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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
ANO DE 1971 29 DE JULHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 131, EM 26 DEI JULHO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amilcar da Gosta Pereira Mesquita
Nota. - Foi publicado um suplemento ao n.º 116 do Diário das Sessões, que insere o parecer n.º 27/X da Câmara Corporativa (projecto de lei 5/X e proposta de lei n.º 13/X) acerca da lei de imprensa.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 22 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Santos Bessa falou sobre alguns problemas da lavoura do distrito de Coimbra.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta e do projecto de lei de imprensa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Agostinho Cardoso, Vás Pinto Alves, Prabacor Rau, Meneses Falcão, Pinto Machado e Montalvão Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 0 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 22 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alorcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Goste Pereira Mesquita.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte.
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João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos B essa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Bui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortes.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 22 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra no período de antes da ordem do dia o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Pretendi poupar a Câmara, nesta fase de sessões extraordinárias consagradas expressamente ao estudo e votação de leis da mais alta importância para a vida do País, à exposição de alguns assuntos que se prendem com a lavoura da região que aqui represento. Mas o aspecto que alguns deles revestem tem tal premência que eu II fio posso deixar de aproveitar esta oportunidade para os salientar aqui, embora muito sucintamente.
A testa de todos eles estão os extraordinários prejuízos que a agricultura do distrito de Coimbra, em várias nas, mas muito especialmente no baixo Mondego, sofreu com as inundações verificadas já depois de realizadas as sementeiras de milho e as sementeiras e as plantações de arroz. Contam-se por centenas os hectares cujas sementeiras e plantações foram totalmente inutilizadas, cujo
prejuízo monta, segundo os cálculos de técnicos e lavradores idóneos,. a cerca de 50 000 contos. São prejuízos que atingem uma multidão de pequenos lavradores que não têm resistência económica para os suportar. Nas condições de regime torrencial indisciplinado em que continua a manter-se o Mondego encontram-se as causas deste verdadeiro desastre. O clamor dos lavradores é perfeitamente justificado e o Deputado que eles elegeram traz a esta Câmara, por direito próprio e no momento oportuno, os ecos das suas queixas, reclamando do Governo, pelas instâncias competentes, não só o auxílio de que imediatamente carecem, traduzido em subsídio e revisão das suas contribuições neste ano agrícola tão tristemente assinalado, mas também o início das obras do Mondego há tanto tempo esperadas e pelas quais S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas e Comunicações se tem mostrado particularmente empenhado. Este assunto do aproveitamento do Mondego para fins múltiplos tem sido ventilado por várias vezes por diferentes Deputados e foi mesmo objecto de um aviso prévio dos Deputados por Coimbra numa das anteriores legislaturas e em cujo debate intervieram muitos outros que representavam diversos círculos da vasta bacia hidrográfica do Mondego. Vimos assistindo, com verdadeira mágoa e sérias preocupações, ao agravamento progressivo da situação, à destruição de uma riqueza portentosa da região, ao retardamento dos seus- progressos industriais, ao desalento e à descrença das populações que, infelizmente, julgam encontrar na emigração o remédio imediato para a solução cios seus problemas fundamentais.
Daqui renovo, em nome de toda a população da vasta região a beneficiar pelas obras do Mondego, o meu apelo veemente para que se removam rapidamente as dificuldades que têm impedido o início dos trabalhos e para que S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas possa anunciar ao País dentro em breve, como sei ser seu desejo, o começo desta obra fundamental do planeamento a realizar no Centro do País.
Outro assunto de muita importância para a parte alta do meu distrito, que eu tenho o dever de trazer à Câmara e não posso deixar de focar nesta intervenção, foi o que resultou dos fogos nas matas dos concelhos de Arganil, Lousa, Gois, Poiares e Pampilhosa da Serra - um problema a um tempo económico e político, que atingiu muitos milhares de contos de prejuízos e que comprometeu seriamente as economias de muitos proprietários daquelas regiões.
Da gravidade deste acontecimento, devidamente analisado pelo Governo, resultou a visita que S. Ex.ª o Presidentes do Conselho realizou à zona sinistrada, acompanhado dos Ministros e técnicos a quem o assunto dizia respeito, pouco tempo depois do sinistro, calcorreando terras calcinadas sob um sol abrasador, contemplando a extensão do desastre nos locais próprios e tomando,, ali mesmo, as medidas que se impunham. Podemos dizer que elas também aqui vieram rapidamente e em força! ...
Imediatamente, o Governo Civil de Coimbra, perante a necessidade de proteger as vítimas dos incêndios da especulação organizada por certos, madeireiros oportunistas e no desejo de coordenar a extensa acção a desenvolver, fez o apelo que lhe pareceu oportuno. A resposta veio pronta e eficaz, em admirável colaboração, numa conjugação de esforços verdadeiramente notável. Destaco a acção que tiveram a Secretaria de Estado da Agricultura, os serviços florestais, o Fundo de Fomento Florestal, a Direcção-Geral de Urbanização, a Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral e muitos dos próprios proprietários rurais. Mas é de inteira justiça realçar
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a notável acção de dois homens - a do engenheiro Vasco Leónidas, ilustre Secretário de Estado da Agricultura, que, com perfeita consciência da importância do desastre e da sua repercussão económica, social e política, estimulou os técnicos a quem competia realizar a obra, concedeu-lhes extraordinárias facilidades e facultou-lhes precioso auxilio; a outra coube ao regente agrícola Álvaro da Piedade Abreu, secretário-geral da Corporação da Lavoura e vice-presidente da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral. A actividade que este devotado técnico desenvolveu nesta emergência serve para demonstrar quanto vale uma excelente formação corporativa servida por uma inteligência esclarecida, por uma vontade firme e por extraordinária confiança em si próprio, coisas dignas de serem salientadas quando se verificam generalizações injustas de certas críticas e queixas de alguns sectores da organização corporativa.
Poupo a Câmara aos pormenores da execução desse magnífico programa então elaborado e rapidamente posto em marcha para me limitar a dizer que tudo foi resolvido:
Abertura de estradas e caminhos pelas encostas íngremes das serras, que permitiram o acesso aos variados locais atingidos;
Aquisição de tractores, de atrelados, de serras, de guinchos e descascadeiras;
O recrutamento do pessoal necessário no Alentejo;
Os cortes, os transportes e as dificuldades criadas pela extra divisão da propriedade;
Os compromissos financeiros da Federação dos Grémios da Lavoura;
Os adiantamentos em dinheiro feitos aos proprietários;
A comercialização das madeiras, etc.
E foi pena que certos proprietários, abordados por madeireiros especuladores, se tivessem precipitado com a venda das suas madeiras por preços ridículos, em locais de fácil transporte, pois isso, além dos prejuízos por eles sofridos, veio impedir o corte raso e a eito que inicialmente fora previsto e, assim, constituir mais uma séria dificuldade a vencer. Ficaram para a obra de cooperação os de pior localização.
Tenho para mim que desta obra outra há-de nascer, também de cooperação, como já o propôs a Federação dos Grémio da Lavoura - a de reflorestação das zonas incendiadas por acção conjunta dessa Federação, do Fundo do Fomento Florestal e dos próprios proprietários.
Aqui deixo, em nome de quantos foram beneficiados por este importante empreendimento, os louvores devidos aos que a levaram a cabo e o testemunho do seu reconhecimento e aqui deixo também o meu apelo para que a obra de reflorestação solicitada se não faça esperar.
E não posso deixar de dizer que esta experiência, notavelmente realizada, serviu também para destruir a ideia, amplamente generalizada, de que um incêndio da floresta corresponde à perda total da riqueza florestal atingida e é campo aberto à especulação desenfreada de madeireiros desonestos.
O que se fez nas serras da Beira pode aplicar-se nas demais regiões onde as florestas possam ser objecto de incêndios ocasionais ou criminosos.
E já que falo de madeiras e da sua incidência na nossa economia agrícola, quero deixar aqui uma palavra de muito apreço às intervenções aqui realizadas, com notável coragem e apurado sentido de oportunidade e de justiça, pelos nossos colegas Camilo de Mendonça, Moura Ramos e Pinho Brandão, bem como ao Governo, pelas providências então tomadas contra a organização comercial que se propunha explorar por novos métodos a nossa pobre lavoura nacional.
Sr. Presidente: Não me esqueço de que tenho de ser breve. Por isso mesmo, deixo para outra ocasião a apreciação de certas medidas tomadas recentemente pela Secretaria de Estado da Agricultura e, também, a análise da notável obra que a Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral está realizando naquela região, no sector dos lacticínios, que hoje beneficia 25 000 produtores; no estudo da estruturação do novo matadouro regional e industrial de Coimbra; na elaboração do projecto da nova e moderna fábrica de lacticínios da Beira Litoral; na instalação de um centro de contabilidade dos grémios da lavoura, das corporativas e dos próprios lavradores e que o será também de gestão da economia agrária; na fundação desse tão importante Centro Agro-Pecuária da Quinta da Capa Bota e da de Mucate, recentemente adquiridas para servir a lavoura, para a defender do intermediário, para a impulsionar, para aperfeiçoar os seus métodos de exploração, para colaborar no planeamento regional e para resolver tantos dos problemas que a realização da chamada «Obra do Mondego», II que inicialmente me referi, necessariamente há-de criar.
A aquisição destas propriedades é investimento de largo vulto em que se lança a Federação ao serviço da lavoura e com estusiástico incitamento e auxílio do ilustre Secretário de Estado da Agricultura.
A actividade notável desta Federação bem merece que a Câmara e o Governo a conheçam em toda a sua amplitude. Ela pode servir de modelo a outras regiões que aguardam oportunidade para empreendimentos semelhantes.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade do projecto e proposta de lei de imprensa. Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Cardoso.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por coincidência e amabilidade de V. Ex.ª, ao fim de dez anos de vida parlamentar faço hoje uma estreia. E que tenho o privilégio, por acaso, de ser o primeiro orador que quarenta e cinco anos depois do 28 de Maio sobe a esta tribuna, nesta primeira sessão nocturna, que desde então se realiza.
Talvez possa ver nela um sinal do esforço e da colaboração que se pede à Assembleia e que ela está a dar.
Sr. Presidente: Sou director de um semanário regional e VI já artigos meus rasurados pela censura.
Ao exprimir o que penso nunca tive em vista agradar ou desagradar o público, mas respeitá-lo e servi-lo.
Nunca adulei a opinião pública. Nunca constituí cartaz: nem o tive em vista. Verifiquei que algumas vezes, quando um conceito atingiu as massas, foi ultrapassado já por outro, ou entrou em caducidade junto das elites. Fiel desde a juventude a um conjunto de princípios cuja evolução no tempo procurei acompanhar, desconfiei sempre das palavras mágicas exibidas como estandarte perante as multidões, mitos que as embalam, dementam ou entusiasmam, mas não resolvem seus problemas.
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É uma dessas a palavra «liberdade», de quem Herculano já dizia não ser um meio, mas um fim, e que Mme. Roland, a célebre girondina, invectivou ao subir para o cadafalso em plena Revolução Francesa: «Liberdade - quantos crimes se cometem em teu nome?»
As liberdades - o uso desta palavra no plural tira-lhe o aspecto mítico e dá-lhe carácter realista -, as liberdades da pessoa, ia a dizer, que se deseja cada vez mais florescentes, encontram, como sabemos, seu limite no interesse comunitário, ou seja, ao atingirem, a- fronteira dia liberdade dos outros - tal como mo3 ensinam os «direitos do homem».
Tem-se dividido o mundo moderno em dois mundos:
O mundo socialista - que para lá da «cortina de ferro» ou de «bambu», com os satélites que o imitam ou para ele se encaminham nos diversos continentes -, o mundo socialista, dizia, cultiva o materialismo dialéctico, em que as liberdades pessoais se restringem em holocausto à comunidade endeusada como fim último de todas as coisas -, sob a égide do Estado e do partido, patrões do espírito e do corpo.
No mundo livre, como lhe chamam, há uma grande diversificação de ideias e atitudes, mas um pressuposto comum: o apego às liberdades pessoais.
Na corrida do progresso, procurar fortalecer as liberdades da pessoa humana no justo equilíbrio com a interdependência dos cidadãos e com o interesse comunitário - eis o ponto do encontro proposto a todos os homens, neste Ocidente ainda cristão.
É assim aspiração de todo o homem que as suas actividades se exerçam dentro das mais amplas liberdades.
Mas messe Ocidente, pátria comum das liberdades humanas, o progresso tem tido como preço, em certos aspectos, a restrição das liberdades individuais. O interesse comunitário, a promoção humana, a produtividade, a necessidade do trabalho em, equipa, a própria engrenagem social a que o progresso nos levou, cada. vez mais obrigam, de certo modo, a disciplina, restrição, método, obediência às regras, abdicação da vontade. Já não se pode atravessar uma rua onde e quando se quer.
E a liberdade de pensar, pelo menos em relação às massas, é às vezes condicionada pelo que as editoriais, a imprensa, as livrarias ou a rádio Lhe fornecem ou sugerem. A publicidade, a moda, a necessidade de gastar o que dá dinheiro ao produzir-se constituem pecado mortal da sociedade de consumo, onde os bens materiais a usufruir preocupam mais do que as coisas do espírito. O exercício das liberdades políticas continuas por força da complexidade da vida comunitária, do primado do social e do económico, a só poder exercer-se através da participação pouco directa de cada cidadão nas decisões muito genéricas da comunidade.
Sr. Presidente: Não nos traz acalentadoras lições à história da liberdade de imprensa em Portugal. À agitação que na 1.ª República ela fomentou - com assaltos aos jornais, mão impedidos pela polícia e tantas vezes aliciamento à subversão - sobreveio um regime de censura prévia, que começou por ser justificado pela necessidade de ordem nas ruas e da reconstrução do País, a saque. Continuou depois a tentar explicar-se pela necessidade de defesa do Estado a guerra de Espanha, a 2.º Guerra Mundial e o período de guerra ultramarina, que vem de 1961 para cá.
A saída do actual regime de imprensa obriga a uma educação progressiva da pena que escreve e da opinião pública que lê e ouve, em ordem ao bem comum e à paz comunitária serem servidos. E, sobretudo, para que nada se perca, quando se trate do interesse nacional, como a esmagadora maioria dos portugueses o entende. Compreende-se assim que seja proposta uma lei de bases genéricas e que entremos num período de adaptação, em que, por civismo, todos devemos colaborar. Todos - excepto os que por objectivo político pois tão interessados no quanto pior, melhor.
A legislação do «direito de imprensa» foi sempre difícil.
Em França, quando em 1881 se fez a primeira lei de imprensa, havia já quarenta e dois diplomas legislativos com as mais contraditórias disposições. Em 1959, no prefácio do Dictionnaire de Press, de Lucien Solal, lê-se que eram centenas os textos legislativas e regulamentares, e cento e vinte infracções diferentes podiam ser cometidas em relação a essas leis.
Não pode dizer-se, aliás, que seja reconfortante o panorama da liberdade de imprensa no mundo do nosso tempo. Ao lado do his master's voice dos países socialistas vemos os meios de comunicação nas restantes nações mais ou menos comprometidos ou enfeudados a grandes grupos económico-financeiros, com os seus interesses, alianças e limitações, a grupos políticos ou confessionais, à exploração anódina da publicidade.
O homem mão engagé e sem dinheiro, se não constitui «isca» publicitária, está inseguro de difundir o que pense, de fazer campainha contra determinado mal que detecte ou de bater-se por um ideal de justiça em que esteja empenhado.
A desenvoltura sarídica e livre do Canard enchainé ou ais cooperativas de jornalistas livres de interesses acessórios não são ainda florescência exuberante no nosso século. E na diversidade dos interesses em jogo, as leis de imprensa têm de adaptar-se a cada caso e a cada solução conjuntural, em ordem a aproximarem-se o mais que possam da justiça que sirva a ordem pública e o bem da comunidade nacional.
Há tempos, alguns milhares de católicos holandeses quiseram publicar nos jornais daquele país uma exposição que haviam dirigido à hierarquia. Fechadas quase todas as portas dos diários do seu país, conseguiram-no apenas em dois jornais secundários, de tiragem pequena e a título de publicidade paga. Não ia esse documento ao encontro da. moda progressista perante o público leitor - logo não era publicável pela grande imprensa comprometida.
Diz-nos, um pouco duramente, Luís Castelo num artigo da Brotéria:
De facto, rebus sic stantibus, a informação encontra-se hoje tomada entre as duas pontas de uma mesma tenaz: o dinheiro e o poder. O dinheiro a oeste, o poder a leste.
Certo homem da esquerda escrevia algures que liberdade de imprensa é igual a maturidade social e índice de desenvolvimento. Sem dar por isso, estava a chamar adolescentes e subdesenvolvidos aos seus amigos de além «cortina, de ferro» e a quantos querem utilizar a liberdade de informação para implantar a ditadura socialista.
Sr. Presidente: No testemunho de uma afirmação feita pouco depois de chegar ao Poder, o Sr. Presidente do Conselho trouxe, pela pasta da Justiça, à discussão pública e à Assembleia Nacional a lei de imprensa. Corajosa e coerente atitude, nas delicadas circunstâncias da actualidade nacional e da vida do Mundo!
Teve a proposta de ser corolário dessas múltiplas circunstâncias; representa uma evolução de base em relação aos quarenta anos de censura prévia. Tem de prever nos riscos da sua execução as reacções do jornalismo de
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todos os sectores e da própria opinião pública. Põe à prova o civismo destas duas forças. O projecto de lei dos Srs. Deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão representa contribuição de interesse, pela sinceridade das suas intenções.
A opinião pública, não o esqueçamos, é uma misteriosa força facilmente impressionável e que não é constituída só por intelectuais. Tem consciência e reacções próprias, as quais nem sempre representam a maioria numérica ou coincidem com as realidades e o interesse comunitário.
A formação e informação da opinião pública obriga os meios de comunicação de uma deontologia interior e exterior, onde predominem o civismo, o amor à verdade e o sentido de uma responsabilidade altíssima na hora do Mundo, em que eles são os factores principais da transformação de uma civilização de elites em civilização de massas, ao porem cada homem, em contacto com os outros homens e ao influírem decisivamente sobre as situações sociais, políticas e até religiosas.
É que a imprensa, como todos os meios de comunicação, não impulsiona apenas o facto bruto.
A interpretação dos factos, a valorização dos aspectos de que interessa tirar lição e a intencionalidade e saliência que se lhes dá conduzem, orientam e «comprometem».
O caso do «abominável homem das neves» ou do «monstro de Lockness» são índice da capacidade dos meios de comunicação em tornar verosímeis as maiores irrealidades.
É nesta panorâmica, e quando os jornalistas se procuram libertar dos males em que se debatem os meios de comunicação, que no nosso país vai ser votada a nova lei de imprensa.
Na hora do requiem pela censura, tenho de dizer que ela prestou ao País, em muitas circunstâncias, relevantes serviços. Não podendo ter ao seu serviço intelectuais de certo nível a todos os escalões, era desigual, inoportuna e muitas vezes paradoxal nas suas decisões.
Mas, como o futuro o demonstrará, ela fez, por vezes, a cobertura de muitos dos que a atacam, serviu muitas vezes de pretexto e explicação para a censura interna dos jornais; para justificar atitudes acomodatícias ou simplificar responsabilidades.
Se nenhuma lei é definitiva, esta menos o será, surgindo experimentalmente, em face da múltipla fenomenologia política e social a que me venho referindo.
Mais uma vez a Câmara Corporativa deu notável e minucioso parecer, na sequência de uma tradição respeitável e utilíssima. Fica este, como os outros, a constituir estudo doutrinário profundo e .documentação preciosa. A comissão eventual justificou plenamente, como as anteriores, um estilo de trabalho utilíssimo também. Fez síntese difícil e benéfica, clarificou a proposta de lei, dispôs melhor alguns assuntos, acrescentou uma base indispensável sobre o ensino do jornalismo e outra sobre a imprensa regional.
É pena que não contemple em qualquer das suas bases VDS giornalisti publicisti a que se refere a lei italiana, citada pela crítica do Sindicato Nacional dos Jornalistas.
Fico também com dúvidas se o cidadão é suficientemente protegido contra os abusos da imprensa - aspecto importantíssimo, sobretudo nas terras de província.
Houve quem falasse em «tribunais especializados», em vez dos tribunais comuns para a tutela destes casos. Até agora, as acções postas pelos ofendidos arrastavam-se, . algumas vezes, durante longos meses pelas três instâncias e acabavam as penas, suspensas ou não, por serem abrangidas por uma amnistia. Ora, o castigo do prevaricador neste caso, para ter efeito educativo, profiláctico, exemplar, e constituir justa compensação para o ofendido, tem de ser imediato. De outro modo, é quase inútil. As bases da lei permitem todavia regulamentação que firme neste (aspecto. Quero salientar a base da lei que se refere ao estímulo e ajuda à imprensa regional, submersa em enorme dificuldade. Presto nesta tribuna homenagem à valorosa pequena imprensa regional, sempre presente e sempre firme nas horas graves da Nação, chegando com sua reduzida tiragem ao âmago das pequenas terras e servida por homens que nela escrevem com sacrifício e idealismo. E fico por aqui. Nas actuais circunstâncias, tem-se sempre o complexo de ter-se falado de mais ou pouco utilmente. Uma referência final ao esforço do Governo para evitar os males da concentração excessiva das empresas jornalísticas e apoiar o profissional de imprensa na defesa da sua personalidade profissional.
Aprovo, pois, a proposta do Governo na generalidade. E termino, endereçando à imprensa do meu país as palavras que o cardeal Colombo dirigiu aos jornalistas em Janeiro de 1970:
Jamais a vossa palavra sirva ou encoraje a violência e o erro, mas antes seja semente e germe de amor e verdade.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Vaz Pinto Alves: - Sr. Presidente: Ouve-se, por vezes, dizer, nem sempre traduzindo uma realidade objectiva, que a liberdade está em crise e que o homem a vê limitada na sua livre expressão de pensamento.
O problema da livre expressão do pensamento tem evoluído no tempo através das diversas concepções históricas e das perspectivas que a estrutura comunitária lhe configurou, reconhecendo-se, desde há muito, e como património universal, a existência de um direito individual que legitima a liberdade de pensamento nas suas mais diversas formas. Ora, é evidente que, no contexto geral das liberdades individuais, o problema da livre expressão do pensamento assume uma relevância especial e o seu conteúdo não é isento de dificuldades, consoante o prisma pelo qual se encara e a tónica que se acentua. E por de mais evidente que, tal como no campo dos outros direitos humanos, a liberdade de cada um é limitada pela liberdade dos outros, e vice-versa, a fim de que a ordem e a paz floresçam no bem comum. A liberdade traz consigo o pluralismo, a diversidade, o esforço de compreensão, mas exige grande sentido cívico e responsabilidade.
Daí que não pareça exacto falar-se na crise da liberdade. É que o seu exercício, por exemplo através da livre expressão do pensamento, se exige como pressuposto prévio, a liberdade, não pode deixar de conter limites na sua manifestação, antepondo a sua função social ao livre alvedrio de cada um.
A lei há-de ter como finalidade o equilíbrio salutar do conjunto das liberdades, isto é, as de cada um em si mesmas consideradas e a sua relação com as dos demais, bem como a cooperação de todos, com vista ao bem do corpo social! Ora, se a liberdade de imprensa deve expressar uma função social, convenhamos que o que se terá produzido, por imperativos das realidades sociais, é ter-se transladado o centro de gravidade do campo individual - segunda a configuração do Estado liberal - para o social, como natural exigência de um Estado social do direito de configuração pluralista. Efectivamente, se o exercício dos direitos políticos se deve caracterizar pela participação das várias correntes de opinião, à excepção da anarquista e marxista-leninista, numa expressão consciente de busca
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de progresso para o País, parece também que a liberdade de imprensa, como manifestação concreta da liberdade política, há-de ter, como sua finalidade subjacente, os fins da solidariedade comunitária, e, como exercício efectivo da expressão das ideias, uma função social. Ora, se assim é, temos que a imprensa tem uma missão da mais alta importância na vida das sociedades, e quê é a de em termos gerais, informar e formar. A imprensa tem uma missão pública de fundamental significado ao ser instrumento de diálogo social. É através dele que pode revitalizar-se uma opinião pública e torná-la esclarecida e responsável. A informação torna o indivíduo mais rico ou mais pobre, conforme informe ou deforme.
Ela está por toda a parte, aperfeiçoando-se e expandindo-se com os novos processos e técnicas que a civilização pôs ao seu alcance. Se a informação é objectiva, séria, honesta e &ã, constituirá fonte de enriquecimento social e factor de .progresso. Se, pelo contrário, é sectária, deturpada e condimentada com insinuações, então ela constitui um meio de empobrecimento e dá lugar a uma opinião pública deformada. Sabe-se hoje dia importância da opinião pública nos Estados modernos. A sua formação equilibrada constitui largo factor de progresso e apoio para uma política de desenvolvimento económico e social e de progresso. A sua expressão deve balizar-se em termos do bem comum, que aos poderes constituídos compete salvaguardar e defender.
A complexidade da vida quotidiana dá lugar a uma constante sucessão de factos que requerem explicações e devem chegar ao maior número possível de pessoas, por forma a traduzirem e permitirem a participação. Mas os juízos que as pessoas fazem, em parte, são condicionados pela matéria da informação, o que implica, naturalmente, que a sua trajectória deva ser guiada pelo amor à objectividade, pela simplicidade e pela honestidade é evidente que não se pode falar em termos de verdade absoluta - essa ninguém a detém -, mas, se não se procura a objectividade e a verdade relativa, incorre-se em grave omissão: mais valeria que se calasse uma palavra ou opinião. Objectividade e simplicidade que, afinal, traduzam uma descrição e façam compreender aos leitores o significado das notícias ou dos comentários.
Não é missão fácil a procura incessante da verdade. Tem os seus escolhos, mas é tarefa que vale a pena, porque das mais nobres que ao homem se podem oferecer. Para ser objectiva, uma imprensa terá de ter como condição a diversidade dos órgãos da informação. Exige competição e pluralismo. A empresa comercial pode proporcionar uma imprensa independente, servindo ao público informações sãs e claras. O fim lucrativo não deve impedir a objectividade da informação. Seria a negação da sua missão se, infelizmente, recorresse a manobras desonestas ou procurasse o tipo de notícia escandalosa ou sensacionalista. À tendência do público em procurar o jornal da empresa deve corresponder-se-lhe com a subministração de uma informação verídica, séria e clara.
Por outro lado, a existência de uma imprensa do Estado não contende com a garantia da uberdade de imprensa. Não se .trata de competição entre a imprensa industrial e a do Estado. Simplesmente, num sistema liberalizante da imprensa não é de estranhar que assim aconteça. Ao lado da sua função doutrinária e de esclarecimento, também esta imprensa deve informar com objectividade e formar com inteireza, repudiando qualquer fim meramente propagandístico e sectário ou de fruição de poder.
O papel formativo da imprensa insere-se no da educação geral das massas populacionais. Sem educação não pode haver nem informação e, muito menos, formação. A educação é um investimento económico para o País e a sua maior riqueza pessoal e social. Enquanto uma sociedade não atingir determinado grau de cultura, o diálogo e a mútua convivência são difíceis. Os recursos culturais - disse Paulo VI - «são os primeiros obreiros do desenvolvimento, porque tornam o homem apto a empreendê-lo». Ora a imprensa também ela pode constituir poderoso meio de educação e formação, porquanto:
1) Contribui para a elevação do nível cultural do leitor, facultando-lhe, à medida que a cultura aumenta, crescentes possibilidades de avaliação dos problemas políticos, sociais, económicos e culturais que interessam ao País, o que vai exigindo informações mais profundas e documentadas.
2) Chama a atenção para a necessidade de uma maior consciencialização das ideias que tornam possível a formulação de juízos mais exactos e críticos. O leitor, através desta consciencialização, vai tomando posição quanto às notícias e informações que lhe são transmitidas e vai separando o que é falso e sensacional do que é espontâneo e objectivo.
3) Ao completar e comentar a informação da televisão e da rádio mais se projecta como meio eficaz da formação da opinião pública. Temos, em suma, que a imprensa com o objectivo que assinalamos é um factor imprescindível do desenvolvimento do País e contribui para a maturidade social de um povo. Planos de desenvolvimento económico e social, políticas gerais de educação e formação não serão, com a necessária profundidade, compreendidas pelos seus destinatários, e simultaneamente participantes na obra comum, sem uma satisfatória e adequada informação que permita entender os objectivos que se pretendem alcançar.
Sr. Presidente: A imprensa é uma actividade humana e, portanto, feita por homens.
E o resultado de muitas colaborações. Há que criar um sentido de responsabilidade de quem faz, dirige e lê o jornal. Este é uma obra colectiva. Mas os grandes obreiros são os jornalistas. Para uma imprensa exercer uma influência sadia e favorável na opinião do País, precisa de homens bem formados, capazes de exercerem uma acção benéfica e mansa sobre a opinião pública. Daí a necessidade de formar em profundidade os profissionais da imprensa. Os jornais serão aquilo que quiserem que o seja quem os dirige, os faz e os manipula. O jornal é o espelho de todo o corpo que nele trabalha. Não faltam exemplos de mau uso da imprensa com todo o cortejo de irresponsabilidades, deformações e ofensas, mister não descurar a responsabilidade e a formação pessoal dos profissionais ou de quem escreve. Uma escola de jornalismo torna-se tão necessária como qualquer outro estabelecimento de formação. Ali se poderá apetrechar o profissional para a vida dura do jornalismo com todo aquele material que constituirá a sua alfaia G o seu código de honra. A aprendizagem sedimentada na luta da vida é muito, mas não é o bastante. Requer-se um ensino e uma habilitação que faculte meios a quem é dotado de naturais qualidades e dons. Desenvolvê-los é contribuir para o desenvolvimento da sociedade, já que o binómio informação-sociedade não é por si cindível.
A boa imprensa - aquela que possa contribuir para um melhor futuro dos países- dependerá em grande, parte das boas intenções, da lealdade, do amor à verdade, da formação íntegra e da capacidade de quem faz os jornais, difunde notícias e cuida de dar ao leitor jus-
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tos e objectivos critérios para se poder avaliar dos factos (c) julgai1 muitas questões correcta e rectamente. Quer dizer, o objectivo é formar o homem, tanto o que emite como o que recebe.
Informar e formar são dois fins intimamente ligados e que a imprensa cumpre em uníssono. Se a informação é deformada, a imprensa não está a formar, mas a desorientar e a envenenar os espíritos e u própria opinião pública. Daí a necessidade de aprofundar e descobrir as causas dos fenómenos tão complexos dos nossos dias, de discernir o bem do mal, de não esquecer o público para quem se escreve ou informa naquilo que se diz e como se diz. Apontar erros e desvios, denunciar manobras ou negócios, «encorajar nas certezas sem se cair rio profetizo fácil ou no dogmatismo rígido em matérias opináveis» é, além do mais, o que pode dar a dimensão de uma imprensa e dos que a servem na sua tríplice finalidade: objectividade, honestidade e isenção. Uma outra função da imprensa é a de orientar. Dado o progresso das técnicas modernas, as informações voam hoje à velocidade da luz. A informação é dada de pronto pela rádio, pela televisão e até pelo satélite. São poderosos meios de comunicação social que entram em grande competição com a imprensa no mundo da difusão e das notícias. E daí que à imprensa vá cabendo uma outra perspectiva de interpretar e completar as notícias fornecidas por aqueles outros meios. É a chamada«imprensa explicativa», que não é de somenos importância. O leitor precisa que lhe expliquem os factos, que lhe subministrem uma opinião, de molde a extrair um comentário com uma mais completa garantia dos dados fornecidos. Hoje, os jornais de opinião que transmitem uma informação densa - densidade que não significa extensão, nas uma certa amplitude na selecção de notícias e comentários - parece ir aumentando na medida que mereça crédito ao leitor e contribua para a sua formação e capacidade de apreensão dos fenómenos que o rodeiam. Dizia Fernandez Areal, jornalista espanhol e director de um semanário, que um bom jornal não é aquele que se vende mais, mas aquele que influi mais, que goza de maior critério, que obtém mais prestígio, que possui meios próprios de informação e selecciona os materiais que lhe são presentes, sem que deixe de pressupor objectividade, isenção e identidade para além de uma boa preparação intelectual que está na linha, das novas gerações jornalistas. Mas há um ponto em que é mister insistir e esse é que a imprensa explicativa e de opinião seja reserva dos valores morais e espirituais: valores como a religião, a liberdade, a justiça, a paz, a solidariedade, o amor da pátria, a integridade dos costumes ao serviço do homem e da comunidade social.
Sr. Presidente: Uma opinião pública esclarecida é imprescindível na vida das sociedades: o Estado moderno - disse-o um mestre do pensamento e da política, Marcelo Caetano - não pode desprezar a opinião pública, mas também lhe é impossível deixar-se governar por ela. E acrescentaria o actual Chefe do Governo que a opinião pública pode desempenhar na vida do Estado uma função motora, uma função refreadora ou uma função sancionadora. Creio que aqui temos uma síntese feliz de uma autêntica e livre opinião pública. O problema está, todavia, em discernir essa autêntica opinião pública daquilo que é aparente e se manifesta como tal. Assinala-se hoje por toda a parte um fenómeno que configura uma tendência para levar a opinião pública a um permanente estado de contestação pela actuação de minorias ousadas, o que pode dar a ilusão de que se está perante uma corrente de opinião, quando o que se verifica é um estado de excitação, paixão ideológica, ambições não controladas, espírito contestatário, que nada constrói. Isto não representa nem configura uma corrente de opinião e tem de s>er combatido contrapondo-se-lhe uma política de informação e educação de massas que neutralize é vacine contra os perigos que representa a distorção da opinião pública. Hoje a sociedade tem de criar anticorpos que possam opor-se à onda de subversão que avassala o mundo. Mas uma correcta e esclarecida, opinião pública constitui expressão e compromisso social que o Estado não pode desconhecer. Há que apoiá-la e desenvolvê-la de modo que possa desfrutar de liberdade e expressar-se com responsabilidade. Não se pode governar por muito tempo contra a opinião pública, e a acção governativa é tanto mais eficiente quanto mais ampla aceitação encontrar na consciência colectiva.
Daí que não seja possível uma opinião consciente, um juízo válido, ou uma opção responsável, se as pessoas não estiverem suficientemente esclarecidas e habilitadas a entenderem os fenómenos que as rodeiam e os mais altos valores morais da sociedade.
Para tanto tem um papel preponderante a imprensa responsável e sedenta de objectividade.
E não quero deixar de introduzir uma nota sobre as exigências que a tutela dos bons costumes, da moralidade pública e, de maneira especial, a da adolescência e da juventude impõem à liberdade de imprensa e de publicações gráficas. O pudor e o recato são valores que não se podem deixar à mercê de mercenarismos e explorações interesseiras. A consciência pública tem de reagir contra, uma desenvolta ostentação de despreocupação neste capítulo de tão delicada sensibilidade. É dever indeclinável do Estado vigiar as publicações juvenis, revistas, folhetins, que. beneficiando da crise que o mundo atravessa, editores pouco escrupulosos lançam vertiginosamente no mercado com os ingredientes manipulados à feição de penetrarem nos espíritos impreparados das camadas jovens.
São aos milhares as tiragens deste negócio que envenena a juventude - a riqueza futura da Nação e na qual se hão-de basear os seus quadros dirigentes. Combater este flagelo social não é só papel do Estado, mas de todos os cidadãos, desde os educadores até à própria Igreja, na sua missão intemporal de formar almas e consciências.
Um outro problema ligado ao conceito de liberdade de informação é a sua independência perante as forças económicas. Loweel Mallet formulou u seguinte pergunta:
Quem detém a liberdade de imprensa?
A que de súbito respondeu:
Os proprietários dos jornais e ninguém mais.
Não quererei ir tão longe. Penso que ainda há quem se importe em vender notícias exactas. Mas também penso nos que pouco se importam com a finalidade primária de servir -os leitores e propagar a verdade, preocupando-se antes com outros negócios, na expectativa de que o jornal financiado se ocupará dos seus interesses. Ora é evidente que tais interesses colidem com o exercício da liberdade de imprensa e são a sua negação. Correríamos o risco de a opinião pública passar a ser informada e formada à sombra de interesses menos correctos e legítimos. Penso que uma autêntica consciência profissional e a força moral dos jornalistas possa ser séria barreira contra a prepotência dos que pretendam converter a imprensa em meio de atingir determinados fins pessoais. Uma imprensa livre não pode depender do poder do dinheiro, mas, antes, da consciência dos profissionais de jornalismo e de todos quantos lhe dão vida e alma. O
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movimento a caminho dos monopólios da imprensa parece-me que se reveste de alguns riscos que são por demais evidentes, e que a presente proposta encara e procura obviar.
Sr. Presidente: Entremos agora, em breves considerações, no segundo problema, que é o das limitações ao exercício da liberdade de imprensa. Esta não pode ser absoluta nem inconfinada. E antes uma Uberdade institucional, e por isso tem de ter, face à sua função social, determinados condicionalismos. Neste domínio há valores elevados e supremos que sobrelevam os meros interesses privados e que impõem que "a Uberdade de imprensa se confine a determinados parâmetros. Proteger a sociedade contra a imoralidade, o Estado contra as desordens internas e assegurar a integridade da Pátria exige restrições à liberdade de imprensa que não podem ser objecto de quaisquer dúvidas. Liberdade de imprensa não significará - todos o compreendemos - Uberdade de distorcer a verdade, de injuriar, de caluniar ou lançar boatos. Qualquer actividade humana tem de confinar-se dentro de certas fronteiras, que, desde que se ultrapassam, corre-se o risco grave de um plano inclinado e de perigosa vertente do espírito.
Daí que interesse a determinação concreta da esfera de liberdade em que a imprensa e a expressão do pensamento se pode mover. Quer dizer, não interessa, tanto a liberdade em si mesma, mas as condições ou circunstâncias que hão-de rodear o seu exercício.
Ora, à ideia de Uberdade de informação impõe-se o conceito de responsabilidade. Não me alongarei em tema demasiado debatido e que se sintetiza numa expressão que amiúde se repete: liberdade responsabilizada. Alinharei sómente duas ou três considerações. A primeira é que os males não estão só na abolição da censura. Alguém dizia que é a andar que se aprende a andar, ainda que se caia algumas vezes. As liberdades têm de se educar através do seu exercício. Não é tarefa fácil, mas é missão indeclinável da sociedade e que vale a pena se, na verdade, se pretende respeitar a pessoa humana. Mas, todavia, para conseguir o seu fim - o bem comum -, a sociedade política tem de pôr limites à liberdade, que não pode ser encarada em termos abstractos e fora de determinado condicionalismo. Há, como caminho a trilhar, que alargar paulatinamente o seu exercício atendendo «ao devir das circunstâncias condicionadas da sua expansão». Um período de censura prévia demasiado longo e outras deficiências podem não justificar que se ande apressadamente. Há, como disse o Sr. Presidente do Conselho, que «proceder a um trabalho de habituação à liberdade e à responsabilidade».
Para mim tenho que exigirá um certo número de premissas:
a) Preparação do público e da opinião pública para a confrontação e participação activa, consciente e responsável na vida política, social, cultural e económica do País;
b) Responsabilização das empresas proprietárias e sua compenetração de que estão ao serviço do bem comum, da verdade, da justiça, servindo a sociedade nobremente e conforme a norma moral;
c) Independência e objectividade dos jornalistas e de todos quantos colaboram na notícia ou estão nas fontes de origem, tendo em vista que os meios de informação não se podem transformar em veículo de discórdia ao serviço de grupos sectários, antes devem servir, como já acentuei, um nobre ideal de informai1 e formar a sociedade;
d) Que nas relações sociedade-informação é preciso ter em conta uma evolução das suas estruturas, no sentido de permitir um diálogo útil e responsável, e se submeta a normas deontológicas a espinhosa profissão de jornalista, que, nas palavras de Pirre Bourdan, deve ser «escrupulosamente regida pela dificuldade do seu acesso, o rigor das suas exigências, a severidade do seu código».
E não podemos esquecer a situação especial da defesa em que nos vimos empenhando desde 1961 nas nossas províncias ultramarinas.
Á guerra tradicional veio acrescentar-se o conceito de guerra psicológica, que está na, frente e na retaguarda. Sem uma retaguarda sã não há frente que possa resistir. Esta situação impõe reservas evidentes, a fim de evitar que se minem os fundamentos essenciais da mossa política ai coberto de companhias facilmente protegidas e financiadas por interesses antinacionais ou traições e deserções; solidarias.
E termino, Sr. Presidente, dando a minha mais completa adesão na generalidade à proposta de lei em apreço, que, nos termos constitucionais, contém as bases gerais do regime jurídico ida imprensa: o direito de acesso às fontes de informação, o direita aã sigilo profissional, o direito de publicação, o direito de constituição) de empresas editoras ou jornalísticas e o direito de circulação de impressos parca além da regulamentação dos limites e garantias da liberdade de imprensa, em moldes e critérios que considero progressivos e actuais. Proposta que revela, ainda, toda uma estrutura bem ordenada no seu contexto e no seu conjunto, e que dignifica o Governo, que não deixou de cumprir o propósito expressamente anunciado pelo Sr. Presidente do Conselho, na linha das reformas prudentes e corajosas em que se encontra empenhado para conduzir o País a inovas fórmulas nos caminhos da justiça, da paz e do progresso.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Prabacor Rau: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se a Assembleia Nacional trabalha sem pressas, como disse S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho na sua última comunicação ao País, eu que pertenço ao número de Deputados que pela primeira vez entram nas lidas parlamentares, não quero contribuir com o meu falar para a sua demora na apreciação e discussão das propostas de lei.
Porém, e em nome do eleitorado que represento, sinto-me na obrigação de dizer algo sobre a lei de imprensa em geral.
E que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a minha posição de Deputado pelo Estado Português da Índia não me permite, neste particular termo, um cómodo silêncio, sómente quebrado aquando da votação, porquanto à Índia Portuguesa cabe o lugar cimeiro na imprensa portuguesa não metropolitana, e esta verdade não significa desdouro pela outra nossa imprensa ultramarina.
De facto, fora de Portugal continental, foi em Goa que primeiro se publicaram jornais diários em português, em concanim e em marata, conferindo-lhe honrosos pergaminhos, não só pelos vultos ilustres das nossas letras que neles escreveram, como também pelo alto exemplo de portuguesismo que deram nas horas de provação.
Estou a lembrar-me do Heraldo, o mais antigo diário de Portugal de além-mar, que, recusando ofertas vultosas
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da União Indiana para se bandear para o seu lado aquando da ocupação de Goa, viu a sua redacção invadida e destruída, preferindo acabar do que vender-se a um importante grupo financeiro indiano, e trair deste modo Portugal.
Ao falar-se da imprensa portuguesa, não se pode esquecer aquele diário, das margens do Mandovi, que por Portugal lutou até à última gota de sangue, até que, em representação carnavalesca, simularam a sua execução na praça pública. Daqui presto sincera e emotiva homenagem ao Heraldo, cuja alma paira sobre os portugueses de Goa, mantedo-lhes o fervor patriótico nos momentos - e tantos são - de desalento. Disse alma, porque um jornal tem alma, sangue que é a vida do jornalista que para ele se transmuda e que desempenha uma das mais importantes e nobres profissões, que mais do que nunca tem de ser elevada à altura que lhe compete e sem a qual um povo se não pode dizer civilizado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os foros de sensacionalismo que se pretende dar ou se dá à lei da imprensa agora submetida a esta Assembleia são descabidos. Eu quase me atrevia a dizer que esta lei devia ser discutida e aprovada em segredo, para que o mundo, não dissesse que a liberdade da imprensa em Portugal estava sujeita a uma censura desajustada dos hodiernos tempos. De uma liberdade de expressão escrita subordinada a censores, a quem muitas vezes, e sobretudo fora de Lisboa, faltava senso para tal função.
A erradamente chamada imprensa regional é a que mais sujeita está ao critério dos censores, muitas vezes nomeados só porque são pessoas gradas, sem se cuidar se no campo intelectual e específico da imprensa estão à altura de tão importante e susceptível cargo.
Hoje, só os tiranos endeusados e os governos fantoches receiam a Uberdade da imprensa e nem tem cabimento o argumento fácil de que o povo mão está educado para uma lei da imprensa liberal.
Sem mais delongas que tornem morosa a discussão da lei da imprensa, reprovo a designação de «imprensa regional» mencionada no n.º 8 dos considerandos do parecer da comissão parlamentar, entendo ser de primordial importância a base VII do texto elaborado pela digna comissão parlamentar e aprovo na generalidade a proposta da lei de imprensa apresentada pelo Governo.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Meneses Falcão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão que está a preceder a votação que havemos de fazer tem ressonâncias fora desta Assembleia, por forma a sentirmos uma participação activa de sectores mais ou menos responsáveis da vida nacional no exame de um problema que apaixona pela bem definida curiosidade e mal contida ansiedade.
Apaixona auspiciosamente e já transporta paixões intempestivamente.
Mas valeu a pena abrir as portas ao diálogo que há-de ditar a cartilha de todos os diálogos. O que terá que haver é uma cartilha. Ainda estamos longe de poder regular o trânsito social por um simples código de honra ...
Há mais de vinte anos responsável em pequenas actividades jornalísticas, não é o meu amadorismo que me liberta da obrigação de fazer aqui um depoimento como testemunha de vista.
Aceitando a participação que nos chega de fora por diferentes vias e reconhecendo o mérito do contacto com, os sectores qualificados da opinião pública, não posso deixar de referir a impossibilidade de levar estas necessariamente curtas considerações para além do esquema que nos é posto na conclusão dos trabalhos que tiveram lugar na qualificada comissão nomeada para o efeito. Síntese feliz da doutrina expressa na proposta do Governo, no parecer da Câmara Corporativa e sem agredir o projecto de alguns Srs. Deputados, o texto elaborado pela comissão eventual parece-me perfeitamente enquadrado nas realidades do presente e muito próximo da satisfação das necessidades que todos sentimos a caminho do futuro.
Quem já teve escritos à sua responsabilidade - seus e de outros - rejeitados por quem não soube entendê-los, quem conhece de perto espíritos brilhantes traumatizados por um comando imposto à sua inteligência e à sua sensibilidade, quem acredita na liberdade responsável e na consciência das responsabilidades, quem pensa que a emancipação do homem está principalmente no sagrado direito de dispor de si com a liberdade que Deus lhe deu, facilmente aceita que é necessário fazer tudo para eliminar as grandes peias à liberdade de expressão.
O homem tem de aceitar o julgamento da sociedade organizada, mas, quando o homem se isola e por força da sua força pretende julgar o seu semelhante, corre o risco de ser injusto e até mesmo ridículo.
Este aspecto do problema não deve afastar-nos de outras realidades palpáveis, das chamadas tristes realidades.
Se é inconcebível a censura prévia onde os meios de comunicação e os diferentes formas de expressão do pensamento estão a cargo dais camadas moralmente responsáveis e se dirigem aos sectores cultural e intelectualmente capazes, mão seira menos certo que há necessidade de medidas preventivas onde a imponderação, a hipersensibilidade, a inconsciência da- inconsciência moral podem fazer estragos irreparáveis.
Todos nós sabemos da habilidade e subtileza com que alguns manejam a pena, embora sejam fontes de doutrina pouco defendidas de inquinações; e sabemos também quanto é difícil a outros sair bem de um diálogo facultado pelo direito de resposta, dado que não são dotados dê uma ginástica intelectual que acompanhe a sua sólida estrutura moral.
Não constituem raridade os casos de cidadãos traumatizados até ao colapso que os destrói fisicamente, quando batidos por uma argumentação poderosa, que nada é contra a sua independência moral, mas é tudo no consenso geral, que tontos vezes hipoteca o que é sólido àquilo que é brilhante.
A punição da Calúnia pode destruir os suas causas, mas não elimina radicalmente os efeitos.
E é assim que me parece que nos sectores mais vulneráveis à adulteração do conceito de liberdade de pensamento a censura prévia, como medida preventiva, tem funcionado como mal necessário.
Esta afirmação pode parecer contraditória das considerações já feitas e da aprovação que faço, com pequeníssimas reservas, ao texto da proposta, com os oportunos retoques que lhe foram dados, sem deixar de confirmar o meu apreço pelos propósitos do projecto n.º 5/X.
E que eu vejo no diploma que vai sei- votado porta aberta para uma experiência a que a Nação tem direito. , Podem alguns dizer que a mesma porta fica preparada para girar nos gonzos, com possibilidade de voltar a uma limitação da abertura. Se assim acontecer, será por culpa de quem queira passar em atropelo.
Vejo, ainda, não uma eliminação para e simples de quaisquer restrições num exame prévio, mas uma criteriosa e oportuna transferência de responsabilidades nesse exame.
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O censor passa a ser o cidadão que fala, escreve e divulga de qualquer modo.
Conta-se com ias suas fornias de consciência moral e psicológica.
Para os menos preparados ou esclarecidos, açode-nos a responsabilidade que é acompanhada pela autoridade dos directores das publicações.
Não será necessária a censura oficial, mas nem por isso a conveniência ou inconveniência, daquilo que se escreve deixa de passar por uma fieira, agora nas mãos de profissionais que hão-de ser qualificados com a sua. hierarquia para garantir o aperfeiçoamento dos juízos de valor.
É oportuno dizer que podemos gabar-nos no nosso país de um escol de jornalistas dos mais isentos de que se tem notícia através das notícias que chegam de fora.
Mas a grande e a pequena imprensa não são feitas só por elites, e na pequena imprensa nem mesmo a formação profissional existe com significado tranquilizante.
E altura de louvar os propósitos da base XXIII do texto recomendado pela comissão eventual, onde se reconhece a necessidade de estimular e apoiar a. missão dos jornais de publicação regional não diária, mas diariamente alimentados pelas particularidades de uma vida social que toca profundamente a sensibilidade das populações, particularmente receptivas à discussão dos problemas que constituem a raiz das preocupações do seu dia a dia. Na sua missão, mais formativa do que informativa, a imprensa não diária de âmbito regional, pelas suas características, bem pode classificar-se de instrumento de comunicabilidade de necessidade primária no trabalho de mentalização de um grande sector das populações para uma participação cada vez mais activa e consciente na vida publica.
É aí, nas pequenas publicações regionais, que o director, no seu papel de censor, tem uma missão da maior importância pelas situações que tem de enfrentar.
Limitar o direito de exercer a direcção de jornais, principalmente nos não diários, até ao ponto de eliminar. 90 por cento das possibilidade de obter um director, como se preconiza até em organismos responsáveis, parece-me posição muito, fora do sentido das realidades, com a agravante de constituir uma agressão aos direitos que se .pretendem acautelados. É assim, muitas vezes, que funciona o jogo da concessão e reclamação de liberdades.
Termino as minhas considerações com a afirmação de grande surpresa por ter lido um apelo vindo até nós, no sentido de que a «Assembleia Nacional devolva ao País uma imprensa livre, objectiva e séria» (!)
Devolver uma imprensa objectiva e séria ?!
Se o País a não tem, quando é que a teve e quem lha usurpou, para que agora possa ser devolvida?
A seriedade e a objectividade não se dão, não se retiram nem se devolvem.
São atributos do homem sério e objectivo. Ou usa ou não usa deles.
Está, portanto, na sua mão dar à imprensa seriedade e objectividade ou não lhe dar coisa nenhuma.
Saibamos localizar responsabilidades.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Ao assumir, enquanto Deputado, funções políticas, não renunciei, nem podia, nem devia, nem havia necessidade de o fazer, a nenhuma dimensão da minha formação universitária, mormente no que respeita ao processo de conhecimento disciplinado pelo. método científico, com todo o seu rigor teórico é exigente aplicação, a cada sector particular da realidade.
Significa isto que, por exemplo, procuro ir à raiz das questões, à sólida referência primeira, elaborando a partir daí o pensamento e aferindo os diversos passos do processo pelas normas da lógica e do testemunho tantas vezes desconcertante da realidade.
Creio, de facto, que o método científico não deve ser estranho à elaboração do pensamento político em sua substância estratégica. O mesmo dizendo quanto à sua concretização, que para ter êxito tem de reconhecer a realidade tal qual é, e não segundo se gostaria ou quereria que fosse.
Com estas palavras, Sr. Presidente, não só esclareci a Assembleia quanto ao eixo por que analiso o projecto e a proposta de lei em discussão, como desde logo me situo no preciso enquadramento do debate na generalidade, segundo o consigna o Regimento.
Não vou fatigar a Assembleia repetindo declarações já aqui proferidas.
Pretendo apenas, muito brevemente, apresentar algumas linhas fundamentais do que poderia chamar-se a filosofia de uma lei de imprensa. E como tudo aquilo que se refere a qualquer actividade humana, esbarramos logo (quando queremos precisamente partir da raiz) numa questão fundamental: o homem. Quem é; como é. Creio que a busca da resposta a estas duas perguntas nucleares e o que se encontra como resultado dessa busca definem com precisão a história. A história da vida de cada homem, a história das nações e a história das civilizações.
Realmente, a resposta a estas perguntas tem decidido e decidirá destinos individuais, destinos nacionais e destinos de civilizações inteiras.
Sem de maneira nenhuma pretender agora fazer alarde de erudição que não tenho e que estaria descabida num debate de natureza essencialmente política, creio, contudo, não ser bom recordar as grandes Unhas de pensamento ao longo dos séculos nesta matéria.
Para os gregos primitivos o homem era uma parte do universo, projectava-se nele, e a sua razão de ser e as normas para a sua existência seriam encontrarem a sua harmonia na imensidade do cosmos.
Depois, vem o pensamento aristotélico de que o homem é parte, não sujeito, nuas parte, da comunidade política da cidade. E é na cidade e na participação na vida da cidade que encontra a sua razão de sei- e que só justifica a sua existência.
Saltando séculos, e saltando, portanto, sobre a grande nova que o cristialismo trouxe, encontramos nos séculos XVII e XVIII o individualismo liberal a dar ao indivíduo um valor absoluto, o que implicava que os outros indivíduos seriam, para cada um considerado concretamente, objectos que, conforme a sua capacidade (entendida tanto do ponto de vista intelectual, do ponto de vista político, como do ponto de vista económico), utilizaria pana seu benefício.
É sabido que o individualismo liberal, que já hoje, salvo erro, foi aqui referido, surgiu como reacção ao absolutismo do Estado personalizado rio rei. A esperança que trouxe de uma libertação do homem, de cada homem concretamente considerado, e os valores que introduziu na história não tiveram, na sequência da mesma, aquele êxito que os seus paladinos esperavam. Na realidade, o liberalismo acabou por impor a lei do mais forte e., em vez da libertação, veio trazer a opressão dos que não podiam pelos que podiam.
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Depois, já neste século, e como reacção a este mesmo liberalismo, vem a estruturação de sociedades obedecendo ao princípio de que cada homem não vale em si mesmo, vale como parte ou átomo de um todo, que para o fascismo é nação, para o marxismo é classe proletária. Também aqui o homem não encontrou naturalmente o seu espaço indispensável de liberdade ao serviço de proclamados interesses colectivos, foi manipulado como mero objecto. Não admira que, particularmente a partir do fim da última grande guerra mundial, ressurgisse com pleno fulgor a concepção personalista cristã do homem. Cada homem é uma pessoa, ser inteligente; inteligência cujo sentido é busca da verdade, que tem como alavanca de acção a vontade e que implica necessariamente a liberdade.
Sendo cada homem pessoa responsável, integralmente, pelas suas opções, ele é essencialmente autónomo, o que de nenhum modo permite identificar esta concepção personalista com a concepção individualista.
Para o personalismo, embora cada homem seja efectivamente autónomo, e na medida que em cada um reside integralmente toda a natureza da pessoa humana, contudo, não por fatalidade, mas por imperativo da sua própria natureza, ele vive e convive com os outros homens, cada um dos quais como pessoa também.
As relações sociais estabelecem-nos assim num tecido de dar e de receber entre pessoas, isto é. estabelecem-se numa base personalizada de comunicação. Por isso, no plano dos princípios evidentemente que na prática as coisas não se passam com a mesma facilidade -, é inaceitável que se diga que a liberdade dos outros limita a minha liberdade ao contrário.
O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Almeida Garrett: - Se V. Ex.ª me consente, eu queria fazer-lhe uma pergunta.
Tenho-o ouvido com o máximo interesse, embora V. Ex.ª tenha feito uma prévia declaração de humildade, relativamente à sua exposição no plano científico ...
O Orador: - Á declaração foi sincera.
O Sr. Almeida Garrett: -... nomeadamente quanto ao problema das relações sociais e da comunicação. E é nesse ponto que eu queria pedir um esclarecimento a V. Ex.ª, parque ele é decisivo para poder acompanhar, em toda a sua dimensão e em todas as suas implicações, o raciocínio de V. Ex.ª
O pedido de esclarecimento é este: se as palavras que V. Ex.ª tem dito nos últimos momentos significam que a sociedade, como trama de relações sociais e certos processos da comunicação interpessoal - e até aí todos estamos de acordo e de acordo estão todos os autores de ciências sociais, como V. Ex.ª sabe -, se orienta apenas por aquilo que os sociólogos chamam orientações individuais, depreendo, aparentemente pelo menos, que as suas considerações se enquadram dentro de uma corrente muito difundida, mas talvez não perfeitamente actual
- desculpe que lhe diga - da famosa interdependência não planeada.
Como V. Ex.ª sabe, toda a orientação de interdependência não planeada, tendo como base a teoria muito conhecida de Darkheimm, é no sentido de cada homem, pela sua própria natureza, que busca as relações interpessoais, como processo de realizar, mais perfeitamente em sociedade, os seus fins próprios.
Ou seja: que a sociedade tenderia a ser orientada, fundamentalmente, por finalidades individuais. Portanto, a sociedade, como grupo, seria orientada por orientações individuais, e não por orientações colectivas.
Hoje, no pensamento das modernas escolas de filosofia, nomeadamente a escola norte americana, o que se acentua é que a sociedade, como grupo, se orienta para além das puras orientações individuais, fundamentalmente por valores colectivos.
Eu queria que V. Ex.ª precisasse o seu pensamento sobre isto, se fizesse o favor.
O Orador: - Muito obrigado pela intervenção do Sr. Deputado Almeida Garrett, porque me dá oportunidade de realmente, esclarecer aquilo que penso sobre isso, pois tem, evidentemente, a sua importância.
Devo, em primeiro lugar, dizer que não sou, como V. Ex.ª sabe, de maneira nenhuma um perito em ciências sociais.
O Sr. Almeida Garrett: - Eu também não ...
O Orador: - Mas tem mais obrigação de sê-lo do que eu ...
O Sr. Almeida Garrett: - Desculpe-me, obrigação não é o termo, pois sou um economista, não um sociólogo.
O Orador: - Mas está muito ligado, necessariamente. Senão seria um tecnocrata ...
Não gosto do termo «indivíduo» (isto não é uma opinião subjectiva), mas sim do termo «pessoa».
A pessoa é um sujeito inalienável enquanto tal, e isso é perfeitamente claro para o cristão.
Cada homem será julgado individualmente pelo que fez, pelas opções que tomou. Não será julgado em grupo. Simplesmente, embora, como eu disse, a natureza humana exista toda em cada homem - não em grupos -, contudo, faz parte da natureza do mesmo homem a vida de relação com os outros homens, tomados também enquanto sujeitos, relação esta tomada neste sentido, que não era, efectivamente, de nenhum modo, a do individualismo liberal. E, por isso, perfilho integralmente quer os documentos dos últimos Papas, quer do último concílio, no sentido de que a sociedade está ao serviço da pessoa e que o bem comum - como lá se define - é precisamente o conjunto das condições que permitem a cada homem a sua realização integral, realização que inclui, necessariamente
- mais do que inclui - vai ter a sua máxima expressão no serviço livre de cada um aos outros, aos outros tomados como seres livres. Eu creio que teríamos uma ideia muito clara do que seria um mundo sem liberdade, um mundo em que as descobertas recentes da genética, no nível bioquímico, por um lado nos abrem possibilidades extraordinárias, no sentido de extinguir muitos males, mas ao mesmo tempo possibilidades terríveis de fazer homens autómatos - o que me faz lembrar «O Admirável Mundo Novo», do Huxley. Começa a ser possível fazer-se isso...
Esse mundo, em que o condicionalismo já nem viria dos meios de comunicação: vinha do próprio código genético manipulado pelas possibilidades que a ciência oferece. Profunda desumanização a de um mundo desses.
Por isso, eu dizia que, no ponto de vista dos princípios - embora na prática a questão, evidentemente, não se passe com essa facilidade -, para que a minha doação seja verdadeiramente humana, isso implica que os outros tenham a liberdade ou não de a aceitar.
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O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça o favor.
O Sr. Almeida Garrett: - Desculpe-me a impertinência de insistir.
Encantado pela explicação que deu sobre a sua posição - que eu respeito, e de que, porventura, até partilho -, mas isso não responde à minha pergunta, com o devido respeito ...
Não responde, porque o que eu perguntei a V. Ex.ª foi se entendia, pelas suas considerações, que se podia concluir que, numa sociedade, há fundamentalmente - e apenas - orientações individuais.
Isto é mais importante do que V. Ex.ª pode julgar como impertinência da minha parte. É mais importante por isto: porque tanto quanto me apercebo, se V. Ex.ª insistir em concluir daí que só há orientações individuais, no sentido das orientações indispensáveis, como orientações individuais, à realização da pessoa, e não há outro tipo de orientações que porventura sejam compatíveis e até sejam instrumentais, relativamente à realização da pessoa ...
O Orador: - Ah! Inteiramente de acordo ...
O Sr. Almeida Garrett: - Então estamos muito mal!
O Orador: - Pois! Instrumentais ...
O Sr. Almeida Garrett: -... porque, então, a frase a propósito da qual eu interrompi V. Ex.ª - e que era a da limitação das liberdades individuais - era uma expressão perfeitamente deslocada, não só perante os factos, mas até perante as ideias. E era isso que eu queria que V. Ex.ª fizesse o favor de me explicar para eu poder seguir o seu raciocínio ...
O Orador: - Bom! Está explicado?
O Sr. Almeida Garrett: - Não, não está! Deve ser culpa minha, mas ... não está!
O Orador: - Eu supunha que sim, quando V. Ex.ª empregou a palavra «instrumental» ...
O Sr. Almeida Garrett: - Pois, pois, instrumental ...
Mas é porque, se não for assim, V. Ex.ª compreende que, quando se fala em fins nacionais, quando se fala em valores nacionais, quando se fala em valores históricos, V. Ex.ª redu-los todos a valores individuais ...
Eu, quanto a isso, é que não posso, de maneira nenhuma, estar de acordo!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado: O problema está misto, os valores, ditos nacionais, são-no autenticamente, se efectivamente têm valor intrínseco, se contribuem para a plena realização de todas as faculdades que cada membro da comunidade nacional transporte. Custar-me-ia conceber que num plano teórico, porque teria então que admitir uma concepção transpersonalista, que houvesse qualquer valor considerado colectivo que de se próprio fosse atrofiador ou inibidor da autêntica expansão de cada membro da comunidade.
Portanto, isto dava uma conversa muito interessante, mas talvez agora deva continuar.
O Sr. Almeida Garrett: - Eu só pedia que V. Ex.ª, ao continuar, não dissesse, portanto ...
O Orador: - Continuando, eu dizia que nesta ordem de ideias a comunicação está para a comunidade social como o aparelho circulatório está para o corpo humano. É ela que permite que cada homem proporcione à comunidade de que faz parte todas as riquezas que brotam da sua originalidade criadora e que permite a cada homem, também e em sentido inverso, receba e se enriqueça com as criações dos demais.
A comunicação, que tem a sua expressão mais nobre na comunicação directa, aquela que estamos aqui a realizar, por intermédio desta maravilha que é a linguagem humana, que o progresso tecnológico permitiu, graças à imprensa, à rádio, à televisão, agora com as possibilidades que os satélites abrem, que se estenda em determinado momento a partir de um emissor às dimensões de toda a terra.
A importância essencial dos meios de comunicação social é serem condição indispensável de realização humana.
Marcando nesta importância certas tónicas com particular interesse, para este debate, eu gostaria de referir duas, de resto já aqui largamente invocadas e, portanto, abstenho-me de não as desenvolver: os meios de comunicação social como instrumento de participação política; gostaria de acentuar este último pela ênfase com que o digo, não pelo desenvolvimento que lhe vou dar, que é a importância .que cada vez vão assumindo mais ou deverão vir a assumir como meios de defesa de um mínimo que seja de espaço liberdade de cada um, cada vez mais reduzido, num mundo em que a organização estadual e empresarial o vai reduzindo, quase que diria à sua expressão mais simples.
Dos meios de comunicação social o mais importante é sem dúvida nenhuma a imprensa, veículo de informação, de opinião, de expressão, de participação.
Daí, necessariamente, que tudo o que a ela imprensa diz respeito deve merecer atenção particular dos poderes públicos, visto que, estando os meios de comunicação social ao serviço das pessoas e sendo a função dos poderes públicos proporcionar e facilitar as condições que permitem a autêntica e integral realização das pessoas, evidentemente que de nenhum modo a imprensa, e tudo o que lhe diz respeito, lhe pode ser estranha.
Numa sociedade utópica, de homens santos, não seria precisa a lei de imprensa nem qualquer lei. Numa sociedade de homens concretos, mas em que, fruto de uma educação autêntica, o civismo atingisse um nível alto, embora com as naturais imperfeições inerentes à natureza humana, poderíamos admitir que aquelas normas gerais, que regulam a vida social, bastariam para enquadrar devidamente a actividade da imprensa. Numa sociedade totalitária, talvez não seja necessária a lei de imprensa; a imprensa é propriedade do Estado; o Estado é a parte de todo o poder e de toda a lei; efectivamente, não seria necessária qualquer lei de imprensa. Nas sociedades em desenvolvimento cívico, parece indispensável a existência de um estatuto próprio que assegure, então das limitações de que qualquer lei é capaz, tanto quanto possível, que a imprensa realize a sua função social.
Quando se assiste (e também já tem sido aqui acentuado) à evolução das sociedades modernas em que, e em resultado em grande parte do próprio desenvolvimento tecnológico, com os recursos financeiros vultosos que exige para ser realizado, um dos grandes perigos que defronta a imprensa é ser usurpada pelo poder económico.
Por si só, este facto justificaria uma atenção particular do Estado, no sentido de dentro dos limites da sua com-
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petência, obviar a tão grande inconveniente, que para o qual, digo desde já, pessoalmente, não vejo possibilidade num regime democrático de totalmente o evitar.
Sendo assim, entramos na questão da oportunidade dos novos preceitos legais, já por todos os oradores que me precederam considerados evidentes, opinião que integralmente partilho, e que de resto é precisamente a que justifica a apresentação quer do projecto quer da proposta. Esta oportunidade no preâmbulo da proposta vem claramente definida.
Embora de um ponto de visita teórico se possa admitir que a censura prévia pode ter uma actuação impecável, na prática, se pensarmos mais condições em que se exerce, mo espaço do território em que se exerce, do tempo curtíssimo que item para ponderar as suas decisões, temos fatalmente de concluir que (prever que as suas decisões terão de ter uma maior ou menor margem, de arbítrio.
De resto, e já isto tem sido aqui (referido, a experiência entre mós como noutros países largamente o comprovam.
Já lá vão alguns anos (estava eu longe de pensar que viria a desempenhar funções políticas) fiz escritos de nenhuma importância política e senti na carne essa experiência. Oportunidade, portanto, dos novos preceitos legais e vantagem também, na medida em que, quer a proposta, quer os projectos - embora e ressalvadas «« suas divergências -, visam efectivamente substituir o arbítrio dos homens pela disciplina das leis para o que nesta Assembleia foi dito em 1969 pelo Sr. Deputado José Hermano Saraiva.
Significa isto que dou a minha aprovação na generalidade à proposta e ao (projecto, declarando, contudo, que na minha opinião o projecto serve melhor os fins em vista e é-me grato felicitar os Deputados seus subscritores.
E é-me grato felicitar os Deputados (Subscritores do projecto e o Governo pela iniciativa que tomaram. E declaro que mie sinto muito honrado por fazer parte de uma legislatura que votou a lei de imprensa, há tanto tempo requerida. E, porque já foi aqui invocado, e bem, o condicionalismo em que nos situamos, devido à guerra no ultramar, eu trazia aqui para ler algumas passagens de um muito lúcido, e que merece ser a reflexão editorial de uma revista de Angola, publicada em Luanda, Prisma, no seu numero de Dezembro de 1969:
A proximidade de teatro de guerra pode exigir cuidados especiais em alguns aspectos, mas esse facto não justifica que se mantenha uma tutela humilhante e desalentadora. Pelo contrário, a proximidade dos riscos torna as pessoas mais conscientes do que deve ser preservado e ao mesmo tempo aumenta as responsabilidadas de quem, por inércia ou comodidade, permite que os abusos e os desmandos agravem a situação.
E termino - pedindo sinceramente desculpa à Assembleia de lhe ter tomado mais tempo do que previa, mas como trazia escrito apenas umas notais, demora sempre um pouco mais -, dizendo aquilo que eu sinceramente penso. Num momento muito particular da minha vida, quando prestava a minha primeira prova para professor extraordinário da Faculdade de Medicina do Porto, disse - e que me parece muito apropriado mesta discussão: «Ser inteligente é procurar a verdade, e ser livre é aderir-lhe, uma vez encontrada. Mas só é livre quem não tem nada a perder.
Muito obrigado.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Montalvão Machado: - Sr. Presidente: Tenho ocupado tão pouco o tempo desta Câmara que me sinto à vontade para, em matéria de tão acentuada importância, tecer algumas breves considerações.
1. Agora, quando tanto se fala de reconversão económica, gostaria de acompanhar e de testemunhar uma reconversão da opinião pública, voltando-a, ou deixando que ela própria se volte, para todos os interesses essenciais da sociedade portuguesa, afeiçoando paulatinamente a sua curiosidade e a sua participação por tudo e em tudo aquilo que seja do interesse dos Portugueses.
Se não me engano muito, esta reconversão está bem mais próxima do que a primeira da própria alma dos interesses nacionais.
Tudo o mãos virá, por natural acréscimo e devidamente hierarquizado, na escala nacional desses mesmos interesses.
A imprensa (ou, para dizer melhor, a informação) exerce uma função pública por excelência, parque, à vontade, sem falsas complexidades, em cingida síntese, bem pode dizer-se que ela é a única fonte possível da primeira necessidade nacional dos nossos dias: o diálogo, o diálogo entre todos os portugueses.
Esse diálogo está na própria raiz da formação da opinião pública, sendo mesmo a sua primeira raiz.
E é desse diálogo, aberto e vivo, interessado e permanente, que há-de vir a formação de uma salutar opinião pública, centrada e orientada, também em permanência, sobre as necessidades essenciais do País.
Por sua vez, só do diálogo aberto e vivo de todos os portugueses e da formação livre e independente da opinião pública pode resultar, e há-de resultar, a intervenção e a participação de todos os portugueses na solução de todos os grandes problemas do País, que é, por definição, de todos os portugueses.
Insisto, com o risco meditado de me repetir: em minha opinião, nos nossos dias, este é o problema fundamental do País.
Nos nossos dias, enfrentando problemas que podem,, inclusivamente, pôr em causa, a sobrevivência do País, não podemos aceitar, nem queremos aceitar, que esses problemas sejam enfrentados apenas por uma parte da Nação - porque seria injúria, e bem grave, não deixar, fosse por que meão fosse, que esses problemas ocupassem a sensibilidade, a inteligência e a voluntariosa determinação de todos os portugueses.
2. Nos nossos dias, e em face de tão momentosos problemas, não podemos dar-nos ao luxo, por enfeudamento a supostas satisfações de paz social, de cultivar a mediocridade politicamente tímida e reverente, quando não bajulante, ou de cair em adulteradas tecnocracias, por definição dessoradas de qualquer conteúdo autenticamente político.
A alma de um país, sobretudo quando atravessa um período grave da sua existência, está sempre numa tomada de Consciência essencialmente política.
E nesta tomada de consciência que tudo começa ou recomeça e é desta tomada de consciência que há-de resultar todo o esforço útil e construtivo.
Neste aspecto, creio poder dizer que o País inteiro aguarda confiadamente e ansiosamente a sua hora de participação nos destinos pátrios - dialogando, discutindo, criticando, fiscalizando, apoiando e estimulando toda a actividade do Estado.
3. Nem pode ser de outra forma, em minha opinião já agora humilde ou até anónima.
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O Estado, designadamente o Governo, não pode nem deve aceitar a responsabilidade de promover socialmente a frio - de (promover socialmente populações desinteressadas ou apáticas.
Nem pode nem deve aceitar a responsabilidade de dignificar as instituições de fora pana dentro, porque assim teria, sempre de esbarrar com a injustiça e a inutilidade de tal procedimento.
O Estado, designadamente o Governo, pode e deve criar .as condições que permitam às populações e as instituições dignificar-se a si mesmas, conscientes da sua própria força, desembaraçadas de obstáculos artificiais, ávidas de manifestar que participam com a sua própria dignidade na formação da vontade nacional.
Tudo isto me parece uma verdade comezinha, mas inteiramente válida premente e instante, desde a emancipação social, cultural e .económica dos centros regionais até à dignificação política das populações, dos seus municípios e federações de municípios, ate, ainda, ao razoável funcionamento dos serviços do Estado, os quais, de outra forma, acabam por enquadra-se no clima regional de inércia e de apatia, em vez de prosseguirem os grandes interesses nacionais.
4. O pouco que tenho estado a dizer, com palavras modestas, mas limpas (e, como gostaria de as supor, lúcidas!), significa que estaremos todos os portugueses empenhados numa obra de profundo saneamento, inteiramente voltados para uma tarefa de renovação, a todos os níveis e em todos os sentidos, com a única e salutar preocupação de varrer e limpar tudo quanto possa entorpecer a vida das populações e o normal funcionamento das instituições.
Mas isso é indispensável. Repito: é indispensável.
Ninguém nos perdoaria, e com inteira razão., que não déssemos tudo, mas absolutamente tudo, no que representamos de íntima e comovida solidariedade nacional, no sentido de varrer, de limpar, de higienizar o País - num acto solene de consciência portuguesa.
Nós não queremos, nem eu quero, que em momento tão difícil para a vida da Nação continuassem a regatear-se esforços para a criação de um clima social limpo, ambicioso e ávido de ser um clima político autenticamente português.
5. Não mós iludamos.
Vêm aí dificuldades ainda maiores do que as dificuldades que já vimos sofrendo.
Não será esse o problema.
O problema será o de saber se todos nós, orgulhosamente portugueses, estaremos já ou não suficientemente preparados para enfrentar e resolver corajosamente, desasombradamente, e até eufòricamente, todos e quaisquer problemas que nos sejam postos.
Pois, para mim não cabe dúvida.
A Nação que soube homogeneizar-se desde Trás-os-Montes ao Algarve (decantando o espírito dos Descobrimentos), a Nação que fez o Brasil e está neste momento histórico a criar diante de um mundo entontecido realidades humanas tão universais como Angola e Moçambique, essa- Nação e bem a Nação que em humildade e orgulho pode exigir tudo de si mesma.
6. O seu único problema será o de continuar inteira e solidária, igual a si mesma.
Mas também esse não é problema para a Nação que já venceu tantos e tais problemas.
Alertada, progressivamente reencontrada nas suas preocupações e determinações de sempre, ela continuará a dar-nos a sua resposta, também de sempre, com a solidariedade comovida dos que nasceram e têm de viver pobres, manifestando-se, assim, necessariamente em nova economia de pudor, mas com o desassombro, com a pertinácia e com a ambição dos que humildemente sabem o que querem e para onde vão, sem tergiversar, sem entibiar, sem a preocupação de não ter forças para percorrer todo o caminho ... porque antecipadamente sabem que as têm!
7. Volto agora ao princípio.
Por aquilo que deixei dito, é preciso dignificar a imprensa ou, para dizer melhor, bem melhor, é instante permitir que ela manifeste publicamente a consciência da sua própria dignidade.
Porque ela é, por si mesma, o motor essencial da formação da opinião pública,, e esta é, por sua vez, o suporte e o impulso permanente de toda a vida social e política de um povo.
8. Nestas condições, até porque não pode esta Câmara deixar-se ultrapassar por meras circunstâncias de facto, às vezes de simples nível empresarial, presto a minha homenagem quer à proposta, quer ao projecto em discussão, pois tanto uma como outro representam, em oportunidade e em economia de soluções, o mais relevante serviço que neste momento histórico pode ser prestado ao País.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental. Se o andamento dos trabalhos o permitir, farei por poupar VV. Ex.ªs e, mais ainda, os dedicadíssimos funcionários desta Casa, ao esforço duma sessão nocturna, mas neste momento ainda me é difícil fazer previsões com alguma segurança a tal respeito.
Foi publicado no Diário das Sessões, n.º 122, de 16 de Julho, o texto aprovado em última redacção pela nossa Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional, sob forma de resolução, acerca das contas gerais do Estado respeitantes ao exercício de 1969, metrópole e ultramar. Nenhum Sr. Deputado reclamou sobre ele nos termos e no prazo regimental. No entanto, como tem sido costume chamar a atenção de VV. Ex.ªs para estes textos, direi que amanhã, como primeira parte da ordem do dia, aceitarei ainda reclamações sobre esta redacção, caso alguns dos Srs. Deputados venha a apresentá-las.
A segunda parte da ordem do dia será a continuação da discussão na generalidade e eventualmente início da discussão na especialidade da proposta e projecto de lei sobre a imprensa.
Está encerrada a sessão.
Eram 0 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Bento Benolied Levy.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda:
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João Duarte de Oliveira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José João Gonçalves de Proença.
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José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Rui Pontífice Sousa.
Srs. Deputado» que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Peneira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Henrique Veiga de Macedo.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José da Silva.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Rafael Valadão dos Santos.
Ricardo Horta Júnior.
O Redactor - Januário Pinto.
Proposta enviada para a Mesa durante a sessão:
Proposta de alteração
Propomos que o n.º 1 da base XXII (entrega oficial das publicações) passe a ter a seguinte redacção:
Os directores dos periódicos devem mandar entregar à autoridade local a determinar em regulamento, no início da distribuição, os exemplares de cada número que naquele diploma forem fixados.
Lisboa, 28 de Julho de 1971. - Os Deputados: Rogério Noel Peres Claro - Rui de Moura Ramos - Francisco Manuel de Meneses Falcão - Júlio Dias das Neves - Fernando Dias de Carvalho Conceição - António da Fonseca Leal de Oliveira - Delfim Linhares de Andrade.
IMPRENSA NACIONAL
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PREÇO DESTE NÚMERO 6$40