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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

ANO DE 1971 25 DE JUNHO

X LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 109 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 24 DE JUNHO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Foram presentes à Assembleia, para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 376/71, 278/71 e 279/71.
Foram entregues ao Sr. Deputado Agostinho Cardoso os elementos que requereu ao Ministério da Saúde e Assistência na Sessão de 18 de Fevereiro ultimo.
O Sr. Deputado Sá Carneiro comentou a resposta do Ministério das Finanças a um seu requerimento pedindo elementos sobre transferências monetárias de Angola e Moçambique para a metrópole e insistiu pela satisfação desse requerimento.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira pediu ao Sr. Ministro da Justiça o regresso da comarca de Vila Real de Santo António à situação anterior ao Estado Judiciário de 1962.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta e dos projectos de lei de alterações à Constituição Política.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Veiga de Macedo, Delfino Ribeiro, Moura Ramos, Oliveira Ramos e Jorge Correia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 11 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Álvaro Filipe Barreto de Laca.
Amílcar da Gosta Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Cabreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.

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Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares. Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes d» Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos
Teodoro de Sousa Pedro.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 65 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Não porei em reclamação o n.º 105 do Diário dias Sessões, mas advirto os Sois. Deputados que têm interesse nele que o mesmo será posto à reclamação na sessão ida tarde.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Dr. Elmano Alves, presidente da comissão distrital da Acção Nacional Popular de Setúbal, em nome de quatrocentas dirigentes desta organização reunidos no II Plenário de comissões locais do distrito, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Miguel Bastas sobre o aumento do número de representantes do círculo eleitoral de Setúbal na Assembleia Nacional.
De um grupo de trabalhadores do Cuanza Norte, apoiado uma intervenção de um Deputado por Angola.
Da Câmara Municipal de Moçâmedes e do Grémio de Pesca da mesma cidade, concordando com a intervenção do Sr. Deputado Sá Viana Rebelo em Apoio da revisão constitucional proposta pelo Governo.
Da Câmara Municipal de Andulo e da Câmara Municipal de General Machado, da Acção Nacional Popular, da delegação da Associação Comercial dos Empregados do Comércio e Motoristas e da Associação Beneficente e Recreativa Delta Clube de Camacupa, concordando com a intervenção do Sr. Deputado Neto Miranda em apoio do sentido da revisão constitucional proposta pelo Governo quanto às províncias ultramarinas.
Da Câmara Municipal de Inhambane e da Comissão Municipal de Homoine, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Ribeiro Veloso sobre a proposta de lei de revisão constitucional apresentada pelo Governo.
Da Câmara Municipal de Salazar, da Junta Local de Errego e do presidente da comissão concelhia da Acção Nacional Popular de Namarroi, apoiando a proposta de revisão constitucional formulada pelo Governo, especialmente na parte referente ao ultramar.
Da direcção do Clube Desportivo e Recreativo do Bungo, manifestando o maior interesse pelas alterações propostas à Constituição no que respeita ao ultramar.

O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, encontra-se na (Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo, n.º 146, de 23 do comente mês, que insere os Decretos-Leis n.ºs 276/71, que introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 46 925, que promulga a reorganização do sistema estatístico nacional; 278/71, que impõe a expropriação dos prédios construídos clandestinamente que sejam poupados à demolição por motivo de interesse social, desde que apresentem condições mínimas de segurança e habitabilidade, e 279/71, que determina que sejam tomadas providências complementares e correcções de pormenor no ensino na Academia Militar, com carácter provisório e progressivo, até que seja elaborado o estatuto da referida Academia.
Estão na Mesa, fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência, através da Presidência do Conselho, os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso na sessão de 18 de Fevereiro último, os quais vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: De harmonia com o artigo 96.º da Constituição vigente, os Deputados podem, independentemente do funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, ouvir, consultar ou solicitar informações de qualquer corporação ou estação oficial acerca de assuntos de administração pública. E o § único deste antigo, quer quanto aos requerimentos, quer quanto às notas de perguntas, diz que, em ambos os casos, só é lícito recusar a resposta com o fundamento em segredo de Estado.
Eu tenho, recentemente, formulado diversos requerimentos acerca de prisões, detenções e apreensões de publicações, os quais, até ao presente, ainda não me foram fornecidos, mão obstante a Insistência que expressei mo último dia da sessão ordinária, salientando que deles necessitava para o estudo e discussão da proposta e dos projectos de lei da revisão da Constituição. Mas não é

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isso que me leva hoje a usar da palavra. Continuarei a aguardar, pacientemente, o fornecimento desses elementos requeridos, ainda que lamente ter de passar sem eles para a discussão d«k revisão da Constituição; oxalá me
Esta faculdade constitucional que o Regimento regula prende-se necessariamente com o apregoado poder de fiscalização dos actos do Governo pela Assembleia e, também, com o uso da iniciativa legislativa, já que aos Deputados, para uma e outra coisa, é necessário conhecer elementos que só o Governo e os departamentos oficiais possuem.
E prevê-se que esse poder só se detenha diante do segredo de Estado que a todos nós nos incumbe respeitar, como, «estou cento, sempre na história desta Cosa temos respeitado.
Em relação ao requerimento referente a transferências monetárias de Angola e Moçambique para a metrópole, veio-me, através do ofício enviado ao secretário da Mesa em 2 de Junho último, a resposta, que passo a ler:

Em cumprimento da determinação de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que, segundo informação transmitida pelo Ministério das Finanças acerca do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro na sessão de 16 de Abril último, o Banco de Portugal não possui elementos que lhe permitam dar satisfação ao solicitado. Com efeito, no que respeita às transferências do ultramar para a metrópole, o Banco de Portugal, não tem outra acção que não seja a de executar os pagamentos a favor de estabelecimentos bancários do continente e ilhas adjacentes que lhe são solicitados, no caso presente, pelo Banco de Angola, Luanda, e pelo Banco Nacional Ultramarino, Lourenço Marques, como agentes do Fundo Cambial das respectivas províncias de Angola e Moçambique, não figurando na classificação estatística constante dessas ordens de (pagamento, efectuada de acordo com instruções emanadas da Inspecção Provincial de Crédito e Seguros respectiva, as rubricas «Lucros de sociedades comerciais» e «Remunerações da administração e demais membros dos corpos gerentes» referidas no requerimento daquele Sr. Deputado.
Mais comunico a V. Ex.ª que o Ministério das Finanças entende, para além do que informa o Banco de Portugal, que os elementos não deveriam ser fornecidos, pois seria quebrado o sigilo que é devido e deve ser observado nos negócios particulares.

É esta última parte que me levou a pedir hoje a palavra, pois de modo algum posso admitir que os Deputados possam ser considerados menos capazes de respeitar o sigilo que deve ser observado nos negócios particulares do que qualquer funcionário público ou membro de departamentos oficiais, qualquer que seja a categoria destes.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - O que me levou a formular o meu requerimento não foi, evidentemente, o intuito de querer devassar o sigilo que deve ser observado nos negócios particulares - exijo que todos, seja onde for, me façam essa justiça -, mas usar do poder de fiscalização dos actos do Governo. Isso e só isso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o poder de que usei e que nos é conferido pela Constituição só deve parar e curvar-se perante o segredo de Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não posso, de modo algum, admitir que, em vez do «segredo de Estado», se invoque o «segredo do negócio» para negar o fornecimento dos elementos.
Daí que insista pela remessa dos dados que pedi na sessão de 16 de Abril último, pois não me parece de algum modo legítimo ou sequer admissível o fundamento de recusa que foi invocado pelo Ministério das Finanças.
Se o Banco de Portugal os não possui, com certeza que os tem a Inspecção Provincial de Crédito e Seguros respectiva, como se depreende do próprio ofício que acabei de ler.
Por isso e a menos que me seja invocado, pertinentemente, o «segredo de Estado», não desistirei de insistir pela obtenção dos elementos requeridos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Pedi hoje a palavra a V. Ex.ª para solicitar deste lugar a S. Ex.ª o Ministro da Justiça que evite, se possível, uma situação que afecta as populações da comarca de Vila Real de Santo António, que se vê obrigada a despender o seu numerário, por vezes escasso, para pagamento de deslocações que podem ser, certamente, encurtadas.
Com efeito, o círculo judicial de Beja, além das comarcas baixo-alentejanas de Beja, Cuba, Mértola, Moura, Odemira, Ourique e Serpa, engloba também a comarca de Vila Real de Santo António concelhos de Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António.
Tal facto impõe como segundo-vogal dos tribunais colectivos naquela última vila o juiz de QVÍértola e a presidência dos referidos colectivos pelo juiz corregedor de Beja.
Permito-me sugerir a S. Ex.ª o Ministro da Justiça que encare a viabilidade de se organizarem os círculos judiciais de Beja e de Faro, de forma que seja o Sr. Juiz Corregedor de Faro a presidir aos colectivos de Vila Real de Santo António e que o juiz de Tavira seja vogal na vizinha comarca com sede naquela vila pombalina.

O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Correia: - O que V. Ex.ª está a propor é absolutamente natural e até de justiça, e quero crer que não é com certeza com o receio de nos tornarmos independentes que esta medida se não faz.

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Correia, eu agradeço muito a sua opinião, que corrobora a petição que estou formulando. Muito obrigado, Sr. Deputado.
Não peço mais, Sr. Presidente, do que se volte à situação em que se encontrava a comarca de Vila Real de Santo António antes das alterações introduzidas pelo Estatuto Judiciário de 1962.
As distâncias entre as localidades atrás citadas só por si corroboram a razão desta minha petição.
Tenho dito.

O orador foi cumprimentado.

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O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito para usar da palavra no período de antes da ordem do dia.
Vamos, pois, passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta e dos projectos de lei de alterações à Constituição política. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Política de renovação. - Os problemas suscitados pela proposta e pelos projectos de lei sobre a revisão constitucional são múltiplos e importantes. Alguns envolvem opções graves pela profunda significação que assumem neste singular momento histórico.
Longe de mim a Meia de que a vida política deve imobilizar-se. Sem espírito renovador a despertá-la e a enriquecê-la, ela perde forca e estiola-se: deixa de ser vida. Por isso me seduzem os movimentos destinados a actualizá-la e a torná-la mais fecunda. Sou pela renovação. Sou este termo de preferência à palavra «evolução», é por julgar que hão-de ser os homens a conduzir os acontecimentos, e não estes a imporem-se àqueles e a tornarem-mos, a eles, que devem gear os construtores da história, em instrumentos passivos ao sabor de forças que a sua tibieza ou a sua falta de fé permitiram se desencadeassem.
Mas, se a renovação, em vez de equilibrada atitude de espírito, se converte em finalidade absoluta e constante, então todos os valoras ou soluções correm o risco de serem permanentemente discutidos e contestados e de ficarem sujeitos a contínuas revisões ou substituições. É precisamente esse fenómeno uma das grandes causas da instabilidade, que caracteriza o mundo de hoje.
Por isso, os homens sentem-se intranquilos e inseguros perante o vento da mudança sistemática que carrega o futuro de incertas e sombrias perspectivas.
Aos nossos dirigentes não deixará de os preocupar o irrequietismo dos que tudo discutem e tudo impugnam, mesmo os valores mais incontrastáveis da vida individual e colectiva. Mas, ao mesmo tempo, não os libertarão de receios aqueles que, por deformação ou rotina, tenham perdido o espírito de luta e se recusem a promover ou a apoiar as reformas que indeclináveis razões de interesse comum imponham.
Se os primeiros terão de ser contidos nos seus ímpetos destruidores, os segundos hão-de estugar o passo e pôr em actividade energias adormecidas. Não mostram estes desejo de se integrar nos ritmos novos da vida moderna? Pois torna-se indispensável levá-los a isso.
Vão seria, porém, o esforço de chatear para as nossas fileiras aqueles a quem só propósitos de negação e agitação movem. Quanto mais lhes for dado, mais exigirão. Se lhes abrirmos as portas da cidade, esta terá os seus dias contados. Que eles a tomem ao cabo de luta, seria de lamentar, mas constituiria indesculpável cumplicidade sermos nós a permitir a infiltração das suas ideias nas leis e nos programas de acção.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Temos de avançar, mas sem nos lançarmos em aventuras.

Limites da revisão constitucional. - Para as renovações há limites naturais e políticos. Sem eles sacrificar-se-iam a continuidade na acção e o respeito de princípios intangíveis.
Daí a minha adesão a este asserto do Doutor Mário de Figueiredo:

Mesmo nos países em que como o nosso a Constituição prevê o processo da sua própria transformação, deve entender-se que não se refere à mudança dos princípios fundamentais que a dominam, mas, sim, às correcções necessárias para dar plena eficácia a estes princípios.

Já em 1951, em notabilíssimo parecer, a Câmara Corporativa, depois de acentuar que em matéria constitucional as inovações são sempre delicadas, advertia:

A lei fundamental do Estado deve ser estável para ser respeitada. Sobre ela assenta todo um sistema legislativo, todo um território nacional, todo um trabalho hermenêutico e jurisprudência!. Alterar frequentemente a redacção desse texto sem motivos de profunda necessidade política é fazer vacilar desde as raízes o edifício jurídico da Noção.

Mais recentemente, o Chefe do Estado, ao abrir a presente legislatura, disse que «o essencial da Constituição não está em causa numa eventual revisão do seu texto», pelo que ca nossa solução presidencialista e muitas outras fórmulas consagradas na lei fundamental precisam, quanto muito, de ser mais exactamente entendida e mais fielmente executadas, quando não vivificadas».
É a esta luz que apreciarei a proposta e os projectos de lei em discussão.
Move-me a preocupação de fidelidade às linhas mestras do pensamento político consagrado na Constituição vigente que assegurou ao País decénios de paz e tranquilidade. Procurarei cooperar no esforço tendente a conseguir soluções válidas para os problemas submetidos à Assembleia. E não esquecerei o propósito de contribuir para que se acautelem as liberdades dos indivíduos e as prerrogativas das instituições, sem se despojar o Estado dos poderes inerentes à sua posição de garante do bem comum.

Os problemas do ultramar. - Neste espírito, me ocuparei dos problemas maiores, ou sejam os referentes ao nosso ultramar. Deles, parque são os maiores, tratarei hoje.
Problemas de base, pois dizem respeito ao próprio ser e destino da Pátria, importa encará-los em perfeita harmonia com o sentimento da grei, sabido que, neste terreno, erros de partida podem desencadear acontecimentos de difícil senão impossível contenção.
É necessário encontrar para eles as melhores soluções e definir estas em termos claros e precisos.
Esta observação foi-me sugerida por um passo do preâmbulo da proposta, em que se esclarece, a respeito de duas disposições essenciais, que «se lhes procurou dar a maleabilidade necessária para permitir à lei que vá ajustando os regimes jurídicos à evolução de cada província».
Na revista Seara Nova, pude ler um notável trabalho em que, a propósito daquele passo, e depois de se acentuar que «a noção região (autónoma) beneficia de uma imprecisão jurídica politicamente fecunda, que alargará o leque de opções e de alternativas possíveis no delicado campo em questão», se escreve:

De todo o modo, há a notar, no sentido histórico indicado, a procura de um desbloqueamento, a nível constitucional, da política ultramarina, um ensaio de instrumentos juridicamente aptos para recobrir

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e enquadrar ajustamentos e viragens, para atender, enfim, mas (palavras governamentais, «a necessidades novas ou ir ao encontro de expressões de necessidades antigas a que os tempos novos dão novos matizes e novo vigor.

E acrescenta-se:

E, se a riqueza política dos instrumentos jurídicos varia na razão inversa da sua «carga ideológica», entende-se bem a profunda, desdoutrinarização de todo o capítulo VII da 2.º parte da Constituição ...

Transcrevo estas palavras para ilustrar a vantagem que há em poupar o texto da lei fundamental a expressões susceptíveis de provocarem dúvidas, ainda que pudessem concorrer para atenuar incompreensões ou hostilidades vindas de meios internacionais.
Certas transigências que, a partir da última guerra, se materializaram em normas, actos e afirmações de diversa índole não surtiram efeito benéfico ei, embora obedecendo a preocupações de mera táctica política, aí estão mais ou menos institucionalizadas ou estratificadas em esquemas e hábitos dificilmente removíveis e prejudiciais para a Nação.

Coerência de pensamento. - No decurso da última campanha eleitoral, depois de preconizar «uma política de ampla descentralização administrativa» e de declarar que «esta não contende nem com a ideia da progressiva e efectiva integração do espaço português, feita nos dois sentidos e de modo equilibrado e harmónico, nem com a tese natural da exclusividade da atribuição aos órgãos da soberania de funções que, por natureza e razões de Estado, só a eles devem competir», afirmei:

Tive já ensejo de me debruçar detidamente sobre estes melindrosos problemas em diversas comissões da Assembleia Nacional e, de modo particular, na comissão incumbida em 1963 de estudar a proposta relativa à Lei Orgânica do Ultramar ...
O conteúdo e o sentido de algumas das bases dessa lei deveriam ter merecido do Governo e daquele órgão de soberania outro tratamento. As graves reservas que a tal respeito surgiram no meu espírito têm sido avolumadas pelo tempo e pela experiência.
Nesta fase decisiva da nossa vida colectiva, as minhas considerações, pelo que dizem ou querem dizer, não são vaga expressão verbal ou simples dissertação académica, antes reflectem legítima preocupação que, em meu juízo, deve ser vivida por quantos comungam na ideia da unidade ...

Na sequência da atitude que assim defini em 1969, não posso deixar de reafirmar que se perdeu em 1963 uma oportunidade rara, mas não única, para rectificar certas soluções e estruturar a descentralização administrativa de modo mais adequado à consolidação da unidade nacional - ao conceito da «Nação una» de que falava Norton de Matos e que o Prof. Barbosa de Magalhães queria ver traduzida na tríplice dimensão da «unidade territorial, económica e de acção».
Creio que neste domínio se vem de há muito a incorrer em dois erros.

Desvios de semântica. Lições aja história. - O primeiro erro tem consistido na invocação de aspectos de carácter histórico, por vezes de interesse secundário ou de autenticidade discutível, para fundamentar pontos de vista que se pretende sejam mantidos ou venham a triunfar. E por estranho que pareça, são por vezes aqueles que menos respeito mostram pela história e pela tradição quem mais recorre a este processo.
Palavras até que sofreram alterações semânticas radicais e foram adoptadas no passado em acepção diferente da que ora possuem têm sido, amiúde, apresentadas em abono de teses não raro contrárias ao pensamento dos responsáveis pelo destino de Portugal em tempos mais ou menos distantes.
Nem deve perder-se de vista que as circunstâncias actuais não são comparáveis às desses tempos e que as facilidades de comunicação, as conquistas da ciência e da técnica e outros factores tornam possível a adopção mais generalizada de soluções semelhantes nas várias parcelas do Estado Português.
Não ponho em dúvida que a história ofereça lições proveitosíssimas para a nossa continuidade de país euro-africano. Mas a vontade e a fé dos que, ao longo dos séculos, se sacrificaram pela Pátria devem, acima de tudo, estar sempre presentes no nosso espírito.
Grande ensinamento da história é, na verdade, aquele que Richard Pattee aponta nestas palavras:

A situação em Angola em fins do século XVIII é pouco menos que indescritível. O último quartel desse século e o primeiro do século XIX é um meio século de desastres sem interrupção, de ameaças de destruição e de grave perigo para o desmoronamento da obra de trezentos anos. Mas, apesar das catástrofes que afligiam a metrópole, os Portugueses não abandonaram as suas possessões africanas e nesta tenacidade da sua resistência mostraram essa capacidade especial que os tem servido admiravelmente em diversas circunstâncias da sua tormentosa história: a de ficar quando todas as vantagens aparentes e razoáveis aconselhavam a partida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Soluções alheias inaplicáveis. - O outro erro frequente na legislação e na literatura jurídica e política ultramarinas é a adopção de sistemas e práticas de outros países que possuíram ou possuem territórios em África. É flagrante, por exemplo, o paralelismo das leis portuguesas em relação às da França.
Será preciso lembrar o que se passou com os territórios extra-europeus dessa nação?
Acentuadas divergências de ordem histórica e de finalidades impõem rumos distintos às políticas dos dois países e mostram que devemos procurar soluções próprias para os nossos problemas. Tem de se promover a revisão do que não favoreça uma crescente solidariedade de todos os territórios portugueses. E deve tender-se, nos limites do possível e conveniente, para a harmonização das leis, das instituições e dos serviços.
Seria grave adoptar orgânicas e técnicas preconizadas por alguns que, dizendo-se anticolonialistas, pretendem criar condições propícias à instauração de um novo e perigoso colonialismo. Não podemos integrar-nos numa linha de orientação que seria fatal para o nosso destino colectivo. E se acaso, de algum modo, nela já nos encontrássemos, ainda que em obediência a propósito estratégico, importaria não insistir, mas, ao contrário, arrepiar caminho. Sem isso, acabaríamos por ser vítimas de métodos incompatíveis com os mais fundos interesses da Nação: os da sua unidade.

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E a unidade nacional, que é mais do que a unidade de soberania, só pode ser servida por um Estado unitário. Só ele permitirá, como já li, estes dois movimentos que é mister acelerar e sincronizar e que, de outra maneira, em vez de convergentes, seriam antagónicos e conduziriam a choques e separações: o da salvaguarda das diferenciações regionais e do fermento de uma unidade que assegure a realização dos fins comuns.

Estruturas departamentais desactualizadas. - Nesta ordem de ideias, voltarei hoje a afirmar que a existência de um único departamento ministerial para os vastos assuntos do ultramar - expressão orgânica obsoleta e inadequada à visão de conjunto dos problemas nacionais - está na base de uma dicotomia que muito tem afectado a vida do País.

O Sr. Pontífice Sousa: - Muito bem!

O Orador: - Muitas das normas estabelecidas para as nossas províncias ultramarinas e que, em larga medida, poderiam conciliar-se com as da metrópole, sem quebra do respeito pelos particularismos locais, são fruto dessa estrutura, a qual, até por afeiçoada aos regimes de mandato colonial, deve ser progressivamente abolida. Isto se diz sem quebra do maior respeito e apreço pela acção daqueles a quem tem cabido ou cabe a gerência do Ministério do Ultramar: o defeito não é dos homens, mas do sistema.
Para afastar o argumento de que é inconcebível uma organização das provinciais ultramarinas idêntica à dos distritos da metrópole, esclareço que, nem por sombras, defendo a uniformização dos regimes de administração. Vou ao ponto de não compreender que estes, móis diversas províncias, sejam, em regra, decalcados uns sobre os outros, como se não houvera entre elas sensíveis diferenciações económicas, sociais e geográficas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que pedem as províncias ultramarinas? Uma descentralização administrativa e desconcentração de funções que as autuais orgânicas não propiciam, antes contrariam.
A descentralização não tem sido tão acentuada como se pretende? Todos o reconhecemos. Mas disso não podem acusar-se os Ministérios privados de qualquer interferência nas questões ultramarinas, apesar de muitas destas serem, em todo o espaço português, da mesma natureza e comportarem soluções equiparáveis. Sendo assim, por que se afirma que uma distribuição mais racional e realista de funções pelos vários sectores do Estado conduziria a agravar o mal de que todos se queixam?
Tremo só de pensar que para esta reduzida faixa do nosso território chamada, embora impropriamente, metrópole pudesse haver apenas um departamento, com um único Ministro responsável por todos os assuntos da vida política, administrativa, económica, cultural e social.
Acaso os problemas do Portugal europeu têm a dimensão e a acuidade dos do Portugal de além-mar?
Quando me debruço sobre as questões das províncias ultramarinas e, principalmente, quando com elas tomo contacto directo, encontro, tantas vezes, a explicação de muitos desvios e deficiências no simples facto de a vida e as aspirações das mesmas províncias terem estado subtraídas à atenção da generalidade dos altos responsáveis pela administração pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como membro do Governo, que fui durante doze anos, posso dizer que, por força do regime administrativo vigente, os ministros, excepto o do ultramar, estiveram, quase sempre, fora das decisões dos assuntos ultramarinos. Quando, então, preocupado com os atrasos e vicissitudes do sistema de protecção social adoptado no nosso ultramar, quer para os trabalhadores nativos, quer para os europeus, e alarmado com abusos e prepotências de que uns e outros estavam a ser vítimas, quando nessa altura - dizia - tentei que a política corporativa e do trabalho fosse tornada extensiva, embora com as necessárias adaptações e cautelas, às províncias ultramarinas, apenas em duas prestigiosas individualidades encontrei apoio, o qual, porém, só valeu para se constituir uma comissão de estudo. Mas esta não deu um passo, paralisada, logo ao nascer, pelo hermetismo de um departamento e, segundo penso, pelo receio de reformas sociais já então exigidas pelos mais elementares ditames da justiça. Para que aludir -até porque isso me levaria longe - a graves situações que o terrorismo tragicamente viria evidenciar poucos anos depois?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O principio da especialidade das leis. - Em nome do chamado princípio da especialidade das leis, têm-se publicado para as províncias de além-mar preceitos diferentes dos promulgados para a metrópole. Isto estaria certo quando imposto por condições locais peculiares. Mas, em muitos casos, as normas jurídicas divergem profundamente sem que haja a menor justificação para tal, uma vez que as relações sociais e os interesses em presença reclamam, pela sua natureza ou por outras razões, um enquadramento legal ou até instituicional idêntico.
A especialização das leis tem, infelizmente, assentado mais na diferenciação dos órgãos ou entidades de que emanam do que na consideração, que seria, essa sim, legítima e aceitável, das particularidades regionais.
Se este tem sido o grande equívoco, só há que mudar de rumo, a não querermos criar ou avolumar condições de lenta ou apressada evolução para situações indesejáveis.
Nem valerá a pena salientar que, se a especialização legislativa, em vez de assentar nos aspectos peculiares dos casos a regular, for entendida em razão da fonte de que promanam os diplomas, acará aberta a possibilidade de se atentar contra o princípio da unidade política, pois só aos órgãos da soberania devem caber funções relacionadas com a formação da vontade geral. Por outras palavras: o estabelecimento das bases dos regimes jurídicos deve ser função desses órgãos. Sempre que isto não for observado, será afectada a unidade do Estado, o que é mais perigoso quando os territórios que o integram não estiverem geogràficamente ligados entre si.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aspectos do parecer da Câmara Corporativa. - Segundo a Câmara Corporativa, «o Estado só assume a forma de Estado composto na medida em que a certas comunidades territoriais sejam conferidos ou reconhecidos poderes constituintes, dentro dos limites fixados na constituição do Estado».
Ora, nem sempre é ou tem de ser assim, pois, independentemente de funções constituintes, poderão ser conferidos a esses territórios tais direitos

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e de facto em que se apoiam e vivera logo deles farão ou tenderão a fazer Estados federados mais ou menos perfeitos.
Havemos de convir em que o problema, sendo de fundo, é também de limites e que, neste óptica, logo impressiona que se caracterize o Estado regional como sendo «um regime de descentralização política e não simplesmente administrativa» e que «os órgãos das regiões autónomas não se limitam a administrar: governam e legislam».
Se a região for, pois, uma unidade política, e sendo certo que no texto da proposta de lei se lhe consagram apenas algumas bases muito gerais, fica para a lei orgânica e para os estatutos complementares a fixação do regime de governo das províncias ultramarinas.
Se a lei orgânica é votada pela Assembleia, a quem cabe estabelecer os estatutos?
Eis um ponto que deverá decidir-se desde já, a fim de se evitar o risco de poderes constitucionais se transferirem para órgãos que não são de soberania, o que, a acontecer, levaria a situações inconciliáveis com o conceito unitarista de Estado. Daí que, logo numa das primeiras reuniões da comissão eventual, eu tivesse chamado a atenção para este problema e declarado que apresentaria uma proposta destinada a reservar aos órgãos da soberania aqueles poderes.
São, de facto, os domínios político e legislativo os que reclamam maiores cuidados quando se prescrevem normas desta natureza e relevância.
Ocorre-me este judicioso apontamento de Hans Kelsen:

A génese dos actos individuais do Estado, que pertence à esfera da chamada função executiva, admite e requer -a descentralização em medida muito maior que o acto da formação da vontade geral, ou seja a chamada legislação ...

E o mesmo autor acentua:

Se o território do Estado se dividem grandes demarcações administrativas ou regionais [...], é mais que provável que os organismos de administração autónoma - especialmente quando a sua composição política e as suas maiorias e minorias sejam distintas da câmara legislativa central - não considerem como sua principal norma a legalidade dos seus actos, antes se deixem levar facilmente a uma consciente contraposição em relação ao parlamento, pelo que, assim, se vê a vontade colectiva [...] em perigo de ficar frustrada pela vontade das partes autónomas.

O problema, revestindo carácter jurídico, é, sobretudo, essencialmente político. E, neste plano, o que importa é saber aonde podem conduzir os esquemas concebidos pela teoria jurídica ou pela exegese dos hermeneutas.
Que esta matéria é delicadíssima vê-se pelos termos e raciocínios do parecer da Gamara Corporativa, no qual, por vezes, se produzem afirmações algo contraditórias.
Assim, por exemplo, invoca a Câmara Corporativa o caso da França, «país clássico da descentralização», para dizer que aí «está na ordem do dia o problema da regionalização».
Simplesmente, conclui:

Na orientação da doutrina oficial, exposta pelos Presidentes Pompidou e Chaban-Delmas, a região confinar-se-á, porém, a tarefas administrativas de índole particularmente económica insusceptíveis de serem resolvidas no quadro restrito das comunidades e divisões administrativas tradicionais.
Como se vê, o regime apontado é bem diferente daquele que o parecer estava a considerar para nós, sucedendo que a regionalização francesa se limita «a tarefas administrativas de índole particularmente económica» e não pressupõe, por isso, qualquer autonomia política ou legislativa.
Noutro passo do parecer, lê-se:

A descentralização legislativa regional não afecta esta unidade. Já Marnoco e Sousa chamou a atenção para que «o Estado unitário não envolve necessariamente o poder uniforme e centralizador e, por isso, um Estado não deixa de ser unitário ou simples pelo facto de reconhecer uma autonomia maior ou menor às circunscrições administrativas.

Também a afirmação de Marnoco e Sousa, de alcance limitado, não pode abonar a doutrina, bem mais larga, que o parecer defende. Basta atender aos termos da premissa para se ver que a conclusão se não liga com ela.
Ainda a propósito de outro problema importante, ou seja o de saber se devem reconhecer-se «direitos» ou «competências» às províncias ultramarinas, o raciocínio esboçado pela Calmara, Corporativa impunha uma solução diferente da que veio a prevalecer. O texto do parecer conduz a que a Constituição não deve reconhecer «direitos», mas «competências», pois, na verdade, «só um Estado membro numa organização federativa tem direitos perante o Estado federal. A região autónoma, não».
Apesar disso, a Câmara acabou por perfilhar a solução que de forma alguma se compadece com a essência de Estado unitário, como resulta da argumentação por ela própria aduzida.

O Estado Português no pensamento de Salazar. - Não posso ainda evitar um reparo ao facto de no parecer se atribuírem a palavras de Salazar significado que não se me afigura coincidente com o seu pensamento geral. Admito que uma ou outra vez, por motivos de política internacional, Salazar houvesse produzido afirmações susceptíveis de várias interpretações ou até que em diplomas legais deixasse uma ou outra marca formalmente menos compatível com a sua concepção do Estado Português.
Mas devem considerar-se, em conjunto, as suas asserções e atender às contingências, por vezes dramáticas, em que teve de mover-se.
Por isso, ao referir-se aos problemas da autonomia administrativa e da unidade governativa nacional, entendeu necessário o seguinte esclarecimento:

Ora tudo isto comporta tantos e tão complicados problemas que não poderemos estar seguros de todos terem logrado sempre a melhor solução.

Quando em 1961 actuou contra o terrorismo, fê-lo não apenas para defender os territórios e as populações, mas para manter a integridade moral e política de Portugal - como Estado, como Nação e como Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não foram sòmente razões de carácter humanitário ou de prestígio para o País ou o propósito de restabelecer a autoridade pública ofendida que estiveram na base dessa arrancada histórica. Foi tudo isto e mais alguma coisa: foi salvar uma parcela de Portugal.
Assim se compreende que, em 12 de Agosto de 1963,

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tenha dito que «Angola é uma criação portuguesa - não existe sem Portugal». Foi então que recordou esse asserto de Sarmento Rodrigues: «Moçambique só é Moçambique porque é Portugal.»
E neste espírito haveria ainda de sublinhar que «constituir uma Nação de expressão civilizada e projecção mundial vale mais do que fechar-se no acanhado regionalismo sem estímulos de desenvolvimento, sem meios de defesa e sem apoio para o progresso». E também:

A unidade nacional não exige metrópole e territórios, que podem considerar-se uma dualidade aberrante, nuas exige uma capital, um governo, uma política ..., o que é perfeitamente compatível com a máxima descentralização administrativa na constituição dos órgãos locais e na definição da sua competência.

A mesma clareza de pensamento transparece ainda no discurso de 30 de Junho de 1961, sendo particularmente esclarecedoras estas palavras, com as quais pretendeu responder àqueles que «ouço às vezes falar de soluções políticas diferentes da nossa solução constitucional»:

Isto vem a dizer que a estrutura actual da Nação Portuguesa é apta a salvar de um irredentismo suicida as parcelas que a constituem e que outra qualquer as poria em risco de perder-se não só para nós, mas para a civilização.

Pois o homem que, em 13 de Abril de 1966, falava na «integração política e social que sempre advogara ...», três anos antes, reconhecia que «à medida que os territórios progridem [...], que as elites locais são mais numerosas e capazes, podem aparecer forças centrífugas que aspiram à plenitude do poder e ao monopólio das situações e isso representa um risco para a unidade da Nação», pelo que, «se essas forças existem, representam interesses egoístas de minorias que agem contra si próprias e contra a colectividade e o interesse geral ...».
Referia-se ele, nessa altura, à reforma da Lei Orgânica do Ultramar, que assentava, «confiante, nas qualidades dos povos que hão-de servi-la e nas possibilidades dos territórios a que se aplicam». E rematava com este dilema definitivo:

E se uns e outros acaso reclamassem mais ou coisa diferente, é que de facto pretenderiam também coisa diversa da que se contém, no nosso ponto de partida - a unidade da Nação Portuguesa.

Eis por que não compreendo a Câmara Corporativa quando se apoia em frases isoladas de Salazar, nem sempre cuidadosamente interpretadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Integração na Europa o política de apartheid: expressões diversas de um mesmo espirito. - Problemas essenciais, como este da unidade nacional, apenas componham um tipo de solução - solução de fundo que terá de ser definida em termos de cristalina limpidez, sobretudo quando surgem minorias muito circunscritas, mais perniciosas, a falar de Portugal como expressão política, cultural e económica de sentido exclusivamente europeu.
Para estas, a crescente, rápida e indiscriminada autonomia idas províncias ultramarinas serve os seus desígnios de renúncia ou abandono. Entendem que o nosso futuro se reduz à integração política, europeia. Aqui, a palavra «integração» mão repugna aos seus sentimentos «liberais» e à sua política «evolucionista».
Defensoras de um grande espaço económico-político a construir na base do nosso continente de origem, a começar bem perito e a acabar não se sabe onde, tais minorias não hesitam em sobrepor a ideia da Pátria «Europa Unida» à realidade dia Pátria Portuguesa na vasta dimensão espiritual e cultural, jurídica e social dos territórios de aquém e de além-mar.
Essas, positivamente, não reputam legítimos os sacrifícios, em vidas e em fazenda, que estamos a suportar nas frentes dia Guiné, Angola e Moçambique.
O erro em que laboram consiste em. esquecer que somos uma «nação compósita - euro-africana e euro-asiática», uma ponte entre a Europa e os mundos do Sul e do Oriente, uma vocação em mancha ao serviço da aglutinação de raças e de almas.
Demonstrámos que uma sociedade multirracial é possível e, mais do que isso, é necessária ao equilíbrio, à paz e ao progresso harmónico dois povos. Aí está o Brasil a proclamar esta verdade. Em África, há séculos, com uma obra civilizadora incomparável, o que faz acrescer as nossas responsabilidades, porque haveríamos de nos voltar agora apenas para a Europa? E digo apenas, porque não podemos, até para garantir a continuidade da nossa presença ultramarina, deixar de manter as melhores relações políticas, culturais e económicas com os países do Ocidente.
Mas sacrificar toda aquela obra e a nossa vocação histórica, comprometendo o presente e o futuro, para nos virarmos exclusivamente para a Europa, equivaleria a resignarmo-nos a constituir nela mera e inexpressiva posição geográfica e a ver aproveitado o nosso esforço pelas grandes comunidades político-económicas do velho continente.
Fica, assim, evidenciado que os partidários da integração, a todo o custo, de Portugal na Europa preconizam, como método de acção para alcançar o seu escopo principal, soluções semelhantes às que são defendidas por uma outra escassa minoria inclinada a visionar uma ampla e sempre crescente autonomia, já não tanto administrativa, mas sobretudo política, das nossas províncias ultramarinas.
As duas atitudes, a despeito da diversidade de expressão, aparecem animadas por espírito idêntico que, a vingar, levaria a resultados praticamente idênticos: afastamento do Portugal da Europa do Portugal de além-mar ou afastamento do Portugal de além-mar do Portugal da Europa.
Parece não haver dúvida de que as duas minorias se nutrem de matrizes igualmente espúrias: uma proclama que devemos abandonar a nossa África porque, como europeus de origem, nos convém apenas a integração na Europa; a outra diz, com maior ou menor clareza, que a autonomia das províncias ultramarinas deve tender para uma progressiva separação, mesmo que isso implique o domínio exclusivo ou preponderante de poucos, à custa do princípio do convívio e da participação polirracial. Uns e outros são, pois, pela mutilação da Pátria: os primeiros, por sonharem com a fusão da metrópole na Europa., que passaria a ser uma única nação aglutinando tendencialmente todos os seus povos; os segundos, por aspirarem à formação de novas nações em África, mas estritamente europeias, porque de raiz branca e de predomínio político e económico branco.
Aqueles negam a Pátria Portuguesa em favor da criação de uma pátria nova: a Europa. Estes repudiariam a Pátria Portuguesa para tentarem erguer nos trópicos diversas pequenas pátrias europeias.

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Terrorismo - preocupação maior. Legitimidade da luta e alcance da vitória, - Esta minoria parece só ter uma questão a inquietá-la: a mesma que constitui, mas por outras razões, a preocupação maior de Portugal.
Essa questão chama-se terrorismo - o terrorismo que tal minoria entende dever ser combatido por toda a Nação ... para se alcançar uma vitória que a esta não beneficiaria na plenitude e permanência dos seus interesses, mas que, servindo apenas os egoístas e limitados propósitos de poucos, haveria de conduzir à amputação da comunidade portuguesa.
As duas correntes, embora reduzidas, têm grande capacidade de penetração e aliciamento e, porque desagregadoras, uma e outra, do verdadeiro Portugal - transcontinental e plurirracial -, vêm sendo apresentadas, às escâncaras ou sub-reptìciamente, das mais diversas maneiras, e estão a ser aproveitadas pelos inimigos da nossa unidade e da nossa missão no Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não são fantasmas, mas forças que, para atingirem os seus desígnios, de tudo entendem servir-se.
Há que combatê-las. Se o não fizermos, ter-se-á atingido a própria legitimidade da nossa acção nas frentes da guerra e não poderá pedir-se à juventude que continue a lutar. A juventude só sabe bater-se por certezas - que são os valores mais puros e os interesses mais altos da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assimilação unilateral: sua ilegitimidade. Integração ou interpenetração cultural. - Se não podemos abandonar os nossos irmãos brancos, cuja gesta civilizadora é orgulho de todos nós, não podemos também deixar de promover o acesso político, cultural e económico dos nossos irmãos de com os quais nos cabe levar progressivamente a um nível superior de vida e a uma participação activa nas tarefas comuns, sob pena de negarmos a nossa razão e até a nossa razão de ser.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há, por outro lado, que ter presente a realidade que já vi enunciada nestes termos:

As populações nativas têm valores espirituais e culturais que importa preservar [...] São riquezas que é mister valorizar, por vezes purificar, nunca destruir. O desprezo destes valores significaria uma perda grave, não apenas para assas populações, mas para a própria cultura lusíada, que resulta da configuração histórica de elementos de muito diversa origem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nota afigura-se-me pertinente, pois a proposta de lei parece não ter tomado em consideração este aspecto.
Na verdade, foi suprimido na proposta o artigo 138.º da Constituição, segundo o qual nas províncias ultramarinas haverá estatutos destinados a ressalvar os valores e usos e costumes das populações.
Este princípio, enunciado embora em termos mais adequados, deve permanecer na lei fundamental, pois, de contrário, aqueles estatutos perderão a legitimidade que lhes confere a Constituição e as relações e situações contemplam correm o risco de vir a ser regidas de modo inconveniente por diplomas ordinários.
Por isso propus, no decurso dos trabalhos da comissão eventual, se inserisse no texto constitucional uma disposição destinada a assegurar o respeito pelos valores culturais e, bem assim, pelos usos e costumes das populações, não incompatíveis com a moral e os princípios essenciais de convivência próprios da Nação Portuguesa.
Com tudo isto quero significar que não concebo autonomias que firam o princípio da unidade, nem integrações ou assimilações que não sejam orientadas no duplo e nobre principio do caldeamento das raças, da interpenetração das culturas, do encontro de vidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Unidade e descentralização. - Utópico e ingénuo tudo isto?
Assim se interrogou a si próprio o ilustre mestre de Direito Doutor Afonso Queiró, na declaração de vencido com que assinou o parecer da Câmara Corporativa relativo à revisão constitucional de 1951. depois de ter afirmado que a única forma de ca organização económica do ultramar se integrar na organização económica geral da Nação Portuguesa» é «facilitar-se a livre circulação dos produtos, das pessoas e dos capitais dentro de todo o território nacional».
Ocorre-me fazer agora a mesma pergunta, para responder, sem a menor hesitação, que não reputo nem utópico nem ingénuo o constituirmos uma Nação pelo Mundo repartida na diversidade dos territórios e das etnias e juridicamente assente nas estruturas de um Estado unitário.
A grande tarefa que se nos apresenta é, pois, a de encontrarmos soluções orgânicas, legais e políticas que estimulem e garantam em tudo a consolidação e a projecção desse Estado na pureza essencial da sua concepção, que não repele, antes admite e possibilita, diversas formas de descentralização nos planos regional, municipal e corporativo.
Se queremos uma só Nação e uma só Pátria, temos de afastar do nosso caminho tudo o que, de modo directo ou indirecto, possa engendrar não apenas novos Congo?, mas também novas Rodésias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Participação e autonomia. - Tem, por isso, razão a Câmara Corporativa quando diz ser natural que o legislador admita a participação dos cidadãos das províncias ultramarinas na obra comum ... Mas quem o nega? O que está em causa é saber como essa participação se deve operar para ser verdadeiramente útil, efectiva e generalizada.
É preciso conferir acrescida autonomia às províncias ultramarinas? Não o contesto. Mas que autonomia, em que termos e em que sentido? E quem vai beneficiar com ela? Todos ou uns tantos?
E ainda dentro dessa autonomia, como se assegurarão as autonomias das regiões que constituem as províncias e, em especial, as dos municípios?
Existe, nessas províncias, uma organização corporativa que represente e defenda as actividades profissionais e económicas fora do espírito de luta de classes ou do de grupos de pressão?
Por outro lado, acaso se ignora que diversas regiões de algumas províncias do ultramar estão, por vezes, submetidas a regimes, apertados de uma administração que che-

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gou a constituir travão às aspirações locais e à iniciativa privada, causando queixas e reacções justificadas?
Há, pois, que superar o equívoco resultante de se extremarem as realidades portuguesas nestes dois pólos a que chamamos metrópole e ultramar, como se elas não fossem bem mais diferenciadas não só de território para território, mas tantas vezes, dentro do mesmo território.
Aliás, estes problemas da vida nacional - infelizmente captados por muitos apenas à luz da sedução ou da repulsa suscitadas no seu espírito por fórmulas simplistas e vagas - não podem desligar-se de circunstâncias históricas ou actuais, nem sempre favoráveis à escolha da política e dos métodos mais apropriados ao harmónico e convergente desenvolvimento da comunidade. Neste contexto, não é de esquecer o fenómeno da supremacia de organizações de índole majestática consentidas para além da época em que se justificaram ou de outras surgidas depois com espírito monopolístico e, portanto, com objectivos análogos. Sem a existência de uma superior acção disciplinadora e moderadora, bem poderão essas organizações, ajudadas pela exiguidade do escol e pela reduzida expressão de populações cultural e sociològicamente adultas, exercer influências nefastas, se as autonomias a conceder as províncias ultramarinas não acautelarem devidamente a defesa dos interesses e aspirações gerais e não chegarem às zonas periféricas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Enunciação constitucional de princípios e tendências gerais. Fórmulas inconciliáveis com a ideia de Estado unitário. - A riqueza de situações e a complexidade de vida que caracterizam o conjunto português não podem ser metidas à força em esquemas rígidos, pelo que, sem prejuízo da exacta definição das normas, se toma indispensável também enunciar, na lei fundamental, os princípios e finalidades superiores do Estiado e da Nação.
Ora, a Constituição actual distingue-se da generalidade das constituições em ver, ao lado da parte dispositiva, uma outra em que se enunciam os princípios essenciais informadores da vida da Nação e da actividade do Estado.
A eliminação de alguns desses princípios na proposta de lei dá ao legislador ordinário excessiva liberdade em matérias de interesse nuclear e sujeita-o a perder a noção dos limites de fundo ou o sentido a que é desejável obedeça a evolução futura do Estado.
Merece referência especial a supressão da segunda parte do artigo 134.l da Constituição respeitante à integração tendencial de todos os territórios portugueses num regime geral de administração.
A omissão haveria de dar, e deu, origem a dúvidas quanto à manutenção de uma das coordenadas mais profundas e significativas da política nacional.
Eis por que tal princípio deverá continuar inscrito, de modo inequívoco, na Constituição. Conviria inseri-lo no artigo 5.º da proposta de lei que define, como unitário, o Estado Português, aproveitando-se o ensejo para suprimir a referência à «regiões autónomas», bem como a adversativa «mas», que diminui a força da solene proclamação contida no início do artigo.
Quem se debruçar sobre o artigo poderá colher, como já li, a impressão de que se pretenderá que o Estado Português passe a ser algo menos do que um Estado unitário. Esta impressão fica mais arreigada quando se verifica que a proposta de lei inclui na autonomia das províncias ultramarinas, entre outros, «o direito de possuir órgãos electivos de governo próprio» e «o direito de assegurar através de órgãos do governo próprio a execução das leis e administração interna...».
Quando na comissão eventual sugeri a modificação de alguns preceitos da proposta de lei, acentuei a importância fulcral de tais problemas. Chamei especialmente a atenção não só para o citado artigo 5.º, mas também para os artigos 133.º a 136.º E, quanto à alínea a) do artigo 134.º, que reconhece às provinciais ultramarinas, como «regiões autónomas», o «direito de possuírem órgãos electivos de governo próprio», entendi, entre outras prevenções então formuladas, dever recordar a opinião da Câmara Corporativa, manifestada nestes termos:

Os órgãos administrativos electivos implicariam a consagração da ideia, de que as províncias ultramarinas teriam «um poder executivo próprio» que imprimisse uma direcção autónoma à administração local. Isto seria tanto como fazer das províncias ultramarinas Estados membros de uma federação.

Esta observação não foi tomada em conta pela maioria dos membros da comissão. Lamento-o pelo que de substancial está em jogo, tanto mais que as províncias ultramarinais, além de terem, na economia da proposta de lei, a designação de Estado, embora a «título honorífico», são ainda qualificadas como «regiões autónomas», o que também se me afigura inconveniente.

A «região autónoma»: a experiência e a doutrina. - A este respeito, ia invocada- experiência da Constituição Espanhola de 1931, que, aliás, não vingou, é inadaptável às nossas condições, o que ressalta bem quando se pensa nas circunstânciais políticas a que «sã Constituição tentou acudir.
O mesmo se diga da solução italiana, que também se não compadece com a nossa situação e os nossos problemas. Efectivamente, o que se tem passado a propósito das regiões italianas não pode deixar de haver-se como desencorajador para nós. É bem elucidativo o notável trabalho Les Regions Italiannes, de Claude Palazzoli, professor da Faculdade de Direito e de Ciências Económicas de Paris, o qual merece ponderada leitura, pois faiz uma análise exaustiva do tema. A concluir, escreve este autor:

A região é particularmente difícil de pôr em prática parque as instituições mais quais se traduz não são fáceis de organizar e também porque, uma vez definidas, têm fortes probabilidades de se desfazerem. Fórmula contraditória por essência, já que a dose de autonomia que ela implica é pouco compatível com as estruturas unitárias que pretende salvaguardar, o sistema jurídico cuja instauração tal fórmula pressupõe [...], caracterizado pela subtileza dos mecanismos da divisão [...] e pelas permanentes flutuações [...] destinadas a suportar as suas deficiências congénitas [...], dá origem a um tipo de Estado instável, onde os perigos de conflitos e de desencontros são numerosos e mais ameaçadores que todos os outros, o qual parece votado a oscilar, perpetuamente, ao sabor de compromissos elaborados com dificuldade entre os dois pólos do Estado unitário e do Estado federal.

Noutros passos, e depois de acentuar que o que caracteriza o sistema, é a sua ambiguidade, afirma ainda Palazzoli:

Intermediário entre o Estado unitário simplesmente descentralizado e o Estiado federal, toma de um a sua forma unitária e de outro a amplitude da autonomia que concede às colectividades membros; e entre estes dois elementos pretende assegurar uma conci-

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lição. Disto resulta que o problema do equilíbrio se apresenta sob a forma de um dilema, à primeira visto insolúvel. E isto porque entre a autonomia e a unidade deve existir uma compensação, como entre dois vasos comunicantes.
A ampla autonomia dos Estados federados impede precisamente que a unidade tome ais formais vigorosas de que se reveste mo Estado unitário, sem o que tal autonomia mão se poderá desenvolver. Ao contrário, para permanecer unitário (com todas as consequências que tal qualidade implica), o Estado mão poderá consentir que a descentralização que concede ultrapasse centos limites. Não é fácil imaginar como o Estado unitário poderá enquadrar-se nas formas de autonomia que o Estado federal conhece, a mão ser que o quadro unitário seja uma fachada, mascarando um federalismo de facto, ou a autonomia política apenas exista nominalmente.
Não será, portanto, o problema, da quadratura do círculo o que o Estado regional se propõe resolver? [...] E o equilíbrio, fàcilmente alcançável no Estado unitário descentralizado (predomínio do princípio da unidade) ou no Estado federai (predomínio do (princípio da autonomia), mão será, por definição, irrealizável mo Estado regional?
O exemplo italiano fornece verdadeiramente a confirmação evidente da exactidão destas considerações...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: V. Ex.ª está a aproximar-se do termo do tempo regimental de quarenta e cinco minutos.
Posso conceder-lhe uma prorrogação até quinze minutos, no pleno espírito, aliás, da disposição regimental. Mas agradeceria que fizesse o favor de se conter dentro desta prorrogação.

O Orador: - Sr. Presidente: Julgo que vou acabar dentro do tempo regimental. De qualquer maneira, bem haja pela generosidade de V. Ex.ª

O Sr. Correia da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Mas ...

O Sr. Correia da Cunha: - E só meio minuto, se me permite.

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Correia da Cunha: - Tenho estado a seguir com todo o interesse as considerações de V. Ex.ª e queria apenas dizer que penso que a originalidade da nossa acção em África permite supor que aquilo que restar dessa acção, daqui a muitos anos, possa ser algo de diferente de um novo Gongo ou de uma nova Rodésia. Sou levado a supor que somos capazes de criar qualquer coisa de diferente.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Oxalá tenha razão!

O Sr. Serras Pereira: - Assim seja!

O Orador: - Também é essa a minha profunda convicção. Embora pobres de forma, as minhas palavras acabam de dar precisamente, segundo penso, testemunho ri essa fé num Portugal cada vez mais coeso e mais fiel fios imperativos da sua vocação.
Retomando o fio do discurso, direi que o mesmo autor às considerações atrás reproduzidas ajunta ainda muitas outras sobre a evolução do sistema, frisando que na Itália se passou de um regionalismo predominantemente político para um regionalismo predominantemente económico e, a este nível, de uma forma de regionalismo económico autónomo para a do regionalismo económico subordinado, no quadro da planificação.
Por isso adverte que a autonomia já não significa a solução de certos problemas ao nível local, mas a participação local na solução dos problemas, pelo que a região, se for fonte de antagonismos e centro de cultura de particularismos, condenar-se-á a longo prazo e, a curto prazo, será causa de dispersão e desordem.
E referindo-se a Câmara Corporativa a Jellinek, não será despiciendo, para se fazer uma ideia mais completa do pensamento desse grande cultor da ciência do Direito, esclarecer que da obra Allgemeine Staatslehre (3.ª edição, 7.ª reimpressão, de 1960, p. 660) constam estas palavras, que tenho como adequadas para rematarem a minha exposição:

Polìticamente, a região significa, em regra, um elemento do Estado imperfeito ou em desagregação. Uma região anexa a um país pode separar-se sem, de modo algum, ser afectada a vida interna deste. Mas até mesmo quando a região é parte integrante do Estado, falta a este a unidade política. Frequentemente manifesta-se nos vários elementos uma tendência centrífuga para uma maior autonomia que torna a subsistência desta forma de Estado tão precária como a da maioria das associações de Estados. As causas que motivam a existência de regiões são, em regra, as mesmas de muitas associações de Estados: a impossibilidade nacional, histórica ou social de integrar povos separados numa unidade plena. Com frequência, à tendência centrífuga corresponde, por parte do Estado, uma tendência centralizadora, e então originam-se, normalmente, lutas intestinas crónicas. Assim, a descentralização por meio de administração própria distingue-se, politicamente, da descentralização por regiões: aquela é normal, esta é uma forma anómala que tende ou para a formação de novos Estados ou para uma constituição de todo o Estado mais fortemente centralizadora que elimina as características próprias da região.

Espírito de servir. Lealdade às chefias legitimas. - Sentindo que me alonguei, vou dar por finda esta intervenção.
Aceito se tenham por discutíveis as minhas opiniões, resultado de estudo que pretendi cuidado, sereno e objectivo. Mas já não levaria a bem se quisesse ver nelas qualquer sentido oculto ou qualquer propósito menos isento.
De todo desligado, hoje e sempre, de quaisquer grupos, e disposto a arcar, como homem e como político, com as responsabilidades que me cabem, negar-me-ia a mim próprio e atraiçoaria o mandato em que estou investido, se à clareza e determinação de atitudes não juntasse o espírito de bem servir a causa comum e o sentimento da lealdade devida às supremas magistraturas do País e a quem as personifica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ponho empenho em que esta palavra aqui fique e, com ela, o ardente testemunho da minha fé nos destinos de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Delfino Ribeiro: - Sr. Presidente: Ao subir a esta tribuna em (momento de especial solenidade para aqueles que tom o privilegio de servir na presente legislatura, manifesto a V. Ex.ª, mais por dever que em razão de mera cortesia, quão grata me tem sido esta experiência parlamentar sob a sua elevada e distinta direcção.
Os factos e problemas, as necessidades e preocupações, a que a marcha do tempo vai imprimindo feições variadas e novas tonalidades, demandam cuidada observação e análise com vista a que se trace, através de ajustamentos e correcções, a melhor linha de adaptação para as soluções e fórmulas de acção até então perfilhadas.
Esse permanente fluir das realidades, a que não podem quedar-se indiferentes os processos do Governo e as instituições políticas, nem por vezes os próprios Estados ou nações, surpreende-o e certeiramente o contempla a nossa lei fundamental, ao prever a revisão periódica do seu texto.
Em obediência a tal imperativo, impende agora sobre esta Casa a apreciação das alterações preconizadas pela proposta governamental e pelos projectos de alguns ilustres Deputados.
Sendo elas muitas e de índole vária, deter-me-ei, como ultramarino que a si tem procurado chamar, e vive, quanto às terras de além-mar respeita, nas que a estas se dirigem.
E ainda dentro destas coordenadas, não cuidarei da propriedade ou impropriedade de certos termos utilizados, nem da concepção formei do articulado, nem tão-pouco de eventuais lapsos, que são o juro da falibilidade da palavra como meio de expressão do pensamento humano. De resto, é assunto específico do debate na especialidade.
As modificações em referência reconduzem-se a duas categorias: uma, visando a sistematização normativa do diploma, reúne o que é comum ao todo nacional e isola, em título que assinala, as regras definidoras do estatuto constitucional das províncias ultramarinas; outra, realçando a situação destas parcelas na actual conjuntura política, acentua a descentralização administrativa de que necessitam e vinca a autonomia legislativa de que gozam. Lado a lado, portanto, preceitos que, quando muito, suscitam divergências no seu ordenamento ou arrumo e normas que, pelo seu significado e alcance, talvez se prestem a apoquentações de fundo.
Os valores absolutos e sagrados da comunidade portuguesa, que em todas as circunstâncias, e sejam quais forem os sacrifícios, importa defender, como a sua integridade territorial e unidade, estarão porventura em jogo?
As modificações de base acham-se na verdade impregnadas da seiva necessária e tonificante para que a Nação siga em frente «sem negar a sua identidade, sem comprometer a sua coesão e sem perder de vista os seus interesses e os seus destinos»?
Por recomendação constitucional, deve a organização política e administrativa das províncias ultramarinas ser adequada à situação geográfica e às condições do meio social e tender para a assimilação espiritual das suas populações « desenvolvimento das suas terras, de molde a que fracções diferenciadas deixem de o ser e se insiram no regime geral da administração de outros territórios.
O especial condicionalismo do ultramar exige, efectivamente, que em vários sectores recaia o acento tónico numa autonomia a processar por via de maior desconcentração de funções e da consequente intervenção de entidades locais, não apenas na gestão e execução de assuntos administrativos do seu particular interesse, como também na feitura de lei em matérias não reservadas à competência dos órgãos de soberania.
Este o depoimento dos factos que não pode nem deve ser ignorado ou sequer diminuído pelo legislador que se proponha a defesa e prossecução dos interesses das partes e do conjunto.
Se serviços existem que devam assumir a dignidade de serviços nacionais, outros há - e são talvez a maioria - que muito perderiam em rendimento e eficiência se assim fossem organizados.
Em palavras autorizadas e mais incisivas, diz a Câmara Corporativa:

Trata-se de, com mente fria e ânimo tranquilo, admitir, realisticamente, que há serviços públicos provinciais que devem ser integrados e outros que só «contra a natureza» o poderão ser;

e afirma o Sr. Presidente do Conselho, que governa ensinando:

Mas quanto à Administração - que erro enorme se cometeria se pretendêssemos tratar os territórios do ultramar como simples circunscrições a que se aplicasse um código administrativo uniforme! Que equívoco seria pensar na possibilidade de os governar de Lisboa através de governadores civis! E que lastimável confusão a das suas economias tropicais, com estádios próprios de desenvolvimento e sujeições inevitáveis ao meio e à localização dos territórios, com a economia metropolitana!

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Nem se pretenda, por outro lado, que a descentralização da tarefa legislativa é incompatível com ais aspirações do povo, que, a despeito de etnias, credos e culturas de múltiplas origens, é, pelo seu conceito de vida, necessidades, anseios e fins, um só.
Basta, para tanto, recordar as seguintes palavras de quem, ao longo de uma vida de quarenta anos de entrega total à causa pública, foi o guardião cioso e intransigente dos valores essenciais e eternos de Portugal:

A estrutura constitucional não tem, aliás, nada que ver, como já uma vez notei, com as mais profundas reformas administrativas, no sentido de maiores autonomias e descentralizações, nem com a organização e competência dos poderes tocais, nem com a maior ou menor interferência dos indivíduos na constituição e funcionamento dos órgãos de Administração [...] Só tem que ver com a natureza e solidez dos laços que fazem das várias parcelas o todo nacional.

Ponto é, por conseguinte, que o poder político permaneça, na sua plena pujança, o mesmo para todos os territórios, a nenhum destes sendo concedidas faculdades constituintes.
Necessário é todo um complexo de medidas que levem a autonomia até onde ela possa ir, sem que se caia em excessivos regionalismos.
E tudo isto acontece.
Destarte, em cada. uma das províncias os órgãos que criam a lei, os que da administração se incumbem e os que servem a justiça exprimem unicamente a soberania da Nação, continuando, em vista disso, a integração política a ser respeitada, com a vantagem da participação crescente, e de forma activa e útil, das suas classes mais esclarecidas e ilustradas.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

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O Orador: - Neste contexto e adentro deste espírito, ampliar o que mereça alargamento, reduzir o que possa sê-lo, distinguir o que peça singular tratamento, generalizar o que dispense excepção e suprimir o que se revele supérfluo, é fazer verdadeira revisão, actualizar, revitalizar.
E, em suma, na forma e pelo processo ditados pela hora que passa, reforçar os vínculos de solidariedade que cingem indissoluvelmente as várias fracções que, somadas, completam a Pátria e conservar intacto o manto de unidade que a tudo
quanto é português se deve estender.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A Nação, que da Providência recebeu, entre tantas outras virtudes, a intuição pronta do rumo que deve percorrer, irá agora, pela voz dos seus mandatários aqui reunidos, proferir o seu veredicto.
Espero, e estou certo, que este coincidirá com o laudo dos que tão condignamente a representam nos seus interesses de ordem administrativa, moral, cultural e económica.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A circunstância de ter subscrito o projecto de lei n.º 7/X, da feliz e louvável iniciativa do Sr. Deputado Duarte do Amaral, leva-me a fazer-lhe uma referência, se bem que breve.
Deter-me-ei apenas no seu artigo 1.º, que sugere a introdução de um preâmbulo na nossa lei fundamental, em que se fizesse a invocação do santo nome de Deus. E antes de entrar propriamente na apreciação de tão magno problema não quero deixar de proferir uma palavra de homenagem para todos quantos em legislaturas anteriores envidaram os seus esforços para que ,tal ideia vingasse. E seja-me permitido lembrar entre todos o nome do malogrado e saudoso Dr. Leonardo Coimbra.
Se bem que estranho pareça, pois de jacobinismo se não trata, não mereceu o projecto ide lei n.º 7/X a aprovação na generalidade por parte da Câmara Corporativa, não obstante alguns procuradores terem votado vencidos.
Julgo não haverem sido apresentadas sérias e convincentes razões para a rejeição, mormente pelo que concerne à introdução de um proémio invocatório do nome de Deus na lei básica do País.
Porque se nos afigura de tal modo evidente, o assunto não precisa, segundo penso, de qualquer justificação. Ele está na lógica do nosso passado e da doutrina do Estado que se proclama fiel as nossas tradições. O princípio fundamental que informa e dirige o problema é o tão por de mais conhecido texto de S. Paulo, na sua epístola aos Romanos: Omnis potestas a Deo, que poderá traduzir-se livremente na fórmula dada por Pio XII, de que «Deus é causa primária e último fundamento da vida individual e social».
Crer em Deus e afirmar o Seu nome é sentimento profundamente arreigado na alma do nosso povo, além de se reconhecer e afirmar Deus como fundamento do poder e como fonte da justiça e da moral.
Com a fórmula invocatória tinha-se em vista uma homenagem solene no texto fundamental da vida jurídica do País, ao primado do espírito e da fé, semelhante ao que existe em muitos outros países civilizados.
No parecer da Câmara Corporativa alega-se que tal pórtico, porque adicionado, ex post factum, ao edifício constitucional, «surgiria como que enxertado na Constituição, como algo de postiço, de que só fora de prazo houve lembrança», ao mesmo tempo que tal inclusão ido nome de Deus não agradaria possivelmente a alguns portugueses.
As razões aduzidas não colhem, segundo o que se nos afigura: se, quando plebiscitada a Constituição Política de 1933, tal invocação não foi nela introduzida, quer por não haver disso lembrança, quer por motivos de ordem política ou de qualquer outra ordem, não se descobre bem o motivo por que se não há-de fazê-lo agora, reparando omissão tão grave e explicitando o que está implícito e completando o que como incompleto se apresenta; depois, será legítimo que o sentir de uma minoria se imponha à repercussão reconfortante, que a inclusão do nome de Deus no pórtico da Constituição teria, na consciência nacional, sabido como é que Deus tem estado sempre presente tanto na alma como na obra dos maiores da nossa história pátria?
Acresce ainda que, a ser incluído no pórtico da Constituição o nome de Deus - valor essencial que não está sujeito a depreciação e sobre o qual o tempo não tem poder -, tal afirmação de fé é de largo sentido teísta, sem envolver carácter confessional, pelo que em nada pode ferir a liberdade dos crentes de outras religiões.
Não se trata, portanto, de uma iniciativa de cariz eclesiástico ou de sacristia, nem sequer de uma iniciativa movida .pelo sector católico da população portuguesa e apenas cara a este. E que por ela se batem, perfilhando-a, também com todo o ardor e entusiasmo, outros sectores religiosos, cristãos e não cristãos, nomeadamente os representantes das comunidades hebraica e islâmica.
Quando propôs, em memorável discurso, à inteligência e à sensibilidade dos Portugueses aquelas teses que se deduzem da lição da história e que sempre entre nós foram reconhecidas como válidas e indestrutíveis, o Doutor Salazar afirmou numa frase histórica: «Não discutimos Deus e a virtude.» E fê-lo não porque se não reconhecesse o Seu poder, mas porque Deus está acima de toda a contingência temporal e .porque, sendo um valor profundamente radicado nas almas, valor que desafia o tempo e não receia os juízos do presente e do futuro, o homem tem sempre sede de vida espiritual, ou porque a tenha achado, ou porque por ela anseie.
O falar em Deus não ofende religião alguma, contrariamente aquilo que, equìvocamente, se afirmou no parecer n.º 17/VII, de 1959, da Câmara Corporativa.
O curioso é notar o cuidado e o zelo por parte da Câmara Corporativa em afirmar «princípios cristãos» e combater «respeitos humanos» a propósito das redacções sugeridas na proposta do Governo para os artigos 45.º e 46.º da Constituição, em contraste com a rejeição da invocação de Deus, o princípio de toldos os «princípios»! ...
O Deus cuja invocação queremos ver a abrir o diploma fundamental da Nação e a abençoar as suas páginas é o Deus de todos os portugueses, quer sejam cristãos, muçulmanos ou judeus, o Deus único, em que fundamentalmente todos acreditam e ao serviço do Qual se entregam, quando rezam ou actuam pela conversão dos descrentes eu dos pagãos. Nada de mais lógico, pois, num país que proclama o primado do espírito sobre a matéria. E nada de mais oportuno, também, como contribuição de Portugal para o tempo do ecumenismo de que tanto se fala e que o Mundo pretende viver em plenitude.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

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O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: A revisão da lei fundamental ido País, em que estamos empenhados, abrange problemas importantíssimos. Estão neste caso os atinentes aos direitos, liberdades e garantias individuais; ao processo de eleição do Presidente da República; à competência, reservada u Assembleia Nacional, sua composição e funcionamento; ao regime jurídico das províncias ultramarinas; às relações do Estado com as confissões religiosas; ao estatuto dos cidadãos brasileiros em Portugal, etc.
Servem de alicerce à discussão um bem elaborado texto governamental e ainda dois textos da iniciativa de parlamentares, um dos quais brilha pelo conteúdo teórico e pelas generosas intenções personalistas que o amimam, enquanto, no outro, o ponto fundamental diz respeito à inclusão do nome de D BUÍS na Constituição, conforme o anunciado projecto do alto e cristianíssimo espírito do nosso finado colega Dr. Leonardo Coimbra, a cuja memória rendo preito sincero.
Perante a notícia da revisão constitucional, diversas reacções afloraram no seio da opinião pública.
Há quem pense que tal como está, no essencial e na sua estatura, a constituição responde às necessidades da conjuntura histórica ide hoje.
Em perspectiva diametralmente oposta, diz-se que, reformada ou não a Constituição perdeu toda a razão de ser, se alguma vez a teve.
Seguem a corrente que ditou a revisão em curso quantos consideram vantajoso modificar o diploma existente, inovando corajosamente onde houver lugar a inovações, remodelando e completando o que carecer de melhoramento, à luz das exigências postuladas pelo bem comum.
Pessoalmente, aceitemos esta maneira de ver, atenta a inviabilidade prática, aqui e agora, da proposta maniqueísta e a miopia intrínseca da pura atitude estática. Efectivamente, a evolução social do mundo português registou, nos últimos anos, transformações notáveis, transformações que, ao afectarem os modos de vida e as mentalidades, arcaizaram leis e instituições. A uma «sociedade tradicional, patriarcal e agrária» substituiu-se progressivamente «outro tipo social dominado pelas relações industriais e pelo predomínio dos serviços», disse-o, em síntese, o historiador Marcelo Caetano.
Dai a conveniência de dar resposta aos desafios que assim nasceram, para não ser pelos mesmos vencido.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Nesta perspectiva, e à luz das disposições constitucionais, ,o Governo procedeu à revisão da Constituição em vários aspectos.
Tal resolução decorre de ponderada reflexão sobre a conjuntura e as carências do País no momento presente e contém apreciáveis melhorias.
Mas, como um dia o Sr. Presidente do Conselho observou, quando um diploma surge é frequente «encontrarem-se nele imperfeições» «e há, por outro lado, a possibilidade de a análise dos mesmos contextos sociais sugerir, em sisuda e atenta meditação, soluções diferentes das inicialmente perfilhadas pelo legislador.
Por isso, a breve trecho, o diploma governamental teve a companhia de dois projectos, descendo todos eles à Câmara Corporativa, onde os Procuradores aconselharam as modificações e formularam os reparos que conhecemos, o mais infeliz dos quais é a recomendação no sentido de rejeitar na generalidade os projectos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agora cabe à Assembleia Nacional, guiada pelo laborioso trabalho Ida comissão eventual, cabe aos genuínos representantes da grei nela congregados, decidir das alterações a introduzir na Constituição. E fá-lo-ão, disso estou certo, «mão para fazer prevalecer caprichosamente uma vontade ou preservar alguma conveniência pessoal ou de grupo, imas com o intuito desinteressado de contribuir para que caminhemos para uma sociedade mais justa, em que todos tenham o lugar que lhes deve caber».

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - A sociedade que o processo histórico indicia será, em meu entender, uma sociedade constituída por homens livres, conscientes e reflectidos, uma sociedade com uma mentalidade mais de realização do que de sonhos; «mais de evolução do que de conservação; mais da diferenciação complementar do que da semelhança; mais da luta e do esforço do que da resignação; mais da promoção do que da protecção; mais da concórdia e convivência do que da uniformidade; mais da reflexão do que da adesão; mais da corresponsabilidade do que da docilidade».
Nela o cidadão poderá «manifestar o seu parecer sobre os deveres e sacrifícios que lhe impõem» e nunca «se verá obrigado a obedecer sem ter sido ouvido», isto para usar expressões lapidares de Pio XII.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, para que estes direitos plenamente se exerçam, torna-se imprescindível «pôr cada vez mais o cidadão em condições de ter opinião pessoal própria, de manifestá-la e de fazê-la valer de maneira conveniente para o bem comum».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É precisamente esta exigência que implica, no nosso país, a urgência de ampla campanha de educação, a qual, além de facultar ao português aptidões profissionais tecnicamente suficientes, versáteis e passíveis de actualização ao longo da vida, outrossim, lhe proporcione formação cívica, habilitando-o a participar capaz e responsavelmente no curso das actividades políticas nacionais, pondo de lado o imobilismo, a letargia e o conformismo a que tantos se habituaram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A capacidade e a possibilidade de criticar e corrigir honestamente os actos dos poderes públicos, de os ajudar nas grandes tarefas colectavas, só têem vantagens. Inclusive, determina o desenvolvimento harmónico do ser existencial da pessoa humana, enquanto membro de uma cidade terrena que se deseja digna e progressiva.

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Desculpe-me só agora o interromper, mas queria perguntar se V. Ex.ª é de opinião que nos últimos quarenta anos se dormiu e se esteve em estado de letargia.

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O Orador: - Sr. Casal-Ribeiro, eu sou exactamente da opinião que expressei. A opinião que expressei é que, desde sempre, muitos se habituaram à letargia e ao conformismo.

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Ex.ª importa-se de me dizer quanto anos tem?

O Orador: - Eu tenho 32 anos, Sr. Casal-Ribeiro.

O Sr. Gasal-Ribeiro: - Ah! Está explicado! Muito obrigado.

O Orador: - Para nós, essa cidade, essa Nação é Portugal, que está, nos nossos dias, empenhada numa campanha de desenvolvimento económico e social. Pois bem, a condição prévia de um desenvolvimento equilibrado e viável é o desenvolvimento do homem luso, a quem temos de facultar, pela educação, a criação de uma cultura susceptível de gerar verdadeiras soluções para os grandes problemas do País e até da Humanidade.
Por isso, no momento em que o Governo de Marcelo Caetano, através do Ministro Veiga Simão, lança as bases da campanha de educação escolar e permanente atrás referida, urge, creio eu, inscrever no artigo 8.º da Constituição o direito à educação. A Declaração Universal dos Direitos do Homem difundiu-o e, não há muito, o Ministro da Educação Nacional proclamou-o em Portugal.
Na verdade, o direito à educação, tal como hoje o concebemos, implica a formação das pessoas não apenas no período escolar, mas durante toda a existência, e implica a sua preparação cívica mediante a difusão de uma mentalidade alimentada pelo gosto e pelo desejo do progresso, a qual lhes permitirá tomar parte, em razão e em liberdade, na vida política.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Aqui importa lutar pela constante aliança entre a teoria e a prática, entre as necessidades da condição humana e o desafio da evolução social.
Fora de dúvida, a revisão constitucional em curso responde a uma exigência da evolução histórica. Responderá o articulado dos textos em discussão aos corolários que acabamos de anunciar?
Certos de que a estrutura e a organização da vida social dependem das características e aspirações de cada povo, comecemos pela análise do ponto menos controverso, para chegarmos ao mais discutido e, daí, passarmos às questões complexas. Em nosso aviso, um dos temas livres de controvérsia, inscritos no texto governamental, diz respeito à concessão do direito de cidadania aos Brasileiros. Uma história durante séculos comum, o predomínio da mesma religião nas respectivas sociedades, a existência de afinidades no teor de comportamentos vitais, o manejo de idêntica língua, constantemente enriquecida pela contribuição de uns e de outros, a permanência de vínculos afectivos e de sangue entre Brasileiros e Portugueses, enfim, a ambição de traduzir numa comunidade construída para o futuro tais realidades, eis os tópicos que, na consciência da grei, amplamente fundamentam a medida preconizada pelo Governo.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Mas estarão os Portugueses satisfeitos, compreenderão, do mesmo ânodo, o actual sistema de eleição do Presidente da República?
Tenho reflectido sobre o assunto, tendo recolhido inumeráveis testemunhos de homens íntegros e experientes sobre a melindrosa questão. Regra geral, só aplaudem, sem reserva, o actual sistema os que negam valor ao sufrágio e à soberania popular.

O Sr. Magalhães Mota: - Muito bem!

O Orador: - De quantos ouvi e conheço, a maioria prefere o sistema originalmente inscrito na Constituição, pelo qual, de resto, foram eleitos todos os cidadãos que, na Segunda República, ascenderam à chefia do Estado.
Muitos negam o valor do processo vigente, e eu também, e todos lhe conhecem a complexidade, isto é, uma obscuridade de trâmites dificilmente perceptível pelo carmim dos cidadãos. De facto, a Nação não sente, nem vive a sua intervenção na designação do Presidente da República, que superiormente a representa e simboliza.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Uma boa parte das pessoas, mesmo dos estamentos cultos, ou ignora ou tem uma ideia vaga sobre o modo particularizado como, em Portugal, se processa a eleição presidencial. Sabe-se que é através de um colégio, que não é por sufrágio directo e pouco mais. Quando, por exemplo, os cidadãos votam nas eleições de cargos que, por sua vez, elegem parte do capítulo incumbido de sufragar o Chefe do Estado, a esmagadora maioria não o faz consciente de estar, a distância, a participar no processo de investidura, do supremo magistrado da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o colégio eleitoral, além de englobar delegados cuja representação assenta em cooptações de tapo doméstico e provincial, compreende grande número de personalidades escolhidas pelo Governo. Isto significa que de todos os componentes da assembleia eleitoral só os Deputados receberam directamente do povo o respectivo mandato e só com estes a grei se sente, de algum modo, identificada.

O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!

O Orador: - Creio, portanto, que o Presidente da República deve ser eleito por sufrágio directo, haurindo por via pura, no consenso da Nação, a essência do seu poder e da sua representatividade singular. Assim, o povo sentir-se-á irmanado e solidário com o seu mais alto magistrado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Chefe de uma nação intercontinental, o Presidente da República há-de velar porque entre as suas partes subsista a harmonia estabelecida pelos vínculos substanciais consignados na Constituição, consciência e epítome das estruturas vigentes.
Que essas estruturas respondam às necessidades do pujante crescimento ora em curso no ultramar é o que sinceramente desejamos, é afinal o que o Governo e a Câmara pretendem, se bem entendo.
E a propósito, inquiro: Para melhor aliançar os portugueses de aquém e além-mar não deveriam ser no-

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meados pelo Presidente da República, mediante proposta do Presidente do Conselho, os governadores-gerais?
Com este procedimento assegurar-se-ia a intervenção directa e significativamente simbólica do supremo magistrado da República, eleito pelos povos, na nomeação dos governadores-gerais, chefes de executivo no ultramar.
A referência ao executivo leva-nos, por associação, a outro problema fundamental, ao problema da esfera de competência dos mais altos poderes do Estado.
Pessoalmente, somos contra toda a espécie de poder infiscalizável e intangível, repudiamos o absolutismo do Estado, desejamos, todavia, o funcionamento harmónico dós órgãos da soberania, ou seja, uma situação dinâmica em que cada um execute com dignidade, competência e espírito crítico e construtivo as suas obrigações e deveres nos âmbitos dos respectivos campos de acção.
Não aceitamos, portanto, a instabilidade do executivo inerente à umbilical dependência dos governos frente às assembleias parlamentares, como de modo nenhum concordamos com a absorção pelo executivo das competência s do legislativo. Quer isto dizer que a Assembleia Nacional deve exercer com autoridade, eficácia e sentido das realidades ampla função legislativa, e não apenas fiscalizar os actos do Governo e da Administração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A ser de outra maneira, os parlamentares ficarão impedidos de dar expressão aos anseios do povo e de obstar a eventuais surtos do poder pessoal ou da arbitrariedade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao poder judicial, somos pelo primado dos tribunais comuns. Estamos convencidos que eles são capazes de velar pela aplicação da lei e de assegurar o castigo dos que a violam.
A lei fundamental do País inscreve no seu artigo 8.º os direitos, garantias e liberdades básicas dos cidadãos portugueses.
Bom e dignificante seria que esse texto plebiscitado em 1933 e incluindo agora o direito à informação e o direito à educação-, bom e dignificante seria, dizia eu, que esse texto, na prática sempre muito esquecido e deformado por legislação suplementar, entrasse em plena vigência, para completa frutificação das «perspectivas totais da pessoa humana» na nossa sociedade.

O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!

O Orador: - A meu ver só a guerra, o anarquismo fanático, ou seja especiais situações atentatórias do bem comum, justificam a sua temporária e excepcional suspensão, rectificada pelos representantes da Nação.
Como representante do povo português quero, para concluir, dar testemunho sobre um derradeiro tema. Refiro-me à inclusão do nome de Deus na Constituição.
A justificação de tal medida fê-la com superior critério o Dr. Leonardo Coimbra nesta Casa. E eu, respondendo a um imperativo de consciência e interpretando a opinião da maior parte dos minhotos que sufragaram o meu nome nas eleições de 1969, pronuncio-me a favor da introdução do nome de Deus na Constituição da República Portuguesa.
Sr. Presidente: Nos termos do exposto, aprovo na generalidade já a proposta do Governo, já os projectos, de olhos postos no futuro da grei. E praza a Deus que então, anulados os surtos anárquico-belicistas de agora, em Portugal floresça uma livre, ordeira e prestigiante democracia, a genuína democracia. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Casal-Ribeiro: - Não apoiado, no regresso à democracia!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora não tenha tido a honra de pertencer à comissão eventual que se debruçou especificamente sobre a proposta e projectos de lei de alterações à Constituição Política, e talvez melhor por isso mesmo, sinto-me inteiramente à vontade para expender algumas considerações que, se não dimanam de uma consciência modelada por uma formação jurídica, são a expressão ponderada e calma de quem, habituado à subjectividade das queixas, as procura trazer ao plano da objectividade, no desejo sincero de encontrar sempre as melhores soluções.
A nós, médicos, não é, porém, estranho todo um trabalho de especulação para o qual temos particular pendor, bem demonstrado ao longo de tantas gerações de pensadores, políticos, escritores, cientistas, etc., e para a qual a cada instante somos solicitados perante o comportamento dos homens em face dos seus anseios e sofrimentos!
Temos, porém, de ter, para eficiência da nossa função e alívio das dores alheias, o equilíbrio e a força de vontade necessários para optarmos entre o academismo diletante e o frio racionalismo dos fenómenos.
E nesta atitude, na qual, para além das minhas inquietações e tendências naturais, não deixará de estar presente o realismo de uma observação colhida no homem da rua, que procurarei emitir a minha maneira de ver.
Deixo, desde já e antes de mais, os meus cumprimentos e felicitações à Ex.ma Comissão Eventual, que afincada e exaustivamente elaborou um parecer a todos os títulos credor dos mais expressivos encómios, e não quero deixar de me felicitar também por pertencer a uma Câmara que tão nobre e livremente procura, no respeito e tolerância pelas várias correntes de pensamento, trazer à discussão serena um trabalho, quanto a mim, lúcido, conciliador e fiel aos princípios fundamentais do nosso ideário político, sem fechar as portas a correcções que venham a mostrar-se mais ajustadas e actuais.
Pena é que se não tenha ainda encontrado maneira de levar ao grande público, tanto quanto possível, conhecimento do trabalho árduo mas fecundo e onde há sempre vivacidade na controvérsia, elaborado no seio das comissões parlamentares.
Talvez que a opinião popular sobre este órgão de soberania fosse então mais consentânea com os propósitos que nos animam, que, para além da satisfação da nossa própria consciência, não deixaria de ser factor de enriquecimento do seu próprio prestígio.
De todos os elementos que recolhi, amalgamados, como é evidente, com as primitivas opiniões pessoais sobre o assunto em causa, pude estabelecer juízos que em certas facetas só na especialidade terão cabimento, reservando-me, se for caso disso, para futuras intervenções.
Há, porém, alguns aspectos que feriram particularmente a minha sensibilidade e que, por serem muito sensíveis à opinião pública, são naturalmente os mais debatidos, requerendo, portanto, redobrada atenção e cuidados especiais na sua apreciação.
Assim, é digna de registo e tem a nossa inteira aprovação a referência formulada no artigo 31.º da proposta do Go-

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verno no que toca à «justa distribuição de rendimentos», isto é, da riqueza criada, propósito que, embora nos últimos planos de fomento já tivesse sido ventilado, o facto de ficar consignada a sua referência na Constituição toma um sentido mais lato e certamente decisivo, constituindo uma preocupação, da qual, por coerência, um Estado social não se podia alhear.
No domínio da educação e da cultura é-me particularmente grata a inclusão na Constituição, e por feliz proposta do Governo, de regras que propiciam o mais amplo acesso à cultura, com aproveitamento, de todas as inteligências, exactamente como preconizáramos no manifesto elaborado pelos então candidatos a Deputados pelo Algarve à actual legislatura e pelos quais prometemos que nos havíamos de bater.
Podemos, portanto, apresentar-nos perante o eleitorado com a consciência tranquila, pois não constituía demagogia o que prometêramos, nem pequeno, objectivo que então nos propúnhamos atingir, e, por isso, em nome do próprio povo que servimos e em homenagem à justiça do julgamento a que permanentemente o Governo se sujeita, aqui lhe deixamos o nosso agradecimento e a expressão da nossa inteira e devotada adesão a estes princípios, conscientes de que o nosso futuro está precisamente no aproveitamento das incomensuráveis potencialidades ido povo português.
No capítulo ida opinião pública não queremos deixar de nos pronunciarmos da mesma forma por que o fizemos no já citado manifesto, aderindo aberta e francamente a uma nova lei de imprensa, que à parte dos problemas relacionados com a defesa nacional, conceda uma ampla e salutar liberdade, sujeita, porém, como é óbvio, a uma saudável, exigente e pronta responsabilidade, certo de que desta forma a imprensa será mais um factor de alto valor na moralização da sociedade portuguesa.
No que diz respeito ao título X, nomeadamente à liberdade religiosa, aliás já prevista no artigo 8.º da Constituição, afigura-se-me particularmente feliz o texto do artigo 45.º da comissão eventual.
A dificuldade, uma vez que o problema da inclusão do nome de Deus na Constituição foi posto à consciência da Nação tradicionalmente católica, não se pode negar, residia, no meu entender; em conciliar o respeito que se deve ao Seu nome e ao consequente sentimento de religiosidade que, para ser sincero e válido, tem de ser centrífugo, posto que, originado pelo raciocínio ou inspiração no mais íntimo do nosso espírito, só depois se exteriorizará, filiando-se numa ou noutra confissão, com uma norma necessàriamente centrípeta, isto é, actuando de fora para dentro de cada um de nós, e até em contradição com o espírito liberal do último Concílio.
A genial expressão, porém, do artigo 45.º da comissão eventual, consagrando o nome de Deus na Constituição, e dando desta forma satisfação à maioria dos portugueses cuja vontade se fez eco nesta Câmara, fá-lo com a dignidade inerente ao Seu nome, colocando-o acima de um documento normativo, como juiz supremo a quem ninguém pode furtar-se, e de maneira semelhante se reporta à responsabilidade perante os homens, que o mesmo é dizer, consoante uma das interpretações, frente à dignidade humana ou em face da sua memória que é a história, outro juiz perante o qual nenhum Estado pode enjeitar responsabilidades.
Em matéria de organização política do Estado e reportando-nos ao artigo 172.º da Constituição acerca da eleição do Presidente da República, sem deixar de considerar a lição extraída de actos pretéritos que lançaram o País na confusão e mesmo à beira da subversão, julgo, contudo, que o colégio eleitoral actual é pouco expressivo, em presença do enormíssimo poder que se outorga ao Chefe do Estado.
Entendo que um acto desta transcendência e da mais alta relevância para o País deveria interessar mais gente, embora qualificada, de forma a evitar que concelhos, muitos deles com algumas dezenas de milhares de indivíduos, só por mero acaso estejam presentes por mais de um representante.

O Sr. Leal de Oliveira: - Muito bem!

O Orador: - Este aperfeiçoamento ainda mais contribuiria para confirmar a realidade do sistema actualmente seguido, que me parece o mais consentâneo com as realidades políticas portuguesas.
Acerca das alterações da Constituição que incidem directamente sobre o ultramar, não encontrei na proposta do Governo qualquer indício de brecha no todo que constituímos e pelo qual nos batemos em todos os campos.
Que é absolutamente necessária uma autonomia administrativa, disso não tenho a mais remota dúvida.
Eu sei o que consome de tempo e paciência o filtro superlotado estatal de Lisboa, tendo em atenção apenas a nossa parcela europeia. Calculo o pandemónio que seria fazer depender de Lisboa toda uma complexa administração de províncias tão distantes geogràficamente da metrópole.
Não esqueçamos que ainda hoje para se admitir um contínuo ou uma auxiliar de limpeza ainda é o Ministro quem despacha!
Ora, o progresso não se compadece com demasiadas centralizações, mas antes pelo contrário, e lá como cá.
De tudo quanto se tem dito e redito sobre este assunto temos de o considerar inteiramente esclarecido, com aplauso pela orientação progressiva, mas prudente, referida pelo Governo; o que não tem aplausos de ninguém são as insinuações e deturpações malévolas, parecendo-me injustiça imerecida, até para quem se tem mostrado acérrimo defensor da unidade da Pátria.
Unidade política e humana, que nada tem que ver com a gestão dos negócios, que cada vez requerem mais atenção directa e resoluções imediatas.
Não vejo, enfim, que no artigo 136.º da proposta do Governo mão estejam devidamente salvaguardados todos os requisitos e fortalecidos todos os laços que fizeram desta comunidade espalhada pelo Mundo uma só Nação, onde só há portugueses, que todos nós desejamos cada vez mais esclarecidos, instruídos, dignificados e unidos pelos mesmos ideais de amor ao progresso e à Pátria!
No que diz respeito às garantias individuais, sou pelas normas que, não desarmando o Estado, a fim de que este possa exercer capazmente a sua missão de defesa da integridade física e moral dos cidadãos, bem como a de guardião estreme da ordem social decorrente da própria Constituição, nos protejam dos excessos e arbitrariedades do Poder, onde quer que este se situe.
Não me parece justo, porém, que se insista em pretender vestir o fato totalitário à situação que se vive em Portugal.
Demagogicamente, quer-se fazer esquecer, no enleado de muita argumentação sócio-jurídica, que não posso nem quero referir, os abismos de que o País foi tirado e onde temos, aliás e felizmente, a garantia de que não voltará a cair.
E democràticamente, respondendo à crítica de que não pode o Poder ficar desarmado, tranquiliza-se os cidadãos com à possibilidade da proclamação do estado de sítio!
Mas não se implantará a confusão em nenhum espírito.

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2210 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

Da minha forçada ausência algarvia tive também o gosto de ouvir nesta Casa a voz do bom senso.
De facto, também aqui já foi salientado que temos de teor os pés na terra e legislar em tão deliciados domínios de harmonia com a preparação cívica dos cidadãos.
Fazendo-o, o Governo foi, não será de mais sublinhá-lo, até onde devia ter ido.
Ouvimos aqui dizer - e eu faço-me eco do muito que isso calou no sentimento das pessoas dotadas de espírito cívico - que lá fora seguem os debates, e por isso o sublinho, que o País mão aguentaria, na hora difícil que atravessa, um clima de instabilidade. E a isso poderia levar a falta de medida, a falta de equilíbrio na atribuição e regulamentação das liberdades.
O excesso de liberdade não pode fazer-nos correr o risco de oprimir e sufocar a liberdade que nos interessa e que é inerente à dignidade da pessoa humana.
O Poder, na contingência actual, tem de estar, e felizmente está, atento e forte pairai controlar as forças da subversão, que, ao contrário de desarmadas, consumam assaltos, raptos, em suma, terrorismo nas suas múltiplas formas, que, estamos seguros, encontra a resposta forte e adequada.
Apesar dos reparos feitos com a deliberada intenção de contribuir, embora modestamente, para esclarecer os governantes e a Câmara quanto a aspectos susceptíveis de correcção, não tenho dúvida em dar a minha aprovação na generalidade à proposta do Governo.
Não quero terminar sem desta tribuna agradecer e prestar homenagem .a quantos, sem distinção de hierarquias ou graus académicos de facções ou correntes políticas, com as suas palavras ou escritos me ajudaram a formar uma opinião sobre os múltiplos aspectos das alterações à Constituição e desta forma poder conscientemente formular o meu voto, à luz da perenidade da Pátria, do progresso e promoção do povo português.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
À tarde haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
António Júlio doe Santos Almeida.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João António Teixeira Canedo.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto-Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Coelho Jordão.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Martana da Cruz.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes
Prabacor Rau.
Rafael Valadão dos Santos.
Bui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazaa.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à chamada:

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Augusto Domingues Correia.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Manuel Alves.
João Ruiz de Almeida Garrett.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Ricardo Horta Júnior.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - Januário Pinto.

IMPRENSA NACIONAL

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