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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
Diário das Sessões
N.° 253 ANO DE 1973 25 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 253, EM 24 DE ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMÁRIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3." do artigo 109.' da Constituição, foram presentes à Assembleia os Decretos-Leis ti." 142/73, 143/73, 144/73, 172/73, 173/73, 179/73, 180/73 e 181/73.
Foram entregues elementos requeridos pelo Sr. Deputado Sousa Pedro.
Foram lidas notas de perguntas formuladas pelos Srs. Deputados Magalhães Mota, Moura Ramos e Sousa Pedro.
O Sr. Presidente informou ter recebido da Câmara Corporativa os pareceres sobre os projectos de lei acerca da revisão do regime de rendas de casas de prédios destinados a habitação em Lisboa e Porto e acerca da publicidade do tabaco. Serão publicados em suplemento ao Diário das Sessões.
O Sr. Presidente informou ainda estarem publicados e distribuídos os pareceres da Comissão de Contas Públicas sobre as contas da Junta do Crédito Público e sobre as Contas Gerais do Estado '(metrópole e ultramar) referentes a 1971.
O Sr. Deputado Gabriel Gonçalves pôs em relevo os últimos benefícios concedidos ao funcionalismo público, nomeadamente a pensão de sobrevivência.
O Sr. Deputado Augusto Correia manifestou o seu descontentamento pelo facto de Penela não ter sido contemplada coma restauração da sua comarca.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso, a propósito da conjuntura sócio-económica das ilhas adjacentes, reivindicou soluções e comentou insuficiências a ultrapassar e erros a corrigir.
O Sr. Deputado Henrique Tenreiro referiu-se à passagem do aniversário da descoberta do Brasil.
Ordem do dia. — Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei da revisão do sistema educativo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Veiga de Macedo, D. Luzia Beija, Nunes de Oliveira, Aguiar e Silva e Eleutério de Aguiar.
O Sr. Presidente interrompeu a sessão às 19 horas e 30 minutos para continuar às 21 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente reabriu a sessão às 21 horas e 50 minutos.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Veloso, Mota Amaral, Henriques Carreira, Oliveira Ramos, Silva Mendes, Nicolau Martins Nunes e Pereira de Magalhães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 23 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso. Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 253
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco de Moncada do Casal Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija,
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Valadão dos Santos.
Ricardo Horta Júnior.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 65 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do pessoal da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos e da direcção do Grupo Desportivo do Instituto dos Têxteis congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Costa Ramos.
Da Federação dos Grémios da Lavoura do Algarve, da Cooperativa Agrícola dos Citricultores do Algarve, do presidente da mesa do conselho geral do Grémio da Lavoura de Faro e da direcção do Grémio da Lavoura de Faro apoiando a intervenção do Sr. Deputado Leal de Oliveira acerca das barragens do sotavento algarvio.
Do Sr. José Mateus Horta apoiando a intervenção do Sr. Deputado Leal de Oliveira sobre a criação de uma delegação da Direcção-Geral de Viação no Algarve.
Dos Srs. Silvestre, José Silva Maia, dos professores da freguesia de Ferreiros do Dão, do Grupo Desportivo de Ferreiros do Dão, das Juntas de Freguesia de Sobral de Carregal do Sal, de Oliveira do Conde, de Currelos, de Parda, de Rapízios, de Mouras de Tondela e de Ferreiros do Dão, da Câmara Municipal de ¦ Carregal do Sal e dos Srs. Antero Fernanda Correia Esposa e José Lopes Carreira apoiando a intervenção do Sr. Deputado Malafaia Novais acerca da ligação da estrada Tondela-Carregal do Sal.
Do Sindicato Nacional dos Técnicos de Desenho repudiando a aprovação pela Câmara Corporativa do projecto de lei acerca da revisão do regime de rendas de prédios destinados a habitação em Lisboa e Porto.
Do Sr. Silva manifestando a esperança de que seja aprovado o projecto de lei acerca da revisão do regime de rendas de prédios destinados a habitação em Lisboa e Porto.
Cartas
Do Sr. José Luís Paz da Costa Azevedo lembrando a oportunidade de rever o caso dos arrendamentos urbanos feitos por usufrutuários.
O Sr. Presidente: — Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo, l.ª série, n.ºs 77 (suplemento), 90 e 93, respectivamente de 31 de Março findo e 16 e 19 do corrente mês, que inserem os seguintes decretos-leis:
N.° 142/73, que aprova o Estatuto das Pensões de Sobrevivência;
N.° 143/73, que aumenta as actuais pensões de sobrevivência a cargo do Montepio dos Servidores do Estado;
N.° 144/73, que autoriza o Governo a proceder à revisão dos actuais quantitativos base das pensões a cargo do Ministério das Finanças, de montante até 8000$ mensais por agregado familiar;
N.° 172/73, que manda aplicar ao pessoal militar e civil em serviço nas forças armadas nas províncias ultramarinas algumas das disposições do Decreto-Lei n.° 76/73, de 1 de Março, que concedeu o aumento de 15% nos vencimentos dos servidores do Estado;
N.° 173/73, que autoriza os corpos administrativos e os conselhos de administração das federações de municípios e dos serviços municipalizados a actualizar os vencimentos, salários ou outras remunerações principais dos seus servidores em efectividade, nos termos estabelecidos no Decreto-Lei n.° 76/73;
N.° 179/73, que dá nova redacção a algumas disposições do Decreto-Lei n.° 45 248, de 16 de Setembro de 1963, respeitantes a pessoal das
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Câmara Municipais de Lisboa e do Porto e adopta outras providências ao mesmo aplicáveis;
N.° 180/73, que regula a criação de centros técnicos de cooperação industrial;
N.° 181/73, que autoriza a Administração-Geral do Porto de Lisboa a contrair um empréstimo amortizável até ao montante de 48 000 000$.
Pausa.
Estão na Mesa, enviados pelo Ministério do Interior, através da Presidência do Conselho, os elementos destinados, na parte que lhe diz respeito, a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Sousa Pedro na sessão de 28 de Fevereiro último.
Estes elementos vão ser entregues ao Sr. Deputado.
Vai proceder-se à leitura das notas de perguntas formuladas pelos Srs. Deputados Magalhães Mota, na sessão de 10 do corrente mês; Moura Ramos, na sessão de 12, e Sousa Pedro, na sessão de 13, também do corrente mês.
Foram lidas. São as seguintes:
Nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que o Sr. Deputado Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota apresentou, em sessão de hoje, a seguinte nota de perguntas:
Nos termos da alínea c) do artigo 11.° do Regimento, pergunto ao Governo qual o destino que se encontra programado para a propriedade denominada «Mouchão do Inglês» no concelho de Alpiarça, do distrito de Santarém.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Abril de 1973. — O Deputado, Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
Nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Moura Ramos.
Nos termos regimentais, pergunto ao Governo:
a) A Junta Nacional do Vinho realizou recentemente importações de aguardente vínica da Argélia e de álcool neutro da Jugoslávia? Quais as razões determinantes dessas importações e seus quantitativos?
b) Destinam-se tais aguardentes a ser fornecidas à Casa do Douro para beneficiação do vinho do Porto?
c) Se assim for, não poderá vir a ser afectada a exportação do vinho do Porto para a área da Comunidade Económica Europeia, uma vez que o regime preferencial com ela negociado só será aplicável às mercadorias inteiramente produzidas no nosso país?
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 12 de Abril de 1973. — O Deputado, Rui de Moura Ramos.
Nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Sousa Pedro.
Usando das faculdades que me são concedidas pela Constituição, pergunto ao Governo:
1) Em termos de razoável aproximação,
quando se prevê venham a ser instalados, em Ponta Delgada, os serviços da Inspecção-Geral das Actividades Económicas?
2) Pode contar-se com a entrada em funcionamento daqueles serviços a título permanente, ainda este ano, no que aos Açores se refere, pelo menos na área daquele distrito?
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 13 de Abril de 1973. — O Deputado, Teodoro de Sousa Pedro.
O Sr. Presidente: — Enviados pelo Sr. Presidente da Câmara Corporativa estão na Mesa os pareceres da referida Câmara sobre os projectos de lei relativos à revisão do regime de rendas de prédios destinados a habitação em Lisboa e Porto e à publicidade do tabaco.
Peço a atenção de VV. Ex.ªs para o facto de que em suplemento ao n.° 247 do Diário das Sessões foi publicado o parecer da nossa Comissão de Contas Públicas acerca das contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1971.
Foram também já distribuídos os pareceres da mesma Comissão a respeito das Contas Gerais do Estado relativos à metrópole e ao ultramar.
Quanto ao parecer, em relação à metrópole, foram enviados exemplares a todos os de VV. Ex.ªs que à data da sua recepção se presumia encontrarem-se no território continental. Em relação aos Srs. Deputados que à data da entrega pela Imprensa Nacional se presumia encontrarem-se nas ilhas adjacentes ou ultramar, foram colocados em cima das suas carteiras nesta sala.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gabriel Gonçalves.
O Sr. Gabriel Gonçalves: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo assistido, ao longo dos vinte e cinco anos da minha carreira de técnico oficial, à crescente degradação da função pública, degradação motivada pelas razões de todos conhecidas e tantas vezes apontadas nesta Câmara, compreender-se-á o interesse, o quase alvoroço, com que ouvi de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, em 14 de Novembro de 1972, as seguintes afirmações:
[...] O Governo está, como é natural, preocupado com a situação dos servidores do Estado. Outrora os funcionários públicos tinham um estatuto invejado pelos restantes trabalhadores. Hoje [...] as condições materiais do trabalho nas empresas privadas são em vários pontos superiores às que oferece a administração pública....
[...] Espero, porém, que no início do próximo ano se possa actualizar alguma coisa os vencimentos, ao mesmo tempo que se procede à publicação do novo estatuto da aposentação que beneficiará bastante gente, sem deixar retardar a generalização de um regime satisfatório de pensões de sobrevivência para as famílias dos funcionários que faleceram [...]
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O esquema anunciado foi rápido e integralmente cumprido, e cumprido com a simplicidade e a naturalidade a que o Chefe do Governo há muito nos habituou.
Assim, em 9 de Dezembro de 1972, foi publicado o Estatuto da Aposentação — Decreto-Lei n.° 498/72;
Em 1 de Março de 1973, o aumento de vencimentos aos servidores do Estado, civis e militares, na efectividade de serviço — Decreto-Lei n.° 76/73;
Finalmente, em 31 de Março, o Estatuto das Pensões de Sobrevivência — Decreto-Lei n.° 142/73.
Além destas, outras medidas complementares foram aprovadas e publicadas neste curtíssimo período, entre as quais merecem devido destaque as seguintes:
Alterações do regime de ajudas de custo, subsídios de viagem e de marcha;
Aumento de 15 % às pensões de aposentação e reforma e de reserva;
Aumento das actuais pensões de sobrevivência a cargo do Montepio dos Servidores do Estado;
Revisão dos actuais quantitativos base das pensões.. a cargo do Ministério das Finanças, de montante até 8000$ por agregado familiar.
Eu sei que muitos dirão que tudo é ainda insuficiente para travar um já longo e penoso processo de deterioração.... Mas sei também que todos aqueles, e são ainda muitos, que encontram na exclusividade do desempenho da função pública perfeita realização pessoal não duvidam agora que o Governo está atento e decididamente disposto a prestigiar essa função na medida e na forma ajustadas à sua importância e imprescindibilidade.
Os mais dedicados esperam e confiam agora que se prossiga e que se exija a indispensável contrapartida — o aumento de produtividade de todos.... e não apenas de alguns.
O Sr. Silva Mendes: — Muito bem!
O Orador: — De qualquer forma, e para já, o Governo bem merece o agradecimento, a compreensão e a correspondência de todos os interessados. O esforço de actualização e de recuperação foi grande e, em relação à pensão de sobrevivência, pode mesmo dizer-se ter excedido a expectativa da maior parte.
O Sr. Silva Mendes: — Muito bem!
O Orador: — Considero de tal relevância o Estatuto das Pensões de Sobrevivência que não compreendo, em face do que representa para todo o funcionalismo, que seja minimizado ou não aceite como o maior passo desde sempre dado para o prestígio e segurança dos servidores do Estado.
Por tal, nele me deterei.
É conhecido o contexto —o funcionário estatal, obrigado a acompanhar a subida do nível de vida processado em relação à generalidade dos demais concidadãos, descurou quase sempre o futuro dos seus. As solicitações que o seu magro vencimento só à custa de mil artifícios satisfazia e comportava levaram-no, a maior parte das vezes, a esquecer a possibilidade de uma morte prematura e as suas habituais consequências — a ruína económica familiar.
A falta de um dispositivo legal, compensador de prioridades mal estabelecidas ou de optimismos inconscientes, foi a grande responsável pelos inúmeros e tantas vezes irreparáveis casos do conhecimento geral. E quantos não foram resolvidos, tantas vezes de forma precária e insuficiente, pelos vários departamentos estatais, através da colocação da viúva ou de algum filho do funcionário falecido....
O exame do relatório que antecede o Estatuto evidencia-nos a responsabilidade agora tomada pelo Governo em relação ao futuro da família dependente do funcionário — cônjuge, ascendentes e descendentes.
Até agora muito poucos funcionários se inscreviam, em devido tempo, no Montepio dos Servidores do Estado, nos Cofres de Previdência dos Ministérios das Finanças, da Educação Nacional ou de outras instituições. A maior parte divida-se entre os obrigatòriamente inscritos no. Montepio dos Servidores do Estado com a quota mínima —15$ — e os que, dada a não obrigatoriedade para os seus casos, descuravam em absoluto o futuro da família.
Assim, para um conjunto de 346 000 servidores do Estado inscritos na Caixa Geral de Aposentações apenas um terço se encontra inscrito no Montepio dos Servidores do Estado, e destes apenas cerca de 3900 com pensões de 1000$ a 1750$.
Analisando o caso particular do serviço de que sou responsável encontrei o seguinte quadro: num total de 1700 unidades, apenas 978 se encontravam inscritos no Montepio dos Servidores do Estado, e destes a quase totalidade —816— com os 15$ de quota mínima. A falta de meios para suportar os encargos não parece suficiente para justificar o desinteresse pelo futuro que tais números evidenciam, mas, em qualquer caso, testemunham o altíssimo interesse e oportunidade das medidas promulgadas.
Por tudo as considero grande, decisivo e prestigiante passo para a dignificação da função pública.
São tantas e tão importantes as inovações insertas no novo Estatuto, ao qual com propriedade se pode chamar o seguro de vida do funcionário, que a sua análise se torna difícil para os menos preparados na matéria. No entanto, mesmo esses, fàcilmente se poderão aperceber das suas mais destacadas melhorias.
Uma forma simplista, mas prática, de o conseguirem....
Sabendo-se que um funcionário administrativo normal, que inicie a sua carreira na categoria de terceiro-oficial e que atinja no fim da mesma o lugar de chefe de repartição, terá satisfeito ao longo dela uma quota média mensal de cerca de 75$, com direito a legar uma pensão mensal de cerca de 5500$, pergunta-se:.... A quanto montaria o prémio de um seguro anual feito a um indivíduo que ao fim de quarenta anos deixasse uma pensão mensal de igual valor — 5500$?....
A diferença entre os 876$ pagos anualmente pelo funcionário em causa e o prémio de um seguro conducente a igual pensão evidenciará os méritos do actual estatuto, malgrado a simplicidade do raciocínio e, de algum modo, a sua discutibilidade à luz da técnica especializada.
Um simples requerimento, a entregar no prazo estabelecido, acautelará o futuro da família de cada um dos servidores do Estado. Que a insatisfação impensada de alguns, ou a negligência criminosa de outros, não comprometa, irremediàvelmente, o tão meritório, oportuno e decidido esforço governamental.
Vozes: — Muito bem!
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O Orador: — Termino afirmando ao Governo que esse esforço é devidamente apreciado e que, estamos seguros disso, os funcionários saberão corresponder, em eficiência e dedicação, ao que o mesmo para todos representa.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Augusto Correia: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A notícia da restauração e criação de comarcas lançou no meu concelho de Penela um profundo descontentamento, que me impõe esta intervenção.
Efectivamente, a restauração da comarca de Penela, uma das extintas em 1927, sem qualquer atenção pela população que servia, tem sido uma grande aspiração do concelho, particularmente vivida por todos aqueles que sentiram desde a primeira hora as graves consequências da sua falta. Sabia-se que a satisfação dessa pretensão não poderia merecer prioridade no conjunto das comarcas a restaurar, mas pensava-se que as implicações do problema levariam à restauração de todas as comarcas extintas em 1927, se porventura houvesse que optar, como se previa, entre essa solução e a da restauração de grande número de comarcas. Não havia, pois, que recear que Penela não estivesse entre as comarcas a restaurar.
Assim não aconteceu. Optou-se por uma solução que não se esperava, restaurando dezanove comarcas e mantendo como julgados municipais as nove restantes, ou sejam Portel, Alfândega da Fé, Penela, Monchique, Fornos de Algodres, Mondim de Basto, Mesão Frio, Avis e Vila Nova de Cerveira.
Penela é, assim, no distrito de Coimbra a única das comarcas extintas em 1927, que ficou por restaurar.
Deve, pois, compreender-se o descontentamento do meu concelho, que bem tenho sentido, e aceitar-se esta intervenção, com a qual desejo ocupar um lugar entre os conterrâneos que pedem a restauração da sua comarca.
Eles, que me deram todo o seu apoio e a sua melhor colaboração durante os nove anos em que servi o concelho como presidente da sua Câmara Municipal e que me envolveram com o seu entusiasmo e a sua amizade pelo caminho que me trouxe a esta Casa, merecem que os acompanhe nas suas justas pretensões. Passa-se, na verdade, alguma coisa de anormal com a reacção da população do meu concelho neste caso da sua comarca. Essa população, sempre disciplinada e trabalhadora, que já parecia ter cruzado os braços perante o empobrecimento cada vez mais alarmante da sua terra, despertou e afirmou uma vitalidade que certamente contribuirá decisivamente para a solução de muitos dos seus grandes problemas. Um concelho pobre, como o de Penela, exige que por ele se trabalhe muito e não permite, dada a situação económico-social a que chegou, que se aguardem por mais tempo soluções para os seus principais problemas. A restauração da comarca é um desses problemas e a sua justificação não deveria procurar-se sòmente nas estatísticas e na comodidade dos povos, mas também, e principalmente, na necessidade imperiosa de valorização urgente do concelho, para o qual o Ministério da Justiça também deve contribuir.
A restauração e criação de comarcas agora decidida resultou, necessàriamente, de estudos tècnicamente perfeitos e de opções devidamente ponderadas.
Tem de haver, pois, razões para que não tenham sido restauradas todas as comarcas extintas em 1927.
O certo é que a população de Penela, e em especial as suas forças vivas, que nos últimos dias têm recolhido elementos de estudo, consultado as estatísticas e contactado os responsáveis dos outros concelhos que se encontram na sua situação, não compreendem que a sua comarca não tenha sido restaurada.
Senti, profundamente, essa incompreensão na numerosa e qualificada representação das forças vivas concelhias que no dia 13 apresentou à Câmara Municipal em reunião, na qual gostosamente participei, uma completa e pormenorizada análise da situação do concelho perante a inesperada notícia da restauração e criação de comarcas e lhe pediu uma intervenção urgente no sentido de a comarca de Penela também ser restaurada.
A Câmara, acompanhada de qualificadas personalidades, apresentou no dia 17 a pretensão ao Sr. Governador Civil. Conheço bem o interesse que o concelho dispensou a essa diligência, na qual pretendeu participar largamente, e a esperança com que todo ele e os seus representantes aguardam o despacho superior sobre a sua pretensão. '
A restauração das comarcas do distrito de Coimbra extintas em 1927 esteve sempre nos programas dos seus Deputados. Do assunto ocupou-se na presente legislatura o ilustre Deputado Martins da Cruz, que lhe dispensou permanente atenção, distribuída por estudos, diligências pessoais no Ministério e intervenções na Assembleia. Conheço bem a atenção que lhe mereceu o problema da restauração das comarcas, que estava incluído no programa «Uma Proposta para o Futuro», que os Deputados de Coimbra apresentaram em 1969 ao seu eleitorado.
Os Deputados de Coimbra, também neste caso, souberam cumprir os compromissos assumidos. É-me particularmente grato fazer esta afirmação a propósito da comarca de Penela.
Feitas estas ligeiras considerações, que devia aos meus conterrâneos, os quais não compreendem, tal como eu, que a notícia da restauração e criação das comarcas tenha sido para mim e para eles uma surpresa perfeitamente igual, desejo terminá-las pedindo ao Governo uma atenção bem merecida para o meu concelho de Penela, o qual, decididamente, quer vencer as barreiras que têm impedido o seu progresso e atingir ràpidamente as metas de desenvolvimento económico-social que estão ao seu alcance.
Essa atenção tem de ser dada por diferentes Ministérios a vários problemas prioritários, os quais, devidamente solucionados, poderão levar o concelho, em curto prazo, a uma posição bem melhor do que a actual.
Um desses problemas é a restauração da comarca, cuja extinção sempre foi considerada como causa importante do empobrecimento material e humano do concelho nas últimas dezenas de anos. " Para esse problema impõe-se, com urgência, a solução que faça esquecer de uma vez para sempre a decisão governamental de 1927 e também o acolhimento dispensado por Penela à notícia de 10 de Abril.
Esperamos que essa solução seja em breve uma realidade.
Vozes: — Muito bem!
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O Sr. Agostinho Cardoso: —Sr. Presidente: Vou efectuar a última intervenção parlamentar — assim o espero— da minha terceira legislatura.
A primeira, já lá vão doze anos, foi motivada por um problema do meu arquipélago.
Nesta, também, venho, tratar de alguns aspectos prementes ou importantes da problemática madeirense na sua conjuntura actual — tal como a entendo.
E pretendo que ela represente testemunho sincero de que nesta tribuna sempre procurei servir o melhor que pude os povos do meu distrito.
Srs. Deputados: Permito-me, em breve parêntesis, exprimir ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional, engenheiro Amaral Neto, o maior reconhecimento pela imerecida consideração que sempre generosamente me dispensou e reafirmar-lhe quanto admiro a sua prestigiante actuação na presidência da Câmara, à qual ascendeu vindo de uma brilhante carreira de Deputado, que tive a honra de acompanhar em duas legislaturas.
* Posso inscrever por inequívoco, no limiar deste trabalho, um dos meus slogans de propaganda na campanha eleitoral das eleições, presidenciais de 1958, que dirigi à frente da União Nacional do meu arquipélago: a Madeira só progrediu a partir de Salazar, e não progrediu antes dele. E continua a progredir com Marcelo Caetano, acrescento agora.
Mas porque talvez nenhuma outra região metropolitana apresente hoje, como esta, tão séria conjuntura sócio-económica, quero, no meu estilo próprio, reivindicar soluções que considero mais do que indispensáveis ou urgentes e comentar insuficiências a ultrapassar ou erros a corrigir. Não perderei tempo louvando homens ou rejubilando-me com obras e êxitos já obtidos.
No condicionalismo da sua insularização, pletora populacional, emigração caótica, que agora se favorece, erradamente, em minha opinião, orografía dificultando á produção agrícola, impossibilidade de industrialização em grande escala, excepto nos domínios do turismo, este já em pleno desenvolvimento —deficit da balança comercial, que atingiu 1 milhão de contos em 1972—, adentro deste condicionalismo, dizia, a Madeira vê desenharem-se boas perspectivas de desenvolvimento. Mas estas exigem, todavia, opções difinitivas, objectivos directos, programas de realização bem concretos, a efectivar a. ritmo, em tempo e com investimentos bem demarcados.
Assim, em nenhuma outra região metropolitana a luta contra o tempo nessas realizações apresenta incidências tão dramáticas, porque atrasos ou descoordenações podem conduzir a um desequilíbrio sócio-económico, antípoda da harmoniosa promoção e progresso que se deseja para os seus povos.
Quer isto dizer que a promoção económico-turística corre o risco de fixar-se, ou, antes, predominar numa larga zona de inflação em volta dos hotéis, enquanto subam os preços, as divisas que o turismo aporte se consumam na importação de bens alimentares não produzidos localmente, e à periferia continue como hoje gente subdesenvolvida entregue a uma agricultura primitiva e pobre.
Ora, a região da Madeira, pela sua individualização e delimitação insular, pequena dimensão física, económica e populacional, presta-se admiràvelmente para uma experiência piloto de realização acelerada de um plano de desenvolvimento para o qual se reuniram já elementos válidos de planeamento regional e programações sectoriais que o Governo pode coordenar e fazer estruturar, investindo nela os capitais necessários.
Este o fulcro da problemática madeirense em duas palavras, naquela generalidade teórica — a única — que esta tribuna, em meu entender, comporta.
É para o seu conjunto que peço o apoio concreto e a decisão oportuna do Governo, porque podendo dizer-se que na Madeira muitas coisas vão bem, o excessivo optimismo, as lentas e parcelares experiências, a descoordenação das actividades constituem perigo potencial, que não deve desprezar-se.
Sr. Presidente: O Estatuto das Ilhas Adjacentes, publicado em Dezembro de 1940, e alterado ligeiramente em Agosto de 1947, estruturou a autonomia administrativa, conquista de inestimável valor, indiscutível para todos os madeirenses.
Mas penso que necessita de actualização.
Foi. já reconhecida essa necessidade em duas reuniões, uma no Funchal e outra em Ponta Delgada, por volta de 1970, dos dirigentes dos dois arquipélagos — «reunião cimeira», como então se lhe. chamou —¦, na qual se discutiram e colectaram estudos e sugestões trabalhados prèviamente a nível local.
Na realidade, com o andar dos tempos evoluíram os fundamentos iniciais da autonomia: o isolamento e a distância das ilhas em relação ao Terreiro do Paço e a especificidade dos seus problemas. Em relação à Madeira só permanece salientemente o segundo factor, já que o avião pô-la a uma hora de Lisboa.
E para além do muito que de comum conservam os dois distritos adjacentes, cada arquipélago, e talvez cada distrito, tem problemas individualizados mais salientes do que em 1940. Na Madeira, esta especificidade varia de sector para sector: é muito grande na agricultura, na viticultura e na pecuária, muito menor na educação e nula no sector da saúde, cujos problemas são idênticos aos do continente.
Aliás, a autonomia administrativa não deve ser motivo de atraso na aplicação da nova legislação do País, como está acontecendo em relação às leis que reestruturaram o Ministério da Saúde, ou, mais concretamente, quanto à criação dos centros de saúde e reestruturação dos quadros de saúde pública do distrito.
Há ainda no plano de autonomia administrativa dois factores contraditórios no distrito do Funchal:
Por um lado, muitos organismos ou representações de organismos sem quaisquer ligações oficiais com o governo do distrito, e, por outro, vários sectores do Estado com delegações locais ao lado de departamentos idênticos da Junta Geral.
Pergunta-se, em relação ao primeiro factor, se conviria ou não estabelecer relação intermediária com o governo do distrito (pelo menos para informação) e, no segundo, se é de eliminar ou generalizar os casos existentes.
Pergunta-se ainda se seria útil ou não estruturar a nível distrital a informática, a prospecção de mercados, o marketing, numa coordenação local que parece conveniente.
Condicionalismos estes pormenorizáveis, mas que aqui devo apenas enumerar ràpidamente e me parecem de considerar numa revisão do Estatuto das Ilhas, que é de aconselhar se faça, e onde a experiência das comissões de planeamento regional em funcionamento pode trazer sugestões úteis. E acentue-se mais uma
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vez que a autonomia administrativa é bem que nenhum madeirense desejaria perder.
Mas voltemos à análise da conjuntura económica da Madeira. Concretizando melhor, podemos dizer que, no fundo, tudo se resume no desfasamento entre o motor essencial do desenvolvimento do arquipélago, que é o turismo, agora na fase de expansão hoteleira, e as infra-estruturas sócio-económicas, urbanísticas, especificamente turísticas e de transportes, que têm de alimentar esse turismo e as necessidades da população.
Pretende-se não perder o comboio, em ordem a chegar a tempo —sob o ponto de vista sócio-económico de acompanhar a expansão turística que se não deseja travar e que, aliás, caminha equilibradamente.
Acrescente-se, e é óbvio, que a promoção das infra-estruturas do desenvolvimento sócio-económico constitui o grande antídoto para a emigração, despovoadora dos campos que ficam por cultivar, arrebatando mão-de-obra especializada e dissociando a família. Se a emigração, com o turismo, tem conseguido colmatar a balança comercial madeirense, é incontestável que o emigrante tende a fixar-se no estrangeiro e a chamar a família —quando não a esquece— para junto de si.
O turismo e as actividades que lhe são subsidiárias, como as unidades fabris antigas ou que vão surgindo, dirigidas ao consumo interno ou à exportação (indústria de confecção de vestuário, alimentação, manufactura de vimes, marcenaria, etc.) e os artesanatos (bordados, flores, artefactos turísticos) ao lado da expansão agro-pecuária e comercial—, todos estes, e outros factores de desenvolvimento, acabarão por reduzir essa emigração, utilizando uma mão-de-obra abundante, promovendo empregos mais bem remunerados, desencadeando um movimento populacional no sentido da zona sul da ilha — a zona turística urbanizável, onde também aumentará o sector terciário.
Será possível, assim, fazer baixar a percentagem populacional do sector primário (50 % actualmente) para um número que permita melhor rendimento do operário agrícola especializado e do pequeno agricultor na zona rural, já que a capitação do rendimento do distrito não vai ainda além de 10 contos anuais.
Debrucemo-nos agora, ràpidamente, sobre vários aspectos sectoriais:
Agricultura: desenha-se aí nítida situação de crise — palavra que assusta certos dirigentes— nas três principais culturas clássicas com grande expressão económica: a banana, a cana-sácarina e a vinha.
O problema das bananas, tantas vezes debatido, resume-se na impotência de comercializar e absorver no continente os volumes a exportar, após a concorrência da banana do ultramar, e na impotência ainda de reduzir a enorme diferença entre o que se paga por unidade ao agricultor e o que paga o consumidor em Lisboa — seguindo e estruturando o respectivo circuito comercial.
Perante esta impotência, que me parece irreversível, há que reconverter uma parte da cultura da banana noutra produção e encontrar uma forma de colaborante comercialização entre os mercados produtores, madeirense e ultramarino, até porque este último necessita de conquistar os mercados estrangeiros, já que
a sua produção ultrapassa em muito a capacidade de absorção do continente.
Na cana sacarina a situação é mais grave. Degrada-se a sua qualidade progressivamente, não sendo rentável o conjunto de operações em vista a melhorá-la; o seu custo, o mais alto do mundo, é, todavia, insuficiente para o agricultor. A conjugação destes dois factores e o custo dos transportes tornam a sua exploração de pouco interesse industrial —ia a dizer deficitário— para uma fábrica que envelhece e para a qual as perspectivas industriais não permitem considerar vantajosa a sua modernização.
Alto o custo do açúcar, cuja produção é, aliás, cada vez menor em relação ao total do consumo, e que, importado na totalidade, poderia ser vendido mais barato ao público, que o paga mais caro do que no continente; inviável a utilização da cana-sacarina exclusivamente para álcool, a exportar em parte para o continente; acumulou-se um fundo de compensação proveniente, em parte, de lucros no açúcar importado, e que ultrapassa os 50 000 contos. Não esqueçamos que essa verba pertence à Madeira.
Fica de pé, com boas perspectivas, a indústria de aguardente e a de mel, para as quais, admitindo mesmo uma certa expansão, é necessária apenas uma pequena área de cultura sacarina.
Os terrenos de cana-sacarina acabarão por ter de ser convertidos, em grande parte, noutras culturas.
O problema da vinha é diametralmente oposto aos precedentes. Trata-se de uma crise de desenvolvimento. A produção de vinho da Madeira é insuficiente para o consumo dos mercados que podem ser conquistados com o apoio do Fundo de Fomento de Exportação.
Mas impõe-se a reconversão acelerada dos actuais «produtores directos» em castas nobres, limitando a produção daqueles ao consumo local.
Tal reconversão está a fazer-se, mas receamos que a ritmo insuficiente em relação aos prementes condicionalismos internacionais, os quais exigem uma adaptação rápida e de vária ordem na produção e na exportação, esta última a ser coordenada sem que deva esquecer-se a organização comunitária dos viticultores.
A expansão conduzida da viticultura pode responder, em parte, à necessária reconversão dos terrenos de cana-sacarina e de banana e pesar positivamente na balança comercial da Madeira.
Mas é sobretudo na horto-floricultura, ria produção de «primores», de vegetais citrinos e outros frutos — resistentes à invasão concorrencial do continente e do estrangeiro — que deve desenhar-se a reconversão das culturas, com diversificação de produtos. E ainda nas forragens, que a longa e insuficiente actuação dos velhos campos experimentais existentes não conseguiu estandardizar e expandir, mas que podem vir a apoiar fortemente o desenvolvimento da pecuária, onde começa a desenhar-se uma interessante experiência cooperativista no Norte da ilha e onde a inseminação artificial vem apresentando resultados excepcionalmente bons. Há zonas da ilha com culturas deficitárias em socalcos pouco acessíveis, substituíveis por prados de pastagens.
A floricultura, ao lado de grandes explorações industrializadas que vão surgindo, podia dar lugar a um artesanato generalizado, como seu complemento, de certo modo semelhante ao que foi o artesanato do
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bordado. Mas aqui, como em toda a problemática da produção agrícola madeirense, verifica-se a necessidade de organizar-se um sistema poderoso de produção e de marketing que, por um lado, seleccione culturas segundo as sub-regiões e os seus micro-climas, aconselhe e assista aos agricultores, e, por outro, garanta a recolha e compra de toda a produção a preços mínimos fixos, o seu transporte, colocação no mercado interno e exportação.
O mercado abastecedor, com armazéns satélites, em projecto, de construção já assegurada pelo Estado, mas que não sei quando começará e acabará de construir-se, será funcionalmente insuficiente e inoperante, no caso de limitar-se a grande armazém de.venda è recolha espontânea, dirigido, sobretudo, aos grandes produtores. Tem de complementar-se numa organização cooperativa conduzida, responsável e adulta, ou, então, a Junta Nacional das Frutas, sem recear o apodo de socializante, e ajudada possìvelmente pelo Fundo de Fomento de Exportação, vir a realizar integralmente a organização de produção e marketing a que me referi.
Suponho isto que venho de dizer enquadrável, em certo modo, numa recente declaração do Secretário da Agricultura, ao afirmar:
Há que encontrar um sistema de equilíbrio segundo o qual o agricultor saiba concretamente quando vai investir, aquilo que vai receber pelos produtos que cultive.
Repito, só uma firme e integral actuação imediata e de conjunto no sector agrícola, de objectivos bem dimensionados no tempo de realização, na cobertura da ilha, nos investimentos necessários, pode responder às perspectivas angustiosas da actual conjuntura agrícola madeirense, que não se compadece com tímidas experiências ou com parcelares e descoordenadas, embora bem-intencionadas, actuações.
As dimensões físico-económicas da ilha, como disse, permitem tal actuação, a realizar directamente pelo Estado, apoiando-se na Junta Geral, ou por uma empresa de economia mista, ou, ainda, por uma empresa privada de nível conveniente — como os responsáveis acharem melhor. Mas deve e pode fazer-se. E se alguns apodarem de fantasia o que venho de dizer, -o futuro dirá se têm razão!
Um pequeno parêntesis para salientar a necessidade de realizar estudos agro-climáticos e de esgotar-se a possibilidade de mecanização nas pequenas áreas, onde ela é possível, mediante a conveniente estruturação.
Como hoje se exige no caso do aeroporto, é de possibilitar-se o estudo das mais escassas probabilidades de mecanização da agricultura madeirense.
No que respeita à pecuária, pode afirmar-se que basta o aceleramento e a generalização do que éstá em curso para que as produções se vão aproximando tanto quanto possível dos níveis,de consumo. De notar, como já disse, o atraso em relação às forragens, sua selecção e disseminação pelos agricultores, e a reconversão em prados de certas terras de mato ou de culturas pobres em zonas a demarcar. Dizem os técnicos que de 19 000 cabeças de gado bovino que possuímos se poderá atingir 30 000.
Não tem sido dada pelo Governo ap problema da pesca na Madeira a importância devida, apesar das frequentes insistências locais. Todavia ele é premente,
dado o deficit de pescado em relação ao turismo e ao consumo da população, e ainda pelo facto de, neste sector, o estudo e a actuação serem necessàriamente demorados.
A frota pesqueira na tonelagem necessária, a protecção ao artesanato, motorizando-o, a comercialização e expansão do consumo na zona rural, com a protecção do público em relação ao intermediário, tudo isto deveria ser objecto de estudo, através de uma firma de técnicos da especialidade.
E passemos ao turismo, dominado actualmente peló problema dos transportes, isto é, pela insuficiência e deficiência dos meios de comunicação, com os principais centros emissores de turistas para a hotelaria madeirense.
A partir de uma exposição dos hoteleiros madeirenses, o Governo reconheceu a necessidade de rever-se a política de tráfego aéreo em relação à Madeira, dado o condicionalismo do seu turismo em expansão, da sua insularidade, das dimensões do seu aeroporto e da existência da pista de Porto Santo.
Um pertinente despacho do Secretário de Estado das Comunicações criou um grupo de trabalho para o estudo da política aérea da região da Madeira, com elementos deste distrito, daquele Ministério e da TAP.
E em recente entrevista a O Século o Ministro Rui Sanches —o que me apraz registar— reconheceu a «insuficiência das comunicações aéreas que tem afectado o turismo madeirense» e que «é um problema que carece resolução urgente e para o qual se lançou um estudo entre o Ministério das Comunicações e a hotelaria daquela ilha, a fim de se averiguar quais as necessidades que se fazem sentir, além da ampliação da pista do Aeroporto do Funchal, onde presentemente não podem aterrar aviões de grande porte».
Efectua-se hoje — 4 de Abril —- na Madeira a segunda reunião do grupo de trabalho. A representação qualificada de todos os sectores relacionados com o problema a estudar, a vontade do Ministro e. do Secretário de Estado em solucioná-lo o mais depressa possível, a unanimidade e premência da opinião pública madeirense em sua volta criam expectativa de confiança e esperança numa questão que é vital para a economia madeirense.
Definir-se-á, após estudo técnico, se é viável a ampliação do actual aeroporto ou se é construível outro com as dimensões necessárias.
No caso afirmativo, querem os Madeirenses que se construa, seja qual for o seu custo. E de bom grado ajudarão a pagá-lo.
Mas se não for possível, ficar-se-á do mesmo modo grato ao Governo, porque permitiu fechar um dilema que pesa sobre o futuro turístico da Madeira.
E, neste caso, caminhar-se-ia para uma política aérea com base no Aeroporto de Porto Santo, para os grandes aviões que não possam aterrar em Santa Catarina, organizando-se transbordo de passageiros fácil e cómodo.
Seja qual for, esperam os Madeirenses que uma das soluções a atingir seja a das carreiras directas regulares, sem entraves nem limitações, entre a Madeira e os centros distantes ou próximos, que lhe possam enviar turistas.
Limito-me a estas considerações, na muita consideração que me merece o grupo de trabalho referido e na esperança que deposito na sua actuação.
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E se de relance me referir às comunicações marítimas e ao turismo de cruzeiro marítimo, folgo por finalmente ir a caminho o projecto das infra-estruturas do porto do Funchal, a que corresponde também uma maior capacidade de atracção de navios. Mas um problema prévio é de continuar a pôr-se insistentemente.
Diminui a navegação no porto do Funchal.'A própria marinha mercante nacional pouco o procura, porque não interessa às suas rotas. Grandes navios mercantes estão a ser vendidos, como o Vera Cruz, estão atracados, ou buscam outros rumos.
A própria Empresa Insulana de Navegação desviou o navio Funchal para cruzeiros turísticos. Apenas o velho Angra do Heroísmo mantém, como pode, as ligações marítimas com os dois arquipélagos adjacentes.
Ora, a primeira coisa para um porto que vai melhorar-se, e de certo modo ampliar-se, é ter clientela de navios.
Tem-se insistido em lembrar ao Governo que, adentro da lei de protecção à marinha mercante nacional, fora dada ao porto do Funchal por despacho ministerial a excepção, então já tradicional, de poder ser visitado por navios mercantes estrangeiros, aos quais se permitia transporte de passageiros e carga entre a Madeira e o continente. Tinham as companhias de navegação estrangeiras os seus agentes locais, e era fácil desviar a rota de um navio que passasse perto, se houvesse algumas dezenas de passageiros ou poucas toneladas de carga.
Tais navios têm as suas viagens programadas para cada ano e passam em datas conhecidas meses antes, permitindo a angariação de carga e de passageiros nesta ilha.
Quando o Funchal foi lançado na carreira das ilhas revogou-se o despacho referido. Agora que a marinha mercante nacional não pode, nem lhe interessa, cobrir o tráfego marítimo da Madeira, é de uma evidência meridiana que se deve restaurar a antiga prerrogativa do porto do Funchal. Serão muito poucos os navios estrangeiros que virão? Experimente-se, que nada custa e em nada se prejudica o País. Tem-se argumentado que as licenças esporádicas e para cada caso são sempre deferidas. Constitui isto o grande equívoco.
Não se pode angariar passageiros ou carga nas vésperas de um navio passar pelo porto. Será necessário um grupo de trabalho como para o tráfego aéreo, ou o Governo documentar-se através do depoimento unânime das autoridades locais e da opinião pública madeirense? Num momento em que se verifica uma grande compreensão por parte do Governo acerca dos problemas da Madeira, insisto junto dele pela solução deste. Lembremo-nos, aliás, de que este problema do tráfego aéreo como do tráfego marítimo não tem apenas incidências turísticas. À medida que se conquistarem mercados para produtos exportáveis, adentro de uma produção local que se diversifique, o navio ou o avião de carga terá um importante papel na balança comercial e no emprego da região da Madeira.
Se há produtos que suportam as tarifas de avião de carga, como certas flores, produtos electrónicos montados, bordados, etc, outros há, como o vime manufacturado e certos produtos da hortofruticultura, que necessitam de «praça» nos navios que passem pelo Funchal. Recordo que a Madeira já foi um centro abastecedor de Londres em feijão verde, quando tinha transporte marítimo regular para a Grã-Bretanha.
Mas o meu arquipélago tem duas ilhas, e o Porto Santo possui também os seus problemas.
O Governo satisfez recentemente uma sua velha aspiração— o julgado municipal que evita a dispendiosa ida ao Funchal da equipa de queixoso, réu e testemunhas para qualquer pequena querela ou hipótese de pequeno crime. E agora que vai começar a erguer-se ali um conjunto turístico que atinge 800 camas, e o seu aeroporto adquire características especiais, impõe-se a construção do porto marítimo de abrigo, como elemento fundamental do abastecimento da ilha — bloqueada pelo mar tempestuoso durante o Inverno.
Aqui deixo um sinal de alarme responsável e bem ponderado: dada a pequena dimensão da ilha e a sua escassa população, este complexo turístico basta para aproximar da saturação a mão-de-obra local disponível — masculina e feminina — que interessaria preparar em ordem a que também ali o turismo se derramasse em benefícios sobre toda a população, sem ser necessária a deslocação de numeroso pessoal madeirense. Considere-se o desacerto social, económico e de abastecimento que uma rápida promoção turística, correspondendo a milhares de camas, comportaria. Neste caso importa sobrepor uma equilibrada promoção humana no Porto Santo à entrada maciça de divisas.
E, a terminar estas notas sobre turismo madeirense, exprimo o meu voto de que se acelere a transformação da Delegação de Turismo da Madeira — cuja actual situação jurídico-funcional apresenta dificuldades — em Junta Regional de Turismo a que pode corresponder certa descentralização e certa ampliação de funções.
Não apoio a hipótese de integração, neste momento, da Delegação de Turismo na Junta Geral do Distrito, embora à primeira vista isto pareça coerente com a autonomia administrativa do distrito e com a especificidade do turismo madeirense. Penso que é possível uma certa descentralização sem «autonomia» e que não é de juntar-se novos sectores ao órgão planeador e executor da problemática do distrito do Funchal, neste momento já tão sobrecarregado.
Há na Madeira, além deste, muitos outros sectores dependendo directamente do Estado, e interessa nesta fase um contacto íntimo com os serviços técnicos do Secretariado, a que é associável, como disse, uma conveniente descentralização.
Sr. Presidente: Quase a terminar —só posso focar nesta longa intervenção uma pequena parte da problemática madeirense, que felizmente conheço — cito, para breve comentário, algumas das mais importantes decisões do Governo em favor da Madeira nos últimos tempos:
A entrada em funcionamento do cabo submarino, permitindo o telefone directo com o continente.
A instalação da Radiotelevisão, que gostaríamos de ver generalizada a toda a ilha.
A criação da Escola Normal Superior, cujo funcionamento esperamos ver começar em breve. Na impossibilidade imediata de um instituto politécnico, desejar-se-ia que a Escola Normal Superior comportasse um curso comercial e outro de turismo, a médio nível. E ainda que, nestes tempos de democratização do ensino, a curadoria dos estudantes universitários das ilhas ve-
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nha atenuar a desigualdade entre os que nasceram para cá do mar e os do continente. A aprovação do plano geral de: abastecimento de água da ilha da Madeira, que interessa concretizar com largo apoio do Estado.
No sector habitacional, cite-se a inauguração do Bairro do Grémio dos Bordados, a adjudicação do bairro de renda económica da Ajuda e a evolução rápida dos trâmites para a construção do Bairro da Nazaré, o maior de todos. Continuamos sem notícias do bairro piscatório de Câmara de Lobos.
Parece estar para breve a construção da escola de formação acelerada de operários especializados, uma das grandes aspirações da Madeira, por dirigir-se a profissões onde escasseia a mão-de-obra. É de salientar o que o distrito lucrará com o alargamento da Previdência, recentemente legislado, às empregadas domésticas e aos trabalhadores rurais.
E o que já lucra com a volumosa verba do abono de família que entra no distrito.
Mas desejo, sobretudo, acentuar o interesse que teria o apoio da Previdência à numerosa classe das bordadeiras, em moldes a estudar, o que tenho esperança virá a ser considerado.
O novo hospital regional abrirá ainda, este ano, mas deve não esquecer-se que é necessário definir concretamente a política hospitalar da região da Madeira e a coordenação dos estabelecimentos hospitalares existentes, implicando, sobretudo, efectivos de pessoal de enfermagem. Interessava fosse cometido à escola de enfermagem local um curso de auxiliares de enfermaria, simultâneamente com os que vão ser criados no continente.
A medida mais importante em favor da Madeira nos últimos tempos foi, sem dúvida, o Estado chamar a si as despesas com o pessoal do ensino básico e as do seu funcionalismo, que era pago até agora pelos cofres da Junta Geral. Representa isto, de momento, um acréscimo de próximo de 40 000 contos nas receitas deste organismo administrativo.
Acresce que é de prever para estas despesas um rápido aumento no futuro.
Mas a Madeira aspira a que o imposto de transacções, o qual reflecte o desenvolvimento de operações financeiras estritamente locais, e totalizou, em 1972, 57 300 contos, fosse atribuído aos seus corpos administrativos. E considerando o que se pede neste momento à Junta Geral e a pobreza da maior parte das nossas câmaras municipais, algumas das quais pouco têm para efectuar obras, tal aspiração é plenamente justificável.
Concluo: O futuro da Madeira depende do equilíbrio ou, antes, da promoção equilibrada e acelerada do conjunto de infra-estruturas sócio-económicas máquina turística, e, sobretudo, do ritmo que se dê ao desenvolvimento das primeiras.
A sua enumeração, os óbices ao seu desenvolvimento, os condicionamentos regionais, vêm delineados com excepcional precisão e clareza no primeiro volume de proposta da Comissão da Região da Madeira—excelente diagnóstico da conjuntura económica madeirense...
São concretizáveis as soluções em hierarquia de prioridades no tempo, nos valores e nas necessidades do arquiplago. Tudo está em que o Governo amplie, apoie e coordene em força o que em parte já se está
fazendo. Constituiria isto a experiência-piloto de desenvolvimento global da região da Madeira.
E afirmo que nisto, e neste momento,, se joga o futuro da Madeira.
Sr. Presidente: Fui longo nesta espécie de testamento parlamentar em volta de alguns aspectos da problemática do meu arquipélago, cujos interesses procurei defender o melhor que pude nestas legislaturas em que ele me elegeu.
Mesmo delimitando e omitindo problemas, não pude ser mais breve.
Ao lado desta problemática de conjunto, concretizei algumas aspirações, indiquei alguns desfasamentos, para cuja análise peço a atenção do Governo.
A uma hora do Terreiro do Paço, com o portuguesismo da sua gente, os milhares de soldados que tem dado ao ultramar, o esforço histórico em arrancar do solo o pão de cada dia para uma numerosa população, o arquipélago da Madeira vive no presente um conjunto de problemas difíceis e complexos, mas vê diante de si largas perspectivas de progresso e promoção se o Estado o ajudar e os seus dirigentes locais souberem coordenar esforços e unir almas e vontades. Deus permita que isto assim aconteça!
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Henrique Tenreiro: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me algumas breves palavras evocativas da passagem de mais um aniversário da descoberta desse portentoso Brasil pelos navegadores portugueses, capitaneados por Pedro Álvares Cabral.
Foi ao pôr do Sol do dia 22 de Abril de 1500 que soou o grito de «terra à vista» e se alcançou Porto Seguro, hoje Baía Cabrália.
É, sem dúvida, uma data de transcendente significado para as duas pátrias irmãs.
A 26, o franciscano Frei Henriques Soares celebrou a primeira missa e Portugal acabaria de descobrir e baptizar a maior nação católica do Mundo em terras de Vera Cruz.
O Brasil moderno teve com justificada euforia o seu vertiginoso processo de desenvolvimento económico-social e caminha a passos largos para ser uma das maiores potências mundiais.
Portugal, e Brasil continuam, lado a lado, com o melhor espírito de compreensão e fraternidade, a acompanhar a evolução do mundo dos nossos dias, atentos à solução dos grandes problemas que se deparam à humanidade.
A Comunidade Luso-Brasileira, cada vez mais forte e coesa, é hoje uma extraordinária realidade, verdadeiramente indestrutível.
Decorreu um ano desde que o venerando Chefe do Estado, em viagem de grande significado histórico, se deslocou ao Brasil, onde foi recebido, em apoteose, k tanto por portugueses como por brasileiros.
Nessa sua visita oficial o Sr. Almirante Américo Thomaz estreitou ainda mais os laços que unem os dois países, só separados pelo oceano Atlântico.
Recentemente, tive ocasião de acompanhar o nosso embaixador no Brasil, Dr. José Hermano Saraiva, na sua visita às instituições portuguesas do Estado da Guanabara. Com que eloquência portugueses e brasileiros evidenciaram a estima e o alto apreço que dedicam ao representante diplomático de Portugal!
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Foi na realidade uma grande jornada de patriotismo e de fervorosa fé nos destinos comuns das duas nações.
Sr. Presidente: É já no próximo mês de Maio que o Presidente Medici vem até nós trazer-nos o abraço caloroso e fraternal dos nossos irmãos da outra costa do Atlântico. E estou certo de que iremos viver mais algumas horas de extraordinária exaltação luso-brasileira.
Os Presidentes de Portugal e do Brasil voltarão a encontrar-se agora para, mais uma vez, reafirmarem ao Mundo que a Comunidade constituída pelos dois países, além de há muito consolidada, é uma garantia e uma certeza para o futuro de ambas as nações.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de reforma do sistema educativo. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Veiga de Macedo: — Sr. Presidente: É tão vasto o complexo de problemas suscitado pela definição das bases de um sistema educativo que não se vê bem como abarcá-lo num debate sujeito às limitações e aos métodos específicos do trabalho parlamentar.
Por mim, tenho a tarefa facilitada porque já me debrucei, em Abril de 1971, durante a discussão do aviso prévio respeitante à Universidade e à sociedade moderna, sobre alguns problemas ligados ao assunto—precisamente alguns daqueles que mais estão a preocupar os espíritos.
Mas, por outro lado, a minha qualidade de presidente da Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais logo impõe restrições a que gostaria de não estar sujeito para discorrer sobre questões que tanto seduzem como inquietam o meu espírito e às quais consagrei, em posição de responsabilidade, alguns anos de intenso labor.
Não me sendo possível tratar agora, como desejaria, de todos os assuntos abrangidos pelo debate, pronunciar-me-ei apenas sobre alguns que se me afiguram de maior interesse, deixando para ulteriores intervenções a expressão de outros pontos de vista pessoais ou a prestação de esclarecimentos sobre os pareceres da Comissão a que presido.
Por ora, ocupar-me-ei de problemas que, a despeito de não pertencerem ao número dos que mais interessam certos sectores da opinião pública, assumem real importância para o País.
Refiro-me à educação infantil, aos ensinos básico, secundário e particular, à formação profissional e à educação permanente.
Mas antes direi, em breves palavras, das razões da minha plena concordância com a necessidade e oportunidade de uma reforma geral da educação.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Reforma do sistema educativo — Reforma necessária. Reforma possível. É necessária a reforma do sistema educativo?
Após os esforços desenvolvidos, sobretudo no último quarto de século, para imprimir maior amplitude e eficiência à política do ensino, chegou o momento de promover a remodelação global do nosso sistema educativo. Duvido que, sem as lições da experiência e os progressos conseguidos, fosse possível meter ombros a um empreendimento da natureza e projecção daquele que está oferecido à reflexão da Assembleia Nacional.
E, embora se afigure paradoxal, certo, é que problemas particularmente agudos surgiram apenas porque outros alcançaram solução satisfatória.
Tal é o caso de, com o Plano de Educação Popular, se ter dado remédio ao mal das crianças privadas de ensino (em 1949, cerca de 30% não frequentavam a escola e, em 1955, todas recebiam instrução), bem como o de, mais tarde, durante a notável gerência do Ministro Galvão Teles, a escolaridade obrigatória haver passado para seis anos.
Estas providências deram origem, como se pretendia e esperava, a espectacular aumento de alunos nos ensinos secundário e superior. Tal aumento suscitou dificuldades quanto a instalações, pessoal docente e métodos pedagógicos. A elas se juntaram outras de diversa ordem — desde as impostas pelas crescentes exigências da vida moderna às resultantes das graves e constantes perturbações verificadas em meios escolares.
Tudo isto justifica que o Governo decidisse enfrentar a situação, considerando de modo global as numerosas e intrincadas questões que se lhe deparam.
Eis por que a resposta à pergunta que atrás formulei só pode ser esta: a reforma do sistema educativo é necessária. É necessária e oportuna.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas, dispor-se-á dos vastos recursos humanos e materiais que a execução da reforma requer?
Não hão-de faltar meios financeiros para os empreendimentos educativos que, afinal, são altamente reprodutivos, além de que se torna possível extrair das vultosas receitas consagradas à educação maior rendimento se, como importa, a gestão administrativa e financeira for reorganizada em moldes mais racionais.
O Sr. Alberto de Alarcão:—: Muito bem!
O Orador: — Aliás, logo a seguir à defesa nacional, a educação deve figurar na primeira linha das grandes preocupações do País.
Quanto aos recursos humanos, sei que não abundam. Mas os homens surgem com as ocasiões. São os impulsos dinamizadores das reformas que revelam aqueles que hão-de projectá-las no campo das realidades.
Tudo está em que as reformas incluam as medidas destinadas à formação dos quadros que têm de assegurar a sua execução.
Não pode duvidar-se da viabilidade da reforma do sistema educativo: ela é possível.
Se é necessária e oportuna e se é possível, é também obrigatória. Obrigatória para o Estado, que tem
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de a promover, e obrigatória para a Nação, que nela há-de cooperar activamente fazendo-a sua.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Proferidas estas palavras liminares, farei breves considerações sobre cada um dos assuntos que me propus abordar.
Educação infantil. Sua inserção no sistema educativo. — A educação infantil está longe de ter obtido, entre nós, a solução exigida pelos altos interesses humanos, familiares e sociais que visa acautelar. O facto de, na quase totalidade dos países, mesmo os mais progressivos, o problema se encontrar ainda sem completa solução, registando-se na maioria deles atrasos que impressionantemente contrastam com os êxitos alcançados noutros domínios da educação, não justifica que o não estudemos com espírito realista e ânimo resoluto.
O Governo merece aplauso por ter previsto esta importante modalidade no sistema educativo a instituir. Fê-lo com a prudência reclamada pela delicadeza e complexidade do assunto.
Tentativas para a instauração, no País, da educação infantil. — Em Portugal, a educação infantil, embora sob outras designações, teve início nos fins do último século e começos do corrente.
O projecto de reforma apresentado em 1870 por D. António da Costa admitia que as crianças com
5 anos pudessem frequentar a escola primária. A reforma do ensino primário de 1894 preceituou que, «nas cidades de Lisboa e Porto e outros povoações importantes)), pudessem estabelecer-se «escolas para educação e ensino das classes infantis». Mais tarde, em 1901, dispôs-se que, naquelas cidades e povoações, o Estado pudesse «criar ou subsidiar escolas para educação e ensino das classes infantis dos 4 aos
6 anos de idade».
Em 1911, o Decreto de 29 de Março prevê se criem, em localidades mais populosas, «à medida que os recursos dos municípios o forem permitindo», escolas infantis ou jardins-escolas para crianças dos 4 aos
7 anos completos.
É de notar que todos os esquemas pedagógicos previstos visavam fundamentalmente uma preparação para o ensino primário, com menosprezo das finalidades específicas da educação infantil.
Esta mesma orientação manteve-se no decreto de 1930, da iniciativa do Ministro Cordeiro Ramos, cuja grande obra nem sempre tem sido lembrada com a justiça devida. Esse diploma, criando as Escolas do Magistério Primário, confere-lhes a missão de preparar o professorado primário elementar e infantil. O curso do magistério primário infantil aparece como complemento do curso do magistério primário elementar.
Mas, pouco depois, o mesmo Ministro, sempre atento à evolução pedagógica e didáctica, havia de estabelecer preparação diferenciada para a formação de agentes do ensino elementar e para a formação de agentes do ensino infantil.
Novas providências no domínio da educação infantil. — Foi no decénio de 1950-1960 que se tomaram as primeiras disposições tendentes a pôr alguma ordem no funcionamento dos jardins-de-infância e a tornar obrigatória a adequada formação pedagógica da educadora de infância.
Surge, nessa altura, o Instituto de Educação Infantil, criado por uma associação particular cujos estatutos foram aprovados por despacho ministerial de 11 de Maio de 1954. Logo a seguir, o Instituto passou a ser. subsidiado pelo Estado de harmonia com o Decreto-Lei n.° 38 828, de 24 de Setembro do mesmo ano.
No livro Grandes e Pequenos Problemas da Educação Primária Portuguesa, então publicado pelos serviços da Campanha Nacional da Educação de Adultos, ao reconhecer-se a impossibilidade de o Ministério da Educação Nacional, particularmente empenhado na generalização e eficiência do ensino primário, enfrentar, de momento, com a amplitude conveniente, a questão da educação infantil, afirmava-se, no entanto, «ser de desejar que isso se faça logo que as circunstâncias o permitam».
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A previdência social e a educação infantil. — Em Setembro de 1960, o Ministro das Corporações criou a Federação de Caixas de Previdência— Obras Sociais (agora designada Instituto de Obras Sociais), que logo foi chamada a exercer actividades no domínio da educação infantil.
A decisão tomou-se na certeza de que, também aqui, a via institucional era a que oferecia melhores condições de êxito ao propósito de progressivamente se resolver uma questão dia a dia agravada em virtude de a mulher ter de contribuir, pelo trabalho fora do lar, para melhoria dos rendimentos familiares.
Ao alargar-se neste sentido ò campo de acção da previdência social, houve ainda a intenção de reagir contra o mau hábito de se criarem jardins de infância sem o mínimo de requisitos quanto a instalações, equipamento, material didáctico e pessoal qualificado.
O Sr. Ávila de Azevedo: — Muito bem!
O Orador: — A experiência abriu rasgadas perspectivas à política da educação infantil. E isto mau grado a incompreensão de alguns, que teimam em não aderir à ideia de um salutar pluralismo de carácter institucional, como se, em especial quando tudo está por fazer, fossem de advogar concentrações maciças ou integrações radicais.
Novo plano de infantários e jardins-de-infância. — Uma palavra de calorosa homenagem é devida ao ilustre Ministro das pastas das Corporações e da Saúde pelo estímulo que vem dando à continuidade e expansão de uma obra tão cara ao seu espírito social e à sua vocação pedagógica.
Prestes a concluir-se o primeiro programa de instalação de infantários e centros de educação infantil, encontra-se em elaboração um novo e mais vasto programa a integrar no próximo Plano de Fomento.
A proposta de lei em debate, porque originária do Ministério da Educação Nacional, só respeita à educação de crianças dos 3 aos 6 anos. A programação a que me estou a referir, definida pelos Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência, engloba na sua rede, não só de centros
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de educação infantil mas também de infantários, as crianças logo nos primeiros três anos de vida.
Esta circunstância oferece-me oportunidade de evidenciar que somos dos primeiros países a adoptar um regime que propicia a admissão, no mesmo estabelecimento educativo, de crianças desde o nascimento até aos 6 anos.
No domínio da Previdência, a sua específica índole institucional, a amplitude dos seus esquemas de protecção social, a coordenação, por vezes automática, que as suas estruturas facilitam e a sua autonomia financeira e administrativa — tudo isto fez que aquela, solução surgisse com perfeita naturalidade.
Os primeiros cinco anos de vida são, segundo a psicologia moderna, dos que mais contribuem para a formação da personalidade. Os traços essenciais desta estão delineados no momento em que termina a primeira infância. Por isso, é tarefa primordial a educação da criança durante os primeiros anos de vida.
O Sr. Alberto de Alarcão: — Muito bem!
O Orador: — Mas é preciso evitar confusões na definição desta modalidade educativa.
Perigos da antecipada intelectualização no domínio da educação infantil. — Na Análise Quantitativa da Estrutura Escolar Portuguesa, notável trabalho do Centro de Estudos de Estatística Económica, fala-se de ((ensino infantil», quando seria preferível aludir a «educação infantil», e define-se impròpriamente aquele ensino como «visando o desenvolvimento mental das crianças através da aprendizagem gradual de noções rudimentares de ensino primário».
A alfabetização da criança ou a ministração de noções próprias de um ramo de educação ulterior, «antes de uma maturação sensorial, afectiva, verbal e motora, mesmo quando o seu desenvolvimento intelectual seja aparentemente suficiente, é de desaconselhar de todo».
Na educação infantil não há pròpriamente que falar de matérias ou programas de ensino, mas antes de modos de actividade, de vida e de formação, pois se trata de crianças cuja espontaneidade, já definida como «poética» e «estética», e cujas reacções interiores, dominadas tantas vezes pela fantasia, é preciso respeitar a todo o custo.
O Sr. Dias das Neves: — Muito bem!
O Orador: — Por isso, todos os cuidados são poucos para assegurar a formação de numerosas e qualificadas educadoras de infância e ainda a de puericultoras a que sejam confiadas, nos infantários, as crianças até aos 2 ou 3 anos de idade.
O País precisa, com efeito, de muitas educadoras infantis e de puericultoras, não só preparadas técnica e cientìficamente, mas também animadas de vocação que as compenetre da glória de serem chamadas, como já se escreveu, a uma verdadeira «maternidade espiritual».
Ensino básico unificado.—Já em 1952 se havia considerado a prorrogação da escolaridade obrigatória. Reconhecera-se, porém, que importava atacar, antes de mais, o analfabetismo entre as crianças em idade escolar. Mas nem por isso deixou então de se
frisar a necessidade de, sem demora, se criarem todas as condições tendentes «ao prolongamento da obrigatoriedade do ensino pelo menos até aos 14 anos», ao mesmo tempo que se preconizou «a ideia tão alta, generosa e justa de transformar a educação, de privilégio de uns tantos, em direito de todos e, sobretudo, dos melhores, pelas suas qualidades de inteligência e de trabalho».
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Foi em 1964 que o Ministro Galvão Teles levou a escolaridade obrigatória a seis anos.
Para dar execução a esta medida equacionaram-se três soluções: a do acréscimo de dois anos ao ensino primário; a da generalização dos ciclos iniciais do ensino liceal e do ensino técnico profissional; a de um sistema misto caracterizado pelo alargamento do ensino primário e pela simultânea instituição de um ciclo de ensino secundário elementar.
Veio a prevalecer esta última solução. Dela me permiti discordar.
Se a obrigatoriedade da educação abrange crianças entre os 6 e os 14 anos, deve a escola que a ministra adaptar-se às características psicológicas e intelectuais dos menores com essas idades. Por isso, sempre julguei inconveniente que crianças e pré-adolescentes fossem educados em escolas instituídas e estruturadas para o ensino de alunos já noutra fase da vida.
Isto logo aponta para a necessidade de atribuir aos professores do ensino básico preparação cultural e pedagógica diferenciada da que se ministra aos professores do ensino secundário.
Por outro lado, a existência, no mesmo grau de ensino básico, de duas modalidades leva inevitàvelmente a dois regimes de instrução de nível desigual, o que, só por si, constitui grave atentado à própria essência da educação obrigatória. Do facto logo advém injusta e desfavorável discriminação para as zonas rurais, condenadas a ter um ensino de qualidade inferior ao ministrado nos estabelecimentos dos centros mais populosos.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Nem poderá esquecer-se que a vantagem da ampliação da escolaridade obrigatória não está só na melhoria do padrão de cultura da população, mas também no alargamento da base de recrutamento do escol intelectual, técnico e político.
Necessidade de eliminar privilégios no acesso à cultura. — Seria errado criar uma escola primária complementar destinada fundamentalmente a alunos que se presume não prossigam estudos, e admitir ao mesmo tempo o ensino secundário elementar orientado para o acesso a outros graus de ensino.
Importa, com efeito, estabelecer condições que permitam a todos o cumprimento da escolaridade obrigatória e assegurem também aos melhores a continuação dos estudos. Só assim se eliminará a grave injustiça do privilégio da instrução, sendo ainda certo que a ascensão culturar do maior número possível de pessoas e, sobretudo, das mais aptas, é condição de aceleramento do progresso do País.
O Sr. Alberto de Alarcão: — Muito bem!
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O Orador: — Além disso, uma das mais fortes justificações da prorrogação da obrigatoriedade escolar é tornar possível que a escolha de estudos ulteriores se faça em idade apropriada, de modo a evitarem-se precipitações ou erros originados pela imaturidade dos alunos e a propiciarem-se condições favoráveis ou à prossecução dos estudos ou às actividades profissionais, consoante a vocação e o mérito, que não a posição económica ou social de cada um.
Esta circunstância mostra-se de tal forma relevante que contra-indica qualquer regime que,, no período da escolaridade obrigatória, assente em diversificações no mesmo nível de ensino ou no funcionamento de escolas de diferente categoria para as zonas urbanas e as rurais ou para alunos mais ou menos favorecidos econòmicamente.
Não é outra a tendência que se observa nos países mais desenvolvidos. Em todos eles, a dualidade do ensino obrigatório, quando a sua duração não vai além de certo limite de anos, foi ou está a ser posta de parte, sendo substituída por um sistema unificado e comum de educação básica, o que, naturalmente, é acompanhado de reforma profunda nos programas e nos métodos pedagógicos.
A proposta de lei em debate integra-se, em grande parte, nesta linha de rumo, o que só merece aplauso. Tudo está agora em que se dê rápida e generalizada aplicação ao princípio da obrigatoriedade do ensino básico de oito anos.
Vicissitudes e êxitos na execução do princípio da obrigatoriedade escolar. — O princípio da escolaridade obrigatória foi estabelecido em 1834. Mas, em 1911, a taxa do analfabetismo das crianças entre os 7 e os 11 anos era de 79,7% e em 1930 de 73,1%. Em 1940 esse coeficiente era ainda de 46,2% e em 1950 desceu para 20,3 %, mas, para que assim fosse, tornou-se mister adoptar algumas providências drásticas, que precederam e prepararam o Plano de Educação Popular. De contrário, a taxa de crianças sem ensino em 1950 andaria pelos 30 %.
Mas, em 1955, todas as crianças em idade escolar, excepto as deficientes, recebiam ensino. Este é um facto de singular relevância na história da educação em Portugal.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Infelizmente, a situação passou depois a ser menos satisfatória. Assim, em 1960 verificava-se que 7 % das crianças em idade escolar não beneficiavam de instrução, e penso que, ainda posteriormente, algumas faltas de cuidado se registaram da parte dos serviços responsáveis. Em especial nas zonas afastadas dos núcleos populacionais mais densos muitas escolas não funcionaram, com prejuízos irreparáveis para milhares de crianças.
Nem sempre colhe o argumento da falta de professores, pois, por vezes, são apenas defeituosos regimes de provimento a impedir se aproveitem os agentes de ensino que existem.
Aludo ao facto para significar que as exigências, em dinheiro, em preparação de quadros administrativos e pedagógicos e em esforços de toda a ordem, ditadas pela expansão do ensino secundário e do ensino universitário, não devem prejudicar ou retardar, de qualquer modo, a tarefa primordial da execução dos preceitos da obrigatoriedade escolar.
Ensino secundário e formação profissional. — Penso que não são de defender, as doutrinas e os programas de acção escolar que se traduzem na antecipação das formas de aprendizagem profissional.
Quanto à educação infantil, já acentuei a necessidade de evitar um escolasticismo prematuro e uma intelectualização precoce.
Na educação básica só a escola unificada, para todas as crianças dos 6 aos 14 anos, pode impedir que estas sejam compelidas a tomar por caminhos opostos às suas tendências, conveniências e direitos.
E relativamente ao ensino superior sempre entendi que, para lá dos aspectos formativos, de cultura e de investigação, ele devia fornecer uma especialização equilibrada e realista, contrária a excessivas diversificações de disciplinas e a tecnicismos estreitos desligados dos interesses mais altos do homem e da comunidade.
Segundo esta linha de pensamento, considero digno de apreço tudo o que se fizer no ensino secundário para se pouparem os alunos a opções prematuras ou a rumos que não quadrem à sua vocação e às suas aspirações.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Nem minimizo a necessidade, que já foi salientada, de se criarem «modalidades de ensino que permitam, tanto quanto possível, garantir uma certa perenidade aos conhecimentos e outros elementos intelectuais que o sistema educativo proporciona aos alunos» numa época em que se assiste a sucessivas transformações técnicas e outras, pelo que convirá recorrer, cada vez mais, a «novos esquemas que se inscrevem no âmbito da educação permanente e da educação recorrente».
Por isso têm razão aqueles que entendem que um sistema escolar deve visar mais uma formação «profissionalizante» do que uma «capacitação profissional imediata» e contribuir, ao mesmo tempo, para os alunos aprenderem uma atitude que se traduza em serem capazes de formular «níveis de aspiração» mais elevados.
Não serei eu a discordar desta linha de rumo, o que não quer dizer que adira a esquemas pedagógicos inconciliáveis com a vida.
A lei não pode desprender-se das realidades, sob pena de constituir mera proclamação de princípios ou simples enunciado de propósitos mais ou menos generosos.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Objectivo da proposta de lei. «O interclassismo socialy>: limites e desvios. — Neste domínio, as experiências alheias ainda não fornecem conclusões seguras. Em estudo da O. C. D. E. escreveu-se que o problema das estruturas do ensino secundário não será resolvido de maneira uniforme nos países dessa organização, como evidente é que aqueles que optaram por uma ou por outra das estruturas possíveis — o sistema «polivalente» ou o sistema de «ramos paralelos» (système à branches parallèles avec passerelles)— não dispõem ainda de elementos que lhes permitam verificar validamente a eficácia da escolha.
Os autores da proposta de lei tiveram, com certeza, presente este facto, mas também não devem ter dei-
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xado de ponderar, que o ensino secundário, quase por toda a parte, se vem mostrando incapaz de dar aos jovens aquela preparação intelectual, moral e mental indispensável para ascenderem à Universidade. Perante a complexidade dos problemas e a necessidade de não demorar uma decisão, era muito difícil conciliar os diferentes interesses em presença e tomar em consideração todas as realidades que se impõem.
Penso de modo especial na forma por que, entre nós, se pretende instaurar, no domínio do ensino secundário, o sistema polivalente. A proposta le lei, logo na definição deste ensino e no lançamento das suas traves mestras, teve em vista aquilo a que já se chamou o «interclassismo social», ou seja o estabelecimento de condições de recuperação ou de compensação em benefício dos alunos mais carecidos delas pela sua origem ou pelo meio em que vivem ou viveram. Nada mais louvável do que este propósito alevantado de impedir segregações ou discriminações indevidas e a clamorosa injustiça do privilégio da instrução que atinge os menos favorecidos em bens de fortuna ou em posição social.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — No entanto, dados os termos em que a proposta de lei está formulada, é legítima a dúvida de que tão alta finalidade social venha" a obter a ampla realização que se ambiciona.
Do projecto do sistema escolar, que o Ministério da Educação Nacional submeteu em 1971 à apreciação pública, consta o seguinte:
Ao perfilhar-se uma concepção marcadamente humanística do processo educativo não se pretendeu ignorar ou sequer minimizar a importância dos problemas da formação profissional: antes, pelo contrário, houve a preocupação de sempre se garantir uma formação que habilite ao exercício das mais diversas profissões. Entendeu-se, porém, que, em tudo aquilo que não decorra directamente da estrutura proposta e do conteúdo programático que lhe vier a ser dado, a formação profissional pressupõe outros meios e abrange domínios que não competem directamente ao Ministério da Educação Nacional. Oferecerá este, no entanto, a colaboração julgada conveniente a todas as iniciativas que visem, de um modo ou de outro, a instrução dos Portugueses, tanto no âmbito do sector público como no do privado.
Esta orientação encontra-se ainda consagrada na proposta de lei, quando não inclui a formação profissional no sistema educativo. Na verdade, a proposta prevê cursos de iniciação e de formação profissional para os alunos que «abandonem o sistema educativo [...]».
Embora se admita que o Ministério da Educação possa promover esses cursos isoladamente ou em regime de cooperação é, quanto a mim, bem claro, na letra e no espírito da proposta de lei, o que se pretende.
Não se dá a estes cursos, acentua-se, qualquer posição no sistema escolar. Atribui-se-lhes categoria de segunda ordem e até se transfere para outras entidades públicas ou privadas a maior quota de responsabilidade e de encargos do seu funcionamento.
Tal orientação não deverá vingar. É preciso dar à formação profissional o relevo que merece.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: -O sistema da proposta de lei será, porventura, formalmente lógico, dadas as premissas de que parte. Mas não podem perder-se de vista as realidades, sob pena de se causarem prejuízos insanáveis para muitos alunos, numa altura da vida em que há lugar a opções conscientes e em que, por isso, não deve coarctar-se, de modo directo ou indirecto, a sua liberdade de escolha.
Ó Sr. Dias das Neves: — Muito bem!
O Orador: —Com efeito, aos alunos que não puderem ou quiserem seguir ou completar o ensino secundário, tal como está concebido na proposta de lei — e hão-de ser muitos —, não lhes restará outra alternativa que não seja a frequência de cursos de estreita preparação profissional. E estes cursos, pelo ambiente em que funcionam e pelas entidades de i que dependem, hão-de obedecer a planos e programas de formação exclusiva ou quase exclusivamente técnica, desprendidos de qualquer preocupação cultural.
Limites da formação profissional fora do quadro do Ministério da Educação.—Nem sequer outros departamentos do Estado se encontram em condições de realizar, quanto à preparação profissional, aquilo que o Ministério da Educação pode e deve fazer — pode e deve fazer por virtude da sua vocação institucional, das suas estruturas pedagógicas e da sua experiência.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Compreende-se que outros sectores oficiais continuem a colaborar com o Ministério da Educação. É de salientar a cooperação notável que, neste domínio, se deve ao Ministério das Corporações. Mas não se vê que este possa ir mais longe, assoberbado como está — e cada vez mais estará — com os problemas directamente ligados à sua específica missão.
O Sr. Pontífice Sousa: — Muito bem!
O Orador: — Quero ainda referir-me a outro aspecto: à proveniência dos recursos financeiros para satisfação dos encargos com o ensino profissional a ministrar fora do Ministério da Educação.
Se esses recursos forem obtidos por força de receitas gerais do Estado, em termos idênticos aos que vigoram para as outras modalidades de ensino, nada haverá neste ponto a objectar: utilizar-se-ão receitas gerais para fazer face a necessidades de interesse geral...
Mas, se vierem a pedir-se ao Ministério das Corporações e Previdência Social verbas com origem em contributo dos trabalhadores, então teremos actividades de interesse geral a ser sustentadas por descontos obrigatórios destinados pela lei e pela natureza das coisas à cobertura de riscos de carácter social, como previdência, abono de família e emprego. E isto
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seria a negação prática do princípio da democratização do ensino.
O Sr. Peres Claro: — Muito bem!
O Orador: —Por outro lado, a vingar no campo da formação profissional uma orientação centrífuga quanto ao Ministério da Educação, não se vê como, sem quebra de lógica, seria de nele manter o ensino superior, que prepara essencialmente para o exercício de actividades profissionais ligadas a outros Ministérios. Seria o caso, entre outros, das Faculdades e escolas universitárias de Medicina, Direito, Engenharia, Agronomia, Veterinária....
Educação permanente. — O Plano de Educação Popular e a Campanha Nacional de Educação de Adultos nele integrada contribuíram não só para uma rápida expansão do ensino, como para a formação de uma mais perfeita e generalizada consciência da importância decisiva que a política da educação reveste como instrumento de progresso económico e de ascensão social.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Quem se der ao cuidado de ler as declarações dos responsáveis pela execução do Plano e de se inteirar das providências tomadas em complemento e desenvolvimento dos preceitos legais que o definiram, verificará que, então, se tratou não apenas de um processo de alfabetização (o que já seria muito), mas do lançamento das bases de uma política que hoje se chamaria de ((educação permanente».
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Todo o Plano foi executado sem se perder de vista que não podia haver fractura entre a educação escolar e a educação extra-escolar e pós-escolar, logo consideradas aspectos de um único problema, ao mesmo tempo que tudo se orientou no sentido de se «transformar em permanente» a acção educativa, de modo que esta alcançasse a todos e ao longo de toda a vida.
Por isso, já nessa altura se advogou que a campanha de educação se ampliasse aos graus secundário e superior, completando, ou mesmo substituindo, por vezes, os esquemas escolares tradicionais.
Se não podia manter-se indefinidamente o regime especial de «campanha» na luta contra o analfabetismo (não me refiro, claro está, aos outros processos de difusão do ensino previstos no Plano de Educação Popular), logo se reconheceu a necessidade de institucionalizar as diversas modalidades da acção cultural: acção cultural a todos os níveis e ao longo de toda a vida de todos os beneficiários da educação.
Sempre inclinado a conceber a educação popular como um processo de acção contínua transcendendo a mera alfabetização, compreende-se que me sinta feliz ao delinear-se uma renovada política de educação permanente. Educação que seja um sistema pedagógico integral ou, melhor, uma dinâmica pedagógica em movimento constante; educação que vise a adaptação do homem às crescentes mutações da vida e reduza, por isso mesmo, as distâncias e os atritos entre gerações em contacto contínuo através da cultura; educação que ensine todos a estar no mundo e a viver em sociedade, na solidariedade de interesses e na abertura de almas.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Ensino particular. — A política de educação que vem sendo executada não só não favorece o ensino particular como o afecta nas suas já precárias condições de vida.
Em grande parte isso se deve à difusão indiscriminada do ensino oficial sem atenção a direitos e legítimos interesses da iniciativa privada.
Se por outro caminho se tivesse enveredado, o Estado evitaria gastos vultosos, mesmo que adoptasse, como aliás se impunha, uma política de subsídios aos estabelecimentos que o merecessem, o que permitiria poupar os pais, em especial os de débil capacidade económica, a despesas consideráveis com a educação dos filhos.
Só desta maneira ficará de facto garantida aquela liberdade de ensino proclamada tanto na Constituição como na proposta ora em debate.
A liberdade das pessoas não se confina apenas ao domínio da política e da economia, mas inclui a educação — quer nas suas finalidades, quer nos seus processos institucionais.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Por isso, já Pio XII considerava «injusto e ilícito todo o monopólio educativo ou escolástico que, física ou moralmente, constranja as famílias a frequentar as escolas do Estado, contra as obrigações da consciência cristã ou mesmo contra as suas legítimas preferências», e ensinava que «é dever do Estado proteger com suas leis o direito anterior da família sobre a educação [...]». Só quando o esforço da família «não chegue ou não baste» é que deve substituir-se a ela na medida do necessário, mas apenas nesta medida.
Sei que há escolas particulares que, pelo sentido que imprimem à educação, atentam contra valores que ao Estado cabe o indeclinável dever de fazer respeitar. Ainda há dias me chegou às mãos um papel dimanado de estabelecimento de ensino não oficial, em que o direito e o dever de Portugal lutar pela sua unidade e sobrevivência são revoltantemente impugnados.
Não é para que factos destes se verifiquem que advogo a liberdade de ensino. Sempre que escolas particulares se desviem dos seus fins legítimos, o Poder Público tem de intervir em defesa da verdadeira educação. Tudo está em que o faça também nas escolas que só dele dependem!
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Com efeito, a educação não pode ser neutra nos seus fundamentos, nem pode visar objectivos não coincidentes com os interesses mais altos da Nação.
Isto é, mais do que ponto fulcral, verdadeiro ponto de honra.
Admitir que, através da escola, de leis, de planos de estudos ou práticas lectivas se pudessem afectar
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os valores essenciais do nosso património moral, cultural e político corresponderia, pelo menos, a achar natural que o Estado se deixasse destruir ou se auto-destruisse.
Vozes:—Muito bem!
O Orador: — Por mim, tudo fiz e farei para que, logo da lei do sistema educativo ressalte, vigorosa e inequívoca, a afirmação dos princípios que, por força da consciência nacional e das normas constitucionais, acima de tudo ela há-de servir.
Vozes: — Muito bem!
A Sr.ª D. Luzia Beija: — Sr. Presidente: A família é um organismo social que realiza tendências e aspirações inatas em todo o ser humano como resposta aos anseios de felicidade do homem e da mulher, através do seu amor mútuo e da procriação e educação dos filhos.
De acordo apenas com a moral natural ou sublimada pela religião, ela tem sido uma realidade em todas as épocas e todas as latitudes e precede certamente todas as outras formas de sociabilidade. Reconhecida como a célula social de base nas sociedades ocidentais de inspiração cristã como tal é reconhecida nas próprias constituições como acontece entre nós.
Nas sociedades comunistas, cujas teorias preconizaram a sua eliminação, como instituição reaccionária e contrária aos interesses do proletariado, em breve essa prática foi abandonada, por se revelar contrária à natureza humana e ao próprio bem comum, dando lugar a uma política de defesa e protecção da família.
Congratulamo-nos, pois, pelo reconhecimento inequívoco desta realidade nos princípios fundamentais da proposta de lei em apreciação bem sublinhada, aliás, pelo parecer da Câmara Corporativa, que afirma na base i do seu articulado:
A educação compete à família e, em cooperação com ela ou na falta dela, ao Estado e outras entidade públicas....
e na base n, entre as finalidades essenciais:
Preparar todos os portugueses para intervirem na vida social como cidadãos, como membros da família e das demais sociedades primárias e como elementos participantes no progresso do País.
Temos assim estabelecida uma perfeita relação de interdependência entre a escola e a família, pois ninguém hoje duvida da relação entre o âmbito familiar, o equilibrado desenvolvimento da criança, o seu aproveitamento escolar e a sua correcta integração na vida social.
E, reconhecida esta interligação e a sua fundamental importância no equilíbrio e progresso da sociedade, parece-me bem fundamentada a pergunta:
Como é então, concretamente, que a educação escolar prepara o jovem cidadão para a família e concomitantemente para a educação das gerações futuras?
Parecerá de somenos importância esta interrogação, verdadeiro assunto de lana-caprina em face do magno diploma em apreciação, mas não será a primeira das ciências aquela que nos ensina a própria arte de viver? Do viver dia a dia no ambiente natural, onde se realiza a mais profunda felicidade do ser humano? Onde dão os primeiros passos as novas vidas que aí podem ser indelèvelmente marcadas, de maneira positiva ou negativa, e definitivamente influenciadas para a sua incorrecta ou harmoniosa intersecção na sociedade?
Poder-se-á confiar apenas ao acaso ou intuição, à vivência ou exemplo da família em que se nasce ou se vive para assunto de tanta monta?
Ou estarão estes ensinamentos contidos na «formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas orientadas pelos princípios da doutrina è moral cristã tradicionais no País», da base i da proposta de lei?
Compreendidos neste espírito, não os esperamos, todavia, ver formalmente incluídos nos planos de estudo e programas a publicar. É nesse sentido que se vai orientar a minha modestíssima intervenção na matéria em discussão, segundo a limitada óptica que me permite a minha formação social e, acima dela, a minha experiência como educadora e chefe de família.
O enfraquecimento da família e sua progressiva desagregação, bem evidentes hoje em dia, são o reflexo da mutação profunda e acelerada da sociedade dos nossos dias.
O processo de evolução em curso, de uma sociedade predominantemente rural para uma sociedade industrial, transformou, no decurso de uma geração, a família tradicional, ampla e quase patriarcal que dominou entre nós até às primeiras décadas deste século, na família típica dos nossos dias. Família nuclear, composta apenas pelos pais e filhos solteiros, numa economia restrita e alojamento limitado, não podendo já comportar os elementos agregados de parentes colaterais mais ou menos dependentes e de pessoal doméstico cada vez mais raro e menos acessível.
A mulher viu também, no espaço de poucas décadas, a maior alteração no estatuto que regeu a sua vida desde sempre. Transpôs as fronteiras do lar, a que sempre estivera confinada, e juntou às suas funções tradicionais de dona de casa, mãe e educadora a sua participação nas tarefas da comunidade. Impelida pela pressão económica ou pelos anseios de melhor promoção social ou realização pessoal assistiu ao progressivo alargamento dos seus horizontes e cada vez mais e de maneira irreversível a sua colaboração é solicitada para as tarefas comuns que desempenha, a par do homem, nos mais variados sectores económicos e sociais.
Originou-se, assim, um novo estilo de relações entre homens e mulheres, destinados, cada vez mais, a viverem lado a lado e a colaborar, em pé de igualdade, nos mesmos trabalhos.
A relação conjugal tende a constituir-se cada vez mais num plano igualitário, sendo os cônjuges cada vez mais companheiros de todas as horas, pelo alargamento dos horizontes comuns e pelas coincidências, cada vez maiores, dos seus ritmos de vida.
Produziu-se, assim, uma alteração profunda no conceito da família, que tende a evoluir segundo novas • coordenadas.
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Para melhor? Para pior?
Não cabem, na índole desta intervenção, essa análise e essas conclusões. Interessa aqui apenas constatar uma realidade que é irreversível e continua, segundo cremos, em processo de transformação. No implacável evoluir das sociedades as formas de realização são variáveis e adaptadas às características que se vão definindo. Só os valores morais são eternos e importa preservá-los amorosamente e adaptá-los com realismo e sem saudosismos estéreis às novas formas de viver impostas por cada época.
E os valores mais preciosos a transmitir às gerações futuras têm de ser preservados no seio da família como nova arca de Noé no mar revolto e confuso, que é o conturbado mundo dos nossos dias.
Aí, as forças de desagregação atacam-na também por todos os lados com êxito, infelizmente bem evidente. É o crescente número de divórcios e separações de facto e os adultérios que, de tão frequentes, já quase não escandalizam ninguém. São as teorias e práticas do amor livre, ganhando dia a dia adeptos nas camadas etárias cada vez mais jovens. São as experiências aberrantes dos casamentos em grupo e vida comunal. É, em resumo, a busca desenfreada do prazer sem responsabilidades, o egoísmo triunfante fugindo às concessões devidas aos direitos do semelhante. É, sobretudo, a demissão moral que, insidiosamente, vai corroendo consciências e estruturas e se insinua persistentemente em todos os sectores, com maior reflexo na juventude, porque mais sincera e mais corajosa nas suas posições.
O seu deslumbramento perante a queda dos tabus, sem destrinça entre o obsoleto e o válido, geraram a confusão, a insatisfação e o vazio; no quebrar dos mitos destruíram-se também realidades preciosas. Na pressa de soltar as amarras para novos caminhos não se verificou se algo de sólido restaria sobre os pés, impacientes por novos caminhos.
Mas qual o novo caminho? Já foi a juventude actual capaz de o definir?
Na recusa sistemática dos que lhe são ensinados, não conseguiu ainda atinar com o que lhe convém e quer descobrir ùnicamente por si. Na aventura da juventude de hoje só as próprias descobertas são válidas e por isso são obsoletas as formas de formação moral em vigor no nosso ensino.
A formação integral das novas gerações tem de ser realizada por um processo de descoberta própria de reinventação permanente de realidades eternas ou tão velhas como o próprio mundo. A missão da educação é auxiliá-la e orientá-la na redescoberta e recriação dos valores permanentes e correlativas responsabilidades, que assim se assumem voluntàriamente como coisa própria e não imposta.
E é assim que tem de se redescobrir a necessidade da família, educar a responsabilidade para ela e estudar a ciência de nela se viver integrado. Pois que é, na verdade, de uma ciência que se trata. Uma ciência que nem sequer já pode ser suprida pelo empirismo ou baseada nos exemplos colhidos. A mutação produzida entre o viver da família tradicional ¡e o da actual não permite, em grande escala, o aproveitamento da experiência do passado. Menos ainda se pode confiar apenas na intuição e no improviso.
A necessidade do seu estudo na vida de hoje está, de resto, demonstrada na prática pela criação das modernas escolas de família e escolas de pais, suprindo a falta de preparação, que deve ser dada no ensino básico e secundário.
Ensino que deve ser ministrado de maneira viva e actuante e terá de compreender conhecimentos teóricos e práticos, desde noções básicas de sociologia a fazer compras numa sociedade de consumo invadida pela publicidade; do estudo da psicologia, nas suas pertinentes aplicações práticas, ao estudo e elaboração do orçamento caseiro; dos necessários conhecimentos de direito à organização racional do trabalho doméstico; da higiene e puericultura ao uso dos electro-domésticos e reparações caseiras; da arte de bem receber os amigos à organização de uma festa familiar, sem o concurso de pessoal doméstico ou especializado, etc. Todo o mundo, afinal, das pequenas coisas que estão na base de uma vivência familiar bem integrada na sociedade dos nossos dias.
Ensino, segundo as modernas e dinâmicas formas de comunicação, que permita um diálogo aberto e activo, conduzido por diversos orientadores, desde médicos e sociólogos a casais bem ajustados, com base, evidentemente, em professores de economia doméstica.
Ensino que deve ser ministrado a ambos os sexos, pois, como há pouco se disse, cada vez mais, nos nossos dias, as funções respectivas se vão indiferenciando. A evolução em curso, limitando cada vez mais o tempo que se passa em família, exigirá também, cada vez mais, a participação de todos os seus membros nas tarefas do lar, segundo uma planificação racional e respeitando os gostos e aptidões de cada um.
Não se trata, evidentemente, e quero sublinhar bem esse aspecto, de demissão da mulher das suas funções tradicionais de guardiã do lar, mãe e educadora. Nunca ela o desejou, na verdade, apesar dos clamores nesse sentido dos feminismos exacerbados do nosso tempo.
A casa será sempre o reino da mulher e as funções que lhe são inerentes as mais caras ao seu coração. Mas porque, nas sociedades modernas, o seu tempo é cada vez mais solicitado e dividido por outras tarefas, é condição que cada vez mais se vai verificando, até como factor de coesão e convívio entre os membros da família, a íntima colaboração em tudo o que lhe diz respeito.
Solicitando, como conclusão, a inclusão formal da formação familiar e ciências domésticas no programa da reforma em curso, dou a minha aprovação na generalidade a este importante documento, prestando homenagem ao Governo e ao Sr. Ministro da Educação Nacional e congratulando-me por ver oficializada a educação pré-primária e institucionalizado o ensino especial, dois assuntos de grande relevância também no campo social e de que tive ocasião de me ocupar durante o meu mandato nesta Assembleia.
Tenho dito.
O Sr. Nunes de Oliveira: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na qualidade de membro da comissão que no âmbito da Assembleia Nacional estudou a proposta de lei e o parecer da Câmara Corporativa relativos à reforma do sistema educativo, e tendo dado a nossa aprovação ao relatório aqui apresentado pelo Deputado Aguiar e Silva, pareceu-nos estar facilitada a nossa intervenção neste debate perante as ideias expressas neste último documento.
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Entretanto, para a decisão de proferir algumas palavras pesou no nosso espírito o facto de se tratar de uma proposta de lei da mais alta importância quanto às profundas repercussões que virá a ter na educação e no futuro da vida cultural e social do País. E fazemo-lo com a independência, mas também com a experiência e o conhecimento que resultam de trinta e um anos ao serviço do ensino universitário, em que as posições conquistadas se deveram, sempre e apenas, ao nosso esforço pessoal.
Não é evidentemente possível analisar em toda a sua extensão os variados aspectos da proposta, pelo que nos deteremos sòmente em alguns deles. Antes de iniciarmos as nossas considerações queremos, porém, prestar homenagem ao Sr. Ministro da Educação Nacional, Prof. Doutor Veiga Simão, pelo persistente labor, pelo entusiasmo e pela decisão de levar a cabo uma ampla reforma do ensino, reflectindo dessa forma o firme propósito do Governo, a que preside a figura prestigiosa do Prof. Marcelo Caetano, de prosseguir uma política de profunda renovação da vida nacional iniciada há mais de quatro décadas, mas hoje numa nova fase de grandes e esperançosas realizações.
Seríamos também injustos se, nesta ocasião, não dedicássemos uma palavra de muito apreço aos anteriores Ministros da Educação Nacional —dos quais nos permitimos destacar os nomes dos Profs. Leite Pinto, Galvão Teles e Hermano Saraiva — que, relativamente a vários problemas agora em discussão, lhes dedicaram a sua inteligência, o seu saber e muito do seu trabalho.
Seguindo a sequência dos assuntos versados na proposta de lei e tendo presente os mais diversos estádios da evolução humana, num mundo em profunda evolução, e ainda as exigências indeclináveis da sociedade e do Estado, a reclamarem indivíduos cada vez mais valorizados, merece entusiástica concordância o aumento da escolaridade obrigatória, cujas implicações de ordem quantitativa e qualitativa urge equacionar.
A consequente elevação do nível de instrução e de cultura da juventude acarretará a sua mais consciente participação na vida social do País e permitirá a descoberta de novos valores que virão, sem dúvida, a contribuir para o indiscutível benefício — em todos os seus aspectos— da comunidade nacional.
No que respeita ao ensino infantil, que já no aviso prévio sobre educação nacional, efectivado nesta Assembleia em Janeiro de 1964, defendíamos, por nos parecer indispensável ao desenvolvimento de um plano de educação, foi com agrado que o vimos incluído, embora sem carácter obrigatório, na presente proposta de lei, dado que é da maior conveniência a entrada da criança na escola primária após uma ambientação que se considera muito importante, por razões então invocadas e que agora me abstenho de pormenorizar.
O Sr. Alberto de Alarcão: — Muito bem!
O Orador: — Além disso, um outro papel não menos de considerar desempenhará ainda a escola infantil junto das crianças que de manhã são abandonadas pelos pais, levados pelos seus trabalhos profissionais, e que deixam os filhos de alma aberta a todas as influências que, do ponto de vista moral, tanto poderão ser boas como deletérias.
No desenvolvimento destas ideias, algumas palavras nos parecem ajustadas ao ensino especializado para crianças inadaptadas, problema que tem preocupado, pelo elevado número de repetências a que conduz, todos os que se devotam ao ensino primário.
O Sr. Santos Bessa: — Muito bem!
O Orador: — Tal como já disse nesta tribuna, o ideal seria que as classes de recuperação funcionassem junto das classes normais, para que assim se estabelecesse um contacto quotidiano entre todas as crianças. Durante o primeiro período em que se conservam na escola, as entradas e saídas deveriam ser as mesmas, os recreios comuns e as refeições tomadas lado a lado no refeitório da cantina. Pode esta convivência não ser a mais fácil e a mais cómoda para os responsáveis, mas traria, quanto a nós, evidentes vantagens no sentido de permitir graduais adaptações e de evitar bruscos e por vezes irrecuperáveis traumatismos psicológicos.
Essas relações que se estabelecem entre inadaptados — ou portadores de deficiências sensório-intelectuais — e os alunos normais são benéficas àqueles na medida em que se integram na ordem a que estes estão submetidos, nos seus divertimentos engenhosos, etc. Por sua vez, esta convivência será para os alunos normais excelente meio de educação moral, porquanto se gera uma atmosfera de compreensão e benevolência que os leva a tomar iniciativas de entreajuda a favor dos seus companheiros. Bom era que se generalizasse a possibilidade de fazerem parte dessas classes alunos inadaptados e não intelectualmente anormais e que estes pudessem com mais facilidade ser entregues a cuidados especiais, em estabelecimentos próprios, como na proposta se prevê.
Ê preocupação do Ministério da Educação Nacional, como tantas vezes tem sido assinalado pelo ilustre Ministro, o propósito de facultar a todas as crianças —10% da população metropolitana está nas escolas primárias — ensino e educação nas melhores condições. Levados por este espírito e depois de ponderadas as vantagens e inconvenientes do sistema a adoptar, sugeriu o Grupo de Trabalho para o Ensino, a que tenho a honra de presidir e de que é relator o antigo Deputado Martinho Vaz Pires, integrado na Comissão de Planeamento da Região Norte, no relatório que em altura oportuna entregou, «a conveniência, para o ensino infantil e para o ensino primário, de se dar preferência à constituição de núcleos escolares de extensão considerável em cujo centro se proceda à construção de edifícios escolares de doze a vinte salas de aula, com secretaria, cantina, sala polivalente e instalações gimno-desportivas adequadas a uma população escolar de certo volume que resida no centro populacional mais significativo — localidade - sede — ou que, residindo nas localidades circunvizinhas, seja regularmente transportada das suas residências para a escola e no regresso a suas casas».
O Sr. Carvalho Conceição:—Muito bem!
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O Orador: — «Em caso de necessidade estes edifícios escolares poderão funcionar em regime de desdobramento, albergando assim cada um o dobro da população escolar e facilitando a resolução do problema que de momento constitui preocupação dominante: o deficit assustador das salas de aula.»
Torna-se imprescindível vencer, a curto prazo, esta carência, que, a continuar, torna ineficaz o plano de alfabetização do País.
E acrescenta esse relatório:
«Haverá que organizar as freguesias de cada distrito em núcleos escolares com as suas sedes nos centros populacionais mais significativos, os quais passarão a funcionar como pólos de atracção da população escolar das localidades vizinhas, uma vez dotada a área de cada núcleo de vias de comunicação rodoviárias que assegurem a comunicação prática e fácil de todas as localidades com a sede: assim se poderá vir a dar cumprimento à necessidade de uma escolaridade de base, que se deseja atinja todas as crianças do grupo etário dos 6 aos 13 anos.»
O Sr. Alberto de Alarcão: — Muito bem!
O Orador: — «Todo este sistema facilitará ainda, para além da escolaridade básica, a criação efectiva de possibilidades de organização da educação permanente em cada núcleo, o que tornará ainda mais perfeita e compensadora a utilização dos edifícios escolares.
O sistema de concentração que se preconiza criará ainda condições para dar dimensão adequada à educação infantil e à educação de diminuídos, uma vez que passará a ser possível um maior aproveitamento de professores especializados.
Quanto aos últimos, ficará também a adopção de um critério de integração dessas crianças nas classes regulares, como será de desejar.
Devendo, pois, evitar-se a construção de salas de aula já programadas para localidades onde se verifica acentuada rarefacção de população, propõe-se quanto ao ensino infantil e primário:
a) O levantamento urgente de uma rede escolar
com vista à demarcação de zonas com centros nas localidades de maior densidade demográfica — localidades - sedes— e à criação de núcleos escolares correspondentes a essas zonas;
b) A construção de edifícios escolares de grandes
dimensões — doze a vinte salas de aula — com dependências destinadas a recreios, cantinas, salas polivalentes e instalações gimno-desportiyas, para possibilitar a educação de todas as crianças da zona (ensino infantil, ensino primário normal, ensino de diminuídos, e educação permanente);
c) O estabelecimento em cada zona de um sistema regular de transporte rodoviário das crianças residentes nas localidades carecidas de salas de aula para a localidade - sede e de novo pára suas casas;
d) A criação de escolas preparatórias em todas
as sedes de concelho, com a construção dos edifícios respectivos de dimensões suficientes para toda a população escolar;
e) A criação de escolas preparatórias nas localidades sedes de cada núcleo escolar da região.»
O Sr. Alberto de Alarcão: — Muito bem!
O Orador: — Quanto ao ensino secundário — constituído pelos «curso geral» e «curso complementar» —, fazemos votos para que os programas deixem de estar sobrecarregados com matérias obsoletas em favor de outras mais importantes e de maior utilidade para a formação geral do aluno e que haja uma sistematização consentânea com os conhecimentos ministrados nas disciplinas curriculares.
Parece-nos também de considerar a criação de um serviço de «orientação escolar» para que o aluno seja encaminhado num sentido mais de acordo com as suas tendências e aptidões, evitando uma posterior frustração de consequências por vezes graves.
Deteve-se a comissão desta Assembleia sobre um problema da maior relevância: o de formar professores -altura das suas grandes responsabilidades e que é a preparação daqueles que hão-de constituir o Portugal de amanhã.
Não basta apenas recrutar professores, mas, ao facultar-se-lhes uma preparação pedagógica e impregná-los de uma formação e metodologias de ensino próprias das disciplinas que vão ensinar, convém não descurar a formação moral imprescindível a quem vem a ter à sua guarda a juventude.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E para que o recrutamento, a todos os níveis do ensino, se faça entre os melhores elementos de cada geração, importa dar-lhes condições que os afastem de preferir posições em que o seu esforço e o seu trabalho seja mais conveniente e justamente remunerado.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — No que diz respeito ao acesso à Universidade foi, como se acentuou no relatório da comissão, um dos reduzidos aspectos em que as opiniões divergiram, sem se chegar a outra fórmula que não fosse a que está consignada na proposta de lei e perfilhada pela Câmara Corporativa. Temos de confessar que o princípio preconizado não nos dá completa satisfação.
Assim, diz-se que «o curso complementar do ensino secundário dá acesso ao ensino superior mediante a aprovação em todas as disciplinas do currículo em que o aluno se tiver matriculado e a obtenção de classificações mínimas em grupos de disciplinas nucleares, constituídas de acordo com o curso superior a frequentar».
Ora, há que meditar na injustiça relativa que se verifica e continuará a verificar com os alunos que no liceu têm de alcançar a tal classificação mínima nas disciplinas consideradas nucleares, de maneira a terem assegurada a entrada no curso superior. E dizemos injustiça relativa porque a diferença de critérios de classificação, se já podem ocorrer no mesmo liceu, mais acentuadamente surgirão quanto aos alunos que provêm de liceus diferentes.
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Há que pensar na possibilidade de ministrar o ensino a todos os alunos que o pretendem, mas quanto maior o número de alunos que frequentam uma escola, maiores as exigências no que se refere a instalações, equipamentos e quadros. Isto leva-nos a pensar que seria de promover a selecção de candidatos por «testes» de capacidade e de aptidão, a nivel de cada Faculdade.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Parece-nos que, em tais circunstancias, teriam sentido essas provas, pois serviriam para escolher, de entre os candidatos, os mais aptos e mais capazes, enquanto os exames de aptidão nos moldes que vigoraram até agora constituíam uma duplicação de provas, com perda de tempo para professores e alunos, sem qualquer finalidade plausível.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — O critério de selecção dos alunos à Universidade tem sido, na realidade, muito discutido e parece que alguns vêem nisso uma espécie de atentado contra a chamada democratização, como se esta pudesse necessàriamente implicar a ideia de uma abertura cada vez mais ampla à entrada dos jovens e dos adultos na Universidade, forma de satisfazer sonhos e criar ulteriores desilusões ou insatisfações, mas não de resolver problemas à escala nacional, no único sentido que interessa verdadeiramente ao País.
Quantas vezes temos ouvido falar, mesmo nesta Assembleia, de situações pelo menos aparentemente gritantes de escolas ou Faculdades superlotadas, clamando que se torna urgente criar outros institutos ou Faculdades. Não seria, porém, mais aconselhável e mais sensato, antes de multiplicar as nossas escolas superiores, definir o mais precisamente que fosse possível quais são as necessidades do País em diplomados universitários para não nos darmos ao luxo de os preparar em demasia?
O Sr. Peres Claro: — Muito bem!
O Orador: — Cremos ser urgente a definição das reais necessidades do País em diplomados nos diferentes cursos universitários, de forma que os futuros candidatos às Universidades pudessem dispor de uma noção suficientemente aproximada das suas possibilidades de trabalho após a conclusão dos respectivos cursos. Na hora presente, constitui já um motivo de séria preocupação o excesso de diplomados em determinados cursos superiores, muitos deles desempenhando actividades pouco ou nada relacionadas com os objectivos concretos de preparação que lhes foi ministrada. Também neste aspecto o País corre o risco de uma autêntica inflação, que urge evitar através de campanhas suficientemente esclarecedoras que permitam o aproveitamento equilibrado dos autênticos valores necessários à Nação.
E deixamos, para terminar, algumas considerações sobre a Universidade que ao País tem prestado os mais relevantes serviços, apesar dos epítetos mais depreciativos que temos ouvido e lido, como. manifestação de inconcebível injustiça.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Se aplaudirmos a criação de novas Universidades —e algumas já foram anunciadas—, o que concorrerá, sem dúvida, para a desmassificação das actuais, queremos afirmar que acreditamos na possibilidade de estas se auto-reformarem desde que lhes sejam facultados os meios indispensáveis.
O Sr. Santos Bessa: — Muito bem!
O Orador: — Em face da actual explosão escolar, não poderá a Universidade continuar a desempenhar o seu papel da mesma forma como vinha desempenhando, tantas vezes com o mais louvável espírito de sacrifício, se o Governo lhe não reconhecer capacidade para uma autonomia que venha a permitir-lhe o estudo e a resolução dos seus específicos problemas.
A Universidade não deseja sentir-se instalada e impedida burocraticamente de iniciativas que levem ao seu real progresso e eficácia; muito ao contrário, deseja fugir a qualquer espécie de comodismos, enfrentando as responsabilidades da alta missão que lhe compete no desenvolvimento do País, mas enfrentando-as de acordo com uma legislação criteriosa e realista, que permita o aproveitamento integral de tantos potenciais humanos que se vão enfraquecendo e, por vezes, até perdendo no mar tenebroso das peias burocráticas e económicas.
A Universidade actual tem plena consciência das suas capacidades e de quanto o País dela tem o direito de exigir. Conhece o caminho, frequentemente tão difícil, que tem vindo a percorrer e não ignora o rumo que deve tomar. Assim lhe sejam dadas, para a renovação por que anseia, as necessárias condições de vida económica e administrativa, cuja modificação não poderá deixar de estar prevista na futura regulamentação da «reforma do sistema educativo». >
São de diversa índole e avultados os sacrifícios que o País tem de enfrentar para que as gerações futuras venham a colher os benefícios que todos desejamos. Há, pois, que confiar no integral aproveitamento dos valores reais que possuímos em qualquer dos níveis de ensino e que vêm dando provas insofismáveis da sua capacidade e do seu íntimo anseio de servir, da melhor forma, a terra que amam e por cujo progresso se batem denodadamente.
Surgem bem patentes, nos objectivos da proposta, o alargamento da rede escolar a todos os níveis, por forma a melhor servir os interesses das populações e o desenvolvimento de uma política de valorização dos recursos humanos, numa linha de rumo orientada para o progresso do País quer no campo da educação, quer no da formação profissional, quer ainda no que respeita às actividades de investigação científica.
Damos com plena confiança o nosso voto na generalidade à proposta de lei posta à reflexão desta Assembleia, apenas com as reservas que advêm das propostas de alteração ou emenda que subscrevemos com outros Srs. Deputados.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Aguiar e Silva: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 13 de Dezembro passado, defendi nesta Assembleia o princípio de que os Governos «têm o
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dever e a conveniência de submeterem à apreciação das assembleias legislativas aqueles diplomas que, pela sua magnitude intrínseca, pelas suas implicações e consequências, abrangem domínios e valores fundamentais da vida colectiva». E continuo a acreditar, cada vez mais firmemente, que a revitalização do papel político dos parlamentos representa um dos mais poderosos meios de defesa contra a tecnoburocracia que, anónima e tentacularmente, vai enleando o Estado e a sociedade do nosso tempo, com grave ameaça dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Na citada intervenção, como deflui claramente, aliás, das minhas palavras de então, eu tinha sobretudo no pensamento a reforma da Universidade, decerto a parte polìticamente mais melindrosa de uma reforma global da educação, e à qual, como é sabido, o Governo tem prestado, desde 1968, especial atenção.
Na segunda quinzena de Janeiro passado, enviou o Governo a esta Assembleia, com a indicação de urgência, a proposta de lei n.° 25/X, consagrada à reforma do sistema educativo.
Ninguém discordará da oportunidade e da conveniência de tal reforma. «Todo o sistema de educação, mau grado uma inevitável inércia, é racional em relação a uma dada sociedade.» Perante as transformações sócio-culturais, ideológicas e económicas ocorridas num país, torna-se necessário reestruturar tempestivamente o sistema de educação de que esse país carece para resolver os problemas novos da sua sociedade e para garantir a sua existência como colectividade autónoma.
A educação não é apenas essencial para a produção e obtenção dos bens económicos e dos serviços indispensáveis ao progresso material de uma comunidade; ela é também insubstituível como matriz daqueles valores —valores históricos, culturais, éticos e ideológicos— que fazem «durar» as sociedades, que esclarecem os homens quanto ao uso dos mencionados bens e serviços e que dão sentido à vida política das nações.
O Sr. Moura Ramos: — Muito bem!
O Orador: — Creio que, em Portugal, chegou o momento —direi mesmo que já estamos um pouco atrasados— de proceder a tal reestruturação. Poderá haver, legìtimamente, normalmente, discordâncias quanto ao teor dessa reestruturação: uma reforma, só pelo facto de ser uma reforma, não é um dogma; nem os que discordam, global ou parcialmente, de uma dada reforma são isso facto anti-reformistas ou retrógrados. Julgo, todavia, que só os espíritos de má fé, os obnubilados por paixões e os exilados do seu próprio tempo histórico poderão contraditar a necessidade e a pertinência do princípio de uma reforma educativa no nosso país.
O Sr. Coelho Jordão: — Muito bem!
O Orador: — O diploma que nos ocupa não suscitará, penso eu, fundas divergências nem acalorados debates. A atmosfera emocional que o rodeou, explicável por várias razões, é que pode ter levado muita gente a admitir o contrário. Quem é que irá discordar de que, numa reforma do sistema educativo, votada em 1973, se inscrevam como grandes princípios a criação do ensino pré-escolar oficial, o aumento da escolaridade obrigatória para oito anos, a expansão do sistema do ensino superior, a institucionalização da educação permanente? Poder-se-á discordar de alguns pormenores, por vezes importantes, mas o teor desses grandes princípios, bem significativos da primordial importância reconhecida pelo Governo ao sector da educação nacional, só pode merecer o aplauso caloroso do povo português. O problema, neste domínio, é fazer com que esses grandes princípios, agora inscritos num texto legal, possam ter execução eficaz e tão pronta quanto possível.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Poder-se-á lamentar, isso sim, que a proposta de lei seja tão esquemática e tão lacunosa, sobretudo no capítulo fundamental — a meu ver, o capítulo política e educacionalmente mais complexo — do ensino superior. Quando se compara, por exemplo, esta proposta de lei, na sua estrutura, no seu âmbito e no seu conteúdo, com a Ley General de Educación, que o Governo do generalíssimo Franco submeteu às Cortes espanholas, saltam bem aos olhos as referidas limitações e carências do diploma em apreço.
Desde que a proposta de lei n.° 25/X começou a ser estudada pela Câmara Corporativa e pela Comissão de Educação desta Assembleia, têm-se esforçado alguns sectores da nossa imprensa no sentido de acusarem perante a opinião pública aqueles que se sabia — ou suspeitava — discordarem, mais ou menos extensamente, de algumas disposições contidas no diploma em causa. Curiosamente, têm convergido nesta empresa «seareiros», ou ex-«seareiros», «liberais», «progressistas» de variado matiz, «tecnocratas» ou «pseudotecnocratas» — em geral, personalidades que, em relação ao regime político vigente, ou são adversários notórios, ou dissidentes declarados....
O processo mais expedito de acusação consistiu em se colar aos tais discordantes um rótulo deste jaez: «reaccionário», «conservador», «imobilista». Falou-se, a propósito das aludidas discordâncias, de «recuo», de «mentalidade anti-reformista», etc. Em parte nenhuma, porém, encontrei uma análise documentada, profunda e rigorosa, dos problemas em debate e das discordâncias porventura existentes e já manifestadas.
É antigo entre nós este processo de crítica — e hoje, como ontem, é ele bem revelador de subalternidade intelectual e de. menoridade cívica.
O Sr. Trigo Pereira: — Muito bem!
O Orador: — Conforme os tempos, vão mudando os rótulos — «judeu», «cristão-novo», «malhado», «miguelista», «maçónico», «comunista», «reaccionário».... —, mas a realidade subjacente persiste: em vez do confronto das ideias, o arremesso arbitrário de labéus; em lugar do livre exame crítico dos princípios, das instituições e dos homens, o dogmatismo que sagra «ortodoxias» e fulmina «heréticos»; em vez do antagonista racional e raciocinador, o caceteiro......
Risos.
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Como, em certos sectores, se desconhecem, ou se desprezam, as palavras tão belas e tão justas de António Sérgio: «O adversário, em suma, é o sal que nos impede de nos corrompermos....» (Ensaios, Porto, 1932, tomo ni, p. 257).
No meio de tudo isto, quem não faz da política mero jogo de interesses ou vistosa feira de vaidades; quem respeita o Poder e as suas legítimas prerrogativas, mas se nega a reverenciá-lo como entidade carismática; quem não abdica, enfim, de analisar criticamente as coisas, as ideias e os homens, só aprende a amar mais entranhadamente a liberdade do espírito — essa liberdade que é necessário preservar orgulhosamente, nem que seja, às vezes, no refúgio de qualquer Vale de Lobos....
Em toda a filosofia da educação, o problema dos fins afirma-se como o problema por excelência: «os sistemas de educação gravitam em volta de uma certa concepção do homem colectivo, da sua natureza e do seu destino». Quer dizer: toda a educação é indissociável de uma antropologia e de uma ética e os seus objectivos só se podem definir em função de um contexto social, político e económico considerado na sua historicidade.
«Despolitizar a educação» é uma expressão logo máquica, que aponta, ingénua ou calculistamente, para um objectivo inatingível....
O Sr. Pinho Brandão: — Muito bem!
O Orador: —... quer enquanto preocupada com a continuidade, isto é, enquanto transmissora de um saber, de sistemas de valores e símbolos, quer enquanto preocupada com a mudança, ou seja, enquanto plasmação do futuro, a educação tem sempre como fundamento e desígnio uma certa visão do mundo e do homem, uma certa filosofia da sociedade e do Estado. Neste, como noutros domínios, o grande erro dos tecnocratas consiste em pensarem a educação como um mero sistema de técnicas, de estatísticas, de coeficientes de rendimento.
Destes pressupostos incontrovertíveis decorre, com limpidez perfeita, a conclusão de que a reforma de qualquer sistema educativo é um acto eminentemente político. Não é de estranhar, por conseguinte, que a reforma do nosso sistema educativo —e não estou a pensar concretamente na proposta de lei n.° 25/X — seja um problema político. E erróneo será afirmar, desposando uma típica óptica tecnocrática, que se trata de um problema que, por várias razões, e infelizmente, se veio a politizar. É um problema político de rafe.
A reforma do nosso sistema educativo, porém, para lá deste teor político substancial e irremovível, transformou-se num problema político de outra ordem — e creio que a ninguém beneficia silenciar este facto. Sem qualquer propósito judicativo ou polémico, aduzo, como prova desta asserção, os seguintes elementos:
a) Os ataques e críticas que têm sido endereçados, de diversos sectores, ao espírito e à letra da reforma educativa. É falso dizer-se que todos estes ataques têm partido de «medíocres», de «imobilistas» e de «privilegiados» que temem pelo fim das suas regalias;
b) Os aplausos e apoios que, no plano político,
a reforma educativa tem recebido de sectores e de personalidades cuja discordância frontal, ou acentuada, com o regime político vigente é bem conhecida; c) Os esforços, enfim, dos que abnegadamente procuram convencer gregos e troianos de que não há nenhum problema político.
Na sessão da Assembleia Nacional de 30 de Janeiro passado, o nosso colega Magalhães Mota —a quem não se pode negar, sem clamorosa injustiça, uma fina inteligência, e a quem cabem também, segundo presumo, particulares responsabilidades políticas — equacionou assim o problema que analisamos:
Um país mais culto e mais bem informado corresponde a uma mudança radical do sistema de Poder. Penso não errar o diagnóstico se pensar que é por isto, e só por isto como razão profunda, que tanto se ataca o actual Ministro da Educação Nacional (Diário das Sessões, n.° 218, p. 4464).
Estas palavras merecem alguma reflexão.
A afirmação de que «um país mais culto [....] corresponde a uma mudança radical do sistema de Poder» afigura-se-me, quer no plano da pura teoria, quer no plano da prática histórica, passível de discordâncias e objecções pertinentes. Se tal afirmação corporizasse uma lei inelutável do devir histórico, que regime político ou que Governo fomentariam o ensino e a cultura, uma vez que do desenvolvimento destes haveria de resultar, não apenas a superação dialéctica, mas a cabal destruição dos esquemas políticos vigentes e a sua substituição por outros esquemas radicalmente diversos? E este processo repetir-se-ia indefinida e ciclicamente ou haverá, porventura, um sistema político que possa, sem intrínsecas mudanças radicais, comportar quaisquer novos e imprevistos desenvolvimentos da cultura?
A reflexão e a experiência histórica ensinam-nos que a relação entre educação e regimes políticos não é unívoca e imutável. Se, num país como os Estados Unidos da América, a educação tem constituído um sólido esteio da democracia, noutros países, como a Rússia, a Alemanha e o Japão, a educação constitui ou constituiu, num passado recente, um eficaz veículo de ideologias totalitárias e um dos poderosos suportes da estruturação totalitária do Estado. Como escreve o sociólogo Olive Banks:
Devemos concluir, por conseguinte, que a influência da educação sobre as atitudes políticas é muito mais complexa do que, por vezes, se admitiu, e que, embora seja correcto argumentar que um alto nível de educação é necessário para uma efectiva participação num governo democrático, não há qualquer garantia de que educação e atitudes democráticas estejam necessàriamente relacionadas. (Olive Banks, The Sociology of Education, Londres, 1970, p. 210.)
Sendo o sistema educativo um subsistema do sistema político, social e económico, torna-se evidente que ele tem de espelhar, nas suas estruturas, no seu funcionamento e na sua teleologia, as leis do sistema geral em que se integra. Pode, em determinadas circunstâncias, verificar-se uma dissonância, um conflito mais ou menos marcado, entre o sistema educativo e os mencionados sistemas (e é o que vai hoje
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ocorrendo em vários países da Europa e das Américas). Em tais casos, ou o sistema global segrega ou absorve os elementos geradores de tensão e conflito, ou o sistema educativo se transforma num pertinaz foco de corrosão ou em agente de destruição revolucionária do vigente sistema político, social e económico.
A força e o perigo dos movimentos contestatários estudantis radicam nestas últimas hipóteses, e creio que só através destes movimentos — e, portanto, sempre por via revolucionária, tanto no plano da teoria como no plano da praxis — é que o sistema educativo pode gerar, ou contribuir para gerar, mudanças radicais do sistema de Poder.
Aceitando, porém, como intrìnsecamente correcto o modo como o Dr. Magalhães Mota equacionou o problema das relações entre educação-cultura e os sistemas de Poder, que comentário solicita a segunda parte das suas afirmações? Simplesmente este: em primeiro lugar, que não será estranhável que aqueles que não desejam uma mudança radical do sistema de Poder procedam como, segundo opinião do ilustre colega, têm procedido; em segundo lugar, que é lógico que todos aqueles que anseiam por uma mudança radical do sistema de Poder procedam ao invés dos primeiros. Num caso como noutro, avulta a exacerbação política da problemática da reforma educativa. Pode ser que sem razões intrìnsecamente válidas; pode ser que devido apenas a paixões e juízos errados. Em qualquer caso, um problema a ponderar.
Julgo não errar se disser que, para as discussões e discordâncias suscitadas pela reforma do sistema educativo, alguma coisa tem contribuído a expressão «democratização do ensino», copiosamente utilizada entre nós nos últimos tempos.
Há quem utilize com frequência determinadas palavras e ostensivamente apregoe o seu desprezo pelo seu exacto significado. O escasso espírito crítico e científico de tais pessoas começa a revelar-se aqui. O homem é um animal semiológico que só pode pensar e comunicar por meio de códigos de sinais. O primeiro e mais importante desses códigos é o código linguístico, mediante o qual o homem organiza outros códigos semióticos e formula, e predominantemente comunica, o seu pensamento. Desprezar a exacta significação das palavras equivale a viciar radicalmente o pensamento.
Ora, o que significa a expressão «democratização do ensino»? Não é segredo de iniciados dizer-se que tal expressão apresenta, perfeitamente configurados, três significados distintos, motivo por que se torna sempre ambíguo o seu uso indiscriminado.
Em primeiro lugar, «democratização do ensino» significa o princípio de igualdade de acesso de todos os indivíduos, sem qualquer discriminação de raça, de sexo, de origem social, de estatuto económico, de convicções religiosas e políticas, a todas as formas e a todos os graus do ensino.
Numa segunda acepção, largamente difundida em textos dos movimentos estudantis, «democratização do ensino» significa «gestão democrática» da escola e, mais particularmente, da' Universidade. Partindo do princípio de que a Universidade é um instrumento de poder manipulado por um grupo de privilegiados — os professores catedráticos — que explora e oprime outros grupos — docentes menos qualificados e estudantes —, exige-se que a gestão da Universidade apresente uma base e um processo democráticos, realizando-se por meio de órgãos colegiais constituídos por representantes eleitos de todos os grupos em confronto.
Noutra perspectiva, a «democratização» da Universidade pode efectivar-se mediante a instituição de um «poder dual» cuja estrutura e cujo funcionamento Lenine descreveu: ao lado da autoridade dos catedráticos (equivalente, na praxis revolucionária estudantil, ao governo burguês de Lenine), constitui-se uma autoridade estudantil (equivalente ao governo dos «sovietes» na doutrina leninista), dotada pelo menos do poder de veto e dispondo, portanto, da capacidade de controlar todas as decisões da Universidade.
Finalmente, a expressão «democratização do ensino» pode dizer respeito ao próprio conteúdo do ensino. Se a escola e, em especial, a Universidade ministra um ensino dominado pela ideologia da classe que detém o poder — e dado o contexto sócio-político em que estes problemas se formulam e se exasperam, esta classe é a classe burguesa e neocapitalista — de modo a manipularem servidores qualificados do sistema económico-social justificado por essa ideologia, torna-se imperioso, do ponto de vista dos movimentos estudantis, substituir tal ensino «classista» por um ensino autenticamente «democrático». «Democrático», aqui, como é óbvio, deve ler-se em cifra marxista.
Estas duas últimas acepções da expressão «democratização do ensino» — gestão «democrática» da escola ou poder dual instituído na escola e conteúdo «democrático» do próprio ensino — ocorrem entre nós mais raramente do que a acepção mencionada primeiramente, que é a única, segundo creio, com chancela oficial. Valerá a pena, por isso, analisar alguns aspectos da problemática de «democratização do ensino», entendida segundo aquela primeira acepção.
Começarei por dizer que tal princípio é hoje pacìficamente aceite por todos, não tendo contraditores, pelo menos explícitos.
E observarei de seguida, correndo o risco de escandalizar alguns, que o problema da «democratização do ensino» só restritamente pertence ao sistema educativo e, de modo particular, à Universidade. A escola, como demonstraram, entre outros sociólogos, Bourdieu e Passeron, actua normalmente como reprodutora do sistema social, como meio de manutenção do estatuto social dos «herdeiros», sendo ilusório admitir que os meios da acção social escolar, por poderosos que sejam, poderão alterar substancialmente as desigualdades impostas pelos mecanismos do sistema económico-social.
Como revelam numerosos estudos sociológicos e variadas estatísticas, a igualização de oportunidades, na educação secundária e na educação superior, é profundamente afectada, mesmo em países como a Suécia e os Estados Unidos da América, por factores como: a origem social; o nível económico do agregado familiar; o grau de cultura e a atitude dos pais perante o ensino; desigualdades regionais e geográficas (situação de inferioridade das populações rurais em relação às urbanas, diferenças verificáveis entre as populações da periferia e as do centro das grandes cidades), etc.
E, como atestam estudos recentes, os sistemas escolares, mesmo em países onde estão bem arreigados
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os princípios da igualdade de oportunidades, tendem a dividir-se, segundo o estatuto sócio-económico da população discente, em dois ramos paralelos e efectivamente separados, mesmo quando se trata da escola única, sujeita às mesmas leis e aos mesmos regulamentos administrativos, aos mesmos programas, à mesma inspecção, etc. [cf. Frank Bowles, «Deux systèmes scolaires à l'intérieur d'une société», in C. E. Beeby (ed.), Les aspects qualitatifs de la Planificaíion de l’Education, U. N. E. S. C. O., 1970, pp. 237-249].
A atenuação e a supressão, na medida do possível — o ideal absoluto, aqui, é utopia —, destes factores de desigualdade social e económica constituem um urgente problema político dos países ocidentais — e daí os projectos, caros a alguns estadistas europeus, de uma «nova sociedade» e de um «novo contrato social» —, tornando-se necessário que os governos, com coragem e lucidez, sem temor a oligarquias e grupos privilegiados, imponham uma política autenticamente nacional de profundas reformas sociais. Caso contrário, corre-se o risco de uma crescente agitação social e de um revolucionarismo mais ou menos intermitente, de consequências imprevisíveis.
Sem estas amplas reformas sociais, a «democratização do ensino» não passa de utopia ou pregão demagógico.
O Sr. Serras Pereira: — Muito bem!
O Orador: — Mas isto não significa, de modo nenhum, que não sejam também necessários vigorosos esforços desenvolvidos no domínio específico de uma política educacional: aumento do número e do montante de bolsas de estudo e de outros subsídios escolares, multiplicação de refeitórios e de residências estudantis, diversificação do regime dos cursos nos vários níveis de ensino, criteriosa distribuição geográfica dos estabelecimentos de educação (não é, por exemplo, privando todo o interior de um país de Universidades que se contribui para a «democratização» do ensino universitário), etc.
Vozes: —- Muito bem!
O Sr. Roboredo e Silva: — Sim senhor!
O Orador: — Uma política de «democratização do ensino» corre o risco, se não forem tomadas oportunas e ajustadas providências, de afectar a qualidade do ensino.
Há quem, ao ouvir falar de «qualidade», comece logo por franzir suspeitosamente o sobrolho. «Se se admite que a qualidade é um atributo aristocrático, que não é inerente à democracia, tanto pior para esta. Péricles, todavia, pensava diferentemente e acreditava que uma democracia era capaz de respeitar a excelência.» [H. L. Elvin, «La notion de qualité en éducation: difficulté d'établir des prix de revient», in C. E. Beeby (ed.), op. cit., p. 108].
Se, em teoria, a quantidade não é a antinomia da qualidade, e se o conceito de qualidade do ensino não é fàcilmente definível, dados o seu relativismo, a sua variabilidade histórica e sociológica, os seus aspectos intrínsecos e extrínsecos, não é menos certo que, de um ponto de vista teórico-prático, aquela oposição é pertinente e real no domínio do ensino, tendo sido já mesmo elaborada, sob forma de lei, pelos especialistas de ciências da educação:
Quando um sistema de ensino se desenvolve ràpidamente, a qualidade corre sempre o risco de se ver sacrificada à quantidade.
O Sr. Meneses Falcão: — Muito bem!
O Orador: — A mera estratégia da expansão linear dos sistemas educativos, como tem estado a ser reconhecido nos últimos tempos [cf. Philip H. Coombs, «II faut modifier la stratégie», in C. E. Beeby (ed.), op. cit., pp. 15 e segs.], não só não se revela satisfatória, como arrasta consigo a deterioração da qualidade intrínseca e extrínseca dos referidos sistemas.
O Sr. Serras Pereira: — Muito bem!
O Orador: — E bem se compreende que assim seja, pois que essa expansão, mesmo nos países ricos, provoca escassez de convenientes instalações escolares, falta de material didáctico e de investigação, penúria de professores qualificados, etc.
A simples expansão linear dos sistemas educativos pode alcançar grandes êxitos no plano das estatísticas, mas pode ser danosa no plano das realidades, em virtude da deficiente qualidade dos fluxos de entrada (inputs) e dos fluxos de saída (outputs) dos referidos sistemas. E observe-se que a convicção, hoje tão divulgada, de que os investimentos educativos são altamente rendíveis em termos de desenvolvimento nacional só é válida no caso de um dado sistema de ensino produzir, em abundância e em qualidade, as categorias de mão-de-obra indispensáveis ao crescimento económico do respectivo país.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A alternativa racional e justa para uma simples estratégia de expansão linear dos sistemas educativos não pode ser um maltusianismo escolar mais ou menos disfarçado. Essa alternativa tem de ser consubstanciada num conjunto de medidas de teor financeiro, de teor pedagógico e de teor administrativo, que permitam assegurar a eficácia e o rendimento do ensino em todas as suas modalidades e em todos os seus níveis.
O Sr. Serras Pereira: — Muito bem!
O Orador: — Como terei ensejo de acentuar mais adiante, nada será possível construir de sólido, neste domínio, se não se formarem, e não se mantiverem na carreira docente, professores com boa preparação académica e pedagógica.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O Orador: — Por outro lado, «democratização do ensino» não pode significar igualitarismo demagógico.
O Sr. Serras Pereira: — Muito bem!
O Orador: — Como observou António Sérgio, «a ideia de igualdade é sempre pensada, quando se trata de cousas concretas, em relação a certo ponto de
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vista. É pensada relativamente» (Ensaios, ed. cit., tomo III, p. 340).
O Sr. Pinho Brandão: — Muito bem!
O Orador: — Ora, no caso presente, a igualdade é pensada em relação a um certo direito, em relação a certas oportunidades, ficando o exercício desse direito e o aproveitamento dessas oportunidades dependentes das qualidades de inteligência e de carácter e da capacidade de trabalho de cada indivíduo.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Bem sei, como já expus atrás, que o teor deste princípio é perturbado na prática por influentes factores estranhos ao domínio da educação, mas, dentro das limitações e deficiências das sociedades humanas, ou se aceita o mencionado princípio ou se cai na monstruosidade de uma igualdade pensada totalitariamente como uma igualdade de facto da natureza humana.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — No domínio da educação, como noutros domínios da vida social, há sempre medíocres ansiosos por estender a sua mediocridade, por meio de medidas igualitaristas, a todos ou outros; há sempre os que pertinazmente teimam em não reconhecer a diferença do que é intrìnsecamente desigual e tentam, com sofismas ideológicos e intenções de pseudo-justiça, impor a mesma rasoira aos indivíduos e às instituições: nem exames, nem classificações, nem diferenciações...
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E, no entanto, tanto na teoria como na prática, uma «democratização do ensino» correctamente entendida não só não é incompatível com uma rigorosa selecção, como a exige.
O Sr. Moura Ramos: — Muito bem!
O Orador: — A igualdade em relação a um certo direito não pode contrariar ou neutralizar os direitos defluentes das capacidades de cada um. A selecção fundada nessas capacidades não ofende qualquer princípio democrático e, sem ela, afecta-se irremediàvelmente a constituição das elites de um país — e, sem elites, seja sob regime liberal, seja sob regime fascista, seja sob regime comunista, um país não sobrevive.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Considero das atitudes mais deletérias, no domínio do ensino, sobretudo universitário, o desafecto ou a hostilidade, por cálculo, hipocrisia ou medo, à ideia de selecção.
Permitam-me W. Ex.as que aqui deixe, a este propósito, o depoimento de um jovem e brilhante professor da novíssima Universidade de Vincennes, Henri Mitterand.
Ao regressar, segundo as suas próprias palavras, «à cloaca de Vincennes», depois de dois meses de estada na Universidade de Toronto, escreveu:
Não se receia em Toronto a palavra «selecção», nem a palavra «exame», que agora são tabus entre nós (substituímo-las por eufemismos: «ensinantes», por «professores»; «ensinados», por «estudantes»; «orientação», por «selecção»; «controle de conhecimentos», por «exame». —Mas o medo das palavras não reflecte o medo das evidências? (cf. Henri Mitterand, «L'Université malàde», in Les Nouvelles Littéraires, 22-2.8 de Janeiro de 1973).
Antes de me ocupar de questões referentes ao ensino superior, desejo tecer breves comentários sobre algumas disposições estabelecidas na proposta de lei n.° 25/X relativamente a outros sectores do sistema educativo.
Como afirmei logo no início, tem, de se reputar da mais alta importância a criação do ensino pré-escolar oficial e o alongamento da escolaridade obrigatória. Constituem duas medidas de grande alcance para a valorização integral das nessas vindouras gerações e penso que a sua efectivação, em termos de eficácia e de razoável celeridade, tem de constituir matéria prioritária na execução da lei que iremos aprovar.
O Sr. Roboredo e Silva; — Muito bem!
O Orador: — Vão ser muito grandes os dispêndios financeiros exigidos pela realização destes dois objectivos e, nas actuais circunstancias da nossa vida colectiva, se não se contar com o recurso a créditos externos, as verbas necessárias só poderão encontrar-se desde que o crescimento económico nacional se processe a ritmo muito apreciável.
Com efeito, numa fase de profundas transformações e inovações, o orçamento da educação nacional exige substanciais aumentos de ano para ano, quer para instalações e equipamento, quer para pagamento de professores e de outro pessoal administrativo, técnico e auxiliar, quer para a execução de uma ampla acção social escolar, etc. Até quando o orçamento da educação, essa «indústria de custo crescente», pode continuar a receber do Tesouro público um tratamento preferencial? Até quando pode a taxa de aumento anual do orçamento do ensino ser superior aos índices de crescimento do P. N. B. e das receitas do Estado? Nestes tempos de inflação, estes problemas põem-se com extrema acuidade em muitos países desenvolvidos, verificando-se que na maior parte deles a taxa de aumento do orçamento anual da educação baixou de 10 % a 15 °k para 3 % a 5 %.
O aumento da escolaridade obrigatória vai exigir o recrutamento de um avultado número de professores do ensino preparatório e secundário — e é bem sabido como os professores qualificados escasseiam no nosso país. E não são necessárias altas especulações para explicar tal carência. Os professores escasseiam, fundamentalmente, porque são mal remunerados e porque se vêem, assim, socialmente desprestigiados. Perante a concorrência do sector privado e até de certas áreas do sector público, esta escassez vai-se acentuando de ano para ano, pois a carreira docente
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não pode alicerçar-se apenas na vocação e no espírito de sacrifício. E como é absurdo depositar —e justamente— as maiores esperanças na acção criadora do ensino e condenar à fuga ou à frustração os melhores agentes desse mesmo ensino!....
Formulo, pois, um veemente voto para que o orçamento da educação nacional não venha a sofrer limitações que impossibilitem o desenvolvimento do sistema educativo e para que essas verbas sejam despendidas sem desperdícios nem esbanjamentos.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Não quero deixar de fazer aqui uma referência, ainda que breve, a um problema respeitante ao ensino secundário e que levantou, nalguns sectores, certa celeuma. Refiro-me ao problema do latim.
Entendeu a Câmara Corporativa dever acrescentar a língua latina ao elenco das disciplinas constantes da base vir, n.° 8, da proposta de lei. A Comissão de Educação, como se pode ler no seu relatório, foi de parecer que tal número devia ser eliminado.
O Sr. Pinho Brandão: — Muito bem!
O Orador: — Não iremos, pois, segundo presumo, ver aqui reacendida a «batalha» do latim. E a minha referência nem sequer uma escaramuça pretende ser, pretende ser tão-somente um apelo à razão,
Não vou aqui expor os argumentos que militam pertinentemente a favor do ensino do latim; nem desconheço os argumentos, alguns de certo peso, que se podem aduzir contra esse ensino. Nem vou advogar uma «restauração» — vocábulo que decerto fez irritar neste país certas sensibilidades mais melindrosas.... (risos) — tão ampla do ensino do latim como se propunha no parecer da Câmara Corporativa.
Devo observar, todavia, que não é a segregação do latim do ensino secundário que nos vai tornar mais progressivos e mais «europeus»...
Vozes: — Muito bem!
O Orador: —...a Espanha, que, segundo leio em bem informados órgãos da nossa imprensa, leva bem adiantado o seu processo de «europeização», não teve pejo de inscrever, na sua Ley General de Educación, como disciplina obrigatória para todos os alunos do ensino secundário, a língua de Cícero...
E permito-me sublinhar o facto de que, após a última reforma do ciclo final dos nossos liceus, o latim só é obrigatório para os alunos que pretendam matricular-se num curso de Filologia Clássica. Quer dizer, é possível que os alunos de Filologia Românica, ou de História, de Filosofia e de Direito — estes, depois da recente reforma das Faculdades de Direito — cheguem à Universidade sem quaisquer conhecimentos de uma língua que, nalguns daqueles cursos, é instrumento indispensável e que, nos outros, será, pelo menos, valioso instrumento ancilar.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — O que eu advogo desta tribuna, e chamo a atenção do Sr. Ministro da Educação Nacional para esta matéria, é a modificação de tal estado de coisas.
Como afirmei no início desta minha intervenção, a proposta de lei em apreço é, infelizmente, muito omissa e lacunar em relação ao ensino superior, bem se podendo dizer, a este respeito, que estamos perante a vaga antemanhã de uma reforma.
Alguém, ao votar esta proposta de lei, poderá ter uma ideia, muito geral embora, mas clara, da estrutura, do funcionamento e dos objectivos dos Institutos Politécnicos e das Escolas Normais Superiores? Eu não digo que o Ministério da Educação Nacional não tenha tudo estudado, concebido e programado. Digo que o texto da proposta de lei é quase completamente omisso sobre tais matérias.
Por exemplo: infere-se da base XVI, n.° 4, que as Escolas Normais Superiores terão como missão preparar os professores do ensino básico. Mas terão só essa missão? No dia 3 de Fevereiro passado, o governador civil de Viseu, decerto autorizado pelo departamento governamental competente, declarou aos órgãos de informação que a futura Escola Normal Superior daquela cidade possuiria um curso que habilitaria para os serviços de administração (cf. Jornal da Beira, de 9 de Fevereiro de 1973).
Se assim é, por que não há-de ter outra Escola Normal Superior um curso de jornalismo? E outra, por exemplo, um curso de enologia?
Sobre a Universidade a proposta de lei quase se limita a enunciar e caracterizar os graus que ela confere. Não é que esta matéria não seja importante, como bem denotam os debates públicos recentemente desencadeados a seu respeito. Mas poderá alguém negar que, com esta excepção, os grandes e difíceis problemas da Universidade estão, pura e simplesmente, ausentes do texto da proposta de lei?
Nos últimos anos verificou-se em vários países europeus e americanos um crescimento vigoroso do chamado «ensino superior curto». As razões deste crescimento foram mais ou menos análogas por toda a parte: a urgente desmassificação das Universidades, a fim de evitar a degradação da qualidade do seu ensino e da sua investigação; a necessidade de formar ràpidamente certa mão-de-obra superiormente qualificada, indispensável às exigências do desenvolvimento sócio-económico; a conveniência de estruturar um ensino superior menos dispendioso do que o ensino universitário; a convicção de que seria mais fácil introduzir nesse ensino de curta duração práticas pedagógicas menos tradicionais.
Os modelos de organização do ensino superior curto e do ensino superior longo variam conforme os países, mas podem, fundamentalmente, reduzir-se a três:
a) O modelo binário rígido, no qual aqueles dois ensinos estão estruturados, paralela e autonomamente, em instituições de ensino diferenciadas e estanques. É neste modelo que se integram, por exemplo, os Politécnicos ingleses, criados em 1969, e os C. A. T. T. (colleges for applied arts and technology) criados em Ontário (Canadá);
b) O modelo binário misto, no qual existem estabelecimentos de ensino superior curto, autónomos em relação às Universidades, mas com possibilidade de passagem dos alunos
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de umas instituições para as outras e de cooperação por parte dos respectivos corpos docentes. Este modelo, em vigor, por exemplo, na Noruega e na Jugoslávia, foi também adoptado recentemente na Alemanha Federal. Com efeito, o Wissenschaftsrat (Conselho da Ciência) deste país, com a preocupação de preservar integralmente, perante a aluvião estudantil, a função das Universidades alemãs tanto no domínio da investigação como do ensino, convenceu os poderes políticos da instante necessidade da criação de instituições de ensino superior não universitário que pudessem oferecer qualificações profissionais de alto nível e que pudessem funcionar como circuitos de derivação para as massas escolares que congestionam as Universidades. Segundo a proposta do Wissenschaftsrat, o ciclo curto não seria ministrado nas Universidades, mas apenas nas instituições de ensino superior não universitário, prevendo-se também diferenças no processo de acesso a umas e outras instituições. Graças ao acordo firmado pelos primeiros-ministros dos Lander, em Hanôver, em 30 de Outubro de 1968, pôde-se constituir um sistema de ensino superior denominado Gesamthochschulbereich (sector alargado do ensino superior), formado pelas Universidades e por novas instituições designadas Fachhochschulen (Institutos de Estudos Superiores Especiais). Com o propósito de aliviar as Universidades da pressão exercida pelos gigantescos fluxos estudantis, dispôs que o acesso directo às Universidades exige mais um ano de estudos secundários do que o acesso às Fachhochschulen, mas está prevista a possibilidade de alunos destes últimos estabelecimentos poderem ingressar nas Universidades; c) Finalmente, o modelo da Universidade polivalente, em que as instituições universitárias ministram ao mesmo tempo o ensino superior curto e o ensino superior longo.
Entre nós, o ensino superior curto foi instituído pelo Decreto-Lei n.° 48 406, de 29 de Maio de 1968, da responsabilidade política do Prof. Galvão Teles, e pelo Decreto-Lei n.° 48 627, de 12 de Outubro de 1968, da responsabilidade política do Dr. José Hermano Saraiva — decretos-leis que criaram, respectivamente, os bacharelatos nas Faculdades de Ciências e Letras. Esta política foi prosseguida pelo Prof. Veiga Simão, com o Decreto-Lei n.° 364/72, de 28 de Setembro, que reformou os cursos das Faculdades de Direito, e com os Decretos-Leis n.ºs 520/72, 521/72 e 522/72, de 15 de Dezembro, que reestruturaram o ensino universitário no domínio das ciências económicas, das ciências empresariais e do trabalho.
A todos estes diplomas preside a mesma orientação: criação, dentro da Universidade, de cursos de curta duração, a fim de ser possível obter, com mais rapidez, diplomados necessários para certos sectores profissionais (e o ensino secundário foi o sector cujas carências desencadearam a execução destas medidas).
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado: V. Ex.ª esgotou o tempo regimental, mas concedo-lhe, com todo o gosto, a prorrogação de 15 minutos prevista no Regimento.
O Orador: — Não vou aqui fazer a análise crítica dos nefastos resultados advindos desta política do ensino universitário, porque essa análise se encontra exaustiva e lùcidamente realizada pelo Prof. Braga da Cruz em obra de publicação recente. Sublinho apenas que tal política não só não resolveu, mas agravou o problema fulcral que conduziu os Governos, na Europa como na América, a criarem o ensino superior curto — a massificação das Universidades; e que, dado o modo como foram estruturados os cursos do bacharelato, se deteriorou lastimavelmente o teor dos cursos da licenciatura, com grave prejuízo da Universidade e do País. Este último aspecto da questão mereceu a um grupo de professores e assistentes da Universidade de Coimbra, encabeçado pelo Prof. Eduardo Correia, o seguinte juízo lapidar e, a meu ver, irrespondível, e que desejo deixar aqui arquivado:
Entendeu-se ser a ideia de um curso de formação básica, que, ao mesmo tempo, permita uma preparação rápida para o exercício imediato de uma profissão e uma preparação de base em vista da continuação dos estudos, perfeitamente contraditória e inexequível: ou se faz uma preparação de tipo horizontal (e então fica comprometida a preparação necessária para o estudo aprofundado), ou se faz uma preparação de tipo vertical (e ficará assim prejudicada a ideia de uma preparação rápida para o imediato exercício de uma actividade profissional) {A Reforma do Ensino Superior. Reflexões e Propostas de Um Grupo de Professores e Assistentes da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971, p. 58).
A proposta de lei n.° 25/X vem alterar substancialmente esta situação com a prevista criação dos Institutos Politécnicos e das Escolas Normais Superiores, isto é, com a reestruturação do ensino superior segundo um modelo binário misto. Terá de lamentar-se o atraso com que se caminhou para esta solução, mas é legítimo esperar dela, se for correctamente concebida e executada, resultados frutuosos.
Ora, a criação do ensino superior curto em Institutos Politécnicos e nas Escolas Normais Superiores, onde decerto irão ser organizados bacharelatos tanto no domínio dos saberes tradicionais como no domínio dos saberes novos, torna ainda mais imperiosa a urgente revisão das deploráveis situações a que conduziram os decretos-leis acima mencionados, devendo restituir-se o ensino universitário às suas lídimas funções nos domínios da investigação e do ensino.
Todavia, não sou de opinião que, no nosso caso, o ensino superior curto seja segregado em absoluto das Universidades. Enquanto o ensino superior não universitário não se encontrar devidamente estruturado e apetrechado, e em casos particulares que intrìnsecamente o justifiquem, creio que as Universidades devem assegurar, perante as exigências sociais e económicas do País, os necessários cursos de curta duração. Com respeito, porém, de duas premissas que reputo fundamentais: que tais cursos não provoquem
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a massificação elefantíaca das Universidades; que as licenciaturas não sejam tratadas subsidiàriamente como uma espécie de epifenómeno dos bacharelatos.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Em certos sectores de opinião levantou-se grosso clamor contra o facto de a Câmara Corporativa ter introduzido uma base nova, a base XIII no articulado sugerido no seu parecer, que constituiria uma «antidemocrática)) discriminação no domínio do ensino superior, tendo um Digno Procurador observado a tal respeito, em sugestivo paradoxo verbal, que assim se estabelecia uma distinção entre um ensino superior-superior e um ensino superior-inferior.
Com o devido respeito pela opinião dos que assim tanto se preocupam com esta discriminação, suponho que há nesta matéria alguns equívocos a esclarecer. Não parece criticável que, na proposta de lei, figure uma base em que se definem os fins específicos da Universidade; o que parece criticável é a ausência de bases em que se definam, de modo análogo, os fins específicos das outras instituições de ensino superior.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A Câmara Corporativa sugeriu a base XIII porque; além de entender que era necessária a sua existência, entendeu, e bem, que lhe era possível, de um ponto de vista doutrinário, a sua formulação: as Universidades existem, e, com reformas mais ou menos profundas, não poderão ser substancialmente alteradas as suas finalidades. Já o mesmo não se pode dizer dos Institutos Politécnicos e das Escolas Normais Superiores: trata-se de instituições inexistentes, só ao Governo devendo caber, no plano legal, a definição da sua estrutura e dos seus fins.
Mas poder-se-á falar legìtimamente, a este respeito, de injusta ou «antidemocrática» discriminação? Só se o conceito de democracia subjacente a tal expressão for fundado num igualitarismo absurdo. Entre nós, como nos outros países onde foi criado, o ensino superior curto desempenha uma função específica e diferente da que desempenha o ensino superior longo. Se os Politécnicos, por exemplo, possuíssem uma estrutura e uma função idênticas às das Universidades, por que haviam de ser Politécnicos e não Universidades?
Destinam-se, porventura, os Politécnicos e as Escolas Normais Superiores a realizar investigação fundamental similar à que compete às Universidades? A complexidade do ensino teorético, tecnológico e profissional ministrado nas Universidades será idêntica à do ensino assegurado por aquelas outras instituições? Na própria proposta de lei se determina que, enquanto os estabelecimentos de ensino superior curto só conferem o grau de bacharel, os estabelecimentos de ensino universitário conferem ainda os graus de licenciado e doutor. Ora, tais graus não são meros nomes; correspondem a estruturas e estádios específicos do ensino e investigação, umas e outros pertencentes ao nível mais elevado dentro de um sistema educativo.
O Sr. -Santos Bessa: — Muito bem!
O Orador: — Será antidemocrático reconhecer como desiguais entidades ontologicamente diversas?
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Bem sei que há, por detrás de tudo isto, um problema importante e que merece cuidadosa atenção. É o problema do desprestígio relativo que pode ferir, desde início, os estabelecimentos autónomos de ensino superior curto. E é um problema tão sério que a própria O. C. D. E. lhe consagrou um colóquio, realizado em 1971, na Universidade de Grenoble.
Na Inglaterra, onde a questão do sistema binário tem sido muito debatida, criou alguma fortuna a fórmula de que os dois sectores do sistema binário não possuem «paridade de natureza», mas que possuem «paridade de consideração» (cf. George Brosan et alii, Patterns and Policies in Higher Education, Penguin Books, 1971, p. 157).
Acontece, porém, que as diferenças de estrutura e de função têm de facto impedido os Politécnicos de alcançar essa «paridade de consideração», o que levou Mr. Fowler, director do Huddersfield Polytechnic, a declarar no referido colóquio de Grenoble: «Disseram aos estabelecimentos 'curtos' que eram 'iguais mas diferentes' das Universidades. De facto, esta 'igualdade na diferença' assemelha-se muito ao apartheid na República da África do Sul [...]» (risos) (cf. Le Monde, de 25 de Novembro de 1971, p. 10).
É imperioso que os Governos e as Universidades desenvolvam concertadamente os mais sérios e profícuos esforços para que os estabelecimentos de ensino superior curto, dentro da especificidade das suas funções, adquiram e mantenham qualidade e prestígio. É o interesse do País que o exige, mas são também os interesses das Universidades que o aconselham, pois, de outro modo, a população estudantil universitária atingirá números catastróficos e será necessário reformular, de alto a baixo, uma bem diversa política educacional.
Reside aqui uma incógnita densa de perigos para o nosso sistema de ensino superior. E, se em nada contribui para a dissipar uma acintosa e pouco inteligente depreciação prévia dos Politécnicos e das Escolas Normais Superiores, também em nada contribui para a resolver a afirmação, generosa mas falsa, de que a sua função e o seu ensino são absolutamente iguais aos das Universidades.
Chego ao fim destas considerações, pensadas com independência, mas informadas por um recto espírito de servir.
Bem sei que, no mundo contemporâneo, se impõem cada vez com mais força as exigências de uma educação permanente e que, por isso mesmo, a presença dos indivíduos nas escolas deixará progressivamente de ser um quase exclusivo dos grupos etários que tradicionalmente as têm povoado. Todavia, a educação há-de continuar a ser primordialmente, inelutavelmente, uma educação da juventude. Escolas sem mocidade, Universidades sem adolescentes e jovens adultos que tragam na inteligência e na vontade as sementes do futuro representam para mim contradições lógicas e imagens de um mundo em apocalíptico desconcerto.
O Sr. Moura Ramos: — Muito bem!
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O Orador: — Por isso, ao rematar esta intervenção sobre uma proposta de lei intitulada Reforma do Sistema Educativo, o meu pensamento dirige-se, com preocupação, mas também não sem esperança, para a nossa juventude — essa juventude a quem se destina primeiramente a lei que iremos votar e de cujos ideais depende, dentro de alguns anos, o destino de Portugal.
Sem a adesão e o apoio da juventude não há instituição que sobreviva e torna-se inexorável o apodrecimento letal das sociedades e das pátrias.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Ao despedir-me desta tribuna pergunto: Como é possível ganhar a «batalha da educação» se se perder a juventude?
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Eleutério de Aguiar: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reforma do sistema educativo, pela profundidade com que se projecta e justeza dos princípios que a fundamentam, marcará uma das épocas mais prestigiosas na vida do nosso país.
Discutindo e aprovando, com os aperfeiçoamentos indispensáveis, um diploma que de há muito se considera fundamental para o progresso da Nação, pode afirmar-se que a Assembleia atinge o termo da X Legislatura de forma deveras auspiciosa, coroando de assinalado êxito uma colaboração que desejou e soube dispensar ao Executivo, neste como noutros sectores, ao longo das quatro sessões que aqui nos reuniram.
Reflectindo, como se impunha, a vontade da Nação que constitucionalmente representa, poderá até acrescentar-se que a Assembleia esteve perfeitamente à altura da sua responsabilidade, colaborando na prossecução dos objectivos que o Governo definira e a si próprio se impusera, ao distinguir a educação como sector prioritário, e como tal já fortemente realçado no âmbito do III Plano de Fomento, através do qual se começaram a lançar as traves mestras para a reforma que estamos apreciando, a qual foi precedida de inúmeras realizações, projectadas numa dimensão verdadeiramente nacional, como alicerce por excelência do processo de desenvolvimento económico e social, em que o País decididamente se empenhou.
Ao analisarmos o projecto de reforma do sistema educativo, não podemos esquecer quanto temos afirmado noutras oportunidades, repensando considerações produzidas, à luz de conceitos a que há muito aderimos e a que nos mantemos inteiramente fiéis.
Não é sem emoção que, fazendo o ponto à actividade aqui desenvolvida, recordamos especialmente a primeira vez em que subimos a esta mesma tribuna, a 11 de Dezembro de 1969. Denunciando embora uma pronunciada timidez, face ao peso da história e das tradições desta Casa, mas fiéis à agenda elaborada em presença do povo da nossa terra — a quem ouvíramos mais do que faláramos —, logo nos interessámos pelo sector da educação, na certeza de que, para se extrair o máximo aproveitamento do esforço financeiro que o País vinha desenvolvendo, era imperioso cuidar ainda mais da formação da juventude, tornando-a consciente
e apta a tomar posição consentânea com os seus direitos na conquista do futuro.
Perante a dimensão da obra a realizar, pressentimos que só em regime e com espírito de campanha seria possível mobilizar os recursos materiais e humanos e consertar os esforços indispensáveis para assegurar o objectivo proposto. E concluímos, ainda coerentes com o programa resultante do diálogo com o eleitorado, que a democratização do ensino constituía uma exigência inadiável do Estado social que Marcelo Caetano pretendia edificar.
A democratização do ensino está longe de ser efectiva. Mas é princípio que o Governo pretende codificar, com inteiro aplauso da maioria dos portugueses que, sem esquecerem os verdadeiros ditames da consciência nacional, são sensíveis às transformações económicas e sociais, dimanadas da evolução tecnológica, certos de que a aceleração do progresso exige a utilização cada vez mais intensa do saber, não aceitando a educação como privilégio de minorias selectivas, antes a postulando como direito inalienável que a todos deve ser garantido num processo que não contempla idades mas acompanha toda a existência do indivíduo.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Insistimos sempre em que a educação e a cultura não se compadeciam com soluções parciais, ainda que informadas dos mais isentos propósitos. Sentindo e compartilhando das preocupações de quantos vinham pugnando pela reforma da Universidade, jamais deixámos de salientar que a crise envolvia todo o edifício educativo, pelo que não acreditávamos que uma reforma da Universidade pudesse subsistir sem a reforma da escola primária e do ensino secundário, e mais, sem a reoficialização do ensino infantil.
Sem a reforma dos alicerces, como poderia resultar a reforma da cúpula? Além do mais, democratizar o ensino é proporcioná-lo a todos os cidadãos, independentemente das condições sócio-económicas e de acordo com as potencialidades. Deste modo, só haverá democratização quando houver escola para todos, a começar pelos primeiros anos de vida, abrangendo os deficientes sensoriais, intelectuais e motores, conceito que para ser plenamente vivido exige que a Universidade, o liceu e a escola deixem de ser universos fechados, isolados do conjunto da sociedade e da vida, numa altura em que os meios de comunicação e as técnicas áudio-visuais alteraram, quase por completo, as condições da educação.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pareceu-nos oportuno repensar estas considerações, pois permitem que, sem mais delongas, exteriorizemos o entusiasmo suscitado pelo projecto em discussão, que nos define a acção educativa como um processo global e permanente de formação de todos os cidadãos, mediante um sistema diversificado, mas sem prejuízo da integração de todos numa mesma cultura, assente num conjunto de valores sociais e humanos comuns, e que estabelece como princípio fundamentai o de preparar todos os portugueses para tomarem parte activa na vida social, além de assegurar o acesso aos vários graus de ensino e aos bens da cultura, sem outra distinção
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que não seja a resultante da capacidade e dos méritos, favorecendo, ao mesmo tempo, a liberdade de ensino, o que supõe uma série de medidas pelas quais sempre nos temos pronunciado.
Acresce que outras disposições mais radicam em nós a convicção de que estamos efectivamente em presença de uma reforma sem precedentes, que institucionaliza a educação pré-escolar e a educação permanente, bem como um ensino básico obrigatório com a duração de oito anos, compreendendo o ensino primário e o ciclo preparatório, a que se segue o ensino secundário, destinado não só a adolescentes, mas também a adultos, com a duração de quatro anos, os dois últimos dos quais, designados por ciclo complementar, serão ministrados em escolas polivalentes ou por estabelecimentos de ensino de índole específica, nomeadamente orientados para a formação de profissionais.
Merecem-nos, igualmente, particular adesão as medidas que respeitam ao ingresso directo no ensino superior de indivíduos maiores de 25 anos, sem qualificações académicas, desde que revelem nível intelectual adequado, bem como à formação inicial e permanente dos agentes educativos, incluindo os destinados ao ensino pré-primário e ao ensino especial, que visam incrementar uma acção educativa a que adiante nos referiremos mais em pormenor.
Trata-se, na verdade, de um diploma fundamental para o contexto do ensino, propondo alterações profundas na estrutura dos diversos ramos e graus, determinadas pela ideia central do alargamento da escolaridade obrigatória e, simultâneamente, pela preocupação de se articular todo o conjunto escolar em função da orientação pedagógica do estudante.
Nestes termos, a uma escolaridade generalizada de oito anos corresponde todo o movimento de reestruturação do ensino primário tradicional e, ainda, a uniformização do ensino complementar — 5.ª e 6.ª classes— e do actual ciclo preparatório, por sua vez acrescida de dois novos anos de natureza obrigatória.
Por seu turno, o ensino superior, na linha definida pelos textos programáticos, será assegurado por Universidades, Institutos Politécnicos, Escolas Normais Superiores e outros estabelecimentos equiparados. Temos, assim, que à reestruturação das Universidades, confiada em larga medida aos seus próprios órgãos directivos, acresce a constituição de novos centros superiores, cuja localização vem obedecendo a factores de natureza sócio-económica.
A nova orgânica proposta prevê uma distribuição dos. graus académicos diversa da tradicional, acentuando a necessidade de pós-graduações em maior número de especialidades e adaptando a duração dos cursos às necessidades dos principais ramos da actividade nacional, de acordo com o princípio de formação de profissionais qualificados para as tarefas criadas por uma economia em franca expansão, sem prejuízo, no entanto, da possibilidade de transferência para a Universidade dos diplomados pelas restantes escolas de nível superior.
A obra em perspectiva, nalguns pontos já em curso, merece o apoio incondicional de todos nós. Até porque uma coisa é programar, mesmo legislar, e outra, bem diferente, é executar. Não esqueçamos que em 1970 cerca de 50 % das nossas crianças ainda não usufruíam da escolaridade obrigatória, e já nos preparamos para instituir a sua extensão para oito anos.
Sofrendo-se as consequências de não se ter planeado e realizado em tempo mais oportuno, a explosão escolar acentuou-se e não tem sido possível construir edifícios e formar professores ao mesmo ritmo. É insofismável o incremento do ritmo de construção, já no âmbito da reforma. Todavia, mesmo que o ritmo actual fosse duplicado, só em 1977 ficaria concluído o plano de construções previsto para execução até 1970. A manter-se o mesmo ritmo, o referido plano só ficará concluído em 1984. Em dez anos, construiu-se uma Universidade, tendo em igual período a frequência do ensino superior aumentado cerca de 60 %.
As estatísticas indicam que só na metrópole existem quase 3 500 000 portugueses com menos de 20 anos. Em 1970, a população escolar era de 1 265 000, contra
1 112 000 em 1960 e 649 000 em 1950. Verifica-se, deste modo, um aumento substancial, pràticamente de 100 %, no espaço de duas décadas.
Entretanto, as previsões são cada vez mais optimistas, no que respeita à frequência escolar. Assim, o alargamento da escolaridade obrigatória para oito anos permite prever que, em 1980, teremos nas nossas escolas 1 900 000 alunos, ou seja, mais 350 000 do que actualmente; no ano lectivo de 1970-1971 frequentaram as Universidades da metrópole 43 000 alunos, prevendo-se que esse total, superior em 70% ao de 1964-1965, com a expansão a acentuar-se, atingirá 124 000 em 1980, o que nos dá bem a ideia da grandeza da obra a realizar, em matéria de instalações e formação de docentes, e do esforço financeiro a empreender, que totalizará 4 000 000 de contos só para construções e equipamentos dos estabelecimentos já anunciados para o ensino superior, assumindo o seu pleno funcionamento encargos anuais da ordem dos
2 600 000 contos.
Relativamente ao distrito que representamos, onde a explosão escolar é também um facto consolador, são igualmente inúmeras as dificuldades a vencer. Só no ensino primário existem 313 lugares criados sem sala própria, funcionando em regime de curso duplo, duplicando, portanto, o total de classes afectadas por falta de instalações.
Todavia, é verdadeiramente notável o programa de trabalhos para execução a curto prazo, abrangendo todos os graus de ensino, compreendendo a criação de novas escolas do ciclo preparatório e secundário, implantação da Telescola, instalação da Escola Normal Superior e impulsionamento do Instituto Politécnico, revisão da orgânica da Academia de Música e Belas-Artes, em conformidade com a reforma do ensino e oficialização dos cursos que ministra, e montagem de um serviço de transportes escolares.
Todo este exaustivo programa, que foi recentemente objecto de estudo por uma comissão do Ministério da Educação Nacional, reunida com a Comissão de Planeamento da Região da Madeira, envolvendo encargos de muitas dezenas de milhares de contos, largamente comparticipados pela Junta Geral, traduz, de forma altamente meritória, a resposta imediata do nosso primeiro corpo administrativo ao gesto magnânimo do Governo, libertando-o, como aos seus congéneres insulares, dos encargos com os professores, conforme oportunamente aqui referimos.
Por outro lado, é também de salientar o substancial aumento do montante destinado a bolsas de estudo, passando de 662 000$, em 1969, para 2 000 000$, no ano económico em curso, critério digno de aplauso,
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sendo de prever que, com a entrada em funcionamento da já criada Procuradoria dos Estudantes das Ilhas Adjacentes e seu programa de apoio social, será possível elevar expressivamente o número de estudantes madeirenses no ensino superior ministrado no continente.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Eis alguns exemplos que traduzem, de forma insofismável, o poder de realização de que muitos não nos julgariam capazes, para mais ocorrendo numa altura em que o País se bate na defesa da integridade do seu território e promove programas de desenvolvimento económico e social em todo o espaço metropolitano e ultramarino!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O corpo discente é a parte mais fundamental numa reforma tão profunda. Precisamente por isso, é desde cedo que para ele temos de olhar, evitando-se desvios perniciosos, podendo mesmo afirmar-se que difìcilmente poderá haver efectiva democratização do ensino no seio de uma sociedade em que é ainda profundo o desequilíbrio económico, sendo de 15 000$ anuais a capitação média, havendo mesmo regiões em que não vai além dos 10 000$, como é o caso da Madeira. Impõe-se, assim, intensificar o apoio à estrutura familiar, de modo que pais e filhos sejam beneficiados com medidas eficazes no que respeita à garantia de condições de vida, susceptíveis de vencerem as barreiras actualmente existentes.
Do conjunto de medidas que se consideram indispensáveis salienta-se o apoio à infância, cuja política tem de ser devidamente integrada em programas de âmbito global, nos domínios da saúde pública e de acção social e educativa, cobrindo todas as suas necessidades (de nutrição, sanitárias, sociais e educativas) e acompanhando as diferentes etapas da sua existência (desde a concepção até ao fim da adolescência), definindo-se prioridades e assegurando-se a presença de pessoal qualificado, indispensável ao normal funcionamento das estruturas criadas.
Como já tivemos oportunidade de salientar, não existe equipamento oficial, ao nível do Ministério da Educação Nacional, destinado à primeira infância, surgindo agora essa preocupação, mas ainda com carácter facultativo. E compreende-se, pois, calculando-se a partir dos efectivos populacionais residentes no continente e nas ilhas adjacentes, cerca de 1 200 000 crianças em idade pré-escolar, em 31 de Dezembro de 1970, um plano global que assegurasse a cobertura da metrópole seria constituído por 8000 infantários e jardins-de-infância, cujas infra-estruturas custariam 24 000 milhares de contos.
O enfraquecimento das estruturas familiares tradicionais marca fortemente a infância e juventude do nosso tempo e é acompanhado de um número crescente de crianças abandonadas, a favor das quais têm de ser tomadas urgentes medidas preventivas e curativas. Aliás, a política social do Estado está consubstanciada em legislação que, atingindo nos sectores básicos toda a população, para efeitos de cobertura em saúde e equipamento social, fundamenta toda a sua programação no apoio à família, que é a célula da vida nacional.
Definições doutrinárias e necessidades prementes acabarão por consentir a validade e urgência da democratização do sector de equipamentos sociais para a infância. No prosseguimento da política familiar, favorecendo equipamentos para a primeira infância, a acção dos serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência tem-se traduzido, sem perder de vista a unidade educativa, na instalação programática de centros de bem-estar infantil — infantários e jardins-de-infância —, a um ritmo que poderemos considerar animador, e no apoio técnico e financeiro ao equipamento desta natureza, de carácter privado, abrangendo neste momento um total de 430 unidades, que asseguram, aproximadamente, uma cobertura de acção para 30 000 crianças.
Como aspecto deveras preocupante, na execução da política em que estamos empenhados, ressalta a necessidade de equacionamento da problemática da infância e juventude carecidas de meio familiar. Já não serve a solução tradicional do internamento no velho asilo, sustentado pelo favor da esmola. Definições, hoje bem claras, que o Governo teve a coragem de formular limitam ao mínimo indispensável a existência de equipamentos em regime fechado — internatos — e exigindo sempre destes um funcionamento que os aproxime de autênticos lares, evitando-se actividades internas que devam ser processadas ao nível das estruturas da comunidade.
Por outro lado, o fortalecimento das soluções de prestação de apoio à infância carecida, através dos processos de adopção ou colocação familiar, está a ser alvo de estudos aturados, na convicção de que é de incentivar, com a introdução de melhorias técnicas adequadas, a acção já desenvolvida nesta matéria.
Acima de tudo, e como ponto fulcral de toda a acção técnica a promover, urge dar cumprimento exaustivo a recentes decisões no sentido de que toda e qualquer criança carecida de apoio específico seja bem estudada, para o encaminhamento ser correcto, cabendo a um corpo técnico de competência nacional a atribuição de se pronunciar quanto ao decurso do processo e às reciclagens de que o mesmo careça. Em suma: exige-se o diagnóstico e formação global e consentânea com as possibilidades intrínsecas de cada criança.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — No que concerne às crianças e adolescentes afectados por diminuições sensoriais, intelectuais e motoras, aspecto a que o Ministério da Educação Nacional se propõe dedicar maior atenção, também não podemos deixar de fazer referência ao relevante esforço desenvolvido pelo Ministério da Saúde e Assistência.
De salientar, entretanto, que também neste sector está bem vincada a intenção de proporcionar a vida escolar dos diminuídos em regime de integração com as crianças regulares, sem prejuízo da rigorosa observância da formação específica, quando indispensável, em centros apropriados.
Para um total de 1050 crianças surdas, dispõe-se de dez estabelecimentos, com capacidade para 964. Assim, a percentagem de cobertura é de 79%, prevendo-se que, com a entrada em funcionamento, até final do corrente ano, de três novas unidades se conseguirá uma taxa aproximada dos 100%.
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Para cerca de 1150 crianças cegas, nove estabelecimentos asseguram a educação de 460, ou seja uma percentagem de 69%, devendo atingir-se, ainda este ano, 88 %, com a inauguração de mais três unidades.
Finalmente, para um total de 5400 crianças diminuídas intelectuais de escalão médio, calculado para o País, existem vinte quatro instituições, que permitem contemplar 1642 casos, sendo de 21 % a percentagem de cobertura, prevendo-se até Dezembro próximo o atendimento de 2000, equivalente a uma taxa de 37 %.
Como referimos, estes números respeitam exclusivamente a deficientes intelectuais considerados de nível médio, não passíveis, de momento, de educação em classes especiais, mas também não só do foro psiquiátrico.
Considera-se que a percentagem de débeis escolarizáveis, segundo estudos levados a efeito pela Organização Mundial de Saúde, oscila entre 3% e 5% da população infantil. Tenha-se presente que, no ano lectivo em curso, o Ministério da Educação Nacional mantém em funcionamento 105 classes especiais, distribuídas por dez distritos, mas cabendo 63 e 18 só a Lisboa e Porto, respectivamente. No conjunto, uma cobertura apenas de cerca de 1500 casos.
Todavia, se considerarmos o ensino não como uma corrida de obstáculos, com eliminação progressiva dos mais fracos, mas como um verdadeiro recuperador social, na feliz expressão de Henri Wallon, embora difícil de atingir uma cobertura total — situação, aliás, comum à maioria dos países —, tudo leva a crer que, com as medidas tomadas no campo da educação, designadamente em consequência da reforma em debate, e generalização das estruturas destinadas à primeira infância, diminuirá substancialmente o elevado número de crianças que hoje arrastam consigo o estigma da deficiência intelectual.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vamos concluir a nossa intervenção, acentuando que «a ímpar tarefa da educação nacional é preparar a grande massa dos cidadãos para a via da liberdade responsável», como há dias afirmava o Ministro Veiga Simão, grande obreiro da reforma em curso, numa cerimónia pública em que evidenciou «o total apoio e forte incentivo que o Chefe do Governo vem dispensando ao Ministério da Educação Nacional, a qual acompanha dia a dia com desvelado carinho e adesão permanente». Aprovamos na generalidade o projecto de reforma do sistema educativo, aplaudindo com entusiasmo o Governo de Marcelo Caetano!
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Ao abrigo do disposto no § 2.° do artigo 24.° do Regimento, desdobro este período da ordem do dia.
A discussão em desdobramento da ordem do dia continuará às 21 horas e 45 minutos.
A sessão foi interrompida às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão. Eram 21 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Em desdobramento da ordem do dia desta tarde, continua a discussão na generalidade da proposta de lei de reforma do sistema educativo. Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Veloso.
O Sr. Ribeiro Veloso: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Meditei muito sobre se devia ou não intervir no debate sobre a proposta de lei n.° 25/X, relativa à reforma do sistema educativo, pela razão de que a contribuição que trago resulta quase sòmente do modo como reagiu a minha sensibilidade à leitura dá proposta e dos pareceres que sobre ela expenderam, não só a Câmara Corporativa, como também a Comissão de Educação da Assembleia Nacional. Tratando-se de matéria tão delicada e tão especializada, à qual cérebros privilegiados de pessoas extraordinàriamente cultas dedicaram horas de intensa meditação e labor, parecia-me ser estulto vir aqui, pobre deste saber, dizer o que me parece bem ou me parece mal sobre o magno problema nacional, que é a reforma do sistema educativo.
Magno problema nacional, disse eu, porque dele depende cada vez mais a vida da Nação.
Passaram os dias em que um rei inteligente, acompanhado de soldados incultos, mas valentes, levava de vencida as hostes adversas; passaram os dias em que o homem só por ser fisicamente forte tinha garantido o pão dos seus e estão chegados os dias em que a ignorância é, para qualquer, um válido passaporte para a miséria. Um país de pessoas incultas não pode ser um país evoluído, já que tem forçosamente de caminhar na cauda da civilização e terá de apanhar, nessa posição da retaguarda, os sobejos de tudo quanto aos outros não interessa.
E se para muitos povos isso é indiferente por estarem ainda numa fase de insensibilidade, outro tanto a nós não acontece, pois que já estivemos numa posição de vanguarda quanto à educação e fomos um dos centros do Mundo na irradiação de cultura. E exactamente porque não somos dos de nos embotar, porque somos um povo capaz, sofremos ao vermos que outros povos, com tradições idênticas às nossas, vão caminhando com passo mais estugado e, sem destruírem a moral e os princípios de educação que lhes foram legados pelos seus antepassados, se encontram hoje mais próximos do que nós da posição em que todos serão bafejados pelo sol.
Ao dizer isto tenho presente que somos cerca de 25 milhões de portugueses, distribuídos pelas diversas partes do mundo português. De entre esses saliento os adultos, a quem queremos Ver felizes nas suas terras, em ambientes sem poluição atmosférica e moral, vivendo do trabalho honesto sem receio do dia de amanhã, e igualmente saliento as crianças e adolescentes, que nas mais variadas escolas do País, modestas no aspecto, se disso resultarem economias, mas ricas na substância quanto a apetrechamento docente e material, deverão adquirir com alegria e com interesse o saber indispensável, não só para a obtenção de boa produtividade, seja qual for a actividade a que posteriormente se venham a dedicar, mas também para os tornar elementos responsáveis e permanentemente interessados no progresso da sociedade a que todos pertencemos.
Poderá parecer a muitos dos adultos que nada lhes compete nem competirá fazer para que os seus filhos surjam como elementos válidos da sociedade e sejam
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orgulhosos dos seus progenitores. Esses não são os que poderão remirár-se com orgulho nos seus filhos, já que o seu egoísmo pessoal os levou e levará a agir sempre como meros e indiferentes espectadores, sem nada lhes sacrificar no seu dia a dia, sem lhes dar ao menos o carinho e a ternura quando crianças e o exemplo de uma vida digna quando adolescentes.
Para além destes casos graves outros há, naturalmente, e afinal em todos os casos terão de ser as escolas a suprir as deficiências dos agregados familiares, para que essas numerosas crianças e esses mesmos adolescentes se desenvolvam com perfeita saúde mental e possam ser no futuro óptimos elementos da sociedade.
E quanto a mim considero que, se é muito importante que todas as crianças e adolescentes venham a ter na escola boa formação profissional, é fundamental que venham a ter óptima formação de carácter e de consciência cívica e, bem assim, de todas as virtudes morais. A orientação da formação moral e cívica deverá estar sempre desligada da orientação religiosa, pois, se esta depende da opção da família e acaba por ser facultativa, o mesmo não pode acontecer com a formação moral e cívica, que deverá ser sempre obrigatória. E, fazendo parte dessa educação cívica, esta a igualdade de tratamento para todas as crianças, seja qual for a condição social a que pertençam. Qualquer desigualdade só poderá existir em resultado do comportamento e da inteligência de cada criança, pois aceito que seja justo que as melhores sejam distinguidas para exemplo e incentivo das restantes, desde que haja o cuidado de evitar que a vaidade que daí lhes resulte as torne impertinentes.
Com escolas em número suficiente e nelas prolongado tempo de permanência das crianças, teremos uma juventude com boa educação de base que lhe permitirá singrar fàcilmente na vida, através dos escolhos que ela lhes apresente. Quando refiro a escola, tenho em mente a «unidade» onde se ministra a educação; e essa unidade compreende, como não podia deixar de ser, tudo quanto é necessário para que a educação possa ser ministrada em boas condições. Ali o fundamental é o corpo docente, pois sem ele a escola não existe. Aceito que possa haver escolas sem alunos, mas já não aceito que possa haver escolas sem professores, e, para que os professores existam, é fundamental que a sociedade se compenetre de que está neles a chave da Nação.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: — Muito bem!
O Orador: — Há assim que dar ainda mais prestígio pessoal ao professor, com real posição de realce na sociedade e remunerando-o convenientemente, de modo que ele se possa dedicar totalmente ao seu mister sem preocupações monetárias.
E, além de tudo isto, há não só que estimular o interesse do aluno em obter a graduação de professor, seja qual for o nível que se considere para o docente, como ainda evitar desanimar o mesmo professor, colocando ao lado dele, na mesma condição de realce e de remuneração, qualquer indivíduo sem qualificação oficial para ensinar.
Todos compreendem que, numa situação transitória, dada a exiguidade que há de professores, se admitam como agentes de ensino quaisquer indivíduos
com algumas habilitações; mas já se não pode compreender que a retribuição do qualificado e do não qualificado seja a mesma, e a sua posição provisória se torne definitiva, pois com isso não só se provoca o desinteresse de quaisquer em concluir os cursos, como também o desinteresse dos que já os têm, em exercer o professorado. E exactamente porque há carência de professores, tem especial interesse para o ultramar a criação de escolas secundárias polivalentes, pois elas irão permitir a existência de estudos diversos em todas as cidades, com reais vantagens para os alunos, que assim poderão escolhê-los de acordo com as suas capacidades e tendências. Mas também disso advirão vantagens para a Nação, porque, evitando-se que os alunos sigam carreiras para as quais não se adaptavam as suas capacidades e tendências, estamos a evitar que haja inadaptados, no futuro, nas diversas profissões, ou seja que haja no futuro maus profissionais.
O Sr. Peres Claro: — Muito bem!
O Orador: — E concordo inteiramente que haja total permeabilidade dos cursos respectivos, para que, sem prejuízo da devida valorização dos estudos já realizados, os alunos possam mudar de via escolar e seguirem exactamente a carreira que melhor se lhes adapte.
Estamos á falar sòmente quanto ao futuro e convirá também que se fale quanto ao presente, sem esquecer de modo algum o passado. E nestas circunstâncias, julgo que na futura lei terá de haver uma disposição transitória que preveja virem a ser devidamente valorizados todos os cursos existentes, médios e superiores, ligados aos anos de bom trabalho que cada indivíduo possua na respectiva profissão. É um património que a Nação possui e de que nos não podemos alhear. Isto tem especial interesse para os diplomados com cursos médios, como, por exemplo, os agentes técnicos de engenharia, alguns dos quais exercem, inclusivamente, funções docentes há largos anos nos diversos estabelecimentos oficiais.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Essa valorização a que me refiro deverá permitir-lhes, após uma determinada complementaridade, obter a respectiva licenciatura.
Sobre o modo como se prevê seja feito o ingresso nas Universidades nada tenho, em princípio, a objectar, parecendo-me, contudo, que poderia ser feita uma ligeira alteração. Assim, está previsto que qualquer aluno que complete o curso complementar do ensino secundário, sem ter obtido as classificações mínimas no grupo de disciplinas nucleares, conforme o curso superior que pretender frequentar, não poderá matricular-se na Universidade.
Poderá, contudo, com as mesmas habilitações, fazer exame de admissão à Universidade quando for maior de 25 anos, tal como os que disponham de qualificações académicas muito mais reduzidas. Isto significa que um aluno por lhe faltar na sua média 1, 2 ou 3 valores, terá de esperar seis, sete ou oito anos para poder fazer exame, no qual revele se possui ou não nível cultural adequado ao efeito. Ora,
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a alteração que me parece impor-se, é a de autorizar os alunos que ao completarem o curso complementar fiquem nesta situação a fazer exame de admissão juntamente com os maiores de 25 anos, seja qual for a idade que possuam.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: Cheguei ao fim das minhas considerações, mas, antes de terminar, quero afirmar que, para mim, esta proposta de lei é, de entre as que o Governo apresentou nesta legislatura à Assembleia Nacional, das que maiores reflexos terá na vida da Nação, pelo que merece o Governo, em especial o Sr. Ministro da Educação Nacional, as minhas felicitações. Também à Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais da Assembleia Nacional, em especial aos seus ilustres presidente e relator, desejo manifestar todo o meu apreço pelo relatório apresentado.
Finalmente, Sr. Presidente, resta-me afirmar que é com muito prazer que dou à proposta de lei em discussão, relativa à reforma do sistema educativo, a minha aprovação na generalidade.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Mota Amaral: — Sr. Presidente: Vai longo o debate e desta tribuna foram já ditas pràticamente todas as palavras possíveis, de elogio e de crítica, à proposta de lei de reforma do sistema educativo, agora em discussão. Tendo, porém, interpretado desde o início o mandato que em 1969 me foi conferido pelo eleitorado do distrito autónomo de Ponta Delgada como uma clara e inequívoca opção reformista, achei por bem não me dispensar de intervir neste debate.
Está a Câmara bem lembrada dos termos substanciais da consulta eleitoral de há quatro anos. A Nação votou, nessa altura, pela política do progressivo desenvolvimento e crescente autonomia das províncias ultramarinas e também pelas reformas necessárias ao fomento do País, à promoção social e ao bem-estar dos Portugueses, feitas com resolução, com firmeza e segurança, num clima de ordem e de paz social. Foi exactamente nestes termos que o Chefe do Governo se dirigiu ao eleitorado nas vésperas da abertura da campanha de 1969 e a resposta por este dada não pode deixar de se considerar impressiva.
Também em Ponta Delgada essas mesmas linhas de opção foram as preferidas, com expressa rejeição das que se lhes opunham. E, assim, porque entendo como representativa a função desta Câmara e democrática a origem do poder que os seus membros exercem, tenho tomado sempre em consciência o partido da reforma e pugnado pelas mudanças a introduzir na sociedade portuguesa e nas instituições que a regem, umas vezes de acordo com o Governo — e aqui sublinho o que se refere à questão do ultramar, tão magistralmente sintetizada pelo Sr. Presidente do Conselho no discurso de 15 de Janeiro passado —, outras vezes indo para além das suas propostas, outras ainda em discordância frontal com as orientações por ele perfilhadas.
Coerente com este modo de proceder, aqui estou, Sr. Presidente, para dar o meu apoio à reforma do sistema educativo que o Governo em boa hora deliberou empreender. A educação, a preparação dos Portugueses — de todos os portugueses, qualquer que seja o lugar onde nasceram e a condição sócio-económica da família que os trouxe ao mundo —, a preparação dos Portugueses, dizia, para enfrentarem os desafios que as exigências do progresso nos vão apresentando, constitui, na verdade, tarefa prioritária, que me atrevo a qualificar como de verdadeira salvação nacional.
A política educativa posta em prática entre nós a partir da década de 30 partia do princípio que saber ler, escrever e contar seria o suficiente para a maior parte dos portugueses, como se lê em diplomas legais da época (Decreto-Lei n.° 26 611, de 19 de Maio de 1936, e Decreto-Lei n.° 27 279, de 24 de Novembro do mesmo ano).
Dentro desta linha de pensamento, para a menor parte dos portugueses previa-se o acesso ao ensino secundário, concentrado nos centros urbanos e separando com rigidez ensino liceal e ensino técnico, aquele orientado puramente para o acesso ao ensino universitário, desgarrado da vida prática e das necessidades de uma possível inserção no trabalho profissional, e este concebido predominantemente como forma de preparar empregados e operários com remotas possibilidades de mais tarde chegarem ao ensino superior. Só um número ínfimo de estudantes (menos de 3 % do respectivo grupo etário) atingia a Universidade, instituição dominada por preconceitos elitistas, trampolim de acesso aos postos de poder económico e político.
Em toda esta estrutura o Estado procurava garantir o monopólio: a iniciativa privada, penhor da efectiva liberdade de ensino, não se incentivava e os apoios porventura dados mantinham o custo do ensino particular em níveis absolutamente discriminatórios.
Ora, quanto a mim, foi esta política educativa, excessivamente conservadora, mesmo apesar das sucessivas correcções que lhe foram introduzidas, um dos principais factores da situação de atraso sócio-económico e político em que nos encontramos. A maior riqueza de um país é o povo que o forma, e é pelo seu nível educativo que antes de mais se escalonam as nações.
Urge, portanto, Sr. Presidente, quebrar continuidades e inovar com audácia também no campo da educação nacional. Neste sentido arduamente tem trabalhado o Governo de Marcelo Caetano, cumprindo sublinhar o dinamismo do Ministro Veiga Simão e da equipa que soube constituir.
Na verdade, nunca, como nos últimos anos, se assistiu à criação e entrada em funcionamento de tantos estabelecimentos de ensino; nunca, o aparecimento de tantos novos cursos superiores e a reforma dos existentes; nunca, uma tão grande — embora ainda insuficiente— actividade no campo da acção social escolar, acompanhada de esclarecida política de juventude; nunca, a mobilização de tantas energias e recursos humanos e financeiros em favor da educação!
Dirão alguns que todas estas alterações se situam num domínio quantitativo, e que conduziram afinal a uma quebra, em todos os níveis, da qualidade do ensino entre nós ministrado. Mas resta saber se seria possível, sequer, evitar essas medidas quantativas face à espectacular, e aliás desejável, «explosão escolar»
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dos últimos anos, e se a defesa da qualidade — e existiria, de facto, qualidade apreciável na situação anterior? —, encarada sob uma perspectiva não realista que ignora os inevitáveis balanços da adaptação a circunstâncias novas, não seria afinal o caminho mais directo para o marasmo educativo. Temos de aceitar o desafio da expansão do ensino!
O esforço até aqui feito processou-se, porém, Sr. Presidente, ao abrigo das antigas estruturas educativas, estruturas inadequadas que exigem uma profunda reforma. É chegado o momento — tardio, muito embora — de a ela proceder.
Em que sentido? Com que intenções? As respostas dadas pela proposta de lei do Governo não podem deixar de ser consideradas, quanto a mim, como francamente positivas.
Em primeiro lugar, temos o estabelecimento de efectiva igualdade de oportunidades. De modo realista, exigindo a cooperação dos sectores público e privado, prepara-se a oficialização da educação infantil, instrumento poderoso, na nossa fase de desenvolvimento, para a correcção das gritantes diferenças nas situações em que, à entrada na escola primária, as crianças provenientes de diferentes camadas sócio-culturais começam a receber a influxo da aprendizagem escolar. Por outro lado, a criação de um tronco unificado de ensino básico obrigatório de oito anos facilitará que, independentemente da sua origem, as crianças, todas as crianças portuguesas, possam ser educadas com idêntica preocupação de exigência, favorecendo-se a inter-relação social e a saudável convivência de todos, sem discriminações.
Estaremos então a caminho de um processo de igualitarização? A minha resposta é negativa. A igualdade de oportunidades, a democratização do ensino, diz respeito às relações entre educação e origem social dos alunos. Mas o próprio processo educativo terá de favorecer as diferenças de aptidões, de talentos de cada um, ajudando a desenvolvê-los até ao máximo das possibilidades. Também em tal sentido aponta a proposta de lei, ao proclamar que o desenvolvimento de um espírito criativo em cada aluno é justamente um dos objectivos a prosseguir. Num país como o nosso, em que o monolitismo político-social se salda numa reduzida capacidade de inovação, a súbita apreensão do sentido desse conceito fundamental que se chama criatividade aparece-nos como instrumento-chave para a geração de uma mentalidade aberta ao pluralismo, à diferença de perspectivas, à diversidade de opiniões. Que tal é condição imprescindível para a instauração de uma verdadeira sociedade democrática, é facto que a ninguém passa desapercebido — e talvez explique mesmo algumas das oposições manifestadas à reforma.
Depois do ensino básico, surge-nos um ensino secundário polivalente, a acabar com a segregação, entre os adolescentes, que decorre da existência, como dois ramos separados, do ensino liceal e do ensino técnico. Aberto às realidades da vida, proporcionando elementos para uma maior adaptação a ela, mas sem a marca atrofiante de uma especialização profissional prematura, o novo ensino secundário preparará os jovens portugueses para escolher, para optar, e, ainda, para conviverem, com opções diversas, na mesma escola. Julgo não me afastar da opinião avisada de especialistas na matéria, ao afirmar que Portugal passará a dispor de estruturas de ensino secundário que são das mais avançadas da Europa.
O Sr. Alberto de Alarcão: — Muito bem!
O Orador: — Prudentemente, o Governo procurou evitar a tentação de substituir os pesados esquemas do ensino técnico tradicional, aliás de funcionalidade discutível, por outros de idêntico recorte. Os cursos de iniciação e formação profissional não podem, na verdade, ser concebidos como uma peça do sistema escolar: se o forem, não servirão, efectivamente, a flexibilidade que é requerida pela preparação directa para o exercício de profissão. A responsabilidade que o Ministério da Educação neste campo se propõe assumir não pode ser vista senão à luz de uma colaboração estreita com os sectores responsáveis pela política de emprego e com as próprias empresas. Por tudo isso, não se poderá nem se deverá considerar que. o sistema escolar vise, na sua totalidade, como objectivo genérico, garantir uma formação profissional. Deverá prepará-la, tê-la em conta; proceder de outro modo seria estabelecer novas vias de discriminação dentro do próprio sistema.
E chego assim, Sr. Presidente, ao último ponto que queria frisar, comentando as grandes linhas da proposta de lei em discussão. Respeita ele ao ensino superior.
O esquema apresentado corresponde, no dizer de uma organização internacional tão prestigiada como é a O. C. D. E., a uma visão eminentemente moderna do ensino pós-secundário.
O ensino superior não pode reduzir-se às Universidades. A criação de novas instituições, designadamente específicas do chamado «ensino superior curto», é, portanto, fundamental. Mas é também fundamental evitar que elas sejam consideradas como uma espécie de estabelecimentos de ensino «superior-inferior». Certa está, portanto, a proposta do Governo ao afirmar que elas concederão, tal como as Universidades, o grau de bacharel e que a continuação de estudos a partir da obtenção deste será em geral possível na própria Universidade, para a licenciatura. Não duvido de que fica assim lançado um sério repto à capacidade da instituição universitária para diversificar internamente a sua actividade.
Alega-se, por vezes, que a inclusão do bacharelato nas Universidades contribui para a massificação. Por mim, não vejo como, embora esteja de acordo em que é preciso desmassificar a Universidade. Aliás, o que está em causa não é apenas a desmassificação da Universidade. Ou será que ela deve ser feita à custa da massificação de outras instituições? Ou será que rejeitamos a massificação da Universidade, no que ela significa de despersonalização, para a aceitarmos na escola primária ou secundária, ou em qualquer outra instituição educativa? O que está, efectivamente, em causa é que cada estabelecimento de ensino tenha o número de alunos proporcionado aos seus recursos físicos e humanos. Daí a necessidade de um esforço constante de preparação de professores e instalações a todos os níveis.
Quanto à Universidade, entendo que se deverá ampliar a sua capacidade para o exercício da missão que lhe corresponde e esta tem muito que ver com a investigação científica. Dar à Universidade instrumentos para
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que ela a realize, com um sentido de verdadeiro interesse científico e nacional, parece-me imprescindível. Mas, conceder-lhe, a partir daí, um estatuto privilegiado, quer institucional, quer social, já me parece de todo inconveniente, se quisermos um país onde as elites valham por si, e não pelo selo da instituição onde se graduaram.
E qual o papel das Universidades na formação de professores? A Universidade não pode esquecer que o País se defronta com um grave problema educacional: tem de o ajudar a resolver. A proposta de lei indica que os professores do ensino secundário deverão licenciar-se nos ramos educacionais correspondentes à sua formação científica. Parece-me realista esta posição: estabelecer novas exigências — cujo fundamento é, de resto, discutível, pois se baseia, sobretudo, num critério de anos de estudo — para os professores do curso complementar do ensino secundário, como se alvitra no voto não unânime da Câmara Corporativa, parece-me absolutamente desaconselhável. Seria repetir o erro de uma política restritiva no recrutamento de professores do ensino secundário, responsável, em boa parte, pela situação do colapso a que chegámos e que tanto tem custado emendar.
Falta uma referência final aos valores, aos padrões éticos da reforma em apreciação. É ponto da maior importância, sabido como é que a estrutura de um sistema educativo é apenas um quadro susceptível de receber conteúdos diversos. A proposta de lei do Governo, constituindo embora uma salutar revolução no nosso panorama educativo, contém elementos bastantes para uma segura opção por parte da Câmara, no sentido da inserção dos valores que a hão-de informar na mais viva e autêntica tradição nacional. Neste sentido apontam referências constantes à educação moral e religiosa, ao amor da Pátria, às virtudes da vida de relação social, do trabalho, da honestidade intelectual. Assim se saiba orientar a formação de professores, bem como a elaboração de programas e manuais.
Sr. Presidente: Alarguei-me muito para além do que era primitivamente minha intenção, tal a transcendência dos temas em debate. É já tempo de concluir, mas não o quero fazer sem algumas breves considerações mais.
O próprio facto de as bases de reforma do sistema educativo constarem de proposta de lei submetida à apreciação da Assembleia Nacional merece realce. Por forma bem diferente se passaram as coisas quando foi da publicação do Código Civil, nos últimos anos da era salazariana. Diploma fundamental para a vida da sociedade portuguesa, para ele só procurou nesta Câmara o «unânime silêncio ratificador», como se exprimiu o Deputado que então estabelecia as ligações entre ela e o Governo.
O Sr. Alberto de Alarcão: — Muito bem!
O Orador: — Estamos, pois, agora face a um outro conceito de equilíbrio dos dois órgãos da soberania, Assembleia Nacional e Governo, conceito este, quanto a mim, passível de amplos desenvolvimentos, exigidos aliás por uma sociedade em mudança, que se quer ver efectivamente reflectida nos processos da sua governação.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Intervém assim a Assembleia Nacional na elaboração de uma das mais decisivas reformas até aqui empreendidas pelo Governo de Marcelo Caetano. Em torno da reforma do sistema educativo convergem as melhores e mais ardentes esperanças dos Portugueses. Que não se possa dizer que esta Câmara defraudou as aspirações do País, recuando face às intenções reformistas da proposta emanada do Governo! Interessa demonstrar claramente que a Assembleia Nacional está do lado da reforma, do lado do progresso, sem conservadorismos estéreis, sem tibiezas, sem receios injustificados, com bom senso, com ousadia, com sentido do futuro.
É por isso que eu dou, Sr. Presidente, à proposta de lei em discussão a minha aprovação na generalidade.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O Sr. Henriques Carreira: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já foram largamente sublinhadas, nesta Assembleia, a importância e o significado da proposta de lei sobre a reforma do sistema educativo e posto em relevo o papel dinâmico que o Sr. Ministro da Educação Nacional, com o clarividente apoio do Sr. Presidente do Conselho, tem tido no processo de alteração das estruturas do ensino em Portugal, relativamente às quais a proposta, agora apresentada pelo Governo, quando convertida em lei, conforme esperamos, -passará a ser pedra ou legislação base sobre a matéria.
Mas, justamente, essa importância e transcendente significado tornam particularmente imperioso o dever de secundar essas vozes e aplausos e dar pleno apoio ao espírito da reforma proposta. Mas a um tempo impõe-se tomar posição relativamente a certos aspectos dela, sobretudo no que toca a certas modificações materiais, sugeridas pela Câmara Corporativa, e que, em parte, tiveram o apoio da nossa Comissão de Educação Nacional, modificações essas que, de alguma maneira, nos parecem um recuo — conforme, aliás, escreveu também o Sr. Procurador Sedas Nunes na sua declaração de voto — perante a modernidade e progressividade do projecto apresentado pelo Ministro Veiga Simão. Daí o motivo desta minha intervenção.
É do conhecimento geral que a chamada «batalha da educação» diz respeito a um problema que não é puramente sectorial. «Valorizando intrìnsecamente o homem, aumentando os meios de acção ao seu dispor, o sistema educativo, como já se escreveu no relatório de um plano de fomento (Projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, vol. 1.º, p. 442), contribui para intensificar e aperfeiçoar o potencial produtivo da população.»
Ora, neste momento, em que Portugal reforça o seu modo de ser em duas frentes, mergulhado nos seus problemas do ultramar, por uma guerra que nos foi imposta, mas, no entanto, sem deixar de tomar posição face à sua integração na Europa e no Mundo, o aumento desse potencial produtivo da população torna-se particularmente necessário e prioritário.
Poucos que somos, temos, para sobreviver com dignidade, de compensar-nos pela qualidade, potencia-
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lizando as virtualidades das nossas aptidões naturais, pelo desenvolvimento do ensino a todos os níveis, tornando-o acessível a cada um dos Portugueses — sem excepção que não seja a dos seus méritos —, o mais cedo, ao nível mais elevado e permanente que seja possível.
Ora, é neste espírito que, em nosso entender, se integra a proposta de lei submetida a esta Assembleia: desde a definição dos princípios fundamentais do sistema educativo ao articulado sobre educação pré-escolar, escolar, preparatória, secundária, formação profissional, bem como o relativo ao ensino permanente, superior e de pós-graduação.
É certo que, com tudo isto, deixaram ainda de se considerar alguns problemas importantes, como, por exemplo, o da autonomia de certos níveis de ensino, ou o da participação no seu governo de quem o frequenta ou nele está directamente interessado. Mas bem se compreende que assim seja, numa proposta..que visa uma articulação de todo o sistema educativo, que não permite descer ao tratamento de aspectos particulares de certos dos seus graus ou níveis, aliás com carácter «sensível» e onde predominam coordenadas de oportunidade e de tipo político-social, que melhor cabe serem reguladas nos diplomas que venham a ser promulgados na execução da lei proposta (base XXV).
Por outro lado, haverá que reconhecer que, em alguns aspectos, as alterações formais e sistemáticas sugeridas pela Câmara Corporativa e pela nossa Comissão terão concorrido para o aperfeiçoamento da proposta.
Já, porém, não merecem o nosso pleno apoio certas alterações materiais ou de doutrina sugeridas pela Câmara Corporativa e pela Comissão de Educação.
Claro que não será possível nesta intervenção tratá-las a todas.
Quero, porém, chamar a atenção para três grupos de problemas que parecem muito importantes:
a) O primeiro, é o relativo à definição da Universidade na base XIII do parecer da Câmara Corporativa;
b) O segundo, diz respeito à concessão de graus no ensino superior;
c) O terceiro, refere-se às condições de acesso aos cursos de formação para o ensino secundário.
Comecemos pelo último [alínea c)]: é por todos os lados reconhecida a importância, no plano do ensino, da formação dos agentes educativos. É com grande largueza de vistas, a proposta considera, a este respeito, não só a sua formação inicial, mas também a sua formação permanente.
E, em larga medida, os cursos de formação e as condições do seu acesso aos agentes educativos coincidem na proposta do Governo e nas sugestões da Câmara Corporativa e da nossa Comissão de Educação. A coincidência não é, porém, total. Na verdade, por exemplo, enquanto nos termos do n.° 2 da base XXI da proposta do Governo têm acesso aos cursos dos institutos de educação, orientados para a formação e iniciação dos agentes educativos do ensino secundário, os indivíduos habilitados pelo menos com o grau de bacharel, no parecer da Câmara Corporativa (base XX) distingue-se entre o curso geral do ensino secundário, em que a preparação, através da frequência daqueles cursos, é também condicionada pela obtenção do grau de bacharel (base XX, n.° 5), e os cursos complementares do ensino secundário, em que a licenciatura é condição de acesso à formação profissional dos respectivos professores (base XX, n.° 6).
E esta ideia é igualmente perfilhada pelo relatório da Comissão de Educação. Parece-nos, no entanto, que uma tal exigência pode comprometer a rápida formação dos professores destinados ao ensino secundário complementar, cuja frequência, em face dos dados estatísticos, é já grande e irá aumentar em larga medida. De resto, se os institutos de ciências da educação conferem, eles próprios, o grau de licenciado, não se vê porque se há-de condicionar, em certos casos, o seu acesso a quem já tenha uma licenciatura. O que se sugere no parecer da Câmara Corporativa e no relatório da Comissão é, pois, no fundo, uma duplicação e, de qualquer forma, uma ideia que alarga o tempo mínimo necessário para a formação de um professor do ensino secundário complementar para sete anos, e, portanto, bastante mais que o necessário para uma licenciatura normal.
A exigência, aliás, de que os institutos de ciências da educação sejam das Universidades, formulada já na própria proposta do Governo (base XXI), parece-nos um reflexo ou reminiscência do princípio do monopólio das Universidades na formação dos agentes do ensino secundário, esquecendo a necessidade de considerar a possibilidade dessa preparação nos quadros do ensino superior, mas fora da Universidade.
Esta questão prende-se, de resto, com uma outra [alínea a)]: a tendência para uma diferenciação de natureza do ensino superior.
Logo na proposta do Governo se fala, na verdade, em estabelecimentos do ensino superior (base XI), em estabelecimentos universitários e Universidades (base XIII e base XXI).
Ora, esta diversificação, com uma supervalorização da Universidade, no ensino superior, tem um sinal contrário às tendências das reformas de ensino moderno e promove um pensamento elitista, remetendo os que não frequentam a Universidade ou os que não leccionam no ensino superior, chamado universitário, para uma espécie de divisão secundária, ou segundas categorias de ensino superior.
Não se vê, de resto, por que só nas Universidades (base XIII) haja de haver estudos de pós-graduação. Não se vê também por que, em geral, os estabelecimentos do ensino superior, que todos têm as funções apontadas na base X, só possam conceder o grau de bacharel e que a concessão do grau de licenciado ou doutor seja um apanágio dos chamados «estabelecimentos superiores universitários» (base XI). Ou melhor, só pode entender-se numa visão transitória das coisas, determinada por considerações de prudência e de evolução sem saltos perigosos, que estará na base da proposta do Governo, mas que é agravada, em termos que não podem merecer o nosso voto, pela Câmara Corporativa e pela Comissão desta Assembleia.
Efectivamente, cavando ainda mais o fosso entre Universidades e estabelecimentos superiores que não sejam universitários e, em geral, entre Universidades e estabelecimentos de ensino superior, a Câmara Corporativa, na sua base XIII, com o apoio da nossa Comissão, procura dar uma definição do que seja a
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Universidade, com a intenção de a distinguir dos restantes estabelecimentos do ensino superior.
Nesta definição, base XIII, as Universidades constituiriam centros de altos estudos orientados pelo principio da convergência dos diversos ramos do saber, que realizam investigação fundamental e aplicada.... E «isto para definir com suficiente clareza o que seja a Universidade», conforme se diz no douto parecer da Câmara Corporativa.
Não nos parece, porém, que assim seja. Não se compreenderá fàcilmente, na verdade, por que razão os fins formulados como sendo específicos da Universidade — realizar investigação fundamental e aplicada que asseguram a formação cultural, científica e cívica e a preparação técnico-profissional dos seus alunos e contribuem para o aperfeiçoamento dos seus diplomados — não devam ser levados a cabo por todos os estabelecimentos de ensino superior.
Por outro lado, a ideia de que as Universidades constituem «centros de altos estudos», se se quer com isto opô-las aos restantes estabelecimentos de ensino superior — e não se lhe vê outro sentido—, envolve a degradação de todos os estudos superiores que não sejam universitários, envolvendo um pensamento elitista e aristocrático da Universidade, injustificável numa sociedade moderna.
E nada se adianta dizendo-se que esses «centros de altos estudos» são «orientados pelo princípio da convergência dos diversos ramos do saber».
Efectivamente, uma tal formulação tanto pode conter um pensamento de pluridisciplinaridade, como uma ideia metafísica, teológica, ou outras coisas mais ou menos transcendentes ou secretas.
De qualquer forma, o que não diz é nada que forneça bases para, com segurança, caracterizar certo tipo de ensino superior.
A desconexão entre os fins do ensino superior e os vários estabelecimentos desse ensino [alínea b)] vem, por sua vez, a reflectir-se na competência para a concessão de graus académicos. Já se disse que mal se compreende que os estabelecimentos de ensino superior não possam, em geral, conferir o grau de licenciado. Mas parece de todo em todo de repudiar a ideia de que o ensino universitário «deve ser predominantemente orientado no sentido de conceder o grau de licenciatura».
Por todos os lados se aceita hoje, com efeito, que o ensino superior se deve encurtar, que importa lançar ràpidamente na vida, com aptidões profissionais, muitos dos que frequentam o ensino superior.
Ora, esta Ideia só é realizável quando as Universidades e os estabelecimentos universitários organizem nos seus quadros cursos de bacharelato. Este pensamento é mesmo imposto pela exigência da produtividade do ensino universitário. Escalonadas as respectivas matérias através de dez ou doze semestres, correspondendo a cinco ou seis anos, a licenciatura exclui do ensino superior universitário muitos que não têm condições económicas para um tão largo tempo de preparação profissional.
Por outro lado, faz perder, ao longo do seu caminho, percentagens altíssimas dos que pretenderam licenciar-se, mas que, por várias razões — e estas não são só relativas a falta de mérito — não puderam chegar ao fim. Com o que, sublinhe-se, muitas vezes se faz perder aos estudantes na Universidade muitos anos
que não lhes acrescentam nada aos seus diplomas de ensino secundário, a não ser uma frequência a que não corresponde nenhum título com utilidade.
Mais, a frequência da Universidade não traz, a quem a frequente e não conclua a licenciatura, senão um sentimento de frustração e de perda, também para a Nação, de tempo e riqueza.
Sob este ponto de vista, os estabelecimentos universitários não só podem, como restritivamente propõe a Comissão desta Assembleia, como devem organizar cursos de bacharelato.
Importa, aliás, ter presente que com a explosão da carta do saber não pode ensinar-se tudo, nem num bacharelato, nem numa licenciatura, nem num doutoramento e nem mesmo numa vida inteira, mas será só possível preparar, a nível superior, para aprender. Por outro lado, para além da formação inicial, está prevista na proposta a formação permanente.
E não se diga que assim se massifica a Universidade. A desmassificação há-de, na verdade, fazer-se por uma mais larga distribuição de estabelecimentos de ensino superior por todo o País, como, aliás, já foi anunciado pelo Ministro Veiga Simão, e não por uma aristocratização dos fins da Universidade e de quem a frequenta e dos seus docentes, com a correspondente degradação do restante ensino superior chamado não universitário.
Com estes esclarecimentos damos o nosso firme apoio na generalidade à proposta do Governo.
O Sr. Oliveira Ramos: — Sr. Presidente: Intervenho na discussão da proposta de reforma do sistema educativo convencido da necessidade do diploma preparado pelo Governo, animado de grande esperança quanto ao futuro da educação em Portugal e convicto de que a legislação em estudo constitui, porventura, a matéria mais importante analisada durante a X Legislatura, tão grande será o impacte do seu articulado sobre a existência das gerações futuras.
Para não repetir matéria expendida por outros oradores, e também para não trazer à colação afirmações proferidas na Comissão, as quais poderei expressar no debate na especialidade, limitar-me-ei a focar sumàriamente determinados pontos.
Em primeiro lugar, e atendendo aos usos vigentes, devo dizer que o teor da reforma foi ampla e invulgarmente discutido ao longo do seu processo de gestação. Concebida pelos serviços especializados do Ministério da Educação, sob a égide do Prof. Veiga Simão, beneficiou, na fase de projecto, de um período de discussão pública, tendo os seus autores atendido a críticas pertinentes que lhe assacaram.
Depois o Ministro, apoiado por Marcelo Caetano, elaborou a proposta de lei que, ouvida a Câmara Corporativa, a Comissão Parlamentar de Educação estudou e o plenário da Assembleia Nacional está a apreciar. Constituindo a grei e os Poderes Legislativo e Executivo peças fundamentais na vida dos Estados, não há dúvida de que, através de canais adequados e nos momentos próprios, a Nação e os órgãos de soberania competentes tiveram intervenção na feitura da lei em discussão.
Em segundo lugar, acentue-se que o texto em apreço constitui expressão do tipo da política que o País
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necessita, ou seja, de uma política eficaz e prospectiva, cujo objectivo é não só colmatar deficiências, como ainda lançar, em termos originais, soluções boas para o futuro. No caso presente, estamos perante uma reforma, não estamos perante uma lei de ajustamento. Ora, em nosso entender, são diplomas deste género que validam o reformismo e prestigiam os seus promotores.
E não defendo a reforma do sistema por simples amor da mudança, defendo-a e encareço-a como uma acção cuja necessidade o Governo de Marcelo Caetano entendeu na perfeição. Efectivamente, no trânsito da sociedade agrária-artesanal de ontem, para uma sociedade do tipo industrial, a Nação sentiu os efeitos das grandes transformações em marcha e começou a pedir «por actos e por palavras, por sugestões e atitudes, mais educação e melhor educação».
Surgiu então o projecto n.° 25/X, o qual, a fim de proporcionar mais educação e melhor educação, promete à generalidade dos cidadãos o acesso aos vários graus de ensino e aos bens da cultura, cria para todos os portugueses uma educação básica de oito anos, define a educação infantil, estabelece os parâmetros da educação permanente, propõe a associação de unidades de ensino público e particular, instaura escolas secundárias polivalentes, confere especial relevo aos cursos de iniciação e formação profissional, garante a abertura de novos estabelecimentos de ensino superior, institucionaliza os estudos de pós-graduação, bem como o ensino especial, além de propor outras inovações.
De modo geral, a reforma pretende, guiada por um espírito novo, que os rapazes e raparigas de amanhã, graças aos dispositivos do sistema escolar, fiquem habilitados a ganhar a vida e se sintam sensibilizados quer para continuarem a actualizar os seus conhecimentos e a desenvolverem as suas faculdades, quer para desempenharem o seu papel como cidadãos. Segundo uma «dialéctica da complementaridade», que aqui pressinto, a escola deverá formar e informar, sendo tarefa de relevo criar à pessoa condições para «a si mesmo se identificar, se afirmar, se disciplinar e se desenvolver» no seu espaço social. À educação permanente, a essa, caberá o papel decorrente da necessária «repetição de conhecimentos ao longo de toda a vida, a par de uma promoção e responsabilização cívica e social cada vez maior».
Na verdade, a proposta n.° 25/X, além de trazer inovações estruturais, caracteriza em termos abertos e eivados de modernidade a acção educativa como um processo global e permanente destinado a promover a formação dos Portugueses, a quem faculta possibilidades múltiplas de realizarem as suas aspirações e tendências, isto, sublinhe-se, no quadro dos valores humanos e culturais comuns e dentro do respeito pelos restantes povos e de uma activa participação na comunidade internacional.
Por outro lado, a proposta deseja garantir aos indivíduos preparação para darem cumprimento aos seus deveres cívicos, para tomarem parte na vida social, designadamente como elementos participantes do progresso do País.
Segundo esta óptica — é o terceiro aspecto que quero focar —, a reforma parece atribuir inegável relevo à formação cívica da juventude, ponto que a Comissão de Educação, ao longo de criterioso trabalho, acentuou, conforme consta do respectivo relatório.
Assim, logo no ensino básico, preceituando o respeito pelos valores perenes da Nação e o seu fortalecimento, consigna-se a necessidade de criar hábitos de disciplina, de trabalho pessoal e de grupo, advoga-se o magistério de «noções gerais de educação cívica» e inscreve-se, como objectivo genérico, «assegurar a todos os portugueses a preparação mínima indispensável para intervir, activa e conscientemente, na sociedade em que virão a inserir-se».
Tal participação, tais noções de educação cívica implicam, naturalmente, o chamar a atenção do jovem para o cuidado que os negócios públicos devem merecer ao cidadão atento. A este incumbe, na verdade, cumprir as obrigações e os deveres passivos inerentes à cidadania, mas toca-lhe, do mesmo modo, através de acção pertinente, colaborar na vida da «Cidade», formulando críticas e sugestões sensatas, que contribuam para a resolução dos problemas em aberto no seio da comunidade. De facto, a melhor maneira de trabalhar pela Pátria e de tonificar a sociedade nacional é participar na gestão capaz dos seus negócios, na escolha responsável das opções exigidas pelos tempos hodiernos, na construção de projectos que assegurem a vitalidade da grei.
No plano do ensino secundário atingir-se-á semelhante desiderato mediante bem conduzida análise e reflectida compreensão dos problemas do homem e da comunidade, para o qual os jovens já estarão motivados por força das noções gerais percebidas sobre a vida social e a estrutura política da Nação, matéria que a Comissão Parlamentar de Educação meteu no curriculum do ensino preparatório em substituição da Introdução às Ciências Humanas.
Em idêntico sentido, isto é, a favor de uma educação cívica activa, agirá, no ensino superior, a combinação entre o espírito crítico e criador e a intenção de garantir a formação completa dos indivíduos, em termos susceptíveis de ampliarem a sua dimensão cultural e a sua melhor integração na sociedade, mediante, inclusive, a estimulação do seu interesse pelos assuntos nacionais e regionais, pelo estudo dos problemas da comunidade e pelo mútuo entendimento entre os povos.
Quer dizer: a reforma terá efeitos por virtude das inovações que introduz no espírito e no teor da orgânica escolar e, quando bem orientada, poderá ainda contribuir para a modelação de um novo tipo de cidadão, cujo modo de pensar e de agir há-de marcar, no futuro, o processo evolutivo da sociedade portuguesa.
Para terminar, e colocando-me em diversa perspectiva, entendo ser minha obrigação conotar que a reforma do sistema escolar não estabelece, que eu saiba, qualquer modalidade de participação quanto à administração e gestão de estabelecimentos de ensino. Poder-se-á objectar que os ensaios de participação no governo das escolas de estudantes, de representantes dos serviços e ainda de docentes de várias categorias proporcionaram resultados discutíveis em países onde foram tentados. Não negamos que tenha havido insucessos. Sem embargo, a ideia parece-me de considerar quando aproveitada com senso e sentido das realidades. Oxalá, por isso, venha a encontrar eco na esperada reforma do ensino superior.
Além disso, aqui deixo a expressão do meu regozijo pelo surto escolar que nos últimos anos beneficiou a região bracarense, região onde, nomeadamente, o Go-
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verno instalará uma Universidade. É, assim, o Minho uma das zonas favorecidas pelo novo sistema educacional, que aí será experimentado.
Ora, pensando neste derradeiro pormenor, lembro que vamos votar uma lei e que, se a aprovarmos, a tal processo segue-se outro bem mais importante, qual é o da aplicação da reforma. A reforma só resultará se houver quem a interprete razoàvelmente, se a educação e o ensino oferecido responderem às exigências de um saber actual e aos anseios do homem contemporâneo, se, por todo o lado, preponderar uma sã pedagogia. Quer dizer: - o estabelecimento do novo sistema tem grande importância. Não menor significação terá, entre outras coisas," a preparação de agentes de ensino, bem pagos e convenientemente adestrados, a definição de bons programas, a vigência de uma pedagogia e de uma didáctica válidas, etc. Para o efeito, terá, por exemplo, no ensino secundário, de desaparecer o docente mero aferidor de repetições, terá de acabar o livro único e o método do diálogo entre A e B, e B e A há-de prevalecer sobre o método que preconiza tão-só a transmissão do saber de A para B.
Sr. Presidente: Creio, em face do exposto, que a grande, a difícil, mas aliciante, tarefa da minha geração será aplicar a reforma do sistema educativo que Marcelo Caetano e Veiga Simão desejam proporcionar à Nação. Do êxito da empresa depende, em boa parte, o futuro de Portugal, pois a ciência prova que o desenvolvimento económico, social e político de muitos modos radica na «propensão para inovar, factor extremamente dependente do estatuto educacional».
Aprovo, então, na generalidade a proposta de lei de reforma do sistema educativo.
O Sr. Silva Mendes: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passa a ser lugar-comum o dizer-se, na aprovação da proposta de lei n.° 25/X, que estamos frente à mais notável das propostas que nos foi apresentada em toda a X Legislatura.
No entanto, quanto a nós, a repetição do que se afirma não será mais do que um acto de reconhecimento ao Governo, que tomou sobre os seus ombros a pesada responsabilidade de estruturar, em novos moldes, todo o sistema educacional da Nação.
E essa nova estruturação, o ilimitado dos seus horizontes, só poderá ser totalmente abarcado pelos que, um dia, viram o seu caminhar cortado por falta de meios que lhes possibilitassem usufruir de todos os benefícios resultantes do mais sagrado dos direitos do homem —o acesso à educação, sem outra distinção que não seja a que advém da sua capacidade ou dos seus méritos.
Honra pois aos que, pela vez primeira, reconhecem e dão corpo à igualdade de oportunidades no direito à educação.
Aspectos renovadores, de extraordinário alcance, são objecto do diploma legal em discussão, entre os quais destaco o da educação pré-escolar, até agora campo quase exclusivamente, reservado a serviços sociais e ao ensino particular, sem incidência, portanto, na grande massa das crianças portuguesas, pois desse ensino só podiam beneficiar algumas centenas ou escassos milhares, com os inconvenientes que fàcilmente se deduzem ou concluem.
Sabemos que esta modalidade de ensino não poderá ter uma execução imediata, tantas são as suas implicações, desde a formação das educadoras de infância, à construção de edifícios próprios, e bom seria também que todos tomássemos consciência de que o Ministério não dispõe de «varinha de condão» que permita, com um simples toque mágico, formar pessoal docente em condições de dar corpo ao espírito da presente lei, nem as disponibilidades do Tesouro são ilimitadas!
Mas o que se torna necessário é caminhar, ainda que o ritmo possa não ser, de momento, tão acelerado como todos desejaríamos.
Novo passo, mas passo firme e decidido, que honra sobremaneira quem governa e o Ministro que detém nas suas mãos a pasta da Educação, Prof. Doutor Veiga Simão, que respeitosamente saudamos desta tribuna, é o alargamento da escolaridade obrigatória para oito anos.
Só um desejo manifestamos: é que ela abranja, no mais curto espaço de tempo, toda a população escolar do País.
Se tal se verificar em 1980, bem poderemos afirmar que nesse ano vencemos uma das mais difíceis batalhas que travámos no século XX.
Defende-se, em certos círculos, o princípio de que deveria ter cinco anos o período do ensino primário, reservando ao preparatório apenas três anos, linha já seguida em alguns países da Europa, e a própria Câmara Corporativa, no seu relatório, dá notícia de ter apreciado devidamente o assunto, muito embora não nos diga quais as razões apresentadas pelo Governo e que a levaram a perfilhar a sua proposta, com a qual, aliás, inteiramente concordamos.
O aumento de quatro para cinco anos do período de duração do ensino primário levaria à criação de uma nova estrutura para este ramo de ensino, pois não podemos esquecer que actualmente grande número de crianças o recebe em escolas de um só lugar e que não seria possível, sem agravar os males já hoje existentes, aumentar o período da escolaridade, continuando e confiá-lo a um só professor.
Preconizamos a necessidade, pela experiência que adquirimos ao longo da nossa vida profissional, de dar maior dimensão ao núcleo escolar, garantida que seja a facilidade de transporte e alimentação a toda a criança nele residente.
A antecipação do início da escolaridade para os seis anos merece também o nosso acordo, tanto mais que sabemos que todo o trabalho dos programas está a ser feito, tendo em consideração esta realidade.
Não concordamos, porém, com a data preconizada, nem pelo Governo, nem pela Câmara Corporativa, para a primeira matrícula destas crianças, pelo que, em data oportuna, apresentámos, juntamente com outros Srs. Deputados, proposta de alteração.
O regime de co-educação facilitará imenso toda a estrutura deste grau de ensino, acabando com a separação de sexos, tão oposta à realidade da vida presente e possibilitará uma melhor distribuição de classes, a nível do ensino primário, em núcleos de fraca densidade populacional.
Mas não esqueçamos que, para fazer face às necessidades do pessoal docente, um dos pontos mais prementes a encarar será o da tabela de vencimentos, pois a forte atracção de uma profissão reside, ainda,
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em larguíssima percentagem, na remuneração a perceber.
E sem professores, sem bons professores, com a vida inteira e exclusivamente dedicada à docência, qualquer que seja o grau de ensino em que a exerçam, não haverá reforma, por mais perfeita que ela seja, capaz de alicerçar em novos moldes toda a estrutura moral e intelectual de uma nação.
E seja-me permitido, em nome de uma classe a que pertenço, referir a alegria que sentimos ao verificar que as portas da Universidade se abrem, agora, aos que, possuindo o curso do magistério primário, dela se queiram abeirar, permitindo-se, assim, em moldes de inovação, a osmose entre os vários graus de ensino.
O Sr. Eleutério de Aguiar: — Muito bem!
O Orador: — Um pequeno parêntesis para me congratular com a reforma dos programas das escolas do magistério, ora proposta, não só porque os melhora consideràvelmente, mas, ainda, por proporcionar uma preparação científica que facilitará, aos que as frequentarem, o ingresso nas escolas normais superiores.
O alargamento do ensino superior — Institutos Politécnicos e escolas normais superiores — a várias cidades do País irá permitir, por um lado, uma maior facilidade de acesso a este grau de ensino aos que residem na província, possibilitando o aumento de formação de técnicos a todos os níveis; por outro, aliviará certamente os centros universitários de uma massa escolar que apenas buscava o grau de bacharel, facilitando-se, assim, a selecção e formação dos que nela procuram a licenciatura ou o doutoramento.
Registo, e faço-o como maior agrado, o carinho com que a reforma encara a institucionalização do ensino especial, uma das maiores lacunas que sentiam os que ao magistério consagravam a sua vida, lacuna essa que foi a causadora de terem ficado, ao longo dos anos, milhares de crianças abandonadas à sua triste situação, flagelo dos professores que sentiam, com toda a intensidade, o drama desses alunos, que bem poderiam ter sido melhor integrados na sociedade se tal ensino tivesse sido uma realidade a todos acessível, dado que as classes especiais existentes no âmbito dos Ministérios da Educação e da Saúde e Assistência eram insuficientes para as exigências verificadas.
Consideramo-la mesmo, ainda que para muitos tal preceito possa passar quase despercebido, como a nota mais humana de todo o novo diploma.
A reforma do sistema educativo está repleta de inovações, sente-se em toda ela um espírito aberto às realidades da vida presente, e estultícia seria pretender-se, ao intervir na discussão, apreciar devidamente todos os ângulos da proposta, mas não queria terminar sem me referir, ainda que em breve apontamento, ao ensino particular e à educação permanente.
O ensino particular é chamado, julgamos que pela primeira vez, a colaborar activa e directamente com o ensino oficial em toda a rede escolar, medida que se aplaude inteiramente, hão só pelo alcance efectivo, más ainda por ser o reconhecimento público da contribuição que tem dado e que poderá ainda dar ao sistema educativo proposto.
Não haverá liberdade de ensino no País se ao ensino particular lhe não forem possibilitadas condições de, trabalho idênticas às do ensino oficial, acompanhadas — claro está — de idênticas responsabilidades.
O Sr. Gabriel Gonçalves: — Muito bem!
O Orador: — Papel relevante também é dado na presente reforma à educação permanente e digamos que vale mais tarde do que nunca.
Muito desejávamos que lhe não faltassem os meios que lhe permitissem dar efectivação a toda a sua imensa tarefa.
Ao terminar a nossa intervenção, que propositadamente quisemos fosse pouco extensa, já que muitos foram os oradores que nos antecederam para apreciarem na generalidade a proposta em discussão, gostaríamos de formular o voto de que todos os portugueses, qualquer que seja a sua formação, reflectissem no seu alcance e dissessem, em sua consciência, se ela é ou não a mais ousada de quantas se fizeram ao longo de toda a história da educação portuguesa.
E, assim, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei n.° 25/X.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Nicolau Martins Nunes: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há assuntos em que não pode prevalecer a dicotomia metrópole e ultramar, este é, incontestàvelmente, um deles.
Sejam quais forem as razões que levaram aos Descobrimentos, quaisquer que tenham sido as forças impulsionadoras dessa grandiosa empresa que deu mundos ao Mundo — «dilatação da fé e do império» ou outro motivo —, Portugal é hoje uma nação multirracial e pluricontinental; uma realidade sui generís no Mundo, uma sociedade em permanente evolução e renovação.
Apesar da diversidade dos seus elementos componentes, a Nação Portuguesa constitui arma unidade real que transcende qualquer das suas partes, absorvidas e aglutinadas num todo único e indissolúvel.
Um amigo nosso lembrou-nos há dias a imagem de Portugal criada por um poeta cabo-verdeano, que dizia ser a Nação um corpo cuja cabeça é a metrópole com as ilhas adjacentes, o tronco e os membros, as grandes e pequenas províncias ultramarinas, sendo Cabo Verde o coração — e diríamos nós que este órgão vital se situa na pátria de Honório Barreto, a nossa martirizada Guiné, o ponto sensível no momento actual!
t Trata-se de uma construção literária de grande beleza, bastante curiosa, mas sobretudo de muita lógica. Na verdade, como separar partes tão intimamente ligadas, interdependentes, cada uma com a sua importância, qualquer delas tão necessária e indispensável à vida do todo como as demais? Seria sem dúvida um contra-senso, e nenhum bom português pensaria em fazê-lo; aqueles que, porventura, infelizmente, o pensarem terão certamente ignorado que uma nação é um organismo vivo que não se pode esquartejar sem se destruir.
Disse-nos isso há pouco tempo, em conversa em família, - S. Ex.a o Presidente do Conselho, Prof. Mar-
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ceio Caetano, com a experiência de uma longa carreira pública e a autoridade do seu vasto saber.
Ilustres Deputados: O que caracteriza e individualiza Portugal na Europa e no Mundo como nação é a sua vocação ultramarina.
A cultura de uma nação é o resultado da sua vivência, o somatório das suas conquistas ou aquisições no passado, o fruto do trabalho dos povos que integra, enfim, a síntese da sua história, cuja última página está sempre por escrever; é um processo aberto, contìnuamente renovado, ampliado, aperfeiçoado com novas experiências, enriquecido através de contactos com outros povos.
Aceite esta verdade, ela conduzir-nos-á inevitàvelmente a uma outra: a de que Portugal é um país eminentemente ultramarino, mais universalista do que europeu, quer no aspecto geográfico, quer no humano, quer ainda no cultural — e não se desdoura por isso.
Se atentarmos bem, notaremos que o Mundo tende para uma civilização do tipo lusíada. Com efeito, se tirarmos às culturas ditas nacionais tudo o que contêm de elementos de outras origens, todas elas se reduziriam a simples folclore.
Como muito bem lembrou um dos oradores que nos antecederam nesta tribuna, o ilustre Deputado Almeida Garrett, «não há reforma de sistema educativo que seja verdadeiramente autónoma, nem sequer cindível do quadro de reformas por que se pretenda encaminhar a vida de um país». E porque está em causa o futuro da própria Nação, na opinião que perfilhámos do mesmo ilustre parlamentar, impõe-se da nossa parte uma tomada de posição e põe-se, antes do mais, a seguinte pergunta: qual o rumo que se pretende dar à Nação? A resposta, cremos nós, está contida na própria proposta de lei em debate.
É à luz das realidades atrás apontadas que nos encontramos aqui, animados pelo firme propósito de trazer o nosso contributo à discussão, em curso, da proposta de lei de reforma do sistema educativo, documento que, também nós, consideramos de importância histórica.
Todavia, a matéria em apreciação é tão vasta, tão rica e diversificada nos seus múltiplos aspectos que não cabe nos limites restritos de uma simples intervenção parlamentar. Por esse motivo, limitar-nos-emos a trazer aqui alguns apontamentos que nos sugeriram a leitura atenta e uma análise exaustiva do texto do projecto de lei em debate.
Começaremos por observar que esta reforma transcenderá no tempo o presente para se situar numa perspectiva do futuro, donde se projectará como um farol, determinando a rota para um Portugal de amanhã, facto que honra quantos participaram na sua elaboração.
Por tal motivo, as nossas palavras, neste momento, serão de homenagem e de louvor:
De homenagem ao Governo do Prof. Marcelo Caetano, pela política que definiu para a Nação e vem executando com inteira segurança, equilíbrio e oportunidade, garantias de sucesso, política à qual demos a nossa adesão, por ver nela a via mais propícia ao progresso dó País e, logo, aquela que melhor satisfaz as necessidades e anseios dos povos africanos integrados na comunidade portuguesa;
De louvor ao Ministério da Educação Nacional, pelo extraordinário esforço que vem desenvolvendo no sentido de dar aos Portugueses o que lhes falta para serem iguais a si próprios, isto é, identificados com a Pátria gloriosa e ditosa de Camões, pois «só educando se valoriza e se permite aos homens o acesso ao conhecimento indispensável às opções e à sua participação válida na vida das comunidades» (palavras proferidas pelo Governador da Guiné, general António de Spínola, na sessão de abertura do Curso de Habilitação de Monitores Escolares, em 2 de Agosto de 1971);
À Câmara Corporativa, pela seriedade e espírito de colaboração que tem posto no desempenho das suas funções, facto revelado mais uma vez, agora, neste trabalho, para cuja valorização muito contribuiu;
E, finalmente, louvor ainda à nossa Comissão de Educação, pela competência revelada e consciência da importância da sua missão, demonstradas na apreciação deste projecto de lei, não se limitando a simples comentário nem a mero julgamento da sua conveniência ou não conveniência, mas procurando aperfeiçoá-lo, quer na forma, quer no conteúdo.
Srs. Deputados: Os homens do nosso tempo anseiam por um mundo melhor, liberto de todos os condicionalismos negativos e de todos os defeitos do actual, mas não sabe como construí-lo. Atestam este facto os esforços que vêm sendo feitos, em todos os continentes, no sentido da unificação, a despeito dos obstáculos que se deparam a cada passo, condenando ao fracasso todas as iniciativas.
Não será nem pelo comunismo internacional, nem pelo capitalismo imperialista, e muito menos pela via de nacionalismos exacerbados, separatista e racista, que se conseguirá a desejada união dos povos e a paz no Mundo. Será, sim, através de uma associação livre e justa, baseada na fraternidade entre os homens de todas as cores e credos, no reconhecimento da igualdade das raças, no respeito pela pessoa humana e na valorização do indivíduo e aproveitamento das suas faculdades e aptidões em tarefas de interesse colectivo.
Não é necessário um grande esforço de inteligência ou de imaginação, mas, sim, apenas que se liberte o espírito de preconceitos, para se compreender que Portugal é o único país da actualidade que reúne as condições básicas para a construção desse mundo que os homens tanto desejam. Bastar-lhe-á, para tanto, vencer todas as suas limitações e corrigir alguns defeitos de organização.
Geográfica e demograficamente disperso, mas política e socialmente unido, Portugal está presente em todos os continentes. Por este facto, os acontecimentos mais importantes da Nação Portuguesa têm sempre repercussão universal e, em contrapartida, os factos históricos mundiais, onde quer que tenham lugar — na Europa, na Ásia, na África ou mesmo na América —, afectam sempre, de uma maneira ou de outra, o nosso país.
Tudo quanto acabámos de dizer leva-nos a uma conclusão lógica e irrefutável: a paz de Portugal, tal como ele é nos nossos dias, é a paz do Mundo e vice-versa. O mesmo se poderá dizer da felicidade do Mundo em que vivemos,
Tudo mostra, porém, que as outras nações ignoram esta verdade e, quiçá, nós próprios, Portugueses,
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não temos consciência da nossa força e da nossa capacidade neste campo. Daí, por um lado, as pressões externas, procurando destruir a nossa unidade, e, por outro lado as contradições internas, tentando negar os nossos valores, favorecendo os nossos inimigos e retardando a nossa evolução.
O problema que se põe para nós é, pois, o de dar a todos os membros da nossa comunidade, de todas as origens e em todos os continentes, a consciência do seu valor, a importância da sua missão, do papel que, como portugueses, têm a desempenhar no Mundo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com tristeza — cumpre-nos revelar — que verificámos quão atrasados estamos ainda neste aspecto!...
É de lamentar que sejam os estranhos, até mesmo os próprios inimigos, a descobrir, através dos nossos quase milagrosos feitos, a nossa grandeza e a nossa capacidade, e a admirar o nosso valor. Paradoxalmente, como um herói que ignora que o é, rebaixamo-nos, envergonhados de sermos quem somos, a imitar desajeitadamente, a copiar servilmente, a maneira de estar no Mundo daqueles que podíamos e tínhamos o dever de ensinar... E chegamos ao cúmulo de querer negar e até destruir os nossos valores que tanta falta fazem, não só a nós, mas também aos outros.
Todo este triste quadro, meus senhores, se explica por um único facto: o nosso baixo nível de educação — da educação no sentido global que tem hoje este termo, aquele que foi consagrado nesta proposta de lei em debate.
Srs. Deputados: Sejam quais forem os argumentos que se apresentem, os motivos que se invoquem, para se manter o País no obscurantismo, é-nos legítimo afirmar, parafraseando Lincoln, que Portugal não poderá subsistir conservando-se uma parte culta e outra inculta, isto é, com uma pequena elite, que goza dos benefícios da educação, servida por uma enorme massa que vive na mais perfeita obscuridade, se se pode atribuir «perfeição» à «obscuridade».
Sendo certo que as diferenças de nível cultural são a principal razão das diferenças exageradas de nível económico e estas, por sua vez, são a causa dos profundos desníveis sociais, não pode haver dúvidas de que aquela situação prejudica grandemente a unidade nacional e retarda a inauguração do Estado Social Corporativo que se pretende criar. Há, portanto, que eliminar as primeiras para se reduzir ao mínimo as últimas, uma vez que é impossível suprimi-las completamente, respeitando o princípio de justiça social.
Os problemas da educação têm, assim, prioridade sobre todos os outros, dentro da problemática nacional, exceptuando-se sòmente os da defesa, estes por razões de ordem conjuntural apenas, sabido que a educação está também na base de uma boa formação militar, como aliás sublinhou desta tribuna o ilustre Deputado almirante Roboredo e Silva. Reside nisto uma parte do mérito da proposta de lei em debate.
Compreende-se a inquietação de alguns, quanto às consequências da democratização do ensino, mas, a nosso ver, esse perigo é um outro Gigante Adamastor, ou Cabo Tormentório, que a nau do Ministro Veiga Simão há-de dobrar, para provar aos incrédulos que nem o Gigante é invencível, nem o Cabo é intransponível.
Quanto a nós, o perigo não existe, sequer, pois, longe de nivelar indistintamente os homens, reduzindo-os a um tipo único, estandardizado, o que seria um obstáculo para a organização da sociedade com vista a atingir metas colectivas, longe de nivelar os homens — dizíamos —, a educação generalizada põe em realce as suas diferenças pessoais, faz evidenciar qualidades inatas, interesses e tendências de cada um.
Por outro lado, a ciência, tal como a fé, torna o homem humilde, porque lhe dá a noção exacta das proporções; digno, porque lhe revela a sua personalidade, a consciência do seu real valor; modesto, porque o ensina a dar o justo valor às coisas e às pessoas, libertando-o de todos os complexos.
É neste quadro que situamos o documento em apreciação, ao qual atribuímos consequências políticas, económicas e sociais que ressaltam logo de simples enunciado dos princípios nele consagrados.
Não sendo nossa intenção esgotar a paciência desta Câmara com um relato exaustivo, permitimo-nos ainda, na medida do tempo disponível, fazer algumas considerações especiais.
Objecto e âmbito. — O sistema educativo tem por objecto, segundo a proposta de lei, o homem nos três aspectos em que se projecta na sociedade — como indivíduo, como cidadão e como produtor e consumidor; e o meio através do qual se insere nessa sociedade — a família, os organismos sociais, a escola e as instituições económicas.
É sempre digna de interesse qualquer iniciativa que tenha por objecto o homem. Assim, a presente proposta de lei é para nós altamente louvável, na medida em que visa ser uma contribuição para a criação de um novo tipo do homem português, mais apto, mais digno e mais capaz.
Quanto ao meio humano e seu papel no sistema educativo, suscitaram-nos as seguintes reflexões:
1) Sendo a família uma escola, como se pressupõe, é caso para se perguntar: quantas famílias estarão hoje em dia nas condições de desempenhar esse papel? Todavia, é de se manter o pressuposto, preparando-as para o cumprimento da sua missão e dando-lhes todo o apoio necessário. Seria ideal que as donas de casa efectivas, actualmente em número reduzido, dada a estrutura económica do mundo de hoje, pudessem ser equiparadas a agentes de ensino, com subsídios especiais, correspondentes à sua participação na acção educativa;
2) Merecem, de igual modo, as associações todo
o apoio em função da sua acção no sector educativo, nomeadamente no ensino religioso;
3) No que respeita à escola, entendemos que deve constituir uma família-modelo, dada a circunstância de ter de substituir, na maioria dos casos, a verdadeira família e de suprir as carências desta, nos restantes. Finalmente, em nosso entender, os locais de trabalho devem ser, por sua vez, autênticas escolas.
O papel do Estado. — Sendo o acesso ao conhecimento uma necessidade da alma e o saber considerado o alimento do espírito, a todo o homem deve
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ser garantido o direito à educação e é ao Estado que incumbe a sua efectivação, contando, é certo, com a colaboração do sector privado.
Além de um direito que deve ser assegurado a todos, a educação é também um dever, que compete ao Estado fazer cumprir. Com efeito, um homem sem o mínimo de educação necessária ou mesmo com uma educação insuficiente ou deficientemente orientada, além de um peso morto, torna-se um perigo para a sociedade.
Como já frisámos, em muitos casos e sem ofensa a nenhum princípio, o Estado terá de substituir, embora transitòriamente, as famílias que, na sua maioria, não estão em condições, quer material, quer intelectual ou espiritualmente, de cumprir a contento a sua missão. Em tais casos, não basta a simples cooperação.
Natureza, fins e alcance. — As finalidades que se têm de prosseguir na vida, quer individual, quer colectivamente, são de natureza tão variada e de amplitude tão vasta que o sistema educativo, como meio de as atingir, não pode ser reduzido a um único padrão ou transformado num bloco monolítico e uniforme. A proposta de lei prevê assim um sistema diversificado, global e permanente, o que é de louvar.
O avivamento do sentimento patriótico será uma das mais importantes consequências políticas e sociais que hão-de resultar da aplicação do princípio da formação integral dos Portugueses, levando-os a conhecer melhor e a amar mais a sua Pátria; outro efeito será o fortalecimento dos laços da comunidade lusíada.
Segundo o n.° 3 da base III, «o ensino ministrado pelo Estado e o ensino de religião e moral obedecerão aos princípios estabelecidos na Constituição e na lei da liberdade religiosa». Esta doutrina, inspirada no princípio constitucional de liberdade religiosa, aliás muito justa, implicará uma maior dinamização da actividade nos sectores tradicionais daquele ensino, sob o risco de o País vir a perder, pelo menos nalgumas zonas, as suas características no campo espiritual.
Divisão e classificação. — Achámos ideal o esquema adoptado no projecto de lei em apreciação, na medida em que abarca todos os aspectos do ensino e da aprendizagem.
Educação pré-escolar. — Esta modalidade tem grande importância, para o ultramar e para a Guiné em especial, onde a necessidade da formação da juventude é mais preocupante e as dificuldades maiores. É na idade dos 3 aos 6 anos que se deve modelar o corpo e formar o espírito, lançando as bases para uma juventude saudável, válida e útil em todos os aspectos.
Só com bons portugueses africanos poderemos defender Portugal em África, assim como só com bons portugueses em todo o mundo poderemos consolidar a comunidade lusíada.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Ensino básico. — O ensino básico completará, no aspecto formativo, espiritual e físico, o trabalho iniciado na fase pré-escolar. O resultado,
nesta etapa, depende grandemente do activo obtido no escalão anterior.
Ao terminar a sua preparação no ensino básico, o aluno já deve ter arreigada a consciência da Pátria, que para os africanos há-de consistir na noção de um Portugal como Nação verdadeiramente sua, e, para os europeus, a noção da multirracialidade e da pluricontinentalidade da Nação Portuguesa, o que fará uns e outros verem-se como membros da mesma comunidade, como irmãos, afinal.
Se é nosso desejo construir uma sociedade multirracial, sem fantasia, autêntica, temos de trabalhar para isso, e é pela educação que havemos de começar.
A elevação do tempo de duração deste ensino para oito anos, a partir dos 6 anos de idade, e a sua obrigatoriedade, é uma medida de largo alcance social, por representar uma elevação do nível de educação do povo.
Ensino básico primário. — A selecção e separação que se prevê na base VII, sendo feitas com recurso a métodos científicos, serão recomendáveis, pela simplificação do trabalho didático e por facilitar os alunos e favorecer uma grande economia de tempo — do tempo que nos é precioso.
Ensino básico secundário. — A possibilidade de o aluno, a partir do último ano do ensino secundário e em qualquer grau do ensino ulterior, poder optar por uma profissão merece referência especial.
É nossa opinião que a educação não deve ter como objectivo imediato a formação de élite, mas a preparação do homem pana as finalidades individuais e colectivas da vida. Todavia, a preocupação de se dar aos educandos, em qualquer modalidade e grau de ensino, uma formação cultural compatível com as exigências da vida actual é meritória.
De resto, qualquer sistema educativo obedece ao tipo de homem que se pretende formar. Esparta formou guerreiros; Atenas cidadãos e homens públicos, e os países industrializados dos tempos modernos formaram técnicos; a nossa reforma visa reunir no mesmo homem o soldado, o cidadão e o técnico. Somos ambiciosos? Não faz mal. Na fixação de objectivos é bom ter-se vista larga.
Srs. Deputados: Muitos mais pontos mereceram a nossa reflexão e desejaríamos aqui destacá-los, mas não queremos esgotar a vossa paciência nem abusar do tempo regulamentar, pelo que nos limitaremos a enunciá-los para chamar a atenção de VV. Ex.as São eles, a saber:
A organização e distribuição das estruturas do ensino no âmbito regional ou local;
As formas de acesso ou ingresso no ensino superior;
O enquadramento da iniciação e formação profissionais;
As equiparações para transferência e continuação dos estudos nas Universidades; Os estudos de pós-graduação; A educação permanente; A formação de agentes educativos; e A orientação escolar.
Como nota final, diremos que o que mais valoriza o trabalho levado a cabo e consubstanciado no projecto de lei de reforma do sistema educativo é a
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perfeita coordenação entre os diversos objectivos que se prosseguem.
Desejamos também deixar aqui registada a nossa satisfação ao verificarmos que o espírito da nova reforma coincide perfeitamente com a orientação política no sector educativo na província que temos a honra de representar.
E, assim, terminamos, dando a nossa aprovação na generalidade à proposta de lei.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas primeiras duas bases resume a proposta de lei em apreço os princípios fundamentais que, no futuro, hão-de orientar superiormente a acção educativa em Portugal.
As restantes, embora aqui e além se lhes refiram, respeitam principalmente à organização do sistema, estrutura e processos docentes a que o ensino deverá obedecer.
Apenas àqueles princípios dedicarei, pois, aqui, uns minutos de atenção; por isso que, no mais, a matéria pertencerá, antes de tudo, à técnica, ou à pedagogia.
Em obediência a certo racionalismo (ateu), que também entre nós fez prolongada escola e cujos danos em muitos só teriam sido atenuados pela sua espontânea sujeição e hábitos criados no tradicional estilo de vida dos Portugueses, adoptou-se no País o ensino laico, à semelhança do que se praticava noutras eruditas paragens.
Todavia, o actual Regime, até pela ética que o informa, não podia deixar de seguir, como tem seguido (ao contrário do que vinha sucedendo), por outros caminhos: os que levam directamente à formação do carácter e ao revigoramento de todas as virtudes morais, orientados pelos princípios da doutrina e moral cristãs, como se vê de numerosas providências legislativas, nomeadamente a do § 3.° do artigo 43.° da Constituição Política em vigor.
E assim teria de ser, visto que nessa doutrina e nessa moral assenta também toda a organização e estrutura da Nação Portuguesa.
Fácil, pois, verificar que foi com este pensamento que se articularam as referidas duas bases da proposta, onde, na primeira, se estabelece que são princípios orientadores da acção educativa (além do mais):
Garantir a formação integral dos Portugueses [...], visando a formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País;
Estimular o amor pela Pátria e por todos os seus valores, bem como pelos interesses superiores da comunidade lusíada, dentro de um espírito de compreensão e respeito pelos outros povos e no âmbito de uma activa participação na comunidade internacional.
O parecer da Câmara Corporativa, embora em nova articulação — alíneas a) e b) da base II —, mantém intacta esta orientação, que, do mesmo - modo, veio a ser sansionada no relatório elaborado pela nossa Comissão de Educação Nacional.
Chegara, assim, o momento de decidir; e se tais bases forem aqui aprovadas, como se espera, é porque o País terá agora feito a sua mais conveniente e definitiva opção nesta delicada e transcendente matéria.
São, efectivamente, múltiplos os caminhos que o homem pode trilhar, quer na vida do espírito, quer no campo económico e sócio-político. Mas, a dois principais se poderão, no: entanto, reduzir: o caminho do materialismo dialéctico, ou o que nos é indicado pela «poderosa e imortal doutrina», que nos vem dos Evangelhos.
E o mais grave é que, em paridade com a cristã, também aquela teoria materialista se pretende apresentar ao homem como nova e salvadora mensagem, vinda ao encontro da vida meramente sensorial, que a tantos irreversivelmente parece seduzir.
Diz, na verdade, a propósito Gustavo Wetter:
Ao encontro de diversas afirmações, aliás, recentemente reiteradas, segundo as quais o marxismo não seria uma concepção de vida e não estaria enfeudado a nenhum sistema filosófico, mas seria tão-somente uma pura ciência positiva, como, por exemplo, a medicina, ou uma simples metodologia, a servir de introdução à transformação da ordem social — devemos observar que, do ponto de vista dos clássicos do marxismo leninista, a tese contida em tais pretensões é uma verdadeira heresia.
Por isso — continua Wetter — Lenine escreveu também a sua principal obra filosófica: Materialismo e Empiriocriticismo, onde procura salvaguardar contra o revisionismo (tentativa para desligar o marxismo, enquanto doutrina social e económica, do seu fundamento filosófico) a integridade do materialismo dialéctico em geral, que ele apresenta como um todo, de tal forma constituído, que seria impossível privá-lo, na sua estrutura, de qualquer dos seus elementos: «Desta filosofia do marxismo, como de uma moldura de aço, não é possível eliminar absolutamente nenhuma premissa fundamental, absolutamente nenhuma parte essencial, se não se quer abandonar a verdade objectiva.»
Mas a opção que o Governo acaba de subscrever, seguindo a doutrina que se contém nas duas indicadas bases, terá de ser, como é elementar, autêntica, coerente e também possível.
Neste último aspecto, creio que hão-de surgir algumas dificuldades, por determinadas concessões da proposta, na redacção adoptada pela Câmara Corporativa.
Na verdade, ao mesmo tempo que se pretende formar o carácter dos Portugueses segundo a doutrina e a moral cristãs, tradicionais do País — alínea a) da base I da proposta do Governo — isto é, segundo a mensagem da igreja católica (é esta a tradicional), estabelece-se, por outro lado — n.° 2 da base I, proposta pela Câmara Corporativa — que:
A educação compete à família e, em cooperação com ela ou na falta dela, ao Estado e outras entidades públicas, à igreja católica e demais confissões religiosas e aos particulares.
Ora, não me parece que, sem negligenciarem a sua própria missão, as demais confissões religiosas
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25 DE ABRIL DE 1973
orientem, então, o ensino nas suas escolas no sentido que a nova lei pretende.
Quanto «aos particulares», será ainda legítimo o mesmo reparo, uma vez que a lei — alínea d) da base I da proposta e da base III na versão do parecer da Câmara Corporativa — «favorecerá a liberdade de ensino em todas as suas modalidades».
Efectivamente, se as escolas daquelas confissões religiosas e as particulares (estas porventura inclinadas ao laicismo) vierem a proliferar no País, bem poderá suceder que vejamos dentro em pouco inteiramente frustrados os superiores objectivos da nova lei.
E, assim, jamais a formação integral dos Portugueses ou a formação do seu carácter, do seu valor profissional, da sua consciência cívica e de todas as suas virtudes morais, viriam a ser ùnicamente orientadas por aqueles tradicionais princípios.
A respeito da autenticidade e coerência da opção, parecem-me também oportunas umas breves palavras.
A juventude portuguesa — a ela se dirige principalmente a reforma do sistema educativo — não pode deixar de nos merecer, como, aliás, a todos merece, a maior atenção e o máximo respeito pelas suas excepcionais virtudes, tão exuberantemente demonstradas através da nossa história.
Na escola, no trabalho, de armas na mão em defesa da Pátria, é e sempre foi igual a si mesma; embora, com muita mágoa, eu tenha, no entanto, de pôr de parte alguns «juvenis», doutrinados de fora.
A juventude que hoje luta e morre no ultramar não é essencialmente diferente da que se bateu em Ourique, no Salado, em Aljubarrota, na Flandres, nos Dembos ou era Marracuene.
Ainda há poucos dias um pequeno grupo de jovens combatentes, da região de Alcobaça—sua freguesia da Maiorga —, quis afirmar pessoalmente ao Sr. Presidente do Conselho todo o seu patriotismo e justificado orgulho pela sua honrosa intervenção na defesa da integridade do território nacional.
A juventude é, por temperamento, inconformista, irrequieta, algumas vezes irreverente. Mas o seu inconformismo, irrequietude e irreverência, quando estimulados por inadiável solução dos grandes problemas colectivos, mais não significam do que a constante presença do sangue novo que há-de sempre revitalizar e perpetuar a Nação Portuguesa. E mal irá para a comunidade política, cuja juventude se mostre submissa, indiferente, ou abúlica, então sinal evidente da mais desoladora decrepitude.
Mas pior ainda se, pela nossa incoerência na vida social, a juventude perde a confiança nos responsáveis pelos destinos da colectividade ou nas instituições e estruturas que esta tenha adoptado.
É, na verdade, a mocidade dos campos, das repartições, das fábricas, das oficinas, dos escritórios, das escolas que generosamente se sacrifica e derrama o sangue pela integridade da Nação, que os nossos antepassados ergueram com iguais sacrifícios e em serviço da civilização cristã.
Por isso, creio na mocidade portuguesa, que não consome a sua inteligência e faculdades, nem desperdiça a sua vida em empreendimentos sem um objectivo nobre e generoso, ou sem finalidade superior; que procura a luta heróica que eleva e o trabalho honrado que dignifica, pois só neles se pode temperar a alma e moldar a personalidade; que sabe que «toda a vida do homem — como disse alguém — implica um acto de fé no seu valor e quem não compreende assim pode existir, mas não vive»; que procede com fé nos destinos da Pátria da nossa civilização e no futuro da humanidade, para que todas sejam salvas; que sabe que «viver sem luta é triunfar sem glória».
Segundo os princípios do cristianismo lhe deverá ser, pois, administrada toda a sua instrução e educação, visto que só assim se conseguirá também a verdadeira unidade nacional.
A mocidade esclarecida seria â primeira a aceitar esta determinação. E penso que não poderemos julgá-la nos seus actos de contestação, forçando a sua inteligência ou mesmo a sua consciência, se a nossa própria acção e comportamento, designadamente no estado de guerra em que vivemos, não estiver de harmonia com os princípios que, na disciplina da vida social e política, pretendemos fazer valer.
Quando muitos dos nossos jovens são chamados a cumprir deveres que vão, na frente de combate, até ao sacrifício da própria vida, talvez não seja razoável que, ao mesmo tempo, na retaguarda, cada vez mais se exija — e com êxito — um passadio de abastança, cheio de comodidades, de regalias e muitas vezes de opulência.
Creio que, se assim continuarmos, não poderá surpreender que algum dia a descrença e a desilusão possam levar esses jovens, em natural evasão, a procurar em outros motivos mais ou menos válidos o alimento espiritual de que imperiosamente necessitam.
Não haverá então ensino que, valha para os convencer da autenticidade e boa fé das nossas opções.
E, para termo deste meu comentário, registarei ainda aqui algumas das palavras que tive o ensejo de proferir há anos:
No exame que fizermos da nossa própria conduta havemos de verificar que, nos últimos tempos, temos sido, talvez, helenistas e romanistas demais; sabemos demasiado de dialéctica materialista-histórica; mas temo-nos mostrado pouco inclinados ao respeito e observância dos salutares princípios cristãos. Encontra-se mesmo, a cada passo, no homem de hoje — é forçoso confessá-lo— um desconcertante paradoxo: diz-se cristão, mas envergonha-se de falar em Cristo; alardeia ideais cristãos, mas quer vida fácil e cada vez se lança mais na procura de bens terrenos; invoca frequentemente a sua consciência crista, e abre os sentidos a um mundanismo comprometedor e dissolvente; reivindica, enfim, para si a civilização cristã, mas desvia-se da doutrina que principalmente a informa.
[...] Na dualidade espírito-matéria, cuja síntese forma o ser humano, há, pois, que estabelecer o equilíbrio entre as fontes que alimentam os dois factores, em obediência àquela doutrina. Mas o equilíbrio, neste caso, não consiste, como poderia supor-se, em os colocar ao mesmo nível. Tem de fazer-se com vista ao predomínio do espírito, pois só deve atender-se, no homem, às solicitações de ordem material, na medida em que estas convenham ao desenvolvimento daquele. Numa civilização como é a nossa — cristã pela
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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 253
preponderância de um dos seus elementos — só é, pois, legítimo considerar as necessidades materiais, enquanto a satisfação destas sirva os anseios espirituais do homem.
[...] A precária, mas sedutora concepção do homo oeconomicus, insaciável na satisfação das suas necessidades materiais, e que vê indefinidamente acrescer umas à medida que outras vão sendo atendidas, para que a ciência e a técnica se encarreguem de dar provimento a todas, é ensino que até nas escolas superiores se vai ministrando, sem se lhe estabelecer, doutrinalmente, aquele limite de ordem ética que só poderia estar na observância dos princípios da moral cristã, visto que civilização cristã pretendemos ser.
Se assim se não fizer, a hipertrofia económica em que iremos cair há-de inevitàvelmente acabar por levar à subversão.
Por isso, entendemos que elevar o nível de vida — problema que hoje tanto nos preocupa, e com razão — deveria consistir principalmente em proporcionar aos povos mais e melhor, ou mais conveniente cultura, porque o resto virá por acréscimo.
Isto quer ainda dizer que toda a actividade cultural do homem se deve orientar para essa vitória do espírito, pois só assim ele continuará a servir a civilização e a impor-se como um ser livre.
Por tudo isto, não poderia eu deixar de estar de acordo com os princípios informadores da proposta, aprovando-a na generalidade.
Que o ensino nas escolas portuguesas se faça, pois, sempre à luz da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País, e que, nas relações económicas, sociais e mesmo políticas, em suma, na promoção cultural, todos saibamos também viver em conformidade com essa doutrina e essa moral, para, desse modo, ser verdadeiramente autêntica a opção agora tomada, no respeito dos tradicionais valores em que assenta a Nação, tal como esta se situa e deseja permanecer no Mundo.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação e conclusão da discussão na generalidade da proposta de lei da reforma do sistema educativo. A seguir iniciar-se-á a discussão na especialidade e votação da mesma proposta de lei.
Informa aqueles de W. Ex.as que possam estar interessados na apreciação das contas gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público que conto dá-las como matéria de ordem do dia na sessão de quinta-feira próxima.
Também para que VV. Ex.as possam organizar as vossas vidas informo que não prevejo a necessidade
de desdobrar a sessão de amanhã, mas talvez o mesmo se não possa aplicar para os dias seguintes.
Eram 23 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
D. Custódia Lopes.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Valfredo Pires.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Lopes da Cruz.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Jorge Augusto Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José João Gonçalves de Proença.
José de Mira Nunes Mexia.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
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