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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 207
ANO DE 1972 14 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 207, EM 13 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos Srs.:
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 205 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição foram presentes à Assembleia os Decretos-Leis n.ºs 505/72, 506/72 e 507/72.
O Sr. Deputado Valadão dos Santos apresentou um requerimento.
O Sr. Deputado Correia da Cunha, apresentou um projecto de lei acerca da publicidade do tabaco.
O Sr. Deputado Aguiar c Silva analisou a reforma, da Universidade e os problemas do ensino, nomeadamente as perturbações ocorridas na vida universitária.
O Sr. Deputado Linhares de Andrade referiu-se à assistência médica no distrito da horta.
O Sr. Deputado Lopes Protão, depois de ter prestado homenagem à memória do Dr. Mello e Castro, agradeceu ao Governo a decisão de abrir concurso para a empreitada da construção da ponte sobre o Guadiana, em Quintos.
O Sr. Deputado Brás Gomes evocou a, data funesta em que as forças da União Indiana ocuparam os territórios portugueses do Estado da índia.
O Sr. Deputado Conceição Pereira, depois de agradecer a visita do Sr. Presidente do Conselho ao Entroncamento, referiu-se às inundações do Barreiro e à poluição da sua atmosfera pêlos fumo» e gases das fábricas da C. U. F.
Ordem do dia. - Na primeira, parte iniciou-se a apreciação dos textos dos Acordos entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Homem de Mello, para apresentar o relatório das comissões, Franco Nogueira, Roboredo e Silva e Barreto de Lara.
Na segunda parte continuou a discussão na generalidade da proposta de lei do autorização das receitas e despesas para 1973.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Agostinho Cardoso, Pereira de Magalhães, Joaquim Macedo, Ribeiro Veloso e Cunha Araújo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
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Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim José Nunes da Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 56 Srs. Deputados, número suficiente para a Assembleia poder funcionar em período de antes da ordem do dia.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 205 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. Exas deseja usar da palavra para rectificações a este Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da direcção do Colégio do Rosário apoiando a defesa do ensino livre.
Do Sindicato dos Bancários do Distrito de Lisboa protestando contra o projecto de lei acerca da revisão do regime das rendas de casa em Lisboa e Porto.
De alguns familiares do Dr. Vítor Pinto Lima pedindo a amnistia paru todos os presos políticos.
Da Câmara Municipal de Coimbra apoiando a intervenção do Sr. Deputado Augusto Correia sobre a construção das auto-estradas.
Cartas
Da Sra. D. Bárbara Vicente solicitando a amnistia para seu marido.
Do Sr. Rodrigo da Cunha protestando contra o imposto sobre automóveis não utilitários.
Da paróquia da Raiva acompanhando cópia de uma exposição enviada ao Sr. Presidente do Conselho acerca dos produtores directos.
Da Federação Portuguesa de Cinema de Amadores enviando um exemplar do relatório da viagem a Angola de uma delegação daquela Federação.
O Sr. Presidente: - Informo a Assembleia de que representantes dos Sindicatos Nacionais dos Empregados Bancários dos Distritos de Lisboa, Coimbra e Porto me apresentaram uma exposição solicitando a extensão a todos os presos da amnistia sugerida pela ocasião do período do Natal. Do mesmo modo, as Sras. D. Aida de Freitas Loureiro Magro e D. Esmeralda Saramago Duarte entregaram na presidência uma exposição, acompanhada de aparentemente alguns milhares de assinaturas, pedindo a extensão a todos os presos da amnistia que tem sido sugerida no seio da Assembleia Nacional.
Pausa.
Enviado pela Presidência do Conselho, está na Mesa. para cumprimento do § 8.° do artigo 109.° da Constituição, o Diário do Governo, 1.ª série, n.° 287, de 12 do corrente, que insere os seguintes decretos-leis:
N.º 505/72, que introduz alterações na constituição da Casa Civil e na estrutura da Secretaria-Geral da Presidência da República.
N.° 506/72, que concede à província de Cabo Verde um subsídio extraordinário não reembolsável do montante de 360 000 000$.
N.° 507/72, que actualiza as disposições respeitantes à protecção dos cabos submarinos.
Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Valadão dos Santos.
O Sr. Valadão dos Santos: -Sr. Presidente: Pedi a palavra para ler o seguinte
Requerimento
Considerando que, praticamente, desde que os CTT passaram a empresa pública, se tem vindo a acentuar ultimamente - e não apenas nesta quadra do Natal - um grande atraso na entrega de correspondência, atraso que chega a levar vários dias, quando não semanas, não só aqui no continente, mas, sobretudo, dos Açores para o continente e vice-versa;
Considerando que o problema se torna muito mais grave quando se trata de encomendas postais, e ainda o ano passado levaram três e mais meses a atingir o seu destino - do continente para os Açores - e que este ano se está a processar do mesmo modo, com gravíssimos prejuízos paru todos, nomeadamente para o comércio, que vê os seus artigos, pedidos com a maior antecedência, chegarem tão fora de
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tempo que já não é possível vendê-los, e tudo isto não obstante o substancial aumento nas taxas:
Requeiro, nos termos constitucionais e regimentais, me seja esclarecido, por intermédio do Ministério das Comunicações, o seguinte:
a) Quais as medidas que os CTT tomaram ou tencionam tomar para que tais anomalias sejam rápida e eficientemente sanadas;
b) For que razão as correspondências a entregar pelo próprio e cuja sobretaxa duplicou para ter prioridade na entrega chegam, algumas vezes, ao seu destino depois da correspondência ordinária.
O Sr. Comia da Cunha:-Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar um projecto de lei sobre a publicidade do tabaco. Quaisquer considerações que pretendesse fazer para justificar a iniciativa poderiam parecer a V. Exa. e a muitos dos Srs. Deputados perfeitamente redundantes.
Se, após a apreciação e discussão das suas bases, este projecto se constitui em lei, ter-se-á dado um passo de gigante no sentido de desmistificar uma das grandes contradições do nosso tempo; e essa consiste em, por múltiplas formas, se forçar a intoxicação de um povo que, por outro lado, se pretende desenvolver a todo o transe. E um povo que se desenvolve não é, como muita gente pensa, um povo que produz e consome cada vez mais. É, sim, um povo constituído por cidadãos mais felizes, mais saudáveis, mais conscientes.
Com esta iniciativa pretendo dar o meu contributo para que o povo português, se não puder ser mais feliz, seja pelo menos mais saudável e mais esclarecido.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de enviar para n Mesa esse projecto de lei.
O Sr. Aguiar e Silva: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: no declinar desta X Legislatura, verifico melancolicamente que, com excepção do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Miller Guerra sobre as Universidades tradicionais e a sociedade moderna, nunca o período da ordem do dia dos nossos trabalhos, durante as sessões até agora transcorridas, foi ocupado com a discussão e votação de qualquer diploma atinente a problemas da educação nacional.
Não formulo esta observação em virtude de qualquer espécie de nostalgia por pretéritos figurinos parlamentaristas - nostalgia que não cabe dentro da filosofia política em que acredito e que não teria sentido em quem, ao aceitar a candidatura a este lugar, conhecia razoavelmente bem as regras do jogo a que se obrigava -, mas digo-o, um pouco, como melancólico desabafo - o desabafo de quem, ao entrar nesta Casa, sabia honestamente, fugindo a tentações «enciclopedistas», que aqui poderia prestar ao País alguns serviços, mínimos embora, no domínio da educação nacional; e digo-o também, e sobretudo - e aqui já não conta tanto a perspectiva do passado como a perspectiva do futuro -, porque creio que, impondo-se evitar tanto o escolho do autocratismo técnico burocrático como o escolho do apelo a uma informe e falaz participação da opinião pública, os governos têm o dever e a conveniência de submeterem à apreciação das assembleias legislativas aqueles diplomas que, pela sua magnitude intrínseca, pelas suas implicações e consequências, abrangem domínios e valores fundamentais da vida colectiva.
Vozes:.- Muito bem!
O Orador: - E não se dirá que entre esses domínios e valores não se contam os da educação e, em particular, os da Universidade.
Ao analisar, em recente estudo, alguns importantes aspectos da projectada reforma da Universidade, o Prof. Afonso Queiró escreveu estas desassombradas palavras, que perfilho inteiramente:
Num assunto de tonta gravidade, mexendo com instituições tão veneráveis, e tão repleto de implicações na vida toda dos cidadãos e da colectividade, não se admite outra que não seja uma legislação da Assembleia Nacional, uma «legislação às claras», uma legislação cujas peças sejam fabricadas e montadas pêlos representantes da Nação ante a opinião pública, «frente a frente» com a mesma Nação. A simples «consulta ao País», na forma indiferenciada em que foi feita, seguida da selecção de dados e escolha das soluções por «especialistas» ou tecnocratas inominados e ocultos, ao nível da burocracia permanente ou instituída ad hoc no âmbito do Ministério da Educação Nacional, tudo formalmente corroborado numa reunião do Conselho de Ministros, é um processo de decisão política que neste particular domínio me parece inaceitável. [Cf. Afonso Queiró, Aspectos políticos (e quase políticos) da «Reforma» (Comentário às Linhas Gerais da Reforma ao Ensino Superior), Coimbra, 1972, pp. 9-10.]
E após esta espécie de preâmbulo, entro na exposição e análise dos problemas que me pareceu oportuno trazer hoje ao plenário desta Assembleia.
As palavras que o Sr. Presidente do Conselho pronunciou no passado dia 6 do corrente mês, ao receber os representantes da vida político-administrativa dos distritos atravessados e beneficiados mais directamente pela futura rede de auto-estradas, foram decerto compreendidas e devidamente sentidos pela Nação.
O estadista que, movido por razões que ninguém discutirá, concedeu aos problemas da educação um lugar de primazia nos seus planos de governação confessou, em breves mas significativas afirmações, a sua apreensão angustiada perante os acontecimentos que ultimamente têm perturbado e ensombrado a nossa vida universitária. No seguimento coerente de outros seus discursos e declarações, entendeu o Sr. Presidente do Conselho que era necessário mais uma vez alertar a opinião pública, e agora de modo particularmente vigoroso, para o significado e os perigos de tais acontecimentos. Com tal atitude realista e corajosa, de quem não esconde nem esbate a gravidade dos factos, só tem a ganhar a comunidade nacional, porque neste domínio, como em tudo o mais, o silenciamento das realidades não contribui para resolver os problemas, antes os complica e deteriora.
Num artigo publicado há alguns meses em A Capital (22 de Julho de 1972), e que, por motivos que não vale a pena agora referir, não teve a continuação prometida, escrevi que «a contestação global que os movimentos estudantis desencadearam contra a Universidade, a cultura e a sociedade ocidentais - e sublinhamos contestação global, pois os leaders contestatários, fiéis leitores de Karl Marx, sabem bem que o domínio da categoria da totalidade é teoricamente o veículo do princípio revolucionário - exige uma resposta global e essa resposta tem de ser política, no mais amplo e profundo sentido da palavra».
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Com efeito, a reflexão e a experiência ensinam e comprovam que se revelam impotentes perante a energia revolucionária do movimento estudantil as tentativas de solução que designarei por «autoritarista, liberal e reformista».
Os propugnadores da solução que designei por autoritarista advogam como resposta adequada à contestação universitária uma mera e gigantesca repressão policial. Ora tal repressão, que gera quase sempre uma perigosa solidariedade mecânica entoe os estudantes e entre estes e os professores e que, mercê das forcas emocionais desencadeadas e habilmente exploradas pela propaganda contestatária, pode abrir caminho a imprevisíveis coligações das massas estudantis com mais ou menos extensos sectores da população, não resolve os problemas - adia-os, estrangula-os temporariamente, para irromperem mais tarde, às vezes com exacerbada virulência, logo que O aparelho repressivo se retrai ou abranda o seu rigor.
vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem de se dizer não a uma ordem fictícia, mantida pela força e pelo medo, tem de se dizer não a uma ordem que seja apenas incapacidade de criação e renovação de estruturas e valores, tem de se dizer não a toda a ordem que constitua apenas simulacro e contrafacção da ordem autêntica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, correlativamente, não se pode consentir na dissolução da disciplina e da autoridade dentro e fora da instituição universitária. É essa dissolução, precisamente, que pode vir a impor ao Estado a necessidade da repressão como forma extrema de restaurar a legalidade subvertida e de evitar o alastramento da acção revolucionária. Neste domínio, e nestes últimos anos, têm-se verificado entre nós perniciosas falhos, anomalias e contra-sensos, que seria fácil pormenorizar e exemplificar.
O que a experiência me tem ensinado é que a indisciplina contestatária, como o monstro da guerra visionado por Vieira, é uma hidra que quanto mais come menos se farta e que converte implacàvelmente toda a cedência ou abdicação na plataforma de uma mais audaciosa reivindicação, numa dinâmica revolucionária que seria estultícia ignorar.
O que se tem passado na Universidade de Coimbra nestes últimos catorze meses é digno de ponderação. Depois das crises dramáticas que martirizaram, desde 1969 a 1971, a velha Universidade, foi possível, graças à coragem, à firmeza e à clarividência das suas autoridades académicas - e, por imperativo de estrita justiça, deve-se realçar a acção desempenhada pelo seu reitor, Prof. Cotelo Neiva -, repor a disciplina dentro e fora das aulas e restituir ao curso da normalidade a vida escolar coimbrã. E conseguiu-se este estado de coisas, que alguns consideravam impossível de alcançar, porque não se cedeu à agitação contestatária nem se contemporizou com a indisciplina académica.
O Sr. Moura Ramos: -Muito bem!
O Orador: - A dissolução da disciplina e da autoridade dentro da instituição universitária é com frequência propiciada, iniciada e desenvolvida pelas autoridades escolares e pêlos membros do corpo docente, que, perante a contestação estudantil, pensam, com maior ou menor sinceridade, que a melhor, ou até única, solução a adoptar é uma solução de teor «liberal».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Geralmente, esta tentativa de solução vem acompanhada, por parte das autoridades e dos membros do corpo docente, de uma atitude paternalista, que leva a rotular tanto de «verduras da mocidade» como de «frutos da generosidade juvenil» as reivindicações, os projectos e os actos contestatários.
Esta atitude liberal, permissiva e paternalista, não raro animada de um respeitável idealismo, e facilmente compartilhável, quer por motivos doutrinários, quer por motivos emocionais, por alguns sectores da população extra-universitária, desconhece a ideologia, a estratégia e a táctica revolucionarias da contestação e, por isso mesmo, está condenada de antemão ao fracasso.
A contestação estudantil é profundamente antiliberal e corrói tanto regimes políticos de teor não liberal como regimes políticos moldados segundo as mais genuínas matrizes da democracia ocidental. Não foi sem razão que Jürgen Habermas - um dos professores alemães que mais apoiaram, no seu início, o movimento estudantil e que, depois, foi repudiado e exautorado por este mesmo movimento - se referiu, cunhando uma expressão que em breve se tornou famosa, ao «fascismo de esquerda» Já contestação universitária . . .
As autoridades escolares e os professores liberais são, vítimas de um dilema em que fatalmente se enleiam e se perdem: por um lado, querem ser «abertos», compreensivos, condescendentes e até solidários com os protestos e as reivindicações estudantis; por outra parte, têm de ser guardiões de uma legalidade e das regras de um jogo que os estudantes rebeldes não aceitam nem acatam. Dentro das exigências antagónicas deste conflito, não há capacidade de compreensão ou flexibilidade de atitudes que não soçobrem ... A autoridade e o professor universitário «liberais» acabam sempre por ser ultrapassados, ludibriados e, frequentes vezes, vilipendiados pelo estudante contestatário.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Compreende-se que a solução reformista se tenha difundido largamente e tenha concitado muitas esperanças. Ë característica sobretudo de tecnocratas, que, animados por uma espécie de neo-iluminismo, acreditam que racionalizando a gestão da «empresa» universitária, maximalizando a sua produtividade, substituindo entidades e métodos obsoletos por estruturas e processos actualizados, aumentando e melhorando as instalações, enriquecendo o apetrechamento humano e material das escolas, das bibliotecas e dos laboratórios se domina inevitavelmente a contestação estudantil. Estes reformadores-tecnocratas lembram-me certos críticos literários americanos, que, perante qualquer obra, antiga ou moderna, adoptam uma atitude transideológica, ostensivamente objectiva, rigorosa, muito «científica», mas que afinal de contas constitui apenas um esquema típico do contexto ideológico americano ...
A análise intrínseca da ideologia revolucionária dos estudantes europeus revela irrefragavelmente a utopia subjacente à solução reformista, pois se os desígnios fundamentais do movimento estudantil são de teor transuniversitário e se inscrevem de raiz no domínio político-social, torna-se meridianamente claro que não é com a reforma da Universidade que se debela a contestação. E a experiência comprova, efectivamente, que as reformas universitárias realizadas por essa Europa além não têm jugulado os movimentos contestadores. Acontece até que certas reformas, precipitadas, mal concebidas e desajustadas às realidades, só têm intensificado a agitação revolu-
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cionária. E acontece ainda - e considero isto muito preocupante - verificar-se que as Universidades reformadas segundo a óptica tecnocrática parecem suscitar e propiciar o agravamento dos processos revolucionários estudantis. O Prof. Alejandre Nieto, numa obra consagrada à análise destes problemas, escreveu o seguinte:
Não foi por acaso, por conseguinte, que nos países de capitalismo avançado a revolução estudantil começou precisamente nas Universidades consideradas como modelo, isto é, naquelas em que já se tinha consumado o processo adaptador, como Berkley nos Estados Unidos, Nanterre em França e Trieste na Itália. É curioso assinalar o facto de que os estudantes reagem com mais violência frente à eficaz Universidade tecnocrática do que frente à anacrónica Universidade tradicional: esta impele ao abstencionismo e aquela a revolução. A renovação tecnocrática da Universidade faz amadurecer os conflitos, acelerando os processos revolucionários. Com ela resolvem-se certamente problemas do passado, mas estabelecem-se ou anunciam-se outros novos. À situação revolucionária introduz-se melhor na Universidade tecnocrática, ao passo que a Universidade tradicional é mais propícia ao absentismo ou à rebeldia.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faça favor. Sr. Deputado.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Exa. e a Câmara toda devem ficar quase assombrados de ver um homem que está desligado dos altos e complexos problemas universitários fazer um aparte ao magnífico discurso que, como e sua forma, está a proferir. De resto, V. Exa. sabe, porque já tive ocasião da lho dizer mais do que uma vez, a consideração e o apreço em que tenho a sua categoria intelectual.
Todavia, neste particular momento, deixa-me perplexo a posição que V. Exa., pelo menos até agora, acaba de tomar, se eu bem compreendi, refutando a reforma da Universidade.
Penso que vivemos uma época em que não é possível estagnar e não reformar tudo, todas as actividades nacionais, sejam elas quais forem, tanto no campo prático da vida, como nos aspectos técnicos, como no do ensino e nomeadamente do universitário, não podem de nenhuma maneira deixar de ser manipuladas, modernizadas e reorganizadas de maneira u satisfazer necessidades da época que vivemos, em que o Homem já vai à Lua.
Consequentemente, eu não poderia calar uma reacção espontânea e natural que surgiu à medida que fui ouvindo o discurso de V. Exa.
Estou de acordo, integralmente de acordo, em tudo quanto se refere à necessidade de disciplina nos Universidades, acabar com esses problemas de contestação que não é puramente estudantil, mas que é manobrada, todos nós sabemos, e conhecemos pois que por trás de tudo isso está muito mais a politização e nomeadamente as doutrinas marxistas revolucionárias que são contrárias ao sistema que nos informa e à nossa maneira de pensar, mus, quanto à reforma propriamente dita, manter a Universidade tradicional e não a reorganizar de maneira a satisfazer erros ou atrasos, em relação ao momento actual, que ultrapassaram muitos hábitos, muitos interesses e muitos costumes e que, por consequência, são males que havia a corrigir.
Era apenas isto que eu queria dizer e, repito, mais uma vez peço que me seja, não direi perdoado, porque só a Deus peço perdão, mas que me seja desculpada esta intervenção, por vir de um homem que está completamente fora dos assuntos universitários.
Terminaria ainda com mais uma palavra: à reforma do ensino universitário e do ensino em geral, suponho eu que esteve quase um ano à apreciação da opinião pública no País, em que toda a gente se podia pronunciar sobre ela, em todos os meios e a todos os níveis - e mais que nenhum nível, os meios universitários eram aqueles que mais profundamente se deviam ter envolvido na discussão.
Muito obrigado.
O Orador: -Agradeço muito as observações do Sr. Deputado Roboredo e Silva e só tenho a responder o seguinte: creio que não interpretou correctamente as minhas afirmações expendidas até agora - não falo, como é óbvio, do que virá adiante - pois de modo nenhum eu defendo o imobilismo e a estagnação. O que eu não defendo é qualquer reforma; o que tenho estado a expor na minha análise são os perigos e as deficiências de certas formas e certas espécies de reforma. A reforma tecnocrática da Universidade tem-se revelado - não é só a reflexão que nos pode levar a essa conclusão, é a experiência, é a prática do que tem acontecido por esse mundo fora - que não é satisfatória. Não estou, de modo nenhum - longe de mim essa ideia, como o Sr. Deputado fará a justiça de me reconhecer -, a estabelecer qualquer oposição de princípio à reforma da Universidade, pois, é necessário reformá-la. O que é indispensável é pensar como essa reforma deverá ser feita, quais os valores e os desígnios que a hão-de orientar.
O Sr. Deputado afirma que os textos programáticos da reforma estiveram a discussão. É verdade que sim e as Universidades pronunciaram-se: os senados, os conselhos escolares e a Junta Nacional da Educação, através de um relatório que eu penso que será uma peça fundamental no processo. Oxalá que, tão breve quanto possível, apareça qualquer espécie de livro branco que contenha os relatórios dos senados e conselhos escolares e da Junta Nacional da Educação sobre este problema.
Não é de modo nenhum o desejo de que o problema seja silenciado que está na essência das minhas observações aqui feitas hoje.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Professor o colega Deputado: Confesso que gosto muito mais de designar as pessoas pela sua categoria fora desta Assembleia do que propriamente como Deputado, e por isso digo muito obrigado, Sr. Professor, e peço desculpa de não ter interpretado tão bem como devia os seus conceitos e intenções. Mas, honestamente, se eu compreendi mal, não posso ser culpado da minha insuficiência ao não alcançar os objectivos que V. Exa. tinha em vista.
O Orador: - Eu tenho estado a criticar certas espécies de reforma, não a reforma necessária que a nossa Universidade há-de vir a ter.
O Sr. Roboredo e Silva: - Pronto! É isso mesmo que eu gostava de ouvir. É que a Universidade tem forçosamente de ser reformada, como todo o ensino.
O Orador: - Mas é preciso saber como é que há-de ser reformada. Aí é que está o ponto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Aguiar e Silva: V. Exa. está a aproximar-se do limite de tempo regimen-
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tal. Aconselho-o a não conceder mais interrupções para poder concluir, se ainda prevê demorar-se.
O Orador: - Muito obrigado. Sr. Presidente.
Entre as contradições da solução reformista tecnocrática, salientarei apenas uma. Sublinham os reformadores tecnocratas que suo as modificações operadas na sociedade tecnológica hodierna que impõem correlativas modificações na estrutura e no funcionamento das Universidades, pois que, como afirmam repetidamente e muito correctamente, as Universidades devem estar umbilicalmente ligadas ao processo de desenvolvimento económico-social das respectivas regiões e dos respectivos poises. Por outro lado, adoptando a típica atitude transideológica do tecnocratismo, apregoam a necessidade imperiosa de despolitizar a Universidade. Ora, com uma lógica irrefutável, os contestatários fazem dimanar daquela inter-relação, tão acentuada pêlos tecnocratas, entre sociedade e Universidade, o motor da sua doutrina e da sua acção revolucionarias, não devendo estranhar os reformadores tecnocratas que «assim envolvem a Universidade num sistema económico-social de produção [. . .] que os estudantes, ao defrontarem-se com a Universidade, ponham em causa ao mesmo tempo o sistema social no seu conjunto».
A incapacidade das soluções reformistas para dominar os movimentos contestatários estudantis -incapacidade que, anoto, foi reconhecida pelo Prof. Costa André, na serena e corajosa comunicação que, há pouco, dirigiu ao País- não pode, nem deve, ser fundamento ou pretexto para adiar, desprezar ou considerar irrelevantes as reformas que seja necessário e aconselhável realizar na Universidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E falo agora da Universidade portuguesa. O que se pede é que essas reformas sejam ajustadas às realidades e às exigências nacionais, cuidadosamente articuladas com todo o sistema educacional, criteriosa e prudentemente executadas.
Torna-se necessário que não se publiquem, como aconteceu há poucos meses, diplomas de intuitos reformadores sem que, previamente, se consultem e ouçam as Faculdades e as Universidades.
Torna-se necessário aproveitar as experiências alheias, sobretudo para que se evite a repetição, entre nós, de erros e más soluções que outros países cometeram e adoptaram. Só um exemplo e breve.
Para não me ater ao controverso problema da organização departamental dos Universidades, referirei apenas o problema do regime semestral introduzido como novidade, nos últimos tempos, nalgumas das nossos Faculdades e escolas superiores. Quais os estudos e as razões que fundamentaram tal decisão?
Nas Universidades alemãs, onde o regime semestral vigora, se não estou em erro, desde a reforma da Von Humboldt, foi decidido, depois de estudos aturados, abandonar tal regime, por se ter concluído que era desadequado às exigências das actuais Universidades, frequentadas por muitos milhares de alunos e sobrecarregadas, portanto, com serviço de exames. «Nas Universidades da República Federal Alemã, até 1975, será substituída a divisão em
semestres pelo ano universitário», podia-se ler em O Século de 16 de Julho de 1972. «Actualmente, o ano universitário na República Federal Alemã está subdividido em dois semestres com, efectivamente, sete meses e meio de aulas [•••]. A introdução do ano universitário permitirá elevar os períodos de aula pelo menos (para) nove meses. Desta maneira, poder-se-á ampliar a capacidade
das Universidades de 100 000 a 120 000 lugares, o que corresponderia a uma redução dos investimentos em 6000 milhões de marcos.»
Será que, mais uma vez, seguindo um estranho vezo histórico, adoptámos uma inovação quando os países onde ela floresceu a começam a abandonar?
O grande, o difícil, o doloroso problema da contestação estudantil nas nossas Universidades - e penso que a situação em Espanha é muito semelhante à nossa - é que, perante massas amorfas de jovens politicamente indiferentes, doutrinàriamente vazios ou vagamente cépticos, que reagirão apenas em nome das suas conveniências e dos seus interesses pessoais, se erguem, bem organizados, grupos de estudantes portadores de uma ideologia bem definida, que acreditam nela com a veemência que só os jovens sabem ter, que têm os seus mestres, os seus modelos e os seus mitos, que crêem, e por isso se sacrificam, que são artífices de rumos irreversíveis da história. E uma minoria, é costume observar. E é verdade. Mas todas as revoluções da história foram obra de minorias; toda a revolução tem os seus «gerentes», essas minorias activas, devidamente endoutrinadas, que têm como missão gerar e provocar a revolta e que, uma vez esta desencadeada, a devem fazei- passar ao estádio revolucionário. Perante esta minoria impregnada de ideologias de raiz marxista, onde está, na nossa Universidade, uma juventude preparada doutrinàriamente, suficientemente numerosa, fortalecida psicológica e moralmente, capaz de assumir o encargo de opor uma barreira eficaz à contestação?
O que se fez, o que se faz para que essa juventude exista? E ela não vai nascer nem do minibasquete, nem da natação, nem dos cómodos eclectismos, nem dos engodos pecuniários ... E sem ela, sem essa juventude consciente e corajosa, possuidora de certezas e de esperanças, só pode medrar em nós a mesma angústia que o Sr. Presidente do Conselho exprimiu nas suas palavras do passado dia 6. De que vale a pena ganhai-mos agora a batalha do desenvolvimento e outros batalhas similares, se o marxismo e a contestação anarquizante forem conquistando a melhor parte da nossa juventude, aquela juventude que não pode viver sem ideias e sem sonhos, que anseia, na inquietação da sua inteligência e da sua sensibilidade, por um mundo mais justo e mais humano? Quem irá amanha utilizar as grandes obras de engenharia que hoje vamos construindo? Quem irá amanha guiar as novos Universidades que hoje formos coando? Quem irá amanhã continuar Portugal?
Eu creio que o horizonte ainda não é de cerração absoluta e estou longe de crer que apenas nos resta aguardar, inermes, o desabamento apocalíptico . . . Por isso, e para isso, temos de confiar na acção do Sr. Presidente do Conselho.
Vozes: -Muito bem!
O Sr. Linhares de Andrade:- Sr. Presidente: Na 2.ª sessão legislativa solicitei a atenção do Governo para a acuidade de um problema que afecta profundamente a população inteira de uma das quatro ilhas do meu distrito: a inexistência desde há longos anos de qualquer médico, sequer de um enfermeiro, na ilha do Corvo.
Esta situação verdadeiramente dramática para os Corvinos, agravada ainda pela distância que os separa das outras ilhas mais próximas e pela dificuldade dos transportes, só possíveis por via marítima em condições favoráveis de tempo, subsiste ainda hoje.
Entretanto, dos três lugares de delegado de saúde na ilha do Pico, dois já vagaram, por tecem atingido o limite
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de idade os respectivos titulares. O terceiro vagará em Agosto próximo pela mesma razão. Nesta ilha sucede ainda que a Santa Casa da Misericórdia de S. Roque foi forçada a encerrar as portos do seu posto clínico por terem resultado infrutíferas todas as tentativas feitas para admitir um enfermeiro.
Também na ilha das Flores só um dos dois concelhos dispõe de um único médico.
Os concursos abertos para o preenchimento de todas essas vagas têm ficado sistematicamente desertos, apesar de as remunerações fixadas pela Junta Geral e pelas câmaras municipais, em regime de acumulação, acrescidas dos subsídios oferecidos pela caixa de previdência e Cosa dos Pescadores, atingirem, nalguns casos, montantes superiores aos correspondentes as categorias mais elevadas dos quadros do funcionalismo público.
A falta de médicos e de enfermeiros nos pequenos centros populacionais é fenómeno que se verifica não apenas nos Açores, mas em toda a metrópole. Resulta, segundo uns, de uma carência global de profissionais; deve-se sobretudo, no entender de outros, a uma incorrecta distribuição geográfica dos profissionais disponíveis. Inclino-me a pensar que uns e outros têm razão. Há, na verdade, poucos médicos e poucos enfermeiros para acudirem com prontidão e eficiência ao surto de intensa e crescente procura dos seus serviços verificado nos últimos anos, mercê, por certo, do progressivo alargamento e aperfeiçoamento das instituições de previdência, e também de uma sensível melhoria nas condições económicas da população. Mas é inegável que uma distribuição mais equitativa dos actuais recursos humanos existentes - dois terços dos quais se concentram nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra - pode em grande parte diminuir os males de que são vítimas as pequenas terras de província.
A solução definitiva do importantíssimo problema que é a cobertura total do território com serviços de saúde eficientes só será encontrada quando houver muitos mais médicos e muitos mais enfermeiros do que presentemente existem. Dificilmente será atingida enquanto não houver médicos, mesmo debutantes, que aceitem servir em concelhos da província onde lhe suo oferecidos vencimentos fixos superiores aos que percebem directores-gerais, oficiais generais ou juizes conselheiros; e enfermeiros, nas mesmas condições, que se não contentam com remunerações equiparáveis às de um chefe de repartição.
Não obstante, são merecedoras do mais decidido aplauso as medidas legislativas, recentemente tomadas pelo Governo, que criam centros de saúde concelhios e prevêem a atribuição de subsídios especiais destinados a concitar a fixação de médicos e enfermeiros naqueles onde o seu recrutamento se mostra mais difícil..
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se os subsídios previstos não vierem a constituir aliciante eficaz, e ouso crer que em muitos casos assim acontecerá, outros meios igualmente persuasórios poderão ser tentados, como, para exemplo, a concessão de vantagens de promoção nas respectivas carreiras profissionais aos que contarem determinado tempo de serviço nos mesmos centros.
Vozes: - Muito bem! O Orador: - Mas se, finalmente, todos os meios de suasão forem ineficazes (e admito que o sejam pelo menos quanto à ilha do Corvo, onde de modo particular a pequenez do meio a par do maior isolamento se traduzem em sacrifícios não compensáveis com subsídios pecuniários e vantagens de promoção), então apelo para o Governo para que não hesite em recorrer a outras medidas, designadamente à de conceder aos profissionais requisitados para cumprirem o dever militar a opção de o exercerem no ultramar ou nestes centros onde o recrutamento voluntário se mostre impossível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Estado Português, como todos os Estados modernos, inscreve entre os seus fins superiores o de garantir aos cidadãos o direito à saúde, considerado como direito de personalidade. Não poderá pois consentir que continue por mais tempo totalmente privada desse direito a população inteira de uma ilha, nem que outras só muito precariamente o possam exercer por insuficiência de médicos e enfermeiros.
Para finalizar, Sr. Presidente, quero daqui fazer um outro apelo, dirigido este ao Sr. Correio-Mor, certo de que, atendendo-o, ajudará a minorar em boa medida os males apontados. Peco-lhe providencie para que os postos telefónicos de todas as freguesias que nestas ilhas encerram durante a noite se mantenham permanentemente em serviço, de modo a permitir aos médicos, todos residentes nas sedes dos concelhos (dos poucos concelhos que ainda dispõem de médicos), possam acudir sem demoras, por vezes fatais, aos doentes que reclamam com urgência a sua assistência em locais distantes.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente: Neste entardecer depressa do nosso mandato, exactamente no limiar da sua quarta e última sessão, a minha primeira palavra não pode deixar de ser dirigida a V. Exa., pela distinção tão honrosa quão justa que lhe foi conferida pelo perfectismo de um exercício, que todos nós vi-mos seguindo em crescendo de admiração, das altas funções que lhe confiámos de condutor dos trabalhos ingentes e cheios de responsabilidade que nos estão cometidos, pelo que peço consentimento, que como seu par e ainda por mais comprovinciano, modesto no ser mas forte no sentir, transmita a V. Exa., desta bancada onde nos trouxe o querer das gentes baixo-aletejanas, que muito prezam quem bem sabe servir, o testemunho do nosso maior reconhecimento e da mais viva felicitação.
A minha palavra a seguir é de mágoa profunda, expressando a dor imensa que nos alanceou, da perda sem reparo do nosso saudoso Dr. Mello e Castro, amigo sincero de todos, de alma &ã e perfeitamente trabalhada, com obra muito grande nesta Casa e tal qual enorme em favor do País. Perante o seu ser de homem bom e extremamente devotado ao bem público, eu ajoelho a minha alma em fundo recolhimento, e assim, lhe tributo o meu preito mais sentido.
E após estas duas palavras, bem opostos no seu significado, de júbilo a primeira, de franco pesar a segunda, mas ambas geradas no mesmo sentir de verdade, mais outra vez, Sr. Presidente, são as terras de Beja agradecidas que aqui vêm pela minha voz apagada mostrar ao Governo, mais precisamente ao seu departamento das Obras Públicas e Comunicações, quanto lhe estão gratas por verem que não estão esquecidas, continuando na sua linha de preocupação, de que são bem merecedoras.
Quis o Sr. Ministro das Obras Públicas, na sua costumada gentileza, em muito atenciosa missiva; ter a bondade de nos comunicar a assinatura do seu despacho de determinação da abertura do concurso, que terá seu termo
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em 20 de Fevereiro próximo, para a adjudicação da empreitada cia construção da ponte de atravessamento do Guadiana, em Quintos, e respectivos acessos. A obra orçada, segundo nos disse S. Exa., em 44 650 contos, é vultosa no seu custo, sem dúvida, mas não o é menos no seu interesse, pois de há muito se impunha no trânsito de uma rodovia turística por excelência, como é a estrada nacional n.° 260-Europeia 52, na rota Lisboa-Sevilha. Mas ainda muito mais que o turismo importa considerar as fortes potencialidades que essa ponte vem acarinhar, da uma, margem esquerda do Guadiana, onde se situam as ubertosas terras de Serpa e Moura e ainda a tão castiça Barrancos, a Noudar dos velhos tempos, que a cortiça afama e que ainda temos esperança de tornar a ver com a sua suinicultura agrandada, no aproveitamento racional dos seus extensos montados, com a terrífica «africana» sob controle sanitário.
Esta ponte pedimo-la por a considerarmos fundamental ao melhor viver da província sul-alentejana, em intervenção que fizemos em Fevereiro de 1967, e logo teve o pedido feito a consideração devida.
Sabemos bem quanto de tempo é preciso pura o estudo de uma ponte de tal envergadura como é esta de Quintos, que afinal viu o seu remate sem muita demora.
Por isso mesmo, e por ela ser uma realidade dentro em breve, ao Sr. Ministro das Obras Públicas lançamos o proclame, e connosco o das gentes deste generoso torrão alentejano, um bem haja, a força plena, saído muito do fundo das nossas almas reconhecidas.
E ainda vimos afirmar que esta e as mais obras que a ela se hão-de seguir, e com celeridade, estamos certos disso, porque Beja é distrito extremamente carenciado de desenvolvimento e manancial das mais fortes potências que o País precisa de ver tornadas em realidades, serão sempre «obras bem vivas», no querer do Presidente do Conselho, pois jamais o povo deste distrito se deixará «perverter», damos disso segura certeza a S. Exa.
Com esta ponte do Guadiana e seus acessos fica muito mais rico o panorama rodoviário de Beja, já de si bastante valorizado pelo esforço da direcção regional competente, isto seja dito em abono da verdade e em justiça.
Mas Beja precisa, para que ele seja ainda melhor e para mais boa estância das suas gentes, agora que tem prestes a acabar a variante de Albernoa, que era uma mancha negra no quadro já muito branco das suas rodovias, a inclusão no programa do próximo ano do troço da estrada n.° 264 (Alvalade-Ourique), que por mais de uma vez aqui notámos a sua necessidade premente, já que é imperioso acabar cora o total isolamento dos povos, por todos os invernos da freguesia da Conceição de Ourique. Também este trecho de estrada é do maior interesse para o melhor acesso às terras algarvias, por mais perto e sem as muitas e arreliadoras curvas dos outros traçados. O escalão Santana S. Marcos encontra-se em execução acelerada. Por conseguinte, aquele da Conceição, que é seu natural seguimento, preciso é que não se atarde. E ainda se faz notar a necessidade urgente do alargamento da faixa de rodagem da estrada Grândola-Ficalho.
Com a ponte erguida sobre o velho Annas, hoje absolutamente inerte na sua acção, mas poderoso de energia desprezada, já é possível torná-lo extraordinariamente prestimoso, e acreditamos que não virá muito longe esse dia, emprestando ao Alentejo possibilidades imensas ao avolumamento da produção agrária e ao estabelecimento de uma industrialização que teima em não aparecer, e não pode mesmo aparecer enquanto não houver água e energia abundosas e a baixo custo. São estes dois factores primários do ser de uma terra que pedimos ao Guadiana nos seus [...] represamentos, que hão-de vir a mostrar-se bem fecundos, o de Alqueva e o da Bocha da Galé.
Que o Sr. Ministro das Obras Públicas, tão compreensivo para os problemas da água, e que vem sendo obreiro forte da fortaleza do País, os tenha por bem e para muito breve.
As terras de Beja aguardam confiantes e prometem que saberão agradecer tão grande benesse como é esta do seu Guadiana bem aproveitado.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Brás Gomes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No próximo dia 18 terão decorrido onze anos sobre a data funesta em que forças armadas da União Indiana invadiram e ocuparam os territórios portugueses do Estado da índia. Data funesta, em que a força da violência destruiu um direito consagrado pelos séculos, cobrindo de luto a alma nacional.
Os portugueses de Goa, Damão e Diu, testemunho da afirmação de portugalidade no mundo, continuam vivendo seus dias de doloroso cativeiro.
Anima-os, porém, a mensagem do conteúdo heróico e místico recebida de gerações passadas: a coragem para enfrentar as vicissitudes de tão dura provação; a ideologia cristã, que cimenta nas almas a fé e a esperança; e o seu acrisolado amor a Portugal.
A riqueza dos valores espirituais e culturais de que são legítimos herdeiros resiste intacta à acção deletéria do tempo e dos homens, imprimindo àqueles «pedaços de alma repartidos pela Índia» uma feição de característica lusitanidade.
Ainda recentemente, em Outubro findo, por ocasião da XV Conferência do Conselho de Desenvolvimento Turístico, realizado em Pangim, um órgão da imprensa indiana, Navhind Times, inseriu no seu suplemento do dia 28 daquele mês um extenso artigo do Ministro-Chefe de Goa, Damão e Diu, Sr. Bandorcar, pondo em destaque o valor da Índia Portuguesa como centro de atracção cultural e turística.
E, entre outras considerações, o citado Ministro não pôde deixar de reconhecer e sublinhar que «os Portugueses conferiram uma feição única ao território de Goa, amalgamando as culturas orientei e ocidental, fazendo desta terra uma janela do Oriente aberta sobre o Ocidente». E continua: «Ensinam-nos os Vedas: Let noble thoughts from all over the world flow unto us. Se alguma terra tem aceite essa mensagem, essa é a terra de Goa.» E, em outro passo, a propósito das festas que ali se realizam durante todo o uno e nas quais participam livremente gentes de diferentes comunidades, o Ministro explica que tal só é possível pela «distinção que este território adquiriu».
E depois de se referir à beleza da paisagem, põe em relevo alguns monumentos históricos como «os antigas igrejas de Velha Goa, os templos de Pondá ou as fortalezas de Aguada, Chaporá ou Tiracol». Referia-se o Ministro à Sé Catedral, concebida pelo próprio Afonso de Albuquerque e elevada a Sé Arquiepiscopal metropolitana por bula de 1557, a Basílica do Bom Jesus, onde se encontra o túmulo de S. Francisco Xavier, centro de fé e de peregrinações, aos outros conventos de Velha Goa, à fortaleza de Diu, etc.
E todos estes monumentos, para além do seu valor na história pátria, revestem-se do mais profundo significado na história universal, como testemunhos eloquentes da contribuição positiva de Portugal em prol da civilização.
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E o mencionado Ministro regista e realça, no seu artigo, este pormenor bem expressivo: o do arranjo das cidades e povoações dos territórios portugueses. Os termos em que o faz suo bem elucidativos: «até nas pequenas aldeias se encontram fileiras do casas bem tratadas, cercadas de palmeirais, de plantas e de flores e, talvez, um poço ali perto; a sua limpeza é um convite aberto ao visitante para entrar e compartilhar da hospitalidade dos que lá vivem»; e tudo isto em flagrante constraste com outras terras, onde o espectáculo é descrito neste termos: «poeirentas e delapidadas cosas, indiferentemente alinhadas, ruas e estradas amontoadas de lixo e frequentadas do gado à solta e salpicadas de crianças nuas e famintas».
Tais factos falam por si e dispensam qualquer comentário.
Sr. Presidente: não posso deixar de manifestar a V. Exa. o meu reconhecimento por me haver sido dada a oportunidade de evocar, nesta Assembleia, a terra onde nasci e as indeléveis recordações que guardo religiosamente no meu espírito e no meu coração, e com elas as lembranças de todos os portugueses que lá longe buscam alento no passado para enfrentar o futuro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Conceição Pereira: - Sr. Presidente: Em 15 de Junho deste ano, dignou-se o Sr. Professor Doutor Marcelo Caetano passar o dia em ambiente ferroviário.
O Chefe do Governo viajou connosco de Lisboa ao Entroncamento, em comboio especial, e ali visitou demoradamente as oficinas, o moderno Centro de Formação de Pessoal e um bairro residencial pertencente à C. P., tendo assistido a uma brilhante exposição feita pelo presidente do conselho de administração da empresa, em que lhe foi apresentada a situação actual do caminho de ferro em Portugal.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros inteirou-se pormenorizadamente de todos os assuntos e teve a gentileza de almoçar na cantina, em convívio com todo o pessoal, findo o qual conversou demoradamente com os dirigentes sindicais presentes, que lhe expuseram muitos dos anseios dos seus representados.
Aliás, S. Exa. já anteriormente tivera a amabilidade de receber em S. Beato esses mesmos dirigentes corporativos, demonstrando assim o carinho que dispensa a esses trabalhadores.
Por isso quero desta bancada saudar e agradecer no Sr. Prof. Marcelo Caetano, em nome de todos os ferroviários, estes dois dias inesquecíveis e mais uma vez testemunhar a S. Exa. que poda contar em todas as circunstâncias com a gratidão e lealdade de todos os trabalhadores do caminho de ferro.
Aproveito também, Sr. Presidente, para pedir ao Governo que seja concedido aos ferroviários da C. P. um subsídio pelo Natal, dado que esta empresa é uma das únicas, senão a única, que ainda não concede tal regalia aos seus colaboradores.
Parece ser de toda a justiça que tal subsídio seja concedido, pois será mais um acto justo praticado pelo Governo.
Sr. Presidente: Peço também para que, pelos Ministérios das Corporações e das Comunicações, seja conseguido que aos ferroviários da Sociedade Estoril sejam pagas as importâncias a que têm direito, ao abrigo do acordo colectivo de trabalho, e que já foram definidas pelo Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Previdência.
Pois, apesar dessa definição, a Sociedade Estoril continua a protelar o seu pagamento, o que ocasiona já certo cepticismo e mal-estar entre os colaboradores daquela empresa.
Já é tempo de que os pessoas com responsabilidade acatem as determinações do Governo.
Sr. Presidente: Infelizmente nem sempre é possível, como era nosso desejo, proferir palavras de agradecimento, mas creia V. Exa. que as que vou dizer visam somente chamar a atenção das entidades responsáveis para anomalias que só prejudicam o bom nome de uma administração.
Trata-se novamente do Barreiro, a que eu chamaria, se me fosse permitido, a «vila mártir».
No dia 8 do corrente recebi inúmeras chamadas telefónicas pedindo-me que desse uma volta pela vila do Barreiro.
Assim fiz, e creia, Sr. Presidente, que não estou arrependido, porque vivi mais um drama da população da «vila mártir».
Não vou falar, Sr. Presidente, do mau estado das ruas, da falta de limpeza da vila, da falta de arruamentos decentes nos locais de novas construções, dos lugares deste pequeno concelho - sem água, sem luz, sem esgotos -, da construção do já célebre viaduto para eliminar as quatro passagens de nível, do túnel do Lavradio, da desactualização e insuficiência do hospital, da construção do edifício do tribunal.
Também não falarei da estrada do Barreiro a Coina, cujas obras de reparação aqui pedi e nunca mais acabam, ou do estado dos caminhos e estradas municipais, assim como das construções clandestinos, do triste espectáculo - que é do conhecimento das autoridades e que é visível a toda a gente - que são os antros de prostituição nos pinhais junto as estradas, a falta do edifício para o liceu, etc., etc., pois penso fazê-lo mais tarde, quando esta Assembleia não estiver tão sobrecarregada com trabalho.
Hoje falarei somente de dois casos: as inundações e os gases da Companhia União Fabril.
Foram estas as duas calamidades que encontrei na visita que fiz no dia 8.
A passagem das águas das chuvas pelo túnel do Lavradio, as inundações das Ruas do Dr. Pacheco Nobre, D. Manuel I, da Recosta e transversais adjacentes.
Triste espectáculo ver os habitantes destes locais descalços, calças arregaçadas, transportando mulheres e crianças de um lado para o outro, as águas invadindo as casas, os duches que são obrigados a tomar quando os veículos passam, pois projectam as águas misturadas com os dejectos saídos dos sarjetas e câmaras de visita dos colectores.
Este espectáculo não é de hoje nem de ontem, é de muitos anos. E durante todos estes anos ainda não apareceu uma entidade consciente da sua responsabilidade que pusesse cobro a esta anomalia.
Todos os anos o Município é alertado, mas a resposta é sempre a mesma: que não há verbas, foi um erro antigo, a população cresceu rapidamente, ou então os outros é que deviam ter feito, etc., etc.
Eu diria que o que tem existido é comodismo, falta de coragem para enfrentar os problemas, ou então negligência para cumprir o dever do cargo que ocupam, mas nunca falta de verbas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Não compreendo como um Município que está a substituir uma iluminação com poucos anos de instalado, quando porte do concelho ainda não tem luz eléctrica, que contrai um empréstimo de 12 000 contos
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para comprar um colégio edificado numa zona verde de 35 000 m3, alegando que tem de instalar 800 alunos que não cabem no edifício onde funciona o liceu e que a proprietária só o venderia se o negócio fosse concluído num curto prazo de tempo, o que impossibilitava o Ministério da Educação Nacional de o adquirir devido a burocracias, etc., etc.
É de pasmar que só em 17 de Novembro de 1972 se faça este «negócio», quando as aulas deviam ter começado mais de um mês antes.
Houve grave incúria na resolução deste momentoso problema.
O segundo caso, Sr. Presidente, é já do domínio público: trata-se da poluição pelos fumos e gases das fábricas da Companhia União Fabril.
Sempre me lembro e sofro do martírio da população do Barreiro, mas quanto mais dele se fala mais parece aumentar. Este ano passaram pelo hospital centenas de empregados daquela empresa, vitimas de intoxicações mais ou menos graves.
Quando as condições atmosféricas o facilitam, toda a vila aparece submersa numa camada impenetrável de fumos e gases que torna o ar irrespirável e a visibilidade nula.
A imprensa já se referiu ao assunto, já foram publicadas várias entrevistas e até a televisão apresentou um programa de mesa-redonda sobre os gases do Barreiro.
Nada adiantou, a não ser a confirmação de que o caso é grave e nada se fez.
Diz-se agora que uma empresa estrangeira vai tentar resolver o assunto. Oxalá assim suceda e breve, para que a população do Barreiro possa, enfim, viver sem temor pela sua saúde.
E termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este meu desabafo pedindo para que seja feita justiça a esta «vila mártir».
Se nos nossos territórios da Guiné, Angola e Moçambique somos atacados injustamente, mas sabemos com que inimigo contamos, defendemo-nos porque sabemos por quê e para quê, aos verdadeiros inimigos do Barreiro, que embora sabendo quem são e onde estão, não sabemos, porém, quais são os métodos apropriados a utilizar para uma defesa eficaz.
É por isso que apelamos para o Governo, para que os elimine no mais curto prazo de tempo.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Informo a Assembleia de que o projecto de lei subscrito pelo Sr. Deputado Correia da Cunha e outros Srs. Deputados vai ser enviado a Câmara Corporativa para parecer e vai ser publicado no Diário das Sessões.
Vamos passar à
Ordem do dia
Os Srs. Deputados ainda inscritos para usar da palavra no período de natas da ordem do dia poderão usar dela amanhã, se o desejarem.
A primeira parte da ordem do dia tem como tema a apreciação, para os efeitos do disposto no n.° 7 do artigo 91.° da Constituição Política, do Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e de Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa.
Para apresentar o relatório conjunto das Comissões der Negócios Estrangeiros e de Economia, convocadas sobre a matéria, tem a palavra o Sr. Deputado Homem de Mello.
O Sr. Homem de Mello: - Sr. Presidente: De acordo com o que V. Exa. acaba de indicar, vou proceder a leitura do relatório das Comissões. Se V. Exa. tivesse a generosidade, reservar-me-ia a palavra para amanhã, para fazer a minha intervenção pessoal.
Relatório das Comissões de Negócios Estrangeiros e de Economia sobre o Acordo celebrado entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa.
Nos termos do n.° 7.º do artigo 91.º da Constituição Política o Governo submeteu à apreciação da Assembleia Nacional os Acordos firmados em 22 de Julho de 1972, entre Portugal e a Comunidade Económica Europeia, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e os seus Estados Membros.
Ainda de harmonia com os textos constitucionais foi a Câmara Corporativa consultada, havendo emitido o respectivo parecer.
Convocadas pelo Presidente da Assembleia Nacional, a fim de se debruçarem sobre os textos dos Acordos - e demais protocolos e anexos -, as Comissões de Negócios Estrangeiros e de Economia emitem o seguinte relatório:
1. Na perspectiva próxima da revisão dos quadros da cooperação económica entre os países da Europa Ocidental, aberta pela Conferência da Haia, em 1969, e no momento em que a alguns países foi dada a possibilidade de aderir ao Mercado Comum, entendeu o Governo Português que não poderia deixar de tomar posição, perante aqueles desenvolvimentos.
2. Como é geralmente conhecido, vinham já de longe 1 as diligências que o Governo Português desenvolvia para contactos com a C. E. E., segundo as exigências da economia portuguesa.
No novo quadro de circunstâncias atrás referido, é enviado, em Maio de 1970, um memorando português ao Conselho de Ministros da Comunidade Económica Europeia solicitando a abertura de negociações com Portugal.
3. Em Janeiro de 1971 iniciavam-se «conversações exploratórias» entre Portugal e a C. E. E.
4. Em Junho de 1971 o Reino Unido chegava a acordo com o Mercado Comum e, em Outubro do mesmo ano, o Parlamento Britânico aprovava a adesão à C. E. E. Procurando adaptar-se ao novo condicionalismo europeu, a Irlanda e a Dinamarca aderem igualmente ao Mercado Comum, que passa, assim, a contar com nove membros de pleno direito a partir de l de Janeiro de 1973. Em resultado do referendo, realizado em 26 de Setembro de 1972, a Noruega desiste de participar na C. E. E., ao arrepio da posição que o seu Governo havia tomado.
5. Após minuciosas e complexas negociações, os restantes países da E. F. T. A. não candidatos à adesão (entre os quais Portugal) chegam a acordo com a Comunidade em 22 de Julho de 1972.
6. O acordo de base celebrado com esses países (Áustria, Finlândia - que, nomeadamente, em face
(1) Conta de então Ministério de Estado José G. Carreia de Oliveira para o Presidente do Concelho de Ministros da C. E. E., em 18 de Maio de 1968.
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da pressão soviética, ainda não subscreveu os textos -, Islândia, Suécia, Suíça e Portugal) é análogo para todos. Verifica-se, na realidade, ser praticamente idêntica a maior parte das disposições básicas: âmbito das facilidades de comércio livre admitidas; período transitório normal para desmantelamento de direitos aduaneiros; regras de concorrência; cláusulas de salvaguarda; disposições institucionais; cláusula evolutiva; tratamento imposto pela C. E. E. a determinados produtos industriais por ela considerados «sensíveis», e assim por diante.
7. Não pode, todavia, deixar de ser realçado o facto de, no Acordo com Portugal, algumas importantes disposições haverem consagrado tratamento específico, reconhecendo-se, assim, a peculiaridade da estrutura das exportações portuguesas e a diferença do nosso nível de desenvolvimento económico em relação ao dos membros da Comunidade.
8. Tratando-se de Acordos internacionais já negociados pelas partes contratantes, a única matéria sobre que a Assembleia Nacional pode validamente deliberar é a da sua aprovação ou rejeição na generalidade e em relação ao conjunto das suas disposições. Não se afigura, assim, às Comissões que tenham cabimento, neste caso, a discussão ou debate na especialidade, dos documentos que consubstanciam os Acordos elaborados. E ainda que nada se proponha quanto a aspectos de pormenor, mesmo assim julgam poder aproveitar-se a oportunidade para examinar mais detidamente aqueles aspectos merecedores de particular atenção pelas consequências que deles decorrem sobre a economia do espaço metropolitano e, por via dela, de toda a Nação.
9. A leitura dos textos que constituem o Acordo de Bruxelas logo nos revela a natureza primacialmente económica deste acto internacional. As potencialidades do Acordo admitem, além disso, consequências de largo âmbito, uma vez que no artigo 35.° claramente se estabelece o seguinte: «Quando uma Parte Contratante considere que se reveste de utilidade para o interesse dos duas Partes Contratantes desenvolver as relações estabelecidas pelo Acordo, alargando-os a domínios por ele não abrangidos, apresenta à outra Parte Contratante um pedido fundamentado». Esta «cláusula evolutiva», como é óbvio, só poderá ter seguimento desde que se verifique iniciativa ou acordo de Portugal.
10. Membro da E. F. T. A., agente activo no comércio europeu - através do qual a metrópole realiza mais de metade das suas trocas comerciais -, Portugal não poderia ignorar as modificações introduzidas no mapa económico da Europa em consequência do alargamento do Mercado Comum e dos Acordos que com este se propunham celebrar os demais membros da Associação Europeia de Comércio Livre.
11. Nos países aderentes ao Mercado Comum (Reino Unido, Dinamarca e Irlanda) figura o nosso primeiro cliente. Na falta do Acordo a que chegámos, a Pauta Aduaneira Comum erguer-se-ia a partir de l de Janeiro de 1973 (data do ingresso dos novos membros da C. E. E.), tornando extremamente difícil a entrada dos nossos produtos naqueles países.
12. Acresce, por outro lado, que se nos limitássemos a E. F. T. A. - ou, com mais propriedade, à «mini- E. F. T. A.» - a nossa posição no contexto económico europeu viria gradualmente a perder importância, uma vez que tudo parece indicar que será à volta cia C. E. E. que se processará a aglutinação de uma «Europa económica». E se daqui a alguns anos desejássemos encontrar uma ponte entre Portugal e essa «Europa económica» é provável que as condições fossem bem mais duras do que aquelas em que houvemos de negociar agora.
13. Por isso deve-se pôr em relevo que, não havendo alternativa na defesa do interesse nacional, os acordos revestem as características próprias de «solução inevitável», afeiçoada às peculiaridades da nossa situação económica.
14. Legitimar-se-á, todavia, a interrogação: embora inevitável, não teria sido possível conseguir-se um acordo mais favorável?
Poderá sempre afirmar-se que teria sido possível obter condições mais favoráveis. A verdade, porém, é que o País esteve ao corrente das enormes dificuldades que foi necessário vencer no decorrer das negociações e o Governo procurou esclarecer a opinião pública acerca dos obstáculos que se lhe depararam e dos resultados obtidos.
Neste particular foi bem significativa a comunicação que o Chefe do Governo dirigiu ao País.
15. Atendendo à própria natureza do Tratado de Roma - que, como se sabe, não pretende limitar-se a regular a integração económica dos países signatários - e as dificuldades contratuais que nos são inerentes - recordemos o poderio e a pujança económica dos países com que negociámos, face à modéstia da nossa estrutura industrial-, o Governo foi tão longe e obteve tonto quanto seria viável.
16. Assim:
Teremos conservado, na parte fundamental, as vantagens obtidas no quadro da E. F. T. A.
Teremos obtido o acesso progressivamente livre - e em bom ritmo - dos produtos industriais portugueses ao mercado da maior potência comercial do Mundo.
Teremos alcançado, como já se referiu, facilidades específicas que nenhum outro dos nossos parceiros da E. F. T. A., não aderentes, conseguiu (exceptuando a Islândia, e esta no que toca apenas ao sector piscatório).
Embora o âmbito do Acordo excluísse, em princípio, os produtos agrícolas, foi possível estabelecer-se regime benéfico para os concentrados de tomate, conservas de peixe e vinhos do Porto, da Madeira e moscatel de Setúbal.
Teremos conservado, em relação a Comunidade alargada, o regime geral de protecção às nossas indústrias, resultante do Anexo G da Convenção de Estocolmo.
Teremos assegurado, por um período que vai até 1985, um regime particularmente favorável para uma parte importante das nossas indústrias, em termos gerais, aquelas que carecem de mais especial protecção.
Mantivemos, por mais alguns anos, a possibilidade de protecção da indústria de montagem de veículos automóveis.
Assegurámos, até 1985, o regime de protecção a indústria de refinação de petróleos (decisivo para o sucesso do projecto de Sines).
Finalmente, obtivemos a inclusão no Acordo de uma cláusula de protecção as indústrias novas, cláusula essa que merece realce, uma vez que, no âmbito da E. F. T. A., terminava em 1972 e que, segundo o Acordo estabelecido com a C. E. E., vigorará por um período muito mais longo.
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17. E certo que nos vimos na necessidade de aceitar algumas limitações às exportações de determinadas categorias do têxteis, vestuário, papel e cortiça - os chamados produtos «sensíveis». Trata-se, porém, de eventuais restrições à entrada de produtos no Mercado Comum, que ns autoridades comunitárias ficam habilitadas a impor nos anos em que acaso se verifique excesso de concorrência ou de abastecimento das referidas mercadoria».
Mesmo assim foi-nos possível obter garantias da entrada, nos condições favoráveis do Acordo, ata determinado contingente. Daí por diante, só poderemos exportar para a C. E. E. pagando os direitos de importação sem qualquer benefício. E se temos de enfrentar o desmantelamento da protecção aduaneira para uma gama importante de produtos industriais da C. E. E., o que trará consigo uma forte concorrência das indústrias comunitárias, admitimos como possível (e desejável) que a realidade faça despertai-os empresários portugueses, proporcionando mais acentuado desenvolvimento e a adopção de processos de gestão mais conformes com o ritmo próprio da época em que vivemos.
18. Perguntar-se-á, no entanto: por que não a adesão de Portugal ao Mercado Comum?
19. O Tratado de Roma resultou fundamentalmente do convencimento genérico, gerado e radicado na opinião pública dos países signatários, de que a Europa só poderia responder ao desafio económico lançado pelas duas grandes potências - Estados Unidos e Rússia - se promovesse a criação de um novo e poderoso espaço económico, institucionalmente integrado. Quiçá, um primeiro passo dos signatários do Tratado para a integração política, a concretizar mais tarde.
20. Prima facie, poderíamos, assim, ser levados a concluir que só teríamos vantagem em integrar-nos nesse movimento. A verdade, porém, é que, a ser possível a nossa adesão à C. E. E., dela resultariam, certamente, os mais graves inconvenientes.
21. Independentemente do desnível industrial em relação aos membros da C. E. E. (desnível que, mais cedo ou mais tarde, haveria de provocar a atrofia da nossa incipiente capacidade industrial e o esmagamento da nossa débil posição exportadora, incapazes, por um lado, de nos defendermos da «invasão» industrial europeia e, pelo outro, sem condições de dimensão e tecnologia para penetrar nas áreas já sob controle económico de terceiros), outros e significativos inconvenientes deverão ser apontados.
22. Num ponto de vista essencialmente económico, não poderíamos encarar as nossas relações com a C. E. E. em fórmula mais estreita do que aquela que solicitámos e que nas grandes linhas acabou por ser alcançada.
23. Qualquer país que se torne membro do Mercado Comum terá, desde logo, de adoptar, para as suas relações com terceiros países, a Pauta Exterior Comum. Ora, esta foi estabelecida em função de realidades económicas bem diferenciadas da nossa. Embora da eventual adesão portuguesa pudessem vir a resultar algumas modificações na referida Pauta, nunca seriam de molde - dado o reduzido peso do nosso potencial económico - a satisfazer as exigências principais da economia nacional.
24. Mas a participação portuguesa no Mercado Comum, como membro de pleno direito implicaria muito mais.
25. O Tratado de Roma e o caminho que os países da C. E. E. se propõem seguir ultrapassam sensivelmente os limites da união aduaneira.
Adoptando, além da livre circulação de mercadorias, condições idênticas às dos países da C. E. E. no que se refere à circulação de pessoas e capitais, seríamos forçados a tender para a uniformização de políticas sociais e fiscais não inteiramente adequados às circunstâncias da nossa vida económica.
Não o poderíamos fazer, nem tal nos conviria.
26. Perguntar-se-á ainda: mas se estamos há longos anos na E. F. T. A, como membros de pleno direito por que não haveríamos de adoptar, em relação ao Mercado Comum, a mesma atitude de total participação?
27. A resposta não se augura difícil.
Como se sabe, a E. F. T. A. constitui uma simples zona de comércio livre, que dá a cada um dos seus membros a possibilidade de conservar e adoptar a política económica externa que mais lhe convenha. Portugal nunca encontrou, na sua participação na E. F. T. A., dificuldades que o impedissem de prosseguir a sua própria política económica.
Tal não seria o caso na C. E. E., em que, independentemente de termos de adoptar uma pauta aduaneira, porventura não afeiçoada às nossas condições específicas, haveríamos de nos ver coagidos à aplicação, nos mais variados campos, de regras de política económica, monetária, fiscal e social, para os quais não estamos preparados.
O Mercado Comum revela-se mais ambicioso, não ao contentando com a simples livre circulação de mercadorias: abarca todos os aspectos da vida económica dos seus membros, aos quais determina normas de conduta que não podem deixar de ser adoptadas, sob pena de fracassar todo o sistema. Uma adesão ao Mercado Comum não acarretaria a possibilidade de nos serem concedidos os tratamentos de excepção que acabámos de alcançar através do Acordo celebrado em Julho do corrente ano.
28. Também no que respeita ao ultramar teremos de concluir que o Acordo consagra fórmulas inteiramente satisfatórias. Como bem acentuou o Ministro dos Negócios Estrangeiros na comunicação proferida em 28 de Julho último, o regime e as regras que pautam tis relações entre a metrópole e o ultramar em nada serão afectados. E os interesses específicos da economia das províncias ultramarinas encontram-se devidamente acautelados, designadamente através da sua participação no esquema de transferências generalizadas das comunidades.
29. Não parece, assim, que haja quaisquer razões para alimentar o dilema («falso dilema» na feliz expressão do Presidente do Conselho) constituído pela opção, em determinado momento suscitada por «europeus» e «ultramarinos», segundo a qual deveríamos integrar-nos na Europa, voltando as costas ao ultramar, ou deveríamos esquecer a nossa qualidade de europeus, levando apenas em conta a realidade ultramarina. O rodar do tempo terá feito compreender, a uns e outros, como não eram razoáveis as posições que haviam assumido: somos Europa, mas não só Europa.
30. Por outro lado, as dúvidas suscitadas pela eventual conclusão da unidade política europeia já não se justificam relativamente à instauração de uma efectiva cooperação económica. Conforme ficou largamente explanado, percorreu-se, neste capítulo, um
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longo e penoso caminho, porventura irreversível. Ignorá-lo seria atitude irresponsável.
31. Bem andou, assim, o Governo Português ao promover as negociações com a C. E. E., de que resultaram os Acordos de 22 de Julho deste ano, Acordos que consideramos vantajosos para Portugal, nas difíceis condições em que tiveram de ser negociados.
Nestes termos as comissões recomendam ao plenário que aprove a seguinte resolução:
A Assembleia Nacional, tendo apreciado o Acordo entre os Estudos Membros da Comunidade Europeia do Carvão o do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e o Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa, reconhecendo o esforço desenvolvido pelo Governo na defesa dos interesses do País, convicta de que as consequências do Acordo de Portugal com o Mercado Comum hão-de revelar-se benéficas para o desenvolvimento económico português, segura de que, nas presentes circunstâncias, não teria sido viável alcançar melhores resultados, aprova os Acordos submetidos a sua apreciação.
O Sr. Franco Nogueira: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Para ser coerente e fundamentar as minhas palavras poderei ser muito breve, e bastará que me socorra de algumas frases que nesta Casa pronunciei sobre o problema que hoje nos ocupa. Julgo que, na altura, fui claro, e tanto que não encontrei agora maneira melhor, da que então usei, para dizer o que pretendo.
Falando nesta Câmara em 7 de Abril de 1970, disse textualmente:
As demais realidades - isto é, as realidades fora da Nação Portuguesa - existem para além de nós e não podemos nem devemos ignorá-las, nem esquecê-las, nem substimá-las.
Acrescentei na altura que deveríamos ter essas realidades em consideração para nos defendermos das mesmas, ou para as aproveitar, ou para com elas colaborarmos. E mais adiante, vinquei textualmente:
Não temos de ser europeus ou antieuropeus: temos de pensar em termos portugueses acima e além de tudo, e só dessa base temos de partir para ver o que nos convém.
Mais a frente sublinhei, e de novo textualmente:
Estudemos o problema com serenidade, façamos os nossas contas, negociemos com a Europa.
E ainda disse:
Quero aplaudir a forma como foi criada pela Presidência do Conselho, e para funcionar sob a orientação do Sr. Ministro das Finanças e da Economia, uma comissão destinada a estabelecer contactos e eventualmente negociar com o Merendo Comum.
E terminei:
Por isso, e muito bem, a comissão está incumbida pelo Chefe do Governo de estudar as formas de participação nos arranjos europeus e de averiguar, entre as múltiplas formas possíveis, aquela que mais convenha aos interesses nacionais permanentes.
Transcrevi estas palavras, Sr. Presidente, do n.° 80 do Diário das Sessões, de 8 de Abril de 1970, e de certo não o fiz para me citar, mas para com tais palavras definir uma posição a tomar perante os Acordos que nos são submetidos. E direi: o processo foi agora concluso, de harmonia com as nossas conveniências e com as condições próprias da economia portuguesa.
Os Acordos constituem, sem dúvida, o resultado de muita ponderação e de muito esforço por parte do Governo e por parte dos seus negociadores, que foram, na única forma viável para Portugal, até onde poderiam ir na obtenção de benefícios para o País e na protecção dos interesses nacionais. Devemos encará-los, portanto, nesta Assembleia, com grande sentido de responsabilidade. E foi nesse espírito que a Comissão dos Negócios Estrangeiros, a que tenho a honra de presidir, os examinou e os analisou. Por intermédio do seu relator, a Comissão elaborou o seu parecer, que acaba de ser lido à Assembleia, e este foi unanimemente aprovado e votado.
Poderei acrescentar que em reunião conjunta com a Comissão de Economia o mesmo resultado se obteve; mas deste ponto se ocupará, por certo, o Sr. Deputado Teixeira Pinto.
Nestas circunstâncias, Sr. Presidente, apenas me resta acrescentar que por mim tomarei neste Plenário, em face dos Acordos, a mesma posição favorável que tomei nas Comissões, e que decorre de quanto acima disse. E concluirei por recomendar à Assembleia, em nome da Comissão dos Negócios Estrangeiros, a adopção da proposta de resolução que já é do conhecimento dos Srs. Deputados.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabei de ouvir ler o relatório das nossas Comissões de Negócios Estrangeiras e de Economia, relatado pelo nosso ilustre colega Sr. Deputado Homem de Melo, e não queria deixar de dizer que rendo a minha homenagem ao trabalho executado porque, tal como todos os restantes trabalhos das nossas comissões são sempre da maior relevância, este não destoou de nenhuma maneira de todos os outros. Aquilo que vou dizer, porque necessariamente o tinha preparado antes de ouvir a leitura do parecer, afigura-se-me que não destoa do que nele está escrito, com o qual concordo inteiramente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção nesta matéria tem por fim dar aprovação aos acordos firmados com a C. E. E. e a C. E. C. A., pois a sua apreciação só poderá ser para dizer sim ou não, sem admitir alterações; será portanto breve e tem apenas dois objectivos principais.
O primeiro, elogiar como merece o notável e exaustivo parecer da Câmara Corporativa, que a meu ver e pela própria natureza do assunto não deixa oportunidades para dizer coisas novas, com especial saudação para o seu ilustre relator, que nele demonstra os seus vastos conhecimentos, aliados a uma clareza de exposição que o tornam digno de todos os encómios, e também assinalar as sensatas recomendações que nele são feitas. Delas destaco uma que vem ao encontro de posições que tenho tomado, a última já nesta sessão legislativa, sobre os perigos de uma burocracia entorpecedora que nos tem prejudicado frequentemente e poderá, a não se encararem os negócios públicos de forma mais expedita, evite que se recolham os benefícios que devem resultar dos acordos, se todos, Estado, corporações e particulares, não fizerem um grande esforço porá aproveitar efectivamente estes anos de tréguas de que usufruiremos, para reorganizar ou
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lançar indústrias que possam sobreviver e até expandir-se, quando o desarmamento aduaneiro for um facto.
Fora pois com a burocracia mal interpretada e intencional ... e pugnemos para que o Governo seja o acicate supletivo ou mesmo iniciador activo daquelas indústrias a que a metrópole pode abalançar-se com ia quase certeza de êxitos prováveis.
À adesão da ires países da E. F. T. A. ao Mercado Comum, nomeadamente da Inglaterra, pela posição relevante que este país liem no nosso comércio de exportação, não permitia outra opção. O caminho só podão ser o que o Governo seguiu. E justo e correcto reconhecê-lo.
O Comité Misto previsto no artigo 32.º do Acordo que tem de se, do nosso Indo, constituído por homens inteligentes e negociadores hábeis, da categoria dos que negociaram os Acordos, a quem aqui rendo a minha sincera homenagem, tem um' importantíssimo papel n desempenhar na medida em que poderá, melhorar certos aspectos que não nos foram tão favoráveis como desejávamos, mas que ainda silo susceptíveis de ajustamentos capazes de adoçar certas cláusulas, especificando, por exemplo, pela importância que representa para a nossa debilitada lavoura, a questão dos vinhos de mesa.
Mas não se fique convencido de que escolhendo dos nossos melhores valores para o Comité Misto resolvemos todos os problemas. Não, de forma alguma. É indispensável que os serviços afins as múltiplos assuntos que os Acordos contemplam se organizem para lhes dar seguimento rápido e soluções adequadas.
Mais uma imperiosa necessidade para a revisão das condições de prestação de serviço do funcionalismo público a que se refere o artigo 22.º da Lei de Meios para 1973, que temos em apreciação, e também para a promulgação da tão falada reforma administrativa.
Outro ponto que não quem deixar passar em julgado, sobretudo pelas condições anormais que enfrentamos, é relativo aos artigos 24.º e 17.º, respectivamente dos Acordos com a C. E. E. e a C. E. O. A. Dão-nos plena liberdade de acção relativamente a segurança, produção, comércio e investigação de armas, munições ou material de guerra para fins de defesa.
Suponho que a cláusula é geral e não atende, portanto, apenas ao caso português, mas que ao menos nos acorde da letargia em que temos vivido e seja um incentivo para criarmos uma poderosa indústria de material de guerra, integrando o que existe e completando-a com o que for necessário, incluindo apoio externo. Depois há tanto dinheiro disponível neste país, nas mãos de particulares, para investir em negócios rendosos como se tem visto, que não haverá dúvidas sobre a afluência de capital as emissões não especulativas, porventura necessários, em empresas de economista -, em que o Estado é a mais substancial garantia. Não desejaria ser impertinente, mas constrangia-me deixar em silêncio este problema nacional, dada a oportunidade de nele poder falar de novo. E talvez algum dia se faça justiça à minha inglória luta, que tem sido, aliás, algo mais do que as palavras aqui proferidas, mas isso não vem para o caso.
Sei que para a Câmara já se trata de prato requentado, mas para mim, que vejo a questão com olhos de militar, a coisa assume a mais alta prioridade e não menor gravidade.
Desejo ainda deixar mais um rápido apontamento, até porque não seria curial, dado que a Câmara Corporativa, como disse, esgotou praticamente o assunto, ir repetir o que está escrito por quem tem cabeça, tronco e membros.
O acordo comercial que firmámos com a C. E. E., que era a única forma de ligação, que nesta altura nos servia, das três possíveis adesão, associação ou acordo deixa-nos total liberdade para continuarmos, ou melhor, acelerar a integração económica das parcelas que constituem a Noção, além de nos permitir estreitar livremente relações comerciais com es países com que temos especiais afinidades, como o Brasil e a Espanha: nada mós impede igualmente de activar ou iniciar trocas comerciais com outros territórios, e «gora, penso particularmente nos países do Leste - veja-se a actuação inteligente e positiva da Espanha neste campo.
Creio que atingimos um momento artigo em matéria de expansão económica nacional e que não poderemos tergiversar ou cometer erros por incompreensões ou pressões de qualquer natureza ou de quaisquer grupos que possam ter consequências negativas para o futuro progressivo da Nação.
Compete-nos, compete ao Governo, e nesse sentido creio que toda a Câmara lhe doira o necessário apoio, organizar a manobra para a frente e acelerar o andamento, torneando, se não pulverizando, todos os escolhos que, nos caminhos a brilhar, possam surgir.
Proclama-se correntemente o Estado Social que, aliás, não deixa de ser o espírito que informa a Constituição Política da República Portuguesa, e por isso não há que hesitar em adoptar as decisões, porventura duras, que os interesses da Nação imponham.
O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Submeteu o Governo à Assembleia Nacional os Acordos celebrados entre Portugal e a Comunidade Económica Europeia em 22 de Julho de 1072, nos termos do n.º 7 do artigo 91.º da Constituição Política. Precedidos de consulta à Câmara, Corporativa, foram os Acordos apreciados e minuciosamente estudados em todos as suas implicâncias pela Comissão dos Negócios Estrangeiros e depois em reunião conjunta desta e da Comissão de Economia.
Tendo participado nestas reuniões, tive ocasião de me inteirar de tudo quanto foi merecedor de atenção, muito especialmente da sua incidência no todo português.
Deixarei, porém, que outros Srs. Deputados apreciem os aspectos político-económicos mais salientes dos Acordos puem me confinar tão-só às suas implicações no espaço económico português, forcando pelo continente e ilhas, estados e províncias ultramarinas, curando mais precisamente de analisar se, quanto ao ultramar, resultam ou resultaram posições desvantajosas.
Aliás, não se trata de problema novo, pois mais não é que o reeditar das mesmas interrogativas e equações que já se haviam situado aquando dia participação (portuguesa na E. F. T. A., com a única diferença da maior dimensão do conjunto económico-político de agora, o que empresta, pois, maior dimensão também à problemática.
E claro que, visto superficialmente, poderá dizer-se do problema, como o faria Monsieur de
La Palisse: o ultramar não perdeu porque também nada anteriormente ganhara. Mas não é, pode, por aí que se irá a parte alguma. O cerne da problemática residirá, quanto a mim, e uma vez que estes Acordos assentam no estabelecimento de um regime aduaneiro preferencial, em saber se a produção ultramarina pode ou não vir a ser afectada por tais Acordos.
Esta interrogativa poderá desdobrar-se e procurai- responder-se pela análise, principalmente de quatro proposições:
1.º As barreiras aduaneiras que permanecem nos países da C. E. E. para os exportações ultramarinas são elevadas?
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2.º Haverá possibilidade de obter a sua redução?
3.º Haverá outros mercados passíveis de expansão e que possam compensar uma eventual estagnação das exportações ultramarinas?
4.º Mas haverá e por aqui se deveria até começar acumulação de stocks por carência de mercados?
Pois, por facilidade de raciocínio e comodidade de exposição, dir-se-á quanto à última interrogativa que, exceptuando o café, onde vigora um regime específico de quotas, o que implica logo congelamento dos excedentes, não se têm verificado no ultramar a constituição de stocks de outros produções importantes, a não ser esporadicamente e em casos de desinteresse generalizado da procura, ou de baixa de preces assimilável, como sucedeu por exemplo há longos anos (1958, salvo erro) com a farinha de peixe, cumprindo-me recordar que até originou uma não muito feliz intervenção ao nível Governo-Geral de Angola, ainda hoje latente, e carecido de resolução final.
Mas quando assim se apresentam instáveis os mercados, ninguém ignora o mundo de dificuldades que tem de enfrentar n produção e não só os que estão a margem dos acordos internacionais de livre comércio. E, então uma problemática que se terá de enfrentar e procurar resolver consoante os termos em que as coisas se apresentem.
Por outro lado, nas prospecções feitas em mercados exóticos, depararam-se com capacidades de aquisição de produtos ultramarinos, que ainda não foram sequer suficientemente estudados quanto mais explorados. Anote-se ainda, a título de exemplo, a, acentuada procura de produtos ultramarinos pelos países do Extremo Oriente, com relevo para o Japão e para o Leste europeu.
Além disso, e mesmo ao âmbito nacional, começa finalmente de esboçar-se e a ganhar forma, por um lado, uma política de fomento de produtos de interesse recíproco, e, por outro, um assinalável aumento da compras pela metrópole de produtos ultramarinos. E em muitos casos se as compras não acompanham a procura, é porque a oferta está ainda aquém da exigência dos mercados.
Casos há, até, de se colocarem nos mercados metropolitanos produtos por carência de produção ultramarina. Não será abe deslocado pôr aqui uma nota de saliência para a necessidade de fomentar no ultramar, cada vez mais, a produção de oleaginosas, especialmente o amendoim, o girassol, etc.
É de cristalina evidência, porém, que este aparente mundo de facilidades não é generalizável a toda a produção, pois quanto a matérias-primas e a produtos agrícolas alimentares, a procura tende a superar a oferta e, portanto, se torna por aí a vida fácil, já forte competência existe entre outros produtos agrícolas e a generalidade dos produtos industriais.
Estuo no primeiro coso o petróleo e a generalidade dos minérios, desde que se apresentem em boas condições de exploração, e produtos como os já mencionados, correspondendo a dificulta metropolitanos. Para estes bens, é evidente que qualquer que seja o regime preferencial existente para certos produtores, todos terão oportunidade de vender, em condições mais ou menos satisfatórias, consoante a menor ou maior posição de domínio dos países consumidores nos mercados. Não são eles, portanto, que levarão a considerar desvantajosa a posição ultramarina; todavia, já têm hoje relevância- na economia de exportação das províncias.
Mas também relativamente aos outros produtos é possível encontrar facilidades de colocação fora do quadro de um acordo com o Mercado Comum e ainda para além dos que se situam no alargamento do mercado metropolitano e na conquista de mercados novos. Quero referir-me, especialmente, às implicações do chamado «regime generalizado de preferências» concedido pelo C. E. E. aos territórios subdesenvolvidos e que, aliás, o ultramar poderá ver também ser-lhe aplicado por países desenvolvidos não membros da C. E. E., tais como o Japão, a Austrália- e a Nova Zelândia, a Suíça, a Áustria, efac. Ora, por este regime, aplicável essencialmente a produtos agrícolas transformados e a produtos industriais (com exclusão de alguns produtos base de especial interesse para a economia dias Comunidades Europeias), a região estabelecida é a da isenção de direitos (produtos manufacturados) ou a sua redução (produtos agrícolas), sem prejuízo da manutenção de alguns contingentes ou de certos encargos não pautais. Salvo no caso de Macau, em que, data a sua condição de ponto franco, as preferências poderão ter limitações, o ultramar beneficiai-a de apreciáveis vantagens com a aplicação deste regime, sobretudo na medida em que as preferências oferecidas pela C. E. E. "se estendem a sectores industriais já hoje instalados e com boas possibilidades de desenvolvimento, tais como: pasta para papel, madeira em obra, cordoaria de sisal, sumos de frutos e legumes, etc.
Se não estuo incluídos nas preferências os principais produtos «agrícolas» da exportação ultramarina, o facto é que alguns deles já se encontram isentos de direitos de importação na Comunidade Europeia. E aqui entramos na primeira questão.
Com efeito, estão isentos pela Pauta exterior comum a mandioca, a copra, o coconote, a madeira em bruto, o sisal, os bagaços de oleaginosas, mas encontram-se sujeitos a direitos os óleos vegetais, o café, o chá (embora suspensa a cobrança respectiva), o cacau e o tabaco, que representam para o ultramar avultada percentagem das suas vendas para a C. E. E. Pode-se afirmar, contudo, que as taxas que incidem, sobre estes produtos não serão das mais pesadas (4 a 20 por cento, aproximadamente) e que, mesmo sem considerar novas produções industriais ultramarinas que podem ter acesso ao Mercado Comum em condições realizadas pelo sistema de preferências a que imites se aludiu, não andará longe de 100 por cento a exportação ultramarina (excluindo Macau) de produtos industriais que ficarão livres de direitos na C. E. E. e será de cerca de dois terços a exportação de produtos «agrícolas» nestas condições.
Que o ultramar português não tem perdido posição nas importações do Mercado Comum, perante os países associados a C. E. E. e os outros países da África tropical, dizem-no, aliás, os taxas médias anuais de crescimento, na década de 60, das importações naquele Mercado (excluindo os seus novos membros) dos três grupos de territórios: 9 por cento no caso português e 6 por cento e 5 por cento nos outros dois casos, respectivamente. Também para os países da E. T. A. foi maior o dinamismo dos exportações do ultramar português, que cresceram, no mesmo período, a uma taxa mais do que dupla da observada nas exportações da África ao Sul do Sara (excluindo a África do Sul): 13 por cento contra 6 por cento, aproximadamente. E saliente-se que estes resultados foram possíveis sem sequer se aplicar às nossas exportações ultramarinas o referido regime das preferências generalizadas!
Sob o ponto de vista dia assistência técnica, paia além do campo dos investimentos directos e dos financiamentos puros consentidos, não faltará aos países desenvolvidos, participantes ou não no Mercado Comum, meios e instituições para o fazerem. Basta referir, a titulo de exemplo, o Banco Mundial e ais instituições filiadas, nomeadamente
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a Sociedade Financeira Internacional e a Associação Internacional pana o Desenvolvimento.
Ainda que pudesse associar-se à C. E. E., o ultramar não colheria desta associação os benefícios que se poderá pensar, se confrontado com os países africanos já associados.
A propósito convém referir que os produtos originários dos Estados Membros beneficiam nos países associados de amplas isenções ou reduções pautais ou de taxas de «feito equivalente, e que estes se obrigam, de um modo geral, a não diminui tais vantagens através de restrições quantitativas. É certo que, se salvaguardarem expressamente nos acordos as necessidades do desenvolvimento destes países, pode duvidar-se que aqueles Estados viessem a consentir nas derrogações ao princípio geral (hoje Amplamente permitidas e até defendidas nas relações do ultramar português com a metrópole) que dessem às províncias ultramarinas a possibilidade de se industrializarem e de, progressivamente, competirem com eles em alguns sectores.
O Sr. Ribeira Veloso: - Muito bem!
O Orador: - Quanto á posição relativa do ultramar e da metrópole, não é previsível que se alterem substancialmente as ordens de grandeza das taxas de .crescimento dos territórios europeu e africanos, globalmente favoráveis a estes últimos. Quer isto dizer que, continuar no a reduzir-se distâncias, a atenuar-se diferenças, a nivelar-se situações, como se impõe a luz do conceito da Nação una que defendemos. Aliás, não seria a quebra de ritmo no desenvolvimento do território europeu que alguém se atreveria a defender para aproximar os níveis atingidos pelas diferentes parcelas do País. E se Portugal europeu não participasse na construção dia Europa, ainda que sozinho, era decerto o que viria a acontecer. Nivelados por baixo, nada ganharíamos.
De resto, o princípio da entreajuda só se robustece na medida em que a economia metropolitana alargue os seus mercados e fortaleça as suas posições.
Parecendo indiscutível (e os técnicos não deixaram margem para dúvidas) que a metrópole tinha de enfrentaras realidades da integração económica europeia, parecendo bem claro que o ultramar nada tinha a ganhar em levá-la a uma alternativa extremista, de adesão em bloco ou isolamento, até porque, na conjuntura política actual, não se trataria realmente de uma alternativa; parecendo certo que o ultramar não perderá em ficar & margem do Acordo, desde que os Estados e as províncias (mas não a metrópole, note-se) têm acesso ao regime de preferências a que só não aderiram ainda alguns países desenvolvidos; sendo evidentes as potencialidades de algumas províncias quanto a certas mercadorias cujo principal problema consiste em aumentar a produção (matérias-primas, produtos pecuários, cereais primários e oleaginosas, nomeadamente); sendo também elevadas as possibilidades em mercados ainda insuficientemente explorados, para produtos ultramarinos com tradicional dificuldade de colocação; creio que se não prejudicará a economia do todo nacional se a metrópole continuar a participar directamente na economia europeia, depois do ajustamento de blocos que se operou. Assim, não ficará prejudicada a taxa de expansão a que se vinham projectando para o futuro as economias metropolitana e ultramarinas. Na força da primeira e na pujança das segundas - o aqui é justo que se saliente, pelo seu real vigor, a de Angola assentará o Portugal de amanhã, que os laços de convivência e de cooperação regionais não perturbarão na sua unidade.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O debate desta matéria continuará na sessão de amanhã.
Vamos agora passar à segunda parte da ordem do dia: continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1978. Antes de entrarmos nesta discussão, interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 17 horas o 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Desejo informar VV. Ex.ªs de que, acerca da- proposta de aditamento à proposta de lei de meios que ontem entrou na Mesa, conforme anunciei, julguei conveniente ouvir as Comissões de Finanças e de Economia, convocadas para o estudo da proposta de lei a que essa proposta de aditamento se aplica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Cardoso.
O Sr. Agostinho Cardoso: - A lei de meios, além da sua finalidade directa, tem para a Assembleia outra gama de interesses mais amplos:
Em primeiro lugar, são notáveis os capítulos que sempre a antecedem, resumindo a situação conjuntural da economia internacional e nacional.
Em segundo lugar, o relatório que procede a proposta da lei cuida de informar a Assembleia «dos princípios básicos que orientarão a política económica e financeira do Governo durante o ano, de acordo com a situação conjuntural do País». E acrescento: adentro de perspectivas mais amplos no tempo e nomeadamente quanto aos planos de fomento.
Como alguns outros Deputados, penso que haveria interesse, no futuro, em inserir aqui outros capítulos acerca da política de turismo, desenvolvimento regional, obras públicas, etc., sobretudo para informação da Assembleias quanto a evolução das linhas de orientação dos respectivos sectores. Devo, aliás, acentuar que em outras sessões legislativas já outros sectores estatais figuraram no relatório de lei de medos quando apresentavam inovações dominantes. Apraz-me registar o nível, o equilíbrio e a integralidade da actual proposta de lei, sobretudo do estudo que a precede, e a sua fidelidade as características que acima referi.
Por tudo felicito sinceramente o Sr. Ministro das Finanças e da Economia, cuja camaradagem nesta Câmara recordo com a mais viva solidariedade.
Porque a lei de autorização de receitas e despesas põe a disposição do Governo os meios financeiros para a sua acção multissectorial, refugiar-me-ei durante esta intervenção no comentário e aspectos sectoriais que em minha opinião devem ser considerados e contemplados na actuação do Governo.
Começarei pelo apoio à terceira idade.
Congratulo-me com as palavras da Sr.ª D. Raquel Ribeiro no informar a Assembleia de que no Âmbito do Ministério da Saúde e em relação ao IV Plano de Fomento foram consideradas prioritariamente as medidas de protecção as pessoas idosas e de que se executará um tratamento programado de assistência domiciliária e hospitalar. A cobertura económica na invalidez e na velhice vai chegando aos trabalhadores e pequenos produtores rurais, o que ó índice de preocupação dos Ministérios da Saúde e das Corporações em andar paru a frente neste caminho, o qual espero permitirá um dia atingir-se a pensão nacional da velhice, isto é, garantir-se subsídio na
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terceira idade a todos os cidadãos economicamente deficitários.
Tenho observado com interesse a política do Ministério em enquadrar as providências e benefícios aos idosos nos dispositivos e organismos já existentes, adaptando-os e desenvolvendo-os (é o caso do I. F. A. S., por exemplo).
Aceito esta política por menos discriminatória do que a criação de um sector especializado e por permitir uma actuação mais prática e mais imediata, esperando que ela venha a demonstrar a sua eficácia.
E, todavia, ainda insuficiente o ritmo u que se processa o apoio à velhice ao longo do Pais, em face da incidência deste problema no nosso tempo e do que se prevê virá a constituir no futuro (1 milhão de velhos em 1980, convém não esquecer). E desta vez não poderá dizer-se que em tempo não foi denunciado o seu volume, importância, condicionalismos e características. Data do começo de 1969 o meu pormenorizado aviso prévio sobre a política da velhice e os problemas da terceira idade.
Impressiona-me sobretudo que pouco ou nada se tenha estudado, programado e, ainda menos, executado no aspecto habitacional em que insisti por ocasião do aviso prévio sobre habitação do Sr. Deputado Pinto Machado.
O pequeno apartamento do casal, ou da pessoa idosa, incrustado na residência do filho; os flats para idosos nos grandes edifícios como anexo das residências dos que tenham parentes idosos; andares com departamentos para velhos nos blocos habitacionais da Previdência e outras instituições;
E ainda, para aqueles que não possam viver próximo do ambiente familiar, os grupos de flats de bairro, os habitações colectivas no tipo dos foyer e das maisons de retraite francesas, ou de outras que abundam pela Europa para quem quiser visitá-las e estudá-las.
Nem sequer «e tentaram ainda neste campo experiências piloto, excepto as da Direcção-Geral da Assistência, n quem se lembra a vantagem de encontros e seminários com a presença de professores estrangeiros nos quais se fomente o interesse e a investigação neste sector. Quando se repetem as jornadas da C. P. C. I. S. S. E.? Interessa que o Fundo de Fomento da Habitação estude o problema habitacional das pessoas idosas e na construção encontre apoio na Previdência e outros organismos investidores em bairros sociais.
O Ministério da Habitação inglês no seu Design Bulletin publica estudos arquitectónicos de tipos de flats que podem ser utilizados por entidades privadas. Como longe ainda estamos disto em Portugal!
Também gostaria de ver pelo País fora experiências piloto de idosos e outras coberturas de lazeres, sugestão que se deixa às Obras Sociais da Previdência.
O problema do funcionalismo tem preocupado o Governo e a Assembleia. Penso que a protecção ao funcionalismo deve ir-se equacionando lado a lado com o controle do seu rendimento de trabalho em volume e qualidade, já que o funcionalismo constitui o elemento executor das providências legislativas do Governo.
A insuficiência na actuação do funcionalismo a todos os escalões pode reduzir os resultados da acção governativa - há que salientá-lo.
Independentemente de actualizações esporádicas, necessárias neste momento em relação de subida do custo de vida, adiei sempre mais eficazes os benefícios indirectos do que a subida periódica dos vencimentos, logo abafados em regra pela inflação e por vezes parecendo até dela estimuladores. E cada subida de ordenados - não o esqueçamos - compromete permanentemente centenas e centenas de milhares de contos no orçamento geral do Estado. Os benefícios indirectos como a habitação, a protecção na doença, que tão útil se vai tornando através da A. D. S. E., os abonos de educação e de férias, as cooperativas de consumo e outras modalidades se conveniente e metodicamente generalizadas - suo bem mais vantajosas. De deste estilo a concessão inesperada do 13.º mês que corresponde, no fundo, ao aumento de 8,3 por cento no vencimento anual se persistir no futuro. Mas é de fazer todos os sacrifícios orçamentais para que esta «prenda de Natal» chegue a todos, tarefeiros e funcionários de quadro, de organismos para estatais e administrativos, de modo a ser motivo de alegria para todos e não de descontentamento e contraste para muitos. Porque a A. D. 8. E. existe e funciona bem, parece tornar-se pouco útil que os serviços sociais dos Ministérios - os quais bera necessitavam de coordenação - se dediquem a assistência médica e medicamentosa. Duplicam serviços e bem deveriam dirigir-se a outras modalidades.
Mas ao lado do apoio ao funcionalismo, impõe-se o aceleramento de medidas de reorganização e selecção do pessoal - menos catalogadoras, contínuos e serventes e mais técnicos qualificados.
Reorganização que englobe, para cada sector público', o hábito da programação com objectivos concretos bem definidos, em verbas, em pessoal, em execução e em tempo, para além da rotina necessária, mas que não deve absorver toda a actividade.
Cursos de gestão e aperfeiçoamento a diversos níveis, como .já se faz para a Previdência, mecanização levada tão longe quanto possível; técnicos a que se dê dignidade em remuneração e material de trabalho, mas a qual se peça contas do rendimento das suas tarefas.
O Dr. Guilherme Pereira da Eosa, num digníssimo artigo intitulado «Despedida», ao deixar a direcção de O Século, diz-nos em desabafo:
Acresce que são muito escassos os meios de que as entidades patronais dispõem para manter a produtividade, que carece ser aumentada, quando o que se passa é que, de um modo geral, cada vez se pretende trabalhar menos.
Será isto aplicável ao Estado? Deixo a pergunta no ar .....
Na sequência desta citação, permito-me sugerir ao Governo o estudo da actual situação da imprensa em Portugal como base de providências a tomar. No estrangeiro vemos desaparecer, de vez em quando, periódicos há muito com o nome feito, como recentemente a e, e que naufragam financeiramente. Permito-me chamar a atenção, sobretudo, para a imprensa regional, a das pequenas tiragens, vivendo do voluntariado, sempre cheia de dificuldades económicas e prestando a nível regional grandes serviços à comunidade nacional.
Em certos países é vulgar o apoio directo à imprensa, através de taxas muito reduzidas dos correios, de fornecimento de papel a baixo preço por intermédio de serviços do Estado, de redução de impostos sobre a publicidade, etc. Em Itália vimos recentemente anunciadas providências desse género.
No sector educacional - já que fiz há dias uma intervenção sobre o ensino particular -, limito-me a lembrar a criação da Escola Nacional de Odontologia, já prometida, salvo erro, para este ano pelo respectivo Ministro. Porque já aqui o fiz várias vezes, não pormenorizarei argumentos, mas insisto na necessidade de organização do ensino da odontologia e ma situação precária da assistência dentária no nosso país.
Não me impressiona o pequeno aumento do preço dos bilhetes no metropolitano de Lisboa, diluído na subida de
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custo de vida e de expressão caída vez menor u medida que a rede deste transporte se ampliar.
Esta ampliação, sim, impõe-se em grande velocidade R extensão com carácter altamente prioritário. Quer se queira, quer mão. o aumento dou comboios, a multiplicação das Unhas do metropolitano e G sua extensão até a periferia d« cidade é a única solução base para os problemas de transito na capital, cada vez mais asfixiante. Só era tão' muitos se habituarão, como acontece aos grandes cidades europeias, a deixar o seu automóvel no arrabalde de Lisboa e vir para a baixa de metropolitano. Este problema, ia a dizer que tem importância nacional, porque interessa a todos, lisboetas ou não, que têm de andar pela capital do País.
O imposto dos automóveis tem dado lugar a grande celeuma. Parece-me que o rendimento que se lhe prevê, a agitação que levantou e a dificuldade em, na prática, efectuar uma distribuição justo dos taxas aconselhavam a retirá-lo e substituí-lo por outro. Talvez incidindo sobre a gasolina ou a aquisição de carros novos, sobretudo os de luxo ou de grande cilindragem, e os barcos de recreio, sem interesse desportivo directo.
Será difícil distinguir, numa cobrança justa -, o antigo automóvel de médico, de média cilindragem, com o qual se desloca a lugares distantes na sua vida clínica, ou o grande automóvel do homem que tem muitos filhos, ainda crianças, do dos famílias de gente rica. possuindo quatro ou cinco carros pequenos, trocados amiúde por modelos novos, e com os quais cada membro da família, desde os 18 anos, se motoriza para andar a correr e a divertir-se por essas estradas e ruas das cidades.
Na Lei de Meios salienta-se a prioridade das duas grandes coordenadas: a defesa do ultramar e o desenvolvimento do País. Tem-se verificado, felizmente, que a primeira não está a ser incompatível com o segundo, antes tem plasmado energias, estimulado vontades e actuações. Mas uma coisa é a defesa intransigente do ultramar, guerra que lamentamos e não provocámos, a solidariedade, para ns forças armadas que ali se batem, o prestígio de que as devemos rodear e a necessidade de não agitar problemas que as diminuam, e outra é a administração da guerra, da guerra e das coisas militares, sobretudo das actuações sectoriais que nada têm com a guerra.
Gostaria de ver mais vezes Ministros em reunião com os Deputados, e entre eles o Ministro da Defesa Nacional. À inflação preocupa muita gente do nosso país e, mais do que ninguém, o Governo.
Mas, pior do que tudo, seriam, para tentar debelá-la, medidas precipitadas ou irreversíveis, em face de um mal que ó característico da actual conjuntura internacional. A Inglaterra congelou salários e preços por tempo limitado enquanto prepara medidas que ainda se não conhecem, e a França vai para uma experiência original não isenta de perigos, baseada sobre a baixa substancial dos impostos directos.
O nosso Governo, atento ao fenómeno, tem considerado os dois pólos opostos do problema.
Por um lado seria de travar a excessiva procura e impedir a subida de preços. Mas, por outro lado, para não se estrangular o desenvolvimento económico - elemento tão delicado na fase que o País atravessa - é preciso não desencorajar a expansão da produção e da comercialização dos produtos.
Teoricamente tudo está em dinamizar a produção, e com ela a oferta a ritmo suficiente para acompanhar a procura, fazendo-se as subidas dos salários à custa do aumento da produtividade. E, como dizia alguém há poucos dias, habituarmo-nos a viver dentro de uma taxa de inflação razoável, em que a alta do? preços seja acompanhada da alta da capacidade de compra e do aumento da produtividade.
Mas a realização disto com ponderação e flexibilidade é menos fútil do que enunciá-lo.
Quero apoiar o que se tem dito quanto à necessidade de reestruturar e dar condições de expansão ao Instituto Nacional de Estatística, em ordem a poder-se intensificar e aperfeiçoar a colheita de indicadores e elementos estatísticos, basilares no estudo e previsão dos problemas e soluções.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um dos objectivos do IV Plano de Fomento Nacional é a correcção das distorções no desenvolvimento regional. Ora, uma dos regiões metropolitanas onde. neste momento o problema se pode pôr com agudeza, para equacionar e desencadear soluções, é o arquipélago da Madeira.
Região de dimensões populacionais e territoriais limitados, bem delimitada pela sua insularidade, a pouco mais de uma hora fie avião da capital do País, sobrepovoada mas corroída pela emigração, com impossibilidade de industrialização em larga escala, a orografia dificultando a produção agrícola - a conjuntura sócio-económica do arquipélago da Madeira presta-se e sugere investimentos e consideração por parte do Governo, no sentido da realização acelerada de um plano de desenvolvimento regional.
Os condicionalismos que citei atiraram a Madeira, corajosamente, para a realização da sua histórica vocação turística - já que o turismo foi considerado o «motor do seu desenvolvimento».
Inquieta, todavia, uma crise que se prevê ou já se desenha: o desfasamento entre as actuais infra-estruturas sócio-económicas - sobretudo agro-pecuárias -, educacionais e mesmo de incidência turística, em relação ao actual surto de expansão hoteleira que se desejou e se deseja.
Este desfasamento e qualquer atraso na concretização e realização de um plano de desenvolvimento a curto prazo, já em estudo, arrastaria consigo consequências lamentáveis - pode ser obviado por investimentos directos do Estado, estímulo aos investimentos privados, como se fez no sector turístico, e condução e assistência técnica por parte do mesmo Estado, na concretização pormenorizada e urgente de objectivos, dimensionamento efectivo e execução em tempo do que< se proibira.
Isto, a adicionar a coordenação dos valores locais, onde a Junta Geral coincide com a Comissão de Planeamento e está a realizar um esforço acentuado.
É ainda u atribuição de receitas locais que permitam aumentar os investimentos. Deseja o arquipélago dá Madeira que o imposto sobre transacções, que reflecte o desenvolvimento e o crescimento da região, seja atribuído aos seus corpos administrativos. E que seja dado impulso pelo Ministério das Obras Públicas a algumas das suas infra-estruturas da educação. Estão criados duas escolas de eido preparatório do ensino secundário no Funchal. Mas apenas se definiu ate agora o terreno para uma delas, e está ainda por definir e adquirir o da outra. Foi prevista a necessidade de 600 salas de aula para o ensino primário no estudo feito a esse respeito. Programa-se só 800 para o IV Plano de Fomento, mas interessa, pelo menos, que sejam criadas condições orçamentais para estas, tanto mais que 03 câmaras municipais têm hoje facilitada a sua parte na aquisição dos terrenos.
Longe das Universidades, aspira-se a um estabelecimento de ensino médio superior - Instituto Politécnico -, que a fase de desenvolvimento da Madeira justifica.
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Se a Lei de Meios condiciona a orientação financeira do Governo, tomo a liberdade de chamar-lhe a atenção para este caso sectorial o desenvolvimento regional da Madeira.
E estou a terminar, Sr. Presidente. Mas não quero fazê-lo sem uma palavra de esperança e de fé.
Num mundo cuja panorâmica se complexa e confunde, à medida que se progride, era de esperar que o progresso cio nosso país e o seu desenvolvimento correspondessem ao complexar e avolumar das dimensões dos nossos problemas, nos quais vêm embater as ondas das tempestades internacionais.
E ao debato cada vez mais amplo desses problemas tem de corresponder também, movimento e agitação nu nossa vida comunitária.
Encontro nisto razão maior de esperança e de fé nos destinos da Nação.
E razão maior ainda, para firme apoio ao Presidente do Conselho, à sua obra, ao seu generoso esforço, ao seu testemunho e à sua clarividência.
Começa a entender-se melhor no estrangeiro as razões da nossa posição no ultramar, e entender-se-á melhor ainda quando uma hábil informação « propaganda chegar a toda a porte.
Em contrapartida, os que nos conhecem bem, mas lhes interessa a pulverização dos nossas fertilíssimas províncias ultramarinos,
E um deles refiro e acentuo ao terminar: a valorização da pessoa humana através do ensino a todos os níveis que cresce em toda a parte ao longo do ultramar e que é porventura o nosso maior testemunho ultramarino.
É impressionante o que se continua a fazer na formação de agentes de ensino nos cidades como nos aldeamentos rurais por toda a porte, no ultramar. Nunca esquecerei o que vi e ouvi na Escola Técnica de Por-to Amélia, no extremo norte de Moçambique - dezenas de rapazes e raparigas, alunos do magistério, que concluíam o seu curso para partirem em direcção aos postos de ensino no interior da província. O entusiasmo com que cantavam o Hino Nacional, as suas danças cheias de vivacidade e alegria!
E a fala de um velho professor que há dezenas de anos fora da metrópole, insistindo: «Diga lá, Sr. Deputado, que nos mandem gente, precisamos d«s gente da metrópole aos milhares.»
E eu prometi-lhe que havia de dizê-lo aqui. E que nessa manha cinzenta de África, o professor da Escola de Porto Amélia evocou no meu espírito Tagore gritando no Ocidente: «Tragam-nos almas, tragam-nos almas [...]».
O Sr. Pereira de Magalhães: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apreciar a nova proposta de lei de meios, desejo ocupar-me, mais uma vez, de um ou dois problemas que aí se levantam e muito especialmente interessam a lavoura, até como tributo à filosofia da «água mole em pedra dura ...».
Julgo inteiramente louvável a política agrícola que o Governo nos anuncia na proposta e vem resumida nas varrias alíneas do n.º 2 do seu artigo 18.º, sob a epígrafe «Política económica e social»: projectos de desenvolvimento; esquemas de apoio técnico e financeiro adequado; crédito agrícola e apoio financeiro ajustados à natureza e rentabilidade dos empreendimentos e as suas condições de exploração, são, na realidade, propósitos cuja realização muito irá beneficiar o sector.
Enuncia-se, porém, aí um outro propósito que, se não for entendido em termos convenientes, continuará a criar enormes embaraços ao desenvolvimento da actividade agrária.
Refiro-me «ao reforço dos meios a utilizar pelo Governo no combate à alta dos preços», como se dispõe na alínea c) do artigo 20.º da proposta, com a intenção evidente e, aliás, louvável de contrariar, em benefício do consumidor, as tendências inflacionistas que se verifiquem no mercado interno.
Farei, pois, um breve comentário a esta última disposição, dando as razões do meu entendimento e preocupação, que esta apenas o será - insisto - no que respeita a actividade agrária.
A proposta encara, efectivamente, na alínea c) do seu artigo 20.º o candente e já muito vulgarizado problema da inflação (combate & alta dos preços) que, pelo observado dentro e fora do País, só em relação ao mercado dos produtos agrícolas a muitos parece preocupar, fazendo-se geralmente tábua rosa dós direitos de promoção económica e social de quantos se dedicam ao labor da terra.
Da análise atenta da proposta, nessa parte, não resulta que a tendência altista dos' preços se vá agora fundamentalmente contrariar por meios diferentes dos que vêm sendo usados até aqui: congelamento de preços através das bem conhecidas tabelas, ou a quase sempre desmesurada importação dos produtos, como também é prática corrente.
Ora, eu creio que, tanto quanto possível, se devem evitar na presente conjuntura essas providências em relação aos produtos agrícolas, sob pena de grave injustiça social e de mais ruinoso destino dos respectivas explorações.
Mas vejamos.
É sabido que tanto a inflação - «subida continuada e apreciável do nível geral dos preços» - como o fenómeno oposto (a deflação) derivam, era mercado livre, da lei da oferto e da procura; isto é, exprimem sempre uma natural relação entre o poder de compra e o volume dos produtos ou mercadorias a disposição do consumo.
Não cabendo referir ou analisar aqui exaustivamente as vantagens ou inconvenientes de uma e de outra, nem as vicissitudes do livre funcionamento do sistema, farei contudo salientar que, se o surto inflacionista agrava inicialmente o poder de compra, ele «e toma depois muitas vezes benéfico, designadamente, quando por via dos maiores lucros que a elevação dos preços proporciona leva ao investimento, capuz de aumentar, por sua vez, a produção e, consequentemente -, a maior oferta dos produtos necessária a um salutar (aliás, quase sempre instável) equilíbrio dos mercados, desta vez com manifesto proveito do consumo.
Mas, seja como for, é também do conhecimento comum que a deflação tem igualmente graves inconvenientes, sobretudo quando atinge os custos de produção: suprime ou reduz o investimento empresarial, por carência de lucros que « tanto pudessem encorajar- reduz a produção e, portanto, o 'produto nacional; e até, pelo agravamento continuado da sua situação deficitária, leva directamente à insolvência, ou extinção dos empresas, com as perniciosas consequências daí derivadas.
Por isso se costuma dizer, com toda a propriedade, que a deflação estiola a economia.
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Para orientar e disciplinar a vida económica, obviando às suas perturbações, também sociais e políticas, nascidas da subida ilimitada dos preços, ou da sua queda vertical, com a correlativa incidência no valor da moeda, instituiu-se entre nós o sistema corporativo, permitindo aí a intervenção (embora, mediata) do próprio Estado.
Apesar de tudo, vamos assistindo ainda hoje a uma gradual asfixia de muitas das nossas explorações agrárias.
Se não quisermos soçobrar neste sector, teremos de remover, com a maior urgência e sagacidade, semelhante anomalia, cujas causas principais não será difícil descobrir.
Porventura, na meritória intenção de proteger certas classes economicamente mais débeis e talvez ainda pela falta de meios, inoperância ou menos diligência, em certos casos, de alguns organismos corporativos, verifica-se que a respeito de muitos produtos agrícolas e a pretexto de contrariar as tendências inflacionistas, ou por outros motivos, se bem lançado, mão do quase geral tabelamento de preços.
Embora me pareça que esta prática se não harmoniza com a ortodoxia dos princípios que, na matéria, nos regem, nada aqui objectaria se as tabelas de contenção fossem sempre criteriosamente organizadas.
Todavia - devemos reconhecê-lo -, assim não acontece as mais das vezes, por se limitaram, na origem, os preços dos produtos agrícolas, com manifesto desprezo pelo justo lucro da empresa produtora, e até abaixo dos custos de produção.
Ora, é evidente que desta forma se colocam os explorações agrícolas em situação idêntica à que lhes adviria de uma forte pressão defiacionária (destruidora da sua própria economia), com a diferença de que aí se chega, não pelo normal e livre funcionamento dos mercados, mas forçando, no jogo, um dos seus elementos constitutivos - o preço dos produtos.
Esta imoderada prática gera assim, na verdade - mas agora coercivamente, jus imperii - uma situação conjuntural semelhante, nos seus efeitos, a daquele indesejável fenómeno (deflação), se não ainda mais grave, pela injustiça social que revela ou pode provocar.
Creio não haver nestas palavras sombra de exagero. Repare-se, por exemplo, em que o preço dos cereais é hoje, por força das tabelas (que não pela lei da oferta e da procura), sensivelmente o mesmo de há cerca de um quarto de século, enquanto os salários rurais de então para cá aumentaram, pelo menos, cinco vezes.
Isto sem falar dos fertilizantes, das máquinas, utensílios e outros produtos necessários à lavoura, cujo preço - estranho privilégio - continua sempre em quase ilimitada ascensão.
Devo esclarecer que de modo algum considero excessivo o nível actual dos salários rurais. Quero apenas significar com este elucidativo exemplo que tais circunstâncias, como se tem verificado, tornam impossível a vida da maior parte das nossas explorações agrícolas, às quais, se lhes for ainda aplicada literalmente e sem reservas a alínea c) do artigo 20.° da proposta, na modalidade da contenção de preços ou de importações maciças, nem sequer alguns subsídios adrede concedidos à lavoura poderão decisivamente valer.
Daí, por inviabilidade económica, o irremediável caminho da insolvência. Daí o êxodo das populações rurais, que abandonam as suas terras para irem procurar na indústria, no comércio, e, o que é mais grave, na alarmante emigração, os meios necessários à sua mantença. Daí, pela forçada rarefacção dos produtos no mercado (em economia livre esta circunstância levaria à hiperinflação, ou à chamada inflação galopaste, certamente criadora de novos investimentos no sector), daí - dizia eu- as destemperadas importações de cereais, de carne, lacticínios e outros produtos alimentares essenciais, que afinal a nossa Lavoura poderia fornecer e cujos números bem significativos ainda na última sessão legislativa nos foram revelados pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Trigo Pereira. Daí, também, o abate recente de duzentas e cinquenta cabeças de gado leiteiro, por não ser economicamente viável e respectiva exploração.
Em consequência, veja-se o que agora se passa com o abastecimento de leite vindo de fora, ao que se diz, mais ou menos oxigenado. E para além da perda de preciosas explorações leiteiras, veja-se ainda quanto esse expediente custa agora ao País e ao consumidor.
Se assim continuarmos, sem dúvida que este novo processo deflacionário acabará também por estiolar a já débil economia agrária.
Tem sido, na verdade, bem diferente das outras a forçada situação desta actividade. Estou a pensar em que, na indústria, se aceitam e praticam preços que permitem amortizar em cinco anos o capital investido. E, por via de tão «famosa escandalosa diferença» (assim diria Mello Freire) a constante drenagem para o estrangeiro de preciosas reservas financeiras.
Lembremo-nos de que a nossa balança comercial acusa um déficit anual superior a 20 milhões de contos. Nada menos do que o custo de dez pontes sobre o Tejo. E pior ainda se, para o equilíbrio da balança de pagamentos, algum dia nos faltar o dinheiro dos emigrantes e do turismo, que tão proveitosamente podia ser empregue no fomento nacional.
Ninguém, assim, poderá esperar o «regresso à terra» das populações rurais que a tenham já abandonado. Ninguém deverá supor que a lavoura continue a atrair, para aí se fixarem, como se deseja e prevê no artigo 19.º da Lei de Meios em vigor, aqueles que do agro ainda não saíram.
Ao agricultor não pode deixar de se reconhecer o direito - mas o efectivo direito - a um digno padrão de vida, isto é, de ascender, como os demais trabalhadores, aos benefícios da civilização.
E isso só se conseguirá pagando-lhe os produtos pelo seu justo valor.
Quero dizer: os preços dos produtos da lavoura, ao contrário dos actualizadíssimos preços industriais, estão muito aquém do que seria razoável para que, na empresa agrícola, cubram os respectivos encargos e permitam lucros socialmente justos.
Por tudo isto, decisão muito delicada e melindrosa será, pois, a de tomar medidas anti-inflacionistas (por meio de importações ou contenção forçada) em relação a produtos cujos preços se situam ainda ao nível de uma artificiosa e anómala pressão deflacionária, imposta coactivamente, nos termos referidos.
Parece-me mesmo ilegítima e contrária aos reais interesses da colectividade essa prática enquanto os preços dos produtos da lavoura não atingirem o nível indispensável a cobertura daqueles lucros e encargos.
Só depois de se alcançar este equilíbrio, em termos de tratamento igual ao dos produtos industriais, será lícito, a meu ver, o combate às tendências altistas (inflação), em todo o caso, objectivo a conseguir, não através dos famigerados tabelamentos, mas pela fiscalização dos lucros dos intervenientes na distribuição, e regular funcionamento da organização corporativa, para tanto criada, que se deseja também fortalecida e livre de todos os elementos, actividades ou organismos espúrios que a entorpeçam ou a possam ainda comprometer.
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Notemos que, para o desempenho das suas funções, podem os organismos corporativos, nos termos da sua própria lei, construir ou adquirir armazéns, celeiros, adegas e outros meios capazes de promover o normal abastecimento e regularização dos mercados.
E se assim não tem sucedido, essa responsabilidade não caberá apenas ao sistema.
Mas, com o intuito de prejudicar a pertinência desta argumentação, tem-se respondido com a rotina ou primarismo de muitas explorações agrícolas, que, assim, elevam os custos de produção, observando-se ainda - e o argumento não deixa de impressionar - que o consumidor não pode estar à mercê de uma estrutura agrária viciosa, que a generalidade dos produtores teimosa e anacrònicamente deseja manter.
Ainda aqui não será o produtor o único ou principal culpado de semelhante situação.
A estrutura actual da lavoura é, na realidade, o que é, e não poderemos razoavelmente esperar que os agricultores tomem, por si só, a iniciativa da sua reforma. Por outro lado, apesar de a Lei de Meios em vigor nos indicar o caminho a seguir, o certo é que pouco ou nada se terá avançado na sua execução.
Prevêem-se, efectivamente, no artigo 119.° desse diploma determinadas medidas a tomar pelo Governo, com o propósito - escreve-se no corpo do artigo - de «criar as condições requeridas pela inserção conveniente do sector agrícola no processo de desenvolvimento da economia nacional . . .».
Na sua alínea c), reconhece-se também a necessidade de «apressar a adaptação das estruturas agrárias de modo a aumentar a produtividade das explorações e promover a desejável fixação de populações agrícolas, designadamente melhorando a dimensão e composição das empresas e desenvolvendo a agricultura de grupo».
Já na minha intervenção de 25 de Junho de 1971 tive o ensejo de pôr em evidência as instantes preocupações que estes passos traduzem. Aí considerei, então, indispensável e urgente:
Que se dimensione e estruture adequadamente a empresa agrícola, isto é, se proceda ao seu imediato condicionamento;
. . . estruturar e promover o prestígio da actividade agrária, considerando-a e tratando-a nos seus vários aspectos, não por forma discriminatória, como vem acontecendo em seu desfavor, mas em pé de igualdade com as demais . . .
Por isso me congratulei com a nova orientação da actual Lei de Meios. E se não fora a modéstia dos meus incipientes recursos parlamentares, até podia conjecturar-se que esse meu trabalho tivesse de algum modo influenciado a sua elaboração.
Penso, efectivamente, que só por esse caminho a actividade agrária, nos termos do citado diploma, poderá vir a inserir-se, racional e proveitosamente, no desenvolvimento económico geral, como actividade válida capaz de viver por si própria.
Mas não bastará deixar melhorar apenas gradualmente a dimensão e composição da empresa até se atingir a pouco e pouco a sua máxima rentabilidade, como poderá concluir-se da redacção daquele preceito. Diferentemente, parece-me indispensável que os departamentos oficiais, pêlos seus técnicos, definam desde já, no rumo deste objectivo, a sua dimensão mínima, com os demais requisitos a que deva obedecer - tarefa que, segundo me informam, embora laboriosa, não seria difícil -, por isso que, sendo a todos os títulos da maior urgência a reforma da nossa organização (ou desorganização) agrária, o Estado, ao alcance da máxima produtividade, com o mais baixo custo de produção, tem, em todos os sectores nos termos, do artigo 31.º da Constituição, o inalienável «direito» e a estrita «obrigação» de coordenar e regular superiormente a vida económica e social, com os objectivos também ai previstos.
Não me parece, no entanto, suficiente, para o efeito, procurar apenas desenvolver a «agricultura de grupo», expressão que a lei agora usa para se referir às organizações agrárias plurais, banindo do seu texto a palavra «associativismo» de que vinha poluída.
Por mim, continuo a supor muito duvidoso atingir satisfatoriamente os objectivos em vista, promovendo a agricultura de grupo só com os incentivos até aqui utilizados: o incitamento oficial ou oficioso; as promessas de algum apoio técnico e financeiro e outras vantagens oferecidas.
O nosso produtor é demasiado individualista para que de bom grado e sponte sua se inicie nesse desejável arranjo agrário. Não devíamos esquecer que foi mesmo a reiterada verificação dessa realidade (talvez de carácter irreversível) que inspirou e legitimou o sistema corporativo.
O processo a seguir terá, pois, de ser o que a lei de meios em vigor determina: dimensão, composição, técnica e capacidade administrativa.
E, assim, dimensionada e estruturada a empresa agrícola, em termos convenientes, de harmonia com a diversidade das culturas, condições ecológicas regionais e outras, e se esta for depois a única a merecer o apoio e protecção oficiais, será então de esperar que a generalidade dos agricultores, que não tenham dimensão fundiária própria, sintam, no seu interesse, a imperiosa necessidade e também a vantagem de se agrupar em sociedades agrícolas de qualquer tipo, em direito permitidas, sem exclusão das aliciantes e tão celebradas cooperativas.
Mas será, a meu ver, muito aleatório contar com o prévio aparecimento desses grupos (alias, processo moroso e talvez irrealizável) para dar dimensão à empresa; antes se devendo partir do seu condicionamento, que levaria, em mais curto prazo, à desejada reestruturação agrária, com a constituição de empresas viáveis singulares, ou colectivos, a funcionar com os mais baixos custos de produção, socialmente possíveis, em benefício da colectividade (especialmente do consumidor), pela correlativa incidência no preço dos essenciais produtos alimentares da terra.
Por todo o exposto, penso que o combate à inflação, neste campo, deverá depender, além de outras que se julguem adequadas, das seguintes providências:
a) Condicionamento de empresa agrícola, nos termos referidos e como se prevê na Lei de Meios em vigor;
b) Garantia de preços compensadores à lavoura, criteriosamente estabelecidos pêlos meios que o Governo entenda mais convenientes, e sempre com a justiça que o Estado social para todos reclama, pois assim se conseguirá o total abastecimento e regularização dos mercados com os nossos produtos;
c) Elevação da actividade agrária ao nível de rentabilidade, consentida nas demais actividades económicas, com as quais deve estar em pé de igualdade.
Só depois será lícito o combate, se for caso disso, à perturbadora alta continuada dos preços, que nos termos referidos e pela disposição comentada - alínea c) do artigo 20.º da proposta- se pretende acautelar.
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De resto, sempre seria absurda e mesmo sumamente injusta a congelação de preços já ruinosos ao lodo de outros preços altamente compensadores.
Chamando a esclarecida atenção do Sr. Ministro das finanças e Economia (a quem rendo as melhores homenagens) e também a da sempre solícita O. C. D. E., para todas estas particularidades, e esperando, ainda, que o Governo não deixará de conciliar os direitos e interesses da produção agrícola com os do consumo, por forma razoável ,e justa, aprovo na generalidade a proposta de lei em discussão.
O Sr. Joaquim Macedo: -Antes de ter iniciado a elaboração destes comentários à proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1978, reli a intervenção que fiz para o diploma equivalente do ano passado e verifiquei que poderia repetir muito do que então tinha dito. Confesso que hesitei quanto ao interesse de voltar a repisar aqui temas já conhecidos, mas afinal sempre me convenceu a razão de que a falta de originalidade poderia talvez ser compensada pela maior força da reafirmação.
O problema que domina a cena económica portuguesa continua a ser o forte surto inflacionista, com todo o seu cortejo de pesadas consequências sociais, sobretudo para as camadas economicamente mais débeis da população. Ao referi-lo, o relatório da proposta novamente acentua as deficiências da nossa cobertura estatística, tanto pela insuficiência das informações como pela sua
desactualização, no capítulo do custo de vida, dos padrões de consumo utilizados. Não se pode acatar bem a resolução de qualquer problema sem que não tenha sido previamente medida a sua importância e delimitados os seus contornos, e por isso não entendo que, reconhecida há tanto tempo a nossa deficiência no domínio estatístico, não se tivessem tomado já providências para a remediar.
Mas, mesmo com estatísticas imperfeitas, um facto é certo: a inflação continua e, longe de se esbater, agrava-se. Durante a primeira metade da década de 60 tínhamos mantido ainda a estabilidade de preços anterior, medida em termos, estatísticos por uma taxa de crescimento anual de 2,5 por cento, mas entre 1965 e 1971 já o ritmo aumentou para uma média de 6,7 por cento, uma das mais altas da Europa.
E certo que o fenómeno inflacionista não é exclusivo do nosso país e que, por outro lado, a inflação é; em regra, o preço que se tem de pagar por um aumento do ritmo de crescimento económico. Ambos esses factos não explicam, porém, devidamente o nosso surto inflacionista. Realmente, as estatísticas mostram que esse acréscimo dos preços dos produtos importados tem um peso relativamente pequeno no aumento do índice geral dos preços.
E, pois, nas actividades internas que se gera predominantemente a inflação. Por outro lado, os mais altos acréscimos de preços ocorreram em 1969 e 1971, os quais apresentaram das mais baixas taxas de crescimento do produto interno bruto. Por isso, só muito escassamente poderemos, pois, associar a nossa inflação ao clima inflacionista geral exterior ou a um aceleramento do nosso crescimento económico.
As causas do aumento de preços são com certeza múltiplas, e como em regra se encontram interligadas é certamente difícil concluir com rigor qual delas é verdadeiramente a «ponta do novelo». Aponta-se geralmente como dominante, no caso português, um acréscimo de procura provocado pêlos aumentos salariais, pelas despesas militares, pelas receitas de turismo e, sobretudo, pelas vultosas remessas dos emigrantes, que não teve resposta satisfatória do lodo da oferta. Com a humildade de quem conhece bem as suas limitações nos terrenos da economia, mas se nega, apesar disso, a deixar de ter uma visão crítico pessoal das situações, e sem negar justeza à conclusão, permitia-me, porém, pegar no problema por outra ponta.
A mão-de-obra abundante e barata que tivemos até aos anos 60 permitiu uma estrutura agrícola e industrial caracterizada por uma utilização intensiva de trabalho, com muito fraca produtividade deste factor. A forte corrente emigratória dos últimos anos veio destruir completamente esse precário equilíbrio, indesejável no aspecto social e inconveniente,, pelo baixo poder de compra que originava, no plano económico.
Por isso, penso que a nossa inflação é sobretudo de natureza estrutural: a de uma economia que não soube ou não pôde fazer ainda as transformações necessárias, para através de uma muito maior utilização do factor capital poder conseguir a produtividade da mão-de-obra correspondente aos níveis de salários que tem de praticar actualmente. Daí os acréscimos salariais se terem repercutido no nível dos preços.
As nossas estatísticas apontam claramente que os sectores onde se registaram maiores acréscimos de preços têm sido os produtos agrícolas e a habitação. E certo que as disponibilidades monetárias na posse do público têm crescido pelas razões já apontadas, e isso constitui causa da inflação. Mas pergunto se se poderia esperar, se esses meios fossem mais reduzidos, no domínio de bens essenciais, como são a alimentação e a habitação, uma reacção do público aos aumentos de preços que impedisse a progressão do fenómeno inflacionista.
É possível esperar-se efectivamente resposta aos acréscimos de preços com reduções do consumo, nos casos de produtos menos essenciais, mas não quando se trata de bens de primeira necessidade. Assim, não se me afiguram eficazes no nosso caso as medidas conjunturais clássicas de redução da procura através, por exemplo, da captação pelo Estado de meios de pagamento em poder do público e concordo plenamente com a intenção anunciada no relatório da proposta de não se procurar solucionar desse modo o nosso surto inflacionista.
E, pois, pelo lado do aumento do investimento, sobretudo do que contribui para maior produtividade do trabalho, que se pode encontrar o remédio, mas infelizmente não se vê que tenham surgido medidas suficientes nesse sentido. Assim, no período de 1966-1970 a nossa taxa de investimento foi de 18,6 por cento do produto nacional bruto, segundo estatísticas da O. C. D. E., o que é baixo, quando comparado com níveis europeus. E isto, quer se tomem em confronto países menos desenvolvidos, como a Espanha, a Grécia ou a Turquia, com, respectivamente, 24,8, 27,2 e 25,6 no mesmo período de 1966-1970, ou países mais avançados, como a Suécia, a Suíça ou a Alemanha, com, respectivamente, 24, 27,2 e 25,4. Vale a pena ainda referir o exemplo do Japão, com os seus 36,6 por cento, para concluir que, como na agricultura, também na economia só se colhe na medida do que se semeia.
Haveria, pois, que canalizar para investimento reprodutivo boa parte dos capitais disponíveis, que as estatísticas financeiras, e também os resultados das subscrições de emissão de acções deste amo, mostram ser muito consideráveis. Mas aqui esbarra-se com uma falta de iniciativa privada, já muito reconhecida, mas para o qual ainda não se resolveu encontrar remédio, apesar das repetidas afirmações nas leis de meios anteriores.
E volto novamente à verificação do relatório de que os bens sobre que têm incidido maiores acréscimos de preços são a alimentação e a habitação, os quais, pela sua impor-(...)
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(...) e essencialidade, têm o maior peso nos orçamentos das famílias. Quanto aos produtos alimentares, tem a Administração procurado assegurar a satisfação das necessidades, pelo recurso à importação na parte correspondente ao déficit da produção interna. Assim, no período entre Janeiro e Agosto, dos anos de 1970, 1971 e 1972, os valores foram de 3084, 3757 e 5446 milhares de contos, o que representa 12,9, 14,3 e 16,4 por cento dos totais importados.
Como se vê, estamos portanto perante um movimento de importações regulamente crescente, não só em valor absoluto mas também relativo, o que não pode deixar de causar sérias preocupações. E dentro dos produtos importados salientam-se este ano, pela sua importância, o milho, com 697 000 contos até Agosto, o bacalhau, com 700 000 contos, e a carne de bovino, com 522 000 contos. Este facto levou certo comentador da imprensa a afirmar, com amarga ironia, que «se lembrará melancolicamente que Portugal foi classificado (e até enaltecido) durante longos anos como país essencialmente agrícola e tradicionalmente marinheiro para pagar agora, como duro resgate, as enormes carências de produtos agrícolas e piscatórios que tem de receber de outros países sem tão acarinhadas tradições».
Mas as importações de produtos alimentares não podem ser senão um paliativo para remediar situações a curto prazo. Há que empreender acções de fomento enérgicas para libertar a nossa tão sobrecarregada balança comercial do peso daquilo que podemos e devamos produzir. No sector da agricultura, nada, porém, se poderá fazer de significativo e duradouro sem se atacar a fundo a nossa defeituosa estrutura fundiária.
Todos reconhecemos tratar-se de tarefa de extrema delicadeza e enorme dimensão e, por isso, não se podem esperar legitimamente efeitos senão a longo prazo. Mas o que se tem realizado, e refiro-me apenas à região do Norte, para aumentar a dimensão das explorações agrícolas de molde a torná-las economicamente viáveis, por meio das acções de emparcelamento, agricultura de grupo ou fomentando arrendamentos estáveis, é demasiado tímido para ter tido até agora significado. Não se poderia também acompanhar com uma política fiscal que forçasse a maior rendimento propriedades insuficientemente aproveitadas por proprietários ausentes ou desinteressados através da fixação de rendimentos potenciais realistas? Evidentemente que seria necessário acompanhar estas medidas com esquemas apropriados de apoio financeiro eficiente e barato e premiar com isenções ou reduções fiscais os que adoptassem convenientes esquemas de reconversão e fomento.
No capítulo da habitação também se requerem medidas adequadas de promoção, sobretudo no campo das construções económicas. Das estatísticas da O. C. D. E. se verifica que a nossa posição é, relativamente ao contexto europeu, muito fraca. Assim, enquanto que em 1969 se construíram na vizinha Espanha 8,2 habitações por 1000 habitantes, 14,7 na Grécia, 8,5 na França e 8,2 na Alemanha, construíram-se apenas 4,6 em Portugal. Dos países que figuram no quadro, somente a Turquia apresentava valores inferiores aos nossos, com 8,3 habitações construídas por 1000 habitantes. E temos de atender ainda, no caso português, a que estamos a viver forte movimento de transferência de populações de zonas rurais para zonas urbanas e isso deforma ainda a nosso favor as comparações com países que se encontram em mais avançado estádio de desenvolvimento. O censo de 1970 mostra bem a intensidade dessa transferencia.
É, pois, necessário empreender um grande esforço de fomento e, no capítulo da habitação económica, como a iniciativa privada obviamente não acorre, esse esforço pertence ao Estado e autarquias locais.
Por outro lado, é indispensável fazer uma actualização das técnicas de construção, para acompanhar o aumento do valor da mão-de-obra, muito mais intenso do que se tem feito até agora. Temos assistido a um forte ritmo de crescimento dos custos de construção, em grande parte por esse motivo.
A circunstância de o Estado poder lançar grandes volumes de obra poderia permitir exactamente um grande contributo neste aspecto, pela maior possibilidade de modulação no projecto e de estandardização de elementos e pelo recurso mais generalizado à prefabricação.
Confio em que a recentemente criada Secretaria de Estado do Urbanismo e Habitação venha a exercer forte acção coordenadora das actividades já existentes e dar vigorosa, e tão necessária, aceleração da habitação económica.
E não queria alongar-me mais. Concentrei-me quase exclusivamente na alta dos preços, dada a grande importância que tem assumido, o que não significa que outros problemas não mereçam também a maior atenção.
Um deles é o da situação do funcionalismo público. Promete o Governo para 1973 providências para a melhorar, a que o Sr. Presidente do Conselho se referiu em recente comunicação ao País. Com a subida do custo de vida tornam-se imperiosas melhorias de vencimento que evitem a degradação progressiva da máquina administrativa do Estado a que temos assistido. Mas era absolutamente indispensável uma reforma contínua dos métodos e um repensar das estruturas para dar à administração a produtividade de trabalho e a celeridade de processos exigidas nos tempos em que vivemos.
Não queria terminar sem uma breve referência ao acordo estabelecido com o Mercado Comum, cuja ratificação a Assembleia vai discutir nos próximos dias. É uma nova perspectiva que se abre e que vai, sem sombra de dúvida, influenciar fortemente o nosso futuro. Encaro-a com muita esperança, apenas ensombrada pela dúvida de se saberemos aproveitar devidamente os anos de adaptação, e que não são muitos, que nos restam. É um esforço colectivo que se impõe, mas ele exigirá, antes de tudo, uma informação intensa e completa aos Portugueses, para que a Nação se mobilize conscientemente para a enorme e urgente tarefa que é necessário realizar.
O Sr. Ribeiro Veloso:-Sr. Presidente: Diz-se na introdução à proposta de lei de autorização para 1973 que se está ainda longe da apresentação de um quadro completo da acção governativa projectada para cada ano em matéria de política económica e financeira: E diz-se ainda que se tem afirmado ser necessária a apresentação de um diploma único que contenha as leis de autorização das receitas e despesas e o programa anual da execução do Plano de Fomento, com o enunciado completo das providências a adoptar pelo Governo no próximo ano.
Ora, como o Plano de Fomento foi aprovado pela Assembleia, não seria passível de discussão o programa anual de execução, pois, a dar-se, viria a conduzir à alteração do próprio Plano. Não me parece assim de muito interesse a do programa anual de execução do Plano de Fomento, mas o que me parece que tem verdadeiro interesse é a afirmação categórica de que se vai respeitar a ordem de precedência com os investimentos públicos previstos na parte prioritária do III Plano de Fomento. E, como essa afirmação é feita, parece-me isso o suficiente, mas, naturalmente, o mesmo não aconteceria se não houvesse qualquer plano aprovado pela Assembleia.
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Então, sim, talvez houvesse que trazer aqui o programa de trabalhos para o ano imediato, permitindo à Assembleia manifestar-se sobre as vantagens ou inconvenientes que haveria na execução desse plano.
O Plano de Fomento foi elaborado, discutido e aprovado com o objectivo fundamental de promover a elevação do nível de vida do povo português.
Com a sua execução atingir-se-á, portanto, em princípio, esse objectivo fundamental, mas o Governo, apesar disso, afirma ainda categoricamente que a sua política económica e financeira em 1973, e tal como nos anos anteriores, se subordina, entre o mais, à directriz fundamental de promover a elevação do nível de vida do povo português.
E uma afirmação que muitos poderão considerar talvez desnecessária, mas eu, Deputado eleito pelo círculo de Moçambique, considero que a afirmação, tal como é feita, tem aqui pleno cabimento, pois, efectivamente, a proposta de lei contempla no que é fundamental os 23 000 000 de portugueses que já somos. E contempla na medida em que entre o mais incentiva e apoia o processo de desenvolvimento da economia portuguesa, em que assegura a estabilidade económica interna e a solvabilidade externa da moeda e considera como prioritários os encargos com a defesa nacional e com o auxilio económico e financeiro às províncias ultramarinas, nas suas diferentes modalidades.
E é de aprovar com louvor a preocupação expressa de ter em conta as «exigências que resultem da progressiva integração económico-social dos diversos territórios nacionais e da articulação dos mesmos com os espaços geoeconómicos a que pertençam». E louvo este modo de agir, de governar, porque considero que ele traduz um dos grandes processos de defender a integridade da Nação, pois que permite o desenvolvimento económico de cada parcela do território como parte integrante do «todo português» e, ao mesmo tempo, não impede, e até estimula, que a economia de cada parcela procure, sem se desnacionalizar, beneficiar da situação geográfica que cada parcela possua.
Permito-me citar aqui a seguinte frase proferida pelo Sr. Professor Marcelo Caetano na sua última «conversa em família»:
Moçambique, debruçada sobre o oceano Indico, há-de fatalmente defrontar problemas económicos peculiares quanto ao Oriente o que se não pode fechar os olhos.
Efectivamente, se unicamente se cortassem todos os laços económicos de uma das parcelas com as restantes parcelas da Nação, conduzi-la-íamos, sem dúvida, à sua ligação total aos interesses de um espaço económico diferente daquele em que se situa o interesse nacional. E desse modo, quanto a mim, morreria também a integração social do povo dessa parcela no «todo português», seguindo-se, nesse caminhar, a desintegração nacional.
Pois igualmente se conduziria o País à desintegração se não fosse permitido que a economia de cada parcela fosse como que oxigenada pela economia existente no espaço geográfico em que a mesma se situa; a parcela seria então conduzida à precariedade, não só devido ao afastamento geográfico das restantes parcelas da Nação mas também porque o ser um corpo estranho da região económica em que se situasse lhe não permitiria,, num e noutro caso, um desenvolvimento económico suficiente. E todos sabemos que a precariedade e a miséria são normalmente más conselheiras e conduzem, portanto, a estados de espirito colectivos sempre propícios à revolta e à desintegração.
Todos em Moçambique vivemos com maior ou menor preocupação o problema dos «atrasados», embora a maior parte da população desconheça a sua existência. Sentem-no, porém, todos no dia-a-dia, desde a criança ao mais idoso, desde o mais culto ao mais boçal. Sabemos o esforço que tem sido feito pelo Governo para resolução do assunto, não só mobilizando recursos, que, para execução da 1.ª fase da regularização, atingiram 1500 milhões de escudos, por aumento de capital do Fundo Monetário da Zona do Escudo, e 2000 milhões por colocação de títulos de dívida pública no sistema bancário metropolitano, operações estas em que intervieram, respectivamente, na primeira, a Fazenda Pública e o Banco de Portugal, com 500 milhões cada um, e o Banco de Angola e o Banco Nacional Ultramarino, com 250 milhões cada um, e, na segunda, entre outros, a Caixa Geral de Depósitos, que só por si tomou 1000 milhões de escudos dos mencionados títulos, mas também se tomaram outras medidas atinentes à completa resolução dos «atrasados» e a evitar o seu futuro ressurgimento.
O saldo que em 31 de Outubro próximo passado, relativo aos «atrasados» de Moçambique, aguardava regularização era de 2 848 875 milhares de escudos, respeitantes a ordens de pagamento emitidas até 31 de Outubro de 1970 de valor superior a 20 000$, após a liquidação a metrópole, desde o princípio do ano, de l 716 335 milhares de escudos.
Quando disse que a população de Moçambique sentia dia a dia o problema, fui injusto, porque, na verdade, o problema é sentido é vivido por toda a Nação. Os reflexos dos «atrasados» sentem-se também aqui, embora de um modo muito mais diluído, já que os recursos aqui existentes e que aqui acorrem permitem a população uma vida de menor sacrifício.
Não posso dizer que o processo seguido não traz vantagens para Moçambique, mas as pessoas sentem-se ali quase como um doente que tem de tomar um remédio que lhe desagrada, embora saiba que é esse mesmo remédio que o salva. Não nos falece, contudo, a coragem, salvo talvez aos pusilânimes e aos que com facilidade vendem a alma. Mas como de uns e de outros há muito poucos, a vida decorre normalmente, até porque dia a dia todos se vão sentindo incentivados com a abundância de empreendimentos que agora surgem e saberem que, por todo o Estado, crescem os centros urbanos com as respectivas infra-estruturas que neles permitem uma vida civilizada; e isto, todos o sabem, envolve elevada mobilização de recursos, pois os centros urbanos com mais de 2000 pessoas passaram entre 1960 e 1970 de 16 para 35 e o número dos mesmos centros com mais de 1000 pessoas ultrapassa já, nos três distritos do Norte, a casa dos 500.
A população estava, contudo, habituada a um enorme afluxo de mercadorias e a transferir as suas economias na medida em que o desejasse. O corte destes hábitos não foi total, mas, sim, muito grande; mesmo assim, já obrigou a um reordenamento de muitas situações individuais e a uma maior capitalização local. Surgem, por esta razão, mais empreendimentos e propiciou-se um considerável aumento de produção de tudo o que é essencial à vida e que se deixou de importar; haverá, inclusivamente, talvez, necessidade de alteração de hábitos alimentares tradicionais de parte da população.
Poderá surgir no espírito de VV. Exas., Sr. Presidente e Srs. Deputados, a impressão de que os estabelecimentos e as respectivas montras se encontram sem mercadorias. Até aqui isso ainda não aconteceu e, para completo esclarecimento, direi a VV. Exas. que estive o ano passado na Checoslováquia cerca de vinte dias, dos quais mais de metade em Praga e os restantes num largo (...)
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(...) passeio por aquele país. Pois, comparando a quantidade de mercadorias que se encontram presentemente nos estabelecimentos de Moçambique com as que encontrei o ano passado na Checoslováquia, direi a VV. Exas. que em Moçambique há abundância e que na Checoslováquia a não há. E posso dizer até que se compram cristais da Checoslováquia em Moçambique em quantidade superior ao que é possível comprar naquele país.
Não nos serve naturalmente de regozijo a escassez, a insuficiência dos outros, mas serve de lenitivo o sabermos que a comparação nos é favorável. E, já que casualmente comparei o Estado de Moçambique com a Checoslováquia no sector de mercadorias existentes para venda ao consumidor, também quero dizer, sem com isso, Sr. Presidente, me afastar da matéria da proposta de lei em discussão, que a comparação também nos é favorável quanto à liberdade das respectivas populações, pois enquanto a de Moçambique constitui toda ela uma sociedade livre, na Checoslováquia toda a população está escravizada e como tal se sente.
Não é assim a falta de géneros e das mercadorias reputadas como essenciais que mais preocupa a população de Moçambique; o que de momento mais a preocupa é a elevação do custo de vida, e é esse encarecimento que se faz sentir em toda a população, pois que entre Julho de 1970 a Setembro passado, estimado pelo preço no consumidor em Lourenço Marques, o custo de vida aumentou de 22,4 por cento. É assim o agravamento do custo de vida que para já mais faz sentir a necessidade da resolução do problema dos «atrasados:». Lançou-se Moçambique, com coragem, na batalha de produção, mas até para produzir mais e melhor há necessidade de importar quer máquinas, quer insignificantes, mas indispensáveis, complementos para as produções locais da indústria e cuja fabricação em Moçambique se não justificaria nesta fase.
O sistema que condiciona agora a entrada de mercadorias em Moçambique tem vindo a ser ajustado e aperfeiçoado no curto espaço dos meses da sua existência. Carece ainda de mais ajustamentos, de modo a não provocar atrasos na importação de tudo que for absolutamente indispensável para garantir a produção da indústria local.
O auxílio económico e financeiro às províncias ultramarinas nas suas diferentes modalidades tem interesse fundamental para Moçambique e sem ele, ou se ele for de valor muito limitado, tornar-se-á mais demorada a resolução das dificuldades com que ainda nos debatemos. Certos, porém, estamos de que as dificuldades serão vencidas e os problemas ali existentes serão resolvidos a contento geral, com o governo inteligente e seguro do Sr. Governador-Geral, engenheiro Pimentel dos Santos, a quem daqui presto homenagem, respeitosa.
E esse progresso que constantemente se vai conseguindo deve-se também, sem dúvida, as forças armadas, que garantem a paz e a protecção essencial a quem trabalha, fazendo-o com extraordinário garbo e pundonor, motivo por que lhes presto também sincera homenagem, em especial ao seu ilustre comandante-chefe Sr. General Kaulza de Arriaga.
Na parte que diz respeito á política fiscal, quero referir a proposta feita de estabelecimento anual de um imposto até 5000$ sobre barcos de recreio a motor e sobre veículos automóveis com cilindrada superior a 1350 cm2. Nada tenho a objectar contra o estabelecimento do imposto, mas julgo não ser só a cilindrada que o deve condicionar, parecendo-me que deveria ser extensivo a todas as viaturas ligeiras para o transporte particular de passageiros, além, naturalmente, dos barcos de recreio a motor, aviões de turismo, motos e motoretas.
O Sr. Cunha Araújo: -Muito bem!
O Orador: - Parecer-me-á melhor um imposto com base no custo registado na alfândega, e que iria diminuindo à medida que os anos de serviço das máquinas fosse aumentando.
Tal como nos anos anteriores, consta da proposta de lei a autorização para a cobrança do imposto extraordinário para a defesa e valorização do ultramar, e eu menciono-a aqui para lhe dar expressa aprovação, pois considero essa valorização como de interesse fundamental para a Nação. Muitos dos que vivem no ultramar desconhecem o esforço permanente que aqui na metrópole se realiza em prol da unidade nacional. E surge-me até a ideia de que a Lei de Meios devia ser obrigatoriamente publicada nos jornais diários do ultramar, para a levar ao conhecimento das populações, que, de um modo geral, a julgam somente de interesse para o continente e ilhas adjacentes. Resta-me dizer, Sr. Presidente, antes de terminar as minhas considerações, que dou parecer favorável à proposta de lei de meios para 1973.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Sem surpresa embora, foi com aprazimento que nos foi dado tomar conhecimento, na proposta de lei em discussão, do claro e notavelmente bem elaborado relatório que a antecede, no seguimento de uma sadia tradição a que nos habituamos e a que o Ministro Cotta Dias inteiramente correspondeu, como era de esperar das suas reconhecidas e já comprovadas qualidades de inteligência, que, com honra para todos nós, seus companheiros nesta legislatura, se irão com certeza reanimar compatívelmente na orientação do importante sector das Finanças, que lhe foi confiado e está em condições de bem servir dentro do espírito e da linha de rumo que o tem imposto à consideração nacional.
A manifestação desta certeza e da congratulação sua, derivada pela promissora presença de Cotta Dias a frente do Ministério das Finanças, que um notável passado obriga e responsabiliza de um modo especial, bastariam para justificar a minha ascensão a esta tribuna, o que em mim raro se tem verificado a propósito da lei de meios cujo modo usual de tratamento se não coaduna com o processo que entendo deveria ser adoptado na sua apreciação, quase sempre divagante, à margem da consideração aprofundada de instrumento técnico que fundamentalmente é tão importante, que dele dependerá toda a vida financeira do Estado, cujo orçamento geral será preparado sobre a autorização que dele emanará para a necessária arrecadação de contribuições, impostos e demais rendimentos; para a obtenção de outros recursos indispensáveis a sua administração e para a utilização do produto assim conseguido no pagamento das despesas nele inscritas.
Como se vê, demasiado importante é este diploma para ser tão apressadamente tratado, como geralmente acontece, mercê das precárias condições de tempo de que dispomos.
Mas não irei agora, até porque a propósito já me foi dado referir este meu modo de ver, deter-me sobre este aspecto na apreciação da lei para cuja votação cada um de nós contribuirá como sabe e pode, o que demasiado longe me levaria, e talvez sem vantagens, por manifesta carência de autoridade para contrariar um hábito fortemente arreigado que se tem cultivado no sentido de transformar a lei de meios num «meio» de representar anseios, fazer reivindicações e formular críticas que estão muito longe (...)
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(...) de bem se inserirem nos seus objectivos essenciais, muito menos quando não raro se aproveita o seu articulado para exercitar um certo gosto demagógico.
Não obstante o que fica dito, muito por falta de tempo e bastante porque o assunto não exige delongas, será muito a correr - calamo corrente - que me debruçarei sobre a proposta de lei em discussão, em que considerarei só o seu capitado IV, e neste não em relação a todas as inovações nele incluídas em matéria de política fiscal, tão-somente na contida na alínea g) do artigo 9.°, que pretende criar um imposto anual, que poderá atingir 5000$, sobre barcos de recreio a motor e veículos automóveis com cilindrada superior a 1350 cm2 para transporte particular de passageiros e mistos com lotação superior a dois lugares.
Trata-se dê um imposto novo que, como tal, na opinião abalizada de um jurisconsulto de antanho, «começou por não existir», porém, como nascituro que é, carece de ser, em tempo, cuidadosamente apreciado, quer no que respeita às suas razões motivadoras susceptíveis de discussão, quer no que concerne à justeza da sua repartição pouco pacificamente aceite na forma que se pretende.
No tocante, evidentemente que não vamos apreciar nem discutir as muitas razões que provavelmente justifiquem a iniciativa do Governo de afrontar a simpatia pública com a sua instituição, já que de sobra conhecemos as crescentes necessidades da Administração a que uma nunca demasiado louvada política social impõe um continuado acréscimo de despesas que obrigam a um permanente recurso à matéria colectável que à Nação cumpre fornecer, através do sacrifício dos que parece mais poderem em benefício do todo nacional. Isto sem considerar se será de boa política e até necessário recorrer ao lançamento de impostos ante a possibilidade do recurso a outras, fontes mais copiosas e menos susceptíveis de reparo e contestação.
Mas até aqui nada me cumpre objectar, embora algo me ocorra, contrariamente à Câmara Corporativa, senão quanto à criação do imposto, quanto à sua programada incidência, pois, sobre as razões com que se pretenda justificá-lo importa mais averiguar da justiça da sua distribuição que, tal como se define, está longe de merecer a concordância que seria desejável para não nascer marcado com uma antipatia acrescentada de um mal-estar evidente entre os muitos que mais acertadamente propugnam uma sua equitativa distribuição - face as razões que pretendem legitimá-lo - por todos a quem aproveita «o apoio financeiro à execução de programas e projectos das autarquias locais».
De facto.
Sem curarmos de saber o que no concernente se passa nos países ditos «de igual ou mais avançado estádio de desenvolvimento»; se nesses países, tal como no nosso, já recaem sobre os veículos automóveis as múltiplas e pesadas taxas que os oneram, de importação e de transacção, etc., a sobrecarga derivada do custo dos combustíveis exageradamente caros, no caso de este ser o gasóleo a obrigar já a uma taxa de compensação de 5500$ anuais, mesmo sem curar de averiguar, de um modo geral, a procedência dos fundamentos justificativos da criação do imposto em análise, importa, sobretudo, tomar posição quanto ao modo da sua aplicação e procurar esclarecer simultaneamente como se vai concretizar a promessa de «uma criteriosa fixação das taxas», a fim de serem «atingidas, predominantemente, as situações de carácter sumptuário», e não só, mas também a anunciada «isenção àqueles que, pela sua natureza, são utilizados como elementos indispensáveis à actividade dos seus proprietários».
Isto é importante, sobretudo para aqueles que, como eu, ignoravam a existência entre nós de «Veículos sumptuários» em número bastante para serem constituídos em fonte capaz do imposto desejado, o que me deixou francamente perplexo, até porque, com excepção de muitíssimos dos que justamente se pretendem isentar, grandes ou pequenos, com maior ou menor cilindrada, a gasolina ou a gasóleo, todos os automóveis são hoje utilitários. Menos utilitários, quase um luxo, por mais aberrante que pareça, são os milhentos adquiridos em condições precárias por quem não pode mante-los; para serem utilizados apenas aos domingos, e que demasiado pesam nas débeis possibilidades económicas de muitos agregados familiares, em que o essencial só sacrifica ao supérfluo, com grave transtorno de muitos orçamentos e grave perigo para o trânsito rodoviário, ocasionado por condutores inexperientes ao volante de carros que se não assistem convenientemente ou não beneficiam mesmo de nenhuma assistência. Muitos dos que, ao contrário do que seria lógico, irão afinal beneficiar de uma isenção que está longe de desencorajar o permanente crescimento do parque automóvel, incomportável pelo deficiente estado das nossas vias de comunicação.
Não, não está certo o critério que se pretende adoptar no lançamento do imposto, até porque, com manifesto e injusto gravame na aplicação preconizada, ele iria atingir um grande número de indivíduos que, embora só para digressões dominicais ou por necessidade de maior lotação, no caso de famílias numerosas, adquiriram por um custo mínimo carros em segunda mão de grande cilindrada, justamente os que se vendem por menor preço, e que por este modo iriam ser considerados como de utilização sumptuária, em inaceitável contradição com o espírito e fins que inspiraram a sua aquisição.
Além de que se a receita que o imposto visa se destina ao melhoramento das estradas municipais, a deterioração destas deriva por igual de todos os automóveis, mais até dos que, em maior número, ficariam isentos do imposto e de certos outros cujos preços ultrapassam os 160 000$, com cilindradas inferiores as consideradas para a isenção e cujas altas velocidades provocam um desgaste indiscutivelmente maior nos pavimentos sujeitos ao seu tráfego.
O Sr. Alberto Alarcão: - Muito bem!
O Orador: - Isto sem falar da técnica em voga nos carros dotados com pistões rotativos, que permitem com uma cilindrada mínima atingir potência e velocidades superiores à dos motores tradicionais, como no caso do Mazda e N. S. U.
Nestes termos, aceites em princípio as razões justificativas do lançamento do imposto, sem dúvida que se impõe uma revisão do modo como deve ser distribuído, em meu entender, a distribuir equitativamente por todos, já que, nos nossos dias, como salientado ficou, salvo um caso ou outro, todos os carros terão de ser considerados utilitários . . .
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... Sem consideração pela sua cilindrada, quantas vezes preferida superior, não por luxo, mas, embora pareça paradoxal, por economia, em consequência das maiores garantias que dão de durabilidade e de resistência à dureza do tráfego e às mas condições de muitas estradas implantadas em zonas montanhosas, a exigirem, mais potência para poder ser vencido com menor prejuízo o seu acidentado, o que facilmente poderá ser comprovado pela preferência dispensada aos automó-(...)
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(...) de mais elevado preço pelos industriais alugadores, de que é exemplo a praça de Lisboa, pejada de Mercedes Bens.
Aliás, sem injustificadamente sobrecarregar alguns e isentar a maioria, obter-se-ia uma maior receita para o Estado, que dela se mostra carecido, o que seria possível e mais justo mediante o lançamento do imposto com base no custo dos veículos por meio de uma percentagem a estabelecer, sem deixar de considerar a desvalorização já sofrida pêlos que se encontram em circulação, muitos há vários anos já, e que o princípio da não retroactividade das leis deveria acautelar, insisto, com a adopção de um regime especial quanto àqueles que, por espírito de economia incompatível com a classificação de sumptuosidade, foram adquiridos em segunda ou terceira mão, por indivíduos de poucos recursos e com família numerosa, que assim se decidiram por necessidade e não por preocupações sumptuárias, que os não determinaram.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sou, assim, decididamente contrário ao lançamento do comentado imposto com base na cilindrada, por esta em nada justificar a isenção, não influir no custo do veículo, nem na sua velocidade, nem na sua natureza sumptuária, dado que é manifesto existirem muitos automóveis, com dois lugares apenas, excessivamente caros e com cilindrada inferior à considerada como limite da isenção. Para mais, sendo como é, nos tempos que decorrem, o automóvel elemento indispensável no trabalho, como fazer procedentemente a prova, com vista à isenção, de que este é, de facto, elemento indispensável à actividade dos seus proprietários?
No nosso próprio caso, Srs. Deputados, no dos advogados, médicos, comerciantes, engenheiros, etc., será ou não o automóvel considerado um elemento indispensável às respectivas actividades?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não, não está bem.
Será por isso que, face às reservas quanto ao que exposto fica, não dou o meu voto incondicional à proposta de lei em discussão.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Este debate continuará na sessão de amanhã.
Informo VV. Exas. de que entraram na Mesa uma proposta de resolução acerca dos Acordos com a Comunidade Económica Europeia e uma proposta de alteração à Lei de Meios para 1973; uma e outra vão ser publicadas no Diário das Sessões para conhecimento de VV. Exas. e oportunamente serão apreciadas.
Também peço a atenção de VV. Exas. para o facto de no Diário das Sessões hoje distribuído figurar o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre a prestação de avales pelo Estado.
Com este facto em mente, é-me já possível fixar a ordem do dia para amanhã.
A sessão de amanhã será desdobrada em duas: a primeira sessão será às 10 horas e 45 minutos, tendo como ordem do dia a conclusão da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1978.
O desdobramento para a tarde, à hora regimental, terá como ordem do dia, em primeira parte, a apresentação de reclamações sobre o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre prestação de avales pelo Estado e, em segunda parte, a continuação da apreciação dos Acordos com a Comunidade Económica Europeia. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando David Laima
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Pedro Baessa.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre José Linhares Furtado.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
D. Custódia Lopes.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Lopes da Cruz.
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João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Finto Costa Ramos.
Projecto de lei apresentado na Mesa no decorrer da sessão:
Publicidade do tabaco
1. As autoridades sanitárias e aquelas a quem compete prevenir e sancionar todas as acções poluidoras do ambiente vêm dedicando crescente atenção às consequências perniciosas do uso do tabaco.
Assim, pode ler-se em revista publicada recentemente pela Organização Mundial de Saúde 1:
Nos últimos vinte anos numerosos estudos clínicos e epidemiológicos apoiados em análises laboratoriais mostraram claramente que o hábito de fumar cigarros constitui um tal risco para a saúde que importa encontrar os meios necessários para o combater.
Ficou assente que o uso do cigarro é responsável em larga medida pelo aparecimento de numerosas doenças, entre as quais se salientam as cardiopatias isquémicas, o cancro do pulmão, a bronquite crónica e o enfisema.
Para além destas doenças, que constituem importantes causas de mortalidade, o uso do cigarro está na origem de numerosos casos de incapacidade para o trabalho, resultantes de afecções do coração e das vias respiratórias.
É impossível impor a toda a população regras que permitam reduzir o consumo de cigarros, mas é indispensável fazer o necessário para encorajar os fumadores a renunciar ao seu habito ou, pelo menos, a reduzir o consumo de tabaco, e para desencorajar os jovens de começar a fumar. Com este objectivo é necessário informar devidamente o público sobre os malefícios do tabaco e limitar todas as formas de promoção comercial que encoragem o consumo de cigarros.
2. As legislações de vários Estados têm contemplado este momentoso problema, tentando salvaguardar a correcta informação da opinião pública, e ao mesmo tempo a sua formação, sobretudo através dos currícula de Higiene e Ciências Geográficas e Naturais dos vários graus de ensino, de programas ou notícias difundidos pelos meios de comunicação social, bem como pela restrição da publicidade do tabaco.
Atendendo à instante necessidade de estabelecer as bases gerais do regime jurídico de uma prevenção generalizada, que definam as acções públicas requeridas para a sua prossecução;
Atendendo, ainda à ponderação das medidas que o objectivo acima referido sugere, em função destes condicionalismos relevantes de ordem social, económico e cultural;
Nestes termos temos a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
BASE I
1. A partir de 1 de Janeiro de 1974 será proibida a propaganda na rádio, televisão e cinema de qualquer empresa tabaqueira ou marca de tabaco manufacturado ou picado, independentemente da sua origem.
2. Caem no âmbito da proibição do número anterior os cigarros, cigarrilhas e charutos, bem como todas as demais formas de manufactura de tabaco.
BASE II
A partir da data referida na base anterior será também condicionada, nos termos a definir em portaria do Ministro da Saúde e depois de ouvida a Comissão Nacional do Ambiente, a publicidade do tabaco através de quaisquer outras formas.
BASE III
1. Será proibida, a partir de 1 de Janeiro de 1974, a manufactura ou importação de tabaco para consumo no continente e ilhas adjacentes sem que as respectivas embalagens representem expressa referência de que o seu consumo é perigoso para a saúde, de que o fumo não deve ser inalado e do seu teor em substâncias nocivas.
2. A referência prescrita no número anterior deverá ocupar obrigatoriamente metade de uma das faces mais largas da embalagem, e o seu teor será fixado pelo Ministro da Saúde, de forma análoga à prevista na base II.
3. A proibição referida no n.° 1 desta base não é aplicável ao tabaco manufacturado ou picado para exportação ou para consumo a bordo de navios ou aeronaves.
BASE IV
A fiscalização do cumprimento do disposto nas bases anteriores é da competência da Direcção-Geral de Saúde e da Inspecção-Geral de Finanças, nos termos constantes de regulamento.
BASE V
Serão incluídos nos programas das disciplinas de Higiene e Saúde Física, Ciências Geográfico-Naturais e Ciências Naturais dos vários graus de ensino capítulos referentes às consequências perniciosas do uso do tabaco na saúde individual e pública, bem como as investigações desenvolvidos para o seu rastreio e apreciação.
BASE VI
Será inserida nos programas dos cursos de formação profissional e de higiene do trabalho nas fábricas e outros locais de trabalho expressa referência à informação sobre os perigos do tabaco.
BASE VII
Serão difundidos periodicamente, através dos diversos meios de comunicação social, elementos informativos relativos ao disposto nas bases anteriores, visando dar a máxima difusão ao assunto entre a opinião pública.
BASE VIII
1. A transgressão ao disposto nas bases I e II será punida com multa até 200 000$.
2. A transgressão ao disposto na base III será punida com multa até 500 000$ e com apreensão do tabaco objecto do delito.
BASE IX
As sanções previstas na base anterior serão aplicadas pelo Ministro da Saúde e Assistência uma vez instruído (...)
1 Usage du tabac et santé, C. M. Fletcher & D. Horn, Chronique OMS, vol. 24, n.º 8, pp. 378-379.
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(...) o respectivo processo pelas entidades previstas na base IV e com prévia audiência da Comissão Nacional do Ambiente.
BASE X
Da decisão final do Ministro cabe recurso contencioso nos termos gerais fixados na lei.
BASE XI
É da competência do Ministério da Saúde e Assistência, ouvida a Comissão Nacional do Ambiente e em ligação com os Ministérios respectivos, a coordenação das actividades previstas nas bases V, VI e VII e a formulação de propostas quanto a novas medidas legais e regulamentares a introduzir para resolução eficaz dos efeitos perniciosos do uso do tabaco.
BASE XII
A presente lei entra imediatamente em vigor.
Assembleia Nacional, 6 de Dezembro de 1972.
Os Deputados:
José Gabriel Mendonça Correia Da Cunha
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva
José dos Santos Bessa
Ricardo Horta Júnior
Teodoro de Sousa Pedro
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias
Armando Júlio de Roboredo e Silva
Manuel José Archer Homem de Mello
Augusto Salazar Leite
Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão.
Proposta de resolução
A Assembleia Nacional, tendo apreciado o Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e o Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa; reconhecendo o esforço desenvolvido pelo Governo na defesa dos interesses do País; convicta de que as consequências do Acordo de Portugal com o Mercado Comum hão-de revelar-se benéficas para o desenvolvimento económico português; segura de que, nas presentes circunstâncias, não teria sido viável alcançar melhores resultados, aprova os Acordos submetidos à sua apreciação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 13 de Dezembro de 1972.
Os Deputados:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso
Álvaro Filipe Barreto de Lara
João Ruiz do Almeida Garrett
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva
Manuel José Archer Homem de Mello.
Proposta de substituição
Proponho que a alínea g) do artigo 9.° da proposta de lei de meios para 1973 seja substituída:
g) Estabelecer um imposto anual até 5000$, por escalões correspondentes ao custo inicial, sobre os barcos de recreio a motor, veículos automóveis para transporte particular de passageiros e aviões exclusivamente destinados a sereia utilizados pêlos seus proprietários.
O custo inicial poderá ser revisto por cada três anos de uso.
O imposto será agravado de pelo menos 50 por cento por cada unidade além de duas, sempre que o mesmo proprietário possua, para fins particulares, mais de dois automóveis ou barcos de recreio a motor. O mesmo agravamento de imposto será aplicado aos proprietários de aviões que possuam mais de uma unidade para seu uso exclusivo.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 13 de Dezembro de 1972.
O Deputado, Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Aditamento à proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1973, a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão de ontem:
Pelo Decreto-Lei n.° 196/72, de 12 de Junho, foram adoptadas, no ano corrente, várias providências de combate à alta de preços, nelas se incluindo algumas disposições de ordem tributária, designadamente as que respeitem à alteração das taxas de sisa, da contribuição industrial, do imposto de capitais e do imposto complementar; a criação de uma taxa de luxo sobre estabelecimentos comerciais, e de adicional às colectas de imposto complementar, superiores a 60 contos; e ainda à alteração do regime de isenções em matéria de sisa.
As referidas disposições incluem-se no conjunto de providências nessa data promulgadas pelo Governo com o objectivo primordial, para o interesse colectivo, de refrear as pressões inflacionistas.
A necessidade de tais medidas, que continua a fazer-se sentir, e a sua própria natureza determinam para elas um carácter permanente, pelo que devem, nos termos do § 1.° do artigo 93.° da Constituição, ser ratificadas pela Assembleia Nacional.
Assim, e em harmonia com o preceituado no § 1.° do artigo 97.º da Constituição Política, o Governo decide aditar a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1973 um artigo 12.°-A, com a seguinte redacção:
Art. 12.°-A É ratificado o Decreto-Lei n.° 196/72, de 12 de Junho.
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PREÇO DESTE NÚMERO 12$00
IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA