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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134
ANO DE 1971 31 DE JULHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 134, EM 30 DE JULHO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Casal-Ribeiro, a propósito das exéquias realizadas por alma de Salazar, na passagem do primeiro aniversário da sua morte, solicitou para o antigo Chefe do Governo um lugar no Panteão Nacional de Santa Engrácia.
O Sr. Presidente, chamando a atenção da Assembleia para a presença, numa das tribunas laterais, do Deputado federal brasileiro Dr. Marcelo de Medeiros, solicitou a dispensa do Regimento para que S. Ex.ª participasse na sessão como qualquer Deputado, dentro do próprio hemiciclo, o que foi atendido, sendo logo em seguida introduzido na sala o Deputado brasileiro em questão.
O Sr. Deputado Roboredo e Silva saudou, em nome da Assembleia, o ilustre visitante, fazendo-lhe sentir, dentro do entendimento da comunidade luso-brasileira, que S. Ex.ª se encontrava em sua própria casa.
A esta saudação associou-se a Mesa, pela voz do Sr. Presidente.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade e votação da proposta de lei de imprensa, tendo sido aprovadas as bases VI a IX do texto da comissão eventual.
Intervieram no debate os Srs. Deputados Pinto Balsemão, Camilo de Mendonça, Alberto de Meireles, Homem de Mello, Themudo Barata, Pontífice Sousa, Duarte de Oliveira, Peres Claro, Júlio Evangelista, Roboredo e Silva, Almeida Coita, Montalvão Machado e Ulisses Cortês.
O Sr. Presidente enxertou a sessão às 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Axnílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
Amuando Júlio de Roboredo e Silva.
Aramando Valfredo Pireis.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Beato Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Netto. D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
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Fernando da Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Comedia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Baú.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Ricardo Horta. Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do União de Tomar aprovando a intervenção do Sr. Deputado Dias das Neves a propósito do Congresso da Federação Portuguesa de Futebol recentemente realizado.
Do presidente da Câmara Municipal de Coimbra associando-se, em nome do concelho de Coimbra, à intervenção do Sr. Deputado Santos Bessa acerca dos prejuízos causados à lavoura do Baixo Mondego pela irregularidade das águas do rio.
Do Jornal da Região de Leiria apoiando a introdução da base XXIII da futura lei de imprensa e as propostas do presidente da direcção da Imprensa Não Diária durante as sessões de trabalho da Câmara Corporativa.
Do jornal Aurora do Lima apoiando também a referida base XXIII.
Do semanário católico Defesa de Évora no mesmo sentido.
Exposição
De Augusto da Silva, soldado aposentado da Guarda Nacional Republicana, sobre a suspensão do direito ao abono de família e as condições gerais dos reformados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Casal-Ribeiro.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Sr. Presidente: Realizaram-se hoje solenes exéquias por alma desse extraordinário português que foi o Presidente Salazar. O Chefe do Estado, o Governo e as mais altas individualidades da vida nacional prestaram, assim, a Salazar a devida homenagem, na passagem do primeiro aniversário da sua morte.
Não desejo, neste momento, falar de Salazar. No passado dia 27 três ilustres Deputados o fizeram, e com que brilho.
Glosando, porém, as lapidares palavras do Deputado Camilo de Mendonça, «que Salazar não pertencia a grupos nem à facções, a colaboradores ou amigos, mas sim a todos nós, à própria Nação», eu aproveito a efeméride para pedir ao Governo que, satisfeito o desejo que lhe foi atribuído de repousar junto de seus pais no cemitério do Vimieiro, com a humildade que foi timbre de toda a sua vida, se pense, agora, em dar-lhe o lugar condigno que por ele espera no Panteão Nacional de Santa Engrácia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Salazar, como muito bem disse Camilo de Mendonça, é património da Nação, e, sendo assim, o seu lugar, é, incontestavelmente, junto de outros heróis a quem a Pátria ficou também devendo a sua própria existência.
E quando tal não possa realizar-se, que ao menos uma memória, em lugar condigno, seja colocada em Santa Engrácia, cujas obras - magníficas - se concluíram graças à sua vontade. Sugiro ainda que em oiro, prata e cobre, acessível assim a toda a gente, seja significativamente cunhada uma medalha comemorativa da sua morte, da sua vida, da sua glória e da sua obra.
Aqui fica, Sr. Presidente, a sugestão do mais humilde dos seus colaboradores, do mais modesto dos soldados da Revolução Nacional, mas dos maiores, mais dedicados e intransigentes admiradores do falecido Presidente, benemérito da Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Peco a atenção de VV. Ex.ªs
Encontra-se na tribuna do lado direito da Mesa o Deputado federal brasileiro Sr. Dr. Marcelo de Medeiros, que
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está em Portugal de visita, a convite oficial do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros.
VV. Ex.ªs ouviram anteontem o Sr. Deputado Pinho Brandão recordar como há noventa anos, encontrando-se numa das tribunas da assistência desta Casa um ilustre Deputado brasileiro desse tempo, o grandíssimo orador que foi António Cândido, com um brilho que o Presidente da Mesa nem sequer pensa em acompanhar agora...
O Sr. Albino dos Reis: - Não apoiado!
O Sr. Presidente: - ... solicitou dispensa do Regimento para que esse Deputado do país irmão acompanhasse os trabalhos como um de nós.
Na sequência do movimento em tão oportuna hora recordado, peço à Assembleia dispensa do Regimento para que o Sr. Deputado Marcelo de Medeiros possa entrar no hemiciclo e do lugar de um de nós acompanhar os trabalhos como se um de nós fosse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A manifestação espontânea de VV. Ex.ªs parece-me tornar dispensável uma votação.
Em consequência, peço ao Sr. Primeiro-Secretário da Mesa o favor de acompanhar o Sr. Deputado Dr. Marcelo de Medeiros até esta sala.
O Deputado em questão deu entrada na sala.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roboredo e Silva.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Federal, Dr. Marcelo de Medeiros, Srs. Deputados:
É-me profundamente grato saudar calorosa e fraternalmente V. Ex.ª, Sr. Dr. Marcelo de Medeiros.
Dar-lhe as boas-vindas a esta Casa, e na pessoa de V. Ex.ª saudar igualmente, com o mesmo calor e com todo o respeito, a Câmara de Deputados e o Congresso Brasileiro, a seu venerando Chefe do Estado e seu Governo e esse incomparável povo brasileiro, a quem tanto queremos em Portugal, do mais fundo do coração.
Recordo, particularmente neste momento, que há pouco mais de um ano fui recebido na Câmara de Deputados em Brasília e ali me foi dada a honra de ouvir, concentradas na minha humilde pessoa, saudações calorosas, palavras de amizade sincera e de respeito pelo meu país, por este país que também é seu, Sr. Deputado Federal.
E digo que é seu porque há poucas semanas, nesta Câmara, foi votada uma revisão constitucional que atribui definitivamente a dupla nacionalidade a portugueses e brasileiros. Por consequência, V. Ex.ª, estando aqui, está na sua casa também, tal como nós, que representamos, legítima e indiscutivelmente, o povo de Portugal. E, sem ter recebido credencial dos meus colegas, mas firmemente convencido que interpreto o sentir de todos, não tenho dúvida em afirmar estes nossos sentimentos pessoalmente a V. Ex.ª, e acima de tudo ao nosso querido Brasil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ninguém tem dúvida - e V. Ex.ª talvez menos que ninguém, visto que está presentemente em Portugal- que neste país se tem perfeita noção da grandeza imensa, grandeza presente e acima de tudo grandeza futura desse portentoso Brasil, cheio de potencialidades e forte de uma juventude que respira actividade, energia e poder de realização. E tudo isso fará do Brasil, dentro de poucas décadas, uma das maiores potências do Mundo. Dar-lhe-á, indiscutivelmente, um lugar cimeiro entre as grandes potências.
E Portugal? Mas Portugal vem dando exemplos espantosos ao mundo de princípios inabaláveis, de formação moral, de aperfeiçoamento constante dos valores humanos, sem descurar, apesar das vicissitudes da hora que enfrenta, um progresso económico e um desenvolvimento técnico que lhe proporcionarão um nível correspondente àquele em que se situam as nações da Europa.
Se Portugal caminha nesta senda de dignidade e de integridade, defendendo intransigentemente tudo aquilo que considera direitos inalienáveis, Portugal tem de ter o respeito de todos: dos amigos e dos indiferentes. Eu diria até dos inimigos. Mas dos amigos, designadamente, e entre os amigos eu considero em primeiro lugar o Brasil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Felizmente, graças a Deus, as relações que existem entre os nossos dois países são cada dia mais fortes, mais íntimas, tomam aspectos objectivos que era absolutamente indispensável que tomassem. Porque até no campo económico nós não somos concorrentes; as nossas economias são, antes, paralelas.
Há que analisar, que estudar e planear concretamente os nossos rumos, porque havemos de encontrar o bom caminho que cada vez estreite mais os nossos interesses comuns e os nossos países, cada vez consiga mais fazer da comunidade luso-brasileira uma verdadeira realidade. E, dentro deste contexto, e para não ser mais extenso e não maçar V. Ex.ª, o Sr. Presidente e os meus ilustres pares, limitar-me-ia a fazer um pequeno apontamento a respeito do que significa para os nossos dois países a geografia.
E que, por vezes, não se lhe dá, à geografia, o valor e merecimento que realmente tem.
E a geografia comanda hoje, e em todos os países do Mundo, a política, e não é esta que comanda a geografia!
Assim, chamo a atenção de todos para o que essa geografia representa em relação a Portugal e ao Brasil; refiro-me particularmente ao oceano Atlântico (Norte, Central e Sul), que é hoje o grande mar do Mundo.
Se no Atlântico Norte é Portugal que tem a posição fundamental, no Atlântico Central e Atlântico Sul seremos os dois países que dominaremos; seremos ambos os amos e senhores desse Atlântico, se o quisermos. Não o somos hoje, mas podemos e devemos vir a sê-lo!
Só depende, de que nos nossos Governos haja uma orientação, tanto na política externa como na política militar - refiro-me nomeadamente à política naval e marítima -, no sentido de permitir aos dois países serem realmente, como disse, amos e senhores do Atlântico.
Meus senhores, tenho a convicção de que se ainda isto é utopia para alguns, para mim, que há mais de vinte anos defendo esta mesma ideia, nunca o foi.
Estou firmemente convencido de que, dentro de pouco tempo, talvez uma ou duas dezenas de anos, essa utopia será uma verdadeira realidade, reconhecida por todos os homens válidos, inteligentes e com responsabilidades públicas nos dois países.
Termino desejando a V. Ex.ª uma feliz estada neste seu país. Quando regresse, desejo que leve a essa nobre Câmara de Deputados do Brasil, onde fui acolhido com
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tanto calor humano, uma palavra de respeito, de amizade e de muito apreço e um voto para que o vosso trabalho seja o melhor em favor da grandeza do vosso país e da comunidade luso-brasileira.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: A Mesa congratula-se pela forma, tão expressiva e tão brilhante, por que o Sr. Vice-Presidente e Deputado Roboredo e Silva exprimiu ao Sr. Deputado Marcelo de Medeiros o apreço da Assembleia, como representante da Assembleia paralela, de que ele é ornamento, e como representante do país irmão, de que ele é cidadão.
A Mesa associa-se também, por si mesma, a todos os cumprimentos dirigidos ao Sr. Deputado Marcelo de Medeiros, certificando-o de que, quando quiser estar no meio de nós, pode considerar-se na sua casa.
Srs. Deputados: vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na especialidade e votação da proposta de lei de imprensa.
Acaba de dar entrada na Mesa uma proposta de introdução de uma base nova, que, na intenção dos seus autores, deverá situar-se a seguir à base v, ontem votada, e que vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
BASE V-A
Os textos ou imagens publicitários insertos na imprensa periódica e que, pela sua apresentação, possam confundir-se com a matéria informativa ou editorial deverão ser identificados, quanto à sua natureza, de modo uniforme e inequívoco.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - Os Deputados: Francisco José Pereira Pinto Balsemão - Rafael Ávila de Azevedo.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Na sequência do pedido de retirada do n.º 4 da base ontem em discussão, e cumprindo o que aqui ontem prometera, acabo de apresentar na Mesa a proposta que foi lida, ou seja, a proposta de criação de uma base autónoma, em que, com a redacção modificada - e que considero melhorada -, seguindo, aliás, os conselhos e as intervenções de alguns meus colegas na sessão de ontem à noite, se procura, acima de tudo, que não haja qualquer hipótese de confusão entre a matéria que não é da iniciativa da redacção - é, portanto, publicidade, e paga -, mas que poderá parecer opinião ou iniciativa do jornal, visto não ser convenientemente identificada. Para tal, inspirei-me, fundamentalmente, no texto da Câmara Corporativa, na base VII do parecer n.º 3. As únicas diferenças entre esse texto e o agora apresentado são as seguintes: por um lado, em vez de «terão de ser identificados», aparece «deverão ser identificados»; por outro lado, acrescenta-se antes da palavra «editorial» a palavra «informativa». E isto pelas seguintes razões: quanto a «deverão», não há, realmente, uma grande diferença entre «deverão» e «terão», mas pretende-se aqui acentuar o carácter obrigatório de um regulamento pelo Governo, em que, efectivamente, sejam definidos os critérios de identificação quanto à sua natureza, de modo uniforme e inequívoco, das matérias que possam confundir-se com a redactorial.
A distinção entre «editorial» e «informativo» - portanto, o acrescento da palavra «informativo» - visa esclarecer bem dois aspectos da actividade jornalística. Eu penso que «editorial» se reporta, em princípio, ou pode reportar-se mais a problemas de opinião, quer dizer: é o jornal, pago para isso, vir dizer que o Sr. A ou o produto B são excelentes. Informação - e daí a inclusão da palavra «informativo» - refere-se mais ao sector noticioso: é o jornal vir, portento, dar notícias que não daria normalmente, porque elas, segundo o seu critério, não são suficientemente impor tentes, mas que as dá porque á pago para isso.
Eu aproveitava, Sr. Presidente, para responder a alguns argumentos que foram ontem apresentados quanto ao princípio da inclusão desta base. Não falo, portanto, agora, da redacção, falo dos princípios.
Se bem me recordo, o Sr. Deputado Júlio Evangelista ontem apresentou cinco tipos de argumentos contra a inclusão deste princípio.
O primeiro é o da sua eventual inconstitucionalidade. O Sr. Deputado Júlio Evangelista não nos deu o prazer de ouvir a sua demonstração sobre essa eventual inconstitucionalidade, e decerto a vamos ouvir agora. Eu, talvez porque a não tenha ouvido, não estou convencido, nem vejo qualquer razão para declarar que uma base deste tipo ou que um princípio deste tipo seja inconstitucional.
O segundo argumento do Sr. Deputado Júlio Evangelista foi o problema da publicidade por omissão e as dificuldades que ela levanta. Eu concordo que ela levanto dificuldades, mas também não me parece que haja grandes possibilidades de provar que as omissões apontadas pelo Sr. Deputado Júlio Evangelista - e outras podem ser apontadas, eu sei que existem - poderão ser qualificadas directamente como publicidade, até porque é muito difícil provar que são pagas.
O terceiro argumento foi o do direito comparado. Ora, eu penso que em vários outros países é obrigatória, por decisão do Governo, ou por decisão das classes profissionais, a identificação do material publicitário que possa confundir-se com o material redactorial. Cito, por exemplo, o Code of Editorial Practice and Advertising promulgado em 1969 em Inglaterra. E cito também que tendo havido transgressões a esse Código, que visa precisamente identificar com clareza a publicidade, essas transgressões já foram julgadas depois da entrada em vigor do Código pelo Conselho de Imprensa.
O Sr. Deputado Júlio Evangelista disse ainda que o assunto pertenceria à matéria regulamentar. Eu sobre isso tenho dúvidas, parece-me que é uma matéria que tem dignidade e importância suficiente para poder ser inserida na lei de imprensa. Além disso, mesmo nas propostas de alteração dos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros há matérias que, vistas sob esse critério, poderão ser regulamentares; estou a pensar, por exemplo, no direito de resposta.
Finalmente, o Sr. Deputado Júlio Evangelista afirmou que deveria haver intervenção da Corporação nesta matéria, e aí eu penso que de certo modo caiu em contradição com a sua tese anterior em relação ao estatuto dos jornalistas, queria dizer dos profissionais de imprensa, pois a partir de ontem deixou de haver jornalistas em Portugal. Parece-me que há aí uma certa contradição entre um ponto de vista e o outro, na medida em que, quanto ao estatuto dos jornalistas, foi defendida uma não obrigatórie-
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dade teórica da audição da Corporação e agora aqui vem-se dizer que a Corporação deve ser ouvida: ou é ouvida para um caso e deve ser ouvida para o outro ou então não deve ser ouvida para nenhum.
For tudo isto, Sr. Presidente, eu penso que com esta redacção - aliás, repito, que foi sugerida e inspirada pelas opiniões ontem aqui ouvidas - é do maior interesse não só para o prestígio dos jornais, mas também para que os leitores não sejam induzidos em erro, que esta base V-A seja aprovada.
O Sr. Camilo de Mendonça: - gr. Presidente: Ouvi com o maior interesse as considerações do Sr. Deputado Pinto Balsemão. E começarei por dizer que quanto às intenções, porventura todos estaremos de acordo.
Mas também não me esqueço de um velho asserto popular: «De boas intenções até o inferno está cheio.»
Não há dúvida nenhuma, desde que uma proposta como esta, ou melhor, outra proposta com esta intenção, fosse objectivamente aplicável de forma inequívoca para todos, que não viesse beneficiar sòmente aqueles que sempre sabem, ou encontram, quando a lei como esta lho permitiria abundantemente, fugir à sua aplicação concreta, daqueloutros que têm por intenção cumpri-la. De resto, o Sr. Deputado Pinto Balsemão na sua defesa da tese deu-me exactamente esse argumento, quando disse, ao responder ao Sr. Deputado Júlio Evangelista, sobre a publicidade por omissão, que era muito difícil provar que era paga. Pois exactamente aí é que está o problema: é muito difícil provar que é paga. Numa empresa os modes de resolver esses problemas, todos o sabemos, são abundantes e fáceis.
A intenção merece certamente, repito, o nosso respeito; a exequibilidade do preceito em termos de todos igualar e a todos pôr na mesma posição merece-me as maiores dúvidas.
O Sr. Pinto Balsemão: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Pinto Balsemão: - V. Ex.ª, portanto, entende que boas intenções não chegam ou não valem, a pena, porque delas está o inferno cheio.
Quanto a leis, ou, neste caso, a um preceito concreto de uma lei, também não vale a pena, porque o Governo não teria poderes paira em regulamento definir os modos de fiscalização das eventuais fugas ao preceito?
Isto é uma pergunta.
O Orador: - A que eu respondo com muito prazer. Em relação a este texto não teria nenhumas, há outras formas certamente, mas não é esta, e V. Ex.ª é que o afirmou quando dizia que era muito difícil provar a publicidade por omissão. A afirmação é de V. Ex.ª, não é minha. Se é difícil provar o pagamento de publicidade por omissão, porque é que há-de ser fácil provar a outra? Esta é que é a minha dúvida.
O Sr. Pinto Balsemão: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Pinto Balsemão: - Talvez então não me tenha feito entender bem quanto à publicidade por omissão. O que eu penso e o que resulta da minha experiência é que - julgo que até o Sr. Deputado Júlio Evangelista citou o caso da marca de automóveis e do acidente, da companhia de avição que tem um desastre - quanto eu sei, essas omissões não são pagas, essas omissões são favores que o jornal faz a um bom anunciante ou a um bom amigo. Portanto, aí há uma certa diferença entre uma publicidade redigida e mandada para o jornal, e que é paga, e uma omissão que muitas vezes é paga conforme...
O Orador: - Não. Favores que se fazem a um bom anunciante são favores que se fazem para que um anunciante não deixe de o ser; são pagamentos que todos os dias mostram exuberantemente na nossa imprensa essa forma de proceder.
Como é que V. Ex.ª compreende a facilidade com que um órgão comercial e industrial, como é um jornal dos nossos dias, vá fazer o ataque a uma empresa, ou beliscada, se ela lhe paga anualmente milhares de contos de publicidade?
É que nós não estamos no mundo da imprensa artesanal, saudosa, em que eram livres os jornalistas que a faziam, eram livres os tipógrafos que a compunham, que eram muitas vezes quase os mesmos, e eram livres os leitores que a liam e criticavam. Hoje estamos perante uma empresa económica poderosa, que tem, relativamente ao concerto em que se situa, à conjugação com outros interesses, formas muito mais graves do que o pagamento em escudos para fazer ou desfazer publicidade.
É esse aspecto que eu estou perfeitamente de acordo que seria ideal que nós pudéssemos evitar e suprir a bem da liberdade e da autenticidade da informação da imprensa, mas o que lhe digo com toda a sinceridade é que não é com uma disposição destas, aliás muito difícil até de interpretar definidamente, que poderíamos chegar lá. Eu suponho que haveria uma forma de outra ordem: era, por exemplo, interessar todas as empresas, por isenção fiscal, sobre certo tipo de publicidade e anotá-la, porque isso lhe ia reduzir, em geral e em particular, os impostos a pagar. Todavia, não me parece que estejamos nós aqui habilitados a tomar a iniciativa de uma Lei dessas ou sequer a tentar redigi-la. De resto, V. Ex.ª referiu-se também a um outro aspecto.
Referiu, salvo erro, que na Inglaterra um organismo idêntico, análogo ou parecido com o que será cá um organismo sindical ou corporativo havia regulamentado, havia intervindo neste aspecto. E aí estou perfeitamente de acordo; é que não há contradição nenhuma entre o que ontem se afirmou, ao negar um princípio totalitário a uma corporação, ao direito que lhe pertence, exclusivo, embora sempre sob a fiscalização do Estado, de regulamentar em matéria de deontologia profissional. São coisas diferentes: uma será a corporação substituir-se ao Estado, ou colocá-lo na posição de dizer sim ou não perante uma proposta sua; uma outra, bem diferente de intenção de espírito e de técnica, é certamente a de relegar a definição das normas no mundo que lhe diz respeito em exclusivo.
Suponho ter ouvido que V. Ex.ª dizia que os jornalistas tinham terminado ontem. Pois eu espero que tenham ontem começado. Até hoje, jornalista se intitulava toda a gente; para mini, jornalistas são aqueles que trabalham efectivamente, e disso vivem dia a dia, hora a hora. São esses que queremos defender. Não são aqueles que abusivamente se intitulam e, no sentido geral, para todos o são. Pois se um dia os jornalistas, os profissionais da imprensa, vierem a ser os únicos jornalistas, felicitar-me-ei com esse facto, e é por este caminho que chegaremos lá.
O Sr. Pinto Balsemão: - Só queria dizer que a partir de ontem os jornalistas deixaram de ser aqueles a quem,
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através de normas deontológicas e legais, é atribuída uma carteira profissional com parecer decisivo do organismo representativo da classe, e passaram a ser apenas aqueles que estão ligados a uma empresa por contrato de trabalho.
O Orador: - Quer dizer: esses continuaram a ser. Não deixaram de existir.
O Sr. Pinto Balsemão: - Mas, a partir de agora, basta fazer um contrato de trabalho. Agora, enfim... Quando a lei for promulgada.
Basta uma pessoa ter um contrato de trabalho com uma empresa jornalística para ser profissional da imprensa periódica.
O Orador: - Basta? Não. Se há um estatuto e uma regulamentação, não basta. É indispensável, mas não basta.
O Sr. Pinto Balsemão: - Não sei! Pode bastar.
O Orador: - Sabe com certeza, pois votámos ontem uma disposição que relega para um estatuto; consequentemente, sem este estatuto sabemos o mínimo, não conhecemos o mais que pode e deve ser imposto.
O Sr. Pinto Balsemão: - Eu só sei que esse regulamento por enquanto não existe e não sei o que é que ele vai dizer. Mas sei que a Corporação da Imprensa e Artes Gráficas não será sequer chamada a aprová-lo ou a propô-lo.
O Orador: - Desculpe, não percebo porquê! Podia-me explicar por que não será?
O Sr. Pinto Balsemão: - Pelo menos, a vontade desta Câmara e a interpretação que deu ao preceito em causa foi esse.
O Orador: - Desculpe, mas eu creio que fui um dos que interveio a defender a base e suponho (desculpem, como não sou jurista posso estar profundamente enganado) que efectivamente um dos elementos interpretativos da disposição que se vota é o daqueles que sobre ela falaram, se exprimiram e a interpretaram. Consequentemente, não admito, nem percebo a que título e por que forma, ou a que propósito, esse problema se pode pôr em dúvida, quando quem defendeu o preceito (eu como outros) pôs que era tão evidente, resultava tanto da lei geral, que era diminuir a própria função e eminência das corporações, dizendo que tinham de ser ouvidas.
O que se disse foi coisa diferente. E que elaborar, para o Governo ter de dizer sim ou não e nada mais, era coisa diferente daquela, indispensável e insuperável, de a Corporação intervir, activa e permanentemente.
O Sr. Pinto Balsemão: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza!
O Sr. Pinto Balsemão: - Tenho a impressão que fugimos um pouco do tema em discussão.
O Orador: - Não fui eu!
O Sr. Pinto Balsemão: - ... Porque a resposta à pergunta indirecta de V. Ex.ª, de certo modo, liga-se de novo com o tema em discussão. E eu, se me permite, repetia uma pergunta que fiz há pouco (isto em função desta proposta de alteração, ou desta base nova que pretendo ver aprovada): perguntei a V. Ex.ª se entendia que sobre esta base o Governo não teria. possibilidade de fazer um regulamento que a tornasse obrigatória e que evitasse as fugas, de uma maneira geral?
O Orador: - Tem tantas, como se não houver nenhuma. Quer dizer, o que está aqui não implica regra nenhuma, nem modo nenhum de atingir esse objectivo. O Governo pode atingi-lo pelos meios próprios, quer isto exista, quer não exista.
Não é pelo conteúdo, mais que pela intenção, que será atingida em regulamento, como intenção e como voto, pois certamente tem esse sentido.
Como objectividade, como solução concreta, sinceramente, não vincula, nem obriga a nada.
Até porque quando se diz: «possam confundir-se com a matéria informativa», quem é o juiz?
O Sr. Pinto Balsemão: - Quem será o juiz? Será o Governo, através do regulamento a elaborar.
Todos nós sabemos que nas tabelas de publicidade dos jornais há diversas rubricas e que uma delas é a publicidade redigida, depois adiante vem a publicidade redigida sem sinal pago. Isso significa que é uma publicidade redigida (portanto disfarçada) e que não tem qualquer menção de ter sido paga. Porque a publicidade redigida com sinal pago é mais barata.
Aqui já há um critério de distinção, e, a partir daí, eu penso que o Governo, em quem todos nós confiamos, está amplamente habilitado, ouvida a Corporação da Imprensa e Artes Gráficas, a produzir um regulamento em que se definam critérios.
O Orador: - Ora bem! Então V. Ex.ª remete-se paira a minha posição anterior.
E que (efectivamente) isto não é mais que um voto, porque não implica de maneira nenhuma uma forma concreta, objectiva e definida de resolver o problema. Impõe, orienta para um caminho. Mais nada.
O Sr. Pinto Balsemão: - Dá-me licença?
Eu peço desculpa de estar a interromper V. Ex.ª, mas parece-me que...
O Orador: - Não, por amor de Deus! Com todo o prazer. Estamos aqui a travar diálogo com todo o prazer. Tanto mais que no fundo a nossa discordância é apenas do meio, não da finalidade.
O Sr. Pinto Balsemão: - Eu há pouco disse, e V. Ex.ª a esse argumento não se referiu, que o Sr. Dr. Júlio Evangelista ontem tinha afirmado que essa matéria era regulamentar. Eu não entendo que ela seja regulamentar, entendo que é uma base, uma questão de princípio, que terá de ser regulamentada em diploma posterior. E, portanto, se V. Ex.ª me pergunta se ela não tem obrigatoriedade jurídica, eu acho que sim, visto que há aqui uma expressão, e por isso até se pôs «deverão», em vez de «terão de ser identificados», há uma obrigatoriedade que numa base de carácter geral leva o Governo a elaborar um regulamento.
O Orador: - Eu tenho a impressão, se me dá licença, que nessas condições então a base teria de ser redigida de uma forma bastante diferente. Mas seja como for, eu
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queria acentuar apenas isto. Como princípio, como objectivo, estou inteiramente de acordo, completamente solidário. Não é aqui que divergimos. A mim, o que me choca profundamente é que o modo de atingir esse objectivo venha colocar em desigualdade aqueles que sempre têm por intenção cumprir e ser fiéis ao espírito da própria lei em relação àqueles que se agarrem apenas à letra. E por esta letra e pelas consequências indirectas, a que há pouco já aludi a dois títulos, não vejo que seja este o caminho para o objectivo.
O Sr. Pinto Balsemão: - Esse é um problema de qualquer lei, não é só desta.
O Orador: - For isso mesmo é que elas se fazem de forma diferente. Há forma de a fazer diferente. Exactamente, eu comecei por dizer a V. Ex.ª que havia seguramente caminhos, o que eu não estava a ver é que fosse este.
O Sr. Pinto Balsemão: - V. Ex.ª tem alguma sugestão concreta a apresentar, eu teria todo o prazer...
O Orador: - Não tenho neste momento. Já disse que considero que era por via fiscal que o objectivo se atingia. Agora, o que eu também declarei, com esta simplicidade de quem não é especialista em nada dessas matérias, e muito menos jurista...
Vozes: - Não apoiado! Não apoiado!
O Orador: - Uma lei fiscal de facilidades que conduzissem a este objectivo não é matéria em que se possa, rapidamente, pensar aqui sobre a carteira. Unicamente não teria dúvida de com algum tempo, ser capaz de vislumbrar uma solução ou de intentá-la. Neste momento sito-me totalmente incapaz.
Sr. Presidente: Vou concluir, resumindo e acentuando que merece ioda a minha adesão a alteração e o objectivo consignados nesta proposta de nova base, afirmando que parece mais uma base de intenção do que uma base objectivamente vinculativa a uma solução concreta que a todos respeite por igual, e a nenhum crie distinções entre aqueles que se agarram ao espírito para o cumprir e aqueles que se servem da letra para lhe fugir; entre aqueles que no mundo dos interesses em jogo sabem as mil e uma formas por que, sem pagar, se recebe mais do que pagando contra recibo. Parece-me que a posição da Corporação da Imprensa e Artes Gráficas é elemento idóneo, tal como V. Ex.ª aludiu para a Inglaterra. Para regulamentar isto mão excluo que o Governo possa e deva também intervir nesta matéria. Toda a prudência é pouca num país em que, para mais, estamos todos a apontar o perigo da concentração da imprensa. E talvez as formas de que muitas vezes queiramos servir-nos para defender certos aspectos bem claros, de objectivo e de intenção correctos, possam secundariamente vir a conduzir exactamente ao contrário, por orientarem, facilitarem ou ajudarem a concentração.
Para que o público possa efectivamente ser informado com verdade, tudo o que se puder fazer, que infelizmente é bem pouco, não pode deixar de merecer o meu (aplauso e o meu sincero e vivo apoio. Receio, porém, repito e insisto, que quando os meãos não forem pertinentes para os objectivos, em vez de se atingirem se contrariem. Esse o meu receio.
O Sr. Alberto de Meireles: - O debate sobre a base proposta pelo ilustre colega Sr. Deputado Francisco Balsemão desviou-se de tal maneira do texto e da sua intenção que me senti perturbado.
Escuso de dizer e de repetir o que já ontem disse, antecipadamente, sobre a formulação desta base. Penso que me cabe a responsabilidade de ter sugerido ao Sr. Deputado Balsemão que a formulasse nos termos em que a Câmara Corporativa o fez.
Queria referir a minha perplexidade e dificuldade em compreender o argumento produzido em contrário, relativamente a uma forma que se chamou publicidade por omissão.
Revertamos ao texto e vamos a ver se nos compreendemos...
As intenções manifestas desta base são, como foi afirmado aqui e como. consta dela, esclarecer o público e não deixar que seja induzido em erro com a confusão, sempre possível, entre publicidade paga e informação editorial. Este é que é o princípio. O que se quer e evitar que o público seja induzido em erro.
Ora, não compreendo como é que o público pode ser induzido em erro por omissão de um nome. O que pode haver é uma falta deontológica do jornal, se é que a há, pois ninguém é obrigado a pôr os nomes de todos nas coisas que acontecem. É uma questão de critério de informação.
Seja como for, o público não é induzido em erro por omissão. De qualquer maneira, não se trata formalmente de publicidade, mas sim de um aspecto crítico, de uma combinação que poderemos chamar mais ou menos limpa ou, até, intencionada ou caridosa.
Não me atrevo a dizer que seja sempre uma combinação reprovável. Poderá sê-lo, mas. nada tem que ver com a distinção clara entre publicidade paga e editorial ou informação. Esta última representa a opinião do jornal, a outra representa a intenção publicitaria de quem a paga.
É necessário que o público esteja esclarecido, e, aí, a base, formulada como está, pressupõe uma distinção inequívoca e uniforme.
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Era só para perguntar se V. Ex.ª só considera pagamento aquele que se faz contra recibo?
O Orador: - Mas V. Ex.ª volta a pôr o problema. Já disse que o encarava com certa perplexidade. Não estamos a procurar saber se se trata de publicidade escondida por omissão. O que se trata é que a publicidade feita por acção, não por omissão, seja distinguida daquela que não é publicidade, isto é, editorial ou informação. É este o objectivo da base.
Salvo o devido respeito pela inteligência, que muito prezo, e pela argúcia, de todos reconhecida, o Sr. Engenheiro Camilo de Mendonça andou por caminhos muito longínquos em relação à discussão da base, como o reconheceu certamente. Se enxertou nesta uma discussão, muito arguta e viva, sobre outra base de que esta não é sucedânea, mas sim nova, porque foi suprimida ontem pelo texto correspondente, então volto a dizer que o que me parece é que a base se justifica inteiramente nas suas intenções e na sua viabilidade.
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Se o Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros vêem a dificuldade que resulta de uma fiscalização, quanto à publicidade por omissão, poderei responder que, quando se faz uma lei, certamente não se tem a ingenuidade de supor que ela será cumprida rigorosamente por todos. Isso sucederia num mundo de anjos, e, infelizmente, não vivemos nesse inundo - não digo que a imprensa seja pior nem melhor.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Mas eu não me refiro só à de omissão, falo mesmo da outra. Há muitas formas de a pagar. Uma, é contra recibo - e até pode ser a menos frequente.
O Orador: - Sr. Deputado Camilo de Mendonça: Confesso - e parece que já foi dito por quem sabia - que, quanto àquela que não é por omissão, como resulta da própria natureza da coisa, é difícil identificá-la. Quanto à outra, não há dificuldade, a meu ver; se a publicidade é paga, tem de haver recibo, as empresas têm de ter uma contabilidade... Mas isso já não é connosco. Quando fazemos uma lei, que não é um regulamento, é uma lei de base...
O Sr. Camilo de Mendonça: - Dá-me licença! Eu. por exemplo, sou um grande anunciante da imprensa. Se sou um grande anunciante da imprensa, pago, em publicidade concreta e conhecida, verbas maiores ou menores ao longo do ano.
O Sr. Deputado não concebe que é facílimo, por esta via, pagar a outra publicidade que quer atingir por este meio?
O Orador: - Essas são as misérias de todos os negócios...
Risos.
O Orador: - Salvo o devido respeito, a isso chamar se outra coisa: pressão económica. A realidade é esta: a isso que V. Ex.ª referiu chama-se pressão económica, e essa lei, infelizmente, não é traduzível em números, não é despistada. Sabe-se que existe, lamenta-se, mas... enquanto o mundo for mundo, havê-la-á sempre. O mal é esse. Mas volto a dizer: a Assembleia Nacional discute e vota bases gerais, não faz regulamentos. E seria estranho que a Assembleia deixasse de votar um princípio aceite como salutar, pelo facto de reconhecer ser difícil a sua regulamentação. Este é que é o princípio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E desculpe-me V. Ex.ª, Sr. Deputado Camilo de Mendonça, se respondi mais longamente do que desejava, graças às intervenções sempre tão felizes de V. Ex.ª, a um tema que me parece simples e que merece, a meu ver, inteira adesão, tal como está formulado na base V-A, que foi proposta.
O orador não reviu.
O Sr. Homem de Mello: - Sr. Presidente: Apenas duas palavras, para significar à Câmara que não vejo qualquer motivo para alterar a posição que ontem à noite tomei. Há, porém, um argumento que cala no meu espírito: é que, efectivamente, esta matéria - e considero-a da maior importância - pode e deverá porventura ser matéria regulamentar, mais do que matéria que conste da base da lei de imprensa.
Se não for possível aprovarmos o aditamento que o Sr. Deputado Finto Balsemão apresentou, eu permitir-me-ia solicitar que ficasse veementemente expresso o desejo da Câmara de que na regulamentação da lei de imprensa o Governo tomasse o devido cuidado sobre este assunto, de forma que não fosse possível continuarmos a viver nas circunstâncias em que temos vivido.
Mas eu não quereria, também - e o Sr. Deputado Camilo de Mendonça com certeza me há-de compreender e acompanhar -, deixar de recordar que determinadas circunstâncias, passadas há vários anos, circunstâncias essas que me levaram a acompanhar o Sr. Deputado Camilo de Mendonça em determinados propósitos e em determinados votos, que tantos amargos de boca lhe deram a ele e, porventura, ainda mais a mim, e em que nós sabíamos perfeitamente que, ao votarmos e aprovarmos determinada orientação, havia fugas a essa orientação, e nem por isso - porque se tratava de um propósito profundamente moralizador - nós deixámos de a aprovar, sabendo, todavia, que nem todos poderiam aprovar...
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Eu estou perfeitamente de acordo com V. Ex.ª e com a sua afirmação anterior de que devemos esperar, solicitar e insistir para que o Governo enfrente este problema. Acho que o objectivo posto pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão é o mais louvável e o mais «higiénico», se quisermos; quanto a este aspecto, quero dizer-lhe que há uma pequena diferença: nós sabíamos que havia algumas formas de fuga, mas fizemos uma lei para as evitar, e o caso é oposto. A lei que redigimos aqui laboriosamente regulamentou-se para tentar que se fizesse cumprir; mesmo assim, sabíamos que a Administração, na sua fiscalização, não conseguiria fazê-la cumprir totalmente, mas tudo se fez para que a lei fosse exequível, objectivamente cumprível e se desse à Administração meios para a fazer cumprir.
O Orador: - Sr. Deputado Camilo de Mendonça: Eu não quereria continuar o diálogo em relação ao passado, limitei-me apenas a referi-lo e a recordá-lo.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Mas eu pretendia só estabelecer esta diferença, que é fundamental.
O Orador: - Com certeza. Não me parecer que as palavras do Sr. Deputado Camilo de Mendonça tenham embaciado aquilo que acabei de dizer. Eu queria reafirmar que reconheço que esta matéria pode ser mais de regulamentação do que de programação, e senos conseguirmos chamar a atenção de quem de direito para a necessidade imperiosa de no momento da regulamentação da lei de imprensa, se obstar àquilo que vem acontecendo, não direi que ficarei satisfeito, mas será, pelo menos, uma satisfação mitigada, porque não há dúvida de que quem tudo quer tudo perde, e eu prefiro conseguir alguma coisa a perder tudo.
O Sr. Themudo Barata: - Sr. Presidente: Ouvi com a maior atenção o debate que se está travando acerca deste assunto. Pela minha formação técnica e por alguns momentos ou horas passados a meditar sobre os problemas dos dias de hoje, tenho verificado a influência enorme que a técnica quer exercer sobre o homem, e nós, que aqui nesta Câmara tantas vezes, sobretudo algu-
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mas correntes mais espiritualistas, combatemos a tecnocracia, esquecemos que é precisamente através da publicidade, do comando do espírito, que ela se pretende fazer. Sem pretender trazer perante V. Ex.ª aquelas admiráveis descrições do escritor inglês que afirmava que 62 400 repetições fazem uma verdade e que assim pretendia condicionar o homem, eu, socorrendo-me de palavras sóbrias escritas pelo Sr. Presidente do Conselho, posso mostrar qual é a influência enorme que a imprensa tem na vida de hoje e que a publicidade tem ma imprensa. Disse o Sr. Professor Marcelo Caetano, no seu Manual de Ciência Política e Direito Constitucional:
Na verdade, sustentar um jornal, sobretudo um jornal diário, é extremamente caro, daí que a maior parte dos jornais estejam na mão de grupos políticos ou económicos, quando não de Governos, cujos pontos de vista defendem e pretendem fazer prevalecer. A estreita dependência em que a subsistência do jornal se encontra da publicidade força-o também a ter em couta os interesses e susceptibilidades dos eventuais anunciantes, que pesam muito mais que os assinantes e leitores. O mesmo se pode dizer das cadeias de rádio e televisão.
Ora, eu creio que esta proposta é sem dúvida difícil de pôr em prática, pois, como na luta escolar, os alunos encontram sempre mais formas de «cabular» que os professores de os vigiar. Isso não impede que nós nesta Câmara, que é essencialmente política, não definamos os grandes princípios, sobretudo os grandes princípios que visem libertar o homem dos condicionamentos da técnica e dos abusos do Poder. Por isso, darei o meu apoio à proposta do Sr. Deputado Pinto Balsemão, lembrando-me de que a Câmara Corporativa, depois de minucioso estudo e profundo parecer, a escolheu também.
O Sr. Pontífice Sousa: - Sr. Presidente: Eu comungo das ideias expostas pelo Sr. Deputado Themudo Barata relativamente à proposta do Sr. Deputado Pinto Balsemão. Mas queria ponderar perante a Assembleia o seguinte: o que considero estar em causa é conhecer se o princípio contido no texto desta base V-A será ou não defensável. Para mim parece-me defensável o princípio; quanto à soía aplicação prática, creio tratar-se de outro problema, mas entendo que não se poderá dizer que o Governo não tem meios para pôr em prática este texto, visto que o Governo, para a resolução de outros problemas mais difíceis, tem encontrado soluções; e aponto o caso da actual legislação fiscal, para cujo cumprimento o Governo se socorreu da possibilidade de denúncia de qualquer dos interessados.
Tenho dito.
O Sr. Duarte de Oliveira: - Sr. Presidente: Eu só pedi a palavra para dar a minha opinião sobre esta base V-A e para dizer o seguinte: parece-me uma base de efeitos perfeitamente nulos, porque, onde está a sanção para os jornais que não procederem de acordo com a base V-A? Parece-me que esta base incorpora normas de deontologia profissional. Quer dizer: trata-se de programática da deontologia da profissão de jornalista.
O Sr. Pontífice Sousa: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pontífice Sonsa: - V. Ex.ª com certeza não ouviu o que eu há pouco disse.
O Orador: - Não estava cá.
O Sr. Pontífice Sousa: - Eu disse há pouco que o que me parece estar realmente em causa é o princípio contido nessa base. Quanto a sua aplicação prática pelo Governo, parece-me ser outro problema. Referi também que não considero impossível o Governo pôr essa base em prática, que o Governo também a adoptasse para si, e, é evidente, que a Assembleia a votasse. E apontei, em defesa do meu ponto de vista, que, relativamente à maioria da actual legislação portuguesa, o Governo, na dificuldade de promover a adopção dos princípios totais que consignou em lei, admitiu o princípio da denúncia como um dos pontos fundamentais para que a lei pudesse ser posta em vigor. E devo dizer a V. Ex.ª, pela experiência que tenho, que realmente esse princípio funciona com toda a eficiência. E um princípio muito simples. É evidente que mão estou, ou antes, não pretendo preconizar esse princípio para irreversibilidade da lei. Apenas pretendo dizer que haverá métodos de pôr em prática esse princípio, se a Assembleia entender conveniente e se o Governo também o adoptar.
E este, Sr. Deputado, o meu ponto de vista e que me permitiu referir, uma vez V. Ex.ª não o ter ouvido.
O Orador: - Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que admirei o seu ponto de vista e a maneira como quis defender esta base. Mas considero, inclusivamente, esta base uma ingenuidade, na medida em que, porventura, os directores ou empresários jornalísticos podem não escolher indivíduos de formação moral, que não sigam a« normas da deontologia profissional. O que é certo é que será uma ingenuidade mandarmos para uma lei uma base destas que não tem sanções. Ora, as normas de deontologia fazem parte dos direitos inscritos mo coração dos homens, como escritos nas estrelas. Portanto, a nossa lei é - eu considero-a - um voto de confiança aos profissionais da imprensa, directores e todos os profissionais. Ora, se é um voto de confiança a eles, não temos que dar aqui normas deontológicas, que, por certo, eles, em sua consciência, seguirão, porque estamos, assim, a pôr uma base que não tem sanções, que não tem fundamentação jurídica, que não tem carácter de obrigatoriedade. É uma ingenuidade. Este é o meu ponto de vista. Por isso considero escusada esta lei, e até me parece que prejudica um pouco a sistematização de toda a proposta, pois talvez esteja num lugar que não é bem o próprio. Talvez lá mais para a frente pudesse, com outra redacção, pôr-se esta base, dizendo o mesmo ou coisa sensivelmente igual, mas o que é certo é que a seguir à base V não vejo lugar para esta base, além da ingenuidade e da inutilidade dela.
O Sr. Pontífice Sonsa: - Sr. Deputado, dá-me licença?
A fundamentação jurídica, pois, seria a própria base. Agora, realmente, quanto à exequibilidade, só em decreto regulamentar se poderia conseguir. Mas quanto à necessidade, e para a aplicação prática desta lei de imprensa, como aliás da maioria dais leis que se têm aprovado na Assembleias para essa aplicação prática é normalmente sempre necessário um decreto regulamentar, que também poderia fazer-se relativamente a este texto. Mas é evidente que eu respeito absolutamente o ponto de vista de V. Ex.ª, e esta minha adesão resultou apenas da leitura. É evidente que poderá completar-se o princípio aqui proposto, aqui enunciado, por uma reflexão um pouco mais madura do Governo, em decreto regulamentar.
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O Orador: - Sr. Deputado: Pois este princípio,, como já disse, quanto a mim de natureza deontológica, decorre de toda a proposta. Portanto, parece-me que o regulamento a fazer, e que o Governo terá de fazer no prazo de seis meses, pode contemplar situações destas, independentemente da existência da base.
Eus o que eu tenho a dizer., Sr. Deputado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero a proposta em discussão inteiramente inútil. Realmente, para que é que havemos de marcar, de forma inequívoca, a publicidade redigida, pedida por outrem, fé os jornais publicam tomba publicidade redigida por sua iniciativa, por razões efectivas ou pressão económica, como aqui tem sido amplamente dito?
Não haverá nessa exigência, um atentado à liberdade de cada um, isto é, à liberdade de quem quer fazer publicidade ou quem quer consentir na inserção de publicidade?
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pontífice Sousa: - Sr. Presidente: Eu conhecia já o pensamento do meu querido e ilustre colega Sr. Deputado Peres Claro e creio que, como de costume, pensou no problema e no ponto de vista que defendeu e o considerou realmente inteiramente legítimo.
Pois eu apenas desejaria fazer um apontamento, que veio à ideia em virtude dais considerações próprias.
É que em muitas circunstâncias, por imperativos do interesse público, a liberdade individual tem de ser coarctada.
E lembro-me de apontar o caso de muitos produtos onde se tem de apor a marca para que o interesse público não seja prejudicado. Creio que esta base o que pretende também é pôr uma marca que permita a defesa do interesse público, de forma que o público não seja confundido.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte de Oliveira: creio que o Sr. Deputado Pontífice Sousa já tinha acabado. Se V. Ex.ª deseja usar da, palavra pela Segunda vez, concedo-lha com muito gosto; agora já não poderá ser em interrupção ao Sr. Deputado Pontífice Sousa, porque ele tinha acabado.
O Sr. Duarte de Oliveira: - É só para fazer uma afirmação. O que o Sr. Deputado Pontífice Sousa acaba de dizer pode ser, desde o momento em que os profissionais de imprensa não sejam indivíduos moralmente sãos e cumpridores da deontologia profissional, pode ser furada sempre que eles queiram.
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Não vi efectivamente rebatidos, antes verifiquei confirmados, os argumentos que deixei ontem explicitados perante o plenário da. Assembleia.
Nestas condições, nada mais tenho a dizer além de que a comissão eventual mantém a sua posição de não aceitar, no articulado de uma lei desta natureza, a inserção deste preceito.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Duas- palavras apenas.
Dada a opinião que me parece mais generalizada, na Assembleia, e repito aquilo que disse ontem, conheço muito pouco destas - permita-se-me a expressão - tricas jornalísticas è não estou, por consequência, muito habilitado a compreender bem os meandros da questão, mas, dado o ambiente que vejo na Assembleia, afigura-se-me que a base apresentada pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão não terá possibilidades de vingar.
Mas, por outro lado, tenho presentes as considerações do Sr. Deputado Homem de Mello, e afigura-se-me que, se é matéria de regulamentação que será sem dúvida saneadora, por que é que a Assembleia não há-de exprimir um firme voto, mostrando o seu interesse por que o Governo tome em consideração este ponto, que é indiscutivelmente um aspecto sério da lei de imprensa?
Tenho dito, Sr. Presidente.
O Sr. Almeida Cotta: -Sr. Presidente: Segui com a maior «tenção o debate, até porque ele é que me vai danado uma orientação paira o juízo a formular. Creio que se pode traduzir, mesta altura, neste momento, o sentimento da Câmara por estas palavras. É o que se passa em mim; é o que julgo passar-se em muitos dos Sois. Deputados.
Todos, ou quase todos, pensam que realmente é útil que o Governo atente no problema que foi suscitado pelo Sr. Dr. Pinto Balsemão nesta base. Mas penso- também que à maior parte supõe que a base não traduz, ou não encerra, ou não contém, a solução completa do problema ou a solução desejável do problema.
Sendo assim, julgo que a proposta, que foi feita aqui, pelo Sr. Almirante Roboredo e Silva., é perfeitamente aceitável, traduz o sentimento da C amara e é bastante mais prudente, porque ficara então com tempo e horas a entidade competente com a possibilidade de realmente atacar e enfrentar o problema.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Montalvão Machado: - Peço a palavra.
O Sr. Júlio Evangelista: - Peço a palavra.
O Sr.- Presidente: - O Sr. Deputado Júlio Evangelista pediu a palavra?
O Sr. Júlio Evangelista: - O Sr. Deputado Montalvão Machado queria falar e dou-lhe a prioridade, com muito gosto, se V. Ex.ª, Sr. Presidente, o permitir.
O Sr. Presidente: -Desculpe-me, Sr. Deputado Montalvão Machado, mas não tinha reparado que V. Ex.ª pedira a palavra.
O Sr. Montalvão Machado: - Sr. Presidente: São brevíssimas palavras.
Sinto-me profundamente perturbado com a sensibilidade jurídica desta Assembleia, porque só estou a ver em causa essa sensibilidade... mas parece que da pior!
Essencialmente, o que consta da base é uma proibição, que é a de um conteúdo altamente moralizador. Se a indicação que dela consta não chega, cabe necessariamente ao regulamento torná-la mais perfeitamente exequível.
A defesa simplista de que ela não é facilmente exequível parece-me abdicação insustentável de um princípio que é clara e insufismàvelmente polarizador.
A base é, por isso e em minha opinião, de manter e de forma inabdicável.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Suponde de algum modo ser intérprete de um pensamento geral
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da comissão parlamentar para a lei de imprensa, afirmo que o que está em causa não é propriamente um princípio político, mas sim um princípio moral que merece a nossa adesão e que deve ser, em nosso entendimento, remetido para diploma regulamentar.
A comissão eventual adere inteiramente a esse voto e suponho, também, que, neste momento, interpreto o voto do plenário. Embora entenda que não deve ficar consagrado na lei, mas sim ser emitido através de um voto, recomendo para regulamento a inserção e o tratamento dessa matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Balsemão. Anuncio a intenção de dar a matéria por esclarecida, depois das palavras do Sr. Deputado Pinto Balsemão.
O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Congratulo-me pelo ambiente, que sinto nesta Câmara, de adesão ao princípio moral contido na base que apresentei.
Penso, no entanto, como o Sr. Deputado Montalvão Machado bem acentuou, que não há melhor local para esta Câmara manifestar o seu espírito e a sua intenção do que na lei da imprensa.
E não me venham falar em ingenuidades, porque me parece muito mais ingénua, por exemplo, a base VII da proposta do Governo, que foi aprovada por maioria na comissão eventual e que diz o seguinte:
O autor de escritos ou imagens pode publicá-los pela imprensa, desde que a matéria publicada não contrarie a função social desta e sejam observadas as normas legais.
Isto é que, quanto a mim, não tem um mínimo de conteúdo jurídico e não tem nada a ver com uma lei de imprensa, porque o autor «poderá ou não», conforme o entender da imprensa.
Neste caso há realmente uma proibição, como o Sr. Deputado Montalvão Machado acentuou, e bem.
Dizermos que é apenas uma intenção parece-me pouco. O que se obriga é o Governo, através do regulamento, a orientar, dirigir e regulamentar esta matéria, de modo que os jornais sejam impedidos de confundir os seus leitores entre matéria editorial e matéria não editorial.
Não compreendo também o argumento do Sr. Deputado Homem de Mello, dizendo que isto é matéria regulamentar. Regulamentar será, pelo menos, o desenvolvimento disto. Neste momento o que temos de fixar aqui é o princípio que me parece ser aceite por toda a gente.
É por isso, Sr. Presidente, que francamente não compreendo a relutância desta Assembleia ...
O Sr. Almeida Cotta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Cotta: - Toda a Câmara está de acordo com a intenção moralizadora desta base, mas o que disse e acrescentarei é que a Câmara - o que me pareceu sentir da parte da Câmara- é que era insuficiente, que não contém todos os dispositivos necessários para evitar a desmoralização, neste sector da imprensa.
Portanto, não é contra este caso concreto, é por o caso concreto não ser suficiente para poder conseguir o objectivo que determinou a proposta de V. Ex.ª
O Orador: - Mas o que eu penso é que não contém nem tem de conter, Sr. Deputado, porque ...
O Sr. Almeida Cotta: - Não é porque o regulamento não pode ir além. Se se quisesse fazer o regulamento sobre a base, a disciplina da sua execução não podia ir além. Isso é dos princípios gerais de Direito, como sabe - o regulamento não pode ir além da lei. Por isso eu digo: como a lei é incompleta, é preciso então completá-la. Aqui a razão do meu voto ou a razão da minha opinião - eu não emiti o meu voto ...
Muito obrigado.
O Orador: - Eu estou absolutamente de acordo em que o regulamento não pode ir além da lei. E, aliás, como também sou formado em Direito, também o sei ... Mas penso que, neste caso, não há razão nenhuma para, em função do texto proposto, o regulamento não contemplar todas as hipóteses postas, que, como é óbvio, têm possibilidades de fuga, como em qualquer lei, mas, se o espírito é, realmente, o de aprovar este princípio moralizador, se esta Câmara é uma Câmara política, a mim parece-me - como o Deputado Montalvão Machado disse - que o lugar próprio para a manifestação desse desejo moralizador é a lei de imprensa, não uma moção à margem da lei de imprensa.
Muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Considero a matéria suficientemente esclarecida, e, em consequência, vou pô-la à votação.
Submetida à votação, a proposta de aditamento foi rejeitada.
O Sr. Pinto Balsemão: - Em face do equilíbrio, requeiro a contraprova, porque me parece que talvez valesse a pena ...
O Sr. Presidente: - A requerimento do Sr. Deputado Pinto Balsemão, vamos proceder à contraprova.
Submetida à contraprova, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: - Para tranquilidade do Sr. Deputado proponente, dir-lhe-ei que a margem parece ser muito pequena, mas é contra a proposta.
Vamos passar à base VI, em relação à qual não vejo na Mesa nenhuma proposta de alterações.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE VI
(Direito de acesso às fontes de Informação)
1. Aos profissionais da imprensa, no exercício das suas funções, é garantido o acesso às fontes oficiais de informação.
2. Cumpre às autoridades e seus agentes facilitar o acesso às fontes de informação em tudo que não prejudique o exercício das respectivas funções e o interesse geral.
3. O Estado e as entidades de interesse público devem organizar serviços destinados a proporcionar as notícias e os esclarecimentos necessários à informação verídica.
4. O acesso às fontes de informação não implica o direito de examinar processos pendentes, quer judi-
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ciais, quer administrativos, nem o de obter cópias de documentos que não sejam legalmente destinados a publicação.
5. Os factos e os documentos considerados confidenciais ou secretos por motivos de interesse público ou por respeitarem à vida íntima dos cidadãos não são susceptíveis de informação.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Ulisses Cortês: - A base VI do texto da comissão equivale à base V da proposta governamental, com alguns ajustamentos, sobretudo de carácter formal.
Procura-se com esta disposição garantir à imprensa o acesso às fontes de informação - direito este indispensável a uma divulgação dos conhecimentos autorizada, verídica e objectiva.
A este direito corresponde o dever por ponte do Esbaldo e das entidades de interesse público «lê organizar serviços tendentes a esse objectivo.
Esses serviços podem ser autónomos ou exercidos pelas estruturas existentes para evitar a sua inconveniente proliferação.
Este acesso às fontes de informação coincide com o disposto no artigo 14.º do projecto de lei dos Drs. Sá Carneiro e Pinto Balsemão, que foi devidamente considerado pela nossa comissão eventual.
Este direito sofre naturalmente as limitações decorrentes do normal funcionamento dos serviços ou exigidas pelo interesse geral, pelo carácter secreto dos factos ou documentos a examinar ou por estes respeitarem à vida íntima dos cidadãos.
No restante, os direitos da imprensa são amplamente protegidos, para que ela possa desempenhar a sua nobilíssima missão.
Dou, assim, a minha aprovação ao texto da comissão eventual.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra para discutir a base VI da proposta de alterações subscrita pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros, com todas os seus cinco números, passaremos à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à base VII, em relação à qual há uma proposta de alterações subscrita pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão.
Vão ser lidas a base e a proposta de alterações.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE VII
(Direito ao sigilo profissional)
1. E reconhecido aos profissionais da imprensa o direito ao sigilo profissional em relação à origem das informações ou noticiais que publiquem ou transmitam, salvo quanto às que interessem à segurança (exterior ou interior do Estado ou respeitem à verificação ou punição de crimes públicos.
2. Cabe aos tribunais determinar se o segredo profissional se justifica quanto à origem de informações ou notícias pertinentes a crimes semipúblicos e particulares ou à vida íntima dos cidadãos.
Propomos que a base VII seja, substituída por outra, com a seguinte redacção:
1. Aos directores e jornalistas é reconhecido o direito ao sigilo profissional em relação à origem das informações ou notícias que publiquem ou transmitiam, estando os primeiros igualmente vinculados aos segundos, nos termos de regulamento que será aprovado pela Corporação da Imprensa e Antes Gráficas.
2. O direito ao sigilo profissional poderá ser limitado relativamente às materiais de segurança exterior e interior do Estado, de crimes públicos e de assuntos pertinentes à vida íntima das pessoas, em função do predomínio do interesse na investigação sobre, as razões invocadas para o sigilo, cabendo nesse caso aos presidentes das relações decidir, sem recurso, na área da sua jurisdição, depois de ouvidos o Sindicato Nacional dos Jornalistas e o respectivo procurador da República, as questões emergentes do sigilo profissional dos jornalistas e sua revelação suscitadas entre jornalistas ou empresas jornalistas por um lado, e os autoridades judiciais ou policiais, por outro.
3. Para o efeito do disposto no número anterior, é competente o presidente d«. relação em cuja área de jurisdição foi denegado o consentimento de revelação do sigilo, escusada a prestação de declarações com fundamento no sigilo ou recusada a remessa dos elementos solicitados.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 29 de Julho de 1971. - O Deputado. Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão conjuntamente.
O Sr. Duarte de Oliveira: - A base VII estabelece o «princípio do direito dos profissionais de imprensa ao «sigilo profissional.
É bom lembrar que a maioria das leis estrangeiras ignoram esse princípio.
Naturalmente remetem essa questão para as leis gerais.
Apesar de ser, talvez, raro verificar que geralmente se confiam segredos às pessoas que têm a função de dar notícias do que sabem e do que vêem, a verdade é que a questão existe. E todos temos lido e ouvido casos de chamada de jornalistas à barra dos tribunais por se negarem a revelar a origem dais suas notícias.
É uma questão viva, que se entendeu, e bem, dever ser tratada numa lei de imprensa, contrariamente ao que acontecia até agora.
Esta base tem implicações favoráveis, legítimas, de ordem moral lê profissional, e é, além disso, um voto de confiança na profissão. É uma base que visa, em meu entender, o prestígio de uma profissão, o interesse individual do jornalista, a sua independência.
Por isso, esse direito, essa regalia, tem de ceder sempre perante outros interesses colectivos, que ao Estado cumpre salvaguardar e defender.
Aliás, o mesmo acontece no sigilo da profissão médica e dos advogados.
O profissional de imprensa tem, como aqueles profissionais, o direito de guardar sigilo, que também é uma obrigação, nascida da existência de um interesse público que é evidente.
Mas é evidente, ao mesmo tempo, que há graus de importância nos diversos interesses públicos.
Perante a segurança interna e externa do Estado não há interesses que prevaleçam.
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E á punição de crimes públicos é uma exigência da sociedade, que sobrelevará sempre as razoas do sigilo. A defesa da sociedade não pode ceder perante um sigilo que a pode pôr em perigo.
É o problema jurídico da justa causa da revelação do segredo.
Á base II dá possibilidades a um órgão da soberania de determinar até onde o interesse do exercício da justiça é compatível com a obrigação dos profissionais da imprensa e com o seu direito de guardarem segredo quanto às fontes do seu conhecimento. Mas isto não sofrerá contestação, pois tanto a proposta como o projecto são um hino à independência e sensatez dos nossos tribunais.
O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Nesta delicada matéria do sigilo profissional, eu li, com muita atenção, o voto de vencido do procurador Arala Chaves no parecer da Câmara Corporativa.
Parecem-me muito justas e ponderadas as suas considerações. E no sentido desse voto de vencido do Sr. Procurador Arada Chaves que foi formulada esta proposta de substituição da base VII do texto da comissão eventual.
Por um lado, se se caminha para garantir o direito de sigilo profissional, é necessário afirmá-lo e incluir as vinculações dentro da empresa jornalística aos diversos escalões - isto é, o director também deve estar vinculado pelo segredo profissional àquilo que ouve dos seus redactores.
Por outro lado, há toda a vantagem em adoptar o sistema criado para situações afins pelo Decreto-Lei n.º 47 749, de 6 de Junho de 1967, confiando a decisão acerca do eventual predomínio do interesse na investigação sobre as razões evocadas para o sigilo aos presidentes das relações, ouvidos o procurador da República e o organismo corporativo competente.
Tal comissão actuaria não só quanto a assuntos pertinentes à vida íntima das pessoas, mas também no que respeita às matérias de segurança exterior e interior do Estado e aos crimes públicos.
Eu julgo que esta fórmula é miais precisa e oferece mais garantias do que a sugerida na proposta do texto da comissão eventual, até porque, quanto ao n.º 1, não se sabe se são ou não os tribunais quem compete decidir, quando deve e pode ser quebrado o direito ao sigilo profissional. Parece-me, portanto, em conclusão, Sr. Presidente, que - e eu dou o meu inteiro apoio à introdução do princípio do segredo profissional na lei de imprensa - se optarmos por esse caminho, a formulação que proponho é mais perfeita e garante melhor os interesses, não apenas dos jornalistas, mas também os interesses gerais e colectivos, do que a formulação proposta na base VII da comissão eventual.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Como se assinalou no parecer da comissão eventual, este preceito representa uma conquista no direito português. Este preceito adianta-se a algumas das mais avançadas legislações estrangeiras sobre a imprensa. A comissão ponderou devidamente o voto de vencido do Digno Procurador Arala Chaves, não deixou de ponderar as suais razões, mas, tal como acontecera na Câmara Corporativa em que o voto do Digno Procurador Arala Chaves não fez vencimento, também na comissão eventual o mesmo voto não fez vencimento. Por outro lado, a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão encontra-se de algum modo prejudicada por anteriores votações de bases desta Câmara. Designadamente no n.º 1 vem a referência expressa a jornalistas, quando a terminologia legal já consagrada é de profissionais de imprensa periódica, para efeitos desta lei. Novamente se reflecte no n.º 1 a aprovação pela Corporação de Imprensa e Artes Gráficas, que foi objecto de discussão de não fez vencimento na discussão de uma anterior base.
Por outro lado, o n.º 2, a que se faz referência a proposta do Sr. Deputado Pinto Balsemão, e que de alguma maneira reflecte o pensamento que não fez vencimento na Câmara Corporativa nem na comissão eventual, contempla matéria regulamentar que efectivamente não deveria merecer consagração nesta lei, mas desenvolvimento adequado no lugar próprio.
O mesmo se dirá quanto ao n.º 3: sou de parecer que se deve manter o texto tal como a comissão eventual o apresentou, e é esse que deve merecer a nossa aprovação.
Além disso, Sr. Presidente, desde já requeri a prioridade para a votação da base constante do texto propósito pela comissão eventual.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Era apenas para fazer um leve reparo, que espero não seja tomado como impertinência pela nossa Comissão de Legislação e Redacção, a cuja sabedoria eu rendo as minhas homenagens.
É apenas por deformação profissional que me permitia sugerir que em vez dos adjectivos «exterior» ou «interior» se aplicassem os adjectivos «externa» e «interna».
Muito obrigado.
O Sr. Pinto Balsemão: - Eu ouvi, com muito prazer, as palavras do Sr. Deputado Júlio Evangelista.
No entanto, reparo que o Sr. Deputado Júlio Evangelista disse que a comissão tinha considerado o voto ide vencido, que, no fundo, está aqui defendido na minha proposta, do Sr. Procurador Arala Chaves, mas que não o tinha aceite; todavia, não explicou porquê. Teria interesse. Apenas disse que nesta, proposta haveria algumas expressões prejudicadas, e, com a devida licença da Mesa, penso que isso seria um problema puramente da Comissão de Legislação e Redacção; e sustentou que o n.º 2 e o n.º 3, segundo creio, continham matéria regulamentar. Não sei até que ponto esta matéria será regulamentar. Parece-me que é tão importante e o Sr. Deputado Júlio Evangelista acentuou-o bem- a conquista, para o direito português da introdução deste princípio do sigilo profissional para os jornalistas numa lei de imprensa que a matéria tem dignidade e até é necessário que seja regulada nesta lei, que, não devemos esquecer, é da competência da Assembleia.
Há toda a vantagem ema que num caso desta gravidade a própria lei de imprensa preveja o modo de optar entre o interesse colectivo e o do sigilo profissional.
Aliás, como todos nós sabemos, noutras matérias desta mesma liei há regulamentação, como é o caso do direito de resposta, do direito de esclarecimento, do direito às rectificações oficiais, - etc.; não é, portanto, caso único.
Teria, por isso, muito prazer em ouvir as críticas ou as razões específicas de rejeição do voto de vencido do Sr. Procurador Arala Chaves, pois penso ter repetido
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a acusação feita sobre o facto de esta matéria ser regulamentar.
Obrigado.
O Sr. Júlio Evangelista: - É só para duas observações ao Sr. Deputado Pinto Balsemão. Efectivamente, basta dizer e justificar deste modo: o voto do Digno Procurador Arala Chaves não teve vencimento Dia Câmara Corporativa e não o teve na comissão eventual. Isto chega para justificar a posição que tomei ...
Quanto aos n.ºs 2 e 3 da proposta de V. Ex.ª para regulamento, são pouco; para base geral, são de mais.
O Sr. Pinto Balsemão: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Se V. Ex.ª deseja falar como aparte, tenho muito gosto nisso. Supondo que V. Ex.ª já tenha (esgotado o seu direito regimental de uso da palavra, tenho muito gosto nisso, se o Sr. Presidente o consentir.
O Sr. Pinto Balsemão: - Agradeço, porque realmente já não tenho direito regimental de intervir por mim próprio outra vez. E que parece-me que o facto de a Câmara Corporativa,, por maioria - porque há vários Procuradores que adoptam o voto de vencido do Procurador Arala Chaves, nesta e noutras questões -, e a Comissão, também por maioria, não terem aprovado o voto de vencido do Procurador Arala Chaves, não será razão .suficiente para demonstrar ou para convencer o plenário de que não deva aprovar a minha proposta.
Isto como primeira observação.
Como segunda observação, devo dizer a V. Ex.ª que estes n.ºs 2 e 3 foram adaptados do Decreto n.º 47 749, que tenho aqui à sua disposição, caso deseje ver, e que me parece que este decreto é e tem vindo a ser executado por si mesmo, sem necessidade de qualquer regulamentação posterior. Portanto, o argumento de que não é suficiente como regulamento, parece-me que não, porque este decreto, que eu saiba, não foi regulamentado, nem precisa sê-lo, na minha opinião. Muito obrigado, pelo aparte.
O Orador: - Sr. Deputado Pinto Balsemão: Nós estamos a reformar. E pedia a V. Ex.ª atenção para o seguinte: neste ponto, que reputo um dos pontos fundamentais da lei que estamos a votar, que reputo uma conquista do mais alto alcance, quando se consagra pela primeira vez, no direito português, o «direito ao sigilo profissional dos jornalistas» -7 advogados e médicos têm o dever de sigilo profissional e nós consagramos para os jornalistas o direito ao sigilo profissional -, eu desejava, Sr. Deputado Pinto Balsemão, apelando para V. Ex.ª e para a Câmara, que se desse o devido realce à votação desta base. Uma base geral, mas do mais alto significado, que não se encontra consagrada nalgumas legislações, como disse, de alguns dos mais avançados países nestes domínios, e representa uma conquista que o Governo apresentou à Câmara, que a Comissão aceitou, e que o plenário tem de votar, com a certeza de que está a votar uma base do mais alto significado.
O Sr. Pinto Balsemão: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Apelava para V. Ex.ª para que n3o ficasse, diminuído o sentido desta base, afinal por uma pequena divisão de pormenor e de carácter puramente regulamentar, que com todo o respeito eu apreciaria e aprecio, mas não queria que viesse a empanar a dignidade e a grandeza da base que vamos votar.
O Sr. Pinto Balsemão: - Dá-me licença? Desculpe, eu tenho de falar em aparte ... Se me desse licença ... É precisamente por o princípio ser tão importante e ser uma conquista, como V. Ex.ª acentuou, e muito bem, do direito português - no caso, também da imprensa portuguesa -, que mo parece que devemos torná-lo tão perfeito e exequível quanto possível. E é por isso que eu devolvo o apelo e apelava para V. Ex.ª para atender aos termos da proposta e, caso julgasse realmente possível, votasse nela porque me parece realmente mais perfeita do que a sugerida por V. Ex.ª
Muito obrigado.
O Orador: - Sr. Presidente: Eu tinha consentido o aparte do Sr. Deputado Pinto Balsemão e agora permita-me terminar com um requerimento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Orador: - Dada a dignidade e a grandeza desta base, requerendo a prioridade para a votação do texto proposto pela comissão eventual, requeria que V. Ex.ª fizesse a votação por levantados os Sr s. Deputados que aprovam esta base.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Estão perante VV. Ex.ªs o texto básico, adoptado pela Assembleia como orientador e fundamento das suas deliberações, e uma proposta de alteração a este mesmo texto, na sua base vil.
A base do texto fundamental tem dois números e a proposta de alteração tem três números. Parece, na Mesa, que os números são desenvolvimentos do mesmo tema. Embora o aspecto formal seja diferente, estamos perante uma proposta de emenda ao texto básico.
O Sr. Deputado Júlio Evangelista requereu à Assembleia prioridade de votação para a base VII, segundo o texto fundamental, que é o que consta das propostas dos Sr s. Deputados Ulisses Cortês, Júlio Evangelista e outros.
Não vejo nada que contrarie o seu requerimento, mas o deferimento dele depende da vontade da Assembleia. Assim, pergunto à assembleia se concede a- prioridade, na votação, ao texto da base VII, segundo é proposto pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros e segundo a Assembleia o adoptou para fundamento dos debates.
Submetido à votação, foi concedida a prioridade.
O Sr. Presidente: - Deferido o requerimento do Sr. Deputado Júlio Evangelista, passamos à votação da base VII, segundo o texto- apresentado pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à base VIII. Em relação a esta base, há uma proposta de eliminação pendente na Mesa.
Vão ser lidas, a base e a proposta de eliminação.
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Foram lidas. São as seguintes:
BASE VIII
(Direito de publicação)
O autor de textos ou imagens pode publicá-los pela imprensa, desde que a matéria publicada não contrarie a função social desta e sejam observadas as normas legais.
Propomos a eliminação da base VIII.
Sala das Sessões, 29 de Julho de 1971. - Os Deputados: Francisco José Pereira - Pinto Balsemão - Joaquim Macedo Correia.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão, conjuntamente.
O Sr. Pinto Balsemão: - Já há pouco, ao tentar responder ao Sr. Deputado Duarte Oliveira, invoquei esta base, como exemplo de preceito que, em minha opinião, não tem lugar na lei de imprensa e, sobretudo, numa lei com a dignidade que devemos dar à que estamos a fazer.
Na verdade, esta base não tem qualquer interesse jurídico ou sequer programático. É evidente que o autor dos escritos ou das imagens as pode publicar pela imprensa, mas também é evidente que só poderá publicá-los se a imprensa o quiser fazer. Além disso, é também evidente que esse escrito ou imagem não possa contrariar a função social da imprensa e que sejam observadas as normas legais.
Penso que, aqui, são utilizáveis plenamente, e por isso vou ser muito sucinto, os argumentos que há pouco foram indevidamente utilizados por vários Srs. Deputados a favor da rejeição da base 5-A, que eu havia proposto.
É, na verdade, um caso em que programaticamente o texto não diz nada e juridicamente ainda diz menos.
Por isso, não vejo qualquer razão para a sua manutenção na lei de imprensa.
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Queria lembrar - e isto não é só uma consideração de ordem geral, que justifica muitas das posições tomadas pela comissão eventual e por mim, particularmente, neste debate, como, além do mais, uma explicação que se me afigura necessária à Câmara- o seguinte: estamos em presença de uma lei que obedece a um rigor lógico a um sistema, a uma harmonia, que todas as leis têm de conter. A lei de imprensa, Sr. Presidente, desdobra-se harmonicamente nos seus desenvolvimentos.
Esta preocupação de manter a unidade, o sistema, a harmonia da lei, comprometeu até de algum modo certos ajustamentos que a própria comissão quis fazer com o projecto de lei e com o texto da Câmara Corporativa, e no que se viu impossibilitada quando os sentiu prejudicados dentro deste sistema.
Ora, esta argumentação vem a propósito da proposta de eliminação agora apresentada pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão. O capítulo II da lei, que tem por epígrafe «Liberdade de imprensa, suas garantias e limites», contém na base V uma enunciação da liberdade de imprensa. Esta liberdade de imprensa, como direito que é, tem os seus desenvolvimentos nas diversas faculdades em que se desdobra o seu exercício. E é por isso, Sr. Presidente, que, logo a seguir à base sobre a liberdade de imprensa, vêm as variadíssimas epígrafes da consagração das faculdades em que essa liberdade se analisa: o direito de acesso às fontes; o direito ao sigilo (que acabámos de votar); o direito de publicação; o direito à constituição de empresas; o direito à circulação de impressos ...
A base XII conjuga-se com o n.º 2 da base v, isto é, a base v, no seu n.º 2, diz, ao falar da liberdade de imprensa e ao enunciá-la: «É lícito a todos os cidadãos utilizar a imprensa, de acordo com a função social desta e com o respeito dos direitos de outrem, das exigências da sociedade e dos princípios da moral.»
No desdobramento lógico e sistemático deste princípio, surge-nos a base VIII, que agora está em discussão e que diz, sob a epígrafe «Direito de publicação»: «O autor de textos ou imagens pode publicá-los pela imprensa desde que a matéria publicada não contrarie a função social desta e sejam observadas as normas legais.»
Quer dizer que esta base é indispensável dentro do sistema, dentro do processo de sistematização da lei. Consiste na consagração, em base autónoma, do princípio geral, enunciado na base v, do direito de utilização da imprensa para todos os cidadãos.
Tenho dito, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pinto Balsemão deseja usar da palavra? Ainda tem uma vez ...
O Sr. Pinto Balsemão: - Se possível, eu preferia reservá-la para um pouco mais tarde ...
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra, passaremos à votação.
O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Ouvi com toda a atenção o Sr. Dr. Júlio Evangelista, mas eu acho que ele, de certo modo, veio dar-me razão. E fê-lo com um argumento em que eu ainda não tinha pensado. É que, realmente, esta base vem repetir, escusadamente, o n.º 2 da base V. Além disso, o Sr. Dr. Júlio Evangelista não definiu o que é o direito à publicação. Eu também não entendo o que é - acho que ele não está definido nesta base ... Eu admitiria que houvesse uma definição, mas ... «O autor pode publicar os escritos na imprensa» ... Isto não quer dizer nada! Nós já sabemos que ele pode publicar, mas é preciso que a imprensa o autorize ...
Não vejo qualquer vantagem nesta base, repito, e também não vejo, em resposta ao argumento da sistematização que S. Ex.ª invocou, o que é que esta base poderá vir a acrescentar ao rigor lógico, ao desdobramento harmónico - julgo que foi a expressão usada por S. Ex.ª - da lei de imprensa.
O Sr. Júlio Evangelista: - Não vi enunciadas pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão as desvantagens ou os inconvenientes que levariam à eliminação desta base.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra passaremos à votação.
Há uma proposta de eliminação da base VIII do texto fundamental adoptado pela Assembleia, que regimentalmente item prioridade de votação. Vai ser portanto poste à votação a proposta de eliminação.
Submetida à votação, foi aprovada.
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O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: Requeiro a contraprova, porque deve ter havido mu equívoco.
O Sr. Presidente: - Vamos proceder à contraprova. Submetida à contraprova, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: - Está rejeitada a proposta de eliminação, subsiste, portanto, a proposta da base VIII, que ponho agora à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à base IX, em relação à qual também há uma proposta de alteração dos Srs. Deputados Pinto Balsemão, Ávila de Azevedo e outros.
Vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE IX
(Direito à constituição de empresas)
O direito de constituir empresas editoriais ou jornalísticas e de participar nelas será regulado de modo a conciliar os direitos individuais e o interesse público.
Propomos que a base IX seja substituída por outra, com a seguinte redacção:
É livre a fundação de empresas jornalísticas, editoras e noticiosas com vista à elaboração, edição e difusão de quaisquer publicações e notícias sem subordinação a autorização, caução, habilitação prévia ou outras condições que não sejam as constantes desta lei.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 29 de Julho de 1971. - Os Deputados: Francisco José Pereira Pinto Balsemão - Rafael Ávila de Azevedo - Joaquim Macedo Correia.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão conjuntamente.
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: A base IX que está em discussão tem uma intimidade sistemática e de matérias com ias bases XXVI e XXVII, que constituem todo o capítulo IX do texto que estamos a discutir, porquanto a base IX, cuja epígrafe é «Direito à constituição de empresas», tem os seus desenvolvimentos no capítulo IV, sob a epígrafe «Empresas jornalísticas e editoriais»; base XXVI - «Pessoas colectivas»; base XXXII - «Pessoas singulares». Dada esta intimidade das matérias e o facto de haver conveniência ou vantagem em discuti-las em conjunto, requeria a V. Ex.ª que elas fossem postas à votação no seu conjunto, com as vantagens que se me afiguram manifestas.
O Sr. Presidente: - O que V. Ex.ª desejava ouvir discutir em conjunto são as bases IX a XXVI e a XXVII?
O Sr. Júlio Evangelista: - Exacto, dada a intimidade e o desenvolvimento lógico das matérias. Aliás, há um outro argumento, é que a base IX da proposta do Sr. Deputado Pinto Balsemão refere-se a todas estas matérias. Se V. Ex.ª reparar, o conteúdo da proposta do Sr. Deputado Pinto Balsemão envolve matérias de que todas estas três bases tratam.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Júlio Evangelista, eu receio bem que a Assembleia não compreenda a associação que V. Ex.ª afirma, uma vez que os redactores da proposta não a materializaram. Sem dúvida nenhuma que o Regimento permite votar e discutir por grupos de exposições, mas parece-me, formalmente, pelo menos, um pouco difícil, estar a constituir grupos tão dispersos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - De forma que com certeza não há inconveniente para o debate em apreciarmos agora a base IX e na sua altura própria a XXVI e a XXVII, não sendo culpa nem da Mesa nem da Assembleia que realmente os ordenadores da matéria tivessem querido marcar a distinção que resulta de estarem tão distanciadas no texto.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Presidente?
Eu acho perfeitamente certa e de algum modo pertinente a argumentação de V. Ex.ª, mas se V. Ex.ª reparar, nós, ao termos de discutir a base IX, proposta pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão, não poderemos deixar de remeter para as bases XXVI e XXVII, porque aquela base trata precisamente de matérias contidas nessas duas bases posteriores. Eu referia, ainda a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que se aprovarmos a base IX do Sr. Deputado Pinto Balsemão, estão prejudicadas as bases XXVI e XXVII, do texto da comissão eventual, nalguns aspectos fundamentais.
O Sr. Presidente: - A Assembleia considerará com certeza, uma vez que V. Ex.ª a está advertindo disso, mas eu não me lembro na prática parlamentar de a Assembleia deixar de votar bases sem considerar os seus efeitos à distância ...
O Sr: Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Parece-me, realmente, que não é aconselhável a discussão desta base em conjunto com as outras duas. Como o Sr. Dr. Júlio Evangelista acentuou, e muito bem, há pouco ao defender a manutenção da base sobre o direito de publicação, este conjunto de preceitos do capítulo II visam segurar um certo número de direitos, o acesso às fontes de informação, ao sigilo profissional, à publicação, à constituição de empresas, à circulação de impressos, às garantias e aos limites da liberdade de imprensa.
O capítulo sobre as empresas jornalísticas e editoriais vem mais adiante e refere-se especialmente a determinados requisitos que essas empresas devam ter.
Parece-me, portanto, que até é desvantajoso estarmos a discutir as duas coisas em conjunto, até porque neste caso o problema que se levanta quanto à base IX é o da possibilidade de criar ou não livremente empresas jornalísticas. Mais adiante deverão discutir-se os requisitos e algumas limitações que esta Câmara entenda deverem fazer parte da própria lei, apesar de poderem ser qualificadas como matéria regulamentar, quanto à criação e funcionamento das empresas jornalísticas. Por isso me parece, Sr. Presidente, que era muito preferível para uma melhor votação e para os trabalhos da Câmara, discutir separadamente esta base IX, das bases XXVI e XXVII.
O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: Eu apelava para o alto critério de V. Ex.ª, para a autoridade com que tem dirigido estes trabalhos, pela proficiência da sua orientação, a que eu presto a mais rendida homenagem. Per-
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mita-me que, modestamente, mas convictamente, chame a atenção de V. Ex.ª para o nexo incindível que existe entre a base IX do texto da comissão eventual e as bases XXIV, XXV e XXVI do mesmo texto.
Trata-se exactamente da mesma matéria, porque, se se reflectir bem, verifica-se que na base IX se estabelece o direito de constituir empresas e que, a base XXV se refere à mesma matéria, ao mesmo assunto - a constituição das empresas e os requisitos para essa finalidade: na base XXVI, em relação a pessoas colectivas, e na base XXVII, relativamente a pessoas singulares.
Ora, Sr. Presidente, já V. Ex.ª citou o Regimento, e com a maior pertinência.
Regimentalmente, esta prática é possível paira eficiência e aceleração dos trabalhos parlamentares e é neste aspecto imperativa. Confesso que dificilmente posso discutir a base IX desprendida do texto das bases XXV e XXVI. Por estas razões e porque, não há impedimento regimental, como V. Ex.ª expressamente reconheceu, e ainda porque, infelizmente para mim, sou um dos mais velhos parlamentares desta casa, posso asseverar que com frequência assim se (procedeu, associando-se na discussão e votação os preceitos afins, tf uma velha e útil prática parlamentar, com raízes profundas na experiência legislativa. É por estes motivos que eu, respeitosamente e acatando desde já a decisão de V. Ex.ª, me permita, se isso me é lícito, chamar para o facto a alta atenção de V. Ex.ª A minha sugestão contribuía, aliás, para a celeridade da discussão.
O Sr. Presidente: - As palavras do Sr. Deputado Ulisses Cortês lançam o Presidente da Assembleia na mais profunda inquietação de inteligência e sobretudo de alma. Direi mesmo, na mais profunda inquietação de alma, porque sou extraordinariamente sensível e aprecio infinitamente o esforço dedicado pelo Sr. Deputado Ulisses Cortês na condução do estudo desta proposta de lei.
Sei que a Assembleia lhe deve, pessoalmente (embora não só a ele), mas a maior parte a ele, um grande serviço.
Serviço que a Assembleia deverá considerar de todas as manearas, salvo numa: o de desobedecer ao que parece lógico.
Pois foi o Sr. Deputado Ulisses Cortês e a sua própria comissão que ordenaram . as matérias como estão presentes sobre os nossos olhos.
Como é que a Assembleia aceitará a afirmação de que matérias tão distantes no texto estão afinal tão vizinhas fio sentido?
Eu entendo, Sr. Deputado Ulisses Cortês, com o profundíssimo respeito e espírito de acatamento e de consideração que tenho pelo valor do trabalho desenvolvido por V. Ex.ª e por toda a comissão, que não será razoável, perante a Assembleia, construir um grupo com as bases IX, XXVI e XXVII.
Vou pôr, portanto1, à votação, se mais nenhum Sr. Deputado quiser usar da palavra, a base IX, e estou absolutamente certo de que a Assembleia saberá ponderar as razões que VV. Ex.ªs apontaram e que calarão no espírito dos Srs. Deputados, perfeitamente aptos como estão, a avaliá-las, a julgá-las e a medir as consequências do seu voto.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: Iremos votar a base IX, mas observo a V. Ex.ª, se mo permite, que a proposta de alteração do Sr. Deputado Pinto Balsemão mão é apenas à base IX, mas também às XXVI e XXVII. Votaremos agora a base IX, mas teremos de discutir, desde já, a nossa proposta da comissão juntamente com as consequências que ficariam prejudicadas por uma proposta de alteração, que não é apenas à base IX, o é também às outras duas, porque as elimina. Quer dizer: a base IX, como é proposta, tem um complemento que são as bases seguintes.
A base IX, como é proposta pelo Sr. Deputado Pinto Balsemão, contém tudo e elimina consequentemente as duas cultoras bases. Quer dizer que, efectivamente, eu reconheço a distância de tudo isso, mas o problema que se tinha posto à comissão não era de distância; era este, era que a proposta de alteração que foi apresentada à base IX o era também às duas outras.
Posto isto, direi duas palavras, apenas.
Ë evidente que o espírito que enforma esta base é o mesmo a que temos assistido em outras já discutidas: uma desconfiança manifesta na acção do Estado; uma intenção de retirar ao Estado uma certa possibilidade de intervenção, que nuns casos se consubstancia em pretender entregá-la a uma corporação; noutros, em a definir de forma definitiva, mas não completa, no próprio texto que estamos a votar. Efectivamente, na medida em que estas matérias são da competência exclusiva da Assembleia, eu compreendo pouco que se tenha tanta desconfiança de que tem por função a defesa do interesse geral. Pois, se abusos a Administração os cometer na regulamentação, cá está a Assembleia Nacional. E estamos dando uma prova desta liberalidade e divergência de opiniões que vai mais longe, porque mostra perfeitamente que não há aqui nenhum espírito partidário. Até chocará, porventura, que haja tão pouco espírito gregário. Pois, Sr. Presidente, efectivamente, é a primeira coisa que me choca. Depois, parece muito mais lógico que não fiquemos tanto no domínio de intenções, quando já se criticou que as bases fossem platónicas. Mas, parece que quando são platónicas num sentido, merecem aceitação; quando o parecem ser, não sendo às vezes tão inocentes como isso, já não merecem e se acoimam de platónicas. Eu parece-me, salvo o devido respeito, que a Menção, para lá desta outra de afastar total e completamente qualquer direito jurisdicional do Poder Público, não há diferença substancial. Mas há esta, que não é pequena.
E parece-me, por outro lado, que o texto da comissão é harmónico, é unitário. E, para este perigo de estarmos a votar por apreciação isolada e separada numa lei desta natureza, para esse perigo eu queria chamar a atenção de todos os Srs. Deputados. Parece-me, dizia, que, efectivamente, não pode haver alternativa neste caso, senão para a votação da proposta da comissão formulada posteriormente por alguns Srs. Deputados.
O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Parece-me que este é um dos pontos mais importantes da lei de imprensa que estamos a discutir e a votar. A livre criação de empresas jornalísticas constitui uma das garantias essenciais para a existência efectiva da liberdade de imprensa.
Por um lado, só libertando o condicionamento actualmente existente - condicionamento estritamente político quanto à concessão de novos títulos - se poderá criar uma sã concorrência, através da qual melhore a qualidade do produto informativo e através da qual encontrem modos de expressão todas as pessoas interessadas em exprimir o seu pensamento.
Por outro lado, a constituição de novas empresas jornalísticas ou editoriais é condição da maior relevância para contrabalançar o recente movimento de aquisição de títulos por grupos económicos.
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Se pretendemos que a censura aos grupos de pressão não venha substituir-se à censura política, devemos facilitar o aparecimento de novas empresas jornalísticas, editoras e noticiosas. Caso contrário, poderíamos ter a lei de imprensa mais liberal do mundo ...
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª considera que deve ser livre, mesmo para capitalistas estrangeiros?
O Orador: - V. Ex.ª deseja interromper?
O Sr. Camilo de Mendonça: - Foi só a pergunta.
O Orador: - Mas ainda não a ouvi ... E V. Ex.ª não me pediu autorização para interromper.
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª considera que deve ser livre, mesmo para capitalistas estrangeiros?
O Orador: - Já respondo a esse ponto.
Caso contrário, poderíamos ter a lei de imprensa mais liberal do mundo e correr o risco permanente de os jornais só dizerem o que a política informativa dos respectivos proprietários consentisse.
Note-se, aliás, que a Câmara Corporativa concorda até certo ponto com esta tese ao afirmar, nomeadamente, que: «Se a imprensa não pode ser equiparada a qualquer indústria ou comércio, também não é um serviço público que possa ser dominado pelo Estado, cuja ingerência deve ser reduzida a um mínimo indispensável ...», e logo a seguir: «... a forma de constituição de empresas jornalísticas deverá constar da lei e não de simples regulamento».
O Sr. Deputado Camilo de Mendonça utilizou uma expressão que não me agrada. Utilizou a expressão «desconfiança na acção- do Estado».
Não estou, aqui, a desconfiar de ninguém, Sr. Deputado. Estou a tentar contribuir apenas para uma lei de imprensa que interesse a todos.
Parece-me, pois, totalmente deslocada essa palavra «desconfiança», e não a aceito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É realmente da competência exclusiva da Assembleia Nacional esta matéria. Penso que a versão apresentada para a base IX, na proposta que subscrevi, não implica de qualquer modo a eliminação das bases posteriores - XXVI, XXVII ou outras, como as bases referentes à direcção e edição dos periódicos -, visto que no texto se diz expressamente: «ou outras condições que não sejam as constantes desta lei».
Portanto, se a lei (nas bases XXVI, XXVII ou outras) inclui condições, de certeza que essas serão respeitadas, quanto à constituição e funcionamento das empresas.
Por tudo isso, Sr. Presidente, julgo que, não consentindo ou não abrindo totalmente a possibilidade de criação de empresas jornalísticas, estamos a fechar uma das portas fundamentais da liberdade de informação e da liberdade de imprensa.
O .Sr. Montalvão Machado: - Tem-se sustentado que a votação desta proposta de alteração excluiria, pura e simplesmente, as bases XXV e XXVI, tal como resultam da redacção da comissão eventual. Não consigo entender como.
O que consta desta base IX da comissão eventual é que tais condições ficam para um simples regulamento, posição que, uma vez mais, não deve interessar a esta Câmara, que deve estabelecer princípios e não tem de se preocupar com o regulamento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No aspecto de princípios, a proposta de alteração do Sr. Deputado Pinto Balsemão está perfeitamente de acordo com a economia da redacção da comissão eventual, que nas bases XXV e XXVI estabelece os requisitos essenciais e exclusivos e a que a proposta de alteração inclusivamente se refere.
É, portanto, minha opinião que se deve aprovar a proposta de alteração.
O Sr: Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: A base IX, do texto proposto pela comissão eventual, consagra o princípio da liberdade de constituição de empresas editoriais ou jornalísticas e diz que esse princípio será regulado de modo a conciliar os direitos individuais e o interesse público.
Isto é a afirmação da própria lei constitucional, que não pode deixar de ter consagração na lei que estamos a discutir e a votar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Reconhecido que a imprensa exerce, pela sua dignidade e pela sua importância, função de interesse público, seria de todo ilógico e incoerente que nesta lei não ficasse consagrado o princípio da conciliação dos direitos individuais com referência ao interesse público. É o que se consagra nesta base submetida à discussão.
O princípio, Sr. Presidente, é o da liberdade da criação de empresas. Mas a afirmação imediata é a de que assa liberdade tem como parâmetros decisivos os de conciliação dos interesses individuais e do interesse público. Retirar a este preceito esta afirmação é retirar um injunção de carácter constitucional, ao qual a nossa inteligência se recusa.
Em segundo lugar, esta é ainda a afirmação do princípio - no seguimento dos desenvolvimentos a que há pouco me referi - da liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa desdobra-se em vários direitos, como disse: o direito de acesso às fontes; o direito ao sigilo; o direito de publicação e o direito de constituição de empresas, etc. Mas logo a própria lei, que não pode deixar de ter presentes os limites constitucionais em que actua, vem, num capítulo próprio, que é o das bases XXVI e XXVII, dizer os requisitos a que devem obedecer as empresas e a sua constituição, e esses requisitos são estabelecidos em termos de proteger o interesse público e o interesse nacional - que está no pensamento, implícito e expresso, de todo o legislador. Vou mais longe e poderia dizer, sobretudo a propósito da base XXVI, que a nossa lei, nos requisitos exigidos, é, nalguns aspectos, mais aberta que outras legislações. Mais aberta, por exemplo, quanto à constituição do Capitel idas empresais editoras, mas porventura mais exigente quanto à constituição do capital das empresas jornalísticas. Isto parece evidente; e a evidência não se demonstra.
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O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: Eu vou proferir algumas singelas considerações, muito sóbrias e muito breves, porque a expressão do meu pensamento e da posição que tenho sobre esta base foi explicitada, com o seu brilho habitual, pelo relatar da Comissão, Sr. Deputado Júlio Evangelista.
Eu queria apenas fazer uma ligeira fundamentação constitucional, e a isso limitarei as minhas considerações.
Neste «artigo consagra-se, de maneira solene, uma das liberdades essenciais, a liberdade de constituição de empresas jornalísticas. É este um dos princípios fulcrais da proposta do Governo e a afirmação solene das suas tendências liberalizadoras.
Este princípio não pode, não é lógico que seja omitido numa lei de imprensa. Eu chamo a atenção da Assembleia precisamente para este facto. Na proposta de lei, que tem um sentido amplamente liberal, é precisamente neste base que se inscreve a liberdade da constituição de empresas.
Essa liberdade, tenho a certeza, está no espírito e no coração de toda a Assembleia. Mas eu disse, Sr. Presidente, que queria limitar as minhas considerações a um depoimento desvalioso, mas em todo o caso de alguma importância, ou pêlo menos, de alguma oportunidade, neste momento. Quero significar que esta base está em rigorosa, em absoluta, em estreita consonância com o estatuto fundamental do Estado.
A obediência da fundação de empresas ao interesse público é exigência da Constituição, que, no artigo 6.º, n.º 2.º, prescreve que:
Ao Estado incumbe fazer prevalecer a harmonia de todos os interesses, dentro da legítima subordinação dos particulares aos gerais.
É exactamente esta doutrina constitucional que está consagrada nesta base, e, por isso, ela merece a aprovação da Assembleia.
O Sr. Duarte de Oliveira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra só para discordar do meu ilustre colega Montalvão Machado, na medida em que disse não haver qualquer ligação entre a base IX e as bases XXVI e XXVII, ou ao contrário, que a base IX não excluía as outras.
Eu mão sei bem como interpretar esta base IX do Sr. Deputado Pinto Balsemão, não sei se ele entende que é livre a fundação de empresas jornalísticas, pois existem as bases XXVI e XXVII que estabelecem os princípios a que deve obedecer ia fundação destas mesmos empresas. Não há uma liberdade absoluta, como a constituição de uma sociedade qualquer que não tenha as implicações de interesse de ordem pública que acompanham a fundação de empresas jornalísticas.
As empresas jornalísticas não podem ficar subordinadas ao jogo das empresas particulares, têm de ficar subordinadas a normas de interesse de ordem publicai, que se encontram estabelecidas nesta base. Parece-me, portanto, que na formulação exacta da base IX há uma contradição nos próprios termos e implicações directas com as bases XXVI e XXVII da proposta da comissão eventual.
O Sr. Montalvão Machado: - Eu suponho que não estamos a encorar o problema com adequada lucidez e clareza.
Bem exactamente ao contrário do que se sustenta, o único princípio útil da base IX da comissão eventual é, como já foi demonstrado, e parecia evidente, pelo
Sr. Deputado Ulisses Cortês, pura e simplesmente uma redundância, visto que o princípio está já afirmado ...
O Sr. Ulisses Cortês: - V. Ex.ª dá-me licença?
A V. Ex.ª peço autorização.
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Ulisses Cortês: - V. Ex.ª certamente não foi fiel ao seu pensamento quando afirmou que a Assembleia não estava a equacionar o problema com a devida lucidez. Eu suponho que isto não está no pensamento de V. Ex.ª e, portanto, afasto e considero essas considerações como não produzidas.
O Orador: - V. Ex.ª pode responder pelo seu pensamento; eu respondo pelo meu.
O Sr. Ulisses Cortês: - V. Ex.ª afirmou que não esternos ...
O Orador: - Não. Eu disse que a Assembleia não estava até agora ...
O Sr. Ulisses Cortês: - Consequentemente, as pessoas que intervieram na discussão não estavam a examinar o problema com a devida lucidez. Isso referia-se-me pessoalmente e referia-se também aos oradores que me antecederam.
O Orador: - Do mesmo modo que aquilo que V. Ex.ª disse reflecte um ponto de vista contrário ao meu.
O Sr. Ulisses Cortês: - Eu a V. Ex.ª só tenho de testemunhar consideração e apreço e dizer-lhe que é com o maior respeito, com o mais profundo respeito, que ouço as suas considerações concordantes ou discordantes da minha. Mas o que eu disse a V. Ex.ª, e parece-me que é o que está em causa e que eu tenho de rectificar - e V. Ex.ª me perdoará com a sua benevolência -, o que está em causa, repito, é o princípio da formação das empresas, é a liberdade da constituição Idas empresas e nessa constituição, que está relacionada com os outros preceitos, e V. Ex.ª sabe, tem de se obedecer não só aos direitos individuais, respeitáveis, mas também ao interesse colectivo.
O Orador: - Retribuo os sentimentos de respeito e apreço que V. Ex.ª me testemunhou.
O Sr. Ulisses Cortês: - Eu pretendi apenas, Srs. Deputados, fazer a fundamentação constitucional das minhas afirmações., em reforço das brilhantes considerações aduzidas pelo ilustre Deputado Dr. Júlio Evangelista. Quando a lei diz que a constituição de empresas deve obedecer ao respeito devido aos interesses individuais, mas também ao interesse do público, está pura simplesmente a consagrar um princípio proclamado na nossa Constituição. Eu suponho que ao evocar esta razão o fiz com perfeita lucidez na lógica equação do problema.
Mas, em suma, V. Ex.ª é livre de manter a sua posição. Acrescentarei apenas o seguinte: estão efectivamente em causa as três bases que eu há momentos indiquei; se nós afirmamos que é livre a constituição das empresas, pode admitir-se que não são legítimos os condicionamentos estabelecidos nas outras bases há pouco citadas. Agradeço muito a V. Ex.ª a indulgência que teve para comigo, e mais uma vez lhe apresento os cumprimentos do meu respeito. Às vezes não se sabe onde está a luz e a obscuridade. No caso presente, tenho a segurança de que está comigo a lucidez.
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O Orador: - Eu é que lhe agradeço, Sr. Deputado. Eu queria retomar as minhas brevíssimas considerações, que se traduziam essencialmente nisto: recolho das palavras do Sr. Deputado Júlio Evangelista que é essencial a consagração nesta lei de dois grandes parâmetros: o dos direitos individuais e o do interesse público, que tem de ser conciliado, como sustentava; a consagração nesta lei de tais parâmetros é pura redundância e pura inutilidade em minha opinião, visto que tais grandes parâmetros estão necessariamente consagrados, e estão efectivamente consagrados, no próprio texto constitucional, como se encarregou de demonstrar o Sr. Deputado Ulisses Cortês. Portanto, neste aspecto, tal consagração, insisto, é perfeitamente inútil e até redundante.
O Sr. Ulisses Cortês: - Nunca é redundante a proclamação do grande princípio de liberdade e do seu condicionamento pelo interesse colectivo, pelas exigências superiores da vida social.
Num outro aspecto, a inconveniência é maior, porque se trata de relegar uma vez mais, com insofismável abdicação desta Câmara. Trata-se uma vez mais de abdicar do direito inalienável desta Câmara aos grandes princípios, para relegar essa competência para o conteúdo regulamentar.
Não tem sequer de ser dito na lei, que a lei é passível de regulamento, porque naturalmente, quase necessariamente, a lei se limita a consagrar grandes princípios. Postula e impõe a necessidade de um regulamento.
Nem se diga, por outro lado, que a proposta de alteração está a querer consagrar uma liberdade que pode não ser conveniente, porque não é exacto e não foi aqui dito nada no que toca a este ponto fundamental; a proposta de alteração não consagra nenhuma liberdade licenciosa, anárquica; a proposta de alteração consagra, como dela mesmo se vê, que se condiciona pela subordinação às condições constantes desta lei, e já são condições bastantes da proposta da própria comissão eventual aquelas que constam das bases XXV, XXVI e XXVII.
A proposta de alteração não toca qualquer licença ou qualquer anarquia na constituição de empresas, respeita a lei e respeita inclusivamente, até mais ver, os próprios requisitos postos pela comissão eventual.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Mais uma vez eu começo por declarar que não me sinto realmente à vontade para entrar nesta discussão, por várias carências que não vale a pena repetir. Mas, afigura-se-me que não estão em causa duas posições totalmente diferentes. Eu próprio preferiria uma posição intermédia, que é precisamente o texto da Câmara Corporativa, que se me afigura mais equilibrado no sentido que temos em vista. Mas, voltando ao aspecto que representa a discussão destes dois textos tão diferentes, com tantas implicações, como, aliás, os distintos membros da comissão eventual têm acentuado sistematicamente e com grande calor - aproveito, porque só aquando da generalidade tive oportunidade de o fazer da tribuna, para mais uma vez lhes patentear o meu altíssimo apreço pelo magnífico trabalho que produziram e pelo esforço, quase sobre-humano, pois sei que se chegou a trabalhar, mais que um dia, até altas horas da manhã, o que não pode, de nenhuma maneira, deixar de calar fundo no espírito desta Assembleia -, mas voltando à discussão da base e à diversidade de opiniões que tenho ouvido, tanto do lado dos membros da comissão que têm defendido o seu ponto de vista com calor, com entusiasmo e com fé, como do lado do Sr. Deputado Pinto Balsemão, com o mesmo espírito de convicção e firmeza, e mesmo por parte do Sr. Deputado Montalvão Machado, que são dois juristas, confesso que me sinto algo perplexo e assim sugeriria, Sr. Presidente - e mais uma vez venho com uma ideia que naturalmente não é aceite mas que, em meu senso (não chamo bom senso porque seria enfeitar-me com penas de pavão, como se costuma dizer) -, se não seria preferível deixar amadurecer um pouco mais esta questão e, como nós estamos em sexta-feira e já próximo das 19 horas, adiar a discussão desta base para a próxima sessão. Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: considero o assunto suficientemente esclarecido.
Vamos, pois, passar a votação.
Perante a base IX do texto adoptado como orientador do debate, está uma proposta de alteração subscrita pelos Srs. Deputados Francisco Balsemão e outros.
Vou pôr à votação da Assembleia esta proposta de alteração.
Submetida à votação, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Passaremos à votação do texto da proposta subscrita pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
O debate continuará na próxima terça-feira, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na especialidade e votação da lei de imprensa.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre José Linhares Furtado.
António Júlio dos Santos Almeida.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Ciados Eugênio Magro Ivo.
Delfim. Linhares de Andrade.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e (Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
João António Teixeira Canado.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebeirmeister Mendes de Vasconcelos Guimarãeis.
João Lopes da Cruz.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Numes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Meximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Pedro Baessa.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
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Sr s. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José da Silva.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Rafael Valadão dos Santos.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
O Redactor, José Pinto.
Propostas enviadas para a Mesa durante a sessão:
Proposta de aditamento
Propomos que à base XX sejam aditados os n.ºs 4 e 5, com a seguinte redacção:
4. Independentemente da responsabilidade civil a que houver lugar, o director do periódico que não acatar a decisão do tribunal que ordene a publicação da resposta responderá pelo crime de desobediência qualificada.
5. Requerida a notificação judicial do director do periódico que não tenha dado satisfação ao direito da resposta, será o mesmo notificado por via postal para contestar no prazo de dois dias, após o que será proferida em igual prazo a decisão, da qual não há recurso; só será admitida prova documental, sendo todos os documentos juntos com o requerimento inicial e com a contestação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - O Deputado, Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Propostas de alteração
Propomos que, no n.º 4 da base XXII, a expressão «até três dias antes daquele em que seja posta a circular» seja substituída por «no próprio dia em que seja posta a circular».
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - O Deputado, Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Propomos que à alínea a) do N.º 1 da base XXVI seja acrescentado o seguinte: «e ser a edição de publicações periódicas e não periódicas o seu único fim estatutário».
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - O Deputado, Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Proposta de aditamento
Propomos que ao n.º 1 da base XXVI seja aditada uma alínea e), com a seguinte redacção: «Serem também nominativas todas as acções das sociedades anónimas que sejam accionistas daquela que empreenda predominantemente publicações de natureza jornalística.»
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - O Deputado, Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Proposta de alteração
Propomos que a base XXVIII seja substituída por outra, com a seguinte redacção:
1. Enquanto perdurar a guerra nas províncias ultramarinas a publicação e difusão de quaisquer notícias de carácter militar fica sujeita à consulta prévia obrigatória de comissão que funcionará junto do Departamento da Defesa Nacional, cuja composição será fixada pelo Governo.
2. A aprovação da comissão implica a inexigência de responsabilidade criminal com base na divulgação da notícia.
3. Entende-se que a aprovação é dada se a comissão se não pronunciar no prazo de vinte e quatro horas.
4. A infracção do disposto neste artigo determina a aplicação das sanções previstas no artigo 15.º, além da responsabilidade criminal exigível do seu autor.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - O Deputado, Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Proposta de aditamento
Nos termos regimentais, propomos que ao texto da lei em discussão seja acrescentada uma nova base, com a seguinte redacção:
BASE ...
Fica o Governo autorizado a tornar extensivo ao ultramar, com as necessárias adaptações, o regime da presente lei.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - Os Deputados: Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Gustavo Neto Miranda - José Coelho de Almeida Coita - Júlio Alberto da Costa Evangelista - Fernando de Sá Viana Rebelo - Filipe José Freire Themudo Barata - Manuel Monteiro Ribeiro Veloso - Augusto Salazar Leite - José Maria de Castro Salazar.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:
Nos termos do Regimento requeiro que me sejam fornecidos os volumes do Livro Branco sobre a posição de Portugal na última grande guerra, publicados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Julho de 1971. - O Deputado, José dos Santos Bessa.
IMPRENSA NACIONAL
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PREÇO DESTE NÚMERO 8$80