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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 142 ANO DE 1971 10 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 142, EM 9 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
Nota. — Foi publicado um suplemento ao n.º 141 do Diário das Sessões, que insere a proposta de lei n.º 17/X, sobre a organização judiciária.
SUMARIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta do expediente.
Enviados pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 100.° da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.º 282, 283, 284 e 285 do Diário do Governo, inserindo diversos decretos-leis.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação de um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Moura Ramos em sessão de 16 de Julho último.
Foram entregues a este Sr. Deputado.
Foi negada autorização para o Sr. Deputado Jorge Augusto Correia depor no Tribunal da Comarca de Tavira.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nogueira Rodrigues, para um requerimento; Pinto Machado, que anunciou um aviso prévio; Castelino e Alvim, sobre a visita de um grupo de Srs. Deputados a Angola; Olímpio Pereira, acerca da renúncia de determinada individualidade à aceitação do cargo de administrador por parte do Estado na Siderurgia Nacional, louvando tal atitude; Delfino Ribeiro, sobre problemas de interesse para a província de Macau; Peres Claro, que focou assuntos de interesse para o distrito de Setúbal e também fez considerações acerca da formação da juventude; Miller Guerra, sobre os hospitais e os médicos internos; Almeida Cotta, para se referir ao mesmo assunto; Alberto Meireles, que recordou a recente viagem presidencial ao Porto; Agostinho Cardoso, sobre a visita de um grupo de Srs. Deputados a Moçambique; Júlio Evangelista, acerca do hospital e do porto de Viana do Castelo.
Ordem do dia. — Na primeira parte foram aprovados os textos elaborados pela
Comissão de Legislação e Redacção para os decretos da Assembleia Nacional sobre a forma de resolução acerca da ocorrência de actos subversivos em território nacional e relativo à Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses.
Na segunda parte prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e das despesas para 1972.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Veloso, Miguel Bastos, Trigo Pereira e Lopes Frazão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. — Parecer n.º 32/X, acerca do aditamento à proposta de lei n.º 16/X, de autorização das receitas e despesas para 1972.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
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António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João José Ferreira Forte.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marquês de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Caberia pôr em reclamação o n.º 141 do Diário das Sessões. No entanto, como a maioria de VV. Ex.as não terá ainda tido tempo de o apreciar, pô-lo-ei em reclamação na próxima sessão.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama do presidente do Grémio do Comércio da Covilhã acerca das margens de Lucro e congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Pontífice Sousa.
Telegrama de um grupo de comerciantes das Caídas da Rainha aplaudindo as palavras do Sr. Deputado Roboredo e Silva acerca do regime de fim de semana.
Carta de familiares de Mário Calvário Cardoso.
Carta da Sedes transmitindo o texto de um seu comunicado acerca do Decreto-Lei n.º 520/71 e do regime jurídico das cooperativas.
Cópia de uma palestra do Dr. Armando Marques sobre o facto de as rendas de casa em Lisboa e no Porto se manterem inalteráveis.
O Sr. Presidente: — Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.°s 282, 283, 284 e 285 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente datados de 2, 3, 4 e 6 do corrente mês de Dezembro, e que inserem os seguintes decretos-leis:
N.° 531/71, que introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 42 412, que reorganiza o Museu de Marinha — Revoga o Decreto n.º 42 413;
N.° 532/71, que introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 44 883, que estabelece as condições de admissão e de prestação do serviço militar dos sargentos e praças da Armada — Revoga o Decreto-Lei n.º 48 820;
N.° 534/71, que cria na Secretaria de Estado da Indústria o Serviço de Apoio ao Investidor;
N.° 535/71, que adita um artigo 4.º ao Decreto-Lei n.º 44 101, que estabelece o regime a que ficam sujeitos, para o efeito de retomarem ou iniciarem o estágio para a obtenção do respectivo diploma de internato, os médicos internos e os médicos aprovados em mérito relativo nos concursos de admissão aos internatos dos hospitais centrais que hajam sido convocados extraordinàriamente ou mobilizados, em consequência de operações militares;
N.° 537/71, que prorroga, até 31 de Dezembro de 1972, os prazos de vigência dos Decretos-Leis n.°s 37 375 e 37 402, que determinaram a aplicação da pauta mínima às mercadorias classificadas por vários artigos da Pauta de Importação;
N.° 538/71, que introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 42 840, que criou o Arquivo Geral da Marinha e regulou o seu funcionamento;
N.° 539/71, que introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 42 841, que criou a Biblioteca Central da Marinha — Revoga os artigos 7.º, 8.º e 9.º do referido decreto-lei;
N.º 540/71, que considera regularizadas as nomeações dos professores de serviço eventual dos liceus, dos professores provisórios do ensino técnico profissional e dos professores provisórios e directores de turma do ciclo preparatório do ensino secundário, bem como os respectivos abonos efectuados até à presente data, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41 645, referentes a diplomas que não tenham sido visados pelo Tribunal de Contas;
N.° 542/71, que introduz alterações aos Códigos do Imposto de Capitais, da Contribuição Industrial, do Imposto de Mais-Valias, do Imposto Comple-
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mentar e da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações;
N.° 543/71, que regula o exercício da indústria de transportes marítimos e a concessão de autorizações para a aquisição ou construção de navios de comércio no continente e ilhas adjacentes — Revoga os Decretos-Leis n.°s 37 053 e 37 505.
O Sr. Presidente: — Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Moura Ramos na sessão de 16 de Julho último, que vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Está também na Mesa um ofício, enviado pelo Tribunal da Comarca de Tavira, pedindo autorização para o Sr. Deputado Jorge Augusto Correia comparecer naquele Tribunal, no dia 14 de Dezembro, pelas 10 horas, a fim de prestar depoimento no julgamento dos autos de polícia correccional em que é réu Charles Monsey Kenneth.
Consultado aquele Sr. Deputado, fez-me saber que vê inconvenientes para a sua acção parlamentar na concessão da autorização citada.
Nos termos regimentais, pergunto a VV. Ex.as se concedem ou denegam a autorização para o Sr. Deputado Jorge Augusto Correia depor como testemunha no Tribunal da Comarca de Tavira, no dia e hora que indiquei.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização para o Sr. Deputado Jorge Correia depor em tribunal.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Nogueira Rodrigues.
O Sr. Nogueira Rodrigues: — Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos constitucionais e regimentais, requeiro ao Governo se digne informar-me:
1) Da denominação das empresas que exercem a sua actividade na província de Angola e que, por força dos seus contratos de exploração, beneficiam de regimes cambiais especiais;
2) Das datas do início e do termo dos respectivos contratos;
3) Dos valores, em escudos, relativamente a cada empresa e em cada um dos últimos cinco anos:
3-1) Correspondente ao total das suas exportações;
3-2) E dos que, em consequência dos mesmos regimes cambiais especiais, não deram entrada naquela província.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra para anunciar um aviso prévio o Sr. Deputado Pinto Machado.
O Sr. Pinto Machado: — Sr. Presidente: Disse, há meses. o Ministro do Trabalho de Espanha que a saúde é «a primeira fonte de energia de que o homem dispõe». Eis uma definição sumamente feliz, já que a saúde é, de facto, isso mesmo, e, enquanto tal, tem valor incomensurável no desenvolvimento integral das pessoas e das sociedades.
A batalha da saúde deve, pois, incluir-se necessàriamente nas mais altas preocupações dos povos e seus governantes: o nosso Plano de Fomento reconhece-lhe expressiva prioridade. O êxito dessa luta exige acções eficazes integradas num planeamento global cientificamente estruturado — isto é, uma política de saúde.
É evidente que, a diversos títulos, os médicos devem participar, como elementos de mais-valia na elaboração e execução de tal política, para o que necessitam — o que é evidente também — de competência que efectivamente corresponda à que o seu título académico e profissional teoricamente garante. Mais do que estreitamente ligada à política de saúde, a educação médica é, portanto, parte integrante dela.
De há muito que Portugal necessita de edificar uma educação médica completa — de harmonia com a evolução das ciências médicas e pedagógicas — e adaptada ás necessidades concretas dos seus diferentes territórios. Tenho por indeclinável dever de Deputado apresentar nesta Casa o meu contributo para que não demore o tempo em que vejamos realizada uma educação médica que responda capazmente a interesses dos mais profundos e vitais do povo português. Este dever é-me ainda mais imperioso pelo facto de, em Outubro e Novembro últimos, ter visitado diversas das mais importantes instituições de educação médica dos Estados Unidos da América e da República Federal da Alemanha, graças a honroso convite dos respectivos Governos. Essas visitas, além de terem confirmado as minhas concepções fundamentais sobre a instituição universitária — que já tive ocasião de exprimir aqui — proporcionaram-me ensinamentos preciosos e uma consciência mais esclarecida dos nossos problemas.
Assim, nos termos do artigo 50.º do Regimento anuncio um aviso prévio sobre educação médica, com o sumário seguinte:
A) Sumário dos pontos a desenvolver
I) A saúde:
1. Conceito dinâmico de saúde.
2. Direito à saúde.
3. Serviço da saúde.
4. Saúde e medicina.
5. Saúde e educação médica.
II) A educação médica:
1. Entendimento da educação médica.
2. Educação médica e Universidade.
3. Educação médica, Ministério da Saúde e Ordem dos Médicos.
4. Educação médica em revisão.
III) A reforma da educação médica em Portugal:
1. Urgência da reforma.
2. Amplitude da reforma.
3. Reforma na liberdade responsável.
4. Reforma das Faculdades de Medicina existentes.
5. Criação de novos centros de educação médica.
6. Uma educação médica ao serviço do povo português.
B) Sumário das proposições a defender
I) 1. A saúde é o estado de completo bem-estar da pessoa.
2. O direito à saúde é inalienável e a sua satisfação deve constituir um dos objectivos prioritários da acção governativa.
3. O serviço da saúde exige uma política global de desenvolvimento.
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4. O direito à saúde implica o reconhecimento da actividade médica como função social.
5. A educação médica, na sua teoria e na sua prática, tem de referir-se a uma sociologia actual e prospectiva.
II) 1. O objectivo da educação médica é formar médicos para o serviço da comunidade.
2. A educação médica é de natureza tal que cabe à Universidade responsabilidade eminente na sua orientação e ministração.
3. A programação da educação médica exige que esteja definida com clareza a política de saúde, e no seu planeamento e realização é indispensável a intervenção do Ministério da Saúde e da Ordem dos Médicos.
4. Diversidade e carácter ensaístico são exigências de uma educação médica válida para uma sociedade moderna.
III) 1. Os progressos científicos e o reconhecimento da função social da medicina impõem a reforma urgente da educação médica em Portugal, pois o modelo ainda vigente foi concebido em referência a realidades de há muito extintas.
2. A reforma da educação médica deverá considerar, como etapas integrantes de um todo unitário, a licenciatura, o aperfeiçoamento complementar, a especialização, o aprofundamento e a actualização.
3. Sem prejuízo da definição superior de normas gerais a respeitar, deverá conceder-se ampla liberdade pedagógica aos estabelecimentos que ministram educação médica, liberdade indissociàvelmente ligada à máxima responsabilidade.
4. A reforma das Faculdades de Medicina existentes deve contemplar, nomeadamente, a sua autonomia e forma de governo, os regimes de recrutamento, promoção e trabalho do pessoal docente, o fomento da investigação científica, o currículo, métodos de ensino e tempo de escolaridade do curso médico e a admissão limitada de alunos.
5. A grave carência de médicos, a incompatibilidade radical entre educação médica qualificada e número excessivo de alunos, a exigência de educação médica de pós-graduação e a necessidade de promover o afluxo de médicos a zonas extensas do País onde faltam, impõem a criação de novos centros de educação médica.
6. Para que todo o povo português beneficie dos altos investimentos financeiros requeridos para a realização de uma educação médica qualificada importa, além da satisfação das condições apontadas, que a tal educação se associe uma formação plena da personalidade que tem superior expressão no serviço do autêntico bem comum.
Do alto critério de V. Ex.a, Sr. Presidente, espero que o aviso prévio que acabo de anunciar venha a ser efectivado antes de estar ultrapassada a sua oportunidade aguda.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Castelino e Alvim: — Sr. Presidente: Foi um grupo de Deputados convidado para, durante as férias parlamentares, fazer uma visita de estudo a Angola.
Assumiu este convite características tão especiais que não podem deixar de ser apontadas, para daí se retirarem as ilações que se impõem.
Revestiu a iniciativa aspectos cuja utilidade ou economia não podem igualmente deixar de ser referidas, para poder ser devidamente apreciada e, se possível, continuada.
Partiu o convite das associações económicas de Angola.
Foi seu grande animador o nosso ilustre colega, e meu amigo de sempre, Álvaro de Lara.
Mereceu o mesmo, por parte do Governo Central e do Governo-Geral da província, um apoio e um carinho tão grande como pouco ostensivo.
Antes de mais, o meu e o nosso muito obrigado ás associações económicas de Angola.
Para Álvaro de Lara, a expressão de gratidão de todos os que, do princípio ao fim da visita, sentiram, no mais pequeno pormenor, a expressão do seu transbordante entusiasmo, entusiasmo que, nascido no calor de Angola, caldeado nos frios salões do Campo de Santana, jamais esmoreceu, e que hoje todos os que temos assento nesta Casa beneficiamos do privilégio de apreciar.
Para o Governo Central, Governo-Geral e governos distritais, uma palavra de reconhecimento tão sincero como leal pelo apoio dado à iniciativa, tão profundo como intenso foi esse mesmo apoio.
Disse que o convite que recebemos revestiu características que não podiam deixar de ser apontadas, direi mesmo encarecidas.
Efectivamente, julgo ver nele aspectos não só inéditos, como profundamente válidos e reconfortantes:
Partiu o convite não de qualquer entidade pública, mas privada.
Dirigiu-se a um grupo de Srs. Deputados que, como característica comum, apenas tinha o seu acrisolado amor à coisa pública, a sua juventude e o seu entusiasmo para conhecer as coisas, contactar as gentes, analisar os problemas e oferecer ao País o seu esforço na procura das melhores soluções.
Teve como finalidade, como programa, como conclusão — trabalho.
Teve como âmbito a vastidão de toda uma província imensa, imensa na variedade das suas gentes, das suas realidades e dos seus sonhos, só não tão grande, como lá o acentuou Homem Ferreira, que não coubesse toda inteira no coração de cada um de nós.
Teve como epílogo sentirmo-nos todos mais portugueses do que nunca.
Teve como consolador resultado sentir-se cada um mais próximo de cada um, que tantas vezes aqui mal conhecíamos, mas que as imensas pragas africanas do Portugal de lá, o imenso calor da amizade dos portugueses de lá, obrigaram a conhecerem-se bem, a compreenderem-se melhor, a estimarem-se mais.
Mas a visita a Angola julgo permitir-nos tirar conclusões de ordem geral para além destas:
Em primeiro lugar, acentuo o facto de que esta Assembleia saiu dignificada na sua função e no seu prestígio, e saiu-o sobretudo pela mão daqueles que, sendo seus eleitores, confiaram nos seus representantes para lhes confiar dificuldades ou preocupações, lhes mostrar realidades que descritivamente eram impossíveis de sentir, auscultar desejos que se consideravam justos, aspirações que se queriam ver tornadas realidades.
Em segundo lugar, a nossa visita permitiu ver congraçados, num trabalho comum e à mesma mesa, membros da Representação Nacional, dos Executivos Central e Local e os titulares directos e ime-
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diatos de interesses que, por serem múltiplos e diversos, transcendiam particularismos de pessoas ou de local para passarem a ser gerais e, portanto, nacionais.
E, nesse trabalho, meus senhores, jamais houve ponto de vista ou opinião, não houve mesmo divergência que não fosse sempre iluminada pela luz do interesse nacional quando havia que procurar, que buscar, a solução mais apropriada.
Parece-me, em face da experiência recolhida, que se impõe, cada vez mais, já não uma mera intensificação de contactos, hoje tão fácil como agradável, mas uma procura de soluções com a comparticipação valorizada de todos os elementos que, por sentirem, viverem ou conhecerem os problemas, podem melhor contribuir para a sua resolução. Acrescentarei mesmo que, se acaso na província se encontrarem, e encontram, estruturas capazes de constituírem a base desse sistema, as mesmas deverão ser não apenas aproveitadas, mas integradas na estrutura de um sistema em que possam dar todo o seu pleno rendimento.
A riqueza material que não se aproveita hoje pode ser aproveitada amanhã, a riqueza humana fina-se com o seu próprio desaproveitamento.
Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por juntar ao que disse um acto de fé na grandeza de Angola.
Acto de fé que retira a sua maior força nos sentimentos que aí, em todos, encontrei.
Humildemente confesso que de Angola vim mais português do que fui.
Que em Angola deixei portugueses mais portugueses ainda do que eu.
Que a Angola devem ir todos aqueles a que algum dia esmoreça a fé, mingúe a esperança ou feneça o alento.
Aí se lhes acrescentará a esperança, se lhes exaltará a fé, e adquirirão a certeza de quanto é grande ser português.
Vozes: — Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Olímpio Pereira: — Sr. Presidente: Fui surpreendido por uma notícia dos jornais, que me deixou entre surpreso e admirado.
Essa notícia revela uma isenção que não quero deixar de sublinhar e louvar, aqui, nesta Casa. Peço vénia a V. Ex.ª para o fazer.
Poucas palavras chegam para relatar:
Há dias os jornais publicaram a notícia de ter sido nomeado administrador por parte do Estado da Siderurgia Nacional o Sr. Dr. Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Foi uma nomeação normal e recaiu sobre quem reúne condições. 0 Governo fez escolha acertada.
Porém, a notícia de ontem demonstra as qualidades de carácter, a honradez das regras de vida daquele ilustre homem que na IX Legislatura tomou assento nesta Câmara.
O Dr. Elmano Alves, como é conhecido por todos, renunciou à nomeação por, sendo presidente da Comissão Distrital da Acção Nacional Popular em Setúbal, desejar manter a sua independência — mantê-la-ia de qualquer modo, mesmo aceitando a nomeação — e renunciou ao cargo, antes de tomar posse, por não desejar interferir em empresa que exerce a sua actividade no distrito que politicamente dirige.
Poucos fariam como Elmano Alves, ou, pelo menos, não estamos habituados a que o façam.
Por isso, o meu desejo de realçar a sua decisão e de louvar quem teve a coragem de, pelo bem-servir, recusar honraria e remuneração cobiçada por tantos.
Bem haja o Dr. Elmano Alves pelo alto exemplo que deu, em época em que só se pensa em arrecadar e gastar à larga, adulterando-se muita vez o espírito e a honorabilidade.
Vozes: — Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Delfino Ribeiro: — Sr. Presidente: Solicitei o uso da palavra para me ocupar, muito sucinta e ligeiramente, de alguns assuntos da vida da província que tenho o privilégio de aqui representar.
O crescimento de Macau, que de há anos para cá se vem afirmando de forma segura em todos os domínios, mormente o económico, não acusa ainda aquele ritmo e intensidade que os seus próprios recursos possibilitam.
Uma das causas fundamentais reside no deficiente fornecimento de energia eléctrica.
Este serviço de utilidade pública, que, como indústria de expansão contínua, nem sempre se concilia com a mera preocupação de lucro que anima a iniciativa privada, permanece confiado a uma empresa particular.
Se se acrescentar que a concessão vai para mais de cinco décadas, não admira que, a despeito de alguns ajustamentos introduzidos aquando da sua renovação, os males que já se faziam sentir — uma central incapaz de acompanhar a curva sempre ascensional do consumo e uma rede velha e saturada para o regular transporte e distribuição de energia — se houvessem avolumado.
Este estado de coisas, cuja gravidade se acentuou na época calmosa de 1970 e cujas implicações no bem-estar da população e desenvolvimento das indústrias locais dispensam referência, não passou despercebido h entidade concedente e ao governo provincial.
Assim, a um tempo que se acudia de pronto à crise, procedia-se a estudos técnicos e económicos tendentes a uma solução definitiva.
Os trabalhos vão adiantados, estando, por um lado, em vias de conclusão o caderno de encargos e programa de concurso para uma nova central geradora e rede de distribuição e, por outro, pràticamente mobilizados e assegurados os meios materiais para a criação de uma empresa que, além do actual exclusivo, passará a deter o da produção, distribuição e venda de energia ás ilhas de Taipa e Coloane.
Apraz-me aqui salientar -não tanto o caminho percorrido e o fim que se avizinha, como a natureza de economia mista da futura sociedade, a qual, congregando interesses financeiros da metrópole e capitais portugueses e chineses de Macau, atestará, uma vez mais, a compreensão e colaboração de todos na resolução de um problema que a todos respeita.
Sem embargo da natureza, aleatória de algumas receitas e do ininterrupto acréscimo de encargos indispensáveis à evolução de uma eficiente gestão, aguarda-se a elevação, a partir do próximo ano e até ao limite legalmente consentido, dos vencimentos complementares nos quadros do funcionalismo público, autarquias locais e serviços personalizados, desta forma se contemplando um justo desejo daqueles que diligentemente servem a colectividade. Reflexo de uma melhoria da situação financeira da província, constituirá tal medida uma nota positiva, a reunir a tantas outras, da administração prudente e dinâmica, humana e firme, de quem acaba de completar cinco anos profícuos no governo da província.
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Para remate, desejo referir-me à feliz iniciativa do Leal Senado, que proclamou cidadãos honorários de Macau dois eminentes homens públicos, os Srs. Profs. Marcelo Caetano e Joaquim da Silva Cunha.
Pretendeu, assim, a população, tanto portuguesa como chinesa, testemunhar, por intermédio dos seus representantes naquela vetusta e preclara instituição municipal, o seu profundo reconhecimento para com aqueles que, no exercício devotado das suas complexas e elevadas funções, estendem o carinho, desvelo e interesse da Administração a todos os beneficiários por igual, em permanente defesa e promoção do bem-estar nacional.
O Sr. Prof. Marcelo Caetano é figura sobejamente conhecida das gentes de Macau, que não se esquecem do muito que lhe devem na solução de alguns dos seus cruciais problemas, especialmente os surgidos durante o período em que S. Ex.a sobraçava a pasta ministerial dos territórios de além-mar. E mais se lembram de que ao presente surto de progresso se acham ligadas a sua grande clarividência e acendrada simpatia por quanto se relaciona com a conjuntura macaense.
Por seu turno, o Sr. Prof. Silva Cunha, fiel e brilhante executor da nossa política ultramarina, é também credor da terra a cujos anseios e preocupações permanentemente dedica o máximo da sua atenção e inteligência.
Ambos integrados na melhor escola de bem servir, têm, esses ilustres governantes, jus à estima, apreço e consideração de quantos querem o engrandecimento da Nação.
A SS. Ex.as o Presidente do Conselho e o Ministro do Ultramar rendo a minha respeitosa e calorosa homenagem.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: — Sr. Presidente: Durante a interrupção dos trabalhos parlamentares, ou seja de Agosto último até à reabertura agora em Novembro, tomou o Governo, entre muitas outras, três decisões sobre as quais me proponho aqui dizer breves palavras, porque todas foram motivo de intervenções minhas a chamar a atenção dos Ministérios interessados para os problemas de que essas decisões vieram a ser solução.
Em 12 de Fevereiro de 1971, ao tomar posição num problema da península de Setúbal que estava a tornar-se muito sensível — o da construção da estrada Galapos-Arrábida junto à costa —, apelei para quantos eram responsáveis no sentido de a abertura dessa estrada, tão necessária ao turismo, não se tornar em ofensa irreparável para a serra da Arrábida, considerada, em certas zonas, uma preciosidade geo-botânica ímpar no Mundo, E com a maior satisfação que hoje aqui expresso ao Governo um agradecimento pela decisão tomada no Decreto n.º 355/71, de 16 de Agosto, de fazer passar a reserva uma larga área da serra da Arrábida, com a finalidade de preservar as riquezas naturais, históricas e artísticas que nela existem, pondo-se assim o melhor remate a um despique de posições, que não eram, afinal, irreconciliáveis. Justa é também uma palavra de agradecimento, em nome da região de Setúbal, à Liga para a Protecção da Natureza, pela forma destemida e intransigente como se bateu em defesa do património científico e paisagístico nacional.
Noutra ocasião, em 7 de Março de 1969, também apelara para o Governo no sentido de serem igualmente enquadrados no esquema geral da previdência social os muitos pescadores da extensa costa portuguesa, incluindo os que por si se dedicavam à faina da pesca. Não posso, por isso, deixar de trazer hoje aqui uma palavra de congratulação com a decisão governamental expressa no Decreto n.º 420/71, pela qual, com prudência que se justifica pelas características particulares da população interessada, se deu mais um largo passo para a definitiva resolução do caso posto.
De facto, passaram a gozar do regime geral dos benefícios da previdência social os pecadores que exercem a profissão ao serviço de armadores de pesca e outras entidades particulares, em terra ou no mar, bem como os assalariados das campanhas de pesca e os que exercem a profissão de pesca artesanal, sendo as contribuições destes últimos cobradas no acto da venda do pescado nas lotas. Serão assistidos na doença, não apenas os pescadores, mas também os seus familiares, sendo ainda contemplados os casos de parto, invalidez, velhice e morte e previstas soluções para os períodos de defeso ou de inactividade. E, havendo ainda pescadores que não possam beneficiar do regime de previdência, a Junta Central das Casas dos Pescadores prestar-lhes-á assistência, bem como aos seus familiares, segundo os seus graus de carência, prosseguindo assim numa obra de acção social merecedora do nosso aplauso.
Em nome dos pescadores de todo o distrito de Setúbal — e tantos são, desde Sines a Alcochete, ao longo da costa atlântica e nas margens do Sado e do Tejo—, aqui deixo expresso um agradecimento ao Governo e à Junta Central das Casas dos Pescadores — a esta na pessoa ilustre do seu presidente, o nosso estimado colega almirante Henrique Tenreiro.
Por fim, permito-me lembrar as palavras com que, em 2 de Julho último, trouxe ás preocupações desta Câmara o problema da formação da juventude portuguesa dentro dos parâmetros da nossa vida de nação ocidental e cristã, pluricontinental e missionaria no Mundo. Dois escassos meses decorridos, o Concelho de Ministros aprovava, no âmbito do Ministério da Educação Nacional, a criação de um Secretariado para a Juventude, com o objectivo básico de promover a integração dos movimentos juvenis na vida colectiva da Nação. Ao mesmo tempo, remodelava a Mocidade Portuguesa e a Mocidade Portuguesa Feminina, adaptando-as às características que deve revestir a acção formativa a levar a efeito junto da juventude, para uma sua efectiva participação na obra de desenvolvimento nacional. De um lado, a burocracia; do outro, um movimento juvenil vincadamente nacionalista. E, pois, uma palavra de regozijo que hoje trago aqui e, naturalmente — creio que posso dizer —, o franco apoio desta Assembleia à decisão governamental.
Rebelam-se os jovens de hoje contra os esquemas de vida que os adultos lhes traçam, dizendo ser a eles que compete definir a vida que querem levar. No plano filosófico do livre arbítrio, a tese é aliciante. Cada um senhor do seu destino, buscando nessa determinação a felicidade de poder sempre dispor de si. Se mo permitissem, eu perguntaria se esta não é também, no íntimo de cada um, o desejo secreto de todos nós. Só que a experiência dos velhos ensina que há leis biológicas de clã a que os homens não podem furtar-se e que, na luta milenária paira lhes desobedecer, o homem tem sempre reencontrado o seu pássaro azul no doce lar de que se afastara. Não há, na nossa preocupação de indicar à juventude o caminho do seu futuro, o cuidado paternal de a poupar aos desenganos da vida. Queremo-la viril, queremo-la ousada, queremo-la esclarecida, lacerada nos espinhos da dúvida e sarada nas certezas descobertas. Mas, atentos e firmes, compreensivos e conscientes, a cada tropeçar mais fonte, a cada presunção de queda, temos o dever
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— e isso ninguém nos pode negar nem criticar — de dizer à juventude: o caminho é por aqui!
Agora em Moçambique, como ontem na Guiné, em Angola e S. Tomé e Príncipe, vou refazendo hoje os caminhos da África. Da fortaleza portentosa de S. Sebastião à esmagadora Cabora Bassa, da ilha coralina do Ibo à atraente Ponta do Ouro; de Cabinda à baía dos Tigres; de Benguela a Vila Luso; na velha Bolama ou na moderna Bissau; no folclore declamatório de S. Tomé, em tudo, de quadrante a quadrante, há uma permanente lição de ousadia, de persistência, de espírito realizador que define e consagra um povo. O caminho é por aqui: mais, cada vez mais, com o santo orgulho de uma obra realizada em séculos — o devemos afirmar ao Mundo.
Abrangendo com o novo Secretariado todas as organizações juvenis, mantendo como movimento voluntário da juventude, de feição espiritual e patriótica, a Mocidade Portuguesa, o Governo soube encarar o problema que se lhe punha — de perder ou de ganhar a juventude. Esperemos que, da letra à forma, das intenções à acção, se não perca o louvável propósito de fazer da juventude o Portugal a haver.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Miller Guerra: — Não merece a pena relatar os factos. A Assembleia Nacional e o País conhecem, menos bem do que deviam se houvesse liberdade de imprensa, o que sucedeu e sucede nos hospitais centrais: a falta colectiva ao teste que finaliza o 2.° ano do internato, a demissão imediata dos médicos que faltaram e, acto contínuo, o impedimento de entrarem nos serviços hospitalares, a «abstenção burocrático-administrativa», por solidariedade, dos internos dos outros anos, os plenos poderes concedidos ao 'Ministro da Saúde pelo Conselho de Ministros, a ocupação das direcções dos hospitais por médicos do Exército, a comunicação televisada do Ministro das Corporações e da Saúde, a cessação voluntária das funções de bastonário da Ordem dos Médicos, como protesto contra as determinações do Governo, que reputou exorbitantes.
Os reflexos que tudo isto tem, teve e virá a ter dentro e fora das fronteiras são incalculáveis e deprimentes, principalmente lembrando-nos que podiam ter sido reduzidas a dimensões proporcionadas ás causas que as originaram. Mas, como não sucedeu assim, o mal propagou-se em ondas concêntricas, chegando algumas pessoas a recear uma revolta tenebrosa, pondo em perigo a ordem e o sossego públicos.
Vistas as coisas de perto, parecem afinal ser a consequência directa de um facto banal da vida hospitalar, de que os internos do 2.º ano, os internos faltosos, tivessem a responsabilidade. Mas, olhados os acontecimentos de um ponto de vista elevado, direi histórico-sócio-médico, a realidade aparece com um aspecto complexo, mas mais verdadeiro.
No caso presente, mais uma vez se aplica o prolóquio: «As árvores não deixam ver a floresta.» Considerou-se sómente o facto empírico, imediato, aquilo que saltava aos olhos, e tomou-se como causa dos acontecimentos, culpando os internos de tudo isso. Sem querer de maneira nenhuma irresponsabilizá-los, peço licença de ponderar à Assembleia e aonde chegue a minha voz que a «insubordinação» — tal como diz e é a palavra empregue pelo despacho — dos médicos internos é tão-só a manifestação, o sintoma ou o produto de uma longa acumulação de acontecimentos que a falta ao teste fez simplesmente deflagrar.
Para me cingir ao essencial, porque a história circunstanciada será feita num aviso prévio, que conto apresentar, subordinado ao título «Os hospitais, os médicos e a política de saúde», para me cingir ao essencial, dizia, menciono os factos seguintes:
Em 1958, no IV Congresso das Misericórdias, realizado em Lisboa, designaram-se certeiramente as insuficiências e a desordem de que enfermava a prática médica entre nós.
Em 1959, o Conselho Regional da Ordem dos Médicos de Lisboa publicou uma análise crítica dos serviços médicos, apontando ao mesmo tempo as soluções.
Em 1961, a mesma Ordem dos Médicos publicou um volume, o Relatório das Carreiras Médicas, que o Ministro da Saúde de então, Dr. Martins de Carvalho., capitulou de «documento ímpar na história da nossa administração». «Representa», continua o antigo Ministro, «a maior contribuição que até hoje, que eu saiba, alguma profissão deu ao Governo para a resolução dos seus problemas.»
A partir daí o documento ficou como que um marco na história da saúde, da assistência e da previdência social. Algumas das medidas foram adoptadas incompletamente, é certo, pelo Ministro Neto de Carvalho.
Colóquios, mesas-redondas, conferências, reuniões, artigos, entrevistas, documentos de vária índole, conversas e trocas de impressões com os Poderes Públicos ou com os seus representantes assinalaram o encontro — e tantas vezes o desencontro — entre a opinião dos médicos e a dos governantes. Mas sempre se indicaram claramente, e por vezes com vigor, as causas do péssimo funcionamento dos hospitais e, de uma maneira geral, da saúde.
Pouquíssimo se realizou neste extenso lapso de tempo, e, pela força das coisas, a assistência foi baixando relativamente ao número dos doentes e à gravidade das doenças.
Este ambiente pesado e sufocado vivemo-lo nos hospitais, quotidianamente, há décadas. Os médicos mais idosos aguentam-no, mas cheios de trabalhos e desilusões, mas sem se conformarem. Porém, os novos, que vêem a estrada da vida desenrolar-se na sua frente, que conhecem a medicina praticada por esse mundo, a qual, comparada com a que são obrigados a exercer, lhes parece um paraíso inatingível, sofrem um sentimento de desilusão de que se alimenta o mal-estar e o protesto. Vêem um doente em qualquer parte civilizada ser tratado como deve, e aqui ser tratado com meios imperfeitos e mesquinhos. Observam todos os dias doentes que precisam de internamento e não se internam pela falta crónica de camas vagas; necessitam de enfermeiros, técnicos, auxiliareis, análises, radiografias, tratamentos especializados, enfermarias de convalescentes, enfermarias de crónicos, etc., e contemplam impotentes um panorama pungente e, tantas vezes, degradante para a dignidade humana. Visite-se essa espécie de campo de concentração, repito, visite-se essa espécie de campo de concentração que é o banco do Hospital de S. José! Veja-se o que lá se passa; observem-se as enfermarias e as consultas e responda-se se a mera falta a um mero teste justifica as providências draconianas que se abateram sobre trezentos médicos, excluindo-os dos hospitais.
O Sr. Cunha Araújo: — V. Ex.a dá-me licença?
O Orador: — Tenha a bondade.
O Sr. Cunha Araújo: — Era apenas para me referir a um aspecto das suas considerações.
V. Ex.a, dadas as qualidades, por todos nós reconhecidas, do seu carácter, está convencido de que foi real
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mente o condicionalismo existente nos hospitais que determinou a subversão dos seus internos?
O Orador: — Para responder à pergunta de V. Ex.ª era preciso que o Sr. Presidente me autorizasse a exceder a hora, parque demora bastante tempo ,a esclarecer esse ponto.
Se o Sr. Presidente dá licença . . .
O Sr. Cunha Araújo: — Com certeza que não, mas . . .
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª põe uma questão que só pode ser resolvida pela Assembleia, expressamente convocada para apreciar alterações ao Regimento.
Eu tenho de cumprir a lei que VV. Ex.as me impuseram, e, portanto, não posso conceder a V. Ex.ª mais do que trinta minutos.
O Orador: — Eu queria dizer a V. Ex.ª só isto, sem prejuízo dos desenvolvimentos que o caso requer: é muitíssimo mais complicado do que aquilo que aparece, e, sobretudo, do que aquilo que foi dito ao público pelas instâncias oficiais.
A causa . . .
O Sr. Cunha Araújo: — Aceito a explicação de V. Ex.ª No entanto, eu, talvez parque frequente meios diferentes, tenho conhecimento de que as coisas se não passam exactamente assim.
O Orador: — É justamente por isso. Porque V. Ex.ª . . .
O Sr. Cunha Araújo: — Talvez eu esteja mal informado ... Mas era por isso que me queria informar . . .
O Orador: — Não! E porque V. Ex.ª frequenta meios diferentes. Nunca precisou dos hospitais . . .
Risos.
A causa verdadeira é ou não a 'consequência das insuficiências administrativas, da falta de tecnologia médico--sanitária, da ausência de uma política de saúde unitária e coerente?
Pode atirar-se para cima de três centenas de internos a responsabilidade dos erros, deficiências e desleixes inveterados, que também cabem aos escalões superiores da administração e da política?
O Sr. Salazar Leite: — V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: — Tenha a bondade.
O Sr. Salazar Leite: — Tenho estado, evidentemente, com todo o 'cuidado a seguir as palavras que V. Ex.ª acaba de pronunciar. Embora o meu desejo fosse ficar simplesmente escutando, não posso deixar de fazer algumas pequenas referências.
Se bem compreendi — se não compreendi peço desculpa da minha insuficiência —, o Sr. Deputado Miller Guerra não desculpa as pessoas que tomaram a atitude, de que todos estamos senhores dela, mas procura desculpá-las, ou procura, pelo menos, amenizar um pouco a sua culpa referindo-se aos erros do passado, que não foram convenientemente corrigidos e que levaram a uma explosão, quando se proporcionou a altura dessa explosão. Foi assim, Sr. Prof. Miller Guerra?
O Orador: — Foi mais ou menos isso, mas não empreguei a palavra «desculpa», nem se trata de uma desculpa pròpriamente, porque o caso não se passa no plano das desculpas, passa-se, sim, no da observação e valorização de factos. Ora . . .
O Sr. Salazar Leite: — V. Ex.a dá-me licença?
O Orador: — Eu estava a responder . . .
O Sr. Salazar Leite: — Mas é que eu não tinha chegado a fazer uma pergunta . . .
O Orador: — Então peço desculpa e faça favor de fazer a sua pergunta.
O Sr. Salazar Leite: — Estou de acordo com V. Ex.ª . . .
O Orador: — óptimo!
O Sr. Salazar Leite: — Estou de acordo com V. Ex.ª cem por cento em relação ás possibilidades de erros do passado.
O Orador: — É do presente! É do presente, Sr. Doutor!
O Sr. Salazar Leite: — Do presente, se quiser . . .
O Orador: — Não é «se quiser». É que os erros existem no presente e não só do passado.
O Sr. Salazar Leite: — Eu estou a dizer «se quiser». Mas o que não concebo, de modo algum, é que numa altura em que algo de positivo se vinha a procurar realizar, no sentido de dar satisfação aos desejos dos interessados, fosse exactamente este o momento escolhido para tomar uma atitude que, no final de contas, era uma falta a um compromisso.
Vozes: — Apoiado!
O Sr. Salazar Leite: — Outro ponto que me parece extraordinàriamente importante: V. Ex.ª referiu-se ao «campo de concentração» do banco do Hospital de S. José.
O Sr. Casal-Ribeiro: — Sabe lá o que é . . .
O Sr. Salazar Leite: — Será V. Ex.a capaz de me dizer se não foi nesse campo de concentração que se formaram os mais altos valores da medicina portuguesa? Pois não foi esse campo de concentração que serviu de base a toda a nossa história do passado médico? E preciso não nos esquecermos disto, quando tomamos atitudes, Sr. Doutor Miller Guerra.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: Se me dá licença, volto a dizer que as respostas às perguntas que acabaram de ser postas demoram tempo, pois envolvem coisas que precisam de ser esclarecidas. Começando por esta última, diz V. Ex.ª — aliás, é corrente dizer-se da medicina do passado, não do presente, naquela em que V. Ex.ª e eu fomos educados — que o banco do Hospital de S. José era uma grande escola. Hoje, em 1971, com as condições de campo de concentração que lá existem, com a discordância radical que há entre a medicina que lá se pratica — a que se oferece à população — e aquela que se pratica nos centros evoluídos, não é uma escola. Devia sê-lo, mas não é!
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O Sr. Salazar Leite: — Permito-me discordar . . .
O Orador: — Isso é com V. Ex.a
Risos.
O Orador: — Os próprios médicos do banco —tenha a bondade V. Ex.ª de permitir mais este esclarecimento —, que são pessoas de alta categoria, por mais de uma vez têm denunciado as condições miseráveis em que trabalham. E não só denunciado, mas pedido medidas reformadoras.
O Sr. Salazar Leite: — Se me permite fazer uma pequena intervenção, direi que exactamente a mesma atitude tínhamos nós, e isso não implicava, de modo algum, que não cumpríssemos a nossa obrigação de médicos perante a sociedade, portanto, perante a Nação.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — V. Ex.ª está a introduzir aí um problema de carácter político, que estou disposto a discutir. Estou disposto a discuti-lo, o que não me atrapalha absolutamente nada!
Mas, mais uma vez, Sr. Presidente, estou a esgotar o meu tempo e peço a V. Ex.ª que me permita continuar a intervenção.
Se V. Ex.a o permite, eu continuo; se não, eu termino, sem deixar de notar que ainda é bastante o que tenho para dizer.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado: V. Ex.a põe uma questão que é muito delicada. V. Ex.a sabe as limitações de tempo. A Mesa tem o máximo desejo de dar a V. Ex.ª, assim como a qualquer Sr. Deputado, todas as oportunidades para defender as suas ideias. Simplesmente, não me parece que seja necessário, nem conveniente, criar as condições de se poder dizer algures que a V. Ex.ª não foi dada a liberdade de se exprimir, porque V. Ex.ª não soube conter-se dentro do tempo que lhe devia caber.
Confio no talento de V. Ex.ª para, dentro deste tempo, saber expor os seus pontos de vista.
O Orador: — Sr. Presidente: Agradeço muito a V. Ex.ª o esclarecimento, mas a verdade é que determinados assuntos são de tal maneira complexos e vastos que não é fácil, mesmo que eu fosse um génio, concentrá-los em pouco tempo, sobretudo para os fazer compreender ás pessoas que não estão dentro do assunto aqui e principalmente pelo País fora, que espero venham a ter conhecimento desta discussão, porque o assunto interessa a todos.
Como tenciono fazer um aviso prévio sobre os hospitais, os médicos e a política da saúde, se V. Ex.ª estiver de acordo, vou continuar a minha exposição até ao fim.
O Sr. Presidente: — Só gostava que V. Ex.ª me explicasse quando é que pede o meu acordo: se é para exceder hoje o tempo regimental ou se é para se desenvolver à sua vontade no decurso desse aviso prévio.
O Sr. Miller Guerra: —E para desenvolver à minha vontade o aviso prévio.
O Sr. Presidente: — Então tenha V. Ex.ª a bondade de continuar. Sabe qual é o tempo que eu lhe posso conceder, e farei o possível, se a Assembleia não discordar, para lhe conceder uma pequenina tolerância, mas V. Ex.ª sabe que não pode ser grande . . .
O Sr. Miller Guerra: — Muito obrigado, Sr. Presidente. Se me dá licença, eu vou continuar, porque ainda é provável que me interrompam mais vezes.
O Sr. Presidente: — As interrupções serão as que V. Ex.ª consentir.
O Sr. Miller Guerra: — Continuando . . .
É claro que não desculpo os internos, porque entre eles há quem não cumpra os seus deveres.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas lançar sobre uma profissão o opróbrio da incúria é inverter a ordem lógica e cronológica dos acontecimentos, tomando o efeito pela causa.
Que cada qual suporte as suas responsabilidades —• os médicos não enjeitam as que lhes cabem, mas é preciso que os outros não enjeitem ás deles.
Da análise deste momento crítico hospitalar e institucional tiro as seguintes ilações:
1.° A desorganização dos hospitais vem de longa data, piorando gradualmente e atingindo o ponto culminante há dois ou três anos.
2.° Os principais desconcertos são os seguintes:
a) Ausência de previsão e planeamento;
b) Anacronismo da orgânica administrativa;
c) Equipamento técnico insuficiente e antigo, e o que há, mal aproveitado;
d) Aumento de doentes, particularmente com doenças agudas e graves provenientes de traumatismos, acidentes de viação e outros;
e) Aumento dos doentes idosos e crónicos;
f) Aumento considerável do consumo médico;
g) Falta de enfermeiras e de pessoal técnico;
h) Incerteza e irregularidade das carreiras hospitalares;
i) Repartição do tempo de trabalho dos médicos pelos hospitais, caixas de previdência, casas de saúde, companhias, empresas, associações e tutti quanti, além dos consultórios e da clínica domiciliária.
Estas e outras, que não cito, são as causas verdadeiras, remotas e próximas do mal-estar dos serviços hospitalares, assinaladas pelos médicos desde 1958, pelo menos.
Esquecer tudo isto voluntária ou involuntàriamente, assacando a principal responsabilidade aos médicos pela anarquia que reina nos hospitais e, ainda pior, pela pavorosa crise que atravessam, é ignorância ou demagogia.
Não quero fazer figura de crítico pessimista a quem as pessoas que nunca entraram num hospital podem chamar crítico demolidor.
Durante estes dias de intranquilidade e angústia, tenho ouvido perguntar: e agora, o que vamos fazer?
Respondo: aproveitar a crise, utilizar as forças que o tempo e a fortuna desencadearam, lançar mãos à obra com novo espírito, entusiasmo e, sobretudo, cuidando mais de atingir a raiz das coisas do que modificar pormenores ou retocar fachadas. Fazer, em suma, uma reforma essencial em proveito dos portugueses que sofrem silenciosa e injustamente em bichas infindáveis à porta das consultas dos hospitais e dos postos da Previdência.
O Sr. Sá Carneiro: — Muito bem!
O Orador: — Quando os males atingem a grandeza que atingiram os dos serviços médicos, a crise é redentora,
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porque impulsiona o progresso, se for bem aproveitada. Mas também pode servir para consolidar o status quo, se houver medo ou interesses que prefiram a continuidade à evolução.
Neste lance de crise e abatimento vem-me à memória o apelo de José Ortega y Gasset lançado numa época de confusão: «En nombre de la Nación, claridad.»
Vozes.: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Almeida Cotta: — Sr. Presidente: Algumas considerações que têm sido feitas sobre o problema dos hospitais carecem de resposta.
E tê-la-emos, mas, de modo algum, improvisada ao sabor das conveniências ou impulsos de momento ou, o que seria ainda pior, ditada para obter determinados efeitos ou para confundir aquilo que, na sua essência, se apresenta ao comum das gentes com a maior clareza.
O País merece outro género de resposta, como mereceria outro género de interrogações.
Os factos e os acontecimentos a que se aludiu hão-de vir a ser, mais uma vez, relatados por entidade responsável e esclarecidos na sua exacta expressão e autêntico significado. E também nas suas origens e propósitos.
O que se tornou claro a toda a gente foi, antes de tudo, nunca ter sido posta em causa a classe médica.
Ela está acima de críticas e até de elogios enquanto se ocupa e preocupa com o cumprimento da missão que constitui a sua principal razão de ser, sem dúvida da mais alta nobreza e do mais elevado valor humano: tratar doentes e enfermos é realmente tarefa que exalta quem a exerce com devoção.
Mas por isso mesmo, porque efectivamente quando se olha para o médico ou para o enfermeiro se está desde logo a pensar também no doente, nem o Estado, nem as pessoas podem ficar indiferentes perante perturbações provocadas em serviços dos quais dependa a saúde, que é a maior riqueza da colectividade.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A manutenção desses serviços em funcionamento regular é, portanto, imperiosa, e não existem, seja a que título for, deficiências, dificuldades ou carências que justifiquem a sua paralisação total ou parcial, directa ou indirecta.
Têm de funcionar com os meios de que disponham, e ninguém exige ao seu pessoal mais do que isso. Cumprir-lhe-á, certamente, como a qualquer honesto servidor da função pública, apontá-las e, se possível, supri-las, mas nunca utilizá-las para suscitar males maiores, fazendo rodar todo o complexo hospitalar à volta dos que o servem, em vez de à volta dos que por ele devem ser servidos.
O Estado intervém em toda a complicada actividade administrativa segundo normas que a regem.
Por vezes acontece ter de actuar por meio de providências excepcionais, forçado por circunstâncias também de carácter excepcional.
Em tais casos, essa intervenção, precisamente porque não é habitual, dá lugar a um certo constrangimento e, em regra, surge logo quem entenda ter sido tomada cedo de mais, ou tarde de mais, não corresponder à expectativa, não ser necessário recorrer a tais extremos, etc.
Mas, entretanto, quando estamos sob a tempestade, invocamos Santa Bárbara, como acabamos por apelar para o Estado quando as coisas não correm bem.
E foi assim, em plena crise de funcionamento de alguns estabelecimentos hospitalares, sob a tensão de acontecimentos que alarmavam a opinião pública e em face da declarada impotência de as autoridades próprias normalizarem a situação, que o Governo decidiu intervir através do Ministério da Saúde, esgotadas que foram igualmente as diligências para o conseguir pelos métodos burocráticos usuais, insistente e fervorosamente tentados.
O Sr. Miller Guerra: — V. Ex.a dá-me licença?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miller Guerra: — Creio que ouvi dizer a V. Ex.ª que foi em face da declaração de incompetência das entidades dirigentes . . .
O Orador: — Não, não! «Impotência» e não «incompetência» .
O Sr. Miller Guerra: — O Conselho da Faculdade de Medicina fez a seguinte moção no dia 27 de Novembro de 1971, no sábado:
O Conselho da Faculdade de Medicina de Lisboa, reunido em sessão extraordinária no dia 27 de Novembro de 1971 para tomar conhecimento das medidas aplicadas pelo Ministério da Saúde e Assistência relativamente à gestão do Hospital Escolar de Santa Maria, resolveu por unanimidade:
1.° Manifestar o seu mais vivo repúdio pelo injusto afastamento do Prof. Toscano Rico do cargo de director do Hospital de Santa Maria, em que tinha sido investido sob proposta fundamentada deste Conselho. Esse afastamento é tanto mais injusto quanto é certo que as qualidades de inteligência, saber, capacidade administrativa e aprumo moral reveladas durante perto de cinquenta anos de serviço prestado à ciência e ao País foram agora ignoradas há cerca de uma semana da sua jubilação — que foi ontem —. É incompreensível que tal personalidade seja agravada no justo momento em que deveria ser glorificada. Acresce que os motivas que conduziram ao afastamento — o problema dos internos com as suas justas reivindicações e os seus erros — estavam prestes a ser removidos [repito: estavam prestes a ser removidos] com a acção desenvolvida pelo Prof. Toscano Rico, coadjuvado pela diligente direcção clínica do Hospital. Portanto, embora lutando com enormes dificuldades, longe de se declararem incompetentes para a solução dó problema, ao contrário do que foi afirmado publicamente, estavam em via de alcançar essa solução;
2.° Manifestar igualmente o seu repúdio pelo desprezo que esta medida representa para com toda a inteligente actividade exercida pelo Prof. Celestino da Costa, hoje uma das nossas maiores autoridades em matéria de direcção clínica hospitalar, que, num esforço de muitos anos, tem procurado trazer uma superior dignidade ao exercício da profissão médica no Hospital de Santa Maria.
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Se me dá licença, tenho mais alguma coisa a dizer: Segunda moção do dia 29 de Novembro de 1971 do Conselho da Faculdade de Medicina de Lisboa:
O Conselho da Faculdade de Medicina de Lisboa, reunido novamente em sessão extraordinária, no dia 29 de Novembro, para apreciar os acontecimentos que estão a decorrer no Hospital de Santa Maria, resolveu, por unanimidade, manifestar a sua perplexidade pela confusa situação actualmente existente no Hospital de Santa Maria, dada a aparente contradição das informações que lhe são fornecidas.
O Orador: — Por consequência, Sr. Deputado, associo-me de todo o coração ao elogio prestado aos Srs. Profs. Toscano Bico e Celestino da Costa, mas não vejo em que essa leitura que acaba de fazer tenha alguma coisa a ver com a declaração que eu fiz, que foi colhida de fonte perfeitamente correcta, em que se declara a impotência declarada pelas autoridades hospitalares no sentido de manterem os serviços normalizados.
O Sr. Miller Guerra: — Não é o elogio que está em causa, é o ter-se dito pùblicamente, e de que eu vejo algum eco nas palavras de V. Ex.a, que a direcção do Hospital se declarou incompetente ou ultrapassada. Não é verdade.
O Orador: — Não sei qual é a informação em que V. Ex.a . . .
O Sr. Miller Guerra: — É esta do Conselho da Faculdade de Medicina.
O Orador: — Mas essa do Conselho, a meu ver, limita-se a fazer um elogio ao Sr. Prof. Celestino da Costa e . . .
O Sr. Miller Guerra: — Não, não! Não é só isso . . . isso é secundário na moção.
O Orador: — Mas não me diz que eles garantiram ou foram à autoridade competente garantir que podiam manter o serviço em pleno funcionamento.
O Sr. Miller Guerra: — Nesse caso eu volto a ler a V. Ex.a
Vozes: — Não! Não!
O Orador: — Eu vou continuar, se V. Ex.a me dá licença.
Com discrição, sem alardes, como, aliás, convinha, fez-se sentir essa acção, e os resultados estão felizmente à vista, mercê de um simples gesto da autoridade secundado pela compreensão dos seus agentes em todos os graus da hierarquia e em todos os ramos dos serviços.
Neste processo não sei se alguém perdeu, mas houve, certamente quem tivesse ganho, e, em primeiro lugar, o doente., para quem devem ir os nossos maiores cuidados.
Quanto ao mais, tudo visto e ponderado, como se costuma dizer em linguagem forense, os internos — uma das partes em evidência no pleito — estão em vias de regularizar a situação, porquanto, nunca tendo sido exonerados, mas sim suspensos de exercício e vencimento, retomaram as suas funções, nos termos expressos da lei. Também ganharam, portanto.
De outro lado, conforme já foi tornado público, instalaram-se comissões especiais com vista às remodelações que se reconhecerem necessárias e urgentes. Essas comissões mantêm-se em funcionamento uma vez extinta a comissão directora da presidência do nosso colega Dr. Ricardo Horta, recentemente nomeada, que bem merece uma palavra de louvor pela forma como se desempenhou do seu delicado encargo. Ganham, assim, os serviços.
Finalmente, tudo parece encaminhado no sentido da normalização da vida hospitalar, e com isso ganhamos todos, pois a eficiência e a maturidade das instituições e das pessoas, a sua capacidade de resolver os problemas, mesmo em fase crítica, é também índice seguro de saúde política e social.
Dificilmente se consegue andar à frente das necessidades reais, seja no sector público, seja no privado, e, muito menos, da ânsia de progresso e de perfeição, louvável e desejável quando sirva de estímulo para fazer mais e melhor, nanja quando conduz ao desespero, ao derrotismo ou à inacção.
Continuamos a esperar que até certos profetas acabem por corrigir os seus negros e azedos vaticínios, contribuindo também para vencermos a batalha da saúde e do bem--estar, pelo exemplo de um trabalho generoso, persistente, colaborante e confiante.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto Meireles: — Sr. Presidente: É-me grato dirigir, neste momento, a V. Ex.a as minhas saudações, renovando a homenagem muito calorosa e viva, pela dignidade, tacto, compreensão e firmeza com que vem dirigindo os trabalhos desta Câmara.
A serena elegância nos actos e nas palavras, a impecável coerência com que vela pelo cumprimento do Regimento, dão-lhe jus ao respeito e admiração que gostosamente lhe tributo.
E estou certo de que a Assembleia me acompanha nestes sentimentos.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — O Chefe do Estado foi, uma vez mais, ao distrito do Porto.
E desta feita para visitar oficialmente três dos concelhos limítrofes da cidade do Porto: Gaia. Matosinhos e Gondomar. Os Srs. Presidentes destas Câmaras, nas luzidas sessões realizadas em cada uma, agradeceram ao Sr. Presidente da República e à distinta senhora de Américo Tomás a honra da visita, e, com sóbria dignidade, prestaram-lhes, em nome dos povos dos seus concelhos, a homenagem devida aos seus méritos, virtudes e serviços à Nação. E com autenticidade o fizeram, pois não só as individualidades com maior relevância, como as populações, acorreram a receber com entusiasmo e carinho o Chefe do Estado, não obstante serem dias de trabalho.
Através de um esgotante programa de visitas e cerimónias inaugurais, SS. Ex.as a todos acolheram com a bondosa simpatia que é seu timbre, acompanhados sempre pelo Sr. Ministro do Interior, o nosso tão ilustre colega Dr. António Gonçalves Rapazote, tendo ainda outros membros do Governo comparecido ás inaugurações mais directamente relacionadas com os seus departamentos.
Injustificado seria que eu desse aqui o relato em pormenor dessas visitas, de que os órgãos de informação fizeram a reportagem devida.
Apontarei apenas, em relação a cada um dos concelhos, alguns dos actos mais relevantes.
Em Gaia, concelho que legitimamente se orgulha da sua pujança, já com 190 000 habitantes, foi visitado o liceu,
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e inaugurada a nova Feira dos Carvalhos, instalada com largueza.
E terá constituído motivo de surpresa para alguns, e de satisfação para todos, a grande unidade fabril de Valadares, moderníssimo complexo industrial, a nível mundial, virado à exportação de produtos cerâmicos.
Em Matosinhos, além de uma unidade fabril actualizada, o Chefe do Estado inaugurou o Bairro Angola, de casas de renda económica, com 136 fogos, realização da Previdência com a colaboração da Refinaria Angola, que doou os terrenos em que foi implantado, exemplo que merece ser seguido.
Nesta cerimónia, além do Sr. Presidente da Federação das Habitações Económicas — engenheiro Santos Costa —, o Sr. Subsecretário de Estado do Trabalho e Previdência deu conta das realizações em marcha e programadas no domínio da política de habitação, investimento dominante, e bem, dos capitais sobrantes da acção imediata da Previdência.
De facto, melhor aplicação não poderá ter a parte disponível das reservas atarias aos benefícios do seguro social.
Por último, a inauguração do Centro de Recuperação de Crianças, que tem justamente por patrono o nosso malogrado colega Dr. Leonardo Coimbra, revestiu-se de alto significado e emoção. Trata-se de um belo estabelecimento, mais ainda do que pelas suas instalações, que são excelentes, pelo nobre objectivo que se propõe: a recuperação de crianças deficientes mentais.
O novo centro de S. Mamede de Infesta continua, como instituição oficial do Ministério da Saúde e Assistência, a obra iniciada em 1960 pelo Dr. Leonardo Coimbra, na Senhora da Hora, através da Associação Protectora da Criança contra a Crueldade e o Abandono, sendo de sublinhar que a 'edificação do novo centro foi iniciada por aquela Associação em terrenos que lhe foram generosamente oferecidos por uma «benemérita senhora. Graças ao apoio financeiro da Fundação Gulbenkian e do Estado concluiu-se este centro, que, por acordo ainda decidido pelo Dr. Leonardo Coimbra, passou a instituição oficial.
A ilustre senhora que desempenha as funções de Subsecretário de Estado da Assistência «Social teve oportunidade de enunciar o plano nacional, em adiantada fase de execução, para a recuperação e educação de menores deficientes, com um investimento global superior a 7'2 500 contos.
Além do centro agora inaugurado em S. Mamede de Infesta, outro será aberto imediatamente em Viseu, para 160 crianças, seguindo-se outro em Bragança, outro no Porto, outro em Lisboa e dois em Ponta Delgada, já em vias de conclusão.
E estão programados ainda mais três estabelecimentos, um para o Alto Minho, outro possivelmente em Setúbal e outro a localizar em Faro.
São cerca de 27 000 as crianças que, na estimativa oficial, carecem de especiais cuidados que só uma técnica especializada e instituições adequadas poderão prestar-lhes, tendo em vista a sua recuperação.
Além de cerca de 20 500 casos, considerados ligeiros, a integrar em classes especiais do Ministério da Educação Nacional, 5400 casos de deficiência média, a abranger por estabelecimentos de reeducação do Ministério da Saúde e Assistência; 1350 casos de deficiência profunda, carecidos de assistência permanente, através dos serviços de psiquiatria. Instituições particulares e colégios da especialidade assistem cerca de 4000 crianças deficientes mentais.
Nada teria sido mais grato à alma de apóstolo de rara sensibilidade que foi o Dr. Leonardo Coimbra do que este admirável arranque em prol da criança deficiente mental, ou vítima de condições trágicas de existência. Ele é, afinal, «a concretização dos ideais a que votou o melhor da sua vida e dos anseios a que se sacrificou generosamente.
Vai aqui uma enternecida lembrança para aquela que foi sua dedicada colaboradora e que agora, na sua viuvez, continua a viver apaixonadamente o pensamento e acção de seu malogrado marido. A sua presença neste acto inaugural e as palavras mescladas de lágrimas com que agradeceu ao Chefe do Estado, ao Governo e à Fundação Gulbenkian a conclusão desta grande obra, que ao lado de seu marido sonhou e viveu, mas que ele já não viu concretizada, foram momentos altos, em grandeza e beleza, nesse comovedor acto inaugural.
E sem preferir, por brevidade, ainda outros actos dessa jornada magnífica, passo à visita ao concelho de Gondomar, que, como foi dito, recebeu pela primeira vez um Chefe de Estado.
Também foi um dia cheio, que o entusiasmo das populações acompanhou sempre. Além da inauguração de cinco novas escolas primárias, sempre motivo de regozijo, um acto solene avultou no programa: o descerramento pelo Chefe do Estado do monumento aos heróis do ultramar, erigido em Fânzeres. É o primeiro levantado no Norte do País, e dizem-me que sómente existe outro em Coimbra.
O seu altíssimo objectivo de glorificação dos soldados de Portugal que, através da gesta heróica que dura há cinco séculos, sofreram, serviram, lutaram e morreram em África, na Ásia, na Oceânia e em terras do Brasil, e que hoje continuam a defender terras e gentes portuguesas, foi conseguido com sobriedade admirável na bela escultura de Teixeira Lopes, que continua um nome egrégio na arte portuguesa.
A cerimónia inaugural teve a sublinhá-la o desassombrado discurso do Sr. Presidente da Câmara Municipal e nobres palavras do Chefe do Estado.
Gondomar assinalou assim dignamente o dia histórico em que pela primeira vez recebeu a visita do Chefe do Estado.
Devo referir ainda, além do donativo de 500 contos para a Fundação Salazar, por parte da população de Gondomar, o facto de a Câmara Municipal do Porto ter feito a entrega simbólica dos terrenos que doou à mesma Fundação associando-se assim a tão benemérita iniciativa do Chefe do Estado, que deve ser ajudada por todos os portugueses, em memória de quem se votou inteiramente ao Governo de Portugal.
E aproveito a oportunidade para recordar, em agradecimento e louvor ao Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, o convite, dirigido dias antes aos Srs. Deputados pelo círculo, para acompanharem o Sr. Ministro do Interior numa visita ás realizações camarárias.
Foi útil e proveitosa essa jornada pelo que nos foi dado ver das obras em curso, ajuizando melhor do labor da nossa edilidade, quer no prosseguimento do programa habitacional, que é o orgulho do Porto, quer mo da reconstrução de algumas ruas principais, como parte das de Santa Catarina, Senhora de Fátima, Costa Cabral, Constituição e Serpa Pinto e da Praça do Marquês de Pombal, tarefa em que vão gastos mais de 60 000 contos, e forçoso é que «prossiga, tal o estado de deterioração e deficiência a que chegaram os arruamentos da cidade, tornando o trânsito difícil e perigoso até.
Pudemos ainda ver outras obras de interesse para a cidade, como o reforço de abastecimento de águas, e por elas felicito a Câmara Municipal e o seu presidente.
Mas longe estamos nós, e certamente também S. Ex.ª, de nos sentirmos satisfeitos, pois tantas outras reali-
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zações de que o Porto carece continuam a ser apenas teimosas esperanças. Cito, de entre as obras camarárias, a solução da infausta Avenida da Ponte, o prolongamento da incompleta Rua da Constituição e ainda o parque da cidade.
E daquelas que estão a cargo da Junta Autónoma de Esteadas: a ligação da auto-estrada à via norte e a abertura da via do nordeste. E por aqui me fico, pois o que aponto já constitui grande tarefa. Mas o Porto carece de que ela se concretize sem delongas, e merece-o bem.
Ponho os olhos em Lisboa e vejo que foi possível, num extraordinário e espectacular esforço, meter ombros e realizar, em curto tempo, um conjunto de obras que parecia até há pouco inviável, ou votado a longa espera. E, iniciadas, prontas ou em conclusão até antes dos prazos —, elas aí estão. Honra seja feita ao dinamismo da presidência das Câmara Municipal de Lisboa e dos seus colaboradores. E termino com uma palavra de muito apreço o felicitações aos dedicados presidentes das Câmaras de Gaia, e escuso de o nomear porque está entre nós, de Matosinhos, Dr. Manuel Seabra, e de Gondomar, Dr. Lema Monteiro, pelo êxito destas jornadas e pelas atenções que dispensaram aos Deputados pelo distrito, pois atrevo-me a esperar que os meus ilustres colegas concordarão em que o faça também em seu nome.
Vozes: — Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: — Sr. Presidente: Um forte impulso de admiração e solidariedade leva-me a acrescentar ao que já foi dito na Assembleia por alguns dos meus companheiros da visita a Moçambique este despretensioso testemunho de como entendi e vi a fisionomia da nossa maravilhosa província do Indico, sem esquecer os inconvenientes e limitações de uma observação que foi superficial e breve.
Quinze dias voando de distrito para distrito, desde Lourenço Marques a Cabo Delgado, Vila Cabral e Tete, não chegam, evidentemente, para amadurecer e solidificar opiniões, mas bastam para se ter percepção de factos, ambientes e problemas.
Impressiona, em primeiro lugar, o apego da gente moçambicana — gente de cor e gente branca — à sua terra.
E ainda o veemente desejo e esforço de progredir e civilizar, que lavra como incêndio por toda a parte.
E ver o crescimento explosivo do porto de Nacala e as suas perspectivas para a navegação de grande calado contrastando com a quietude idílica desse retalho *do passado que é a ilha de Moçambique; é olhar para a periferia da cidade da Beira, onde, -dominados os pântanos, aumentam dia a dia os bairros novos, de variada é formosíssima arquitectura moderna, e onde também moderníssimas e vastas instalações portuárias substituíram os casebres da antiga companhia majestática.
E compreender o que significam em amor à terra iniciativas como a dos Hotéis de Turismo de Quelimane e Porto Amélia, os bairros novos de Vila Pery, a estalagem e a piscina de Manica, o nível internacional do Parque da Gorongosa.
E recordar em pormenor a grandiosidade de Lourenço Marques, nas -suas estruturas urbanas, nos seus jardins, edifícios, parques, institutos e fábricas, Lourenço Marques, capital cuja posição excêntrica em relação ao território da província vai buscar origem em razões históricas e de geografia económica conhecidas. E este esforço para progredir e crescer, que nas mais distantes e pequenas terras se acentua desde os primeiros ataques da Frelimo, constitui o grande desafio de Moçambique ao terrorismo.
Crescer, e crescer para ficar sòlidamente na terra portuguesa de África!
Cabora Bassa é símbolo deste espírito e desta atitude colectiva. Impressiona aí a gigantesca maquinaria, o trepidar dos veículos, o movimento dos operários, os túneis rasgados na montanha árida, o desvio do rio caudaloso, a barragem que cresce e as estruturas urbanas rapidamente criadas, onde milhares de pessoas, adultos e crianças, têm uma actividade normal de cidade.
Em segundo lugar, medite-se sobre o volume e a medida das dimensões humanas, geopaisagísticas e económico-administrativas, com a consciência que ali se tem, como em Angola, da grandeza dessas dimensões e da necessidade de trabalhar à escala delas.
Depois, a unanimidade militante de opiniões, de lés a lés da província, de que o seu duplo problema axial reside na intensificação do povoamento por gente metropolitana e na promoção cada vez mais acelerada e extensiva das populações -subevoluídas, com o desígnio de as aproximar persistentemente do nível de civilização da população branca. E sobretudo de que esta promoção, em marcha, é condição essencial para ganhar a guerra e ganhar a paz.
Como pressuposto destas ideias básicas, verifica-se forte consciencialização -da necessidade de expandir metodicamente a produção dos sectores primário e secundário, com o seu circuito complementar de distribuição, desde a rede de transportes e suas vias à colocação nos mercados.
Isto para que Moçambique consiga estruturar — na hora da descentralização e da autonomia administrativas — uma economia própria e próspera, para além do conjunto, aliás tão importante e precioso, das suas organizações portuárias, que fazem da província o grande cais da África no Indico, recebendo as mercadorias importadas pelos países do interior africano e as que eles exportam através desses portos. Quer isto dizer que ali se luta, tanto quanto pude observar, pela expansão do sector agro-pecuário, que se apoie numa boa rede de estradas, vias férreas e transportes marítimos, que baste pouco a pouco para o abastecimento interno em muitos aspectos e venha a atingir valores expressivos na exportação para a metrópole e o estrangeiro.
E, ainda, pela exploração que se desenha de minérios e pedras preciosas e por uma indústria que cresce a olhos vistos e irá encontrar em Cabora Bassa um caudal imenso de energia basilar.
Impressionante, uma experiência fabril que vi no arrabalde de Lourenço Marques, em que se demonstrou a possibilidade de criar boa mão-de-obra especializada com pessoal autóctone, mediante aprendizagem, salários e nível de vida semelhantes aos dos operários europeus. Não se põem diferenças de raça — o que há são diferenças de civilização e de nível social a esbater e superar —, dizia-me um português de cor, numa síntese que traduz a generalidade do pensamento moçambicano.
Do contacto com o comandante-chefe e a brilhante élite de oficiais altamente especializados que o cercam, da visita à zona de guerra, desde a base de Mueda ao aldeamento estratégico do Chai, desde as exposições dos governadores de distrito ou dos comandos sectoriais ao convívio com oficiais e soldados, à passagem pelos hospitais de Nampula — a progressiva capital militar da província —, em tudo o que pude observar nos aldeamentos definitivamente estruturados de Vila Cabral ou no colonato de Nova Madeira, tudo quanto pude espreitar para além das informações oficiosas permitiu-me avaliar a obra que o Exército está realizando na província, a reforma de mentalidade a que a sua presença conduziu, a realidade de uma estratégia que assegurará a vitória neste tipo de guerra que nos movem.
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A mobilidade das tropas e a sua capacidade ofensiva; a protecção assegurada ás populações e aos seus chefes tradicionais nas zonas fronteiriças, à qual vai em algumas regiões até à autodefesa, contra as represálias, as infiltrações e os agentes dos inimigos; a informação suficientemente extensa e antecipada, das actividades e presença, de grupos terroristas — o agrupamento das famílias isoladas no mato, em pequenas povoações estruturadas como base indispensável da formação civilizadora, a justiça nas relações e na salvaguarda dos direitos dos autóctones —, eis aspectos fundamentais da componente militar na luta contra a subversão terrorista.
Sr. Presidente: Diz-se por vezes que nestas visitas oficiais há o risco de ver-se fachadas, e não interiores, nos problemas e na vida colectiva.
Tive a preocupação de perscrutar aspectos negativos, de esclarecer dúvidas, de contactar com elementos extra-oficiais, forças vivas e pequenos agrupamentos populacionais.
Aspectos negativos e insuficiências encontrei-os, sem dúvida, como em toda a parte.
Situada a maior distância da metrópole e da Europa que a nossa África ocidental, debruçada inicialmente sobre o seu litoral, Moçambique procura compensar certo atraso na exploração das suas potencialidades do interior e das suas vias de comunicação. Preocupa-se com a insuficiente amplitude observada ainda na luta sanitária contra as carências alimentares, o paludismo ou a tuberculose, com a insuficiente coordenação das suas actividades, os insuficientes salários em que se apoia a sobrevivência de algumas actividades débeis e com os problemas relacionados com as transferências monetárias para a metrópole, agora orientadas logicamente para soluções adentro da autonomia provincial, com os atrasados, a caminho de uma generosa liquidação. E é de dizê-lo: o começo do terrorismo marca uma baliza no progresso de muitas regiões e actividades, aspecto impressionante do desafio moçambicano à agressão terrorista.
Nas dezenas de dialectos e línguas tradicionais autóctones de estrutura simples, mas separados uns dos outros por vocabulário muito diferente, encontra Moçambique a maior dificuldade na unidade e expansão da língua nacional. Dificuldade esta comum à Frelimo, que, debatendo-se entre os vários dialectos dos guerrilheiros, adoptou a língua portuguesa como oficial.
Numerosas escolas de monitores dos dois sexos estão formando professores de raça negra, que já se encontram pelos aldeamentos e junto das populações periféricas.
As missões, de um modo geral, têm dado grande apoio e colaboração neste sector. Não esqueço a emoção com que ouvi na escola de monitores de Porto Amélia mais de uma centena de alunos finalistas cantarem o Hino Nacional.
Tem Moçambique dificuldades comuns a todos os países africanos na promoção do autóctone, disperso pelos grandes espaços do interior, vivendo um preguiçoso dia-a-dia, de necessidades e alimentação simplificadas por um solo fertilíssimo.
A revolução de mentalidade e costumes que o vai trazendo à vida comunitária civilizada, por ser profunda, tem de ser longa e persistente.
Miguel Marupa, interessante figura de português regressado livremente das fileiras terroristas, confirmou-me, no plano das realidades, a validez prática dos resultados civilizadores do nosso luso-tropicalismo plurirracial, ao lado das duas outras experiências africanas: a do appartheid e a dos países de raça negra feitos independentes. Três experiências que, lado a lado, têm direitos de cidade como solução interna dos respectivos países, no caminho do progresso e da promoção do continente africano.
Não pude trazer ideia precisa do volume da meritória obra missionária da igreja de Moçambique, a mais antiga da África Austral, mas permita-se-me que refira aspectos que conheci da actividade da congregação madeirense das Irmãs de Nossa Senhora das Vitórias, que, pela mão do cardeal D. Teodósio, chegou a Moçambique em 1938. 172 irmãs, entre as quais mais de duas dezenas de irmãs autóctones, equipam 20 instituições de evangelização, ensino, assistência social e enfermagem. Se disser, em breve apontamento, que 86 000 adultos e crianças doentes foram assistidos em 1970 por elas, entre os quais 862 leprosos; que as irmãs equipam hospitais como os da Beira e Vila Pery, catequisaram no mesmo ano 11 000 almas, estavam ensinando a ler 7000 crianças e que têm em Moçambique 1 noviciado e 13 missões de actividade polivalente — numa dais quais, em Quelimane, pude comovidamente observar a grandeza de um apostolado dirigido a corpos e almas —, se isto disser, resumo apenas pàlidamente todo o esforço das religiosas, cuja congregação nasceu e se desenvolveu no arquipélago por onde fui eleito.
Elas dão exemplo de um coerente apostolado evangelizador de duplo aspecto espiritual e humano, verticalista e horizontalista. Que o apostolado missionário não obriga a compromissos à direita ou à esquerda na Jugoslávia ou na Hungria como em Moçambique ... A inquietação pela promoção social acelerada, pela correcção de erros, deve ser comum a todos na África portuguesa, como deve sê-lo a expansão da língua e a fidelidade à Pátria.
Louvado Deus que encontrei por lá estes sentimentos e estas ideias.
Mas na sua concretização e realização, como testemunho prático que delas se der, está o mérito de cada um.
Sr. Presidente: Não prolongarei mais esta breve evocação de Moçambique — que algumas horas não bastariam para resumir tudo o que ali vi, aprendi e pensei. Moçambique, como Angola, como a Guiné representam um desafio do nosso lusotropicalismo plurirracial ao racismo negro, como à separação das raças.
É neste estilo a segunda experiência válida da nossa história, e teve como primeiro ensaio o Brasil.
E é também um esforço ingente — pleno de amor humano — em prol do nosso terceiro mundo, o do português autóctone dos nossos espaços ultramarinos que vamos trazendo para a civilização.
Se foi dito que no nosso tempo o novo nome da paz é desenvolvimento, está este pobre País que é Portugal esforçadamente a trabalhar como poucos pela paz no Mundo.
Estas verdades — comezinhas para os Portugueses — pouco as conhece o estrangeiro.
Faltou-nos sempre nesta luta uma terceira frente militante, que, ao lado da nossa diplomacia e dos que lutam e constroem no ultramar, obsessivamente grite a nossa verdade pelo Mundo fora.
E esta missão imperiosa de todas as representações e núcleos portugueses no estrangeiro, de quantos afinal, ponham pé para lá da fronteira.
É tempo de desenvolver esta terceira frente, ao serviço da guerra e da paz no ultramar.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Júlio Evangelista: — Sr. Presidente: Nesta maré hospitalar não se estranhará que também eu venha hoje falar de um hospital.
Efectivamente, pedi a palavra há muito tempo para falar nesta Assembleia do problema do Hospital de Viana
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do Castelo e do problema do porto de mar da mesma cidade. Não queria, porém, iniciar as minhas palavras sem dirigir a V. Ex.a a manifestação do meu apreço, do meu alto respeito e da minha alta consideração, que é afinal, a consideração de toda esta Câmara pela bondade com que V. Ex.ª nos atende. Eu tive de esperar que V. Ex.a me concedesse a palavra, soube que foi por altos motivos e por insistentes inscrições que V. Ex.ª teve de relegar-me o uso da palavra para o dia de hoje. Bem haja, Sr. Presidente, e aceite mais uma vez a expressão do meu alto respeito.
Sr. Presidente: Venho hoje falar do novo Hospital Distrital de Viana do Castelo e do porto da foz do Lima. Velhas aspirações da população do distrito, assumem tais empreendimentos uma relevância que excede os próprios interesses do Alto Minho.
Começarei pelo Hospital Distrital.
Aprovada a sua localização e adquirido o terreno para a respectiva construção há mais de vinte anos, longo tem sido, e nem sempre satisfatório, o caminho percorrido. A gente de Viana chegou mesmo a desesperar e a incredulidade atingiu vários sectores locais.
Até que, tomando uma decisão corajosa e coerente com a sua rara capacidade realizadora, o Sr. Ministro das Obras Públicas mandou rescindir, por despacho de 30 de Setembro de 1969, o contrato à data em vigor para a elaboração do projecto, por falta de cumprimento das cláusulas relativas a prazos de entrega, ao mesmo tempo que determinava a celebração de outro contrato com um grupo de projectistas altamente qualificados. De igual passo, e visto que, no decurso de tantos anos, se havia desactualizado o programa inicial, foram, pelo Ministério da Saúde e Assistência, através da Direcção-Geral dos Hospitais, introduzidas as actualizações indispensáveis no referido programa, elementos que o Ministério das Obras Públicas, pelo departamento das Construções Hospitalares, mandou observar na elaboração do novo projecto.
Ciente da importância do empreendimento, e de como ele corresponde a uma necessidade vital do Alto Minho, sempre o Ministro Rui Sanches acompanhou de perto e com o maior interesse o desenvolver deste processo, a tal ponto que, ainda em 15 de Setembro do ano em curso, dirigia ao Conselho Superior de Obras Públicas e à Direcção-Geral das Construções Hospitalares o seguinte despacho:
A construção do novo hospital de Viana do Castelo é uma das obras que ao Ministério das Obras Públicas merece atentos cuidados.
O anteprojecto está na fase de revisão pela respectiva comissão da Direcção-Geral das Construções Hospitalares, e é indispensável que tanto o labor dessa comissão como o sequente trabalho de apreciação no Conselho Superior de Obras Públicas decorram em prazos muito reduzidos, que não direi excepcionalmente curtos, porque é forçosamente para o sistemático encurtamento dos prazos que temos de tender. Assim, peço que desde já seja designado um inspector-geral ou inspector superior de obras públicas para relatar o processo e a quem fica pedido que acompanhe imediatamente o trabalho da comissão de revisão, em ordem a elaborar a minuta do parecer com a brevidade requerida. A Direcção-Geral das Construções Hospitalares enviará imediatamente ao Conselho Superior de Obras Públicas um exemplar do anteprojecto.
Ministério das Obras Públicas, 15 de Setembro de 1971. — O Ministro das Obras Públicas, Rui Alves da Silva Sanches.
Ainda no mês de Setembro foram remetidos ao Conselho Superior de Obras Públicas os seis volumes do anteprojecto relativos a arquitectura, estabilidade e instalações eléctricas, e, pouco depois, mais dois volumes referentes ás instalações mecânicas.
Trata-se de uma obra de proporções notáveis, cujo custo previsto, devidamente equipado, é de 150 000 contos. Terá a capacidade de 333 camas, assim distribuídas:
Medicina.......................................... 68
Cirurgia.......................................... 68
Ortopedia e traumatologia......................... 34
Pediatria........................:................ 31
Ginecologia e obstetrícia......................... 44
Especialidades.................................... 30
Quartos particulares.............................. 40
Cuidados intensivos................................ 5
Infecto-contagiosos............................... 13
O Hospital de Viana do Castelo situar-se-á na vertente do monto de Santa Luzia, junto à periferia do aglomerado urbano e em transição para a zona verde do monte. Em relação ao distrito, que se destina a servir, o acesso é assegurado pela estrada nacional n.º 113. O edifício salientar-se-á pelas suas dimensões, para quem venha do sul, na zona verde que envolve a cidade pelo norte, e graças aos cuidados da equipa de técnicos da responsabilidade do arquitecto Chorão Ramalho, a quem foi cometido o encargo, continuará naturalmente a zona do casario. Houve a preocupação de lhe reduzir a altura à custa de um maior desenvolvimento em planta, o que, aliás, além de outros motivos, levou à aquisição de novas parcelas de terreno contíguas ao que primitivamente fora adquirido.
Como se verifica, trata-se de um empreendimento de maior alcance, que vai satisfazer necessidades primordiais da população do Alto Minho, atingindo um volume que o coloca entre os primeiros realizados pelo Estado naquele distrito. Em obediência ao critério de encurtamento de prazos — norma com a qual o Ministro Rui Sanches tem imprimido um ritmo vigoroso de realizações pelo Ministério das Obras Públicas —, ainda durante a primeira quinzena deste mês estará concluída a apreciação em conjunto do anteprojecto pelo Conselho Superior de Obras Públicas. Estão previstas a apresentação do projecto definitivo, nos termos contratuais, e a abertura do concurso público para arrematação da empreitada, durante o 1.º trimestre de 1973, esperando-se a conclusão do hospital por meados de 1976.
Este escalonamento da realização implica esforço e capacidade dignos de louvor e do maior apreço, dados a natureza e o volume do empreendimento.
A cidade de Viana do Castelo ainda este mês irá poder apreciar a maqueta do seu futuro hospital, que já se encontra realizada e ali vai ser exposta a pedido da mesa da Santa Casa da Misericórdia, que a este assunto tem consagrado muito do seu apoio e constante interesse.
Sr. Presidente: Abordarei agora, em ligeiras palavras, a situação do porto e barra de Viana do Castelo. Já por várias vezes, desta mesma tribuna, ergui a minha voz chamando a atenção do Governo para tão importante questão. Aquando do debate parlamentar sobre o III Plano de Fomento, de novo a abordei, relacionando-a com a obra de ordenamento hidráulico do rio Lima. Sei que o Governo tem estado atento a esses problemas, não sendo de mais lembrar, ainda aqui, como então o fiz, estar o actual Ministro das Obras Públicas intimamente ligado aos estudos do vale do Lima, aos quais se consagrou apaixonadamente, como engenheiro distintíssimo dos Serviços Hidráulicos.
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O porto de Viana do Castelo, embora dispondo já de um conjunto de órgãos portuários susceptível de apreciável actividade, é, no entanto, prejudicado pelas deficientes condições de acesso marítimo, sem fundos, de posição variável ao jogo das condições do mar desabrigado. Mercê, sobretudo, dessas difíceis condições de acesso, conjugadas com a evolução do porto e das exigências de exploração dos navios, além de outras razões, nomeadamente as ligadas, ao desenvolvimento de infra-estruturas do porto de Leixões, o movimento comercial no porto de Viana do Castelo, que, há algumas décadas, chegou a atingir mais de uma centena do milhares de toneladas, tem vindo a decrescer e é hoje bastante reduzido. A instalação da indústria de construções navais fia área do porto, com uma actividade que se desenvolve a bom ritmo e com perspectivas de vasta ampliação, veio de algum modo sublinhar-lhe a importância, a par de outras actividades industriais que se vão instalando na região.
Vem a propósito lembrar que o projectado dimensionamento dos estaleiros navais permitirá a criação de uma unidade à escala internacional para a construção de navios de porte superior a 100 000 t, com uma população de cerca de 4000 operários e técnicos, isto é, mais do triplo do pessoal actualmente utilizado. A realização deste projecto depende essencialmente da solução que venha a ter o problema do porto e barra de Viana. Por outro lado, além de outras iniciativas, a indústria de celulose terá o maior interesse em exportar pela barra de Viana toda a sua produção, prevista em 600 t diárias, isto é, 170 000 t anuais.
Da actividade actual do porto dão indicação os seguintes valores do quinquénio de 1965-1969:
Actividade comercial total:
1965 — 29 000 t, no valor de 85 000 contos.
1967 — 14 000 t, no valor de 61 000 contos.
1969 — 11 000 t, no valor de 26 000 contos.
Navios entrados:
1965 — 83, com 44 000 tAB.
1967 — 45, com 29 000 tAB.
1969 — 63, com 31 000 tAB.
Pesca costeira e artesanal e local:
1965 — 2000 t, no valor de 5600 contos.
1967 — 2000 t, no valor de 10 400 contos.
1969 — 3600 t, no valor de 31 700 contos.
Pesca longínqua (bacalhau):
1965 — 5200 t, no valor de 20 700 contos.
1967 — 8000 t, no valor de 31 700 contos.
1969 — 6100 t, no valor de 24 400 contos.
Quanto às receitas globais da Junta Autónoma que explora o porto conjuntamente com os da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, os números seguintes dizem da sua modéstia, reflectindo a fraca actividade do conjunto:
Contos
1965 ............................................. 2 000
1967 ............................................. 2 600
1969 ............................................. 3 200
Iniciadas há anos observações sistemáticas dos condicionamentos marítimos, flúvio-marítimos e fluviais interessando o estudo do melhoramento do porto, do ponto de vista do foro da engenharia hidráulica, o acervo de informações recolhidas e as conclusões que a sua interpretação consentiu serviram ao projecto e construção de um modelo reduzido no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, onde se estão ensaiando, de acordo com o programa prèviamente estabelecido, esquemas de melhoramento capazes de satisfazer a diversas metas de desenvolvimento das actividades económicas da região que o porto serve ou é capaz de servir.
Dentro do programa estabelecido, retomou-se o estudo e a actualização do levantamento da carta geoeconómica da região, para coadjuvar as opções sobre os níveis da fase inicial e das subsequentes, a médio prazo, das intervenções de melhoramento das condições de acesso, abrigo a operacionais do porto do Lima.
Com esse objectivo iniciou-se, no princípio do ano corrente, uma campanha de recolha de dados dessa índole, que está sendo conduzida pelos serviços marítimos da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, do Ministério das Obras Públicas, com a colaboração de um gabinete de especialistas.
Com viste a definir a aptidão ou vocação do porto de Viana do Castelo, o Ministério das Obras Públicas adjudicou a realização do estudo económico e perspectivas de evolução do hinterland do porto de Viana do Castelo, com dedução das componentes principais do tráfego marítimo, envolvendo os seguintes aspectos:
Estudo geoeconómico da região-plano do Norte, na extensão que interessa para definir a área de influência do porto de Viana do Castelo;
Identificação dos principais centros geradoras de tráfego marítimo na região-plano do Norte;
Inventariação de planos ou programas de desenvolvimento sócio-económico previstos na região-plano do Norte © sua incidência no tráfego marítimo;
Inventariação de projectos na área de influência do porto de Viana do Castelo e sua dependência ou implicações no tráfego marítimo;
Perspectivas de desenvolvimento do tráfego nos portos do Douro e Leixões, com vista à determinação do tráfego que eventualmente se justifique derivar para Viana do Castelo;
Influência do porto de Vigo no futuro tráfego do porto de Viana do Castelo, na perspectiva de maior integração económica peninsular;
Perspectivas de desenvolvimento da indústria de construção e reparações navais em Viana do Castelo;
Posição de Viana do Castelo como porto de pesca;
Náutica de recreio e desportos náuticos;
Definição da vocação do porto de Viana do Castelo e previsões do seu tráfego nos horizontes de 1973. 1979 e 1985;
Recomendações sobre apetrechamento do porto de Viana do Castelo, em face das previsões de tráfego e da natureza das actividades para que a sua zona se recomenda.
Como se vê, trata-se de um estudo de natureza e objectivos económicos, abrangendo toda a problemática do porto de Viana, do qual será presente ao Governo, ainda este mês, um relatório preliminar, devendo ser entregue o relatório final até Março próximo. Ao mesmo tempo, estão prosseguindo os ensaios em modelos no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, com vista à exploração das soluções técnicas mais adequadas às necessidades que aquele estudo económico revelar. Quer dizer, neste momento desenvolvem-se paralelamente, e em ritmo assinalável, os estudos do porto de Viana do Castelo, do ponto de vista físico e do ponto de vista económico. Em face destes elementos, ficará o Governo habilitado ás opções que o problema comporta, problema que pela sua impor
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tância, pelo volume de investimento que eventualmente irá implicar — da ordem das centenas de milhares de contos —, e pela projecção não só na economia regional como no conjunto da economia do País, há-de impor necessariamente decisões suficientemente alicerçadas e amadurecidas.
E vou terminar, Sr. Presidente.
Tive a honra e o prazer de acompanhar o Sr. Ministro das Obras Públicas e das Comunicações ao distrito de Viana do Castelo sempre que ali se deslocou, para nos próprios locais colher elementos e avaliar da situação de empreendimentos, como o hospital e o porto de mar. Conheço pessoalmente o interesse e o empenho que o engenheiro Rui Sanches lhes tem consagrado. Por isso aqui desejo expressar os agradecimentos devidos a tão diligente e notável governante. Agradecimentos que são do povo de Viana, o qual vê ser vencido o impasse a que se havia chegado e retoma a confiança na obra realizada e a realizar. Tem o meu distrito motivos de sobejo para estar grato ao Ministério das Obras Públicas, cuja acção cobre tantas e tantas realizações. Mas, para além de todas, eu queria sublinhar hoje os excepcionais empreendimentos que motivaram estas palavras. Em nome de Viana e da sua gente, em nome de todo o Alto Minho, que tenho a honra de representar nesta Assembleia, aqui deixo um muito obrigado ao Ministro Rui Sanches e ao Governo da Nação.
Vozes: — Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Assembleia.
Acaba de dar entrada na Mesa o parecer adiciona] da Câmara Corporativa sobre o recente aditamento, proposto pelo Governo, à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972. Vai ser publicado no Diário das Sessões e imediatamente distribuído a VV. Ex.as
Também desejaria pedir a atenção de VV. Ex.as para o facto de que a acumulação dos nossos trabalhos aconselha o desdobramento da sessão de amanhã em duas. A primeira será ás 10 horas e 45 minutos e a segunda à hora regimental, pelo que me parece desde já conveniente prevenir VV. Ex.as
Por razões óbvias, a Mesa teve de alongar hoje o período de antes da ordem do dia. VV. Ex.as sabem como ás vezes é necessário temperar a impaciência dos que querem falar com a paciência dos que se prontificam a escutar, e por isso hoje fomos mais longe do que é normal e mais longe do que o Regimento prevê no período de antes da ordem do dia.
Vamos agora passar à
Ordem do dia
Agradeço a VV. Ex.as a colaboração que prestaram à Mesa, permitindo que o período de antes da ordem do dia fosse tão Longo. . .
A primeira parte da ordem do dia, como VV. Ex.as sabem, destina-se à eventual apresentação das reclamações sobre os textos elaborados pela nossa Comissão de Legislação e Redacção para os decretos da Assembleia Nacional, sobre a forma de resoluções, acerca da ocorrência de actos subversivos em território nacional e relativo à convenção Sobre igualdade de direitos e deveres entre Brasileiros e Portugueses.
Como são textos simples, ponho-os simultaneamente à apresentação de eventuais reclamações.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Se nenhum de VV. Ex.as tem qualquer reclamação a apresentar sobre estes textos, considero-os definitivos.
Vamos passar à segunda parte da ordem do dia: continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972.
O Sr. Ribeiro Veloso: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972 vem acompanhada de uma bem elaborada exposição, na qual se toma perfeito conhecimento da política seguida e a seguir pelo Governo, nos diversos sectores da sua actuação.
E sendo certo que, fundamentalmente, ela procura definir a política económica e financeira a executar durante o próximo ano na parte europeia de Portugal, também é certo que ela abrange todo o País, pois alguns artigos dia proposta têm directa incidência sobre o ultramar.
No artigo 4.º da proposta de lei definem-se «os critérios de prioridade a observar na organização e execução do orçamento das despesas» e nele se verifica que a defesa nacional e os investimentos públicos previstos na parte prioritária do III Plano de Fomento têm especial relevância, como relevância tem o auxílio económico e financeiro ás províncias ultramarinas, nas suas diferentes modalidades. A continuidade desta política não nos estranha, pois traduz a política do País, que é a de salvaguarda da integridade nacional e de promoção do desenvolvimento económico de todo o espaço português. Aplaudimo-la como português do ultramar por ali estar radicado há quase vinte e três anos, como aplaudimos, pelo mesmo motivo até, a inovação de integrar no capítulo da política orçamental os critérios de prioridade a observar, por nos parecer que se reforça assim mais a unidade que constituímos. E exactamente para salvaguardar essa unidade como todos desejamos, tem o Governo necessidade, para poder agir com a rapidez conveniente, de ter autorização para proceder à adaptação dos recursos existentes, ou de criar mesmo outros se as exigências de assegurar a integridade territorial da Nação e de intensificação do desenvolvimento económico e social de todas as suas parcelas motivarem a ultrapassagem das previsões orçamentais que lhes dizem respeito, sem prejuízo do equilíbrio das contas públicas. É uma autorização indispensável para um Governo dinâmico e cônscio das responsabilidades que lhe inpendem, e o facto de o Governo a solicitar prova bem a atenção e cuidado que constantemente lhe merece a vida da Nação.
Embora em leis de meios anteriores, como a que está em vigor no corrente ano, se tenham inserido disposições equivalentes ás que constam do artigo 12.º da proposta, não quero deixar de fazer-lhe aqui referência, por se tratar de um imposto que o Governo se propõe continuar a cobrar única e exclusivamente para a defesa e valorização de Portugal ultramarino. E faço-lhe referência porque além de ser justo dar-lhe o devido realce, talvez consiga ajudar a difundir o conhecimento do esforço que se faz na parte europeia de Portugal para garantir uma vida melhor aos milhões de portugueses de além-mar, que habitam ali em parcelas do território nacional. Trata-se de um imposto extraordinário que deverá manter-se, quanto a mim, até ao ano em que o desenvolvimento sócio-económico de Portugal ultramarino atinja uma posição tal que permita ao Governo concluir terem desaparecido as circunstâncias que o levam a propô-lo. É isso acontecerá quando se conseguir eliminar quase totalmente o meio onde possa progredir essa epidemia que os terroristas a soldo da China, da
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Rússia e de todo o consenso esquerdista internacional procuram trazer-nos do exterior, no que são impedidos pelas nossas forças armadas e militarizadas que tão heroicamente combatem nas nossas fronteiras. Daqui presto a minha homenagem a todos esses homens, e até mulheres, que na África portuguesa combatem o terrorismo que ali, através de países vizinhos, os comunistas, os falsos moralistas, os ignorantes da verdade, os presumidos intelectuais e os pseudopuritanos políticos de todo o Mundo, insistem em querer introduzir. E é nas pessoas dos Ex.mos Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné, de Angola e de Moçambique, com especial referência para o Sr. General Kaulza de Arriaga, por ser o comandante-chefe da província a que pertenço, que as minhas homenagens singelas são prestadas.
Pois, com o desenvolvimento económico e social 'em curso na África portuguesa, as populações, mesmo as menos evoluídas, começam a sentir e a apreciar todos os benefícios da civilização, e sabem já que não se vive melhor nos países que, em África e noutras partes do Afundo, dão guarida aos portugueses que, por qualquer razão, para ali foram.
E os que estão no exterior, depois de terem sentido na própria carne ó erro que cometeram ao emigrar, querem voltar, e voltam, sempre que conseguem possibilidades de o fazer! Uma prova disto veio há dias num jornal, através de uma notícia da cidade da Beira, de que um grupo de macondes, constituído por quinze homens e uma mulher, refugiados há tempos no Quénia, regressou a Moçambique de avião, vindo directamente do Malawi, mercê dos bons ofícios da Cruz Vermelha Internacional. Ora eles não vinham, não voltavam, se não estivessem bem certos de que em Moçambique encontram já melhores condições de vida do que as que lhe são dadas na Tanzânia ou no Quénia! Estamos, portanto, no bom caminho, e prosseguiremos, certos de que tem sido bem aplicado todo o dinheiro que, através do disposto no artigo 12.º ou de outros equivalentes das leis de meios, se destinou à defesa e valorização do ultramar.
Contudo, esta só pode ser mais rápida e atingir os limites que todos ambicionamos se a valorização da parte europeia de Portugal continuar a processar-se em ritmo acelerado como está acontecendo e passar a comprar-se em cada uma das províncias ultramarinas tudo o que se necessite do que ali se produza, o que, permitindo aproximar do equilíbrio a balança comercial com cada uma delas, provocará necessàriamente a melhoria da sua situação.
De acordo com o disposto nos artigos 19.º, 20.º e 21.º da proposta de lei e que traduz, respectivamente, a política agrária, industrial e comercial do Governo, procura--se melhorar as estruturas existentes e criar outras para se poder produzir, no futuro, muito mais por muito menos, por forma que, devido a essa expansão económica, se consiga estabilização relativa dos preços no abastecimento do mercado interno, se incentive a expansão das exportações e se obtenham no seu conjunto condições de vida que travem também desta parte de Portugal as correntes migratórias dos trabalhadores.
Conseguindo-se baixos preços de produção, fàcilmente se colocarão os produtos em qualquer parte do Mundo. Mas nesta fase de reestruturação e organização considera-se absolutamente necessário manter os mercados existentes e, entre eles, o das províncias ultramarinas. E nós os do Ultramar temos todo o interesse’ que a ajuda ás nossas economias se não faça pela via de redução nas vendas, mas sim, e fortemente, pela via de expansão nas compras. Estamos convencidos de que com o planeamento em elaboração se virão a definir que fontes de abastecimento no ultramar se deverão incrementar, por forma a satisfazerem plenamente as necessidades desta parte de Portugal, proporcionando-lhes assim os meios indispensáveis para poderem adquirir as máquinas, aparelhos, material eléctrico e tudo o mais que aqui se fabrique e lá se necessite, com a natural eliminação do que tiver carácter sumptuário ou mesmo supérfluo.
Pelo notável discurso pronunciado pelo Sr. Ministro do Ultramar, quando deu a posse de governador-geral de Moçambique ao Sr. Engenheiro Pimentel dos 'Santos, foi o País esclarecido de que ás mercadorias que haja necessidade de importar pelas províncias ultramarinas, e que sejam consideradas essenciais para o seu desenvolvimento económico ou para o seu abastecimento público, deverão ser atribuídas todas as coberturas necessárias, desde que não sejam concorrentes com a produção local. Isto significa que, mesmo com as 'balanças comerciais em desequilíbrio, tudo está orientado para a solução feliz dos problemas que tantas preocupações a todos têm trazido, sem que advenham prejuízos para as diversas partes que constituem o País, e possibilitando a todos o desenvolvimento económico e social das suas populações, tendo em especial atenção, como consta da alínea b) do artigo 3.º, um melhor equilíbrio regional no desenvolvimento da economia da Nação.
Não queria deixar de mencionar aqui o meu inteiro aplauso ao preceituado na alínea f) do artigo 20.º, onde se afirma que o Governo actuará no sentido de «proceder a reajustamentos no regime de condicionamento nacional», para o que estão em curso já os respectivos estudos, em que também se empenha o Ministério do Ultramar. Na verdade, sendo o País uma unidade não física por ser compartimentada, mas política, pois que o Estado Português é unitário, há necessidade de estabelecimento de pontos, mesmo zonas de contacto, entre as diversas economias das diferentes partes do território nacional, pois só desse modo serão comuns os interesses de toda a população portuguesa. Assim, a intervenção do Ministério do Ultramar nos estudos em curso, em continuidade da viagem que o Sr. Ministro do Ultramar e o Sr. Secretário de Estado da Indústria fizeram a Moçambique, em que oportunamente tive ocasião de falar nesta Assembleia, merece todo o nosso aplauso, por sabermos que os estudos que estão decorrendo têm carácter nacional e poderão conduzir, portanto, a uma política de desenvolvimento conjunto no espaço português.
Já atrás referi o último discurso do Sr. Ministro do Ultramar e volto agora a fazê-lo, e faço-o com prazer ao mencionar a alínea d) do n.º 2 do artigo 22.° da proposta, onde se afirma que o Governo providenciará no sentido de procurar corrigir desequilíbrios na distribuição da liquidez do sistema económico nacional. O decreto que permitirá resolver o problema dos chamados «atrasados» foi já publicado e, consequentemente, está para breve a concretização da sua eliminação. Disse o Sr. Ministro do Ultramar no profundo esclarecimento que deu ao País e que, em boa verdade, era bem necessário, em face das milhares de pessoas e entidades que nele estão interessadas, que se mobilizaram para o efeito mais de 9 milhões de contos, o que revela o extraordinário esforço financeiro que se teve de realizar. Merece o Governo os maiores louvores por ter conseguido a eliminação daquele motivo de perturbação nacional, tendo as preocupações desaparecido quase totalmente para todos os que vivem aqui e têm os seus interesses lá, mas não completamente para os que têm residência no ultramar e possuem cá alguns haveres gerados ou não com valores oriundos do ultramar e que lhes dão rendimentos ou despesas, ou simples depósitos bancários conseguidos através de transferências legais
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para resolução de problemas correntes da sua vida. Naturalmente que todas estas pessoas ao terem conhecimento do teor do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 478/71, por ignorarem que o teor dele faz parte da legislação em vigor, ficaram a aguardar que o assunto seja esclarecido, embora convencidos de que a obrigatoriedade, para os que têm residência no ultramar, da venda dos escudos metropolitanos ao Fundo Cambial é só para aqueles que os tiverem em seu poder nas próprias províncias ultramarinas. A seu tempo, porém, será o assunto devidamente esclarecido, não querendo eu deixar de afirmar aqui que será uma prova de confiança no futuro do ultramar a transferência para ali das cambiais disponíveis, por todos aqueles que no ultramar têm a sua vida definitivamente fixada.
Serão grandes os reflexos que virão a ter nas províncias ultramarinas, se vierem a ser-lhe extensivas, como julgo acontecerá, as anunciadas providências sobre o funcionalismo, que no artigo 23.º da proposta de lei se diz entrarão em vigor em 1972. E serão grandes, porque é ainda muito grande a percentagem de funcionários entre a população contribuinte do ultramar. Aumentar as suas regalias, neste momento, é absolutamente benéfico, até porque servirá de incentivo para ingresso no funcionalismo a todos os que estão para iniciar a sua vida de trabalho. Naturalmente que as providências anunciadas estarão já devidamente estudadas e, sejam quais forem, merecem aprovação por constituírem melhoria das condições de vida dos que trabalharam como funcionários do Estado, ou das suas famílias.
Irá aumentar-se também a protecção à família com a revisão do respectivo abono. E irá até dar-se mais conforto moral ao funcionário público do activo, que é um prestimoso elemento da estrutura da Nação, um trabalhador do bem comum, ao melhorarem-se as pensões de reforma, de sobrevivência e de preço de sangue dos que a elas já têm direito. Muito se tem feito no nosso país na redução das desigualdades sociais, na protecção à velhice, na protecção à família, mas entendeu o Governo ser oportuno fazer ainda mais. E é justo, muito justo, porque foram todos os funcionários do passado dos que mais contribuíram para a continuidade da Nação.
Muitos são, infelizmente, os que ficam pelo caminho antes de atingirem os 70 anos, mas breve acontecerá, a continuar o progresso que ultimamente tem sido tão acentuado, que seja possível ao Governo diminuir, não só o tempo de obrigatoriedade de trabalho ao Estado para poder obter-se a reforma por inteiro, mas também o limite de idade para se atingir a reforma, pois só desse modo poderá maior número de funcionários usufruir benefícios dos descontos que durante uma longa vida de trabalho foram fazendo. Mas, se é importante aumentar as pensões de reforma, de sobrevivência e de preço de sangue, não é menos importante a diminuição do tempo necessário à conclusão das formalidades legais que permitam ao beneficiado ou beneficiados receber os proventos a que têm direito, e julgo mesmo que esse espaço de tempo não deve nunca ultrapassar um mês.
Entre aqueles que servem o Estado muitos há que não pertencem aos seus quadros permanentes e que prestam serviço toda a vida como contratados para fins especiais ou como assalariados eventuais nos lugares de mais baixa remuneração, e atingem a velhice, a incapacidade física, sem direito a receber depois um pensão, por pequena que seja. Julgo que também para este problema será possível encontrar solução.
Outros há ainda que, estando a prestar serviço nas condições anteriormente mencionadas, morrem em zonas de subversão activa devido a ataques traiçoeiros dos inimigos da ordem. Para estes casos conviria obviar ainda mais as formalidades por forma que as famílias desses que foram imprescindíveis colaboradores do Estado possam receber com brevidade o auxílio que lhes for devido.
Mas o Governo está em boas mãos e eu, ao dar a minha aprovação na generalidade à proposta de lei de meios para 1972 e seu aditamento, presto homenagem ao Presidente Marcelo Caetano peio brilhantismo com que dirige os destinos do País.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Miguel Bastos: — Sr. Presidente: Não queria deixar também de produzir aqui o meu modesto depoimento sobre documento tão importante como aquele que estamos analisando: a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972.
E certo que se discute e vota uma proposta de autorizações amplas, não se discute nem se vota o orçamento pròpriamente dito, daí o poder-se concluir que não existe qualquer interesse político na apreciação desta proposta de lei e que não existe qualquer espécie de fiscalização sobre a sua execução, uma vez que, na sua sequência, não discutimos nem votamos o orçamento que dela necessàriamente emerge.
Não é perfeitamente exacto este raciocínio.
Na organização de qualquer orçamento há três momentos a considerar.
O primeiro é o da arrumação das receitas e despesas segundo a técnica da contabilidade.
Esta técnica poderia interessar a esta Assembleia, se estivesse em discussão; mas é evidente que não lhe interessa a arrumação orçamental enquanto mera aplicação de preceitos legislados e conhecidos.
O segundo aspecto é o da dotação orçamental indispensável ao cumprimento das obrigações fundadas em lei ou obrigação contratual. Também este aspecto não interessa à Assembleia. Não teria, em qualquer caso, liberdade constitucional para discutir essas dotações, uma vez que estão condicionadas, ou por lei ou por contrato.
Finalmente, um terceiro aspecto envolve a aplicação das receitas consideradas livres e que, por conseguinte, podem ter esta ou aquela aplicação, que podem ser aplicadas para este ou aquele ramo da administração pública, para este ou aquele plano de carácter económico ou social.
Os princípios a que devem obedecer a fixação ou a distribuição das receitas livres, manda a Constituição que sejam trazidos à Assembleia, e manda a Constituição ao Governo que ele aplique na organização do Orçamento, isto é, na distribuição das verbas, os princípios ou critérios que a Assembleia tiver votado.
Se assim é — e é na verdade —, suponho que constitucionalmente se não pode dizer que esta Assembleia não discute nem vota o Orçamento, pois discute e vota os princípios a que tem de obedecer legalmente a sua organização.
Discute, portento, os fundamentos em que vai assentar a organização do Orçamento e as bases do programa de actuação em que se vai processar a vida administrativa, política, económica e social do País no ano que se lhe segue.
E, oportunamente, quando discute as contas públicas, fiscalizará se os princípios votados foram respeitados, seguros os cálculos feitos, suficientes as dotações inscritas, correcta, jurídica e econòmicamente, a aplicação das verbas despendidas.
Esta a razão por que considero da maior importância sempre o estudo, discussão e votação destes dois importantíssimos documentos: a chamada «lei de meios» e as contas gerais do Estado.
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E é com pana que vejo, não raras vezes, o nosso trabalho dispersar-se com prejuízo evidente das linhas essenciais do que convinha atentamente analisar e fixar, sendo, quase sempre este momento aproveitado para a apresentação de temas — sem dúvida de grande interesse nacional —, mas que só muito indirectamente têm de ver com o problema concreto em causa.
Na impossibilidade de me referir a todo o documento em apreciação, neste meu apontamento irei tentar apenas fazer uma breve análise dos princípios a que deve obedecer o orçamento para 1972 em matéria de política orçamental e quanto a providências sobre o funcionalismo.
No primeiro aspecto referirei que passou q este capítulo a indicação dos critérios das prioridades nas despesas posse ter entendido que, tratando-se de uma norma fundamental da utilização dos instrumentos orçamentais, era aqui que devia ter o seu assento próprio.
É de aplaudir esta inovação, por ser, na verdade, neste lugar que se deve fixar a ordem de prioridades a observar na realização dos gastos públicos, dado que é nitidamente matéria reservada à política orçamental.
As prioridades estabelecidas são as mesmas dos anos anteriores e a sua justificação está de há muito feita de acordo com os superiores interesses nacionais: encargos com a defesa nacional, auxílio económico e financeiro ás províncias ultramarinas, outros investimentos de natureza económica, social e cultural.
Uma outra inovação se introduz neste capítulo da lei de meios, mas esta parece-me sem qualquer vantagem, senão até com alguns inconvenientes. Trata-se da omissão, na proposta de lei em discussão, do artigo 6.º da anterior, que dizia o seguinte:
As dotações globais do Orçamento Geral do Estado para execução do III Plano de Fomento não poderão ser aplicadas, no ano de 1971, sem o seu desenvolvimento e justificação em planos de trabalho devidamente aprovados e visados.
Justificando esta disposição, lia-se no relatório de Novembro de 1970:
O artigo 6.º contém uma norma respeitante à execução em 1971, do programa anual de financiamento do III Plano de Fomento, sendo a sua redacção idêntica à do artigo 5.º da Lei n.º 2145. Por decisão do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, o desenvolvimento e justificação das dotações orçamentais para execução do plano podem apresentar-se sob a forma de planos de trabalho, sem necessidade da sua classificação segundo a técnica administrativa vigente.
Torna-se, todavia, indispensável que os planos de trabalho referentes à aplicação das dotações orçamentais sejam devidamente aprovados' e visados, de forma a assegurar a compatibilidade entre a participação do Orçamento na execução do plano e a disciplina nas despesas. Está, portanto, em causa um importante princípio de administração.
Esta disposição, quando inserida na lei de meios, foi saudaria por todos com vivo júbilo. Era, na verdade, um importante princípio de administração e inseria-se num alto pensamento moral, controlando com rigor os dinheiros que efectivamente se destinavam exclusivamente ao sector do fomento nacional, tão necessitado de meios financeiros nas horas que vivemos. Além disto, e cobrindo tudo isto, era inegável o valor político da norma e como tal suscitou, como já se disse, aplauso unânime, designadamente por parte daqueles que têm, como dever de ofício, o de controlar os gastos públicos.
Porque desaparece tão importante princípio da actual proposta em debate?
Diz-se no relatório:
No artigo 6.º da Lei n.º 10/70 formulava-se um princípio respeitante à execução do programa anual de financiamento do III Plano de Fomento. Reputou-se conveniente o seu afastamento da lei de autorização das receitas e despesas, pois, tratando-se de uma norma relativa à execução do Orçamento, tem um melhor enquadramento sistemático no decreto orçamental, onde deverá vir a ser inserida.
Não pondo em dúvida 'as razões técnicas, mas fiel à tese que já aqui defendi, de que neste documento se devem fixar os mais importantes princípios que orientarão a administração pública no ano a que se refere, julgo que este princípio, de que nos temos estado a ocupar, não deve deixar de figurar aqui, aliás confirmando o que o Governo, pelo menos desde 1966, vem afirmando sempre como constituindo uma importante norma orientadora da Administração.
Acresce, de resto, que o Governo não deseja abandonar aquela salutar prática, pois no relatório desta proposta de lei, que estamos discutindo, afirma que ela será observada no dispositivo do decreto orçamental.
Temos, porém, de convir que, tratando-se de princípio de tão grande relevância no emprego dos dinheiros públicos destinados ao fomento nacional, melhor convirá que ele se conserve e firme na própria lei que a Assembleia Nacional aprecia e vota.
Eis as razões por que enviei para a Mesa uma proposta no sentido de se manter na Lei de Meios para 1972 e no capítulo da política orçamental um artigo com redacção idêntica à que consta do artigo 6.º da Lei n.º 10/70.
Mantém-se nesta proposta de lei a «intenção de se garantir o equilíbrio das contas públicas, princípio básico de uma sã política orçamental», pedindo, para tanto, o Governo uma autorização que o habilite a proceder à adaptação dos recursos ás necessidades, dispondo, para esse efeito, da capacidade de reforçar rendimentos disponíveis ou criar novos recursos e de suspender, condicionar ou reduzir as despesas públicas.
Os termos da autorização que se pede são profundamente latos, nomeadamente ao referir a criação de novos recursos, mas os fins cuja prossecução visa a assegurar são de tal modo essenciais à vida da Nação que não tenho qualquer dúvida em aceitar o que se pede e sempre se tem pedido em situações paralelas.
Ainda neste aspecto, o documento que apreciamos aponta para normas de rigorosa economia, que venham a ser estabelecidas, para se manter o equilíbrio das contas públicas, princípios que, ao contrário do que ás vezes se vê, devem estar continuamente presentes aos olhos dos responsáveis, especialmente em dias como os que estamos vivendo, em que se requer um elevado e contínuo esforço de defesa da integridade nacional e em que é premente a aceleração do desenvolvimento sócio-económico da Nação.
Uma vida digna, mas plena de trabalho e de austeridade, se impõe aos Portugueses nesta hora.
Em matéria de austeridade e de trabalho haveria muito que dizer, e até que criticar, mas hoje darei apenas nota de uma situação que me preocupa e que traduzirei nesta breve consideração: a produtividade e o trabalho são conceitos necessàriamente ligados entre si, ainda que distin-
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tos. Há, pois, que articular estes dois termos do problema de forma hábil e equilibrada.
Ora, observo, com apreensão, que os vagares na execução dos trabalhos aumentam de dia para dia, estando a tendência para o abstencionismo a afectar todas as actividades.
Ainda há poucos dias vi referido em artigo de revista da especialidade que em certas indústrias tem-se já por normal que às segundas-feiras cerca de 50 por cento dos operários faltem por um motivo ou por outro e às vezes
por nenhum. Nos fins de semana prolongados o problema é ainda mais grave: o número de ausentes ao trabalho é elevado no dia anterior, e elevadíssimo no dia seguinte. Se entre um feriado e um domingo há um dia de trabalho, qualquer percentagem de presenças acima de 50 por cento deve considerar-se particularmente excepcional.
Será o nosso grau de produtividade já tão elevado que permita, sem graves consequências económicas, sociais e até morais, a manutenção deste estado de coisas?
Deixo a pergunta aos que sabem destas matérias e que lhe poderão dar a resposta adequada.
E passo agora ao capítulo das providências sobre o funcionalismo.
Quando se fala na necessidade de desenvolvimento, é-se muitas vezes levado a pensar apenas nos aspectos económicos e técnicos que ele comporta, sem se reflectir no papel importante que nele ocupa o elemento humano, e dentro dele o que constitui a infra-estrutura administrativa, que garantirá a plena e normal -eficiência daquele desenvolvimento.
É sabido que o nosso funcionalismo público, mercê de factores económicos bem conhecidos, chegou a situação verdadeiramente aflitiva, como tantas vezes tem sido nesta Assembleia referido em anos sucessivos. Tudo o que constituía os atractivos da função foi-se perdendo, ao longo dos anos, subvertido por necessidades prementes de ordem material. Foi a fuga para as -actividades privadas a duplicação de empregos, o cansaço físico e moral, a desesperança.
O Estado tem de entender que é da qualidade e promoção dos seus servidores que depende, em larga medida, o funcionamento mais ou menos eficaz da Administração e a sua possibilidade de acompanhar e promover o desenvolvimento económico e social do País.
Para tanto precisa dar-lhe estabilidade e independência, moral e material.
Na proposta de lei que estamos apreciando dá-se um novo passo neste caminho.
Assim, anuncia-se o novo estatuto da aposentação dos funcionários e o regime de pensões de sobrevivência, devendo proceder-se à revisão da legislação respeitante ao abono de família e ás pensões de preço de sangue.
Estas medidas vêm na sequência de outras tomadas nos últimos tempos, de entre as quais noto as que se referem aos ajustamentos operados nos vencimentos e nas pensões de aposentação, a instituição da assistência na doença e várias medidas no sector da habitação.
Agora pretende-se compendiar num só diploma toda a legislação dispersa sobre aposentação, actualizando-a, aperfeiçoando-a em novo estatuto.
Não se conhecem estes novos termos, mas afirma-se que eles comportam situações mais favoráveis aos beneficiários.
Em matéria de pensões de sobrevivência, prevê-se a publicação, em 1972, de um novo estatuto do Montepio dos Servidores do Estado, do qual, afirma o Governo, resultará uma profunda remodelação do regime das pensões de sobrevivência, que, suponho, será extensivo a todos os funcionários públicos.
Não se conhecem mais pormenores do que se pretende ou vai fazer-se em matéria de tão grande interesse para os servidores do Estado, de tão grande justiça para os que um dia dedicaram toda a sua vida exclusivamente a servir a função pública. Retêm-se, no entanto, algumas afirmações do Governo ao escrever que «se impõe modificar o regime das pensões de sobrevivência, de forma a obstar aos problemas morais e sociais resultantes das condições em que por vezes ficam as famílias dos funcionários, que, por morte destes, não encontram garantidos os meios necessários à manutenção de condições de vida que se desejaria poder assegurar-lhes».
Esta é, infelizmente, a situação do maior número. Ora, pôr-lhe termo é uma medida de tão longo alcance e de tal relevância, que serão sempre descoloridas as palavras que aqui se disserem como expressão do nosso caloroso e veemente aplauso.
O Governo honra-se com o anúncio desta providência, e creio não haver nesta Assembleia quem se não congratule com esta realização do que entendemos ser um Estado Social.
Apesar do laconismo das referências que se faz acerca destas tão importantes medidas de ordem política e social, fica, com elas, alegre o meu coração, e dou-lhes plena e entusiástica aprovação.
E termino, congratulando-me com o propósito cimeiro desta proposta de lei de estimular o processo de expansão da economia com base em critérios selectivos, intensificando a coordenação entre a satisfação das necessidades da defesa nacional e o esforço do fomento económico, procurando promover o melhor ajustamento da oferta ° da procura, e orientar os factores da procura interna, de modo a contrariar pressões inflacionistas.
Oxalá se possa, no decurso de 1972, aproveitar, com soluções corajosas e integrais, o esforço a desenvolver no sentido de dar ao povo português o bem-estar colectivo e a segurança e promoção social que inegavelmente ele merece pelo seu indesmentido amor e dedicação à terra-mãe.
Que Deus nos proteja e os homens não nos desiludam.
Vozes: — Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Trigo Pereira: Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972 deixa claramente transparecer as inúmeras dificuldades que o sector agrário atravessa perante as pressões de toda a ordem que se abatem sobre esta actividade.
Da pressão demográfica verificada até há bem poucos anos passámos sem transição a uma rarefacção não só de mão-de-obra, como até dos próprios empresários, e que subverteu todo o esquema tradicional em que nos movíamos.
De uma economia de subsistência passámos também, quase sem transição, para outra, que se aproxima da do tipo de consumo.
De uma posição excedentária num ou noutro produto, passámos igualmente à situação de deficitários numa boa parte dos produtos agrícolas.
Tudo conjugado, obriga-nos a olhar o futuro com certa apreensão, mormente quando se pretende instaurar, e rapidamente, uma agricultura de tipo empresarial e, como tal, ligada à existência de verdadeiros empresários agrícolas.
Isto poderia ser um facto se, na verdade, o País, refiro-me ao continente, aliás como o faz a proposta em análise, tivesse empresários em número suficiente.
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Mas, olhando para o inquérito às explorações agrícolas do continente realizado no ano de 1968, temos, infelizmente, de aceitar que 43 por cento dos empresários agrícolas são analfabetos; 30 por cento dos responsáveis por explorações de mais de 20 ha apenas sabem ler e escrever; 25 por cento dos responsáveis pela direcção de explorações têm a sua principal ocupação fora da agricultura; em 20 por cento das explorações de tipo familiar os chefes de família não as trabalham, e, finalmente, que no total das explorações 45 por cento são dirigidas por indivíduos de mais de 55 anos, o que é tanto mais grave, quanto é certo que esta situação se observa preferentemente naquelas com dimensão superior a 20 ha.
Se esta situação não bastasse para ser por si só alarmante, acrescentar-se-ia que 37 por cento do total das explorações são trabalhadas em sistema de arrendamento misto (arrendamento e conta própria).
Se relacionarmos o que acabamos de referir com a caracterização das áreas onde se encontram implantadas as explorações objecto do inquérito e o seu grau de parcelamento, teremos um panorama quase completo, e assaz desagradável, do pano de fundo em que se situa o sector agrário.
E tudo se torna mais negro se tivermos em conta a necessidade insatisfeita de empresários agrícolas, indispensáveis para fazer face ao desenvolvimento económico em que estamos empenhados na promissora agricultura das províncias ultramarinas.
Se tivermos de juntar a esta situação, já de si tão grave, os problemas por vezes angustiantes que resultam do êxodo rural, quer para o estrangeiro, quer para os nossos grandes centros urbanos, podemos verificar de quanto as reacções desencadeadas complicam as soluções dos problemas da nossa agricultura.
Por outro lado, o acréscimo das disponibilidades monetárias, resultantes da subida vertiginosa dos salários e das vultosas somas enviadas pelos emigrantes, levou a maiores consumos e a menores produções, por desvio da actividade do grande sector da produção agrícola familiar, situado precisamente na zona do minifúndio, a que corresponde a grande mancha da agricultura de subsistência, que abrange 78 por cento do total das explorações do continente, e que foi, na verdade, a que mais sofreu com o êxodo da população rural. Ocasionou-se, assim, um desfasamento rápido entre a produção e o consumo, com as desagradáveis consequências inflacionistas.
Se juntarmos, por um lado, ao que deixamos dito a falta de movimentos de integração que pudessem orientar aspectos fundamentais contidos no sector agrário e, por outro, a compartimentação sectorial a nível da Administração, não só das políticas da produção e dos preços, como da sua regulação, temos já quase completos os elementos necessários ao jogo de quebra-cabeças em que hoje se situa a agricultura deste rincão metropolitano.
A política agrícola que a proposta contempla assenta fundamentalmente em:
Primeiro, na necessidade de promover uma reestruturação fundiária, baseada em futuras facilidades de acesso à propriedade rústica por jovens empresários qualificados, mas tendo já esta propriedade uma conveniente dimensão económica, o que aliás está, conste, por definir;
Segundo, na promoção de um associativismo agrícola, do qual os modelos, por assim dizer escolhidos, são o cooperativismo e a agricultura de grupo.
Pelo que respeita ao cooperativismo, diga-se, de passagem, que há muito o perseguimos, sem, contudo, termos conseguido dinamizá-lo, entre outras razões, pelas causas atrás apontadas; e no que se refere à agricultura de grupo,
pensamos que, também aqui, as forças de inércia das nossas estruturas o irão dificultar grande mente.
Contudo, por razões que se filiam nas exigências de um ajustamento rápido e conveniente das estruturas fundiárias e da possibilidade de acesso à propriedade rústica, e de harmonia com a orientação que se preconiza na proposta, e ainda por outras necessidades que não cabe referir, afigura-se-nos, a nós profanos, que haverá que completar o direito agrário português com conceitos expressos que melhor sirvam ao fim em vista.
E evidente que necessitamos, aliás como se contempla, die aperfeiçoamento das técnicas de produção; de uma boa formação profissional e de gestão, não se fugindo mesmo na proposta à tentação de considerar que a falta de dinamização da economia do sector se deve à insuficiente acção dos serviços oficiais que cuidam da assistência técnica aos agricultores.
A todo um conceito de base que repousa no ritmo e capacidade de produção, junta-se, como não pode deixar de ser, a procura das soluções tidas por mais eficientes através da criação de infra-estruturas, tais como as do abate, as de conservação, as do transporte e as da comercialização dos produtos agrícolas. Através destas soluções julga-se conseguir a intensificação das produções pecuárias, horto-industriais, hortícolas, cerealícolas, frutícolas e florestais, tudo assente num ordenamento do território.
Embora aceitemos como metas a atingir as definições e os propósitos apresentados, havemos de convir que mais nos parecem um plano esboçado a médio ou a longo prazos, aliás não destituído de interesse, do que um programa concreto a cumprir no próximo ano.
É, sem sombra de dúvida, exagerado pedir a um sector produtivo como a agricultura, comprimido como está entre as fortes pressões do aumento dos custos dos factores de produção e o imobilismo dos preços dos produtos, que lhe impõe, entre outras, a luta contra a inflação, que acompanhe o ritmo de crescimento global dais indústrias e dos serviços, mesmo que se lhes dêem fortes e substanciais ajudas.
Não podemos, assim, admitir que aqueles que têm uma regular cultura nestes assuntos possam pensar que bastará melhorar as técnicas de produção para que a rendibilidade acrescentada seja por si só suficiente para absorver os aumentos dos custos de produção, como também ficará longe da realidade pressupor-se que a fraca resposta da agricultura se pode assacar neste momento à deficiente estrutura dos serviços que lhe dão apoio técnico.
De facto, para que estes sejam plenamente eficientes, e independentemente das suas estruturas, terão forçosamente de processar-se entre dois pólos. Um será a existência de um dispositivo de regulação das produções, dos mercados e dos produtos, por forma a tomar a produção aliciante; outro será representado pela preparação de base, da pirâmide humana envolvida na agricultura, desde o operário ao empresário, que entenda, aceite e como tal adira aos esquemas que os serviços lhes possam pôr à disposição ou tenham por mais convenientes.
Pelas razões expostas seria talvez preferível ordenar de outra forma a política sectorial da proposta, colocando na cúpula a promoção cultural e social, não diremos só do empresário agrícola, mas do homem agrário, fulcro de toda a actividade e razão de ser da actual política do Chefe do Governo e do seu conceito de Estado Social, para seguidamente e quiçá em paralelo se considerar a reestruturação da empresa agrária, colocando-a já no contexto das actividades produtivas da Nação.
O homem e a empresa destinam-se à produção e à satisfação das necessidades da colectividade, razão por que
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se terá na verdade de estudar e executar os planos de adaptação da oferta à procura e melhorar constantemente os circuitos comerciais.
É evidente que esta fórmula de pensar obriga à aceitação de um conceito de comando unificado de todo o sector, incluindo mesmo algumas das fontes dinamizadoras da produção agrária, como seja o caso da ordenação dos regadios.
Assim sendo, todo o nosso esforço haverá que ser enquadrado dentro de um planeamento total que coloque a agricultura no lugar que lhe cumpre no conjunto das actividades económicas do País, aliás como todos nós esperamos e temos a certeza de que está nos propósitos firmes do actual Governo.
Não sejamos, no entanto, pessimistas e tenhamos esperança, visto que o sector agrário tem ainda reservas potenciais capazes de possibilitar uma resposta válida e uma política de desenvolvimento bem definida e bem ordenada.
E tanto assim é que não fujo à tentação de referir o que sucedeu no sector da produção animal durante um período em que a política de fomento seguida se enquadrava num contexto unificado e adentro das realidades nacionais — produção, consumo e preço.
Os exemplos de potencialidade que vou dar pecam não pela expressão numérica em si, mas tão-sòmente porque não podemos medir a sua repercussão no aumento ou na diminuição dos efectivos de base por falta de elementos estatísticos, falha esta que por mais de uma vez foi referida nesta Câmara e ainda não mereceu por parte do organismo responsável a devida atenção. Não sei mesmo como no limiar da organização do IV Plano de Fomento se poderão estabelecer projectos e estudos sem esta base imprescindível de trabalho, mas, como disse o Épico, não rios falta engenho e arte . . ., passemos adiante, embora sem nos esquecermos que todas as resistências têm um limite.
Pois bem, no sector da produção de carne ressalta de forma evidente e espectacular o salto registado nos últimos anos nos quantitativos da de bovino.
Em 1964 a produção metropolitana situava-se na ordem das 42 903 t. para atingir no ano findo 87 239 t, o que equivale a dizer que a lavoura conseguiu duplicar a produção no espaço de seis anos, a que corresponde um crescimento médio anual de 16,6 por cento.
É caso para procurarmos no quadro agrário português, e quiçá mesmo fora dele, outro empreendimento que tenha, de 1964 a 1970, mantido semelhante ritmo de crescimento.
A única nuvem que ensombra esta esperançosa anotação é a de que infelizmente não podemos medir, por falta de dados estatísticos, até que ponto este surto devido a uma economia global © bem dirigida cimentou as estruturas do efectivo de base, que hoje, de resto, tememos estejam fortemente abaladas, mercê da crise que se iniciou acerca de um ano e que ameaça subverter grande parte do sistema, supomos como consequência de uma falta de actualização harmónica da política dos preços da carne e do leite.
Quanto a leite de vaca, estima-se que em 1964 a produção tenha sido de 356 822 milhões de litros; em 1968 haja atingido já os 404 293 milhões, e em 1970 tenha subido para 458 212 milhões de litros.
No que se refere a ovinos e caprinos, a sua contribuição para o abastecimento público em carne tem-se mantido pràticamente estacionária nos últimos anos.
Durante o período em estudo, a produção de carne de ovinos cifrava-se, em 1964, por 22 496 4, para atingir em 1970 as 26 5931, enquanto os caprinos mantêm pràticamente inalterável a sua produção à roda das 23001/ ano.
Esta situação, praticamente estacionária, deve filiar-se, supomos, na grave crise de maneio que nos últimos anos aflige os criadores deste pegulhal.
Quanto a suínos, as estatísticas oficiais situam a produção de carcaças em 84 572 t, em 1964, e 101 293 t, em 1970.
Este crescimento na produção, estamos certos, seria muito mais expressivo se não fora as graves vicissitudes de ordem sanitária que desde 1961 têm incidido na exploração desta espécie.
Comparável à explosão da produção de bovinos, só a de aves e animais de capoeira, que de 11 887 t, -em 1964, atingiu no ano findo as 58 200 t de carne e os 664 400 milhes de ovos.
Muito embora possamos dizer que a produção de aves e animais de capoeira se encontra desde já excluída do grupo das produções genuinamente agrícolas, pois é na verdade uma indústria, nem por isso devemos deixar de a apontar, até porque foi no seio da pequena exploração agrícola que no País se fez o seu arranque, e, como tal, pode ser tomada como exemplo válido de reconversão agrária.
Para se fazer uma ideia mais objectiva de quanto representa para o abastecimento público em carne o valor que referimos, bastará dizer que ele corresponde a cerca de 59 milhões de frangos ou a 277 000 novilhos de 210 kg de carcaça.
Como síntese deste apontamento, mais refiro que o produto bruto agrícola a preços de 1963 regista que os produtos animais participaram na sua formação com 7913 milhares de contos, o que, em relação a 1967, se traduz num aumento de 22,7 por cento; os produtos vegetais baixaram, de 8449 para 7845 milhares de contos e os de silvicultura e caça passaram de 2625 para 2759 milhares de contos.
É por de mais evidente que este surto de crescimento na produção, e que aflorei, não se pôde conseguir, dadas as nossas condições ecológicas e a situação a todos os títulos deficitária da produção agrícola, senão à custa da utilização vultosa de rações industriais.
E para que tomemos em devida conta o encadear dos factores apontados nesta proposta de lei não fujo a mais este apontamento.
Para fazer face às necessidades de consumo metropolitanas importámos, em 1960, 18 743 t de milho, em 1964 a importação subiu para 85 886 t, das quais 74 848 t do ultramar.
Em 1967, de milho, cevada e sorgo adquirimos 250 000 t.
Em 1970, só de milho adquirimos 405 788 t.
Nesse ano as fábricas de rações necessitaram para a sua laboração de 448 827 t de cereais secundários, dos quais houve que importar 405 788 t.
De bagaços de oleaginosas e farinha de peixe adquiriu-se 152 760 t.
Resumindo: para um consumo global de 745 662 1 houve que importar 558 548 t e incorporar de produtos metropolitanos unicamente 184 114 t.
Esta situação, por si só, revela que o sector agrícola tem substancial margem de mercado interno para promover um desenvolvimento e ocupação de toda a superfície agrícola capaz de produzir cereais secundários, sempre e quando a regulação unificada de preços e de produtos a que nos referimos venha a permitir tal opção. Aliás, as estatísticas revelam à saciedade a estagnação em que nos encontramos desde 1957 neste tipo de produção.
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Sabemos que este problema tem complexas implicações, que vão desde o regime cerealífero à própria potencialidade genética das sementes utilizadas, mas isso são naturalmente assuntos para outros melhor preparados nesta matéria.
Compilamos e ordenamos alguns dados que interessam ao equacionamento do problema do desenvolvimento do sector, os quais, quanto a nós, são elucidativos das linhas onde se terá de deliberadamente actuar, e não nos esqueçamos que sem preços convenientes, sem cereais secundários, sem fontes de proteína, sem circuitos comerciais convenientes e sem uma indústria válida jamais se poderá estruturar uma campanha de produção, seja qual for o sector agrário em causa, sob pena de nem os empresários poderem responder capazmente ao apelo que aquela envolve, nem tão-pouco os serviços encarregados da sua dinamização e apoio, por mais habilidosa e profunda que seja a sua reestruturação, como a proposta preconiza. Isto não invalida que reconheçamos como pertinente e necessária a sua adaptação à actual conjuntura.
As premissas enunciadas, parece-nos, continuam a ser a base necessária à manutenção do desenvolvimento do sector.
E porque a proposta de lei em apreciação contempla a maioria das actuações necessárias à definição de uma política justa, equilibrada e tão concreta quanto possível de intenções, incentivos e meios quanto aos problemas em causa, lhe dou a minha aprovação na generalidade.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Teófilo Frazão: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: A proposta de lei de meios em apreciação, porque contém regalias extremamente favoráveis e da máxima validez para o funcionalismo, algumas das quais haviam sido por nós instante e insistemente pedidas em intervenções passadas, isso nos impôs o subirmos a esta tribuna para dirigir ao seu artífice mais responsável, o Sr. Ministro das Finanças e da Economia, e ainda a todos aqueles que as patrocinaram, tornando-as realidade, com o nosso muito obrigado, o preito sincero do maior reconhecimento. Assim o expressamos no sentir de todos quantos à função pública se têm totalmente entregado ao longo dos anos e a exercem esforçadamente e com a maior devoção.
A pensão de sobrevivência e mais a actualização do abono de família, este há muito sem significado na intimidade dos seus 100$ mensais, e também a assistência na doença aos filhos, antes concedida, é certo que por enquanto só na atribuição à menoridade dos 7 anos, mas o resto virá a seu tempo, e não demora certamente, são verdadeiros padrões marcando o interesse vincado do Governo pelos servidores públicos, que cada vez mais precisam de ser acarinhados, mormente nestes dias negros de vida inflacionada, isto se se quiser uma administração mais perfeita para uma promoção económica e social mais proficiente, que urge e se impõe em favor do melhor viver de nós todos.
Contudo, desde já lançamos um grito de alarme aos responsáveis, afirmando-lhes haver uma onda alterosa de receios pelo condicionalismo executório dessas concessões, que, a ser verdadeiro, tudo o que de bom se antevê seria inteiramente subvertido.
Se as respectivas atribuições impusessem os encargos de que se fala, de taxas altas a cobrar pelos anos futuros e incidentes outras sobre a totalidade dos vencimentos atrasados pelo montante actual, isto quanto à pensão de sobrevivência, ainda por cima de percentagem diminuída relativamente àquela dos países onde a justiça fiscal poderosamente contribui para a justiça social, e se houvesse o cerceamento do direito do abono de família aos ascendentes, preferível seria então deixar estar como está para ficar melhor.
Mas eu creio firmemente que tudo isso não passa de boato sem fundamento, porque, se assim não fosse, as regalias que se pretendem transformar-se-iam em agravos sérios para o vencimento pobre do pobre funcionário, e nós temos já inquietação de mais.
Estamos plenamente confiantes no bom senso de quem estudou e há-de mandar executar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: 0 serviço público não pode continuar a ser conduzido sem verdade e fé, sem dedicação e dureza de vontade, num abandono e desinteresse que já se vai notando por muita parte, com grave comprometimento das responsabilidades que cabem a quem o deve executar bem.
Para que isso não tome foros de constância e vá pelos dias adiante em quebra continuada, enfraquecendo a robustez e a firmeza do Estado, necessário se torna que o funcionário seja bem compreendido na sua acção-fundamento do viver do País, concedendo-se-lhe igual trato ao dos serventuários da empresa privada.
Não basta já, em relação a eles, o minguado provento auferido, como ainda, e sobretudo, a falta das regalias sociais, exigidas para uns -e não atribuídas aos outros.
Eu estou a lembrar-me, para além dos favores, que não pequenos, ora sancionados na proposta de lei, de mais alguns, como o 13.º mês e o subsídio de férias, conferidos hoje pelo geral ao exercício particular, e que eu sei estarem também na linha de pensamento das providências do Governo; ficamos na certeza de que um dia há-de vir em que esses benefícios, e mais, tal como o ajustamento dos vencimentos, no momento decorrente de preços extraordinàriamente alterados, a impor-se, isto na impossibilidade, como nos parece, do seu rebaixamento ao nível salarial, hão-de ser concedidos aos funcionários, então em quadros devidamente reestruturados, para sua mais boa mantença, e assim melhor vontade de saber e executar.
Mas não é só na nítida diferenciação de condições entre funcionários do Estado e da empresa privada que se ateia a chama da indisposição e da malquerença que vai corroendo a função pública, deteriorando-a grandemente. Não menos de ter em conta é a discriminação existente entre os serventuários, hierarquicamente igualados, dos vários sectores da Administração, filhos uns, enteados outros, e isto é necessário que acabe, e já, para que se extinga a turbulência nos espíritos fortemente comprometedora da acção que se precisa de máximo perfectismo.
Estamos plenamente convencidos de que da recta intenção do Sr. Presidente do -Conselho, tão bem demonstrada, não tarda a igualação de situações, que urge e se impõe em favor da causa pública.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Com marcado propósito demos início ás considerações que resolvemos abordar sobre a proposta de lei, exactamente pelo seu último artigo, aquele que ao funcionalismo se refere, e isto porque sem este fim bem vivo, em entender nosso, todo o princípio e o meio da lei será letra totalmente amortecida, sem vigor, de franco desfalecimento nos seus resultados, portanto, para muito pouco servindo.
Convencidos como estamos de que tudo se concertará depressa, e bem, acreditamos que a lei em discussão, na
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clareza das ideias que a informam, e a que o Sr. Ministro das Finanças nos habituou, e no anseio da total realização que dela emana, há-de dar no ano próximo, de 1972, frutos bem sazonados, e é preciso mesmo que os dê, para uma economia mais saudável do que aquela que temos vivido nos anos atrás.
A definição da política agrícola e da política comercial inserida no sector estão perfeitas e urdidas com mão de mestre. Necessário é que elas sejam fiel e ràpidamente cumpridas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A nossa balança comercial altamente deficitária, e a agravar-se cada vez mais, mostra com clareza essa necessidade premente, de fidelidade de cumprimento do tanto e tão bem que ó ditado na proposta de lei.
Na verdade, um comércio externo a consumir dia a dia as nossas reservas, por importação extremamente elevada e a distanciar-se em largueza da taxa de crescimento da exportação, é bom que seja travado na sua quebra constante. E a importação regularizadora que se anuncia, essa então precisa da máxima cautela, porque, se assente em índices estatísticos imperfeitos, que são pelo geral os nossos, pode ser causa de grave estorvo à produção — tantas vezes isso tem sucedido —, por desencorajamento dos respectivos factores pressionantes da sua expansibilidade, em contrário do que se deseja, na própria defesa do consumidor.
E atente-se que no sector pecuário, sem dúvida o de maior incidência no enquadramento primário da nossa economia, e o que mais afectado tem sido por importações extemporâneas, a estatística que o serve é velha de muitos anos — o último arrolamento de gados data de 1955!; por isso, e mais causas várias, pouco se sabe dele, com segurança, em matéria económica, e sem se saber não se pode prever, nem programar. Custa-nos a compreender porque não dispomos de uma estatística pecuária actual, quando é verdade, sabemo-lo em certeza, que a entidade responsável há muito a deseja e por tal se tem esforçado. Mas o que é facto é que ainda não a temos, nem se sabe quando a teremos; e é que os nossos arrolamentos de gado, como nos países evoluídos, deviam ser quinquenais, com actualização anual, já aqui o pedimos várias vezes. Bem se queixa o Sr. Ministro das Finanças, pelo diploma fora, da imperfeição dos índices, e o mais grave é que está a avizinhar-se a feitura de' mais outro Plano de Fomento, e não vemos bem como se há-de planear em matéria animal.
O certo é que, apreciando o comércio externo, os nossos gados continuam, e alguns em oferta maior, nomeadamente os bovinos e suínos, a terem procura exagerada, desta maneira incapazes de satisfazerem às necessidades nacionais constantemente a avolumarem-se.
São os consumos acrescentados de leite, impondo-nos deficits enormes, que não conseguimos colmatar; são as respostas de carne, extremamente enfranquecidas frente à solicitação que cada vez mais se adensa.
Nos seis primeiros meses do ano corrente importaram-se, relativamente a período igual do ano passado, mais 12 756 t de carne, no montante de 286 172 contos. Isto equivale a mais 1101 por cento relativamente à carne de bovinos e 694 por cento à de suínos. Na fraqueza desta última nota-se o dolo grave da peste suína africana, verdadeira calamidade nacional e mundial! Por que não se estuda a doença? Esta pergunta fizemo-la, e até hoje não obteve resposta, aquando da apreciação do III Plano de Fomento, no qual nem um centavo vimos votado para tal fim.
Mas voltando ainda à carne, receamos que dentro em breve passemos da situação de exportadores de carne de bovino à de importadores, pois em alguma quantidade já tem entrado, segundo informação recente que tivemos. Da degressão acentuada do efectivo ovino, sem quantificação conhecida, para além da falta de carne, mais lã havemos de importar — de Janeiro a Junho deste ano as toneladas vindas subiram 20 por cento —, e assim também em crescendo se há-de processar a importação de lacticínios.
Esperamos que a política agrícola, com perfeição enunciada pelo Sr. Ministro das Finanças e da Economia, mormente no que afirma quanto ao melhor aproveitamento dos regadios, de momento pouco e mal explorados — com as culturas nada favoráveis à expansão pecuária do tomate e do arroz, e é onde é, sem uma erva na rotação—, motive uma conversão neste estado de coisas, hoje de franco desfavor para todos nós.
E é que o regadio tem no distrito de Beja a sua marca maior, com os seus 100 000 ha futuros, o que lhe deve permitir, se bem trabalhado, forte potencialidade, expandindo produções, estimulando o comércio, desenvolvendo a indústria.
Evidente sinal da imperfeição das áreas regadas é a importação crescente de milho — mais 86 331 t nos seis primeiros meses de 1971 em relação aos de 1970, ou seja a alta percentagem de 105 por cento!
E já que à pressa nos referimos ao regadio, numa análise muito rápida vamos focar alguns pontos que julgamos fulcrais da política agrícola e nos parecem merecer também uma palavra de apreciação.
Concordamos absolutamente com a fixação de preços ao produtor, desde que eles sejam de garantia e perfeitamente ajustados aos custos de produção.
Torna-se imperioso alargar, nos dias de hoje, de produção pecuária intensificada, os prazos de arrendamento, pelo menos, para os dez anos.
Impõe-se a obrigatoriedade do equipamento racional das explorações, para o que deverão ser convenientemente ajudadas.
A electrificação agrícola quer-se que seja não só expandida o mais largamente possível, como ainda embaratecida substancialmente na sua montagem e consumos.
A cooperativização e a agricultura de grupo carecem do máximo alargamento, e para isso entendemos deverem ser superiormente coordenadas e orientadas por um organismo próprio a criar na Secretaria de Estado da Agricultura; por mais de que> uma vez já aqui fizemos esta afirmação.
Finalmente, como se diz na proposta de lei, a assistência técnica deve na verdade sofrer a influência de uma ampla reforma dos serviços que a prestam, bastante envelhecidos nas suas estruturas e francamente ancilosados. Mas toda e qualquer reforma de serviços precisa de ser maduramente ponderada, para que seja sentida por bem, e não por mal, donde, contràriamente ao que se pretende, só se colherão resultados de franca negatividade. A adesão a ela deve querer-se sempre pelo coração, que não por um fígado destilando fel, assim nunca se conseguindo um acerto seguro. As obsoletas brigadas agrícolas, circunscrições florestais e intendências de pecuária, de passado proficiente, precisam hoje de rejuvenescimento, devendo ceder o passo a direcções distritais, trabalhando engrenadas, em laboriosa e útil polivalência. Por sua vez, a nível de região-plano deverá haver um corpo de inspecção de zona, igualmente polivalente, de coordenação e orientação. A nível mais de cima, impõem-se as dinamizadoras
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direcções de serviços e a necessária inspecção superior, como também um conselho superior agrário de directores-gerais. A nível de concelho, e onde a intensidade de acção a isso obrigue, devem criar-se delegações concelhias dos departamentos respectivos, orientadas pelas comissões agrárias distritais. Isto nos parece que a todos agradaria. Uma reforma mal compreendida será sempre mal seguida, e por isso não auguramos bem uma muito recente de um país amigo e muito próximo de nós.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Beja precisa da sua problemática agrária olhada a sério, pela incidência das implicações económicas e sociais dela resultantes, quer pelo pólo de expansão turística, que é o Algarve e lhe fica vizinho, quer ainda, e sobretudo agora, pelo outro pólo urbanístico de Sines, enorme em projecto, e de realização anunciada para muito breve, este encravado na própria província do Baixo Alentejo, de que Beja é a cabeça, e tem mesmo de ter cabeça para, pelo corpo das suas terras, o potenciar na sua exagerada sustentação.
Para expandir a produção agrícola e pecuária de Beja até onde ela é preciso que vá, são imprescindíveis as infra-estruturas fundamentais do matadouro industrial e da respectiva rede do frio acopulada, anseio grande da Secretaria de Estado da Agricultura, e que sabemos estar muito à beira da sua culminação; da central leiteira, pela qual a mesma Secretaria de Estado se tem interessado grandemente, contando-se tê-la em breve; do aproveitamento mais racional dos regadios, com caudais a avolumar pela barragem do Alqueva, que ao mesmo tempo servirá para dessedentar não só as terras, como ainda as gentes sequiosas deste Baixo Alentejo, que não são poucas as que sofrem do suplício da sede; das explorações-piloto de experiência e demonstração da melhor e mais rendível técnica agrária, por enquanto inexistentes; do estudo profundo das terras delgadas de Mértola, Campo Branco e serra de Serpa, para sua valorização maior; da estação horto--fruteira a impor-se, agora como fulcro do mercado abastecedor anunciado na proposta de lei, e que, na nossa responsabilidade pelo distrito, reconhecidamente agradecemos; a escola agrícola, insistentemente por nós pedida; e tanto mais a fazer no fito de pôr a nu, em pleno, as altas potencialidades que a região acoberta e avaramente esconde.
Com vista a Sines, no seu sumamente hipertrofiado complexo industrial, ainda Beja precisa mais de um instituto politécnico, que prepare técnicos de nível secundário de boa qualificação, tão prestimosos; e Odemira, concelho muito arrimado à área a desenvolver, pelo seu regadio extenso e denso florestamento, há-de vir a sofrer, também por via disso, forte impacto na produção agrícola, bem como no seu comércio e indústria, donde a necessidade urgente de uma escola técnica, devidamente instalada e equipada. Parece-nos, ainda, que Sines agora obriga, pelas suas avolumadas necessidades de água e energia eléctrica, a pensar-se a sério no aproveitamento do Guadiana, e tanto em Alqueva, para a água, como na Rocha da Galé, no seu gigantismo de energia, e não só em apoio daquele complexo petrolífero e mineraleiro, de máxima valência, como ainda para impulsionar a industrialização do Baixo Alentejo, naturalmente a expandir-se numa terra intensificada.
E um último apelo fazemos para Beja: que os máximos meios da lei sejam concedidos à sua lavoura, ajudando-a e estimulando-a, tornando-a tão robusta quanto se quer e precisa, e ás suas gentes, na multiplicação dos melhoramentos pelas suas aldeias, tão carecidas deles, a fim de que não emigrem mais e se fixem à terra-mãe, obrigando-a, com o suor do seu esforço, a desentranhar-se na mais-valia de que ela é capaz, para que todos nós tenhamos uma economia nacional cheia de fortidão e assim válida a mais não poder.
Disse.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
A sessão de amanhã será desdobrada em duas: a primeira ás 10 horas e 45 minutos e a segunda à hora regimental, uma e outra tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Júlio dos Santos Almeida.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Fernão Pereira Beija.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Ricardo Horta Júnior.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
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Jorge Augusto Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha
José Guilherme de Melo e Castro.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
O Redactor — Luiz de Avillez.
Nos termos regimentais, requeiro que me sejam fornecidas as seguintes publicações:
Condições de Existência da População Idosa, Direcção-Geral da Assistência — Gabinete de Estudos Sociais, Maria Luísa Sequeira;
As Misericórdias do Algarve, Maria Helena Mendes Pinto.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Dezembro de 1971. — 0 Deputado, António da Fonseca Leal de Oliveira.
Proposta
Nos termos do Regimento, tenho a honra de propor que no capítulo da política orçamental se insira um artigo novo, com a seguinte redacção:
As dotações globais do Orçamento Geral do Estado para execução do III Plano de Fomento não poderão ser aplicadas, no ano de 1972, sem o seu desenvolvimento e justificação em planos de trabalho devidamente aprovados e visados.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Dezembro de 1971. — O Deputado, Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
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2870 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 142
CÂMARA CORPORATIVA
X LEGISLATURA
PARECER N.° 32/X
Aditamento à proposta de lei n.º 16/X, de autorização das receitas e despesas para 1972
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca de um aditamento à proposta de lei n.º 16/X, de autorização das receitas e despesas para 1972, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Álvaro Vieira Botão, António Osório de Castro e Arnaldo Pinheiro Torres, sob a presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. Na Lei n.º 2080, de 21 de Março de 1956, estatuiu-se que pertenceria ao domínio público do Estado o leito do mar e o subsolo correspondente ás plataformas submarinas contíguas ás costas marítimas portuguesas, mesmo fora dos limites das águas territoriais.
Pouco depois, pela Convenção de Genebra, de 1958, sobre as chamadas «plataformas continentais» — que começou a vigorar em Junho de 1964 e foi ratificada pelo nosso país —, nomeadamente se definiram os critérios de determinação dessas plataformas e se precisaram os limites da soberania dos Estados sobre as mesmas plataformas, na parte confinante com os respectivos territórios. Contudo, a mencionada Convenção em nada prejudicou as disposições da aludida Lei n.º 2080 quanto à exploração de eventuais recursos existentes nas sobreditas plataformas submarinas, tomadas agora na acepção das plataformas continentais definidas por essa Convenção.
Em sequência, o Decreto n.º 47 973, de 30 de Setembro de 1967, veio definir o regime das concessões para aproveitamento de petróleo, na plataforma continental metropolitana, entendendo por petróleo toda a concentração ou mistura natural de hidrocarbonetos líquidos ou gasosos, incluindo todas as substâncias de qualquer outra natureza que com eles se encontrem em combinação, suspensão ou mistura. Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 49 369, de 11 de Novembro de 1969, regulou as condições para as concessões de prospecção, pesquisa, avaliação e exploração de recursos minerais em toda a plataforma continental, designadamente além do limite dos 200 m de profundidade a que aludia a base u da citada Lei n.º 2080. E o Decreto n.º 97/71, de 24 de Março, não só determinou quais as entidades competentes para superintender e estabelecer os preceitos por que deve reger-se a aplicação dos princípios sobre investigação, prospecção, pesquisa, avaliação e exploração dos recursos minerais da plataforma continental portuguesa, mas também criou a Comissão Interministerial para o Estudo da Utilização Pacífica do Fundo do Mar.
2. Reportando-se ao caso da prospecção, e subsequente exploração, de eventuais jazidas de petróleo existentes no território europeu do nosso país, incluindo a respectiva plataforma continental, refere o relatório da proposta de aditamento de uma alínea ao artigo 10.º da proposta de lei n.º 16/X que é «intenção do Governo, no interesse nacional, promover ràpidamente a outorga de concessões para prospecção, pesquisa e exploração de petróleo». E indica-se nesse relatório que importa adoptar as
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medidas legislativas correspondentes, nomeadamente de carácter tributário, pois que delas «dependem as decisões a tomar pelas empresas interessadas na apresentação de propostas com vista à obtenção de concessões» com o mencionado objecto. Mais ainda: no mesmo relatório se afirma estarem concluídos os estudos necessários para instituição, a curto prazo, do regime tributário, a que deverão sujeitar-se aquelas empresas.
3. A Câmara reconhece o excepcional interesse que assumem os trabalhos de prospecção, pesquisa e exploração dos recursos minerais que existam, nomeadamente na plataforma continental do território europeu nacional. E ponderando as indicações prestadas no aludido relatório, nada tem a Câmara a objectar, na generalidade, à proposição do Governo de aditar uma alínea ao artigo 10.º da proposta de lei n.º 16/X, concernente ao regime tributário aplicável à indústria extractiva de petróleo no território de Portugal europeu e respectiva plataforma continental.
II
Exame na especialidade
4. Previu-se no artigo 41.º do citado Decreto n.º 47 973 que os concessionários para aproveitamento do petróleo na plataforma continental metropolitana ficariam sujeitos ao regime tributário geral, «sem beneficiar das isenções previstas no artigo 18.º do Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 103, de 1 de Julho de 1963», e pagariam um imposto de superfície e certos direitos de concessão.
Quanto ao imposto de superfície, estabeleceu-se no artigo 42.º daquele decreto que o imposto referente ao período inicial de seis anos da concessão seria pago adiantadamente, e por uma só vez, à razão de 2000$ por quilómetro quadrado, e que a quantia assim liquidada não seria reembolsável, no todo ou em parte, em caso algum. Pelo que respeita aos direitos de concessão, o artigo 43.º do mesmo Decreto n.º 47 973 preceituou que esses direitos «incidem sobre o valor bruto à cabeça da sondagem dos produtos extraídos e recuperados que, de acordo com a boa prática dos trabalhos do petróleo, não sejam utilizados na área concedida em operações de produção», prevendo que a taxa do direito não seria inferior a 11 por cento.
5. Considerando as disposições referidas no número anterior, e tendo em atenção, ainda, os regimes das contribuições que têm sido estabelecidas em contratos celebrados com empresas concessionárias, nas províncias ultramarinas, de exploração de petróleo, não entende a Câmara de formular qualquer observação à redacção sugerida para a mencionada alínea do n.º 1 do artigo 10.º da proposta de lei n.º 16/X.
III
Conclusões
6. Havendo apreciado a proposta de aditamento de uma alínea d) ao n.º 1 do artigo 10.º da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972, com o objecto de se instituir um regime tributário especial aplicável à indústria extractiva de petróleo no território europeu de Portugal, incluindo a plataforma continental respectiva, a Câmara é de parecer que deve ser aprovada a inserção dessa alínea, com a redacção que para ela foi sugerida pelo Governo.
Palácio de S. Bento, 9 de Dezembro de 1971.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Henrique Martins de Carvalho.
João Manoel Nogueira Cortez Pinto.
João de Matos Antunes Varela.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Hermano Saraiva.
Adérito de Oliveira Sedas Nunes.
António Júlio de Castro Fernandos.
Eugénio Queiroz de Castro Caídas.
Hermes Augusto dos Santos.
Álvaro Vieira Botão.
Arnaldo Pinheiro Torres.
Álvaro Mamede Ramos Pereira, relator.
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Imprensa Nacional
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