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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 150ANO DE 1972 19 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 150 EM 18 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.Secretários: Ex.mos Srs.

Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às

16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conto do expediente.

O Sr. Presidente informou estar na Mesa, acompanhada do

parecer da, Câmara Corporativa, uma proposta, de lei de defesa,da concorrências, a qual ia ser publicada, no Diário das Sessões

e baixava para estudo à Comissão de Economia.Informou também estarem na Meia, para efeitos do disposto

no § 3.º do artigo 109." da Constituição, os Decretos-Leisn.ºs 20/72, 21/72, 22/72 e 23/72.

Dou ainda conta de estafem na Mesa elementos fornecidos

pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimentoapresentado pela Sr. Deputado Mota Amaral na sessão dede Desembro último.

O Sr. Presidente referiu-se também à visita que lhe fizerao Sr. Contra-Almirante Sarmento Rodrigues, presidente daComissão Nacional das Comemorações do Cinquentenário da PrimeiraViagem. Aérea Lisboa-Río de Janeiro, teceu a propósitoalgumas considerações e disse que reputaria apropriadas as intervençõesque na altura própria os Srs. Deputados entendessem

produzir.O Sr. Deputado Cancella de Abreu focou a projecção e prestigio

alcançados em vida pelo Prof. Egas Monis no âmbitonacional e no campo da ciência, internacional, lamentando o encerramentoda sua Casa-Museu, que espera soja provisório.

O Sr. Deputado Correia das Neves referiu o interesse manifestado

pelo Governo Espanhol relativamente as ligações rodoviárias

rodoviárias Befa-Sevilha.O Sr. Deputado Alberto de Meireles interrogou a Mesa sobre

se, tendo sido o Sr. Deputado Pinto Machado convocado paraprestar serviço militar, Haviam sido tomadas providencias paraque a sua presença fosse assegurada para efeito" do exercício

e cumprimento do respectivo mandato.O Sr. Presidente deu conta das diligências feitas pela Mesa

junto do Sr. Ministro do Exército, diligencias estas oportunamente

atendidas.

Sobre o assunto fizeram considerações, além do Sr. DeputadoAlberto de Meireles, os Srs. Deputados Júlio Evangelista, PintoMachado e Ricardo Horta.

Ordem do dia. - Continuou a apreciação do Decreto-Lein.º 620/71, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Sá Carneiro,

Miller Guerra, Mota Amaral, Castelino e Alvim e MouraRamos.

Depois de convocar a Comissão de Economia para iniciar oestudo dia proposta de lei de defesa da concorrência, o Sr.Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 25 minutos.

Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes

Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.

Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.

Álvaro Filipe Barreto de Lara.

Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

Amílcar Pereira de Magalhães.

António Bebiano Correia Henriques Carreira.

António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães

Montenegro.

António da Fonseca Leal de Oliveira.

António Lopes Quadrado.

António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.

Armando Júlio de Roboredo e Silva.

Armando Valfredo Pires.

Silva Pereira. Amílcar da Costa Pereira Mesquita.23/72.dIp opós toentende semâmbitr visó io.at idobre o assunto fizeram considerações, além do Sr. Deputado Alberto de Meireles, os Srs. Deputados Júlio Evangelista, Pinto Machado e Ricardo Horta. Ordem do dia. - Continuou a apreciação do Decreto-Lei n.º 620/71, tendo usado da palavra os Srs.mandato. O Sr. P sidente deu conta das iligências f it s pela M sa junto do Sr. Minis ro do Exérci o, diligenci s stas oportunamente tendida .M lhã3024DIÁRIO DAS SE SÕ S N.º 150 Artur Aug sto de

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Artur Augusto de Oliveira Pimentel.

Augusto Domingues Correia.

Augusto Salazar Leite.

Bento Benoliel Levy.

Carlos Monteiro do Amaral Netto.

D. Custódia Lopes.

Delfim Linhares de Andrade.

Deodato Chaves de Magalhães Sousa.

Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.

Eleutério Gomes de Aguiar.

Fernando Augusto Santos e Castro.

Fernando David Laima.

Fernando Dias de Carvalho Conceição.

Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.

Filipe José Freire Themudo Barata.

Francisco Correia das Neves.

Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.

Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.

Francisco José Pereira Finto Balsemão.

Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.

Francisco Manuel de Meneses Falcão.

Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.

Gabriel da Costa Gonçalves.

Gustavo Neto Miranda.

Henrique dos Santos Tenreiro.

Henrique Veiga de Macedo.

Humberto Cardoso de Carvalho.

João António Teixeira Canedo.

João Bosco Soares Mota Amaral.

João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Gui-

marães.

João Duarte de Oliveira.

João José Ferreira Forte.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.

Joaquim Germano Finto Machado Correia da Silva.

Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.

Joaquim de Pinho Brandão.

José Coelho de Almeida Cotta.

José Coelho Jordão.

José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.

José Maria de Castro Salazar.

José dos Santos Bessa.

José Vicente Cordeiro Malato Beliz.

Júlio Alberto da Costa Evangelista.

Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.

Luís António de Oliveira Ramos.

Manuel Elias Trigo Pereira.

Manuel de Jesus Silva Mendes.

Manuel Joaquim Montanha Pinto.

Manuel José Archer Homem de Mello.

Manuel Martins da Cruz.

Manuel Monteiro Ribeiro Veloso

Manuel Valente Sanches.

D. Maria Raquel Ribeiro.

Olímpio da Conceição Pereira.

Pedro Baessa.

Rafael Ávila de Azevedo.

Raul da Silva e Cunha Araújo.

Rui de Moura Ramos.

D. Sinclética Soares dos Santos Torres.

Teodoro de Sousa Pedro.

Teófilo Lopes Frazão.

Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Depu-.

-tados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários, apoiando a não ratificação do Decreto-Lei

n.º 520/71.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviada pela

Presidência do Conselho, uma proposta de lei de defesa da

concorrência, acompanhada do parecer da Câmara

Corporativa. Vai ser publicada no Diário das Sessões e baixa

imediatamente a Comissão de Economia, para que sobre

ela se pronuncie.

Se já estivesse regulada no nosso Regimento a tramitação

especial a que se refere a alínea d) do artigo 101.º

da Constituição, eu pediria a VV. Ex.ªs para marcarem

prazo de urgência para apreciação na Comissão desta

proposta de lei. Como não sucede, limito-me a pedir ao

seu Ex.mo Presidente e aos seus vogais que diligenciem

concluir, com toda a brevidade possível, a sua apreciação,

para que dentro de pouco tempo a proposta possa

ser trazida ao plenário da Assembleia com o estudo da

Comissão de Economia.

Estão também na Mesa, enviados pela Presidência do

Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do

artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 12, 18 e 14 do Diário

do Governo, respectivamente de 15, 17 e 18 do

corrente mês de Janeiro, que inserem os seguintes decretos-

-leis:

N.º 20/72, que cria o quadro único de escriturários-dactilógrafos

do Ministério do Ultramar;

N.º 21/72, que cria os quadros únicos de telefonistas,

de contínuos e porteiros e de serventes e paquetes

do citado Ministério;

N.º 22/72, que fixa os critérios para a avaliação das

redes eléctricos e outros bens a transferir das

concessionárias de pequena distribuição de energia

eléctrica para as entidades concedentes no termo

da concessão, ou por força de resgate ou rescisão;

N.º 28/72, que determina que sejam aditados e abatidos

vários lugares aos quadros do pessoal aprovados

aprovados por lei da Secretaria de Estado da Informação

e Turismo e do Gabinete do Secretário de Estado

da Informação e Turismo.

Para satisfação do requerimento apresentado pelo

Sr. Deputado Mota Amaral na sessão de 15 de Dezembro

último, estuo na Mesa, enviados pela Presidência do

do Conselho, os elementos fornecidos pelo Ministério dosComunicações.

Desejo informar VV. Ex.ªs de que me visitou há pouco

o Sr. Contra-Almirante Sarmento Rodrigues, Presidente

da Comissão Nacional das Comemorações do Cinquentenário

da Primeira Viagem Aérea Lisboa-Rio de Janeiro.

O Sr. Almirante, aliás antigo membro desta Casa, lembrou-me

as datas mais salientes. Com efeito, a 30 de Março

perfazer-se-ão cinquenta anos sobre a partida dos heróicos

aviadores de Lisboa. A 18 de Abril perfazer-se-ão

igualmente cinquenta anos sobre a chegada do avião Lusitânia

ao penedo de- S. Pedro. A 17 de Junho do corrente ano

completar-se-á o cinquentenário da chegada ao Rio de

Janeiro do avião Santa Cruz. As duas primeiras efemérides

ocorrem durante o funcionamento da Assembleia. Se

algum Sr. Deputado as quiser comemorar conforme merecem,

permito-me exprimir a opinião que o fará muito

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19 DE JANEIRO DE 1972

apropriadamente, pois as pessoas de hoje dificilmente podem

conceber o que significou de coragem, de reflectida

Audácia e de capacidade científica a viagem iniciada em

1922, que representou a primeira travessia aérea do

Atlântico Sul com escassíssimos meios materiais quanto ao

próprio instrumento de viagem, ou seja o avião, embora

com solida preparação dos seus navegadores. Estamos hoje

em dia habituados a ver vencer pela via dos ares as maiores

distâncias nos mais curtos tempos. Felizmente para

os homens da actual geração, não lhes é possível, em verdade,

figurarem-se facilmente, com prontidão, com presença

presença imediata ao espírito, quanto essa viagem teve de

extraordinário e como ela comoveu, apaixonou e entusiasmou

os portugueses desses tempos. Se houver quem queira

recordá-lo à Assembleia, nas datas efemérides dos principais

passos aã viagem, certamente a Assembleia terá gosto

em ouvir, e ninguém duvidará de que a iniciativa seja

apropriada.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cancella de Abreu.

O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

- Foi António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz,

ou apenas Egas Moniz, uma individualidade de grande

projecção e prestígio, não apenas no âmbito nacional,

mas muito principalmente no amplo campo da ciência

internacional. Basta recordar que conseguiu com os seus

trabalhos médicos ser galardoado com o primeiro e único

Prémio Nobel que até agora foi atribuído a um português.

A sua extraordinária personalidade teve múltiplas e

distintas facetas.

Do ponto de vista científico, ninguém lhe pode negar

um valor ímpar. Professor eminente, neurologista famoso,

investigador dotado de uma imaginação criadora fora de

série, os trabalhos de Egas Moniz sobre arteriografia

cerebral -para não folar agora DOS da leucotomia

pré-frontal, motivo da concessão do tão desejado Prémio

Nobel- abriram para o Mundo o imenso e importantíssimo

campo da angiografia, investigações que na matéria

matéria e com tonto êxito foram prosseguidas no sector

renal por Reinaldo dos Santos, nas doenças pulmonares

por Lopo de Carvalho, com a sua angiopneumografia, e

em estudos que devotadamente se continuaram em vários

ramos da patologia, entre outros, por Almeida Lima, Cid

dos Santos e Aires de Sousa, constituindo este conjunto

de valiosíssimos trabalhos o que internacionalmente se

conhece sob o nome de Escola de Angiografia Portuguesa,

de que tanto e tão justamente nos orgulhamos.

O Sr. Roboredo e Silva: - Muito bem!

O Orador: - Se do ponto de visto político, como membro

de um partido. Deputado ou Ministro, nem todas

ideias que Egas Moniz defendeu se enquadram nas minhas,

isso não me impede, de modo algum, de prestar

homenagem ao seu indesmentível portuguesismo. Sempre

e em todas as circunstâncias as suas atitudes políticas

foram orientadas com a finalidade de conseguir prestigiar

o nome e a posição internacionais do nosso país.

O Sr. Roboredo e Silva: - Muito bem!

O Orador: - Mas, além de respeitado mestre na medicina,

de cientista e de investigador de mérito incontestáveis

incontestáveis honro-me de ter sido um dos seus alunos, que

não poderá jamais esquecer as suas maravilhosos aulas,

debordantes de interesse -, foi Egas Moniz uma personagem

cujos conhecimentos ultrapassaram de muito os

limites já bem largos da própria medicina. E de todos

conhecida o sua erudição no campo literário, de que

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resultou a magnífica obra sobre Júlio Dinis, e ainda- no

sector das artes os seus trabalhos sobre a figura do

grande pintor José Malhoa e acerca do escultor

Maurício de Almeida.

Igualmente em outros sectores, o espírito, o intelecto

e a vasta cultura de Egas Moniz se espraiaram largamente.

Nas suas cosas, que bem conheci, a par de uma

magnífico biblioteca, alinhavam-se quadros e gravuras de

pintores e gravadores célebres, móveis assinados, louças

preciosas, especialmente dos melhores períodos do império

chinês, vidros raros e tantas e tantas outras riquezas

do campo cultural e artístico.

Egas Moniz faleceu em Dezembro de 1955, há pouco

mais de dezasseis anos. No seu testamento determinou

que todas as preciosidades que possuía se não dispersassem.

Antes, que se reunísseis num museu, a instalar

em Avança, a terra onde nascera, na sua Casa do Marinheiro,

que legou para esse fim. Nessa conformidade,

depois do falecimento da sua viúva, criou-se a Fundação

Egas Moniz, com estatutos aprovados por despacho

ministerial de 15 de Março de 1966, publicados no Diário

do Governo, de 28 do mesmo mês e ano. "Esta Fundação",

como diz no seu artigo 2.º, "tem por fim principal a

organização, manutenção e conservação da Casa-Museu Egas

Moniz, destinada a reunir os objectos e documentos relativos

ao falecido Prof. António Caetano de Abreu Freire

Egas Moniz, à sua vida, à sua obra e à sua projecção

nacional e internacional, e, se os seus recursos o

permitirem, promover cos imóveis que lhe estão afectos o

seu aproveitamento para fins de cultura literária,

artística e científica e ainda o aperfeiçoamento profissional no

âmbito dos programas oficiais." E o artigo 3.º esclarece

que "para realização dos seus fins deverá o referido Museu

compreender uma parte artística, outra científica

ligada aos trabalhos do Prof. Egas Moniz e outra mais

intima dedicada a recordações de família e pessoais, e,

quando possível, deverá o mesmo possuir salas de leitura

e de aula, em anexos apropriados para escolas diurnas

diurnas e nocturnas, de acordo com os objectivos pretendidos.

Dentro dos mesmos propósitos, terá a sua conveniente

biblioteca e organizará exposições, conferências e cursos,

de harmonia com os regulamentos e planos que vierem

a estabelecer-se". Quer dizer, Egas Moniz não pensou

apenas em criar um museu, na acepção vulgar da palavra,

mas desejou dar-lhe, como vemos, uma autêntica

vida intrínseca, para que essa casa pudesse ser utilizada

na difusão da cultura literária, artística e científica.

O Museu foi carinhosamente montado e procedeu-se à

sua inauguração. Tive oportunidade, em diversas ocasiões,

de rever os admiráveis peças que nele se apresentam, a

última vez com a honrosa missão de acompanhar S. Ex.ª

o Presidente da República, na visita que o Sr. Almirante

Américo Tomás ali realizou há algum tempo.

Desde o início, foi guarda do Museu o Joaquim Rosado,

devotado mordomo e dedicadíssimo e amigo servidor de

Egas Moniz durante vários dezenas de anos. Ninguém

melhor do que ele nos guiava na visita. Conhecia as peças

quase uma por uma, a sua história e de como haviam chegado

à posse aos seus patrões. Pode dizer-se que era

contemporâneo da entrada na casa da imensa maioria daquelas

preciosidades.

Mas Joaquim Rosado faleceu há poucos meses. Desde

então o Museu fechou as suas portas, por a comissão

dirigente da Fundação não ter meios para poder pagar a

quem tomasse devidamente conta de todo aquele valioso

recheio.

Com o encerramento, esperamos que provisório, do

antiga Casa do Marinheiro, o património artístico, cultural

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e histórico português, já de si tão escasso, ficou mais pobre.

Estão lamentavelmente aferrolhados, longe da nossa

vista, além de peças de alta valia, todos os importantes

documentos referentes ao único Prémio Nobel de que

Portugal se pode vangloriar.

Sr. Miller Guerra: V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

Sr. Miller Guerra: - Na qualidade de discípulo,

amigo e admirador de Egas Moniz, não posso deixar de

apoiar as palavras do Sr. Deputado Lopo Cancella de

Abreu.

A ciência portuguesa, a Nação, o mundo, devem a

Egas Moniz serviços inestimáveis, e não é de mais que

o Estado tome à sua conta a manutenção do Museu

que conserva e perpetua a memória do grande cientista,

do granule português e homem público.

O Orador: - Muito agradeço ao ar. Deputado Miller

Guerra a valiosa achega que quis tnazar às minhas

considerações.

O último antigo dos estatutos da Fundação Egas Moniz,

o 20.º, admitia que, em caso do força maior,

mas mantendo sempre as disposições testamemtarias, o

seu património revertesse para o Estado. Julgo que foram

já feitas diligências nesse sentido junto do Ministério

da Educação Nacional. E eu, desta tribuna, como Deputado

por Aveiro, como amigo e discípulo, que fui, de

Egas Moniz e, acima de todo, como português, desejava

solicitar a sempre benevolente e interessada deferência

do Ministro Veiga Simão paira que, o mais rapidamente

possível, o Museu de Egas Moniz reabra as suas portas.

Assim o exige o nome de um sábio que tanto honrou

Portugal e assim o impõe a premente necessidade de

aumentar, cada vez mais, a cultura artística da nossagente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Correia das Neves: - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Na minha intervenção de 10 de Dezembro último,

com vista a chamar a esclarecida atenção do Governo

paira alguns problemas e interesses do Baixo Alentejo,

tive oportunidade de salientar a particular importância

que revestem, sobremaneira, na conjuntura turística

actual, es ligações por esteada entre Beja e Sevilha, dando

conta, ao mesmo tempo, das más características de viação

da esteada da fronteira luso-espanhola de Ficalho à

dita e famosa cidade de Serrilha.

Por amável cuidado do Sr. Embaixador de Espanha,

o assunto foi levado a consideração de S. Ex.ª o Ministro

das Obras Públicos do país vizinho, D. Fernandez de La

Mora, que Be dignou prestar a melhor atenção ao problema

e fazer seguir pronta informação até junto do seu

ilustre colega português, Engenheiro Bui Sanches, que,

amavelmente também, se apressou a dar-mos conta dela.

Ai se esclarecem diversos pormenores relativos à rodovia

em questão, a cuja melhoria e conservação o Governo

Espanhol vem atendendo com as verbos ordinárias, realizando-se

alargamentos em alguns pontos, e em tal linha

prosseguirá, já que as consignações especiais do próximo

quadriénio estão comprometidas com estradas de tráfegosuperior.

No entanto, tal como textualmente nos é informado,

o Ministro das Obras Públicas de Espanha, compartilhando

o justificado interesse de aumentar e melhorar os

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

acessos a Portugal, deu instruções ao departamento da

Dirección General de Carreteras para que, na medida do

possível, se vá melhorando a via, com alargamentos da

faixa e doa pontões e acondicionamento de curvas,

ordem de perigosidade, para melhorar os condições da

rodovia, em benefício de um tráfego que, tal como as

autoridades espanholas "também expressamente reconhecem,

há-de crescer nos próximos snos, por razões

principalmente turísticas.

Por agora, cumpre-me manifestar, tanto ao Sr.

Ministro das Obras Públicas de Espanha, como ao Sr. Embaixador

do pais vizinho, o meu muito "preço pela solicitude

que lhes mereceu o problema, que, se reveste importância

para os dois países, tem particular significado porá a

região do Baixo Alentejo, que aqui representamos.

Sabemos igualmente que a ele dedicará a melhor atenção

o Sr. Ministro das Obras Públicas de Portugal, que

tanto interesse vem manifestando pelo Alentejo, o que

nesta oportunidade me apraz registar e agradecer.

E, com efeito, mais uma vez se afirma assim o salutar

espírito de cooperação nas relações entre os dois Governos,

que vem tendo, ultimamente, em alguns domínios, resultados

práticos mais esclarecidos, de que é exemplo recente

recente a conclusão das diligências e trabalhos preliminares

com vista à construção da ponte Algarve-Aiamonte, que,

segundo se prevê, será em breve uma realidade.

Que dessa louvável colaboração possa colher benefícios

mais directos o meu distrito de Beja - é o apelo que

dirijo a ambos os Governos, exprimindo desde já, como Deputado,

o nosso agradecimento pelo que possa ser feito

em tal sentido, a começar pela beneficiação dos ligações

Beja-Sevilha.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Alberto de Meireles: - Peço a palavra.

Pausa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto de Meireles

pediu a palavra?

Sr. Alberto de Meireles: - Se V. Ex.ª ma dá, será

para interrogar a Mesa, portanto com precedênciaregimental.

O Sr. Presidente: Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: Constou-me

que um ilustre Deputado pertencente ao círculo

pelo qual também eu fui eleito foi convocado para prestarserviço militar.

Desejo interrogar V. Ex.ª e a Mesa sobre se está

assegurada a presença desse Deputado, como entendo que o

deve ser, para exercício e cumprimento do seu mandato.

O Sr. Presidente: - Em resposta à pergunta de V.

informo que o Sr. Deputado Pinto Machado Correia da

Silva, efectivamente eleito pelo círculo do Porto, de que

V. Ex.ª é também um dos representantes, me comunicou

no princípio da semana passada que havia sido

mobilizado para prestar serviço militar no quadro de comple-mento.

VV. Ex.ªs sabem perfeitamente que a qualidade de

Deputado não inibe o dever da prestação de serviço

militar, e eu, pessoalmente, creio que está certa essa isenção

de privilégio.

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19 DE JANEIRO DE 1972

No entanto, o mandato de Deputado, sendo um mandato

nacional, prima todo o serviço público, e, em consequência,

pedi ao Sr. Ministro do Exército que providenciasse no

sentido de o Sr. Deputado Finto Machado

Correia da Silva poder participar nos trabalhos parlamentares

durante a sessão legislativa, isto é, a partir de

15 de Janeiro até 30 de Abril.

Certifiquei-me, em conversa directa com o Sr. Ministro

do Exército, que fora deferido o pedido que lhe dirigi e

que só o deferiu hoje por ligeira demora dos serviços de

expediente do seu Ministério.

Pareceu-me perfeitamente demonstrada a pronta vontade

deste membro do Governo de atender à solicitação

que lhe dirigi, e que efectivamente tinha o valor e o

sentido de requisição, para exercício do seu mandato, do

referido Deputado. E se ela não foi tão imediata quanto,

a data do meu pedido me permitia esperar, foi, porventura,

porque nos serviços do Gabinete não se atribuiu a

um ofício emanado da Mesa da Assembleia Nacional, e

para aquele fim, a celeridade de atenção que seria lícito

esperar.

Em suma, espero qua o Sr. Deputado Finito Machado

venha retomar os seus trabalhos parlamentares.

O Sr. Alberto de Meireles: - Agradeço a V. Ex.ª,

Sr. Presidente, as claras explicações, a clara resposta,

que acaba de dar à minha pergunta, e permita V. Ex.ª

que, com toda a Câmara, penso eu, nos regozijemos

pela pronta e adequada actividade de V. Ex.ª para que

fosse assegurada a presença do ilustre Deputado nesta

Assembleia.

Sr. Presidente: - Agradeço as palavras de V. Ex.ª

O Sr. Deputado Júlio Evangelista pediu a palavra,

para

O Sr. Júlio Evangelista: - Para fazer aqui, na Assembleia

Nacional, como parlamentar há várias legislaturas,

legislaturas, a evocação de um antigo colega, Deputado por

Timor, distinto oficial do exército português - o

major Chorão de Carvalho -, que prescindiu das suas

prerrogativas de Deputado embarcar, galharda e

gloriosamente, no cumprimento do seu serviço militar no

ultramar.

Muito obrigado.

Sr. Presidente: - Devo dizer a V. Ex.ª que a

presença de um Deputado para os trabalhos parlamentares

mão exclui a prestação de serviço militar, uma vez que

esses cessem, e que neste sentido há precedentes na

história da Assembleia., além daquele que V. Ex.ª invocou.

O Sr. Pinto Machado: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é para explicações?

O Sr. Pinto Machado: - E sim, Sr.

O Sr. Presidente: - Porque, não estando V. Ex.ª

inscrito ... Já a intervenção do Sr. Deputado Júlio Evangelista, sem

inscrição, teve de ser recebida com muito

boa vontade. Pois V. Ex.ª beneficiará de boa vontade

igual.

O Sr. Pinto Machado: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Em primeiro lugar, queria agradecer, Sr. Presidente,

Presidente, os esclarecimentos aqui dados acerca da minha

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situação, visto que ainda hoje eu cão sabia, em rigor,

qual era. Não podia deixar de fazer um breve, muito

breve, comentário ao que acaba de afirmar o Sr. Deputado

Júlio Evangelista, na medida em que parece conter uma

insinuação que sputo extremamamte grave e infeliz

- Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... de que eu e a Presidência da

Assembleia Nacional nos estávamos a eximir ao cumprimento

de um dever. Como, desde o início da minha mobilização,

disse claramente ao Sr. Chefe do Gabinete do Sr. Ministro

do Exército, do que é testemunha o Sr. Brigadeiro

Ricardo Horta, e como afirmei ao Sr. Presidente da Assembleia

Nacional, eu, pessoalmente, nunca pus qualquer

reserva à minha mobilização. Só numa exposição que

enviei ao Sr. Ministro do Exército, por ter sido convocado

para exercer funções de ajudante de cirurgião,

declarei e demonstrei, nessa exposição, que não tenho competência,

visto que, como já afirmei nesta Assembleia,

defendo o tempo integral para o professor universitário.

As minhas funções são de docente de anatomia normal;

trabalho com cadáveres humanos e com animais de

laboratório e entendo que não tenho o direito de, com a

minha incompetência, pôr em risco a saúde dos militares

que me fossem atribuídos para operar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

- Muito bem!

O Sr. Júlio Evangelista: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

Presidente.

O Sr. Presidente: - Para encerrar o incidente, eu tenho

apenas de prestar um esclarecimento à Assembleia.

Não foi a solicitação do Sr. Deputado Pinto Machado que

eu o requisitei para participar cos trabalhos parlamentares;

foi por iniciativa minha. E o precedente em que me louvei

tem nada mais nada menos que a assinatura especialmente

autorizada do Prof. Doutor José Alberto dos Reis,

primeiro ilustríssimo Presidente desta Assembleia Na-

cional.

- Muito bem!

O Sr. Ricardo Horta: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Eu gostaria de dar o incidente

por esclarecido, mas faça favor.

O Sr. Ricardo Horta: - Sr. Presidente: Peço desculpa

a V. Ex.ª, mas o Sr. Deputado Pinto Machado invocou

aqui o meu nome e eu queria esclarecer a Assembleia

Nacional das verdadeiras e justas palavras que ouvi do

Sr. Deputado Pinto Machado.

O Sr. Deputado procurou-me para esclarecer uma situação

de ordem técnica e esse esclarecimento estava cheio

de verdade, de sentido técnico, cheio de vontade de cumprir

o seu dever onde ele fosse mais útil, mais justo e

mais humano.

O Sr. Deputado Pinto Machado foi comigo ao Ministério

do Exercício e expôs o problema com uma clareza

e com uma verdade, sob o ponto de visto técnico, que

era incontestável, e mais ainda, pôs-se a ordem do

Ministério do Exército para, quando necessário fosse, embarcar

para ir cumprir o seu dever, como estava notificado

notificado para o caso.

A dúvida, o problema que se levantava, era a missão que

lhe devia ser atribuída, a justificação que ò Sr. Depu-

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tado apresentava para a missão perfeita e concreta da

sua mobilização era a coisa mais justa que podemos

admitir no caso.Portanto, cumprimento o Sr. Deputado Pinto Machado

e presto-lhe a homenagem da verdade que aqui

apresentou, à alta dignidade do seu carácter, à sua apreciação

técnica para o caso em vista.

Muito obrigado.

Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença?

Uma interrupção, Sr. Presidente, que eu ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ricardo Horta

já tinha encerrado as suas conclusões, portanto já não

se trata de uma interrupção...

Sr. Júlio Evangelista: - Não tinha encerrado,

Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Eu já dei o incidente por encerrado,

Sr. Deputado, tenho imensa pena, mas não podemos

continuar indefinidamente.

V. Ex.ª já expôs o seu ponto de vista, não

desprimoroso para ninguém; a Presidência já esclareceu; o

assunto está encerrado.

Vamos passar à ordem do dia: .apreciação do Decreto--Lei

n.º 520/71.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª não me dá a palavra

para explicações?

Agradeço muito a V. Ex.ª, porque poderia pairar no

ar qualquer suspeita de que eu não prestava, como devia,

a minha homenagem à Mesa e ao Sr. Deputado Pinto

Machado. Às explicações que provoquei foram úteis a

todos os títulos, dado que a questão veio ao plenário.

Simplesmente, Sr. Presidente, queria deixar bem esclarecido:

acho clara, perfeitamente certa, a atitude da

Mesa, como a atitude do Sr. Deputado Pinto Machado.

Mas os esclarecimentos foram úteis, repito. Não queria

também deixar de invocar um outro precedente, de outro

género - isso é com cada um -, para prestar também

homenagem a um outro Deputado que esteve nesta

Casa e então adoptou atitude diferente. Isto não quer

dizer que o serviço desta Câmara não seja serviço de

precedência nacional.

Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª reconhecerão à Mesa

a permanente, constante e porventura até excessiva boa

vontade de consentir que todos os Srs. Deputados manifestem

as suas razões em qualquer questão que seja

aqui levantada.

Mas agora, e usando da autoridade que me conferiram,

vamos efectivamente passar à

Ordem do dia

Continuação da apreciação do Decreto-Lei n.º 520/71,

e, repito, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: Os signatários

do requerimento que apresentei na sessão de 15 de Dezembro

do ano passado, ao pedirem que o Decreto-Lei n.º

520/71 fosse submetido à apreciação da Assembleia, praticaram

um acto que, nem por ser tradução de uma passada

passada supremacia legislativa, deixa de ter conteúdo

eminentemente político.

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

Certamente que será diverso o significado que para

cada um tem esse acto.

Pela minha parte começarei por aludir ao sentido que

ele tem para mim, não por razões pessoais, mas porque

esse significado e a inerente posição me parecem elucidativas

do nosso actual contexto parlamentar e político,

em que surge não só o decreto-lei em causa, como o

pedido de ratificação.

O decurso da segunda sessão, e em especial o que se

passou na sessão extraordinária do Verão passado, vieram

confirmar-me as apreensões aqui insuspeitamente

formuladas, em 8 de Abril de 1970, pelo Deputado Homem

Ferreira, nestes termos lapidares:

Parece haver ainda nesta Casa o culto da opinião

do Governo só porque é do Governo, o que pode

levar a confundir independência com indisciplina

e a perfilhar um conceito de colaboração que roça

as fronteiras da vassalagem.

Neste quadro nem será difícil profetizar que todas

as propostas de lei enviadas à Câmara receberão um

carinhoso beneplácito, por mais distanciadas das

realidades que se apresentem e por mais deficiências

que contenham.

Se me for consentido, espero poder abordar, em

breve, estes aspectos, na medida em que provocam

interpretações desagradáveis e traduzem uma

desvalorização política da Assembleia.

Porquê então insistir, se, por experiência própria, sei

que aqui não á possível ver acolhidas posições'que não

sejam aceites pelo Governo?

É evidente que não tenho qualquer gosto em ver

derrotadas ou antecipadamente abortadas todas as iniciativas

em que me empenho, que não me posso regozijar com o

insucesso certo, resultante de uma votação disciplinada

e maciça.

É frequente ouvir aqui mesmo a pergunta, formulada

até a propósito da matéria de que hoje nos ocupamos:

para quê pedir a ratificação?

Porquê, em última análise, teimar numa posição de

isolamento, estudar os problemas e trabalhar os assuntos

com a certeza antecipada de que, na melhor das hipóteses,

a votação final será amplamente contrária?

Para quê, perguntarão os políticos experientes, os homens

de 'bom senso, ias pessoas razoáveis, as individualidades

"prudentes", insisti numa posição que à partida parecia

ser exequível e até oficialmente aceite, mas que hoje foi

iprogressmmenite reduzida a oposição?

Não era melhor ser conciliador, cooperar, tentar conseguir

alguns resultodinhos nos (bastidores?

Ou então reconhecer a impossibilidade, aceitar publicamente

o insucesso, abandonar a Itdfca inglória?

Valerá sequer a pena?

Creio sinceramente que, no sentido literal da expressão,

"não vale a pena". E entendo também que há que pros-

seguir

Por isso hoje aqui estou.

E, por estranho que pareça, não subo a esta tribuna

"sem qualquer espécie de entusiasmo e com o espírito

mergulhado em profundo cepticismo", como o Deputado

Homem. Ferreira, mas sim com o ânimo e a boa disposição

de quem tem a consciência da razão que lhe assiste.

Ao aceitar a candidatura, fiz uma opção, assumi um

risco: aquela, a de trabalhar para as reformas, que entendo

necessárias, através dos meios legais ao dispor dos

Deputados, cuja limitação conhecia. O risco era o de não con-

Página 3029

19 DE JANEIRO DE 1972

seguir alcançar o fim pretendido, o de ser invariavelmente

vencido, o de nem sequer conseguir alargar os limites

conhecidos.

Corri-o e suporto-o.

Forque quem é eleito não pode pensar em desistir, mão

tem o direito de abandonar: assumiu o compromisso de

lutar durante quatro anos como representante da Nação

mesta órgão de soberania, e há-de, perante ela, procurar

desempenhar-se o melhor possível do cargo que lhe

confiaram.

Eis por que entendo que, embora "não valha e, penai,

contínuo a trabalhar o melhor que iposso e sei alta ao

fim do mandato.

Até por uma circunstância, que é a de especial importância

de esta legislatura lhe vir não só dos seus poderes

constituintes, como da participação que Itera na eleição

do Presidente da República.

Mesmo quem, como eu, discorda do actual modo de

eleição, não pode ignorar a importância do processo eleitoral,

que começa com a escolha e propositura de candidatos

candidatos e se encerra com a escolha de um dos propostos

para durante sete anos governar a Nação com poder quase

absoluto.

Aqueles de entre nós que às vezes se tom mostrado

tão ciosos do respeito pelo assunto da ordem do dia,

criticando até implicitamente a Mesa, se até agora se

dominaram, estão por certo prestes a intervir.

Mas sem razão.

Entendi ser necessário o que disse antes de encetar

a discussão do Decreto-Lei n.º 520/71, e não abdico de ser

o único juiz do modo de conduzir" exposição das minhas

ideias sobre a matéria em debate.

Pela primeira vez nesta legislatura é a Assembleia

Nacional chamada aipronunciar-se sobre um acto legislativo

do Governo.

O poder de ratificação que fomos chamados a exercer

é o último resquício da supremacia legislativa da Assembleia

Nacional.

Ante uma medida legislativa do Governo, tida por inadequada

ou indevida, surgida durante o funcionamento

efectivo desta Coimara, resta-nos, condicionado embora,

o poder de ratificação.

O seu não uso exprime aceitação do diploma legislativo

do Governo ou ... impossibilidade de conseguir as dez

assinaturas necessárias para aqui pedir a sua discussão,

que desta vez se reuniram sem qualquer dificuldade.

Estamos, pois, a examinar um acto solene do Governo,

promulgado pelo Presidente da República, e a decidir

se o mesmo acto deve ser pura e simplesmente sancionado,

rejeitado ou convertido em proposta; nesse caso, depois de

estudado pela Câmara Corporativa, virá aqui para ser

discutido e votado, artigo por artigo;

Aqueles, e são muitos, que sacrificam no altar da

omnipotência do Governo e são fervorosos e nédios prosélitos

da sua omnisciência escandalizar-se-ão por certo com

tão "desrespeitosa" pretensão.

Mas com o discutir os actos do Governo lucramos

todos: a Nação, que assim pode tomar consciência dos problemas

que lhe dizem respeito e formar a sua opinião

sobre as pessoas e as instituições.

Nós, que nos debruçamos sobre as questões, as quais

sem isso talvez escapassem à nossa atenção, procurando

dar-lhes remédio. O Governo, que gostará certamente de

sentir-se fiscalizado, criticado e emendado se necessário,

pois toda a gente sobe que ninguém é infalível e são

até muito conhecidos es inconvenientes da legislação

burocrática ou de gabinete, como é a presente.

Muito recentemente, na sua mensagem de Ano Novo,

S. Ex.ª o Sr. Presidente da República não duvidou criticar

3029

abertamente um voto da maior importância em que todo

o Governo estava, creio, comprometido, como era o último

censo da população.

É, pois, louvável que discutamos o Decreto-Lei n.º

520/71, de 24 de Novembro, que submete todas as cooperativas

ao regime legal que regula o direito de associação.

Sem a análise deste não pode apreender-se o alcance

do decreto-lei.

Ao intervir pela primeira vez no debate relativo à revisão

da Constituição, quando referi a situação da pessoa

face ao poder, resumi deste modo essa legislação, hoje

aplicável a todas as cooperativas:

Qualquer um pode associar-se com os demais para

prosseguir os fins que entender, desde que o

conteúdo estatutário tenha o beneplácito do Governo,

que mesmo assim pode acabar com a associação, ou

dissolver-lhe os corpos gerentes, eu nomear-lhe uma

comissão administrativa.

As primeiras restrições constam da Lei n.º 1901, de

21 de Maio de 1935.

Mais tarde, pelo Decreto-Lei n.º 87 447, de 13 de Junho

de 1949, foi "proibido promover, constituir, organizar ou

dirigir em território português associações de carácter

internacional, sem autorização do Ministro do Interior.

A filiação de associações portuguesas em organismos

internacionais depende também de autorização do Governo"

artigo 25.º

Veio depois o Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio

de 1954, que torna a constituição de quaisquer associações

dependentes da aprovação dos estatutos pelo governo

civil do distrito da sede, ou pelo Ministro do Interior, se

não houver regime ou lei especial.

As mesmas autoridades é atribuído o poder de decretar

a extinção das associações que exerçam actividade diversa

das previstas nos estatutos ou contrária à ordem social,

ou que infrinjam, o artigo 1.º do decreto-lei: não ter

carácter secreto, nem objectivos que importem ofensa dos direitos

de terceiros ou do bem público, nem lesão dos interesses

interesses da sociedade ou dos princípios em que assenta a

ordem moral, económica e social da Nação.

A discrição das mesmas autoridades fica, no entanto,

optar, quando se verifiquem esses casos, entre a extinção

pura e simples, a suspensão da actividade e a dissolução

dos corpos gerentes, com nomeação de comissões

administrativas.

Por último, as associações que funcionem em contravenção

desta regulamentação são pura e simplesmente

equiparadas a associações secretas, responsabilizando-se

criminalmente todos aqueles que as dirijam, administrem,

ou participem na sua actividade, ainda que como simples

associados.As penas aplicáveis eram, e são, de prisão e multa.

É este, hoje, o regime policial a que estão submetidas

todas as cooperativas.

Desde 1959 que a legislação sobre direito de associação

constitui matéria de exclusiva competência da Assembleia

Nacional, que dela, aliás, nunca usou.

Isso não impediu, no entanto, que o Governo legislasse

sobre essa matéria no actual Código Civil, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966.

Este decreto-lei foi propositadamente publicado nesse

dia; e aqui justificado o Código pelo Ministro titular da

pasta, por incumbência do Presidente do Conselho.

Nas dez sessões seguintes, creio que em todas elas,

vieram Deputados enaltecer os méritos do novo diploma,

elogiar a obro do respectivo Ministro.

Página 3030

3030

Por fim, não tendo surgido nenhum pedido de ratificação,

concluiu uni Deputado que "o nosso unânime silêncio

silêncio ratificativo é a afirmação legal da nossa clara ra-

tifocação.

Mercê do novo decreto-lei, que não mereceu esse silêncio

ratificativo, as disposições do Código Civil passam a

ser aplicáveis a todas as cooperativas.

O Código Civil disciplina, efectivamente, o direito de

associação.

Regula a aquisição de personalidade das associações,

a capacidade, a aquisição e alienação de imóveis, os

órgãos e a representação das pessoas colectivas, a sua

responsabilidade civil, o destino dos seus bens no caso

de extinção, o acto de constituição e os estatutos e a

própria vida interna das associações.

Lá figura também uma disposição equivalente à do

decreto-lei de 1954, o qual, juntamente com outra legislação,

houve o cuidado de ressalvar, que prevê a extinção

administrativa quando o fim real da associação não coincida

com o fim estatutário, ou quando ele seja sistematicamente

sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais ou

quando a existência da associação se torne contrária à

ordem pública (artigo 182.º, n.º 2).

Ora, esta matéria da disciplina legal do direito de

associação contida no Código Civil, aprovado por decreto-lei,

foi usurpada à competência exclusiva da Assembleia

Nacional, com infracção do disposto no artigo 93.º, alínea d),

da Constituição.

O novo decreto-lei, ordenando a aplicação dessa legislação

inconstitucional às cooperativas, comunga de tal

inconstitucionalidade.

Ele próprio, de resto, enferma directamente de igual

vício, pois, na .realidade, regula o direito de associação.

Fá-lo por remissão para outros preceitos, os que ficaram

enumerados, mas não deixa de o fazer; a regulamentação

regulamentação legal por remissão é uma forma de legislar.

Tanto assim é que, até à sua publicação, os Portugueses

podiam livremente associar-se em cooperativas,

nos termos do Código Comercial.

E agora não podem: foram postos na dependência da

Administração, mesmo quanto aos actos que já haviam

praticado, aplicação retroactiva que constitui só por si

manifesta prepotência. Era as primeiras razões de não

ratificação.

Prevê-se a objecção, fácil, formalista e improcedente:

a Constituição alude apenas a bases gerais, o que deixaria

campo livre ao Governo no restante.

Alude, como sempre, de resto, que contempla os poderes

legislativos da Assembleia. Daí não se segue que, não

tendo ela legislado, o Governo o possa fazer, nem mesmo

ao nível regulamentar. Que regulamentaria ele? E ponto

a que, se necessário, se voltará.

Demais, o Código Civil, a respeito do direito de

associação, contém preceitos regulamentares e normas básicas,

tal como sucede com o presente decreto-lei.

Ambos usurparam, portanto, a competência exclusiva

desta Câmara.

Antes de entrar na análise pormenorizada do presente

diploma e dos seus antecedentes, cumpre evidenciar a

incongruência a que ele conduz, ao mandar aplicar às

sociedades cooperativas o regime legal do direito de

A quase totalidade dessas sociedades tem carácter

comercial: sem prejuízo da sua feição própria, têm por

objecto praticar actos de comércio e encontram-se

constituídas por forma prevista no respectivo Código.

Teremos, pois, sociedades comerciais subordinadas ao

governador civil, dependentes do Ministério do Interior,

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

reguladas pelo Código Civil: um autêntico pandemónio

jurídico.

O Código Comercial fixa-lhes certos casos de extinção.

O Civil aplica-lhe outros.

Por aquele podem ser declaradas em estado de

falência; pelo segunda, insolventes.

São sociedades comerciais, mas, regidas também pelo

direito referente às associações, até carecerão de autorização

do Governo para alienar ou onerar imóveis.

E por aqui fora é um rosário de contradições e incongruências

inevitáveis, porque toda a legislação sobre

associações se molda sobre o carácter não económico

delas, e todas as cooperativas estão estruturadas em

moldes económicos.

Como se salienta, e bem, em recente estudo do Dr. Roque

Laia, "as próprias cooperativas ditas de fins culturais

exercem uma actividade económica, na medida em que

põem essa cultura ao nível dos seus sócios, por meios

e preços que eles não conseguem obter de outra forma".

O diploma em discussão conduz, portanto, a uma

autêntica aberração.

Eis outra razão para o não ratificarmos.

Se, do ponto de vista jurídico, o diploma em causa,

além de inconstitucional, é incongruente e aberrante, não

é menos desastroso quando encarado sob os ângulos

político e social.

Ele tem o lamentável aspecto do desfecho, ou melhor,

do esforço, de uma longa luta empreendida pelo Governo

contra as cooperativas, na qual aquele foi sendo sucessivamente

derrotado.

Vejamos.

Em 1968 o Sr. Ministro do Interior declara, por

despacho, a extinção da Cooperativa Pragma, Sociedade

Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária,

com sede em Lisboa.

Esse despacho vem a ser anulado por Acórdão do

Supremo Tribunal Administrativo, 1.º secção, de 11 de Julho

de 1969, que estabelece os seguintes princípios:

1) As sociedades cooperativas não podem ser dissolvidas

por acto administrativo.

2) E aos tribunais judiciais que o artigo 147.º do

Código Comercial atribui competência para

conhecer do pedido de declaração de inexistência

de sociedades que funcionem ou se constituam

em contravenção das disposições daquele

Código.

3) O acto do Governo que decreta a dissolução de tais

sociedades enferma do vício de usurpação de

poder.

Como se vê, decidiu o órgão supremo do contencioso

administrativo, por unanimidade de votos dos três

conselheiros que firmam a decisão, que o Sr. Ministro do

Interior tinha usurpado um poder que só aos tribunais

pertencia.

Restabelecida a legalidade com a anulação do despacho

viciado de tal usurpação, era legítimo esperar que se

deixassem as cooperativas prosseguirem em paz a sua actividade,

sem prejuízo de, se algum acto ilícito cometessem,

fosse de que natureza fosse, se recorrer ao Poder Judicial

para punição dos responsáveis.

É ponto que não esteve nem está em causa.

Mas não, continua a luta administrativa.

Com base no parecer da Procuradoria-Geral da

República de 7 de Dezembro de 1967, muito anterior, portanto,

ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de

Julho de 1969, o Sr. Ministro do Interior passa a ordenar

que algumas cooperativas sejam intimadas pela P. I.

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19 DE JANEIRO DE 1972

D. E. a submeterem os seus estatutos à aprovação da

autoridade administrativa, sob pena de serem havidas

como associações secretas, o que, como se viu, determinava

a sujeição dos seus dirigentes e associados a penas,

de prisão e multa.

Essa vaga de repressão administrativa atingiu várias

cooperativas de consumo matriculadas como sociedades

comerciais e exercendo efectivamente actividade económica,

geralmente em benefício de operários e de pequenos

agricultores.

Muitas, se não todas, reagiram contra a nova forma de

ilegalidade administrativa, e novamente o Supremo

Tribunal Administrativo lhes deu razão.

São os casos da Cooperativa Operária de Crédito e

Consumo de Alhos Vedros, da Sociedade Cooperativa

Operária Barreirense, S. C. B. L., da Sociedade Cooperativa

Piedense, da Sociedade Cooperativa 31 de Janeiro,

da Progresso e União Amorense, S. C. B. L.

Ante a nova forma de repressão às 'cooperativas, o

Supremo Tribunal Administrativo, na sequência da jurisprudência

iniciada com o citado acórdão, julga que está

ferido de usurpação de poder o acto da Administração

que declara ilegal a constituição de uma sociedade cooperativa,

para a sujeitar ao regime de reconhecimento e

das associações - Acórdãos de 28 de Novembro

e de 12 de Dezembro de 1969.

Mas, no caso da Piedense, o Supremo Tribunal

Administrativo adopta orientação diferente, embora não favorável

à Administração, que não fica justificada, nem prestigiada.

prestigiada.

Julga-se, no Acórdão de 13 de Março de 1970, que o

acto de notificação de uma cooperativa de consumo para

submeter os seus estatutos à aprovação da entidade

competente, sob pena de, não o fazendo, ser considerada uma

associação secreta, encerra uma simples ameaça, sem

afectar a situação jurídica da pessoa colectiva a que se

dirige, pelo que não constitui acto definitivo nem

executório, sendo, por isso, irrecorrível.

Esta nova orientação veio a prevalecer e o pleno do

Supremo Tribunal Administrativo adoptou-se por maioria

nos casos citados, revogando os acórdãos da 1.º secção,

por entender que os tais despachos de simples ameaça

não ofendiam os direitos das cooperativas.

O último desses acórdãos que conheço é o de 15 de

Janeiro de 1971 - caso da Sociedade Cooperativa Operária

de Crédito e Consumo de Alhos Vedros, fundada em

1916.

Nesse, como nos demais recursos dos tais despachos

de ameaça, o Tribunal não se pronunciou sobre a legalidade

deles; limitou-se a havê-los como irrecorríveis, por

os não considerar definitivos nem executórios.

E assim as cooperativas visadas puderam prosseguir a

sua actividade em benefício dos seus associados.

Quanto a nenhuma, creio, a ameaça foi executada com

a dissolução administrativa da cooperativa e aplicação de

sanções criminais aos seus membros, pelo que não surgiram

mais recursos.

Até que sobre o cooperativismo português se abate o

Decreto-Lei n.º 520/71, submetendo-o por completo ao

poder discricionário do Governo.

Aquilo que, mercê da reacção dos tribunais, se não

por via administrativa - o domínio governamental

do cooperativismo - é inconstitucional e indevidamente

obtido por via legislativa.

Eis nova razão para não ratificarmos esto diploma.

Ele vai mesmo muito além da prévia tentativa de imposição

de tutela administrativa.

3031

Fundamentava-se esta, de harmonia com o parecer da

Procuradoria-Geral da República que o Supremo Tribunal

Administrativo não acolheu, em que o regime legal das

associações devia aplicar-se às cooperativas de fim interessado

não lucrativo, apesar de constituídas como sociedades

comerciais, por ser esse o regime legal vigente.

Não era, como nos tribunais se reconheceu.

Isso bastava para que, se só isso se contivesse no

decreto-lei, ele implicasse uma alteração da legislação referente

ao direito de associação, matéria que, como se viu,

é da exclusiva competência da Assembleia Nacional.

Mas o decreto-lei vai muito mais longe: submete ao

regime das associações as próprias cooperativas de fim económico

interessado, com alteração do preceito do artigo

artigo 157.º do Código Civil, o que mais uma vez comprova

que se buliu mesmo com o regime legal do direito de

O citado parecer da Procuradoria-Geral da República,

aliás muito contestável, havia concluído mie as cooperativas

de fim económico lucrativo, consideradas como sociedades,

sociedades, podiam exercer actividades de natureza diversa,

embora com vista a sua finalidade lucrativa, não ficando,

nesse caso, sujeitas às disposições legais relativas às

Efectivamente, pondera-se no parecer que "não se tratando

de actividade condicionada e considerando-a, a

cooperativa, não como um fim, mas sim como um meio

para atingir a sua finalidade lucrativa, acontece que, unia

vez constituída legalmente a mesma e adquirida a

personalidade jurídica pelo reconhecimento normativo, fica

ela automaticamente autorizada a exercer tal actividade,

sem intervenção, portanto, de qualquer entidade da

Administração".

"E não se vê que, nestas condições, haja possibilidade

de adoptar qualquer das medidas previstos nos artigos 4.º

e 5.º do Decreto-Lei n.º 39 060, que incumbem à entidade

competente para aprovar os estatutos, pois tais medidas

pressupõem uma noção tutelar que no caso se não verifica."

E, acrescenta ainda o parecer, "o que acaba de ser

dito parece ser confirmado pela análise do vigente Código

Civil".

Admitindo que fosse esse o regime legal vigente

o direito de associação, designadamente em cooperativas,

o que o Supremo Tribunal Administrativo não entendeu,

e muito bem, teríamos de concluir que ele foi alterado

pelo diploma em discussão.

Ele veio sujeitar à tutela administrativa não só as

cooperativas de fim económico não lucrativo, mas as próprias

cooperativas de fim económico lucrativo, desde que

se proponham exercer, ou efectivamente exerçam, outras

actividades.

Ou seja, o Decreto-Lei n.º 520/71 veio submeter ao

controle da Administração todas as cooperativas, como

desde o início venho referindo.

E que não há cooperativa, mesmo de fim económico

lucrativo, que não se proponha exercer, ou efectivamente

não exerça, actividade que não seja de natureza

exclusivamente económica, para empregar a terminologia do

diploma em discussão.

O parecer citado entendia, em foce da legislação

vigente, que as cooperativos de fim económico lucrativo

não podiam prosseguir fins de natureza ideal, mas que

podiam exercer actividades desse tipo desde que conexas

com o seu fim lucrativo. Distinguia, portanto, fins e

actividades.

O diplomo em discussão altera mesmo isso e veda às

cooperativas o exercício de qualquer actividade não eco-

Página 3032

3032

nómica, sob pena de serem tratadas como associações.

Este ponto é fundamental e insofismável.

Toda e qualquer cooperativa está ai abrangida, repete-se,

pois não há verdadeira cooperativa que não se proponha

proponha exercer, ou efectivamente não exerça, actividade

não económica a favor dos seus associados.

Isto não consente quaisquer sofismas: cooperativa que

se limite a actividade exclusivamente económica não é

cooperativa, é uma mera organização comercial que usa

indevidamente o rótulo de cooperativa.

Sabem-no todos os que conhecem o movimento cooperativo.

lucrativo.

Se as cooperativas não quiserem degenerar em fórmulas

simples e banais de organização comercial, para

que da sua actividade se desprenda, como valor fundamental,

a associação - meio de harmonizar a economia

economia e preservar a vida de relação numa sociedade

de massa -, elas deverão aderir firmemente a valores

morais e culturais e ministrá-los aos seus aderentes

Prevejo que, a míngua de razões, não deixará de se contrapor

que toda a acentuação do valor cultural das cooperativas

cooperativas é feita com o intuito de, exagerando o negro da

situação, atacar o decreto e as intenções do Governo.

Por isso me pareceu oportuno citar há momentos um

passo de insuspeito trabalho de Sérvulo Correia, inserto no

ano IV da não menos insuspeita revista Estudos Sociais e

Corporativos, da Junta de Acção Social, insuspeitamente

citado no referido parecer da Frocuradoria-Geral da

República.

O decreto vai, portanto, atingir todas as cooperativas e,

através delas, todo o esforço de autoprotecçao e

autopromoção económica è cultural das classes sociais mais

desfavorecidas.

De 20 de Novembro de 1971 em diante, esse esforço

é vigiado, tutelado, fiscalizado, controlado, orientado,

gerido ou suprimido, se ele assim o entender, pelo Ministério

do Interior.

Eis mais uma razão, entre as inúmeras invocáveis,

para negarmos ratificação a tão regressivo diploma, que

leva iniludlvelmente ao controle político do movimento

cooperativo, do seu meritório esforço de autodesenvolvimento

económico e social. Se não foi isso que se quis,

se não é isso que se quer, ainda é tempo de o demonstrar.

Não foi por acaso que o cooperativismo nasceu entre as

classes trabalhadoras, pobres de recursos económicos,

sociais e culturais, como meio de tentar diminuir essa pobreza

injusta e imerecida.

E não é sem razão que ele é tolhido, desfavorecido ou

proibido nos regimes antidemocráticos e antiliberais, que

o olham sempre com suspeita e frequentemente o apodamde subversivo.

Sabido que a autêntica promoção económica, social e

cultural leva à democratização política, que tais regimes

não toleram, qualquer esforço sério' naquele sentido é

necessariamente mal acolhido.

E haverá esforço mais sério, mais autêntico e mais

empenhado que o daqueles mesmos que suportam as

consequências desse imerecido e injusto subdesenvolvimento

económico, social e cultural?

Precisamente porque antidemocráticos, os Estados

autoritários e totalitários são necessariamente antiliberais: uma

das razões de não respeitarem honestamente nem eficazmente

assegurarem, as liberdades da pessoa é a de o

exercício delas poder favorecer a democratização.

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

Disso é exemplo elucidativo o cooperativismo: as pessoas

não pretendem mais do que o livre uso do direito

de se associarem em cooperativas para fomentarem a

sua promoção e construírem o seu próprio desenvolvimento

humano.

Ora isto, que é lícito, honesto, respeitável, louvável e,

acima de tudo, humano, não pode ser olhado com bons

olhos por um Estado antidemocrático e antiliberal,

autoritário ou totalitário, que é, acima de tudo, desumano.

Eis outra razão, s última que invoco, para não ratificarmos

o Decreto-Lei n.º 520/71.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: - À intervenção será breve, porque

a matéria foi versada pelos Deputados que me

precederam, Magalhães Mota, José da Silva e Sá Carneiro.

A minha posição sobre o Decreto-Lei n.º 520/71,

respeitante as cooperativas., é análoga à dos meus distintos

colegas.

Por isso peço desculpa, Sr. Presidente, se repetir ideias

já expostas, mas entendo que a reafirmação de atitudes

justas e livres nunca é inútil, embora uma ou outra pessoa

se enfade com isso.

Como se sabe, o cooperativismo destina-se a desenvolver

a cooperação e o acordo entre os homens, orientando-se

orientando-se por normas de carácter democrático, respeitando as

crenças religiosas e as ideologias políticas, e dedicando-se

também, como é óbvio, ao ensino e propagação da doutrina

no intuito de formar dirigentes, ilustrar os seus

membros e conquistar associados.

O cooperativismo existe no nosso país desde 1867. Portugal

faz parte da Aliança Cooperativa Internacional, aderindo

aderindo as resoluções tomadas em 1966. Estas dizem respeito

aos principias, reguladores do movimento, entoe

quais saliento a Uberdade de constituição e escolha do

objecto, quer civil, quer comercial, e a não ingerência das

entidades governamentais na constituição, organização e

funcionamento das cooperativas.

Estes princípios pacíficos e morais foram reconhecidos

pela Organização Internacional do Trabalho.

O decreto-lei em discussão opõe-se aos princípios mencionados,

cerceando a liberdade de que as cooperativas

gozam e, por consequência, dificultando-lhes o funcionamento

e a acção específica. O ponto que quero acentuar

respeita as actividades educativas e culturais proibidos

pela citada lei, com o fundamento de que estas sociedades

só podem ter funções exclusivamente económicas. Decorrem

daqui inconvenientes graves. O primeiro é ficarem

colocadas numa situação insegura, porquanto há-de ser

difícil, quando não impossível, de separar o domínio particular

do económico da esfera genérica da cultura. Abre-se

neste ponto um campo eivado de incertezas, que vai

dor azo a interpretações divergentes e, quem sabe, a

arbitrariedades. O que, olhado sob um ângulo aberto, é

cultura para uns, pode ser para outros, os que vêem os

valores da convivência, da informação e do ensino com

olhos de míope, perturbação, desordem e coisas piores.

O segundo inconveniente é paralisia parcial ou

completa do movimento cooperativo, porque aã novas prescrições

legais embaraçam a expansão das sociedades, o recrutamento

recrutamento de sócios, a preparação dos dirigentes, bem como

a difusão da doutrina e a diversificação dos actividades.

Em terceiro lugar, a lei impede pura e simplesmente

a constituição e o funcionamento das cooperativas, cujo

fim «não seja exclusivamente económico».

Página 3033

19 DE JANEIRO DE 1972

Ora, existem cooperativas cujo objecto consiste

desenvolvimento de interesses não económicos, como seja a

arte, a impressão, venda e propaganda do livro, os museus,

a educação, o recreio, a acção comunitária, etc.

Impedir actividades da natureza destas num país e

época que todos dizem, pobre em manifestações e interesses

culturais, é ilaquear as inteligências, reduzindo-lhes

os anseios e as formas de os realizar. É, numa palavra,

suscitar o abaixamento do gosto pelas coisas do espirito,

acentuando a incultura.

Decerto não foi isso que deliberadamente se procurou,

mas é esse o resultado infalível.

Constitui um péssimo sintoma a restrição da liberdade

de associação e de expressão do pensamento decorrente

do decreto-lei. Como se tivéssemos liberdades demasiadas,

ou delas se usasse imoderadamente, o Sr. Ministro do

Interior pensou em reduzi-las ainda um pouco.

É este o aspecto que mais fere a minha consciência,

me desilude e desanima, porque prova que o Governo

não se dispõe ia trilhar o caminho da "liberalização". Pelo

contrario, fica-se com a ideia que fazem falta reduções

maiores das liberdades públicas.

Quem alimento esperanças começa a perde-tas, quando

vá colocar o acento tónico da política na monotonia da

continuidade, em vez de ser no movimento da inovação.

A decepção é tanto maior quanto se haviam, acalentado

esperanças razoáveis e condizentes com as aspirações do

povo português.

Em tempo nenhum, desde 1667, houve necessidade

de promulgar uma lei tão contraria ao cooperativismo.

Contudo, atravessamos épocas diferentes, regimes políticos

adversos a liberdade e à autonomia dos indivíduos e grupos,

muitíssimo opostos aos principias da democracia.

Será preciso recordar o longo Governo instaurado em

1926?

Deveremos concluir que as cooperativas se tornaram

ameaçadoras, ou que o Poder Público estai mato temeroso

a vigilante?

Parece que já não bastam as leis vigentes, a censura

e a polícia.

De que mais precisa o Sr. Ministro do Interior?

Sr. Casal-Ribeiro: - Não apoiado!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Com data de

24 de Novembro do amo transacto, inseriu o Diário do

Governo um diploma legislativo, de origem governamental,

que, na sua parte substancial, ordenava a sujeição

das sociedades cooperativas que se proponham exercer,

ou efectivamente exerçam, actividade que mão seja

exclusivamente económica, de interesse para os seus associados,

ao regime legal regulador do direito de associação.

Recebeu este diploma o número de ordem 520/71 e a

sua publicação constituiu a primeira notícia que o País

teve da correspondente deliberação do Conselho de

Ministros. Desacompanhado de qualquer preâmbulo justificativo,

limitando-se afinal a remeter para outras disposições

disposições legais, dir-se-ia tratar-se de medida de importância

secundaria, destinada a passar desapercebida. Foi este,

nó entanto, o primeiro decreto-lei cuja apreciação pela

Assembleia Nacional, para os efeitos do antigo 109.º,

da Constituição Política vigente, foi requerida no decurso

da actual legislatura.

Dessa apreciação aos ocupamos agora. E não se afigura,

por isso, deslocado determo-nos em

3033

considerações sobre o procedimento constitucional a que presentemente

damos execução.

Determina a Constituição vigente, na disposição há

pouco referida, que serão sujeitos a ratificação pela

Assembleia Nacional os decretos-leis que o Governo publicar

durante o período de funcionamento efectivo dela e fora

dos casos de autorização legislativa. Encontra-se aqui

consagrada, a me"u ver, a primazia, em matéria de feitura

das leis, do órgão de soberania oriundo do sufrágio

universal directo, tributo que o nosso sistema político

paga, no plano das instituições, à concepção clássica da

democracia liberal.

É esta, sem dúvida alguma, Sr. Presidente, a razão

por que se exige uma intervenção da Assembleia no

exercício das faculdades legislativas atribuídas ao

Governo, que desde 1945 não conhecem limitações circunstanciais.

Pouco importa que tal intervenção se configure,

a maior parte das vezes, como um comportamento passivo,

ide mera abstenção, ao qual a lei fundamental atribui

atribui o significado de concordância. Nem, tão-pouco, que o

princípio não seja levado as suas últimas consequências

lógicas, que impariam, pelo menos, a possibilidade de a

Assembleia apreciar qualquer providência legislativa do

Governo, publicada mesmo fora do período do funcionalmente

efectivo dela, como, de resto, propunha o projecto

de lei de revisão constitucional que teve o n.º 6/X.

Aliás, o texto primitivo da Constituição de 1933 impunha

ao Governo a obrigação de apresentar, num dos cinco

primeiros dias de sessão da Assembleia Nacional, a proposta

para a ratificação dos decretos-leis que tivesse

publicado no uso de autorizações legislativas ou nos casos

de urgência e necessidade pública. Este regime, correspondente

ao bill de indemnidade, que o constitucionalismo

monárquico importou das praxes parlamentares britânicas,

foi sendo progressivamente recortado por leis de 1935 e

1937, até ser substituído, aquando da revisão de 1945, por

aquele que hoje vigora, por seu turno também posteriormente

corrigido.

Mas o princípio da supremacia legislativa da Assembleia

Nacional mantém-se de pé. E é em nome dele e da soberania

popular, que está na sua raiz, no exercício de atribuições

atribuições próprias, que não carecem de autorização nem toleram

interferências, que hoje reunimos para apreciar o

Decreto-Lei n.º 520/71

Trata-se de submeter este diploma, Sr. Presidente, a

um juízo de natureza política. Vão é confrontá-lo com

legislação anterior, que ele revoga na porte em que se

lhe opõe, e mais ainda com soluções jurisprudências

assentes em regras talvez agora, de momento ao menos,

derrogadas.

No plano do direito positivo, o único vício de que as

leis podem enfermar é a inconstitucionalidade, a divergência

com o diploma fundamental do sistema jurídico.

Mas parece-me difícil invocar o texto actual da Constituição

de 1983 em defesa da liberdade de associação, bem

como de outras liberdades cívicas, cuja definição foi por

ele expressamente transferida para a legislação ordinária.

Visava precisamente introduzir solução contrária o projecto

de lei de revisão constitucional de que fui co-autor,

mas é sabido como ele não logrou recolher os sufrágios

da maioria da Câmara. Quanto à inconstitucionalidade

orgânica ou formal, a dedução das suas consequências práticas

assenta também, por seu lado, em critérios políticos.

Não cabem pois subterfúgios: o que está em causa, frontalmente,

é a bondade ou a maldade do

sob um ponto de vista política. São convenientes

convenientes as soluções por ele apresentadas para as situações

em causa? E oportuna a introdução dos novos princípios

que ele contém?

Página 3034

3034

Conforme for a resposta dada a estas perguntas, assim

será o destino do diploma legal sub judico. Se a Câmara

decidir pela validade política dele, votará a sua ratificação

pura e simples; se, pelo contrário, se opuser terminantemente

ao seu conteúdo, negará a ratificação, revogando-o,

portanto, com todas as consequências jurídicas a tal inerentes;

se entender que, embora incorrecto, ele á susceptível

susceptível de aproveitamento depois de melhorado, então o

caminho será conceder a ratificação com emendas, convertendo-se

o decreto-lei em proposta de lei, submetida à

tramitação habitual.

Não tem sido muito frequente, desde 1945 a esta parte,

o recurso ao procedimento de ratificação como instrumento

de controle pela Assembleia Nacional da actividade legislativa

do Governo. Excluindo o presente, é possível contar

contar dezassete requerimentos para apreciação por esta Câmara

de diplomas legislativos governamentais. Cerca de

metade desses requerimentos - mais exactamente,

foram apresentados na IV Legislatura (1945-1949). Do

total deles, três não chegaram a dar origem a discussão,

por invocada falta de tempo. Dos diplomas discutidos,

cinco foram objecto de ratificação pura e simples e nove

de ratificação com emendas.

Durante toda a década de 60 os dois únicos casos de

apreciação de decretos-leis, um ocorrido na VIII Legislatura

(emissão de um empréstimo externo em dólares) e

outro na IX (protecção aduaneira dos produtos da indústria

siderúrgica), terminaram, ambos pela ratificação pura

e simples. A última ratificação com emendas foi votada

em 1959 (mandato dos presidentes das câmaras municipais).

Casos de recusa de ratificação, de 1945 até hoje,

não registam os anais desta Câmara um só. Tudo isto é

bem sintoma do modo como ao longo do período em causa

se desenvolveram as relações entre os dois órgãos da soberania,

com nítido predomínio do Governo sobre a Assembleia

Assembleia Nacional, dentro da tónica autoritária que caracterizouo regime.

Mas revertamos, Sr. Presidente, ao Decreto-Lei

n.º 520/71 s aos princípios que mediante slê se pretende

introduzir na nossa legislação.

De verdadeiramente substancial tem este diploma apenas

o artigo 1.º o artigo 2.º limita-se a proibir aos notários

que lavrem escrituras de constituição de cooperativas que

tenham finalidades não exclusivamente económicas, sem

provia aprovação administrativa dos estatutos, e a cominar

a nulidade das que forem celebradas com infracção desse

condicionalismo. O artigo 3.º, por seu turno, que a si

mesmo se qualifica de transitório, impõe às cooperativas

existentes, abrangidas pela disposição do artigo 1.º, a obrigação

de submeterem os seus estatutos à aprovação da

autoridade competente, extraindo a aplicação dos artigos

4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio

de 1954 (extinção da pessoa colectiva, suspensão da sua

actividade, ou dissolução dos corpos gerentes), como

consequência do mão cumprimento desta obrigação ou

dia eventual não aprovação dos estatutos.

Fundamentalmente é, pois, a regra contida no artigo 1.º

De acordo com ela, "sempre que as sociedades cooperativas

se proponham exercer, ou efectivamente exerçam, actividade

que não seja exclusivamente económica, de interesse

para os seus associados, ficam sujeitas ao regime legai que

regula o exercício do direito de associação".

Eis aqui a novidade do Decreto-Lei n.º 620/71! E digo

justamente novidade porque até agora as sociedades

cooperativas, vivendo à sombra do direito comercial, constituem-se

por escritura pública, estabelecendo-se os

respectivos estatutos por acordo livre das pessoas nela

interessadas; elegem livremente os seus corpos gerentes,

que só perante a assembleia geral respondem;

DIÁRIO DAS SESSÕES n.º 150

administram-se com plena autonomia, podendo adquirir, onerar ou

alienar bens por qualquer título. A aplicação que se pretende

fazei as sociedades cooperativos do regime das

associações implica, além do mais, intervenção policial

prévia à constituição, com emissão de juízo sobre os

objectivos sociais propósitos, e sujeição a uma apertada

tutela administrativa, que vai desde aspectos patrimoniais

(anexação e aquisição ou alienação de bens imóveis) até

ao mais comente funcionar da associação n dos seus órgãos,

uns e outra sob constante cominação de severas intervenções

dos sautoridades competentes".

Será conveniente e oportuna a introdução destes princípios?

Por mim, respondo decididamente que não.

O papel que as sociedades cooperativas têm a desempenhar

numa sociedade em desenvolvimento, como é a nosso,

não se compadece com o estabelecimento de limitações e

controlou, que lhes tirariam a- espontaneidade e a curto

período as conduziriam à morte.

As cooperativas são eficaz instrumento na luta contra

a inflação que sempre acompanha o processo de

crescimento: constituem, na verdade, garantia de defesa do

consumidor contra práticas monopolistas e outros abusos,

tantas vezes difíceis de detectar, quanto mais de erradicar

por completo. Além disso, elas favorecem a expansão do

sentido social, comunitário, do circuito económico, sejam

quais forem os sectores onde intervêm. E como se tal não

fosse já por si mesmo bastante, proporcionam estruturas de

participação, estimulando o interesse dos indivíduos pelas

questões colectavas, a começar peias mais próximas, e a

intervenção activa, com espírito de iniciativa, na resolução

delas.

E por isso, entre tudo o mais, que a Organização Internacional

do Trabalho vivamente exorta os países membros

em vias de desenvolvimento, numa recomendação datada

de Junho de 1966, a reconhecerem as cooperativas como

um dos factores, importantes do desenvolvimento

económico, social e cultural, bem como da promoção humana.

Daí deverá seguir-se a adopção de uma política de

ajuda e estímulo de natureza económica, financeira, técnica

e legislativa.

Mas a mesma recomendação acrescenta logo que essa

ajuda não deve implicar uma intervenção na vida interna

das cooperativas, um controlo cerrado sobre elas. A

genuinidade do movimento cooperativista, que entre os seus

princípios fundamentais inscreve o da organização em

moldes democráticos, repousa, com efeito, sobre uma margem

ampla de autonomia.

A ingerência do Estado nas cooperativas, certamente a

pretexto de defesa dos interesses da sociedade, vem a

redundar, afinal, em prejuízo desta, porquanto a priva, a

maior ou menor prazo, do valioso contributo positivo que

elos têm para lhe dar. Discriminar as cooperativas face

às outras organizações de interesses privados, que se

mantém ao abrigo do direito comercial e é a isto que

conduz a aplicação que se lhes pretende fazer das regras

sobre associações contidas no Código Civil e em legislação

avulsa -, descriminá-las, dizia, é condená-las a um

rápido extermínio por mero efeito do jogo das leis do

mercado em concorrência.

Julgo, Sr. Presidente, que não podemos prescindir, no

momento actual que o País atravessa, dos benefícios do

movimento cooperativista, que, aliás, o Governo, por vários

departamentos, se esforça, por outros meios, bem entendido,

por promover e auxiliar. Daí o meu desacordo e a

minha oposição ao diploma que a Câmara agora aprecia.

Mas, dir-se-á, o Decreto-Lei n.º 520/71 visa atingir

que as sociedades cooperativas se proponham exercer, ou

efectivamente exerçam, actividade que não seja

Página 3035

19 DE JANEIRO DE 1972

exclusivamente económica, de interesse para os seus associados.

Permanecem, pois, dentro da autonomia que hoje

vigora as cooperativas de fins exclusivamente económicos,

que moda, por isso, têm a temer quanta à ingerência estadual.

Parece desconhecer esta linha de argumentação o

peculiar carácter das sociedades cooperativas, ao qual se

tem de adaptar a regulamentação jurídica que se pretender

instituir. Todas as cooperativas incluem entre os

seus objectivos e actividades realidades não estritamente

económicas. E isto é mesmo da essência do cooperativismo,

conforme se pode ver nos princípios formulados no

Congresso de Viena de 1966, da Aliança CooperativaInternacional:

Todas as sociedades cooperativas deverão constituir

fundos para o ensino aos seus membros, aos seus

dirigentes, aos seus empregados e ao público em geral

dos princípios e métodos da cooperação, sobre

o plano democrático (n.º 5).

Todas ias cooperativas que o são, pois, verdadeiramente,

expandem-se, para além do domínio propriamente

económico, no campo educativo, cultural e até recreativo.

Trata-se de actividades conexas com o seu escopo fundamental,

similares às que hoje desempenham outras

sociedades comerciais e que no caso concreto das cooperativas

visam, antes de mais, a adequada preparação

cívica dos seus sócios para a cooperação. A elas se há-de

estender necessariamente a regra, básica do respeito pela

autonomia dos indivíduos e dos grupos sociais primários.

Mantém-se, portanto, a meu ver, a inadmissibilidade do

princípio introduzido pelo diploma em discussão, que

constitui como que uma espada de Dâmocles pesando

sobre a cabeça de todos as sociedades cooperativas.

Coisa diversa é constatar, Sr. Presidente, que a forma

de sociedade cooperativa veste entre nós realidades de

natureza muito variada. Juntamente com autênticas

sociedades comerciais - organizações de pessoas com

interessado lucrativo -, encontram-se aqui realidades

que são, ou pelo menos na prática se comportam como

verdadeiras associações, organizações de pessoas com um

fim interessado não lucrativo, ou até mesmo de fim

desinteressado ou ideal.

Tentou em tempos o Governo aplicar a estas associações

constituídas sob a forma de sociedades cooperativas as

regras que entoe nós regulam o direito de associação.

A isso, porém, se opuseram os tribunais administrativos,

com base no respeito devido à forma doa actos jurídicos.

A eventual declaração de nulidade do acto de constituição

dessas associações sob forma de sociedade cooperativa só

pelos tribunais judiciais poderia vir a ser proferida.

Visto nesta perspectiva, como pretendendo atrair para

uma regulamentação única as várias configurações

externas das associações, o Decreto-Lei n.º 520/71 já tem,

parece-me, algum grau de aceitabilidade. Mas este

entendimento teria de ser esclarecido mediante a radical

alteração do seu antigo 1.º e, ma sequência, também dos

outros.

Estou aqui a separar rigorosamente o problema agora

em debate, da extensão às sociedades cooperativas do

regime jurídico que regula o exercício do direito de associação,

de outro diferente, qual seja o da apreciação

deste mesmo regime.

Sobre este último problema tomei já posição ao subscrever,

há cerca de um ano, o projecto de lei de revisão

constitucional n.º 6/X. No que a mim respeita, a intenção

das alterações propostas para alguns dos números do

artigo 8.º, e sobretudo para o seu § 2.º, era ferir de

3035

inconstitucionalidade material o estatuto vigente das liberdades

cívicas, entre elas o direito de associação, herança de um

passado que julgo inadmissível prolongar no tempo por

forma mitigada e mais ainda fazer voltar novamente em

plenitude. Assim se forçaria a revisão das leis sobre o

exercício dos direitos individuais dos cidadãos, actualizando-as

de acordo com as realidades da hora que passa

em Portugal, na Europa e no Mundo.

A atitude que a Câmara tomou no debate da passada

sessão extraordinária talvez me devesse tranquilizar a

consciência quanto a este assunto. Não obstante, é possível

que tenha de voltar a abrir a questão meei" Casa

pelos meios adequados.

Sr. Presidente: Concluo dando o meu voto à ratificação

com emendas do decreto-lei em discussão e propondo a

imediata suspensão dele pata prevenir os prejuízos irreparáveis

que da sua execução podem advir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Castelino Alvim: - Sr. Presidente: Nos termos

do § 3.º do artigo 109.º da Constituição vigente, dez

Srs. Deputados requererem fosse submetido a apreciação

da Assembleia Nacional o Decreto-Lei n.º 620/71,

publicado no Diário do Governo, l.ª série, n.º 276, de

24 de Novembro do passado ano.

Agiram estes fins. Deputados na esfera de um direito

que, se por ser do uso escasso, não perdeu a sua relevância,

menos ainda perdeu a sua transcendente delicadeza.delicadeza.

Efectivamente, Sr. Presidente e .Srs. Deputados, a

Assembleia Nacional, ao debruçar-se na apreciação de um

diploma legal dimanado de outro órgão de soberania,

promulgado pelo que tem de ser sempre o mais respeitado

de todos os órgãos do Estado porque a encarnação da

própria Nação -, verdadeiramente transcende as suas

funções legislativa, como até fiscalizadora.

A Assembleia Nacional reúne e trabalha, em

como este, não como órgão legislativo, não como órgão

fiscalizador, mês como órgão de defesa e equilíbrio das

competência políticas, direi mesmo, que como verdadeiro

órgão de garantia da própria estabilidade do Estado.

Sem dramatismos descabidos, mas com séria e

profunda convicção, permito-me recordar aqui o que há mais

de mil amos notava - com tanta actualidade como

um grande escritor e político romano: "Um Estado sem

equilíbrio de poderes não pode ter estabilidade nem

permanência ...", e o País, Sr. Presidente e Srs. Deputados,

mão só precisa, mas exige, estabilidade e perma-

nência.

Esta a delicadeza da função, este o grande, cuidado

que temos que pôr na analise e na apreciação de problemas

como aquele que hoje aqui nos reúne.

Uma falta de cuidado ou de atenção, uma menor sensibilidade

ma medida da gravidade da função tão alta,

mas tão responsável, que nos cabe, poderia levar ao triste

espectáculo de vermos aquilo que pessoalmente rejeito,

que colectivamente não podemos deixar de repudiar e

que o País jamais poderia admitir: vermos órgãos de

soberania paralisando órgãos da soberania.

Porque assim penso, intervenho neste debate, mas não

o faço sem solenemente declarar que estou certo de que o

mesmo espírito não pode deixar de animar todos os ilustres

Deputados que formam esta Assembleia.

Temos, assim, todos de fazer os maiores esforços para

que as palavras não atropelem as ideias, poro que as

atitudes não aviltem a nobreza dos sentimentos que es

animam.

Página 3036

3036

Se assam não fora, mais do que negarmo-nos, negávamos

o mandado que recebemos, muito embora nas atitudes

atitudes pudessem, aparentemente, servir para adular clientelas

ou satisfazer pequenos vaidades pessoais.

Não estamos aqui para adular clientelas, como não

estamos, nenhum de nós o está, para, em caída momento,

em coda atitude, em coda voto, declararmos ex cátedra

infalibilidades governamentais.

Não merecemos que quem quer que seja assim nos

julgue, venha o julgamento de fora, o que é triste, venha

de dentro, o que seria lamentável.

Não estamos aqui paira defender pretextos, venham

donde vierem, mas, isso sim, estamos aqui para os

combater, venham igualmente donde vierem.

Não estamos aqui para entoar loas ao Governo, afirmando

e (reafirmando a bondade de todas as suas atitudes,

atitudes, mas igualmente não estamos aqui a pretexto de

atitudes de independência, que queremos tomar cada dia

móis vistosas, para cobrirmos u nossa nudez oom a capa

feita em tiras do Poder Executivo.

O Sr. Casal-Ribeiro: Muito bem!

O Orador: - Não defendemos o Governo para lhe agradar,

mas seria injusto e até iníquo atacá-lo paira agradar

aos outros, ou para que os outros se agradem de nós.

Sr. Casal-Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Temos de trabalhar e construir, e não

se constrói na desconfiança permanente e

sistemática.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Feitas estas breves

considerações, entrarei na apreciação do decreto-lei que

nos reúne neste ordem do dia.

erei tão breve quanto mo permita a natureza da

matéria.

Procurarei ser tão claro quanto mo consinta o seu

entendimento.

Começarei por dizer, com uma humildade total, que

dificilmente entendo a celeuma que em certos meios

levantou o Decreto-Lei n.º 620/71.

Efectivamente, tenho para mim que, se este diploma

legal alguma coisa tem a oaraioterizá-lo, é a quase total

ausência de matéria inovadora.

Efectivamente, que nos vem dizer o decreto-lei?

Que "sempre que as sociedades cooperativas se proponham

exercer, ou efectivamente exerçam, actividade que

não seja exclusivamente económica, de interesse para os

seus associados, ficam sujeitas ao regime legal que

regula, o exercício do direito de associação".

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

Sr. Magalhães Mota: - Pareceu-me entender das

suas palavras, e julgo tê-las seguido com atenção, que

não considerava inovador o Decreto-Lei n.º 520/71.

O Orador: - Não considero.

O Sr. Magalhães Mota: -Pergunto se, na sequência

desse pensamento, o considera inútil.

O Orador: - Eu disse "inovador", V. Ex.ª acrescentou

"inútil". Será V. Ex.ª que julga. Eu disse apenas que

não era inovador.

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

O Sr. Magalhães Mota: - E que eu penso, que em

mataria legal, quando uma lei viesse apenas repetir ou

reproduzir uma situação existente, seria inútil.

O Orador: - Pode não ser inútil. Há regras jurídicas

técnicas que não suo inovadoras e que são meramente

técnicas.

O Sr. Magalhães Mota: - Então V. Ex.ª poderá dizer-me

quais os regras técnicas contadas no Decreto-Lei

n.º 520/71 e não inovadoras?

O Orador: - Do Decreto-Lei n.º 520/71 digo que não

é inovador, só, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota: - Ah! Então falta-lhe explicar

quais, no seu entender, as regras técnicas que o tornam

mera consagração da lei anterior.

O Orador: - Não é inovador na medida em que apela,

em meu entender apenas, para um diploma legal que

lhe é anterior. Portanto, não inova.

O Sr. Magalhães Mota: - Bom, esse é um entendimento

que não me parece perfeitamente curial. Eu tenho

a impressão de que, se, por exemplo e absurdo, nós viéssemos

dizer neste momento que deixava de vigorar entre nós

a Constituição Portuguesa para vigorar uma Constituição

Francesa de 1800 (ou a nossa de 1820), isso seria

profundamente inovador.

Risos.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Inovador e ridículo.

Risos.

Orador: - É o seu entendimento.

Mas a sujeição das cooperativas que se proponham

exercer, ou efectivamente exerçam, actividades que não

sejam exclusivamente económicas, ao regime das associações,

constituirá algum atropelo à ordem jurídica existente?

existente?

Creio francamente que não.

Efectivamente, se cada um de nós é livre de escolher

o instituto que moldará determinada actividade que se

propõe prosseguir, é necessário que o mesmo se mostre

apto ao exercício das funções que visa alcançar.

Se assim não fora, estaríamos bem mais próximo do

caos da ordem jurídica que de qualquer outra coisa.

Direi mesmo que, se a qualificação de certo instituto

se pode adivinhar pela forma que adoptou, só se alcançará

através de uma análise completa da sua natureza,

objectivos e fins ..., pese muito embora vir a verificar-se

que, por erro ou sem ele, a moldura escolhida ... não

era a própria.

A realidade, na vida, e na vida jurídica inevitavelmente,

está bem para além das aparências.

Uma compra e venda será sempre uma compra e venda,

por muito que se lhe queira chamar doação.

Um arrendamento ou aluguer permanecerá aluguer ou

arrendamento, por mais que se deseje dar-lhe a imagem

de empréstimo.

Uma associação não deixará de caracterizar-se como

tal, por mais que formalmente nos apareça como socie-dade.

A ordem jurídica dificilmente subsistiria se entregasse

a cada interessado a qualificação jurídica das organizações

ou dos institutos com que pretende enquadrar os

seus objectivos, definir os seus fins, proteger os seus

interesses.

Página 3037

19 DE JANEIRO DE 1972

Ora, uma cooperativa é uma pessoa colectiva de direito

privado e utilidade particular, muito embora esse interesse

privado, como o diria o Prof. Manuel de Andrade,

possa não deixar de ter' as suas "atinências com o interesse

público". Simplesmente, como o acentuava o ilustre

professor, este interesse não assume "relevo especial".

Sempre que uma pessoa colectiva de direito privado

visa ou se propõe um escopro de interesse público, sejam

os seus fins meramente altruístas, ou sejam interessados,

de fim ideal ou de fim económico não lucrativo, saímos

do campo das sociedades, que, por definição, são pessoas

privadas de utilidade particular.

Saindo do campo das pessoas colectivas de direito privado

e utilidade particular, encontramo-nos no campo

das pessoas colectivas de direito privado e utilidade pú-

blica.

E aqui não são os particulares que podem submeter

ao regime jurídico das sociedades o que por natureza,

direi mesmo que por desejo, é já de si uma associação.

Se associação, onde ver violentação num diploma legal

que se limita a reconhecer tal facto e que, longe de criar

qualquer regime jurídico próprio, se limita, repito-o, se

limita a remeter para a lei informadora e reguladora de

tais pessoas jurídicas?

É, a meu ver, isto tão simplesmente que o Decreto-Lei

n.º 520/71 veio fazer.

Verificando que nem sempre a realidade formal condiz

com a material, esclareceu ser esta a imperotàva para

a determinação do regime jurídico, que não aquela.

Onde, pois, a inovação?

Ultrapassará o decreto-lei a mera interpretação?

Em meu entender, com decreto-lei ou sem decreto-lei,

o regime mão poderia deixar de ser aquele que o seu

'articulado traduz e define, pois a sua criação antecedeu-o.

Dele acaso teria resultado alguma restrição a direitos

anteriores de associação?

Creio igualmente bem que não e que, antes e pelo

contrario, a sua entrada em vigor veio dar maiores garantias

a esse direito.

Efectivamente, não foram criadas quaisquer peias à

erecção de pessoas colectivas de direito privado e utilidade

particular e, antes pelo contrário, se veio acentuar

a sua total independência em relação a qualquer acto

de autorização de natureza administrativa.

Quanto às pessoas colectivas de direito privado e

e utilidade pública -pessoas colectivas que prosseguem fins

ou objectivos altruístas, ou interessados mas ideais ou

não lucrativos -, tudo permaneceu na mesma.

Creio assim que, objectiva e realisticamente, apenas se

pode atribuir ao Decreto-Lei n.º 520/71 o feito de chamar

a atenção para a inexistência ou falta de substrato

jurídico daquilo que já não o tinha e, entes pelo contrário,

mediante um processo administrativo prévio, reconhecer

como realidades jurídicas entidades que sem ele eram

meras aparências.

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota: - Era só mais um esclarecimento,

aliás ma linha daquele que há pouco encetámos.

Parece-me que V. Ex.ª considera que o Decreto-Lei

n.º 520/71 veio introduzir réguas muito simples. Ora não

me parece que isso seja perfeitamente consentâneo com

aquilo que se diz no seu artigo 1.º E pergunto: Quando uma

cooperativa, por exemplo, agrícola organiza um curso de

formação de dirigentes, eu digo que isso não á actividade

3037

exclusivamente económica, tal como está regulado ao

artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 520/71.

V. Ex.ª, na sequência 3o seu raciocínio, que é perfeitamente

dualista e separa, por um lado, sociedades, por

outro, associações, integrará esta actividade mima actividade

de carácter associativo?

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota: Digo

que, numa sociedade de natureza económica, numa sociedade

cooperativa, o seu fim principal, o seu objecto,

escopo de que se fala, é de natureza económica, o que

não quer dizer que não haja uma série de actividades

não suo, a meu ver, primárias - que não revistam

outras muitas naturezas, que não têm de ser fundamentalmente

económicas ...

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª então critica o

aspecto exclusivo que o Decreto-Lei n.º 520/71

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota: Eu talvez

seja mais compreensivo que V. Ex.ª Eu até acho que

"exclusivo" pode lá estar em ofensa...

O Sr. Magalhães Mota: - Ah! Pode-se manter o

"exclusivo" e ter actividades de natureza não económica?

O Orador: ... E o "exclusivo" referir-se ao objecto

ou fim principal da sociedade ...

O Sr. Magalhães Mota: - Não, não. Exclusivo não é

principal. Exclusivo é único ...

O Orador: - O "exclusivo" refere-se ao objecto da

sociedade, o que não quer dizer que não haja depois possibilidade

de, por exemplo, numa cooperativa agrícola, se

ensinar a tratar arames; mas esse não é o objecto principal

da sociedade

O Sr. Magalhães Mota: - Mas o que o decreto não

permite são "actividades", não s5o sobjectos" de sociedade

de

O Orador: - Sou mais liberal do que V. Ex.ª na interpretação

do decreto, Sr. Doutor ...

O Sr. Magalhães Mota: - O que estamos a tentar é

melhorar e evitar interpretações falses que o decreto per-

mite...

O Orador: - Se a minha interpretação o ajuda, ela

aqui ficou, Sr. Doutor

O Sr. Magalhães Mota: - Infelizmente não, Sr. Depu-

tado.

Risos.

Ao fazer estas afirmações faço-as certo de que, tal como

eu, há muito já esta Camará se teria apercebido tio perigo

de confundir realidades objectivas com mistificações que,

se fossem aceites, conduziriam a situações de consequências

imprevisíveis.

E que outra coisa não seria que uma mistificação,

aceitarmos atribuir regimes jurídicos específicos a

aparências que mão a realidades?

Ao encerrar as minhas considerações não quero, contudo,

que fique no espírito de quem quer que seja a

menor dúvida quanto ao altíssimo interesse que vejo

estou certo toda a Câmara verá - no desenvolvimento

das cooperativas, como do espírito cooperativista.

Página 3038

3038

Simplesmente, entendo que é tão Alto o valor em causa,

que jamais precisará que, quem quer que seja, lhe

empreste, paira que caminhe, as muletas da confusão.

Pugnarei, exactamente como os oradores que me

antecederam, para que se generalize o espírito cooperativo,

para que se dê uma cada vez maior atenção a tudo o que

possa levar à compreensão cooperativista.

Mas seria a negação dos intenções o apelo a realidades,

o chamamento de factores que nada contribuiriam para

isso.

Descansem os timoratos que a ratificação do presente

decreto-lei não empurrará a Europa para além doe

Pire-néus, nem sequer para além de Badajoz.

A ratificação do presente decreto-lei mais não é do

que uma atitude dará e nítida que empurrará, paira além

das fronteiras da confusão, regimes jurídicos claros e indis-

cutíveis.

Voto, meus senhores, a ratificação, porque quero votar

com justiça.

Voto, maus senhores, a ratificação, porque quero votar

com confiança e na confiança.

Voto, Sais. Deputados, a ratificação, porque quero votar

no interesse nacional.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Impõe-me a consciência que manifeste a minha

atitude mental, sincera por necessidade e por formação,

ao apreciar o Decreto-Lei n.º 620/71, que veio determinar

que as sociedades cooperativas, desde que não se proponham

exercer, ou efectivamente exerçam, actividade que

não seja exclusivamente económica, fiquem sujeites ao

regime legal que regula o exercício do direito de associação,

diploma que, na interpretação de alguns, significa

ou se traduz numa espécie de requiem para o movimento

cooperativista no nosso país.

Serei breve nas considerações a fazer, começando por

declarar que não sou contra as cooperativas. Antes pelo

contrário, pois que sendo sócio, há longos anos, de uma,

fiz já parte dos corpos directivos de uma outra. Mesmo

nesta Assembleia já sugeri e defendi a criação de cooperativas

como instrumentos para ajudar a resolver o problema

da comercialização dos produtos agrícolas. For tudo isto

me sinto à vontade para fazer o meu depoimento, que

não vai ao ponto de considerar as cooperativas como

espécie de varinhas mágicas para solucionar todos ou

quase todos os problemas snuma sociedade em

desenvolvimento e em crise de inflação".

E porque não escrevemos nem falamos para a galeria,

cumpre-nos dizer, muito sinceramente, que não desfraldamos

a bandeira das cooperativas de tal modo que não

demos pelos princípios que brigam entre si, desconhecendo

que "o interesse do produtor cooperativamente organizado

opõe-se aos interesses do consumo tomados no ponto de

luta pelo barateamento a toda a forca dos produtos a

consumir".

Na verdade, as cooperativas de produção não se cosam

bem com as de consumo por serem opostos os fins que

ambas se propõem: pois que, enquanto os produtores

diligenciam e tudo fazem para colocar o melhor que podem

os seus produtos, os consumidores, ao contrário, nunca

cessam de procurar pagar pelo menos possível tudo quantoconsomem.

Isto leva-nos a não aderir nem alinhar com os

propagandistas do cooperativismo, sobretudo com aqueles que

sonharam ver a Nação e até «o Mundo transformado em

armazém por grosso, com a pomba da cooperativa no

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

alto da fachada», sendo emprestado «ao excelso símbolo

a compostura, ao mesmo tempo angélica e indiscutível,

das coisas infinitamente adoráveis,» "o total desinteresse

pelo voo político, o ar todo convencido das asas experimentadas

no espaço económico, a mirada sempre atenta

e sempre amorosa rondando o fundo social, o carinho

dogmático pelo bem do povo, o ramo da oliveira no

bico...»

A ajuizar pelas declarações romântica e fantasticamente

aliciantes, prenhes de arroubos de oratória e literatura

literatura demagógica que este caso das cooperativas provocou,

tem-se até falado em democracia cooperativa (mais uma

democracia a juntar a tantos outras ...), ao mesmo

tempo que, por tudo e por nada, se teima e insiste no

filão cooperativista, já sobejamente conhecido, explorando-o

com denodo, grande vontade e manhosa subtileza,

alandeando e fazendo crer que tal movimento cooperativisita

tunda despido de todo e qualquer preconceito ou

intenção política.

E foi tal a agitação especulativa e as vozes clamorosas

e alarmantes que à volta deste caso só desencadearam,

logrando, certamente, persuadir e ganhar adeptos, que

a opinião pública quase era levada a acreditar que, neste

momento e nesta terra de Santa Maria, outros problemas

essenciais a vida da Nação não havia que subalternizassem,

amesquinhassem, quase tornassem ridículo o problema

problema das cooperativas

Efectivamente, temos vindo a assistir, nestas últimas

semanas, a uma bem organizada e orquestrada campanha

dos opositores ao Regime e secundada por elementos que

nele se incrustaram ou dele beneficiam, com o fim de

criar um estado emocional tendente a obter desejados

efeitos políticos, mediante uma pretensa tentativa de

liquidação das cooperativas pelo Decreto-Lei n.º 520/71,

de 24 de Novembro passado.

E porquê tanto alarido? Porque através da chamada

acção cultural das cooperativas teríamos facilitada, a

breve trecho, pela sua doutrina e conteúdo, a ressurreição

dos partidos políticos, pústulas que desfeiam e consomem

a unidade nacional, o que o citado diploma legal veio

travar.

E isto porque um Governo tem não só de defender-se

contra os que o servem mal, mas também contra os que

julgam servi-lo bem.

Ora, o Governo entende que se o ideário cooperativo,

na sua transplantação para a prática, se exemplifica ou

afirma como sistema económico, nada lhe tem a opor.

Mas se se apresenta como um sistema de política social

e económica, o caso então já muda de figura.

Na crítica feita ao Decreto-Lei n.º 520/71, e ao pedir

que a Assembleia Nacional recuse a sua ratificação ao

referido diploma legal, não conseguem os seus propugnadores

desprender-se da preocupação estreitamente política

que motiva os seus reparos e objecções.

Não ratificado o decreto-lei, nos programas das cooperativas,

mais dia menos dia, veríamos incluída uma reforma

radical da Nação, isto numa altura em que buscamos uma

sociedade sem partidos em que todos falemos apenas pela

unidade da Nação Corporativa. Quer dizer, em vez de

cooperativas de finalidade exclusivamente económica,

passaríamos a ter antes associações de carácter ideológico

que, inevitavelmente, se transformariam em partidos

políticos, quando o que importa é que trabalhemos dentro

das instituições actuais, sem ideias reservadas, aglutinando

todas as actividades com diversidade de opiniões, de modo

que a acção do Governo possa exercer-se de maneira

maneira frutuosa, sem grandes obstáculos.

Página 3039

19 DE JANEIRO DE 1972

Aproveite-se, pois, das cooperativas o que de construtivo

seja de aproveitai -, repelindo exageros e sub-reptíciasfinalidades.

E neste sentido, elas cabem perfeitamente dentro do

regime político vigente. Já em 17 de Setembro de 1956,

ao abordar problemas políticos e sociais da actualidade

portuguesa, o Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano podiaafirmar:

A obsessão de reduzir toda a organização económica

de um país a cooperativas, desde a grande

indústria ao consumo corrente, pertence até hoje ao

número dos mitos com que se vai alimentando a esperança

dos fiéis descoroçoados com as realizações efectivas

efectivas do colectivismo nos países em que o regime

comunista foi instaurado.

E num outro passo:

A cooperativização integral era o ideal anarquista,

é a fórmula do comunismo libertário, E o último estádio

do processo da realização da sociedade sem classes

classes com a supressão do aparelho político do Estado.

E a concluir, mais o seguinte:

Pensar que a economia moderna é possível com

fórmulas puramente cooperativas, com ou sem régie,

é uma fantasia que a realidade do capitalismo do

Estado suplantou nos países socialistas.

Isto afirmava o Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano,

depois de haver declarado:

Sou, de há muito, um adepto convicto da expansão

da fórmula cooperativista e tenho e. certeza de que,

quando inteligentemente empregada e honestamente

servida, essa fórmula pode ajudar a resolver muitos

problemas dos produtores e dos consumidores e a

corrigir vícios do capitalismo sem que o comércio útil

seja com isso afectado. (Cf. Problemas Políticos e

Sociais da Actualidade Portuguesa, pp. 28 e 27.)

Importa, portanto, estremar o âmbito da acção das

cooperativas, separando-o do resvaladiço terreno político.

Sr. Oliveira Dias: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Oliveira Dias: - Tenho estado a seguir com

atenção as considerações ide V. Ex.ª, e, se bem entendi,

V. Ex.ª dá o seu apoio e até faz parte de cooperativas

cooperativas que têm fins exclusivamente económicos. Todas as

outras podem ser, ou pelo menos potencialmente, um

perigo político que é necessário nos ponhamos de sobreaviso

contra elos.

Eu queria pedir a atenção de V. Ex.ª para os fins

culturais das cooperativas e lembrar-lhe que no nosso distrito

existe, por exemplo, na Benedita, um colégio que é uma

cooperativa, que prossegue, portanto, fins de educação e

que se tem revelado da maior utilidade para a comuni-

dade.

O Orador: - Sim, senhor. Mas eu também posso dizer

a V. Ex.ª que ainda hoje alguém com responsabilidades

no distrito me dizia, que V. Ex.ª conhece, como eu, existir

uma cooperativa no nosso distrito que visa sobretudo

fins políticos. E isso parece que causou a V. Ex.ª algumas

apreensões.

O Sr. Oliveira Dias: - Pois, Sr. Deputado, o problema

creio que se deve colocar desta maneira: não é só

fim económico das cooperativas

O Orador: - Exactamente, há outros fins úteis.

3039

Sr. Oliveira Dias: - ... o seu fim cultural é

também de acolher e é também de acautelar, por isso é que

estamos a discutir esta assunto. O outro problema é um

problema político. Creio que não se deve misturar o cultural

com o político - esta a razão da minha intervenção.

- Pois, exactamente ... Lá está o Governo

para distinguir onde está o cultural e o político.

Risos.

O Sr. Oliveira Dias: - Não é só o Governo, Sr. Deputado,

também nós estamos aqui ...

O Orador: -... O Sr. Deputado, nós lemos por

cartilhas tão diferentes que não é possível o diálogo.

O Sr. Oliveira Dias: - Eu tento o diálogo, V. Ex.ª

Enfim...

O Orador: - Foi quanto o Decreto-Lei n.º 520/71 veio

procurar fazer, (prescrevendo' um regime diferente para as

sociedades cooperativas que visem objectivos não exclusivamente

económicos. E isto para que S3 não enfeudem a

objectivos políticos que levam mais à divisão do que à

cooperação e, por conseguinte, ao desvirtuamento da própria

finalidade cooperativista.

Estas as razões que fundamentam a nossa opinião de

que o Decreto-Lei n.º 520/71 deve ser ratificado por esta

Assembleia, sendo nesse sentido que vamos votar, além

de que sé preciso não esquecer que o nosso país se

encontra em estado de guerra" e ser perigoso correr o risco de

que suma certa propaganda faça trabalho de sapa no moral

da Nação e traia os nossos saldados que se batem".

(Da entrevista concedida pelo Sr. Presidente do Conselho,

Prof. Doutor Marcelo Caetano, ao jornal francês

L'Aurore, em Setembro de 1969.)

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a

sessão. Convoco a Comissão de Economia para se reunir

amanhã, às .18 horas e 30 minutos, e iniciar a apreciação

da proposta de lei de defesa da concorrência. Volto a

apresentar-lhe o meu pedido de proceder ao respectivo estudo

com a possível brevidade.

A Comissão continuará as suas reuniões, organizando-as

e marcando-as conforme as conveniências do seu trabalho.

Amanhã haverá sessão, à hora regimental, tendo como

ordem do dia a continuação da apreciação do Decreto-Lei

n.º 520/71.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.

Francisco António da Silva.

João Ruiz de Almeida Garrett.

Joaquim Carvalho Macedo Correia.

José de Mira Nunes Mexia.

José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.

Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.

Prabacor Rau.

Rafael Valadão dos Santos.

Ricardo Horta Júnior.

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3040

Rogério Noel Peres Claro.

Rui Pontífice Sousa.

Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Vaz Pinto Alves.

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.

Alexandre José Linhares Furtado.

António Júlio dos Santos Almeida.

António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.

Carlos Eugênio Magro Ivo.

Delfino José Rodrigues Ribeiro.

Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.

Fernando de Sá Viana Rebelo.

Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.

Henrique José Nogueira Rodrigues.

João Lopes da Cruz.

João Manuel Alves.

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.

Joaquim José Nunes de Oliveira.

Jorge Augusto Correia.

José da Costa Oliveira.

José Dias de Araújo Correia.

José Guilherme de Melo e Castro.

José João Gonçalves de Proença.

José da Silva.

Júlio Dias das Neves.

Luís Maria Teixeira Pinto.

D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.

Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

Manuel Marques da Silva Soares.

Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.

Miguel Pádua Rodrigues Bastor

Ramiro Ferreira Marques de Queirós.

Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Redactor - José Pinto

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