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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 223 ANO DE 1973 8 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 223, EM 7 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com rectificações, o n.° 221 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição foram presentes à Assembleia Nacional os Decretos-Leis n.ºs 30/73, 31/73, 32/73, 33/73, 34/73 e 35/73.
O Sr. Deputado Roboredo e Silva deu conta à Assembleia da maneira como decorreu a Conferência Interparlamentar sobre Segurança e Cooperação Europeias, à qual esteve presente uma delegação parlamentar portuguesa.
O Sr. Deputado Camilo de Mendonça teceu algumas considerações de carácter político acerca dos últimos acontecimentos no País.
O Sr. Deputado Henrique Tenreiro congratulou-se com a integração dos novos benefícios do regime geral da Previdência no Regulamento da Previdência, Abono de Família e Acção Social dos sócios efectivos das Casas dos Pescadores.
O Sr. Deputado Nicolau Martins Nunes reafirmou de novo, em nome do povo da Guiné, o apoio incondicional à política ultramarina do Governo, felicitou o Governador e comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné e agradeceu à Fundação Calouste Gulbenkian o apoio dado à província.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira teceu algumas considerações sobre a elaboração dos estudos e projectos do IV Plano de Fomento, no que diz respeito ao Algarve.

Ordem do dia. - Na primeira parte foram consideradas definitivas as rectificações apresentadas pela Presidência do Conselho ao texto do Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa.
Na segunda parte terminou a apreciação do aviso prévio sobre meios de comunicação e problemática da informação em Portugal.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Castelino e Alvim, Pinto Castelo Branco, Almeida Cotta e Magalhães Motta, que encerrou o debate.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.

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Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 221 do Diário das Sessões.

O Sr. Alberto de Alarcão:- Sr. Presidente: Solicito a V. Exa. que no Diário das Sessões em reclamação seja feita a seguinte rectificação: na p. 4501, col. 1.ª, 1. 24, em vez de "menor", deve ler-se "maior".

O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: Na p. 4512, col. 2.ª, l. 34, onde se lê "neosfera", deve ler-se "noosfera"; na l. 47 da mesma página, col. 2.ª, onde se diz "por isso me permite", deve ler-se "por isso me permito", e na p. 4513, col. 1.ª, l. 10, onde se lê "felecidade", deve ler-se "felicidade".

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o n.° 221 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. tem rectificações a apresentar a este Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está aprovado o n.° 221 do Diário das Sessões, com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Do delegado regional de Portalegre da Mocidade Portuguesa associando-se às considerações feitas pelo Sr. Deputado Trigo Pereira.

Bilhete-postal

Do Sr. Albino da Silva Pereira protestando contra determinadas notícias acerca de comunidades portuguesas ultramarinas.

Carta

Do Sr. Júlio Nazaré defendendo a instituição do seguro obrigatório dos automóveis.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo, 1.ª série, n.º 13, de 6 do corrente mês, que insere os seguintes decretos-leis:

N.° 30/73, que providencia quanto ao destino a dar às importâncias cobradas por cada tonelada manifestada de carga sólida ou líquida proveniente do estrangeiro e desembarcada de navio estrangeiro em qualquer ancoradouro da ilha Terceira, com destino à base militar das Lajes;
N.° 31/73, que altera a redacção do artigo 21.° do Decreto n.° 13 125, de 3 de Fevereiro de 1927, respeitante ao limite da receita que os postos consulares podem ter em cofre;
N.° 32/73, que introduz alterações na ortografia oficial portuguesa;
N.° 33/73, que fixa as normas a que deve obedecer a carreiara médica nos hospitais escolares;
N.° 34/73, que autoriza o Ministro das Comunicações a prorrogar o prazo a que se refere o n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 67/72, de 2 de Março (concessão do tráfego portuário nos entrepostos e cais livres sob a jurisdição da Administração dos Portos do Douro e Leixões);
N.º 35/73, que fixa um regime uniforme para todos os novos hospitais distritais que venham a ser entregues ao Ministério da Saúde e Assistência.

Tem a palavra o Sr. Deputado Roboredo e Silva.

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O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Penso que interessará à Assembleia uma sucinta informação a respeito da forma como decorreu a Conferência Interparlamentar sobre a Cooperação e Segurança Europeias.
Esta conferência de parlamentares foi realizada sob a égide da União Interparlamentar, de que aliás a nossa Assembleia não faz parte, limitando-se, como o título indica, apenas aos parlamentares dos países europeus como membros activos, sem excluir observadores de outros parlamentos não europeus e de organizações internacionais, como a O. N. U., G. A. T. T., U. N. E. S. C. O., O. M. S. e Conselho da Europa. Dos países observadores lembrarei, por exemplo, o Brasil, Indonésia, Israel, Japão, República Árabe Unida e República do Zaire.
Da Europa estiveram presentes grupos parlamentares de 28 países, faltando a Grécia e a Albânia, mas comparecendo a República de S. Marino e o Listenstaina, por exemplo, representados cada um destes por três Deputados. Os Estados Unidos e o Canadá, como se sabe, estão por direito próprio, digamos assim, ligados à Europa e, por isso, os membros efectivos da Conferência foram 30. Os nossos Deputados foram especialmente convidados para estar presentes na Conferência, como a Assembleia sabe.
Houve quatro sessões plenárias, sob a presidência do chefe do grupo parlamentar finlandês, que, como é natural, foi eleito para o cargo. Nas três primeiras teve lugar o debate geral sobre os princípios fundamentais referentes "a vias e meios para desenvolver uma cooperação com direitos iguais e construção de uma paz durável e da segurança na Europa, tendo em conta a contribuição deste continente para a paz e a prosperidade do Mundo", que tinham como base três pontos essenciais tratados em comissões próprias, onde todos os grupos tinham representação.
A última sessão plenária destinou-se a apreciar a acta final da Conferência.
À abertura solene assistiu o Presidente da República da Finlândia, que pronunciou um discurso de circunstância.
Nenhum orador podia falar mais de dez minutos e se fossem dois do mesmo grupo parlamentar - máximo permitido -, só poderiam falar ambos um total de quinze minutos.
As três comissões, que funcionavam de forma idêntica à do plenário, com debate geral e grupos de redacção, discutiram:
1.ª Propostas ou sugestões no domínio da segurança;
2.ª Propostas ou sugestões relativas às relações económicas, incluindo o meio ambiente;
3.ª Propostas ou sugestões respeitantes à cooperação científica, tecnológica, educacional e cultural e aos movimentos de pessoas e trocas de informação.
Pràticamente todas as delegações intervieram nos debates, reconhecendo-se que o clima político reinante na Europa melhorava sensìvelmente, sendo a détente indiscutível, o que permitia consolidar a segurança que as conversações preliminares, ao nível de embaixador, entre 34 países, decorrentes em Helsínquia, confirmavam.
Assim, os parlamentos não podiam divorciar-se de tão importante matéria, tendo antes o seu papel a desempenhar.
Os Deputados dos países socialistas do bloco de Leste pretenderam frisar que a iniciativa para um franco entendimento na Europa era sua, referindo-se, como aliás o fizeram os de alguns países ocidentais, ao desanuviamento consequente da assinatura dos tratados entre a República Federal da Alemanha, a Polónia e a República Democrática Alemã, e ao acordo de Berlim.
Por outro lado, aqueles parlamentares e outros do grupo neutro apoiavam desde já a criação, na União interparlamentar, que é, como se sabe, de carácter universalista, de um "Euroforum", para acompanhar os problemas cuja discussão era agora iniciada, ideia partida do grupo finlandês.
Esta sugestão, contudo, por permatura, foi contrariada pelos representantes parlamentares dos países ocidentais, incluindo os nossos.
A questão de uma redução mútua e equilibrada de forças militares e armamentos na Europa foi levantada e defendida como indispensável para a consolidação da sua segurança, pois segurança significa, acima de tudo, paz. Só dessa forma se enterraria definitivamente a terrível época da confrontação, para se viver apenas na era da negociação. A nossa delegação tomou posição a este respeito.
Sublinharam-se os princípios fundamentais relativos ao respeito pela soberania de todas as nações, sua integridade territorial e não interferência nos assuntos internos de cada país; o direito de os países escolherem livremente os seus sistemas sociais e políticos e o dever de todos os Estados de não usarem a força para resolver os seus conflitos, que deverão sê-lo antes por meios pacíficos, de harmonia com a lei internacional.
A Conferência debruçou-se sobre as relações económicas, a que deu o devido relevo, reconhecendo-se a necessidade do seu desenvolvimento, eliminação das práticas discriminatórias e a responsabilidade da Europa na contribuição para o progresso económico internacional e dos países em desenvolvimento. Especificou-se, nomeadamente, a necessidade de medidas para construir uma infra-estrutura europeia no campo da energia e transportes, de um centro europeu para a cooperação industrial e troca de dados científicos e tecnológicos. A promoção do turismo e planeamento a longo prazo relativo a condições de trabalho e direitos iguais para os emigrantes.
Considerou a protecção do ambiente, que, sendo problema mundial, é particularmente agudo na Europa, tornando-se desejáveis soluções globais; todavia, seriam necessários arranjos regionais entre países com problemas semelhantes. A poluição foi largamente discutida, focando os Deputados dos países mais interessados nas áreas os mares Báltico e Mediterrâneo, particularmente.
Tratou igualmente da cooperação no âmbito da ciência, educação, cultura e informação e no alargamento dos contactos humanos, por contribuírem substancialmente para eliminar incompreensões e consolidar a paz. Alguns pormenores de acção foram mencionados e recomendados.
Frisou-se bem o direito e o dever de cada povo desenvolver a sua própria cultura e o respeito de preservar a dignidade e valor dessa cultura.

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Que todos os Estados têm a obrigação de encorajar o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais sem distinção de raças, sexos, línguas ou religiões.
Apoiou-se a convocação para uma conferência sobre segurança e cooperação na Europa a nível governamental, uma vez obtidos resultados positivos nas negociações preparatórias decorrentes em Helsínquia. Que se estimule uma redução mútua e equilibrada de forças militares e armamentos na Europa, através de negociações acessíveis aos Estados interessados, uma vez que este problema constitui, como já se disse, parte integrante da segurança.
Também se referiu a adopção de uma acção concertada no combate ao terrorismo na Europa.
Os parlamentos dos países europeus foram intensamente estimulados para ajudarem a alcançar todos os objectivos mencionados.
Finalmente, pediu-se ao Conselho da União Interparlamentar para autorizar reuniões, a intervalos aceitáveis, que permitam aos Grupos Interparlamentares Europeus, Estados Unidos e Canadá considerar e desenvolver ideias e sugestões sobre aspectos específicos da cooperação e segurança europeias.

O Sr. Salazar Leite: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Salazar Leite: - Em primeiro lugar, desejo felicitar V. Exa., Sr. Deputado Roboredo e Silva, pela maneira clara e correcta como pôde apresentar aquilo que se passou nessa reunião, e, para lá de tudo, para um aspecto que me permito focar em especial, que é o da harmonia que se verificou ao longo dos trabalhos, ao nível das comissões e do plenário.
Pouco habituados estamos a verificar isso nas reuniões internacionais; por isso me apraz registar este facto, tanto mais que estavam representados não só países do Ocidente, como do Leste.
Pôde-se verificar haver um perfeito entendimento, uma cortesia para cada uma das delegações, que nunca é de mais encarecer.
Não sei, digo-o sinceramente, se algo de útil resultará dessa reunião, mas há seguramente um facto que não se pode negar: o ter havido um entendimento perfeito entre todas as nações presentes constitui como que um grão de areia para ajudar à construção do edifício que todos nós pretendemos ver edificado, não só na Europa, mas em todo o Mundo.
Se isso é possível por este caminho, não estou muito certo, mas, seja como for, é uma das sendas que conduz à paz e que nós temos obrigação de trilhar, abandonando a ideia de que a paz só se pode atingir através da guerra.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Salazar Leite: - Quer-me parecer, Sr. Deputado Roboredo e Silva, que nós, aqueles que tivemos oportunidade de assistir a esta reunião, devemos estar reconhecidos, como seguramente V. Exa. me permitirá que diga em nome de todos, ao Sr. Presidente da Assembleia, que quis indicar o nosso nome para fazer parte da Comissão que representou esta Câmara na reunião internacional de Helsínquia.
Acredite, Sr. Presidente, foi para todos nós uma enormíssima honra, não só porque a recebemos de V. Exa., como porque tivemos o prazer e a honra de representar nela todos os nossos colegas.
Muito obrigado.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Salazar Leite, pelo preenchimento de qualquer lacuna que eu porventura apresentasse na minha pequena exposição. Na verdade, eu quis ser o mais sucinto possível para não maçar os nossos colegas, mas entendia que haveria que dar uma ideia geral daquilo que se passou. Eu completarei ainda com mais algumas palavras a minha intervenção, que até certo ponto vai ao encontro daquilo que V. Exa. disse. De qualquer forma, repito, muito obrigado, porque foi realmente até certo ponto complementar daquilo com que vou terminar.
Antes, porém, desejo deixar um apontamento sobre a magnífica organização da Conferência, em que tanto o Grupo Parlamentar Finlandês como as autoridades principais de Helsínquia se esmeraram ao máximo. O edifício do Parlamento, onde tiveram lugar as reuniões, é imponente e vastíssimo, dispondo de todas as comodidades para os seus utentes.
Helsínquia é uma cidade silenciosa e disciplinada; não ouvi um claxon de automóvel, não vi um engarrafamento de trânsito, não exerguei pares de jovens abraçados pelas ruas, o que, aliás, nada significa quanto à moral reinante. É facto que a neve e as baixas temperaturas não convidavam a passear ao ar livre, mas, de qualquer forma, regista-se. A cidade muito limpa, não se vendo sequer um papel no chão. Civismo, desde logo, que tanto desejaria ver progredir na nossa terra.
Pois julgo que valeu a pena a deslocação, não pelos resultados efectivos que da Conferência resultem, como em regra sucede neste género de trabalhos, até porque é principalmente aos Governos que compete a execução, mas antes pelo contactos que se fizeram, aproximação entre membros dos diferentes parlamentos, que permitiram algumas trocas de impressões e até oportunidades de esclarecer ideias erradas.
Muito obrigado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Absorvido por múltiplas solicitações, ocupado por imensos problemas, limitado até pela dificuldade de comunicações, que, para mais, são fortemente incómodas e terrivelmente demoradas, a minha participação nos trabalhos parlamentares reduziu-se a ponto de mais não se traduzir do que numa presença física intervalada.
O silêncio tem, porém, limites. Há momentos, em que, sob pena de verdadeira renúncia, impende sobre qualquer o dever de tudo sacrificar para fazer ouvir a sua voz, em jeito de apelo à serenidade e à fria objectividade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que nos últimos tempos, mercê de eventos políticos internos ou externos, tenho sentido determinada perplexidade, certa intranquilidade e alguma inquietação em dadas camadas da população,

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mesmo entre as mais qualificadas, com naturais reflexos e inevitáveis consequências. Sinal dos tempos, medida da grandeza dos problemas que impendem sobre o País, resultado do desnorteamento que vai por esse mundo fora, ora dominado pela prática da violência sob múltiplas formas, ora vencido pela abdicação como processo de iludir soluções.
Seja como for, entre o batuque do palácio de vidro e a euforia de uma paz definida apenas como ausência de guerra, confundem-se uns e agitam-se outros, e daquela confusão, como desta agitação, fluem acontecimentos, decorrem procedimentos, resultam actos causadores de inquietação, de intranquilidade e de perplexidade.

O Sr. Trigo Pereira: - Muito bem!

O Orador: - Se compreendo bem aquelas preocupações, quando temos uma retaguarda a defender, enquanto os nossos soldados estão na frente de batalha, quando temos grandes problemas a enfrentar: desde o desenvolvimento económico nacional e regional até à dolorosa emigração, desde as batalhas da educação, da saúde, da segurança social, até à defesa da nossa coesão moral e anímica, que supõe primeiro vencer a batalha da juventude; se compreendo bem aquelas preocupações, não posso deixar de fiar na serenidade, maturidade e temperança do povo português, como na firmeza, objectividade e sagacidade dos dirigentes sociais, políticos ou culturais, o permanente encontro das soluções, caminhos ou rumos, como em toda a nossa história, para vencer as crises, ultrapassar dúvidas, superar divisões ou dissídios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não tenho dúvidas em que assim há-de acontecer, porque os Portugueses, para além das divergências de credo, ideologia ou condição social, sempre souberam ser iguais a si próprios, e com o seu modo de ser, de estar e de reagir escreveram a história que havemos de continuar com igual jeito, sentido e esplendor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A grandeza dos problemas que pesam sobre a comunidade nacional impõe, naturalmente, limitações, deveres e obrigações, que ninguém pode legitimamente ignorar, a que nenhum de nós pode furtar-se.
A autoridade não pode, em tais circunstâncias, deixar de ser forte e as liberdades que todos desejamos ver praticadas com mútuo respeito, fraterna compreensão e recíproca tolerância não podem deixar de ter como limites as superiores exigências da comunidade lusíada, trate-se da defesa do património nacional, da integridade territorial, da unidade moral, trate-se do rápido progresso económico, vencendo atrasos e superando insuficiências, trate-se da justiça distributiva, da segurança social, das batalhas da educação, da saúde, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ninguém diga que, na continuação de um grande esforço de quatro décadas, não se fez,
nos últimos quatro anos, um esforço imenso de adaptação, de reforma, de reestruturação, em todos os domínios, com particular assento nas políticas ultramarina, da educação, social, e até económica, sem esquecer uma crescente participação política e uma estruturação jurídica do Estado mais consentânea com as ansiedades da população e mais conforme com as exigências do Estado de direito.

O Sr. Castelino e Alvim: - Muito bem!

O Orador: - Salvo em momento de revolução, poucas vezes na nossa vida uma transformação pacífica tão profunda e rápida se tem processado, olhos postos no futuro, pés bem firmados no presente, sentido bem apurado da continuidade de sentimentos e de experiência vivida.
A revisão constitucional, com as leis complementares que se lhe seguiram, constitui marco assinalado neste processo, a evolução dos salários e das garantias sociais, o frenesim reformador na educação, a coragem do lançamento de empreendimentos de volume impressionante na economia ou nas comunicações, são bem a medida desse imenso esforço promissor de melhores dias e de maior esperança, de tal sorte que a muitos terá amedrontado e a outros feito recear pelas consequências.
Não é tudo isto quanto cada um de nós sonhou, quanto alguns idealizam, quanto outros pretendiam?
Certamente. Hoje como ontem e sempre. Em Portugal como em qualquer país, particularmente em qualquer país latino.
Pretende-se ou pretendem alguns andar mais ràpidamente no restabelecimento e amplo funcionamento das liberdades cívicas?
Quem os não acompanha nesse anseio?
Pretendem outros que a melhoria dos salários se acelere e intensifique para além de quanto pode resultar das correcções de defeitos de repartição?
Quem os não compreende nesse anseio?
Pretendem ainda outros que a reforma da educação se conclua e processe sem reflexos secundários de reacções, insuficiências, de defeitos?
Quem os não acompanha nesse anseio?
No mundo em que os homens igualaram os sonhos de Júlio Verne, num mundo em que os homens foram à Lua, é fácil perder a noção da medida e da proporção, fazer tábua rasa de tudo, crescerem exigências, pretender o paraíso neste vale de lágrimas em que o sacrifício é a regra, a dor uma constante, a limitação uma característica, o trabalho e perseverança o caminho, a serenidade a vontade dos fortes!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Somos um país que se emociona fácil e passageiramente, mas somos um país de gente moderada, equilibrada, prudente, que em seu avisado conservadorismo sempre aspira e anseia, quando não sonha até, mas nunca se dispôs a sacrificar quanto possui, não estima a violência nem patrocina extremismos, ràpidamente distingue o verbalismo, ainda quando nos encante e inebrie, da serena objectividade, do frio realismo e do sentido das justas possibilidades.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Pois é nessas características, constantes da raça e da história, que eu fio a certeza de continuarmos pelo caminho traçado, sem grandes sobressaltos, com firme serenidade, dando um exemplo de dignidade, de grandeza e de fé nos destinos do homem e do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é outra a lição que nos tem dado o Presidente do Conselho no seu esforçado labor, firme determinação e inteira fidelidade às nossas constantes históricas.
Ainda no passado dia 15, na sua comunicação ao País, deu raro exemplo de serenidade, grandeza e moderação, sem excluir firmeza e clareza, sem escamotear problemas, sem fugir aos muitos e graves problemas que nos atingem.
Foi por isso que essa comunicação calou profundamente na fina sensibilidade e aguda inteligência de todos nós, na consciência de todos os portugueses.

O Sr. Dias das Neves: - Muito bem!

O Orador: - Pois é esse espírito, é essa virtude, que se impõe que todos pratiquemos, e tanto mais quanto maiores forem as nossas responsabilidades, mais elevados os postos que ocupemos, maiores reflexos tenham os nossos actos ou as nossas palavras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como Deputados, como membros da mais alta Câmara Política, mais graves são as nossas responsabilidades, mais vincado dever de serenidade, objectividade e moderação se nos impõe.
Vai longe o tempo em que as Assembleias eram governantes: a complexidade da vida moderna, o aumento aterrador das tarefas da Administração fez modificar profundamente a repartição dos poderes. As funções legislativas passaram pràticamente para o Governo, a estruturação partidária alterou radicalmente a missão dos Deputados.
Hoje, raro ao Deputado pode caber verdadeiramente a iniciativa legislativa, que pràticamente passou à iniciativa do Governo, embora alargadas sucessivamente as reservas de competência exclusiva às assembleias políticas.
Raros são em qualquer parlamento, dividido em partidos políticos, os Deputados que conseguem fazer vencer iniciativas legislativas, só possíveis em problemas menores quanto aos Deputados da maioria e absolutamente impossíveis para os Deputados da minoria.
Neste sentido, como aliás em muitos outros - desde a liberdade de voto até à de uso da palavra -, a liberdade de actuação, iniciativa e movimento dos Deputados portugueses faz realmente inveja à de quaisquer outros da generalidade dos parlamentos europeus.
Mesmo para quem conheça pouco da mecânica constitucional e regimental da generalidade dos parlamentos ocidentais, esqueça até a violência do domínio da máquina partidária nesses países, não poderá honestamente deixar de reconhecer a muito mais ampla liberdade de movimentos dos Deputados portugueses, que gozam, aliás, de uma independência que não tem paralelo em regimes partidários.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A colaboração da Assembleia Nacional - que com a revisão constitucional viu alargada de forma nítida e significativa as suas reservas de competência - no domínio legislativo faz-se, em regra, naturalmente pela apreciação das propostas de lei apresentadas pelo Governo, e ninguém poderá dizer que as modificações introduzidas não tenham frequentemente amplitude, fundo e significado que comummente excedem quanto observo e conheço nos parlamentos ocidentais.
Haverá, então, maior liberdade ou possibilidade de fazer vingar iniciativas legislativas de Deputados nesses democráticos países partidários?
Todos sabemos que não, de uma forma inequívoca e rotunda.
Haverá nesses outros países maiores facilidades por parte dos Deputados para forçar os Governos, impor a sua vontade ou actuar livre e independentemente?
Em que países? Em que época?
Sendo assim e com ser assim, sem dúvidas de qualquer ordem, de que pode queixar-se um Deputado português relativamente ao de qualquer outro país?
Que resta nesses países da independência desses Deputados acorrentados à máquina partidária ou segregados como minorias sem possibilidade de fazer vencer pontos de vista sequer do seu partido?
Das duas uma: ou há Governo porque há maioria e esta é dócil servidora do Governo, ou não há Governo possível e os parlamentos não passam de instrumentos negativos de um país ingovernado.
Nestas circunstâncias, não encontro fundamento ou legitimidade para atitudes ou procedimentos que, a serem regra em outros parlamentos, estes primeiro se resumiriam à maioria, para em seguida se extinguirem...
Como Deputado à Assembleia Nacional tenho de proclamar, bem alto e bem claramente, que não reconheço legitimidade para semelhante fundamentação de procedimentos, que não tem comparação possível a liberdade e principalmente a independência do Deputado português com as da generalidade dos outros países ocidentais.
E sobre este ponto não pode haver dúvidas nem equívocos. Disso somos todos garantes e todos testemunhas.
E nem se invoque a publicidade na grande imprensa dos trabalhos e iniciativas parlamentares, já que, um pouco provincianamente e talvez também pela falta de escândalos morais, de crimes célebres ou de histórias de tráfegos de estupefacientes, o relato dos acontecimentos parlamentares é entre nós muitas vezes mais extenso, frequente e pormenorizado do que na generalidade dos outros países.
Não podemos, pois, deixar de encontrar muito de provincianismo e muito mais de ridículo em frequentes afirmações que a este propósito por vezes se produzem com ofensa à verdade dos factos e ao paralelismo de procedimentos.

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É mais um ponto em que o apelo à serenidade, moderação e equilíbrio se impõe, se realmente pretendemos que haja verdadeira convivência e destacada compreensão entre todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos tempos duros e difíceis, em que todos, esforçadamente, devemos buscar soluções, em vez de procurar vitórias.
Respeitarmo-nos uns aos outros não implica admitir que possa haver liberdade de alguns contra a consciência nacional, quando centenas de milhares de brancos e negros combatem e morrem em terras lusíadas de África.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O respeito pelas dúvidas de cada um, como pelas perplexidades de alguns, não legitima transpor umas e outras para uma actuação organizada e dirigida contra a determinação de um povo e o sacrifício de uma juventude.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A boa fé e candura, por mais puras e angelicais, não podem, num mundo em que a violência é pão nosso de cada dia, servir para acobertar ou justificar actos de sabotagem e terrorismo que se repetem como intimidação, como processo de corrosão da coesão moral da retaguarda.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O egocentrismo como a vaidade pessoal não podem prevalecer sobre a regularidade de funcionamento das instituições e a verdade dos factos.
A ansiedade, inquietação e preocupação não podem fazer tábua rasa das realidades, limitações e possibilidades em cada momento ao alcance dos povos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A violência verbal ou material nunca pode constituir processo natural e moral de resolver problemas nem princípio condutor da vida entre os homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A paz foi sempre primeiro de consciência, fruto da sinceridade e da justiça e não se identifica nem confunde com a simples ausência de guerra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O País espera de todos o esforço de dádiva, de compreensão, de equilíbrio e de moderação, mas também de firme serenidade que permita enfrentar, decidida, corajosa, frontalmente, os seus grandes problemas, que, por se identificarem profundamente com os anseios, razões e sentimentos da comunidade lusíada, são nacionais e não são de regime político ou de forma de governo, mas comuns a republicanos e monárquicos, católicos e não católicos, liberais e socialistas, conservadores e progressistas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este é o grande desafio que o tempo de hoje nos lança como Povo e como Nação.
É em nome deste desafio que apelo vivamente para todos os portugueses, para a sua sensibilidade e moderação, para a sua argúcia e equilíbrio, para a sua serenidade e objectividade, para que saibamos ser dignos do passado, mas especialmente sejamos capazes de conquistar um futuro em grandeza e justiça para todos os portugueses.
O povo português bem o merece e nós havemos de ser dignos dele!
A humildade é grandeza, a temperança força, a moderação sabedoria.
O futuro que estamos forjando para Portugal exige sacrifícios e a prática das virtudes tradicionais.
E adiante, que o futuro há-de pertencer-nos, de pertencer a todos os portugueses de boa vontade.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: Depois de alguns anos de intenso trabalho em busca de mais soluções que fortalecessem os benefícios e regalias que a classe piscatória tem vindo a usufruir desde a criação das Casas dos Pescadores, que estão espalhadas por todo o litoral e desenvolvem uma missão de elevado alcance social junto daqueles trabalhadores do mar e suas famílias, não posso deixar de manifestar nesta Câmara o meu grande regozijo por verificar que, mais uma vez, o Governo, mantendo uma linha política de promoção e bem-estar de todos os portugueses, continua a dispensar à classe piscatória a sua melhor atenção.
Com efeito, e como já é do conhecimento público, acaba de ser enviado à Imprensa Nacional, para publicação no Diário do Governo, o importante despacho do Ministério das Corporações que determina sejam integrados no Regulamento da Previdência, Abono de Família e Acção Social dos sócios efectivos das Casas dos Pescadores os novos benefícios do regime geral da Previdência.
Quer isto dizer que os pescadores vão passar também a usufruir dos subsídios de nascimento, aleitamento, casamento e funeral.
Fica, deste modo, actualizado um esquema de assistência que já vinha a processar-se há alguns anos e que, modernizado, se amplia, ficando a par da previdência social que abrange os vários sectores do País.
Estas tão humanas regalias só foram possíveis conceder graças à política encetada pelo Presidente Marcelo Caetano, a quem rendo a minha justificada admiração, que tem sido incansável em proporcionar melhores condições de vida ao povo português.
Permita-me, Sr. Presidente, que deixe aqui uma palavra de muito apreço pela acção desenvovida, no Ministério das Corporações, e Previdência Social, pelos Srs. Drs. Baltasar Rebelo de Sousa e Joaquim Silva Pinto, entusiásticos executores da política do Chefe do Governo, a quem os pescadores portugueses

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estão reconhecidos pela forma carinhosa e atenta como têm resolvido os seus problemas, nomeadamente no que respeita à habitação, através de uma constante ampliação de bairros e construção de novas casas, que hoje acolhem numerosos agregados familiares de trabalhadores do mar.
Continuamos confiantes na conjugação de esforços entre o Ministério das Corporações e o Ministério das Obras Públicas, este também sempre pronto a estudar e a colaborar abertamente nas soluções do problema habitacional, e daqui apelamos para que essa profícua conjugação de esforços tenha uma continuidade que permita aumentar cada vez mais as possibilidades de cada um dos nossos pescadores vir a possuir um lar acolhedor.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Nicolau Martins Nunes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era nosso propósito ter esta intervenção neste momento, mas sim depois de um novo contacto com a província que representamos, cujas realidades estão em constante e rápida evolução, graças à política de justiça social e de desenvolvimento sócio-económico ali em curso.
Por outro lado, tencionávamos, antes do mais, através de um contacto directo com as populações locais, conhecer as suas reacções face aos mais recentes acontecimentos da vida política nacional com reflexos no ultramar, nomeadamente a publicação dos novos estatutos das províncias ultramarinas, para podermos estar mais habilitados a interpretar e traduzir fielmente os seus sentimentos e anseios.
Surgiram, porém, a tornarem imperativa a nossa intervenção neste momento, fortes motivos, de entre os quais se destaca a recente comunicação ao Pais de S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano.
Este acontecimento, além da sua transcendente importância para todo o País, tem um significado muito especial para a província de que somos mandatário nesta Assembleia.
Com efeito, a Guiné é, das províncias ultramarinas, aquela que maior peso vem suportanto da guerra que a Nação enfrenta no ultramar, contribuindo para tal vários factores, tais como: as modestas dimensões do seu território, a contrastar com a grande extensão das suas fronteiras, a vizinhança de países hostis, que se recusam obstinadamente a aceitar a convivência pacífica que lhes oferecemos - e até cooperação, se lhes interessasse -, e finalmente a grande concentração, naquela zona, das forças e recursos de que o inimigo dispõe.
Acresce que não tem sido devidamente compreendida, por alguns portugueses, a atitude dos naturais daquela província, que, na sua maioria esmagadora e particularmente nos últimos cinco anos, se aderiram à causa defendida pelo Governo, quer desdenhando dessa atitude que não souberam interpretar, quer agindo, consciente ou inconscientemente, contra ela, em absoluta oposição aos verdadeiros e legítimos anseios das populações interessadas.
Efectivamente - e não podemos deixar de o confessar -, a experiência destes meses na metrópole tem-nos revelado que um certo número de portugueses vivem aqui alheios ao que se passa na nossa Guiné ou, o que é pior, têm uma visão distorcida dos factos relacionados com a situação ali existente, contrariando com a sua atitude a marcha favorável dos acontecimentos. Falta ou deficiência de informação? Incapacidade do público para apreender a verdade, distinguir os factos das aparências, o real do inverosímil? Sinal dos tempos? Nada sabemos, ao certo.
Não nos parece, porém, que a crise se deve apenas à carência de informação. Julgamos antes que ela se pode atribuir, pelo menos em parte, a uma tendência mórbida das pessoas que vivem distantes do teatro da guerra, para acreditarem em boatos, nos "diz-se" e "fala-se" das boites e cafés e nas notícias tendenciosas ou de carácter sensacionalista, agravadas pelas manobras subterrâneas do inimigo, suficientemente infiltrado na retaguarda europeia.
Trata-se de uma situação lamentável, incompatível com o estado de guerra em que nos encontramos, uma guerra em que se faz amplo uso da arma psicológica, contra a qual é necessário revestirmo-nos da indispensável armadura moral ideológica, a par de um espírito esclarecido.
É impossível ganhar-se uma guerra deste género em ambiente que não seja de completo esclarecimento, mas este só é possível com cidadãos conscientes, moral e ideologicamente formados.
Por este motivo, desde que tomámos assento nesta Casa, a nossa maior preocupação tem sido esclarecer a opinião pública acerca do verdadeiro sentido da guerra na Guiné e mostrar a posição da maioria das populações daquela nossa província, em relação a ela, fazendo-nos eco do Povo e do Governo local, identificados numa perfeita comunhão de ideal. Tarefa sem dúvida árdua e difícil, dado o condicionalismo já referido, mas absolutamente imprescindível, razão por que não nos furtámos a ela.
É possível que o resultado não tenha sido tanto quanto seria de desejar e era esperado; talvez até que as nossas palavras tenham tido a sorte daquela parte das sementes da parábola bíblica que não encontrou terreno propício para germinar; ou, ainda, que tenhamos feito o papel de João Baptista pregando no deserto. O certo, porém, é que não desistimos da nossa missão.
Felizmente, alguns factos têm vindo em nosso favor e foram os testemunhos de pessoas que, tendo-se deslocado à província, puderam verificar com os seus próprios olhos o que lá se passa. Bom seria que muitas mais o fizessem, e mais frequentemente, o que muito contribuiria para reduzir os inconvenientes a que fizemos referência.
Dentro deste quadro, muito recentemente, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Costa Gomes, esteve em demorada visita à província, e as declarações que fez no seu regresso, acerca do que lá viu e testemunhou, só não convencem quem não se quer convencer e são tão honrosas para o Governo local como lisonjeiras para o povo, e para nós, motivo de orgulho.
As inequívocas e clarividentes palavras do Sr. Presidente do Conselho vieram trazer novas luzes aos factos, explicando os mais subtis aspectos da guerra em que estamos empenhados na Guiné, Angola e Moçambique - não uma "guerra colonial", mas uma luta de sobrevivência -, e tornando, consequentemente, claras as razões que levaram as populações

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locais a apoiarem incondicionalmente a política definida para o ultramar, política que não pode ser outra senão a de intransigente defesa do património comum - sublinhamos comum - e dos valores morais e culturais da Nação, dentro de um clima de justiça, paz e fraternidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se até aqui se podia, de certo modo, desculpar, apesar da sua inoportunidade, a atitude de dúvida e até de cepticismo de alguns portugueses, quanto às razões determinantes e previsíveis consequências de uma tal política, hoje, demonstrado como ficou que tanto os portugueses europeus como os de origem africana ou outra, vivendo na metrópole ou no ultramar, têm - uns e outros - um interesse vital a defender, não em benefício de outros, mas deles próprios, qualquer comportamento daquele género será não apenas inaceitável, mas, até, condenável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos perante uma opção - e uma opção histórica, portanto irreversível: continuarmos Portugal em todos os pontos onde ele existe ou renunciarmos à nossa independência e liberdade. Como opção que é, pois, não pode ser involuntária, nem tão pouco inconsciente e, por isso, devem ser eliminadas todas as dúvidas ou receios, cèpticismos ou reservas. Importa ainda, e sobretudo, que se mantenham as razões justificativas da tomada de posição por parte das populações ultramarinas.
Quais serão essas razões? Na política, como em tudo na vida, dá-se para receber. A nosso ver, as províncias ultramarinas - pelo menos no caso que nos toca como Deputado pela Guiné - apenas pretendem, em troca do seu sacrifício pela Nação, ser consideradas como aquilo que realmente são: pessoas, e não um mero objecto que pode ser discutido, negociado ou alienado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Devemos lembrar, a propósito, que a partir de 1 de Janeiro do ano da graça de 1972, com a entrada em vigor da nova Constituição Política, que importa de todo respeitar, sob pena de lavrarmos a nossa sentença de morte como povo livre, elas deixaram de ser uma simples extensão do Portugal metropolitano, para serem, como este, membros de uma Nação pluricontinental e multirracial, embora una e indivisível, passando os seus habitantes a terem maiores responsabilidades na condução dos destinos comuns.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ocorre-nos aqui recordar, Srs. Deputados, o que dissemos numa das nossas últimas intervenções: em cada província ultramarina, seja ela grande ou pequena, deve ser visto Portugal inteiro, e não apenas um fragmento seu. Dá-se então aquilo que todos nós devemos desejar neste momento: nem autodeterminações predeterminadas, "made in O N. U.", nem colonialismo ou neocolonialismo disfarçado em independência, mas o que entendemos por "Estado Social", definido pelo Prof. Marcelo Caetano.
Foi neste contexto, ilustríssimos Pares, que interpretámos as declarações de S. Exa. o Presidente do Conselho, e se pedimos a palavra é apenas para, em nosso nome pessoal e em nome do povo que representamos, lhe reafirmarmos o nosso incondicional apoio, tantas vezes e por tão variadas formas manifestado, e lhe dizermos que pode contar inteiramente com o bom povo da Guiné, que nele deposita uma grande parte das suas esperanças no futuro.
Ao terminar, aproveitamos a oportunidade para deixarmos aqui expressos três votos:
De felicitações ao governador e comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné, general António de Spinola, pela forma eficiente como vem dirigindo o povo que lhe foi confiado e que nele confiou, e ainda pelo exemplo de magnanimidade, aliada à indiscutível coragem, que deu ao restituir a liberdade a mais umas dezenas de antigos militantes e combatentes do P. A. I. G. C., concedendo-lhes assim a oportunidade de se reintegrarem na sociedade renovada que dia a dia ali se está construindo;
De agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian, na pessoa do seu ilustre presidente, Dr. Azeredo Perdigão, pelas generosas dádivas feitas à província, contribuindo assim para reforçar a garantia de que a portugalidade não desaparecerá, antes subsistirá, perenemente, naquelas paragens da África;
E, finalmente, de louvor às empresas que na actual conjuntura decidiram, por iniciativa própria ou respondendo ao apelo do Governador, investir o seu capital na província, em demonstração inequívoca de um patriotismo prático, muito necessário nas circunstâncias presentes.
Pela Guiné e por um Portugal maior, mais próspero e progressivo!

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: A consideração que nutro por V. Exa., bem cimentada ao longo de quase quatro anos de contactos parlamentares, que me têm permitido verificar os conhecimentos, a isenção, o bom senso, em suma, a verticalidade humana de V. Exa., não me permite hoje comentar o que aqui se disse ontem.
Acresce ainda que a minha entrada nesta Câmara foi norteada com o desejo e intenção de ajudar a construir. Mesmo que pouco; mas ajudar a construir... o País que queremos para os nossos filhos.
E neste rumo, Sr. Presidente, irei imediatamente tecer algumas considerações sobre um ponto que me parece importante na elaboração dos estudos e projectos do IV Plano de Fomento.
Sr. Presidente: O Algarve é uma realidade geográfica bem nítida no contexto nacional.
O Algarve é, também, uma realidade económico-social e cultural bem definida.
O Algarve tem sido, desde sempre, uma realidade portuguesíssima, mas individualizada ao Sul do País, na região para além do Tejo e Sado e aquém do Guadiana.

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Já o era em 1444 pela Lei de 30 de Agosto, que D. João III confirma em 1527 no seu numeramento ordenado em carta régia de 17 de Julho do mesmo ano.
Mantém-se nos séculos seguintes o Algarve com a mesma configuração e limites, como bem o atestam escritos de Duarte Nunes de Leão em 1599 e Luís Caetano de Lima em 1736, até que em 1832 o Decreto n.° 23 de Mouzinho da Silveira altera os seus seculares e tradicionais limites, aglutinando a província baixo-alentejana à província do Algarve.
Esta divisão regional foi "fruste e efémera", como bem classificou o autor que estou a seguir, já que o conteúdo histórico e económico que informava os limites das antigas províncias foi nìtidamente olvidado por Mouzinho da Silveira.
O Decreto de 18 de Julho de 1835, referendado por Rodrigo da Fonseca Magalhães, e a Lei de 26 de Junho de 1867, de Martens Ferrão, voltam a considerar o Algarve como uma realidade político-administrativa individualizada com os limites que lhes foram e eram próprios desde, pelo menos, D. João III.
Assim continuou a suceder com as divisões regionais de Barros Gomes (1878), Amorim Girão e a do Código Administrativo de 1936, que, fundamentado naquele distinto geógrafo, definiu os actuais distritos e províncias metropolitanas.
É de salientar que a sobreposição dos limites província-distrito que ocorre na região mais meridional do País dá ao Algarve um cunho de certa individualização, bem marcado nas suas gentes, indelével e sempre presente em todas as manifestações sócio-políticas em que os Algarvios participam ou se pretenda que participem.
Mais recentemente, visando-se uma salutar política de desenvolvimento regional programado a partir de conveniente planeamento a nível de regiões homogéneas, bem dimensionadas e suficientes para se equacionarem devidamente os problemas presentes e futuros que envolvem o aproveitamento das potencialidades locais e o bem-estar das populações, foram definidas no continente, como é sabido, quatro grandes regiões plano, subdivididas em sub-regiões.
O Algarve, e muito bem, foi considerado uma sub-região da grande região plano sul que se estende pelos distritos de Portalegre, Évora, Beja e Faro.
Concordei, Sr. Presidente, na altura, com a divisão proposta no relatório do III Plano de Fomento e oportunamente decretada pelo Governo.
Concordei, portanto, que o Algarve se mantivesse integrado para assuntos de planeamento económico e social, na região plano sul, como uma sua sub-região, representada na respectiva Comissão Consultiva Regional por dois vogais nomeados pela Junta Distrital de Faro.
Com efeito, os elementos disponíveis na ocasião não permitiam, talvez, outra opinião e opção.
No entanto, presentemente, não estou bem seguro da validade do sistema e até estou convicto da necessidade de alteração, mesmo antes de se iniciar nesta Casa a discussão do IV Plano de Fomento, dos limites das actuais regiões planos e suas sub-regiões, como aliás está previsto no capítulo I, artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 48 905, de 11 de Março de 1969.
Parece evidente, e no que diz respeito à região plano sul, que novos condicionalismos e decisões, qual delas a mais importante, impõem a revisão atenta, segura e firme dos seus limites, e até porque se supõe que venham a ser, no futuro, relativamente estáveis.
O complexo de Sines e a forte atracção e dinamismo da região de Lisboa, que engloba a região potencialmente uma das mais ricas do País - o vale do Tejo -, pressupõem-se, e com tristeza o digo, a fatal desertificação de todo o sul e interior aquém do Tejo e para lá do Sado.
Noutras exposições tentei com todo o meu saber e boa vontade alertar quem de direito, no sentido de se lutar ou diminuir a negatividade da situação que se antevia e que, infelizmente, persiste, apontando a necessidade de rápida definição, consolidação e instalação de pólos de crescimento, complexos e zonas industriais que talvez viessem a equilibrar harmònicamente a região Sul com o colosso que é Lisboa e arredores e a futura grande cidade industrial que se irá criar em Sines e em relação à qual já aqui teci algumas considerações.
Não irei novamente repetir o que então disse.
Irei tão-sòmente lembrar o potencial demográfico ainda existente no Algarve e o surto de desenvolvimento económico e social que o turismo tem promovido naquela província, que até tem conseguido tapar, mascarar, as crises agudíssimas de índole agrária, das pescas e das conservas que ali ocorrem e a necessidade de rapidamente se definir o pólo de crescimento da região de Faro-Olhão e as zonas industriais de Portimão e Vila Real de Santo António e os respectivos portos, cujo desenvolvimento e apetrechamento aguardam ansiosamente tais definições e concretizações.
Sr. Presidente: Parece-me assim que, à luz das perspectivas que o complexo de Sines e os pólos e zonas industriais que aludi abrem para o Sul, urge com plena evidência a necessidade da definição de novas regiões e ou sub-regiões de planeamento.
Não direi que se adoptem as que foram apresentadas por Castro Caldas e Manuel dos Santos Loureiro em 1966: ou, mais tarde, por Correia da Cunha, já, certamente, também ultrapassadas, mas as que forem encontradas após urgente estudo do problema, que deixo muito confiadamente à consideração de S. Exa. o Ministro adjunto da Presidência do Conselho para o Planeamento Económico, convicto ainda de que as considerações que formulei ao iniciar a presente fala terão, certamente, cabimento válido nesse estudo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

Conforme anunciei ontem, a primeira parte da ordem do dia tem por objecto a eventual apresentação de reclamações sobre as rectificações ao Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa, aprovado pela Assembleia Nacional em 14 de Dezembro de 1972. Essas rectificações foram publicadas no n.° 215 do Diário das Sessões, como ontem também lembrei. Se algum de V. Exas. tem reclamações a apresentar sobre estas rectificações, tenha a bondade de se manifestar.

Pausa.

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O Sr. Presidente: - Se nenhum de V. Exas. deseja usar da palavra sobre o assunto, considero as rectificações definitivas.
Vamos passar à segunda parte da ordem do dia: apreciação do aviso prévio sobre meios de comunicação e problemática da informação em Portugal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castelino e Alvim.

O Sr. Castelino e Alvim: - Sr. Presidente: Quando o Sr. Deputado Magalhães Mota anunciou o aviso prévio sobre meios de comunicação social e problemática da informação, quis ter a amabilidade de me sugerir a intervenção neste debate.
Gostosamente a tal me dispus, na certeza de que, por fraco que fosse o contributo, o interesse do tema bem merecia o esforço de reflexão de cada um de nós.
Se então manifestei gosto em vir aqui pensar um pouco em voz alta, o tempo que decorreu desde o anúncio do aviso prévio, longe de diminuir o interesse da intervenção, antes veio reforçar a razão da mesma.
Com efeito, a actualidade do tema, que hoje sentimos tão intensa como ontem, veio-nos dar a certeza de estarmos a colaborar na análise de uma matéria cuja importância e interesse o tempo, longe de desgastar, mais aviva.
Vem-nos dar a certeza de que tudo o que se refere a informação e comunicação mereceu ontem, como merece hoje e continuará a impor amanhã, madura reflexão e ponderada apreciação.
Depois de ter ouvido com a maior atenção e interesse e não menor utilidade os colegas que me antecederam nesta tribuna, julgo não poder deixar de reflectir um pouco sobre as responsabilidades de uma sociedade organizada face à problemática da informação e da comunicação social nos nossos dias.
Verificamos, sem dificuldade, que o mundo em que nos movimentamos, a sociedade em que vivemos, está a abandonar os velhos padrões da sociedade de classes, que teve o último reduto na sociedade industrial do século passado, para dar lugar a uma sociedade de massa em que o dramático conflito das classes sociais cada dia mais esmorece, mais se atenua, mais se apaga.
Mas o apagar dos conflitos entre as classes de modo algum pode significar que a nova sociedade nasça, ou possa viver, sem problemas.
A sociedade nascente, como todos os tipos de sociedades que a precederam, traz em si mesma o vírus das suas próprias dificuldades - o mito da sua bondade.
A sociedade moderna abandonou o endeusamento de seres incriados ou de seres criados, esquece o homem como centro e razão de toda a vida social, para, progressivamente, se deixar dominar pelo grande número que, obstinadamente, vai exercendo uma pressão, dia a dia maior, sobre todo o poder organizado, procurando obter cada vez mais regalias, mais facilidades e até mais distracções.
Mas, a par desta luta, assiste-se igualmente ao esmagamento, dado o natural nivelamento por baixo, mais do que das elites, dos valores culturais e morais que essa sociedade de massa talvez não queira directamente contraditar, mas em que no seu movimento não repara, não vê, nem sente.
Os valores que constituíam o fulcro e a base das sociedades, que à nova sociedade deram lugar, subvertem-se face a uma insensibilidade crescente ou a um conformismo progressivo.
O valor moral e religioso cede, assim, o passo a subvalores ou contravalores.
Mas essa sociedade grande número, que se movimenta aparentemente libertada de grilhetas, dificilmente repara que nunca esteve mais próxima de se deixar conduzir, se não mesmo embriagar, por pequenos grupos de poder ou de pressão, que a acabam por conduzir a seu belo talante.
São aqui e hoje os trusts ou a alta finança; amanhã e ali os menagers ou os publicistas; acolá e depois os grupos de terror ou de sabotagem.
Na aparente força da sociedade de massa residirá porventura a sua terrível fraqueza.
Ora, uma das características da sociedade dos nossos dias reside, precisamente, no incontável número de mensagens que em cada momento a essa sociedade são dirigidas, queira ou não queira cada um dos seus elementos recebê-las.
A rádio, a televisão, o anúncio, os discos, os jornais e os panfletos entram-nos em casa ou no escritório, vêm ter junto de nós ao trabalho, como não conseguimos evitá-los nas horas de lazer.
A sociedade de massa encontra-se intimamente ligada, direi mesmo que pressupõe, à comunicação de massa, modeladora da cultura de massa.
Ora, a comunicação de massa, nos seus termos actuais, encontra-se industrializada ou tende para essa industrialização... e tem como produto, disse-o, a cultura de massa.
Cultura de que podemos discutir as virtudes ou os defeitos, mas que não podemos ignorar.
Como diria Levi-Strauss:

Não nos encontramos em presença de um fenómeno patológico, mas devemo-nos habituar a viver numa sociedade de grandes dimensões, no interior da qual há modelos culturais, totalmente heterogéneos, mas que não deixam de ser fenómenos culturais... a televisão é uma cultura, o yé-yé é uma cultura.

Tendo procurado situar o contexto em que se insere a problemática da comunicação nos dias de hoje, julgamos não poder deixar de tomar uma posição no que se refere à atitude do Estado perante os meios de comunicação social.
Vivemos e queremos continuar a viver num Estado ético que não só reconhece como se propõe assegurar o respeito por valores que o transcendem e que, inclusivamente, limitam a sua soberania.
Vivemos e queremos continuar a viver numa sociedade que desejamos cada vez mais progressiva, mas em que o progresso não signifique o atropelo de valores que consideramos básicos de uma civilização.
Vivemos e queremos continuar a viver num Estado em que os seus órgãos não atraiçoem o mandato que lhes é confiado pela Nação.
Se assim queremos continuar a viver, não podemos nós, como não pode o Governo, atraiçoar o valor de um mandato, como calcar aos pés princípios e normas que nos ultrapassam.
Tolerar abusos, admitir a quebra de princípios sagrados, cruzar os braços perante as afrontas à moral

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e à ordem, não é aceitar a participação, mas fomentar a alienação... não é governar, mas abdicar.
Abdicar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se raramente é fugir... muitas mais vezes é fingir.
Fingir que se não vê, fingir que se não ouve, fingir que se não sente.
E, na sociedade em que vivemos, quantas vezes não somos comparsas deste fingimento!
Fingimento mentira... fingimento compreensão... fingimento abdicação.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queremos deixar bem vincado o nosso voto contra tais abdicações.
Não pode a sociedade abdicar de conquistas que foram e são base de um tipo de civilização.
E porque a sociedade o não pode fazer, igualmente o não podem os seus órgãos, seja a que título for.
Somos por uma participação que desejamos se vivifique em cada dia.
Mas, porque o somos, não podemos confundir participação com abdicação, com cedência a teorias, usos ou práticas que ataquem a ordem, a moral e os bons costumes - não temos receio de que apodem de despotismo a intransigente defesa de uma ordem jurídica e moral que é orgulho de uma pátria e sinal de uma civilização.
Tentemos ser claros e não fujamos, sobretudo, a actuar com clareza.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só ao regressar, no fim do interregno parlamentar, de uma deslocação ao Estado portuguesíssimo de Angola - donde voltei mais seguro ainda, se tal fora possível, da obra magnífica de promoção sócio-económica que ali se está a realizar à sombra da bandeira nacional, e ainda mais certo do que antes, de que só essa mesma bandeira é capaz de assegurar tal desenvolvimento em termos de verdadeiro universalismo de raças, credos e culturas -, só ao regressar desta viagem, dizia, tive conhecimento da efectivação, agora, do aviso prévio.
Motivos de vária ordem, a maioria dos quais ligados à minha própria participação nos trabalhos da Assembleia, impediram, pois, de me preparar com a extensão e profundidade que, além das limitações pessoais, a mesma vastidão do tema naturalmente exigia.
Irei, portanto, procurar apenas trazer algumas simples achegas ao debate. E terei também de deixar de lado os comentários que me foram sugerindo, no seu decurso, algumas das intervenções já produzidas, resumindo-as a este único apontamento: de que a variedade, direi melhor, o pluralismo das opiniões expendidas, se é certo que em meu entender demonstra não existir o que se possa chamar um consenso da Assembleia sobre a matéria, demonstram, por outro lado, o óbvio e universal interesse de que se reveste, que manifestamente transcende muito o caso português. Por isso, também, aproveito para felicitar o Sr. Deputado Magalhães Mota pela iniciativa da apresentação do aviso prévio. E aproveito igualmente para o felicitar, bem como os restantes e igualmente ilustres Deputados intervenientes, pela forma, que se me afigura exemplar, pela qual o debate se tem processado.

O Sr. Magalhães Mota: - Muito obrigado!

O Orador: - Sr. Presidente: Nesta matéria, como aliás em muitas outras (quiçá em todas), a minha posição pessoal decorre basilarmente de dois factos: o de ser católico e o de ser português.
Aliás, em minha opinião, o segundo, em larguíssima medida, não é inteligível sem o primeiro, pois que não tenho dúvida em afirmar que o cristianismo foi, é, e será a argamassa que cimenta desde a sua fundação o próprio ser da Nação Portuguesa, sem menosprezo, aliás, por outras influências igualmente reais, mas menos sensíveis.
Em larga medida, creio não ser discutível que o fenómeno português, desde o seu início, é dificilmente explicável sem o fenómeno cristão. Mais especificamente ainda, sem o catolicismo. Daí também que, naturalmente, quando, como actualmente sucede, a igreja católica atravessa um período de crise, por muito fugaz que este seja em termos de eternidade, necessariamente Portugal tem de sentir-lhe as consequências, sofrendo-as na alma e na carne.
Este o motivo que me leva a pedir licença à Câmara para citar (mas não em tom elegíaco ...!) alguns trechos da Carta Apostólica Octogésimo Adveniens enviada pelo Papa Paulo VI, no octogésimo aniversário da encíclica Rerum Novarum, ao cardeal presidente do Conselho dos Leigos e da comissão "Justiça e Paz".
E, assim, principiarei por reproduzir os parágrafos que se referem especificamente à ideologia e liberdade humanas.
Diz o Papa:

Também para o cristão é válido que, se ele quiser viver a sua fé numa acção política, concebida como um serviço, não pode, sem se contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem: nem à ideologia marxista, ou ao seu materialismo ateu, ou à sua dialéctica da violência, ou, ainda, àquela maneira como ele absorve a liberdade individual na colectividade, negando, simultaneamente, toda e qualquer transcendência ao homem e à sua história, pessoal e colectiva; nem à ideologia liberal, que crê exaltar a liberdade individual, subtraindo-a a toda a limitação, estimulando-a com a busca exclusiva do interesse e do poderio e considerando, por outro lado, as solidariedades sociais como consequências, mais ou menos automáticas, das iniciativas individuais, e não já como um fim e um critério mais alto do valor e da organização social.
Será necessário sublinhar a possível ambiguidade de toda e qualquer ideologia social? Umas vezes, elas reduzem a acção política ou social, a ser simplesmente a aplicação de uma ideia abstracta, puramente teórica; outras vezes, é o pensamento que se torna instrumento ao serviço da acção, como um simples meio de uma estratégia. Em ambos os casos, não será o homem que corre o risco de ficar alienado? A fé cristã situa-se num plano superior e, algumas vezes, oposto ao das ideologias, na medida em que ela reconhece Deus, transcendente e criador, o qual interpela o homem como liberdade responsável, através de toda a gama do criado.

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Existiria perigo também em aderir a uma ideologia que não tivesse na sua base uma doutrina verdadeira e orgânica e em refugiar-se nela como se se tratasse de uma explicação cabal e suficiente de tudo, e de arranjar, de tal modo, para si mesmo, um novo ídolo, de que se aceita, por vezes sem disso dar-se conta, o carácter totalitário e constrangedor. E pensa-se encontrar nisso uma justificação para o próprio agir, mesmo que este seja violento, uma adequação para um desejo generoso de serviço; este permanece, mas deixa-se absorver numa ideologia que - muito embora proponha certas vias de libertação para o homem - acaba finalmente por o escravizar.
Se nos nossos dias se tornou possível falar de um retrocesso das ideologias, este pode ser um tempo favorável para uma abertura para a transcendência concreta do cristianismo; entretanto, pode ser também o perigo mais acentuado de se cair num novo positivismo: a técnica universalizada como forma dominante de actividade, como um modo avassalador de existir, mesmo como linguagem, sem que o problema do seu significado seja realmente posto.

Aqui termina a primeira citação.
Ela justificaria só por si um mundo de comentários.
Limitar-me-ei, de momento, apenas a um: quem, ao ouvir o que antecede, não poderá deixar de pensar no que tem sido de há oito séculos para cá a linha tradicional de ser e de devir da Nação Portuguesa?
Quem não poderá aqui encontrar a fonte perene de toda uma tradição nacional que rejeitou sempre quaisquer extremismos e, até, da prática de uma "democracia orgânica", qual é a do actual regime português, corporativo e social, baseado desde sempre na doutrina cristã. E, mais especificamente em nossos dias, na aplicação do progresso do País da doutrina social da Igreja como em notável discurso aos delegados do I. N. T. P. recordou ainda há pouco o Presidente Marcelo Caetano?
Passarei agora à segunda citação daqueles parágrafos em que Paulo VI se refere à sociedade política:

A dupla aspiração - à igualdade e à participação - procura promover um tipo de sociedade democrática. Diversos modelos foram propostos e alguns deles ensaiados; nenhum deles, porém, proporciona completa satisfação; e, por isso, a busca permanentemente aberta, entre as tendências ideológicas e pragmáticas. O cristão tem o dever de participar, também ele, nesta busca diligente, na organização e na vida da sociedade política. Ser social, o homem constrói o seu destino numa série de grupos particulares que exigem, como seu complemento e como condição necessária para o próprio desenvolvimento, uma sociedade mais ampla, de características universais, a sociedade política. Toda a actividade privada deve enquadrar-se nesta sociedade ampliada e toma, por isso mesmo, a dimensão do bem comum.
Isto, de per si, já diz bem qual a importância de uma educação para a vida em sociedade, em que, para além da informação sobre os direitos de cada um, seja recordado também o seu necessário correlativo: o reconhecimento dos deveres de cada um em relação aos outros. O sentido e a prática do dever são, por sua vez, condicionados pelo domínio de si mesmo, pela aceitação das responsabilidades e das limitações impostas ao exercício da liberdade do indivíduo ou do grupo.
A acção política - será necessário acentuar que se trata prevalecentemente de uma acção e não de uma ideologia? - deve ter como base de sustentação um esquema de sociedade, coerente nos meios concretos que escolhe e na sua inspiração, a qual deve alimentar-se numa concepção plena da vocação do homem e das suas diferentes expressões sociais. Não compete nem ao Estado, nem sequer aos partidos políticos que estivessem fechados sobre si mesmos, procurar impor uma ideologia, por meios que viessem a redundar em ditadura dos espíritos, a pior de todas. É, sim, aos grupos culturais e religiosos - salvaguardada a liberdade de adesão que eles pressupõem - que assiste o direito de, pelas suas vias próprias e de maneira desinteressada, desenvolver no corpo social essas convicções supremas, acerca da natureza, da origem e do fim do homem e da sociedade.
Neste ponto, é oportuno recordar o princípio proclamado recentemente no II Concílio do Vaticano: "A verdade não se impõe de outro modo senão pela sua própria força de verdade, que penetra nos espíritos, ao mesmo tempo suave e fortemente."

Terminarei agora com a terceira citação, referindo o trecho em que o Santo Padre trata dos meios de comunicação social:

Entre as mudanças maiores do nosso tempo, nós não queremos deixar de salientar a importância crescente que assumem os meios de comunicação social e o seu influxo na transformação das mentalidades, dos conhecimentos, das organizações e da própria sociedade. Eles têm sem dúvida muitos aspectos positivos: graças a eles, chegam até nós, quase instantaneamente, as informações do Mundo inteiro, criando um contacto que elimina as distâncias, elementos de unidade entre todos os homens, e facultando uma difusão mais extensa da formação e da cultura.
Entretanto, estes mesmos meios de comunicação social, pela sua própria acção, chegam a representar como que um novo poder. E como não interrogar-se, então, sobre os detentores reais de tal poder, sobre as finalidades que eles intentam, sobre os meios que eles adoptam e, enfim, sobre a repercussão da sua mesma acção, quanto ao exercício das liberdades individuais, tanto no domínio político e ideológico como na vida social, económica e cultural? Sobre os homens que detêm este poder pesa uma grave responsabilidade moral, pelo que respeita à verdade das informações que devem difundir, pelo que respeita às necessidades e às reacções que elas suscitam e, ainda, pelo que respeita aos valores que elas propõem.
Mais ainda: com a televisão é um modo original de conhecimento e uma nova civilização que se esboça - a da imagem.

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Naturalmente os Poderes Públicos não podem ignorar a potência crescente e a influência dos meios de comunicação social, bem como as vantagens e riscos que o seu uso comporta para a comunidade civil, e, ainda, o seu desenvolvimento e real aperfeiçoamento.
São eles, portanto, chamados a desempenhar a própria função positiva de bem comum, encorajando todas as expressões construtivas, auxiliando cada um dos cidadãos e dos grupos, na defesa dos valores fundamentais da pessoa e da convivência humana e, também, actuando de tal maneira que se evite, oportunamente, a difusão de tudo aquilo que vá atingir o património comum dos valores, sobre os quais se funda o progresso civil bem ordenado.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com este texto, que, insisto, não é meu, mas de S. S. Paulo VI, que foi cardeal-arcebispo da metrópole industrial de Milão, que foi Secretário de Estado do Papa Pio XII, de gloriosa memória, com este texto, dizia, poderia praticamente concluir a minha intervenção, na medida em que fica já referido quanto se me afigura essencial no que concerne aos meios de comunicação social, nomeadamente o seu imenso poder sobre as pessoas e sobre as colectividades; a ambiguidade resultante da possibilidade do seu bom e mau uso, a pesadíssima responsabilidade que impende sobre quantos detêm em maior ou menor grau uma parcela do seu poder. Finalmente a responsabilidade última, em termos sócio-políticos, do Governo, português ou outro, relativamente ao bem comum, e, portanto, o direito e o dever de intervenção da autoridade pública, relativamente ao bom ou mau uso dos meios de comunicação social.
Irei apenas acrescentar uns breves comentários, começando por aquele último ponto.
Na realidade, mais ainda no caso português, o problema fica distorcido quando se procura reduzi-lo apenas ao do maior ou menor respeito pela liberdade de informação.
Aquilo que é fundamental respeitar, acautelar e desenvolver é, sim, a "verdade" da informação, de que a "liberdade" é apenas um dos aspectos, sujeita, como todas as restantes liberdades concretas, a limitações que, como o Papa claramente afirma, são as que decorrem do bem comum e do respeito por cada uma das pessoas humanas, individualmente consideradas.
É de conhecimento geral que a demagogia - e a demagogia é sempre um atentado contra a verdade -, a demagogia das oposições, dizia, entre nós como no estrangeiro, se esquece em regra de defender o direito à "verdade" da informação (quando não o atropela conscientemente!) para defender, apenas, o da "liberdade" de informação, entendida esta como direito de essas mesmas oposições dizerem, escreverem ou projectarem quanto lhes apraz, sem limitações que não sejam as do seu próprio interesse ou da interpretação que elas próprias fazem do bem comum.
Nesse aspecto, torno a insistir, aquilo por que se deve pugnar, e eu por mim pugnarei sempre, é pelo direito a uma informação "verdadeira", "socialmente útil", na sua oportunidade e no seu conteúdo, e "respeitadora" da pessoa de cada um.
Estes objectivos exigem vários requisitos, entre os quais a liberdade de informação. Nenhum deles, porém, é, nem pode ser, um fim absoluto em si.
Quanto ao "exame prévio", já várias vezes aqui referido, custa-me a entender que ainda haja quem diga que não representa progresso substancial relativamente ao regime de censura.
Este era de aplicação permanente, independentemente da conjuntura, ao passo que aquele constitui um dispositivo estritamente de emergência, limitado na sua aplicação somente àquelas matérias consideradas sensíveis em termos de defesa das pessoas e dos bens, em suma, do património nacional, e que cessará, conforme prescreve a Constituição, logo que deixem de existir os actos subversivos graves que têm vindo a verificar-se desde 1961, provocados do exterior, alimentados do exterior, incentivados do exterior!
A maneira mais rápida de eliminar o "exame prévio" é acabar com a subversão.
Simplesmente, a solução do problema não está nas mãos do Governo Português, mas sim de quem fomenta os ataques de que a Nação é vítima: se realmente tais nações e interesses estranhos estão tão interessados como afirmam em contribuir para maior liberdade de informação em Portugal, por que não tomam a iniciativa de estancar o auxílio ao terrorismo, e assim acabar com ele?
Vejamos agora, para terminar, quais são os detentores do poder nos meios de comunicação social sobre os quais, no próprio dizer de Paulo VI, pesa tão grande responsabilidade moral.
Pois, além dos servidores públicos ligados ao sector, a nível de topo ou de execução directa, são principalmente os administradores das empresas, donas ou operadoras dos meios de informação (incluindo os publicitários); são os directores dos jornais ou das estações de rádio e televisão; são os chefes de redacção e redactores, correspondentes, fotógrafos; são os próprios agentes publicitários.
De facto, nesta matéria de comunicação social muitas vezes se verifica tanta influência ter o dirigente de topo como o "agente de comunicação", a nível, por exemplo, de redactor ou de fotógrafo.
E assim é que pode ser tão legítimo falar em contrôle dos Poderes Públicos, ou das empresas, como, em outras circunstâncias, por exemplo, no das redacções.
Neste aspecto, e por muito que possa pesar a alguns, não conheço "nenhum" sistema de informação que não seja controlado por alguém ou por vários - e, portanto, manipulável, para bem ou para mal: daí a sua ambiguidade intrínseca.
Daí também fazer-me alguma tristeza o farisaísmo com que frequentemente se fala no uso, e nos abusos, da autoridade do Estado nesta matéria - e sistematicamente se passa em claro... o uso, os abusos, dos restantes detentores do poder efectivo nos meios de comunicação social.
Adiante!
E quais são os requisitos a, que devem satisfazer tais responsáveis, a todos os níveis?
É ainda da boca do Papa que ouviremos a resposta, embora originariamente ela tenha sido dada em outras circunstâncias: é necessário que possuam e demonstrem "competência, honestidade" e recto "sentido social".

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Grande parte, se não a totalidade, dos problemas e das carências que ainda hoje se verificam na informação e na comunicação social, em particular entre nós, se irão resolvendo por si, na medida em que, ainda mais do que até agora, os seus responsáveis, no sector público como no privado, procuram sistematicamente aperfeiçoar a sua competência profissional, apurar a sua honestidade de processos e de intenções e, finalmente, desenvolver cada vez mais o seu sentido de serviço da comunidade nacional e internacional - entendidas em termos concretos, não utópicos, nem demagógicos -, de seres com vocações específicas (em certa medida transcendentes no próprio plano da Providência).
Sr. Presidente: Na conclusão do "sumário" do aviso prévio que o Sr. Deputado Magalhães Mota fez o favor de me mandar no mês passado, diz o meu ilustre colega tornar-se prioritàriamente necessária, entre outras coisas, "uma imagem de Portugal novo".
Por meu lado formularei o voto de que os meios de comunicação social portugueses vão dando, cada vez mais oportuna e fielmente, para o interior e para o exterior, a imagem de um Portugal europeu, africano, asiático - e até americano, na sua expressão brasileira - cada vez melhor e mais decididamente empenhado na construção de si próprio e, deste modo, também na construção - em justiça e em paz - do novo século XXI.
Tenho dito.

O Sr. Almeida Cotta: - Sr. Presidente: A política de informação seguida em Portugal foi neste debate largamente examinada e por alguns Srs. Deputados posta em causa.
Creio, porém, que as críticas foram em muitos casos profundamente injustas.
Dizer-se, por exemplo, que o Poder se sente perturbado face aos novos sistemas de informação poderá considerar-se um juízo justo e exacto?
O Poder não teme, nem tem de temer, a informação honesta e verídica. Mas todos nós temos de recear a informação precipitada, a informação desvirtuada, a informação destorcida, a informação tendenciosa, a informação que, sem motivos, alarma e atinge o crédito do País ou os interesses das pessoas.
Nunca, como nos últimos anos, os homens que exercem o poder procuraram com tanta diligência ter a Nação ao corrente do que se faz, ao mesmo tempo que tão largamente auscultaram os anseios, os desejos e até as opiniões dos cidadãos.
A televisão e a rádio têm sido utilizadas para informar o público das ideias do Governo, das suas resoluções e das realizações colectivas.
Diz-se que se deve transcender a simples política do noticiário, para logo, contraditòriamente, se condenar o comentário crítico e esclarecedor.
Diz-se que se deve deixar de pôr o acento tónico na tradição e no passado, como se os meios de informação se limitassem entre nós à apologia da história e não estivessem quotidianamente a dar conta de um esforço consecutivo de desenvolvimento económico e de fomento da instrução e da cultura.

O Sr. Magalhães Mota: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Magalhães Mota: - Em primeiro lugar, V. Exa. estava - e julgo tê-lo seguido com atenção - a notar uma contradição ao salientar que a política de informação que prosseguimos tem sido essencialmente uma política de noticiário. É V. Exa. mesmo quem, mais adiante, salvo erro, vem apontar que a política seguida em matéria de desenvolvimento tem sido noticiar o progresso e o desenvolvimento.
Se bem ouvi, parece que a contradição estará mais nas palavras de V. Exa. do que nas minhas.
Em segundo lugar, o que V. Exa. igualmente criticou foi a oposição entre o noticiário e o comentário. Ora eu julgo que quando se pretende transcender uma política de noticiário é pensar-se que a informação tem alguma coisa mais a fazer do que simplesmente relatar factos. E tem ainda mais do que também o simples comentário desses factos. Há mais missões de informação. E é quanto a esses aspectos, que não são atingidos, ou que pelo menos não me parece serem atingidos, que eu julgo que se deve transcender a simples política de noticiário.
E lembro, quando V. Exa. fala na política de comentário, que esses comentários vêm sendo introduzidos muito recentemente. E estes comentários têm um objectivo que me parece bastante nítido. É que, perante uma informação que se apresenta com aspectos diversos da informação tradicional, as pessoas sentem ainda necessidade de se orientar, e o comentário surge mais como orientação do que propriamente como comentário.
O último aspecto era o do acento tónico na tradição e no passado. Creio, Sr. Deputado, que esse aspecto é por de mais evidente. Basta pensar, por exemplo na nossa televisão, no simples elenco de títulos: "Presença do passado", "O Tempo e a Alma" e um programa sobre curiosidades históricas. Tem toda uma série, muito mais, efectivamente, do que os pontos voltados para o futuro.
Parece-me que é muito importante a história, e longe de mim rejeitá-la, ainda para mais quando, felizmente, o património histórico que possuímos é de molde a que todos dele nos orgulhemos. Mas o que eu gostaria era de que também fôssemos capazes de olhar em frente. Gostaria, por exemplo, de que o culto dos nossos heróis fosse feito não em estilo de homenagem póstuma atrasada, mas a aproveitar a actualidade do seu exemplo e da sua lição. Parece-me que este é um conceito um pouco diferente daquele conceito meramente referenciador das glórias passadas; é o tomar assento nelas, para sermos capazes de as projectar no futuro que queremos construir. E daí as minhas observações.

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota: Tenho muita consideração por V. Exa., mas devo dizer-lhe que este método de esclarecimento, este processo de trabalho, não me parece ter grandes virtualidades - isto, pelo muito respeito que tenho pelo lugar donde falamos e pelo auditório para que falamos.

O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!

O Orador - Quero com isto significar que, quer a pergunta, quer a resposta, estão um pouco viciadas de uma certa improvisação: V. Exa., porque não pode saber o que eu viria dizer; eu, porque não posso calcular aquilo que me viria perguntar.

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Realmente não acho um interesse de maior neste diálogo. Não me entusiasma, e não me entusiasma por aquilo que acabei de explicar.
Por outro lado, corta o fio ao meu pequeno discurso.

O Sr. Magalhães Mota: - Peço desculpa.

O Orador: - Eu vou, no entanto, procurar responder a V. Exa. rapidamente. Mas se outras dúvidas tiver, eu acho que lhas poderei esclarecer acto contínuo, assim que acabe, visto que posso presumir que as dúvidas sejam apenas suas, porque não tenho indicação de que sejam de mais alguém.
Em primeiro lugar, melhor, por aquilo que em último lugar disse, que é o que me recorda mais - a sua pergunta sobre o primeiro ponto foi um pouco extensa -, como dizia, no segundo ponto que apresentou, ou seja, o do acento tónico na tradição e no passado, V. Exa. apresentou três exemplos tirados dos programas da televisão.
Falou de um programa que me parece ser do Sr. Dr. Hermano Saraiva e de um outro programa que já me não recordo, mas que é um programa semanal, suponho eu.
V. Exa. disse há bocadinho que a nossa história é suficientemente rica para que nos orgulhemos dela. Pois parece-me que um programa semanal sobre reminiscências históricas, que não se limitam apenas a dizer que fulano nasceu em tal época e tiram a interpretação que pode ajudar a construir o futuro, pois eu tenho a impressão de que essas reminiscências históricas, que ajudam a reconstruir o futuro, são da maior utilidade e não abusam do tempo, porque, ao que suponho, eram quinzenais ou semanais.
Quanto a outro ponto, V. Exa. referia-se à contradição.
Não há contradição nenhuma, parece-me. V. Exa. é que apontou uma contradição que não existe: disse que deve transcender-se a simples política de noticiário, para logo, contraditòriamente, se condenar o comentário crítico.
Pois, se se faz o noticiário e se V. Exa. diz que o noticiário é pouco, e é preciso o comentário, eu estou inteiramente de acordo e isso não contraria nada essa posição.
O que V. Exa. diz é que o comentário talvez não chegue, ou não será como V. Exa. entende que ele deveria ser feito, sobre determinados assuntos.
Mas isso, bem vê, é difícil adivinhar qual seria o comentário que se ajustasse à sua maneira de ver, qual seria o comentário mais certo em função de determinadas circunstâncias ou determinados acontecimentos.

O Sr. Magalhães Mota: - Não é isso.

O Orador: - Não era?

O Sr. Magalhães Mota: - A minha ideia é que a informação não se reduz à notícia.

O Orador: - E não. Tanto assim que V. Exa. faz a crítica à simples notícia e depois também faz a
crítica ao comentário. De maneira que não há só notícia. Há notícia e há comentário, e não me satisfaz nem só a notícia nem só o comentário.

O Sr. Magalhães Mota: - E não é só também a notícia mais o comentário. São mais coisas. Todo o contexto que é transmitido é ainda informação.

O Orador: - Está bem. E que é que isso tem?

O Sr. Magalhães Mota: - Todos os programas, por exemplo, ainda no domínio da televisão, também eles são uma forma de comunicação social. E são, por isso, informação. A informação deve transcender o simples noticiário. E o que me parece que é um defeito da política vigente é só se preocupar com o tal noticiário. O resto é também informação.

O Orador: - Mas não, porque V. Exa. verifica que, além do noticiário, também há comentário, também há comunicação, também há exposição. Ora, V. Exa. critica não apenas o noticiário e o ponto histórico desse noticiário, mas também critica quando há comentário.

O Sr. Magalhães Mota: - Não é isso.

O Orador: - Se V. Exa. me permite, eu vou continuar.
E até se procura isolar a acção de certo Ministério, merecedora de todo o nosso aplauso, como se essa acção não se integrasse num programa governativo, não representasse parcela de um conjunto e fosse possível sem a orientação, o impulso e o apoio do resto do Governo e do seu chefe.
Não é exacto que a política da informação não esteja actuando poderosamente no sentido do desenvolvimento e da inovação.
Menos ainda que essa política queira uma informação "sistemàticamente calada perante a vida".
Só temos de nos entender a respeito das premissas fundamentais da política de informação.
Se nos colocarmos numa posição relativista e céptica, liberal à moda antiga, o Estado abstém-se de respeitar e de defender valores sociais e morais.
Admite que tudo quanto possa surgir através dos meios de informação é útil, seja a apologia do anarquismo, seja a traição à Pátria, seja a perversão da família, o exagero do sexo, o culto da violência, o incentivo à indisciplina, e assim por diante.
O Estado, como Pilatos, assiste e... lava as mãos.
Os cidadãos que escolham. Os cidadãos que optem entre o pluralismo das ideologias, dos sistemas, das ilusões, dos mitos e até da própria ordem moral. Só que, nos tempos correntes, os "pluralistas" que dominam na informação tendem para uma banda só: a banda do socialismo que leva ao totalitarismo desumanizador, materialista, ateu, desagregador das pátrias e das consciências.
Para quem acredite no ideário marxista do processo histórico e creia, portanto, na fatalidade do advento de uma "sociedade sem classes", que muitos se esfalfam agora em apresentar com face humana, mas que até hoje nunca mostrou senão a face da violência e da opressão - quem acredite nessa fatalidade, claro que deve preconizar a passividade dos go-

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vernos das sociedades ditas burguesas, perante o ataque macisso a todas as suas crenças, a todos os seus princípios, a todas as suas estruturas espirituais, jurídicas e económicas.
A política da informação será, então, a de favorecer tudo quanto encaminhe, ajude e acelere o advento do grande dia da revolução social.
Mas se não é este o ponto de vista adoptado, se os homens não se demitem de intervir, ou se preferem participar na construção do seu próprio destino e, portanto, na feitura da história, então temos de admitir que as sociedades de livre iniciativa acreditem em certos valores à roda dos quais criam consistência, coesão e duração.
Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se acreditamos nesse valores, se acreditamos em Deus, na Pátria, na família, na autoridade e se repudiamos tudo aquilo que hoje destrói o corpo e a alma da juventude em alguns países tidos por hipercivilizados, e avilta a dignidade das pessoas, havemos de praticar uma política de informação que ignore essas atitudes fundamentais da sociedade a que pertencemos? E que renuncie à legítima defesa contra o ataque visando destruí-la?
Essa é a grande opção posta neste debate à Assembleia, opção que em nossa consciência todos nós já fizemos e sobre a qual tomámos posição irrevogável.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Quereria começar ainda, uma vez mais, por sugerir uma primeira reflexão. Sobre três pontos:

1.° Não sei se alguém terá pensado na dimensão política de dois slogans publicitários de largo sucesso. Um foi lançado através do Mundo e explicava ser "Portugal - o segredo mais bem guardado da Europa". O outro é da própria Secretaria de Estado da Informação e fala-nos do "Portugal desconhecido".
Penso que valerá a pena a uma assembleia política reflectir uns momentos sobre a verdade de ambos os textos e penso que valerá especialmente a pena fazê-lo quando conjuntamente reflectimos sobre uma política da informação.
Até que ponto a política da informação que praticamos nos transformou, realmente, para o Mundo no "segredo mais bem guardado" e conservou, para todos nós, aqui e agora, um país "desconhecido"?
Até que ponto a imagem que de nós fornecemos ultrapassa o ritualismo de um conjunto de actos oficiais e de faits-divers?
2.° Não será mais importante, e sério, colocarmos todas as energias, toda a nossa capacidade, no esforço de imaginação e vontade capaz de nos conduzir à adopção de uma nova política do que empenharmo-nos em gabar "excelências" que não tem, defender virtudes que ninguém atacou ou negar a evidência dos erros e das falhas da política de informação que possuímos?
Creio que um balanço deste debate não poderá deixar de ignorar tal facto.
3.° Outro facto igualmente relevante que não posso nem quero calar: a maneira como este debate foi relatado ou silenciado por alguns órgãos de informação é, por si só, parece-me, elucidativa da problemática da informação em Portugal.

No fim do debate vejo, para mim ao menos, reforçada a convicção, que no início exprimi, da oportunidade deste aviso prévio.
Não só por, de há três anos a esta parte, não ter sofrido alterações sensíveis a política de informação.
Mas, muito especialmente, porque julgo que o debate cumpriu, pelo menos, uma das suas missões, e isto na medida em que proporcionou, aqui e lá fora, agora e no futuro, o "julgamento" (no sentido inteiro da palavra) de uma política de informação.
Disse pretender usar a palavra "julgamento" no seu sentido pleno. Acrescento, e antecipo-me, à pergunta: em nome de quê se pode julgar uma política de informação? Equivale tal "julgamento" a amarrá-la a qualquer pelourinho?
Penso incontestável que, não só na Assembleia Nacional, temos o direito e o dever de julgar as políticas a que somos sujeitos ou nos são propostas: o direito, porque elas nos dizem, a nós e aos nossos filhos, respeito; o dever, porque só se é verdadeiramente homem quando comprometido a todos os níveis da existência individual e colectiva.
Não tenho ilusões. Sei bem que as maiorias são cada vez mais silenciosas... Mas penso que não podemos nem devemos ser espectadores da construção do futuro. Do futuro aqui e agora. Da terra que amamos e queremos. De que todos, todos, somos responsáveis.
Também não penso que o "julgamento" seja possível através de critérios absolutos, capazes de impor-se à aceitação de todos. Por isso à pergunta "julgar em nome de quê?" não penso possível outra resposta que o afirmar-se julgamento em "nosso" nome, da ideia que fazemos de nós mesmos, da sociedade em que nos integramos, do futuro que lhe desejamos.
Por isso também penso que é participando que se medem as consequências das opções tomadas, que se eliminam as reacções mais epidérmicas e se reforçam as mais profundas. E é precisamente por assim pensar que gostaria de ver a possibilidade de participação alargada e não concebo bem as tais "maiorias silenciosas".

O Sr. Pinto Balsemão: - Muito bem!

O Orador: - Não penso, aliás, desviar-me da questão nuclear deste debate, se salientar a discussão aqui esboçada a propósito do "pluralismo".
O ponto era ser ou não o pluralismo desejado, como estarão lembrados, ou servir, "quando muito, de paliativo, de assunto para alguns (não todos, claro) jornais, de tabu para o telejornal", para usar as próprias palavras do Deputado Pinto Balsemão. Daqui se derivou para a existência e manifestações de pluralismo nesta legislatura e em termos de "maioria" e "minoria".
Tenho para mim que o problema de "maioria" e "minoria", em termos rígidos, se põe exclusivamente para aqueles Deputados que nunca perderam qualquer votação. E houve muitos.

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Mas gostaria também de acrescentar a ideia de que o chamado "princípio da maioria" se pode, em política, entender de dois modos fundamentais: ou serve um processo e é um simples meio, uma técnica, ou se transfigura em ponto de doutrina, tira o valor de si mesmo e é, então, como diz Leclercq, o "dogma da maioria".
No primeiro caso, a maioria tem em conta a minoria. No segundo, o seu ideal e tendência são para a unanimidade.
Ou como, sintetizando, diz o mesmo Leclercq (C. Leclercq - Le principe de la majorité, pp. 28 e 29): "o dogma origina o domínio pelo número: a técnica é 'a garantia da liberdade pelo número'".
Não tenho dúvidas sobre qual o caminho escolhido nesta X Legislatura. Nem as tenho sobre como é estreita a via deixada a um "pluralismo" sem influência nas decisões.
Só quereria acrescentar que, se é impensável uma sociedade sem poder - e por isso é indispensável afirmar o seu papel -, também é necessário pensar-se que o poder é apenas um meio, embora seja o meio pelo qual uma sociedade mantém a sua coerência e define o seu futuro.
É, por isso, perfeitamente legítima a procura dos caminhos do futuro. E não será lógico, aqui pelo menos, que se admita uma ideologia única e, por isso, totalitária.
Nem parece que, como Montesquieu, possamos interrogar-nos: "Como é possível ser-se persa?" (Carta XXX das Lettres Persanes).
Daqui decorre, naturalmente, a feição pluralista da informação. Informação e monolitismo são coisas, em si mesmas, contraditórias.
Daqui decorre também que deve ser livre a informação; e que possa ser livre.
Parece que chegámos a acordo quanto ao dever ser livre, mas já não quanto ao poder.
Aí é a minha vez de interrogar: Porquê? Por deficiências dos órgãos e dos agentes de informação? Do público? De uns e de outros? Quais são essas deficiências? Estão a corrigir-se? Desde quando?

O Sr. Almeida Cotta: - Desde sempre!

O Orador: - Ou não estaremos a mascarar o nosso impenitente imobilismo detrás de uns quantos alibis, entre os quais o avolumar falhas e erros naturais a quem "experimenta"? Ou são alguns interesses que impunemente pretendem o exclusivo de rotular as ideias e as pessoas?
Julgo que o respeito mútuo, que implica para cada um o respeito pela liberdade dos outros, é incompatível com esta ideia restritiva.
Aliás, para quem mede a validade dos conceitos pela sua antiguidade é, certamente, consolador lembrar que já Heraclito falava da harmonia da "multiplicidade e no pluralismo".
Por nós, ainda, que fomos dos primeiros a discutir ideias das autoridades que a experiência das navegações mostrara falsas, como no Esmeraldo, diz Duarte Pacheco: "a experiência, que é madre das coisas, nos desengana, e de toda a dúvida nos tira".
É que das muitas críticas de que são passíveis as censuras, uma as sobreleva neste nosso tempo: se é certo que se não conhece o evoluir da realidade, não significará fazer correr ao País graves riscos o fechar-se-lhe o campo da informação? Não valerá a pena assumirmos corajosamente, responsàvelmente, os riscos da crítica?
Não valerá a pena ter a força de alma necessária para olhar de frente o que, a propósito da história, escreveu Herculano no prefácio da primeira edição da sua História de Portugal:
A crítica, dizem eles, mata a poesia das eras antigas - como se a poesia de qualquer época estivesse nas patranhas muito posteriormente inventadas. São excelentes talvez as suas intenções; não sei se o mesmo se poderá dizer da sua inteligência ... Sei que a ciência da história caminha na Europa com passos ao mesmo tempo firmes e rápidos, e que, se não tivermos o generoso ânimo de dizermos a nós próprios a verdade, os estranhos no-la virão dizer com mais cruel franqueza...

Como, a propósito de outro problema, se escreveu:

Neste país legalista, o gosto do formal leva-nos muitas vezes a perder a noção das proporções, a omitir a realidade, para que na verdade truncada se contenha a beleza absoluta das nossas concepções. (Prof. Engenheiro Delgado Domingues, in "Evolução e Tendências do Ensino de Engenharias", Revista Técnica, 1969.)

Julgo aqui residir a razão principal para que uma crítica a este debate tenha julgado nele detectar um carácter vago apenas porque não se centrou exclusivamente no problema do exame prévio.
Aceitando a crítica (naturalmente), parece-me ter-se perdido um pouco a noção das proporções: o problema da informação não se reduz, em Portugal, ao da imprensa. Mas, mais importante que isso, me parece sublinhar outro ponto de vista: é que as censuras, num mundo em constante transformação, não parece possam recorrer a outros critérios do que o abafar de quanto não seja a manutenção do status quo, os domínios do "já feito", do "já sabido".
Aqui reside o problema autêntico de uma informação que se pretende possa desempenhar um papel activo no processo social de desenvolvimento.
Sabemos todos, hoje, que a alternativa que se nos depara é uma só: ou o desenvolvimento necessariamente rápido, ou a estagnação e o retrocesso pelo atraso crescente.
Mas "ninguém se poderá legìtimamente afirmar partidário do progresso se não aceitar as suas implicações..." (Jean Fourastiè, Le grand espoir du XX siècle.)
Permitam-me que saliente como particularmente importante, até por isto mesmo, o consenso que me pareceu ter-se estabelecido em relação à necessidade de uma "imagem de Portugal novo".
Com todos os seus atributos de visão não caricatural. Um romantismo, de evasão da realidade, é incompatível com o desenvolvimento. Nem é, certamente, o embotamento da imaginação o objectivo pretendido com uma tonalidade piegas e morna a envolver a imagem do País.
"Patrioteiro" é, também, atitude que só por lapso se reivindica. E, já agora, acrescento que essa imagem de Portugal novo implica também um patriotismo prospectivo, e não apenas retrospectivo.

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Muito ràpidamente, porquanto gostaria de cumprir os limites de tempo regimentais dos restantes pontos aflorados ao longo do debate, parece-me dever ressaltar os seguintes:

1) O monopólio da informação é contraproducente na medida em que gera a incredibilidade.
Haveria, assim, que modificar os entraves legais que se opõem à criação de emissores de rádio e assegurar o acesso à TV (se se entender manter depois de 1975 uma única concessionária);
2) A problemática da recepção da informação é particularmente ignorada na política vigente.
Não existem possibilidades de feed-back, nem se promove a liberdade e o gosto da reunião, que possibilitam a recepção em grupo;
3) Parece indispensável o alargamento do espaço-tempo em que nos movemos através da informação.
Precisamos de poder seguir um noticiário internacional sem dramatismos de encomenda, um carregamento de ironias provincianas ou o partidarismo apriorístico de quem vê e mede o Mundo pela bitola e com a superioridade da sua aldeia do século passado;
4) O fomento da informação especializada, uma vez que já não se afigura possível falar ou escrever sobre todos os assuntos, afigura-se também da maior importância e, com possíveis excepções, no que se refere às letras e artes plásticas e economia, corresponde a uma lacuna da nossa informação;
5) A situação ético-jurídica da publicidade em Portugal é alguma coisa que faz pensar. Parece urgente retirar-lhe a possibilidade (que detém e, por vezes, usa) de actuar subliminalmente e com ofensa de numerosos direitos dos utentes;
6) O problema das taxas de rádio e televisão carece de urgente revisão. Como se sabe, a televisão tem diversas receitas, das quais a maior é a da publicidade, mas de que o produto da cobrança de taxas também conta. Nos últimos tempos a sua actividade tem sido lucrativa e, assim, os accionistas, sob forma de dividendos, beneficiam das taxas que pagamos.
Estará certo? Penso que não.
Posso acrescentar (e tais elementos oficiais devo à generosa amizade do Deputado Dr. Alberto Meireles, que os requereu e obteve) que o número de processos executivos por taxas em dívida instaurados nos juízos fiscais nos anos de 1966 a 1971 ascendem a 2 443 084 - e abstenho-me de deste número tirar quaisquer ilações.
Acrescentarei apenas que os encargos com o serviço de cobrança de taxas, calculados penso que por defeito e sem incluir, portanto, as despesas inerentes ao funcionamento dos tribunais, ascendem, no mesmo período, a 125 693 237$50, com mais 23 813 868$80 pagos aos CTT por despesas de cobrança.
Claro que as receitas obtidas são cerca de dez vezes superiores a esta despesa.
Mas, assim mesmo, parecem-me os números das despesas capazes de fazer pensar. Eles são, por exemplo, na sua média anual, e em relação ao orçamento para o ano em curso, idênticos ao valor das bolsas de estudo, metade do atribuído para a promoção da saúde pública, um quarto do atribuído para electrificação rural {Diário do Governo, l.ª série, n.° 302, p. 2144).

Sr. Presidente: Ainda que o nosso Regimento a tal não obrigue, é habitual que o debate de um aviso prévio se encerre com uma moção.
Creio que, pelo menos no que a experiência me ensinou, essa moção, até para ser aceite, acaba por refugiar-se em vagas formulações ou enunciados de propósitos.
Não penso, por isso, que elas acrescentem ao debate mais que uma síntese, porventura solene mas nem sempre, sequer, objectivamente representativa, e que nenhuma força especial elas detêm, porquanto a nada nem a ninguém verdadeiramente obrigam.
Penso, assim, que o Governo estará já na posse de todos os dados. E que, se a Assembleia quiser, não sugerir mas impor as suas opiniões, é por força constitucional e legislando que terá de o fazer.
Por isso, Sr. Presidente, nenhuma moção apresentarei.
Custar-me-ia, aliás, encerrar um debate que penso deverá continuar.
Julgo que algumas soluções terão ficado suficientemente explicitadas.
E que, como disse um político conhecido (Pierre Mendès-France), "estas soluções podem construir-se numa ordem que não mais será a do silêncio, que não mais será a aparência enganosa e frágil de uma sociedade presa da dúvida e do mal-estar, mas o fruto da adesão, da confiança e da justa esperança de um povo inteiro que terá escolhido, ele próprio, o seu destino, livremente".
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não está mais nenhum orador inscrito para este debate, pelo que o dou por encerrado.
Antes de encerrar a sessão e marcar a ordem do dia para a próxima, quero dirigir daqui um especial apelo às comissões parlamentares que estão encarregadas do exame das propostas de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada e sobre os agrupamentos complementares de empresas para acelerarem os seus estudos, porquanto, embora lhes possa conceder a tarde de amanhã e o dia imediato para melhor desenvolvimento dos seus trabalhos, entendo necessário que a ordem do dia da próxima sessão seja já para início da apreciação na generalidade da proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada.
É esta a ordem do dia que marco para a sessão da próxima terça-feira, 13 de Fevereiro. Será a que se

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segue à de hoje. Entretanto, espero que as comissões parlamentares convocadas em exercício possam encontrar úteis para a continuação e ultimação dos seus trabalhos estes dois dias de folga.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rui Pontífice Sousa.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Correia das Neves.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João Pedro Milier Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
Pedro Baessa.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Requerimento apresentado na Mesa no decorrer da sessão:

Nos termos constitucionais e regimentais, requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos, com a maior brevidade possível, os seguintes elementos de informação:

1) Cópia das conclusões dos relatórios, anteriores e posteriores à elaboração do programa da disciplina de Introdução às Ciências Humanas, directamente relacionados com esta disciplina e com o respectivo programa;
2) Quem foram os autores materiais do citado programa?
3) Quem orienta actualmente, do ponto de vista pedagógico, a mencionada disciplina de Introdução às Ciências Humanas?
4) Está em preparação o programa de um escalão subsequente da disciplina de Ciências Humanas? Em caso afirmativo, quem são as individualidades que compõem a comissão encarregada de tal encargo?

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 7 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, Ruy de Moura Ramos.

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA PREÇO DESTE NÚMERO 8$00

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