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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 198

ANO DE 1972 23 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 196, EM 22 DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

Nota. - Foram publicados três suplementos ao Diário das Sessões, n.º 195, que inserem: o 1.º, o Acordo entre a Comunidade Económica, Europeia e a República Portuguesa; o 3.°, o Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia, do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e o 3.°, a proposta de lei n.º 24/X, de autorização das receitas e despesas para 1973.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão das 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com algumas rectificações, os n.ºs 194, 195 e 196 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Foi exarado um voto de pesar pela morte do pai do Sr. Deputado Oliveira Dias.
Os Srs». Deputados Oliveira Ramos e Oliveira Dias agradeceram os votos de pesar exarados pela, morte de seus pais.
O Sr. Deputado Correia, da Cunha teceu considerações acerca da crise académica, a propósito do discurso do Sr. Deputado Moura Ramos sobre o mesmo assunto.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão referiu-se ao reconhecimento notarial de assinaturas nos boletins de inscrição liceal.
O Sr. Deputada Themudo Barata, usou da palavra para se referir aos problemas de montagem de automóveis.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na especialidade sobre a proposta de lei acerca da prestação de avales pelo Estado.

Foram aprovadas as bases I, II e III, tendo sido introduzidas alterações às I e II.
Intervieram na discussão os Srs. Deputados Almeida Garrett, Magalhães Mota, Roboredo e Silva, Alberto de Alarcão, Miguel Bastos, Neto Miranda, Pinto Balsemão, Teixeira Pinto, Almeida Cotta, Barreto de Lara e Ulisses Cortês.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.

Eram 15 horas o 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lera.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira da Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Carreia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.

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Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano da Sousa firas Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Nuno Pimento Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Gosto Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lufe António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 74 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Estão em reclamação os n.ºs 194, 195 e 196 do Diário das Sessões.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Solicito que sejam tomadas em consideração as seguintes rectificações ao n.° 196 do Diário das Sessões, de 17 do corrente: na p. 3891, col. 2.ª, 1. 15, em vez de: «sustentação e vida», deve ler-se: -«sustentação de vida»; na p. 8892, col. 1.ª, 1. 21, em vez de: «de mais», deve escrever-se: «demais»; na mesma página e coluna, 1. 41 e 42, em vez de: «bancárias ultramarinas», deve ler-se: «bancárias, ultramarinas».

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: em relação ao n.° 196 do Diário das Sessões, na p. 3895, col. 1.ª, 1. 3, em vez de: «meu», deve ler-se: «mau».

O Sr. Presidente: - Eu também tenho umas pequenas rectificações a introduzir - as palavras minhas insertas no n.° 195 do Diário das Sessões, que, por serem curtas e apenas de pormenor, mandarei para o Diário das Sessões, se VV. Exas. o permitem.

ausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. deseja usar da palavra para rectificações aos números do Diário da» Sessões postos em reclamação, considerá-los-ei aprovados com as rectificações já mencionadas.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão aprovados.

Pausa.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

Do Sr. Francisco Bernardo Coelho acerca do projecto de lei de revisão das rendas de casa em Lisboa e Porto.
Das auxiliares de limpeza da Escola do Ensino Primário de Moscavide, focando a divergência dos seus vencimentos relativamente às colegas de Lisboa.

Exposição

Com três assinaturas acerca da criação do novo imposto sobre os barcos de recreio e automóveis não utilitários.

Telegramas

Da Junto de Freguesia e direcção da Casa do Povo de Marmelete, da Junta de Freguesia de Monchique e da Federação dos Grémios de Lavoura do Algarve, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Leal de Oliveira sobre as Caldas de Monchique.
Dos Sindicatos dos Seguros do Distrito de Lisboa discordando do projecto de lei sobre a revisão das rendas de casa em Lisboa e Porto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Outro infausto acontecimento, que afectou um de nós, tenho de referir à Assembleia. Faleceu o pai do Sr. Deputado Oliveira Dias. Proponho que exaremos na acta da sessão de hoje um voto de pesar pela perda sofrida pelo Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira Ramos: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: Pedi a palavra «para agradecer o voto de pesar inscrito na acta da sessão de ontem, por motivo do falecimento de meu pai. Em momento de tão sentida mágoa, aceite V. Exa.» e à Câmara a expressão do meu profundo reconhecimento.

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O Sr. Oliveira Dias: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo apenas agradecer reconhecidamente o voto de pesar que acaba de ser aprovado.
Muito obrigado.

O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente: Levado pelo seu inexcedível patriotismo e por um profundo sentimento de responsabilidade inerente a sua função de educador de jovens na Prisão-Escola de Leiria, cujo círculo tão dignamente representa nesta Assembleia, o Sr. Deputado Rui de Moura Ramos teceu na penúltima sessão mais algumas considerações sobre a chamada crise académica. E fê-lo no seu estilo habitual, vigoroso e claro, alicerçando-se em citações de políticos notáveis, recorrendo, enfim, a toda uma laboriosa argumentação capaz de convencer o mais insensível dos que não comungam, plenamente, nos suas ideias. Eu situo-me nesse número, por isso aqui estou a transmitir-vos o meu depoimento.
Ainda que correndo o risco de passar por ingénuo, inexperiente, ignorante da psicologia dos jovens, demagogo idealista e, quiçá, conquistador de «benesses e honrarias», apesar de tudo, dizia, eu venho confessar humildemente o meu quase total desacordo com S. Exa. Nalguns pontos ainda tenho a sensação de nos podermos encontrar; é o que sucede, por exemplo, quando afirma que «o preço da guerra tem de ser pago por todos e não só por alguns», É evidente que sim. S. Exa. refere-se, com certeza, às dezenas de pessoas que, quase sem mexerem uma palha, conseguiram, em tempo de guerra, amealhar fortunas colossais e constituir-se em permanentes fontes de preocupação para um Governo que aspira, acima de tudo, a manter saudável uma estrutura social e económica que se degrada constantemente. Para esses senhores não há nada que se não possa adquirir, não ha fronteiras que lhes limitem a ambição, não há conceito de patriotismo que lhes modere a insanidade.
Tem o Sr. Deputado toda a razão: a guerra deve ser paga por todos.
Mas os jovens contestatários são o alvo predilecto da sua patriótica alocução. O labéu de elementos subversivos e perturbadores da ontem, acobertados por autoridades governamentais e académicas, serve a todos. E o Governo é que tem a culpa «porque se terá demitido frente às manobras agitadoras dos estudantes»; por os «haver presenteado lautamente com amnistias e arquivo de processos», condenando «(só com palavras, entenda-se.. . .)» os que mereciam castigo exemplar. Nesta última diatribe já estão apenas em causa algumas minorias de estudantes uma vez que a grande massa, devidamente intoxicada, se tornou incapaz de reagir. Pois, meus senhores, vou uma vez mais falar claro.
A responsabilidade pela triste situação em que caiu a nossa Universidade não pode ser atribuída à brandura dos actuais governantes; o processo de degradação vem de longe e resultou de um pesado tributo pago à inércia e ao comodismo de muitos dirigentes.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Aqui e lá fora.

O Orador: - Eu vivi dezasseis anos no seio da Universidade, conheci centenas de professores e milhares de alunos. não posso, por isso, aceitar a tese simplista de que o recurso, à repressão violenta constitui a melhor, ou a única forma de normalizar a situação.
A crise tem realmente raízes fundas, e aqui neste areópago já foi possível discuti-las, ainda que sem grande êxito. Contra as provocações dos extremistas não creio que o Governo tivesse podido fazer muito mais e melhor do que fez. Com o movimento inovador lançado pelo Ministro Veiga Simão as estruturas foram algo abaladas, mas em muitos casos continua a ser flagrante a incapacidade dos órgãos universitários para uma autogestão condigna. E é pena, porque sem ela as medidas adoptadas pelo Governo nunca poderão ser postos em prática. Da confusão beneficiam, como disse, os extremistas perante a passividade da grande massa dos estudantes. É certo. Mas continuo a pensar que a solução advogada por muitos, e que consiste no recurso à violência, não constitui, realmente, uma solução.

O Sr. Almeida Garrett: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu queria dizer a V. Exa. que estou sinceramente de acordo com algumas das observações que V. Exa. fez até agora.
Apenas com a autoridade que me dão cerca de vinte e cinco anos de serviço docente, também eu estou convencido de que não é, salvo casos excepcionais, que não são casos da Universidade, são casos de ordem pública, . . .

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Almeida Garrett: - ... salvo o desejo de correr o risco gravíssimo de própria desagregação, excepto salvos nesses casos, que, repito, não são do foro universitário, são do foro de delitos comuns contra a ordem pública, . . .

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Almeida Garrett: - ... não é na repressão, tal como vem nos panfletos largamente distribuídos, não é na repressão que estão as chaves do problema universitário. É evidentemente na alteração das estruturas, é um modelar de um verdadeiro espírito universitário e, até aqui, estou inteiramente de acordo com V. Exa. A minha preocupação vem depois daqui, vem de V. Exa. dizer - aliás repetindo o que foi largamente dito por vários oradores neste areópago a propósito do problema da crise da Universidade - que as estruturas universitárias provaram a sua incapacidade de autogestão nas circunstâncias actuais. Respeitando embora profundamente - como V. Exa. sabe, é com toda a sinceridade que faço esta declaração - as opiniões contrárias à minha, eu ainda sou dos que acreditam, talvez ingenuamente, talvez poeticamente, que a Universidade é capuz de uma autogestão.
Mas entendamos, é a Universidade, não é um serviço público universitário.
É a Universidade. A Universidade com todas as suas responsabilidades, mas também com todos os meios de arcar com essas responsabilidades.
Permita-me V. Exa. que faça esse reparo, porque estou convencido de que esta via da autogestão, com responsabilidade absoluta, evidentemente - controlada por toda a Nação, que tem o direito de pedir à Universidade que ela seja Universidade -, mas também com os meios necessários, nomeadamente não só os meios humanos e os materiais, mas também os meios de autoridade própria, é a viu que se pode percorrer para dignificar a Universidade, e para depois então, e só depois, pedir responsabilidades. Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Deputado, muito obrigado.
V. Exa. trouxe uma achega extremamente valiosa ao meu depoimento; fê-lo com a sinceridade a que nos habituou e corresponde ao meu sentimento.

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Eu dizia aqui que, na maioria, melhor, em muitos casos. Pode crer V. Exa. que quando escrevi isto senti bastante a responsabilidade do que estava a escrever, e só um facto muito recente me levaria a fazer esta afirmação. Não queria alargar-me em pormenores, mas o que se passou há cerca de um mês no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras ...

O Sr. Almeida Garrett: -Isso foi a demissão da própria autoridade da Universidade!

O Orador: - Ora aí está! Estamos plenamente de acordo.
Garanto-vos: nem que fosse apenas contínuo daquela casa, quanto mais director ... Se fosse director daquela casa nada daquilo se tinha passado e a Universidade hoje estaria tranquila.
Agora, o que eu garanto a V. Exa. é que não é o Ministro Veiga Simão que quer desautorizar a Universidade. Pelo contrário, tem feito tudo o que lhe é possível; eu não sou procurador dele . . .

O Sr. Cunha Araújo: - Nunca, isso fui posto em dúvida nesta Assembleia!

O Orador: - Exacto . . . exacto. Portanto, ele tem feito tudo o que lhe tem sido possível para prestigiar a Universidade, como bom professor universitário que é.

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Eu era só para recordar uma coisa- a V. Exa. Não sei se ouviu outro dia a alocução que fez ao País, melhor dizendo, aos universitários, o Sr. Secretario de Estado da Instrução e Cultura?
Olhe que ele não era bem da opinião de V. Exa. O Sr. Secretário de Estado, que tem prestado ao País grandes serviços, quer no lugar em que está há tão pouco tempo, quer naquele outro que ocupou no Ministério das Finanças; pois ele ameaçou claramente de represálias se realmente os estudantes não cumprissem aquilo que era o seu dever.
Parece-me que V. Exa. esta a levar longe de mais a defesa de uma pessoa que não foi aqui atacada. Eu não ouvi atacar aqui o Sr. Ministro Veiga Simão.
Agora o que não há dúvida nenhuma é que o Sr. Secretário de Estado da Instrução e Cultura disse qualquer coisa de muito sério e de muito grave no que se refere à forma como os estudantes estavam a reagir ao enorme trabalho feito pelo Sr. Ministro Veiga Simão e pelo Ministério. Portanto, V. Exa. não está completamente na razão.

O Orador: - Em primeiro lugar, não estou a defender ninguém. Estou, quando muito, a expor as minhas ideias.
Em segundo lugar, não creio que o Sr. Dr. Costa André tenha qualquer obrigação de seguir as minhas ideias nem eu as dele.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Mas é o responsável, Sr. Deputado.

O Orador: - Pois é. E eu também sou.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Somos todos.

O Orador: - Somos todos, de facto. Estamos de acordo.

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Exa. até é triplamente responsável.
É Deputado, é homem inteligente e é de bem e não se esqueça que é presidente de uma comissão para o ambiente. Portanto, deve ser contra a poluição (risos) das ideias, dos homens e da Universidade.

O Orador: - Eu pensei que V. Exa. ia referir a minha condição de pai de dois universitários.

O Sr. Casal-Ribeiro: - É mais uma. São quatro responsabilidades.

O Orador: - Se me dessem licença, eu continuava. O Antídoto só pode ser encontrado na reacção gerada entre os próprios estudantes (é esta a minha opinião), sempre que lhes for dada a oportunidade de se sentirem co-responsáveis pela orientação da sua própria Universidade. E aqui volto a encontrar-me com o Prof. Almeida Garrett, porque não são só os professores, são os estudantes, todos eles fazem parte da Universidade e nós gostaríamos que ela fosse qualquer coisa de organizado. A apatia em muitos casos não traduz cobardia, mas desinteresse. E esse sentimento não grassa, infelizmente, apenas entre os estudantes; muitos de nós, cidadãos deste País, continuamos diariamente a lavar as mãos como Pilatos, considerando que os problemas, desde que nos não digam directamente respeito, hão-de encontrar sempre quem os resolva.
Desta passividade, inculcada ao longo de muitos anos de governo autoritário, estamos agora, em vários sectores da vida nacional, a colher os frutos. Amargos frutos.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Não apoiado.

O Orador: - Mas não é com pensamentos melancólicos que poderemos fazer alguma coisa. O País precisa da elite que frequenta as Universidades como de pão para a boca. Vamos deixá-la trabalhar, vamos prestigiá-la, vamos ver nela o melhor penhor da nossa continuidade como povo e como nação. Para tonto, advogo a expulsão pura e simples de todos os pseudo-estudantes que tenham dado provas sobejas de quererem fazer tudo menos escutar . . .

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - ... e de todos os pseudo-professores que tenham demonstrado desejar fazer tudo menos ensinar.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - Não admito que, por causa de uma minoria, o esforço do Governo para arrumar a casa seja constantemente sabotado; assim, como me repugna aceitar que uma Universidade bem dirigida tenha de recorrer às forças da ordem para poder garantir o clima de trabalho indispensável a prossecução dos seus fins.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Continuo a depositar nos estudantes - nos estudantes, repito - as melhores esperanças. O seu inconformismo, a sua generosidade, representam uma força poderosa; se for devidamente orientada, podemos encará-la como o meio mais eficaz de transformar, para melhor, a sociedade em que vivemos.

Vozes: - Muito bem!

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O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Afinal caíram no cesto roto da administração escolar as palavras por nós proferidas há cerca de um ano (19 de Novembro de 1971} a respeito do reconhecimento notarial de assinaturas dos boletins de inscrição liceal.
Neste intervalo parlamentar fui inscrever alguns dos meus filhos no ensino liceal oficial.
Qual não foi, pois, n minha surpresa ao ser-me exigido novamente, não já Apenas pelo primogénito, mas também pelo segundo, neste novo ano escolar e na mesma escola, o reconhecimento notarial de ambas e idênticas assinaturas apostas.
Não bonda uma, são precisos mesmo dois reconhecimentos notariais, no mesmo ano escolar e para o mesmo liceu, da mesma assinatura.
Isto só visto.
Não desejaria repetir o que então disse.
Vá que não vá, ainda teoricamente se admitia que pela primeira inscrição de um escolar num estabelecimento de ensino se exigisse do progenitor (ou encarregado de educação) o reconhecimento notarial da assinatura. Com todas as reservas que então formulei.
Mas logo duas ou mais, no mesmo ano escolar, servirá para quê? Para colecção ou entretenimento de quem assim o determinou? Não poderiam pensar em qualquer coisa de mais útil? Deslocações, perdas de tempo, despesas, eu sei lá ...
E por que não poderá servir, para efeitos de inscrição escolar, a simples apresentação conjunta do bilhete de identidade a atestar o traço da assinatura, se para outros casos de bem maior importância produz efeito sem prejuízos de monta?
À consideração do Ministério da Educação Nacional deixo, Sr. Presidente, neste último ano de sessões legislativas da X Legislatura, este meu reparo, para que ao tempo de novas vindimas se não tenham de lavar novamente os cestos . . .

O Sr. Themudo Batata: - Em Fevereiro de 1971 requeri, nos termos regimentais, que pelos Ministérios das Finanças e da Economia me fossem fornecidas diversas informações acerca da indústria de montagem de veículos automóveis no País.
Recebi a resposta em Agosto último - quase ano e meio decorrido. Estranha demora, na verdade, sobretudo quando era certo que a matéria estava precisamente a ser objecto das atentas preocupações do Governo, e tanto assim que, em 26 de Abril deste ano, veio a ser promulgado o Decreto-Lei n.° 157/72, no qual sã estabelece o regime desta indústria até 1980, ou seja, os benefícios a conceder-lhe nos últimos e decisivos anos que antecedem a sua total liberalização.
Uma vez, pois, que estas circunstâncias me não permitiram prestar a minha modestíssima colaboração na oportunidade, que, penso, haveria sido a mais aconselhável, e era, sem sombra de dúvida, a mais grata ao meu espírito, nem solicitar à Câmara, como era meu intuito, a sua colaboração - essa, sim, valiosíssima - através do estudo destes problemas no âmbito de um aviso prévio, que agora creio despropositado, resta-me fazer chegar ao Governo o eco de algumas preocupações que o estudo deste assunto me suscitou.
Não ignoro - como ninguém responsável poderá ignorar - como são grandes as dificuldades a vencer para levar avante a enorme obra de progresso de que o País tanto carece e em que o Governo está tão vivamente empenhado; não são difíceis de adivinhar as complexas opções a que, por vezes, estará sujeita a sua actuação, nomeadamente em casos como este, os condicionamentos internos ou externos em que tem de mover-se, as pressões a enfrentar e os poderosos interesses em jogo.
Por isso, para que estas palavras sejam entendidas de harmonia com o espírito que as ditou, creio que convirá acentuar logo de início que elos são proferidas partindo, exactamente, destes pressupostos.
Referindo-se às leis do seu tempo, recordava já há séculos o nosso velho Bernardes que elas são por vezes demasiado ténues, comportando-se como simples teias de aranha: se nelas cai uma pedra, rompe-as e fica ilesa; se cai uma mosca, fica presa e paga sem remissão o seu descuido ou atrevimento.
Ora, neste domínio da indústria de montagem de automóveis em Portugal, usando a mesma imagem, ser-se-ia levado a concluir que a legislação se comportou, de facto, como frágil teia de aranha. A tessitura inicial era já de uma malha demasiado ampla, que, se não pudesse estreitar-se, pouco prometeria colher para benefício do País e os seus fios, demasiado débeis, não puderam aguentar os fortes embates que sofreram e, rasgando-se, vieram a abrir na malha grandes lacunas que quase a desmantelaram.
Tentar observar, em largos traços, como tudo se passou, apontar algumas dessas lacunas e alguns fios débeis de tal malha será - segundo creio - a forma mais eficaz de colaborar com o Governo, de apoiar e de incentivar a sua pronta e enérgica actuação para remediar o que puder ainda ser remediado, pensando principalmente na nova lei que acaba de publicar-se e na sua execução.
Já em intervenções anteriores, designadamente naquela em que me pronunciei acerca da proposta de lei do fomento industrial, tive ocasião de exprimir as preocupações causadas pela política de complacência que de há muito vinha sendo seguida quanto à indústria de montagem de automóveis.
A orientação adoptada pelo legislador de 1961 foi, é bem notório, já de si demasiado confiante, ou tímida mesmo, se se preferir; na aplicação subsequente desta lei foram-se, porém, acrescentando novos e talvez ainda maiores actos de benevolência; tudo - quero admiti-lo - na pura intenção de dar apoio e de fazer vingar uma indústria nascente que se supunha que com esses mimos conseguisse enraizar-se melhor. Esquecia-se somente que os homens de negócios não costumam dar muito peso ao coração e que, pelo contrário, serviriam, sim, sem dificuldades de maior, os nossos interesses - ainda que exteriormente recalcitrando - se verificassem que essa era 11 forma mais prática de acautelarem também os seus interesses próprios.
Nu verdade, o Decreto-Lei n.° 44 104, de 20 de Dezembro de 1961, partia de uma exigência de valores mínimos irrisórios de incorporação nacional e previa apenas a possibilidade de vir a aumentar-se esse mínimo até à cifra ainda modestíssima de 25 por cento, ao fim de três anos.
A Espanha, por exemplo, não pensou assim: não receou ser exigente. Obrigou a um mínimo de 80 por cento e a diferença dos frutos pode verificar-se.
Pois, apesar de entre nós se haver partido do nível tão diminuto de 15 por cento, mesmo assim só ao cabo de seis anos se toma a decisão de elevá-lo para 20 por cento, e agora, onze anos passados, se fosse a calcular-se a percentagem de incorporação nacional em termos efectivos, a quando montaria ela na realidade? Talvez os números que adiante refiro possam ajudar a esclarecê-lo e por forma que não é difícil prever nada terá de Lisonjeira.
Para ficar desde já com uma ideia geral dia situação, bastará talvez anotar que o Decreto-Lei n.° 197/72 admite que a percentagem mínima de incorporação de compo-

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nentes nacionais possa continuar ainda a ser de 20 por cento até 1974, e só daí em diante, até 1980, deverão obrigatòriamente alcançar-se 25 por cento, os tais 25 por cento que a lei de 1961 previa pudessem ser tornados obrigatórios a partir de 1965. Não será isto demasiada condescendência? Houve, é manifesto, excessiva tolerância da parte do Estado ao estabelecer um regime que consentiu tais cifras, mas - em meu entender - houve transigências muito maiores ainda na interpretação e na execução das leis, que permitiram alargar de modo quase inconcebível o conceito de incorporação nacional. Tudo isto facultou às empresas frustrarem os objectivos nacionais que, aqui como em qualquer parte, legìtimamente se buscam quando se protege e se acarinha uma indústria: que ela se enraíze sòlidamente no País, se desenvolva, faça sentir o seu efeito motor sobre indústrias afins, proporcionando os adequados níveis de emprego, de tecnologia, de riqueza, em suma, para a Noção, e não seja apenas uma actividade subindustrial na técnica e nas finalidades.
Poderá talvez argumentar-se como tentativa de explicação para a atitude das empresas, ou de justificação para a política de complacência adoptada pelo sector público, que se tomaria de todo em todo impossível, partindo da legislação de 1961 e do facto de se haverem autorizado já duas dezenas de linhas de montagem, pretender que elas viessem a, transformar-se em outros tantas fábricas de automóveis.
Era, portanto, de prever a mais tenaz resistência por parte das empresas para se disporem a aumentar progressiva e substancialmente a incorporação nacional, pois era evidente que, se, por hipótese, uma delas evoluísse por forma a transformar-se numa fábrica, as outras teriam de definhar ou morrer.
Enquanto o Estado fosse transigindo, era-lhes evidentemente mais cómodo e rendoso aproveitar essa transigência, evitando investimentos de vulto numa moldura legal tão fluida.
Estas empresas estão ligadas a algumas das mais poderosas firmas internacionais. Seria assim também de esperar que a sua resistência pudesse revestir muitas e variadas formas de pressão, pois é bem sabido que mapa-múndi para efeitos da economia é bem distinto daquele mapa que conhecemos dá geografia política, com os países marcados cada um a sua cor.
Há superpotências desse mundo que não estão representadas nestes mapas: as grandes companhias internacionais que têm o poderio económico de autênticos Estados.
Nada tenho contra as grandes empresas multinacionais. Julgo até que poderão constituir utilíssimo e direi mesmo que indispensável factor de progresso, pela sua actualização técnica, pela sua organização e gestão modelares, pela sua capacidade financeira e, sobretudo, pelos poderosos meios de estudo e investigação em que alicerçam os seus trabalhos. Pensam e agem, evidentemente, numa perspectiva global dos seus interesses, olhados à escala mundial em que trabalham: a cada Governo caberá dialogar com elas, com clarividência sem duvida, mas numa posição de inequívoca firmeza, para que se decidam a servir também os interesses das nações em que operam, e não simplesmente a explorá-las.
Parece, portanto, bem claro que para estes novos industriais de montagem a posição mais cómoda e mais atraente, do puro ponto de vista dos seus interesses, seria procurar simplesmente ganhar tempo, mantendo no nosso país uma industria o mais rudimentar possível, que fosse apenas o pretexto legalmente necessário e suficiente para lhes assegurar a continuação do seu rendoso comércio, que esse, sim, seria o seu verdadeiro negócio.
Por parte dos sectores oficiais deduz-se não haver, porém, prevalecido este modo de pensar, talvez porque alguns espíritos hajam deixado contagiar-se por um complexo de modéstia que degenera em cepticismo sobre as possibilidades nacionais e os leva a afirmar como dogma a inviabilidade da existência de uma verdadeira indústria automóvel em Portugal.
Uma vez mais se verifica que crer, acreditar, é, também no plano industrial - como no plano da fé -, condição necessária de salvação.
Passarei a referir sucintamente alguns factos e alguns números.
Os dados provenientes do Ministério da Economia reportam-se ao triénio do 1967-1969; os do Ministério das Finanças no triénio de 1968-1970.
Em qualquer dos casos se assinala a existência de dezanove linhas de montagem, cuja laboração se iniciou entre 1962 e 1967, a maioria delas à volta de 1964. Entre todas, montam cerca de seiscentos modelos diferentes, número só por si bem revelador da situação absurda a que se chegou.
Segundo informações fornecidas pelas próprias empresas ao Ministério das Finanças, o capital investido nas suas instalações industriais totalizava, até final de 1970, cerca de 1 450 000 contos, dos quais cerca de 820 000 contos corresponderiam a comparticipação de capital estrangeiro nos respectivos empreendimentos.
Os dados do Ministério da Economia levam, contudo, a considerar que o valor efectivo do investimento seria muito inferior, da ordem de metade da cifra atrás indicada.
Quanto ao capital estrangeiro, o Ministério das Finanças informa que, segundo elementos fornecidos pela entidade que emite boletins para importação de capitais, não foi apresentado, posteriormente n 28 de Abril de 1970, qualquer pedido de autorização para investimentos directos na indústria automóvel. Em relação ao que se haja passado em datas anteriores e mencionada (publicação do Decreto-Lei n.° 188/70) foi considerado impraticável determinar montantes concretos de capitais importados para tal fim, ate por ser de admitir que se hajam efectuado reinvestimentos de lucros, operações em relação às quais o Ministério não detinha quaisquer elementos para esclarecimento.
Verifica-se que o capital estrangeiro se concentra praticamente em duas das firmas: numa delas todo o capital investido, que excede a centena de milhar de contos, é estrangeiro; na outra - que declara haver investido mais de 880 000 contos, e mais, portanto, que todas as outras linhas- juntas- cerca de 80 por cento correspondem a capital declarado estrangeiro.
Todavia, segundo os dados da Secretaria de Estado da Indústria, o valor dos investimentos desta última firma até 31 de Dezembro de 1969 pouco ultrapassava os 100 000 contos -, ou seja, apesar do desfasamento de um ano entre ambos - os dados, há aqui uma diferença da ordem dos- 700 000 contos, que julgo difícil poder justificar-se, pois só por si corresponde ao valor global do investimento feito em todas as outras dezoito linhas.
Perante estas cifras, estas desproporções e estas diferenças, não será razoável pretender que o Estado redobre de atenção, tenha meios de colher mais amplas e mais pormenorizadas informações sobre investimentos deste montante e desta natureza e de seguir mais de perto como tudo se passa?
E, na falta de tais elementos, parece legítima outra pergunta ainda.

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Quando houve lugar à repatriação dos lucros correspondentes ao capital estrangeiro, como se haverá procedido? Haverão, porventura, esses lucros saído por vias tão discretas como as utilizadas para a entrada dos respectivos capitais, que puderam escapar à vigilante atenção dos serviços competentes?
Os valores dos investimentos declarados pelas empresas sugerem ainda outras reflexões. Nota-se grande dissonância entre tais valores - o valor da produção e o da incorporação nacional - quando se comparam umas linhas com as outras.
Observando, por exemplo, o que se passa com as oito maiores linhas de montagem, pode constatar-se que idênticos valores de produção e de incorporação nacional são conseguidos numas linhas com investimentos da ordem de metade dos de outras.
No respeitante a investimentos, há bem matéria para fundadas preocupações, pois tudo isto tem a maior repercussão, além do mais, nos cálculos da incorporação nacional.
Para não abusar da paciência da Cornara apenas me deterei sobre dois aspectos mais: o valor da incorporação nacional e as isenções de direitos de que estas empresas (ou suas associadas) têm beneficiado cora esse pretexto.
Continuarei a referir-me às oito maiores linhas de montagem, que, ao mesmo tempo, são aquelas cujas produções em 1969 superaram os 1000 veículos anuais e, no seu conjunto, representam cerca de 95 por cento do total da produção nacional.
A incorporação total da linha de montagem só em alguns casos ultrapassa ligeiramente os 40 por cento, apesar de calculada nos generosíssimos termos a que já aludi, mesmo considerando apenas os modelos das viaturas montadas em maior número em cada linha. A incorporação correspondente a materiais e peças nacionais em quatro destas linhas situa-se em cifras muitíssimo baixas, entre 15,42 por cento e 20 por cento, e nas outras quatro não alcança, apesar de tudo, mais de 28,74 por cento.
Convém lembrar aqui que 15 por cento era o mínimo da lei de 1961.
A incorporação correspondente a mão de obra e gastos gerais só em três delas se situa abaixo de 20 por cento (em valores que parecem mais razoáveis, da ordem dos 13 e 14 por cento), andando nas outras cinco entre 23 e 24 por cento, ou seja quase o dobro.
Para melhor entender estes números será oportuno recordar que a lei de 1961 falava no seu preâmbulo apenas de «incorporação de peças nacionais». Na tabela do mesmo decreto, que estabelecia os benefícios fiscais, usava-se, porém, já uma expressão diferente: «incorporação de trabalho nacional». A interpretação posteriormente dada a este conceito alargo-o e amplia-o por tal forma que completamente o desfigura.
Na realidade, segundo informa a Secretaria de Estudo da Indústria, a incorporação efectiva relativamente a mão-de-obra directa e indirecta e gastos gerais inclui, entre outras:

Amortização dos investimentos;
Contribuições, impostos, licenças e taxas;
Seguros e transportes;
Contencioso;
Riscos e garantias de fabricação.

Ora, será próprio, por exemplo, que a maquinaria adquirida no estrangeiro, que figura evidentemente no investimento, se considere como correspondendo a «incorporação de peças nacionais», ou mesmo se possa razoavelmente considerar «incorporação de trabalho nacional»?
E os seguros e os transportes, quantas vezes por certo a cargo de entidades estrangeiras? E evidente que o conceito de incorporação nacional perdeu assim todo o seu significado económico e até gramatical.
E também de molde a causar fundadas preocupações o que se passa quanto aos benefícios que vêm sendo concedidos às empresas de montagem (ou suas associadas) através das reduções de direitos.
A. sombra e a pretexto dos valores globais da incorporação nacional teoricamente conseguida nas condições que acabo de mencionar, as firmas importadoras de automóveis montados em Portugal beneficiaram de enormes reduções de direitos, que só no triénio .de 1968-1970 totalizaram cerca de 1 460 000 contos, isto é, atingiram um valor maior que o dobro do investimento feito em todas as linhas até 31 de Dezembro de 1969, segundo os dados da Secretaria de Estado da Indústria.
Em 1970 as isenções foram de 580 000 contos e, com o ritmo de crescimento que vinham tendo, não será ousado afirmar que, a haver-se mantido o mesmo critério, até final de 1972 o Estado deve haver concedido a estas empresas benefícios fiscais na importação que não devem andar longe dos 3 milhões de contos, se é que os não ultrapassaram já.
Até olhado sob este simples aspecto, não haverá sido efectivamente um negócio muito oportuno para os fabricantes internacionais de automóveis instalar umas linhas de montagem que lhes fornecessem pretexto para usufruir de regalias tão magnânimos e que eram da maior importância para a manutenção do seu comércio? Parece bem evidente que sim. Outro tanto se não pode infelizmente dizer quanto aos benefícios colhidos pela economia nacional.
Até ao presente não me referi senão ao espaço metropolitano.
Não pedi dados oficiais em relação ao ultramar, mas, por elementos que recolhi, serei levado a concluir que em Angola, por exemplo, circulavam já em Abril do corrente ano mais de 140 000 veículos automóveis, cifra esta que é semelhante e dos veículos que havia na metrópole apenas dois anos antes de ser publicada a legislação de 1961.
Ora, pensando que o crescimento deste número na metrópole foi de 3,5 vezes nos doze anos seguintes, como será de prever o crescimento um Angola? Análogo raciocínio se aplica às demais províncias.
O problema ganha, portanto, ainda mais amplas perspectivas e assume maior gravidade se for pensado à escuta do espaço português.
Estudos feitos há já três anos pela Associação Industrial Portuguesa concluíam que em 1979, mesmo prevendo um ritmo de crescimento muito modesto, o custo total dos veículos importados e montados só na metrópole deveria orçar pelos 10 milhões de contos, e num trabalho publicado há meses pelo seu gabinete (técnico confirma-se esse valor, estimando-se que em 1980 o valor dos veículos vendidos deverá aproximar-se dos 12 milhões de contos.
Dados que constam de uma publicação recente de um departamento oficial e concordantes com os anteriores mostram, que o crescimento do parque automóvel tem sido, na metrópole, mais rápido do que se previra (cerca, de 14 por cento entre 1969 e 1970), afirmando-se também que, em 1980, se o País não fabricar automóveis, terá, só á metrópole, de despender 12 milhões de contos na sua importação. Dizia-se aí ainda que o arranque de um empreendimento que estaria em projecto para levar a cabo a fabricação nacional de automóveis custaria 1 a 2 milhões de contos.
Não sei qual a base deste estudo, mas sei que um trabalho feito há poucos anos sob a égide da Associação

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Industrial Portuguesa concluía que para alcançar a incorporação de 60 por cento, com uma produção do 50 000 veículos anuais, se estimava fosse necessário investir 1 milhão de contos.
Talvez sejam optimistas estas estimativas, mas, em qualquer caso, mostram bem quanto se poderia haver ganho se o Estado houvesse destinado à instalação e apoio de uma verdadeira indústria os milhões de contos que concedeu, e os muitos mais que irá ainda conceder, às linhas de montagem até 1979, através das isenções de direitos.
Todo este generoso tratamento foi praticamente perdido para a economia nacional, encontrando, no geral, por parte dos empresários de montagem bem ingrata retribuição.
E tão ingrata que ainda muito recentemente, quando da Mesa-Redonda da Indústria que acaba de realizar-se no Porto, apresentaram um documento em que afirmam que a entoada em vigor do novo decreto implicará um aumento de cerca de 10 por cento no custo dos automóveis completados e montados no País, a partir de Janeiro próximo.
É no fundo uma confissão implícita de que os mínimos tão baixos de 20 por cento fixados pela nova lei, quanto a componentes nacionais, não estavam, como atrás mostrei, a ser alcançados em muitos casos e que os benefícios de que usufruíam, derivavam sobretudo das incorporações fictícias, à sombra das despesas gerais.
Nesse mesmo documento, além de outras considerações que visam justificar outros e novos agravamentos no custo dos automóveis montados no País, aponte-se como novo argumento para novas transigências a inflação que o Decreto-Lei n.° 157/72 poderá provocar, mas eu penso que seria também altura de lembrar a esses empresados os seus deveres para com o País, posto que, como industriais, não os souberam ou não quiseram cumprir em devido tempo.
Sr. Presidente: Cumpre-me concluir no duplo e pleno sentido da palavra: concluir terminando e concluir também buscando extrair algumas ilações do que acaba de ser dito.
Resumi-las-ei nas seguintes notas ou sugestões, ciente de que muitos outros aspectos ficam naturalmente por tratar:
1.° Na aplicação e na regulamentação do Decreto-Lei n.° 157/72 deverá haver um rigor, que não houve, pelo que respeita à legislação anterior, designadamente não deixando deturpar o conceito do que sejam «componentes nacionais».
2.° Seria do maior interesse que os serviços oficiais pudessem apreciar a razoabilidade dos investimentos das empresas de montagem, que beneficiaram de substanciais reduções de direitos (directamente ou através das suas associadas), bem como de outros encargos, com apreciável reflexo sobre os custos, para que o Estado avaliasse e buscasse forma de compensar-se de quaisquer benefícios indevidamente concedidos ou, pelo menos, conhecesse n credibilidade que lhe devem merecer as diversas empresas para as suas relações futuras.
3.° Parece necessário esclarecer o que respeita ao capital estrangeiro investido nesta indústria, acerca do qual o Ministério dos Finanças declarou ser impraticável determinar o seu montante concreto, pois isso parece indispensável para que possa autorizar-se a sua eventual repatriação, bem como a dos lucros correspondentes.
4.° Finalmente, que o Governo se empenhe em conseguir pela via administrativa aquilo que não logrou obter-se pela legislação até agora publicada: a instalação no País de uma verdadeira indústria automóvel.
Para isso - do que é prometedor indício um despacho recente dos Srs. Ministros da Defesa e das Finanças para u promoção do fabrico de viaturas militares, retomando uma ideia há anos tentada, mas que não teve sequência - se estabeleçam, o mais rapidamente possível, normas que dêem preferência nus aquisições para o sector público, dentro de margens razoáveis de diferença de preço, mediante contratos a fazer por períodos e com prazos adequados, às viaturas com maior incorporação nacional (não aceitando, em princípio, que seja inferior a 60 por cento).

O Sr. Roboredo e Silva: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Roboredo e Silva: - V. Exa. apresentou um estudo tão aprofundado, tão objectivo e tão sério deste problema que eu tenho pena que não tenha sido oportunidade ou lembrança de se debruçar sobre os lucros apresentados pelas diferentes organizações de montagem de automóveis.
Eu não estava preparado e não tenho neste momento ideia filara do que se passou, nem vi os relatórios do último ano, mas recordo-me de alguns de 1970, nos quais vi contas de firmas que montaram mais automóveis em Portugal que apresentaram lucros absolutamente ridículos, para não dizer quase nulos, enquanto outras, que montaram muito menos automóveis, apresentaram lucros que eu suponho sérios e honestos porque têm um nível compatível com aquilo que se pode imaginar de uma leitura rápida do relatório.
Penso que este aspecto deste grave problema, que V. Exa. acaba de enunciar com profundo conhecimento da matéria, também merecia ser considerado especialmente por uma pessoa da sua categoria que se tem debruçado com toda a cautela neste candente problema nacional.
Muito obrigado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Como V. Exa. certamente reparou, eu principiei logo por dizer que, por razões que não sei explicar, os dados que pedi levaram ano e meio a ser fornecidos, chegando às minhas mãos em Agosto último, depois da publicação do Decreto-Lei n.° 157/72 e, por isso, não achei oportuno levantar o problema num aviso prévio. Pareceu-me mais urgente, uma vez que a regulamentação deste decreto-lei, que entra em vigor em 1 de Janeiro do próximo ano, será feita em curto prazo com certeza, trazer desde já esta minha pequena achega ao problema, certo de que outros Srs. Deputados poderão retomá-lo.
E evidente, pela exposição que acabo de fazer, que a dúvida de V. Exa. é esclarecida talvez pelos avultadíssimos valores dos investimentos que eu acabo de referir. Mas como não quis incluir no meu trabalho senão elementos baseados noa dados que possuía, não tratei desses problemas. Talvez outros colegas possam fazê-lo.
Estou certo de que o Sr. Ministro das Finanças e da Economia, ilustre membro desta Câmara, a cuja inteligência, juventude e firme vontade de servir está agora confiado esse posto de tão especiais responsabilidades e no qual lhe desejamos os maiores êxitos, saberá fazer compreender a todos estes empresários que o Governo tem autoridade e tem razão de sobra para lhes dizer que basta de pensarem apenas nos seus interesses, pois é de inteira justiça e é mais do que altura de se lembrarem que lhes cumpre também servir os interesses do País.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar a

Ordem do dia

Discussão na especialidade da proposta de lei acerca da prestação de avales pelo Estado.
Foram apresentadas, por um grupo de Srs. Deputados, várias propostas de alterações ao texto da proposta de lei, que se encontram publicadas no Diário das Sessões de 17 do corrente mês.
Creio, aliás, que VV. Exas. têm debaixo dos olhos o habitual resumo elaborado pelos serviços da Assembleia, com os textos comparados da proposta de lei, das alterações sugeridas pela Câmara Corporativa e das propostas de alteração dos Srs. Deputados.
Vamos começar pela base I, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

BASE I

É autorizado o Ministro das Finanças a prestar, por uma ou mais vezes, o aval do Estado a operações de crédito interno ou externo a realizar pelas províncias ultramarinas, por institutos públicos ou por sociedades anónimas nacionais.

O Sr. Presidente:- Há uma proposta de alteração, relativa a esta base, subscrita pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros, já publicada, como eu disse, e que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Propomos que a base I da proposta de lei n.° 21/X, sobre prestação de avales pelo Estado, tenha a seguinte redacção:

BASE I

É autorizado o Ministro das Finanças a prestar por uma ou mais vezes o aval do Estado a operações de crédito interno ou externo a realizar pelas províncias ultramarinas, por institutos públicos ou por empresas nacionais.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Novembro de 1972. - Os Proponentes: Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - João Gabriel Mendonça Correia da Cunha - João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco - Gustavo Neto Miranda - José de Mira Nunes Mexia - Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva - João Ruiz de Almeida Garrett - Miguel Pádua Rodrigues Bastos.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base I e a proposta de emenda apresentada pelos Srs. Deputados.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: Como pode ver-se no texto da proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Ulisses Cortês e outros Srs. Deputados, a modificação diz respeito ao tipo de empresa em causa.
Na proposta de lei do Governo lê-se «sociedades anónimas nacionais» e deve conceber-se que, em princípio, a forma de sociedade que revestirão as empresas que venham a contratar operações de crédito interno ou externo e que caiam nas condições previstos na proposta de lei, nomeadamente na sua base II, será a forma de sociedade anónima, dada não só a grandeza exigida a essas empresas, como a tendência moderna na respectiva figuração.
No entanto, entendeu-se que conviria generalizar todo o âmbito da concessão de avales do Estado por acto administrativo, generalizá-las a todas aquelas empresas que pudessem prestar um concurso válido para o desenvolvimento económico e social do País.
Nesse sentido se propôs, e se propõe, a substituição, no final da base I, da expressão «sociedades anónimas nacionais» apenas por «empresas nacionais», seja qual for o tipo da forma de sociedade que essas empresas revistam, compreendendo-se, no entanto, que na grande maioria dos casos, e talvez de modo progressivamente mais significativo, essas empresas nacionais revestirão a firma de sociedades anónimas.
É tudo, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. deseja usar da palavra, passaremos à votação.
Como a proposta dos Srs. Deputados é uma proposta de emenda ao texto da base I, ponho à votação a referida base segundo a emenda proposta pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros.

O Sr. Magalhães Mota: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Julgo que a proposta, tal como foi formulada pelo Governo, corresponde melhor ao sentido exacto daquilo que se pretende. Penso compreender a atitude da comissão quando alarga aquilo que se previa em relação as sociedades anónimas para as empresas nacionais, na medida em que esta solução permitiria contemplar outras formas jurídicas de sociedades. Julgo, no entanto, que o que está em causa em toda a lei são matérias cuja dimensão implica, por sua vez, uma escala económica das empresas contempladas que não se compadece, facilmente com, por exemplo, a fórmula da sociedade por quotas. Trata-se de empreendimentos de grande dimensão, essenciais ao desenvolvimento económico, e só para esses empreendimentos, e só para essas fórmulas, se compreende que o Estado venha, com o seu aval, comprometer-se na realização desses empreendimentos, que, repito, se lhe afiguram essenciais para o desenvolvimento económico nacional.
Não me parece, por isso, que uma solução deste tipo seja compatível com o género de alargamento que a nossa comissão, aliás na esteira do que era preconizado pela Câmara Corporativa, sugere. E portanto eu julgo que a restrição constante da proposta do Governo tem a sua razão de ser. Ainda por mais uma razão: ainda que, e infelizmente, isto não seja totalmente verdadeiro na realidade económica portuguesa, são as sociedades anónimas aquelas que permitem uma maior participação do público em geral na própria sociedade. E portanto também aqui há um critério que me parece levar a atribuir maior relevância h sociedade anónima do que a qualquer outro tipo de sociedade. Assim, pelas duas razões que tão sumariamente enunciei, muito em especial pela importância dos empreendimentos que estão em causa, que obrigam a uma dimensão económica suficiente das empresas que são avalizadas pelo Estado, eu votaria a proposta do Governo, tal como é formulada, e não a alteração que é sugerida pelas nossas comissões.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: Compreendo perfeitamente as razões do Sr. Deputado Magalhães Mota. Reportando-me à parte final das suas considerações, eu próprio afirmei que a grande maioria, e tendencialmente

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mesmo a totalidade, das empregas nacionais com relevo passível no campo do desenvolvimento acabariam por assumir a forma de sociedades anónimas.
No entanto, e embora coincidindo também com o meu ilustre colega nas dúvidas ou abe receios que formulou relativamente à posição autuai e ao verdadeiro anonimato, chamemos-lhe assim, das sociedades anónimas na actual estrutura económico-financeira do País, como aliás em muitos países da Europa, mesmo assim suponho que as comissões tiveram os pés bem assentes na tenra, pois têm de jogar com as realidades que temos, embora não esquecendo as realidades que sonhamos.
Por isso, neste ano de 1972 não podemos esquecer que, apesar de a grande maioria e tendencialmente a totalidade das empresas com relevo no progresso económico do País assumirem a forma de sociedades anónimas, apesar disso há casos e pode haver casos em que empresas que não sejam hoje sociedades anónimas . . .

O Sr. Almeida Cotta: - Já houve casos.

O Orador: - ... passem a desempenhar efectivamente o papel de motores do desenvolvimento económico.
Vamos negar-lhe a possibilidade da concessão de avales, de incentivos e de despesas enquanto não se processar uma desejável e, a meu ver, sedutor e urgente reforma do tipo das sociedades económicas e financeiras portuguesas?
É tudo, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Roboredo e Silva: - O Sr. Deputado Almeida Garrett disse pràticamente tudo e muito melhor do que eu iria dizer.
Mas afigura-se-me que uma lei destas deve ter um mínimo de restrições possível, uma vez que se aceita o princípio do aval do Estado sem garantias. Garantias positivas, materiais, como eu referi, quando discuti a questão ontem na generalidade.
Penso, até, que poderá haver sociedades por quotas, e sei que houve e há algumas suficientemente poderosas em meios e capital para serem consideradas empresas de manifesto interesse nacional, pelo que a este base deve ser dada a maior latitude possível, afigurando-se-me, até, que o próprio Governo, uma vez que lhe seja pedido o aval, tem o direito e pode impor modificações na própria estrutura da empresa.
Por isso, Sr. Presidente, não obstante os argumentos apresentados, eu votarei a redacção das nossas comissões.
Muito obrigado.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Ainda bem que a questão foi posta, porque talvez já tenha permitido esclarecer algo sobre o sentido e âmbito que se pretende dar à proposta de alteração. A proposta governamental referia-se exactamente a sociedades anónimas nacionais. A Câmara Corporativa pretendeu alargar bastante mais para empresas privadas nacionais.
As Comissões de Economia e Finanças, tendo considerado, porém, que existem outras empresas às quais, no interesse nacional, poderá também ser concedido o aval e não se englobarem nas empresas privadas nacionais como sociedades de economia mista, nomeadamente, entenderam melhor a expressão «empresas nacionais».
E lembro também que, para além das sociedades anónimas, outras sociedades poderão interessar e obtenção desses a vales, nomeadamente as sociedades cooperativas nacionais. E tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base I da proposta de lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. Exas. mais deseja usar da palavra sobre ela, porei à votação, nos termos regimentais, a base I segundo a emenda proposta pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vamos passar agora à base II , em relação a qual também há uma proposta de alterações; vão ser lidas a base, segundo o texto da proposta de lei, e a proposta de alterações.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE II

1. O aval unicamente será prestado quando se trate de empreendimento ou projecto de manifesto interesse para o desenvolvimento económico do espaço português ou em que o Estado tenha participação que justifique a assunção dos responsabilidades decorrentes da garantia solicitada, e a operação a que se reporta apenas seja realizável, em condições satisfatórias, com a sua intervenção.
2. Sendo a operação efectuada por empresa privada, o aval só poderá ser concedido quando esta ofereça ao Estado segurança suficiente, designadamente pelas suas características económicas e pelas suas estruturas administrativa e financeira.
3. A responsabilidade em capital decorrente para o Estado dos avales prestados ao abrigo da autorização concedida pela base anterior não excederá a quantia que for fixada em Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos sobre proposta do Ministro dos Finanças.
4. As responsabilidades actuais do Estado, em capital, decorrentes da concessão de avales a operações de crédito externo, serão imputadas ao limite fixado no n.° 3 desta base.

Propomos que os n.° s 1 e 2 da base II da proposta de lei n.º 21/X, sobre prestação de avales pelo Estado, tenha a seguinte redacção:

BASE II

1. O aval será prestado apenas quando se trate de financiar empreendimentos ou projectos de manifesto interesse para a economia nacional, ou em que o Estado tenha participação que justifique a prestação dessa garantia e, em qualquer caso, se verifique não poder o financiamento realizar-se satisfatoriamente sem o referido aval.
2. Se a operação de crédito for proposta por empresa privada, o aval somente poderá ser concedido após verificação de que a empresa oferece a segurança suficiente, designadamente pelas suas características económicas, estrutura financeira e orgânica administrativa, para fazer face às responsabilidades que pretende assumir.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Novembro de 1972. - Os Proponentes: Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Gustavo Neto Miranda - José Gabriel Mendonça Correia da Cunha - João Paulo Du-

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puich Pinto Castelo Branco - José ao Mira Nunes Mexia - João Ruiz de Almeida Garroto - Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva - Miguel Pádua Rodrigues Bastos.

O Sr. Presidente: -Estão em discussão a base II e a proposta de alteração apresentada.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: Pedi a palavra apenas para sublinhar que a nossa proposta não tem qualquer alteração de fundo, é apenas de forma, visto que, em Delação aos n.ºs 1 e 2, as Comissões adoptaram a proposta da Câmara Corporativa por lhes parecer mais clara, mais precisos os termos, especialmente do n.° 2 desta proposto. Portanto, a única razão que levou os Comissões a fazerem esta proposta foi apenas a de achar que a proposta da Câmara Corporativa era mais clara e mais precisa.
Muito obrigado.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: Com a vénia respeitosa devida ao nosso colega de Comissão, Sr. Deputado Miguel Bastos, eu queria efectivamente salientar que a redacção que entendemos mais clara, e essa foi efectivamente n nossa preocupação nas Comissões, é uma redacção que, ao mesmo tempo que supomos clarificar o sentido da lei, nos permita também, e nesse sentido clarifique, desfazer qualquer possível dúvida de interpretação que viesse a pôr-se relativamente à base n segundo a proposta do Governo, visto que o sentido dessa base, segundo o qual o aval unicamente será prestado quando se trate de empreendimento, etc., poderia parecer que se referia, e refere-se efectivamente, na grande maioria dos casos, a projectos de desenvolvimento. Mas, como tem sido largamente salientado nesta Câmara, nem sempre os incentivos - e o aval funciona aqui como um incentivo - são prestados por um único fim, embora complexo, da política económica. Em princípio, esses incentivos, incluindo os avales, podem e devem ser utilizados pelo Estado para ordenar a economia nacional em determinado sentido, e esse ordenamento pode dirigir-se - e todos supomos e fazemos votos por que, vencida a fase quase exclusiva do desenvolvimento económico e social, sejam dirigidos tombem nesses outros sentidos da política económica - para objectivos que se não reduzam exclusivamente a potenciar a produção e os investimentos que levem acréscimos na taxa de formação do produto, nomeadamente a objectivos ligados ao equilíbrio, não só equilíbrio entre actividades, como até ao próprio equilíbrio regional.
Nesse sentido, supomos que a redacção proposta pelas Comissões para a base II alarga o campo de utilização dos instrumentos de política económica, que estão aqui circunstanciados pela prestação de avales.
Era tudo, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Ponho primeiramente à votação os n.ºs 1 e 2 da base II segundo a redacção resultante das emendas propostos pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação os n.ºs 3 e 4 da mesma base II da proposta de lei em relação aos quais não há qualquer proposta de alteração.

O Sr. Magalhães Mota: - Proponho que seja adoptada, em relação aos n.ºs 3 e 4 desta base II, a proposta de alteração sugerida pela Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Magalhães Mota adoptou a sugestão da Câmara Corporativa quanto a emendas na redacção dos n.ºs 3 e 4 de base II.
Vai ser lida a sugestão da Câmara Corporativa.

Foi lida. É a seguinte:

Propõe que os n.ºs 3 e 4 da base II passem a constituir, respectivamente, os n.ºs 1 e 2 de uma base distinta, com o n.° III, ajustando em consequência a numeração das bases seguintes;
Propõe que no actual n.º 4 da base II se diga «fixada pelo», em lugar de «fixada em»;
Propõe que no actual n.° 4 da base II se substitua a expressão «serão imputadas no limite fixado no n.º 3 desta base, por «serão contadas para efeito do limite fixado no número precedente desta base»;

O Sr. Presidente: - Em virtude de o Sr. Deputado Magalhães Mota ter feito sua a sugestão de alterações da Câmara Corporativa, há matéria nova pendente para atenção de V. Exa.
Ficam em discussão os n.ºs 3 e 4 da base II com esta matéria nova, ou seja com a alteração agora adoptada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, que tem a palavra.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: As razões das alterações preconizadas constam do próprio parecer da Câmara Corporativa.
Parece, de facto, mais correcto dizer-se: «fixada pelo Conselho de Ministros», do que dizer-se: «fixada em Conselho de Ministros»; a alteração é puramente formal, mas parece justificada no parecer da Câmara Cooperativa e também no meu.
Quanto ao n.° 4, onde se diz: «imputadas ao limite fixado», parece também mais correcta a fórmula sugerida pela Câmara Corporativa, que sugere, como foi lido, que «serão contadas para efeito do limite fixado».
Não se trota de uma verdadeira imputação, mas de um limite que foi fixado nos termos da base anterior e para o qual cada aval que é concedido vem a ser contado. É, da facto, uma situação diferente e, portanto, a formulação que preconizo é mais correcta.
Trata-se, assam, de correcções de ordem formal, que não alteram a substância de proposta, mas que de facto parecem introduzir aquela correcção que devemos procurar.

O Sr. Presidente:- Peço a atenção da Assembleia para o facto de a sugestão da Câmara Corporativa não ser unicamente para as alterações formais dos n.ºs 3 e 4 do texto da proposta do Governo, mas para que eles sejam arrumados numa base nova. O Sr. Deputado Magalhães Mota não defendeu esse ordenamento da matéria, que, creio, em qualquer caso poderemos deixar para a nossa Comissão de Legislação e Redacção.
Gostaria, em todo o caso, que o Sr. Deputado Magalhães Mota nos esclarecesse se realmente considera importante para a sua posição perante esta matéria a criação de uma nova base, que seria de intercalar entre a II e a III da proposta de lei, compreendendo os n.ºs 3 e 4 da que era, segundo a proposta de lei, a base II, com as emendas preconizadas pela Câmara Corporativa.

O Sr. Magalhães Mota: - Eu não tinha, de facto, abordado a matéria, porque me pareceu que essa arrumação

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poderia ser efectivamente confiada à nossa Comissão de Legislação e Redacção.
Em todo o caso, também se me afigura mais correcto, porque o assunto abrangido pelos n.ºs 3 e 4 é diferente do contemplado nos n.ºs 1 e 2, arrumar essas matérias numa base nova.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. deseja usar da palavra, porei à votação o que é actualmente o n.º 3 da base da proposta de lei, com n emenda sugerida pela Câmara Corporativa, e feita sua pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Notem VV. Exas. que, por enquanto, não estou considerando, nem estou pedindo à Assembleia que considere, a proposta de individualização destes dois números em base distinta.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente:- Está aprovado o n.° 3, com a emenda resultante da sugestão da Câmara Corporativa, tornada em proposta de alteração pela adopção do Sr. Deputado Magalhães Mota.
Ponho agora à votação o n.° 4 da base II do texto da proposta de lei, com a emenda sugerida pela Câmara Corporativa e adoptada como proposta de alteração pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Quanto ao ordenamento da matéria destes n.ºs 3 e 4 numa base distinta, parece-me ter entendido que o próprio Deputado proponente das alienações considera que a nossa Comissão de Legislação e Redacção é competente para decidir, na última redacção, se esses são {pontos a inserir numa base distinta ou se podem ser incluídos, conforme a proposta de lei, na base II. Se VV. Exas. não dissentirem, podaremos assentar nesta decisão e confiar o assunto à competência da nossa Comissão de Legislação e Redacção.
Passemos agora à base III, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

BASE III

Precedendo acordo do Ministro das Finanças, parte dos empréstimos a que tiver sido dada a garantia do Estado pode, de harmonia com as negras deste diploma, ser utilizada para financiamento de operações de fomento a realizar por outras entidades públicas ou privadas.

O Sr. Presidente: - Não havendo qualquer proposta de alteração a esta base, está em discussão a base que acaba de ser lida.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. Exas. deseja usar da palavra para discutir a base III, passaremos à votação.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base IV, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração subscrita pelos Srs. Deputados Ulisses Cortês e outros.
Vão ser lidos a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE IV

A concessão de avales do Estado a entidades com a actividade principal nas províncias ultramarinas ou a favor de projectos de investimentos a realizar nos mesmos territórios depende da prestação de contragarantia pelas províncias beneficiárias.
Propomos que a base IV da proposta de lei n.° 21/X, sobre prestação de avales pelo Estado, tenha a seguinte redacção:

BASE IV

A concessão de avales do Estado a entidades com a actividade principal nas províncias ultramarinas ou a favor de projectos de investimento a realizar nos mesmos territórios poderá ficar dependente da prestação de contragarantia pelas províncias interessadas.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Novembro de 1972. - Os Proponentes: Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - José Gabriel Mendonça Correia da Cunha - João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco - Gustavo Neto Miranda - José de Mira Nunes Mexia - Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva - João Ruiz do Almeida Garrett - Miguel Pádua Rodrigues Bastos.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Neto Miranda: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a alteração sugerida, como VV. Exas. podem verificar, é muito simples, mas no entanto tem um alcance que convém assinalar.
Enquanto na proposta do Governo se diz que «a concessão de avales do Estado a entidade com a actividade principal nas províncias ultramarinas ou a favor de projectos de investimentos a realizar nos mesmos territórios depende tia questão de contragarantia pelas províncias beneficiárias», entenderam as comissões que seria conveniente dar maior latitude a política que se insere neste esquema, não tornando obrigatoriamente dependente da prestação de contragarantia pelas províncias beneficiárias, mas, sim, dando u faculdade de que essas províncias possam ser chamadas a prestar essa garantia.
Mais nada, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Em relação as alterações sugeridas, eu nada tenho a opor a que se substitua «províncias beneficiárias» por «províncias interessadas». Não parece que isso seja uma questão fundamental, e aliás penso até que será mais uma questão para a Comissão de Legislação e Redacção.
Quanto à outra alteração, eu penso que não é apenas uma questão de forma. E nem a Câmara Corporativa, nem o Sr. Neto Miranda, tanto quanto eu entendi, justificam essa alteração.
Ora a mim parece-me que corresponde muito mais à realidade constitucional, mormente no artigo 134.° e às alíneas d), e) e f) do antigo 135.° da Constituição, o testo que o Governo apresentou., ou seja, é totalmente diferente dizer-se que as províncias ultramarinas têm de prestar contragarantia, para beneficiar em de avales do Estado do que dizer-se podem ter de prestar essa contra-

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garantia. Se realmente existe uma autonomia financeira, se as províncias ultramarinos tem, como diz o artigo 184.° da Constituição, capacidade para adquirir, para contratar, para estar em juízo, parece-lhe lógico que devam sempre prestar a contragarantia em caso de avales do Estado, e não apenas que possam fazê-lo segundo um critério casuística, que, ainda por cima, não vem definitivamente esclarecido.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: Pois é evidente que o texto constitucional dá a possibilidade de as províncias ultramarinas, tuteavas da definição da sua autonomia financeira, prestarem precisamente a contragarantia. Mas isso não significa, como aliás é evidente, segundo as palavras do nosso ilustre colega Pinto Balsemão, que haja a obrigação de prestar a contragarantia. A contragarantia tem de funcionar relativamente ao Estado na prestação do seu aval, isto é na aceitação de um risco que eventualmente venha a traduzir-se na obrigação de se tornar o principal pagador pala quantia mutuada. No entender das comissões, neste caso particular de operações contratadas em beneficies das províncias e Estados ultramarinos, que é um caso muito especial na facilitação, chamemos-lhe assim, da movimentação de capitais para fins de desenvolvimento económico e social, deve ficar no prudente arbítrio do próprio Estado saber em que medida deve ou não cobrir-se esse risco com uma contrapartida das próprias províncias. Foi a alienação não ser afectivamente uma alteração formal, mas substancial.
Até porque a prestação das contragarantias por parte das províncias ultramarinas também entra nas suas próprias contas e no seu próprio equilíbrio económico e financeiro, e então poderá haver razões que justifiquem o não ser exigida em certos casos a prestação da contragarantia, para prevenir casos especiais que ficariam perfeitamente à margem da disciplina encarada na proposta de lei em discussão. Daí as comissões terem propugnado não pela imperatividade da prestação de contragarantias por parte das províncias ultramarinas, mas da sua possibilidade por parte do Estado, quando assim o entendesse.

O Sr. Pinto Balsemão: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Pinto Balsemão: - Gostava de ser esclarecido acerca das razões e casos especiais . . .

O Orador: - Eu esclareço. Como V. Exa. sabe, a capacidade de endividamento externo de uma província, ou de qualquer território é uma capacidade definida com bastante precisão.
Ora, pode suceder que em certos empreendimentos, extremamente necessários, ou desejáveis e urgentes, o financiamento respectivo exceda a capacidade de endividamento da província. Nesse caso funciona, como todos nesta Casa temos propugnado, o princípio de unidade nacional e o Estado dispensa a contragarantia.
Com esta resposta suponho ter esclarecido a Câmara acerca do pensamento dos comissões.
Muito obrigado.

O orador não reviu.

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Eu pedi a palavra apenas para tentar esclarecer um ponto que me deixa uma certa dúvida, talvez porque não sei ler convenientemente português.

Risos.

Gostaria que o Sr. Deputado Almeida Garrett, que tem sido orientador desta discussão em nome das comissões, me explicasse se o objectivo desta base é o de que a concessão dos avales a entidades com actividades nas províncias ultramarinos, quando se diz «actividade principal», quererá dizer que é preciso estos empresas ou entidades terem uma parte da sua actividade na metrópole - entendendo por metrópole o continente e as ilhas adjacentes - não permitindo, portanto, a concessão de avales a entidades que tenham as suas actividades exclusivamente nas províncias ultramarinas?
Não sei se fui bem claro; a minha dúvida á se estes avales só podem ser concedidos às empresas que tenham Actividades na parte europeia de Portugal e nas províncias ultramarinas ou podem ser também concedidos, nas condições em que está escrito nesta base, a empresas que tenham apenas a sua actividade no ultramar?

O Sr. Almeida Garrett: - Eu pretendo apenas, agradecendo, reconhecido mas confuso, as referências do Sr. Deputado Roboredo e Silva, dizer-lhe que são todas. Em princípio, pois são as- próprias empresas que têm actividade exclusiva lá; mas, evidentemente, podem ser extensivas as- empresas cuja actividade no ultramar seja a sua actividade principal, e não uma actividade acessória, ou não sejam empresas com uma actividade fundamental principal na metrópole e acessoriamente no ultramar. Essas não são as únicas que estão fora da lei.

O orador não reviu.

O Sr. Roboredo e Silva: - Mas se V. Exas. me permite, eu volto a dizer, naturalmente sou eu que não sei ler muito bem português, mas eu vejo aqui uma grande limitação na redacção desta base.
A concessão dos avales do Estado a entidades com actividade principal nas províncias ultramarinas, quer dizer que as que só tiverem actividades nas províncias ultramarinas, está fora de causa.
Afigura-se-me que será, talvez, uma questão de português ou de gramática ou qualquer coisa semelhante. Eu sou oficial de marinha, não sou professor universitário nem sequer professor primário, mas afigura-se-me que realmente a palavra principal corresponde a uma limitação muito grande: torna-se forçoso, para que os avales sejam dados às empresas ou as entidades que tenham actividades nas províncias ultramarinas, que elas tenham também uma outra actividade, minúscula que seja, fora das referidas províncias.
Porque é bem claro: actividade principal implica, necessaràmente, que tem de haver outra secundária!
Mais uma vez muito obrigado.

O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: O Sr. Deputado Almeida Garrett terminou es suas palavras falando da unidade nacional. Eu penso que não é esse o problema que está aqui a discutir-se. O que eu pus em causa é que no artigo 134.° e em algumas alíneas do 135.º da Constituição se cria um regime relativo a vida financeira das províncias ultramarinas, quando se diz que elas têm o direito de dispor das suas receitas e de as efectuar as despesas públicas, de acordo com autorização votada, pelos órgãos próprios da Administração: quando se diz que têm o direito de possuir e dispor do seu património e de celebrar os actos ou contratos em que tenham interesse; quando se diz que também dispõem do direito de

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possuir regime económico adequado às necessidades do seu desenvolvimento e do seu bem-estar e da sua população. Parece que se esta a atribuir às províncias ultramarinas uma responsabilidade própria e que, portanto, também se lhes podem exigir alguns deveres, neste caso específico, o caso da contragarantia a prestarem aos avales do Estado.
O direito constitucional não é contra, penso eu, à unidade nacional, a não ser que o Sr. Deputado Almeida Garrett o entenda. Eu penso que ninguém o entende assim. Ora, se assim é, e se o próprio Governo teve o cuidado de se referir expressamente à dependência obrigatória de prestação de contragarantia, eu não entendo bem esta imprecisão, até porque me parece que legislar é realmente ser exacto. Poderá ficar dependente da prestação de contragarantias pelas províncias interessadas, em que casos? Quando? Como? Tudo isso me parece demasiado vago, e por isso continuo a dar o meu apoio integral à proposta do Governo sobre a base IV.
Muito obrigado.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Garrett: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Peço muita desculpa de não lhe conceder a palavra novamente, mas V. Exa. já falou duas vezes e não é relator da Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira Pinto.

O Sr. Teixeira Pinto: - Sr. Presidente: Eu peço imensa desculpa de estar a intervir neste momento, quando já todos se debruçaram com muito pormenor sobre este problema. Não julguei que ele fosse tão longe. Mas, na verdade, creio que a redacção proposta pelas comissões corresponde mais ao sentido: deixar um pouco ao critério do Estado saber se deve ou não contragarantia das províncias interessadas. Porque aqui o que se está a discutir é o problema do aval às empresas. E pode acontecer que, do ponto de vista das províncias e do Governo Central, possa haver interesse em conceder um aval a uma empresa com actividade principal no ultramar sem exigir das províncias interessadas, e daí a substituição da palavra «beneficiárias» pela palavra «interessadas», a prestação imediata de uma contragarantia. Isto quanto ao sector privado das empresas. Quanto ao problema da posição das províncias ultramarinas no seu endividamento externo, penso que estarei de acordo com o Sr. Deputado Pinto Balsemão nessa matéria, que, em verdade, há automaticamente a prestação de uma contragarantia quanto à posição do Governo Central relativamente às províncias ultramarinas.
Quanto ao problema das entidades com actividade principal nas províncias ultramarinos, já não poderei ir tão longe, obrigando essas mesmas províncias a serem automaticamente solidarias da actividade de uma empresa que beneficiou de um aval do Estado prestado pelo Governo Central.
Muito obrigado.

O orador não viu.

O Sr. Magalhães Mota: - Julgo, Sr. Presidente - e por isso só agora entrei na discussão -, que a matéria começa agora a estiar mais esclarecida.
Parece-me, com efeito, que, em relação ao problema do crédito externo, já o problema terá ficado perfeitamente equacionado e resolvido.
Quanto ao aval a prestar pelo Estado em relação às tais entidades com actividade «principal» nas províncias ultramarinas, aí é que devo confessar que ainda tenho algumas dúvidas.
Em primeiro lugar, também eu, ainda que tardiamente, compartilho da preocupação já, manifestada pelo Sr. Deputado Almirante Roboredo e Silva em relação à imprecisão que esta expressão «actividade principal» suscita. Actividade principal pressupõe outras actividades. Se a actividade principal é nas províncias, parece que pelo menos se exige que haja actividades secundárias, não principais, noutro território que, - como não são as províncias ultramarinas, será naturalmente a metrópole - continente ou ilhas adjacentes.
Segundo aspecto que me parece importante, ainda no tal caso do aval do Estado a essas entidades, a favor de projectos de investimento, sublinho, a favor de projectos de investimento, a realizar nos mesmos territórios: parece-me que a situação que se tem em vista com este «poderá» - eu não sei se terá sido essa a intenção - é uma situação . . . complexa. O que se pretendeu contemplar com este «poderá» foi o facto de a província «interessada» não o ser verdadeiramente ou não o estar tanto que estivesse disposta a prestar a contragarantia que esse seu interesse justificaria. Parece-me, portanto, que se terá procurado contemplar com este «poderá» casuístico, atribuído à vontade governamental, a possibilidade de, até quando uma província ultramarina não está interessada num empreendimento, e não está de tal modo interessada que até nem quer prestar-lhe a contragarantia, mesmo assim o Estado Central entende o investimento de tanto interesse que dá o seu aval independentemente da vontade, da opinião, do interesse real da província ultramarina. Se é esta a situação que se pretendeu contemplar na alteração sugerida, eu rejeito-a imediatamente. Parece-me que ela é inteiramente contrária a tudo aquilo que deve ser o verdadeiro espírito de unidade nacional. É uma autêntica sobreposição ou um comando que já não parece que seja desejável nem viável.
Uma segunda hipótese seria a do «poderá» pretender contemplar uma outra situação, o de a capacidade de endividamento da província estar esgotada.
Essa hipótese parece-me dificilmente conciliável, como já foi aqui invocado, com a alínea d) do artigo 130.º da Constituição. A província tem o direito de dispor das suas receitas e de AS afectar às despesas públicas de acordo com á autorização votada pêlos órgãos próprios de representação e princípios consignados. Ainda aqui este «poderá» seria uma porta aberta para evitar ou tornear o controle dos órgãos próprios de representação e das autorizações votadas, e também isso me parece mal.
Devo confessar a VV. Exas. que não fui capaz, mesmo depois das autorizadas explicações que foram fornecidas, de descobrir mais hipóteses que justifiquem este «poderá» assim enunciado tão simplesmente e conferindo poderes que o próprio Governo parece não ter desejado.
O Governo quis uma fórmula muito mais exacta, menos fluida, mais rigorosa, e que me parece merecer o nosso apoio.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Eu irei remontar à base I da proposta, já aprovada.
São três as entidades a quem poderão ser concedidos avales do Estado por operações de crédito interno e externo. Precisamente: as províncias ultramarinas, os institutos públicos e as empresas nacionais.
Não está abrangido no âmbito desta base IV a primeira entidade referida, mas dentro dela podem caber os institutos públicos e as empresas nacionais.
É em relação à possibilidade de ocorrência de concessão de avales pelo Estado relativamente a estas duas entidades - institutos públicos e empresas nacionais - que

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entendo que ficava melhor a expressão «poderá ficar», por me parecer que nem sempre deva ser obrigatória a prestação de contragarantia pelas províncias ultramarinas, particularmente no caso dos institutos públicos.
Muito obrigado.

O Sr. Almeida Cotta: - Sr. Presidente: Eu tenho acompanhado a Câmara na apreciação desta alteração e queria dizer que o alcance que eu dei à alteração apresentada pela Comissão de transformar uma obrigação das províncias ultramarinos na prestação do aval, na prestação de contragarantia, foi a de transformar esta obrigação numa faculdade dada ao Governo de exigir ou não essa contragarantia.
O que me veio à mente, como acontece geralmente na concessão de qualquer empréstimo que se faz, quando se quer uma garantia, pois procuram-se as garantias quando são necessárias ou quando o mutuário não tem por si só possibilidade de garantir os empréstimos.
Portanto, cheguei à conclusão de que a faculdade se exerceria quando as empresas privadas não pudessem oferecer por si só a garantia necessária à realização do empreendimento. Se elas podem por si só prestar as garantias suficientes, as províncias não têm de dar mais uma contragarantia para uma hipótese que está perfeitamente garantida.
Não sei se foi esta a intenção da modificação introduzida pela Comissão, mas, entre outras, suponho que isto também terá cabimento.

O Sr. Magalhães Mota: - V. Exa. dá-me licença?
E que me parece que a sua sugestão seria então uma proposta de nova redacção. Quer dizer, seria mais ou menos assim: é obrigatória a prestação de contragarantia pela província ultramarina, sempre que a garantia prestado pela sociedade não seja suficiente.
Será isto?

O Sr. Pinto Balsemão: - Não é o que está escrito!

O Sr. Almeida Cotta: - O que se infere da proposta é que sempre que o Estado entenda que a contragarantia da província é necessária, pois exige-a.
Quando não entende que ela não é necessária, quando tem garantia suficiente por outras bandas, não é necessária.
Esta foi a conclusão a que cheguei, à primeira leitura que fiz, da alteração proposta.

O orador não reviu.

O Sr. Barreto de Lara:- Sr. Presidente: Eu realmente começo por dizer, falando em termos de admirantado, que navego nas águas do Sr. Almirante Roboredo e Silva, e a mim mesmo me assolam as suas. preocupações quando se diz que a actividade principal se deva exercer nas províncias ultramarinas.
Como jurista, excluo imediatamente da aplicação desta lei todos as empresas que tenham actividade única e exclusivamente nas províncias ultramarinas. Essas estão afastadas, pelo teor da lei, da prestação de avales por parte do Estado. E não se façam confusões sobre a autonomia financeira, a consagrada na Constituição Política, porque essa autonomia financeira está dominada por uma outra panorâmica de integração, que também me parece de que está imbuída a própria Constituição Política da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, se houver um empreendimento, que se realize numa província ultramarina, de tão transcendente importância, que mereça a atenção de todo o conjunto nacional, e se essa empresa tiver apenas dominantemente e única e exclusivamente actividade no ultramar, o Estado mão pode prestar-lhe a sua garantia, o seu aval. Fica disso inibido, o que me parece efectivamente contrário ao espírito que ouvi aqui imbuído: a discussão da Carta Orgânica do Ultramar e da Constituição Política da Nação.
Por outro lodo, parece-me que a palavra «poderá», postas estas considerações, está perfeitamente adaptada às circunstâncias, porque se se usar a terminologia da base IV, proposta pelo Governo, é condição sine qua non sem a qual é inultrapassável a contraprestação de uma garantia.
Se usarmos a proposta feita pela Comissão, pois está na dependência do Estado prestá-la ou não a prestar, depende, portanto, da sua concepção a utilidade ou não utilidade do empreendimento.
Portanto, este «poderá» está muito bem posto, acho eu, e está muito bem posto, especialmente, para aqueles casos, como frisou muito bem o Sr. Deputado Almeida Garrett, em que a província ultramarina onde o empreendimento se vá realizar tenha excedido a sua capacidade creditaria.
Não será de mais falar, por exemplo, nas operações de crédito externo, onde a moeda das províncias ultramarinas não corro e, portanto, é praticamente garantida pelo escudo metropolitano.
Eu queria chamai: à consideração e à colação este problema, aqui na Assembleia, porque é um problema de transcendente importância.
Casos há, e eu conheço-os concretamente, como, por exemplo, uma empresa ultramarina que quis importar determinada maquinaria de um país da Europa e oferecia como garantia uma garantia bancária de um banco angolano. Essa garantia não foi aceite no estrangeiro sem haver, por sua vez, garantia do banco-mãe, que estava situado em Lisboa. E a importação dessa maquinaria demorou meses. Era uma maquinaria destinada a liofilização. Quero dizer com isto que não falo em coisas imprecisas; é melhor usar termos concretos, para não dizerem que eu estou a especular. Foi um caso concreto: só quando o banco metropolitano deu a sua garantia bancária é que efectivamente a maquinaria pôde embarcar para Angola.
Tudo isto traz, pois, à colação os preocupações que o Sr. Deputado Roboredo e Silva Aqui evidenciou e que depois decorreu da discussão dos ilustres Deputados, que eu vim estragar, ao fim e ao cabo, com as minhas humildes palavras; cedo agora a palavra ao meu querido amigo Deputado Almeida Cotta.

O Sr. Almeida Cotta: - Vou interromper só para mencionar o seguinte: se a sociedade tiver a sua sede na província e se trabalhar aí exclusivamente, não tendo qualquer outra actividade em nenhuma outra parte, quem é que lhe pode prestar o aval?
E a província? A província é que presta o aval nessa altura, a sociedade que tem exclusivamente lá a sua sede e lá exerce a sua actividade. Quando vai lá desenvolver ou promover um empreendimento de grande interesse, o Estado, então, da o aval e pede A contragarantia. Esta parece que é a posição . . .

O Orador: - Mas pense que eu sou o credor e como credor digo: mas as balanças comerciais, as balanças de pagamentos do ultramar são deficitárias e, portanto, como não me é suficiente o aval que a província presta, eu quero o aval do Governo Português. Então, como essa

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sociedade tem só a sua actividade no ultramar, eu pego na lei e por hermenêutica, interpretando-a proficuamente como aqui está, afirmo que o Governo Português não pode prestar esse aval e a operação está automaticamente frustrada.
Queria deixar apenas aqui estas minhas preocupações, já que não fiz nenhuma proposta de alteração nem de substituição. Muito obrigado, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Se fosse possível eu pediria à Mesa uma interrupção por uns minutos para ser redigida uma proposta de alteração.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 18 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Informo VV. Ex.ªs de que entrou na Mesa uma nova proposta de alteração à base IV da proposta de lei em exame, a qual vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Propomos que a base IV da proposta de lei n.º 21/10, sobre prestação de avales pelo Estudo, tenha a seguinte redacção:

BASE IV

A concessão de avales do Estado a entidades com actividade nas províncias ultramarinas ou a favor de projectos de investimentos a realizar nos mesmos territórios depende da prestação de contragarantia pelas províncias interessadas sempre que a entidade beneficiária do aval não ofereça, por si só, garantia suficiente.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Novembro de 1972.

Álvaro Filipe Barreto de Lara
Armando Júlio de Roboredo e Silva
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota
Francisco José Pereira Pinto Balsemão
Prabacor Rau.

O Sr. Presidente: - Fiz preparar algumas fotocópias desta proposta. Não puderam ser dadas a cada um de VV. Ex.ªs, mas serão distribuídas pela sala e peço a VV. Ex.ªs o favor de, em grupos, as apreciarem, porque para não demorarmos muito só se tiraram uma vintena de cópias.
Está em discussão a base IV com a nova proposta de alteração apresentada na Mesa.

O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A discussão vai longa e é, infelizmente, grande e, profunda a confusão que reina nesta sala. Talvez se imponha um esforço clarificador e oxalá eu pudesse ter o mérito de o levar a efeito, mas trata-se, porém, certamente, de mera pretensão.
Começarei por dizer, Sr. Presidente, que a proposta feita pela Câmara se limitou a perfilhar a redacção que largamente fundamentada, foi adaptada pela Câmara Corporativa. Efectivamente, nessa proposta há um apelo substancial e de fundo, como já foi acentuado, com muito brilho, pelo Sr. Deputado Almeida Garrett. A questão de fundo é se a contragarantia a exigir às províncias ultramarinas pela prestação do aval deve ser obrigatória ou facultativa. Pareceu à Câmara Corporativa, pareceu à Comissão, que devíamos inclinar-nos para esta última solução. Foram já aduzidas, largas razões em abono desta posição, mas outras talvez se possam também ainda aduzir. Parece que dar ao Estado a faculdade de exigir ou não a contragarantia é, sem dúvida, uma fórmula mais flexível e mais ajustada aos interesses em causa. Pode acontecer que o Governo entenda até que o aval por ele prestado não envolve risco e, consequentemente, é inútil a prestação da contragarantia. Pode ainda parecer que o interesse do empreendimento seja tão grande e tão relevante que deva ser levado a efeito quaisquer que sejam os riscos. É, pois, toda esta gama de soluções que a proposta da Comissão, de acordo com a Câmara Corporativa, pretende cobrir. Suponho que nesta parte a Comissão não pode transigir e mantém inteiramente a atitude já assumida e que conota do seu parecer.
Há aqui outros problemas que não parecem claros a alguns Srs. Deputados e que para mim são evidentes.
É evidente que corresponde aos mais elementares princípios, da hermenêutica jurídica, que, estando contemplada a hipótese de a empresa ter a actividade principal no ultramar, por maioria de razão estão abrangidas as empresas que têm actividade exclusiva no ultramar. Para mim esta matéria não oferece a mais pequena dúvida, mas há ainda uma outra razão adjuvante: reparem VV. Ex.ªs que na segunda parte da base IV se cobre com a maior latitude uma hipótese muito mais ampla, porque se permite a concessão de avales e projectos de investimentos a realizar nos mesmos territórios, sem estarem dependentes da sua realização por empresas que tenham a sua actividade principal no ultramar. Realmente, a fórmula é o mais latitudinária possível e abrange todas as hipóteses.
Eu, a este respeito, repito, não tenho dúvidas e tenho muita dificuldade em compreender as dúvidas que aqui têm sido formuladas. Mas, Sr. Presidente, eu já dei o meu pequeno contributo e terminaria com uma declaração: as comissões estudaram largamente, profundamente, conscienciosamente em todas as implicações, a proposta de lei e porque têm a consciência de probidade e do acerto das soluções que propõem, nada têm a alterar ao que propuseram no seu parecer.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente: O mérito das considerações do Sr. Deputado Ulisses Cortês é tão grande que quase me ia convencendo. Mas não convenceu, porque, como advogado e como jurista, talvez não tenham conta os processos que perdi, em que os meritíssimos juizes não aceitaram o meu argumento por maioria da razão. Entendiam que eram os argumentos da razão, e que no texto e na letra da lei não se incluía a maioria de razão que o meu coração e a minha Inteligência lhes tinha visto.
Por isso, quando estamos a legislar, e é o que estamos a fazer nesta Casa, parece-me que há que afastar dúvidas, e há que afastar argumentos contrários ao caso, e há que afastar argumentos por maioria de razão. Nós devemos ser claros, precisos, o mais taxativamente possível, e sabendo quando isso é aleatório, depois da interpretação que, na vida prática, a própria lei vai ter.
Não aceito, pois, os argumentos, inteligentíssimos e, aliás, sempre brilhantíssimos do Sr. Deputado Ulisses Cortês, da maioria de razão.
Também não ponho em dúvida a probidade das comissões, nem o estudo exaustivo que elas fazem. Mas, se assim fora, não valeria a pena, então, reunir o plenário,

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23 DE NOVEMBRO DE 1972 3923

as comissões votariam as propostas e nós não viríamos fazer aqui nada, porque estava a Assembleia dividida em comissões. Se aqui estamos é .para apreciar as propostas do Governo, os pareceres da Câmara Corporativa e as muito ponderadas, muito estudadas, muito escalpelizadas propostas de alteração da ilustríssimas e digníssimas comissões da Assembleia Nacional.
Por isso, Sr. Presidente, eu insisto, e insisto neste ponto de vista: a dúvida dos que subscreveram a proposta que acabou de dar entrada na Mesa. cujo mérito praticamente reside todo no Sr. Deputado Magalhães Mota, subsiste no meu espírito e subsiste em dois pontos únicos. Um, é o primeiro, quando se diz actividade principal. E pergunto: por que se diz actividade principal. Quando aparece esta palavra, principal - uma palavra perfeitamente inútil - o que está ela aqui a fazer? E, então, porque julguei que estava aqui por um lapso de quem a escreveu, debrucei-me sobre ela e disse: isto deve ter um significado, é possível que tenha um significado, e se não tem um significado que eu alcance, pode ser que alguém o venha a alcançar, mais dotado do que eu, já que eu sou pouco dotado para fazer estas interpretações.
Por outro lado também nos ressaltavam as dúvidas quanto ao «poderá», em que concordamos- inteiramente com a ponderação das comissões e, portanto, estamos perfeitamente de acordo com elas. Resumindo, estamos apenas em divergência quanto à actividade principal ou não actividade principal.
É o que queria dizer em defesa da proposta que acabou de dar entrada na Mesa e que eu também subscrevi.

O orador não reviu.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidenta:- Também eu e com a certeza por deficiência a minha, não fiquei esclarecido com as palavras do Sr. Deputado Ulisses Cortês.
Devo dizer, aliás, que, com certeza por causa do espírito de confusão que paira, na sala, não consegui apreender, sequer, algumas das suas razões.

O Sr. Ulisses Cortês: - Quais?

O Orador: - É o que vou dizer. Referiu-se V. Ex.ª, Sr. Deputado Ulisses Cortês, aos largos fundamentos aduzidos pela Câmara Corporativa.
Posso lê-los: «Todavia entende a Câmara que, a concessão de avales não deverá ficar dependente para todos os casos da prestação de contragarantia pelas províncias ultramarinas e, nesta conformidade propõe que se substitua a palavra «depende» pela expressão «poderá ficar dependente.» Como largos, tenho algumas dúvidas ...

O Sr. Ulisses Cortês: -E pena!

O Orador: - São com certeza, razoas de muito peso. como V. Ex.ª acaba de sublinhar, mas quanto à sua largura, comprimento ou extensão não me parece que sejam profundas.
E, aliás, ainda quanto ao peso talvez ele tenha resultado de uma larga ponderação, mas que, de nenhum modo, poderá deduzir-se do tom sucinto com que esta alegação é expressa. Diz-se aqui apenas que «entende a Câmara que não deverá» - não se diz porquê. Como razões ... enfim. Falou-se também das largas razões já aqui aduzidas - eu julgava que algumas delas, ou a maior parte, tinham sido rebatidas. Falou-se, fundamentalmente, sintetizando estas largas razões, que se tratava de uma fórmula mais flexível e ajustada aos sistemas locais. E apontou-se o caso de os avales não oferecerem risco: primeira hipótese a ser considerada.
Limito-me a ler a parte final da proposta de alteração que é apresentada: «... sempre que a entidade beneficiária do aval não ofereça por si só garantia suficiente». Quando se diz «garantia suficiente», o problema do risco está perfeitamente coberto pela proposta de alteração apresentada.
Segundo aspecto: o interesse ser tão grande que valha a pena corver todos os riscos. Este problema é, de facto, importante: o interesse ser tão grande que justifique que se corram todos os riscos. No espírito dos autores desta proposta também parece que «o interesse ser tão grande que justificava, a cobertura de todos os riscos» estava tão perfeitamente previsto que se exigia que. a província interessada quisesse correr o risco de prestar a sua contragarantia.
Quanto ao argumento da maioria de razão, já foi aqui, de algum modo, escalpelizado. Não gostaria de ver invocado um paralelismo, que me parece que, só forcadamente o conseguimos, entre «principal» e «exclusivo». São coisas diferentes e até parece que estamos- a ressuscitar a polémica do Decreto-Lei n.º 020/71.

Risos.

Principal c exclusivo são coisas diferentes.
Finalmente, há uma última referência que eu não gostaria, com todo o respeito pelo Sr. Deputado Ulisses Cortês, de deixar passar em claro: é a que se refere à probidade e honestidade das comissões. Ninguém, nesta Casa, as pôs em causa.
Também gostaria que não fossem por ninguém postas em causa nem a honestidade nem a honestidade do Governo, que tinha uma proposta diferente, e sem o poderá» que as comissões introduziram, nem a probidade nem a honestidade dos Deputados, que não alienam da sua liberdade de intervenção e de expressão.

O Sr. Ulisses Cortês: - Queria apenas fazer uma declaração: é que eu não pus em causa, nem ponho, antes reconheço e presto homenagem à probidade e à honestidade intelectual de todo? os meus colegas nesta Câmara. Simplesmente eu quis acentuar as razões por que me coloquei, e a comissão se colocou, numa posição de alguma rigidez. Quis dizer, apenas para a fundamentar, que se fez um estudo sério - não é moralmente sério, é intelectualmente sério - e profundo, em que se consideraram todas as implicações e se procuraram, na dúvida, as soluções mais convenientes. Ao aludir, à probidade da comissão e à qualidade do seu trabalho, quis apenas indicar a razão por que a minha posição e a posição da comissão tinha a rigidez que eu tive ocasião de enunciar. Suponho que, com estas, declarações, dou inteira satisfação ao Sr. Deputado Magalhães Mota, a quem testemunho o meu apreço.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Estou seguindo atentamente as numerosas e brilhantes intervenções produzidas Acerca desta base. Tendo diante dos olhos as propostas de alteração a ela dirigidas, e, parece-me que haverá vantagem em dar um pouco mais de tempo para a ponderação dês-tas alterações, justamente porque elas se referem a afinamentos, sem dúvida de grande alcance e importância, mas por se tratarem de afinam entoe, são mais carecidos de exame detido.
Interrompo, portanto debate neste momento para o fazer continuar na sessão de amanhã.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na especialidade

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3924 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198

da proposto de lei sobre a prestação de avales pelo Estado, a qual retomaremos na discussão desta base IV.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas o 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Fernando David Laima.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Pontífice Sousa.
D. Simclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz. de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
António Júlio dos Santos Almeida.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
D. Custódia Lopes.
Deodiato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José João Gonçalves de Proença.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Pedro Baessa.
Rui de Moura Ramos.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

Rectificações ao n.º 195 do Diário das Sessões apresentadas pelo Sr. Presidente:

A p. 3877, col. 1.ª, 1. 60, onde está: «prazo; tanto», deve ler-se: «prazo; mas, tanto».
A p. 3878, na col. 1.ª, 1. 43, onde está: «os», deve ler-se: «vos», e na col. 2.ª, na 1. 8, onde está: «tais que já foram apreciados, sob», deve ler-se: «decorrer, sob», e na 1. 16, onde está: «questões», deve ler-se: «situações».

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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