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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETÁR1A-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CAMARÁ CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151

ANO DE 1972 20 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 151. EM 19 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto.

Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

Nota. - foram publicados os seguintes suplementos ao Diário das Sessões: dois ao n.º 149, inserindo o 1.º a proposta- de lei n.º 18/X, sobre o emprego de trabalhadores estrangeiros, e O 2.º a proposta de lei n.º 19/X, sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar; e um ao n.º 150, que insere a proposta de lei n.º 20/X e o parecer n.º 30/X, relativos à defesa da concorrência,.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - foi aprovado o n.º 149 do Diário das Sessões, com rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Sá Carneiro e Mota Amaral.

Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente anunciou a chegada à Mesa de uma proposta de lei sobre a prestação de avales do Estado, a qual ia ter enviada a Câmara Corporativa para obter parecer.

A Assembleia autorizou os Srs. Deputados Camilo de Mendonça, e Meneses Falcão a depor como testemunhas nos Tribunais das Comarcas de Oeiras e Pombal, respectivamente.

A Sr.ª Deputada D. Sinclética Tortos requereu ao Ministério do Ultramar informações acerca da exigência do Banco de Angola no sentido de as suas acções serem pagas exclusivamente em moeda metropolitana.

O Sr. Deputado Eleutério de Aguiar referiu-se a alguns problemas da economia madeiitmse, especialmente a -produção e comércio ia banana.

O Sr. Deputado Moura Ramos agradeceu ao Governo a criação da Escola de Enfermagem de Leiria.

O Sr. Deputado Oliveira Dias chamou a atenção para alguns aspectos da situação de determinadas categorias do pessoal da Circunscrição Florestal da Marinha Grande.

O Sr. Deputado Alberto de Alarcão manifestou o regozijo das gentes de Cabeço de Vide pelo reinicio das obras de abastecimento de água daquela vila.

Ordem do dia. - Prosseguiu e concluiu-se a apreciação do Decreto-Lei n.º 520/71.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Cunha Araújo, Teixeira Conecto, João Manuel Alves, Roboredo e Silva, Sá Carneiro, Pinto Machado e Almeida Cotia.

No final do debate foi aprovada, em votação nominal, a ratificação, pura e simples, do referido diploma.

O Sr. Presidente encerrou a sessão as 19 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Procedeu-se à chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Alfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.

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Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lurabrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte, João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Coelho de Almeida Cotta. José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 140 do Diário das Sessões.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para solicitar as seguintes rectificações: na p. 3007, col. l.ª, 1. 16, onde está: "decididamente", deve ler-se: "decisivamente"; na p. 3 015, col. L.ª, 1. 39, onde está: "- sem solicitar permissão -, e que eu tenho muito gosto", deve ler-se: s"sem solicitar permissão; e que eu tenho muito gosto".

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Agradecia que ordenasse a seguinte rectificação ao n.º 149 do Diário das Sessões: na p. 3 010, col. 2.a, 1. 24, em vez de "Haway", deve ler-se "Hawai".

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja apresentar rectificações ao 'n.0 .149 do Diário das Sessões, considero-o aprovado, com as rectificações já expostas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cento e cinco telegramas pedindo a não ratificação do Decreto-Lei n.º 520/71.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta de lei sobre a prestação de avales do Estado. Vai ser publicada no Diário das Sessões, enviada à Câmara Corporativa para obter parecer e baixará oportunamente à comissão ou comissões desta Câmara que forem reconhecidas competentes.

Estão também na Mesa dois ofícios: um do delegado do procurador da República na comarca de Oeiras, a pedir a comparência do Sr. Deputado Camilo de Mendonça no próximo dia 29 de Janeiro, pelas 11 horas, a fim de depor como testemunha; outro do meritíssimo juiz de direito do Tribunal da Comarca de Pombal, a pedir a comparência do Sr. Deputado Meneses Falcão no próximo dia 23 de Fevereiro, a mesma hora e para o mesmo efeito.

Consultados os Srs. Deputados, nenhum deles vê inconveniente para a sua acção parlamentar na concessão das autorizações solicitadas pelos Tribunais referidos.

Consulto a Assembleia sobre se concede autorização para os Srs. Deputados deporem, como é solicitado.

Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento a Sr.ª Deputada D. Sinclética Torres.

A Sr.ª D. Sinclétíca Torres: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, nos termos regimentais, que através do Ministério do Ultramar me seja dado o seguinte esclarecimento:

a) Por que motivo as acções do Banco Emissor de Angola só podem ser adquiridas na província mediante pagamento em moeda metropolitana;

b) Por que razão o Banco de Angola recusa o pagamento dessas acções em moeda local emitida pelo mesmo Banco.

O Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conforme se tem salientado, ocupa a política regional lugar preponderante nas preocupações do Governo,

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com objectivos claramente definidos nos planos de fomento e nas mais recentes leis de meios, em cujos articulados se expressa repetidamente o propósito de acelerar o desenvolvimento das infra-estruturas económicas e sociais atinentes à elevação do nível da vida das populações.

Daí que se encontre - além de outras motivações - plena justificação para focar problemas que, sendo embora de âmbito mais acentuadamente regionalista, não podem deixar de ser expostos nesta Casa da Nação, em especial quando de casos concretos se tratam, no desejo fundamentado de criticar com oportunidade e requerer do Executivo providências mais urgentes.

Em anteriores intervenções já aqui tivemos ocasião de focar o dramatismo da economia madeirense, bem expresso no acentuado agravamento do déficit da sua balança comercial, a ultrapassar o meio milhão de contos anuais, e na baixa capitação do rendimento interno, ainda inferior a 10 000$, o que, conjugado com forte densidade populacional, da ordem dos 840 habitantes por quilómetro quadrado, vem ocasionando crescente emigração, legal e clandestina, que não se trava apenas com medidas de policiamento, ultrapassando em cerca de 16 milhares os saldos fisiológicos e despovoando-se os concelhos rurais, que acusaram na década 1960-1970 uma baixa superior a 20 por cento.

No conjunto das acções prioritárias, no âmbito do planeamento regional, foi o sector da agricultura apresentado como o mais carecido de urgente actuação planificada, a' fim de libertá-lo das muitas barreias que presentemente o condicionam, salientando-se o (propósito de promover a reconversão cultural e estabelecer circuitos de distribuição, de modo a garantir uma melhor e mais rápida rentabilidade. Critério merecedor de inteiro aplauso, até porque, estando 50 por cento da população activa do distrito ligada ao sector primário, da adopção de novas práticas e culturas, visando o consumo interno e o turismo, bem como os (mercados exteriores, resultará certamente a melhoria das condições ide vida rio meio rural, onde os efeitos da crise mais se fazem sentir e se avolumam carências de toda a ordem.

Já se acentuou que a crise é tanto mais sombria e difícil de recuperar, na medida em que se encontram afectadas as grandes culturas tradicionais da economia madeirense - cana, vinha e banana -, também carecidas de reconversão, sendo imprescindível o efectivo e pronto apoio do Governo Central, consubstanciado em auxílios técnicos e financeiros, além de outras medidas urgentes, em especial, no que respeita à defesa da lavoura contra a acção especulativa dos intermediários que a exploram, mesmo & luz do dia e a sombra de certas organizações legalizadas, originando o aviltamento dos preços s produção e, simultaneamente, concorrendo para o seu agravamento ao consumidor.

A situação, que se arrasto há já longos anos, não pode ser ignorada pelo Governo, pois lhe têm sido entregues inúmeros estudos em que a mesma se retrata fielmente e até porque em recentes visitas dos seus membros mais responsáveis pelo sector em causa foram localmente apontadas, em toda a sua extensão e por quem melhor as conhece, as principais carências, discutindo-se as medidas a pôr em prática a curto prazo, para que se não estiolem as potencialidades ainda existentes e se criem condições necessárias a obtenção de novas fontes de riqueza, tarefa, aliás, bem difícil, peão tempo perdido e no estado de crescente saturação dos mercados, alem de que sobremaneira agravada pela defeituosa estrutura agrária, de tipo minifundiário.

Na verdade, o desenvolvimento da agricultura madeirense é fortemente condicionado pela excessiva fragmentação da superfície cultivada - 27 por cento da área total da ilha, isto é, 20 000 ha em 78 700 ha -, existindo mais de 27 000 explorações, sendo a dimensão de 87 por cento inferior a 0,5 ha e cerca de 50 por cento não atingindo os 1 000 m2. Por outro lado, a natureza dos solos impede, na sua maior parte, a mecanização, agravando-se as crescentes dificuldades que resultam da faltando mão-de-obra, em quantidade e em especialidade, tão necessária no processo de reconversão, que todos os estudos apontam como imprescível ao desenvolvimento.

De tudo isto, que constitui uma simples resenha de factores desfavoráveis, ressalta, a série de problemas que têm de ser devidamente considerados no lançamento de uma nova política agrária, só exequível a longo prazo, mas impondo para já intenso trabalho de coordenação e mentalização, a começar junto das organizações da lavoura, cuja acção tem de ser dinamizada até se atingirem, em plano mais adiantado, os seus associados, sem esquecer a formação de técnicos 0 de empresários agrícolas, de forma a possibilitar-se uma conjugação de esforços que permito ultrapassar os inconvenientes da actual estrutura da propriedade.

Todavia, mesmo se coexistirem, como ambicionamos, todos os factores apontados, continuará a ser difícil, nos anos mais próximos, a situação da nossa lavoura, e, para além da necessidade de se incrementarem trabalhos já em curso, alguns dos quais a exigirem maior profundidade, ultrapassando-se princípios obsoletos e criando-se estruturas que melhor defendam o produtor e o estimulem a regressar ao amanho da terra, fazendo-o participar mais directamente nos circuitos de comercialização dos seus próprios produtos, importa estar atento às vicissitudes que possam agravar ainda mais o statu quo, em especial quando afectem ás referidas culturas tradicionais, de maior rendimento, ou outras já em experiências, de reconversão.

Infelizmente, não é isso o que se está a verificar. Fala-se muito na necessidade de se reconverter, processo necessariamente moroso e caro, mas não se tem procurado salvar as produções que mais têm contribuído para um relativo bem estar das populações rurais. Exemplo flagrante é o que nos últimos anos se vem passando com a produção e o comércio das bananas da Madeira, uma das principais fontes de riqueza da região.

Porque o problema é do conhecimento do Governo, pois junto dele sé têm pronunciado várias entidades responsáveis, e nesta Camará foi já objecto de oportunas intervenções: e não só na presente legislatura -, achamos desnecessário pormenorizar, limitando-nos a um breve resumo da situação.

Ao longo dos tempos, a banana madeirense, cultura que ocupa cerca de 2 600 ha, encontrou no continente o seu principal mercado, para onde expedia à volta de 30 000t anualmente. Por falta de coordenação eficiente, praticaram-se anomalias várias, em prejuízo flagrante do consumidor e sem benefício real para os seus produtores, já que se permitiu que todo o circuito de distribuição e comercialização permanecesse nas mãos de intermediários alguns, deles sem escrúpulos, actuando em estilo de trust, sem dificuldades de qualquer espécie e beneficiando da indiferença da própria organização da lavoura, que, ainda hoje, apenas concorre com ínfima percentagem nos contingentes expedidos.

O Sr. Duarte do Amaral: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

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Q Sr. Duarte do Amaral: - E só para referir que não é apenas relativamente aos produtos da Madeira que isso acontece. Também, e desgraçadamente, relativamente a todos os outros produtos agrícolas.

O Orador - Muito obrigado, Sr. Deputado.

Reis e senhores absolutos de um mercado que garantia o escoamento do produto, disfarçando a sua actuação, como se de interesse público se tratasse, muito concorreram para a crise que hoje atravessa a lavoura, ainda e sempre a grande sacrificada.

Com a vinda das primeiras remessas de banana ultramarina, em especial da proveniência angolana, começaram a surgir as dificuldades, avolumando-se de ano para ano, A medida que se foi aproximando o estado de saturação do mercado. Repara-se que, em 1960, a banana de Angola aqui consumida foi de apenas 1 000t, mas já em 1967 era de 7 500t, duplicando no ano seguinte, para em 1969 ultrapassar as 21 500t, continuando desde então em ritmo progressivo a inundar o mercado, cujo poder de absorção, segundo opinião generalizada, dificilmente poderá ir além das 75 000t.

Perante tão sombrias perspectivas, logo os entidades responsáveis madeirenses solicitaram do Governo Centrai as providências que se impunham, no sentido de se normalizar o mercado, tendo-se proposto a criação, pelos Ministérios da Economia e do Ultramar, de uma comissão mista para estudar a solução de alguns aspectos da concorrência das bananas insulares e ultramarinos, tendo em vista uma contingentação quantitativa dos várias origens - que não só da Madeira e de Angola - e coordenação do seu comércio, de forma a evitarem-se os prejuízos resultantes de remessas irregulares. Ao mesmo tempo, pretendia-se traçar directrizes com vista ao possível escoamento da banana ultramarina para os mercados exteriores, já que, pelas suas memores potencialidades, conviria assegurar aqui a colocação da produção madeirense, num total aproximado, como já se referiu, de 30 000t anuais.

Todavia, com o peregrino argumento de que a livre e sã concorrência era incompatível com o estabelecimento de contingentes relativos às várias origens, absteve-se o Governo de intervir, confiando em que, pelo apuro da qualidade e melhoria dos condições de comercialização, poderia a Madeira conservar o seu lugar no mercado concorrencial. Esqueceu-se, no entanto, de que para a apregoada falta de qualidade muito contribuíam as condições em que se praticava o respectivo comércio, flagrantemente deficitárias e que haviam levado a Madeira s requerer, já em l938, a construção de um armazém no cais de Lisboa, satisfazendo a todos os requisitos técnicos, sem que obtivesse a necessária autorização, não obstante ser previsto em plano de fomento e superiormente se reconhecerem as SUAS inúmeras vantagens.

E o resultado dessa incompreensível inércia está à vista. No cais de desembarque, tal o afluxo da banana ultramarina, atingido o estado de saturação, depois do aviltamento dos preços a que sujeitaram a produção madeirense, os importadores recusam-na pura e simplesmente, ainda que a sua cotação seja inferior a de origem angolana. E, em consequência de tão flagrante falta de coordenação, a economia, a pequena economia madeirense, sofrendo os efeitos da lei do mais forte, vê-se atirada para a maior crise de sempre, afectada em rendimentos anuais da ordem dos 100 000 contos!

O Sr. Agostinho Cardoso: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: Faça favor.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Fez V. Ex.ª muito bem em trazer à Assembleia o seu apelo ao Governo acerca desta crise da banana madeirense.

Tal crise não é nada recente; é muito antiga. De vez em quando há dificuldades grandes na colocação da banana no mercado continental e acontece existir a ideia no. público madeirense de que nada se faz para resolver este problema, ou pelo menos para estudá-lo e chegar-se à conclusão, pelo menos, que tem de se fazer uma reconversão parcial ou total.

Parece-me que as comissões mistas, de que V. Ex.ª fala e de cuja existência eu não tenho a certeza, não resolvem a questão.

Parece que deve criar-se uma comissão de elementos locais e de elementos dos serviços que dentro de um prazo fixo. ...

O Sr. Duarte do Amaral: - E inadiável.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Exactamente, e inadiável, ... estude e determine soluções, ou até chegue a conclusão de que nada se pode fazer.

Há aqui três ou quatro problemas na banana madeirense:

1.º Estudo da sua reconversão. Reconversão parcial ou total em que medida é que ela deve fazer-se e as condições de subsídio dessa reconversão. E em que deve reconverter-se, possivelmente indo para a viticultura ou para a fruto-horticultura. Enfim, um estudo das condições dessa reconversão.

2.º Estudar-se o circuito de distribuição.

VV. Ex.ª sabem que o agricultor recebe por vezes 2$ por um quilo de bananas e aqui vende-se a 10$ ou 12$.

Ver se é possível um plano de comercialização no mercado continental.

3.º Fiscalização da qualidade da banana que se exporta.

Suponho também que a banana ultramarina deve estar à beira de uma crise, porque é demasiado volumosa a produção para o mercado continental e é pequena de mais ainda para o mercado estrangeiro.

Suponho também que talvez houvesse necessidade de uma comissão estudar a possível evolução da exportação e dos mercados em relação à banana ultramarina; e então do confronto desses estudos é que resultaria uma posição a tomar pelos serviços, isto é, pelo Governo através dos serviços, posição que se toma cada vez mais necessária.

Deste modo, tem-se a convicção de que nada se faz e, sobretudo, nada se diz ao lavrador. A Madeira não é informada do que se passa e se se está fazendo alguma coisa.

Portanto, tem V. Ex.ª razão em trazer para aqui este assunto. Já tenho dito na imprensa local e aqui mesmo nesta tribuna que acho sobretudo necessário estudar correctamente este problema dentro de um prazo, tentando tomar decisões e apontar soluções.

O Orador: - Sr. Deputado Agostinho Cardoso, recordando a longa experiência parlamentar de V. Ex.ª e sendo esta a primeira vez em que numa intervenção mossa há uma interrupção de outro colega de círculo, eu quero deixar bem saliente quanto me apraz registar as suas palavras de apoio, pelo prazer de estarmos juntos nesta hora de grave crise para a nossa terra, em que só unidos poderemos efectivamente aparecer perante o Governo, solicitando as medidas que há muito deveriam ter sido tomadas.

Muito obrigado, Sr. Deputado, ainda em nome da população que ambos aqui representamos.

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Prosseguindo: o problema reveste-se de tamanha gravidade e as suas repercussões de ordem política são tão evidentes, depondo contra os objectivos do proclamado desenvolvimento regional, que não causou estranheza, antes foi bem aceite pela opinião pública, uma demarche recentemente realizada (pêlos presidentes das câmaras junto do governador do distrito autónomo, a fim de manifestarem as suas sérias apreensões e solicitarem imediatas providências. Atitude dramática, mas com a qual se solidarizaram os Deputados pelo círculo, alias aã sequência lógica dos suas intervenções nesta Casa da Nação.

Terminaremos, Sr. Presidente, apelando, unia vez mais, para o Governo e espetando as soluções exigidas pela economia da Madeira, que já há muito deveriam ter sido adoptadas, antes que a situação obrigue a outras formas de tratamento, sem qualquer benefício para a tenra e para a Nação.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a V. Ex.ª a palavra para, em nome das populações beneficiadas, agradecer ao Governo, e mais particularmente ao Sr. Secretário de Estado da Saúde e Assistência, a medida recentemente tomada de criar em Leiria n tão desejada escola de enfermagem.

Julgo que com a materialização de tal medida mais uma batalha se vai ganhar em defesa da saúde pública e do bem-estar das populações, passando a dispor-se de um instrumento valioso e de extraordinário interesse para a região de Leiria, o que não pode deixar de constituir motivo do mais vivo e justo júbilo.

A criação de uma escola de enfermagem, cuja necessidade crescente se patenteava dia a dia, foi advogada nesta Câmara quando, em sessão de 11 de Março de 1965, me ocupei do problema hospitalar da sede do distrito de Leiria. Dissemos então:

Lamenta-se não haver a possibilidade de pôr ali a funcionar, anexamente, uma escola de enfermagem, cuja importância e necessidade na formação do pessoal tanto se impõe nos dias de hoje, quer no aspecto técnico, quer no deontológico.

E para justificar tal exigência, tecnicamente informativa e moralmente formativa, lembrámos que já alguém dissera que os doentes eram como "convidados de honra" dos hospitais, pelo que, como tais, deviam ser considerados por todo o pessoal hospitalar. E acrescentava ainda:

... mas, se não quisermos ir tão longe, considerem-se, ao menos, dentro da nossa concepção cristã de vida, como irmãos que sofrem, a quem devemos tratar com a maior solicitude, carinho e amor ou, numa palavra, com caridade. E isto independentemente da sua condição social e económica, pois todo aquele que dá entrada num hospital patenteia sempre sofrimento, que é acrescido, quando pobre, de lamentáveis condições materiais.

Cinco anos são volvidos e, à medida que o relógio do tempo vai dando as suas badaladas, maior razão vão ganhando as razões então por nós aduzidas em defesa quer da construção de uma unidade hospitalar que substituísse o velho e inadequado edifício onde presentemente funcionam os serviços de saúde de uma capital de distrito em desenvolvimento acelerado, quer da criação de uma escola de enfermagem que ali, anexamente, funcionasse.

E nem admira que assim aconteça, sabido quanto os problemas da saúde e assistência vêm ganhando, dia a dia, no domínio dos contextos sócio-políticos e económicos que os enformam e condicionam, uma nova e cada vez maior dimensão e uma acerada agudeza.

Daqui resulta que constitua grande preocupação do Governo a de atacar e resolver tais problemas, no número dos quais se conta, como dos mais aflitivamente clamorosos, o da formação do pessoal de enfermagem, de grande carência, facto que muitas vezes tem levado a dançar mão de pessoas sem os requisitos mínimos indispensáveis para uma eficiente actuação, não permitindo a selecção que se impunha fazer-se e que redunda em prejuízos para o regular e normal funcionamento dos serviços de saúde e assistência.

E se as reformas neste importante sector tendem a condensar-se na promoção do bem-estar pela saúde, necessário e urgente se torna que haja pessoal a altura para uma boa eficiência dos serviços a prestar nos estabelecimentos hospitalares, que têm como principal personagem e sua única razão ide ser o doente. É efectivamente para o bem-estar e melhor e mais rápido e adequado tratamento dos doentes que devem congregar-se todos os esforços, quer os de carácter módico e de enfermagem, quer os ide outra qualquer natureza.

Ora, o Sr. Secretário de Estado da Saúde e (Assistência, decidindo-se a criar a Escola de Enfermagem de Leiria, forneceu à região um útil instrumento de acção renovadora nia- formação desses tão necessários servidores da causa da saúde.

Através da concretização de tão premente melhoramento, poderão ser formados e apetrechados, técnica e deontologicamente, esses prestimosos funcionários, em termos de os doentes dos hospitais, centros de saúde e postos das caixas de previdência da zona de Leiria poderem passar a dispor, em qualidade e quantidade bastante, ide quem sobre eles derrame cristãmente bálsamos de caridade e cuidados sem par, de modo a minorar-lhes os padecimentos que os apoquentam.

Agradecimentos são, por isso mesmo, devidos ao Sr. Secretário de (Estado da Saúde e Assistência por tão perfeita receptividade e compreensão manifestada (frente a tão justa e premente causa.

Leiria e as suas gentes, ciosas dos seus valiosos pergaminhos na nobreza da caridade e de generosidade, e movidas pelos justos anseios e instantes necessidades que estão na base do seu desenvolvimento económico e social, tudo (procurarão fazer para bem cumprir.

E depois desta palavra de congratulação e agradecimento, não será despropositada uma palavra de fé quanto à solução do magno problema hospitalar do distrito de Leiria.

As dificuldades de alojamento de doentes no edifício hospitalar, mandado construir pelo grande bispo que foi D. Manuel de Aguiar e posto a funcionar em 8 de Junho de 1800, têm aumentado com o decorrer dos tempos, tornando-o acanhado e deficiente, sem possibilidade de nele fazer uma conveniente montagem de serviços e sem dependências bastantes para a zona demogràficamente densa que serve.

Nas condições em que se encontra não pode o Hospital de D. Manuel de Aguiar, pertencente à Santa Casa da Misericórdia, exercer o papel dominante que, dentro de um" moderna política sanitária, lhe incumbe, pois que as suas acanhadas acomodações opõem-se à concretização de um plano de conveniente reapetrechamento e modernização técnica.

E cento que, pela acção dedicada e zelosa das suas Mesas a Misericórdia muito ali tem feito de há anos

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para cá, envidando esforços no sentido dá- melhorá-lo através- de obras de beneficiação, reparação, ampliação, alteração e adaptação, sem que, no entanto, o hajam conseguido transformar numa unidade hospitalar capaz de, nos tempos actuais, satisfazer a sua alta missão médica hospitalar no plano regional.

E assim se vão gastando centenas de milhares de escudos sem que se atinjam os objectivos a realizar, as necessidades a suprir e as comodidades a oferecer a quem, como já dissemos, é a principal personagem: e única razão de ser destas casas - o doente.

Com tais soluções provisórias e que hão passam de remendos enxertados em- corpo que mal os comporta, cada vez se impõe mais a construção de um imóvel apropriado, espaçoso e moderno, sem o que tudo continuará como dantes, isto é, a' dispersão de serviços por vários edifícios, com todos os inconvenientes de ordem funcional e financeira; a falta de um pavilhão para as doenças infecto-contagiosas; enfermarias acanhadas e sem as necessárias condições de conforto; os serviços radiológicos, os de laboratório e as salas de operações instaladas em construções parasitárias enxertadas em locais onde existiam antigos pátios; os serviços de urgência e outros mais instalados em dependências acanhadas, etc.

De tudo isto se conclui que Leiria mão dispõe de um hospital devidamente apetrechado com os indispensáveis requisitos modernos e a que tem direito pelo crescente movimento com a prestação de serviços médico-cirúrgicos de urgência, e quê os numerosos acidentes de viação e outros verificados na sua área reclamam instantemente.

E nem outra coisa é de esperar de um edifício que foi construído há mais de cento e sebenta anos, pelo que forçosamente tem de estar acanhado, impróprio e inadequado para satisfazer as condições de unia assistência hospitalar que requer novas condições de instalação, novo ambiente e técnicas de uma moderna actuação e eficiência.

E agora que o Governo deu um passo em frente na solução de um dos problemas ligados à promoção do bem-estar pela saúde das populações do distrito, uma lufada de fé e esperança surge no sentido de que irá ser posto de novo o problema da construção de uma unidade hospitalar ma capital do distrito de Leiria, digna das suas gloriosas tradições no campo da caridade e da generosidade, e que, suprindo os inconvenientes verificados mo velho Hospital da Misericórdia, seja também cabalmente apta a exercer a função fundamental, e a todos os títulos nobre, entre os mais importantes serviços de saúde.

For isso as gentes de Leiria esperam e confiam no Governo da Nação.

Tenho dito.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Oliveira Dias: - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Na passada sessão legislativa requeri ao Governo diversos elementos relacionados com a situação de determinadas categorias de pessoal - assalariados e eventuais - da Circunscrição Florestal da Marinha Grande.

Recebidas essas informações, é meu dever chamar a atenção do Governo para alguns aspectos que julgo merecerem urgente correcção na situação dos referidos funcionários.

Antes, porém, cabe recordar a excepcional importaria para o Estado da zona florestal a cargo desta Circunscrição, com relevo para o tão célebre pinhal de Leiria.

Sob orientação firme e esclarecida, tem a Circunscrição vindo a desenvolver notável actividade, recordando-se que no triénio- de 1968-1970 possibilitou ao Estado uma receita de 104 252 contos, o que corresponde a uma média anual de 84 750 contos, sendo a despesa com todas as categorias de pessoal, no mesmo triénio, de 15 415 contos, ou seja, em média anual, 5 135 contos, o que não chega a 15 por cento da receita média anual indicada.

Outras e não menos frisantes utilidades de interesse público devem, porém, ser assinaladas ao Pinhal do Bei, com relevo para o seu excepcional interesse turístico, envolvendo as praias de S. Pedro de Muel e Pedrógão e quase tocando à Nazaré. Nesta época em que se procuram valorizar as nossas potencialidades turísticas e proporcionar crescente bem-estar às nossas populações, eu lembro o pinhal de Leiria, assinalando a meritória actividade da Circunscrição Florestal da Marinha Grande, que o dotou de uma boa rede de estradas em todas as direcções, a qual, possibilitando maior eficiência aos serviços da Circunscrição, ao mesmo tempo assegurou o fácil acesso de turistas nacionais e estrangeiros a todos os seus recantos.

Lembro o pinhal de Leiria e peço que tudo seja feito para melhorar as suas potencialidades turísticas, desde o preservar, com o maior carinho, todas as zonas du mata, que pela sua localização ou beleza natural não devem ser devastadas, até ao melhor aproveitamento das suas possibilidades cinegéticas, para o que seria de valorizar a sua reserva de caça, carecida de melhores cuidados e fiscalização, sem esquecer a criação de novos espaços e melhores instalações para os turistas. A este propósito cabe citar que enquanto S. Pedro de Muel dispõe já de um bom parque de campismo, Pedrógão - a praia de Leiria - ainda o não possui, merecendo justo reparo a situação actual de inexistência de uma zona onde os turistas possam acampar. Os que se afoitam a armar a sua tenda ou a estacionar a sua roulotte na bela mata pública, que confina com a praia, recebem logo ordem de marcha como indesejáveis.

Assim se atrai o turista!

Propus-me inicialmente referir a situação de determinadas categorias de pessoal dos serviços florestais, o que passo a fazer sucintamente:

Num centro industrial, como a Marinha Grande, dos mais progressivos do País, em que a mão-de-obra se vem - e justamente- valorizando, com melhores salários, enquadrada nos esquemas sociais da Previdência, julgo preocupante a situação de muitos dos colaboradores dos serviços florestais, parecendo que alguma coisa poderá ser feita desde já para os beneficiar.

Desde logo no capítulo das remunerações, pois que, se foi possível melhorar categorias, como a dos guardas florestais, restam situações clamorosas, como a de determinados assalariados, onde ainda se encontram indivíduos a ganhar salários da ordem dos 40$ e 50$ diários ...

Por exemplo, os guarda-fios, a receber 1500$ mensais, enquanto os seus colegas dos CTT auferem já 2 400$; os cantoneiros, com 1 200$ mensais, enquanto os dependentes da Junta Autónoma de Estradas foram aumentados para 1 900$ mensais, e outros auxiliaras, com 1 150$ e 1 200$ mensais.

Se em Portugal fosse fixado um salário mínimo nacional, casos como estes ficariam muito abaixo de um nível mínimo aceitável de subsistência.

Além de que se verificam situações de injustiça relativa, como ficou assinalado, em relação a outros departamentos do Estado, que deveriam ser prontamente corrigidas.

Os assalariados, no seu conjunto, lamentam justamente o facto de anteriormente a Janeiro de 1970 ga-

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nharem trinta dita no mês, o que lhes foi cerceado para vinte e seis dias posteriormente à referida data.

Quanto aos eventuais, em média duzentos e três mensalmente, dos elementos recebidos há que realçar desde logo o valor médio do jornal - 45$ -, o que leva naturalmente a que muitos deles sejam mais "asilados" do que elementos úteis. Como hão-de ficar os que assegurariam melhor produtividade aos serviços?

O esquema de benefícios sociais que o "abrange, como o dos outros eventuais do Estado, é muito limitado, não tendo férias pagas nem qualquer reformai

Aqui, como noutros departamentos do Estado, creio que se poderia pagar afinal talvez menos, se se pagasse melhor, assegurando uma maior produtividade dos serviços e reduzindo o número dos serventuários.

Termino solicitando ao Governo, através da Secretaria de Estado da Agricultura, que um esforço seja feito no sentido de melhorar a situação dos dedicados serventuários da Circunscrição Florestal da Marinha Grande e remediando desde já as situações anómalos que assinalei.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Hoje não será tanto para sugerir ou criticar, como para louvar.

Acabo de receber informação de que uma aspiração local que me fora dirigida e resolvera endereçar directamente ao Ministério respectivo encontrou pronto e completo deferimento.

Não respeitava a localidade do meu círculo, mas não seremos todos e até ao termo do mandato simplesmente sDeputados da Nação"?

Informando, pois, colega(s) desse círculo, resolvera assumir a responsabilidade da apresentação directa e fotograficamente documentada desse caso à administração pública: as obras há sete anos iniciadas e há muito suspensas do abastecimento de água e esgotos a Cabeço de Vide, no distrito de Portalegre.

"Sete anos de pastor Jacob serviu Labão, pai de Raquel, serrana bela ...", mas irá ter agora Cabeço de Vide o prémio da sua perseverança e'fidelidade.

Preferi - e continuo a preferir - não fazer a história deste caso, pois que às vezes - repito, às vezes - calar o que se sobe e vai cá por dentro também é política, e nem sempre será da pior.

Mas não ficaria tranquilo com a consciência se não expressasse, e publicamente, a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas e aos seus- serviços a gratidão das gentes de Cabeço de Vide pelas obras que ora se irão reiniciar, para ter seu termo em breve, espero, e dar lugar ao cantar da água no interior de mais umas quantas casas portuguesas.

Que nem tudo deve ser fado ... nem o destino marcar encontro a uns quantos residentes de Cabeço de Vide no fundo de valas abertas, sete anos que vão passados ...

Permita-me, Sr. Presidente, que junte a esse agradecimento o reconhecimento da população da Costa da Caparica pelas obras de defesa da praia e vilã que noutros tempos nesta Casa advoguei.

Muito mais haverá que prosseguir.

Setúbal e Lisboa, Lisboa e Setúbal, as suas gentes irmãs nadas num destino comum a caminho dos areais da Outro Banda nas primaveras que hão-de vir, bem podem continuar a contar com novas e engrandecidas Costa (s) da Caparica ao longo do litoral. E bem precisas são para desintoxicação dos pulmões ...

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados [...]

Ordem do dia

Continuação da apreciação do [...Deci...] nos termos e para os efeitos do § 3.º Constituição Política.

Tem a palavra o Sr. Deputado [...Cu:...]

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente do acerto da promulgação do De e ignorasse os verdadeiros desígnios de estabelecidas entre nós e de outras ter-lhe-ia para habilitar-se à fórmula reacção provocada entre aquelas [...ci samente...] impôs a necessidade de [...api itaoão...], e sem dúvida, também, a [...veri...] requerida baixa para ratificação por aquele diploma, que se pretendeu trai razões demasiado óbvias para [...dispenst ciai...].

Perguntar-se-á,. considerada a [...discus...] sé o estranhamos.-.

Mas evidentemente que não. Numa rizadamente política, mormente nos [...] contestação quê decorrera, nunca são das de posição deste género, com [...or...] em "compromissos", não importa, desde se possa dar satisfação a certos sector [...tergados...] embora os interesses maiores que, na hipótese, o Governo avisadamente [...telar...], numa atitude de prevenção corri [...vërsívas...] que se pretendem livremente de um condicionalismo legal que [...man...] cobre. Isto seja qual for a argumente reacção demo-liberal interessada na : não obstante o vigor dos seus [...patrocin...] Casa e neste país, graças a Deus tão li honestamente poderá acusá-lo de não t biela Legislativa uma ousada represei Está assim dada a nota de uma [...sadi ticipação...] das forças que sistemàticam: ao Regime e por cuja via a Nação informada... Ainda bem, e oxalá todo com os representantes ... E lhes dato ...

Mas o que ora mais interessará f razões do alarme provocado com a p em discussão e na sua sequência a tal como o pretendem certas coopera mós patronos, sai comprometida a sua [...tituição...] e de escolha do seu objecto [...d rentemente...] todos se batem em [...contr mam...] de domínio governamental sob pendor, ainda a indagação quanto à tem, isto é, se são sociedades comer pies associações, e se sendo sociedade o serem em consequência da sua CL do Código Comercial, o facto, quando volvida seja simultaneamente económica [...] ou não à disciplina do Decreto de Maio de 1954, que regula o direito [...]

A questão parece não revestir qua dosos, a não ser por mero espírito de

De facto, sempre foram os fins vida sua constituirão;- que outorgaram [...] e às cooperativas, em especial, a [...merciais...] ou de simples associações, r

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directamente derivar o reconhecimento da sua personalidade jurídica - vislege, quanto as primeiras, desde que prossigam fins económicos e verificada a exigência da sua constituição ao abrigo do Código Comercial, e normativo, quanto às segundas, este da competência exclusiva do Governo, caso por caso, se os seus fins forem de natureza ideal -, exvi do decreto em discussão igualmente, se prosseguidos cumulativamente objectivos económicos e ideais.

Ora o Decreto n.º 520/71 em nada contende com a liberdade de constituição e de escolha do objecto da acção das cooperativas, que permanece intacta e em que o Governo não pode nem quer interferir. Contende apenas, e é isso o que visa, com o exercício de um direito de associação que lhe cumpre controlar e se pretende camufiadamente exercer à margem da sua disciplina reguladora, com o argumento especioso de que se procura coarctar a livre iniciativa quanto à constituição e escolha do seu objecto.

Que não é assim resulta claro da letra e do espírito da legislação promulgada ...

O Sr. Sá Carneiro: - Não apoiado!

O Orador: - ... que logo no seu artigo 1.º inequivocamente dispõe que:

Sempre que as sociedades cooperativas se propunham exercer, ou efectivamente exerçam, actividade que não seja exclusivamente económica, de interesse para os seus associados, ficam sujeitas ao regime legal que regula o exercício do direito de associação.

Quer dizer, o Governo, como aliás sempre tem feito, mantém-se alheio, embora encorajando-o em certos casos, económica & financeiramente, ao movimento cooperativista de sentido económico no papel que tradicionalmente lhe tem cumprido. Incentiva mesmo o seu desenvolvimento e deseja-o tão livre que lhe não marca fronteiras nem impede a livre concorrência quanto aos seus objectivos, nem limita a sua expansão. Desde que prossiga fins exclusivamente económicos e legalmente se constitua, não interfere; aceita-o e protege-o em estreita cooperação, como antídoto contra a intromissão dos intermediários nos ciclos económicos.

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto. A V. Ex.ª permito.

O Sr. Magalhães Mota: - Muito obrigado.

Apenas gostaria de me centrar DOS pontos de natureza, técnico-jurídica. Dentro desse campo, gostaria de ouvir a opinião de V. Ex.ª em relação ao seguinte:

Defendi eu aqui, nomeadamente, que há cooperativas, sobretudo de consumo, que efectivamente têm de exercer no seu próprio interesse, no interesse dos associados e no interesse da colectividade, actividades que não são de natureza exclusivamente económica. Disse também que, relativamente às cooperativas, a actual legislação estaria a estabelecer uma desigualdade flagrante em relação a quaisquer outras sociedades, porquanto uma sociedade comercial por quotas ou anónima exerce actividades de natureza não exclusivamente económica e ninguém até à data se lhe opôs. Pergunto se V. Ex.ª está ou não de acordo em que se estabeleceu uma desigualdade, se V. Ex.ª está ou não de acordo em que o limitar--se a actividade das cooperativas a fins exclusivamente económicos prejudica o movimento cooperativo em geral.

O Orador: - Embora com a declaração [...prél...] a minha opinião, mesmo sob o aspecto jurídico qualquer interesse para V. Ex.ª, jurista qual] eu muito considero, devo dizer-lhe que não inconveniente, dentro do tipo cooperativo, [...de...] regime excepcional.

O Sr. Magalhães Mota: -Ah! É um [...regim nal...] ...

O Orador: - É, assim como o regime [...coope...] entre nós não é uma fórmula, mas sim de ocorrer ao mais eficaz desenvolvimento Nação. Não sendo uma fórmula, não pode [...dei nhum...] estar sujeito à rigidez dos princípios [...qvl...] acaba de pôr em relevo quanto às socieda^| ciais.

O Sr. Magalhães Mota: - Não falei de [...rigidl...]

O Orador: - V. Ex.ª acaba de pôr em rei eu ... Dentro deste conceito de que as sociedade cooperativas não são entre nós uma fórmula ri sim um processo de prover eficazmente ao tal movimento económico.

O condicionalismo criado pelo Decreto n.º 51 o que vem é justamente dar mais força a essas cooperativas, na medida em que as não sujei [...peições...] de actuação inconveniente, dentro [...daq...] de disciplina que ao Governo incumbe [...quantc ciações...], pois que V. Ex.ª, como eu e o geral pública, decerto que não tem dúvidas de que volvido processo de "reacção", chamemo-lo ao curso a propósito das cooperativas tem fins [...mente...] políticos.

O Sr. Magalhães Mota: - Dá-me licença?

O Orador: - Eu já dou licença a V. Ex.ª Entre nós V. Ex.ª com toda a facilidade se disso, desde que pense que havendo 527, creio [...perativas...] estabelecidas no' nosso país - eu sou [...perativista...] e devo dizer .ª V. Ex.ª que há mais anos fui sócio fundador da primeira cooperativa [...cida...] na região do Douro, a que eu [...honrosam tenco...]-, entendo que não é válida, no sentido [...dível...], a reacção de 12 cooperativas, justamente que visam fins diferentes daqueles que o [...Gov...] tende proteger.

O Sr. Magalhães Mota: - Se V. Ex.ª me eu gostaria só de completar o meu raciocínio, eu voltarei um pouco atrás.

O Orador - Eu pedia a V. Ex.ª que não m lixasse muito, não? Eu tenho muito medo de V.

O Sr. Magalhães Mota: - Por amor de I (Risos.) Eu serei extremamente breve. É só que ontem invoquei aqui ao Dr. António [...Alv...] cooperativa agrícola fazer formação dos seus não é uma actividade exclusivamente económica

O Orador: - Pois não, mas á uma actividade com que não contende o artigo 1.º do decrete [...cussão...]. É uma actividade afim.

Uma Cooperativa, seja de que tipo for, e que exercer determinadas actividades afins com [...intt...] loção com o seu- objecto principal, não tem [...] recear do decreto.

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O Sr. Magalhães Mota: - Então ou pergunto: V. Ex.ª aceitaria uma emenda ao diploma de tal forma que o "exclusivamente económico" do artigo 1.º se substituísse pela permissão de actividades afins?

O Orador: - Eu disse antecipadamente não, porque já conhecia o seu raciocínio. V. Ex.ª teve a bondade de ontem me esclarecer.

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª tem largos poderes de previsão! ...

O Orador: - V. Ex.ª teve a bondade e a gentileza de ontem, com a lealdade que, aliás, o caracteriza e por que eu tenho muito reconhecimento ...

O Sr. Magalhães Mota: - Muito obrigado.

O Orador: -... teve a bondade de me expor o seu ponto de vista. Eu acho que o "exclusivamente" está aplicado ma medida em qua o deve. V. Ex.ª sabe que era muitíssimo fácil a qualquer cooperativa, com um objecto mínimo económico, logo se colocar ao abrigo das intervenções do Poder.

O Sr. Magalhães. Mota: - Mas o raciocínio serve para os dois lados.

O Orador: - Pois (poderá servir e eu tenho muito gosto nisso.

O Sr. Magalhães Mota: - E que basta que uma cooperativa tenha um mínimo de actividade que não seja exclusivamente económica para estar sujeita aos arbítrios do Governo. É esse risco que se prebende evitar.

O Orador: - Pois é isso justamente que o Governo pretende acautelar. E o Poder tem toda a legitimidade para tomar precauções deste género, por amor de Deus! ... Pois que, evidentemente, era faca a qualquer cooperativa estabelecer-se com fins económicos e num fim acessório, cultural, de qualquer espécie técnica, pôr-se a coberto da fiscalização que justamente impende sobre as associações.

E agora, se V. Ex.ª me desse licença, eu continuava.

O mesmo se não passará, porém, se, visando desígnios ocultos, sociedades cooperativas com fins manifestamente ideais pretenderem beneficiar de uma regulamentação especial que as furte à respectiva disciplina legal.. Isto o que se pretendeu contrariar como manifestação de um zelo útil para as próprias cooperativas, que não poderiam consentir-se se transformassem em "células" de irradiação política.

O Decreto n.º 520/71 não procura satisfazer outros objectivos.

Porquê, então, as reacções suscitadas?

Como claramente flui, não derivarão elas mais do que propriamente de uma intenção de defesa das cooperativas como solução económica de um processo em desenvolvimento de nítida especulação? Parece-nos que sim. De qualquer modo, os "pruridos" foram sem dúvida úteis na medida em que, se já a não tivera, ficaria o Governo com a certeza de haver atingido certeiramente o alvo ao decretar que, "sempre que as sociedades cooperativas se proponham exercer, ou efectivamente exerçam, actividade que não seja exclusivamente económica, de interesse para os seus associados, ficam sujeitas ao regime legal que regula o exercício de direito de associação".

Ou não será manifesto que só ficam sujeitas as exigências agora impostas unicamente-as cooperativas que visem fins diferentes? Porquê?

Mas necessariamente para que o Governo habilitado a exercer a sua disciplina quando rem do tipo que a exija e de cujo controle não [...tir-se...], sejam ou não eles prosseguidos por i associação ou por uma associação [..."mascarad...] dade cooperativa. E não se diga que, ao legisla como o fez, o Governo está, através do Minis [...teriorr...] a contrariar o sentido da sua [...reafirm...] de protecção e auxílio às cooperativas cujo [...estr...] preconiza e abertamente protege, não com o dente, de consentir através delas no [...ceroeam...] seu poder de disciplina do exercício do [...direitc...] cão que constitucionalmente lhe cumpre, mas incentivar um movimento de cooperação eco. dente a congregar esforços que permitam uma cidade de defesa das actividades organizadas, [...dução...], quer do consumo, cujos lucros [...deriv...] mente da participação de cada um dos associa prosseguimento de uma política, sua que de h-1 sendo seguida e por isso o levou a perfilhar [...pr teriormente...], só muito posteriormente, reconhe mondados pela Organização Internacional d que aliás o decreto em discussão não frustz mente dentro das suas preocupações informai mular que:

Os governos dos países em desenvolvii riam elaborar e executar em relação às uma política de auxílio e encorajamento económica, financeira, técnica, legislativa não implicasse qualquer dominação sobre

AiLguém poderá negar que tem sido justar que de 'há muito se tem vindo a fazer? Evidentemente que mão, a não ser com m*

O Sr. 8á Carneiro: - Não apoiado!

O Orador: - Mas fazê-lo não significa ? que, desvirtuando-as nos seus fins, se permi o rótulo de promoção social, se visem objec* zarotea contrários & livre iniciativa dos cidad* é pior, -a coberto de uim condicionalismo legr admite, pelo que não poderá proteger os m"1 de se eximirem as scooperativas fantasmas" ciplina que o bem público, a defesa dos k sociedade ou dos princípios em que assenta a e económica e social da Nação exigem.

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: - Para quê, pois, especulações rias?

Para quê teimar em tentar por ínvios caar ee não consegue pelos normais?

Ou será que nos julgam ingénuos?

Sr. Presidente: Já ouvi aqui, a um dos me precederam, abonar a sua argumentação cação de um acórdão do Supremo Tribunal em que foi recorrida uma sociedade cooperativ cultural e acção comunitária (que denomina em que saiu vencido o Ministério Público rec o fundamento de que ao tribunal pleno só apreciação dos recursos no seu exacto conteut cão, e não sor de apreciar a decisão recorri" motivação diferente daquela em que o aotc assentava,,pelo que concluía que as sociedad vos constituídas ao abrigo do Código Comercial ser administrativamente dissolvidas, mas sé declaração judicial de inexistência.

Claro. (Eram sociedades comerciais.

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Como ontem foi aqui afirmado pelo ilustre Deputado. Mota Amaral, sas cooperativas são eficaz instrumento na luta contra a inflação, que sempre acompanha o processo de crescimento; constituem, na verdade, garantia de defesa do consumidor contra práticas monopolistas e outros abusos, tantas vezes difíceis de detectar, quanto mais de erradicar por completo. Além disso, elas favorecem a expansão do sentido social, comunitário, do circuito económico, sejam quais forem os sectores onde intervêm".

Posto isto, ocorre perguntar: onde flora naqueles estatutos a defesa do consumidor contra práticas monopolistas e outros abusos?

Responda quem melhor o souber.

2.º A cooperativa cujos estatutos referi pretende afinal intervir, orientando-a, na política da educação da infância e da juventude.

Ora esta orientação, a definição dos objectivos da educação, é uma atribuição primordial do Estado.

Adoptando a forma de cooperativa pretendeu-se somente fugir ao controle do Ministério da Educação Nacional com base no disposto na lei comercial.

O Sr. Pinto Machado: - Não apoiado!

O Orador: - Não quer isto dizer que esta verdadeira associação e falsa cooperativa não possa prosseguir, os fins que se atribuiu.

O que será necessário, porém, é que consiga a sua aprovação pelo Ministério da Educação Nacional.

Nada nos garante, na verdade, que ela, continuando a trabalhar com a plena liberdade que lhe consente a lei comercial, não esteja a contrariar os fins da acção educativa que o Estado se propõe e visa.

O exemplo é suficientemente claro para podermos averiguar das intenções de algumas outras associações que, adoptando a denominação de sociedades cooperativas, mão iam fins exclusivamente económicos ou em que estes são de mínima importância. Mais até, em que estes são um propósito para esconder actividades que a lei não consente às associações.

O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Sá Carneiro: - Tenho vindo a seguir com atenção discordante s exposição de V. Ex.ª, feita em termos muito correctos, e só queria pedir um esclarecimento a propósito do exemplo que citou.

Entende V. Ex.ª que a adopção d* forma cooperativa, nesse caso citado, visou furtar-se à autorização do Ministério da Educação Nacional. Ora, mesmo para as cooperativas, como para quaisquer sociedades comerciais, essa actividade depende do consentimento do Ministério da Educação Nacional. Portanto, mo caso citado, parece-me que a conclusão se n ao pode aplicar. Na fórmula cooperativa ou em qualquer outra fórmula, esses fins, que V. Ex.ª citou, da associação só podiam efectivamente ser prosseguidos legalmente com autorização do Ministério da Educação Nacional. Não modifica, portanto, a situação, e parece-me que nesse aspecto o exemplo não colhe, o ser associação, sociedade anónima ou cooperativa: desde que ensine, necessita de autorização. Era só este esclarecimento que eu queria pedir.

O Orador: - Gostaria de responder a V. Ex.ª porque toda a gente sabe que as sociedades comerciais têm os seus fins, comerciais necessariamente, e é claro que o notário não se nega a elaborar os estatutos de uma sociedade, e negar-se-ia se reparasse que essa sociedade não tinha fins comerciais.

Ora bem, as cooperativas nasceram num ambiente diferente e têm um ambiente diferente, como V. Ex.ª sabe.

O Sr. Sá Carneiro: - Com certeza.

O Orador: - Sendo assim, os notários não se negavam, e V. Ex.ª não me demonstra que essa e outras cooperativas que citei tivessem solicitado essa autorização ao Ministério da Educação Nacional. Posso-lhe garantir que não solicitaram.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Deputado: Eu não duvido disso. Mas é isso que eu ponho em causa. O exemplo parece-me que não colhe, na medida em que ao notário, posto perante uns estatutos desse tipo, era indiferente qua fossem de sociedade anónima ou de cooperativa. Pois se tinham fins de ensino, ela devia, por imperativo legal, solicitar a autorização do Ministério da Educação Nacional.

É só esse aspecto; pode haver até exemplos que colham, não digo que não, nesse aspecto que V. Ex.ª citou. Há actividades de educação, actividades financeiras, que podem ser prosseguidas validamente, nos cooperativas ou noutras formas de sociedades, mas elas estão sempre - porque a lei ressalva até isso - sujeitas a autorização especial. Tanto faz ser ou não cooperativa.

O Orador: - Mas uma sociedade comercial não pode ter fins deste tipo.

O Sr. Sá Carneiro: - De educação?

O Orador: - Sim, desse.

O Sr. Sá Carneiro: - Um colégio pode ser uma sociedade por quotas ou uma sociedade anónima, Sr. Deputado.

O Orador: - Vejamos, vejamos! Pois, exactamente um colégio, para além das suas funções de educação, tem uma função comercial. O proprietário vai ganhar dinheiro com o colégio; é o seu propósito primordial.

O Sr. Sá Carneiro: - Exacto. Mas tanto faz ser em cooperativa como em sociedade anónima ou por quotas. E sempre necessária autorização.

O Orador: - Para montar um colégio não é preciso que da escritura de constituição constem os fins, Sr. Deputado.

O Sr. Sá Carneiro: - Pois não Mas, se se puser esse fim numa sociedade por quotas ou anónima ou numa cooperativa, exige-se essa autorização.

O Orador: - E, se o fizer, o notário nega-se a fazer a escritura.

O Sr. Sá Carneiro: - Então nisso estamos de acordo.

O Orador: - Oh, Sr. Deputado, estamos de acordo todos!

O Sr. Sá Carneiro: - Nesse aspecto, de que é sempre necessária Autorização, seja em cooperativa, seja sem ela, parece que estamos de acordo, Sr. Deputado. Era isso que eu visava esclarecer.

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O Orador: - Eu suponho que o bom senso das pessoas que forem chamadas a resolver os problemas naturalmente as levará a atender às situações de facto justas.

O Sr. Magalhães Mota: - O que eu pergunto muito concretamente a V. Ex.ª, e com isso me darei por satisfeito, é se V. Ex.ª preconiza actividades não estatutárias, preconiza actividades para além dos estatutos?

O Orador: - V. Ex.ª não ouviu o que eu disse. O que eu disse é que uma sociedade cooperativa só tem fins económicos; que não pode ter outros ...

O Sr. Magalhães Mota: - Era só esse o motivo da minha estranheza, Sr. Deputado.

O Orador: - V. Ex.ª admite cooperativas de fins ideais, naturalmente.

O Sr. Magalhães Mota: - Eu admito cooperativas ...

Orador: - Mas se V. Ex.ª admite, eu não admito. Estamos em oposição.

O Sr. Magalhães Mota: - Eu admito cooperativas, como tive o cuidado de esclarecer, que exerçam actividades de fim não exclusivamente económico.

O Orador: - Mas é que uma cooperativa tem de ter fins exclusivamente económicos, Sr. Deputado. Eu não percebo porque é que não há-de ser assim. Se querem que sejam sociedades comerciais, têm que ter fins exclusivamente económicos. Como é que V. Ex.ª querem que não seja assim?

O Sr. Magalhães Mota: - Exclusivamente não, Sr. Deputado.

O Orador: - Sim senhor, exclusivamente económico como qualquer outra sociedade comercial. Parece-me que não há outra hipótese.

O Sr. Barreto de Lara: - Estou de alma e coração com a defesa do direito de associação.

O Sr. Magalhães Mota: - Isso é outro problema, Sr. Deputado.

O Sr. Barreto de Lara: - Não concordo com esta lei, o Código Comercial. Agora como jurista não posso ó fugir para além dela.

O Orador: - Se se trata de associações, é a lei própria das associações que tem que se lhes aplicar. Não há outra hipótese.

O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Deputado, não tem que manifestar estranheza porque é só o Código Comercial que regula a constituição das cooperativas.

O Orador: - Sem dúvida nenhuma.

O Sr. Barreto de Lara: - Então tenho de manifestar estranheza, porque é só o Código Comercial que regula a constituição das cooperativas ...

O Orador: - Pois, sem dúvida nenhuma! O contrário é andarmos a sofismar questões, quando elas não existem ... -

O Sr. Barreto de Lara: - Eu não gosto desta lei, isto é, do Código Comercial nesta matéria. Eu declaro aqui, peremptoriamente, que não gosto desta lei, partidário como sou da liberdade de associação - não fosse eu democrata!

O Sr. Magalhães Mota: - É uma opinião.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas por enquanto a lei está viva e é a ela, e só sob ela, que se acolhe o direito da constituição das cooperativas. E porque assim, se somos legalistas e se somos partidários da liberdade, devemos-lhe antes de tudo obediência e respeito, lei como é em plena vigência.

O Orador: - Ou são sociedades ou não são. Se não são sociedades, é a legislação das associações que se lhes aplica, e acabou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ai se poderia fazer abertamente propaganda política contrária aos interesses do País.

A propaganda que leva à perda da consciência nacional é mais perniciosa que o deflagrar de bombas. Oponhamos-lhe a defesa necessária e eficaz.

Nestas condições, dou o meu voto à ratificação do Decreto n.º 570/71.

Vozes: - Não apoiado!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. João Manoel Alves: - Sr. Presidente: Também a mim me pareceu, quando, na altura da sua publicação, procedi ao seu primeiro exame, que o Decreto-Lei n.º 520/71 seria dispensável.

Não porque visse nele um travão ao movimento do cooperativismo autêntico, cujo interesse me escuso de enunciar, até porque já foi aqui feito o seu louvor por forma destacada, mas porque entendia e entendo que, no rigor dos princípios, era um texto que estava a mais no nosso sistema legal.

É que, Sr. Presidente, o diploma em causa não traz nada de novo; não disciplina os interesses que visa proteger ou as relações que pretende regular por forma diferente daquela que já resultava do direito positivo vigente.

E, por formação, também sou contra a inflação legislativa e contra tudo que possa minimizar a dignidade e a majestade da lei.

Se por essa razão, e só por essa razão, isto é, por uma perspectiva puramente técnico-jurídica, assim concluí, não deixei, porém, de em breve verificar a oportunidade política (e quando aqui falo em política faço-o ainda no sentido de política legislativa) da publicação de tal diploma.

Serão as linhas gerais de um e de outro raciocínio que, resumidamente, aqui venho trazer.

Uma conclusão posso já adiantar: é a de que, considerando o diploma em questão meramente interpretativa do direito vigente, não serei eu quem lhe negará a ratificação.

Ora, quando uma pluralidade de indivíduos, para a obtenção de um interesse comum determinado, se organiza por forma a tornar-se um centro autónomo de relações jurídicas, de natureza puramente privada, pode ter em vista:

a) Ou a realização de um escopo de interesse público, mesmo que exclusiva ou concorrentemente através dos seus associados;

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b) Ou a consecução de um escopo lucrativo, isto é, de obtenção de lucros para distribuir pelos seus componentes.

Estão no primeiro caso tanto as pessoas colectivas que visam um fim desinteressado ou altruísta como aquelas que se destinem à realização de um fim egoísta dos seus associados, quando o interesse a prosseguir seja de natureza ideal ou o fim a atingir seja de natureza económica, mas não lucrativo.

Ao segundo grupo pertencem as sociedades.

Segundo o nosso direito, a sociedade, em sentido técnico, caracteriza-se, além do mais, como o agrupamento de pessoas que, por contrato, se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de uma fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade (artigo 980.º do Código Civil).

O exercício de certa actividade económica e a repartição dos lucros resultantes dessa actividade são, assim, os elementos diferenciadores das sociedades em relação a qualquer outro tipo de associação de pessoas.

E a sua diferenciação não é de somenos importância, visto serem diversos os respectivos regimes jurídicos.

E nestes avulta desde, logo a forma do seu reconhecimento, isto é, a forma pela qual uma dada pessoa colectiva adquire personalidade jurídica.

E que, enquanto o reconhecimento das sociedades se unifica por mero efeito da lei, onde que cumpridas certas formalidades, o das demais resulta de acto individual e discricionário da Administração.

Para o efeito, dispõe o Código Civil que os associações que não tenham por fim o lucro económico dos seus associados adquirem pura validade jurídica pelo reconhecimento, que é individual e da competência do Governo ou do seu representante no distrito (artigos 157.º e 158.º).

For sua vez, o Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio da 1950, estabelece os termos desse reconhecimento, que consiste, fundamentalmente, na aprovação dos estatutos.

Temos, pois que apenas as sociedades, isto é, aquelas pessoas colectivas que se caracterizam pelo escopo do exercício de uma actividade económica e de repartição dos lucros assim obtidos adquirem personalidade jurídica, independente da vontade da Administração.

Estão neste caso as sociedades cooperativas, previstas no nosso Código Comercial.

Mas para que se trate de uma sociedade cooperativa aí prevista e regulada não bosta que se lhe dê esse nome. E preciso, antes de anais, que o respectivo substrato analisado quer no seu elemento pessoal ou patrimonial, quer no seu elemento teleológico - e neste avulta, como viram, a realização de qualquer actividade económica lucrativa -, corresponda aquele guid real que a lei quis sujeitar a tal regulamentação.

Do mesmo modo que ninguém pensará estruturar a sociedade de cultura e recreio" de qualquer bairro de Lisboa segundo as normas dos sociedades, só porque assim se designa, não é lícito fazer intervir as regras da constituição das cooperativos nas associações que porventura adoptem a designação dê cooperativas, mas de cujo substrato concreto resulta não corresponderem à definição legal dessas sociedades.

Quanto a, estas valerá, necessariamente, o regime jurídico das associações, que importa, além do mais, o reconhecimento individual da administração, através da aprovação dos respectivos estatutos.

Dificuldades já se podem suscitar; porém, quando, dados os fins que visem prosseguir, se apresentarem com uma natureza por assim dizer híbrida, prosseguindo, ao mesmo tempo, intentos económicos e fins não lucrativos. Fazendo funcionar os princípios normativos que informam o nosso sistema jurídico, parece-me que nenhuma dúvida pode trazer o entendimento de que o funcionamento de tais sociedades há-de ser regulado de conformidade com as regras jurídicas predispostas ao fim principal e prevalente que se propõem, sem embargo da necessidade do duplo reconhecimento - normativo e por concessão -, quando aquele fim for de natureza económica, dado os interesses públicos qua, apesar disso, podem estar em jogo.

E aqui está, Sr. Presidente e Sr s. Deputados, porque iniciei estos minhas considerações com a afirmação de que o decreto-lei em discussão era, no rigor dos princípios, desnecessário, uma vez que não trazia nada de novo ao direito vigente.

As soluções que expressamente consagra já, afinal, resultavam da lei.

Mas outra conclusão se impõe se se considerar a sua oportunidade, num plano de política, em função de certas realidades concretas.

É que, como VV. Ex.ªs com certeza não desconhecem, apareceram por aí e ameaçavam multiplicar-se, a par de autênticas sociedades cooperativas e de outras, apesar de tudo informadas pelo verdadeiro espírito cooperativo, várias associações, designadas, constituídas e a funcionar segundo o esquema legal das sociedades cooperativas, mas que, para além do nome, nada têm que

Entrou-se no abuso de quem quisesse furtar os estatutos de uma qualquer associação a aprovação administrativa, simularia um reduzido capital, inventava um vago e incerto fim económico, escondido nos múltiplos fins ideais a que se propunha e, pronto, apresentava-se no notário ti constituir uma sociedade cooperativa anónima de responsabilidade limitada.

Os exemplos estão para aí dispersos na 3.ª série do Diário do Governo e só não percebo é como pessoas de boa formação jurídica acham correcto tal procedimento.

É claro que tais sociedades nada têm que ver com o desenvolvimento económico do País, e a formação de capital e o aproveitamento da pequena poupança.

E se admitirmos mesmo que é louvável o fim de todas elas, este não justificará os meios para o conseguirem, desde que ilegais.

De resto, na prática, algumas dessas associações têm-se aproveitado do seu rótulo cooperativo para levarem a cabo acções contra interesses públicos que ao Estado importa defender e acautelar.

Podia, pois., o Governo utilizar os seus poderes para, ou com medidos policiais ou administrativas ou até mesmo judiciais, pôr termo a todas essas "sociedades", cuja inexistência, por vicio de forma nu sua constituição, era de mais evidente.

Preferiu, porém, dar-lhes a oportunidade de se manterem e de passarem de uma existência ilegal a uma vida legal.

É este, quanto a mim, o verdadeiro valor formal do decreto-lei em discussão.

Não percebo, por isso, a especulação e o barulho que à sua volta por aí se fez.

Quem não deve não teme, diz o povo com a sua sabedoria.

É de presumir, portanto, que os clamores levantados por banda de algumas dessas "cooperativas" sejam o eco de consciências pouco tranquilas.

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De resto, quem andar só um bocadinho ligado a alguns sectores económicos não desconhece que o Governo tem acarinhado e fomentado o desenvolvimento do cooperativismo entre nós.

Outra questão, mas note-se que é uma questão diferente da que nos foi proposta, outra questão dizia eu, á a de saber-se se o nosso direito positivo, quer público quer privado, responde satisfatoriamente às exigências do cooperativismo moderno, tendo em atenção, sobretudo, as novas categorias de bens e serviços, cada vez mais diversificados e complexos, a que tem de recorrer o homem de hoje.

Posta, assim, a questão, responderei afirmativamente que não.

Mas o deslocamento do pólo da nossa discussão para tal questão é que não me parece certo e, todavia, estará na origem, parece-me, de algumas afirmações que aqui ouvimos.

A consideração de que a regulamentação de tais tipos de associação, se encontrará desactualizada pode levar-nos a solicitar do Governo as medidas legislativas adequadas, se não quisermos nós próprios tomar tal iniciativa, mas de modo nenhum pode conduzir-nos a negar a ratificação de um diploma governamental que mais não fez do que interpretar o direito vigente.

Dou, pois, o meu voto a sua ratificação.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Subo a esta tribuna para proferir meia dúzia de palavras, somente por imperativo de consciência. Reconheço que neste país, em vias de desenvolvimento, com uma economia ainda em grande percentagem de base agrícola, o cooperativismo precisa de ser apoiado e fortalecido, e nunca restringido, pois nele reside uma importante alíquota da solução económica para as fracas possibilidades materiais de uma imensa camada das populações.

Por outro lado, não hesito em reconhecer que o Estado tem o direito e o dever de se defender e a todos nós de tudo quanto seja subversão mais ou menos encapotada, e neste sentido me tenho pronunciado de outras vezes nesta Casa. O debate que aqui teve lugar, onde brilharam vários Srs. Deputados e a que dei toda o atenção, esclareceu-me de alguma forma, e a nota oficiosa hoje promulgada pelo Governo completou esse esclarecimento, pois sobre o conteúdo do diploma tinhn bostnntes dúvidas.

Assim, votarei a ratificação do Decreto-Lei n.º 520/71, esperando, todavia, que o seu texto seja criteriosa e judiciosamente compreendido e aplicado pelas autoridades administrativas competentes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: Na minha primeira intervenção procurei demonstrar que o Decreto-Lei n.º 520/71 não devia ser ratificado.

Para tanto fui dando razões que tornam, n meu ver, inaceitável o novo regime legal a que quer submeter-se o cooperativismo português.

Mas a hipótese de não ratificação não é a única a considerar, pois que, nos termos regimentais, se for negada a ratificação votar-se-á em seguida se deve ser concedida a ratificação com emendas. Por isso hoje entendi confrontar com essa hipótese toda a argumentação ontem expendida, consubstanciada nas razões que fui apresentando. Ao fazê-lo terei ocasião de desenvolver um ou outro ponto, de esclarecer algum raciocínio, de responder a argumentos que, sem novidade, embora, se insiste em contrapor à análise objectiva do que na realidade se contém no decreto-lei em causa.

Na sua clara formulação, desacompanhada de razões e de menção de intenções, ele sujeita ao regime que regula o direito de associação, todas as sociedades cooperativas que "se proponham exercer, ou efectivamente exerçam, actividade que não seja exclusivamente económica, de interesse para os seus associados".

Ora isto é uma clara inovação na nossa legislação sobre cooperativas, e, portanto, sobre essa forma de uso do direito de constituição de sociedades.

É também inovação na medida em que modifica o próprio conceito de associação constante do Código Civil. É-o ainda porque altera também a noção de cooperativa.

Mas, diz-se cx adverso, tal não é exacto, pois que a sujeição ao regime legal das associações já resultava, para as cooperativas de carácter não exclusivamente económico, da legislação anterior.

Lê-se, por exemplo, na recente nota do Governo que o decreto-lei em causa "apenas interpretou leis anteriormente existentes e de acordo com pareceres há muito conhecidos, arrumando os coisas nas categorias jurídicas que lhes competem".

Assim o têm aqui defendido os partidários da ratificação pura e simples.

Ora isso não ó exacto.

Segundo se afirma, o diploma em discussão só submeteria ao regime de associações as cooperativas sem actividade económica, ou com actividade económica fictícia, as pseudocooperativas.

Não é isso que lá está.

Por ele submetem-se ao regime das associações as cooperativas que não tenham actividade exclusivamente económica.

É coisa muito diferente, que implica a restrição do conceito de cooperativa às que tenham actividade exclusivamente económica, e que alarga o conceito de associação às sociedades cooperativas - e porquê só essas? - mesmo que comerciais, que exerçam actividades não económicas.

Se não era isso que se queria dizer, na realidade foi isso que se disse.

Se houve erro, que se emende.

O que não se compreenderá é que, reconhecendo o Governo que quis uma coisa, se continue a defender que não é outra a que consta do decreto-lei. Se, na realidade, se queria apenas precisar o conceito de cooperativa de modo a excluir aquelas que não exercem actividade económica, ter-se-ia legislado isto, ou o equivalente: "As sociedades cooperativas que não se proponham estatuariamente exercer, ou efectivamente não exerçam, actividade económica a favor dos seus associados, ficam sujeitas ao regime legal que regula o direito de associação."

Então sim, teria razão e cabimento o que consta das notas do Governo e aqui tem sido repetido.

Se a clara letra do decreto-lei atraiçoou os intuitos do legislador, conduzindo-o a campos reservados a esta Assembleia, as primeiras razões que ontem invoquei para não ratificação justificam igualmente uma ratificação com emendas, que permitirá remediar o erro, trazendo a esta Câmara o diploma transformado em proposta de lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: Que era incongruente e aberrante do ponto de vista jurídico, disse eu em seguida do diploma e que, por isso, o não devíamos ratificar.

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Com efeito, parece ter-se esquecido que as consequências do seu artigo 1.º não são apenas as de tutela administrativa.

Estas mesmas são por si incompatíveis com o carácter comercial da quase totalidade das cooperativas.

Mas, além disso, há toda a regulamentação do Código Civil referente a associações, inconciliável, tanto em teoria, como na prática, com o regime da lei comercial. Note-se que, diversamente do que se diz na última nota do Governo, as sociedades cooperativas não são necessariamente comerciais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: São uma forma de sociedade comercial que pode ser adoptada por uma sociedade civil, não tendo, nesse caso, natureza mercantil, mas não sendo também associação. Podem, pois, as sociedades cooperativas ter actividade económica e serem sociedades civis sob forma comercial, não tendo, nesse caso, por objecto praticar actos de comércio, ao contrario do que se afirma na referida nota.

O que não se compreende, Sr. Presidente, é que nós aqui e o Governo em suas notas oficiosas estejamos a controverter aspectos técnicos que incumbem a Câmara Corporativa.

A ratificação com emendas levar-lhe-á o diploma em discussão; e ela poderá estudar então todas as questões, entre as quais a de saber se, e como, a aplicação do regime legal das associações às cooperativas a que aludi determinará o afastamento da legislação comercial, o cancelamento da eventual matrícula, etc.

Outras razões invoquei para pôr em causa a economia do decreto-lei, a oportunidade e vantagem dos novos princípios legais, uma das quais a de ele levar no controle policial do cooperativismo, em contrário das decisões do Supremo Tribunal Administrativo, a que nenhuma nota oficiosa alude.

O Governo tem e sempre teve os meios de impedir as falsas cooperativas, de obstar ao desvirtuamento do cooperativismo.

Poderá sempre agir se aí se albergar qualquer actividade delituosa, com todos os vastos meios ao seu alcance.

E poderá também fazê-lo, mesmo que aquele desvirtuamento não tome esse carácter.

Como ao Governo e às cooperativas lembrou o Supremo Tribunal Administrativo, aquele pode promover nos tribunais, por intervenção do Ministério Público, as acções que forem necessárias para se haverem como não existentes as sociedades que funcionem ou se estabeleçam em contravenção das disposições do Código Comercial, como consta do seu artigo 147.º

O que se pretende, com o diploma em discussão, é substituir a repressão judicial pela prevenção policial.

Ou seja, que se visa transferir um poder actualmente pertencente aos tribunais para a Administração, aumentando o seu poder de policia, que é o conjunto dos poderes que o Estado exerce para limitar, por intervenção directa, a liberdade individual, no sentido de prevenir a perturbação da ordem social.

Talvez o Governo tenha razões suficientes para esta transferencia, mas o certo é que as não expôs designadamente em relatório preambular do decreto-lei.

Ora, ela só se justificará se for comprovada a sua necessidade.

Revelou-se inadequado s ineficaz o recurso aos meios judiciais? Há efectivamente lugar a que se alarguem os poderes policiais da Administração?

São pontos sérios e graves que é necessário esclarecer e ponderar. Qual é a composição quantitativa e qualitativa do sector cooperativo português? Que importância têm nele as tais cooperativas "desvirtuadas" a que se vem sempre aludindo de forma genérica e imprecisa? Qual tem sido o- sua acção? Onde estão os supostos partidos encapotados?

Tenho como evidente que sem estes esclarecimentos não pode votar-se a transferência para a Administração de poderes que até ao Decreto-Lei n.º 520/71 pertenciam aos tribunais, e só a eles.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A ratificação com emendas e com suspensão do diploma dá-nos oportunidade de obter esses indispensáveis esclarecimentos.

Insurgi-me também contra o diploma que estamos a discutir por ele ir muito além das próprias conclusões do parecer da Procuradoria-Geral da República que ontem analisei.

Que não, dá o Governo a entender na sua recente nota oficiosa. Baseou-se nesse parecer há muito conhecido, aguardou os comentários que ele suscitasse, ponderou, tudo, até que o diploma foi apresentado ao Conselho pelo Sr. Ministro do Interior.

Que sim, repito eu, sem duvidar embora do estudo, da ponderação, da consideração dos comentários, mas lamentando sempre que tudo isso, e as intenções também, não houvessem sido expressas num relatório, que não se tivesse ao menos consultado a Câmara Corporativa.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O parecer é anterior aos- acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, que o não acolheu. Que influência teve esta jurisprudência na génese do diploma? E a mesma compatível com os- novos princípios legais? Se não é, o que tenho como evidente, qual a grave razão que levou o Governo a optar por solução antagónica?

Mais.

Por que é que o decreto-lei em debate não respeitou o parecer da Procuradoria-Geral da República? Este admitia que as cooperativas de fim económico exercessem outras actividades, designadamente de natureza social, educativa, pedagógica, sem por isso ficarem sujeitas à tutela administrativa decorrente do regime legal sobre associações.

Mas o Decreto-Lei n.º 520/71 não admite o exercício de tais actividades sem aquela consequência. Porque o foz, só a ratificação com emendas o permitirá esclarecer.

Eu disse que o tal parecer era muito contestável.

E o Governo não ignora que ele foi contestado e criticado nas páginas do mesmo Boletim, do Ministério 'da Justiça em que foi publicado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contestado e impugnado por um especialista de direito cooperativo e de cooperativismo, por um jurista de alta craveira, que tem sido aqui citado e que tem vários trabalhos sobre a matéria, insertos em publicações oficiais.

Refiro-me ao Dr. Sérvulo Correia, assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, e ao seu notável trabalho, O Sector Cooperativo Português, publicado em 1970.

Desconhecer-se-ia este trabalho do Governo?

Inconvenientes de o assunto não ter sido estudado na Câmara Corporativa, que lho lembraria, por certo ...

Mas vamos adiante.

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Não posso alargar-me em citações, mas tenho de solicitar atenção para o seguinte passo desse estudo, que passo a citar, o qual se refere ao parecer da Procuradoria-Geral da República:

Este parecer veio a ter ou prática, consequências graves. Baseando-se na doutrina nele expendida (note-se que apenas a titulo exemplificativo e num tom que não é desprovido de hesitação), o Ministro do Interior ordenou, em meados de 1968, a notificação de cerca de uma quinzena de cooperativas de consumo - entre as quais algumas das mais importantes do sector cooperativo da consumo, movimentando anualmente verbas superiores a 80 000 contos - para apresentarem os seus estatutos, alguns velhos de mais de cinquenta anos, à aprovação das entidades administrativas, sob pena de serem consideradas associações secretas.

A nosso ver - continua o Dr. Sérvulo Correia e não eu - , este resultado insólito demonstra dramaticamente, por um lado, a necessidade de definir com clareza a natureza jurídica das cooperativas, e, pelo outro, os vícios. de raciocínio de que enferma o referido parecer - ob. cit., p. 79.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não darão ouvidos a este desinteressado e insuspeito grito de alarme mesmo aqueles que nos ataques ao diploma em discussão só querem ver contestação e crítica sistemática e não sei quantos mais "pecados", insinuados ou afirmados?

Não quererão ver que a ratificação com emendas não é mais do que um acto de reflexão absolutamente necessário para que se não acolha um diploma que pode ser puro nas intenções, mas é defeituoso na formulação e perigosíssimo nas consequências que envolve?

O Sr. Mota Amaral: - Muito bem!

O Orador: - Recusar-se-ão a esse ponto a reconhecer que o Governo não á infalível, que uma ampla discussão parlamentar sobre o conteúdo do regime jurídico das cooperativas em nada o diminui ou desprestigia?

Porque a revisão do regime jurídico das cooperativas é necessária, para protecção e fomento do próprio cooperativismo, de harmonia, aliás, com. a recomendação da Organização Internacional do Trabalho de 1966, votada por unanimidade com a presença de Portugal, relativa ao fomento do cooperativismo como factor importante de desenvolvimento económico, social e cultural, assim como da promoção humana.

Cooperativa não é apenas organização comercial ou industrial que visa suprimir os intermediários, mas sim, na definição de Sérvulo Correia, "associação igualitária de pessoas que reconhecem a similitude de certas das suas necessidades e as procuram satisfazer directamente e com espírito de solidariedade através de uma empresa colectiva que, substituindo o intermediário capitalista, lhe presta os seus serviços ao preço do custo" - ob. cit., p. 24.

O cooperativismo não quer só o "consumidor satisfeito", cujo modelo, no dizer de Arangurem á mais materialista do que o modelo marxista do proletário revolucionário.

Muito haveria a dizer sobre a evolução do cooperativismo, sobre a sua situação actual, sobre a necessidade de rever e actualizar a nossa legislação a esse respeito: há novas realidades a considerar, institutos a rever, preceitos a alterar.

Será necessário encarai pontos de coordenação do sector cooperativo com o sector corporativo, elaborar uma disciplina específica para os vários tipos de cooperativas, conceder-lhes estímulos e defesas para prossecução da sua meritória actividade e preservação dos seus louváveis fins.

Encaremos tudo isso e o mais que for necessário, estudemos com calma e ponderação a legislação de que carecemos.

A tanto nos leva a ratificação com emendas.

Saibamos, em suma, caminhar para a liberdade pelas próprias vias da liberdade, como afirma António Sérgio a propósito do cooperativismo.

Não os convenci, estou certo; talvez ele os persuada; por isso, citando-o, termino:

As capacidades transformadoras que no cooperativismo eu vejo - serão uma miragem ou uma concepção fundada?

Ponderai-o vós, senhores meus, sem cegueira. Nisto, como em tudo, o espírito que me move Dão é o ditar dogmatismos, mas o de propor conjecturas; e não o é também - menos ainda! - Q de colocar-me em adversário dos que de mim discordarem.

Não, nada disso: larguíssima fraternidade, tolerância plena. Repito, insistindo, ponderai vós sem cegueira.

Por mim, lhanamente, só quis confessar o que penso tomando em conta o que sei (Confissões de Um Cooperativista, p. 38).

Disse.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: E esta a segunda vez que subo a esta tribuna sem ter o texto escrito.

A primeira vez aconteceu na discussão na generalidade da proposta e projecto de lei de imprensa. Falei, cerca da meia-noite, em muito más condições físicos, e, ao ter posteriormente a reprodução da minha intervenção no Diário das Sessões, ficou perfeitamente patente para mim essa facto.

Por que é que intervenho hoje? O facto de ser signatário do requerimento que, nos termos constitucionais, solicitou a discussão ma Assembleia Nacional do Decreto-Lei n .º 620/71, esse facto, repito, de ter sido um idos signatários, não me impunha com carácter imperativo a absoluta obrigação de intervir na discussão do mesmo. Pensasse-se o que se pensasse do meu silêncio. Não fado para as galerias, o que, evidentemente, item os seus riscos. Mas para quem põe acima de tudo os ditames da sua consciência, (pode quando muito . . .

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Casal-Ribeiro: - O que é que tem risco, é o falar para a galeria ou o não falar?

O Orador: - Eu digo-lhe que não sei reproduzir textualmente o que disse porque não escrevi. Vou dizer-lhe que a ideia era esta: "Não falo para os galerias, o que tem os seus riscos."

O Sr. Casal-Ribeiro: - Ah! Julguei que era o contrário!

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O Orador: - Está bem? Bom. Então continuo.

Começo por dizer que não tencionava intervir. É que até agora os Deputados signatários do requerimento que trouxe à discussão este decreto-lei tinham já dito (muito melhor e muito mais) aquilo que eu poderia dizer.

E acho, sinceramente, que o falar aqui na tribuna não á um fim, mas um meio; um meio de esclarecer, de fornecer dados ao plenário, para que este possa votar com consciência. Evidentemente que não me passa pela cabeça que algum Sr. Deputado, pessoalmente, pelo seu trabalho próprio, se não debruce, não reflicta, não estude, não se informe ... alas, para além disso, entendo que não aos daremos escusar, muna atitude de colaboração, a fornecer os elementos que a cada um cabe valorizar como entenda, para, com plena consciência, dar a sua votação no momento decisivo.

Eu não tenho (o que poderá ser, por um lado, um prejuízo, por outro lado, uma vantagem) formação jurídica. Verifiquei que quase só têm falado juristas. Não juristas, falaram o Prof. Miller Guerra, o Sr. Almirante Roboredo e Silva e, solvo erro, só mais eu. Portanto, peço a benevolência da Assembleia, particularmente dos ilustres juristas aqui presentes, porá as minhas deficiências de ordem técnica.

Devo dizer que a minha permanência Desta Assembleia, desde que para aqui entrei, tem sido, desse ponto de vista, extraordinariamente útil par mim. Vivia num ambiente totalmente diferente: um ambiente das ciências objectivos, regidas por leis claríssimas. Quando se envia um trabalho de biologia para uma revista internacional de alta cotação, esse trabalho é joeirado, quase que diria à dimensão do microscópio electrónico, por um comité de especialistas da matéria. E acontece, às vezes, que o artigo é reenviado ao autor. E é reenviado, dizendo, ou que a revista não aceita, ou pedindo elucidações: "Este termo não está claro, é ambíguo", "você faz uma afirmação que não está demonstrada", "você tira uma conclusão que não pode tirar" e sou corrige estes defeitos apontados ou o seu artigo não é publicado".

Portanto, foi para mim entrar num mundo novo o verificar, o contactar, não só com a ciência jurídica, mas com a arte jurídica, isto é, com a possibilidade de uma proposição ter interpretações antagónicas.

Note-se que não digo isto com qualquer sentido de crítica pejorativa. Devo dizer, com toda a sinceridade, que me sinto enriquecido, porque mesta ante há algo de criador, há algo que, creio eu, é importante pana a própria evolução do direito. Mas, pelo menos inicialmente, senti-me profundamente chocado, não no sentido de escandalizado, mas do choque que vem do contacto com uma realidade diferente.

Ora, a razão da minha intervenção está nisto: sou um representante da Nação, que é constituída, na sua maioria, por não juristas, portanto, que interpreta as leis de uma maneira muito terra a terra. Lê e interpreta o que lá

Declaro com toda a verdade e franqueza que falo aqui com pleno sentido de humildade e peço que vejam em mim realmente um representante do homem da rua - e os sócios das cooperativas, creio que na sua maioria, não são licenciados em Direito.

Eu, por maneira de ser e até por formação científica, tenho uma ânsia de clareza. E por isso que repudio - é uma alergia, permitam-me o termo - afirmações vagos, acusações genéricas, insinuações graves. Gosto que cada um exprima com clareza o que pensa; e se está de boa fé, com certeza que não se importa nada - pelo contrario, até agradece - de ser esclarecido se está em erro, e se está nessa boa fé, modifica então a sua opinião. É esta a minha posição.

Disse o Sr. Deputado Magalhães Mota - é o único ponto de discordância, quanto a mim, em relação a sua intervenção de sábado passado a que não pude assistir - que o artigo 1.º do decreto-lei em discussão era ambíguo, se prestava a interpretações diversas. Para mim - por ter formação, repito, orientada e marcada pelo critério rígido e objectivo das ciências biológicas -, o artigo 1.º é claríssimo.

Repare-se que ele não refere algo que me parece importante referir: caracterizar as instituições pelos seus objectivos. De reato, tenciono, se o Sr. Presidente, quando o entender oportuno, me permitir efectivar o aviso prévio que anunciei sobre educação médica, precisamente pôr o acento tónico nesse ponto: educação médica, para quê? E tudo há-de ser referido a isso. Porque, senão, estamos a actuar no ar.

Ora, se o artigo 1.º se referisse às cooperativas com objectivos económicos, poderia eu então aceitar que haveria uma certa ambiguidade na sua redacção, e ambiguidade por isto: porque se uma cooperativa com fins económicos realizasse uma actividade cultural, não seria difícil demonstrar que essa actividade cultural era um meio que tinha o valor instrumental que poderia levar a realização de fins económicos. E o critério tecnocrático da educação: não para a valorização da pessoa, mas como um meio de desenvolvimento económico - quer seja operário, quer seja um técnico, mesmo superior, quanto mais educado mais e melhor produz.

Poderia dizer-se, no artigo 1.º do decreto-lei, que as cooperativas, quando as suas actividades não sejam "predominantemente, económicas - digamos, em mais de 50 por cento dos casos -, são associações. Mas o que de facto se utiliza é o termo "exclusivamente".

Quero aqui recordar um livro que me impressionou extraordinariamente quando o li, já há alguns anos: Política, de Platão. Recordo-me que ele faz, por um sistema de sucessivas divisões dicotómicas, uma sistematização da organização social. Seguindo o critério de Platão, nós podíamos dizer: os grupos sociais institucionalizados dividem-se em duos grandes categorias - as cooperativas e as que não são cooperativas. Platão definia então os cooperativas e depois dizia: "Aqueles grupos que não estão contidos nesta definição não são cooperativas." Então iria subdividir as cooperativas, por sucessivas dicotomias, em diversas ramificações, e os agrupamentos que não são cooperativas também em diversas ramificações.

Mas se Platão fosse vivo e lesse este decreto-lei ficava muito embaraçado, porque não podia fazer isso. E que, se quisesse separar as cooperativas e não cooperativas, tinha de meter mas não cooperativas cooperativas.

Todavia, continuo a dizer que não sou jurista, sou formado em Medicina e pratico anatomia.

Diz-se no decreto-lei que nas cooperativas que não têm actividades exclusivamente económicas o seu regime legal é o das associações. Deixando de lado preciosismos de termos, isto significa que, na prática, elas são associações: do ponto de vista do entendimento destas cooperativas que não têm finalidade exclusivamente económica, se elas caem no regime legal das associações, são, do ponto de vista ilegal, associações, mesmo que se chamem cooperativos. Toda a gente sabe que há hospitais que têm o nome de hospitais e que, efectivamente, são asilos ...

(Risos.)

Efectivamente, o artigo 2.º não declara que as cooperativas que não exerçam actividades exclusivamente eco-

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nómicas não suo cooperativas. Diz: "essas cooperativas estilo submetidas ao regime das associações".

E aqui é que há uma ambiguidade: entoo são cooperativas ou não são cooperativas?

Claro que se podia dizer assim: Bom! O facto de se separarem das cooperativas de finalidade exclusivamente económica aquelas que não têm essa finalidade exclusiva representa uma promoção, isto é, o Governo considera-as de grau diferente, de grau mais elevado, de qualificação maior, de importância social mais significativa, a essas cooperativas que nulo são de natureza exclusivamente económica.

E por isso que as coloca à parte, para favorecer a sua criação e o seu desenvolvimento.

Poderia pensar-se isso, e é até de prever que se pensasse assim ...

Simplesmente, como o regime legal de criação de associações é extraordinariamente mais restritivo que o das cooperativas, efectivamente essa segregação não significa promoção, mas regressão.

Disse-se, tem-se dito é uma verificação que eu aqui faço -, que as reacções ao decreto-lei que estamos a discutir não se justificam.

Interpreta-se até que são reacções que vêm de sectores que se pretendem aproveitar das cooperativas para outras finalidades.

Evidentemente que eu parto do princípio porque de contrário seria muito grave - de que a nota oficiosa da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, ao referir-se a especulações, ao referir-se a juízos fora da verdade e do senso comum, não se aplica aos Deputados que subscreveram o requerimento que trouxe aqui este decreto.

Contudo, o que eu verifico é que não foram só certas cooperativas - que eu admito que pudessem estar a ser observadas pelo Governo sob determinada óptica. Verifico, por exemplo, que a Unicoope, que é uma cooperativa de actividades caracterizadamente económicas, e que agrupa 85 cooperativas, ficou profundamente preocupada em relação a este decreto. Enviou-me e creio que a outros Srs. Deputados - um dossier que inclui uma exposição ao Sr. Presidente do Conselho. Portanto, não foram só determinadas cooperativas.

Quando eu ouço dizer - e respeito perfeitamente esse ponto de vista - que há que confiar, como ainda há pouco dizia o Sr. Deputado Roboredo e Silva, na criteriosa aplicação desta lei, parece-me que regressamos ao tempo do despotismo esclarecido que o [luminismo introduziu no século XVIII, em que cabia ao rei um poder absoluto, sim, contudo não como o absolutismo que o precedeu, com a finalidade de se voltar para o serviço de si mesmo, mas um absolutismo em ordem à realização do bem comum. E então eram evidentemente concedidos e reconhecidos ao rei poderes para fazer o que entendia em ordem ao bem comum. Estávamos ainda bem longe do Estado social de direito em que creio que vivemos hoje.

Devo dizer que, como pessoa que acredita absolutamente em que a esperança de um mundo melhor, no nosso país, como em todos os países, está numa autêntica educação, que não é simples ministrarão de informação, mas realmente é modelação de cada pessoa desde criança, para que desenvolva o máximo das potencialidades que em si contém, não para seu serviço, mas para o serviço dos outros, para mim nunca são de mais iradas as iniciativas que se mobilizem para esta obra ingente da educação, e nelas têm forçosamente de estar incluídas as cooperativas, como é da sua própria essência.

De resto, temos exemplo bem recente: a sua útil participação na discussão dos projectos de reforma do ensino, que o Sr. Ministro da Educação Nacional pôs à apreciação da Nação.

Poderá aqui, neste domínio das cooperativas, como disse o Sr. Deputado José da Silva e já foi depois também referida essa sua afirmação -, infiltrar-se o joio?

Pois, meus senhores, isso é da condição humana. Pretender que, hoje ou num futuro próximo ou longínquo, haja uma sociedade só de homens puros é absolutamente utópico.

Não podemos legislar, a meu ver, para os casos de excepção. Creio e desculpem uma vez mais B minha falta de cultura jurídica que há já instrumentos legislativos suficientes para poder, quer ao nível individual, quer ao nível de instituições sociais, impedir inclinações deste tipo. Por isso me parece que um decreto que venha legislar para a excepção, e não para a generalidade, não tem razão de ser. Foi essa a razão que me levou a subscrever o pedido de discussão na Assembleia do Decreto-Lei n.º 520/71. E com todo o respeito que VV. Ex.ª sabem que me merecem os argumentos em contrário aqui expostos.

Uns, que eu ouvi com toda a atenção, todos, que li com a maior concentração, não me levaram a mudar de opinião. Isto não significa que rejeite in limino este decreto, que, como tudo, creio que pode ser melhorado.

Muito obrigado.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Almeida Cotta: - Sr. Presidente: Quem acompanhou o que se tem escrito e dito ultimamente a propósito do Decreto-Lei n.º 520/71 pode ter ficado com uma ideia totalmente errada acerca dos objectivos visados por esse diploma.

Além de críticas marginais aflorando dificuldades de execução, que, a existirem, facilmente se resolvem, houve quem nesta Casa se pronunciasse de maneira bem diferente.

Deslocando o seu raciocínio, com bastante falta de lógica, para um domínio estritamente político, aquele que naturalmente mais lhe aprazia desenvolver, embora com prejuízo das finalidades que se deveriam especificamente ter em vista, proclamou-se aqui a necessidade de não se introduzirem desvios na alvorada de esperanças que anunciava a restauração dos direitos e das liberdades individuais.

E uma vez situada a questão neste pé, ter-se-ia encontrado a zona propícia à monótona continuação da esgrima contra moinhos de vento.

Não se lembraram de recordar a correcta posição que o Governo tem tomado sempre a este respeito desde que assumiu as responsabilidades do Poder, a tal ponto franca e aberta que a traduziu na própria Constituição Política, através da revisão que esta Câmara apreciou e aprovou com as emendas que entendeu dever introduzir-lhe.

Não se lembraram da orientação desde o início definida sem ambiguidades pelo Presidente do Conselho, consagrada na conhecida síntese "renovação na continuidade", abertura, portanto, a todas as reformas conducentes ao progresso e à promoção social, sem sacrificar a alma no altar de dogmas, ricos, porventura, de belas palavras, mas de débil expressão quando se pretende resolver concretamente complexos problemas como os relativos aos

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direitos individuais, que não podem esquecer os direitos de terceiros e os deveres de todos para com todos e para com a colectividade.

Não se lembraram das circunstâncias históricas em que vivemos, condicionando e limitando uma marcha porventura ainda mais rápida no sentido desse progresso e dessa promoção, frequentemente prejudicados, além do mais pelas actividades subversivas que atacam na sombra, sem qualquer espécie de escrúpulos de ordem legal ou moral e que temos de enfrentar e de vencer para mantermos precisamente os princípios da legalidade e da liberdade.

Não se lembraram que estes princípios se sustentam e defendem em todos os sectores da vida nacional, em toda a acção interna e externa do Estado, como um imperativo de justiça a presidir às relações em que deva empenhar-se, e não para conseguir aplausos para actos da Administração, dos poderosos ou dos humildes, de religiosos ou de ateus, de pobres ou de ricos, pois em qualquer camada social há quem entenda perfeitamente esta posição, e soo muitos, mas há também quem a não queira compreender.

Perante a clareza destas atitudes, diante do seu real significado, dos aspirações, da justificação e dos propósitos que as animam, que sentido atribuir, quais os objectivos que determinarão um proselitismo doutrinário, pleno de imprecisões, mas cheiinho de promessas de um profissionalismo político ultrapassado?

Mas, voltando ao assunto em exame, digamos em poucas palavras o que procurou fazer-se com o Decreto-Lei n.º 520/71. E digo em poucas palavras porque o assunto já foi amplamente debatido em todos os aspectos que interessavam ao seu esclarecimento pelos oradores que me antecederam e pela nota oficiosa do Governo.

Antes do mais, convém sublinhar, como já foi dito por alguém com autoridade na matéria, que uma associação é sempre associação por muito que lhe chamem sociedade, assim como uma sociedade será sempre sociedade por muito que lhe chamem associação, isto é, a forma não arrasta consigo a substância.

Independentemente da averiguação dos meios à disposição das sociedades ou das associações para adquirirem personalidade jurídica, por via normativa ou por concessão, o que convém reter para nos orientarmos na análise do problema é se pode permitir-se a confusão dos regimes legais que regem a constituição e a vida de qualquer entidade pública ou privada sem grave dano para elas próprias e para a ordem jurídica em geral.

Fará nos situarmos no âmago do problema, consideremos uma cooperativa que se constitua para a realização dos fins normalmente prosseguidos por esta espécie de sociedades. Suponhamos que, desvirtuando esses fins, se passa a orientar e a actuar como se houvesse sido constituída como uma associação de cidadãos, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 89 660, de 20 de Maio de 1954.

Que fazer em tais circunstâncias?

Foram situações destas que o Decreto-Lei n.º 520/71 pretendeu resolver com o mínimo de danos.

Se um grupo de pessoas quer constituir uma associação, nada impede que o faça, mas nos termos da lei que regula o exercício do direito de associação. O simples facto de lhe chamar cooperativa não pode alterar o sistema legal próprio da actividade que efectivamente exerça.

Se um grupo de pessoas deseja constituir uma cooperativa, é inteiramente livre de o fazer, mas, igualmente, nas condições legais. Se age, actua ou se organiza como associação não pode pretender que seja considerada como uma cooperativa.

O Governo, ao publicar o Decreto-Lei n.º 520/71, não fez mais do que evitar a confusão que casos concretos mostraram à evidência.

O Sr. Magalhães Mota: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Magalhães Mota: - Era apenas uma observação, muito ligeira, e até abstraindo-me da crítica às primeiras palavras de V. Ex.ª que me pareceram demasiadamente genéricas, e, portanto, nessa generalidade, uma acusação que de maneira nenhuma posso aceitar.

Mas, para além desse aspecto, que não queria de modo nenhum focar, e apenas anotar, queria só salientar um ponto. V. Ex.ª diz, e bem, que o conteúdo das coisas não se altera pelas palavras. E uma fórmula que devíamos ter sempre presente.

Eu queria focar um único ponto, que era este: em que medida é que o Decreto-Lei n.º 520/71 permite a actividade das cooperativas autênticas? Portanto, eu abstraio de todos os problemas marginais e centro-me exclusivamente sobre o problema nuclear. Quer dizer: as cooperativas que o são verdadeiramente são ou não atingidas na sua actividade pelos termos larguíssimos deste diploma? Podem sê-lo, ou pode isso suscitar-lhes dificuldades?

O Orador: - Sr. Deputado, quanto à primeira parte, em que se referia à generalidade de algumas afirmações que aqui fiz, V. Ex.ª desculpe-me o plebeísmo, mas se não enfiou a carapuça, então não vale a pena eu voltar a isso.

O Sr. Magalhães Mota: - Não enfiei.

O Orador: - Bem!

Quanto à segunda parte, eu talvez tenha aqui, seguidamente, considerações que possam responder a V. Ex.ª

O Sr. Magalhães Mota: - Então aguardarei.

O Orador: - Se de facto tiver ainda dúvidas, nessa altura pode dizer.

O Sr. Magalhães Mota: - Aguardarei. Muito obrigado.

O Orador: - um Sr. Deputado afirmou não poder aceitar que às cooperativas, sociedades regidas pela lei comercial, se aplique o decreto que as subordina ao direito de associação.

Está certo. Nós também não aceitamos, nem é isso o que se pretende. Só es cooperativas apenas de nome, mas na substância funcionando e agindo como associações, ficarão abrangidas pelo diploma n.º 520/71.

Por isso não há que recear que a espada de Dâmocles tique pendente sobre as suas cabeças.

E foi dentro do espírito do autêntico cooperativismo que esse esplêndido movimento teve um enorme impulso nas últimas décadas. Toda a gente o sabe.

Parece-nos assim claramente definido o fim que se propõe alcançar aquele citado decreto.

A exclusividade económica da actividade das cooperativas a que se refere o seu artigo 1.º não exclui, a nosso ver, actividades acessórias conexas com a prossecução da principal.

O que não se justifica, repete-se, é o contrário: é quo a actividade dominante não seja a económica e que só por acidente se pratiquem actos que beneficiem economicamente os sócios.

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Por estes motives, justifica-se amplamente a ratificação pura e simples.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Ora, eu não sei se esta consideração que acabo de fazer de certo modo pode responder às dúvidas que foram aqui suscitadas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Mota Amaral: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Pois com certeza que dou.

O Sr. Mota Amaral: - O Sr. Deputado Almeida Cotta efectivamente vai de encontro às dúvidas que eu e outros colegas nossos formulamos. Mas responde a elas mediante um delicado trabalho de interpretação em que constantemente está a estabelecer para o dispositivo do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 520/71, uma interpretação restritiva: esse preceito tem um determinado conteúdo, mas, na realidade, deve aplicar-se a um âmbito muito mais restrito da realidade sócio-económica. Eu estou de acordo com o que diz o Sr. Deputado Almeida Cotta. Mas o que acho desnecessário é exigir-se esse trabalho tão delicado de interpretação para se chegar à conclusão, simples e clara, de que os sociedades cooperativas continuam a manter-se dentro da autonomia do regime actual de direito comercial.

O Orador: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Sr. Mota Amaral: - Permita-me V. Ex.ª concluir o meu raciocínio, já que me consentiu a interrupção.

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Mota Amaral: - E por isso a minha conclusão é a que já há pouco formulava ao Sr. Deputado Teixeira Canedo e com a qual ontem terminei a minha intervenção aí na tribuna: é preciso esclarecer o sentido do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 520/71. Em vez de deixar a questão à interpretação dos doutores, à jurisprudência, que sempre admite flutuações, vamos deixar a lei "preto no branco". Só se beneficia com leis claras só se governa bem com leis claras. Era esse o meu objectivo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª é formado em Direito e possivelmente exerce a advocacia. Eu já a exerci e tenho a impressão de que diariamente os profissionais do Direito não fazem outra coisa que interpretar a lei e todos os dias os tribunais e os doutrinadores nos fornecem mananciais de elementos; todos os dias sobre textos aparentemente claros como água se faz um esforço de interpretação.

Todos os dias isto acontece. - Se V. Ex.ª me disser: "Pois eu acho difícil chegar a essa interpretação", eu direi que não acho. Depende, naturalmente, da posição em que a gente se coloca, mas eu não acho. Eu acho que está contido no próprio conceito, não só da lei, como do cooperativismo em geral, como do exercício de qualquer profissão, de qualquer actividade comercial.

Se V. Ex.ª me falar, por exemplo, num indivíduo que tem uma casa de chapéus e vende chapéus, ou numa cooperativa que se dedica a vender chapéus aos seus sócios, pois têm necessariamente de fazer, além daquilo que hoje ocupa o mundo inteiro, es chamadas public relations, que toda ia gente diz que são necessárias e que têm hoje uma grande influência. Necessariamente que se deve considerar acessório todo o ensino atinente a desenvolver a actividade primacial que se tem. E, portanto, o senhor que tem chapéus, ou a cooperativa que tem chapéus - perdoe a Assembleia, eu podia ter-me lembrado de outra coisa mais profunda do que um chapéu ... -, pode ensinar os seus empregados a tirar medidas às cabeças das pessoas para verem qual o chapéu que lhes serve.

Agora o que já é discutível é se será próprio e útil que o empregado pretenda meter na cabeça das pessoas aquilo que lá não deveria estar ...

O Sr. Pinto Machado: - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Eu dou, sim, Sr. Deputado.

O Sr. Pinto Machado: - Na linha da minha intervenção de há pouco, repito que não sou jurista ...

O Sr. Casal-Ribeiro: - Outra vez!

O Sr. Pinto Machado: - ... e acho que o País não pode ser entregue aos juristas.

Risos.

O Orador: - Pois não, pois não ...

O Sr. Pinto Machado: - Daqui a pouco - se é que vai ser hoje - vou ter que votar ...

O Orador: - É por isso que V. Ex.ª não é juiz, não pode ser juiz. É médico e andou seis ou sete anos a estudar para isso; e a pessoa que vai jazer administração de justiça tem que andar também uns aninhos na escola para poder depois interpretar ...

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Deputado: Uma das impugnações que tom sido feitos oficialmente à nossa distribuição dos alunos pelo ensino superior é que nós temos um exagero de frequências das ciências jurídicas em relação aos cursos técnicos.

Mas a verdade é que eu estou aqui, nesta Assembleia, sou Deputado como V. Ex.ª - com muito menos categoria, mas estou aqui.

O Orador: - E está aqui muito bem! ...

O Sr. Pinto Machado: - E tenho que votar, tenho que me sentir esclarecido. Por isso peço, quase angustiadamente, que me esclareçam.

Disse o Sr. Deputado Almeida Cotta que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 520/71 introduziu um critério quantitativo. De resto, na minha intervenção de há pouco, eu tinha admitido que este artigo 1.º pudesse ter essa redacção: "predominantemente económica". Eu até exemplifiquei: mais de 50 por cento. Mas o que eu vejo lá escrito - e isto não é jurisprudência, os formados em Direito não podem alterar o dicionário da língua portuguesa ... - é s"exclusivamente", Sr. Deputado.

V. Ex.ª diz que o "exclusivamente" significa "predominantemente". Isso á uma opinião pessoal errada. O Sr. Deputado não vê em nenhum dicionário da língua portuguesa escrito que "exclusivamente" é igual a "predominantemente". Diz que é "só", "sem excepção".

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Se V. Ex.ª fizer um esforço para acompanhar ... E difícil, não digo que seja muito fácil ... Porque se V. Ex.ª me expuser aí, dentro do seu campo profissional, uma teoria muito complicada, naturalmente que eu também sentirei embaraço. Mas só V. Ex.ª fizer um esforço para admitir que esta expressão "exclusivamente económica" - ligue mais ao "económica" do Que ao "exclusivamente" - engloba actividades acessórias que são conexas ...

Foi o que eu disse aqui a propósito dos chapéus: admite actividades acessórias que são conexas, como dizem os tratadistas e aqui já foi lembrado por alguns oradores.

Realmente, as cooperativas, como toda a actividade, têm a sua função principal e, conexamente, outras, que escusam de ser enunciadas taxativamente.

O Sr. Pinto Machado: - Muito obrigado, Sr. Deputado. No entanto, embora não queira ser impertinente, quero apenas focar duas notas. A primeira, digo-lhe com toda a franqueza, é que considero que o assunto está absolutamente ao meu nível. Não é tão complexo que não o possa atingir.

O Orador: - Claro!

O Sr. Pinto Machado: - A segunda, é para lhe dizer o seguinte: suponha que estávamos no 5.º ano do liceu e que eu era o professor e o Sr. Deputado o aluno ...

Risos.

O. Orador: - Isso era uma análise gramatical e ...

O Sr. Pinto Machado: - E eu pedia-lhe que redigisse uma única frase unia prescrição normativa referente a sociedades em que ficasse claro que se tratava de actividades predominantemente, e quase poderia dizer "essencialmente", económicas - "predominantemente" e "essencialmente" não são bem a mesma coisa, mas, no entanto, não é o "exclusivamente" do artigo 1.º do decreto-lei. Se o Sr. Deputado pusesse "exclusivamente", eu, digo-lhe com toda a franqueza, como professor de Português, punha-lhe ali uma cruz vermelha.

Risos.

O Sr. Magalhães Mota: - Só porque há pouco V. Ex.ª, Sr. Dr. Almeida Coita, me fez referência directa, tenho a dizer o seguinte: se o "exclusivamente" não é "exclusivamente", só gostaria que isso, em vez de ser dito por V. Ex.ª e com todo o respeito por V. Ex.ª, constasse do decreto.

O Orador: - Bem vê, poderia ser, por exemplo, que o decreto fosse redigido por uma forma ainda mais rica, quero dizer: não só o "exclusivamente", imas até outras formas. Poderia arranjar formas literárias, e no Direito, como sabe, a literatura não tem o rigor e a importância como o teria a riqueza verbal.

O Sr. Magalhães Mota: - Mas, se V. Ex.ª está disposto a tentar um esforço sério de melhoria do decreto, tem o meu inteiro apoio.

O Orador: - Muito obrigado.

Sr. Presidente: Cheguei ao fim das minhas breves considerações. Foram mais prolongadas do que pensava, mas eu não fui responsável por isso.

Não termino, todavia, sem acrescentar o seguinte: em meu entender, justifica-se amplamente a ratificação, pura e simples, do Decreto-Lei n.º 520/71.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Ao abrigo do artigo 49.º do nosso Regimento, declaro o assunto suficientemente esclarecido e encerro o debate.

Gomo verifico, por uma observação que não pretende ser uma contagem mas em que julgo não estar muito enganado, que estamos mais de 80 Deputados na sala, julgo, oportuno que passemos à votação.

O Sr. Mota Amaral: - Peço a palavra, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pediu a palavra para?

O Sr. Mota Amaral: - Para um requerimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Mota Amaral: - Requeira que a deliberação da Assembleia Nacional seja tomada por votação nominal.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mota Amaral demonstrou a toda a Assembleia aquilo que nós já sabíamos: um conhecimento perfeito do Regimento, no sentido de que já está a antecipar a votação. Também não fez grande esforço, pois eu já a tinha anunciado. O que só me faltava anunciar era que, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 42.º do Regimento, em primeiro lugar vamos proceder à votação sobre se deve ser concedida a ratificação pura e simples do Decreto-Lei n.º 520/71.

Defiro o requerimento do Sr. Deputado Mota Amaral e vamos, em consequência, proceder à votação nominal, no sentido de decidir se deve ou não ser concedida a ratificação pura e simples. Os Srs. Deputados declararão, à medida que forem chamados, se concedem ou não a ratificação pura e simples. Como VV. Ex.ªs sabem, se a maioria da Assembleia não conceder a ratificação pura e simples, votar-se-á se ela deve ser concedida com emendas.

Vai proceder-se à chamada para efeitos de votação nominal sobre se a Assembleia concede a ratificação pura e simples do Decreto-Lei n.º 520/71. Ao ser chamado, cada um de VV. Ex.ªs fará o favor de dizer se concede a ratificação pura e simples ou não concede.

Se VV. Ex.ªs quiserem, até para simplificar e adiantar, poder-se-ão limitar a responder s"sim" ou "não", conforme concedam ou não a ratificação pura e simples.

Vai então proceder-se à chamada neste entendimento.

Os Srs. Deputados que disserem "sim" concedem a ratificação pura e simples do Decreto-Lei n.º 520/71; os que disserem "não", não a concedem, ficando ainda, eventualmente, para decidir se há-de ser concedida com emendas ou se há-de ser rejeitada.

Fez-se a chamada.

Srs. Deputados que votaram a favor da ratificação para e simples:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

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Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
José Coelho de Almeida Coito.
José Coelho Jordão.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Molato Beliz.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que votaram, contra a ratificação pura a simples:

Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da C um ara Oliveira Dias.

Srs. Deputados que não responderam à chamada para a votação:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Júlio dos Santos Almeida.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João José Ferreira Forte.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José da Silva.
Júlio Dias das Neves.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rui Pontífice Sousa.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Como houve, Srs. Deputados, pelo menos um, mas não tenho a certeza se mais, que entraram na sala durante a votação, vai-se proceder a segunda chamada, para que algum Sr. Deputado que não tenha respondido da primeira vez, mas que esteja ainda na sala, possa agora pronunciar-se.

Fez-se nova chamada dos Srs. Deputados que não responderam à primeira, verificando-se apenas mais um voto favorável à ratificação pura e simples: o do Sr. Deputado Barreto de Lara.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Feita a chamada para a votação nominal, verificou-se que concedem a ratificação pura e simples 73 Srs. Deputados, e que não a concedem 13 Srs. Deputados. Em consequência, por maioria, está concedida a ratificação pura e simples do Decreto--Lei n.º 520/71.

Srs. Deputados: Forque algumas comissões têm de adiantar os seus trabalhos, não haverá sessão nem amanhã nem depois.

ÀS Comissões de Economia e Eventual para estudo de alterações ao Regimento está já esclarecido que reunirão conforme lhes pareça conveniente para o andamento dos seus trabalhos. Mas convoco para amanha, às 17 horas, a Comissão de Legislação e Redacção, a fim de se pronunciar sobre uma consulta que lhe dirigi.

A próxima sessão será no dia 25, terça-feira, à hora regimental, tendo como ordem do dia a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Machado sobre o ensino médico.

Está encerrada a sessão. Eram 19 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Manuel Alves.
Joaquim de Pinho Brandão.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Pizarro Xavier Montai vão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:.

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Júlio dos Santos Almeida.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José da Silva.
Júlio Dias das Neves.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Maximiliano Isidoro Fio Fernandes
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - Januário Pinto.

Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:

Ao abrigo das disposições regimentais, requeiro que mo seja fornecido um exemplar do relatório da Comissão de Planeamento da Zona Norte.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Janeiro de 1972. - O Deputado, Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional:

Peço a V. Ex.ª a rectificação no Diário das Sessões, n.º 146, p. 2953, 1. 64, da minha intervenção, substituindo-se a palavra "militarmente" por "militarmente", que foi o que, na realidade, pronunciei. Mais peco a V. Ex.ª desculpar-me o lapso de não ter na última sessão apresentado este pedido de rectificação.

Com a mais elevada consideração me subscrevo.

Assembleia Nacional, 19 de Janeiro de 1972. - O Deputado, Agostinho Cardoso.

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