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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 46
ANO DE 1974 3 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
XI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 44, EM 2 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel Homem de Oliveira Themudo
Amílcar da Cosia Pereira Mesquita
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos
Antes da ordem do dia. - Foi posto em reclamação o n.º 44 do Diário das Sessões, tendo sido aprovado com uma rectificação.
Foi lido o expediente.
O Sr Presidente declarou estarem na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.º 70 e 76 do Diário do Governo, de 23 e 30 do mês de Março, respectivamente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 116/74, 125/74 e 126/74.
O Sr. Presidente comunicou estarem na Mesa, fornecidos pelo Ministério do Ultramar, através da Presidência do Conselho, elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pela Sra. Deputada D. Sinclética Torres, na sessão de 8 de Fevereiro de 1974.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa, fornecidos pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, através da Presidência do Conselho, elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Mota Amaral, no sessão de 27 de Abril de 1973.
O Sr. Presidente informou também estarem na Mesa, enviados pelos Ministérios da Agricultura e Comércio e das Obras Públicas e das Comunicações, através da Presidência do Conselho, as respostas às notas de perguntas formuladas pelos Srs. Deputados Ribeiro Moura e Mendonça e Moura, nas sessões de 13 e 14 de Março de 1974.
O Sr. Presidente informou ainda de que, enviado pelo Ministério do Ultramar, se encontrava na Mesa um exemplar do Relatório das Contas de Gerência e Exercício das Províncias Ultramarinas, de 1972.
O Sr Deputado Eleutério de Aguiar ocupou-se de alguns aspectos da actual conjuntura económico-social madeirense.
O Sr Deputado José Alberto de Carvalho recordou a morte do Sr. Dr. António Emílio de Magalhães.
O Sr. Deputado Cruz e Silva referiu-se às preocupações de natureza económica e social existentes na zona rural do distrito de Setúbal.
O Sr. Deputado Almeida Santos abordou o problema da emigração portuguesa e também o da imigração ultramarina.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão fez considerações acerca da concessão de novas licenças de táxis e do agradecimento dos motoristas profissionais de Lisboa.
Ordem do dia. - Começou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas.
Usaram dá palavra os Srs Deputados Rómulo Ribeiro, para apresentar o relatório conjunto das Comissões de Justiça e de Trabalho e Previdência, Saúde e Assistência, e Mendonça e Moura.
O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto da Conceição Ferreira Espinhal.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Almeida Penicela.
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Álvaro Barbosa Ribeiro.
Álvaro de Mendonça Machado de Araújo Gomes de Moura.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Aníbal de Oliveira.
António Alberto de Meireles Campos.
António Azerêdo Albergaria Martins.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António de Freitas Pimentel.
António José Moreira Pires.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Manuel Rebelo Pereira Rodrigues Quintal.
António Manuel Santos Murteira.
António Moreira Longo.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Assahel Jonassane Mazula.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Leite de Faria e Costa.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando António Monteiro da Câmara Pereira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Guilherme Aguiar Branco da Silva Neves.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Domingos dos Santos Xavier.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco Magro dos Reis.
Francisco de Moncada do Cazal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel Pereira de Medeiros Galvão.
Graciano Ferreira Alves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Callapez Silva Martins.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Vaz Lacerda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hermes Augusto dos Santos.
Humberto Cardoso de Carvalho.
Jaime Pereira do Nascimento.
João Afonso Calado da Maia.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto de Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joffre Pereira dos Santos van Dunem.
Jorge Carlos Girão Calheiros Botelho Moniz.
José Alberto de Carvalho.
José d'Almeida Santos Júnior.
José Joaquim Gonçalves de Abreu.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José de Vargas dos Santos Pecegueiro.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Josefina da Encarnação Pinto Marvão.
Lia Maria Mesquita Bernardes Pereira Lello.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luiz de Castro Saraiva.
Luiz Maria Loureiro da Cruz e Silva.
Manuel Afonso Taibner de Morais Santos Barosa.
Manuel Homem de Oliveira Themudo.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Freire.
Manuel Jorge Proença.
Manuel José Constantino de Goes.
Manuel Rosado Caldeira Pais.
Manuel Viegas Carrascalão.
Maria Ângela Alves de Sousa Craveiro da Gama.
Maria Clementina Moreira da Cruz de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Mana Teresa de Almeida Rosa Carcomo Lobo.
Nicolau Martins Nunes.
Nuno Tristão Neves.
Oscar Antoninho Ismael do Socorro Monteiro.
Paulo Othniel Dimene.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ricardo Horta Júnior.
Rómulo Raul Ribeiro.
Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teotónio Rebelo Teixeira de Andrade e Castro.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Tito Manuel Jeque.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr Presidente: - Está em reclamação o n.º 44 do Diário das Sessões.
Pausa.
Se nenhum de W. Exas. tem reclamações a apresentar sobre este Diário, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
Está aprovado.
Nota de rectificações ao n.º 44 do «Diário das Sessões» enviada para a Mesa pela Sra. Deputada D. Maria Teresa Lobo no decorrer da sessão.
Na p 884, col. 1.ª, l 9, onde se lê «assente», deve ler-se, «assenta».
Idem, l 54, onde se lê «enriquecidos», deve ler-se «enriquecidas».
Idem, l 52, onde se lê «em litígio, valores», deve ler-se «em litígio, valores».
Idem, l 56, onde se lê «autonomia», deve ler-se «antinomias».
Idem, l 59, onde se lê «salvaguarda da ordem jurídica», deve ler-se, «de liberdade individual, no contexto».
Idem, col 2.ª, l 1 e 2, onde se lê «distinguir na complexidade das causalidades», deve ler-se «distinguir, na complexidade das causalidades,».
Idem, l 4, onde se lê «defesa e reprovação», deve ler-se «defesa ou reprovação».
Idem, l 22, onde se lê: «justiça, e que, por razões exclusivas da celeridade», deve ler-se «justiça, e não por razões exclusivas da celeridade».
Idem, l 29, onde se lê «me colhem», deve ler-se: «não colhem».
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Idem, l 35 e 36, onde se lê «numa função geradora», deve ler-se «uma função geradora».
Idem, l 37, onde se lê «de exclusão do próprio», deve ler-se «na evolução do próprio».
Idem, l 42, onde se lê «facto equacionante», deve ler-se «factor equacionante».
Na p 885, col 1.ª, l 18, onde se lê «de 2.ª instância», deve ler-se «na 2.ª instância».
Idem, l 22, onde se lê «numa capacidade», deve ler-se «a sua capacidade».
Idem, l 42, onde se lê «preceitos gerais», deve ler-se «precisos termos».
Deu-se conta do seguinte.
Expediente
Telegramas
Da direcção do Sindicato dos Metalúrgicos do Porto queixando-se de uma acção policial sobre determinado sócio deste Sindicato.
Vários protestando contra a intervenção da Sra. Deputada D. Maria de Lourdes Oliveira.
Telegrama apoiando os Srs. Deputados que intervieram na discussão da proposta de lei sobre a criação de secções cíveis e criminais nas relações.
Da comissão dos paroquianos da freguesia de Oeiras apoiando a intervenção do Sr. Deputado Alberto de Alarcão.
Do Sr. Armando Mendonça apoiando a intervenção do Sr. Deputado Câmara Pereira.
Ofícios
Das Juntas de Freguesia de Oeiras e da Amadora apoiando a intervenção do Sr. Alberto de Alarcão.
O Sr Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa, enviados peia Presidência do Conselho, os n.ºs 70 e 76 do Diário do Governo, 1.ª série, datados de 23 e de 30 do mês de Março findo, respectivamente, e que inserem os seguintes decretos-leis.
N.º 119/74, que regula a forma como devem organizar-se as entidades que se dedicam ao exercício da mediação de empréstimos hipotecários e disciplina a respectiva actividade.
N.º 125/74, que determina que ao provimento do lugar de chefe da Repartição Administrativa da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho seja aplicável o regime previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei nº 505/72, de 12 de Dezembro.
N.º 126/74, que regula a organização e gestão dos programas autónomos previstos na Lei de Meios de 1974.
Pausa.
Estão na Mesa, fornecidos pelo Ministério do Ultramar, através da Presidência do Conselho, elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pela Sra. Deputada D. Sinclética Torres na sessão de 8 de Fevereiro findo, os quais lhe vão ser entregues.
Estão também na Mesa, fornecidos pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, através da Presidência do Conselho, elementos destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Mota Amaral na sessão de 27 de Abril de 1973, os quais lhe vão ser entregues.
Estão igualmente na Mesa, enviados pelos Ministérios da Agricultura e do Comércio, das Obras Públicas e das Comunicações, através da Presidência do Conselho, elementos destinados a satisfazer as notas de perguntas formuladas pelos Srs Deputados Ribeiro Moura e Mendonça e Moura nas sessões de 13 e 14 de Março findo.
Vão ser lidas as notas de perguntas e as respectivas respostas.
Foram lidas. São as seguintes.
Nota de perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Ribeiro Moura
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, pergunto ao Governo qual o estado dos trabalhos prévios à criação de reservas para protecção da Natureza e garantia de águas de abastecimento público na ilha de S. Miguel, nos Açores, designadamente nas áreas das lagoas do Fogo, das Sete Cidades e das Furnas.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 13 de Março de 1974. - O Deputado, Eduardo do Carmo Ribeiro Moura.
Resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Ribeiro Moura na sessão de 13 de Março de 1974, enviada pelo Ministério da Agricultura e do Comércio.
1 Do reconhecimento levado a efeito na ilha de S. Miguel, com vista à determinação de medidas tendentes a proteger as áreas onde o mero natural dever sei reconstituído ou preservado contra a degradação provocada pelo homem, conclui-se que merecem especial atenção as lagoas existentes naquela ilha.
Entretanto, escolheu-se para início da indispensável acção de protecção a lagoa do Fogo, por ser aquela que ainda mantém um aspecto natural, embora já afectado por algumas agressões, a que é necessário pôr termo.
A urgência de uma intervenção tendente a disciplinar as actividades no complexo formado pela lagoa do Fogo e terrenos que a marginam não permite que, desde, já, se delimitem e ordenem as zonas dentro dessa área de acordo com as suas condições ecológicas e se sujeite cada uma dessas zonas às restrições administrativas adequadas.
Assim, considerou-se mais conveniente estabelecer, por agora, medidas de carácter geral que abrangem indistintamente todo aquele complexo, até que os estudos em curso venham a completar-se e permitam, então, delimitar as zonas de acordo com o interesse que revelem.
Tais medidas estão na linha daquelas que constam dos Decretos n.ºs 187/71, de 8 de Maio, 355/71, de 16 de Agosto, 364/71, de 25 de Agosto, 444/71, de 23 de Outubro, 458/71, de 29 de Outubro, 78/72, de 7 de Março, e 79/72, de 8 de
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Março, e que criaram, respectivamente, o Parque Nacional da Peneda-Gerês e diversos tipos de reserva.
Com vista a dar execução às medidas previstas para a área da lagoa do Fogo, vai ser publicado o necessário diploma legal.
2 Quanto às restantes lagoas e outras áreas a proteger, estão a decorrer os estudos no sentido de, com a maior brevidade possível, se definirem as medidas legais adequadas a proteger estas zonas.
3 Destaca-se, ainda, que a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, com fundamento nas disposições legais contidas no Decreto n.º 42967, de 5 de Maio de 1966 - que tem permitido um certo grau de protecção aos recursos naturais da ilha de S. Miguel -, tem vindo a estabelecer medidas de disciplina na utilização destes recursos, nomeadamente na cratera das lagoas, tendo chegado mesmo, em alguns casos, a embargar obras que se haviam projectado e cuja realização viria a contrariar os fins de protecção que se pretende atingir.
4 Acrescenta-se, também, que todos os estudos em curso estão perfeitamente integrados no plano de ordenamento territorial do distrito autónomo de Ponta Delgada, no qual a referida Direcção-Geral tem tido acção destacada, na conformidade das suas atribuições. Este plano encontra-se já em fase de ser apreciado.
5 Por se afigurar de interesse para um completo esclarecimento do assunto em causa, junta-se, por fotocópia, a informação prestada por aquela Direcção-Geral em 6 de Junho de 1973, satisfazendo o requerimento do Sr. Deputado João Bosco Soares Mota Amaral.
Gabinete do Ministro da Agricultura e do Comércio, 25 de Março de 1974 - O Ministro da Agricultura e do Comércio, João Mota Pereira de Campos.
Nota de perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Mendonça e Moura
Nos termos constitucionais e regulamentares, pergunto ao Governo se já foi entregue o trabalho incumbido a um técnico estrangeiro e relativo à planificação dos transportes na região metropolitana do Porto.
No caso de já ter sido entregue, pergunto se estão em curso, em relação com esse estudo, planos relativos aos acessos rodoviários à cidade do Porto e à localização definitiva das previstas gares de camionagem.
A bem da Nação.
Palácio da Assembleia Nacional, 14 de Março de 1974 - O Deputado, Álvaro de Mendonça Machado de Araújo Gomes e Moura.
Resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Mendonça e Moura na sessão de 14 de Março de 1974, enviada pelos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações.
1 Foi entregue recentemente à Direcção-Geral de Transportes Terrestres, em versão provisória, o trabalho encomendado ao Prof K Leibbrand sobre a estruturação do sistema de transportes colectivos de passageiros da cidade do Porto e concelhos circunvizinhos.
2 Está em início a apreciação desse trabalho.
3 A Junta Autónoma de Estradas tem em elaboração um plano de modernização dos acessos rodoviários à cidade do Porto
Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações, 28 de Março de 1974 - O Ministro das Obras Públicas e das Comunicações, Rui Alves da Silva Sanches.
Nota de perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Mendonça e Moura
1 Nos termos constitucionais e regimentais, pergunto ao Governo que medidas conta adoptar para resolver, a curto prazo, a situação de permanente congestionamento do porto de Leixões.
2 Nos mesmos termos, pergunto ao Governo se se encontram em estudo projectos à margem do IV Plano de Fomento no que respeita a soluções possíveis do problema portuário Douro-Leixões, particularmente em função da prevista e aprovada navegabilidade do rio Douro.
A bem da Nação.
Palácio da Assembleia Nacional, 14 de Março de 1974. - O Deputado, Álvaro de Mendonça Machado de Araújo Gomes e Moura.
Resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Mendonça a Moura na sessão de 14 de Março de 1974, enviada pelos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações.
1. As medidas destinadas a melhorar, a curto prazo, a situação do porto de Leixões em ocasiões de pontas de tráfego são as seguintes:
a) Entrada total em serviço do novo cais da doca n.º 2, com 370 m de desenvolvimento Cerca de metade da extensão deste cais não estava concluída nos passados meses de Janeiro e Fevereiro;
b) Reentrada em serviço, no próximo mês de Agosto, de 250 m de cais da doca n.º 1, actualmente em reconstrução,
c) Construção de um terminal especializado de contentores,
d) Renovação e ampliação do equipamento de carga e descarga, mediante os seguintes fornecimentos, cuja execução sofreu atrasos por razões da conjuntura internacional.
40 empilhadores de 3 t,
2 empilhadores de 10 t,
15 tractores de cais,
200 carros transportadores,
2 stradler-carrier para movimentação de contentores
2. Os trabalhos em curso sobre a implantação da navegação comercial ao longo do no Douro envolvem o estudo das soluções a prever para a transferência exterior das mercadorias trans-
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portadas e as disposições e obras necessárias para tornar válidas tais soluções. Este problema engloba o do estudo das condições da barra e do porto da foz do Douro, que está a ser também considerado.
Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações, 28 de Março de 1974. - O Ministro das Obras Públicas e das Comunicações, Rui Alves da Silva Sanches.
O Sr Presidente:- Informo W. Exas. de que, remetido pelo Ministério do Ultramar, se encontra na Mesa um exemplar do relatório das contas de gerência e exercício das províncias ultramarinas no ano de 1972.
Vai ser publicado no Diário das Sessões e baixar à Comissão de Contas Públicas.
Devo, no entanto, informar W Exas. de que, por zelo desta nossa Comissão, e graças à colaboração diligente e esforçada que encontrou no Ministério do Ultramar, a matéria destas contas já era do seu conhecimento, o que lhe permitiu proferir parecer sobre elas, que em breve será publicado e distribuído a W Exas.
Pausa.
Tem a palavra o Sr Deputado Eleutério de Aguiar.
O Sr Eleutério de Aguiar: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Como se acentuou em anteriores intervenções, é deveras preocupante a actual conjuntura económico-social madeirense, de tal sorte que, independentemente dos quadrantes políticos, unanimemente se reconhece atravessar a nossa região a sua mais grave crise de sempre.
A consciência dessa gravidade levou-nos a solicitar a palavra no desejo de aqui abordarmos um dos aspectos mais determinantes dessa crise, o que fazemos não sem algumas hesitações, perturbado o raciocínio pelo processo repetitivo, além do que somos sensíveis ao tempo de inflação, atingindo ponto alto nos preços, mas também nas palavras, com as quais se vai saturando o mercado da opinião pública.
Eis porque, persistindo na vontade expressa, se procurou ser breve na comunicação e objectivo nos seus termos.
Com a ruína da sua agricultura, ou melhor, de algumas culturas que constituíam forte suporte da economia regional, já reconhecidamente de fraca expressão, cada vez mais a Madeira se encontra na dependência da emigração e do turismo para conseguir o equilíbrio da balança comercial, cujo déficit ronda o milhão de contos.
Sabendo-se das vicissitudes que tornam periclitantes tais fontes de receitas, compreender-se-á a preocupação com que assistimos ao desenrolar de alguns acontecimentos e o desagrado que testemunhamos face a atrasos já denunciados na tomada de decisões, que se afiguram vitais para a salvaguarda de princípios e orientações em que se basearam acções realizadas pelos sectores público e privado no contexto da política de desenvolvimento regional, assente na opção turística, adoptada pelo III Plano de Fomento e sempre redefinida com carácter prioritário.
Atendendo a que se considerou a actividade turística como motora da expansão económica pretendida, interesses básicos da população foram naturalmente sacrificados E pode afirmar-se que a definição de prioridades foi aceite na convicção de justa contrapartida, através de um mais racionai aproveitamento das potencialidades do arquipélago, criação de novos e bem remunerados empregos, enfim, de uma adequada distribuição dos rendimentos, óptica facilmente aliciadora quando oferecida sob prismas optimistas a uma comunidade cuja capitação média é inferior a 10 000$ e fortemente traumatizada por ancestral recurso à emigração, de resultados materiais duvidosos e sacrifícios humanos sempre presentes.
Mais concretos têm sido, não obstante, os efeitos negativos do turismo do que as proclamadas benesses, particularmente no que concerne ao constante agravamento do custo de vida Haja em vista, como já aqui afirmámos, que os custos dos bens essenciais no Funchal são mais elevados em relação aos do continente, atingindo 85% os de alguns géneros alimentícios e de 33% a 175% nos materiais de construção, sem que as remunerações, mesmo as praticadas na indústria hoteleira, para a generalidade da mão-de-obra empregada, sejam de molde a satisfazer as crescentes solicitações de uma justa promoção social.
Sr. Presidente e Srs. Deputados No exercício do mandato em que fomos investidos, em especial ao longo da legislatura passada, tivemos ensejo de pôr algumas reservas à subordinação da quase totalidade dos recursos disponíveis à criação de condições de fomento do turismo, com sacrifício de infra-estruturas sociais há muito exigidas, preferindo-se um desenvolvimento menos espectacular que envolvesse equilibrada e harmonicamente as demais actividades, alargadas a todo o espaço regional, ainda que algumas, por sua própria natureza e limitações de vária ordem, apenas pudessem desempenhar função meramente complementar.
Todavia, em coerência com princípios fundamentais aceites, não esquecemos nem minimizamos o valor da iniciativa privada, embora ciosos da contrapartida, isto é, da função social imputada às empresas.
Assim, considerando que, a nível oficial, se definiu a Madeira como região prioritária para o desenvolvimento turístico, tendo presente a forma como o sector privado correspondeu ao apelo, diremos mesmo ao desafio lançado à sua capacidade de iniciativa e investimento, e não ignorando as irreparáveis consequências de um estrangulamento na actividade a que se atribuiu função dinamizadora do progresso económico e social, por todas estas razões, julgámos oportuno trazer à Câmara alguns elementos de reflexão, certos de que não é apenas imagem de retórica a proclamada solidariedade nacional.
O Sr Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Na defesa dos seus interesses, que também são da Madeira, alarmados com a situação de impasse em que se encontra o processo de resolução do problema das infra-estruturas aeroportuárias e da política de tráfego aéreo para a região, representantes da indústria hoteleira foram recentemente recebidos pelo Presidente do Conselho de Ministros, expondo justificadas apreensões e solicitando imediatas providências, designadamente a autorização de
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carreiras regulares directas com os principais centros geradores de correntes turísticas.
Para que essa diligência se efectivasse junto do primeiro responsável pelo Executivo, muito terá influenciado o conhecido interesse que o Prof. Marcelo Caetano sempre pôs no desenvolvimento do nosso arquipélago e consequente promoção das suas gentes, mas não pesou menos, estamos certos, a gravidade da questão suscitada, de capital importância para um sector em que foram já investidos cerca de 5 milhões de contos, dos quais 2 milhões resultantes de empréstimos contraídos a prazo em instituições de crédito, inclusive no Fundo de Turismo.
O que se verifica é um acentuado desfasamento entre o aumento da capacidade hoteleira e o crescimento do número de dormidas. Estas apenas duplicaram nos últimos cinco anos, tendo aquela capacidade triplicado em igual período.
Efectivamente, desde 1969, passou-se de 3400 camas para 8892, ao passo que o afluxo de turistas cresceu apenas de 72400 para 119700, ou seja de 504 000 para 1 102 000 dormidas. Por outras palavras, a percentagem média anual de ocupação baixou de 41% para 34% no período de 1969-1973.
Esta situação, já de si alarmante, com avultados prejuízos de exploração, corre o risco de agravar-se irremediavelmente se não forem tomadas medidas urgentes e eficazes, dado que se encontram em fase de construção adiantada mais 12 540 camas e outras 2742 em projecto, elevando-se substancialmente o volume dos investimentos.
Para que possam satisfazer-se os compromissos financeiros assumidos, garantindo-se uma percentagem média de ocupação de 75% às 21 432 camas existentes e a abrir brevemente, é imperioso conseguir que a Madeira seja visitada por 733 388 turistas, que correspondam a cerca de 5 867 000 dormidas, ou seja mais de cinco vezes as registadas no ano findo.
E todo este movimento equivale, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a 2000 turistas diários, viajando em 25 aviões Boeing 727. Presentemente, a Madeira conta, em média, com quatro voos diários entre Lisboa e Funchal, e só agora ocorrendo a inauguração da carreira Londres-Funchal-Londres, com dois voos semanais, achega apreciável, mas insuficiente para uma terra que exige, além do mais, a imediata liberalização do seu complexo aeroportuário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Apresentado este breve quadro, que expressa bem a gravidade da situação, renovamos anteriores apelos ao Governo para que não tardem as medidas instantemente reclamadas, sendo já de considerar o encerramento total ou parcial de unidades hoteleiras recentemente construídas e consequente desemprego para o respectivo pessoal, associando-se prejuízos de ordem material a conflitos sociais facilmente detectáveis, numa altura em que se arrastam as negociações do novo contrato colectivo de trabalho dos profissionais deste importante sector.
Sr. Presidente e Srs. Deputados Do exposto, conclui-se igualmente das dificuldades de deslocação que impendem sobre a população do arquipélago, agora substancialmente oneradas a pretexto do aumento do custo dos carburantes Não podemos calar a nossa surpresa pelo facto de o aumento verificado atingir 34,5% na taifa normal (ida e volta), passando o seu custo de 2544$10 para 3420$, praticamente incomportável para grande número dos utentes dos serviços (em regime de exclusivo) da transportadora nacional, tanto mais que essa percentagem ultrapassa largamente os 7% autorizados, ao abrigo dos acordos da IATA, para as carreiras internacionais.
O Sr. Leal de Oliveira: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Deputado. Quero dizer apenas uma palavra muito breve para dar o meu apoio às últimas palavras que V. Exa. proferiu, pois o turismo algarvio também depende muito do transporte em aviões. O aumento recente das tarifas nos voos domésticos mostrou-se também muito elevado em relação às carreiras para o Algarve.
Muito obrigado.
O Orador: - Obrigado a V. Exa. pela achega que quis dar ao meu modesto trabalho.
E este evento é sobremaneira preocupante, na medida em que a população do arquipélago está cada vez mais condicionada nas suas deslocações, em virtude da escassez de transportes marítimos, constituindo facto lamentável a todos os títulos a precariedade e irregularidade destas ligações, mormente com o território continental, autorizando-se a suspensão de carreiras e a não substituição de unidades abatidas ou vendidas pela marinha nacional, a quem foi salvaguardado o exclusivo desse serviço, através de obsoleta disposição legal, que terá sido responsável pela ausência de algumas companhias estrangeiras e, consequentemente, de apreciável número de passageiros em trânsito, com inegáveis prejuízos para o comércio tradicional, a atravessar prolongada crise, que se reflecte em todo o sector das indústrias artesanais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, o movimento do porto do Funchal, outrora tão frequentado por navios das mais diversas nacionalidades, em consequência de inércias que possibilitaram a hegemonia das carreiras internacionais às vizinhas Canárias, continua a acusar sensível declínio, passando de 1035 unidades entradas em 1969, para 909 no ano passado. Em igual período, o número de passageiros baixou de 279 532 para 163 499.
Relativamente ao movimento de navios nacionais de passageiros, que, para o caso de que nos ocupamos, mais interessa salientar, haja em vista que dos 153 registados em 1972 se desceu para 100 em 1973, e com tendência para baixar substancialmente no ano em curso, tornando ainda mais difícil de suportar o peso da insularidade, que tanto condiciona o viver das populações, circunstância agravada pela falta, também já evidente, quanto a navios de carga, comprometendo o abastecimento de bens essenciais e acarretando prejuízos derivados de irregularidades na exportação.
Tudo isto se traduz, como é óbvio, em mal estar das populações que representamos, não se compreendendo, por outro lado, as demoras verificadas na solução dos problemas relacionados com o melhora-
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mento do porto do Funchal e construção do cais de Porto Santo, aspiração legítima dos seus habitantes, a que acrescem novas exigências impostas pelos empreendimentos que para ali se projectam.
Terminamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, manifestando a esperança 'de que o Governo não fique insensível ao veemente apelo da população madeirense, respondendo com prontidão às vozes de alerta, que em todas as tribunas se levantam, ordeiramente, mas com perfeita consciência da gravidade da hora que vivemos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Através dos séculos, a cidade do Porto tem sido o berço de portugueses ilustres, que, por qualquer forma, da lei da morte se foram libertando e hoje engrandecem as páginas da sua história.
No momento em que passa o aniversário da morte do Dr. António Emílio de Magalhães, homem do Porto, que a cidade consagrou, honrando uma das ruas com o seu nome, julgo oportuno recordá-lo desta tribuna, não só porque é este para mim o lugar próprio, mas ainda porque foi esta Assembleia que ele escolheu como aliado para a batalha com que quis encerrar o ciclo da sua vida.
Homem de nobres ideais, de vontade firme e indomável, o Dr. António Emílio de Magalhães foi um lutador bondoso, compreensivo e alegre, mas decidido e contundente. Toda a sua vida se desdobrou entre a defesa intransigente da dignificação das condições de trabalho das pessoas humildes e um grande amor à Pátria Portuguesa Sem outra política senão a que decorria dos princípios que defendia, gozava da estima e da admiração de todos os que tiveram a grande felicidade de o conhecer e de com ele conviver.
Era um insatisfeito consigo próprio, na lurada consciência do seu valor e dos talentos que lhe haviam sido confiados, bem como na compreensão da sua responsabilidade como médico e como homem. Na consecussão da tarefa que se determinara, caminhava com a naturalidade com que se processam as obras grandes.
A verticalidade das suas atitudes, a grandeza dos ideais que defendia e o grande poder de argumentação que lhe vinha das suas certezas, apoiados numa total isenção no que se referia à sua própria pessoa e até ao seu bem-estar, que sempre considerou factor secundário na dicotomia em que se vivem as vidas, fizeram dele um homem amado pelo povo e respeitado pelos responsáveis.
Viveu com os pés no chão e os olhos fixos nas estrelas.
Fundador da Liga de Profilaxia Social, fez dela uma bandeira, à sombra da qual se acolhem os carecidos de justiça e os portadores de ideais, de entre os quais o seu melhor e mais próximo colaborador, Dr. Gil da Costa. Certo de que a educação e a cultura são as bases fundamentais em que assenta todo o processo de desenvolvimento e promoção da pessoa humana, fez da Liga uma fonte de cultura, editando publicações diversas, promovendo conferências e colóquios, que levaram aos seus salões nomes grandes das ciências, da sociologia e da medicina, nacionais e estrangeiros, que desse modo puderam contribuir para a valorização do património comum. Acreditando nos homens, amava as crianças, que queria ver acompanhadas desde a primeira infância numa formação bem portuguesa e por formas válidas de educação Nesse sentido, deu-se à campanha da instalação de escolas infantis do tipo João de Deus, aquele que mais lhe significava como concretização da sua forma de pensar, embevecendo-se na contemplação daquelas crianças que ali se educam em amor.
Sr. Presidente O Dr. António Emílio de Magalhães morreu vivendo a maior batalha da campanha que foi toda a sua vida. Não sei se a venceria se mais anos vivesse, creio mesmo que não, mas do que estou certo é que nela só envolveria totalmente e sem desfalecimentos.
Ciente de que a língua é a maior riqueza de um povo, queria a língua portuguesa preservada de toda a espécie de deterioração. O livro O Respeito Devido à Língua Pátria, que a Liga editou, foi um grito de alarme que mereceu o maior aplauso e a leitura atenta dos estudiosos. Poder-se-á dizer até que foi ele a motivação necessária que levou os Deputados avisantes, dos quais destaco o ilustre Deputado Dr. Elísio Pimenta, a efectivar o aviso prévio sobre a defesa da língua portuguesa, que nesta Assembleia teve lugar na sessão de 1969.
Sr. Presidente e Srs. Deputados. A defesa da língua portuguesa foi a última batalha do homem que hoje aqui recordo Nela ele se envolveu com todo o entusiasmo que era apanágio da sua personalidade, lançado para a frente em busca das soluções, acutilando os responsáveis sem tibiezas e com todas as suas forças, pois era essa a sua maneira de lutar. Ele sabia quanto difícil era vencer e por isso proclamava sem rodeios que a Liga Portuguesa de Profilaxia Social lutaria para que a «língua-mãe não se arrastasse sofredora e enxovalhada sob o azorrague dos insultos dos néscios e até de outros...».
Julgo, pois, ser a melhor forma de lhe prestar a minha homenagem renovar hoje o seu apelo ao Governo no sentido de que tome para si a tarefa de dar corpo aos votos da moção aprovada nesta Câmara em sessão de 7 de Fevereiro de 1969, o que faço usando as suas palavras.
Oxalá que todos quantos têm a missão irrecusável de velar pela defesa do património colectivo atentem nas palavras dos ilustres Deputados que participaram na discussão do aviso prévio e se resolvam a encarar, com presteza e amplitude, as medidas que se impõem para preservar da ruína o idioma nacional, instrumento único que individualiza um povo, veicula uma cultura, identifica uma civilização.
Se é que este facto representa uma homenagem pela oportunidade que as suas palavras revelam nos dias de hoje, em que tantas certezas que formam as bases fundamentais da Nação são envolvidas em discussão, é meu desejo que, como tal, ele seja interpretado.
O Dr. António Emílio de Magalhães morreu igual a si próprio, em luta aberta contra o imobilismo e o derrotismo, pela vitória das causas justas e pela maior grandeza da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
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O Sr. Cruz e Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar a V. Exa., Sr. Presidente, os meus respeitosos cumprimentos, gostosamente me associo às palavras que lhe têm sido dirigidas, reveladoras dos melhores sentimentos de admiração e respeito peta digna e prestigiosa pessoa de V. Exa. e pela função que superiormente exerce.
Vão, pois, para V Exa., e antes de mais, as minhas sinceras saudações e as minhas homenagens.
Nesta Assembleia política tenho acompanhado atentamente as inúmeras intervenções de ilustres Deputados e apraz-me reconhecer quanto me têm impressionado favoravelmente a forma e o conteúdo das comunicações apresentadas. Em meu entender, do esforço despendido e do trabalho produzido muita coisa de válido e útil ficará a enriquecer a actividade política do País.
Agradeço aos meus ilustres colegas os ensinamentos que nos têm dado e também lhes presto as minhas homenagens pela dignidade que procuram prestar nos debates que temos vivido.
Não era meu propósito pedir a palavra nesta sessão legislativa, por várias razões.
Desde as naturais limitações para o desempenho de uma missão que não ambicionei, mas que desejo cumprir conscientemente, até à preocupação de me inteirar o mais convenientemente possível dos diversos problemas que enfrentamos, tudo me leva a aguardar um período de expectativa, de estudo e de reflexão.
Porém, as obrigações assumidas com o eleitorado que nos escolheu, e que pretende que sejamos aqui os representantes das suas preocupações, anseios e necessidades, impuseram-me o dever de consciência de pedir a palavra a V. Exa., Sr. Presidente.
Não será, pois, de estranhar que estas minhas primeiras palavras traduzam um pensamento mais regional, no âmbito da política de desenvolvimento regional, que está consagrada como um dos objectivos do IV Plano de Fomento, cujas bases aqui foram recentemente apreciadas e aprovadas, após interessado e animado debate.
Natural e residente no distrito de Setúbal, que me elegeu, eu conheço e sinto muitos dos seus problemas, que são difíceis, complexos, variados e extensos e têm necessariamente reflexos na vida política, económica e social do País.
Já foram aqui abordados, com muita oportunidade e clareza, pelos meus ilustres colegas de círculo, alguns aspectos da problemática distrital relacionados com a sua vida económica e social, designadamente no que respeita a certas infra-estruturas e equipamentos sociais.
Procurarei agora pedir a atenção do Governo e desta Assembleia para mais alguns aspectos que, não sendo estudados e programados com oportunidade, ou não se agindo com prontidão, podem permitir o agravamento das assimetrias regionais, comprometendo o objectivo que a todos preocupa a correcção de desequilíbrios regionais de desenvolvimento.
A expansão industrial da zona de Setúbal, de certo modo considerada espectacular, a criação do pólo de crescimento de Sines, a instalação em Rio Frio do projectado aeroporto, o empreendimento turístico de Tróia, só por si exigem um acompanhamento e uma coordenação de esforços de carácter excepcional e urgente.
Se é certo que os grandes centros urbanos e industriais se apresentam como centros motores de desenvolvimento, igualmente é certo que eles representam a maior atracção para as zonas mais deprimidas que os circundam e que se encontram em geral dependentes das actividades do sector primário.
A actividade agrária pode surgir estimulada pela criação de centros de consumo nas proximidades, mas, por outro lado, atravessa, a curto prazo, grandes dificuldades, mais se acentuando a falta de uma orientação de produção, a necessidade de modernização de métodos de trabalho e de gestão, a falta de mão-de-obra, a compatibilidade dos custos e dos preços dos produtos, uma mais fácil comercialização destes, as deficiências de comunicações e transportes, as carências de condições sociais que não permitem melhor qualidade de vida dos habitantes, etc.
Ora, através de uma política regional pretende-se, afinal, atingir melhores níveis de bem-estar, mas a distribuição das populações depende de actuações decididas e firmes quanto a localização de equipamentos sociais que elas necessitam e das infra-estruturas económicas que se impõem.
Parece não oferecer dúvidas de que a preocupação de valorização das actividades produtivas nas regiões não se relaciona somente com o desenvolvimento das indústrias e dos serviços, mas também com a modernização da agricultura, pecuária e silvicultura, por forma a assegurar às populações interessadas adequados níveis de rendimento e de remuneração do trabalho.
O distrito de Setúbal, criado pelo Decreto n.º 12 870, de 22 de Dezembro de 1926, compreende, como sabeis, uma vasta e populosa região ao sul do Tejo, que, pelas afinidades étnicas dos seus habitantes, pelos interesses comuns, pelas relações adquiridas e mantidas no decurso do tempo, constitui um conjunto de treze concelhos que uma estreita e tradicional ligação administrativa veio tornar quase homogéneo.
Os concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacem e Sines, que anteriormente também pertenceram ao distrito de Lisboa, estão assim há quase cinquenta anos integrados no distrito de Setúbal.
Situados na faixa litoral, onde o clima, as culturas, a mentalidade dos povos e a penetração de outras influências de índole sócio-económica tem dado como resultado o desenvolvimento de características próprias que os diferenciam do todo alentejano, os quatro concelhos referidos correspondem a cerca de 70% do território distrital (5000 km2) e a menos de 20% da população total (500 000 habitantes), o que revela uma muito fraca densidade demográfica a sul.
A atracção exercida pelos centros de grande desenvolvimento urbano, compreendendo as povoações de Setúbal, Almada, Cova da Piedade, Montijo, Barreiro e Baixa da Banheira, e a concentração industrial, situada a norte do distrito, é o que explica, em parte, o despovoamento da zona, e que a política de desenvolvimento regional, uma vez concretizada, poderá atenuar.
Uma primeira grande opção tomada quanto a realizações concretas no domínio do ordenamento do território foi a decisão do Governo, ainda no decurso do III Plano de Fomento, em designar a área de Sines para a implantação de um complexo de indús-
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trias de base, a qual implica substancial esforço de investimento e com elevada prioridade de concretização.
Efectivamente, pode já ver-se no IV Plano de Fomento que os investimentos públicos programados para a área de Sines durante o l º triénio montam a cerca de 8 milhões de contos, que serão aplicados, destacadamente, na construção de um porto de mar, na criação de um novo centro urbano e em infra-estruturas de base.
Além destas medidas concretas, cujo alcance não poderá ser ignorado nem esquecido, mas antes deverá ser realçado, outras medidas se prevêem no Plano em execução tendentes a evitar a permanência e o agravamento de problemas de natureza regional.
Assim, aparece-nos como objectivo especificamente regional «a valorização do meio rural, através de orientação prioritária dos investimentos para as áreas com maiores potencialidades de desenvolvimento agrícola e da definição de uma rede de centros de apoio rural a dotar dos equipamentos correspondentes a esse escalão».
Diz-se que serão desenvolvidas durante o período do Plano as acções prioritárias que se impõem, designadamente quanto à hierarquia da rede urbana, expansão descentrada da indústria e dos serviços e quanto à consideração de áreas potenciais de regadio com viabilidade de desenvolvimento agrícola integrado - áreas integradas.
Para estas se prometem acções incidindo directamente sobre a produção agrícola, mediante esquemas de agricultura intensiva e modernizada e outros complementares (designadamente: incentivos fiscais e financeiros), sobre as infra-estruturas (nomeadamente transportes, comunicações e energia), sobre os equipamentos e a formação profissional, por forma a promover a implantação de indústrias transformadoras dos produtos agro-pecuários e a assegurar a existência de adequados sistemas de comercialização.
Afirma-se ainda que será dada particular atenção à inserção do esforço de promoção das áreas integradas no desenvolvimento urbano-industrial, no sentido de assegurar eficazmente, em termos de preço, qualidade e diversificação de produtos, os abastecimentos indispensáveis às populações urbanizadas.
Menciona-se expressamente quais os empreendimentos sectoriais a considerar no âmbito dos programas anuais de execução do Plano.
Ora, definidos como estão os princípios e fixadas as directrizes, somos também impacientes quando porventura se demoram as actuações.
Concordamos que o desenvolvimento da área entre Setúbal e o pólo de crescimento de Sines, incluindo o vale do Sado com os seus regadios tradicionais e grandes zonas florestais ou aptas a arborizar, deve exigir um esforço de desenvolvimento, com vista a minorar os seus problemas mais urgentes.
São zonas rurais cujas potencialidades e problemas específicos justificam uma urgente actuação coordenada de fomento, a fim de evitar que se formem também ali e a curto prazo as chamadas «bolsas de vazio» na ocupação humana no meio rural, o que, além do mais, não será estimulante para outras zonas onde se procura a criação ou a expansão industrial, que são tão necessárias ao progresso económico e social do País.
Para corrigir esta tendência natural importa desenvolver um conjunto de estudos ou projectos de investigação de natureza regional, indispensáveis à integração e complementaridade entre o desenvolvimento urbano e industrial e a zona rural circundante, que no meu distrito se pode evidenciar não só nos já referidos concelhos do Sul, como ainda nos concelhos do Montijo, Morta, Palmeia e Alcochete, situados ao norte.
Brevemente será publicado pela Comissão de Planeamento da Região de Lisboa um trabalho sobre a repartição regional do produto interno bruto, que contem dados e indicativos de grande utilidade e interesse para um melhor estudo das zonas a que me refiro e na preparação de verdadeiros programas de interesse regional.
É nesta perspectiva que poderão ser conduzidas actuações no âmbito dos programas anuais de execução do IV Plano de Fomento, nos quais desejaríamos ver consideradas (sem prejuízo de outras regiões em situação idêntica) as zonas rurais circundantes dos grandes núcleos urbanos e industriais do distrito de Setúbal.
O apoio e assistência aos corpos administrativos, acelerando e facilitando o processo de subsídios e comparticipação do Estado destinados a obras e melhoramentos urbanos e rurais previstos nos planos de actividades dos municípios, afigura-se-nos ser do maior interesse e de efeitos práticos imediatos, desde que satisfaçam objectivos do Plano de Fomento.
Porque acredito que o agricultor português também é capaz de assumir o progresso técnico e acompanhar, em termos de gestão, a moderna agricultura, entendo que vale a pena apoiá-lo e assisti-lo nesta fase de adaptação.
A formação profissional agrícola, através de serviços responsáveis, e a assistência técnica, através dos serviços de vulgarização ou mediante explorações «piloto» a instalar nas propriedades na posse e sob administração do Estado, serão de grande importância para o progresso técnico e económico do nosso meio agrário.
Não quero deixar de lembrar ainda aqui a recente reorganização dos departamentos ministeriais consagrados aos assuntos da economia, designadamente a restauração do Ministério da Agricultura (velha e tão falada aspiração da lavoura portuguesa), que veio trazer novos motivos de esperança para aqueles que se dedicam a actividades do sector agrário.
Eles sentem-se mais acompanhados na preocupação de ver definida, com clareza, uma política de preços dos seus produtos, assente em melhor coordenação com o comércio interno e externo, nas necessidades do abastecimento, e no melhor aproveitamento através da industrialização.
A recente reorganização apresenta-se como um grande passo em frente, que dará como resultado a mais breve reforma dos serviços da Secretaria de Estado da Agricultura (que já estava prevista), de forma a conferir-lhe o maior dinamismo e poderem ser executadas as medidas de política planeadas para o sector agrário.
Sr. Presidente e Srs. Deputados Foi meu propósito chamar a atenção e tentar ventilar um problema que julgo de interesse para a agricultura em geral, mas que se traduz também num caso de aplicação prática da política de ordenamento do território, pois con-
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sidero urgente e prioritário envidar todos os esforços e tomar oportunas providências para se não deixar deprimir ainda mais as zonas rurais circundantes dos grandes núcleos urbanos e industriais.
Não temos dúvidas de que o Governo está atento ao problema, e temos a esperança de que a mais perfeita colaboração entre o novo Ministério da Agricultura e do Comércio e a Secretaria de Estado do Planeamento, a que cabem agora as tarefas ligadas à preparação e acompanhamento da execução do Plano de Fomento, e a boa vontade dos respectivos serviços, vão dar resposta pronta às preocupações, de que procurei ser mais um intérprete.
Tenho dito.
O Sr. Almeida Santos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. A emigração de portugueses para diversos países da Europa e das Américas tem representado, como ninguém ignora, um dessangramento grave na mão-de-obra artesanal e rural do País.
Com efeito, quem não assiste preocupado à perda de tanto braço válido, ao êxodo do trabalhador da terra, que deixa aldeias e povoados quase que somente reduzidos a uma população de mulheres, velhos e crianças, enquanto na cidade escasseiam aflitivamente os operários especializados, sobretudo no ramo da construção civil e nas actividades afins? E quem, atento às realidades nacionais, se não sentirá, neste momento, ainda mais preocupado quando boa parte dos nossos emigrantes, devido à crise energética a grassar mundo além, está em risco de ser mandada embora, de regresso à sua terra? Quem, entre nós, não receia os efeitos desse retorno? Porque, de facto, poderemos vir a encontrar-nos com problemas de desemprego, problemas de desajustamento às tarefas rurais desempenhadas antes da partida, desajustamento ainda a um nível forçosamente mais baixo de salários - tudo isto, como é óbvio, ameaçando provocar um clima de tensões sociais, ameaçando criar um empolamento das dificuldades que estamos a atravessar, frente à inflação e à crescente carestia do custo de vida.
A verdade é que as atenções do País se têm fixado ultimamente nestes problemas, depois de durante muito tempo haver sido verberada a existência dos bidonvilles - fétidos bairros de lata onde o emigrante clandestino encontra um catre pago à hora e onde é um autêntico marginal da sociedade à qual aluga o seu braço e o seu fôlego.
É esta a face triste e degradante da emigração clandestina, que nos vexa como portugueses e fere o nosso sentido de humanidade e de justiça social.
No entanto, não se poderá minimizar a acção de relevo que o Secretariado Nacional da Emigração vem desenvolvendo na defesa do emigrante português, promovendo acordos, vigiando salários e contratos de trabalho e actuando ainda no campo da assistência social Como não devem também olvidar-se as preocupações constantes do Governo, que culminaram com a proposta de lei n.º 8/XI, sobre política de emigração, a qual deverá ser discutida nesta Casa no próximo período legislativo.
Todavia, meus senhores, as atenções não podem nem devem incidir apenas sobre o emigrante metropolitano, que, às claras ou sub-repticiamente, vai procurar no estrangeiro salário mais compensador, aforros e economias que lhe permitam levantar casa na aldeia nativa, ou procurar, como é compreensível, melhor nível de vida e de cultura para os filhos Não basta, com efeito. E a tal ponto se afiguraria injusta uma tão limitada preocupação que a referida proposta de lei já considera na sua base VIII as migrações interterritoriais.
Na verdade, temos também o dever de olhar com o mesmo cuidado e atenção o nosso trabalhador ultramarino da Guiné, de Cabo Verde, de Angola, que, na metrópole, vem procurar trabalho e melhores oportunidades ou vem apenas pelo direito que lhe assiste como português de se estabelecer e ganhar a vida em qualquer ponto do território nacional E é considerável, sobretudo em Lisboa, a fixação de gente do ultramar, que normalmente aqui encontra trabalho no sector da construção civil. Somente de Cabo Verde temos na metrópole, nestas condições, cerca de 35 000 naturais!
Ora, é justa, é natural, é até admirável a possibilidade franca e aberta de qualquer português poder circular através das dispersas parcelas da Nação sem carecer de vistos, de cartas de chamada ou de passaporte. É mesmo, direi, como que a concretização do nosso ideal de unidade pela livre circulação de todas as gentes portuguesas através da descontinuidade do território nacional. Mas, por outro lado, forçoso se torna encarar a situação real e humana desse mesmo cabo-verdiano, guineense, são-tomense ou angolano, que nos chega do quimbo, da roça ou do musseque e se vem estabelecer muito longe da sua terra natal.
É certo que todos eles descontam para a Previdência e beneficiam dos respectivos direitos seis meses após a sua inscrição É certo também que nesse ínterim, por despacho ministerial, podem usufruir de cuidados médicos, medicamentosos e cirúrgicos no Hospital do Ultramar - medida de notável alcance social e humano e ao mesmo tempo reveladora de fraternos sentimentos de coesão racial entre os Portugueses.
Mas permito-me indagar como vive e onde se aloja o trabalhador ultramarino, que enxameia hoje a construção civil e que encontramos por toda a parte substituindo a mão-de-obra local que desertou para o estrangeiro?
Se nos dermos ao trabalho de deambular pelos subúrbios de Lisboa, nomeadamente por Algés e pela Damaia, se nos dermos ao trabalho de investigar, de contactar com esses operários de cor, verificaremos facilmente que algumas firmas de construção civil os alojam numa espécie de dormitórios feitos de material pré-fabricado, onde o pessoal dorme em camarata, próximo do lugar da sua actividade. É uma solução que parece feliz, que resolve, na realidade, as dificuldades de alojamento e anula as distâncias e as dificuldades de transporte entre o domicílio e a obra ou a oficina.
Porém, é forçoso considerar que, se alguns homens vieram sós, na expectativa de mais tarde mandarem vir os seus familiares, muitos outros, especialmente os de S Tomé, profundamente arreigados à família, chegam em rancho e logo se lhes depara o tormentoso problema de conseguirem abrigo. E ainda que ao trabalhador cabeça-de-casal se lhe possa proporcionar a vantagem do dormitório comum, onde achará ele a preço acessível um tecto para abrigar os seus? E como poderão aqueles que vieram sós
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mandar vir a família se não encontram um lar modesto e económico, com o mínimo de condições de habitabilidade, onde a possam albergar?
E é por essas razões que nos subúrbios, nos baldios, em terrenos provisoriamente vagos, surgem mais bairros da lata - em tudo parelhos daqueles famigerados bidonvilles -, onde se alojam numerosas famílias africanas, vindo a agravar assim ainda mais o já agravado problema habitacional de Lisboa e seus arredores.
Mas acresce também que nem todas as firmas proporcionam alojamento aos seus operários. E, a somar aos bandos de homens solitários albergados em dormitórios, surgem, pois, outros bandos que se alojam em sórdidas barracas. E todos, fatalmente acicatados pelo instinto, pela solidão, pela estranheza do ambiente, cometem por vezes excessos, violências, e podem até constituir ameaça à ordem pública.
Ora, a dignificação da família e o direito de todos os portugueses a um lar decente e digno são princípios que estão inclusos no programa de acção do Governo E, na verdade, minimizar tais problemas ou atacá-los superficialmente, ao sabor do remedeio e de improvisações particulares, seria não só estulto como em extremo arriscado.
Não poderemos esquecer que estão em jogo os princípios por que honestamente e sinceramente nos batemos - o bem-estar social das populações que nos propomos abrigar, promover e integrar. E, no caso particular dos trabalhadores ultramarinos, teremos ainda de ter em consideração a estranheza do ambiente onde se vêem de repente inseridos, a falta de conhecimentos e de cultura para darem os passos necessários em seu próprio benefício e, para além disso, também a timidez do sertanejo lançado na grande cidade.
Adentro da admirável liberdade que qualquer português tem de transitar entre as várias parcelas do território nacional, e sem prejuízo dessa mesma liberdade, prevê a mencionada proposta de lei n.º 8/XI que os movimentos migratórios interterritoriais possam ser acompanhados e assistidos por serviços adequados Mas não considera especificamente ou claramente que no âmbito da assistência à família ou no âmbito da assistência económica esteja incluso o importante problema habitacional, causa de tensões psicológicas e sociais que poderão assumir considerável gravidade e poderão até, no caso presente, vir a estar na origem da desagregação familiar.
Ora, nós temos de encarar o facto de que a fruição de um lar digno e com os requisitos mínimos de habitabilidade e de conforto está já hoje gravada na consciência colectiva como um direito dos indivíduos e das famílias e temos também de considerar que para qualquer trabalhador a importância do benefício da habitação vem logo a seguir à do salário como factor significativo da melhoria do padrão de vida.
E, por tais razões, deste lugar me atrevo a pedir a atenção para o assunto à Câmara Corporativa, para onde, segundo creio, a aludida proposta de lei n.º 8/XI foi enviada ao parecer dos Dignos Procuradores. E peço também a atenção dos serviços de saúde para vigiarem, se o não estão já fazendo, as condições de higiene e de habitabilidade dos mencionados dormitórios, onde certas firmas albergam largas dezenas dos seus trabalhadores. E por último, meus senhores, peço a consideração de W. Exas. E do Governo para este problema, que é um problema humano e social, e cujo atendimento válido contribuirá, estou certo, para o maior estreitamento de relações entre os Portugueses de todas as cores e para o robustecimento da unidade nacional e territorial que queremos preservar a todo o custo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr Presidente. Está ainda na memória das gentes a homenagem que os motoristas de táxis de Lisboa, ao passarem a usufruir de licenças de veículo próprio para o desempenho de seu mister profissional, expressaram ao Governo aquando da atribuição da 1.ª fase de aumento do contingentamento de carros de aluguer a taxímetro da capital da Nação. Encheu-se a sala vizinha deste Palácio de S Bento com a vestimenta, os blusões tradicionais do seu labor.
Na linguagem simples da verdade um trabalhador - um dos muitos que circulam pelas ruas e estradas do País, oferecendo os préstimos dos seus serviços no âmbito das artérias viárias como sangue dinamizador das actividades económicas nacionais - a outro trabalhador se confiou.
São mais de duas centenas de profissionais que assim vêem satisfeito o seu anseio de promoção social. São outras tantas famílias que vêem uma janela aberta de par em par sobre um futuro melhor.
[ .] Prossiga com firmeza, Sr. Presidente, no caminho traçado. A estrada social não tem fim, mas aceite-nos como companheiros de jornada e creia que constituiremos um Portugal mais justo, mais rico, mais forte, mais dilatado.
[_ .] Nós - os trabalhadores de Portugal - sabemos o que queremos e como o queremos.
Foi-lhe respondido então.
Quando o Ministro das Comunicações julgou inadiável o aumento do número de táxis em Lisboa, logo ficou assente, na linha de orientação, aliás, já definida, que nas novas licenças a conceder tivessem preferência os profissionais em exercício.
Podem assim algumas centenas de motoristas passar a proprietários do seu instrumento de trabalho. E ver desse modo recompensada a sua actividade de anos nesta tarefa enervante e desgastante de servir o público no transporte citadino
Nova portaria acaba de ser publicada.
Mais 300 licenças de táxis vão a concurso neste princípio de Abril. Somadas às precedentes 280 autorizações, elevam para três milhares o número de unidades do contingente de veículos ligeiros de transporte de passageiros por aluguer a taxímetro na cidade de Lisboa.
De há muito se impunha a revisão do seu total - e poderíamos até acrescentar que não apenas na capital, como nos próprios arredores e, sobretudo, na Costa do Sol, em muitas outras regiões e terras de Portugal (e, se para numerosas actividades eco-
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nómicas assim fizéssemos, certamente que os portugueses não teriam partido, indivíduo a indivíduo, família após família, na tamanha emigração dos tempos contemporâneos) Revisão noutros lugares, mas também e sobretudo aqui e agora, em Lisboa.
Efectivamente, o intenso crescimento demográfico desta região lisboeta, a movimentação de extensas camadas populacionais de e para zonas residenciais suburbanas, a evolução das condições de trabalho e vida, as carências ou limitações de outras infra-estruturas e meios de transporte público de passageiros, haviam alterado profundamente o comportamento da oferta e a solicitação da procura desta modalidade de transporte.
Era frequente verem-se, mesmo nas ruas mais concorridas e de trânsito obrigatório para os diferentes bairros da cidade - como se expressou alguém -, grupos de pessoas que esperavam tempo infinito por carro livre que não chegava jamais. E se o pretendente, estivesse em casa e telefonasse para meia dúzia de «praças», próximas ou distantes, bem podia acontecer não encontrar quem o atendesse durante uma hora ou mais Sabemo-lo por experiência própria - pior, se o caso fora de urgência.
A atribuição das referidas licenças em duas fases teve em vista permitir examinar as reacções da procura face às novas condições de alteração da tarifa que a Portaria n.º 133/73, de 24 de Fevereiro, viera introduzir no mercado.
A resolução de se concretizar, em tão curto espaço de tempo, a segunda fase do programa resulta do comportamento da procura deste transporte, cuja análise permitiu avaliar não haver decrescido a sua utilização, apesar do acréscimo da bandeirada e demais sistema tarifário, antes se registando aumento considerável, documentado na assinalada dificuldade em se conseguir obter táxi, sobretudo durante o dia e, em especial, nas chamadas horas de ponta.
A isso não terá sido de todo estranha a dificuldade de obtenção e maior custo da gasolina utilizada nos transportes particulares, privativos de famílias, quantas vezes individuais.
O reforço da capacidade de oferta desta modalidade de transporte vem assim corresponder a uma necessidade absolutamente sentida, pois o aconselham as reacções da procura, francamente positivas, e os anseios ou reclamações da população.
Mas, Sr Presidente, parece impor-se também, em benefício do trânsito e dos utentes dos táxis, a criação ou ampliação de praça, sobretudo em locais estrategicamente melhor situados e em ligação com outros meios de transporte público.
Estou a lembrar-me, por exemplo, e só a título demonstrativo - mas quantos mais não poderiam adiantar os cidadãos lisboetas se motivados a participar na vida pública através do envio de sugestões postais que fossem devidamente consideradas -, estou a lembrar-me dessa Praça de Espanha, confluência de metropolitano e de ligações com a Outra Banda e Região Sul do continente (sem falar nos demais transportes) e a zona da estação de Alcântara, dessa linha do Estoril-Cascais, uma e outra áreas largamente beneficiadas com os arranjos de infra-estruturas viárias e nós de comunicações. E de Santa Apolónia que expressar?
Manda a verdade dizer-se que o que se tem passado em matéria de colocação e utilização de praças nos parece, por vezes, profundamente errado. Algumas têm sido suprimidas, outras têm sofrido reduções do número de carros atribuídos, com manifesto prejuízo dos que na rua ou por telefone solicitam um táxi. Talvez fosse de restabelecer muitas das que foram reduzidas -o seu estudo bem se justificaria. A facilidade de encontrar um táxi poderia vir a diminuir o número de automóveis particulares em circulação.
Assim, o aumento do número de táxis, se não for acrescido o número e capacidade de contingentamento das praças e se os motoristas e pretendentes ao seu serviço se não habituarem a se concentrarem e nelas procurarem tal meio de transporte, significará implicitamente o agravamento das condições de trânsito citadino. Quando os Restauradores estavam acessíveis - como alguém lembrou - ao «passeio», era fácil contar com numerosos táxis circulando à volta do monumento, como se festejassem os heróis de 1640 com suas luzinhas vermelhas e o variado som dos seus klaxons. Mais umas centenas de táxis de que Lisboa (e porque não outras terras?) necessita e, então, as dificuldades em matéria de circulação virão a acentuar-se.
O motorista lisboeta parece ter horror a estar parado. Prefere frequentemente circular sem interrupções que não as normais, queimando gasóleo e gastando pneus, a esperar pacientemente numa praça pelo freguês, que seguramente o procuraria ou telefonaria se tivesse esperança em encontrá-lo.
Em terras estrangeiras, como em Bruxelas, não parece ser permitida a circulação de táxis livres, pois o carro que termina um serviço é obrigado a estacionar na praça mais próxima desprovida de táxis.
O método entre nós - ou, para melhor dizer, esta falta de método - tem, para além do inconveniente de agravar o trânsito e incrementar a poluição, o de sobrecarregar determinadas zonas da cidade, a certas horas, com táxis livres em circulação que fariam, porventura, melhor serviço em praças criteriosamente estudadas e distribuídas pelos vários bairros.
Mas não nos alonguemos em problemas de infra-estruturas, coordenação e exploração de transportes públicos, equilíbrio financeiro e optimização da produção destes serviços nos grandes centros populacionais, que, talvez um dia, esta Câmara venha a considerar como matéria sócio-económica e política que mereça o seu debate em termos de aviso prévio ou proposta de lei.
Sr. Presidente. A medida que se impõe do aumento do número de táxis tem de ser cuidadosamente preparada e posta em prática.
A atribuição de novos alvarás deverá ser feita preferentemente a motoristas profissionais idóneos e com antiguidade de serviço, e rigorosamente fiscalizada.
Promover económica e socialmente essa classe prestimosa de profissionais do volante através do acesso a alvará de automóvel de aluguer, a taxímetro, por conta própria é medida de inegáveis benefícios e que bem se insere no estado social que nos propomos - não pode estar à mercê de erros de visão ou de comportamento de quem quer que seja.
Atendendo a essas circunstâncias, publicou o Diário do Governo a Portaria n.º 213/74, de 21 de Março, a determinar a atribuição das novas licenças, tor-
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nando simultaneamente públicas as normas por que se regerá o concurso que ontem teve seu princípio. A exemplo do que se verificou na fase precedente, terão prioridade os motoristas de táxis de Lisboa com mais de dez anos de inscrição, como sócios efectivos, no Sindicato Nacional dos Motoristas do dito Distrito de Lisboa.
Neste novo concurso serão considerados igualmente válidos, para efeito de admissão, os requerimentos já apresentados na Direcção-Geral de Transportes Terrestres aquando da atribuição do contingente anterior e que não puderam ser contemplados, desde que sejam motoristas profissionais com mais de um ano de inscrição, como sócios efectivos, no respectivo Sindicato.
A Direcção-Geral de Transportes Terrestres promoverá a publicação da lista de classificação provisória dos requerentes para efeitos de eventuais reclamações.
A cada requerente poderá vir a ser concedida apenas uma licença. Serão consideradas nulas e de nenhum efeito, e consequentemente canceladas, as licenças concedidas com fundamento em declarações falsas ou em pressupostos afectados por erro.
É de esperar, também, que a fiscalização do estado dos táxis se exerça com a devida atenção para salvaguarda da higiene, da comodidade e da segurança dos passageiros.
A actualização das tarifas de há cerca de um ano destinava-se a contemplar não apenas as alterações dos custos experimentados nos últimos vinte e três anos (remuneração do trabalho, encargos de utilização e conservação dos veículos, etc.) e as difíceis condições de exploração por esta forma desequilibradas, como também permitir fazer face à modernização do parque automóvel de transporte de passageiros, de aluguer, a taxímetro.
Será assim possível exigir a melhoria da qualidade dos serviços prestados, que poderá traduzir-se em mais ampla satisfação das necessidades dos utentes. O exame periódico dos veículos bem se justifica, considerando-se cada caso com a humanidade possível, sem prejuízo do interesse geral.
Por esta forma se engrandece o poder, sem detrimento dos superiores interesses da comunidade e do benefício e bem-estar devido a particulares.
Subam ao Governo os agradecimentos de classe profissional tão honrada e prestimosa como a dos motoristas e, sobretudo, de quantos conduzem por ruas de Lisboa os automóveis-táxis ao serviço de todos nós - e oxalá se alargue a outras terras mais. Um seu utente, e representante por este círculo lisboeta, tem o maior prazer em se fazer eco dos votos que lhe chegaram. Agradecidamente se expressa «Muito obrigado».
E mais agradecido ficaria se as conversações actualmente em curso entre o Grémio e o Sindicato para revisão do contrato colectivo de trabalho chegassem brevemente a bom termo.
Por aí passa também o Estado social.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que estavam inscritos para a sessão de hoje, no período a que estou a pôr termo, ficarão com a palavra reservada para a sessão de amanhã.
Srs. Deputados. Vamos passar à
Ordem do dia
Discussão na generalidade da proposta de lei sobre transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas.
Para apresentar o relatório conjunto das Comissões de Justiça e de Trabalho e Previdência, Saúde e Assistência tem a palavra o relator, Sr. Deputado Rómulo Ribeiro.
O Sr. Rómulo Ribeiro: - Relatório das Comissões de Justiça e de Trabalho e Previdência, Saúde e Assistência relativamente à proposta de lei n.º 1/XI, de 20 de Novembro de 1973.
I) O problema da recolha e da transplantação de tecidos ou órgãos de pessoas vivas constitui, no mundo de hoje, um dos assuntos mais apaixonantes e um certo motivo de ansiosa esperança na escalada da história da Humanidade.
Vastos ramos da ciência, designadamente da ciência médica, estão irreversivelmente envolvidos já neste processo espantoso de desenvolvimento e de engrandecimento do homem.
Mas se a investigação e os resultados se têm programado e cumprido em termos de incontida aceleração, necessário se torna que, num plano legislativo, se venha dar resposta pronta à multiplicidade de questões de natureza ético-social que o referido processo inevitavelmente determina.
A presente proposta de lei, de acordo com uma natural dinâmica legislativa, visa precisamente tal escopo, procurando agora disciplinar, em conteúdo normativo, esse novo tipo de realidades sociais.
Além disso, o seu aparecimento está no trilho já de certa arrancada ético-jurídica que se iniciou com o Decreto-Lei n.º 45 683, de 25 de Abril de 1964 - relativo à colheita de órgãos ou tecidos em cadáveres -, e continuou com a publicação da Lei n.º 1/70, de 20 de Fevereiro, objectivando a recolha de produtos biológicos humanos para liofilização.
A proposta de lei, que vai entrar em debate, apresenta-se, assim, não só como oportuna, mas até como indiscutivelmente necessária. De resto, é apenas a eterna resposta do direito ao desafio dos tempos.
Tanto basta para que, cotejando estas desataviadas considerações com os argumentos do relatório da proposta e com a ilustrada erudição do parecer da Câmara Corporativa, se justifique inteiramente a sua aprovação na generalidade.
As Comissões ouvidas assim o entenderam.
II) Quanto à apreciação na especialidade, afiguram-se-nos indispensáveis algumas reflexões.
Destas e do cotejo concomitante entre a proposta de lei do Governo e o parecer da Câmara Corporativa, temos por aconselhável uma diferente perspectivação de certos condicionalismos, com incidência, designadamente, na formulação do respectivo articulado.
Nesta conformidade, as Comissões entenderam perfilhar, nuns casos, o normativo sugerido pelo Governo, noutros, a redacção consignada pela Câmara Corporativa e, noutros ainda, a enunciação de regras.
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próprias com a intercalação ou aditamento de uma ou de outra circunstância, que se houve por bem registar.
Assim:
1. Parece-nos de manter a redacção dada ao artigo 1.º da proposta de lei do Governo. Com efeito, o aditamento do advérbio «exclusivamente», intercalado na formulação da Câmara Corporativa, afigura-se-nos uma pura redundância. E isto porque, consignando-se no mencionado artigo uma regra permissiva de acção, torna-se evidente que só a finalidade ou o âmbito dessa mesma acção expressamente permitida é de considerar como objectivo específico da lei.
Se é necessário uma norma legal para «permitir a transplantação», impõe-se logicamente e em boa hermenêutica jurídica a conclusão de que só é possível a referida transplantação nos precisos termos em que a norma permissiva o consente. O aditamento da pretendida locução «exclusivamente» torna-se, pois, redundante e tecnicamente imperfeito, por inútil.
2. O artigo 2.º da proposta de lei pretende disciplinar, em bases tanto quanto possível seguras e objectivamente controláveis, a licitude de transplantações.
Visando este escopo, que, de resto, enforma toda a economia do diploma, o Governo enumerou especificadamente, no segundo articulado da proposta, todas as condições prévias tidas como essenciais à permissibilidade legal da transplantação.
A Câmara Corporativa, por seu turno, entende que «talvez se possa ir mais longe, sem atraiçoar a noção de rigidez que o preceito inculca». Sugere, para o efeito, uma série de alterações na inventariação das circunstâncias definidoras da licitude da transplantação, de forma a abrir o leque da respectiva permissibilidade.
Achando preferível este último critério, as Comissões adoptam, não sem demorada hesitação, o articulado que foi proposto e fez vencimento na Câmara Corporativa.
Determina-as particularmente nessa orientação a circunstância de se possibilitar, com a nova regra, um alargamento substancial do campo de intervenção da cirurgia das transplantações. Uma tal inovação interessaria mormente a casos extremos de necessidade de cirurgia, em que o aspecto penoso da situação do enfermo só pode ser minorado por efeito de uma oportuna transplantação.
Em virtude do exposto, as Comissões adoptam e propõem à aprovação do plenário o texto do artigo 2.º, na redacção que lhe foi dada pela Câmara Corporativa.
3 Entende-se por bem salientar num articulado próprio a necessidade do consentimento por parte do dador e do receptor.
As Comissões procuram desta forma dar o devido relevo à manifestação inequívoca de vontade dos intervenientes. Manifestação de vontade que ganha foros de particular evidência neste tema delicado das transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas.
Adopta-se para tal a fórmula comummente usada pelo Governo e pela Câmara Corporativa no n.º 1 do artigo 4.º, respectivamente da proposta e do parecer.
O artigo 3 º ficará, pois, com a seguinte redacção:
A transplantação tem de ser consentida pelo dador e pelo receptor.
4 As Comissões adoptam, para regra do artigo 4.º, a formulação constante do artigo 3.º do parecer da Câmara Corporativa.
Louvam-se, para o efeito, no estudo de exegese e de direito comparado invocado a propósito no referido parecer da Câmara Corporativa.
Efectivamente a dita Câmara, depois de se referir à larga e profunda controvérsia em que se debate a doutrina e as legislações estrangeiras quanto ao problema do limite mínimo de idade de um dador menor, fixa-se, «não sem hesitações», nos 18 anos. Mas, querendo salientar a necessidade de uma plena capacidade volitiva e consciente do dador, acaba por reformular o articulado da proposta, aditando-lhe uma proposição de feição programática a exigir plena capacidade e esclarecido critério para a manifestação de um pessoal e livre consentimento.
Com este acervo de argumentos, as Comissões foram seguramente determinadas na aceitação da regra formulada, como se disse, no parecer da Câmara Corporativa.
Assim, propõe-se como norma do artigo 4.º o mesmo texto que aparece na formulação do artigo 3 º do mencionado parecer da Câmara Corporativa.
5 O artigo 5.º proposto pelas Comissões corresponde ao artigo 4.º (exceptuado o seu n.º 1) da proposta de lei do Governo e do parecer da Câmara Corporativa.
Estes dois diplomas diferem entre si, no que concerne ao mencionado artigo 4.º, em dois aspectos fundamentais.
O primeiro diz respeito à possibilidade, consagrada na proposta de lei, de se apresentarem como dadores quaisquer diminuídos mentais. A Câmara Corporativa rejeita categoricamente tal eventualidade.
E as Comissões entendem também que todo o indivíduo, ferido de anomalia psíquica, está naturalmente - e deve sê-lo legalmente - impedido de ser dador.
Efectivamente, tornando-se imprescindível para o acto de dação um consentimento pessoal do dador, formado no seu espírito com toda a liberdade e ponderação, é evidente que um incapaz por anomalia psíquica não pode decidir livremente. A falta de sanidade mental liquida automaticamente qualquer possibilidade de consentimento.
O outro ponto de discordância refere-se ao facto de a Câmara entender que os incapazes por surdez, mudez ou cegueira não devem necessitar do consentimento concomitante de seus pais ou do Tribunal de Menores.
As Comissões também aderem a este entendimento da Câmara.
Assim, as Comissões propõem como n.ºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 5.º o mesmo texto que consta, respectivamente, dos n.ºs 2, 3, 4 e 5 do artigo 4.º do parecer da Câmara Corporativa.
6. Tal como a Câmara Corporativa, entende-se que é de manter sem alteração o texto do artigo 5.º da proposta de lei.
As Comissões simplesmente modificam a numeração do artigo, que de S º passará para 6.º, e aquela
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passagem onde se lê «referidos nos n.ºs 4 e 5 do artigo anterior», que passará a ser «referidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior».
7 As Comissões propõem como artigo 7.º o texto subscrito pela Câmara Corporativa sob a designação de artigo -6.º, com algumas alterações de pormenor.
Assim, a redacção preconizada pela Câmara Corporativa, frente à proposta do Governo, para o n.º 1 do respectivo articulado é mais aconselhável e precisa. Efectivamente e deste modo ficarão nesse número previstas, não só as hipóteses de um consentimento conjunto, como ainda as de um suprimento do consentimento.
Também se alinha com a Câmara Corporativa no que respeita à sua. concordância, quanto a este artigo, com o pensamento da proposta de lei e com a aceitação do seu articulado. E de igual jeito se segue ainda o parecer da Câmara no que concerne ao aditamento de mais uma regra - a intercalar sob o n.º 4 - visando a obrigatoriedade de cuidadoso exame ao estado geral de saúde do dador e designadamente à «sua aptidão física e psíquica».
Quer dizer, as Comissões propõem a redacção do artigo 7.º segundo o texto constante do artigo 6.º do parecer da Câmara Corporativa, com duas modificações por aditamento nos n.ºs 3 e 4 No n º 3 consignar-se-á que o médico estranho ao centro será livremente escolhido pelo dador. No n.º 4 far-se-á constar a obrigatoriedade da intervenção imprescindível de um psiquiatra em todo o exame prévio feito ao dador.
8 Afigura-se-nos de manter, sem qualquer hesitação - de acordo com a Câmara Corporativa -, o texto do n.º 1 do artigo 7.º da proposta de lei.
Quanto ao n.º 2 deste mesmo artigo, achamos por melhor a formulação da Câmara Corporativa. Com efeito, não só nos parece ser mais feliz a redacção deste articulado da Câmara, como ainda se nos afigura indiscutivelmente justo e salutar permitir ao dador o eventual 'benefício emergente do seguro pelo risco da transplantação.
Nesta conformidade, as Comissões propõem, como artigo 8.º, o texto sugerido pela Câmara Corporativa como articulado do seu artigo 7.º.
9. Não se vê qualquer vantagem na alteração, «de ordem puramente formal», sugerida pela Câmara Corporativa para o texto do artigo 8.º.
Para o artigo 9.º, as Comissões subscrevem, pois, o articulado do texto que na proposta de lei corresponde ao artigo 8.º.
10. Com atinência ao artigo 9.º da proposta de lei, a Câmara Corporativa introduziu uma pequena alteração no n º l, à guisa de esclarecimento, e sugeriu o aditamento (sob o n.º 3) de mais uma regra.
Mas a fórmula «será punido com pena de prisão» significa sempre e invariavelmente pena de prisão que vai de três dias a dois anos (vide artigos 56.º e 129.º, n.º 6, ambos do Código Penal).
Nesta conformidade, temos de convir que a modificação sugerida pela Câmara Corporativa viria substituir um texto juridicamente perfeito por uma formulação inútil e tecnicamente errada.
Quanto ao pretendido aditamento e subscrevendo inteiramente as razões invocadas pelo Digno Procurador vencido, Eduardo Augusto Arala Chaves - que aqui se dão por integralmente reproduzidas -, entende-se que o mesmo é de rejeitar, por manifestamente redundante.
Assim, as Comissões propõem como texto do artigo 10.º o articulado do artigo 9.º da proposta de lei do Governo.
11 As Comissões entendem que é de manter, sem alteração, o conteúdo e formulação do artigo 10.º da proposta de lei.
Simplesmente, o texto desta regra passará agora a ser designado, dentro do novo enquadramento sugerido pelas Comissões, como artigo 11.º.
12 As Comissões propõem, pois e em conclusão, o seguinte articulado para a proposta de lei n.º 1/XI, relativa às transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas, cujo debate hoje se inicia.
ARTIGO I.º
É permitida a transplantação, para fins terapêuticos, de tecidos ou órgãos do corpo humano, a partir de pessoa viva, que não seja contrária à moral ou ofensiva dos bons costumes.
ARTIGO 2.º
1. A transplantação só é lícita quando no plano científico for reconhecido, simultaneamente, que:
a) A mesma se reveste de indiscutível e fundamental valor terapêutico para o receptor;
b) O dador não corre um risco anormal de perecer, de lhe ser causada uma sensível diminuição física, ou de ser afectada a sua personalidade moral;
c) As probabilidades de sucesso da operação sobrelevam indubitavelmente o risco corrido pelo dador.
2 Entende-se que o dador sofre uma sensível diminuição física sempre que a operação não tenha por objecto um órgão duplo, ou, tratando-se de um desses órgãos, o outro se ache consideravelmente afectado e o estado gerai de saúde do dador seja incompatível com a ablação do órgão ou tecido a transplantar.
ARTIGO 3.º
A transplantação tem de ser consentida pelo dador e pelo receptor.
ARTIGO 4.º
Só poderão ser dadores indivíduos com mais de 18 anos que tenham plena capacidade volitiva e possam manifestar um pessoal, livre e esclarecido consentimento.
ARTIGO 5.º
1 Se o dador for menor não emancipado, é necessário também o consentimento dos seus pais.
2. Se o receptor for menor não emancipado e não estiver em condições de prestar o seu consentimento, ou sofrer de anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira que o torne incapaz de governar a sua pessoa, o consentimento será unicamente prestado por seus pais.
3 Compete ao Tribunal de Menores suprir o consentimento dos pais quando ambos forem
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falecidos, estiverem interditos do exercício do poder paternal ou forem desconhecidos e o dador ou o receptor for menor.
4 A competência atribuída ao Tribunal de Menores no número anterior pertence ao tribunal por onde deva correr o processo de interdição, no caso de o receptor sofrer de anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira que o torne incapaz de governar a sua pessoa.
ARTIGO 6.º
Quando seja necessário o consentimento dos pais do dador e o receptor for algum deles, ou tiver adoptado o dador, ou for parente ou afim, na linha recta ou até ao 4.º grau da linha colateral, dos pais do dador, ou por algum destes tiver sido adoptado, compete aos tribunais referidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior, conforme o caso, suprir esse consentimento.
ARTIGO 7.º
1 O consentimento de qualquer dos dois interessados, e o de quem tenha também de o prestar ou de o suprir, deve revestir uma das seguintes formas:
a) Documento autêntico,
b) Documento escrito e assinado, com a letra e assinatura reconhecidas por notário;
c) Declaração verbal, reduzida a auto.
2 O consentimento deve indicar expressamente qual o órgão ou tecido cuja transplantação é autorizada e identificar as pessoas do receptor e do dador.
3 A validade do consentimento do dador depende do facto de ter sido informado claramente por dois médicos, um do centro clínico em que se realize a transplantação e outro estranho a esse centro, livremente escolhido pelo dador, dos riscos imediatos e futuros a que se expõe.
4 O estado geral de saúde do dador, designadamente a sua aptidão física e psíquica, deverá ser comprovado por exames a efectuar pelos médicos referidos no número anterior, por um psiquiatra e, quando assim for julgado necessário, por outros especialistas.
5 A observância dos requisitos estabelecidos nos n.ºs 3 e 4 e a identidade dos respectivos médicos devem constar do auto ou documento exigido para a prestação do consentimento.
6 A declaração verbal referida na alínea c) do n.º 1 será prestada perante o director do centro de transplantação, na presença de duas testemunhas de maior idade que possam ler e escrever, e o auto assinado pela entidade que receber a declaração, bem como pelo declarante e pelas testemunhas.
7 Se o declarante não puder assinar o auto, far-se-á menção expressa desse facto, explicitando-se as razões da impossibilidade.
ARTIGO 8.º
1 É nulo o acto pelo qual alguém receba ou pretenda adquirir para si ou para outrem direito a receber qualquer remuneração pelo facto de autorizar que se façam transplantações de tecidos ou órgãos do seu corpo ou para ele, e do corpo de outra pessoa ou para ele.
2 Não se consideram abrangidos pelo número anterior o pagamento das despesas feitas pelo dador em consequência da transplantação, nem os benefícios emergentes de seguro por riscos dela resultantes.
ARTIGO 9.º
A transplantação de tecidos ou órgãos do corpo humano é da exclusiva competência de centros clínicos regulamentados e autorizados pelo Ministro da Saúde.
ARTIGO 10.º
1 Será punido com pena de prisão aquele que:
a) Executar qualquer transplantação fora dos centros clínicos autorizados;
b) Iniciar uma intervenção cirúrgica necessária à transplantação sem terem sido prestados todos os consentimentos exigidos por este diploma,
c) Falsamente lavrar auto de autorização verbal do dador, ou dos pais deste quando necessária.
2 Será punido com pena de prisão até um ano aquele que:
a) Receber alguma remuneração para consentir na transplantação ou der essa remuneração,
b) Falsamente lavrar auto de autorização verbal do receptor, ou dos pais deste quando necessária,
c) Assinar como testemunha um auto de autorização verbal que seja falso
ARTIGO 11.º
As disposições do presente diploma não se aplicam às transfusões de sangue e às transplantações de pequenas superfícies de pele ou outras intervenções semelhantes que não comportem risco ou prejuízo real para o dador.
Palácio de S. Bento, 2 de Abril de 1974. - Pelas Comissões Maria Teresa de Almeida Rosa Carcomo Lobo (presidente da Comissão de Trabalho e Previdência, Saúde e Assistência), António Manuel Gonçalves Rapazote (presidente da Comissão de Justiça), Josefina da Encarnação Pinto Marvão (secretária da Comissão de Trabalho e Previdência, Saúde e Assistência), Augusto Leite de Faria e Costa (secretário da Comissão de Justiça), e Rómulo Raul Ribeiro, relator.
Este relatório exprime as opiniões que prevaleceram e fizeram vencimento nas Comissões de Trabalho, Previdência, Saúde e Assistência e Justiça, reservando-se, porém, os Deputados que discordaram, por levar ao plenário as teses que defenderam.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção de W. Exas. As comissões convocadas para exame da proposta de lei ora em debate incluíram no seu relatório não só
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a justificação das alterações que consideram aconselháveis ao texto da mesma proposta de lei, como um articulado completo da proposta segundo essas alterações que recomendam. Parece-me que a Mesa pode considerar este articulado provindo das comissões, e nos termos regimentais, como um elenco de propostas de alteração, que como tais serão recebidas, em virtude de já estarem perfeitamente identificadas e articuladas, e oportunamente entrarão em apreciação quando da discussão na especialidade.
Tem a palavra, para iniciar a discussão, o Sr Deputado Mendonça e Moura.
O Sr. Mendonça e Moura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. A proposta de lei 1/XI sobre transplantações de tecidos ou órgãos de pessoa viva que o Governo enviou a esta Assembleia é pertinente e oportuna.
Pertinente porque visa disciplinar um problema de alto interesse humano, oportuna porque esse mesmo problema se põe cada vez com maior acuidade e premência, entre nós como em todo o Mundo, aliás, e não conviria deixá-lo entregue apenas às normas resultantes de um direito positivo que emergisse e se fosse formando a partir de cada facto concreto, de cada situação real, tantas são as implicações médicas, éticas, deontológicas, humanas e sociais e emotivas a que a respectiva jurisprudência há-de atender.
Na realidade, as transplantações de tecidos, de órgãos ou de partes destes têm vindo a abrir renovadas e mesmo insuspeitadas possibilidades, não só quanto à sobrevivência de doentes, de outro modo irremediavelmente condenados a curto prazo, mas, igualmente, quanto à sua recuperação pessoal, humana e até social, dentro dos parâmetros definidos actualmente para a concepção da saúde como o mais completo bem-estar físico, mental e social dos indivíduos.
Alargadas cada vez a maior número de tecidos, órgãos ou partes de órgãos, não vou entrar aqui, evidentemente, nem nos seus condicionalismos científicos, nem nas circunstâncias técnicas da sua indicação ou execução, posto que alguns daqueles condicionalismos ou destas circunstâncias possam já ter implicações de ordem moral não inteiramente dispiciendas, que algumas legislações estrangeiras, aliás, acolhem e contemplam.
Nem vou, bem entendido, em mera futurologia, procurar prever o seu futuro, condicionado ainda por tantas inquietações de carácter moral, por tantas dúvidas no âmbito da ciência médica e da biologia geral, como de incógnitas no que respeita às potencia-lidades que as outras ciências podem vir a facultar para simplificação técnica das transplantações, para evitar os fenómenos de rejeição, para individualizar os tipos de dadores mais convenientes para cada caso e em cada circunstância, para conservar a vida do receptor durante o período crucial do «pegar» do enxerto ou, pelo contrário, para substituir mesmo a necessidade de recurso a tecidos biológicos por elementos mecânicos que dispensem o sacrifício e as limitações actuais no âmbito da doação.
O plano concreto em que aqui me coloco é o da realidade existencial do momento em que, em determinadas circunstâncias, só a transplantação de um órgão ou tecido de pessoa viva pode salvar a vida, ou restituir totalmente a saúde de outro ser humano.
Excluído assim, desde logo, o campo do uso de produtos biológicos (...) e de órgãos de cadáveres, entre nós já regulados pela Lei n º 1/70 e pelo Decreto-Lei n.º 45 683, deles vamos, contudo, extrair alguns princípios que de certo modo se prendem ao tema que a actual proposta de lei contempla Seja, primeiro, a necessidade de consentimento expresso e livre do dador ou seus representantes, seja, depois, o interesse terapêutico do acto, seja, por fim, a imposição de que não haja ofensa à moral nem aos bons costumes a que desejaria juntar os fundamentos jurídicos em que assenta a civilização do Ocidente.
Princípios basilares da legislação que entre nós contempla aqueles actos, e que por maioria de razões havemos de ter por indispensáveis quando se trate de transplantações entre vivos, temos, contudo, em meu entender, de antecedê-los neste âmbito ainda muito mais grave das transplantações que agora nos ocupam, da indagação primeira quanto à licitude real do método em si mesmo.
Licitude do método que há-de avaliar-se em função dos fins que visa, das técnicas que usa, dos meios de que dispõe para se concretizar.
Certos de que, quanto às técnicas e quanto aos meios, nada haverá que opor desde que garantidos os recursos científicos e instrumentais e as respectivas qualificações humanas e profissionais dos intervenientes, resta-nos procurar, no que se refere aos fins a atingir, se o método se reveste daquelas garantias que consintam conferir-lhe plena licitude moral. Pode esta licitude, quanto às finalidades, assentar no interesse da ciência, do doente, da comunidade. Todos interesses legítimos, mas todos igualmente relativos. O primeiro deverá atender, a par da possibilidade real de manutenção de positivas relações pessoais entre, médico e doente, ao direito à vida e à integridade pessoal dos dois intervenientes essenciais da transplantação.
O segundo não pode ignorar que a própria conservação da vida está condicionada a exigências de ordem moral, de tal modo que essa mesma conservação só será legítima se não arrastar à abolição permanente ou considerável e duradoura diminuição da personalidade humana na sua função típica e característica, como Pio XII acentuou um dia.
Por fim, o interesse da comunidade, o interesse social de que tanto se fala actualmente, mais limitado ainda do que qualquer dos outros dois, na medida em que a sociedade não é um ser físico mas apenas uma comunidade de fim e de acção em que os homens, nela conservando a sua plena individualidade e nela se realizando como pessoa, são apenas colaboradores e instrumentos para a realização dos fins comuns mas não menos do devir último de cada ser humano.
Posto assim o problema, direi, desde já, que a proposta de lei em discussão merece apoio na generalidade, posto que deva, em meu entender, sofrer alterações que melhor consintam traduzir na prática os próprios princípios em que assenta a sua economia.
Efectivamente, atende a proposta ao interesse da ciência, não entravando o previsível progresso que o método em causa representa nem comprometendo a sua ulterior evolução, mas, limitando-o concreta e expressamente ao valor terapêutico que nele deve intrinsecamente estar presente, subordina o próprio
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interesse cientifico do método ao bem primordial do homem. E nisto deve merecer aplauso.
Atende ainda a proposta de lei que discutimos ao interesse da comunidade, na medida em que disciplina as potencialidades abertas pelo progresso técnico no âmbito da saúde sem descurar os direitos individuais de cada ser humano e a sua independência pessoal E também aqui deve merecer apoio.
Atende, por fim, a proposta de lei ao interesse do doente, à defesa do seu direito à saúde, sem comprometer a garantia constitucional do direito à vida e à integridade física que o estatuto básico na Nação consigna, deixando a cada cidadão a responsabilidade total e a plena independência de juízo quanto ao sacrifício em que, como dador, queira consentir de uma parcela do seu todo pessoal em acto que bem pode equiparar-se ao socorro de uma pessoa em perigo. Independência de juízo a pressupor sã consciência, apta a decidir dentro dos cânones morais, quando, até onde, em que termos e para que fins será legítimo abnegar-se em benefício de um outro, quando mesmo em próprio benefício se aceitam limitações de uso do próprio corpo condicionadas pela defesa da pessoa livre com todo o respeito a uma teleologia que a ultrapassa e a um devir que tem por imortal.
E aqui, como é evidente, se insere um ponto fulcral do tema, a desdobrar-se nas posições respectivas desses mesmos intervenientes.
E se não é discutível a posição do receptor, que apenas procura a sobrevivência ou o restabelecimento da saúde, desde que isso não colida com os direitos de outrem nem com a moral, com as limitações intrínsecas de uso do próprio corpo nem com as suas finalidades últimas, já deve merecer detida atenção quanto respeita ao dador e ao médico, melhor dizendo, à equipa de execução técnica da transplantação.
Quanto a esta, todavia, parece que havemos de assentar em que só dispõe de poderes e só lhe é lícito actuar dentro da limitação de direitos que o doente lhe confere e a que ele próprio não pode eximir-se. Neste caso o doente e o dador, aquele que já o é e aquele que o vai ser, quando menos ate à cura da intervenção sofrida Tudo se resume pois, para a equipa técnica, em actuar dentro dos cânones deontológicos da profissão, da legis artis, do primado do primum rton nocere.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto àquele, o dador, o problema, pela sua singularização específica, pela sua novidade, pela sua tipicidade, entra no âmbito de uma solidariedade humana, de uma caridade fraterna, de uma teoria moral que ultrapassa o quadro corrente da simples disponibilidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem o entendeu a Câmara Corporativa, que em seu parecer encarou o facto da doação (de sacrifício em dádiva) em termos diferentes daqueles que medem o sacrifício em necessidade.
E, assim, no plano estritamente ético, já não pode perguntar-se se é legítimo sacrificar um tecido, um órgão ou parte de um órgão em favor de outro homem, dele carecido para sobreviver ou para alcançar saúde tão humanamente perfeita quanto pessoalmente lho consinta a sua individualidade psico-somática. Isto se guardadas, evidentemente, as restantes condições fundamentais de não comprometimento grave ou definitivo da personalidade dos intervenientes, pois o dador inteiramente benévolo dispõe apenas de parte do seu corpo em atitude de serviço, em caridade plena, em doação autêntica, consciente e livre, que, exaltando a sua liberdade interior, valorizando a sua independência, contribui para sublimar nele próprio o respeito e o apreço pela sua personalidade e pela liberdade interior que lhe é intrínseca. O que, desde logo, me parece limitar a condição de dador aos indivíduos inteiramente formados, adultos no físico e na mente, psiquicamente estáveis, sãos de corpo e de espírito e moralmente aptos a aprender e a valorar o sacrifício consentido, a sublimá-lo para benefício concomitante da personalidade de ambos os intervenientes, receptor e dador, como valor moral da própria sociedade em que ambos se integram e da civilização que a ambos se supõe ter formado.
E isto mesmo me leva precisamente a uma apreciação mais directa do conteúdo da proposta de lei em discussão, ainda que sem entrar em pormenores que só na especialidade teriam cabimento.
Por isso mesmo, atendo-me apenas ao que, ainda como pormenor, entronca no cerne do problema, parece de chamar a atenção para a limitação que na proposta de lei se contém quanto à definição de licitude das transplantações.
Limitando esta licitude, a par de outras legítimas exigências, ao reconhecimento de absoluta necessidade da transplantação para sobrevivência do receptor, a proposta de lei restringe consideravelmente o âmbito da regulamentação que procura fazer, limita drasticamente os casos em que uma transplantação pode ser humanamente útil, ignora ou despeza as potencialidades que a evolução da ciência e da técnica vão abrindo e não atende ao valor humano de algumas funções biológicas que, sem constituírem exigências vitais do indivíduo, são, todavia, indispensáveis ou altamente necessárias, para gozo de plena saúde, adequado viver humano e completo desenvolvimento da personalidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais ainda limitando a uma questão de sobrevivência a licitude das transplantações, a proposta de lei sobrevaloriza certas vidas infra-humanas e irrecuperáveis, como nos casos de descerebração, para minimizar potencialidades de recuperação pessoal e social que só uma transplantação pode conseguir. Estou a pensar na possibilidade de transplantação de tecidos ou de órgãos, estes, evidentemente, duplos, que dispensáveis para o dador, até por não serem nele, por hipótese, funcionais, poderiam restituir ao receptor funções indispensáveis a um pleno restabelecimento rígido, a uma recuperação humana, a uma reparação morfológica susceptível de refazer a sua própria personalidade psíquica e moral.
Vozes: - Muito bem!
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3 DE ABRIL DE 1974 917
O Orador: - Assim me quer parecer que, cercando embora, de todas as garantias cautelares e de todas as limitações jurídicas o âmbito da licitude das transplantações, distinguindo mesmo, talvez, entre transplantações de órgãos e de tecidos, devemos, contudo, alargar-lhes o campo de aplicação, para além da sua absoluta indispensabilidade para sobrevivência do receptor, até àqueles casos que a Câmara Corporativa define como «de indiscutível e fundamental valor terapêutico»
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por igual me parece de repensar a ordenação do articulado da proposta de lei, dentro do princípio, quanto a num fundamental, de «prévio, iniludível e expresso consentimento» dos interessados, que, em meu entender, deve anteceder tudo o mais E aqui, por sua vez, se insere tudo quanto respeita ao suprimento de consentimento no caso de determinadas incapacidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De acordo com o parecer da Câmara Corporativa no que toca ao caso dos diminuídos mentais, já não posso, contudo, acompanhá-lo quanto ao suprimento da vontade dos menores, ainda dentro dos princípios gerais atrás explanados e que a própria Câmara Corporativa tão louvavelmente aponta também Distinguindo entre as posições do dador e do receptor, pouco haverá que objectar aos mecanismos jurídicos de substituição da vontade no caso deste último, em tanto do que o seu estado comporta de semelhante ao de qualquer outro doente transitoriamente incapacitado por doença de exprimir a sua vontade, ou inferiorizado por menoridade para o mesmo efeito.
Mas não posso aceitar para o dador que, evidentemente, e em contraste flagrante com o receptor, se não encontra em estado de imperiosa necessidade, nem de pessoal e simples necessidade sequer, que outrem, sejam os pais, seja uma entidade pública, seja mesmo um tribunal, venham decidir, através de uma substituição de vontade que retiraria à doação a sua própria essência de acto consciente, livre, espontâneo, e a sua projecção na esfera da sublimação moral.
Quanto ao problema de menoridade do dador, entendo dever encarar-se igualmente no contexto dos princípios atrás definidos. Sem entrar em pormenores, que na discussão na especialidade terão melhor cabimento, parece-me que o assunto tem de ser visto no âmbito das exigências de uma completa e estável formação psico-somática insusceptível a influências estranhas para além do normal, capaz de aprender totalmente os riscos em que deliberadamente vai incorrer, de valorizar devidamente o sacrifício e o sofrimento a que vai dispor-se, de sopesar os motivos que o determinam, o sofrimento e perigo em que o receptor se encontra e de sublimar essa sua posição de dador consciente e livre em benefício do seu próprio devir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com estas considerações termino, dando o meu voto na generalidade à proposta de lei n º 1/XI, com as reservas apontadas, que na discussão na especialidade melhor poderei esclarecer e justificar, mas que, para focarem a essência da questão, quis, desde já, deixar expressas. Em particular, no que respeita à inequívoca manifestação de vontade com base fundamental de licitude, à negação da possibilidade de suprimento dessa vontade em relação ao dador, que, a ser aceite, iria abrir caminho a pretensões de disponibilidade do corpo humano por parte de terceiros, que em breve, a pretexto dos melhores pretextos e das mais sábias intenções, fanam tábua rasa da singularidade da pessoa humana, coisificada no uso e imolada na ara da massificação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. Vou encerrar a sessão. Aproveito a oportunidade para pedir aqueles da W. Exas. que pensem intervir no debate ora submetido à Assembleia o favor de se inscreverem, tendo em conta que não parece conveniente levar a votação desta matéria além da corrente semana.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre as transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas.
Está encerrada da sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Pessoa de Lucena e Valle.
António Victor Ferreira Brochado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José João Gonçalves de Proença.
Júlio Dias das Neves.
Luís Augusto Nest Arnaut Pombeiro.
Mário Hòfle de Araújo Moreira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs Deputados que faltaram à sessão:
Abílio Alves Bonito Perfeito.
Adolfo Cardoso de Gouveia.
Alda da Conceição Dias Carreira de Moura d'Almeida.
Alípio Jaime Alves Machado Gonçalves.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Álvaro José Rodrigues de Carvalho.
Álvaro Pereira da Silva Leal Monjardino.
António Calapez Gomes Garcia.
Armindo Octávio Serra Rocheteau.
Augusto Arnaldo Spencer de Moura Braz.
Augusto Salazar Leite.
Camilo Lopes de Freitas.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eduardo António Capucho Paulo.
Eduardo do Carmo Ribeiro Moura.
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918 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 46
Filipe César de Goes.
Francisco José Correia de Almeida.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Souza de Macedo Mesquitela.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Manuel Alves.
Joaquim António Martins dos Santos.
Joaquim Emídio Sequeira de Faria.
Jorge Manuel de Morais Gomes Barbosa.
José de Almeida.
José Coelho Jordão.
José da Silva.
José Vieira de Carvalho.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Fernando Pereira de Oliveira.
Manuel Ferreira da Silva.
Manuel Gardette Correia.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Valente Sanches.
Maria de Lourdes Cardoso de Menezes Oliveira.
Maria Luísa de Almeida Fernandes Alves de Oliveira.
Sebastião Alves.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
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