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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 123
ANO DE 1971 17 DE JULHO
X LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 123 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 16 DE JULHO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários Ex.mos Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 120 do Diário das Sessões, com rectificações dos Srs. Deputados Miguel Bastos, Alarcão e Silva e Agostinho Cardoso.
Deu-se conta do expediente.
Foi lida, na Mesa, uma nota de perguntas formulada pela Deputada Raquel Ribeiro.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição foi recebido na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho o n.º 165, 1.ª série, do Diário do Governo, inserindo diversos decretos-leis.
Foi denegada autorização para o Sr. Deputado Homem de Mello depor como testemunha de defesa em autos de transgressão que correm seus termos na Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.
Usou da palavra o Sr. Deputado Moura Ramos para enviar um requerimento à Mesa.
Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei da liberdade religiosa.
Usou da palavra o Sr. Deputado Almeida Cotta.
Passou-se, seguidamente, à discussão na especialidade, tendo sido discutida, votada e aprovada a base da proposta de lei.
Usaram da palavra no decorrer do debate os Srs. Deputados Alberto de Alarcão, Moura Ramos, Reboredo e Silva, Cunha Araújo, Almeida Cotta, Sousa Pedro, Veiga de Macedo e Sá Carneiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
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Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canado.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
José Vicente Pizano Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanhas Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul das Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 87 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 120 do Diário das Sessões.
O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: Na p. 2443, col. l.ª, 1. 33, onde se lê: « e à vida próprios», deve ler-se: «e à vida própria»; na p. 2444, col. l.ª, l. 39, onde se lê: «ou instituições destinadas», deve ler-se: «ou institutos destinados»; na p. 2450, col. 2.ª, l. 11, onde se lê: «instituições destinadas», deve ler-se: «institutos destinados».
O Sr. Alarcão e Silva: - Solicito a V. Ex.ª que se digne inscrever as seguintes rectificações ao n.º 120 do Diário das Sessões: na p. 2439, col. 1.ª, 1. 17 e 18, em vez de «Assembleia Nacional», deve ler-se: «Câmara de Deputados»; na p. 2440, col. 1.ª, 1. 64, a supressão de «e» antes de «se aceitássemos»; na mesma página e coluna, 1. 66, onde se lê: «círculos políticos», deve ler-se: «círculos eleitorais».
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Solicito a V. Ex.ª que no n.º 120 do Diário das Sessões sejam feitas as seguintes rectificações: na p. 2446, col. 2.ª, 1. 10, substituir a palavra «quando» por «quanto»; na p. 2447, col. 1.ª, 1. 24, substituir «associada» por «associado».
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum de VV. Ex.ªs tem reclamações a apresentar relativamente ao n.º 120 do Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Gazeta Macaense manifestando grande interesse pela aprovação da lei de imprensa;
Do vice-reitor da Universidade Católica de Lisboa agradecendo a referência feita em anterior sessão da Assembleia sobre o estatuto jurídico concedido àquela Universidade;
Do director da Faculdade de Filosofia de Braga no mesmo sentido;
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Acaba de chegar à Mesa nota de que, em relação a uma nota de perguntas oportunamente apresentada pela Sr.ª Deputada D. Maria Raquel Ribeiro, ainda não foi recebida resposta; tendo terminado o prazo regimental, a mesma nota de perguntas vai ser lida:
Foi Ilda. É a seguinte:
Nos termos da alínea c) do artigo 11.º do Regimento, solicito que, pelo Ministério do Interior, me seja dada resposta às seguintes perguntas acerca dos Decretos-Leis n.ºs 225/71 e 226/71:
1.ª Os beneficiários dos Serviços Sociais da Polícia de Segurança Pública ou da Guarda Nacional Republicana contemplados, em matéria de habitação, nas condições previstas nos §§ únicos dos artigos 6.ºs dos referidos decretos-leis poderão continuar a usufruir de tais regalias uma vez reformados?
2.ª Com o falecimento dos beneficiários cessa a faculdade da continuação do arrendamento às viúvas?
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3.ª A reforma altera a sua situação de beneficiários dos Serviços Sociais em relação a quaisquer regalias?
O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho encontra-se na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o n.º 165 do Diário do Governo, 1.ª série, de 15 do corrente, que insere os seguintes decretos-leis:
N.º 304/71, que introduz alterações ao Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações;
N.º 305/71, que estabelece uma nova classificação das receitas e despesas públicas e revoga todos os preceitos legais que determinam a classificação de receitas e despesas por forma diferente da estabelecida no presente diploma;
N.º 306/71, que determina que o Governo habilite em cada ano o Ministério do Ultramar com uma dotação destinada a fomentar o povoamento das províncias ultramarinas e a desenvolver o intercâmbio cultural entre as várias parcelas do território nacional e revoga o Decreto-Lei n.º 38 200 e a alínea c) do artigo 2.º do Decreto n.º 49 089;
N.º 307/71, que aprova o Estatuto Legal da Universidade Católica Portuguesa.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia: Está na Mesa um ofício da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, datado de 7 do corrente, solicitando autorização para que o Sr. Deputado Manuel José Archer Homem de Mello possa ser inquirido, como testemunha de defesa, em autos de transgressão que correm seus termos naquela Inspecção-Geral.
O Sr. Deputado Homem de Mello informou-me de que considera inconveniente para a sua acção parlamentar esta inquirição durante o período do nosso funcionamento efectivo actual.
Pergunto à Assembleia se concede ou nega autorização para o Sr. Deputado ser inquirido.
Consultada a Assembleia, foi denegada a autorização para ser inquirido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Moura Ramos.
O Sr. Moura Ramos: - Na já longínqua sessão de 18 de Dezembro do ano passado, enviei para a Mesa um requerimento pedindo que me fossem fornecidos, pelos competentes departamentos ministeriais, alguns elementos que reputava da maior necessidade para me poder esclarecer e documentar com vista a uma eventual intervenção sobre a rentabilidade das obras de hidráulica agrícola e outras grandes obras de fomento agro-pecuário.
Porque até ao momento presente não obtive qualquer satisfação ao pedido então feito e porque, além do mais, continuo a reputar tais elementos absolutamente necessários para o estudo a fazer, requeiro novamente que me sejam fornecidos, com urgência, os elementos solicitados no referido requerimento, publicado no n.º 59 do Diário das Sessões de 19 de Dezembro de 1970, ou então que seja informado da razão de, passados mais de seis meses, ainda tais elementos não me terem sido fornecidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Depois da apresentação de um requerimento, feito pelo Sr. Deputado Moura Ramos, não há mais nenhum orador inscrito para o período de antes da ordem do dia. Vamos, em consequência, passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei da liberdade religiosa. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Cotta.
O Sr. Almeida Gotta: - Salvo o devido respeito, a discussão na generalidade, segundo o nosso Regimento, deve incidir sobre a oportunidade e a economia das propostas ou projectos de lei.
Tem-se verificado, com frequência, que nesta fase da apreciação se invade o terreno da especialidade, comentando o articulado na sua forma e no seu fundo.
Não desejaria cair no mesmo vício e daí limitar-me, por agora, a tratar sumariamente dos princípios que orientaram a proposta em apreço, reservando-me para na especialidade me pronunciar sobre algumas das disposições que mereceram maiores reparos.
Nem na Câmara Corporativa, nem na comissão eventual, nem nos debates neste plenário se ouviram vozes discordando da oportunidade da medida legislativa de que nos estamos a ocupar. E questão, portanto, que deve considerar-se resolvida a contento de todos.
Mas julga-se do maior interesse e justiça sublinhar que foi o Governo quem tomou a iniciativa, sem solicitações ou sem pressões de ninguém, obedecendo sómente à atenção que têm de lhe merecer os fenómenos sociais, aqueles de que fundamentalmente se alimenta a vida das sociedades humanas. E de entre eles salienta-se, pelos valores transcendentes que comporta, o factor religioso.
Essa iniciativa caracteriza-se pelo equilíbrio das soluções propostas, mantendo-se na zona do respeito mútuo e do merecido interesse por todas as confissões religiosas, sem deixar de reconhecer o lugar especial que nesse quadro deve ocupar a religião católica, tradicional do País, sempre presente na história portuguesa e à qual tantos e inestimáveis serviços devemos.
Mas o reconhecimento dessa posição especial, que deriva ainda do exame do problema como fenómeno social, não pode levar o Estado ao confessionalismo, que, aliás, ninguém: pretende, pois outros factos, outros fenómenos, têm de ser considerados na justa proporção em que contribuem e participam na vida social. Nisto como em tudo o resto, o Estado é a entidade de que se espera a garantia da coexistência pacífica dos cidadãos, sejam quais forem os seus credos, a sua raça ou a cor da sua pele.
Nisto consiste a igualdade, que, em certa medida, é inimiga da liberdade, pois esta assenta sempre na razão directa das possibilidades de quem a exerce. Pode distribuir-se igualmente, mas não é igualmente utilizada ou gozada.
O Estado, portanto, ao estabelecer as condições do exercício dos direitos e das liberdades das pessoas, está a pugnar pelo princípio da igualdade real, em prejuízo de uma liberdade desigual. Só a lei pode estabelecer a justa medida entre estes dois conceitos fundamentais.
A proposta em exame foi acolhida como um exemplo dessa atenta observação entre o possível e o puramente especulativo e quantas vezes mirífico. A igreja católica, salvo nalguns pontos de pormenor, prestou justiça às suas intenções. As restantes confissões religiosas não puderam também deixar de reconhecer que lhes ficam devendo a resolução dos seus principais problemas: o reconhecimento como pessoas colectivas e o direito de todas
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exercerem o culto e as actividades próprias, em igualdade de condições, salvaguardada a sua representatividade.
Algumas, de tenra idade, acharão que o Estado deveria conceder esse reconhecimento, fosse qual fosse o número dos seus fiéis.
Eis o princípio da liberdade sem limites, que colocaria o Estado diante da obrigação de atender à proliferação de confissões, sem qualquer fundamento ou expressão válida na ordem jurídica e social. Fará isso chega a liberdade religiosa individual, que nenhumas peias põe ao exercício de práticas cultuais ou de crenças, desde que não ofendam os princípios que todos devemos observar, desde que, como se diz na Declaração do Episcopado da Metrópole, se respeite a ordem pública.
Depois, apareceram alguns testemunhos declarando que tudo estaria bem, resvalando pouco a pouco algumas vezes para a anotação de insuficiências notadas aqui ou ali, pretendendo demonstrar que o conceito de liberdade religiosa está intimamente ligado aos critérios da liberdade em absoluto.
Outros, porém, aceitam que um estatuto especial para a liberdade religiosa é aconselhável, embora com fundamentos diferentes daqueles que, em meu entender, nos devem orientar.
E assim caímos nos mesmos problemas e às vezes nos mesmos paradoxos.
Se quisermos seguir com segurança pelos ínvios caminhos da vida, convém estabelecer normas de comportamento individual e social em que todos sacrifiquemos alguma coisa para podermos salvar o essencial. E o essencial é a existência em comum em que temos fatalmente de viver, mas em que todos nos apresentamos com ideias próprias, que naturalmente julgamos as melhores. Como conciliar as posições individuais com as exigências da vida colectiva, de maneira a não a transformar num conflito permanente?
Pois será o Estado, que integra a generalidade dos cidadãos, que está presente em cada um de nós, quem deve, por nossa delegação, deter a autoridade necessária à prossecução dos fins da comunidade. Podemos ajudá-lo a traçar a rota do nosso destino e todos os dias o fazemos na medida das possibilidades de cada um. Mas não podemos impor-lhe as nossas soluções, porque elas podem estar em contradição com as sugeridas por outros.
Também não podemos supor que seremos o melhor dos árbitros para decidir essas questões, porque outros podem julgar o mesmo.
Pretendem estes descoloridos considerandos recordar que a complexidade dos problemas não pode ser resolvida de ânimo leve e sem a devida ponderação dos factos e das circunstâncias que neles concorrem.
De passagem durei, por exemplo, que foi feito um inquérito acerca de algumas das questões que a proposta encara e resolve, tendo-se apurado o extraordinário interesse dos pais em confirmar expressamente o acordo tácito estabelecido para os filhos frequentarem as disciplinas de Religião e Moral, um dos assuntos deveras debatido no seio da comissão.
Esse inquérito, ao que suponho, virá ainda a tempo de esclarecer os Srs. Deputados acerca de uma matéria que tanto interesse suscitou.
Em conclusão, direi, pois, que o Estado não pode ignorar os fenómenos sociais que o envolvem e, por isso, se debruçou sobre um dos mais importantes: o religioso. Mas pela mesma razão não lhe é possível ligar-se a qualquer deles, mas regulá-los em ordem a uma vida em comum pacífica e progressiva, e ainda, obedecendo aos mesmos critérios, nessa regulamentação não afasta os aspectos da sua importância, e daí o relevo dado à igreja católica, na continuidade de uma posição que sempre teve no nosso país, de uma acção que se projectou para além das fronteiras continentais, para levar a nossa civilização a outras gentes e a outros mundos, onde pontificou e floresceu mercê dos esforços dos seus mártires e dos seus santos.
Tudo foi, a nosso juízo, devidamente ponderado e considerado na proposta que temos presente e, por essa razão, salvo quanto às alterações que tive a honra de subscrever, lhe dou a minha aprovação.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito para a discussão desta proposta de lei na generalidade.
E não foi apresentada qualquer questão prévia tendente a retirá-la da discussão.
Considero, pois, aprovada na generalidade a proposta de lei da liberdade religiosa e iremos agora passar à sua discussão e votação na especialidade.
Acontece, porém, que acabam de entrar na Mesa numerosas propostas de alterações ao texto em discussão.
A fim de que VV. Ex.ªs as possam apreciar com um mínimo de tempo, foram já mandadas tirar cópias, que vão ser distribuídas em seguida.
Parece-me, no entanto, conveniente interromper a sessão para que VV. Ex.ªs possam inteirar-se dessas propostas antes que comece o debate na especialidade.
Em consequência, interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 16 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Tomou algum tempo à Mesa a classificação e ordenação das numerosas propostas ultimamente entradas, e é esta a razão da interrupção se ter prolongado mais do que eu desejaria.
Vamos iniciar a discussão e votação na especialidade da proposta de lei sobre a liberdade religiosa.
Está em discussão a base I, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE I
O Estado reconhece e garante a liberdade religiosa das pessoas e assegura às confissões religiosas a protecção jurídica adequada.
O Sr. Presidente: - Sobre esta base não há na Mesa qualquer proposta de alteração. Está em discussão.
O Sr. Alberto de Alarcão: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Alarcão.
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: A base I estabelece o princípio fundamental da liberdade religiosa.
Tal princípio figurava já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e mais claramente na
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Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 1948 pela Assembleia Geral da O.N.U., em seu
ARTIGO 18.º
Todos têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, isoladamente ou em comum, tanto pública como particularmente, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelo exercício de ritos.
Mas essa liberdade, que encontra correspondência no n.º 3.º do artigo 8.º da nossa Constituição Política:
Art. 8.º Constituem direitos, liberdades e garantias individuais:
[...]
3.º A liberdade e a inviolabilidade de crenças e práticas religiosas, não podendo ninguém por causa delas ser perseguido, privado de um direito ou isento de qualquer obrigação ou dever cívico. Ninguém será obrigado a responder acerca da religião que professa, a não ser em inquérito estatístico ordenado por lei;
não pode ser apenas uma liberdade de indivíduos, de pessoas individuais; nela se fundamenta a própria liberdade das confissões, das suas associações, das pessoas colectivas religiosas.
Ou não será a prática, os actos de culto, a vida religiosa, uma actividade humana eminentemente social?
Um e outro direitos reconhece-os, aliás, a Declaração do Concílio Vaticano II sobre a Liberdade Religiosa, ao formular em seu número
2. Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Tal liberdade consiste em que todos os homens devem estar imunes de coacção, quer da parte de pessoas particulares, quer de grupos sociais ou de qualquer poder humano, de tal maneira que em matéria religiosa ninguém seja obrigado a agir contra a sua consciência, nem impedido de actuar de acordo com ela, privada ou publicamente, só ou associado a outros, dentro dos devidos limites. Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, tal qual se conhece pela palavra revelada de Deus e pela própria razão. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa deve ser reconhecido na ordem jurídica da sociedade, de tal forma que se torne um direito civil. (Vaticano II. Documentos Conciliares. Constituições. Decretos. Declarações. Lisboa, União Gráfica, 2.ª ed., 1967, pp. 502-503).
Significa isto que a lei civil deve reconhecer e garantir um e outro direitos: liberdade das pessoas individuais, liberdade das pessoas colectivas, das confissões religiosas ou igrejas e suas associações. Com os deveres que todas as liberdades impõem, com as restrições que todo o direito comporta.
Mas deveres ou restrições justas, legitimadas.
É assim que «não nos agrada muito» - fazendo nosso o escrito de outrem - a palavra «protecção» empregada no texto, mesmo com o qualificativo de jurídica. É que a protecção do Estado foi precisamente o pretexto de que no passado
(e hodiernamente em certas mações) «muitas vezes os governantes se serviram para oprimir a igreja católica ou outras confissões religiosas e as quererem submeter ao seu domínio mais ou menos claro.
Por isso, preferiríamos, por exemplo, a palavra garantia (garantia jurídica) ou outra semelhante». [Leite (António) - Ainda, a Proposta de Lei sobre a Liberdade Religiosa, Lisboa, separata da Brotéria, 1971, p. 6.] Não estou pensando na presente situação histórica, mas o futuro ... a Deus pertence.
Pelas mesmas razões já havíamos intervindo ao apreciarem-se na especialidade as propostas de alteração aos antigos do título X «Das relações do Estado com a igreja católica e do regime dos cultos» ou, em nova formulação aprovada, «Da liberdade religiosa e das relações do Estado com a igreja católica e as demais confissões» da nossa Constituição.
Aí, se vier a ser promulgado quanto se aprovou:
Art. 45.º O Estado, consciente das suas responsabilidades perante Deus e os homens, assegura a liberdade de culto e de organização das confissões religiosas cujas doutrinas não contrariem os princípios fundamentais da ordem constitucional nem atentem contra a ordem social e os bons costumes e desde que os cultos praticados respeitem a vida, a integridade física e a dignidade das pessoas.
se consignam precisamente os direitos, liberdades ou garantias das pessoas colectivas religiosas.
Mas voltemos ao Homem, às pessoas individuais e aos seus direitos, liberdades e garantias em matéria religiosa.
Importa notar que se trata «de uma liberdade civil, isto é, liberdade externa e social, garantida pela lei, e não liberdade moral no foro da consciência» - antes liberdade do Homem, que é também obrigação pessoal, da procura de «o caminho, a verdade e a vida».
Trata-se, assim, de «uma obrigação moral, meramente no âmbito da consciência, em que o Estado não pode nem deve intervir, mas que sómente lhe cumpre respeitar. E respeita-a, garantindo a liberdade das suas manifestações externas» [Leite (António) - «A proposta de lei sobre liberdade religiosa», im Brotéria, Lisboa, 91 (11), Novembro, 1970, p. 474], desde que os actos não incorram em violação de princípios, direitos, liberdades e garantias de outrem, nem contrariem os demais preceitos fundamentais da ordem constitucional, da ordem social ou dos bons costumes.
Dou, assim, a minha aprovação com aquele pequeno reparo, sem grande importância aliás, na especialidade.
O Sr. Moura Ramos: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Ramos.
O Sr. Moura Ramos: - Permita-se-me, antes de mais, que formule muito sinceramente o voto de que a Assembleia, no decorrer destes trabalhos, consiga aprovar o que está certo e corrigir o que for disso carecido, levando sempre na melhor conta os direitos dos homens e das famílias, quando equacionados com a lei de Deus e os interesses superiores do nosso povo
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Afigura-se-nos que, para tanto, importa que não nos deixemos arrastar por fanatismos, quaisquer que eles sejam -os das liberdades ou os das confissões religiosas -, nem tão-pouco nos deixemos seduzir pelo sortilégio e magia de palavras tão em moda - diálogo, abertura, contestação, liberdade, democracia, etc., mas que, na maior parte das vezes, não têm em consideração as realidades sociais.
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O Sr. Bento Levy: - Apoiado!
O Orador: - Para apreciação desta proposta de lei, podemos afirmar que poucas vezes a Câmara teve ao seu dispor tantos e tão valiosos elementos de estudo como os que agora teve. Avulta, entre todos, o doutíssimo parecer da Câmara Corporativa, de que foi relator sério, esclarecido e competente o Prof. Doutor Antunes Varela, apresentando-nos um trabalho profundo de saber, de equilíbrio, inteligência e isenção- e que constitui um valioso documento para uma tomada de posição responsável no problema em debate sobre a liberdade religiosa.
Sr. Presidente: Está em discussão a base I, na qual se proclama formalmente o princípio da liberdade religiosa, que, embora sob designação diferente, já se encontrava consignado na Constituição Política. Não se trata, pois, de inovação. E que a situação é já de real liberdade atesta-o a falta de conflitos religiosos entre nós e ainda a existência e multiplicação de várias confissões.
Concebida como um direito natural que o Estado não cria nem concede, mas simplesmente deve acatar sem necessidade de reconhecimento prévio, a liberdade religiosa é encarada na proposta de lei em exame sob o prisma da não coacção e constitui, felizmente e desde há muito entre nós, uma realidade.
Coincidindo em grande parte com aquele que se dispõe no artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o conceito de liberdade religiosa veio a ser canonizado pelo Concílio Vaticano II e funda-se na dignidade da pessoa humana, tal como se conhece pela palavra revelada de Deus e pela razão natural.
Gerando o dever de o Estado proteger o cumprimento dos deveres religiosos, este direito da pessoa humana à liberdade religiosa tem de ser reconhecido no ordenamento jurídico da sociedade de forma que chegue a converter-se num direito civil, do tipo de um direito subjectivo, como sugere a Declaração Conciliar. Reconhecido e garantido tal direito à liberdade religiosa e os direitos dela decorrentes em relação à igreja católica pela Concordata de 1940, que, sem estabelecer regime de privilégios, lhe garantiu a liberdade de organização e de administração, vem agora, com a aprovação desta base, consagrá-la em lei em relação às demais confissões religiosas, propósito a que se não poderá negar aplauso, que, não obstante já ser prática actual portuguesa, traduz respeito e tutela da liberdade de opções religiosas pelo Estado.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem!
O Sr. Roboredo e Silva: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roboredo e Silva.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Começo por reafirmar nesta Câmara que sou católico praticante.
Só ontem à noite li um folheto divulgado pela Aliança Evangélica Portuguesa e confesso que me impressionaram certos esclarecimentos que ele inclui. Ora, como a liberdade religiosa é um direito natural das pessoas (Vaticano II); como todos os indivíduos são iguais perante a lei (Constituição), e porque a liberdade de culto deve ser igual para todos, afigura-se-me que: tendo a igreja protestante uma estrutura sui generis, a sua liberdade religiosa pode não ficar devidamente acautelada com a redacção apresentada, designadamente nas bases I e IX.
Todavia, limito-me a apresentar as minhas dúvidas, por estar seguro de que a nossa comissão eventual considerou a matéria e certamente me prestará esclarecimentos quê me convençam.
Parece-me, contudo, que em face da variedade de igrejas protestantes existentes em Portugal e do reduzido número de fiéis de cada uma delas, que, no entanto, segundo aquele folheto, englobam nove décimos do protestantismo português, talvez fosse de rever o texto das referidas bases.
O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª evocou agora a comissão eventual par s a liberdade religiosa, de que eu fiz parte. E eu queria esclarecer V. Ex.ª de que, naturalmente por não termos lido a tempo esse comunicado ..., esse folheto, dessa organização evangélica, talvez por isso, a base I foi votada por unanimidade.
O Orador: - Muito obrigado, mas eu completo o meu pensamento. Com o objectivo de contribuir para uma possível melhor solução, sugeriria para a base I qualquer redacção como esta, por exemplo, que, aliás, ainda receio não cubra o caso considerado, mas pelo menos daria à lei mais flexibilidade. Seria assim:
BASE I
O Estado reconhece e garante a liberdade religiosa das pessoas e assegura às confissões e associações religiosas o apoio jurídico apropriado.
Eu também não gosto da palavra «protecção», e já no artigo da Constituição sobre as missões ela ficou contra a minha vontade. Eu usaria a palavra «apoio» jurídico apropriado, em vez de «protecção» jurídica adequada.
Quanto à base IX, eu direi alguma coisa na altura própria, se estas minhas dúvidas forem realmente consideradas pela Assembleia.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Almeida Cotta: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Cotta.
O Sr. Almeida Cotta: - Não sei se os meus esclarecimentos poderão convencer o Sr. Deputado Almirante Roboredo e Silva, mas vou dar-lhos.
Conforme já aqui se afirmou, esta base foi aprovada por unanimidade. A protecção jurídica às confissões religiosas foi dada para todas, nas condições estipuladas nesta proposta de lei. Quanto às associações religiosas, se elas fazem parte integrante de uma confissão religiosa, está prevista a maneira como elas também podem obter o reconhecimento como pessoa colectiva. Se não fazem parte integrante de uma confissão religiosa, regulam-se pela lei comum.
E é tudo quanto me parece dever dizer para esclarecimento do Sr. Deputado Roboredo e Silva. Muito obrigado.
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O Sr. Roboredo e Silva: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Mas V. Ex.ª teve muito tempo para estudar o assunto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roboredo e Silva.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Peço a palavra.
O Sr. Roboredo e Silva: - E sómente para agradecer os esclarecimentos que o Sr. Deputado Almeida Cotta quis ter a bondade de me prestar.
O raciocínio por ele exposto certamente tem um fundo jurídico certo, mas não está realmente de acordo com o que se encontra escrito no tal folheto sobre a liberdade religiosa, da Aliança Evangélica Portuguesa.
Eu não vou necessariamente ler largas passagens deste folheto, porque todos VV. Ex.ªs o conhecem; mas ele diz, em certo ponto, assim:
Fundamentalmente, entende-se por confissão religiosa a exposição de doutrina de princípios de fé cristã. É um documento teológico, sem preocupação de organização material, etc...
E mais adiante:
Estão neste caso, em Portugal, as Igrejas Baptistas, as Igrejas Pentecostais, as Igrejas Irmãos, as Igrejas Independentes, que no seu todo representam cerca de move décimos do protestantismo português.
Confesso que receio que se vá criar uma situação bastante delicada a estas igrejas, e, dado o número elevado de fiéis - eu ia a dizer adeptos - dos protestantismo português, a minha primeira ideia era a de que a base I, em vez de se limitar a falar em «confissões e congregações religiosas», deveria acrescentar ainda «... e outras igrejas». Mas, de qualquer maneira, eu não vou, como disse, fazer qualquer proposta; limitei-me a pôr dúvidas à Assembleia, dúvidas que honestamente ficam ainda comigo. E receio que na regulamentação desta lei possam surgir depois problemas.
Quanto à base IX, como disse, apesar de tudo, na altura própria eu direi algumas palavras.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Sonsa Pedro: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pedro.
O Sr. Sonsa Pedro: - Quero dar a minha concordância às palavras que o Sr. Deputado Roboredo e Silva acaba de formular e lamentar que não tenha concretizado as suas ideias na apresentação de uma proposta de alteração. Tenho a impressão que haveria mais gente, nesta Casa, capaz de subscrever uma tal proposta.
Pergunto, simplesmente, se não seria, ainda, altura de a Assembleia reflectir um pouco mais sobre esta base e apresentar-se uma proposta de alteração, que seria depois discutida.
O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Ex.ª trabalha em regime de espoleta retardada ...
O Orador: - Mais vale devagar e bem do que depressa e mal ...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Veiga de Macedo: - Parafraseando, com a devida vénia, a primeira parte da inicial afirmação do ilustre colega Roboredo e Silva, direi que sou católico, mas, infelizmente, não pratico na medida em que devia. Deus me perdoe, pois!
Mas, de qualquer modo, não posso esquecer que estou aqui fundamentalmente como Deputado e, por isso, hei-de encarar os problemas ora postos à nossa consideração à luz desta minha posição de representante do País.
Posto isto, afirmarei apenas o seguinte sobre o preceito em discussão:
A base I da proposta de lei sobre a liberdade religiosa coincide, com uma pequena alteração de forma na parte final, com o texto sugerido pela Câmara Corporativa.
O projecto de proposta de lei, na sua base I, previa que «o Estado reconhece e garante a liberdade de nacionais e estrangeiros em todo o território português».
A Câmara Corporativa, porém, observou, a este respeito, que não há «qualquer justificação para consignar na matéria versada uma espécie de estatuto real ou local, que em todos os seus aspectos se sobreponha às soluções decorrentes dos princípios do direito internacional privado».
E depois de apresentar razões no sentido de afastar a referência a nacionais e estrangeiros, acentua a mesma Câmara que a fórmula «liberdade religiosa de nacionais e estrangeiros» pode dar a falsa impressão de que a liberdade, em matéria de religião, aproveita apenas aos indivíduos isoladamente considerados, às pessoas físicas, quando a verdade é que o princípio vigora igualmente, em muitos dos seus aspectos (culto público, propaganda, formação de ministros do culto, comunicações de ordens ou directrizes da autoridade eclesiástica, etc.), para as pessoas colectivas religiosas.
Por isso, e por outras razões que me dispenso de enunciar, darei o meu voto à base I em debate.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base I.
O Sr. Sá Gameiro: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Gameiro: - Face à dimensão religiosa da pessoa, o poder político pode adoptar três atitudes: o antagonismo, a indiferença ou o reconhecimento. O antagonismo conduz a uma confessionalismo de sinal contrário, que é o ateísmo oficial; a indiferença conduz à mera ignorância do fenómeno religioso, enquanto tal, que nessa óptica não terá disciplina jurídica própria e conduz à tolerância, que é um simples deixar fazer; o reconhecimento conduz à introdução, nas leis do Estado, dos poderes jurídicos e garantias necessárias para que a pessoa possa, livremente e por direito, como muito bem foi frisado, é um direito natural, prosseguir a sua dimensão religiosa com inteira liberdade.
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Até aqui, a situação que nós encontramos era, a partir de 1945, o reconhecimento expresso para a igreja católica, para a confissão católica, através das normas concordatórias que não são de simples tolerância, de simples deixar fazer, mas de atribuição de poderes juridicamente protegidos, em vista à satisfação dos respectivos fins, ou seja, de direitos.
As demais confissões, pelas razões, aliás, esquematicamente expressas no relatório da proposta, encontravam-se numa situação de simples tolerância; eram ignoradas.
A simples tolerância, em matéria religiosa, não satisfaz política e juridicamente, nem se coaduna com o direito natural da pessoa. A liberdade religiosa e os direitos em que a mesma se decompõe tem de ser tratados numa disciplina de justiça, que consiste no reconhecimento dessa liberdade e na atribuição - dos direitos correspondentes. E essa a óptica em que ela está encarada, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, já aqui citada, e na Declaração Conciliar sobre a Liberdade Religiosa, já aqui também referida
E nessa óptica também que se orienta a base da actual proposta de lei. O princípio de que se parte não é o de mera tolerância; é o princípio do reconhecimento jurídico da liberdade religiosa para todas as confissões, com protecção jurídica das pessoas e das organizações.
Congratulo-me que assim seja e, nesse sentido, dou o meu voto à base, reconhecendo, embora, que poderiam, talvez, os termos «reconhecimento» e «protecção» ser substituídos por outros mais felizes, tais como «promoção» e «tutela».
O Sr. Roboredo e Silva: - Tutela?
O Orador: - Tutela jurídica tem sentido técnico próprio. Não é a tutela que se destina a impor uma orientação, um domínio, mas, sim, a disciplina legal através do reconhecimento e disciplina dos direitos. A liberdade consiste em depender de leis justas.
Regozijo-me que assim seja, aprovando, como disse, esta base. Mas desde já friso que o princípio fundamental de reconhecimento jurídico de liberdade das confissões e das pessoas tem de conduzir necessariamente às consequências práticas da atribuição de autênticos direitos em várias outras bases.
Não se pode mais falar, em meu entender, e sendo esta base aprovada, em mera licitude que traduz simples tolerância, mas sim em direitos, ou seja, em poderes juridicamente protegidos, com vista à realização dos respectivos fins.
Tenho dito.
O Sr. Cunha Araújo: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Araújo, que, salvo erro, usa dela pela segunda vez nesta discussão.
O Sr. Cunha Araújo: - Não me esquecerei, Sr. Presidente.
O exercício de um direito natural, seja ou não seja direito natural das pessoas, é uma afirmação sempre de tolerância por parte do Estado que o reconhece.
Tenho dito.
O Sr. Sá Gameiro: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro, que também usa da palavra pela segunda vez.
O Sr. Sá Gameiro: - É apenas para um breve esclarecimento.
Quando se diz tolerância, e eu deixei-o bem expresso, entra-se numa óptica de simples deixar fazer ou mera permissão, sem garantir juridicamente a liberdade religiosa; e a questão tem a sua importância, pois que na própria doutrina da Igreja longamente se debateu a posição a assumir perante aquela liberdade.
No próprio Concílio surgiram duas posições antagónicas.
A primeira posição defendendo como direito próprio, único, ia a dizer exclusivo, como detentora da Verdade, a liberdade religiosa para a igreja católica; de tolerância, para todas as demais confissões.
Uma segunda posição, aquela que veio a triunfar no Concílio, negava terminantemente que houvesse, quanto à liberdade religiosa, diferença entre a igreja católica e as demais confissões e que as segundas houvessem de estar submetidas a um regime de simples tolerância.
Efectivamente, neste capítulo, a tolerância é necessária, mas não suficiente.
Como disse, aquela posição foi a que veio a vingar na Declaração Conciliar, ultrapassando-se a simples tolerância. É essa também a posição da nossa Constituição, designadamente do artigo 8.º, que garantindo a liberdade de culto a todas as confissões afasta a simples tolerância para as demais.
Tolerar é meramente consentir; depende de quem consente, e ida maneira como o permite, enquanto aquele que consente o faz quando quiser e como quiser. Isto é, em matéria religiosa como em matéria de quaisquer dos direitos fundamentais da pessoa humana, inadmissível. Inadmissível no plano teórico, inaceitável nos planos constitucional, legal e prático, visto que é essencial que se consagre a disciplina jurídica das liberdades através da atribuição dos correspondentes direitos, nas leis e nas práticas; isso não se fará se eles ficarem na dependência ou ao arbítrio ido Poder. Jamais o poder político em matéria de direitos fundamentais da pessoa se pode remeter a uma simples posição de tolerância.
Não pode esquecer-se que o fim principal do poder político é o serviço da pessoa; e não a servirá se em qualquer momento, partindo de uma posição de tolerância dos direitos fundamentais, puder eliminá-los, coarctá-los ou suprimi-los. Por isso me parece que nesta óptica não há que falar em simples tolerância. Congratulamo-nos, eu pessoalmente congratulo-me, pelo facto de assim não ser nesta primeira base. Haverá que extrair, pois, as necessárias consequências quanto aos demais preceitos.
Tenho dito.
O Sr. Cunha Araújo: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª deseja a palavra para explicações?
É que V. Ex.ª, não sendo autor do texto em discussão, não pode usar da palavra pela terceira vez.
O Sr. Cunha Araújo: - Se não puder usar dela de outra forma ...
O Sr. Presidente: - Mas é preciso que seja para explicações.
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V. Ex.ª não está nas condições regimentais, mas, enfim, também nisto tolerância. Dou a palavra a V. Ex.ª para explicações.
Espero que este tipo de tolerância não encontre divergências da parte dos Srs. Deputados.
O Sr. Cunha Araújo: - É para explicações e muito curtamente, Sr. Presidente.
Não preciso de recorrer a muitas palavras para dizer o que quero.
Entendo que o problema proposto pelo Sr. Deputado Sá Carneiro, em resposta às afirmações por mim anteriormente produzidas, não é de pôr, o que o prova justamente a proposta de lei em discussão.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra sobre esta base, pô-la-ei à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O número de emendas apresentadas, sobretudo durante a sessão de hoje, e lembrarei apenas quanto na base II, cuja discussão se seguiria imediatamente, são nada menos de três, aconselha a que se suspendam os trabalhos para que VV. Ex.ªs as possam meditar com a atenção conveniente.
Em consequência, vou encerrar a sessão. Marco a próxima sessão para terça-feira, dia 20, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão e votação na especialidade da proposta de lei da liberdade religiosa.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Fernando David Laima.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Henrique Veiga de Macedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
José João Gonçalves de Proença.
Luís Mana Teixeira Pinto.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Prabacor Rau.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria de Castro Salazar
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Redactor - Luiz de Avillez.
Requerimento
No seguimento do meu requerimento de 16 de Abril de 1971 e das considerações feitas antes da ordem do dia na sessão de 24 de Junho de 1971, requeiro que me seja fornecida uma relação discriminada de todas as transferências monetárias de Angola e de Moçambique para a metrópole, autorizadas durante o ano de 1970, referentes a lucros de sociedades comerciais com actividades naquelas províncias ultramarinas e a remunerações dos seus administradores e demais membros dos corpos gerentes.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Julho de 1971. - O Deputado, Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Proposta de emenda
Propomos que ao n.º 1 da base II da proposta de lei em discussão seja dada a seguinte redacção:
BASE II
1. O Estado não adopta qualquer religião como própria e as suas relações com as confissões religiosas assentam no regime de separação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Julho de 1971. - João Bosco Soares Mota Amaral - Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro - Francisco José Pereira Pinto Balsemão - Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias - Maria Raquel Ribeiro.
Propostas de alteração
Propomos que às disposições das bases da proposta de lei n.º 15/X a seguir enumeradas seja dada a redacção seguinte:
BASE II
2. Em matéria de reconhecimento e de garantia da liberdade religiosa, bem como pelo que respeita à protecção jurídica contemplada na base anterior, todas as pessoas e confissões têm direito a igual tratamento; poderão para outros efeitos ser consideradas diferenças impostas pela sua diferente representatividade.
BASE III
A liberdade religiosa compreende:
a) O direito de professar ou não uma religião;
b) O direito de não responder a perguntas acerca da religião que professa ou sobre
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se se professa alguma, a não ser, com carácter confidencial, em inquérito estatístico ordenado por lei;
c) O direito de exprimir convicções pessoais em matéria religiosa;
d) O direito de praticar os actos de culto e de observar o dia de repouso semanal próprios de qualquer confissão religiosa e de divulgar a respectiva doutrina;
e) O direito à assistência religiosa por ministros da religião professada, os quais poderão ser livremente nomeados e transferidos pela organização;
f) O direito a recebei- sepultura de harmonia com os ritos da confissão que se professa, segundo as disposições tomadas pelo próprio ou pelos seus familiares; g) O direito de os pais, ou quem suas vezes fizer, decidirem sobre a educação religiosa dos filhos menores de 18 anos;
h) O direito de instalar templos ou outros locais destinados à prática do culto;
i) O direito de reunião para a prática comunitária do culto ou para outros fins específicos das confissões religiosas;
j) O direito de organização das confissões religiosas e de constituição de associações para assegurar o exercício do culto;
l) A não discriminação por motivo de convicções religiosas, não podendo ninguém, por causa delas, ser perseguido, privado de um direito ou isento de qualquer obrigação ou dever cívico.
BASE V
1. O culto público das confissões religiosas reconhecidas que tenha lugar dentro dos templos ou lugares a ele destinados e a celebração dos ritos próprios dos actos fúnebres, dentro dos cemitérios, não dependem de autorização ou participação, podendo as capelas nestes existentes serem utilizadas pelos membros de qualquer confissão.
2. A construção ou instalação de templos ou lugares destinados à prática do culto só são permitidas às confissões religiosas reconhecidas, mas não dependem de autorização especial, estando apenas sujeitas aos condicionamentos e regimes genericamente estabelecidos na lei.
BASE VIII
1. A ninguém será lícito invocar a liberdade religiosa para a prática de actos que contrariem as normas legais vigentes ou que sejam incompatíveis com a vida, a integridade física ou a dignidade das pessoas ou os bons costumes.
BASE IX
2. O reconhecimento será pedido ao Governo, em requerimento subscrito por um número não inferior a 50 fiéis, maiores e domiciliados em território português.
BASE X
1. O reconhecimento pode ser revogado, a pedido do Governo, por sentença dos tribunais judiciais, quando se mostre que a organização como tal é responsável pela violação do disposto na base VIII, actua por meios ilícitos ou se dedica a actividades estranhas aos fins próprios das confissões religiosas.
BASE XII
1. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica pelo acto do registo da participação escrita da sua constituição feita pelos órgãos competentes da confissão religiosa reconhecida, apresentada na secretaria do governo civil do respectivo distrito, ou no Ministério do Interior, quando a actividade da associação deva exceder a área de um distrito.
2. Em caso de modificação ou de extinção de uma associação religiosa far-se-á participação e registo nos mesmos termos estabelecidos para a constituição.
3. A revogação do reconhecimento de uma confissão religiosa determina a extinção das respectivas associações religiosas e, bem assim, das outras associações ou das fundações que prossigam os seus fins ou que dela dependam.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Julho de 1971. - Sá Carneiro - Pinto Machado - Pinto Balsemão.
Propostas de eliminação
Proponho que sejam eliminadas as seguintes disposições da proposta de lei n.º 15/X:
BASE IV
(Eliminada.)
BASE XVI
2. (Eliminada.)
BASE XVII
(Eliminada.)
BASE XX
(Eliminada.)
BASE xx
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Julho de 1971. - Sá Carneiro - Pinto Machado - Pinto Balsemão.
Proposta de lei sobre a liberdade religiosa
Propomos que os n.ºs 2 e 4 da base VII da proposta passem a ter a seguinte redacção:
BASE VII
1. .....................
2. O ensino da religião e moral confessional nos estabelecimentos de ensino será ministrado aos alunos cujos pais ou quem suas vezes fizer não tiverem feito pedido de isenção.
3. .....................
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4. Fará o efeito, no acto da inscrição em qualquer estabelecimento público em que se ministre o ensino de religião e moral, aquele a quem competir declarará se o quer ou não.
5. .....................
Sala das Sessões, 16 de Julho de 1971. Teodoro Sousa Pedro.
Proposta de lei sobre a liberdade religiosa
Propomos que o n.º 1 desta base passe a ter a seguinte redacção:
BASE X
1. O reconhecimento pode ser revogado pelo Governo quando se mostre que a organização é responsável pela violação do disposto na base viu, actua sistematicamente por meios ilícitos ou se dedica a actividades estranhas aos fins próprios das confissões religiosas.
2. .....................
Sala das Sessões, 16 de Julho de 1971. - Teodoro Sousa Pedro.
Proposta de emenda
BASE XIV
1. As organizações correspondentes às confissões religiosas e as associações e institutos religiosos administram-se livremente, dentro dos limites da lei, sem prejuízo do regime vigente para as que se proponham também fins de assistência ou de beneficência fundadas, dirigidas ou sustentadas pelas mesmas organizações.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Julho de 1971. - A Deputada, Maria Raquel Ribeiro.
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