que se refere à sardinha, indústria que me dizem estar em plena crise, o que não pode deixar de provocar sérias preocupações, quer no campo social, quer no campo económico, pois não só se trata de uma indústria que podemos considerar básica no contexto português, como, sendo tolda ela virada à exploração, graves implicações pode provocar no equilíbrio do conjunto da vida económica nacional.

O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Depois de, por vários anos, ter pugnado junto dos departamentos competentes e também aqui na Assembleia Nacional a favor da luta contra o gravíssimo, contra o vergonhoso problema da mortalidade infantil em Guimarães e sua região - problema que existe também, infelizmente, em outras zonas, mas geralmente mais atenuado -, tive agora a grande alegria de ver que tinham sido coroados de êxito os meus esforços, e certamente os de outras pessoas, entre as quais saliento como muito relevante a do nosso ilustre colega Dr. Castro Salazar, que aqui pôs brilhantemente essa chaga à luz do dia.
Relativamente em pouco tempo, a partir da data em que o assunto foi posto pela última vez à consideração do Governo, e principalmente à do ilustre Ministro das Corporações e da Saúde, já se inauguraram os primeiros centros de saúde no Minho, e dois deles em Guimarães, dos quais, apesar da sua dependência convencional e normalmente ineficaz, muito há mesmo assim a esperar.
Aguardamos agoira, e também com grande ansiedade, a instalação anunciada dos jardins escolas e das creches e enaltecemos a campanha destinada à rápida promoção sanitária da população, (com o projecto piloto de medicina de massa: Guimarães é, na realidade, um concelho que, pelo seu desenvolvimento económico, grandeza populacional e anterior abandono neste e noutros aspectos, precisa deveras- da atenção do Poder.
A um novo sector em que, para nós, o dia começa a dealbar!
Não me foi possível, devido ao imprevisto da inauguração e também aos meus afazeres, deslocar-me ao Norte e ajudar os meus patrícios e amigos a receber o Sr. Dr. Baltasar Rebelo de Sousa.
Nada perdeu com isso o ilustre governante, pois estava lá o povo de Guimarães, entre o qual eu alegremente me sumiria, mas tive pena de não lhe poder agradecer aí a sua rápida e meritória intervenção neste assunto, tão doloroso para quem tenha coração e consciência das responsabilidades.

O Sr. Castro Salazar: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Gastão Salazar: - Muito obrigado pelas amáveis referencias feitas à minha pessoa. Mas não foi para isso que o interrompi, muito embora merecesse uma interrupção.
Quero sòmente associar-me a V. Ex.ª, e faço-o efusivamente, nos agradecimentos dirigidos ao Sr. Ministro da Saúde e Corporações e acrescentar que reputo significativo o facto de V. Ex.ª ter escolhido o concelho de Guimarães para inaugurar os primeiros centros de saúde.
Começou-se, de facto, por onde era mais urgente começar, por onde era necessário começar. E os meus votos, neste momento, são paira que, no que concerne à promoção cultural das populações, à melhoria das condições de trabalho, ao problema habitacional, o nosso concelho continue a ser tratado com o mesmo espírito de justiça.
É apenas isto.

O Orador: - Muito obrigado pela sua ajuda neste ponto.
Agradeço, pois, agora, ao Sr. Ministro das Corporações e da Saúde, rasgadamente, entusiasticamente, em nome do País, no meu próprio, no de todos os doentes e, sobretudo, no dos pais que têm estado a ver morrer os filhos sem, por tantas razões, lhes poderem valer.
Muito obrigado, Sr. Ministro, e só lhe peço que continue, que continue rapidamente a montar esta armadura contra a morte - na minha terra e em toda a terra portuguesa.
Disse.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito para o período de antes da ordem do dia.
Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta e dos projectos de lei de alterações à Constituição Política.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao intervir neste debate sobre a revisão da lei fundamental do País, começarei por dizer que tenho a consciência plena de que faço parte de uma câmara política que, como tal, não pode nem deve desinteressar-se das repercussões das suas atitudes, mormente quando se abordam problemas que, como este, se revestem de uma importância e melindre que se torna desnecessário, por redundante, vincar e pôr em relevo.
Decidindo-me a fazê-lo, tudo se passa ao jeito de quem se desincumbe de um grave encargo como mandatário dai Nação que vem procurando exercer com honestidade e isenção o propósito firme de servir os superiores interesses do País, cujos valores fundamentais não tenho hesitado, por indecisão, comodismo, subserviência ou cobardia, em proclamar.
É, pois, sem traição de princípios, nem cobardia de afirmações, e com o único fito de servir lealmente o meu país, que me proponho fazer as considerações que se seguem.
Com tal objectivo pensei, em vez de me remeter à situação simples e cómoda de aceitação global da proposta de lei em discussão, melhor seria, no uso de uma independência baseada na força das convicções e no reconhecimento de verdades superiores, oferecer ao Go-

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verno o testemunho que me incumbe prestar, com a contribuição franca, leal e sincera- daquilo que penso - e como eu muitos e muitos portugueses - cerca de algumas questões abrangidas por esta revisão constitucional.
A razão de ser da proposta da lei n.º 14/X, que o Governo enviou a esta Câmara, está fundamentalmente no facto de que as leis não podem ter a rigidez de um dogma, antes estando sujeitas a sofrer as alterações que as circunstâncias impuserem e o que o interesse nacional reclame.
Decorrerá a revisão constitucional com a Nação em armas, e esta outra coisa não quer defender que não seja a sua unidade e integridade. E, estando em armas, a hora que passa é de vigília nacional, pelo que importa velar não só a frente de combate, mas também a retaguarda político, quer no campo das ideias e das palavras, quer também dos factos.
Preconizada como única aceitável uma política de unidade nacional, como imperativo da hora grave que vivemos, outro caminho se não impunha que (não fosse o de, em total comunhão de almas, fundidas numa só, fazer à apologia e a defesa da Pátria, que, no dizer de Salazar, não foi «fruto de ajustes políticos, criação artificial mantida no tempo pela acção de interesses rivais», mas sim «feita na dureza das batalhas, na febre esgotante das descobertas e conquistas, com a força do braço e do génio», e que, por isso mesmo, nada se fizesse capaz de afectar a «Nação na sua integridade territorial e moral, na sua plena independência, ma sua vocação histórica».
Ora, sendo assim, como de facto é, o primeiro problema que se pode pôr - e que é básico - está em saber até onde é que a proposta em exame vem ou não diminuir ou afectar, ide alguma madeira, o sentido de unidade que é o (princípio da vida portuguesa e que tanto se impõe, neste momento mais do que em nenhum outro, não desconjuntar para o não desmantelar.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - E, portanto, de oportunidade a primeira questão que deverá pôr-se e que poderá traduzir-se nos termos seguintes: advogando-se a inscrição no texto fundamental de algumas disposições, a modificação de outras e ainda a eliminação de outras, isto é, fazendo alterações que só aparentemente não têm grande significação, não estaremos nós a minar perigosamente, enfranquecendo-o, o princípio da unidade, que tanto se impõe defender e fortalecer neste momento crucial para a vida da Nação? E geralmente aceite a norma segundo a qual nos devemos conservar unidos se queremos ser fortes, e a união só poderá fazer-se em volta do que a todos os portugueses pode interessar: o sentimento da comunidade, a primazia do interesse nacional.
Infelizmente, porém, nem todos sentem em termos devidos o interesse nacional. Já Salazar, sempre a ele atento e vigilante, o havia notado com a habitual argúcia do seu espírito ao justificar as queixas de estrangeiros que não nos compreendiam ao afirmar:

... que portugueses também nos ataquem, isto só quer dizer que a sua medida de dignidade patriótica não è a nossa.

E, esclarecendo o seu pensamento, acrescentava:

A nossa tomámo-la daqueles portugueses que valiam mais do que valemos e fizeram uma história e criaram uma nação que somos obrigados, mesmo contra alguns, a respeitar e a defender.
Procuremos, por isso, aperfeiçoar e completar as nossas instituições, mas sempre tendo presente que à solução de algumas das questões propostas à nossa apreciação está decisivamente vinculado o destino do País.
Vem o Governo propor que se reveja de maneira ampla, e em determinado sentido, o estatuto ou diploma fundamental da nossa organização jurídico-política.
Em tempo normal, e pelo que respeita à Constituição, sabe-se que era considerada da mais elementar prudência a fórmula segundo a qual se devia garantir-lhe a maior estabilidade possível, atenuada apenas por uma adaptação gradual às exigências nacionais que fossem surgindo.
São de Salazar estas luminosas palavras:

As constituições vivem, em primeiro lugar, da adaptação do regime ao sentir e ao modo de ser dos povos e, em segundo lugar, da institucionalização dos seus preceitos, isto é, da extensão e intimidade com que os preceitos abstractos tenham entrado na vida real. Nesta orientação afigura-se preferível que a Constituição e, portanto, as alterações constitucionais vão acompanhando a organização e que os maiores esforços se empreguem para a fazer progredir, se não para a completar.

E como relator do parecer n.º 13/V, de 24 de Fevereiro de 1951, que transcreve parte do parecer n.º 10/V, escreveu o Prof. Doutor Marcelo Caetano:

A Constituição, como lei fundamental do Estado, deve tender à permanência até mesmo na sua feição geral, até mesmo no seu aspecto formal e no seu estilo. Para que seja estável se fez rígida ...

Como ainda há pouco esta Câmara afirmou:

Em matéria constitucional as inovações são sempre delicadas. A lei fundamental do Estado deve ser estável para ser respeitada. Sobre ela assenta todo um sistema legislativo, todo um ideário nacional, toda uma doutrina política, todo um trabalho hermenêutico e jurisprudencial. Alterar frequentemente a redacção do seu texto sem motivos de profunda necessidade política é fazer vacilar desde as raízes o edifício jurídico da Nação.

Tudo constitui «motivos para que não se toque, sem o máximo respeito, nos preceitos da Constituição Portuguesa, já verdadeiramente pertença da Nação».
Se desta forma se entendia em 1951 a propósito de uma proposta de revisão constitucional que decorreria em tempo de paz, que havemos de dizer da oportunidade dessa revisão quando feita com a Nação em armas e sacudida pelos tão decantados «ventos da história»?
Não se contou que seria afectada a consciência da unidade nacional, que, não constituindo só por si toda a defesa, há-de ser, indubitavelmente, o mais forte escudo contra ia acção das propogandas que do exterior se fazem contra a Nação?
Dos malefícios da divisão dos Portugueses e dos benefícios da sua união sobre as questões fundamentais, não quero deixar de recordar aqui um pedaço da tão expressiva prosa do nosso P.e António Vieira e que reza assim:

Toda a vida (ainda a das coisas que não têm vida) não é mais que uma união. Uma união de pedras é edifício; uma união de tábuas é navio; uma união de homens é exército. E sem esta união tudo perde o nome e mais o ser: O edifício sem união é ruína; o navio sem união é naufrágio; o exército sem união

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é despojo. Até o homem (cuja vida consiste na união de alma e corpo), com união é homem, sem união é cadáver. A maior obra da sabedoria e omnipotência divina, que foi o composto inefável de Cristo, consistia em duas uniões: uma união entre o corpo e a alma, e outra união entre a Humanidade e o Verbo. Quando perdeu a primeira união, deixou de ser homem; se perdera a segurada, deixara de ser Deus. Oh Deus! Oh homens! Que só. a vossa união vos há-de conservar e só a vossa desunião vos pode perder!

Em face de ver perigar «a unidade nacional alicerçada na amiga fidelidade e convivência das povoa espalhados pelas várias províncias de Portugal», unidade que «é a base indispensável - a única verdadeiramente eficiente - da nossa defesa», apetece-nos dizer como o Prof. Doutor Adriano Moreira, em recente escrito: «A modéstia de pôr os factos de acordo com as normas seria a mais urgente tias revisões. Uma quase revolução. A da autenticidade.» Esta é que «é a verdadeira revisão pela qual há muitos anos se luta. Porque não são normas que faltam. Falta, e muito, executá-las.» (Cif. Prisma, n.º 48, Abril de 1971, p. 19.)
Ponhamos, pois, os actos de acordo com a doutrina tradicional, façamos uma política coerente e sem ambiguidades, e só deste modo reforçaremos a coesão interna.
E, feitas estas considerações à maneira de prólogo, procurarei agora ocupar-me do assunto que me propus tratar neste debate sobre a revisão constitucional e que, a meus olhos, sobressai com maior acuidade e interesse: o das disposições relativas ao ultramar, deixando para outra oportunidade uma palavra sobre o projecto de lei n.º 7/X, que, com mais alguns Srs. Deputados, tive a honra de apresentar e que, no seu artigo 1.º, sugeria a introdução de um preâmbulo na nossa lei fundamental em que se fizesse a invocação do Santo Nome de Deus.
De entre as modificações com que, através da proposta de lei n.º 14/X, o Governo visa o propósito de «actualizar e revitalizar o texto constitucional» salientam-se as profundas transformações introduzidas nos preceitos constitucionais relativos ao ultramar», no dizer bem expressivo do Sr. Presidente do Conselho em discurso proferido perante esta Assembleia em 2 de Dezembro de 1970.
De notar, porém, é que, não obstante terem assim sido classificadas de «profundas» por quem tinha autoridade para o fazer e haverem constituído, quando conhecidas, motivo de surpresa, de alarme e inquietação para muitos, não deixa de ser curiosa a preocupação havida de sectores responsáveis virem a público minimizar o seu significado, dando a entender que, a serem aprovadas, tudo ficaria na mesma, pois que de profundas pouco ou nada tinham as transformações propostas.
Chegou-se mesmo a afirmar que as modificações sugeridas eram só de palavras e que não havia que ter medo às palavras.
Mas será que no estatuto fundamental da Nação não deva ter-se todo o cuidado com as palavras, evitando verbalismos escusados, que nada nos falam ou fazem sentir?
Se, efectivamente, as palavras têm uma força e um dinamismo próprios (Platão chegou mesmo a afirmar que era a palavra, e não a acção que governava o Mundo), pois que ou correspondem a um jogo de acção ou então nos surgem inquinadamente imbuídas de um demagogismo fácil e enganatório e, mesmo assim, com um enorme poder emocional, não será melhor o caminho que deixa de empregar palavras fora do que elas significam?
A nossa concepção de comunidade portuguesa é a de uma nação totalmente integrada e independente totalmente, razão por que nos choca sobremaneira a ideia de trazer à discussão aquilo que, no momento sério que vivemos, jamais o deveria ter sido - o problema do ultramar.

O Sr. Ribeiro Veloso: - Não apoiado!

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Barreto de Lara: - Segundo parece, ouvi V. Ex.ª dizer que havia um ponto em que não se deveria ter mexido - a questão do ultramar.
V. Ex.ª está plenamente de acordo, então, com o artigo 133.º da actual Constituição, que é onde se trata do problema do ultramar. É, pois, convicção de V. Ex.ª que continua a ser da essência da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar ...

O Orador: - Não, não.

O Sr. Barreto de Lara: -... quando eu, seguindo o mesmo raciocínio de V. Ex.ª e apoiando-me nos mesmíssimos argumentos, direi que já o Sr. Doutor António de Oliveira Salazar dissera eme as grandes províncias constituem estados autónomos perfeitamente integrados.
Mas V. Ex.ª, afinal, entende que continuamos a colonizar terras dos Descobrimentos?
Que continuamos a difundir os benefícios da civilização?
Que continuamos a exercer o padroado do Oriente?
Que continuamos a falar em indígenas, depois de o Estatuto do Indigenato ter sido alterado em 1961?
Perante tudo isto, fiquei um pouco confuso e desejava pedir sobre o assunto explicações, se V. Ex.ª quiser fazer o favor de mais dar.

O Orador: - Se V. Ex.ª estiver um bocadinho atento, vai ouvir a explicação mais à frente.

O Sr. Barreto de Lara: - Vou fazer o possível. E muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - É que, como disse Paiva Couceiro:

O ultramar, coisa de pouca montai na política do século XIX, representa no fundo e na verdade inconcussa!, o próprio destino de Portugal e a sua razão de ser no convívio das nações do Mundo. (Soldado Prático, p. 355.)

E num outro passo da citada obra, a pp. 361-362,

A Portugal pertence tradicionalmente a histórica missão ultramarina. Nesta missão ultramarina, se contêm os destinos de Portugal. Ou ela se cumpre, ou os destinos se apagam, e a Nação Portuguesa passa ao Museu dia História.

Efectivamente, no momento em que as forças armadas se batem heroicamente em três frentes pela unidade e integridade dai Pátria e em que o eleitorado, ao votar em cada um de nós, teve inequivocamente em vista a ordem e a unidade nacional no conjunto das províncias ultramarinas, não podemos deixar de lamentar que o Governo, mesmo com boas intenções, venha com uma proposta de lei, cujo texto sugere «profundas transformações», em que se joga

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uma mova concepção e orgânica da Nação e um destino colectivo da grande comunidade portuguesa, matéria esta de grande delicadeza e melindre.
Por isso mesmo é que, já depois de ateada a guerra às nossas províncias de África e quando de muitos lados e com alguma ligeireza se sugeria a modificação da Constituição, Salazar lembrava que a fórmula constitucional de definição da Nação Portuguesa não era mais do que «a declaração de um estado de consciência estratificado em séculos de história e, através desses séculos, pelo trabalhos dos Portugueses e pelo humanitarismo cristão de que foram portadores», afirmando ainda que a questão não era essa, mas sim a de «saber se os dirigentes podem propor e aconselhar à Nação mudar a sua mesma estrutura pela pressão de razões estranhas ao seu próprio ser, e se as modificações estruturais, mesmo quando aceites pelos povos, serão para seu bem» (Discursos, vol. VI, pp. 288 e 289).
Isto quer dizer que o problema ultramarino tem de ser considerado à luz mais das realidades portuguesas do que dos conceitos e exigências baseados em figurinos e gostos estrangeiros.
Em vez de «transformações profundas», tornemos antes as instituições mais harmónicas & mais consequentes com a tradição e a índole da grande família portuguesa, deixando-nos de tentar obter com imitações bastardas de instituições estranhas e até de utopias perigosas, aquilo que, só com raízes na nossa história, velha de oito séculos, se pode encontrar.
Neste sentido se pronunciou o contra-almirante Sarmento Rodrigues em conferência feita em Coimbra em 20 de Maio de 1960, ao dizer: «... A Pátria Portuguesa existe pelo sentido da missão que a enforma. Temos felizmente uma missão no Mundo: havemos de cumpri-la. Empenhar tudo por tudo é o nosso dever. Neste momento, é na África Portuguesa que se concentram as maiores esperanças e os maiores perigos. Ela não é um complemento, mas o centro de acção nacional. 32 para ali que todos, das quatro partes da mundo português, temos de acorrer. Porte e depressa. Basta de planos imaginosos e de dúvidas que possam retardar. Não temos de imitar seja quem for: nem impérios, nem federações. Temos certezas bastantes na nossa própria experiência para caminhar» e, acrescentamos nós, sem necessidade de lançar mão de figurinos e gostos alheios na corporização cada vez melhor da unidade do espaço e das populações.
A História, como mestra da vida que é, ensina-nos a herança que devemos tomar de continuar a comunicar a alma portuguesa aos territórios-províncias do ultramar, numa expressão superior da unidade portuguesa. A propósito de Goa, falou Salazar no «renascimento da consciência nacional na vastidão dos territórios ultramarinos» e focando o aspecto da unidade portuguesa, o contra-almirante Sarmento Rodrigues afirmou que o «ultramar é a verdadeira razão de ser da nacionalidade». Tudo isto para significar que a nossa alma individual não pode separar-se da vida. progresso, dificuldades e aflições dos nossos irmãos espalhados pelos mais distantes espaços geográficos, existindo um só Portugal que se retalha em províncias pelo Mundo, e não territórios ou regiões que o condicionalismo geográfico considerasse separados no todo. Ou, como um dia disse o Doutor Salazar (Discursos. vol. IV, p. 282):

Sempre nos apresentámos Ião Mundo como uma irmandade de povos, cimentada por séculos de vida pacífica e compreensão cristã, comunidade de povos que, sejam quais forem as suas diferenciações, se auxiliam, se cultivam e se elevam, orgulhosos do mesmo nome e qualidade de Portugueses.

Sem embargo da atitude de total ou parcial concordância com algumas das alterações propostas, não posso, sem que traísse a minha consciência, dar o meu voto de aprovação à matéria contida nos artigos .133.º, 134.º, 135.º e 136.º do documento em exame. Assinala-se, efectivamente, que, fazendo a proposta de lei a eliminação do artigo 133.º da Constituição, o mesmo é que apagar da lei fundamental a motivação e justificação da presença ultramarina por que nos batemos - deixando de ser «da essência orgânica da Nação Portuguesa» a sua função histórica nas terras dos Descobrimentos e de «comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da civilização». Quer dizer: com a eliminação do artigo 133.º apaga-se precisamente a disposição constitucional que referia de modo expresso o nosso «desígnio nacional» e pelo qual nos identificámos como povo perante o Mundo.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª acaba de confirmar, exactamente, a afirmação que eu, intempestivamente, teria feito, mas que, agora, afinal se mostra oportuníssima.
V. Ex.ª entende;, então, que continuamos a ter uma missão histórica de colonizar, o que significa que continuamos a ter colónias ...

O Orador: - Não, não, não quer dizer que tenhamos colónias. A circunstância de difundirmos os princípios da civilização não quer dizer que tenhamos colónias.

O Sr. Barroto de Lara: - Os princípios da civilização não, Sr. Deputado. Na minha opinião, a promoção económico-social ...

O Orador: - Então, por que não podemos continuar a difundir os princípios da civilização cristã? Isso implica que tenhamos colónias? Nós não tivemos colónias senão a partir do liberalismo e, nessa altura, não ...

O Sr. Barreto de Lara: - Colónias tivemos a partir do Acto Colonial, Sr. Deputado ...

O Orador: - E antes disso não difundimos os princípios da civilização cristã?

O Sr. Barreto de Lara: - Sim. Mas não agora. Nós temos é de promover económicamente e socialmente as populações, mas não só no ultramar, como aqui no continente também.

O Orador: - Mas quem é que está a dizer o contrário?

O Sr. Casal-Ribeiro: - E não promovemos?

O Sr. Barreto de Lara: - Diz-se que promovemos, sim ...

O Orador: - V. Ex.ª está a precipitar-se. Eu não estou a dizer que, por esta razão, se obste à promoção social e económica ...

O Sr. Barreto de Lara: - Mas V. Ex.ª faz dessa disposição o primado da vida nacional, e nós estamos em desacordo.
Eu talvez não interrompa mais até ao fim. Só queria um esclarecimento ...

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O Orador: - Eu também não perfilho o artigo 133.º como está redigido na Constituição actual. Mas também não perfilho como ele está redigido na proposta.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas V. Ex.ª rebela-se por se lhe ter mexido. Começou por se rebelar por se lhe ter mexido numa altura em que está o Exército em armas. E, para já, quero dizer que não é preciso invocar o Exército a propósito de tudo e de nada, acho eu, porque ao Exército todos o respeitamos. Todos nós reiterámos já nesta Casa a nossa confiança ...

O Orador: - Por se lhe ter mexido no sentido em que se lhe mexeu ...

O Sr. Barreto de Lara: - Mas em que sentido?

O Orador: - Mas V. Ex.ª não ouviu? Dá a impressão de estar u o ar, um vez de ouvir o que estou a dizer ...

O Sr. Barreto de Lara: - Não, ouvi perfeitamente, e por ouvir é que retomo o curso da primeira interrupção que V. Ex.ª teve a bondade de permitir.

O Orador: - Embora tradicionalista, sou partidário do diálogo, mas estou a ver que no diálogo não nos entendemos ...

O Sr. Barreto de Lara: - Dá-me a impressão de que V. Ex.ª é partidário mas é do monólogo ...

O Sr. Casal-Ribeiro: - Não parece, não parece ...

O Orador: - V. Ex.ª também pode ser partidário do monólogo ...
Então, dá-me licença?

O Sr. Barreto de Lara: - Dou, não, Sr. Deputado. V. Ex.ª é que está no uso da palavra ...

O Orador: - Então continuo. E que, de há cinco séculos para cá, o quadro histórico português é precisamente o que se encontra consagrado aios artigos 133.º e 135.º da Constituição Política, não se vislumbrando bem como é que uma solução fora deste contexto e alheia, por conseguinte, à tradição portuguesa possa acautelar devidamente os interesses nacionais.
Quando se discutiu a Lei Orgânica do Ultramar, o Prof. Doutor Mário de Figueiredo, com o fulgor dia sua vigorosa inteligência, afirmou que em política ultramarina podem seguir-se dois caminhos ou adoptar-se dois regimes como tipo limite de organização das províncias ultramarinas, tipo-limite no sentido do ponto para que se transite: um segundo o qual a organização deve fazer-se em condições de es províncias ultramarinas caminharem no sentido de uma autonomia cada vez mais marcada até - no limite - se constituírem como estados independentes; outro, segundo o qual o regime dais províncias ultramarinas deve organizar-se por forma que se caminhe no sentido de essas províncias virem a integrar-se na administração metropolitana até ao ponto de desaparecer o próprio Ministério do Ultramar.
Já desde o século XVII se proclama, invariável e incansàvelmente, o princípio sobre o qual o Concelho da Índia, informou o seguinte:

A Índia e outras terras de além-mar, do governo das quais se ocupa este Conselho, de modo nenhum são distintas ou separadas deste Reino, nem lhe pertencem sob a forma, de união, mas são membros do mesmo Reino, como o são o Algarve e mais não importa qual das províncias do Alentejo ou de Entre Doutro e Minho ... E é tanto português o que nasceu em Goa, ou no Brasil ou em Angola, como o que vive e nasce em Lisboa.

A integração política e social que sempre advogámos - à parte alguns períodos em que, por influência do liberalismo do século XIX, trouxemos para dentro da Pátria modelos de impossível adaptação por serem estrangeiros, ou, como no dizer de Paiva Couceiro, nos deixámos «cobrir com a cal de modernices alheias» - jamais deixou de constituir uma constante da política, ultramarina como meta a atingir, com a preocupação de despertar «a consciência do nacional, isto é, criando uma pátria e elevando as gentes ao nível de uma civilização superior ... Esta é a nossa maneira de estar no Mundo, como já tem eido afirmado por outros» (Discursos de Salazar, vol. VI, p. 289).
A evolução ou marcha do sistema tradicional de organização das províncias ultramarinas apontava-nos como meta a atingir a integração, que o mesmo é dizer, o sentido superior da presença de Portugal no mundo, traduzido num processo de diálogo e de convívio humano, de apelo e dignificação, que foi a glória maior dos séculos de Quatrocentos e Quinhentos».
Tal evolução para a integração passava pelo reconhecimento dos direitos de diversidade, não adoptando a sujeição que revolta e que foi modelo do colonialismo de exploração. Esta a doutrina defendida, entre outros, por Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro e Norton de Matos, com a qual se criou a coesão necessária das províncias ultramarinas, todas consideradas membros de uma Nação, política de integração esta que a Constituição Política consagra e que a proposta de lei em discussão parece querer prejudicar com a sugerida eliminação da 2.º parte do artigo 134.º do referido diploma constitucional e a preconizada autonomia política, mais do que administrativa, das províncias ultramarinas, com a consequente diminuição do vínculo entre os povos dos diversos territórios e o consequente enfraquecimento da unidade nacional.

O Sr. Salazar Leite: - Dá-me V. Ex.ª licença?

O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Salazar Leite: - Eu tenho estado a seguir com a máxima atenção a intervenção de V. Ex.ª, e é natural que assam seja, uma vez que fui eleito para. esta Câmara por uma província ultramarina.
Devo dizer a V. Ex.ª que as bases que apresentou no início da sua exposição merecem inteiramente o meu acordo.
Só não estou talvez de acordo, e por isso me penitencio, é com as conclusões que V. Ex.ª procurou tirar a partir dessas bases.
Disse V. Ex.ª, e muito bem, que uma alteração da Constituição pressupunha o Conhecimento profundo do pensar dos povos que constituem o país onde essa modificação da Constituição se pretendia implantada.
Eu, portanto, parto do princípio de que V. Ex.ª conhece profundamente o sentir e a maneira de ser dos povos que ocupam as províncias ultramarinas. Auscultou o seu parecer antes de produzir essas afirmações.
Se assim não foi, creio que essas afirmações carecem de base e talvez fosse conveniente que nós estudássemos muito bem a maneira de pensar de todos aqueles que ocupam o nosso ultramar, para que pudéssemos orien-

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tar-nos. E ninguém melhor do que os Deputados eleitos por esses zonas o podem fazer, no caminho a seguir em relação ao ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Salazar Leite: - Não tem V. Ex.ª receio de que haja da parte desses povos e gentes do ultramar uma reacção que tenderá, antes, a desvirtuar a Constituição? Não será melhor nós fazermos qualquer coisa para evitar que isso se verifique?
É esta a pergunta.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª dá-me licença para uma interrupção?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Barreto de Lara: - É talvez a última que eu faço ...
Não sei se V. Ex.ª conhece uma exposição dirigida ao Sr. Presidente do Conselho, em 1969, pelas associações económicas de Angola.
Pois essa exposição é uma exposição notável. Ali se faz uma afirmação de portuguesismo, de élan português, de élan nacional, indiscutível e indesmentível.
Queria ainda que V. Ex.ª meditasse neste ponto que acho de real importância: nós nunca copiámos modelos estrangeiros ...
Mas V. Ex.ª fez uma acusação ao liberalismo. O liberalismo não precisa de que o defendam, ele defende-se por si próprio. Ora bem. Não foi o liberalismo que consagrou a palavra «colónia». Fiz uma devassa na legislação e só encontrei a palavra «colónia», pela primeira vez, Não foi o liberalismo que importou a palavra. Isso ocorreu depois do 28 de Maio, no seu primeiro acto constitucional, que terá sido menos feliz ou mais feliz, não quero sequer discutir o ponto neste momento. Não foi, pois, o liberalismo.
Mas há uma pergunta apenas que eu desejava fazer mais a V. Ex.ª
V. Ex.ª com certeza conhece o ultramar ...

O Orador: - Não conheço.

O Sr. Barreto de Lara: - Então, lamento profundamente, mas, realmente, o nosso diálogo é quase impossível.

O Orador: - Pois é ...

O Sr. Barreto de Lara: - Desculpe, Sr. Deputado, mas eu ...

O Orador: - V. Ex.ª vai ouvir o resto e depois ...

O Sr. Barreto de Lara: - Os meus filhos vão na 4.ª geração nascida em Angola, Sr. Deputado, na 4.ª!

O Sr. Sá Carneiro: - Apoiado!

O Orador: - Está bem. Se é só por essa razão de lá estarem que se conhece o ultramar, se fio essa razão é válida ...

O Sr. Barreto de Lara: - Veja lá, Sr. Deputado, que eu digo ...

O Orador: - Se só essa razão é válida, se partimos desse pressuposto ...

Vozes: - É válida, é!

O Orador: - Se é válida, está muito bem.

O Sr. Barreto de Lara: - É a 4.ª geração nascida em Angola, Sr. Deputado. E continuam a ser portugueses e a gritar a unidade da Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu continuo. Efectivamente, a Constituição de 1933 e legislação complementar vigente, consagrando a política tradicional, fazem assentar a organização político-administrativa dos nossos territórios ultramarinos nos princípios da unidade política, exigida pela solidariedade económica e social das várias parcelas que integram o todo nacional, por um lado, e ma descentralização administrativa imposta pela dispersão geográfica e pela diversidade de condições do meio social, por outro lado.
Da combinação destes dois princípios em doses bastante criteriosas se tem procurado encontrar para as mossas terras de África o módulo conveniente que lhes permitisse a plena realização, demito da harmonia, de um mais vasto espaço natural e que só pode ser um espaço nacional português.
Ora, a proposta de lei em exame, certamente no convencimento de que assim se tornara anais dinâmica a unidade nacional, carrega de tal maneira a tónica da autonomia política - através da atribuição de direitos, da previsão de um estatuto autónomo, da concessão da designação de Estados e dia eliminação de todas os disposições alusivas, não só à integração administrativa, mas também à solidariedade (política, económica e social entre as várias parcelas do Estado Português - que nos faz criar a ideia de uma antítese entre tal autonomia e a unidade política do Estado, em contradição com a, aliás, sempre reiterada, peremptória e solene afirmação da unidade nacional. E de tal modo se liga essa autonomia à criação de regiões autónomas e Estados honoris causa (etiquetas estais sem quaisquer raízes ma mossa história) que se presta ao equívoco de transformar o Estado unitário, que se diz defender, em Estado federal, equivalendo isto a que possa concluir-se que a autonomia preconizada pela proposta de lei constitui o primeiro degrau para a obtenção de uma independência precoce, como já, muito foi matado.

Vozes: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª está a aproximar-se do limite do tempo regimental. De quanto tempo necessitará para acabar as suas considerações?

O Orador: - Ainda falta algum tempo, pois houve muitas interrupções à minha exposição.

O Sr. Presidente: - Concedo a V. Ex.ª cinco a dez minutos.

O Orador: - Deixemos equívocos e tomemos os dois princípios da organização político-administrativa dos nossos territórios:

Descentralização administrativa.
Unidade política.

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Ora, a descentralização administrativa é francamente desejável, e nela assentou sempre a política ultramarina tradicional; e, como ainda há poucos dias aqui referiu o Sr. Deputado Neto de Miranda, basta que o Governo e, designadamente, o Ministro do Ultramar mais amplamente a pratiquem, pois que já «existem expressamente consagrados na Constituição ou então têm sido objecto de lei ou decreto-lei».
Quanto à unidade política, estamos todos, segundo creio, de acordo quanto à sua necessidade. Particularmente neste momento, seria de todo o ponto inconveniente sequer parecer que se abria fenda - estamos todos de acordo na necessidade de reforçar a unidade política até na medida em que se pretende uma ampla descentralização administrativa.
Por isso mesmo, julgamos que deva haver todo o cuidado e prudência com as palavras.
De resto, na redacção de qualquer documento impõe-se a escolha das expressões que melhor se ajustem e que se evitem as que possam originar confusões - ou se prestem a conclusões não desejadas.
Ora, a expressão «autonomia», dado o abuso que dela se tem feito a vários níveis e propósitos vários, é uma dessas expressões inconvenientes, por equívoca e ambígua, a inserir na Constituição, mesmo quando referida à autonomia administrativa.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, mas não respondo pelo tempo.

O Sr. Barreto de Lara: - Tenho aqui na mão o Estatuto Político-Administrativo de Angola, que vem assinado pelos Srs. Almirante Américo Deus Rodrigues Tomás e Doutor António de Oliveira Salazar, onde se consagra que a província de Angola goza de autonomia administrativa.

O Orador: - Está muito bem.
Não me lembre a legislação, que eu conheço a legislação.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas V. Ex.ª diz que é perigoso, e mo entanto está aqui consagrado, e ilustrado até, pela assinatura do Sr. Doutor António de Oliveira Salazar ...

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados, especialmente ao Sr. Deputado Barreto de Lara, o favor de deixar o orador concluir as suas considerações.
Creio que já está bem marcado que ele não tem a concordância unânime da Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de continuar.

O Orador: - E para que havemos (nós de enxertar no estatuto fundamental certos princípios, traduzidos por palavras que podem fazer perigar a unidade plural da Nação, fazendo vestir ao corpo desta modelos ou roupagens políticas estranhas, que raramente não têm servido senão para a nossa ruína? E se a política tradicional da integração melhor serve a unidade nacional e se tem revelado como a mais humana, compreensiva e cristã do que todas as fórmulas conhecidas (quer sejam do estado federal, quer do estado regional), para que havemos de imitar e copiar esses modelos estrangeiros, uns que mal se casam com a nossa maneira de estar no Mundo, outros de criação recente e sem terem provado capazmente mós países onde têm sido dolorosamente experimentados?
Para colher vantagens internacionais da consagração da política ultramarina proposta? A tal propósito o Doutor Salazar ensinava que devíamos ter presente uma regra como princípio de acção: «Não fazer em nenhuma circunstância o jogo dos que pretendem ou pelo menos agem como se tivessem a pretensão de combater os nossos interesses legítimos e ignorar os nossos direitos.» (Discursos, vol. VI, pp. 419-420.)
Com o Digno Procurador Dr. Francisco Vieira Machiado acreditamos que «não conquistaremos um único amigo por chamar Estado a uma dada porção do território nacional», pelo que, «para efeitos internacionais, a designação é inútil e é, até, talvez prejudicial», porquanto, como bem diz um outro mui Digno Procurador, o Prof. Doutor Antunes Varela: «Aqueles círculos internacionais que hoje nos peçam palavras, a troco da sua simpatia, serão os primeiros a reclamar amanhã que, por um princípio de coerência, ponhamos a realidade ide acordo com as palavras ao serviço de desígnios que fácil será adivinhar quais sejam.»
Assim será, na verdade.
Efectivamente, se, ao invés daquilo que é nossa convicção, com a orientação preconizada na proposta do Governo poderia obter-se, a curto prazo, o aplauso de certo opinião pública estrangeira a quem fazíamos o jogo, menos certo não é que tais aplausos resultariam de nos deixarmos levar pelos tão reclamados «ventos da História», que, para esses amigos de fresca data, são os ventos da mudança dos nossos territórios ultramarinos para as anãos do colonialismo marxista ou do colonialismo plutocrático, que, cobiçosa e vorazmente, desejam de há muito ver sob a sua dependência económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, os ventos da História, que queremos continuar a sentir soprar são os ventos da continuidade de Portugal, uno e indivisível, plurracial e esparso peio Mundo, sem que se comprometa ou abale, no mínimo que seja, a concepção tradicional de mação unitária, apetecendo então que o Governo tenha, neste contexto, a audácia redentora das fortes e grandes decisões.
Tanto quanto se pode concluir do parecer da Câmara Corporativa e, sobretudo, das declarações de voto de dois muito Dignos Procuradores, o caminho que se aponta na proposta de lei em apreciação não parece ser aquele que leva a melhor servir os superiores interesses nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E por isso é que a Câmara Corporativa, ciente de que a unidade plural da Nação assenta na histórica realidade de que não é só a metrópole que é Portugal e que também sem ultramar não há Portugal, vem sugerir que se transforme o processo de organização político-administrativo, de cunho acentuadamente federalista, da proposta de lei em exame num processo de desconcentrarão de funções, esse, sim, compatível com os princípios que informam o conceito de estado unitário.
Pena foi, porém, que a Câmara não tivesse ido mais longe neste particular, dando-nos conta das ponderosíssimas razões que, no momento actual, tornam particularmente perigosa e inoportuna a acentuação da ideia da autonomia política em relação aos territórios ultramarinos, e não houvesse concluído em desenvolvimento lógico pelo apagamento da expressão «estados», depois de reco-

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nhecer que ela é juridicamente incorrecta e essencialmente inútil, com o pouco feliz mas atordoante argumento de que é uma pura questão de palavras e ... não há que ter medo das palavras ... Assim é, em coisa grave, pois são os factos que contam.
Mas não nos parece, dentro de uma boa política realista, deixar de considerar legítimos os receios das consequências da utilização de palavras que, segundo se reconhece no parecer da Câmara Corporativa, «nada acrescentam na realidade das coisas», pois a expressão «Estados» é usada -«numa daquelas acepções figuradas ou metafóricas de que não apenas elas, mas muitas outras palavras, são susceptíveis», quanto mais, se perigosas, por serem politicamente equívocas e cientificamente inexactas.
Como já se escreveu:

Na ordem interna não se vê benefício que o País e as populações das províncias ultramarinas possam colher das expressões «Estados» ou «regiões autónomas»; na ordem externa, independentemente das razões já apontadas, as suas consequências seriam, sem dúvida, desastrosas. (Cf. Jornal de Economia e Finanças, n.º 243, p. 20.)

Com a tese das «regiões autónomas» e a criação do «estado regional», outro fim não parece ter havido que não seja o de em nome de um presumido realismo político, acentuar a nota da autonomia política em prejuízo do sistema tradicional da descentralização administrativa que caracterizou, desde o século XVI, a política de integração do ultramar e que, três séculos mais tarde, havia de obter consagração na conhecida sentença de Tocque-ville: «deve centralizar-se em política e descentralizar-se em administração».
Ora, esta «integração traduzir-se-ia por uma desconcentração governativa e por uma descentralização administrativa, criando-se desta forma as condições de realização efectiva da unidade nacional, expressa na Constituição e desejada por todos os verdadeiros portugueses». (Dr. Fernando Pacheco de Amorim, Da Unidade Ameaçada, p. 121.)
E em comunicação feita aos órgãos de informação em 3 de Setembro de 1962 pelo então Ministro de Estado, Dr. Correia de Oliveira, a integração foi considerada como «o caminho que, no presente e no futuro, melhor convém à realização total de cada uma das regiões integrantes da Pátria Portuguesa», sendo, no conceito português, «o modo natural e necessário Ide fortalecer a coesão e será a atitude nacional de hoje, porque, aproveitando o progresso do tempo, ela é a melhor - se não a única - garantia dos interesses próprios e comuns de cada pedaço do chão e tia alma ide Portugal».
E quando nos tempos modernos - seguindo o que afirma o Prof. Doutor (Marcelo Caetano - «a tendência é para acentuar mós países a unidade ido poder, donde resulta o declínio de federalismo nos Estados com mais tradições federativas e onde o poder da união coda vez mais se impõe aos Estados federados» (cf. Manual de Ciência Política, 5.º edição, p. 128), mal se compreende que a proposta de lei ora em exame venha preconizar uma solução que leva a fragmentação do poder político, pondo em causa a unidade do Estado, tal como o conceito desta expresso na Constituição e com fortes raízes e a História, para adoptar um conceito muito próximo do federalismo, sem qualquer tradição entre nós e que muito bem pode, contra os já reiterados desejos sinceros do Governo, arrastar a Nação para um desastre que nos poderá ser fatal.

O Sr. Barreto de Lara: - Não apoiado!

O Orador: - Enamorado de um realismo político, baseado em conceitos ide validade universal, o Doutor Salazar podia dizer, a propósito de problemas africanos:

Nós só poderíamos aceitar a autodeterminação nos territórios ultramarinos, e no significado que se lhe dá correntemente, se estes territórios tivessem de escolher o seu destino de nação ou a sua forma de estado. Mas o que acontece é que, de acordo com a integração de há séculos seguida pela política portuguesa em relação ao ultramar, esses territórios formam já no seu conjunto uma nação e um estado soberano.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Dentro de precisamente cinco minutos esgotar-se-á o tempo que lhe posso conceder.

O Orador:

Admitir em cada momento político que uma fracção de território tem o direito de se autodeterminar no sentido acima é criar um factor de instabilidade e de dissociação nacional. Se o problema pode ter sentido quanto a territórios dependentes ou colónias que se deseja ascendam à independência e definam as relações com o Estado que exercia sobre eles direito de soberania, não o tem no caso português.

E esclarecendo:

No caso português, a única coisa que importa é saber se aos cidadãos dos territórios as leis conferem os mesmos direitos políticos, ou sejam aqueles através dos quais o indivíduo influencia a constituição dos órgãos do Estado. Se esses direitos são iguais em todos os territórios, nós não temos cidadãos e súbditos, mas só cidadãos, ainda que estes só intervenham em tais ou tais actos conforme a sua capacidade. Mas isto é uma questão de direito eleitoral, e não uma questão política. Os fautores da revolução africana pretendem iludir a questão com a exigência primária de um voto a cuida homem. Ninguém com a noção da responsabilidade aceitará a tese, que só é defendida para chegar a certos resultados, e não pela sua verdade e justiça. (Da entrevista concedida, no Verão de 1965, ao director da revista Jours de France.)

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Julgamos terem já soprado as mais fortes rajadas dos «ventos da História» que, desde 1961, açoitaram com enorme violência as províncias ultramarinas com o objectivo de separá-las da Mãe-Pátria, sem que, no entanto, hajam sido toldados os nossos propósitos de unidade e de paz.
Nos últimos tempos nota-se, efectivamente, uma certa evolução ou viragem, se bem que lenta, nos juízos da política externa mais representativa e designadamente em alguns órgãos da imprensa estrangeira mais conceituada. Atente-se, por exemplo, no editorial publicado em 31 de Maio passado no Daily Telegraph, em que se podia ler:

Está a ser agora reconhecido, com um certo atraso, que a implantação portuguesa nos seus territórios ultramarinos, velha de séculos, tem raízes mais saudáveis do que muitos supunham. Pelo contrário, espera, antes, que haja uma compreensão maior da Inglaterra para a fórmula portuguesa de evolução

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política na África. E espera também que a Grã-Bretanha compreenda até que ponto o movimento anti-colonialista tem sido dominado pelos planeadores mundiais comunistas.

A referida evolução ou viragem foi ainda posta em relevo em artigo de fundo publicado pelo Diário de Noticias em 7 de Junho corrente, da autoria do grande jornalista e diplomata Dr. Augusto de Castro, ao afirmar em certo passo:

Prosseguimos uma obra cujo significado e razão começam a ser visíveis e a ser reconhecidos, emobra com as reservas, próprias e hipócritas, que a situação do mundo impõe.

Externamente, e a nosso respeito, o que se verifica é existir a boa política ao lado da má política. Isto é: também no estrangeiro há os que têm a coragem de reconhecer que temos razão, apreciando todo o empenho posto por nós na defesa de uma causa que não é só nossa, mas também é a causa do mundo ocidental e cristão.
E muito estranho será que só pensemos no reflexo da nossa conduta quanto aos da má política - aqueles que nos hostilizam -, e não aos da boa política - aqueles que denunciam admiração, simpatia e apreço pela posição que assumimos. Ora, o testemunho que precisamos de dar externamente é um testemunho de unidade, mas na boa política que não na má política.
O que para tanto importa é manter coesa a nossa força interna, contra a qual - se quisermos - não haverá cerco nem manobras externas que consigam abalar a nossa posição. E importa também lutar. Ainda há poucos dias, pois foi precisamente na reunião da N. A. T. O., o delegado da Noruega teve a deselegância (para mais sendo nosso hóspede) de se referir em termos pouco lisonjeiros à nossa política ultramarina - que certamente de tal modo ignorava que nem sequer entendia!... Pois bem: pronta e energicamente lhe respondeu o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, a quem pelo facto dirijo desta tribuna as mais vivas felicitações. E assim mesmo que todos nós temos de igualmente proceder frente a qualquer ataque à maneira portuguesa de estar no Munido - já que nenhuma outra melhor se vê justificada ou sequer enunciada com princípio, meio e fim.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Moura Ramos: lamento que V. Ex.ª não tenha podido resumir as suas considerações quando o adverti. Não lhe posso continuar a conceder mais tempo o uso da palavra.

O Orador: - Então termino.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente: Recai neste momento sobre a Assembleia Nacional o delicado encargo de rever a lei fundamental do País, cujas bases constituem o ordenamento político, social e jurídico da Nação - plurirracial, de religiões diferentes, dispersa pelo Mundo, mas com a clara consciência da sua unidade, para prosseguir na continuidade evolutiva dos povos que a formam e dos territórios que a integram.
Delicada, complexa e difícil tarefa.
Não é, pois, sem emoção, mas com inteira responsabilidade, que subo a esta tribuna para dar o meu testemunho.
Antes, porém, peço licença para fazer minhas as palavras de apreço que V. Ex.ª dirigiu ao conselheiro Albino dos Beis, presidente da comissão eventual para o estudo dessa revisão, a que tive a honra de pertencer.
S. Exa. foi de uma compreensão, de uma lhaneza, que, mesmo nos momentos mais críticos de vivas discussões, soube manter, se não reforçar, a camaradagem e o espírito de entendimento que a todos animou, de produzir trabalho útil, capaz de estabelecer a conciliação de ideias para muitas vezes se conseguir a unanimidade nas conclusões.
Ninguém deixou, efectivamente, de expor as suas opiniões, e o conselheiro Albino dos Beis, tantas e tantas vezes, com um pacientíssimo «tenha a bondade», contribuiu com requintes de delicadeza para que as discussões se processassem com a máxima amplitude, sem atritos, com respeito mútuo, numa vivência inesquecível.
Presto a S. Ex.ª as minhas respeitosas homenagens e protesto-lhe a rainha mais distinta consideração.
Sr. Presidente: Com algumas intervenções no seio da comissão eventual, não poderei deixar de me repetir.
Aderi, aliás, muitas vezes às conclusões finais a que as discussões conduziram e naturalmente não poderei furtar-me à linha de pensamento que motivou essas conclusões, tão doutamente expressas ao relatório do ilustre Prof. Doutor Gonçalves de Proença.
Cotejando as revisões anteriores com a actual, com facilidade se verifica ser esta a que maior número de inovações introduz no texto base, embora sem quebra dos princípios fundamentais que o enformam.
Há os que entendem que o Governo devia ter avançado .mais, no sentido ide maior liberalização e maiores garantias das liberdades individuais, ou em ordem a criar uma consciência política mais acentuada que permitisse uma intervenção mais actuante, mais interessada e mais directa Ide todos os portugueses na vida da Nação.
Por outro lado, surgem opiniões paralisastes a sustentar princípios ultrapassados, temendo o significado das palavras que a própria revisão define e limita, assegurando os poderes dos órgãos de soberania nacional, ide modo a manter a unidade indispensável ao progresso económico e social do povo português.
Na primeira das críticas estarão incluídos os direitos, liberdades e garantias individuais, a eleição do Chefe do Estado, a liberdade de imprensa, etc.
Na segunda é evidente que a atenção recaiu essencialmente sobre os preceitos relativos ao ultramar.
Ora, não me parece que o momento seja oportuno para uma abertura maior quanto às liberdades individuais ou para o cerceamento do poder de regulamentação do uso dessas liberdades e das suas garantias.
No texto constitucional há que estabelecer bases, deixando para a lei ordinária a definição da forma como usar o direito e das garantias necessárias para o seu exercício.
O exercício desse direito e a garantia da sua efectivação hão-de subordinar-se, em princípio, às conveniências da manutenção da ordem pública e da paz social e mesmo à protecção do próprio indivíduo sujeito do direito.
Nós estamos em guerra e o inimigo não desarma, quer no ar, quer no mar, quer em terra. «Há renegados entre nós» aliciados e cobertos por potências estrangeiras e por tal forma que conseguem a impunidade a pretexto de asilo político ou outros depois de cometerem autênticos crimes comuns, pondo «em risco a vida dos cidadãos e a segurança colectiva».
Haja em vista, além de outros, os casos de Tancos, do Angoche e agora, com grande surpresa, a revelação feita ao País pelo Presidente do Conselho do descarrilamento do rápido do Porto.
Descer a minúcias num texto constitucional seria retirar ao Groverno o poder de agir a tempo, se quiser - como certamente é sua intenção -, respeitar a Constituição ...

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A não ser que queiramos cair no pior, que seria a declaração do estado de sítio, com suspensão dessas liberdades e garantias...
De resto, a minúcia podia ser uma espada de dois gumes.
Se entrássemos numa verdadeira paz por que ambicionamos, aconselhando, por exemplo, um prazo de prisão preventiva inferior ao vigente, só daqui a dez anos, ou, quando menos, só daqui a cinco, esse prazo poderia ser alterado.
Seria retardar uma liberalização maior inserir no texto de uma constituição de tipo rígido preceitos que exigem maleabilidade.
No que concerne è eleição do Presidente da República como Chefe do Estado, há quem diga que o sistema actual é uma involução relativamente aos princípios que vigoraram antes da revisão de 1959.
Direi, sem hesitações e abertamente, como já afirmei na comissão eventual, que sou pelo sufrágio directo. E o único processo de fazer participar toda a Nação num acto de tanta transcendência política.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Único não é.

O Orador: - Contudo - malgré mói -, tenho de apoiar a «involução» e tenho pena de não poder aderir ao texto do projecto n.º 6/X.

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Desculpe, mas não posso.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Pronto, pronto. Os liberais são assim!

O Orador: - É que não se legisla por sentimentos próprios ou por idealismos e opiniões pessoais.
A lei tem de subordinar-se aos interesses da colectividade a que se destina e acautelar os valores das estruturas que a regem.
Admitindo que todos, incluindo o próprio Governo, desejariam o regresso ao processo anterior do sufrágio directo, como fazê-lo, em especial nas circunstâncias actuais?
No bem elaborado relatório da comissão eventual acentuou-se de modo particular que a manutenção do sistema actual obedecia ao «sentido orgânico da estrutura política nacional claramente conforme ao regime vigente».
Confesso que não percebi lá muito bem este particularismo.
Se estrutura política nacional quer significar Estado corporativo, não vejo como integrar no colégio eleitoral os representantes das províncias ultramarinas, onde o corporativismo será, quando for, uma longínqua realidade.
Mesmo aqui na metrópole ...
Bem. Adiante.
As minhas motivações são outras, para não aceitar desde já o sistema anterior, preconizado pelo projecto n.º 6/X.
Entendo que não atingimos ainda, em todas as latitudes, incluindo a metrópole, onde impera o espírito impulsivo dos Latinos, aquela maturidade cívica e política capaz de nos permitir campanhas abertas sem descer à iniquidade das difamações pessoais, de que já Afonso de Albuquerque se lamentava nas suas cartas ao rei, afirmando o que lhe chamaram, em termos soezes, de verdadeiro vilipêndio, para acrescentar amargamente que, «pior do que isso, é que o provaram».
Ouvi e assisti, Sr. Presidente, aos maiores vitupérios atirados a candidatos à Presidência da República nas duas últimas campainhas eleitorais por sufrágio directo.
Não vou repetir o que ouvi para justificar as razões da minha posição, imposta por motivos circunstanciais que, como tais, mão me impedem que mude de ideias esperemos que num amanhã que seja breve.
Prefiro estribar-me, em abono dessa posição, nas autorizadas considerações da Câmara Corporativa que respigo do parecer n.º 1-3/V a propósito da revisão de 1951: «a campanha divide os partidários das diversas candidaturas, que ao mesmo tempo elogiam o seu candidato e denigrem o do adversário. Durante trinta ou quarenta dias, os homens que se propõem consubstanciar a unidade nacional estão sujeitos a ver a sua vida analisada dia a dia, recordados todos os erros, -censurados todos os deslizes, exagerados todos os defeitos, malsinados todos os propósitos, ridicularizadas todas as atitudes.
Ora, é isso que é preciso evitar, preservando a dignidade do homem que se sentará na cadeira «presidencial, de modo que possa exercer a magistratura suprema da Nação sem agravos marginais provocados por uma apaixonada e perigosa sobre excitação.
Para manter a unidade é indispensável que um único colégio se pronuncie, com larga representação de todas as forças vivas e actuantes da Nação, pelo menos por enquanto.
Poderá discutir-se a formação actual desse colégio, mas deixemos às leis ordinárias o alargamento da sua composição que o texto constitucional consente, de forma a permitir-se maior comparticipação do povo português na escolha de quem há-de exercer, com imparcialidade e serenidade, a função de árbitro e chefe nacional.
Por agora, essa é a minha opinião, que deixo aqui expressa, ainda que contrariando-me a mim próprio, mas na convicção de que sirvo os superiores interesses do País, subordinado às contingências actuais.
Repito: estamos em guerra e é necessário evitar perturbações políticas a reflectirem-se sobre a ordem pública e, porventura, sobre a unidade nacional.
De resto, o sistema vigente não está suficientemente experimentado para o abandonar praticamente de chofre. Não coube, como é evidente, a argumentação do tampo da sua duração, que vem de 1959, portanto, doze «unos de vigência, pois a verdade é que os sistemas não provam só pelo tempo em que vigoram, mas também pelas vezes em que são aplicados - sobretudo como não coso.
O artigo 72.º da Constituição apenas foi aplicado uma vez - nas eleições de 1965.
É pouco para tirar conclusões ...
O capítulo referente às províncias ultramarinas é aquele que mais tem servido à crítica para deturpar intenções. Chega-se ao ponto de rebuscar trabalhos do Presidente do Conselho, sem se lembrar que Marcelo Caetano é professor catedrático de Direito desde 1933 e que nunca foi mestre de «ler a sebenta do ano passado». Investigador erudito, numa ânsia de saber e de ensinar, transmitindo às gerações sucessivas o fruto dos seus trabalhos, Marcelo Caetano, para além dos seus alunos, manteve discípulos, através de uma sequência de edições das suas obras, sempre revistas e, portanto, melhoradas, ampliadas e renovadas nas concepções.
Como se o patriotismo fosse um exclusivo deles, não faltam patriotas exaltados, caídos em pânico, a distribuir uma propaganda em que insinuam, quando não afirmam, que vamos entrar numa política de demissão.
Ora, o Presidente do Conselho não se tem limitado a meras declarações de princípios que desmentem formalmente a atoarda.

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A sua acção com presença efectiva nas províncias onde a guerra nos é movida; a permanência das forças armadas nesses territórios; o relevante esforço e tenacidade em prosseguir no seu desenvolvimento e na promoção social das suas populações são factores que não consentem, antes repelem, asserções que não passam de temores injustificados.
Todavia, não só os territórios em guerra foram alvo das atenções do Chefe do Governo. Cabo Verde, em paz, mas a braços com uma das suas terríveis secais, foi também objecto das preocupações do Prof. Marcelo Caetano, que visitou recentemente as ilhas, sem honras, sem pompas, antes numa jornada extenuante de trabalho e de percursos fatigantes, para verificação directa dos factos e adopção de medidas próprias para os enfrentar.
É a primeira vez em toda a nossa história, e não obstante as secas frequentes, que um Chefe do Governo se desloca em tais circunstâncias e para tais fins, observando a realidade, contactando com as populações, ouvindo os responsáveis, definindo directrizes, proporcionando meios de auxílio, contribuindo, enfim, para mais arreigar, se possível, o portuguesismo das gentes e firmar a solidariedade que nos une, tal como aconteceu nas províncias em guerra.
São factos. Pergunto: Isto é abandono? Isto é demissão?
Contudo, vejamos os concernentes dispositivos da proposta governamental.
Trata-se, antes de mais, do desenvolvimento de uma política que vem de trás.
A abolição do discriminatório Acto Colonial, com a transposição de preceitos seus para uma constituição política única para todos os portugueses; o abandono da designação «colónias»; a participação do ultramar nesta Assembleia, com aumento sucessivo dos seus representantes; a revogação do Estatuto dos Indígenas; a promulgação da Lei Orgânica de 1963, a que se seguiram os estatutos político-administrativos de todas as províncias, adequados à sua situação geográfica e às condições do meio social, etc. - não são mais do que parâmetros de uma evolução que, sem ferir a autoridade soberana da República, evitou complexos e desconfianças, fortalecendo a unidade nacional com a comparticipação de Portugal de todos os quadrantes na vida política da Nação e contribuindo para satisfazer, sem temores, aspirações legítimas das populações do ultramar, ansiosas do seu desenvolvimento, só possível com uma descentralização capaz de permitir soluções imediatas, com conhecimento directo dos factos e circunstâncias a ponderar para a adopção das medidas mais convenientes que se imponham.
A centralização administrativa é inoperante, contraproducente e prejudicial. Cria descontentamento, provoca hesitações, obriga a uma burocracia emperrante.
Lembro-me de que - já lá vão .alguns anos - , numa das cíclicas crises de Cabo Verde, foi preciso auxiliar a população da ilha da Boa Vista, proporcionando-lhe trabalho. Mandaram-se abrir poços, em pesquisa de água, tão necessária àquelas ilhas. Não havia, porém, verba inscrita para abrir poços. Só havia para estradas ... de que a Boa Vista não necessitava.
Pois, não é que para o utilização da verba das estradas em abertura de poços - operação de simples transferência de verbas - o caso não tivesse de vir, então, ao Terreiro do Paço!
Não comento, embora saliente que o governador não esteve com meias medidas: mandou mesmo abrir poços...
Colónias, províncias, estados honoríficos, são conceitos que marcam fases de um desenvolvimento natural do ultramar português.
Não nos apeguemos ao significado usual das palavras. Lembremo-nos de que há Estados que o são apenas no nome, pois, dominados por forças estranhas à sua formação, estão afinal ocupados e dirigidos por estas. São Estados in nomine. Alguns só servem para fazer barulho na O. N.º U.
Basta observar o panorama internacional.
É tudo afinal de contas, uma questão de convenção, e entre nós uma tradição que em nada afecta os poderes dos órgãos da soberania nacional - veja-se a este propósito o parecer da Câmara Corporativa, onde se afirma o seguinte, depois de várias citações:

É, pois, um facto que a designação de «Estado» está longe de ser desconhecida na história da nossa administração ultramarina e, em certa medida, pode, assim, considerar-se uma designação tradicional.

A proposta do Governo teve esta vantagem: as províncias serão Estados de honra, permanecendo unidas à Nação que as moldou, sem se deixarem subjugar por um neocolonialismo que as deprima e entorpeça, impondo-lhes concepções de vida diferentes daquelas que enformam a personalidade das suas populações à igualdade sociológica, sem distinções de raças, cultura, religião ou classe social.
O termo «Estado» não é, aliás, mais do que a extensão de uma honra já expressa no artigo 1.º, n.º 4.º, da Constituição quanto à índia, desde o texto primitivo, plebiscitado pela Nação, e que não foi motivo para objecções, mesmo nas revisões que se seguiram.
Não seria lógico que a honra fosse concedida a uma parte do território nacional e não possa atribuir-se às demais parcelas, «quando o progresso do seu meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica».
O temor agora levantado não tem razão de ser. Não estamos mesmo perante uma inovação, mesmo efectiva que fosse. Repare-se: estamos apenas em presença de uma possibilidade. O Governo não propõe uma designação imediata e in controlável. Previne uma possibilidade que subordina a condicionamentos dependentes do futuro.
Sr. Presidente: Desejaria entrar com mais minúcia na apreciação dos restantes preceitos da proposta relativamente ao ultramar.
Escrevi algumas considerações para expor nesta tribuna.
Contudo, em revisão e cotejo com as declarações aqui feitas, já não corria o risco de me repetir, mas de ser acusado de plágio.
Eu sei que, em especial, o Sr. Dr. Neto de Miranda não me exigiria direitos de autor, mas as nossas ideias são tão coincidentes que até as próprias palavras são muitas vezes as mesmas. Era um risco ... Se eu tivesse talento diria que «les beaux esprits se rencontrent ...».
No entanto, não quero deixar de dar o meu pleno acordo à proposta do Governo quanto à autonomia polítioo-administrativa das províncias ultramarinas e consequente descentralização. E faço um apelo àqueles que porventura estejam reticentes.
Leiam, de boa fé, os textos em causa. Não isolem preceitos ou simples palavras. A revisão tem princípio, meio e fim.
Um estudo sério do conjunto revelará que, ao cabo, numerosos principios ora consagrados constitucionalmente fazem parte da Lei Orgânica e foram desenvolvidos nos estatutos político-administrativos das províncias ultramarinas.

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Como afirmou o Dr. Neto Miranda, adjectivar ou qualificar estas de regiões autónomas é tornar realidade conteúdos jurídicos da Constituição.
Não há quebra de unidade, nem se processa uma política que atinja os órgãos soberanos dia República.
Com efeito, por que determo-nos no artigo 135.º da proposta, que define em que Consiste a autonomia das províncias ultramarinas, aliás condicionando os respectivos direitos, de moldo ta preservar desde logo a soberania do Estado, e não atentar no artigo 136.º, que, imediatamente a seguir, estabelece à forma de garantir o efectivo exercício dessa soberania, sem fractura da sua integridade, dia unidade da Noção, da Solidariedade entre todas as parceleis do território português, como expressamente se consigna no corpo do artigo? Insisto: a autonomia administrativa é indispensável se quisermos prosseguir ma obra de progresso e de promoção social em que nos empenhamos; se quisermos viver na paz que ambicionamos; no ideal da unidade que conquistámos por acção própria e havemos de continuar para legarmos aos vindouros um Portugal mais forte, mais progressivo e mais firme na sua determinação de se manter fiel aos princípios de solidariedade humana - suporte do direito de continuarmos indivisíveis na dispersão dos territórios que constituem a Nação.
Sr. Presidente: São estas as considerações gerais que se me oferece apresentar ao plenário da Câmara.
Das afirmações feitas conclui-se que aprovo na generalidade a proposta do Governo sobre a revisão constitucional.
Sem embargo, reservo-me para ma especialidade aceitar ou sugerir uma ou outra alteração de forma, desde que não toquem no fundo da proposta, orientada por um pensamento unitário a que não podemos introduzir mais modificações, sob pena de transformarmos um instrumento de tanta transcendência ... num emaranhado sem nexo.
A homogeneidade da proposta tem de ser respeitada, embora com alguns ajustamentos já aceites pelo Governo e que constam do proficiente relatório da comissão eventual.
Deve-se tal proficiência, clareza e simplicidade, que não era fácil de atingir, ao ilustre Deputado Prof. Doutor Gonçalves Ide Proença.
Sobre este notável e objectivo documento, direi com os praxistas, em homenagem ao autor: «Arrazoe quem quiser, articule quem souber.»
Pois, Sr. Presidente, o Prof. Gonçalves de Proença soube articular e tenho pena que o meu arrazoado não fique por aqui.
A verdade, porém, é que seria injustiça esquecer a extraordinária dignidade, o elevado aprumo, a alta craveira intelectual, evidenciados na comissão eventual pelos autores dos projectos n.ºs 6/X e 7/X ali presentes - Deputados Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota e Alberto Meireles.
Sem demérito para quem quer, manifesto-lhes o meu respeitoso apreço e agradeço-lhes, por mim próprio, o grande prazer intelectual que me proporcionaram com irmã dialéctica de alto nível, digna da maior admiração.
Sr. Presidente: Assim vale a pena discutir. Assim vale a pena dialogar.
Tenho dito.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Homem Ferreira: - Sr. Presidente: Eu devia começar por dizer que subo a esta tribuna vergado ao peso das responsabilidades e com a perfeita consciência
da importância dos assuntos em debate e das profundas implicações que eles podem assumir na jornada do futuro.
Mas não seria sincero se reeditasse a chapa destes lugares-comuns.
Creio que nem mesmo a revisão constitucional obriga a adoptar frases solenes e embalsamadas. Por isso, as palavras que vou proferir foram traçadas com riscos breves e simples. Tenho a noção exacta da sua inoperância.
Em primeiro lugar, não estou nada convencido de que a História esteja à espera da minha intervenção.

Risos.

Depois, o meu cepticismo, perante a esgrima de teorias, impede-me de inserir no debate uma fatia de verniz jurídico, recolhida em qualquer compêndio de direito constitucional.
Continuo a recusar-me a confundir esta Assembleia com um mero instituto de conferências, em que tudo é denso e empolado - a palavra, a erudição e o tédio.

Risos.

Por outro lado, já não estou em idade de querer endireitar o mundo, e conheço bem o círculo de giz das minhas limitações!.
Acresce que fiz parte da comissão eventual, mas, devido a uma grave crise de saúde, não me foi possível, nas últimas semanas, acompanhar a parte final dos trabalhos.
Todos estes factores, designadamente a minha precária condição física, autorizavam que me remetesse a um rigoroso silêncio.
A vida, porém, nem sempre permite obedecer à comodidade, por mais justificada que seja. E, continuamente, impõe deveres que não podem ser iludidos.
Na política, quem age com recta intenção e subordinado às exigências do carácter, é obrigado, muitas vezes, a transpor as fronteiras do sacrifício.
Creio ser esta a moldura das circunstâncias presentes.
Ninguém ignora que, em torno de certos pontos da proposta de revisão constitucional, se gerou uma doentia atmosfera de suspeição.
Não me refiro aos votos de vencidos constantes do parecer da Câmara Corporativa, um deles, aliás, subscrito por uma das mais luminosas inteligências que me tem sido dado conhecer e pessoa da minha particular estima.
Sendo, por formação profissional, partidário da livre exposição de ideias, sempre considerei o contraste de opiniões, a controvérsia de argumentos c pontos de vista, como um contributo salutar e necessário para o esclarecimento dos problemas e soluções.
Colaborar não é dizer ámen, nem concordar por sistema.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nestes termos, embora discorde delas, aceito e respeito as posições definidas nos votos de vencidos.
Mas já não aceito a campanha insidiosa, promovida na sombra e sorrateiramente, ao longo de todo o País, pelos que, bem instalados na fortuna e nos privilégios, se dedicaram à tarefa de criar fantasmas e alimentam o escuro propósito de atingir pessoas, magoar e pôr em crise o Governo e a sua chefia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não vale a pena cobrir os factos com o veludo das conveniências, adoptar subterfúgios e fechar os olhos aos acontecimentos.

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Os fins da manobra são transparentes:

Em nome da unidade, dividir;
Em nome da verdade, deturpar;
Em nome da segurança, alarmar;
Em nome da paz, fomentar uma guerrilha política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O caso traduz um sintoma grave, na medida em que se procura atingir e abalar o princípio da estabilidade governativa, que é um dos alicerces centrais da nossa linha política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por mim, não creio que o País disponha de estruturas económicas, sociais e administrativas que lhe permitam, na hora difícil que atravessa, aguentar um clima de instabilidade.
Foi este, no fundo, o motivo supremo que influiu no meu espírito, no sentido de participar no debate.
Faço-o com a humildade de quem, por falta de tempo e saúde para analisai- conceitos e desfibrar argumentos, prefere seguir rente aos factos e ao chão duro das realidades.
Longe da minha ideia o pretensiosismo de trazer, a esta Câmara, uma lição.
Direi, apenas, uma opinião, menos para convencer quem quer que seja do que para marcar uma atitude que se me afigura indispensável e tem de ser clara.
Dentro dos parâmetros de uma independência que muito prezo e sem qualquer tinta de subserviência, sou solidário, em princípio, com quem, em circunstâncias tão melindrosas da vida portuguesa, sofre e suporta as amarguras do Poder.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: São quatro os pontos fundamentais da revisão constitucional que suscitam as divergências anais acesas: ultramar, garantias individuais, eleição do Chefe do Estado e liberdade religiosa.
Relativamente às (províncias ultramarinas, procurou a proposta do Governo modernizar o texto constitucional, demarcando mais precisamente a posição dessas regiões dentro do Estado e definindo com maior rigor a sua autonomia.
Todos estaremos de acordo em que a desconcentração de poderem, a possibilidade de legislar, a descentralização administrativa, que configuram o «conceito de autonomia, constituem, hoje, premissas nucleares de valorização e progresso do ultramar.
O País, pela sua dimensão e características especiais, não pode ser governado, do Terreiro do Paço, por ofícios e telefonemas.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, pela situação geográfica, pelas diferenças de desenvolvimento do meio social, do estilo de vida, da maneira de ser, das religiões e, até, das etnias, as províncias do ultramar traduzem um condicionalismo específico que nenhuma organização político-administrativa pode ignorar, sob pena de adormecer ma estratosfera das utopias e de, mais tarde ou mais cedo, assistir à revolta das realidades contra a lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não reconhecer estas diferenças é um erro. Não as respeitar é um perigo, pelo que pode desencadear e promover.
A unidade nacional há-de ser, precisamente, o ponto de convergência das parcelas do todo português e se pode revigorar-se através do respeito pela diversidade, estimulando cada vez mais a participação das (populações na gerência das suas terras, na equação e definição das suas necessidades, na solução idos seus problemas próprios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Alargar a participação é criar maior interesse.
E interessar é também estreitar laços comuns e unir mais e melhor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Governar à distância, longe dos factos e dos problemas concretas, a que as decisões se dirigem, é, sempre, uma tarefa carregada de graves inconvenientes e que pode tornar à vida dos povos insuportável, o que, no campo do ultramar, pode provocar riscos, seduções e consequências irreparáveis.
Uma autonomia ampla constituirá, assim, o mecanismo jurídico-político apropriado a uma unidade espontânea e autêntica, na medida em que afastei a ideia de submissão, apaga a fadiga das incompreensões e evito revoltos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A proposta do Governo, delimitando, com precisão, no antigo 135.º, o Conceito de autonomia e criando, mo artigo 136.º, aquilo a que a Câmara Corporativa chama, «um sistema de frenagem», traduz uma solução prudente e um louvável equilíbrio entre a autonomia indispensável e a unidade indiscutível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também a alteração de carta terminologia que o Governo propõe não é de molde a causar perturbações nos espíritos atentos e desempoeirados.
Nas revisões anteriores procedeu-se de igual modo em relação ao ultramar, com o propósito de afeiçoar conceitos e vocábulos às exigências do tempo, das circunstâncias e, até das flutuações da política.
As palavras possuem, de facto, a sua importância, demandam as melhores Cautelas no seu emprego e há que ter receio dos equívocos que podem ocasionar.
Por isso, bem andou a proposta, em substituir ia redacção actual do artigo 133.º da Constituição, onde está impressa, com todas as letras, a manca de um Colonialismo que, já hoje, ninguém aceita e todo o mundo repele, hostiliza e combate.
Na realidade, nesse preceito começa por se estabelecer uma dicotomia entre a Nação e as terras dos Descobrimentos, que é muito pouco nacional e representa uma verdadeira negação da unidade.

O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Depois, atribui-se esplìcitamente à Nação a função de colonizar as terras do ultramar.

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Ora, as terras ultramarinas são territórios nacionais, e os territórios nacionais não se colonizam, desenvolvem-se, o que é muito diferente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O contrário seria atribuir a Portugal a missão chocante de colonizar ... portugueses!

O Sr. Casal-Ribeiro: - O Sr. Deputado dá-me licença? É só para um esclarecimento. A Junta de Colonização Interna ...

O Orador: - Pois é, mas é que se esqueceram de mudar a palavra «colonização» para «província interna».

O Sr. Casal-Ribeiro: - Não é uma palavra tão feia, como isso.

O Orador: - Sr. Deputado, não é o problema de a palavra ser feia. Veja o desenvolvimento que vou dar ...

O Sr. Casal-Ribeiro: - Todos nós a referimos, aliás.

O Orador: - Então estamos todos de acordo.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Mas o facto é que a Junta de Colonização Interna existe. É preciso mudar-lhe o nome.

O Orador: - E até a Companhia Colonial. Passa a ser Companhia Provincial de Navegação.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Com certeza, perfeitamente de acordo.

O Orador: - As palavras têm, com efeito, a maior importância e, quando podem transformar-se em armas contra nós e contra a verdade que apregoamos, é preferível modificá-las, ainda que tenham de se rasgar preconceitos arqueológicos, enraizados num historicismo decadente.
Por outro angulo, ao contrário do que se pensa no Chiado, o eixo da política internacional não é Lisboa.
O mundo não se mede, nem é sensibilizado, pelos nossos motivos, subtilezas e dialéctica, como as grandes assembleias sobejamente demonstram.
Também aí é forçoso combater, travar uma dura batalha diplomática, em defesa dos nossos direitos, das razões e da justiça que nos assiste.
Parece, assim, aconselhável proporcionar ao Governo instrumentos jurídico-políticos e conceitos actualizados que não consintam qualquer ataque, ou desmentido, baseado nas nossas próprias leis.
Em resumo: inovar nem sempre é mudar. Pode cifrar-se, como neste caso, em aperfeiçoar e enriquecer.
Sr. Presidente: No domínio dos direitos individuais, contemplados no artigo 8.º do estatuto constitucional, a proposta sugere algumas inovações de certo relevo.
Estão neste número a ampliação do direito de defesa às medidas de segurança, a proibição de estas se prorrogarem indefinidamente, a revisão do regime da prisão preventiva, o alargamento do princípio da irretroactividade da lei penal e, por fim, o estabelecimento do recurso contencioso para todos os actos administrativos definitivos e executórios feridos de ilegalidade.
Suponho que estas medidas, significando um reforço das garantias dos cidadãos, merecem o acordo e o aplauso das quatro correntes de opinião desta Assembleia.
Outro tanto não acontece em relação ao capítulo das liberdades. Aqui, importa dizer que a orientação ensaiada pelo Governo se reveste de acentuada timidez.
Eu bem sei que a liberdade nunca logrou obter, neste país, o tratamento e a consideração a que o seu alto valor, como cimento principal da dignidade humana, tinha jus o devia granjear.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mercê da feição especial da nossa psicologia, da debilidade das nossas estruturas económicas e educativas e, sobretudo, da falta de preparação, sempre entre nós a liberdade foi vítima de incompreensões e excessos.

O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Umas vezes o excesso de liberdade acabou por oprimi-la, outras vezes o excesso de autoridade acabou por sufocá-la.
É preciso, pois, encontrar e desenvolver fórmulas que fomentem a aprendizagem do exercício da liberdade e reanimem os direitos de cidadania, de modo a alcançar-se a verdadeira participação de cada um nos problemas de todos, ou seja a colaboração efectiva dos cidadãos aos problemas, anseios, aspirações e rumos da comunidade nacional.
Nesta linha de considerações gerais, devo declarar que neste sector acompanho, em parte, a proposta do Governo, sem deixar de dar a minha adesão na especialidade a alguns aspectos do projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro e outros Srs. Deputados.
Sr. Presidente: A Constituição plebiscitada em 1938 assentava a eleição do Chefe do Estado no sufrágio directo.
E compreende-se. A função - pelos poderes que lhe competem, pela alta importância constitucional de que se reveste, por ser a chave de todo o nosso aparelho político - carece do prestígio que só uma ampla base eleitoral lhe pode conferir.
Apesar disto, a revisão da lei fundamental, em 1950, procedeu à mudança do sistema electivo, banindo o sufrágio directo.
Estava-se, ainda, no rescaldo de uma campanha eleitoral violenta, agitada e espectacular; e a alteração obedeceu ao propósito expresso de eliminar aquilo a que se chamou a possibilidade de um golpe de Estado constitucional.
Quer dizer: a modificação destinava-se não a estabelecer um sistema de eleição, mas a criar um processo de ganhar a eleição!

O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Desde logo manifestei a minha discordância perante esta maneira, simples e fácil, de vencer os problemas e iludir o livre jogo das instituições políticas.
E o meu desacordo agravou-se pelo facto de o colégio eleitoral previsto no artigo 72.º aparecer viciado pela predominância de aspectos formais e possuir eleitores de nomeação governamental, o que conduz a esta contradição insanável: o órgão nomeado interfere na eleição do próprio nomeante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto não significa que defenda, para já, o sufrágio directo, preconizado no projecto do Dr. Sá Carneiro.

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Tenho dedicado a este problema uma reflexão atenta e uma meditação séria. E de cada vez que me debruço sobre as suas coordenadas mais prisioneiro me sinto dos argumentos expendidos nesta Sala, há doze anos, pelo Dr. José Hermano Saraiva, de uma forma insuperável e numa oração que manteve esta Câmara suspensa durante cercai de duas horas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para não alargar esta exposição, permito-me remeter quem esteja interessado neste tema para essa peça notável que consta do Diário das Sessões da época e está publicada em opúsculo.
Reli, agora, essa primorosa análise crítica ao sufrágio directo, e comungo da conclusão do seu ilustre autor: a eleição do Chefe do Estado deve ser feita por sufrágio universal, mas na forma de sufrágio indirecto.
As razões de teoria política alinhadas contra o sistema acrescem os inconvenientes de ordem prática que o sufrágio directo para a eleição do Chefe do Estado tem desencadeado entre nós.
A experiência de 1938 foi bem elucidativa, já que tudo se processou em termos de competição, que, como é próprio da nossa psicologia, geraram uma carga emocional que espalhou por toda a parte um sopro de agitação, de sobressalto e um clima de paixão perfeitamente incompatíveis com a formação de um voto sereno e esclarecido.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - Ora, sendo o Chefe do Estado o símbolo da unidade nacional por excelência, não pode o processo de eleição transformar-se, mercê de excessos sentimentais, numa fonte de divisões, sobrecarregada, ainda, com o risco da sua perigosa projecção nos territórios ultramarinos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nesta fase da vida portuguesa - de guerra nas fronteiras e de batalha em todos os sectores- a oportunidade, como já foi salientado nesta Câmara, é, também, um valor político a atender e cujas leis se não podem ignorar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, não concordo com o sistema de eleição constante do artigo 72.º da Constituição e não considero oportuno, no momento actual, .o regresso ao sufrágio directo para a eleição do Presidente da República.
Sr. Presidente: Se eu não fosse adepto da liberdade dos Deputados na apresentação de projectos, aproveitaria a ocasião para aplaudir o preâmbulo proposto no projecto do Sr. Deputado Duarte Amaral e de outros Srs. Deputados.
Realmente, no oceano de dificuldades que cerca o munido português faltava ainda a questão religiosa.
Profundamente crente, embora afastado da organização da Igreja, já em 1959 mie pronunciei contra um projecto de conteúdo semelhante, da autoria do então ilustre Deputado Dr. Carlos Moreira.
Por esse motivo, sofri alguns dissabores e só não fui «cristãmente» torturado e remetido ao chamado Tribunal do Santo Ofício por certos padres pré-conciliares (risos) porque os tempos são outros e

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - Mas não é uma razão puramente pessoal que me leva, agora, a confirmar a atitude que adoptei em 1959. São mais fartes os motivos que a inspiram.
Entendo que o estatuto constitucional se dirige a toda a Nação e tem de abraçar, nos princípios e directrizes que consagra, populações de diferentes credos religiosos e até (pessoas que item e direito de não acreditar em qualquer religião. Os que não têm crenças religiosas também fazem parte da Nação.
De resto, certamente por ignorar a teologia e as suas subtilezas, ainda não consegui compreender a que religião pertence o Deus que o preâmbulo pretende invocar. A todas?
A uma, para se criar por esse ultramar fora, uma espécie de colonialismo religioso?
Confesso ser-me difícil vencer as objecções que se levantam aio meu espírito.
A propósito do preâmbulo, recebi uma carta da ilustre senhora que é a viúva do Dr. Leonardo Coimbra.
Quis o destino que fosse companheiro de hotel, aqui em Lisboa, daquele nosso malogrado colega. Pude, assim, em estreito convívio, medir-lhe a personalidade e apreciar a sua maneira de ser. Os contrastes que nos separavam faziam-me admirá-lo tanto que, por vezes, durante as nossas conversas, não me era possível ocultar um sorriso: de um lado, o frágil pecador que eu sou; do outro, uma alma de apóstolo, a roçar as estrelas e a tocar a santidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No decurso dos .nossos encontros abordámos o tema deste projecto e nunca lhe escondi o meu pensamento, que, aliás, o Dr. Leonardo Coimbra, delicadamente, respeitou e nunca pretendeu contraditar.
A melhor homenagem que posso render à sua memória é, pois, votar com sinceridade, coerente com o meu raciocínio, e não descair, por mera piedade, num voto infectado de hipocrisia.
Direi, ainda, com referencia aos artigos 45.º e 46.º da Constituição, que adiro ao projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro, perfilhando uma liberdade religiosa autêntica, com respeito e igualdade de direitos e posições para todos, absolutamente todos, os credos religiosos.
Resta, finalmente, referir o alargamento da competência reservada a esta Assembleia e o estabelecimento da base para o regime de equiparação entre Brasileiros e Portugueses que a proposta do Governo submete a nossa atenção e decisão.
O primeiro aspecto não suscita reparos e o segundo desperta um aplauso geral que dispensa quaisquer palavras, tão encharcado de retórica está o tema e a própria comunidade luso-brasileira.
Sr. Presidente: Vivendo, mercê da profissão, em contacto diário com as leis, conheço bem o valor relativo das fórmulas abstractas se TI ao forem vivificadas por um verdadeiro espírito de lealdade e um desejo sério de as cumprir por parte de quem as utiliza e tem o dever de as impor.
Os comandos normativos costumam, precisamente, morrer por falta de execução.
Nunca neste país deixou de se encarar qualquer problema ou anseio por falta de leis, e muito ficou por fazer e decidir apesar da abundância da legislação.

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A vida dos textos legais não reside na correcção geométrica com que são elaborados.
Depende, essencialmente, da sua aplicação prática, isto é, da sua «respiração humana».
As leis só terão autenticidade se lhes for dado funcionar e se forem executadas com verdade e sem desvios.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - Neste quadro, a experiência é significativa, (podendo ate servir de exemplo muitos preceitos constitucionais que têm permanecido no limbo do esquecimento como letra morta ou têm sido postergados por leis extravagantes que os negam ou desvirtuam.
Oxalá que esta fase de desrespeito pelo diploma fundamental esteja ultrapassada e a presente revisão contribua para o reanimar, de forma a ser autenticamente acatado e observado, tanto na letra como no espírito.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - O contrário seria criar, mais lima vez, a indiferença e o vazio na vida pública, com a irremediável consequência de o País vir a encontrar-se, entre céptico e alheado, diante do cadáver de uma lei à espera de sepultura.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Sinto como sempre, mas hoje de modo especial, a responsabilidade de subir a esta tribuna.
Creio que foi com um misto paradoxal de orgulho e humildade que Oliveira Martins disse: «Pela minha boca, Senhor, falam oito mil súbditos.»
Pela minha boca, perdoe-se-me a ousadia, penso, falam alguns portugueses.
Aí está toda a autoridade com que falo. Outros títulos não trago, nem tenho.
Há alguns meses tive ocasião de, nesta mesma Câmara, expor algumas interrogações sobre as consequências políticas do urbanismo.
Dizia então que «as massas rurais chegadas à cidade ficam numa situação de marginalidade política, isto é, sem participação.
«O processo político é-lhes alheio, não se sentem representados, nem se identificam com as opções que lhe são oferecidas», e acrescentei: «creio que é a altura de traçarmos os caminhos que permitam que esta deixe de ser a situação da maior parte dos portugueses»
Repito hoje:
Creio que é altura de traçarmos os caminhos que permitam que esta deixe de ser a situação da maior parte dos portugueses.
Na verdade, julgo eu que o problema transcende o próprio fenómeno da urbanização, isto é, a não participação verifica-se que só em relação aos rurais chegados à cidade, mas em relação à «maior parte dos portugueses».
Não me parece útil transformar esta tribuna em lugar adequado para a investigação ou os estudos sócio-políticos.
Por isso não procurarei situar-me historicamente nas origens da questão, mas tão-sòmente recuar um pouco para ganhar perspectiva e evitar confrontos apaixonados e descabidos.
Assim, diria simplesmente que no após-monarquia português continuou o poder político a ter carácter oligárquico ou quase oligárquico.
Muito curiosamente o comprovam os estudos do Doutor Oliveira Marques 1, demonstrando como existe relativa proximidade, por exemplo, entre as percentagens de Ministros não nobres nos períodos de 1910 a 1917, 1917 a 1919, 1919 a 1926 e 1926 a 1933, acentuando-se que a partir da década iniciada em 1870 o número de titulares no Governo já decrescera aceleradamente - o duque de Ávila, Presidente do Conselho entre Março de 1877 e Janeiro de 1878 foi o último titular a constituir ministério, e entre 1900 e 1910 apenas três titulares (os condes de Paçô-Vieira, Penha Garcia e Castro e Sola, aliás titulares de fresca data) foram Ministros.
Igualmente, a escolaridade e os graus académicos dos governantes não revelam sensíveis diferenças em relação ao período monárquico, e o mesmo volta a verificar-se com a profissão dos governantes, em que na República de 1910 a 1932 continua a predominar o funcionalismo público, superando mesmo a percentagem atingida nos últimos tempos da Monarquia.
Claro que tudo isto são meros índices sociológicos.
Mas, para além do rigor da investigação histórica, quereria eu colocar-me numa perspectiva essencialmente política, qual é a de que a situação do País no período consagrado era a de um poder político fundado numa participação política limitada e também no compromisso político de sectores sociais em número reduzido.
Creio, aliás, que só numa situação de participação política extremamente limitada é possível compreender que, como previra João Chagas, a República tenha sido «proclamada pelo telégrafo».
Léon Poinsard não se sente sequer obrigado a alterar profundamente o seu trabalho: «Não basta mudar de rótulo político [...] para renovar uma nação Socialmente, Portugal continua o que era antes do 5 de Outubro [...] 2, escreve.
Fialho de Almeida entende o 5 de Outubro como «primeiro acto de um drama cuja acção nem sequer ainda se esboçou» 3.
Mais ainda: Ramalho podia lucidamente não distinguir diferença entre «monarquia constitucional parlamentar e república parlamentar constitucional» 4.
Que noutras perspectivas diferenças houve, e grandes, tenho-o como certo.
Pretendo apenas afirmar as semelhanças num campo.
Penso que me farão facilmente a justiça de acreditar ter eu previsto uma objecção fácil: a que consiste em assinalar a existência das «oposições» no jogo político nacional até 1926, o que invalidada a minha tentativa de não fazer distinção.
Sem aprofundar por agora a questão, quereria recordar que comecei por situar-me num plano em que considerei o poder político fundado numa participação política limitada e no compromisso político de sectores sociais em número reduzido. (Empreguei precisamente estas palavras.)
Participar no «compromisso político» não impede estar contra a política governamental: é o caso típico da britânica «oposição de Sua Majestade» - o que significa

1 Designadamente in O Tempo e o Modo, n.ºs 62/68, pp. 700 e segs., 67, pp. 67 e sege., ë 71/72, pp. 473 e segs.
2 Léon Poinsard, Le Portugal Inconnu, p. 418.
3 Saibam Quantos ..., p. 15.
4 Ultimas Farpas, p. 15.

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é estar dentro da legitimidade política vigente e aceitar as regras do jogo.
Desculpando-se-me o plebeísmo: não quero dizer que não houvesse mudanças de parceiros ou até alternância ao que se refere ao «parceiro» vencedor; o que quero dizer é que sempre o jogo foi jogado por poucos.
Por outras palavras: a vida política portuguesa de há um século a esta parte, pelo menos, tem assentado num compromisso de minorias, muito longe, portanto, da participação política total.
O facto, como facto, não me parece possa ser contestado.
O ponto está em achar bem ou mal; optarmos, decidida e corajosamente, por um caminho para o futuro.
Se queremos usar o povo como fonte de poéticas invocações ou moldura mais ou menos cenográfica dos acontecimentos, o caminho será um; se aceitamos e queremos uma pátria de todos, não madrasta de alguns, em que todos temos lugar com a mesma dignidade de pessoas, com a mesma virtual comparticipação no traçar do destino comum ... outro será e«se caminho.
É evidente que aceito a discussão: seja ela serena e leal, como todas deviam ser.
O que me desgosta são as «portas falsas», as fugas cómodas aos problemas incómodos, os ideais de rejeição na generalidade para evitar a discussão dos problemas ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... o «olímpico» desdém ou a agressividade das costas quentes ..., o enredar-se em palavras disso acusando.
Retomando o ponto de partida, eu diria que até há relativamente pouco tempo aquele que passava a ter participação política se integrava com relativa facilidade, quer no quadro de actuação existente, quer na aceitação da liderança vigente nesse quadro.
Numa sociedade de tipo rural, por via do «cacique» ou do «galopim», que o mesmo é dizer por via de toda uma série de laços pessoais, familiares, profissionais e sociais, tudo era mais fácil.
Mas já aqui referi - e não vou agora aborrecer-vos de novo - que esses tempos estão passados; que as migrações, internas e para o exterior, a urbanização e as mudanças psicológicas e sociais que as acompanham, mudaram radicalmente a situação.
Gostaria, tão-sòmente, de repisar que, como então disse, há uma só resposta política: «dar aquilo a que aspiram os que se deslocam: um desenvolvimento económico mais acelerado; uma redistribuição de rendimentos de acordo, ao manos, com as aspirações populares à participação e ao consumo.
O caminho é o das reformas, cada dia mais necessárias e urgentes.»

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda acrescentar um outro ângulo do problema: é que um compromisso político minoritário é, por natureza, instável, já que existem conflitos entre os grupos participantes, quer no que respeita à repartição entre si do poder, quer quanto à exclusão de outros grupos.
Não será necessário meditar longamente no problema nem ir buscar exemplos muito longínquos: é o caso dos regimes (parlamentares sem fortes maiorias, é o caso dos regimes da América do Sul, em que as forças armadas deixam de remeter-se «ao papel que lhes pertence de escudo defensivo da Nação».
Aí também a importância da participação política total: desmistificando os falsos profetas, os «únicos» guardiões da Pátria.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Este é, pois, o momento e o lugar.
Revendo a Constituição, havemos de interrogar-nos e escolher.
Pedir-nos-ão contas os portugueses que hão-de vir. Creio que a perspectiva que acabo de delinear importa mais a cima assembleia política do que o problema da natureza constituinte ou não do poder de revisão.
Não posso até deixar de exprimir alguma perplexidade por só a propósito da actual revisão o problema ser suscitado. É que a questão («em querer ir até à Antiguidade Grega) põe-se desde que o domínio político perdeu a sanção religiosa e a distinção, nos seus precisos termos, foi feita quando da Revolução Francesa 5.
Julgamos, aliás, que o problema só é clarificável numa óptica do direito como «contrôle social» próxima da de Pound.
O que tudo demonstra como o (problema não tem nesta Câmara o seu lugar próprio.
Por isso me ficarei numa noção extremamente simples: tenho para mim que, aceite a ideia de que a soberania reside em a Nação, sempre, e em qualquer momento, a Nação terá, necessariamente, poderes constituintes.
Sempre a Nação conserva a liberdade de, em qualquer momento, exercer esses poderes de soberania organizando-se sob novas formas, uma vez que tenha adquirido a consciência jurídica da necessidade destas novas formas.
Pode ela organizar-se de forma a querer, em prazos e por modos que determinou, rever essa organização.
Mas, a verdade é que o facto de a revisão se exercer em certo prazo e por certo modo não retira à Nação a sua força e o seu poder constituinte. E, por isso, exclusivamente a Nação quem, em cada momento histórico, fixa quais as alterações que se lhe afiguram necessárias ou, inclusivamente, opta por novo texto constitucional.
Daqui é que não há que fugir: nem percebo a coerência que possa existir nos defensores da tese do poder «constituído» com a oposição que manifestam ao sufrágio universal e directo como processo de escolha do Chefe do Estado, uma vez que esta é a fórmula plebiscitada em 1933 ...
Mas, seja como for, o problema não me parece justificar o relevo que lhe vem sendo dado, a menos que se procure uma «manobra de diversão».
É que nem a proposta, nem os projectos n.ºs 6/X e 7/X estão, de nenhum modo, em desacordo com a essência constitucional vigente.
Não se descortinam assim razões para o relevo dado à questão, a menos que também ela seja manifestação de preferência pelo imobilismo «ocultador» de problemas.
A verdade é que, para não pensarmos sequer no futuro que começou, a vida portuguesa mudou radicalmente nos últimos anos. Em 1950, o País era ainda predominantemente rural, com cerca de metade da população activa na agricultura, e o produto das indústrias transformadoras

5 Foi Sieyès quem distinguiu entre pouvoir constituant e pouvoir constitué.
Não sei até que ponto se esquecerá que normalmente a teoria de Sieyès é vista como um processo de substituir «a monarquia, ou domínio de um só homem, pela democracia, ou domínio da maioria». É, por exemplo, a posição de Hannah Arendt, in Sobre a Revolução, ed. portuguesa de Morais Editores, p. 161.

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ainda inferior ao do sector primário. É, pois, oportuno, conveniente e até necessário rever a Constituição.
Creio firmemente que o grande problema que a revisão constitucional em curso nos coloca é aquele que comecei por referir: a passagem de uma sociedade em que a maior parte dos cidadãos vive em situação de marginalidade política para uma sociedade aberta e participada.
É por isso que, não vendo, como já referi, na proposta ou nos projectos m.08 6/X e 7/X, qualquer frontal desacordo com a essência constitucional, e entendendo a revisão oportuna e conveniente, não tenho dúvidas em aprovar na generalidade a proposta e os projectos. A abertura e participação começam aí.
Não consigo, aliás, descobrir razões para a posição da Câmara Corporativa.
Os projectos n.ºs 6/X e 7/X propõem a revisão de alguns preceitos constitucionais, mas qualquer deles não se situa num único campo de matérias. Até acontece que algumas das normas que procuram rever são igualmente objecto de revisão na proposta governamental.
Então, o que é oportuno e conveniente rever-se, afinal, já não é?
O modo concreto como a revisão se opera já é matéria da especialidade.
E como a Câmara é técnica ...
Penso, aliás, que a Câmara Corporativa, ou, melhor, a maioria da Câmara, terá prestado um mau serviço, a si própria e ao País, ao sugerir solução contrária.
A si própria, porque creio que terá exorbitado ao dispensar-se (embora, como já aqui foi dito, num quase mini parecer) de formular o seu parecer na especialidade sobre os projectos: se a Câmara consultiva, propondo rejeições na generalidade, passar a dispensar-se de emitir pareceres ... talvez não valha a pena consultá-la.
Mais fundamentalmente ao País: porque o País mão concebe que quando se anuncia a «liberalização» se impeça, a discussão dos projectos de iniciativa, dos Deputados (e todas estamos lembrados de que na revisão constitucional de 1959 foram discutidos oito projectos de iniciativa dos Deputados);
Porque as opiniões dos Deputados subscritores dos projectos são as de muitos e muitos portugueses, que neles encontraram a sua voz e que se querem representados, e não «abafados», na Assembleia Nacional;
Porque os problemas - e alguns são, certamente, profundamente sérios e importantes - são para serem enfrentados e resolvidos, e não escamoteados com expedientes.
Julgo que tomaremos aqui posição diferente da da Câmara.
Com a consciência plena da nossa responsabilidade, procuraremos na proposta e nos projectos o que, para o País, melhor nos parecer.
Com o exemplo que o Governo nos deu ao aceitar o parecer da comissão eventual, e que, ao integrar no articulado que sugere propostas constantes dos projectos e versando matéria não contemplada na proposta governamental, pressupôs a sua aprovação na generalidade.
Os homens encaram os factos bem de frente.
A participação dos portugueses na sua vida política começa nesta aprovação da generalidade, através de nós e do nosso voto. Não penso que sejamos capazes de a negar.
Comecei por colocar o centro das minhas preocupações naquilo que designei por «a passagem de uma sociedade em que a maior parte dos cidadãos vive em situação de marginalidade política para uma sociedade aberta e participada».
Procurarei, agora, reflectir um pouco mais nas possibilidades que, a meu ver, proposta e projectos conferem a tal evolução.
Naturalmente me deterei mais no projecto n.º 6/X, de que sou um dos subscritores. Mas não deixarei, ainda que muito sumariamente, de referir que, na perspectiva em que procurei colocar-me de participação e desenvolvimento, há, de uma maneira .geral, progresso nítido nos novos textos que nos são propostos e afirmações claras que terei muito gosto em apoiar. Tal é o caso, por exemplo, das novas fórmulas apresentadas pela proposta governamental em relação ao n.º 1 do artigo 31.º (o desenvolvimento) e ao artigo 43.º (o acesso ao ensino e à cultura), como o n.º ,14 do artigo 91.º (aprovação dos planos de fomento) sugerido pelo projecto n.º 7/X, e isto para apenas referir preceitos cuja introdução no texto constitucional se me afigura evidentíssima melhoria.
A verdade é que a defesa da proposta do Governo está feita desde o parecer da Câmara Corporativa e os seus méritos ressaltam com justeza daquele texto, sendo pelo menos suficientes para justificar alguma evolução de pensamento do ilustre relator, pelo menos desde 1959.

O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr.. Júlio Evangelista: - Peço muita desculpa de interromper V. Ex.ª Quando entrei no hemiciclo já V. Ex.ª desenvolvia as considerações, que merecem um reparo que não queria deixar de fazer.
Pelo menos sei que interpreto o pensamento de alguns Srs. Deputados, de boa parte desta Câmara, ao prestar homenagem ao trabalho da Câmara Corporativa. O parecer do Prof. Queiró, ou, por outra, o parecer da Câmara Corporativa, é um documento válido, é um documento sério, é um documento em que se procede, a profunda análise do texto da proposta de lei.
Pode não ser, efectivamente, um trabalho perfeito - admito-o -, mas é um trabalho que merece, seguramente, o respeito da Câmara, o respeito de todos nós, como também mereceu o respeito da comissão eventual de que V. Ex.ª e eu fizemos parte.
Esta nota queria deixá-la exarada no Diário das Sessões.

O Sr. Almeida Cotta: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Dr. Júlio Evangelista, agradeço imenso as considerações que fez e quero dizer-lhe que comungo, absolutamente, no respeito pelo parecer da Câmara Corporativa.

O Sr. Júlio Evangelista: - Mas não o tinha dito.

O Orador: - Se não o fizesse, eu diria muito pior do parecer.

(RISOS)

O Sr. Júlio Evangelista: - Pois eu diria muito melhor do que. V. Ex.ª disse do parecer.

O Orador: - Quanto ao projecto n.º 7/X, esse, por ser projecto e como tal pràticamente ignorado (e não só peta Câmara Corporativa, também pelos ilustres membros da comissão eventual a quem a sua discussão não interessou) mereceria, também, uma apreciação mais aprofundada.

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Os escassos minutos de que já agora (disponho permitem que o projecto n.º 7/X encontre melhores defensores que eu, que não sendo seu subscritor, até, muito naturalmente, não o acompanho em todos os seus pontos.
Aqui fica, porém, um testemunho do maior respeito, o respeito que implica o penhor de discussão séria e franca das suas propostas.
E pascemos ao projecto n.º 6/X.
Não parece oferecer sérias dúvidas, por mais que a Câmara Corporativa se empenhe em diminuí-la, a posição dominante do Presidente dia República no nosso sistema constitucional.
Na verdade, segundo o n.º 7.º do artigo 81.º, compete ao Presidente da República «representar a Nação e dirigir a política externa do Estado», competindo-lhe ainda «declarar a guerra te fazer a paz», nos termos do n.º 6.º do mesmo artigo 81.º
Para além das suas atribuições em matéria internacional, que não enumerámos por forma exaustiva, o Chefe do Estado, relativamente à Assembleia Nacional, pode dar-lhe poderes constituintes e indicar-lhe os pontos a rever (artigo 81.º, n.º 4.º, e 177.º, n.º 1.º), como convocá-la extraordinàriamente para deliberar sobre assuntos determinados [artigos 81.º, n.º 5.º, e 84.º, alínea b)], adiar a sessão legislativa, suspendendo os trabalhos e marcando o seu prosseguimento para melhor data (artigo 81.º, n.º 5.º, com referência ao artigo 94.º) e dissolver a Assembleia, nos termos do n.º 6.º do artigo 81.º
Acresce que se consideram inexistentes os actos em que falte a necessária promulgação ou assinatura do Chefe do Estado (artigo 61.º, n.º 9.º), e sabe-se como carecem de promulgação as leis dimanadas da Assembleia Nacional, como os decretos-leis e decretos regulamentares.
É ainda ao Presidente da República que compete nomear o Presidente do Conselho (artigo 81.º, n.º 8.º) e os membros do Governo, que é de sua exclusiva confiança (artigo 112.º). Orienta, pois, toda a acção governativa, mesmo quando ela se exerce através de comparticipação no poder legislativo.
Finalmente, e volto a anotar não estar a fazer uma enumeração exaustiva, interfere na própria actividade judicial, podendo atenuar e «de certo modo corrigir as sentenças proferidas em matéria criminal pelos tribunais» pelo poder de indultar e comutar penas (artigo 81.º, n.º 8.º).
Assim sendo, parece inevitável que o primeiro critério para apreciar as possibilidades de abertura e de participação oferecidas pelas revisão constitucional e vá centrar no processo de eleição do Chefe do Estado.
Não deixa de ser curioso, aliás, assinalar como a argumentação que vem sendo produzida para a manutenção do sistema actual não combate no campo dos princípios: vai ater-se, quase exclusivamente, a critérios de oportunidade que, ao menos, oferecem a vantagem de ser «subjectivos».
Permita-se-me que, neste momento e neste lugar, eu possa manifestar a um ilustre Deputado quanto gratamente me emocionou a sua atitude e o seu apoio.
Perdoar-me-ão os outros que o saliente: mas o almirante Roboredo e Silva, juntando neste ponto à nossa a sua voz, acrescentou ao nosso projecto toda a sua estatura de homem e militar.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Assim, creio se tornarão definitivamente «sussurro» as vozes dos que à discussão preferem a insinuação.
Regressando ao tema.
Repare-se que os defensores do sistema do colégio eleitoral procuram (em meu parecer com fraco êxito) ou convencer da representatividade do sistema, ou vão aceitando, a contragosto, correcções no sentido de assegurar melhor representatividade ao colégio.
Aí entronca o esforço de imaginação que consiste em considerar que em 1959 finalmente nos orientámos para a fórmula orgânica que constitui corolário do esquema constitucional vigente desde 1933.
Se o problema não fosse sério, eu seria tentado a dizer que os que assim pensam estão certamente muito gratos ao candidato às eleições presidenciais de 1958, que, com a sua campanha e o medo que ela despertou nalguns sectores, terá permitido tal coerência constitucional ...
Não quero, porém, colocar assim o problema.
O que importa assinalar desde já é que não é um voto orgânico ou corporativo a solução preconizada em 1959.
Não nos enredemos nas palavras. Nem procuremos ocultar com fórmulas as realidades.
É preciso que as nossas afirmações possam resistir à análise crítica e às lições da experiência.
De outro modo corre-se o risco de prejudicar a própria defesa e a concretização realista dos ideado que se apregoa ter a peito.
O voto exercido no colégio eleitoral poderá ou não ser qualificado (isso não está agora em causa). Mas é sempre um voto de pessoas e não o de órgãos, que anão foram consultados nem apuraram um voto colectivo de que o impropriamente chamado representante seja portador.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Pois que voto traz, a não ser o seu, o presidente da câmara que o Sr. Ministro do Interior atribuiu a determinados munícipes, ou o bastonário da Ordem dos Médicos (ambos, por hipótese, Procuradores à Câmara Corporativa)?
Ou, ao arrepio de uma orientação e até de intervenções de há longa deita, passou a entender-se que a organização corporativa passa a interferir em questão de ordem social ou política? E como? Vai haver um sufrágio interno e uma discussão ao nível corporativo da- Chefia do Estado?
E valerá o mesmo o voto da Corporação da Indústria e o voto da de Assistência;? Ou o voto será proporcional ao número dos seus membros?
E, mesmo que conseguíssemos resolver todos estes problemas, será o quadro dos interesses nacionais rigorosamente idêntico ao da totalidade dos interesses dos grupos corporativos?
Como o Dr. José Saraiva, na sua notável intervenção no debate de 1959, também eu quero afirmar que a Nação é mais que a soma dos indivíduos e mais que a soma das instituições. «Há interesses que são de todos, mas que nenhum grupo, colocado dentro da sua finalidade institucional, pode interpretar. Não vejo a legitimidade de nenhuma corporação, em especial, para se ocupar, por exemplo, de problemas ligados com a unidade do mundo português. A legitimidade paira votar aí vem do simples facto de ser português, ou seja é anterior a qualquer enquadramento Corporativo.»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: A questão está de pé e espera resposta.
Porque se o voto não é corporativo, se o quadro dos interesses nacionais é mais vasto, é ao voto da Nação que há-de voltar-se. Quanto antes.

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Pelo sufrágio directo e universal, toda a Nação é participante. A escolha é de todos, e não de alguns. E não basta dizer-se que a Nação elege. E preciso que a Nação sinta que assim é.
Para que toda a Nação participe na condução dos seus destinos, parece-me ainda naturalmente necessário aumentar os poderes da Assembleia Nacional que a Nação escolhe e tem a eminente dignidade de fiscalizar a actuação do Governo.
Mas é também necessário, como condição dessa participação, que ela seja actuada por cidadãos informados. O direito à informação é condição de participação.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Como o são a igualdade autêntica dos cidadãos perante a lei e a sua condição de homens livres, em que os direitos inerentes à sua eminente dignidade de pessoas são proclamados e aceites pelo Estado como sendo-lhe anteriores e limitando-o.
Por isto, tão apressada e resumidamente dito, Sr. Presidente, subscrevi o projecto n.º 6/X.
Este é o momento de escolhermos.
Creio que o faremos na certeza de que é mais o que nos une que o que nos divide. Porque nos liga o mesmo amor à terra.
E é tempo de acabar.
Quereria fazê-lo com as palavras de um grande Deputado, que a vários títulos me é grato evocar:

Tolerância, lembrei-a, não a peço; exigi-la-ia se de nós fosse preciso exigir alguma virtude de homens públicos; prendem-nos deveres de mútua complacência; é preciso que cada um de nós respeite as opiniões dos outros, para que as suas sejam respeitadas; eu respeitá-las-ei todas, combatendo aquelas com que não concordar, e espero que as minhas serão respeitadas, sem deixarem de ser combatidas.

Disse.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Linhares de Andrades: - Sr. Presidente: Quando uma doença grave impediu definitivamente o Presidente Salazar de continuar no Poder, os seus adversários logo empreenderam inteiro movimento de propaganda, tendente a convencer a opinião pública da necessidade imediata de refazer toda a política nacional, insistindo, em particular, na tese de que o Regime não podia, por si, sobreviver ao homem que o concebeu e durar: te tão longo período o personificou.
Não desanimaram ante a serenidade exemplar com que a Nação eloquentemente manifestou a sua determinação de conservar as estruturas políticas que lhe haviam assegurado as condições indispensáveis paira viver e trabalhar em clima de perfeita ordem e, desse moído, reparar os estragos produzidos pelos erros de um passado anárquico, alcançar notável progresso económico e social e ainda fazer face às exigências da defesa das nossas .províncias de África contra o terrorismo desencadeado, sustentado e dirigido por poderosas potências internacionais.
Outro não foi, com efeito, o significado da pronta união de todos os bons portugueses em redor do venerando Chefe do Estado nesse momento crítico da nossa vida política, bem expresso nas muitas e inequívocas demonstrações de confiança e de apoio ao eminente estadista designado para suceder a Salazar.
Surdos e indiferentes, os adversários do Regime prosseguiram ma sua (Campainha demolidora, que teve o seu momento culminante durante a própria campanha eleitoral das últimas eleições parlamentares.
De novo a Nação se pronunciou aí pela segurança contra a aventura, pela ordem contra a desordem, pelo progresso contra o regresso.
Sem margem para dúvidas, as eleições parlamentares de 1968 significaram a definitiva consagração do regime político instituído na Constituição, ao mesmo tempo que foram eloquente demonstração de confiança no Presidente
Marcelo Caetano, de apoio à sua orientação política, definida no conjunto de reformas que anunciou e entretanto pôs em prática, com vista a acelerar o crescimento económico e a promoção social do País, como na solene afirmação de dever ser dada prioridade entre todos os ingentes problemas a que tem de acudir aos que respeitam à defesa das províncias ultramarinas.
Todavia, não se extinguiram de todo os ecos dessas vozes insensatas, que em vão procuram espalhar a dúvida, a confusão e a desordem. Eles ressoam ainda nalguns espíritos menos firmes, gerando dúvidas e inquietações.
Eis por que o clima de viva expectativa que sempre precede as revisões constitucionais se caracterizou, desta vez, também por alguma inquietação.
Em certos sectores, com efeito, infundadamente chegou a admitir-se que viessem a ser sugeridas alterações destinadas, se não a arrasar todo o edifício constitucional, a afeiçoá-lo, pelo menos, num primeiro passo, à traça arquitectónica mais ao sabor dos modos em vigor nos tempos que correm. Noutros, ao contrário, esboçaram-se temores de imaginários riscos, ante os quais quase se entendeu ser preferível não introduzir modificações, ainda que necessárias.
A proposta de lei de revisão constitucional veio finalmente pôr fim a sonhos e pesadelos de quantos, por culpa própria, não haviam ainda apreendido o verdadeiro alcance da fórmula «renovação na continuidade», em que o Sr. Presidente do Conselho expressivamente sintetizou o seu programa político ao assumir o Poder.
Todas as inovações nela incluídas se justificam pela evolução das necessidade(r) político-sociais, sem que nenhuma signifique desvio dos princípios essenciais da Constituição.
Além da proposta governamental, estão a ser objecto da apreciação da Assembleia dois projectos de lei subscritos por grupos de ilustres Srs. Deputados. Nestes também se não descortinam propósitos de subverter os grandes princípios que caracterizam o nosso estatuto jurídico supremo plebiscitado em 1933, antes revelam os de louvavelmente, em colaboração com o Governo, contribuir pana o seu aperfeiçoamento e actualização, através de sugestões por certo discutíveis, mas todas contidas nos limites assinados pelo poder constitucional de revisão.
Apenas às principais farei de seguida um breve comentário, mas adianto já que me permito discordar do douto parecer da Câmara Corporativa quando conclui que ambos os projectos devem ser rejeitados na generalidade.
Um deles, o projecto n.º 6/X, contém alterações relativas a artigos que se distribuem por quase todas as partes, títulos e capítulos da Constituição, que, portanto, vergam matérias totalmente independentes, sem que a bondade de umas possa depender da bondade de outros, ou afectá-la de qualquer modo, e isso me impediria de votar uma rejeição na generalidade, ainda que de entre todas as alterações propostas uma apenas me merecesse aprovação, o que não sucede, pois a várias darei a minha franca adesão na especialidade, de harmonia, aliás,

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com as recomendações da comissão eventual de que tive a honra de fazer parte.
Sr. Presidente: Sem a pretensão de embrenhar-me na transcendência dos temas de filosofia jurídico-política a que se prendem algumas das matérias em debate, nem sequer a de sobre elas vir trazer qualquer novidade, subi à tribuna só porque entendo ser útil a participação do maior «número possível na discussão de problemas de tão relevante significado político para a Nação, mesmo quando, como é o meu caso, seja apenas paira justificar um voto, alicerçado menos na lição doutrinal dos grandes pensadores constitucionalistas do que na consciência das realidades portuguesas.
Ainda assim tocarei apenas, e ao leve, alguns pontos de maior relevo tratados tanto na proposta como nos projectos.
O primeiro será o que se refere ao estatuto especial dos cidadãos brasileiros residentes em Portugal.
A proposta insere em preceito novo que, por certo, vai merecer o aplauso unânime de todos nós, por isso que é expressão de um sentimento comum e muito grato a todos os portugueses: o que concede a equiparação aos nacionais dos cidadãos brasileiros residentes em Portugal quanto ao gozo de todos Os direitos políticos e privados. Como acentua o douto parecer da Câmara Corporativa, a consagração ma nossa Constituição deste preceito, aliás de conteúdo igual ao que já consta da Constituição brasileira, será um passo histórico e decisivo na efectivação da comunidade luso-brasileira, reencontro de dois povos irmãos pelo sangue, pela língua, cultura e sentimentos, destinado a desempenhar papel proeminente no contexto internacional em razão do valor cultural dos seus 120 milhões de habitantes e da situação, extensão e riqueza dos seus territórios.
Modificações importantes e igualmente susceptíveis de concitarem o nosso aplauso gemi são, a meai ver, as que na proposta se referem à composição e à competência da Assembleia Nacional.
O aumento do número de Deputados, de 130 paira 150, vem dar satisfação às necessidades há muito assinaladas de dar mais larga e justa representação às províncias ultramarinas e a alguns dos círculos eleitorais metropolitanos. A propósito, seja-me permitido exprimir a opinião, embora este não seja o momento mais oportuno, de quê fundadas razões justificam que a cada um dos círculos eleitorais da Horta, Guiné, Timor e Macau seja atribuído pelo menos mais um representante, uma das quais, porventura a mais importante, é a de obviar a que qualquer deles fique totalmente privado de representação nos casos de renúncia, perda de mandato ou morte do seu único Deputado, como, infelizmente, agora acontece na Guiné, em consequência do falecimento do nosso saudoso camarada James Pinto Buli, a cuja memória rendo sentido preito.
A zona reservada à competência exclusiva da Assembleia Nacional é consideràvelmente alargada, segurado a proposta, passando a abranger novas matérias, cuja relevância social ou política se entendeu dever constituir também objecto de apreciação e resolução necessárias deste órgão legislativo mais representativo.
Aqui, como noutros passos da proposta, designadamente nas alterações sugeridas ao artigo 8.º e seus parágrafos, está patente o propósito de alargar sucessiva, mas prudentemente, as liberdades e garantias dos cidadãos.
Nada, com efeito, no campo dos princípios constitucionais que nos regem assina outros limites às liberdades individuais que não sejam as impostas pelas exigências da ordem na vida colectiva, indispensável ao bem comum,
A concepção de um Estado totalitário é frontalmente repelida pela nossa Constituição, quando afirma ser a soberania do Estado Português limitada pelo direito e pela moral, moral cristã, toda assente no respeito pelos valores da pessoa humana. Nenhum de nós, ouso crer, deixará de desejar, como ideal, que as liberdades individuais possam ser exercidas em termos tão amplos quanto possível.
As divergências que porventura possam separar-nos e até dividir-nos em grupos ou alas da esquerda e da direita, como já ouvi aludir, resumem-se, afinal, neste aspecto, a meros desencontros de opinião quanto à medida e à oportunidade em que as restrições, sempre necessárias em toda a sociedade organizada, devem, ser atenuadas sem que daí resultem perigos para a paz social absolutamente indispensável para que a acção dos governantes e o trabalho dos particulares se realizem proficuamente e as próprias liberdades individuais subsistam de facto.
Apenas estais divergências estão agora em causa reflectidas nos diferentes termos em que foram elaborados a proposta do Governo e o projecto de lei n.º 6/X. Enquanto neste os seus ilustres autores entendem ser possível e oportuno, sem os perigos apontados, consignar na Constituição novas e mais amplas garantias, o Governo pensa não dever por enquanto ir tão longe, inscrevendo, todavia, umas tantas que, sendo por si importantes, valem, além disso, como afirmação de propósito.
Em matéria tão delicada, o Governo não podia esquecer a dura lição do passado, bem eloquente quanto aos perigos de um sistema político que, por inadequado, a nossa índole e preparação nos arrastou à mais degradante indisciplina social e à mais pavorosa crise económica da nossa história, sistema que entre os seus vícios contava precisamente o de uma errada concepção das liberdades políticas.
Mas será que entretanto se produziram modificações na sociedade portuguesa de molde a tornar agora possível e certo o que então se revelou impossível e errado?
Seria muito optimista quem se sentisse inclinado a responder afirmativamente. E em política o optimismo nem sempre é virtude.
É inegável que o regime corporativo nascido da Constituição vigente, elaborada sobre as realidades e tradições da vida portuguesa, nos permitiu não apenas sarar as feridas deixadas em aberto pelo sistema parlamentarista como promover franco progresso em todos os domínios em clima de paz e harmonia social, sem que as liberdades essenciais tivessem de sofrer restrições desnecessárias. Introduzir na Constituição alterações mais ousadas do que as previstas na proposta governamental seria imprudência que a gravidade do momento de todo em todo desaconselha.
Por todo o mundo alastra uma onda de subversão anárquica, cujos efeitos ninguém pode subestimar. Simultâneamente, no nosso país, contra o terrorismo, fomentado e dirigido do exterior por poderosos inimigos, que a pretexto da autodeterminação dos povos pretendem arrebatar-nos as províncias de África, destruir a civilização de que ali somos já dos últimos defensores e alargar por esse modo a sua própria zona de influência, contra o atraso que ainda nos separa de outros países mais ricos e evoluídos, travamos duras batalhas em que se jogam os destinos de Portugal.
Para vencê-las, mais do que nunca é indispensável manter íntegra toda a autoridade do Estado, única ga-

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rantia da ordem, sem a qual o resultado de todos os nossos esforços e sacrifícios ficaria comprometido.
Os nossos inimigos desferem os seus ataques em toda aparte e revestem-nos dos mais variados disfarces. São as emboscadas de bandoleiros acoitados nos matos, as bombas mortíferas nas picadas de África, na base de Tancos ou nas ruas e edifícios públicos da capital, os assaltos à mão armada aos bancos, os descarrilamentos de comboios, como toda uma torpe e intensa propaganda destinada a abalar o moral da retaguarda, não sendo a menos perigosa a que esgrime com reivindicações impossíveis.
Mal iríamos, pois, se o Governo não dispusesse de autoridade suficiente para evitar e reprimir pronta e eficazmente todos esses crimes sob o pretexto de dever manter desmedidas garantias das liberdades que a diminuíssem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outra alteração sugerida no projecto de Lei n.º 6/X, a que. igualmente não posso dar a minha concordância, é a que se refere à forma de eleição do Chefe do Estado, pela razão de muito peso exposta pelo Sr. Presidente do Conselho no discurso proferido perante esta Assembleia, de que seria inconveniente voltar a discutir agora o mesmo problema que foi objecto de uma resolução recente, e ainda por outras razões, de doutrina e de conveniência prática, que me levam a preferir o sistema actual de eleição indirecta ou orgânica ao sistema anterior de sufrágio universal directo.
A vontade da Nação, que sempre designa a pessoa do Chefie do Estado e legitima os seus altos poderes de árbitro das supremos interesses nacionais, constitui-se e manifesta-se mais escorreitamente, sem dúvida, na serenidade e reflexão próprias de um colégio eleitoral restrito, onde estão representados todos os elementos estruturais da Nação, do que ao ambiente de febril excitação do colégio mais amplo constituído por todos os cidadãos eleitores.
Não aceito, por isso, que a autoridade do Chefe do Estado, por essa forma eleito, possa, de algum modo, sair diminuída. Sê-lo-ia quando as campanhas eleitorais preparatórias do sufrágio directo, desvirtuando-se para se transformarem em autênticos instrumentos de subversão, como não raro tem acontecido no nosso país e nos outros, atingissem a própria personalidade do Chefe do Estado. Então, sim, ao gravame que sempre representa para »a vida da- Nação esse período de agitação acresceria esse outro resultante de uma desprestigiante discussão sobre quem deve pairar acima de todas as discussões.

O Sr. Mota Amaral: - Não apoiado!

O Orador: - Na solução actual, que inegavelmente corresponde a uma necessidade de adaptação ao sistema corporativo, com as características próprias da sua fase actual, onde os indivíduos, a par das sociedades naturais e primárias em que se integram, constituem os elementos estruturais da Nação, aceito, todavia, que devam ser introduzidos aperfeiçoamentos quanto à composição do colégio eleitoral por forma a dar-lhe mais ampla e genuína representatividade.
Questão de maior relevo tratada na proposta do Governo é ainda a relativa ao regime jurídico das províncias ultramarinas. A ela me refiro só para dizer que dou a minha plena concordância às alterações sugeridas, todas no sentido de reforçar e de precisar no próprio texto constitucional os termos em que deve ser exercida a autonomia de que há muito já gozam e lhes é cada vez mais indispensável, face ao seu condicionalismo geográfico e ao extraordinário desenvolvimento alcançado nos últimos anos, cujo ritmo se espera poder ainda assim ser mais facilitado.
De verdadeira autonomia se trata, por isso, que aos poderes de administração, incluindo o de disporem das próprias receitas e afectá-las às respectivas despesas, acresce o poder de legislar, conferido a órgãos locais representativos sobre matérias não reservadas ao domínio do Estado para realização de interesses especificamente locais.
Não se legitima este poder numa soberania própria da comunidade de caída província que, isoladamente, nenhuma detém. Emerge da soberania da Nação, una e indivisível, e é exercido por simples delegação, nos precisos termos por esta fixados na Constituição.
A autonomia é, assim uma mera descentralização de poderes justificados pela conveniência prática de mais activa participação das respectivas populações na realização de interesses que directa e imediatamente dizem respeito às províncias, sem que, por isso, deixem de integrar-se no conjunto dos interesses nacionais.
O princípio da unidade política do Estado, tão caro aos mais (profundos sentimentos tradicionais dos Portugueses, não é de ânodo nenhum afectado pela autonomia concedida às províncias ultramarinas. Só o seria se e quando lhes fosse reconhecidos poderes constituintes, por forma que cada uma pudesse aprovar a sua própria constituição, ainda que, como membros de um Estado federativo, tais poderes fossem limitados pela constituição do Estado federal.
Mas essa hipótese está de todo excluída dos propósitos revisionistas do Governo, já porque a proposta mantém inalteráveis disposições do texto constitucional, onde expressamente vem afirmado o princípio da unidade nacional, já porque insere a introdução de outros que, no dizer feliz de um ilustre colega, são verdadeiros travões às forças centrífugas que porventura viessem a esboçar-se, para não invocar o pensamento do próprio Presidente do Conselho, muitas vezes expresso com insofismável clareza ao longo de toda a sua vida de professor e estadista insigne, particularmente devotado aos problemas do ultramar. Só nessa hipótese, também, é que com propriedade as províncias ultramarinas poderiam ser designadas de «Estados».
Não obstante, o Governo sugere que algumas, em razão do progresso do seu meio social e da complexidade da sua administração, possam merecer a designação honorífica de «Estados», de acordo com unia, tradição nacional.
A nossa história regista, com efeito, o uso frequente, através dos séculos, da expressão «Estado» referida a partes ou conjuntos dos nossos territórios ultramarinos, mas nunca no sentido de nações soberanas politicamente organizadas.
Alguns receios se têm manifestado, designadamente nos votos de vencidos de vários e ilustres Procuradores à Câmara Corporativa, quanto aos inconvenientes que o ressuscitar dessa tradição possa comportar, admitindo-se que a expressão, pelo seu significado equívoco, venha a despertar sonhos de emancipação ou a adensar pressões externas no mesmo sentido. Deles não participo porque não concebo ser possível basear pensamentos separatistas numa disposição em que expressamente se atribui à denominação de «Estado» o significado de mera distinção honorífica, para mais integrada no conjunto de outras onde a unidade nacional é afirmação dominante.
Para finalizar, Sr. Presidente, farei uma breve referência ao projecto de lei n.º 7/X, restringindo-a à inovação contida no seu artigo 1.º, de todas e de longe a de mais

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transcendente significado: a que pretende fazer inscrever na Constituição a invocação do Santo Nome de Deus.
Na homenagem devida aos seus distintos autores mão me é possível esquecer a figura ímpar de humanista e parlamentar ilustrei que foi o Dr. Leonardo Coimbra, decerto o primeiro a subscrever o projecto se uma morte tão trágica e inesperada nos não tivesse privado, a nós, do seu fidalgo convívio, e à Câmara, do inestimável contributo que a sua inteligência, cultura o nobreza de carácter tanto enriqueciam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: É inegável que Portugal, nascido no seio da Igreja de Cristo, sempre pôde encontrar no ardor da fé católica os melhores estímulos, tanto para vencer as crises maus difíceis como paira alcançar as maiores glórias em toda a sua história de oito séculos.
Foi sob a protecção da Cruz de Cristo e ao serviço de Deus que ia Nação se alargou, integrando povos de outras raças nos novos amuados que descobrimos e civilizámos.
Os sentimentos profundamente católicos dos portugueses da Europa e a decisiva influência do catolicismo nos destinos de toda a Nação, multirracial e pluricontinental, justificariam que a homenagem se identificasse com Deus uno e trino, como fez a primeira Constituição Política Portuguesa, reverenciando a divindade de que a Igreja Católica, Apostólica Romana é instituição terrena.
Os ilustres autores do projecto sob discussão ponderaram, todavia, que por não haver unidade religiosa em toda a Nação, a invocação deve revestir uma forma aconfessional, de modo que todos os portugueses a aceitem e interpretem sem melindres.
Assim, a homenagem ao Criador, traduzida numa afirmação de fé religiosa que cada qual interpretará segundo as soías próprias convicções, sem ofender os sentimentos de ninguém, não justificara outras divergências para além das que respeitam ao momento da Constituição onde deva ter assento, se no pórtico, se no capítulo relativo às liberdades religiosas.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Oliveira Dias: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ato intervir no debate na generalidade da revisão constitucional tenho perfeita consciência da importância deste momento num país como o nosso, que vive hoje um esforço que em todos os campos procura articular-se de construção de uma sociedade mais justa e, portanto, mais livre na busca acelerada dos caminhos do progresso em todos os domínios.
Minimiza-se, por vezes, a importância dos textos legais e até dos textos constitucionais, com o argumento de que são os homens, e não as leis, que ditam a vida. Assim, não há-de ser um Estado que queira ser em toda a acepção da fórmula consagrada um «Estado de direito». Assim, não há-de ser num Estado como o nosso, que sente no seu próprio seio e pela voz dos seus principais responsáveis a necessidade de renovação das estruturas político-jurídicas, condição essencial de realização da sociedade mais justa que se deseja ou, se quiserem, do «Estado Social», tal como eu julgo que deve ser entendido - ao serviço do homem.
Necessidade de renovação em que todos - ou quase todos - estaremos de acordo, embora divergindo quanto à forma de a conseguir, o que, aliás, não admira e só poderá escandalizar os que não aceitam a linha de tolerância e abertura definida pelo Sr. Presidente do Conselho no discurso da sua posse e traduzida no pluralismo de tendências verificado nesta Câmara, que já é hoje um sintoma real de progresso no panorama político do País.
Não é minha intenção debruçar-me em profundidade sobre a proposta e os projectos em discussão. Outros o fizeram melhor do que eu o saberia e não vale a pena repisar que o tempo urge. Mas a coerência com as minhas convicções, as responsabilidades que assumi na vida pública e a lealdade que devo aos que me elegeram, levam-me a trazer aqui um breve depoimento acerca das grandes orientações que eu julgo deverão presidir à revisão constitucional.
Assim, aludirei em primeiro lugar ao problema das «liberdades».
No manifesto que subscrevi, juntamente com os meus colegas de lista, aos eleitores do distrito de Leiria afirmava-se:

Lutaremos por uma ordem político-jurídica em que sejam eficazmente protegidos todos os direitos da pessoa humana, tais como o direito à existência e a um digno padrão da vida; os direitos de livre reunião e de se associar livremente; o de exprimir a sua própria opinião e de professar a sua religião em particular e em público; o direito a uma informação objectiva que deve consubstanciar-se na promulgação de uma lei de imprensa; o direito de participação activa dos cidadãos na vida pública em saudável pluralismo.

Outros direitos poderiam ter sido então invocados, como o «direito de emigração», cujo reconhecimento, na ordem prática, já vai sendo uma realidade no nosso país e ao qual, em palavras recentíssimas, no 80.º aniversário da encíclica Rerum Novarum, aludiu o Papa Paulo VI.
Disse, referindo-se aos trabalhadores emigrados:

É urgente que se procure superar, em relação a eles, uma atitude estritamente nacionalista, a fim de lhes criar um estatuto que reconheça um direito à emigração, favoreça a sua integração, lhes facilite a própria promoção profissional e lhes permita o acesso a uma habitação decente, em que possam vir a juntar-se-lhes, se for o caso, as suas famílias.

Mas os direitos, as liberdades, têm limites. Por isso, acrescentávamos na referida declaração ao eleitorado:

... toda a pessoa humana tem também deveres para com o corpo social, uma vez que a liberdade de cada um é condicionada pela liberdade dos outros. Por isso, aceitamos a autoridade legítima e defendemos a ordem e paz social como indispensável condição de progresso.

Em face da revisão constitucional, a minha posição continua a ser a mesma: não tenhamos receio de nela reconhecer, com verdade, todas as liberdades fundamentais da pessoa humana, sem prejuízo da necessária autoridade do Estado. De resto, os novos §§ 5.º e 6.º previstos pela proposta do Governo para o artigo 109.º permitem-lhe enfrentar eficazmente qualquer situação de perturbação social grave que obrigue a limitar, temporariamente, o exercício das liberdades.

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Eu não discuto a necessidade de reprimir a subversão em ordem a assegurar a paz social, condição de trabalho e progresso. Julgo, porém, preferível «preveni-la» e considero a defesa das liberdades e protecção de todos os direitos da pessoa humana a forma mais eficaz de defesa conta-a a subversão, além de ser a mais conforme com o respeito da mesma pessoa humana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A subversão combate-se assegurando a participação livre, consciente e responsável de todos os cidadãos na vida pública, por forma que a autoridade do Estado se afirme sobretudo pela força moral.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - O segundo grande problema posto à consideração desta Câmara é sugerido pelo projecto n.º 6/X, ao repor a redacção do articulado referente à eleição do Chefe do Estado, constante da Constituição, anteriormente à revisão de 1959.
O Governo não tomou a iniciativa neste ponto, julgando preferível aguardar o prosseguimento da experiência da fórmula actual. Embora respeite e compreenda a posição do Governo, pessoalmente julgo que se deveria regressar à eleição directa.
O assunto foi já, aqui, longamente debatido e eu acompanho aqueles que consideram que num regime, como o nosso, em que a posição do Chefe do Estado é preponderante, cabendo-lhe indicar o Chefe do Governo e podendo dissolver a Assembleia Nacional; num regime como o nosso, em que o Governo é independente da Assembleia Nacional, cabendo-lhe iguais atribuições legislativas, tendo-se tornado, na prática, o principal legislador; num regime como o nosso, que, apesar de corporativo, consagra, com indiscutível aceitação geral, o sufrágio directo dos membros da Assembleia Nacional; num regime como este eu julgo que a autoridade do Chefe do Estado só no sufrágio directo encontra o verdadeiro fundamento da sua legitimidade.
É certo que o sufrágio directo pode acarretar perturbações, sobressaltos ... mas eu acredito que a promoção política do povo português se possa fazer, também, aceleradamente ,e se queremos a colaboração de todos na construção de uma sociedade mais justa também lhes não podemos negar a sua participação - que se espera cada vez mais consciente - na .escolha daquele que constitui o primeiro dos seus órgãos de soberania e é o principal responsável pela gesta da vida pública.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - O terceiro grande problema posto à consideração desta Câmara refere-se às profundas alterações propostas pelo Governo para o título VII, reduzido a quatro artigos, que definem as províncias ultramarinas como regiões autónomas, pendendo ser designadas como Estados, dentro do Estado Português.
A proposta consagra a grande orientação definida pelo Sr. Presidente do Conselho do «progressivo desenvolvimento e crescente autonomia das províncias ultramarinas».
Também neste ponto essencial tenho presente o manifesto atrás referido, no qual os candidatos a Deputados pelo círculo de Leiria apresentaram o seu programa, que neste aspecto apoiou expressamente a referida orientação do Governo.
Nem de outra forma pode sensatamente pensar-se. Se, esquecendo aspectos parcelares do problema, tivermos presente que o nosso primeiro dever em relação aos territórios ultramarinos é assegurar o seu pleno desenvolvimento e bem-estar das populações, teremos de escolher a forma mais eficaz de o conseguir. E essa é seguramente, numa época como a nossa, em que a Administração tem de ser pronta, em face de situações em permanente mutação: a autonomia.
A solução integracionista não passa de um esquema teórico, desenraizado das realidades. Pretende reivindicar para si o monopólio do patriotismo, ao assegurar que só dessa forma é possível manter a unidade de todas as parcelas nacionais. E aqui mesmo que a contesto, pois que julgo que só poderá conseguir-se essa unidade - aliás garantida nos pontos essenciais, conforme prevê o artigo 136.º do texto da proposta -, dotando as províncias de uma organização político-administrativa que lhes permita desenvolver-se em todos os domínios, libertas das peias de uma centralização governativa asfixiante.
Termino, dando a minha aprovação na generalidade à proposta do Governo e aos projectos, pois que, sem aderir cegamente a qualquer deles, reconheço que em todos há elementos úteis, que deverão poder ser considerados na discussão na especialidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão. A sessão de amanhã será igualmente desdobrada em duas, sendo a primeira às 11 horas, tendo como ordem do dia a continuação do debate na generalidade sobre a proposta e projectos de lei de alterações à Constituição Política.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Delfim Linhares de Andrade.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
João Duarte de Oliveira.
João Manuel Alves.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Rafael Valadão dos Santos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Vaz Pinto Alves.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Ruiz de Almeida Garrett.

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Joaquim Carvalho Macedo Carreia.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
Luís Maria Teixeira Finto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O REDACTOR - Januário Pinto.

Rectificações ao «Diário das Sessões», n.º 102:

Sr. Presidente. - Conforme consta do Diário das Sessões, n.º 102, correspondente à sessão do dia 16 do mês corrente, fui dado em falta, quando é certo que respondi à chamada e conservei-me presente durante essa sessão.
Julgo ter havido confusão com o Dr. Artur Manuel Giesteira de Almeida, que, não sendo já Deputado, foi dado como presente.
Agradeço, assim, a V. Ex.ª que seja feita a necessária rectificação.
Muito obrigado.

O Deputado, Artur Augusto de Oliveira Pimentel.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Peço a rectificação no Diário das Sessões, n.º 102, de 17 do corrente, e na minha intervenção, que vem a p. 2063, do seguinte:

1) Na l. 11.ª, substituir a palavra «limitar» por «limiar».
2) Na l. 24.ª, em vez da palavra «efeito», diga-se «efeito lá fora cias palavras que disser».

Subscrevo-me, sem mais, com a mais elevada consideração,
Assembleia Nacional, 17 de Junho de 1971. - Agostinho Cardoso.

IMPRENSA NACIONAL

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