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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 146 ANO DE 1971 15 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 146, EM 14 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMARIO: — O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão ás 16 horas.
Antes da ordem do dia. — Foram aprovados os n.°s 142, 143 e 144 do Diário das Sessões, com rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Sousa Pedro, Correia das Neves e Prabacor Rau.
O Sr. Deputado Barreto de Lara, referiu-se à necessidade de regresso da Liga Nacional Africana à normalidade estatutária.
O Sr. Deputado Pontífice Sousa requereu informação sobre se teria sido apresentada alguma petição do Governo Português à Associação Europeia do Comércio Livre no sentido de obter a sua concordância para aumentar os direitos da nossa Pauta de Importação de fibras têxteis sintéticas e respectivos misturas.
O Sr. Deputado Moura Ramos focou o problema do custo da saúde e dos honorários médicos.
O Sr. Deputado Lopes Frazão tratou da situação dos odontólogos portugueses não sindicalizados.
O Sr. Deputado Linhares Furtado abordou alguns aspectos das instalações hospitalares, nomeadamente o prejuízo que lhes têm causado as peias burocráticas.
O Sr. Deputado Jorge Correia pronunciou-se contra a socialização da medicina numa sociedade de características diametralmente opostas.
O Sr. Presidente indicou o Vice-Presidente da Assembleia, Sr. Deputado Roboredo e Silva, para o representar a si e à Assembleia nos cumprimentos de chegada ao Sr. Presidente do Conselho no seu regresso dos Açores, onde se encontrou com os Presidentes Nixon e Pompidou.
Anunciou também que se efectuaria no dia seguinte a eleição de uma comissão eventual para se ocupar do estudo das modificações a introduzir no Regimento da Assembleia Nacional, determinadas pela recente revisão constitucional.
Ordem do dia. — Continuou a discussão m generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Neto Miranda, Agostinho Cardoso, Ricardo Horta, Almeida e Sousa, Pontífice Sousa e Alberto de Alarcão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
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Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João José Ferreira Forte.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Marques da Silva Soares.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão em reclamação os n.os 142, 143 e 144 do Diário das Sessões, já distribuídos a VV. Ex.as
O Sr. Sousa Pedro: — Sr. Presidente: Era apenas para dizer que no n.º 142 do Diário das Sessões estou dado como faltoso, quando, na realidade, estive presente á sessão.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Sousa Pedro: Se bem ouvi, apesar da deficiência do microfone, quis V. Ex.a referir-se ao facto de lhe ter sido marcada falta à sessão n.º 142. Antes, porém, já eu tivera conhecimento do reparo
de V. Ex.a e por isso mesmo fiz examinar as folhas de presença e não há dúvidas de que V. Ex.a esteve presente à sessão.
Nestas condições, e porque se trata de um lapso do Diário perfeitamente compreensível, dada a pressão com que o trabalho é feito, irá proceder-se à devida correcção, uma vez que V. Ex.a esteve presente à sessão n.º 142, conforme consta dos registos elaborados na Mesa.
O Sr. Correia das Neves: — Sr. Presidente: Eu desejava que V. Ex.a mandasse consignar no n.º 143 do Diário das Sessões as seguintes rectificações à minha intervenção:
Na p. n.º 2876, col. 2.ª, 1. 3, a contar do fim «uma vírgula» entre os dois noves, e na 1. 4, a contar do mesmo sítio, «uma vírgula» depois de quarenta; na p. 2877, col. IA, 1. 1, onde se lê: «ampliação», deve ler-se: «aplicação».
O Sr. Prabacor Rau: —Sr. Presidente: Peço que seja rectificado no n.º 143 do Diário das Sessões o seguinte:
Na p. 2879, col. 2.ª, 1. 44, onde se lê: «Sr. Prof. Marcelo», deve ler-se: «Sr. Prof. Marcelo Caetano».
O Sr. Presidente: — Se mais nenhum de VV. Ex.as deseja apresentar qualquer reclamação aos Diários das Sessões já referidos, considerá-los-ei aprovados, com as rectificações apresentadas.
Não havendo expediente para mandar ler a VV. Ex.as, tem a palavra o Sr. Deputado Barreto de Lara.
O Sr. Barreto de Lara: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto hoje a falar da Liga Nacional Africana. Já o fizera na sessão de 29 de Janeiro deste ano, pedindo, pedindo e preconizando, se não até exigindo, o imediato regresso da Liga Nacional Africana à normalidade associativa e estatutária, já que, como significara também, «há alguns anos, e em determinada altura da sua vida associativa, circunstâncias anómalas fizeram com que o Governo considerasse irregular a vida da associação» e, à sombra dos Decretos n.os 39 660, 40 166 e 40 440, lhe impusesse uma comissão administrativa. Ora, direi agora que estes alguns anos são pelo menos catorze. Salientara ainda naquela intervenção que o interesse da associação era de tal monta que o então Ministro do Ultramar, que é hoje o Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Marcelo Caetano, oferecera à Liga o edifício onde está instalada a sua sede social.
Esta minha intervenção determinou até um telegrama, que consta de p. 1667 do Diário das Sessões da Assembleia. Em extenso telegrama pois, de mais de cento e cinquenta palavras, a revelar ao menos folgança económica, a «recomposta» comissão administrativa afirmara aguardar-se a aprovação dos novos estatutos, «recomendados oficialmente» (sic), para proceder então a eleições, entrando então na normalidade estatutária.
Mas, sendo a Liga Nacional Africana uma associação de natureza privada, custa-me logo a entender como é que serão elaborados esses novos estatutos, ou foram elaborados os novos estatutos, se a assembleia geral de sócios, que é, afinal, a alma e a vontade maior da associação, não pode reunir para apreciar, discutir e aprovar os tais ditos novos estatutos?
E, por outro lado, decorrido que está aproximadamente um ano, não houve qualquer mutação à situação então e ainda hoje existente.
É pertinente que signifique que não quero pôr em dúvida nem a idoneidade nem sequer a competência dos actuais
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elementos da comissão administrativa. Mas bastava tão-só a circunstância de se tratar de uma comissão administrativa, imposta, portanto, para me incomodar e para incomodar a massa associativa, retirando-lhe, por isso, a legítima aceitação que revestiria se tivesse sido escolhida em eleição normal e estatutàriamente realizada.
Repito: a associação mantém-se há mais de catorze anos sob regime de excepção. E de duas uma: ou se entende que falta à associação animus e, portanto, razão para existir e legitimidade para viver, ou então, verificada a alternante contrária, se opta pela via legítima e então a gestão dos seus interesses passará a fazer-se, mediante a vontade da sua massa associativa, revelada por eleições feitas nos termos estatutários. E enquanto não vir realizadas uma coisa ou outra não deixarei — que isto fique bem claro — de levantar aqui a minha voz.
Demais a mais, porque reconheço a validade e pertinência da existência da Liga Nacional Africana, que tem e deve ser a mais intransigente defensora dos naturais de Angola e, portanto, da grande massa da sua população, e coimo grande massa naturalmente é, como sempre, a mais desfavorecida e a mais carente dessa defesa. Protecção e defesa que só pode tornar-se válida e eficaz através de organismos constituídos por forma legal e onde a sua voz se faça ouvir, e pelos meios competentes apresente as legítimas reivindicações e colabore no estudo das soluções, preconizando os remédios.
Catorze anos de comissão administrativa ultrapassa toda a paciência e todos os limites. Se é que não ultrapassa também a lei, mormente após a recente revisão constitucional.
É tempo de se pôr cobro à situação. Teimosamente aqui estarei, pois, tantas vezes quantias ais necessárias, até que se opere uma mutação neste estado de coisas.
Demais a mais, porque não quero que aconteça à Liga Nacional Africana o mesmo que sucedeu à finada Associação dos Naturais de Angola, para cujas esplêndidas instalações tantas contribuições foram suportadas pelo erário público e que servem hoje para ensinar, designadamente, línguas estrangeiras, numa vera adulteração aos fins específicos para que foi criada.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Pontífice Sousa havia-se inscrito para apresentar um requerimento. Na abertura da sessão não estava presente, por motivos superiores à sua vontade. Vou dar-lhe agora a palavra para apresentar esse requerimento.
O Sr. Pontífice Sousa: — Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos regimentais, requeiro a S. Ex.a o Ministro da Economia e das Finanças que se digne mandar informar-me, com a máxima urgência, se foi apresentada alguma petição do Governo Português à Associação Europeia do Comércio Livre, no sentido de obter a concordância desta Associação para aumentar os direitos da nossa Pauta de Importação, de fibras têxteis sintéticas e respectivas misturas e, ou, desperdícios, referidos no capítulo 56 da Pauta de Bruxelas.
Em caso afirmativo requeiro, ainda, que me seja enviada cópia da respectiva petição, sua justificação e demais documentos que possam esclarecer o pedido formulado para, oportunamente e se necessário, tratar nesta Assembleia o problema em causa, susceptível de vir a afectar de modo grave os interesses do sector têxtil, com reflexos na exportação e no consumidor.
O Sr. Moura Ramos: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, na sessão ido passado dia 2 do mês corrente, o Sr. Deputado Miller Guerra se levantou e pediu ¦a palavra piara fazer uma intervenção 'acerca «dos médicos e das crises dos hospitais», classificou o assunto de «urgente, de interesse nacional e com repercussões internacionais».
E não somos nós quem lhe diminui a importância e gravidade.
No entanto, e ainda em obediência à defesa do mesmo interesse nacional e tendente a evitar casos de uma triste e indigna repercussão internacional, gostaríamos de ver também desenvolver o mesmo afã e zelosa actividade para que ouvidos fossem dados à voz do povo, que ainda carregada de razões, especificadamente pelos abusos e desaforos que, por vezes, se praticam no domínio da defesa da saúde física dos Portugueses.
Efectivamente, quem com alguma atenção esteja àquilo que neste domínio se passa, não poderá deixar de reconhecer que a prestação de serviços médico-cirúrgicos, bem como o fornecimento de medicamentos, atinge, não poucas vezes, preços incomportáveis, de autêntica especulação, constituindo entre nós, e tristemente as doenças, uma fonte de enriquecimento para alguns que deveriam dedicar-se ao tratamento dos doentes como um serviço social, o que é de lamentar pela gravidade especial que reveste e por lesivo dos interesses da maioria sofredora.
Acontece mesmo que em países em que a população goza de um muito mais elevado nível de vida os honorários de médicos e cirurgiões, os preços de radiografias, análises e tratamentos são muito mais acessíveis, o que leva alguns portugueses — os econòmicamente mais fortes, é evidente — a deslocarem-se de propósito ao estrangeiro, a fim de aí se submeterem a intervenções cirúrgicas e tratamentos, por lhes ficarem mais baratos do que se fossem feitos no seu país natal.
Ora isto constitui, ao que nos parece, um verdadeiro problema de interesse nacional e não deixa de poder ter, pelo que referimos, repercussão internacional, mormente por parte de quem nos considerar um país subdesenvolvido ou em vias de desenvolvimento, ou, roais concretamente, um país pobre . . . mas em que se cobram ricos honorários.
O interessa nacional, que importa defender a todo o transe e que tanto nos faz reagir quando o julgamos ver contrariado, nem sempre — e infelizmente — figura como factor primordial nas escalas de valores morais e materiais de cada um de nós, também por nem sempre ser a mesma a óptica por que é aferido.
Se assim não fora, aos olhos de todos surgiria como muito mais razoável e harmónica com o interesse nacional a preocupação dominante da defesa da saúde, qualquer que fosse o quadrante donde o observássemos, dado que o bem da saúde continua a ser de um valor inestimável, cuja defesa vem cada vez ganhando maior dimensão no domínio dos contextos sócio-políticos e económicos.
E entre o pretenso interesse nacional (?) daqueles médicos internos que, deixando-se comandar, e impelir apenas por ganhos materiais, que tendo da profissão, que é sobretudo sacerdócio, uma visão tão estreitamente materialista, chegando ao cúmulo de andarem pelas embaixadas estrangeiras a mentirem despudoradamente e a oferecerem os seus serviços «por terem o horizonte fechado no seu próprio país», e o interesse nacional da maioria sofre
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dora, para quem os preços dos serviços clínicos e hospitalares muitas vezes, por proibitivos, fecham «o horizonte no seu próprio país», julgamos que não há que hesitar.
Nós, pelo menos, não hesitamos, e alinhamos na defesa da maioria sofredora, essa, sim, com problemas que exigem premente solução.
Impõe-se, por isso, um chamamento da atenção dos Poderes Públicos para a carestia dos medicamentos e da medicina e cirurgia, em que se praticam, por vezes, preços exorbitantes, em que não há tabelas a respeitar, em que, conforme já foi observado, «cada um leva pràticamente o que quer, e muitos médicos e cirurgiões parece convencerem-se de que o seu prestígio e a sua fama aumentam na medida em que os seus honorários são mais elevados».
Daí que, em nome do interesse nacional se solicite do Governo que providências sejam tomadas, dentro de uma moralmente sã política do bem-estar pela saúde, para que imponha uma maior moderação e temperança nos excessivos — para não dizer especulativos em alguns casos —¦ .preços dos serviços clínicos e hospitalares, de modo que muitos doentes não vejam absorvido em poucos dias o produto de uma vida inteira de trabalho.
Animados do desejo de bem servir e com a sinceridade que procuramos pôr sempre na defesa das causas que reputamos de boas e justas, aqui fica o nosso modesto apelo para a solução de 'um problema que se reputa, com toda a propriedade, de «urgente, de interesse nacional e com repercussões internacionais».
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Lopes Frazão: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vão decorridos já bastantes meses sobre a intervenção feita nesta Assembleia, com tanto brilho, interesse e oportunidade, pelo nosso par ilustre engenheiro Alarcão e Silva, referente à injustiça de situação em que se debatem quase duas centenas de odontólogos portugueses, tantos são aqueles que se encontram à margem da sindicalização e, sem bem se saber porquê, interditos a ela, concedida, no entanto, para alguns, a partir de 1937 e até 1958, e que hoje se contam ainda por cerca de setenta.
De atentar é que as habilitações dos sindicalizados e dos não sindicalizados, e que de há muito o pretendem ser, são precisamente as mesmas — larga prática odontológica, com assinalados serviços de bem fazer a favor das populações que devotadamente vêm servindo a pleno contento, e a frequência de cursos estrangeiros, nomeadamente na vizinha Espanha.
É velha de muitíssimos anos, pois data de 1911, a nossa lei, que só consente a profissão de dentista a diplomados pelas Faculdades de Medicina.
Mas de tal maneira essa lei é obsoleta, por dentes a mais e dentistas a menos, que em 1937 a nossa organização corporativa incluiu no seu enquadramento, com justificada razão, o Sindicato Nacional dos Odontólogos Portugueses, assim tendo sido reconhecida a profissão.
A partir desse ano, por despachos vários, em regime de conta-gotas é certo, foram sendo inscritos no sindicato profissionais com o seu currículo exigido de habilitações.
Mas em 1958, e até hoje, a inscrição emperrou, e não mais a porta se abriu. Não compreendemos, e supomos que ninguém compreende o porquê desta fechadura calcinada.
Os nossos estomatologistas vão-se distanciando cada vez mais, em número, das necessidades efectivas da população, o seu estanciamento naturalmente que se situa sobretudo nos centros de demografia mais densa, os odontólogos já foram tidos como exercendo uma profissão para médica de considerar, com bastantes já sindicalizados, e os não sindicalizados pagam a sua contribuição como «dentistas não médicos»; desta maneira se pergunta por que se não sindicalizam estes últimos, com o requerido currículo de habilitações, e que há tanto tempo vêm pugnando pela justiça que lhes é merecida, e que todos lhes reconhecem?
Julgou-se que a reforma recente dos serviços de saúde considerasse a profissão e a integrasse nas carreiras paramédicas. {Mas tal não sucedeu.
E é que estes profissionais, Sr. Presidente, cada vez são mais necessários ás nossas gentes do meio rural, onde os estomatologistas não estão senão em número progressivamente a reduzir-se.
Mesmo Beja não tinha até há pouco tempo, e continua a não ter, dentista para os beneficiários da Previdência.
Fazem aqueles profissionais, portanto, muita falta.
Por isso é que aqui estamos, em reforço dos tantos pedidos já feitos, a dirigir ao Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Previdência o nosso rogo para que consinta na inscrição imediata no sindicato daquelas duais centenas de odontólogos que, perfeitamente habilitados, merecem e devem ser inscritos, e ainda ao Sr. Ministro da Educação Nacional que, o mais urgentemente possível, crie um curso de formação acelerada de odontologia, a exemplo do que se passa em tantos países evoluídos, para que as gentes amanhã não gritem com a dor e contra a dor não menos aguda da dormência nacional.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Linhares Furtado: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é minha intenção, como o fora há bem poucos dias, falar aqui das ocorrências hospitalares, que suscitaram medidas governamentais das quais discordo, não sem condenar o recurso fácil ás greves como meio de solução rápida dos problemas de uma classe ou de um grupo. Não pretendo, tão-pouco, referir-me em pormenor a esclarecimentos vindos a público, atitude que receio me faria correr o risco de ser considerado um agitador de poeiras já assentes. Concordemos que a crise passou, que melhor ou pior se encontra resolvida e que não vale a pena voltar mais a ela, quaisquer que tenham sido as confusões ou os atropelos a valores que mereciam trato mais cuidadoso.
Sr. Presidente: E esta a minha disposição de espírito e a minha decisão, mas perdoe-me V. Ex.a que a minha sensibilidade de médico me não deixe impassível perante a interpretação que certos esclarecimentos menos felizes suscitaram. Direi apenas, contendo-me, que se impõe que o País saiba que a crise não surgiu por razões: de vencimentos.
Há, para além dos episódios efémeros e lamentáveis que teriam justificado a minha intervenção na passada quinta-feira e de que me desvio agora intencionalmente, não sem ter noutro local deixado bem expresso o meu modo de ver, há a triste realidade de uma informação unilateral, que pressupõe a crença absurda na infalibilidade em imparcialidade' da Administração como informante. Não creio, Sr. Presidente, que tal estilo possa conduzir o País na senda de um são crescimento global, porque despreza um dos mais nobres valoreis espirituais do homem e corre o risco de irresponsabilizar sistemàticamente uma administração.
Esta, depois da tempestade, reconhece e apressa-se a colmatar as brechas, e fá-lo com mais comissões. A passagem de serviços de alguns hospitais centrais a regime de instalação parece obedecer à necessidade de
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fuga às peias burocráticas normais para renovação acelerada daqueles serviços.. Quer dizer, testemunha-se o enferrujamento das máquinas administrativas normais há tanto tempo reconhecidamente destruidoras da capacidade de inovação e progresso, quando não dos melhores ideais e entusiasmo de muitos directores de serviço e de outros médicos, que seria muito útil ao País saber poupar e estimular.
Mais o regime de instalação vai, limitar-se a alguns hospitais, o que, para além de diversas implicações que poderão merecer comentário ulterior, pode acentuar diferenças e disparidades mais ou menos chocantes, desde já existentes.
Há vários meses que se encontram suspensas obras de incontestável prioridade num dos hospitais centrais mais carenciados — os Hospitais da Universidade de Coimbra —, por uma mesquinha questão de instalação eléctrica, cuja solução parece estar pendente entre duas repartições centrais.
Há pelo menos quatro anos que ouço falar nessas obras e há quase dois anos que jazem num dos corredores dos Hospitais da Universidade de Coimbra várias centenas de contos de material de que os doentes necessitam desesperadamente e cuja instalação depende apenas do espaço que aquelas remodelações deixariam livre no corpo central. E de mais de 300 contos amuais, para além do custo, o prejuízo resultante da não utilização desse equipamento sem falar dos incalculáveis prejuízos humanos.
Numa prova irrefutável de isenção, o director desses serviços canalizou todos os seus esforços para dotar os Hospitais da Universidade de Coimbra com meios terapêuticos actualizados nesse sector e então ainda inexistentes, pôs à disposição dos doentes do hospital equipamento mais modesto, comprado com ais suas economias, e que tem salvo muitas vidas. Recusou oportunidades de desenvolvimento de tais meios em casas de saúde particulares, prescindindo assim de vantagens económicas de que poderia beneficiar com seus colaboradores. Apesar dessas demonstrações ide significado inequívoco, que, para além disso, têm sido a origem das suas principais preocupações hospitalares e mal-estar na casa onde trabalha, a situação é a que se descreveu, ainda que superficialmente.
As negligências administrativas, à incapacidade da máquina burocrática para compreender ou atender com justiça às reais prioridades, pelas superiores, razões da saúde dos doentes, pelas necessidades prioritárias do progresso científico e da educação médica, se deve neste País todo um cortejo de graves faltas contra a dignidade e a saúde dos doentes, faltas mais obscuras ou obscurecidas aos olhos dos leigos, mais nem por isso menos graveis e decerto mais extensas do que ais reais ou irreais imputáveis aos médicos, que não é minha intenção desculpar.
Recentemente, um director de serviços manifestava, na comissão médica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, surpresa pelais excelentes instalações e quadro de pessoal que um colega havia conseguido. Pessoa culta e muito experiente, desconhecia que um serviço poderia passar caladamente a regime de instalação e assim galgar anos em relação a outros. E não existiam no caso nem méritos que superassem os de quem dirige outros departamentos nem anos de serviços prestados que justificassem tal excepção. Mas, mais importante, não se poderiam invocar razões médicas válidas de prioridade.
Onde está a planificação? Onde estão os critérios de prioridade que estabeleçam um pouco de justiça, e de autêntica ordem hospitalar?
Sr. Presidente: Entre o delineamento teórico de uma política e a sua execução prática vai toda a distância que separa a criação mental de um artista da sua capacidade pana executá-la. A política da saúde, traçada nos gabinetes e posta em execução por um grupo burocrático-administrativo com leve mistura técnica, grupo de dimensões aflitivamente crescentes, dizia eu, a política da saúde é muito discutível e lamento que o trabalho que já tem sido feito não tenha merecido as atenções desta Assembleia. Mas, se são discutíveis as grandes linhas mestras da organização da saúde, não creio que o sejam os muitos desacertos na sua execução.
Nas questões de saúde (e nelas os hospitais têm um lugar que os erros de uma política actual mostrarão qual deve ser no futuro), essas questões, dizia, serão objecto de dois avisos prévios. Neles, que julgo virão depressa, como convém, direi o que por agora se pode adiar. Mas que toda uma política de saúde tenha escapado à discussão de uma Assembleia Nacional deve ser motivo de séria meditação.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Jorge Correia: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acontecimentos próximos largamente debatidos nesta Casa, a que não faltou uma nota informativa do Ministério da Saúde e Assistência, trouxeram ao domínio público alguns aspectos da vida médica nacional, até aqui reservada aos bastidores, que me levaram também a tecer sobre eles algumas considerações, incidindo particularmente sobre a orientação que, a meu ver, o Governo pretende imprimir à medicina portuguesa.
Ninguém poderá levar a mal ou admirar-se que nós, os médicos, mesmo pouco qualificadas que sejamos, quando está em causa a saúde da Nação e o futuro dos próprios médicos, queiramos, à luz de um conhecimento feito de experiência, dizer também uma palavra, que não será sempre concordante, mas que terá, sem dúvida, o cunho da sinceridade e o mérito de não significar demagogia.
Pertenço a uma geração que talhou pelas suas próprias mãos a situação que melhor ou pior desfruta, e não entendo que nas fechem as janelas donde hoje espreitamos o sol, a pretexto de uma carreira que não hostilizamos ou da extensão da assistência a todos os portugueses, que francamente e há muito preconizamos.
Não há contradição nos propósitos, há, isso sim, um largo fosso entre duas concepções diferentes quanto à maneira de resolver o problema.
A afirmação de que se manterá a possibilidade do exercício da clínica particular é capciosa, pois quando por toda a parte o Estado a puser ao alcance de todos gratuita mente eu pergunto quem a procurará para pagar?
Já aqui dei o grito de alarme o ano passado a este propósito e volto hoje a fazê-lo, por estar plenamente convencido de que a prosseguir a política da saúde enunciada e, embora se não diga, por ser contra a ética do Regime, caminha-se já sem disfarce para a socialização da medi cita a.
Tenho para mim que é grave erro, pois piara além do perigo de contágio que constituirá um processo socialista no seio de uma sociedade com características diametralmente opostas, ter-se-á criado de facto uma série de problemas, potencialmente muitos outros e com eles o descontentamento de uma, classe, sem que em contrapartida a população de uma maneira geral beneficie alguma coisa com isso.
Em presença, de uma situação dessas, todos teriam então o direito de se interrogarem sobre qual seria a vítima a seguir!
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Sr. Presidente: Vai longe o tempo em que por consenso geral a medicina havia de fazer-se em grande parte à custa do esforço e, dizia-se, caridade dos médicos, como se tivéssemos culpa dos fracos rendimentos per capita dos indivíduos.
Nesta mesma Casa, e na antepenúltima legislatura, perguntei um dia que espécie de caridade era essa que permitia, negando-se a si própria, escravizar os médicos, alheando-se à compreensão de uma retribuição justa do trabalho, que é, ao mesmo tempo, o pão do próprio médico.
Mas passar-se da exploração de uma classe sob o pretexto de uma virtude, que só aos médicos era exigida, para outra sem respeito pela livre iniciativa e formação de riqueza particular, símbolos que agitamos como bandeira do nosso ideário político, é atropelo e distorção que me nego a admitir e que estou certo Marcelo Caetano não consentirá.
Estamos à vontade para falar, pois não sei de outra profissão que, na sobriedade de um exercício quase anónimo, com tanta dedicação, sacrifício, desinteresse e utilidade se entregue à causa pública.
Não creio, portanto, que o Governo, que tem perfeita consciência daquilo que a Nação nos deve, tenha pretendido com uma medida mais dura significar menos respeito e estima pela função da classe médica. No pendor desta afirmação insere-se, em abono do que pude averiguar, que nas providências tomadas em relação aos internos dos hospitais o Governo foi a isso levado pelo pedido de alguns directores de serviços, que, não podendo manter a disciplina, solicitaram, eles próprios, a intervenção da autoridade.
Acredito, isso sim, em que, restabelecida a normalidade, clarificado o ambiente, não deixará o Governo de satisfazer as reivindicações justas, mas havemos todos de convir que isso terá de decorrer em ambiente calmo e de inequívoca e franca compreensão.
O Governo tem demonstrado em todos os campos da administração a sua permeabilidade às reformas justas e candentes, e esta dos hospitais, e de uma maneira geral toda a problemática assistencial do País, não pode deixar de se situar nas suas constantes preocupações.
Mas haverá algum médico que não queira que a assistência, cada vez melhor, se estenda igualmente a todos, e não só a alguns privilegiados? Haverá algum médico que não deseja o melhor e mais amplo apetrechamento dos hospitais?
Estaremos egoìsticamente a defender apenas os nossos interesses materiais?
Será preciso, ao arrepio da própria ética do regime, como já se referiu, socializar a medicina para obter a democratização do consumo médico?
Afirmo categoricamente que não, e penso que o Estado social corporativo tem virtualidades suficientes para resolver integralmente este como outros problemas, o que é preciso é saber encontrar as soluções.
Para tudo na vida é necessário o estímulo; e se o espiritual é reconfortante e salutar, o material é imperioso e necessário — os médicos e enfermeiros também têm de prover à subsistência das suas casas e famílias.
Compreendo que possa ser aliciante para um jovem médico recém-formado entrar numa carreira que, sem sobressaltos de momento, lhe assegure um mínimo para viver, mas nós, os mais velhos, a quem a vida ensinou muito, temos obrigação de lhes dizer que isso é enganoso, pois a funcionarização do médico, refiro-me à sua ocupação integral, nunca dará compensação a uma profissão que não será nem mais nem menos do que as outras, mas que ninguém negará que é diferente, até por aquilo que todos exigem de nós — saber, carinho, dedicação, etc. —, e que temos o direito de procurar, embora correndo os riscos da concorrência, sair da cepa torta!
Nunca em país nenhum do Mundo, seja que Governo for poderá pagar a médicos, engenheiros, vendedores de automóveis ou de chocolates, arquitectos ou advogados, etc., o que eles realmente podem auferir quando praticam, ainda que em sadia concorrência, os seus ministérios.
Ora, isto é uma maneira de valorização na qual se não deve interferir, sob pena de negar-se a iniciativa privada ou coarctar o desenvolvimento da riqueza particular como estímulo do progresso.
Aceito devotadamente o propósito de se lavar a todos igualmente os cuidados adequados na doença; o que me é difícil é aceitar que só por via da socialização isso tenha viabilidade. Não está, portanto, em causa o objectivo mas, em discussão, duas concepções diferentes de resolver o problema, e eu digo como a grande maioria dos médicos — não, à socialização!
Nesta altura poder-se-iam, para exemplificar, levantar dúvidas sobre a exequibilidade de as classes menos abastadas poderem suportar os honorários exigidos pelos médicos e hospitais. Ora, não é preciso socializar para obviar a este inconveniente, bastará apenas pôr a funcionar o estado social corporativo, que, neste caso, se traduziria pela substituição do indivíduo por uma entidade colectiva quanto ao pagamento das despesas. Exemplificando: o funcionário vai a uma consulta ou a um hospital e quem paga, ao fim e ao cabo, é o Estado, como poderá ser uma caixa, uma companhia de seguros, um montepio, etc.
De forma análoga toda a assistência poderia prestar-se em regime de clínica particular e livre escolha do médico ou hospital. Assim, o que se evitava de gastos, duplicações, como melhoraria a própria assistência ao beneficiário, que se sentiria uma pessoa e não um número, como de um momento para o outro se acabariam com tantas queixas justificadas, porque se não foi bem atendido por este ou aquele médico ou porque se esperou tanto tempo pela consulta, etc. Cada um iria onde quisesse, e portanto a seu inteiro agrado, e só dele poderia queixar-se.
Desvios sempre possíveis?
Lá estaria a fiscalização a cargo de inspectores médicos.
E os postos da previdência para que serviriam então? Para atenderem a toda uma burocracia que se não pode dispensar e organização dos mais variados processos, esclarecimentos, senhas de consulta, etc., e até lá, bem vistas as coisas, poderiam ser feitas as consultas em regime de liberdade de escolha do médico inscrito nesse posto, que perceberia por unidade de trabalho executado devidamente tabelado e sempre fácil de ajustar em função do custo de vida.
Se porventura o beneficiário, quer da Previdência ou da Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado ou de qualquer outra organização, preferisse ir ao consultório, hospital ou casa de saúde, exibiria o seu respectivo «cartão de assistência», no qual figuraria a percentagem assegurada pela entidade responsável e o doente pagaria o resto conforme o seu escalão.
Para se evitarem exageros sempre possíveis lá estariam os acordos, aliás tão caros à nossa orgânica sindical, entre consultores e consulentes. Pois não marca o Estado um limite de preço aos funcionários? Pois da mesma forma poderia fazê-lo a Previdência.
E não foi pana definir uma política anti-socializante que a A. D. S. E. foi estabelecida da forma por que foi?!
Tudo o que se pudesse resolver em clínica ambulatória passar-se-ia em traços largos como disse. E nos casos de internamento?
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De igual maneira cada um escolheria o hospital ou a casa de saúde onde quisesse tratar-se.
E quanto aos hospitais como funcionariam?
Salvo os hospitais escolares todos os outros seriam transformados em empresas públicas com os seus rendimentos próprios, pois todo o doente internado pagaria a sua diária e os tratamentos especiais, quer individualmente quando o pudesse fazer, quer através de caixas, Estado, câmaras, companhias de seguros, montepios, etc.
Os hospitais teriam os seus quadros de médicos e enfermeiros e as suas respectivas carreiras próprias. O médico e o enfermeiro, além do vencimento devidamente aprovado de acordo com a Ordem dos Médicos e Sindicato de Enfermagem, perceberia sempre complementarmente uma percentagem sobre a diária e tratamentos especiais (intervenções, etc.).
O Estado atribuiria os seus subsídios a cada hospital consoante o número de camas, serviços prestados, grau de investigação de ensino e em função ainda dos compromissos assumidos. Os hospitais seriam sempre dirigidos por médicos assistidos por pessoal técnico-administrativo da escolha do Governo, más o director clínico seria sempre eleito pelo respectivo corpo médico.
De harmonia com o centro de estudos e planeamento do Ministério da Saúde e Assistência, seria estabelecida a conveniente rede hospitalar e distribuídos os médicos estagiários pelos hospitais do País, bem como as linhas gerais orientadoras do seu exercício em função da sua dimensão e eficiência do seu corpo clínico.
E os tais centros de saúde?
Nos lugares onde houvesse hospital funcionaria aí o centro de saúde, criando-se outros onde se julgasse necessário.
E aqui surge a minha grande dúvida, que ninguém até hoje me esclareceu. Se nos centros de saúde, onde funcionarão, por princípio, múltiplas valências assistenciais, se atenderem os doentes indistintamente e gratuitamente — quer queiram dizê-lo ou não — ter-se-á socializado a medicina!
Ou os centros de saúde são apenas policlínicas a que se juntam funções de profilaxia onde se colocam médicos com vencimentos para estimular a presença em particular de especialistas na periferia, mas que poderão cobrar os seus honorários, embora tabelados, como se de consultórios particulares se tratasse?
São conjecturas que até hoje ninguém me soube esclarecer.
Vantagens de um sistema destes:
Cada hospital assim descentralizado procuraria, num salutar espírito de emulação, criar o seu melhor nome, e ver-se-ia notabilizarem-se por esta ou aquela escola de investigação, por esta ou aquela especialidade.
O Governo estaria atento ao trabalho de cada um e nunca se dispensaria de intervir quando fosse necessário, não só para conceder os seus subsídios, mas sobretudo para orientar e coordenar todo o sistema.
Então e os sanitaristas, que neste momento são os indigitados futuros dirigentes?
Ficariam com a função bem mais útil e aliciante, que lhes incumbe pelos seus conhecimentos especializados, de programarem e difundirem por todo o País, de aldeia em aldeia, de povo em povo, os conhecimentos essenciais de higiene e profilaxia das doenças, mostrando, ao comum dos portugueses, através de exemplos e até pelo espreitar do microscópio, o que é o mundo rias bactérias e bacilos e ensinar-lhes que a doença se pode evitar quantas vezes lavando as mãos, os frutos e os vegetais da alimentação.
Esta a grande, e útil tarefa dos sanitaristas, que perceberiam vencimentos condignos, acrescidos de ajudas de deslocação, etc.
Esta a tarefa que a Nação lhes agradeceria vivamente!
Outra vantagem seria a de não serem já tão fáceis e até penderem o interesse quaisquer desinteligências com as respectivas direcções hospitalares, eliminando-se desta forma factores de crise.
Não disse tudo o que queria, nem tive ideia de falar de cátedra, pois, por princípio, sou aberto à discussão franca e construtiva, mas referi o suficiente para ter a consciência de poder contribuir desta maneira para aquilo que poderia ser uma base de estudo paira a solução do problema.
E então sim, dentro dia ética do regime e com agrado geral dos doentes e médicos teremos uma medicina eficiente e humana!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Deve chegar dentro de uma hora a Lisboa o Chefe do Governo, vindo dos Açores, onde foi receber os Chefes de Estado de duas das mais importantes nações do mundo ocidental, e falhar-lhes em nome de Portugal.
Não tem sido costume a Assembleia Nacional acompanhar, quer para lhes desejar boa viagem, quer para se congratular com os felizes regressos, as deslocações dos membros do Governo no exercício dos seus deveres, porque outra é a forma de se estabelecerem relações deste com aquele órgão de soberania.
O Sr. Presidente do Conselho, que ontem e anteontem, nos Açores, se encontrou com dois notáveis políticos do mundo ocidental, teve ocasião de lhes falar não só como dono da casa reconhecido, dono da casa onde eles combinaram encontrar-se, mas também para lhes fazer lembrar a existência e os interesses de Portugal.
A viagem reveste-se assim de especial significado e parece-me que bem fará a Assembleia, se interpretei correctamente o que já ouvi a alguns de VV. Ex.as expor e a maneira como os outros os acolheram, em significar ao Chefe do Governo que o País está satisfeito pela maneira como defendeu os seus interesses e prestigiou o seu nome.
Não podendo, por força dos meus deveres nesta Mesa, ir eu próprio associar-me aos cumprimentos da chegada do Sr. Presidente do Conselho, o que de outro modo faria gostosamente, pedi ao Sr. Vice-Presidente, Deputado Roboredo e Silva, que me representasse ali para o efeito e conto com o assentimento de VV. Ex.as para que ele ali represente também a Assembleia Nacional.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Outro assunto, de outra natureza, desejo ainda expôr a VV. Ex.as
Logo na primeira reunião desta Sessão Legislativa lembrei que a revisão constitucional afectava directamente certas disposições do nosso Regimento, que, por lhe serem subordinadas, teriam de ser adaptadas em conformidade; e previ a hipótese de a Assembleia entender azada a ocasião para outras modificações trazer ao Regimento, não necessàriamente decorrentes dos novos preceitos constitucionais.
Parece-me que a melhor forma de trabalho para preparar as nossas futuras deliberações será eleger uma comissão eventual que se encarregue de examinar o Regimento, de ponderar as alterações que impõe a re-
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visão constitucional e de considerar a oportunidade de outras. Sem a preocupação de fazer um Regimento novo, é natural que, onze anos depois da votação do último, a experiência, a evolução dos tempos e outros pontos de vista sugiram alterações.
Proponho-me, pois, submeter amanhã à votação de VV. Ex.as a eleição de uma comissão eventual, com sete membros, para estudo de alterações ao Regimento da Assembleia Nacional.
Permito-me sugerir que aqueles de VV. Ex.as que considerem útil alterar uma ou outra disposição do Regimento transmitam os seus projectos a essa comissão, no sentido de ela poder — se entender ser caso disso — incorporá-los no próprio projecto, que, certamente, trará à apreciação e ulterior deliberação da Assembleia.
Peço, portanto, a VV. Ex.as a atenção para este facto e, para não demorar extraordinàriamente o processo, sugeriria que VV. Ex.as aproveitassem o próximo interregno parlamentar para pensarem nas suas próprias sugestões e as apresentarem à comissão a eleger amanhã.
Vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1972.
Tem a palavra o Sr. Deputado Neto Miranda.
O Sr. Neto Miranda: — Sr. Presidente: A proposta de lei de meios em discussão nesta Câmara, porque se trata de uma lei fundamental que permite ao Governo impulsionar a sua gestão, defendendo e impondo uma política que sirva os interesses da Nação, cria em todos nós, os elementos institucionais dos mais responsáveis do País, uma situação de reflexão.
Não é por acaso, ou porque simplesmente deva ser, que nos é submetida esta lei. O Governo espera que da nossa actuação no campo político, como directriz a movimentar a máquina em que afinal a gesta lusíada se situa, se faça salientar o que cada um entende melhor servir a acção governativa da toda a Nação.
Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, são algumas reflexões as que irei fazer. Estou em crer que podem ter um eventual interesse para quem governa e para quem sente que a governação é a pauta em que se afinam as diversas preocupações de quem deseja participar na vida pública e política do todo nacional: o povo que trabalho sente, sofre e dá a sua vida, não só para significar como é digna a sua passagem pelo mundo, como ela é notavelmente insignificante para si, quando o faz para defesa da Pátria.
Do equilíbrio financeiro que a lei de meios procura atingir tem-se em vista colher e orientar como gastar. Como colher, o que mais interessa, porque daí depende como gastar, estabelece a lei uma conduta económica de base que sirva o País. Daí haver que considerar dentro desse equilíbrio o papel que as províncias ultramarinas têm na sua comparticipação, mais designadamente as províncias de Angola e de Moçambique, pois é apenas nelas que se manifestam alguns sintomas ou situações que afectam aquele equilíbrio. Crises de desenvolvimento é certo que, sendo salutares para si próprias, não deixam, de afectar outros interesses menos profundos, mas não menos sensíveis.
A balança de pagamentos entre a metrópole e Angola-Moçambique vem acrescendo desde há anos aumentando sempre o saldo negativo para o ultramar, ainda que se tenham procurado soluções para atenuar a situação a que o Sr. Presidente do Conselho tão claramente se referiu e a que o Sr. Ministro do Ultramar tão pormenorizadamente também definiu, explicando como atingir uma situação estável, embora impondo sacrifícios, dê salutar esperança no reforço das economias do espaço nacional.
Ora, é precisamente para que esse equilíbrio de economias se observe, com a vantagem de maior concorrência de abnegação e trabalho, que o Governo não hesitou em assumir uma posição da maior responsabilidade ao garantir a solução de momento, embora a curto prazo, para a crise que, a manter-se, poderia causar alguns danos na confiança que havemos e temos o dever de mostrar. O nosso, inteiro aplauso pois, ao Sr. Presidente do Conselho.
No fundo, o problema é resolúvel; danos imediatos ou mediatos não haverá que não possam ser suportados como tantos vimos suportando e vencendo há muitos anos e que até terão tido o condão de nos animar para maiores feitos.
Pois são precisamente esses feitos, ou melhor, é esse ânimo que deviemos continuar a pôr à disposição das economias que tão perfeitamente se ligam e interligam no espaço nacional. Se há carências, como há, em territórios que podem, por seu lado, oferecer outros valores económicos, cabe ao Governo encarar por uma forma decisiva, digo mesmo, com autoridade que é sua, a indicação de quais devem ser ais produções que têm valor económico assegurado na livre circulação dos bens no espaço nacional, comparando factores, mantendo o equilíbrio económico para reforçar as estruturais sociais e políticas da Nação, porque estas não valem menos do que aquelas.
Angola e Moçambique podem contribuir enorme e fàcilimente para o equilíbrio da sua própria balança externa. Angola e Moçambique podem fornecer os géneros ou as matérias-primas essenciais à sua vitalidade, à sua indústria, à sua economia. Deixariam aquelas províncias de terem -apenas assegurados mercados próprios para os estenderem a outras parcelas.
Tudo isto será fácil se o caminho estiver aberto, melhor, se estiver assegurada à iniciativa privada ultramarina, com o apoio das técnicas mais modernas, que o seu trabalho intenso vai servir integralmente a Nação, ma sua expressão também extra Europa. Já hoje há ou tem havido iniciativas que podem abastecer vários mercados, quando, afinal, o próprio mercado metropolitano vai obter em origem estrangeira o que o ultramar já lhe oferece, ou ainda não lho pode dar por falta de iniciativa, devidamente planificada.
Pois procure se o equilíbrio. O Governo, numa visão mais ampla de toda a problemática, que imponha a sua directriz, que apoie as iniciativas, ais impulsione e mesmo lhes dê um tratamento que, sendo confiante, exija confiança.
Estabeleçamos planos de fomento ou outros de âmbito regional a uma escala de maior dimensão que a actual, mais digamos e informemos como devemos actuar, como nos devemos dar ais mãos, como os nossos braços se devem tornar mais fortes, mais anatòmicamente políticos, mais essenciais ao interesse da Nação, mais dignos das centenas de anos que por eles têm passado.
Não olhemos a solução dos pagamentos interterritoriais agora adoptada como uma necessidade. Olhêmo-la como uma solução que crie uma base donde partiremos para um futuro que nos permita verificar que o remédio, se doloroso, teve o mérito de reconduzir, a inteligência dos homens ao serviço da vontade de vencer.
Impõe-se que se definam, pois, mima política agrária os meios que a podem impulsionar, sabendo-se que o sector privado local, por si só, não pode responder inteiramente ao apelo que se lhe dirija.
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As províncias ultramarinas também têm meios de crédito para, em parte, poderem contribuir para o seu progresso agro-pecuário. Diversificar as culturas, contrariar as tendências da monocultura com mira no lucro, sempre fortuito, dos produtos que, de momento, têm mercado assegurado, é esquecer o futuro, para cuidar apenas do presente. Orientar créditos, instituir outros meios de apoio, preparar o indivíduo com vista ao bem comum, será uma tarefa a que nenhum Governo seguramente se subtrai. Pois findemos para a frente.
No sector das indústrias, as transformadoras, com vista a mercados externos, terão de ser também cuidadosamente estudadas e aconselhadas como as mais convenientes, e não encontrarem na sua iniciativa demoras que entorpeçam os investimentos, quantas vezes de capitais externas.
Nas indústrias de natureza extractiva, os meios energéticos que vão sendo postos à sua disposição oferecem, ou melhor, favorecem as extraordinárias potencialidades que possuímos. Extrair é proporcionar progresso interna e externamente. Os primeiros passos no campo do minério e dos hidrocarbonetos estão dados e a sua produção entra no campo das realidades. Continua, contudo, a haver áreas por prospectar, por ainda não concedidas. É preciso andar com celeridade, acelerar o passo, não perder mais tempo que o indispensável, ser-se realista, cautelosamente realista perante as solicitações que neste aspecto são dirigidas ao Governo. Não podemos perder receites ou dilatai a sua cobrança nem demorar em assegurar a riqueza futura de toda a Nação. O subsolo é rico na proporção da sua extensão. Temo-la em Angola e em Moçambique. Há, pois, que aproveitá-la, e depressa.
O trabalho de cada um, a iniciativa que tomar, o investimento que desejar fazer, o pensamento que tiver como valorizar o seu país, não deve encontrar dificuldades técnicas ou burocráticas. Deve, antes, encontrar o maior apoio, incentivo e confiança por parte dos poderes responsáveis.
Quem reconhece, como nós, que na interdependência se consolidam e integram economias que concorrem para a liquidez das trocas tem de seguir o único caminho que se lhe impõe e que faz grandes e prósperas as nações: ser oportuno, breve e confiante.
O Governo do Presidente Marcelo Caetano tem dado mostras de assim pensar.
O recente acordo dais Lajes e a reunião cimeira dos Presidentes Pompidou e Nixon, com quem o Chefe do Governo conferenciou já também, evidenciam extraordinàriamente a perspectiva política nacional e supranacional em que o Chefe do Governo se situa quando as interesses e o prestígio do seu país assim o determinam. E mais um alto serviço que todos ficamos devendo ao Sr. Presidente do Conselho e cujos efeitos se não demorarão a fazer sentir para bem da Nação.
Em sequência da política que vem sendo definida, o Governo procurará encontrar, dentro dos princípios constitucionais, o caminho que lhe assegure uma mais perfeita integração económica das parcelas da Nação. Há que agir. Se o tempo se não pode desperdiçar, muito menos se pode perder.
Tem, pois, a proposta de lei em discussão o meu voto favorável na generalidade, par reconhecer que os princípios que a definem, mais relevantemente os que se contêm nas artigos 3.° e 4.°, servem perfeitamente a política económica da Nação no conjunto de todas ais suas parcelas.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: — Sr. Presidente: Com uma formação intelectual que se situa longe do foro da economia, limito-me a breve e objectivo comentário a alguns aspectos sectoriais da proposta de lei de meios.
Nota-se no relatório que procede a proposta um esforço de síntese e de clarificação ao definir os problemas e situações, a que rendo homenagem.
No capítulo da economia internacional dá-se justamente relevo à crise monetária e às condições do comércio internacional, aspectos económicos que d.ominam as preocupações do Governo na actual conjuntura.
No da economia nacional verifica-se que desapareceu o parágrafo dedicado nos últimos anos à política regional e que se acrescentou, no fim, um outro, dedicado ás providências sobre o funcionalismo.
Assisti à lucidíssima exposição do Sr. Ministro das Finanças e da Economia apresentada à nossa comissão de economia, onde o assunto, vasto, não permitiu tempo para diálogo de esclarecimento, com pesar de todos, incluindo do próprio Ministro.
Não posso, todavia, concordar com a eliminação deste subcapítulo da política regional na Lei de Meios, embora saiba que o foi por considerar-se enquadrado na política económica geral do País.
O III Plano de Fomento esboçou uma política de planeamento regional com vista à correcção das diferenças de desenvolvimento territorial. E nele verificou-se um sentido comum na criação de pólos de desenvolvimento industrial e de expansão regional da actividade agro-pecuária, com seu circuito de distribuição, como método genérico de progresso das áreas de interior, atingidas predominantemente pela emigração para o estrangeiro ou para as zonas urbanas industrializadas do País.
Pode dizer-se que isto está englobado numa política geral de fomento e desenvolvimento nacionais. Mas penso que, seja como for, deveria considerar-se a individualização e as particularidades maiores ou menores de cada região, e a própria Lei de Meios para 1971 no seu capítulo viu — Política regional — acentua, o objectivo do Governo em definir e estimular os incentivos e actividades produtivas pertencentes a cada zona territorial. Parecem-me que entre a lei de meios e o actual Plano de Fomento deveria haver certo paralelismo neste aspecto. Espero que o IV Plano de Fomento contemple e pormenorize esta política de reintegração do desenvolvimento, comandando a orientação dos investimentos tanto mais que há no País regiões bem diferenciadas m desígnio e na especificidade do seu desenvolvimento, como nas incidências locais de cada problema nacional.
É o caso do vinho ou dos bordados, ou do turismo, ou dos problemas agro-pecuários da ilha da Madeira.
Gomo exemplo que conheço de perto desta especificidade regional, resumo a actual conjuntura económica do arquipélago da Madeira:
Apesar do depauperamento causado por forte emigração que se explica por uma agricultura de baixo rendimento obrigando a penoso esforço — a densidade populacional é ainda de cerca de 320 habitantes por quilómetro quadrado.
O surto turístico em curso com todas as suas consequências, corresponderá à única possibilidade de industrialização em larga escala do arquipélago, compensando esta pressão demográfica e fixando o homem que hoje emigra.
Todavia, para que o turismo não represente um processo inflacionário em volta do Funchal, com os seus 105 000 habitantes, representando 40 por cento da população do arquipélago, nem se processe uma alta excepcional de preços, perda de divisas por importações maciças, empobre-
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cimento do funcionalismo e manutenção de uma larga zona econòmicamente subdesenvolvida à periferia — para que isto não aconteça —, interessa o desenvolvimento de infra-estruturas agro-pecuárias, de mão-de-obra especializada e bens de consumo de utilização directa. Por isso já em 1963 pela primeira vez levantei nesta Assembleia a necessidade urgente do planeamento regional da Madeira.
Planear objectiva, dimensionada e aceleradamente essas infra-estruturas — para executar aceleradamente também, mediante investimentos privados e públicos, a condução das realizações — eis o esquema prioritário do desenvolvimento específico da região da Madeira, em plena «encruzilhada», como tantas vezes tenho dito. Na produção e nas realizações chegar a tempo do surto turístico que já começou, eis o problema fundamental do desenvolvimento regional da Madeira.
Sr. Presidente: Reaparece na proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1972 o subcapítulo de providências ao funcionalismo eliminado na Lei de Meios de 1970 e que, salvo erro, desde pelo menos 1966 se observava na mesma Lei.
É de apoiar calorosamente a política do Governo na protecção ao funcionalismo, que se anuncia sobretudo em três sectores:
1) O estatuto de aposentação do funcionalismo, no qual se espera que se introduza o princípio de que cada cargo ou situação obrigando a desconto para a Caixa Geral de Aposentações — corresponda na realidade a determinada aposentação.
Há funcionários que sofrem descontos obrigatórios deste tipo em funções que exercem, com a certeza que deles nada receberão quando atingirem a reforma. Situação de injustiça que se espera seja agora revista. E também desconto para aposentação deve ser permitido a todos os funcionários, fora dos quadros, seja qual for a sua situação, desde que seja estável.
2) A reestruturação das pensões de sobrevivência — admitindo-se que em parte possam corresponder a contribuição voluntária do funcionário — impõe-se cada vez mais, e bem faz o Governo em enfrentá-la. A situação de viúvas e filhos menores de funcionários é por vezes dramática nas actuais condições legais.
3) A actualização do abono de família de 100$ para 160$ representa um acto de justiça, embora não corresponda ao aumento do custo de vida nestes catorze anos, depois que ele foi instituído.
Interessaria que fossem revistas certas restrições, como a limitação do abono aos que pagam imposto complementar e a sua recusa ao casal em que os dois cônjuges sejam funcionários, injustiça esta que brada aos céus, pois quando a mulher é obrigada a trabalhar fora de casa para ajudar a manter o lar mais necessita de auxílio.
Em relação às pensões de preço de sangue esboça-se um movimento para que elas sejam mantidas quando a viúva trabalhe fora do lar, embora com determinadas limitações. A isto é aplicável a argumentação que esbocei no período precedente.
O articulado da lei não contempla a prioridade de um largo investimento em habitações para o funcionalismo em cada distrito, de modo bem proporcionado às necessidades de cada um.
Tenho pena de que o Governo não tenha possibilidades de dar prioridade em escala conveniente a esta medida, que viria completar o esquema de protecção tão eficientemente iniciado com a Assistência na Doença aos Servidores do Estado, que abrange já os cônjuges e filhos menores.
Independentemente da necessidade de reajustar vencimentos quando sobe muito o custo de vida, é incontestável que a forma anti-inflacionária de apoio económico ao funcionalismo não reside numa subida de salários, absorvida ràpidamente pela subida dos preços e constituindo às vezes, indirectamente, causa para ela.
O apoio na doença e na habitação, as facilidades escolares, pré-escolares e infantis aos filhos, as cooperativas de géneros de consumo, etc., representam a melhor e a mais estável protecção ao funcionário, porque estão acima das variações do custo de vida.
Refere o relatório (n.º 17) o progresso e as medidas de apoio do Estado ao turismo nacional. Continuo a defender a ideia de que, embora todas as regiões do País tenham direito a desenvolverem-se turisticamente e a explorarem o turismo, há zonas industrial mente prioritárias pelo seu condicionalismo próprio. O Algarve e a Madeira, depois de Lisboa, têm sido aquelas em que mais se tem falado. O desenvolvimento turístico do Algarve tem sido vertiginoso, com mais ou menos método e mais ou menos harmonia.
Aproveito, todavia, o ensejo para insistir perante o Governo e respectivo departamento do Estado, que o caso da Madeira merece a maior atenção, porque adi — dada a sua pletora populacional, a sua impossível industrialização e o seu isolamento insular — não se trata apenas de desenvolvimento, mas de sobrevivência e conquista de um mínimo aceitável de vida para uma população que o mar limita.
Insisto também em que o turismo neste momento impõe uma revisão urgente da política nacional de tráfego aéreo pelo menos em relação às regiões turísticas.
Na Madeira, por exemplo, o progresso turístico não pode efectuar-se através de uma única carreira regular que a liga exclusivamente a Lisboa, com ramificação para as Canárias e Açores, e com as ligações acidentais por charters, as quais de resto transportaram dois terços dos escassos 60 000 turistas, que foram à ilha em 1970.
O artigo 16.° da proposta de lei consagra a orientação de atribuir a primeira prioridade nos investimentos à saúde pública «de acordo com o programa de execução do III Plano de Fomento».
Honra-se o Governo ao reconhecer a importância e o carácter altamente reprodutivo para a economia nacional, do fomento da saúde pública, e ao ir ao encontro de um dos direitos da pessoa humana que é porventura a maior conquista individual do nosso século.
Processa-se e desenrola-se, finalmente, no nosso país, com nitidez e persistência, a teorização e o começo de execução de uma política integral de saúde pública, europeizada e que vai de encontro à dignidade e às necessidades dos cidadãos, indiscriminadamente.
Todavia, reestruturar, coordenar e dar eficácia à velha manta de retalhos do que já existe é mais difícil e penoso do que programar a parte nova que se destina ao presente como ao futuro.
E, sobretudo, porque as verbas de que se pode dispor, o número de técnicos e o volume de problemas a estruturar não se compadecem com a velocidade de reorganização © execução que todas desejam.
Honra, pois, à equipa ministerial que dela tomou iniciativa e que, sofrendo na carne as agruras de todos os pioneiros, bem merece do País o maior apoio e compreensão. Sobretudo merece aquele crédito no tempo que vimos noutras circunstâncias, embora a outro nível, já uma vez pedido e compreendido no nosso país.
Das justas reivindicações pessoais, da crítica legítima e das pressões militantes sobre o Poder — distingamos a
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agitação pela agitação, técnica de luta organizada por uma minoria contra a actual situação política que busca a especulação de pontos frágeis e de grupos humanos receptivos e que vimos ao longo dos anos saltitar de sector para sector. É de sorrir o ver-se acenar dramaticamente com as hipotéticas graves repercussões internacionais da acidental e solucionável «crise dos internos».
Como membro desta Assembleia Nacional estou profundamente grato ao Sr. Ministro da Saúde e Assistência pela nota informativa que nos enviou, esclarecendo harmoniosamente os meandros e a história de uma situação que se vinha adensando.
Congratulo-me sobretudo porque representa mais uma nota de respeito e consideração que o Governo vem manifestando por esta Câmara, e que infelizmente não é correspondida algumas vezes a outros níveis à periferia do País.
Uma palavra de apoio à política orçamental do Governo na prioridade à defesa nacional e no apoio ao nosso ultramar, que em recente visita a Moçambique, de que dei há dias conta nesta Assembleia, pude melhor ainda compreender e melhor amar como parcela irredutível da Nação.
Não tem a lei de meios contemplado a estruturação de uma política de velhice por que tanto me tenho batido nesta tribuna, aspecto de europeização do País que importa enfrentar.
Não posso alongar-me sobre este assunto, mas defendo diante de quem quer que seja a possibilidade a este respeito de três iniciativas imediatas:
1) A pensão nacional da velhice,
2) O início de uma política de habitação pana a pessoa idosa;
3) Um conjunto de experiências-piloto apoiadas nos recolhimentos de Lisboa, de assistência domiciliária médico-doméstica aos idosos da capital, englobada numa ideia geral de enquadramento da pessoa idosa na família.
Sr. Presidente: Vi algures em determinada publicação criticar-se o Governo pela abundância de legislação dos últimos tempos.
A mim parece-me que havia sobretudo uma abundância extensa no País de situações anquilosadas aguardando soluções legais e susceptíveis por vezes de fácil actualização e regularização, e não exigindo também por vezes expressivo agravamento de verbas.
É o caso da Guiné, sem representante nesta Assembleia e para o que a lei não permitia até aqui eleições complementares.
Sr. Presidente: Vem de realizar-se em terra portuguesa, em terra deste País tão atacado de ameaçar a paz universal ao ir em ajuda do seu terceiro mundo e ao generosamente querer realizar a segunda experiência de luso-tropicalismo plurirracial no nosso ultramar — vem de realizar-se dizia— entre os presidentes de dois grandes — os Estados Unidos e a França — um encontro fundamental para a paz e para, o progresso mundiais.
E, após o substancial apoio económico obtido da América a propósito da nossa base das Lajes, Marcelo Caetano no contacto com cada um dos dois presidentes colheu sem dúvida motivos de compreensão e valorização para Portugal.
No esforço sobre-humano que vem realizando em prol da Nação, o Presidente do Conselho tem nesta circunstância a seu lado, militarmente, todo o País, desde o Minho a Timor. E apraz-me afirmá-lo nesta tribuna.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Ricardo Horta: — Sr. Presidente: Está nesta Assembleia, em discussão, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972, conhecida pela Lei de Meios.
Esta proposta de lei para cada exercício financeiro é um dos mais importantes documentos sobre que tem de recair a análise da Assembleia Nacional.
E uma vez mais, como tem ocorrido desde há cerca de quatro décadas, o Governo, com rigorosa pontualidade, submete essa proposta ao órgão legislativo, não se limitando, porém, ao puro cumprimento das normas constitucionais, mas situando-a em quadro mais amplo e em mais vasta perspectiva. Para observar a Constituição bastaria, com efeito, o pedido de autorização para cobrança das receitas públicas e para a realização das despesas a inscrever no Orçamento, definindo, quanto a estas últimas, as bases gerais que deverão presidir à sua efectivação, dentro do equilíbrio financeiro que é a regra imutável da nossa Administração.
Mas o Governo vai mais longe.
Enuncia os princípios informadores da política orçamental; estabelece normas em matéria tributária; indica as bases da política de investimentos; define as ordens de precedência das despesas públicas; insere preceitos relativamente à política económica global e sectorial; alinha soluções em matéria de política monetária e de crédito; e anuncia, finalmente, pormenorizando-as, as providências a adoptar para melhoria das condições económicas e sociais do funcionalismo.
Salientam-se neste último aspecto o novo estatuto de aposentações, o regime das pensões de sobrevivência, a revisão da legislação sobre abono de família e das pensões de preço de sangue.
É-me impossível versar em toda a sua extensão o conteúdo tão largo e diferenciado da Lei de Meios e, por isso, circunscreverei a âmbito mais limitado as considerações que me proponho produzir.
Sr. Presidente: Verifico ainda, na sua leitura, bases fundamentais, cuja análise expressa na lei se refere mais ao passado do que ao que seria necessário prever para 1972. E fácil, Sr. Presidente, depois da ocorrência dos fenómenos, fazer a sua apreciação e tirar as respectivas conclusões. Esta minha referência em nada tende a diminuir o esforço e o elevado saber do Sr. Ministro das Finanças, a quem presto a minha homenagem. É o próprio Sr. Ministro que, em muitos pontos do seu trabalho, se refere às dificuldades que se lhe deparam para fazer um juízo de análise; as insuficiências dos meios informativos pertencentes ao sector da informação e estatística impossibilitam-no de trazer ao conhecimento do País a situação presente e futura.
Já na minha intervenção sobre idêntica proposta em 1971 e nas referências de então do Sr. Ministro das Finanças quanto àquelas insuficiências eu tive o ensejo de afirmar que era lícito estranhar que o Governo não estivesse em condições de dispor de preciosos elementos de controle de todas as actividades que devem conduzir ao bom funcionamento de um sistema convenientemente organizado. Tendo em vista que o nosso país se situa entre as nações em via de desenvolvimento ainda não satisfatório, teria òbviamente necessidade muito especial de informações estatísticas sérias e oportunas para poder elaborar os seus planos de desenvolvimento económico e social, com vista ao progresso da sua economia e à elevação do nível de vida das suas populações. E evidente que não pretendo que os nossos serviços nacionais de estatística estejam em condições de dar aos responsáveis, informações frequentes e prontas sobre a produção na
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cional, do mercado do trabalho e outros elementos de alto interesse, como verificamos nalgumas nações desenvolvidas.
Continua o Sr. Ministro das Finanças na Lei de Meios para 1972 a afirmar as suas grandes dificuldades para se movimentar nas previsões do desenvolvimento, dos investimentos, dos consumos internos, das exportações, isto é, daqueles sectores básicos para a previsão a inscrever na sua lei. Desta forma podemos, pràticamente, concluir que este diploma incide sobre o que se passou em 1969, 1970 e parte de 1971. E para 1972 o que se prevê? Ora vejamos: define-se uma orientação geral da política económica e financeira do Governo e esta é aquela que é seguida e que se opera em todos os países bem organizados, visto que se respeita, rigorosamente, o seu equilíbrio orçamental. E muito de louvar o esforço do Sr. Ministro das Finanças, tendo em vista os investimentos e os gastos extraordinários quanto à defesa dos territórios nacionais, mas este equilíbrio tem exigências que são profundas, pois vêm impedir todas as despesas' suplementares que não tenham receitas equivalentes.
Tem, desta forma, o Sr. Ministro, na sua frente, um trabalho gigantesco e, acrescido a este grave problema, tem ainda as dúvidas sobre as compensações económicas e monetárias que se mantêm no Mundo repletas de incertezas fundamentais relativamente ás decisões das grandes potências económicas. Na lei em discussão observa-se um capítulo que é transcendente para a vida nacional — trata-se da política fiscal. E do conhecimento de VV. Ex.as que um dos principais factores do progresso económico depende em larga escala das estruturas fiscais. Deve existir uma íntima relação entre o rendimento do imposto e a estrutura fiscal. Impõe-se, e esta imposição deve ser minuciosa no sentido da necessidade de conhecermos os fundamentos dos elementos tributários, a que a actividade económica se refere e como esta evolui. E necessário que o desenvolvimento económico esteja infimamente ligado ás características da estrutura fiscal. Estas bases são válidas para todos os países. À medida que a produção interna se desenvolve e aumenta o consumo vem o imposto sobre esta complexa vida moderna e actua sob a forma de impostos indirectos.
E sabido, pois, que para alterar as estruturas fiscais se deve acompanhar a evolução da estrutura económica, quer dizer, a base da sua incidência. Neste capítulo, no artigo XI, o Sr. Ministro refere-se a taxas a incidir sobre o valor matricial dos prédios rústicos, e sobre esta matéria já se referiu há dias o ilustre Deputado Cunha Araújo. Aludiu estie parlamentar à revisão das matrizes cadastrais dos prédios rústicos com vista à sua tributação. Impressionou-me a forma decisiva e verdadeira como este Sr. Deputado apresentou tão grave problema, com incidências preocupantes para a lavoura. Todo o País tem conhecimento da crise que a lavoura atravessa, resultante da carência e do preço da mão-de-obra e ainda acrescido dos baixos preços dos produtos na sua origem. Vendem-se hoje propriedades rústicas por preço muito inferior ao seu valor matricial. Há propriedades que, com muita dificuldade, dão rendimento para pagar os seus encargos tributários.
O cadastro que se está a efectuar no País relativamente ao valor das propriedades rústicas está totalmente desactualizado, tendo em vista os factores que desvalorizam os seus rendimentos. Não podemos seguir esta política na agricultura, pois esta acaba por ser abandonada, o que já se verifica em grande parte. No que o Governo deve actuar é nos impostos indirectos, nos lucros visíveis mesmo pelos míopes e adaptar as estruturas fiscais de forma que os indivíduos que subitamente realizam lucros vertiginosos paguem aquilo que é justo. Que taxa foi aplicada a estes indivíduos, alguns nossos contemporâneos?
Analisada a política de investimentos da Lei de Meios em discussão, ser-me-ia grato conhecer através desta o índice de crescimento económico relativamente ao ano de 1972. Compreendo as dificuldades, pois já atrás me referi a elas. Talvez o III Plano de Fomento forneça uma indicação esclarecedora. Mas quanto totaliza o investimento para 1972? E qual a percentagem de acréscimo do produto nacional relativamente ao ano de 1972? E qual a sua estimativa para o próximo ano?
São do vosso conhecimento, através da lei em discussão, as prioridades definidas pelo Governo e, dentro delas, está em primeiro lugar a saúde pública. É-me muito grato poder afirmar que o Sr. Ministro das Finanças continua a mostrar ao País que a saúde pública é o investimento de maior produtividade. Esta afirmação vem ao encontro das aspirações humanas, visto que visa o objectivo da conservação da vida e da saúde das populações.
Sr. Presidente: Não desejo, intencionalmente, deter-me no exame da política da saúde, na definição dos seus rumos e na enumeração dos seus problemas, cada vez mais vastos, mais complexos e, neste momento, de particular acuidade. Nesta análise de índole geral não cabe a referência em pormenor às exigências da saúde pública — sector desfavorecido e que, pela sua alta importância, deve merecer do Governo a mais atenta ponderação.
Há que proceder a aturados estudos neste domínio, definir com realismo um programa global e executá-lo com decisão, a fim de evitar 'carências clamorosas, insuficiências que importa corrigir, anomalias que não podem perdurar. E este um dos problemas mais prementes que solicitam a atenção do Governo e que cumpre solucionar para a proficuidade da acção dos médicos e para que estes possam desempenhar a missão nobilíssima que lhes incumbe.
Impõe-se fazer cessar a carência de meios de equipamento, de elementos humanos cada vez mais diferenciados e devotados. Será no estudo sereno, na comunhão de esforços, na disciplina, no diálogo construtivo e na solidariedade que se poderão encontrar as providências indispensáveis, os remédios que se impõem e para os quais preocupadamente chamo a atenção do Governo. Observarei apenas que a situação actual não pode prolongar-se, mas que a agitação e a anarquia não conduzem a nenhum resultado útil nem a nenhuma solução positiva.
Nunca a colaboração, a compreensão recíproca e a convergência de todos os esforços foram mais necessários para pôr termo a um estado de coisas que, a não ser urgentemente solucionado, pode conduzir a consequências funestas e a efeitos ruinosos que não é difícil antever. Quero daqui testemunhar à nobre classe médica o meu apreço, a minha confiança e a minha esperança de que ela, seguramente, será sempre a pioneira das elevadas obras humanas no sector da saúde.
Também em lugar cimeiro e ma ordem das prioridades situam-se os investimentos no ensino, na investigação e na formação humana. Ora, nas civilizações industriais modernas estes encargos são condições de progresso e de ascensão nas hierarquias sociais, especialmente nas comunidades dominadas pela técnica, visando especialmente o bem-estar e a dignificação dos homens. A complexidade do sistema produtivo e as exigências da tecnologia dos nossos dias reclamam de modo crescente a qualificação e a especialização do trabalho, que só podem obter-se através de uma democratização do ensino, da formação técnica e do estímulo à inovação, inseparável da evolução
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do nosso tempo e da preparação de estádios mais avançados e de condições de existência mais felizes. O esforço que neste sentido está a desenvolver o Governo merece a nossa concordância e suscita o vivo aplauso do País.
A acção a empreender no domínio da habitação social corresponde à intensificação do esforço já realizado e constitui resposta adequada a um dos desafios mais instantes que se deparam à actividade do Governo. São múltiplas as iniciativas já tomadas neste domínio importantíssimo da vida colectiva. São amplos os seus frutos e meritórios os seus resultados. Mas as necessidades não consentem dilações na acção iniciada: urge ampliá-la e acelerá-la para que rapidamente se alcancem as metas a atingir e cuja dimensão se não compadece com visões estreitas do problema ou com instrumentos de acção de limitada latitude.
Ainda bem que o Sr. Presidente do Conselho se manifestou atento ao problema e, em declarações recentes, formulou um programa de larga amplitude, que conduzira, seguramente, a aquisições mais rápidas e a soluções mais satisfatórias. Outro problema que nos preocupa, aliás já aqui referido por mim noutras intervenções, e que reveste aspectos sociais delicados é o do agravamento dos preços e do custo da vida, com implicações desfavoráveis no nível da existência das camadas mais desprotegidas ou econòmicamente mais débeis.
Não ignoramos que o problema é universal e que assume em todos os países especial agudeza. Não desconhecemos tão-pouco que num país fortemente importador, como o nosso, é inevitável o contágio das pressões inflacionistas internacionais, que estamos condenados a sofrer e que, infelizmente, tão podemos dominar. 'Mas há também causas internas que importa remover ou atenuar, para que a espinal da inflação não continue a corroer o organismo económico e a provocar graves desequilíbrios de carácter social. A insuficiência quantitativa da oferta, o seu desajustamento qualitativo, a pressão da procura sobre os recursos, as altas de salários, a expansão do crédito, a especulação, o acréscimo de rendimentos do exterior provenientes da emigração e do turismo, constituem, entre outros, factores determinantes de tensões perturbadoras do nível geral dos preços, sobretudo nos domínios da alimentação e da habitação. Não é possível eliminar todos estes factores, mas pode exercer-se sobre alguns uma acção moderadora, no sentado de minorar os seus pesos e os seus reflexos no equilíbrio económico geral.
Temos de estar esclarecidos de que a alta contínua e espectacular dos preços não pode senão alimentar um muito vivo descontentamento em todas as categorias de trabalhadores, e muito especialmente naquelas que têm rendimentos fixos, que são as suas eternas vítimas. Deve o Governo tomar todas as disposições no sentido da contenção dos preços, deve mesmo aliviar de impostos aquilo que os possa pressionar e influenciar na Oferta de bens e serviços. E necessário que se crie um clima próprio para der a todos os responsáveis no campo económico e social a consciência da disciplina que cada um deve impor a si mesmo.
Deve o Governo operar a disciplina dos preços ou marcar um limite do seu aumento e que este possa ser aceite pelas economias das populações. Deve o Governo tentar de todas as formas referenciar os elementos de primeira necessidade para a vida do homem, tais como a sua alimentação e outros que são parte indispensável do seu conforto. Quero referir-me, especialmente, ao preço da água, da electricidade e dos transportes públicos.
Peço licença para lamentar a instabilidade dos preços destes elementos e, particularmente, o aumento do preço da água ùltimamente verificado.
É preciso, neste campo, fazer uma política com flexibilidade, mas com firmeza. Esta maneira de proceder pode originar situações dissuasivas com o fim de atingir objectivos de alto interesse. Há pouco referi-me aos factores de pressão inflacionista e, entre eles, aos relacionados com a emigração. Sr. Presidente, na minha concepção considero este factor trágico para a Nação. Se partirmos do princípio, o que é aceite pelas nações civilizadas, de que a riqueza do País é, antes de tudo, o homem, concluo que Portugal empobrece de forma rápida e progressiva. A emigração, dentro da minha óptica, arrasta o desequilíbrio no progresso, nos preços, e mesmo na ordem moral. Basta recordar e ver o abandono dos campos, a falta de mão-de-obra em todas as actividades nacionais, a subida dos preços vinculada nalguma parcela a esse factor; a situação moral dos Portugueses entre os emigrantes da Europa ocidental; os acontecimentos de Massis relativamente à reacção dos Portugueses quando o Governo Francês quis efectuar a absorção dos bidonvilles dessa região; as afirmações na imprensa estrangeira de que é mais cómodo e mais barato efectuar certos trabalhos com a mão-de-obra portuguesa do que com os computadores; e muitos outros aspectos aqui poderíamos relatar.
Desejo ainda esclarecer a Assembleia que no amo de 1970 só a França recebeu 98 634 portugueses e que o acordo recente do Ministério do Trabalho Francês com o Ministério Português respectivo fixou em 65 000 trabalhadores, por ano, a exportar para aquele país. É preciso que a Nação tenha conhecimento de que para dois emigrantes que entram em França um é português e de que para um espanhol emigram seis portugueses para este referido país. Tendo em vista este gravíssimo facto e considerando a baixa natalidade e a mortalidade infantil, que é uma das mais elevadas da Europa, fácil é concluir que o País pode tender para um relativo despovoamento, com todas as suas consequências. É premente que o Governo tome todas as providências ao seu alcance. Impõe-se uma campanha nacional de mentalização; é necessário que as populações tomem conhecimento e sejam esclarecidas de que dia construção civil, do comércio, dia ‘agricultura, das profissões liberais e da classe trabalhadora que se deslocou alguma para as províncias ultramarinas têm resultado valiosos frutos do seu trabalho, do seu senso e do seu entusiasmo.
O Sr. Jorge Correia: — Muito bem!
O Orador: — E os nossos emigrantes para a França, para a Alemanha e outras nações, ocupados nestas mesmas actividades, que riquezas têm obtido? Que situação morai e hierárquica desfrutam?
Um das sectores que me tem sido sempre muito grato abordar nesta Assembleia é o campo social. Na Lei de Meios e no seu capítulo VIII, insere o Governo, com a rubrica «Providências sobre o funcionalismo», princípios que me sensibilizam, visto que se sobrepõem àqueles que tive a honra de enunciar nas minhas intervenções de 1970 e 1971.
Em 1970 eu dizia que «qual não seria a minha satisfação se verificasse a existência das possibilidades e do desejo expressos na proposta de lei de então de medidas de actualização das pensões de sobrevivência dos familiares dos servidores do Estado que muitos vivem nas mais deficientes condições económicas; que se tentasse a revisão das pensões de preço de sangue e das condições das possibilidades de trabalho das viúvas e outros seus detentores, dando-lhes o direito de conseguir, pelo seu trabalho, mais meios para assim poderem elevar progressivamente o nível de vida a que têm direito».
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Na minha intervenção de 1970 lamentei «não encontrar esboçada uma solução relativamente às pensões de sobrevivência dos servidores do Estado e dos seus familiares; de se não tentar a revisão do nível das pensões de preço de sangue e das condições e garantias de trabalho das viúvas e de outros seus detentores».
Ora, na presente proposta de lei, o Governo vem dar satisfação a todas estas minhas solicitações, baseadas em princípios de justiça.
Quero aplaudir desta tribuna a política do Governo, tão humana e tão justa, mas desejava também que se actuasse sem demoras e com alta generosidade, na parte deste magno problema referente às forças armadas.
Penso que o Sr. Ministro da Defesa Nacional, pelo seu apurado espírito de justiça e do que já realizou no campo social do seu departamento, não deixará de adoptar as devidas providências neste sector e estou certo de que todo o Governo o apoiará, decisivamente, como se impõe.
Termino com esta afirmação de fé.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Almeida e Sousa: — Sr. Presidente: Frisando mais, desta vez, uma continuidade do que uma evolução, temos perante nós uma nova lei de meios.
Não me foi possível, infelizmente, há um ano nem assistir nem participar na discussão da lei para o ano em curso. Perdoar-me-ão por isso VV. Ex.AS que, ao apreciar a que nos é presente, me reporte, na medida em que isso seja oportuno e pareça útil, à evolução que essa outra lei anunciava e defendia.
Tenho o dever de ser breve. Referir-me-ei apenas ao que sinto a obrigação de comentar. E desde logo tenho de esclarecer que, na apreciação que farei da política industrial inserta nesta lei de autorização de receitas e despesas, terei sempre em mente que está na Câmara Corporativa e virá em breve a ser discutida aqui a lei de fomento industrial, de que' as orientações agora expressas não passam de linhas directoras.
Parte essencial do meu campo de interesse, maior oportunidade me ficará para a apreciação de outras directrizes que me parecem fundamentais para o desenvolvimento nacional que, ano a ano, todos entendemos dever inexoràvelmente prosseguir.
Deixando, pois, de lado sectores que VV. Ex.as muito melhor do que eu saberão tratar, voltarei, como nas primeiras palavras que há dois anos nesta Casa proferi, à política fiscal.
Sem dúvida que no ano passado foi atendido, pelo menos em parte, o que então reclamei e que há tantos anos, por todas as formas ao meu alcance, vinha pedindo: a taxa da contribuição industrial baixou de 18 para 15 por cento, com a necessária compensação na contribuição predial urbana. Cumpre-me agradecer esta medida, primeiro, e sobretudo, como português e depois, acessòriamente, também como industrial.
Teria esta medida sido suficiente para inverter a atracção imobiliária que verberei, e a que atribuía e atribuo boa parte do travamento da nossa economia?
Pois com certeza que não, ou que ainda não, mas o princípio é de louvar e agradecer na directriz que impõe © nas dificuldades que, adivinho, terá tido para vencer.
Falava ainda a lei para 1971, e fala também a que estamos a apreciar, numa modificação de orientação quanto ao imposto de comércio © indústria. Anunciava-se cuidado estudo antes de se tomar posição, estudo que agora se diz quase concluído.
Não se regatearão aplausos à modificação prevista, já que se pensa que, tal qual estão, estes impostos são em boa parte responsáveis por alguns dos males de que enfermam a economia e a vida pública portuguesas.
Em primeiro lugar, porque agravando notàvelmente os encargos fiscais dias funções produtivas em favor do sector imobiliário, deles isento, apesar de mais fruidor dos serviços municipais, tais impostos contribuem, em toda a medida do seu peso, para a pouca atracção dos capitais privados para os investimentos produtivas.
Em segundo lugar, e uma vez que, sobretudo a indústria, mas também o comércio, estão fortemente concentrados em áreas restritas e mais desenvolvidas do nosso território, a distribuição destes réditos deixa sem recursos para as suas mais vitais necessidades os municípios que, por mais atrasados, maior urgência têm de desenvolvimento.
Em terceiro lugar, e perante a fuga, natural, necessária e muito de louvar, das indústrias dos centras urbanos, a actual estrutura dos impostas em causa vem reduzindo mais e mais os rendimentos necessários à urbanização das grandes cidades, por forma a tornar ou aflitiva a situação financeira ou inoperante a Administração.
Por tudo isto quero deixar aqui uma palavra de esperança na legislação que se anuncia, certo de que., na linha da orientação já definida, há-de ser mais uma das muitas medidas que são necessárias para que a poupança portuguesa, desviando-se do imobilismo em que se compraz, acorra às actividades produtivas, sem as quais será sonho o desenvolvimento que pretendemos. Queremos, por outro lado, esperar que venha a ser também forte instrumento de justiça e desenvolvimento regional, política cuja não inclusão nesta lei, apesar de todas as razões que nos aduzem em contrário, muito lamentamos.
Quanto á política industrial, e pelas razões que expus, limitarei o meu comentário à expressão do desejo de que os termos da alínea c) do artigo 20.° incluam, bem mais clara e bem mais expressa, a ideia de que, infelizmente, batidas pelas novas condições de mercado e de salário, algumas unidades industriais terão de fechar, e é necessário que a lei as deixe fechar. Que as deixe morrer em paz, em paz consigo próprias e em paz com os seus operários. Que não exija quiméricas indemnizações de quem já as não pode pagar. Que. a lei seja realista — não peço mais nada.
Já aqui disse, mas parece-me não ter sido ouvido, que, em minha opinião, deveria ser ao Fundo de Desemprego, há 'tantos anos acumulado por patrões e operários, que, na hora difícil que se aproxima, deveria caber o encargo de facilitar a transformação ou, em último caso, o encerramento das fábricas a que as novas condições tornam impossível a vida.
Disse e repito que o morituri i e salutant no circo da vida já não é grito que hoje se possa ouvir, e que cadáveres que se não deixam morrer, entoe vivos não podem fazer senão mal!
A alínea que acima refiro pode remotamente dar-nos algumas esperanças, mas o problema, não é de amanhã, é de hoje, que eu sei que o é!, e é preciso que tenhamos directrizes suficientemente claras para o resolver.
Suponho que os resultados da cómoda imposição vigente — cómoda para quem a impôs — estão suficientemente à vista. Forçoso ó que se reveja o problema antes que haja muito mal irremediável.
Ainda no foro ida política industrial não se quer deixar de louvar, quanto louvar se pode, as providências que se anunciam tendentes ao regulamento da exploração da nossa plataforma continental.
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É uma esperança, que se nas abre. E se, como parece, as perspectivas não são más, pelo contrário, são boas, perder um dia seria crime.
O Sr. Jorge Correia: — Muito bem!
O Orador: — Que tenhamos o que os outros têm — e aqui não posso reprimir um sentimento de inveja dirigido à caloria barata do gás natural —, que tenhamos o que os outros têm para que na luta que temos de travar as armas sejam iguais.
O Sr. Jorge Correia: — Muito bem!
O Orador: — Confia-se que, na sequência da autorização agora dada, o Governo não deixará de fazer todos os esforços que conduzam ao mais rápido e mais seguro reconhecimento das riquezas potenciais dia nossa plataforma.
Finalmente, quero terminar como a proposta de lei que comento termina: com algumas palavras sobre o funcionalismo.
Saúdo, como primícias que adivinho da tão desejada e tão necessária reformai administrativa, as providências que se anunciam.
Nós, os industriais, sabemos apreciar, porque a vivemos, a influência saudável do bem-estar dos empregados no rendimento das empresas.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — É-nos difícil compreender, portanto, as razões que têm, desde há longas anos, quase tradicionalmente levado a preferir mais funcionários mal pagos e porque mal pagos, menos rendosos, a menos funcionários bem pagos e, porque bem pagas, mais trabalhadores e mais eficientes. Coimo nas tempos que vão correndo nos é difícil compreender qual será a resposta que poderão dar ao dilema que certamente se porá à sua consciência as que, homologando, dão o seu aval a salários que de forma nenhuma se podem comparar com os que o Estado paga.
A justiça social forma um todo que se não pode dissociar nem por patrões, nem por razões orçamentais. Se revemos a situação de outras classes, forçoso é que revejamos também a situação dos que, porque são funcionários, só muito mais lentamente e muito mais lentamente vêem os seus proventos elevados. Mesmo porque a influência no mercado do aumento substancial de outros sectores não deixará, directa ou indirectamente, de se fazer sentir, por muito que queiramos e devamos combater a inflação. Tudo isto é muito difícil, todos o sabemos, mas eu quero ser optimista quando digo que ainda vejo solução. É verdade que vejo só urna, mas haver uma suponho que é o bastante.
E essa solução não é outra, não pode ser outra do que a que tem salvo todos os povos nos períodos críticos das suas histórias: trabalhar!
E aqui cabe uma palavra de mágoa, mais do que desaprovação, pela forma como terminou o processo da lei da duração do trabalho: promulgada por decreto-lei, tendo apenas em atenção o parecer da Câmara Corporativa.
Acaso não ficaria a Nação mais solidária com o Governo nas imposições que essa lei trouxe se, como parecia ir ser aqui tivesse sido discutida?
Vozes: — Muito bem!
O Orador: Pelo menos eu esperaria que daqui pudesse sair tão justa quanto pudesse ser justa, bem responsável e sobretudo bem unívoca. Que quando se permitisse que a semana fosse de quarenta e oito horas, não houvesse outras cláusulas que, impusessem, ou parecessem impor, as quarenta e cinco.
Ou então, também o aceito, e aceito-o perfeitamente dir-se-ia que a semana era de quarenta e cinco horas, bem explícito e bem responsavelmente, mas quarenta e cinco horas para todos, pelo menos dentro da mesma indústria, como exigiria a justiça.
Quarenta e cinco horas para uns e quarenta e oito para outros, com a mesma retribuição global, dentro da mesma indústria, se for preciso dentro da mesma fábrica, ninguém me pode convencer que seja justo! Nem para os patrões, nem para os trabalhadores.
Refiro-me, como por certo VV. Ex.as já terão concluído, ás providências exaradas nos n.os 1 e 5 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 409/71. O Ministério das Corporações sabe melhor do que ninguém que grande parte, mas não todas as unidades industriais, há muito que adoptou o regime, que agora se diz reconhecer, mas que já se homologava, de semana americana.
Pessoalmente — e aqui exprimo uma opinião meramente pessoal — não concordo que tenhamos chegado já ao estádio de começarmos a reduzir o trabalho. Infelizmente. Enquanto houver portugueses que vivem como vivem e forem nossos os problemas que ainda o são, pois entendo que não haverá português digno desse nome que tenha o direito de regatear o seu esforço em prol, do bem comum.
Parece-me, pelo contrário, que o que há a fazer é distribuir o trabalho que nos sobra e distribuí-lo por tantos que, abusando da sua posição ou da brandura dos nossos costumes, contribuem com muito pouco, em horas e em esforço, para o que a Pátria exige de nós.
É, acima de tudo, o apelo que daqui dirijo ao Governo: Que vele por que todos cumpram o seu dever, e no dever de cada um está sempre um horário que, se formalmente não é rígido, pelo menos em consciência o deveria ser. Se não estiver, pois é benesse que se dá, não trabalho que se paga. E o tempo vai cada vez menos para benesses.
Será esta — trabalhando todos e trabalhando todos o mais e o melhor que pudermos — a única forma de a Nação poder pagar aos seus funcionários o que merecem, o que muitos já merecem e o que todos deveriam merecer!
Esperando que as medidas agora anunciadas não sejam mais do que o início de um caminho que tem de ser longo, pela própria natureza das coisas, e se sabe muito difícil — é pesada a herança — mas que todos, a começar pelo Governo, sabemos ser imprescindível ao futuro de Portugal, e dos Portugueses, e, por comparação, não duvidando de que o esforço dos funcionários venha a pagar largamente os sacrifícios que o erário público em seu proveito possa consentir, dou o meu caloroso aplauso ás providências que se propõem, assim como, na generalidade, dou a minha aprovação à proposta de lei.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pontífice de Sousa: — Sr. Presidente: Desenvolve-se nesta Assembleia o debate sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972 num período particularmente difícil da evolução histórica da Nação Portuguesa, com muitas incertezas de natureza económica, social e política a pairarem no horizonte do
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nosso futuro e com todas as interrogações que a propósito daquelas se poderão fazer sobre possíveis dificuldades a enfrentar, de solução extremamente delicada e de transcendente importância para toda a comunidade lusíada.
No plano europeu ainda se não sabe se Portugal poderá conservar nos países da E. F. T. A. algumas dias vantagens que foi adquirindo pelo progressivo abaixamento das pautas aduaneiras dos países associados, nem qual o preço e as condições que lhe serão impostos pela Comunidade Económica Europeia para a ela se poder associar, mesmo que por um simples acordo de comércio.
No espaço português verificou-se nos últimos anos um progressivo desequilíbrio das balanças de pagamentos das províncias de Moçambique e de Angola com a metrópole, o que foi ocasionando crescentes dificuldades nas relações económicas desta com aquelas, que culminaram agora com a modificação do sistema de pagamentos interterritoriais.
Este novo sistema foi considerado pelos peritos o «menos mau» dos que era possível experimentar — segundo a palavra autorizada de S. Ex.a o Presidente do Conselho —, e confia-se que o progresso galopante de Angola, e Moçambique permitirá em breve incrementar as trocas comerciais entre todos os territórios nacionais, tão necessárias ao estreitamento dos laços que unem ais populações que neles vivem, por sua vez indispensável para que todos os portugueses possam continuar a pensar num destino histórico comum.
Vive assim o nosso país numa época de angustiantes incertezas, cujo desfecho poderá ter no futuro as mais sérias repercussões — embora repentinamente se esteja a experimentar uma saborosíssima euforia pela recente estada em território nacional de dois eminentes Chefes de Estado de poderosas nações ocidentais.
O nosso arquipélago dos Açores, em pleno oceano Atlântico, que desempenhou importantíssimo papel durante a última guerra mundial como base de apoio à manutenção de uma rede vital de comunicações entre a América e a Europa, voltou ao primeiro plano do noticiário mundial, pela projecção de que se revestiu a conferência cimeira entre os Estado Unidos da América e a França.
Porém, a realização nos Açores desta conferência bilateral não pode ter sido obra do acaso, nem apenas decorrente da amizade tradicional daqueles dois países por Portugal.
Além das diligências do nosso Governo e da nossa diplomacia, a escolha das ilhas açorianas foi, sem dúvida, objecto de estudo meticuloso pelos Governos dos dois países interessados, que acabaram por encontrar razões políticas e estratégicas que justificam a opção feita.
E esta opção avulta com todo o seu simbolismo para nos fazer conhecer melhor o real mérito da política que temos seguido, de defesa intransigente dos valores da civilização ocidental e da situação geográfica dos territórios portugueses espalhados pelos diversos cantos do Mundo.
Enquanto Portugal continuar a ser o que é, geográfica e politicamente, não poderá ser menosprezado em muitos dos momentos decisivos da evolução futura da humanidade.
Sr. Presidente: Pelo terceiro ano consecutivo a proposta de lei de meios apresenta, no capítulo n, as directrizes fundamentais a que se subordinará a política económica e financeira do Governo no ano seguinte, notando-se este ano uma redacção e uma ordem de prioridades diferentes das anteriores.
Assim, além de se propor, como primeiríssimo objectivo, «estimular o processo de expansão da economia», aponta-se que esse objectivo se pretenderá atingir «com base em critérios selectivos».
A selectividade de critérios é um princípio muito importante que o Governo agora introduz na «orientação geral da política económica e financeira», mas encontra-se insuficientemente explicitada para poder ser comentada como desejava e convinha.
Já na minha intervenção do ano passado sobre a proposta de lei de meios para o corrente ano formulei algumas reservas sobre a política selectiva que o Governo se propunha adoptar relativamente à aplicação dos recursos das instituições de crédito, dizendo que o País tinha o direito de saber quais os sectores, os subsectores ou as modalidades empresariais que viriam a ficar numa posição de favor ou desfavor do Governo em consequência de uma política selectiva de crédito.
Por maioria de razão, tenho de formular este ano idênticas reservas, mais de natureza ainda mais ampla, dada a maior latitude do princípio adoptado de selectividade que passará a influir no estímulo de todo o processo de expansão da economia.
Outro aspecto importante também focado na alínea a) do artigo 3.° é o propósito manifestado pelo Governo, de conformidade com uma deliberação desta Assembleia, de intensificar a coordenação entre a satisfação das necessidades da defesa nacional e o esforço ide fomento económico, procurando inserir no circuito económico nacional, dentro do que for sendo possível, os gastos exigidos pela defesa dos nossos territórios.
A alínea a) do artigo 3.° refere ainda como propósito governamental «promover o melhor ajustamento da oferta à procura e orientar os factores da procura interna, de modo a, contrariar pressões inflacionistas», medidas estas que aplaudiria sem qualquer reserva se não se verificassem as circunstâncias que passo a referir.
É no artigo 21.° que se referem as actuações propostas pelo Governo relativas ao sector comercial, e nele se prevê, concretamente, a «aplicação de medidas tendentes a reforçar o combate ás altas de preços» e a «publicação de disposições legais tendentes a assegurar a defesa do consumidor», parecendo assim poder concluir-se que o Governo pretende atribuir a este sector a principal responsabilidade da subida, de preços que se tem feito sentir em Portugal nos últimos anos, semelhança do que vem acontecendo em muitos países e, até, nos de economia mais evoluída.
Mas será realmente o comércio o principal responsável por esta subida de preços?
Analisemos este problema por um breve momento, com serenidade, apontando alguns factos que se conhecem, para daí procurar tirar, com lógica, algumas conclusões.
Nos últimos tempos têm aumentado substancialmente os salários em quase todos os sectores da actividade privada, quer por rarefacção da mão-de-obra, quer por contratação colectiva, sem que se tenha verificado aumento proporcional de produtividade.
A par do aumento de salários verificou-se também um aumento, mais que proporcional, dos encargos sociais.
Também tem havido agravamento de preço da generalidade dos serviços, sendo bastante significativo o dos transportes.
Em muitos concelhos tem subido o preço da energia, noutros o da água, na generalidade deles o das rendas das casas e dos estabelecimentos.
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Tem-se ainda verificado agravamento, na origem, do preço de algumas matérias-primas e subsidiárias.
Nos encargos fiscais e parafiscais também se tem verificado agravamento de taxas e ampliação de matéria colectável.
Em consequência de todos estes aumentos e de muitos outros, que seria enfadonho enumerar, aumentou naturalmente o custo de muitos produtos do sector primário e secundário.
Por sua vez, o imposto de transacções ocasionou há anos um aumento de 7 por cento, pelo menos, no preço de grande número de mercadorias que se oferecem ao público e continuou este ano a exercer a sua acção inflacionária sobre preços, em virtude de importantes modificações introduzidas em matéria de incidência e taxas.
Atas que culpa cabe ao comércio desta situação?
Talvez caiba ao comércio a culpa de ter aumentado o preço do crédito, mais apenas pelo facto de os bancas serem geralmente agrupados no sector comercial.
Poderá haver lucros elevados em empresas que comercializam produtos em regime de monopólio ou oligopólio, mas a generalidade dos comerciantes, que se encontra espalhada por todo o País, raramente aufere lucros compensadores do seu trabalho diário e do capital que tem investido no negócio, o que é comprovado pela modéstia em que vive e pelo número de falências que se verificam constantemente.
Outro aspecto importante do problema; que convém esclarecer, relaciona-se com a palavra «especulação».
Muitas pessoas julgam que há especulação quando compram por preço mais caro determinado artigo, igual ou semelhante ao adquirido anteriormente, por preço mais considerado.
Mas há que ter em conta que o preço de custo pode ter aumentado, para o comerciante, durante o período barato.
A palavra «especulação» tem porém um significado legal e até constitui crime, segundo o Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957.
E há crime, presumivelmente, quando o comerciante excede as margens previstas pelo artigo 24.º daquele decreto-lei, relativamente à percentagem de encargos e de lucro relacionadas com a mercadoria em causa.
Porém, já em Março de 1969 tive oportunidade de demonstrar, nesta sala de sessões, estarem completamente desactualizadas aquelas margens, sendo mesmo incompatíveis com o exercício normal do comércio.
Posteriormente, segundo creio, a Administração instruiu as brigadas da Inspecção-Geral das Actividades Económicas para autuarem apenas os comerciantes que pratiquem no seu negócio, margens superiores ás previstas na legislação de 1957, desconhecendo-se, porém, quais os novos limites adaptados — o que parece constituir segredo de um número restrito de entidades.
As propostas de lei de meios para 1970 e para 1971 preconizavam, nos seus artigos 21.°, alínea c), e 21.°, alínea a), respectivamente, a «revisão de preços ,e margens de lucro na distribuição».
A Comissão de Economia desta Assembleia emitiu nos seus «pareceres» referentes ás duas propostas de Lei acima indicadas votos no sentido de que a concretização das principais políticas por que há-de prosseguir-se a orientação definida nas propostas, nomeadamente no que respeita aos circuitos de distribuição, seja antecedida de uma conveniente apreciação das suas linhas gerais pela Assembleia Nacional.
A mesma orientação foi preconizada pela Comissão de Finanças nos pareceres que emitiu para -as duas propostas de lei em causa. Porém, a proposta de lei de meios para 1972 não mantém o texto já referido e que constava das duas propostas de lei anteriores, o que não posso deixar de atribuir a qualquer lapso havido na elaboração respectiva, pois os comerciantes, volto a referir, não podem exercer o seu comércio dentro das margens previstas pela legislação de 1957 — o que foi tàcitamente reconhecido pela Administração —, mas continuam sujeitos a ser autuados, se ultrapassarem aquelas margens, o que lhes poderá ocasionar pesadas multas e penas de prisão.
Tenho, assim, de me insurgir novamente contra esta situação, que considero injusta e imprópria de um país civilizado e da época em que vivemos.
O Sr. Sá Carneiro: — Muito bem!
O Orador: — Pois é indispensável assegurar a todos os portugueses a defesa dos seus legítimos direitos e encontrar soluções adequadas para os problemas que enfrentamos e temos de resolver. E entre os comerciantes também há uma maioria de bons portugueses.
O Sr. Sá Carneiro: — Muito bem!
O Orador: — Encontrando-se o nosso país associado há vários anos à E. F. T. A. e, agora, candidato a um acordo com o Mercado Comum, deveria o Governo procurar elucidar-se sobre a forma como os países que integram estas duas associações resolveram o problema da marcação do preço pelos comerciantes, que não tem paralelo, pelo que conheço, com o que se legislou em Portugal.
O Governo cumpre o seu dever aplicando todas as medidas para reforçar o combate ás altas de preços e publicando todas as disposições legais tendentes a assegurar a defesa do consumidor — mas com uma reserva, e uma importante salvaguarda recomendada recentemente por um jornal diário desta capital: a reserva é que essa actuação possa ser considerada justa por todos os bons portugueses; e a salvaguarda é que os custos da operação necessária sejam repartidos com justiça.
A proposta de lei em discussão dedica também um artigo à indústria, tendo como objectivos básicos impulsionar o crescimento do respectivo produto, melhorar a composição do sector e acelerar o seu progresso técnico, reforçando a capacidade competitiva das indústrias e procurando a sua inserção equilibrada no processo de desenvolvimento da economia global.
Todos estes objectivos são louváveis, merecendo assim o meu inteiro apoio.
Teremos de admitir que se processará no futuro a eliminação total das barreiras aduaneiras e, muito embora desejando que isto aconteça o mais tarde possível, há que prever a eventualidade de não serem muitos os anos que nos afastam dessa realidade e da consequente tentativa de invasão total do mercado nacional pela poderosa indústria europeia, que hoje já está procurando infiltrar-se e conquistar assim, pouco a pouco, uma clientela dedicada.
Porém, diversas unidades da indústria nacional têm conseguido também vencer a concorrência internacional em países apenas consumidores dos produtos respectivos e até nas próprios países produtores.
Receio, porém, que a Administração, preocupada com os problemas que diàriamente se levantam e tem de resolver, não esteja suficientemente atenta a essa portentosa luta que esses industriais têm travado e a algumas vitórias significativas que têm obtido.
Usei intencionalmente uma linguagem militar porquanto, muito embora não se verifique normalmente o sa-
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orifício de vidas, há sempre uma estratégia que tem de ser concebida, uma frente que procura detectar ais fraquezas da concorrência e atacar com mercadorias de boa qualidade e de bom preço e uma rectaguarda que tem de estar permanentemente atenta à evolução da técnica e da preferência do cliente, que tem de ir renovando o seu equipamento, melhorando todas as suas estruturas, que tem de procurar as matérias-primas mais indicadas para poder produzir mercadorias vendáveis, que serão a sua única arma na frente de combate.
Matérias-primas e equipamento são, assim, pontos nevrálgicos do industrial exportador. Mas esse, industrial necessita de poder fazer a sua aquisição em condições idênticas às que possuem os industriais estrangeiros, portanto, com isenção de direitos de importação.
Se o Governo se propõe reforçar a capacidade competitiva das indústrias deverá conceder essa isenção para todas as matérias-primas que as empresas exportadoras necessitem e para os bens de equipamento que elas não possam adquirir em Portugal em boas condições de qualidade, preço e prazo de entrega. Mas essas isenções deverão ser concedidas com brevidade, pois cada dia que passa poderá significar uma enorme possibilidade para a indústria exportadora de se ir infiltrando em novos clientes, de conquistar novos mercados, e significa, certamente, uma vantagem que o Governo dá aos industriais estrangeiros, em prejuízo dos nacionais.
O Sr. Gosta Oliveira: — Muito bem!
O Orador: — Já no ano passado tive oportunidade de referir este assunto, e por isso revelei atrás o meu receio de que a Administração não esteja devidamente atenta ao esforço que a indústria exportadora tem desenvolvido com a finalidade de aumentar a sua projecção no mercado externo.
Boas ajudas poderiam dar para esse fim as delegações externas do Fundo de Fomento de Exportação. Essas delegações, instaladas nos principais centros comerciais do estrangeiro, deveriam estar apetrechadas de forma a poderem proporcionar, permanentemente, a cada exportador nacional informações actualizadas e completas sobre a clientela potencial dos produtos que a economia nacional deseja colocar no estrangeiro.
O Sr. Almeida e Sousa: — Muito bem!
O Orador: — De igual modo deveriam possibilitar, permanentemente, aos importadores estrangeiros informações pormenorizadas sobre os produtos nacionais que lhes interessam e sobre os respectivos produtores.
De pouco servirá rever a localização dessas delegações se não se lhes introduzir profunda reforma nos métodos de trabalho que vêm sendo usados e objectivos definidos, de real interesse, a atingir em determinado prazo.
Em resumo, deverá fazer-se todo o possível por convencer os senhores, destacados para trabalharem nas delegações externas do Fundo de Fomento de Exportação que fazer turismo no estrangeiro é, geralmente, bastante agradável, mas conseguir ajudar a desenvolver as exportações portuguesas é muito mais importante.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Dou também o meu aplauso à criação dc centros técnicos de cooperação industrial, com o objectivo de acelerar o progresso tecnológico e o incremento da produtividade.
Para além destes objectivos, previstos na alínea d) do artigo 20.°, estes centros poderiam talvez, também, procurar «incentivar, apoiar ou promover alterações estruturais de empresas e sectores», finalidade prevista na alínea c) do mesmo artigo, a fim de evitar dispersão de esforços e duplicação de iniciativas nos sectores para os quais forem sendo criados.
Desconheço se a Secretaria de Estado da Indústria previu para breve a criação de centros deste tipo para as indústrias têxteis, algodoeira e de lanifícios, que deveriam situar-se, respectivamente, no Norte e na Covilhã.
Nesta, última cidade estou seguro de poder afirmar que o Governo encontraria apoio decidido dos dirigentes industriais e municipais, que há muito se preocupam com os problemas que os centros se propõem tratar agora.
Quanto à alínea f) do mesmo artigo 20.°, que prevê «reajustamentos no regime de condicionamento nacional», julgo conveniente que o Governo aguarde que a Assembleia discuta a proposta de lei de fomento industrial para, então, proceder aos reajustamentos necessários.
Pensa ainda o Governo, como directrizes fundamentais da sua política económica e financeira para 1972:
Promover e apoiar um ritmo elevado de investimento em empreendimentos produtivos, e
Incentivar e apoiar as transformações estruturais da economia.
Também, sobre este assunto, já anteriormente tive oportunidade de referir alguns condicionalismos legais que me parecia estarem a entravar o alcance destas desejadas metas, sendo um deles relativo à secção B do Código do Imposto Complementar, que estabelece a tributação, a taxas progressivas, dos lucros que as empresas não distribuem pelos sócios e levam, portanto, a reservas.
Com efeito, tenho considerado essa tributação inconveniente: em primeiro lugar, por não incentivar a retenção dos lucros pelas sociedades e, portanto, a sua futura aplicação em empreendimentos produtivos; em segundo lugar, na medida em que as taxas são progressivas, por não incentivarem o aumento de dimensão das empresas, podendo até contribuir para o seu fraccionamento; finalmente, não havendo incentivo para a retenção de lucros, promove-se a sua distribuição pelos sócios, que poderão aplicá-los em consumo, aumentando as pressões inflacionistas que se querem combater.
Ainda em matéria de política fiscal, lamento que c Governo tenha abandonado este ano o propósito de promulgar o Código dos Impostos sobre o Rendimento e de fazer uma profunda revisão da legislação tributária promulgada na última década que, em virtude das constantes alterações introduzidas, se torna hoje muito difícil de conhecer e consultar, além de conter textos incorrectamente redigidos.
Finalmente, sobre «política de investimento», farei ainda um breve comentário ao artigo 14.° da proposta.
Um dos objectivos deste artigo é autorizar o Governo a conceder adequados incentivos a empreendimentos privados, quando as circunstâncias o justifiquem, considerando eu indispensável que essas circunstâncias sejam estipuladas em legislação adequada, de forma a poderem ser conhecidas por todos os interessados e a proporcionar iguais oportunidades a todos os portugueses.
Sobre este assunto já no ano passado tive ensejo de dizer o seguinte:
O que considero fundamental é que os incentivos — quer se destinem a desenvolvimento regional, quer a acelerar o investimento, quer a incentivar modificações estruturais dos sectores produtivos ou das expio-
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rações fundiárias, quer, ainda, a aumentar a produção e a reforçar a capacidade competitiva das empresas — sejam claramente definidos na lei e de concessão automática, quando se verifiquem as condições previstas.
A minha insistência sobre este assunto deriva do facto de pensar que a concessão de benefícios, apenas pela justificação de circunstâncias, é susceptível de motivar acusações de favoritismos ou arbitrariedades que, em pura lógica, poderão ser difíceis de contradizer, razão por que entendo deverá ser abandonado tal critério.
Sr. Presidente: Na descolorida exposição que acabo de fazer reafirmei, por mais de uma vez, pontos de vista justificar! s em debates 'anteriores e que não foram seguidos na proposta de lei de meros para 1972, nem refutados no relatório respectivo.
Também, como eu, na boa intenção de colaborar com o Governo na tarefa comum de defender o melhor possível o interesse público, outros Deputados têm apresentado sugestões muito válidas durante estes debates, que seria útil considerar para futuro.
Com este apontamento final e algumas reservas que atrás formulei, felicito o ilustre Ministro das Finanças pela proposta trazida ao seio desta Assembleia, a que dou a minha aprovação na generalidade, sem embargo de aperfeiçoamentos que poderão ser introduzidos durante o debate na especialidade, se a Assembleia assim o entender.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Alberto de Alarcão: — Sr. Presidente: Nos começos deste ano chegara-me carta de alguém que, sabendo ser senhora, quis recolher-se no anonimato de uma mediania envergonhada.
Não resisto à tentação de fazer dessa carta matéria para esta intervenção de agora.
Assim se expressava:
Apesar da minha idade, mantenho o interesse por tudo que diga respeito a nós, portugueses, e acho interessante conhecer as opiniões dos que nos representam e apreciar os seus critérios [. . .]
Sou viúva de um funcionário do Estado de certa, categoria, que, falecendo há perto de vinte e quatro anos, me deixou uma pensão de 1000$, que nessa altura era muito razoável, se bem que para, isso tivesse de entrar com uma certa quantia, mas que, passados tantos anos — e, não sei se infelizmente, Deus tem permitido que eu viva —, com a carestia da vida se tornou demasiado pequena. Não venho pedir exageros, mas que ao menos qualquer pequeno aumento viesse ajudar a despesa dos remédios que nos são necessários numa idade avançada, e não só por nós, mas para atenuarem certos sofrimentos que nos afligem [. . .] como aos que nos tratam [. . .]
Porque me dirigi a V. Ex.a não sei [. . .]
E termina por lembrar «as pensionistas do Estado, que nunca têm tido quem se lembre delas».
Dificilmente me poderei pronunciar até pela idade — de que tenha sido exactamente assim, mais ouso confiar em que o Governo da Nação esteja atento, dentro das suas possibilidades, aos problemas mais instantes desta hora e ‘das suas gentes.
Não me surpreende, pois, que se anuncie no relatório que antecede a proposta de lei de autorização de receitas o despesas para 1972 a publicação de um novo estatuto do Montepio dos Servidores do Estado, do que resultará uma ‘profunda remodelação das pensões de sobrevivência que estão a seu cargo.
Reconhecidamente, o alcance social das pensões de sobrevivência tem sido afectado pela actual estrutura do Montepio dos Servidores do Estado. O regime de inscrição facultativa e da possibilidade de opção por várias classes de pensões, associados à falta de espírito de previdência que se nota, sobretudo nas camadas mais novas do funcionalismo, têm determinado quer a exclusão de grande número de servidores dos esquemas de pensão de sobrevivência, quer a concentração da maioria dos sócias do Montepio nos escalões a que correspondem benefícios mais reduzidos.
Ora, o interesse social que ao Estado cumpre prosseguir dificilmente se realiza em tal situação, pelo que se impõe modificar o regime de atribuição de pensões de sobrevivência, de forma a obstar aos problemas morais e sociais resultantes das condições em que, por vezes, ficam as famílias dos funcionários, que, por morte destes, não encontram garantidos os meios necessários à manutenção de condições de vida que se desejaria poder assegurar-lhes.
Saudamos, pois, a proposta da lei de meias ao formular em seu capítulo «Providências sobre o funcionalismo»:
Art. 23.º — 1. Entrarão em vigor, no ano de 1972, o novo estatuto da aposentação dos funcionários e o regime de pensões de sobrevivência.
Não haverá, assim, razões para confiar?
O Sr. Alberto de Meireles: — V. Ex.a autoriza-me que o interrompa?
O Orador: — Com todo e gosto.
O Sr. Alberto de Meireles: — Vejo que V. Ex.a pôs com oportunidade e humanidade o dedo numa chaga. Não é uma figura literária apenas, é uma realidade confrangedora, essa das viúvas, de altos funcionários por vezes, que vivem precariamente, que decaíram de posição, que são às vezes farrapos sociais.
Mas eu permitia-me lembrar a V. Ex.a outro aspecto necessário, instante de alteração da lei: o que se refere às pensões de sangue. Li há dias nos jornais uma exposição, bem feita, comedida, mas cheia de interesse, de viúvas que recebem pensão de sangue, ou que deveriam recebê-la, a quem foi atribuída pensão de sangue, mais correctamente. Mas elas não podem receber a pensão de sangue desde que desempenhem qualquer actividade, mesmo modesta.
Ora, parece-me (senão repare V. Ex.a na deformação de quem se dedicou tantos íamos aos problemas dos acidentes de trabalho) que a pensão de sangue dada a viúvas deverá estar, pelo menos, ma mesma situação da pensão dada às viúvas de sinistrados de trabalho.
E, portanto, parece-me que é de inteira justiça que as pensões de sangue atribuídas a viúvas sejam mantidas, seja qual for a sua posição económica. Admito, no entanto, a mesma reserva que faz a lei de acidentes de trabalho para, a hipótese de contraírem novas núpcias ou venham a ter, porventura, porte escandaloso. Afora isso, considero, eu não digo iníquo, mas, pelo menos, aberrante, que as pensões de sangue sejam suspensas se a viúva, no mais elementar desejo até de se ocupar, trabalhar em alguma profissão ou mantiver a profissão que tinha, (repare V. Ex.a nesse aspecto) enquanto casada, listo corrobora aquela que V. Ex.a apontou tão beira, nesta comovedora carta de uma viúva, em decadência.
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O Orador: — Agradeço ao Sr. Deputado Alberto de Meireles este acrescentamento de outros casos humanos que também urge, na realidade, considerar.
E não resisto à tentação de aditar, Sr. Presidente, um pequeno excerto de outra que do Ribatejo me chegou e que solicita:
Nós, os guarda-rios do Ribatejo e de todo o Alentejo, como nos sentimos tão sozinhos e até mesmo completamente desprezados, vimos [. . .] junto de V. Ex.a, Sr. Deputado, com o fim de lhe pedir que nos ajude a sair desta má situação [. . .]
Rogo a V. Ex.a que tenha a bondade de apreciar esta grande necessidade: os guarda-rios de 2.ª classe têm vencimento diário de 36$, e os guarda-rios de 1.ª classe, de 40$. Como V. Ex.a vê, isto ganha um rapaz com 13 anos acabado de sair da escola, não é salário para um chefe de família, presentemente. É até de lamentar que todos os funcionários e assalariados do Estado tenham melhorado a sua situação, e que dos infelizes dos guarda-rios se não tenha alguém lembrado deles, pois que os mesmos também são filhos de Deus e também são portugueses.
Já colegas nossos deste mesmo assunto têm cuidado, de que quero lembrar os nomes, nesta legislatura, de Malato Beliz (Diário das Sessões, n.º 43, de 25 de Abril de 1971, p. 889), Leal de Oliveira (Diário das Sessões, n.º 67, de 16 de Janeiro de 1971, p. 1363), Coelho Jordão (Diário das Sessões, n.º 98, de 29 de Abril de 1971, pp. 1948 e 1949) e Domingos Correia (Diário das Sessões, n.º 47, de 1 de Maio de 1970, pp. 977 e 978).
Sem desejar contribuir gravosamente para a aceleração da «galopada incessante dos preços e dos salários», de que «ao fim e ao cabo ninguém lucra», no dizer do Dr. Almeida Cotta não há muitos dias nesta Casa, ousarei reconhecer, no entanto, que certas situações salariais ou de remuneração de funcionalismo público estão nitidamente aquém do que exigem os mínimos de vida humana (e não apenas existencial) e a justiça entre todos, a justiça social.
Se a função se justifica e a profissão se impõe, haverá de reconhecer-se que os guarda-rios são igualmente filhos de Deus e também são portugueses — e dos mais dignos —,e que não nos assiste o direito de permanecermos indiferentes a justas pretensões sociais, ainda que com alguns sacrifícios orçamentais.
As nações melhor se engrandecem e realizam com o esforço honesto e o bem-estar de todos e cada um dos seus filhos, mais do que com o contributo que eventualmente possam aportar as remessas dos emigrantes obrigados a expatriarem-se.
Solicitando, Sr. Presidente, a digna consideração dos serviços respectivos, vai o voto de que a Pátria se não volva de mãe em madrasta a respeito dos guarda-rios e seja prestada aquela justiça relativa que sempre merece quem se esforça por bem cumprir.
Fico uma vez mais aguardando confiadamente a resolução.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Peço a atenção de VV. Ex.as para o facto de o parecer das Comissões de Finanças e de Economia já ter sido distribuído nas carteiras de VV. Ex.as, sob a forma de fotocópias da sua minuta, a qual amanhã será publicada no Diário das Sessões.
Amanhã será a sessão igualmente desdobrada, sendo a primeira parte ás 10 horas e 45 minutos, tendo como ordem do dia a conclusão da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1972.
Da parte da tarde, à hora regimental, haverá também sessão, sendo a primeira parte da ordem do’ dia desta sessão destinada eleição da comissão eventual para estudo de alterações ao Regimento e a segunda parte dedicada à discussão e votação na especialidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Delfim Linhares de Andrade.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João Manuel Alves.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Armando Valfredo Pires.
D. Custódia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
João António Teixeira Canedo.
João Lopes da Cruz.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
Rafael Valadão dos Santos.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
O Redactor — José Pinto.
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Proposta de aditamento à proposta de lei de meios para 1972:
Nos termos regimentais, propomos a introdução de um novo artigo, a que corresponderia o n.º 6-A, do seguinte teor:
As dotações globais do Orçamento Geral do Estado para execução do III Plano de Fomento não poderão ser aplicadas, no ano de 1972, sem o seu desenvolvimento e justificação em planos de trabalho devidamente aprovados e visados.
Assembleia Nacional, 14 de Dezembro de 1971. — Os Deputados: José Gabriel Mendonça Correia da Cunha — Miguel Pádua. Rodrigues Bastos.
Parecer das Comissões de Finanças e de Economia sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972
1. Tal como vem sucedendo há algumas gerências, a proposta de lei de autorização dais receitas e despesas para 1972 não se confina exclusivamente a enunciar os preceitos relativos à autorização geral para a cobrança das receitas do Estado e demais recursos necessários à administração financeira, bem como ao pagamento das despesas públicas no próximo exercício, nem à correspondente definição dos princípios a observar na elaboração do respectivo orçamento das despesas. Em vez disso, a proposta reafirma o carácter programático que informou os anteriores documentos; e nessa orientação pretende situar a gestão a curto prazo no quadro geral da política económica e financeira, atendendo aos condicionalismos conjunturais observados e previsíveis, esforçando-se por reflectir nos objectivos e programas as linhas orientadoras da nossa política de desenvolvimento.
As Comissões de Finanças e de Economia não vêem motivo para retirar a esta orientação o apoio que lhe deram nos anos anteriores.
2. Assumindo uma tal natureza e âmbito, a proposta tinha, simultâneamente, de encarar uma situação conjuntural que lhe determinaria o procedimento a curto prazo e de proceder à sua compatibilização com a política económica adoptada a médio e longo prazos. Os parâmetros fundamentais da proposta impunham-se, assim, que fossem o esforço para a estabilização dos preços e as necessidades de desenvolvimento económico e social no plano geral das responsabilidades por que se definem e exprimem os grandes valores e objectivos nacionais.
Por isso se pode situar a proposta em análise num quadro definido: financeiramente, pela intransigente defesa do princípio do equilíbrio em termos de política económica geral; por um sentido de expansão selectiva da economia e melhoria dos seus termos gerais de funcionamento, apoiados, aquela e estes, numa iniciativa privada, que cumpre estimular por todas as formas, no quadro de responsabilidades que ao Estado incumbe nesta matéria; e, conjunturalmente, por um esforço estabilizador que procure compatibilizar a luta anti-inflacionista com as exigências de desenvolvimento.
3. Pelo que respeita à defesa do princípio do equilíbrio e independentemente da consagração que recebe fora de uma lei de autorização, não oferece dúvidas que ele constitui hoje, no condicionalismo da nossa vida económica e financeira, uma premissa de extraordinário relevo para a prossecução das políticas estabilizadoras e de desenvolvimento a prosseguir. Dando-lhe o aplauso que merece, as comissões não deixam de aproveitar a oportunidade para sublinhar que o princípio do equilíbrio não exige apenas um sentido de igualdade entre as receitas ordinárias e as despesas ordinárias, cuja imperatividade se justificasse pelos efeitos financeiros e económicos destravados pela eventual cobertura de despesas ordinárias por receitais extraordinárias; o princípio insere-se no quadro vasto das influências exercidas pela presença do Estado na economia, quadro em que sobressai, como primeira exigência, a correcção económica das despesas do Estado, a sua austeridade, uma austeridade medida em termos de eficiência económica, onde todo o supérfluo é duplamente nocivo, pois se encadeia num processo de uma utilização de recursos que não pode deixar de ser fortemente cumulativa.
4. Em termos de política económica geral, a proposta guia-se por um sentido de expansão selectiva da economia e melhoria dos seus termos de funcionamento. As comissões entendem que deve ser dado apoio a esta autorização, que é, aliás, a coerente com os programas de desenvolvimento económico em que o País está empenhado.
Não deve esquecer-se, no entanto, que tal orientação começa por significar a adopção de critérios por que se seleccione o esforço de progresso económico, mas critérios válidos para o todo da economia, pelos quais se venham a aferir, por isso, a validade, coerência, e oportunidade das políticas sectoriais. Nesses termos, a definição de uma estratégia de desenvolvimento torna-se o pano de fundo de toda a acção político-económica, incluindo na acepção lata do termo os vários aspectos da actuação financeira que com ela contendem ou a condicionam.
Tem a Comissão de Economia insistido na necessidade de aproximar cada vez mais as actuações previstas nas leis de meios dos programas por que se executam os planos de fomento. Não podem, por isso, as comissões deixar de se regozijar com a orientação expressa raia formulação de políticas selectivas de expansão económica. Mas chamam novamente a atenção para a necessidade de, ao fixarem-se os critérios de selecção, se encarar globalmente a economia, bem como para a adequação indispensável entre as políticas daí decorrentes e os programas de execução dos planos de fomento. E exprimem uma vez mais o voto de que se tornem progressivamente mais conjugados os processos de formulação e controle das actuações envolvidas por aquelas políticas e programas.
Idêntica selectividade se pede aos programas de investimentos não imediatamente reprodutivos, nomeadamente em infra-estruturas. Pois, para além das razões que militam em favor dessa selectividade em todo e qualquer programa de investimentos, nos daquele tipo há ainda a considerar o grau em que podem influenciar a pressão geral sobre os preços, o que obriga a tentar tornar máximo o efeito útil de um verificado ou eventual custo em alta de preços, a suportarem obediência a necessários programas de desenvolvimento.
As comissões entendem dever dar o seu acordo a esta orientação, bem como à consideração da complementaridade dos investimentos, quer dos realizados em infra-estruturas e colocações reprodutíveis, quer entre os programados e realizados dentro de cada um desses grupos.
Entendem, também, que o condicionalismo conjuntural que tem de ser considerado nesta matéria deve chamar a atenção dos responsáveis para a necessidade de considerarem, simultâneamente com as pressões decorrentes da política de expansão, as originadas pelas novas condições da procura.
6. Aproveita de grande parte destas razões e de outras que lhe são próprias apolítica proposta de melhoria dos termos de funcionamento da economia. Na sequência das orientações apontadas na proposta anterior e, por vezes
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em continuação da execução dos seus programas, propõe-se o Governo piras seguir na correcção das insuficiências estruturais da economia e da própria Administração, melhorando os condicionalismos postos à criação, circulação e utilização da riqueza, impulsionando e orientando forças de que dependa cada um desses movimentos decisivos do progresso e do bem-estar, desencorajando práticas que lhes amorteçam a desejada intensidade e orientação, bem como aligeirando as práticas administrativas relacionadas com a actividade privada no domínio agrícola, industrial, comercial, fiscal e financeiro.
Neste vasto campo de actuação, pelo significado de que se revestem para a desejada melhor adaptação da oferta à procura, para a estabilidade da situação do comércio externo e para a luta anti-inflacionista, em que todos temos de andar empenhados, as comissões entendem que, paralelamente com as políticas de promoção de uma maior produtividade nos domínios agrícola e industrial, se deverá prestar a maior atenção ás políticas de distribuição no mercado interno e de promoção e venda no mercado externo.
7. O melhor ordenamento do território e as políticas de desenvolvimento regional que lhe estão na base devem merecer também a maior atenção, inserindo-se no quadro da política económica gerai de desenvolvimento e da estratégia que a anime. As comissões estimam que a inserção daquelas políticas no campo de actuação da política de investimentos exprime aquela compatibilização necessária e formulam o voto de que, com isso, se reforce a actuação que a política de desenvolvimento regional merece.
8. Entendem as comissões que se justifica a manutenção dos largos traços da política fiscal e monetária enunciada na proposta anterior. Tanto mais que eles permitem a utilização dos meios selectivos requeridos pela prossecução dos objectivos fundamentais a que as comissões continuam a dar o seu acordo, com relevância especial para o revigoramento do mercado e das instituições financeiras, melhoria nos termos relativos da liquidez do sistema, mais adequada utilização das poupanças internas e dos fundos externos, bem como o reforço do arsenal utilizável na luta para a compressão do ritmo de variação dos preços.
9. Por tudo isto, entendem as comissões que a proposta deve ser aprovada na generalidade, aprovação que, traduzindo-se na concessão das autorizações pedidas, continuará a traduzir fundamentalmente o acordo da Câmara aos princípios orientadores da política em que se enquadram as medidas enunciadas a propósito da gestão seguida na autorização governamental.
Considerando, no entanto, que a aprovação recomendada não contraria que se confine na acentuação da necessidade e urgência de certas actuações, as Comissões de. Economia e Finanças propõem que se emitam os seguintes votos:
a) Que se intensifique o esforço de articulação da gestão económica e financeira com a formulação e programação da política económica global, à escala nacional;
b) Que se continue a procurar alargar o estudo e avaliação das receitas e despesas de todo o sector público, de modo a incluir, para além das do Orçamento Geral do Estado, as dos fundos e serviços autónomos, das autarquias locais e da Previdência, em todas as parcelas do território nacional;
c) Que, em obediência aos superiores imperativos da unidade nacional, se dê prioridade à articulação das economias das várias parcelas do mundo português, sem prejuízo dos condicionalismos peculiares de cada uma;
d) Que, a fim de se possibilitar a sua conveniente apreciação pela Assembleia Nacional, os programas de execução anual do plano de fomento acompanhem as propostas de autorização de receitas e despesas para o ano respectivo; com as contas públicas devem ser apresentados os relatórios de execução daqueles programas;
e) Que se tomem urgentemente as medidas requeridas para que o instrumental estatístico seja o necessário à formulação e execução políticas do fomento;
f) Que se dê o maior relevo possível à intervenção dos objectivos sociais que orientam a política definida no III Plano de Fomento, nomeadamente os relativos ao problema da distribuição dos rendimentos e da riqueza;
g) Que a concretização das principais políticas por que há-de prosseguir-se a orientação definida na proposta, nomeadamente no que respeita à reestruturação dos sectores fundamentais, como as de orientação agrícola, dos circuitos de distribuição e do planeamento regional, seja antecedida de uma conveniente apreciação das suas linhas gerais pela Assembleia Nacional.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês — Luís Maria Teixeira Pinto — Manuel Artur Cotta Agostinho Dias — José Gabriel Mendonça Correia da Cunha — António Lopes Quadrado — Deodato Chaves de Magalhães Sousa — João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco — Joaquim José Nunes de Oliveira — Miguel Pádua Rodrigues Bastos — Rui Pontífice de Sousa — Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva — António da Fonseca Leal de Oliveira — António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda — Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça — Carlos Eugénio Magro Ivo — Fernando do Nascimento Malafaia Novais — Francisco António da Silva — Francisco Esteves Gaspar de Carvalho — Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa — Gabriel da Costa Gonçalves — Gustavo Neto Miranda — João José Ferreira Forte — José de Mira Nunes Mexia — Manuel Elias Trigo Pereira — João Ruiz de Almeida Garrett, relator.
Imprensa Nacional
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