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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 225 ANO DE 1973 15 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 225, EM 14 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente deu conhecimento à Assembleia da oferta de um exemplar do Anuário Estatístico do Brasil de 1972, feita pelo Sr. Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil.
Deu-se conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram presentes à Assembleia os Decretos-Leis n.ºs 36/73, 37/73, 38/73, 40/73, 44/73, 45/73, 46/73 e 47/73.
Foram entregues elementos requeridos pela Sra. Deputada D. Sinclética Torres.
Foram recebidos esclarecimentos do Governo-Geral de Moçambique acerca de considerações produzidas pelo Sr. Deputado Max Fernandes sobre o problema da produção de caju.
Foram lidas: uma nota de perguntas do Sr. Deputado Joaquim Macedo e a respectiva resposta; a resposta a uma nota te perguntas formulada anteriormente pelo Sr. Deputado Leal de Oliveira, e uma nota de perguntas do Sr. Deputado Oliveira Ramos.
O Sr. Deputado Alberto de Meireles manifestou o apreço, regozijo e orgulho que a Assembleia tevê pela sessão da véspera.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso usou da palavra para tecer algumas considerações relacionadas, com o aviso prévio sobre os meios de comunicação social e a problemática da informação.
O Sr. Presidente deu conhecimento à Assembleia de ter recebido o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, que apresentou as suas despedidas.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão analisou o problema da exportação de flores e plantas ornamentais portuguesas para a Europa.
O Sr. Deputado Peres Claro referiu-se a uma intervenção do Sr. Deputado Trigo Pereira e analisou diversos problemas da juventude portuguesa.
O Sr. Deputado Homem de Mello prestou alguns esclarecimentos acerca da sua intervenção aquando da discussão do aviso prévio sobre os meios de comunicação social e a problemática da informação.
O Sr. Deputado Max Fernandes esclareceu os motivos que o levaram a tecer algumas considerações desactualizadas acerca das condições de trabalho dos trabalhadores portugueses de Moçambique nas minas da República da África do Sul.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada.
Usou da palavra o Sr. Deputado Prabacor Rau.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.

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Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Manques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Desejo informar VV. Exas. de que S. Exa. o Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil nos obsequiou com a oferta, para a biblioteca da Assembleia Nacional, de um exemplar, primorosamente encadernado, do Anuário Estatístico do Brasil de 1972. É uma gentileza significativa e valiosa, que nos enriquece com um magnífico elemento de consulta e de estudo.
Vai ser lido o expediente, à frente do qual se encontra uma carta do Exmo. e Revmo. Patriarca de Lisboa. Enquanto se lê o expediente, peço a S. Exa. o 1.° Vice-Presidente da Assembleia Nacional o favor de me substituir na presidência da sessão.

(Tomou a presidência da sessão o 1.° Vice-Presidente da Assembleia Nacional, Sr. Deputado Roboredo e Silva.)

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

Do Sr. Patriarca de Lisboa agradecendo o voto exarado pelo anúncio da sua elevação à dignidade cardinalícia.
Do Sr. António L. Lopes Vieira de Sampaio apoiando as duas últimas intervenções do Sr. Miller Guerra.
Com assinatura ilegível chamando a atenção para as rendas praticadas pelo aluguer de quartos.
Da Sra. D. Maria Lucília Almeida Albuquerque focando vários aspectos relacionados com a actualização de rendas de casa em Lisboa e Porto.
Do Sr. José Manuel Gomes de Pinho sugerindo que algum Sr. Deputado faça considerações sobre escolas de reeducação pedagógica.

Telegramas

Numerosíssimos telegramas, cartões e mensagens de apoio à intervenção do Sr. Deputado Veiga de Macedo na sessão de 6 de Fevereiro.
Dos Srs. Diogo Sebastiana, Gil Andrez Nunes, José Silva Nunes, José Sérgio Duarte, António Manuel Silva, Catarras Diogo e Manuel Negrão apoiando a intervenção do Sr. Deputado Trigo Pereira.
Dos Srs. José Manuel Dias Angelo Alcaide e Raul Pereira de Castro apoiando as intervenções dos Srs. Deputados Veiga de Macedo è Camilo de Mendonça.
Da direcção do Grémio do Comércio do Distrito de Viseu felicitando o Sr. Deputado Vaz Pinto Alves pela sua intervenção acerca do problema da descentralização de Faculdades.

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Do Sr. Geraldes Costa protestando contra a intervenção do Sr. Deputado Miller Guerra relativamente à política ultramarina.
Dos Srs. Augusto da Silva Gomes e Raul da Costa Magalhães repudiando as afirmações dos Srs. Deputados Miller Guerra e Sá Carneiro.
Das Sras. D. Luísa Costa Lobo, D. Vera Horta e Costa, D. Fátima Ribeiro e D. Rosa Maria Silva Adão Tavares Costa e dos Srs. Vasco Horta e Costa, João Manuel Cortez Pinto e José Cabral apoiando a defesa de Portugal uno e eterno.
Da Federação dos Grémios da Lavoura da Província da Beira Litoral apoiando a intervenção do Sr. Deputado Moura Ramos.

Ofício

Da Câmara Municipal da Póvoa da Vargem congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Almeida e Sousa.

Cartões

Da Sra. D. Maria Cândida de Noronha e Távora e dos Srs. Francisco Carlos de Azeredo Leme e Joaquim Luís do Espírito Santo Mendes de Vasconcelos apoiando a defesa do ultramar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 32, 33, 34 e 36 do Diário do Governo, de 7, 8, 9 e 11 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis:

N.° 36/73, que prorroga o prazo, concedido no n.° 1 do artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 271/72, de 2 de Agosto, para que as sociedades que tenham por objecto exclusivo a gestão de uma carteira de títulos se adaptem ao regime criado por aquele diploma e fixa o início da obrigatoriedade de publicação de elementos contabilísticos, por parte daquelas sociedades e das sociedades em geral;
N.° 37/73, que determina que os estabelecimentos de educação dependentes do Ministério da Saúde e Assistência possam dispor de oficinas para iniciação e formação profissional dos respectivos educandos;
N.° 38/73, que adita o n.° 5 ao artigo 6.°; do Decreto-Lei n.° 49 107, de 7 de Julho de 1969, respeitante aos comandos das forças militares em serviço no ultramar;
N.° 40/73, que autoriza o Ministro da Justiça a ceder, temporária ou definitivamente, ao Estado Português de Angola a Colónia Penal do Bié;
N.° 44/73, que organiza a Direcção-Geral do Ensino Secundário, criada pelo Decreto-Lei n.° 408/71, de 27 de Setembro;
N.° 45/73, que organiza a Direcção-Geral do Ensino Básico, instituída pelo Decreto-Lei n.° 408/71, de 27 de Setembro;
N.° 46/73, que organiza a Direcção-Geral da Administração Escolar, criada pelo Decreto-Lei n.° 408/71, de 27 de Setembro, e
N.° 47/73; quê organiza a Inspecção-Geral do Ensino Particular, criada pelo Decreto-Lei n.° 408/71, de 27 de Setembro;

Estão na Mesa Os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações e Previdência Social destinados a satisfazer, na parte que lhe diz respeito, o requerimento apresentado pela Sra. Deputada D. Sinclética Torres na sessão de 29 de Novembro último. Vão ser entregues àquela Sra. Deputada.
Enviada pela Presidência do Conselho, encontra-se na Mesa fotocópia de um ofício do Governo-Geral de Moçambique para o Sr. Ministro do Ultramar, no qual se contêm esclarecimentos às considerações produzidas pelo Sr. Deputado Max Fernandes na sessão de 5 de Dezembro último acerca do problema da produção de caju naquele Estado.
Estes esclarecimentos vão ser publicados no Diário das Sessões.
Vai proceder-se à leitura de uma nota de perguntas enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado Joaquim Macedo e a respectiva resposta, de uma nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos e da resposta a uma nota de perguntas formulada anteriormente pelo Sr. Deputado Leal de Oliveira.

Nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Joaquim Macedo:

Ao abrigo do disposto no artigo 11.°, alínea c), do Regimento, requeiro me sejam fornecidas as seguintes informações:
1) Foi o Dr. Rui Luís Gomes impedido de entrar no País?
2) Era portador de documentos de identificação devidamente em ordem emitidos por delegação diplomática no estrangeiro?
3) Em caso afirmativo, quais as razões legais invocadas?

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 2 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, Joaquim Carvalho Macedo Correia.

Resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Joaquim Macedo na sessão de 2 de Fevereiro de 1973, enviada pelo Ministério do Interior:

O Dr. Rui Luís Gomes, embora portador de passaporte emitido por representação consular no estrangeiro - que lhe não conferia imunidade em matéria crime -, foi impedido de entrar no País no dia 30 de Dezembro de 1972, pela Direcção-Geral de Segurança, onde estava arguido de crime contra a segurança do Estado, ao abrigo do n.° 15 do artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 368/72.
Sabia-se que era aguardado, no Porto, com manifestações do Partido Comunista com ele previamente concertadas.
Por deliberação do Conselho de Ministros, tomada nos termos do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 36 387, de 1 de Julho de 1947; foi interdita a sua residência no País, em virtude das actividades que ao longo dos últimos doze anos, continuadamente, desenvolveu, no estrangeiro, contra a segurança do Estado, subscrevendo, nomeadamente, várias representações dirigidas ainda recentemente à Assembleia Geral das Nações Unidas, apoiando deliberações tomadas contra os interesses da Nação e pedindo a aplicação de sanções ao Governo Português por virtude da defesa do ultramar.

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Resposta à nota de perguntas apresentada pelo, Sr. Deputado Leal de Oliveira na sessão de 24 de Janeiro de 1973, enviada pela Secretaria de Estado da Indústria:

Por despacho de 2 de Agosto de 1972 foi concedida à Companhia Portuguesa de Electricidade autorização de princípio para construir, junto da subestação de Tunes, no concelho de Silves, uma central térmica de recurso, devendo agora ser requerido, nos termos legais, o licenciamento da respectiva instalação.
Esse licenciamento não foi ainda requerido, mas podem já esclarecer-se alguns aspectos gerais da projectada unidade:
1. A central será de média potência, com dois grupos geradores de 16,25 MW, accionados por turbinas a gás, de arranque rápido.
2. A sua instalação responderá à necessidade de melhorar, no tocante à segurança, as condições normais de abastecimento da região algarvia, além do contributo que virá a dar à satisfação dos consumos de ponta, nos períodos de maior exigência.
3. O combustível a utilizar será o gasóleo, e o período de funcionamento activo estima-se, de começo, em cerca de 1000 horas anuais.
4. As características técnicas da central e as medidas de contrôle das emissões que se adoptarão garantem que a sua acção será praticamente isenta de efeitos poluentes sobre o meio exterior.
5. Trata-se, aliás, de um tipo de central largamente experimentada e difundida em zonas urbanas de outros países.

Hermes Augusto dos Santos.

Nota de perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Oliveira Ramos:

Nos termos do Regimento, pergunto ao Governo o seguinte:

Em razão da extraordinária sobrecarga de trabalho que se verifica nos serviços de expediente e contabilidade geral das Universidades, pensa o Executivo estender aos funcionários administrativos das referidas Universidades a gratificação de chefia existente noutros serviços do Estado e nos de autarquias locais?

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 2 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, Luís António de Oliveira Ramos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Meireles.

O Sr. Alberto de Meireles: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, apenas para um voto de congratulação.
A Assembleia entende não poder deixar de exprimir ao seu Presidente o muito apreço, o regozijo, o orgulho que teve pelo brilho, pela dignidade da sessão de ontem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi uma sessão que, sem forçar, a palavra, poderemos chamar de histórica.
Pela primeira vez o Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil veio a esta Casa e usou da palavra. Mas a Assembleia correspondeu em tudo, pela dignidade das saudações que foram, dirigidas ao ilustre visitante, pelo acerto das palavras sentidas que lhe foram dirigidas.
Não me referirei ao brilho, ao interesse político até, do discurso que o Sr. Presidente Pereira Lopes veio fazer a esta tribuna, que dignificou e honrou.
As palavras e os conceitos que aqui disse estão acima de qualquer elogio; não o farei.
Mas não me dispenso de dizer, e espero que a Câmara me acompanhe nesse sentimento, dizer uma palavra de saudação especial ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional.
As palavras que proferiu estão bem à altura do mandato que tem. As palavras que disse, o seu acerto, o seu alto sentido político, merecem da Câmara o apoio que espero, seja geral.
Era apenas esta humilde, mas sincera palavra de congratulação e de regozijo que me propunha dizer, e não reparem VV. Exas. que ela seja tão desataviada, até porque não perdeu com isso o único sentido alto que pretende ter, o da sua sinceridade.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto de Meireles: Lamento sinceramente que, por motivo de serviço, o Sr. Presidente não esteja aqui no seu lugar para ter ouvido as justíssimas palavras, na minha opinião de Deputado, que V. Exa. acabou de proferir.
Necessariamente, ele vai lê-las no Diário das Sessões, mas eu não deixarei, no preciso momento em que ele retomar o seu lugar, de lhas transmitir.

O Sr. Agostinho Cardoso: - O aviso prévio que terminou na penúltima sessão fez-me reflectir muito e dele tirar algumas lições.
O tema envolve conceitos básicos acerca dos quais devemos tomar nítidas posições. Para mim o interesse nacional é valor bem concreto e bem definido em relação a uma Pátria com três dimensões no tempo - passado, presente e futuro - e com fronteiras que temos de considerar intangíveis.
O passado existe, como alicerce e como raiz. E se não temos de debruçar-nos sobre raízes ocultas na terra e não precisamos escavar alicerces para admirar ramarias ou edifícios que se ergam para o alto, nem por isso devemos esquecer que é a partir de lá que as árvores cresceram e as torres foram erguidas.
Uma geração não é dona exclusiva de uma pátria. Representa um momento dessa pátria e tem o dever sagrado e premente de entregar o património secular que herdou, enriquecido com a experiência do presente, às gerações do futuro.
Salvo erro, foi António Sardinha que definiu tradição como permanência no desenvolvimento.
Por isso achei sempre ridículo dividir os homens ou os grupos, humanos em tradicionalistas voltados ao passado, e progressistas, voltados ao futuro.
Penso que é tão ridículo viver na saudade da belle epoque como correr a foguetes atrás da última moda que venha de Paris, de Nova Iorque ou de Moscovo... Também me impressiona a obsessão dos

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que gritam a cada passo pela liberdade como se vivessem encarcerados em masmorra medieval. Mas esses, na maioria, não os vemos protestar contra a tirania dos que querem descarrilhar comboios, destruir aviões nos hangares, incendiar navios em monstruosos atentados contra as liberdades e segurança dos cidadãos ou contra o património nacional. E aos reparos, factos e razões indiscutíveis que a este respeito aduziu há dias na Assembleia o Deputado Homem de Melo eu acrescento ter sido há dias afirmado que cerca de quatrocentos livros de inspiração marxista foram livremente publicados em Portugal nos últimos dois anos, e ainda referir a patologia e o marginalismo social tão economicamente rentável que tombem livremente se vai exibindo nos cinemas do País. É que o escândalo intelectual continua a dar dinheiro ou celebridade...
Quando se vê no nosso país um esforço ingente do Governo a través de todos os departamentos do Estado e não apenas no da Educação, por acelerar o ritmo do nosso desenvolvimento, por evoluir à melhor cadência possível, por acreditar no civismo das pessoas e dos grupos - impressiona a insistência em dizer-se que ainda não estamos preparados para a democracia...
E ficamos sem saber, às vezes, se o desejado figurino de democracia se aproxima das democracias populares de além "cortina de ferro" ou de "bambu", com seus vários satélites em vários continentes, se das democracias de partido único nos jovens países africanos, no Egipto ou seus vizinhos mediterrânicos, se das democracias presidencialistas das duas Américas, se do rotativismo inglês - onde cada partido mantém entre duas eleições poder quase ditatorial -, se do multipartidarismo italiano ou se da 5.ª República Francesa, convenientemente espartilhada por De Gaulle.
E cabe aqui citar palavras que ontem foram ditas nesta Câmara, pelo lustre Deputado brasileiro Pereira Lopes, Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil:

Não se compadece com o estágio de cultura e de civilização, onde somos parte do movimento universal, o lirismo pueril de nos comportarmos como se fosse possível ressuscitar os princípios da liberal democracia quando o interesse da sociedade, como um todo, está à frente do restritíssimo e peculiar interesse do indivíduo.

Por ironia do destino poucos dias depois de nesta Assembleia se criticar a dependência da TV Portuguesa do Estado vemos, em exclusivo, Pompidou, presidente da República Francesa, representante de toda a Nação Francesa, vir na TV - que lá é monopólio do Estádio - fazer a defesa do seu partido, ou antes de um grupo de partidos da direita, atacando clara e serenamente a coligação socialisto-comunista em nome do interesse nacional do seu país.
Por que estranhos caminhos de tirania anda a pátria de Robespierre, de Marat e dos "Imortais Princípios".
- Sr. Presidente: À medida que ganha complexidade e tecnicidade a gestão do Estado moderno, vai-se, paradoxalmente, tornando opinião unânime o direito e a conveniência de as pessoas participarem na direcção da comunidade nacional a que pertencem. Pelo menos cá no Ocidente.
Participação que, evidentemente, só tem capacidade para exercer-se nas linhas gerais da política que tem de orientar, ao cimo, a técnica que programa e realiza em cada sector.
Unanimidade também de que a informação dos dirigidos pelos dirigentes constitui o primeiro degrau da participação. Unanimidade ainda quanto à necessidade de fazer chegar aos que governam, através dos meios de comunicação social, dos grupos de pressão e dos leaders, as aspirações e repúdios, a crítica ou aplauso dos que são governados.
Tem sido preocupação do Presidente do Conselho a informação do País. Fá-lo directamente com frequência. Temo-lo visto desejar o seu exemplo seguido pelos diversos departamentos ministeriais. Multiplicam-se na imprensa e outros meios de comunicação elementos de informação a diversos níveis. Inútil insistir no significado da recente iniciativa do Secretário de Estado da Informação e Turismo na suas palestras na TV.
O mesmo já não pode dizer-se a nível regional. Nem sempre se desenham facilmente aí grupos de pressão, corajosamente reivindicantes, nem a informação é feita suficientemente aos povos e seus leaders acerca dos problemas regionais, seu equacionamento, sua evolução, soluções propostas e dificuldades que os estrangulam. Pelo menos nas regiões que melhor conheço.
E também não me canso de insistir na necessidade em estudar-se meios de sobrevivência, expansão e subida de nível técnico da empresa regional, assunto a que já me referi nesta sessão legislativa.
Sr. Presidente: Creio sinceramente que só a crítica pode estimular a inquietação criadora, marginalmente cartesiana, ou, como dizia Salazar, que conceba na dúvida, mas execute na fé.
E creio também que é a partir da informação responsável vinda do Governo, detentor por natureza do mais amplo conhecimento dos factos, que pode estruturar-se, por parte dos cidadãos e da opinião pública, a crítica justa ou o aplauso necessário, a discordância positiva ou. o apoio saliente, o alarme ou a denúncia dos perigos a evitar. Mas esta crítica tem uma fronteira, e há os que criticam como o objectivo definitivo de demolir ou criar dificuldades de ordem política aos que governam, e há os que criticam para ajudar a construir a cidade mais serena ou mais abruptamente.
Sr. Presidente: Com efeito, no nosso tempo, em que os mass media vieram, felizmente, permitir a generalização da informação, interessa que por via deles não venha o homem enquadrado na opinião pública a ter que consumir, sem quase de tal se dar conta, o que a moda, a simpatia, a publicidade ou os slogans lhe. impinjam monopolisticamente como falsas ideias claras.
A opinião pública é uma força cada vez mais esclarecida, mais poderosa e mais respeitável. Mas ela não é - quanto a mim - o somatório ou o resultado do conjunto das opiniões dos cidadãos, dos seus leaders naturais, das suas instituições, ou seja, de um sufrágio deste conjunto. Trata-se de uma força sui generis, com uma lógica colectiva, na qual se dissolvem as lógicas individuais e objectivas; representa uma ou várias expressões comuns predominantes num determinado momento. Estou a lembrar-me de Gustave Le Bon e da sua Psicologia das Massas.

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Por isso a opinião pública deve ser objectivamente informada e orientada no sentido do verdadeiro interesse comunitário, neste caso o interesse nacional.
A informação como formadora da opinião pública, eis um dos problemas cruciais dos países livres no mundo de hoje.
Pompidou, chefe de Estado da França, ao denunciar na TV Francesa a manobra envolvente do comunismo e do socialismo no seu país, cumpriu um dever fundamental tentando afastar os cavalos de Tróia que por via democrática se preparavam para assaltar a cidade...
Sr. Presidente: Quantas vezes a tirania afivela a máscara da liberdade!
Podem os mass media contribuir fortemente para o múltiplo diálogo que reúna as diversas parcelas de razão em presença e permita colher os informes díspares que ilustrem as actuações e opções acertadas. Mas pode este ou aquele meio de comunicação social destacar em certo momento determinados factos e ocultar ou minimizar outros fundamentais, criar medíocres celebridades e apagar valores. Os écrans podem apresentar a mesma realidade parcelar e deformadamente ou com objectividade integral.
A opinião pública, num período económico e politicamente depressivo de um país cujos cidadãos têm alto nível de cultura e de civismo, levou há quarenta anos Hitler ao Poder.
Tem o Governo legítimo da Nação o dever de orientar e informar a opinião pública no sentido do verdadeiro interesse nacional. As eleições de há quatro anos tiveram um duplo significado indiscutível: o apoio maciço ao Governo de Marcelo Caetano e à defesa do ultramar, parcela inalienável da Nação. Expressa a vontade nacional por via legítima, não têm lugar admissível os pacifismos que advoguem a entrega dê irmãos nossos ou a amputação de pedaços de terra pátria só porque nos sejam onerosos. Ou que insistam numa paz sanguinolenta e sombria, de derrota, massacre e êxodo de populações portuguesas.
E de partilha - como despojo de guerra, entre neocolonialistas cobiçosos - das nossas províncias ultramarinas que há centenas de anos defendemos.
Foi mais difícil a Angola defender Luanda dos Holandeses há quase quatro séculos do que resistir-lhes agora à boicotagem do seu café.
Pacifismo aqui significa traição, caricatura da paz. Quanta falta faz aos Sovietes uma base na costa ocidental de África. E quantos estão interessados em que essa base seja a Guiné e Cabo Verde.
Ouvi aqui falar de patrioteirismo. Mas nunca será patrioteirismo invocar o testemunho do sangue, do suor e das lágrimas quando se queira pôr em leilão pedaços da Pátria ou aliar-se ao terrorismo que nos sangra.
Não tenho dúvidas de que alguns pretendem com uma hipótese de derrota no ultramar derrotar também o regime. Mas, como eu já disse, o Governo de Marcelo Caetano tem até hoje um mandato indiscutível da Nação, para a defesa do ultramar; a Nação, estou certo, não lho recusará no futuro.

Vozes: - Muito bem!

(O Sr. Presidente retomou a presidência da sessão.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Enquanto o Sr. 1.° Vice-Presidente me substituía, tive a honra e o prazer de receber no meu gabinete o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, que quis apresentar-me as suas despedidas no termo da fase oficial da sua visita a Lisboa, uma vez que S. Exa. vai agora reavivar laços de sangue visitando a sua família no Norte do País.
Pediu-me para transmitir a VV. Exas. também os seus cumprimentos de adeus, o seu desejo de que visitassem a Câmara dos Deputados do Brasil sempre que pudessem e quando quisessem e a expressão de satisfação que teve em se encontrar com VV. Exas., em ouvir alguns de VV. Exas. e em deixarem que o ouvissem.
A esta última expressão naturalmente eu respondi que o proveito e o prazer tinham sido de todos nós.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sei que enquanto o Sr. Vice-Presidente me substituiu o Sr. Deputado Alberto de Meireles proferiu palavras oportunas. Só num passo não o terão sido: quando quis ser amável e generoso para com o Presidente da sessão de ontem, ou seja comigo.
No entanto, é de todo o coração que lhe agradeço essa amabilidade e essa generosidade.
Tem a palavra o. Sr. Deputado Alberto de Alarcão.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Já aqui comentámos, em passadas sessões, as possibilidades de exportação de produtos hortícolas e frutícolas em fresco para, a Europa.
Desprezar-se não deve o mercado de flores cortadas e produtos semelhantes, acerca de cujas possibilidades o já referido relatório encomendado pelo Fundo de Fomento de Exportação inscreve:

O nosso estudo frisa claramente dois pontos principais: em primeiro lugar, o facto de a Alemanha dominar completamente o mercado para flores cortadas e ser, de longe, o maior importador. Grande parte do futuro crescimento das importações deverá, igualmente, vir a ser provocado pela procura alemã. Em segundo lugar, apenas duas flores, os cravos e as rosas, são exportadas em grandes quantidades.

E daí parte para concluir:

Tanto rosas como cravos deverão ser exportados em primeiro lugar para a Alemanha Ocidental, embora os mercados em desenvolvimento da Suíça e do Reino Unido possam igualmente oferecer uma oportunidade valiosa.

Outras espécies (e produtos) ornamentais existem, porém, a merecer igualmente consideração: crisântemos, gladíolos, tulipas, gerbérias, frézias, íris, anémonas, narcisos, lírios, jacintos, lilases, mimosas, flores exóticas, etc.
Em quase todos os países uma grande proporção das flores cortadas são, compreensivelmente, produzidas nos próprios países de consumo (nem que para tal tenham de recorrer a estufas com luz artificial e contrôle de temperatura).
Assim, no Reino Unido, cerca de 80 porcento; mas 15 por cento vêm das ilhas do Canal (Guernesey, Jersey), dadas as vantagens tarifárias e a proximidade da produção, e 5 por cento provêm do estrangeiro

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(França, Holanda, Espanha, Itália, Israel, até regiões tão afastadas como Ponto Rico, Colômbia, Japão, Malásia ou Austrália).
Na Suíça, a produção interna preenche apenas 45 por cento do mercado de flores cortadas.
Na Alemanha, as importações aumentaram de 13 700t em 1964 para 42 000t em 1970, equivalentes a uma média anual de crescimento de volume de 18 por cento ao ano, e de preço, de 15 por cento em idêntico intervalo de tempo.
Os melhores meses vão de Dezembro a Maio - as festas natalícias e de passagem de ano, a Páscoa, o Dia da Mãe e dos Defuntos os justificam.
A flor começa a estar presente aios lares e escritórios, nas empresas, nos recintos públicos, em cemitérios - traduzindo uma saudade, expressando, um carinho, alegrando a vista, dando uma nota de beleza ao ambiente, melhorando o quadro e qualidade da vida.
Na Dinamarca já 0,83 por cento do rendimento nacional são gastos em flores; na Alemanha, 0,56 por cento; na Suécia, 0,40 por cento; no Reino Unido, 0,18 por cento.
Tudo indica que as importações de flores cortadas deverão aumentar futuramente, sobretudo se a razão custos de produção/custos de transporte aéreo se modificar a favor do segundo termo, tornando as importações relativamente mais baratas.
O êxito obtido em alguns mercados europeus pelas exportações florícolas de Israel demonstra que á distância e a necessidade de frete aéreo não são obrigatoriamente obstáculos intransponíveis, desde que o planeamento da produção, transporte e distribuição sejam eficazes - no que poderão ser auxiliados, internamente aos países importadores, pelo comércio da especialidade.
Na Suécia, por exemplo, a expansão do grupo Eurketten (produtores e retalhistas de flores com sede em Malmö) veio dinamizar fortemente a procura e o consumo. Criado há dez anos, possui actualmente 70 lojas de flores do tipo self-service, espalhadas pela Suécia, a largar-se a países vizinhos. Vendem por ano mais de 70 milhões de flores cortadas, 12 milhões de plantas em vaso.
O estabelecimento de relações comerciais com organizações deste género (na Suíça, a Migros) ofereceria as maiores possibilidades de êxito de colocação nos mercados.
A Alemanha consome cerca de 50 por cento da produção total de flores da C.E.E. Os gastos per capita passaram de 130$ por ano em 1960 a 324$ em 1970. O valor da produção total de plantas ornamentais ascende a 10,5 milhões de contos por ano, dois terços dos quais de flores cortadas. 160 milhões de tulipas e narcisos se cultivam debaixo de vidro ou plástico, para artificialmente fazer coincidir a produção com a procura nas ocasiões festivas.
Mas de todo o Mundo afluem à Alemanha flores &s mais variadas: a Espanha mais que triplicou a tonelagem exportada entre 1964 e 1970; Israel tem sido exportador particularmente bem sucedido.
O seu exemplo é de meditar. Planeamento da produção, custos favoráveis, transportes acessíveis, entregas regulares, produtos de alta qualidade, boa embalagem, melhor apresentação, organização comercial, explicam o êxito obtido por Israel no mercado das flores europeu, mundial.
Independentemente da utilização dos serviços normais, a AGREXCO (organismo encarregado das exportações de produtos agrícolas israelita) assinou um acordo a longo prazo com a TWA, fretando um Boeing 707 exclusivamente para o transporte de flores, produtos hortícolas e fruta de Telavive para Frankfurt e Zurique. Os voos realizam-se diariamente com uma carga de 30t.
É de prever que o mercado alemão de flores continue a crescer. A previsão possibilita estimar 66 000t de importações em 1975. Os maiores aumentos deverão registar-se nos fornecimentos de rosas, cravos e novos tipos de flores, capazes de suscitar e mobilizar a imaginação e apetência do público consumidor - seja-me permitida a expressão. De igual modo é previsível um aumento das importações de flores exóticas, incluindo orquídeas (a Madeira, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, etc., não poderão vir a desempenhar importante lugar no contexto do comércio internacional de flores exóticas?)
A tal respeito seja-me consentida uma alusão à extraordinária rosa-de-porcelana com que deliciei meus olhos nas ilhas de S. Tomé e Príncipe e em Angola e cuja beleza e exotismo ainda recentemente causaram grande sensação em exposições europeias de floricultura.
Que extraordinária "mina de ouro" agrária não estará aí para valorizar, como o começou já tentando Maximino Borges e seus filhos, na fazenda Jamba, da Huíla, estimando-se que a sua cultura intensiva possa vir a produzir 150 000 pés por hectare e ano e a render qualquer coisa como 750 000$ na mesma unidade de área e tempo?
E que dizer dos antúrios, da flor-da-madeira, trepadeira muito corrente em Angola e também de grande valor ornamental, e de tantas outras, espontâneas ou fracamente cultivadas, que deliciam os olhos e alegram os corações quando as vemos?
A propósito de orquídeas, seja-me consentida uma transcrição para dar ideia dos cuidados e apuros das embalagens, do acondicionamento e apresentação das flores, se quisermos conquistar um lugar ao sol neste comércio internacional das flores:

As longas distâncias de transporte requerem uma embalagem particularmente cuidadosa, devido ao facto de as orquídeas serem extremamente sensíveis a mudanças de temperatura. São necessárias precauções especiais para manter a humidade, devendo os pés individuais ser postos em pequenos sacos de plástico ou tubos de vidro humedecidos. As Orquídeas são normalmente embaladas em sacos de plástico selados, colocados em caixas, uma vez que o ar contido nesses sacos constitui uma almofada de protecção para a flor.

Será caso excepcional, mas aí fica a documentar até onde podem chegar as exigências dos mercados, até onde a técnica, a organização comercial e a preparação profissional dos agricultores e exportadores terá de ir se quisermos economicamente sobreviver, exportando!
E as flores têm aí importante papel a desempenhar.
Mas não se confinam apenas ao capítulo das flores cortadas, Sr. Presidente, as possibilidades abertas à exportação neste capítulo - a folhagem cortada é igualmente produto muito de considerar.

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Também aqui se afirma a importante posição das importações alemãs no contexto global: em 1970 totalizaram 26 605 t, enquanto as importações para os restantes cinco países do Noroeste da Europa ficaram por 22 por cento do total alemão.
Deverá, contudo, notar-se que o índice de crescimento das importações alemãs de folhagem é muito menor que o das flores cortadas. Em qualquer hipótese, 26 000 t de folhagem já é tonelagem apreciável para preencher a capacidade, de muitos veículos de transporte, aéreos que sejam.
O principal tipo de folhagem importada é o feto-de-espargos, sendo a Dinamarca o principal exportador.
A força dos Dinamarqueses vem da qualidade e produção uniforme de um produto em que decidiram especializar-se, conjugadas com uma eficaz organização e planeamento de mercado a cargo da GASA cooperativas de produtores baseadas em Odense.
Mas para que possa ter-se ideia da maleabilidade e poder de adaptação que se tornam necessários hoje em dia no comércio internacional se dirá:

Um importante produtor dinamarquês, Paul Thringholm, proprietário de 6ha de fetos na ilha Funen, associou-se a Bonde Nielsen, proprietário há vários anos de uma cultura de flores no Quénia (até ver).
A produção de fetos-de-espargos, em campo aberto, na sua quinta de 10 000 ha, no Quénia, provou já vir a constituir um êxito. Mesmo descontando os custos de frete aéreo, este feto poderá surgir no mercado a preços mais baixos que o dinamarquês. Thringholm prevê que está nova concorrência faça com que a produção dinamarquesa de fetos-de-espargos deixe de ser rendável num prazo de três anos, razão pela qual ele próprio resolveu concentrar-se nas plantas de vaso.

Assim vão os agricultores dinamarqueses. E o relatório acrescenta:

Se é rendável a utilização do frete aéreo do Quénia para o mercado alemão, será igualmente possível a Portugal exportar vantajosamente o produto.

Sem comentários.
As importações desses países incluem ainda outros tipos de folhagem, como o azevinho, o visco e certos fetos, embora em pequenas quantidades. Não consideramos qualquer deles susceptível de interessar aos exportadores portugueses, aparte as mimosas, cujo procura se dilata.
Mas quantas outras espécies, analisadas não sob a óptica das procuras actuais dos mercados externos, mas sob o ângulo das ofertas potenciais de espécies indígenas menos conhecidas e divulgadas, não poderão existir com interesse para o comércio exportador? Estará feita essoutra prospecção? A que organismo competirá? Quem se lhe consagra?
Sr. Presidente: Mais alto é ainda o campo das potencialidades das plantas ornamentais: bolbos, hastes e produtos semelhantes não são de excluir.
Dada a complexidade reconhecida e afirmada deste grupo de produtos, os prospectores concentraram a atenção nos que pareceram oferecer algumas perspectivas para o comércio exportador de Portugal.
A Alemanha continua a facultar o maior mercado consumidor destes bens. A Holanda constitui a principal fonte de abastecimento europeu. Retenhamos estes números:

Exportações holandesas de bolbos e caules em 1970

[Ver tabela na imagem]

Pétalas são divisas no comércio externo da Holanda, a tulipa ascendeu a lugar cimeiro nas exportações e símbolo do seu turismo.
Poderá à primeira vista recear-se que a posição dominante ocupada pelos Holandeses, através dá sua produção especializada, impossibilite a concorrência neste campo. A procura de Portugal por estrangeiros para a instalação de empresas florícolas o desmente. Os campos de Óbidos e outros de flores se vão enchendo.
Um produtor holandês, por exemplo (Tan Goemans), experimentou em 1971 cultivar gladíolos numa quinta próximo de Lagos, no Algarve. Obteve êxito. E quantos mais não poderíamos relatar? Mas iremos confinar a estrangeiros a exploração fundamental destes filões de ouro e divisas que são o sol, o calor, as demais potencialidades do País?
Igualmente tem aumentado o comércio internacional de hastes de cravo e crisântemo, com raiz, vindas de regiões atlântico-mediterrânicas como ás Canárias e Malta, para uso das culturas em estufa no Norte da Europa.
Em Portugal, Gunnar Granstrom, produtor de nacionalidade sueca, desenvolveu a cultura sob plástico de cravos, e de pés de cravo e crisântemo, exportados na sua maioria para a Suécia, Dinamarca e Reino Unido. Granstrom chegou mesmo a negociar com a Varig uma tarifa aérea especial.
Importadores alemães e ingleses afirmaram existir entre nós, e entre outras, possibilidades para a produção de bolbos de lírio híbridos de Graaf, uma vez que as condições parecem ser ideais e que o mercado para este produto se está a expandir rapidamente. Iremos desaproveitá-lo?
E fechemos com as orquídeas.
Existe uma procura considerável, apesar do seu alto preço. As importações inglesas da Austrália são apreciáveis, de Singapura, índia, Paquistão ou Japão, da Martinica, Guadalupe e índias Ocidentais chegam também. O preço compensa o transporte. O diferencial dos transportes não justifica considerar o alargamento das áreas consagradas à sua cultura na Madeira, por exemplo?

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Desta "pérola do Oceano" seguem para os mercados do Reino Unido e do resto da Europa algumas quantidades, mas, di-lo o relatório, "até agora em quantidades pouco significativas". Esperemos que a situação se modifique. "Uma firma inglesa deu início à aplicação de um esquema na Madeira para cultivar orquídeas para exportação para a Europa."
Bem-vindos cheguem, mais desejados se aspira a que partam para todo o mundo "flores de Portugal", cultivadas por portugueses, em favor da mão-de-obra nacional.
Exportemos flores que sejam, ajudemos a reabsorver os emigrantes portugueses na Europa.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Há dias, nesta Casa, o Sr. Deputado Trigo Pereira fez-se eco de um problema que não poucas vezes tem sido aqui trazido, por constituir preocupação geral, e foi mesmo já motivo de um aviso prévio que despertou o maior interesse. Afirmando dever situar-se o problema da continuidade do movimento Mocidade Portuguesa no contexto político nacional, pois é sobre os ombros dos jovens de hoje que pesará amanhã "a responsabilidade da condução dos destinos da Pátria e da ordenação e orientação das transformações que por certo hão-de sofrer as gerações vindouras", mas sem se perder a caracterização genuinamente portuguesa, o Sr. Deputado Trigo Pereira, vivamente apoiado por outros Srs. Deputados, lembrou os sucessivos estrangulamentos - eu diria cedências - a que a Mocidade Portuguesa foi sujeita, ao longo dos últimos anos, transformando os dirigentes em meros burocratas de coisas, e disse confiar no apoio do Governo à novel Mocidade Portuguesa, como se justifica pela obra realizada e se impõe pela que importa realizar.
Em intervenção efectuada em 2 de Julho de 1971, tive oportunidade, a propósito de emenda que se tentava introduzir no artigo 56.° da Constituição, de lembrar esses sucessivos estrangulamentos a que o ilustre Deputado agora se referiu também, e que num longo processo de aniquilamento se procurava tivessem o seu fecho legal com a substituição de um texto constitucional em que expressamente se referia a obrigação do Estado em promover, proteger e auxiliar as instituições civis interessadas em "adestrar e disciplinar a mocidade, em ordem a prepará-la para o cumprimento dos seus deveres militares e políticos", por um outro em que se falava do dever dos serviços do Estado em concorrer para a mobilização dos recursos nacionais e para a defesa, em especial no que respeita à defesa civil e em que a referência à mocidade desaparecia, como se o Governo não devesse ser responsável, perante a Nação, pelos actos atentatórios do seu futuro.
Entretanto, o Sr. Ministro do Ultramar, na firme convicção do valor formativo da Mocidade Portuguesa e na decidida determinação de manter esse movimento juvenil dentro dos princípios e das linhas de actuação iniciais, não tornou extensivo às províncias ultramarinas o que na metrópole se ia fazendo, ou, melhor, se ia destruindo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Suponho ter o apoio desta Assembleia ao dirigir ao Sr. Ministro do Ultramar, por simples acto de justiça, um caloroso aplauso pela sua decisão e pela firmeza com que tem sabido mantê-la.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, quem conhece o ultramar, ou quem, mesmo o não conhecendo, se demorar um pouco na consideração da sua problemática, concluirá que, dadas as características da Mocidade Portuguesa, esta tem sido ali um factor de relevo na integração étnica. Prolongando para além da escola uma convivência, feita agora no contacto livre e motivada pelos mesmos princípios formativos da portugalidade, a Mocidade Portuguesa tem poderosamente contribuído para o fortalecimento da unidade do todo nacional.
Estas considerações foram suscitadas pela posse, que há dias se verificou, dos assessores do comissário nacional-adjunto da Mocidade Portuguesa para o ultramar. Ê uma novidade, na história do movimento, ser o responsável pela orientação das actividades nas províncias ultramarinas assistido por um colégio técnico para os variados aspectos que essas actividades podem revestir ou para as suas exigências orgânicas: intercâmbio, informação e relações públicas, formação de quadros, acção cultural, estudos e documentação, acção social, publicações e desporto.
A constituição desta equipa, exclusivamente destinada - repito - a dar apoio às actividades da juventude ultramarina, confirma a decisão do Sr. Ministro do Ultramar de manter, na parte do território nacional sob a sua responsabilidade, a Mocidade Portuguesa na complexidade inicial da sua orgânica, coma finalidade da formação integral dos jovens portugueses. Sabe-se por essa ciência tão velha como o mundo - a psicologia - que o jovem é atraído pela actividade lúdica competitiva, sensível ao espírito de camaradagem, sonhador de ideais e pronto a sacrificar-se por eles, influenciar pelo convívio dos mais velhos, desejoso do poder da responsabilidade e, em certa idade, rebelde à imposição seja do que for.
Não poderá, pois, haver associação juvenil que não use estes conhecimentos no sentido da formação dos seus sócios, conhecimentos que motivam assim processos pedagógicos a que não podem ficar alheios todos aqueles a quem cabe, por profissão ou por nomeação, a responsabilidade da preparação das massas ou das elites jovens. Para disso deverão receber, como é óbvio, especial formação, pois não poderá admitir-se professores ou dirigentes que não conheçam as ciências pedagógicas ou que, encarregados de aspectos sectoriais, não possuam deles conhecimentos específicos profundos.

A Sra. D. Custódia Lopes: - Muito bem!

O Orador: - Importa também que sejam homens realistas, isto é, que saibam orientar a sua acção pelas circunstâncias ocasionais, mas sem ferirem ò sentido essencial da portugalidade.
Sem se querer chegar ao exagero anedótico do jovem médico contestatário, que, assistindo ao nascimento de três gémeos, teria exclamado, condoído, serem mais três soldados para a guerra colonial, deverá ter-se, todavia, presente, ao formar-se jovens portugueses na puberdade, a realidade da luta que Portugal trava nas

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suas fronteiras ultramarinas para se manter íntegro no seu território e fiel à sua vocação histórica. Não fomos nós que inventámos o aforismo de que a paz st alcança preparando-se os homens para a guerra. Foram os Romanos - si vis pacem para bellum -, há muitos séculos, com a sua sabedoria de povo criador de impérios.

O Sr. Trigo Pereira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Trigo Pereira: - Toda a nossa temática de formação da juventude tem sido sistematicamente atacada em quatro pontos. O primeiro ponto será a constituição de quadros. O segundo ponto seria a formação de elites. O terceiro ponto seria a posição igualitária dos jovens agrupados mediante uma coisa que é "horrível", uma farda.

O Sr. Roboredo e Silva: - Eu peço desculpa...

O Sr. Trigo Pereira: - Um momento.
O quarto ponto seria a força anímica e dinâmica para a preparação de um homem capaz de defender pelas armas a integridade do território.
Eu pergunto sinceramente se qualquer destas situações não leva à formação integral de um homem. Pergunto se em qualquer situação de formação de quadros é ou não é evidente que, através da preparação básica das pessoas, nós temos de, até geneticamente, considerar que alguns se distinguem. Sendo assim, aqueles que geneticamente se distinguem hão-de, quer queiramos quer não, formar élites.
Ora bem: na educação de massas, não podemos conceber que não haja quem comande uma massa global. E nessa altura temos de ter alguém que comande. Nós desejamos sempre que os que comandam tenham formação e capacidade para realizarem as suas tarefas. Nessa altura serão realmente élites.
Quanto ao problema da farda, não tem interesse especial ser considerado neste momento para a formação da juventude. Mas também não há dúvida nenhuma que, num país que suporta uma guerra que para nós é defensiva, mas que para os que nos atacam é efectivamente ofensiva, devemos realmente preparar a juventude com uma força moral para assim o entender e com uma força física necessária para continuar, como até hoje, defendendo a integridade do território, a paz, a harmonia e o bem-estar das populações que cumpre ao Governo e à Nação defender.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Trigo Pereira: - Nós, dentro da Mocidade, quer V. Exa., quer outros pares desta Assembleia, fomos educados nestes princípios.
E havemos de convir que, formados, instruídos nos verdadeiros valores da Pátria e daquilo que fomos capazes de defender, é com certa pena que vemos dissociar, actualmente, de uma parte, a formação física e os desportos, como se a juventude fosse única e exclusivamente educada, numa preparação física, numa ocupação de desporto, sem ligarmos especial cuidado à sua formação intelectual e, como disse, de portugalidade, permitindo-se assim que a massa global de juventude deste País seja posta à disposição - talvez seja este o termo - de uma influência doutrinária que nem sempre corresponde aos interesses da Pátria.
Eu, para terminar, lembraria a VV. Exas. uma nota feita, há bem poucos dias, no Diário de Lisboa - salvo erro - em que fazia a caracterização dos chefes do partido socialista presentes à reunião da Internacional Socialista de Paris. Salvo erro e omissão, nenhum dos actuais chefes, de cada um dos partidos representados, deixou de ter saído de formações de juventude desse mesmo partido. E eu pergunto se será caso ou não de o Governo e os responsáveis do País, ao lerem esta nota, pensarem, efectivamente, na necessidade que temos de dar à juventude um conceito e uma estrutura nitidamente nacional?
A não ser que queiramos que cada uma das forças políticas, hoje em despique e em luta, disponha da juventude deste País para a formar e para a levar a aceitar, sem qualquer relutância, as ideias que professou. Nesse caso eu sou absolutamente contra este ponto de vista, como tive ocasião de o pôr.

O Sr. Roboredo e Silva: - Apenas duas palavras para lamentar que, sem de nenhuma maneira discordar, antes pelo contrário, com as afirmações que fez o nosso colega Dr. Trigo Pereira, mas para lamentar que ele tenha empregado uma frase que me feriu profundamente: dizer que uma farda é horrível.
Talvez tenha sido um momento infeliz, talvez fosse má interpretação da minha parte, mas á frase foi pronunciada. Eu sou militar e, sendo militar, tenho por consequência pela farda o respeito que todos os portugueses têm de ter, porque a farda é, sobretudo, essencialmente, o uniforme das nossas, forças armadas. Eu não tenho dúvida nenhuma que o Sr. Deputado Trigo Pereira tem por elas a maior consideração e respeito.
As nossas forças armadas têm de merecer sempre a nossa consideração e o nosso respeito e temos de evitar frases ou palavras dúbias, que possam ser mal interpretadas.
Era apenas esta intervenção que pretendia fazer, porque na verdade tal como a frase foi dita, ou como eu a compreendi, teria de a considerar vexatória para as forças armadas.

O Sr. Trigo Pereira: - V. Exa. dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Trigo Pereira, talvez prefira usar da palavra paira explicações no fim da intervenção do Sr. Deputado Peres Claro e eu conceder-lha-ei paira isso com muito gosto.

O Orador: - Agradeço ao Sr. Deputado Trigo Pereira a intervenção que quis fazer às palavras que eu estava a proferir e as que vou dizer a seguir são, afinal, de apoio, agora meu, àquelas que ele disse.
A acusação feita à Mocidade Portuguesa de ser militarista, por dar aos jovens educação pré-militar, surtiu o efeito desejado e ainda hoje, apesar de os nossos jovens terem perante si a prestação de serviço em teatro de guerra, se encolhem os professores de Educação Física e quem os orienta, no receio de serem alvos dessa acusação, esquecendo que lhes compete dar à juventude uma aptidão física orientada para o género de guerra que ela terá de enfrentar,

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e se encolhem os outros professores, em especial os de Português, História e Moral, no mesmo receio, esquecendo que lhes compete fortalecer nos jovens os sentimentos de amor à Pátria e prepará-los para o cumprimento do seu valor de portugueses, que têm atrás de si uma História que não podem renegar, pese isto embora aos coveiros do passado, tão em moda. E não se trata de forçar consciências ou de limitar liberdades, mas apenas e simplesmente de educar portugueses como portugueses.
Aliás, todos os movimentos juvenis interessados na formação integral dos jovens são orientados no sentido de fazer dessa formação uma aptidão para os embates da, vida, da qual a guerra, infelizmente, não está excluída, desde os princípios bíblicos do mundo, nem se vê que possa ser excluída, apesar das pressões da mais variada ordem que sobre os homens se exerça. Será uma fatalidade, mas Deus assim fez os homens. Lembro, àqueles que o conhecem, o Escutismo, movimento acarinhado pela Igreja, criado por um antigo soldado inglês, arguto pedagogo, e com o qual se procura desenvolver ou inculcar nos jovens as aptidões e os hábitos que possam fazer deles cidadãos impolutos, homens resistentes à fadiga, atentos à Natureza que os rodeia, capazes de se defenderem dela ou de a ela se adaptarem, prontos para o serviço de Deus, da Pátria e da Família, prontos para o sacrifício até da própria vida, tal como os moços da antiga Mocidade Portuguesa, hoje ainda existente no ultramar, que tinham no seu cinto a letra inicial de serviço e de sacrifício e que os pilares de café, os tradicionais piadistas, os críticos risonhos diziam indicar o nome de um homem que foi para a minha geração o símbolo do serviço à Pátria e do sacrifício total. E o "S" desapareceu com os cintos e com estes a farda, que era na juventude não o ferrete de uma ignomínia, mas o sinal de uma adesão.
Cedeu-se, como se aquela fosse, vergonhosamente, a última farda do mundo e como se os homens no mundo andassem todos nus, em atitude contestatária de quanto seja sinal de distinção ou de compromisso. A sociedade humana tem milenárias regras de jogo e não é um qualquer que as pode destruir pelo simples agitar de um ridículo ou de uma filosofia política. Nunca no deserto as caravanas deixaram de passar, por lhes ladrar um ou dois cães!
Os assessores do comissário nacional-adjunto para o ultramar são todos homens formados pela Mocidade Portuguesa, conscientes da responsabilidade que se lhes pede, firmemente convencidos de que é no combate que os cidadãos se enobrecem e os povos se perpetuam e de que "a juventude dos nossos dias bem merece - como afirmaram - que todos quantos tiveram a oportunidade de beneficiar da obra formativa da Mocidade Portuguesa retribuam um pouco do muito que receberam". A sua posse foi, pois, um acto de profundo significado político, que não pode deixar de ser aqui assinalado, assim como não pode deixar de merecer referência especial que os seus propósitos se orientem para os caminhos do ultramar. É como um símbolo de continuidade histórica, um facho que passa de mão. Que à sua luz se rasguem as clareiras e que nelas se ergam as torres Que hão-de ser o garante da perenidade de Portugal!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para explicações o Sr. Deputado Trigo Pereira.

O Sr. Trigo Pereira: - Sr. Presidente: agradeço a V. Exa. o ter-me concedido a palavra para explicações ao Sr. Deputado Roboredo e Silva.
Penso que as palavras proferidas pelo Sr. Deputado que estava no uso da palavra explicam perfeitamente aquelas que eu houvera dito em relação à farda que envergámos, isto é, de entre as críticas feitas à organização sobressaem aquelas que se devem ao uso da farda que foi símbolo da organização que ambos servimos.
Uma vez que servimos, uma vez que fizemos parte dos seus quadros e envergámos essa farda, jamais podíamos renegar esse facto e mais, relembrar talvez com saudade os tempos em que a vestíamos e através da qual se criam em todas as organizações que a envergam, um espírito de unidade, um espírito de sacrifício e um espírito de servir que no nosso caso, bem podemos dizer, servíamos os interesses deste país.
Por assim ser, as palavras que proferi têm de ser tomadas no contexto da minha intervenção e não como uma palavra isolada, que eu penso que o Sr. Almirante deve ter simplesmente ouvido no aspecto crítico e não no aspecto de definição da forma como era criticado o uso dessa mesma farda.
Os meus agradecimentos.

O Sr. Roboredo e Silva: - Muito obrigado, Sr. Deputado, pelas suas explicações. Na realidade, eu apanhei só a expressão propriamente dita e foi essa que me chocou e me fez perder, talvez, a sequência do que fora dito.
De resto eu não tinha dúvida nenhuma de que V. Exa. era absolutamente incapaz de pretender, da mais ligeira, da mais discreta maneira sequer, beliscar as forças armadas. Mas, como militar - V. Exa. compreende -, quando ouço falar numa farda com menos respeito ou com menos correcção, necessariamente reajo com o sangue de um verdadeiro português, que me prezo indiscutivelmente de ser.
Muito obrigado.

O Sr. Homem de Mello: - Sr. Presidente: Ao intervir na discussão do aviso prévio sobre "a problemática da informação", da autoria do nosso ilustre colega Magalhães Mota, afirmei, em determinado passo, que "o continente possui doze jornais diários, três no Porto e nove em Lisboa".
Embora não tivesse o menor propósito de ignorar os restantes jornais diários - que se publicam noutras localidades -, a verdade é que ficaram por referir. Lamentavelmente. De alguns me chegaram ecos de profunda mágoa, de outros protestos, aliás nem sempre correctamente formulados.
Porque considero ter cometido um lapso que, a não sei rectificado, poderia levar a conclusões que nunca tive em mente - ao referir os doze jornais diários pensara, apenas, nos de âmbito nacional e não regional - e porque a circunstância de ser director de um diário que se publica em Lisboa poderia prestar-se a apreciações tendenciosas, não encontrei outro caminho que não fosse solicitar de V. Exa. a permissão para proferir estas simples palavras, reparadoras do pecado de omissão não intencionalmente cometido.
Assim como os indivíduos não se medem aos palmos também os jornais não se medem pela localiza-

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ção, pela tiragem ou pelos meios financeiros de que dispõem. Avaliam-se pelo valor que possuem e pelo conceito em que são tidos junto de quem os lê.
Há, na verdade, pela província fora jornais diários que, sob alguns aspectos, nada ficam a dever a outros, publicados no Porto ou em Lisboa.
É-me grato, Sr. Presidente, poder afirmá-lo e reconhecê-lo.

O Sr. Max Fernandes: - Sr. Presidente: Por carta de 5 do corrente dirigida a V. Exa., dignou-se S. Exa. o Presidente do Conselho transmitir a esta Assembleia Nacional alguns esclarecimentos sobre referências desactualizadas contidas na minha recente intervenção respeitante às condições de trabalho dos trabalhadores portugueses de Moçambique nas minas da República da África do Sul.
Na medida em que com gratidão os aceito, para clarificar a minha posição neste momentoso assunto desejo informar esta Assembleia do seguinte:
1. Na busca de elementos que pudessem instruir a minha referida intervenção, havia eu solicitado, há meses, no Instituto de Trabalho de Moçambique elementos sobre a Convenção de Moçambique de 1928.
2. À subsequente pergunta desse Instituto sobre quais os dispositivos legais que me permitiam solicitar tais informes, respondi que a diligência havia sido feita ao abrigo do artigo 96.° da nossa Constituição e, ainda, de acordo com a recomendação de S. Exa. a todos os Deputados no sentido de - a fim de se evitar perda de tempo e burocracia desnecessária - nos dirigirmos directamente aos serviços públicos, para a obtenção de elementos de que carecêssemos para o bom desempenho do nosso múnus parlamentar.
3. Infelizmente, decorreu largo tempo sem que tivesse obtido qualquer resposta ao meu pedido, continuando eu, à falta de qualquer esclarecimento, na convicção de que essa Convenção subsistia. Tal ideia, decerto, nutriam todos os Deputados que assistiram à minha intervenção, pois nenhum deles mostrou, na altura, qualquer indício de conhecimento da revisão ou substituição desse acordo.
4. Baseei, portanto, o teor da minha intervenção no livro factual do Dr. Francis Wilson sobre o Trabalho nas Minas de Ouro da África do Sul-1911-1969, publicado nos últimos meses do ano findo, em que esse eminente economista sul-africano analisa a estrutura do trabalho nas minas e demonstra como uma combinação dos grupos financeiros que as exploram tem permitido manter o nível do salário dos africanos quase mais baixo do que era em 1911.
O recurso a elementos extraídos dessa publicação legitima-se, na medida em que nos números ali divulgados são incluídos, sem destrinça especial, os salários de dezenas de milhares de compatriotas nossos de Moçambique.
5. Portanto, conhecidas que são as condições de trabalho prevalentes nas minas referidas, que a minha consciência me obrigou a criticar, regozijo-me com o facto de S. Exa. ter trazido a lume a notícia da substituição da Convenção e de que os nossos mineiros gozam agora de melhor protecção, ao abrigo do Acordo de Mão-de-Obra de 1964.
6. Não fiz, nem poderia ter feito (por saber perfeitamente que não existem), a mínima alusão a práticas de trabalho forçado referidas nos n.ºs 5 a 8 da carta de S. Exa. o Presidente do Conselho. Acolho, no entanto, com interesse o esclarecimento ali contido e é com satisfação que registo que representantes de organizações internacionais reconhecem e asseveram nada haver a criticar nessa matéria.
7. Invoquei sim - e todos a conhecem - a existência na República da África do Sul de legislação discriminatória respeitante a mão-de-obra, numa base racial, mas, aqui também, jamais pedi a intervenção do nosso Governo nesta matéria, que, por ser do âmbito interno daquele país, necessariamente se situa fora da área da nossa competência: citei-a apenas como termo de comparação e com a finalidade óbvia de sublinhar a pobreza da remuneração dos nossos trabalhadores mineiros, em chocante contraste com a dos restantes.
8. Concordo plenamente com a afirmação de S. Exa. o Presidente do Conselho - decerto coincidente com toda a óptica da minha intervenção - de que "as autoridades portuguesas apenas têm, à luz das realidades, de obter para os trabalhadores portugueses as melhores condições de trabalho".
9. Seguindo a generosa sugestão contida na carta de S. Exa., acabo de saber, junto do Ministério do Ultramar:

Que o salário desses mineiros, mesmo depois do Acordo de 1964, orça em cerca de 800$ mensais, ou seja menos de metade do que algumas empresas mineiras daquele país já estão pagando aos seus trabalhadores;
Que a compensação para acidentes de trabalho e doenças profissionais tem um plafond de 11000$;
Que o nosso trabalhador sofreu, com a desvalorização do rand, uma diminuição efectiva do seu salário de cerca de 10 por cento, por não estar defendido contra essa eventualidade. Isto significa, grosso modo, que se são 100 000 os nossos trabalhadores em roulement nas minas, serão aproximadamente 100 000 000$ que anualmente deixam de dar entrada em Moçambique!

10. Mesmo revogada a Convenção, subsiste, portanto, o gravame salarial que a extraordinária valorização do ouro torna ainda mais conspícuo, e creio que o próprio Acordo de Mão-de-Obra de 1964 não resistirá a uma análise à luz da doutrina do Estado social de que S. Exa. o Presidente do Conselho é enunciador e que perfilho de alma e coração.
Tanto me basta para renovar o meu apelo a S. Exa. e ao Governo para tomarem a peito esta justíssima causa e para pugnarem pela reforma dos magros salários e do restante condicionalismo de trabalho daqueles nossos concidadãos, mantendo eu a convicção de que essa iniciativa merecerá a simpatia e o apoio do Governo da República da África do Sul, bem como das próprias entidades patronais em causa, cada dia mais conscientes da inadiável necessidade de melhorarem a situação dos seus servidores mais humildes. Julgo ser este um problema que no ultramar constitui um flanco da nossa batalha da retaguarda - a lula pela promoção educacional, social e económica e pela portugalidade de todos os habitantes - e sinto que é levantando semelhantes temas válidos, e não

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calando-os, que a Assembleia Nacional se. valoriza e se dignifica; que é aceitando a sua discussão e promovendo a sua melhor solução que o Governo se prestigia e se engrandece perante a Nação.
Ao defender a situação destes humildes mineiros, estou cónscio de ter cumprido um dever de cristão para com Deus, de português para com a Pátria e de homem para com a família humana, e confio que a mesma será resolvida, pela ilimitada esperança que deposito na inteligência e na serenidade de S. Exa. o Presidente do Conselho e no ingente esforço do seu Governo.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei acerca da protecção da intimidade da vida privada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Prabacor Rau.

O Sr. Prabacor Rau: - Sr. Presidente: Debrucei-me mais atentamente sobre a proposta de lei referente à protecção da intimidade da vida privada.
Na verdade, qualquer cidadão precisa de ter a sua intimidade acautelada em face dos meios que hoje as sociedades dispõem, exactamente para a sua violação.
Qualquer de nós pode estar sujeito a ver a sua intimidade trazida para o terreiro público sem que para tal tenha contribuído de qualquer forma.
Técnicas mui modernas estão hoje preparadas para tal fim.
Cabe ao Estado, através dos seus órgãos, legislar para que o cidadão seja defendido de violações de tal género.
Tem de aceitar-se que o direito de cada um a refugiar-se na intimidade é um direito reconhecido por todos os povos civilizados e realçado na declaração mundial dos direitos do homem.
Os tempos de hoje são, na verdade, bem diferentes daqueles que foram os dos nossos avós.
Nessa altura era tudo bem mais fácil, e um homem com vastos problemas, ao discuti-los em sua casa, acaloradamente, podia estar seguro de que eles não transpiravam do âmbito familiar.
Claro que, com o desenvolvimento das ciências e das tecnologias, o homem vai sendo constantemente dominado pelas próprias armas que criou.
E a paisagem idílica dos nossos avós não podia fugir a esse estado de coisas.
O homem não é senhor de si mesmo.
Daí a necessidade de criar leis que o venham a proteger.
Essas leis não colocarão o homem tão à vontade Como nos velhos tempos.
Uma árvore era simplesmente uma árvore e a sombra apenas a sua sombra.
E na residência os quadros da família eram apenas quadros e os recantos mais escuros apenas uma questão de luz.
Ao homem de hoje estão reservadas outras situações.
Quando, na cómoda da sua sala de estar, o homem moderno contempla uma rosa vermelha pode ser que através dela esteja a contemplar um microfone que transmite para o exterior grande parte da sua vida privada.
E quando, depois de árduas tarefas, pelo declinar do dia regressa à sua Casa e, no silêncio crepuscular, tem com a sua mulher uma conversa geral sob os termos que lhe assaltaram o dia, mal presume ele que à distância de muitos e muitos quilómetros, noutra sala, um grupo de homens estão debruçados sobre o aparelho, bebendo sofregamente cada sílaba.
Não, não mais a idílica paisagem dos nossos avós!
A realidade de hoje não é a de ontem.
Por isso os homens sentem a necessidade de se defender.
Daí que o Governo da Nação, no cumprimento da sua missão histórica, se tenha debruçado sobre este assunto.
E, se as leis não fazem, com efeito, voltar o mundo para trás, de modo que a paisagem viesse a ser a dos nossos antepassados, pelo menos condenam a violação dos direitos fundamentais, de modo que o homem se sinta seguro de que todo o que pretender violar a sua intimidade será irremediavelmente condenado.
De resto um Governo que tão nobremente vem defendendo os valores espirituais da nossa época - é este o caso do Governo tão brilhantemente presidido pelo Prof. Marcelo Caetano - não podia deixar que esta liberdade fundamental ficasse ao livre arbítrio de cada um. Realmente quem é que não é forçado a reconhecer a feliz acção estatal quando está em jogo uma liberdade humana das mais caras: a inviolabilidade de tudo o que nos é íntimo?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: vou encerrar a sessão. Ò debate continuará na sessão de amanhã.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei acerca da protecção da intimidade da vida privada.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Gabriel da Costa Gonçalves.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Manuel Martins da Cruz.
Rui Pontífice Sousa.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Augusto Domingues Correia.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.

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Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Pedro Baessa.
Teófilo Lopes Frazão.

Ofício do Governo-Geral de Moçambique a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão.

Sr. Ministro do Ultramar:

Excelência:

Intervenção sobre o problema do caju do Sr. Deputado Maximiliano Fernandes na Assembleia Nacional

1.° Embora seja bastante antiga e tradicional, em Moçambique, a recolha da castanha de caju para fins de comercialização, a verdade é que foi praticamente, na década de, 1960-1970, que se verificou maior incremento e interesse nas actividades relacionadas com a exploração daquele fruto.
2.° Antes disso já se tinha entrado numa fase experimental relativamente ao descasque mecânico da castanha, embora os sistemas hoje adoptados nas diversas unidades industriais só depois de 1960 se viessem a instalar ou, pelo menos, a laborar efectivamente e de forma rentável.
3.° Na falta de números certos referentes à produção de castanha de caju nos diversos anos, julga-se poder traduzir a evolução da respectiva produção, bem como o interesse que as várias etapas seguidas na sua comercialização vieram a despertar, através dos números relativos à exportação de castanha de caju, amêndoa e óleo, desde 1948 até final de 1971.
No mapa que a seguir se apresenta, além da tonelagem e valor da exportação dos três produtos referidos, introduziram-se mais duas colunas. Da primeira constam números que representam a soma de castanha exportada em natureza e castanha exportada sob a forma de amêndoa, visto saber-se, com uma aproximação razoável, que se necessitam de 5 t de castanha para produzir 1 t de amêndoa. Na segunda coluna figuram os totais dos valores exportados de castanha, amêndoa e óleo.
4.° Embora não se tivessem em consideração os consumos internos dos produtos do caju, em natureza ou transformados, o exame desse mapa permite uma visão segura da acção desenvolvida em mais de duas décadas, especialmente num aspecto de maior relevância, ou seja, o de constituir, presentemente, a exportação de produtos do caju aquela que maior volume de divisas oferece a Moçambique.
Até 1963 nota-se, de forma geral, um aumento lento das quantidades e valores exportados, embora interrompido nalguns anos por contingências climáticas que, como se sabe, podem afectar notavelmente a respectiva produção. Esse período constituiu uma fase de pequena intervenção do Estado e de existência de uma indústria incipiente.
Posteriormente a 1962 começou a verificar-se uma maior atenção dos diferentes sectores da Administração para o problema do caju e, concomitantemente, um maior interesse das entidades privadas nas actividades relacionadas com a comercialização e industrialização.
5.° Como grandes objectivos podem apontar-se, os seguintes, que têm sido firmemente atingidos:
a) Promover o interesse do produtor ou apanhador na comercialização da castanha de caju. Para isso, fixaram-se preços mínimos para compra de castanha de caju ao produtor. O último preço mínimo estabelecido é de 2$60 por quilograma, mas pode considerar-se como sendo praticado com frequência, em diversas áreas da província, preços da ordem dos 3$ por quilograma.
Essa orientação, e não. exclusivamente o maior número de árvores,, deu lugar a quantidades bastante mais consideráveis de castanha comercializada de 1963 em diante;
b) Contribuir para a melhoria das cotações da castanha e da amêndoa e evitar, intransigentemente, o seu aviltamento. Especialmente no caso de exportação de castanha, todos os contratos de venda são. examinados e sancionados pelos serviços oficiais.
Esta orientação teve até um aspecto de grande relevância no ano de 1967, no qual se impediu a exportação de cerca de 20 000 t de castanha a uma cotação demasiadamente baixa. Essa mesma castanha foi vendida no ano de 1968 em melhores condições e isso influiu bastante para a grande diferenciação que surge nos números relativos àqueles dois anos;
c) Promover a industrialização da castanha de caju na província permitindo, entre outras medidas, o abastecimento regular das fábricas e a preços com certa estabilidade. Dos benefícios que resultam dessa industrialização - utilização de mão-de-obra, maior quantidade de divisas, etc. - parece não existirem duas opiniões.
A indústria que, antes de 1963, trabalhava menos de 10 000 t de castanha foi progredindo em métodos de trabalho e instalação de novas unidades, podendo hoje laborar mais de 150 000 t de castanha.
De tal forma que hoje é muito mais volumosa a obtenção de divisas através da exportação de amêndoa e óleo do que de castanha em natureza e bastante mais de dois terços dá produção total de cada ano é industrializada em Moçambique.
De 1971 em diante há a convicção de que os produtos do caju exportáveis não deixarão mais de cons-

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tituir, no seu conjunto e com normalidade, uma exportação anual da ordem de 1 milhão, de contos.
6.° O número estimado de cajueiros existentes em 1968 foi de 45 milhões, ao passo que em 1970 esse número é já da ordem dos 60 milhões, dos quais cerca de 35 milhões estão em produção. Estes números revelam o interesse que as populações rurais dedicam a esta cultura, o estímulo dos preços praticados e o trabalho de fomento desenvolvido.
A cultura do caju é essencialmente praticada pelas populações africanas (embora haja algumas plantações pertencentes a médias e grandes empresas) porque se adapta muito favoravelmente a um sistema cultural basicamente são. O agricultor pratica, na verdade, uma consociação de culturas, servindo-lhe a árvore, menos sujeita que as culturas anuais às irregularidades de clima, como elemento estabilizador de rendimento. Os granjeios dispensados às culturas anuais beneficiam em parte os cajueiros. A cultura do cajueiro, pela mão-de-obra que exige na colheita dos frutos, é essencialmente própria para empresas de tipo familiar.
Em Moçambique, onde existem tão poucos empresários evoluídos, não se vê vantagem em desviá-los de culturas que exigem investimentos maiores e técnicas mais evoluídas para a cultura do cajueiro.
Também não se vê, em face do sistema cultural descrito, grande vantagem nas plantações ordenadas.
7.° No campo agronómico, a investigação compete ao Instituto de Investigação Agronómica, que está cumprindo um vasto programa de pesquisa no sentido de estudar os principais problemas de cultura e fornecer as indicações que permitam melhorar as condições em que ela se pratica.
No campo industrial e tecnológico, não nos parece que exista qualquer estrangulamento ao desenvolvimento do respectivo sector em Moçambique. No que respeita à indústria, ela pode dispor hoje de uma gama de maquinaria desenvolvida por países interessados no novo mercado e são bem conhecidos os mais modernos processos tecnológicos que a indústria pode adoptar.
8.° É comum referir-se que Moçambique despreza uma grande riqueza, não industrializando o falso fruto do cajueiro. Não reputamos inteiramente certa tal ideia, por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, o falso fruto é quase integralmente aproveitado pelas populações, para as quais constitui uma extraordinária fonte de vitamina C. É tal o interesse por este produto que ele atinge no Sul de Moçambique o preço de cerca de 1$ por quilograma. Não há indústria alguma que pudesse por ele oferecer mais do que umas escassas dezenas de centavos; em segundo lugar, dada a grande dispersão das plantações e alto grau de perecibilidade do falso fruto, não é fácil a sua recolha para a indústria, embora se estejam já fazendo alguns aproveitamentos nesse sentido.
9.° As vantagens de se aumentarem gradualmente e na devida oportunidade os preços mínimos para compra de castanha de caju ao produtor não se põem em dúvida, tendo já sido seguida essa orientação em diversas campanhas. É possível que isso possa novamente suceder na próxima campanha.
Deve-se, no entanto, notar que os preços fixados são preços mínimos e que existe uma margem, razoável para se praticarem maiores preços, dado o interesse que existe na comercialização da castanha de caju. Os aumentos das quantidades comercializadas nos últimos anos julga-se poderem traduzir, pelo menos em parte, o estímulo verificado através dos preços mínimos estabelecidos, os quais, comparados com outras culturas mais dispendiosas e mais trabalhosas, são nitidamente compensadores.
10.° A existência, em Moçambique, de um instituto de caju ou organismo análogo, através do qual se pudesse coordenar e comandar todas ou parte das actividades relacionadas com o caju, é provável que contribuísse para melhoria e aperfeiçoamento de certos aspectos da exploração deste produto. Embora inegavelmente se tenha de reconhecer o progresso firme alcançado, estamos longe de pensar que, neste campo, nada haja a corrigir.
No entanto, como solução imediata, julga-se mais útil criar uma comissão permanente de caju, presidida possivelmente por um secretário provincial, onde estivesse representada a investigação agronómica, o fomento, a produção, o comércio e a indústria. Tal entidade estabeleceria em linhas gerais a política a seguir, nomearia grupos de trabalho para estudo de problemas específicos e recolheria contribuições do sector privado, os quais distribuiria pelos diferentes sectores oficiais para cumprimento de estudos ou acções especiais que lhes fossem atribuídas.
De qualquer modo e enquanto não forem perceptíveis ganhos que o justifiquem, a solução a adoptar deverá ser simples é pouco dispendiosa, por forma que o ónus da manutenção de um organismo específico para o caju não venha limitar o progresso que se deseja.
11.° Finalmente, deve-se notar que os avisos que se publicam anualmente, estabelecendo as condições de comercialização, abastecimento da indústria e exportação de castanha de caju, foram, nos últimos dois anos, elaborados pelos Serviços de Comércio, com a colaboração dos Serviços de Agricultura, e que a coordenação com os serviços oficiais dos problemas relativos à exportação da castanha de caju é feita através de uma comissão de exportadores. Igualmente são frequentes durante o ano as reuniões com industriais e comerciantes, por forma a poderem os Serviços de Comércio resolver e propor as soluções mais adequadas.
Pretende-se apenas salientar que os serviços oficiais, utilizando as suas próprias estruturas e sem dispêndios volumosos destinados especificamente ao caju, tem dedicado a este problema a melhor atenção, com resultados que, se não são espectaculares, representam, pelo menos, um progresso notável e seguro.
Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exa. os protestos da minha mais elevada consideração.

A bem da Nação.

Residência do Governo-Geral de Moçambique, em Lourenço Marques, 25 de Janeiro de 1973. - O Governador-Geral, Manuel Pimentel dos Santos.

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Valores e quantidades relativos à exportação de castanha de caju, amêndoa e óleo

[Ver tabela na imagem]

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