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10 DE MARÇO DE 1972 3329

geralmente os faz considerar em moda. Assim acontece com o urbanismo, fenómeno tão velho como o homem. Onde e como construir - sempre foi problema posto à consideração do homem isolado ou de qualquer comunidade de homens. O urbanismo tem sido sempre, com este nome ou sem ele, um dos {problemas sócio-políticos de permanente preocupação da Humanidade. Não é preciso fazer apelo a especiais conhecimentos para se verificar que assim é.
A cidade antiga exercia sobre os cidadãos o poder, mais ou menos despótico, da vinculação. Quem não cabia no castelo ia construindo a casa à sombra das suas muralhas, para dentro delas se recolhei- e resistir aos inimigos. A autoridade do senhor impunha-se em todos os aspectos da vida comunitária.. Aumentando o número de moradores, ia-se alargando o perímetro das muralhas, numa preocupação centrífuga que nem só o espectro da guerra justificava. Para se entrar ou sair da cidade era preciso atravessar portas e porventura pagar portagem, se de mercadorias se tratava. No campo político, a velha cidade era muitas vezes uma unidade independente.
Depois, a cidade, obsoletas os castelos, pôde descer à planície e, tomando agora como centro o edifício dos Paços do Concelho, situado na praça maior, ponto de convergência para convívio, foi-se dispondo em círculos ou em círculos a partir de um núcleo compacto, se o terreno o impunha. O fisco administrativo adaptou-se à falta das barreiras, a expressão "fora de portas" passou a simbólica, significando o espaço para além das últimas casas consideradas solidárias. O Município era uma realidade de coesão de interesses e de pessoas. Os próprios bairros de segregação racial mantinham-se no espaço comunitário. A paróquia, agrupando parte da população à volta de uma igreja, foi simultaneamente freguesia, entre nós na realidade etimológica do termo, mas descentralizada por deliberação municipal e, portanto, conservando a vinculação de base. Foi uma dádiva, forçada embora pelas circunstâncias, e não um direito conquistado. E o Código Administrativo, com as suas naturais implicações sócio-políticos, nunca deixou de lembrar o espírito municipalista e a vinculação dos indivíduos à comunidade restrita.
(Mesmo com o fortalecimento da "dela de pátria e o poder centralizador dos governos, perdidas já embora muitas das prerrogativas municipais, a cidade continuou a ser um todo em mútua vinculação. Nesse sentido estão dispostas as suas estruturas sócdo-políticas.
Mas a cidade foi crescendo, alargando cada vez mais os seus círculos concêntricos; e o empolamento da zona dos serviços fez surgir a necessidade de descentralizar esses serviços, dotando com eles cada um dos bairros mais populosos. O Homem começou assim a perder o sentido do vínculo da autoridade, sem perder, todavia, ainda o da sociabilidade, porque tinha de procurar os espectáculos, o comércio, o seu próprio emprego na zona central da cidade. Por essas deslocações criou-se então outra espécie de sociabilidade: a do grupo que espera o mesmo transporte, que utiliza o mesmo transporte, que goza ou sofre os contratempos do mesmo transporte, militarizado, encurralado, encaixado, quase empacotado, entregue como mercadoria nos mercados do trabalho. Gente que, trabalhando e fazendo política de um lado, vive e exprime-se politicamente noutro lado, mantida, porém, nas mesmas estruturas político-administrativas. A reacção pacífica a esse figurino é o absentismo nos actos eleitorais. E a sensação de desvinculação progressiva vai criando no Homem um estado de angústia, que tem exemplificação concreta na conversa ouvida num dos transportes urbanos e feita entre operários de várias proveniências, que orgulhosamente diziam ser daqui ou dali, e a declaração amarga de um deles: eu não tenho terra, sou de Lisboa.
O avanço doa grandes massas humanas da periferia paru o centro, com todos os problemas de ordem material que origina, passou naturalmente a seu- preocupação dos governantes, que veio -a encontrar alívio por uma nova foram* de urbanismo - u do aproveitamento dos grandes espaços livres desligados da cidade, onde, sem os condicionalismos da urbanização concêntrica, é possível aplicar novos conceitos e ensaiar novos estilos de construção. Assim surgiram as células {habitacionais, bastando-se a si mesmas, em que a maioria dos moradores, sem necessidade de deslocação parti fora delas, passaram a uma convivência diária com os mesmas pessoas, vivendo em casas iguais, refazendo as meamos (frases, percorrendo as mesmas ruas, sentando-se EO mesmo jardim, numa monotonia que em breve se transforma em pânico de isolamento, quase desconhecido o poder vinculador da autoridade, que pode algumas vezes provocar revolta, mas dá afinal uma sensação de segurança de que todo o homem necessita paira o seu equilíbrio (psíquico. Nos fins-de-semana e nos dias feriados essas células despovoam-se com a saída em massa dos moradores, oprimidos por prédios cada vez mais altos, que são como muros de prisão e em que cada um se sente cada vez mais isolado, mais pequeno e mais insignificante. As praias e os campos enchem-se dessa multidão árida do espaço sem paredes, que regressa horas depois, em rebanho de automóveis, para a grilheta de mais uma semana de reclusão.
É evidente que, neste estado de espírito e nestas condições materiais, os homens não podem ser sensíveis a uma estrutura sócio-político-administativa que foi traçada para a cidade antiga. Os apelos desta não têm sobre eles qualquer influência. São como um programa qualquer da Rádio ou da Televisão, coisa que se vê e ouve por desfastio ou em fuga, para logo esquecer. Já que aos governantes não é possível alterar o rumo do novo urbanismo, pois é uma ideia força em movimento, cabe-lhes a procura da nova estrutura sócio-político-administrativa que há-de servir à realidade da cidade nova, ou então dar a cada uma das células que surjam o alvará que lhes permita servir-se de estrutura velha, solução, porém, que qualquer alfaiate desaconselharia, mesmo em época de feito, feito. É que, mesmo podendo cada célula tornar-se num burgo independente, o seu corpo estrutural não é o mesmo dos burgos de outra época, construídos a partir de um centro, ao mesmo tempo irradiador e centralizador.
Decerto sem qualquer originalidade, não quis deixar de pôr neste debate, que o Sr. Deputado Alarcão e Silva motivou, com aquele fôlego e aquele fogo que lhe apreciamos, uma nota de acento político de tom diferente, sem outro propósito que não fosso o de, desde já, alertar para a matéria os que, melhor do que eu, possam tratá-la e remediá-la. Eu quis dizer apenas que o rei ia nu. Quem souber, e puder que o vista.

Vozes: -Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O debate continuará na sessão de amanhã. Haverá sessão, a hora regi-