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2362 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 116

O Sr. Veiga de Macedo: - A Câmara Corporativa, ao pronunciar-se sobre a primeira parte deste artigo 46.º, emite o parecer de que com a nova fórmula, ou seja, o de que «a religião católica é considerada religião tradicional da Nação Portuguesa», a proposta de lei em apreço não pretende outra coisa que não seja continuar a sublinhar a situação especial em que essa religião se encontra no nosso país, bem diferente daquela em que as outras confissões se encontram. E acrescenta:

... sem a afirmação dessa especial situação, da qual resulta que a igreja católica coopera com o Estado na realização das finalidades que este constitucionalmente julga dever realizar, numa perspectiva neutralista, muitas das normas de direito resultariam incoerentes e a maioria diais próprias disposições do nosso direito concordatório sê-lo-iam também.

Contudo, a Câmara afasta do seu poeto de vista» quer a actual fórmula da Constituição, segundo a qual «a religião católica é a religião dai Noção Portuguesa», quer a da proposta de lei, ou seja, a de se considerar «como religião tradicional» aquela mesma religião.
Não me interessa pronunciar sobre a argumentação aduzida no sentido da modificação, pois não desejo optar por nenhuma das soluções. Não concordo nem com uma nem com outra, pelo que as não votarei. Verdade seja que não me agrada a fórmula da Constituição actual, embora o seu conteúdo merecesse, quanto a mim, consagração plena, pois não vejo como ele, estabelecido em termos mais apropriados, possa contender com o pluralismo das crenças religiosas existentes no Piais. Nem tão pouco se me afigura que o problema tenha que ver, exclusiva ou fundamentalmente, com o numero de católicos em si ou em relação com o dos que professam outras confissões.
Penso que um Estado ético, como o nosso, não pode deixar, sob pena de incoerência, de marcar posição clara na proclamação e hierarquização daqueles princípios que imprimem sentido específico à concepção em que assenta.
Ora, entre outras, uma das opções essenciais que dá ao Estado aquele carácter vem formulada, de modo claro, no § 3.º do artigo 43.º Neste preceito se estabelece que o ensino ministrado pelo Estado, além de outras finalidades aí definidas, «visa a formação de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais no País».
Esta doutrina e esta moral são as da religião católica, como é óbvio. E isto em nada contende com o princípio da liberdade religiosa nem pode considerar-se ofensivo ou constituir desdouro para qualquer outra crença.
Importa não esquecer que «Portugal nasceu à sombra da Igreja e a religião católica foi, desde o começo, elemento formativo da alma da Nação e traço dominante do carácter do povo português». Estas palavras de Salazar não podem ser contestadas.
Pode mesmo dizer-se que, sem esse traço espiritual, a nossa vocação ultramarina ou não se teria afirmado, ou, a afirmar-se, haveria de receber, em aspectos decisivos, uma marca e um sentido completamente diferentes daqueles que a individualizam e engrandecem.
Ainda hoje esse traço de fundo caracteriza a nossa acção civilizadora, dá estrutura e feição específica às leis e instituições e preside às relações mais vincadas da vida colectiva.
Até o respeito pelas outras religiões e a fusão, na cultura lusíada, de valores de diversa ordem próprios de populações não católicas, decorre precisamente, e na mais larga escala, dessa ideia e dessa fé cristãs e do que elas de muito profundo e de muito alto representam para a convivência plurirracial e para a comunhão de vidas.
Direi que, a esta luz, a religião de origem e de fundo do povo português não encontra lugar condigno na Constituição, com a simples designação de que é a «tradicional». Por isso mesmo, o Presidente Salazar pôde dizer, em 1949, que «do ponto de vista político a Concordata pretende aproveitar o fenómeno religioso como elemento estabilizador da sociedade e reintegrar a Nação na linha histórica da sua unidade moral».
A Câmara Corporativa, no seu notabilíssimo parecer sobre o projecto da proposta de lei relativo à liberdade religiosa, não toma outra posição, como se vê pela sua afirmação de que «os vários cultos praticados em cada Estado podem ter, e assumem de facto, na generalidade dos casos, uma repercussão muito diferente, como valores sociais, como ideias-força efectivas, na vida da respectiva comunidade populacional».
Nem outra é a orientação da declaração conciliar, na qual se prevê que, no caso de atendendo a circunstâncias peculiares dos povos, uma comunidade religiosa for especialmente reconhecida na ordenação jurídica da sociedade, é, ao mesmo tempo, necessário que se reconheça a todos os cidadãos e comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa e que tal direito seja respeitado.
Certo é que os votos e conclusões do Concílio são invocados, tantas vezes, fora do seu contexto e do seu mais genuíno pensamento, mas os responsáveis pela sua posição hierárquica não podem deixar de se integrar na essência da doutrina proclamada, subtraindo-se, assim, à sedução das falsas ideias claras, à pressão das propagandas massificantes, à tentação de certas aberturas, generosas porventura nas intenções, mas perigosas por constituírem ou poderem vir a constituir rupturas por onde se escoam as abdicações ou transigências em pontos fundamentais. Nem valerá a pena falar na influência da doutrina da Igreja sobre conceitos básicos, como o da posição do Estado e o dos seus limites e deveres, o da família, o da dignidade e liberdade da pessoa humana, o da justiça social, o da propriedade e outros.
Ora, esta realidade, só porque o é, deveria ser reconhecida no texto fundamental, até independentemente de considerações ou atitudes de ordem ética ou política.
Longe de mim a ideia de se tentar abrir qualquer porta que pudesse levar ao reconhecimento de uma religião oficial. A solução só acarretaria inconvenientes, como se acentuou no parecer n.º 13/V da Câmara Corporativa sobre a proposta de revisão constitucional de 1951.
Aliás, já o principal construtor da Constituição vigente, depois de afirmar, em 1940, que este diploma «arrancou o Estado Português à tentação da omnipotência e da irresponsabilidade moral e permitiu atribuir à Igreja, na constituição dos lares e na formação da juventude, aquela parcela de mistério e de infinito exigida pela consciência cristã», concluía com estas palavras plenas de actualidade:

Ir além, abrindo mão de tudo o mais, seria fechar os olhos a realidades vivas do nosso tempo; não ir até ali seria igualmente ter em menos conta o que é exigência de justa liberdade e necessidade da estrutura cristã da Nação Portuguesa.

Nesta Unha de orientação, também se me afigura que, em boa medida, assiste razão à Câmara Corporativa nos pontos de vista expendidos nos n.ºs 66 e 67 do seu parecer.

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