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Número 37

Quarta-feira, 10 de Novembro de 1976

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA

Presidente; Exmo. Sr. Vasco da Gama Fernandes

Secretários: Exmos. Srs. Alberto Augusto Martins da Silva Andrade
José Gonçalves Sapinho
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 32 do Diário.
Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente anunciou a retomada de funções pelas Srs. Deputados Lopes Cardoso e Vital Rodrigues, do PS, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Regimento.
Foi lido na Mesa o pedido de suspensão do mandato do Sr. Deputado Jorge Miranda, por motivo de ir exercer junções na Comissão Constitucional.
O Sr. Presidente comunicou que o Provedor de Justiça tomaria posse no Salão Nobre da Assembleia na próxima sexta-feira.

A Assembleia autorizou os Srs. Deputados Francisco Barracosa (PS) e Eduardo Vieira (PSD) a deporem como testemunhas.
O Sr. Deputado Salgado Zenha (PS) fez uma declaração em nome do seu partido, em que expôs e defendeu a política seguida pelo Governo, designadamente no campo económico.
O Sr. Deputado Pinto da Cruz (CDS) falou sobre alguns aspectos das relações entre Portugal e Angola, focando em especial o problema dos refugiados.
O Sr. Deputado Francisco Miguel (PCP) assinalou a passagem do 40.º aniversário do campo de concentração do Tarrafal e pediu a punição dos responsáveis pêlos crimes ali praticados.
Por sugestão do Sr. Presidente, a Assembleia guardou um minuto de silêncio em memória dos que morreram no Tarrafal.
O Sr. Deputado António Gonçalves (PSD) teceu considerações sobre problemas de educação no distrito de Bragança.
Também a propósito do 40º aniversário do campo do Tarrafal, o Sr. Deputado Edmundo Pedro (PS) descreveu à Assembleia o sinistro ambiente que ali se vivia e recordou alguns dos prisioneiros que lá deram a vida pelo futuro do povo português.

Ordem do dia. - Na primeira parte discutiu-se uma proposta do CDS para a constituição de uma comissão eventual para os desalojados, intervindo no debate os Srs, Deputados Pinto da Cruz (CDS), Amândio de Azevedo (PSD), Herculano Pires (PS), Vital Moreira (PCP) e Acácia Barreiros (UDP).
Após o intervalo e na sequência da troca de impressões entre os representantes dos diversos partidos, o CDS apresentou uma nova proposta em substituição da anterior, a qual foi justificada pelo Sr. Deputado Rui Pena e mereceu a concordância do PCP através de uma intervenção do Sr. Deputado Vital Moreira:
A proposta foi aprovada por unanimidade.
Na segunda parte da ordem do dia a Assembleia aprovou, também por unanimidade e segundo proposta do PSD, justificada pelo Sr. Deputado Nandim de Carvalho, que se seguisse o processo de urgência na apreciação do projecto de lei n.º 23/I, que atribui à Assembleia da República a superintendência nos meios de comunicação social estancados, tendo o Sr. Deputado Vital Moreira (PCP) formulado uma declaração de voto.
A Assembleia aceitou o pedido feito por este Sr. Deputado, na qualidade de presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, de prorrogação do prazo de exame do projecto de lei n.º 20/I (Poderes das comissões parlamentares de inquérito).
Na terceira parle da ordem do dia, o Sr. Deputado Amaro da Costa (CDS) justificou a apresentação do projecto de lei n.º 3/I, sobre a suspensão das expropriações de prédios rústicos na área da Reforma Agrária.
O Sr. Deputado Vítor Louro (PCP) leu o parecer da Comissão de Agricultura e Pescas sobre o dito projecto, tendo apresentado as declarações de voto dos respectivos partidos os Srs. Deputados Rico Calado (PS), João Manuel Ferreira (PSD), Faria de Almeida (CDS) e Custódio Gingão (PCP).
Iniciado o debate, usou da palavra o Sr. Deputado Carvalho Cardoso (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 50 minutos.

Q Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 5 minutos.

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Fez-se a chamada, à qual responderam às seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)
Agostinho Martins do Vale.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Barros dos Santos.
António Chaves Medeiros.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Pinheiro Silva.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva. .
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Rico Calado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha. -
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Benjamim Nunes Leitão Carvalho.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Jorge Ramalho dos Santos Ferreira.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Edmundo Pedro.
Enrico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Fernando Luís de Almeida Torres Marinho.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto.
Francisco Alberto Pereira Ganhitas.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco do Patrocínio Martins.
Francisco Soares Mesquita Machado.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rodrigues Pires.
Herlânder dos Santos Estrela.
Jerónimo Silva Pereira.
João Francisco Ludovico da Costa.
João da Silva.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Borges Nunes.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Gomes Fernandes.
José Justiniano Tabuada Brás Pinto.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
José Maximiano de Albuquerque de Almeida Leitão.
José dos Santos Francisco Vidal.
Ludovina Rosado.
Luís Manuel Cidade Pereira de Moura.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Augusto de Jesus Lima.
Manuel Barroso Proença.
Manuel João Cristino.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel Lencastre Meneses de Sousa Figueiredo.
Manuel Pereira Dias.
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Teresa Vieira Bastos Rames Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Teimo Ferreira Neto.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Victor Manuel Ribeiro Fernandes de Almeida.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Ariándio Anês de Azevedo.
Américo de Sequeira.
Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos.
António Augusto Gonçalves.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Egídio Fernandes Loja.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Veríssimo.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Moreira Barbosa de Melo.
Arnaldo Angelo de Brito Lamas.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Fernando Adriano Pinto.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Francisco da Costa Lopes Oliveira.
Gabriel Ribeiro da Frada.
João António Martelo de Oliveira.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Lucílio Caceia Leitão.
João Manuel Ferreira.
José Adriano Gago Vitorino.
José Alves da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Almeida de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Luís Fernando Cardoso Nandim de Carvalho.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Sérgio Garcia Vila Lobos Meneses.

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Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Vasco Valentim Baptista de Carvalho.
Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Alcino Cardoso.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Angelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões da Costa.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Farromba Vilela.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
João Carlos Filomeno Malho da Fonseca.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José Magalhães Ferreira Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes.
José Cunha Simões.
José Luís Rebocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Macedo Pereira.
José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Ruy Garcia de Oliveira.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Luís Mendonça de Freitas Monteiro.
António Marques Matos Zuzarte.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Hermenegilda Rosa Camelas Pacheco Pereira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel de Paiva Jara.
José Pedro Correia Soares.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel Pereira Franco.
Manuel do Rosário Moita.
Nicolau de Ascensão Madeira Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Vital Martins Moreira.
Victor Henrique Louro de Sá.
Victor Manuel Benito da Silva.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 192 Srs. Deputados.
Temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DiA

O Sr. Presidente: - Está em aprovação o Diário, n.º 32.
Há alguma reclamação?

Pausa.

Considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposições

De Manuel Marques de Almeida, primeiro-sargento da Armada, residente em Lisboa, chamando a atenção para a sua aflitiva e precária situação e afirmando:

À custa de árduos sacrifícios e árduo trabalho consegui construir uma modesta casa com a finalidade de um dia a ir habitar; essa altura surgiu, mas, entretanto, a casa tinha sido alugada e o inquilino recusa-se a desocupá-la.

Moções

Remetida pela Comissão Eleitoral Unitária de Gondomar, exigindo:
1) Que sejam tomadas medidas consequentes para o rápido julgamento e condenação dos agentes e outros colaboradores da ex-PIDE/DGS;
2) Que sejam tomadas medidas rigorosas no sentido de que a extinção completa da rede bombista seja em breve um facto e que os terroristas sejam julgados e condenados de acordo com a gravidade dos actos que cometeram, encobriram ou financiaram.
Dos trabalhadores da Sociedade de Representações Santos, Guimarães & Oliveira, S. A. R. L., aprovada em assembleia geral, apoiando a realização do congresso de todos os sindicatos por uma central única de todos os trabalhadores.

Cartas

De António Castanheira dos Santos, de Caxias, apelando para a interferência da Assembleia no sentido de o seu caso ser revisto por quem de direito: tem 69 anos de idade e 17 como funcionário e foi demitido por ter deixado fugir um preso, o qual, entretanto, já foi amnistiado.

Das Caves Primavera, Lda. de Aguada de Baixo, Águeda, permitindo-se chamar a atenção para a

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gravidade da situação que foi criada com as transferências do valor das exportações para as ex-colónias portuguesas de Angola e Moçambique, esperando e agradecendo que os Srs. Deputados algo possam fazer para evitar a ruína total de mais uma empresa. que outro crime não cometeu que não fosse o de exportar para as ex-colónias portuguesas.
Dos sindicatos dos trabalhadores judiciais de Lisboa, Évora, Coimbra e Porto, solicitando que, aquando da discussão do horário de trabalho da função pública, seja tomada em consideração pela Assembleia a proposta que em Julho apresentaram ao Sr. Ministro da Justiça.
Do Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações transmitindo a, seguinte decisão da respectiva direcção: denunciar como anticonstitucionais as resoluções do Conselho de Ministros de 30 de Setembro de 1976, exigir do Sr. Presidente da República a não promulgação de tais matérias, como defensor que é da ordem constitucional, e exigir do Governo o integral cumprimento das disposições constitucionais, particularmente no que diz respeito aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
Do Sindicato dos Ferroviários do Norte de Portugal remetendo os textos das moções aprovadas em assembleia geral, nas quais exigem:
1) Que sejam considerados os pontos fundamentais aprovados no plenário nacional de 20 de Dezembro de 1975, no Entroncamento;
2) A rápida resolução do processo do engenheiro Carmo Nunes, que sejam averiguados todos os pontos denunciados em tempo pela comissão de saneamento e que o grupo restrito e perfeitamente identificado de "quadros técnicos" seja considerado indesejável na Região Norte e responsabilizado pela situação de instabilidade a que na mesma se chegou.
' De rendeiros da Herdade de Almada e Toiças, do concelho de Benavente, remetendo fotocópias da exposição que dirigiram ao Sr. Ministro da Agricultura e Pescas reclamando a expropriação da mesma herdade, ao abrigo da Lei da Reforma Agrária e da Constituição.
De Manuel Abrantes Almeida, aposentado da função pública, antes do 25 de Abril, expondo a sua situação e solicitando à Assembleia que faça sentir ao Governo a sua gritante e aflitiva situação.

Telegramas

Da comissão concelhia de Sintra da Frente Eleitoral Povo Unido denunciando actos de agressão cometidos contra elementos progressistas da Terrugem que exerciam o legítimo direito de reunião e pedindo providências no sentido de garantir a segurança dos cidadãos.
Do Sindicato Livre das Empregadas Domésticas chamando a atenção da Assembleia para a necessidade de ser promulgada legislação reguladora do trabalho doméstico.
Da direcção do Sindicato dos Trabalhadores de Escritório do Porto protestando contra a decisão do Secretário de Estado da Segurança Social, que não permite que os trabalhadores das caixas de previdência façam reuniões durante as horas de serviço para discutir o CCT.
De cinco sindicatos exigindo que a Assembleia tome posição perante a tentativa de despedimento de 157 trabalhadores da Agfa-Gevaert.
Do Sindicato da Construção Civil de Braga apoiando a justa luta dos trabalhadores da Maconde e repudiando o procedimento inqualificável da gerência.
Da comissão de trabalhadores da J. Pimenta enviando aos órgãos do Poder o caderno reivindicativo aprovado em 14 de Outubro findo.
Da comissão de trabalhadores da Metalúrgica Luso-Italiana, S. A. R. L., remetendo o caderno de controle operário. aprovado em plenário de trabalhadores realizado em 12 de Outubro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Antes de prosseguirmos com este período de antes da ordem do dia comunico à Assembleia. que, por força do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Regimento, considero automaticamente reintegrados nos seus lugares de Deputados os Srs. Engenheiros Lopes Cardoso e Reinaldo Vital Rodrigues, aos quais endereço os meus cumprimentos de boas-vindas e manifesto a satisfação de todos nós por os termos entre nós nesta labuta em que estamos empenhados.
Temos na Mesa moções que foram enviadas pelos trabalhadores da Têxtil Manuel Gonçalves, ameaçados de despedimento, e pelo engenheiro José Miguel Leal da Silva, moções que foram despachadas oportunamente no sentido de serem enviadas às respectivas comissões.
Também se encontram na Mesa as respostas aos requerimentos dos Srs. Deputados Alberto Martins de Andrade e Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa apresentados na sessão de 6 de Outubro findo.
Anuncio já o pedido de substituição do Sr. Deputado Jorge Manual Moura Loureiro de Miranda, cuja vaga vai ser preenchida pelo candidato Armando António Correia, que baixará à respectiva comissão.
A pedido do Sr. Deputado Jorge Miranda, peço ao Sr. Secretário o favor de ler a carta que acompanhava o seu pedido de substituição.

O Sr. Secretário (Gonçalves Sapinho): - Carta do Sr. Deputado Jorge Miranda, dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia da República, do seguinte teor:

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:
Nos termos do n.º 2 do artigo 17.º da Lei n.º 5/76, de 10 de Setembro, e do n.º 2 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, venho comunicar a V. Ex.ª que opto pela suspensão do meu mandato de Deputado enquanto exercer o cargo de membro da Comissão Constitucional, de que tomei posse no dia 2 de Novembro último.
Faço-o por entender politicamente incompatível o desempenho das duas funções. Não poderia, ao mesmo tempo, participar nos trabalhos de um órgão legislativo e fazer parte de um órgão incumbido de se pronunciar sobre a constitucionalidade das leis; e, sobretudo, não poderia continuar integrado na disciplina de um grupo parlamentar e pertencer a um órgão que nem de ser (c parece ser) absolutamente isento e movido por estritos critérios jurídicos.
Foi apenas por pensar que poderia, em alguma medida, ser útil à defesa e à aplicação da Constituição para cuja elaboração me orgulho de ter contribuído que aceitei a nomeação para

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a Comissão Constitucional. E serei firme na fidelidade ao seu espírito que é de um Estado de direito democrática, assente na vontade popular expressa através de instituições representativas, com rigorosa separação dos órgãos de Soberania.
Como afirmou o Presidente da República, o povo português aderiu à Constituição como garantia da sua liberdade e da sua segurança; como um projecto global promissor de uma sociedade mais justa e também mais rica, e não como um somatório de artigos traduzindo momentos e correlações diversos. Ela representa, sobretudo, um quadro do valores, uma síntese de objectivos, uma carta de guia das nossas liberdades.
Ao despedir-me temporariamente dos meus colegas, seja-me permitido formular votos de incitamento para que intensifiquem, aprofundem e racionalizem a sua acção a fim de que a Assembleia da República não deixe de ser o Parlamento
livre, forte e dinâmico sem o qual não existe verdadeira democracia. Mas só o conjunto dos cidadãos, e ninguém mais, poderá, em última instância, julgar se a Assembleia tem sido ou não capaz de dar satisfação aos seus anseios de justiça, fraternidade e progresso.
Saúdo V. Ex.ª, Sr. Presidente, e através de V. Ex.ª todos os Deputados de todos os partidos.
Lisboa, 8 de Novembro de 1976. - Respeitosamente, Jorge Miranda.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário fará o favor de averbar a presença dos Srs. Deputados recém-chegados, engenheiros Lopes Cardoso e Reinaldo Vital
Rodrigues.
Temos na Mesa um ofício de 29 de Outubro de 1976 exprimindo repúdio pelo conteúdo do Decreto-lei n.º 625/76, de 28 de Julho, e uma recomendação
do Serviço do Provedor de Justiça acerca do projecto de lei n.º 9/I - suspensão imediata das acções de despejo e similares de prédios urbanos destinados a habitação e outros fins, que não o comércio e indústria -, que baixaram às respectivas comissões.
Comunico à Assembleia que foi recebido um convite dirigido aos partidos políticos, formulado pela mesa do Encontro Nacional das Comissões Directivas
e Associações dos Estudantes do Ensino Superior, a realizar no dia 10 de Novembro corrente, pelas 9 horas e 30 minutos, no anfiteatro de electricidade
do Instituto Superior Técnico, para análise do Decreto-Lei n.º 781-A/76.
Srs. Deputados, na próxima sexta-feira, pelas 11 horas, toma posse do lugar de Provedor de Justiça, para que foi eleito por esta Assembleia, o Sr. Dr. José Magalhães Godinho. Apesar de ser um dia de interrupção dos nossos trabalhos parlamentares, gostaria que estivessem presentes os Srs. Deputados que pude
rem, ou pelo menos os representantes dos partidos políticos, a fim de assistirem àquela posse, que terá lugar no Salão Nobre desta Assembleia.
O Sr. Deputado Octávio Pato está presente?

Pausa.

Não está.
O Sr. Deputado Francisco António Marcos Barracosa está presente?
Tem aqui um pedido de comparência no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, no próximo dia 15 do corrente mês, pelas 11 horas, a fim de depor como testemunha. O Sr. Deputado não vê inconveniente?
Há alguma objecção da Assembleia?

Pausa.

Como não há oposição da Assembleia, está autorizado.
O caso do. Sr. Deputado Octávio Pato, que não está presente, ficará para amanhã.
O Sr. Deputado Eduardo José Vieira está presente?

Pausa.

Tem aqui um pedido para comparecer na Polícia Judiciária do Porto, no próximo dia 15, pelas 14 horas, a fim de depor como testemunha. O Sr. Deputado não vê inconveniente?
Há alguma objecção da Assembleia?

Pausa.

Está consentido.
O Sr. Deputada Emílio Leitão Paulo está presente?
Tem aqui dois pedidos de comparência em tribunal.

Pausa.

Não está. Ficará também para amanhã.
É preciso cuidado com as datas. O pedido de comparência da Sr. Deputado Octávio Pato é para amanhã, mas, como não está presente, não pode tomar conhecimento. Se amanhã tiver tempo, comparecerá; caso contrário, telefonará e marcará outro dia, se assim o entender.
Encontra-se na Mesa uma proposta, apresentada pelo Grupo Parlamentar do CDS, para a constituição de uma comissão eventual para os desalojados da qual já mandei tirar fotocópias, que penso já se encontram na posse dos presidentes dos grupos parlamentares. É assim?
Peço desculpa. Os assuntos de que temos vindo a tratar - as autorizações de comparência em ,tribunal e a proposta do CDS - então incluídos na primeira parte da ordem do dia, onde retomaremos a proposta do CDS que acabo de anunciar.
Continua o período de antes da ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha para fazer uma declaração política em nome do seu partido.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente., Srs. Deputados: Em 28 de Maio de 1926, ou seja, há mais de cinquenta anos, instaurou-se em Portugal uma ditadura militar que se transformou rapidamente numa ditadura policial de cariz fascista. Na sua génese encontram-se vários factores, nacionais e internacionais, de todos conhecidos. Bastará apenas acentuar que perante. uma situação de instabilidade política e social, em que o problema da inflação e da carestia da vida desempenhou um grande papel, as forças reaccionárias do País tiveram a poder e a astúcia necessárias para fazerem vingar um salto regressivo ao passado. Prometeram a segurança em troca da regressão. Contudo, durante quase cinquenta anos de

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tirania, o povo português nunca usufruiu da segurança, mas sofreu sim a insegurança da miséria e das perseguições policiais. Segurança só a tiveram os privilégios e os privilegiados.
Depois do grande movimento nacional à volta da candidatura do general Humberto Delgado, em 1958, o regime fascista iniciou um longo processo de decomposição, acelerado a partir de 1961 com o seu envolvimento em vários conflitos armados contra os movimentos de libertação, colonial.
A crise económica mundial de 1973, que atingiu profundamente Portugal, precipitou os acontecimentos e assim surgiu em 1974 a Revolução de 25 de Abril.
Decorridos dois anos sobre a sua eclosão, há já elementos mais do que suficientes para se ajuizar do imenso saldo positivo que, para o País e o povo português representam as profundas e dramáticas transformações estruturais que. dele resultaram. Depois de quase cinquenta anos de ditadura, era evidente que Portugal não poderia superá-la sem uma revolução. E uma revolução não é revolução sem ,transformações revolucionárias.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bera!

O Orador: - De outro modo não haverá revolução, mas apenas motins ou pronunciamentos. É, certo que no seu decurso forças de direita pretenderam sufocar as legítimas aspirações do povo português e instaurar em Portugal um fascismo económico de fachada liberal. Logo de. seguida outros contrapropuseram e procuraram, aliás com trunfos que então pareciam imbatíveis, estabelecer entre nós uma ditadura fascista de fachada socialista.
Mas o povo português demonstrou a sua maturidade repudiando tais soluções antidemocráticas e anti-patrióticas.
Em fins de 1975 verificou-se o êxodo dos refugiados das ex-colónias. E em poucos meses a população portuguesa aumentou cerca de 6 % ou 7 % em condições trágicas, o que veio agravar tremendamente as nossas dificuldades.
É nas provações que se conhece a força dos povos. E estes só vêem com clareza a necessidade da mudança na crise e na provação.
A missão histórica das forças democráticas e progressistas não é propor a regressão a um passado mitificado, ou seja, a contra-revolução, como o fez com sucesso a reacção em 28 de Maio, mas lutar e fazer triunfar o progresso na mudança para um futuro melhor numa conjuntura internacional, aliás toda ela abalada pelos ventos da crise e da gestação de unia nova era, cujos contornos ainda não discernimos com suficiente clareza.
Na pessoa do Presidente da República, general Ramalho Eanes, símbolo da unidade das forças armadas, o Partido Socialista presta a sua homenagem aos militares revolucionários, pelo seu papal essencial e decisivo na tarefa patriótica de edificarmos um Portugal mais livre, mais justo e mais solidário, porque não há solidariedade nacional sem justiça social.

Aplausos do PS.

O Partido Socialista não é um partido de revoltados, mas de revolucionários. O revoltado procura o activismo sem objecto. É, um angustiado impotente

perante a realidade., tentando disfarçar á sua impotência por detrás de uma agitação verbal e física sem conteúdo nem mordente. O revolucionário une a acção ao resultado programado, ciente de que mais vaie um só resultado revolucionário do que cem milhões de frases revolucionalistas.

Aplausos do PS.

E o projecto do Partido Socialista é o socialismo em liberdade, como todos sabem. Socialismo- porque combate a exploração do homem pelo homem sob qualquer forma. O socialismo valoriza o trabalho, não o explora. Em liberdade, porque assim como não é livre um povo que oprime outros povos, assim também não é 4iwre um homem que oprime outros homens.

O Sr. António )Leis (PS): - Muito bem!

O Orador: - O socialismo em liberdade é contrário ao socialismo estalinista, que pretende negar as contradições inerentes à dialéctica social por meio de métodos repressivos e policiais. Como é contrário ao socialismo trotskista, cujo mito da revolução permanente não conduz, na prática, senão a uma forma de anarquismo vulgar.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Governo liderado pelo Partido Socialista é um Governo com um programa definido, claro, concreto e preciso, que executará. E executá-lo-á não através de métodos repressivos, mas reforçando a vida democrática, a justiça social e a solidariedade nacional. Substituirá o culto das frases revolucionárias pelo culto dos resultados revolucionários.
Tudo isto não se conseguirá sem trabalho, esforço, estudo e disciplina. Como não é possível, após quase meio século de uma ditadura obscurantista e de um longo período de desorganização, premeditada, da vida económica, pelo gonçalvismo, tudo resolver em três meses, ao toque não se sabe de que varinha mágica. É, preciso, por isso, ultrapassar o período do verbo para entrar no da acção. Em vez de discussões teológicas sobre os limites do sector público e privado, há que arrancar para a frente com o sector público, tornando-o modelar e dinâmico, de modo que ele seja na verdade o motor do progresso económico nacional, prevendo e fomentando com audácia o aumento da produção, que todos desejamos. Há que respeitar e impulsionar a iniciativa privada no sector que lhe é próprio, o que só se conseguirá através do clima de disciplina e segurança, que é condição da própria democracia.

Alguns aumentos perigosos de preços verificados ultimamente em certos produtos alimentares essenciais, como o peixe, mostram a necessidade de imediatamente e sem burocracites exasperantes se efectuarem investimentos maciços nos sectores da pecuária e das pescas. Seja-me permitida, de passagem, uma breve palavra de agradecimento ao Governo Norueguês pela ajuda preciosa que nos tem prestado neste domínio, além de outros
Como necessário é, também, sem burocracites e com audácia, multiplicarem-se os investimentos na habitação, na construção civil e nos transportes pú-

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blicos. Por outro lado, há que garantir a todos os portugueses os bens e os serviços essenciais a preços estáveis. Isso implica não só a garantia do abastecimento público de um cabaz de compras normalizado, a preços pré-fixados e respeitados, como pressupõe também uma nova dinâmica produtiva da indústria nacional, pública ou privada. Sem prejuízo da racionalidade económica das empresas, há que substituir o critério da rendibilidade mercantil pelo da rendibilidade social.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Através de contratos-programas com o sector público e privado há que lutar contra a excessiva diversificação dos produtos manufacturados essenciais e fornecer rapidamente à população a possibilidade de satisfazer as suas necessidades básicas em vestuário, calçado, - mobiliário, utensílios domésticos, cosas pré-fabricadas, livros e artigos escolares, bicicletas, motorizadas, etc., através do fabrico em massa de produtos estandardizados e de boa qualidade, a preço fixo. Para isso é necessário espírito inventivo e anti-rotineiro, pois sem criação não há revolução.
É necessário ainda completar rapidamente a Reforma Agrária e as expropriações na zona de intervenção. Corrijam-se os erros e os excessos, de harmonia com os ensinamentos recolhidos na prática, garanta-se a ordem. Estabeleça-se um plano. Mas cumpra-se o plano. Aliás, as chamadas leis da Reforma Agrária presentemente em vigor são tão-somente a concretização de um acordo político efectuado em Setembro de 1975 pelos então três partidos de governo, PPD, PCP e PS, através dos seus secretários-gerais - Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Mário Soares, durante as negociações para a formação do VI Governo Provisório. A Reforma Agrária não se efectuará em benefício de um sindicato ou partido, seja ele qual for, mas sim em benefício da comunidade nacional e, nomeadamente, dos que trabalham a terra. Todos os revolucionários cometem pecados veniais. Só não erra quem não age. A indecisão, porém, é o pecado mortal da revolução. E esse não o cometerá o Partido Socialista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há que redefinir uma grelha de salários de acordo com a justiça social e a contribuição produtiva de cada um para a criação da riqueza nacional. Mas há que estancar desde já, através de remunerações adequadas, a hemorragia de técnicos e quadros qualificados que contínua a verificar-se. Sem eles não haverá progresso. Que disso se convençam de uma vez para sempre os saudosistas do anarco-populismo.
Há que criar novos empregos com, desembaraço no pressuposto evidente de que o trabalho, o saber e sobretudo o saber fazer (e não o palrar) são a fonte de toda a riqueza. Para tal há que desenvolver audaciosamente uma política socialista de criação de novos empregos, assente na mobilidade social e na formação permanente. Há que repudiar a ideia fascista de que a segurança reside na inércia vegetativa. Não é assim, a segurança reside na aplicação do princípio socialista "a cada um segundo o seu trabalho". O socialismo é a igualdade de oportunidades. Não é a igualdade das incompetências ou das preguiças. Entre um trabalhador e um palrador há a mesma diferença que entre a ciência e a bruxaria.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Governo liderado pelo Partido Socialista retira a sua legitimidade democrática da confiança do. Presidente da República, eleito pelo sufrágio popular, e do apoio, tácito ou expresso, do Parlamento, também eleito pelo sufrágio popular.
Se algum destes lhe faltar, deporá o seu mandato, como é óbvio. Até lá, governará. Governará na democracia e através da democracia. E governará, executando o seu Programa. Governará reconhecendo o princípio da utilidade da oposição no quadro da democracia. Acrescento até que os oponentes sugerem muitas vezes a correcção de erros de que nem sempre nos apercebemos. Como disse Mao Tsé-Tung, quem não sabe escutar não sabe governar.
O Governo liderado pelo Partido Socialista sabe escutar e sabe também governar. Por isso escuta. Mas também governa. E governará.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Porto da Cruz.

O Sr. Pinto da Cruz (CDS) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou referir-me a alguns aspectos das relações entre Portugal e Angola. Algumas das razões que apresento também se aplicarão, mutatis mutandis, a Moçambique. Farei ainda algumas considerações sobre o preocupante problema das refugiados. São duas situações políticas e sociais que se entroncam profundamente.
Para que esta Câmara melhor se aperceba da razão e do verdadeiro objecto desta minha intervenção, julgo útil algumas notas pessoais introdutórias:
Sou natural de Angola, onde sempre vivi. Também em Angola viveram e morreram meus avós e meu pai. Em Angola nasceram meus filhos. Em Angola ficou praticamente tudo quanto eu e eles ganhámos em vidas de muito trabalho. Desde os bancos do liceu na ex-Nova Lisboa, agora cidade de Huambo, passando pelos controversos anos das lutas de libertação, sempre defendi, na medida do que nos era possível, a independência de Angola, ainda que uma independência diferente da que veio a acontecer. Por esta razão sofri alguns meses de prisão efectiva. Sempre fui e sou contra todas as formas de racismo. Poderão atestá-lo os angolanos negros que bem me conhecem.
Fui dos últimos portugueses a tomar lugar nos aviões da ponte aérea deixando Huambo rumo a Portugal.
Em Angola não aderi, nem hostilizei, qualquer dos três movimentos que lutaram pelo poder. Só uma solução política resultante de um acordo sincero entre esses três movimentos teria tido todo o meu apoio.
A situação pessoal que acabo de expor é comum, no essencial, à de muitos milhares de refugiados angolanos que se encontram em Portugal. E dela decorre a minha particular sensibilidade às relações de Portugal com Angola e à vida dos refugiados nas suas

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múltiplas dificuldades. Seriam necessárias muitas horas para, com dimensão útil, poder tratar de tão complexos problemas. No pouco tempo de que neste momento disponha apenas ligeiras referências lhe poderei fazer. Assim, começo por observar:
Num país democrático como o nosso, em que se preconiza uma abertura ao povo dos grandes problemas de interesse nacional, e certamente ninguém negará tal qualidade aos casos vertentes, por que razão o Governo não esclareceu o País, com o necessário desenvolvimento, das situações concretas que constituem o difícil contencioso existente entre Portugal e Angola?
Parece-me desnecessário encarecer o muito interesse, que nisso teria a esmagadora maioria dos portugueses, mas principalmente os refugiados, para quem tal esclarecimento parece constituir um direito. Para além dos bens que lá deixaram, e de uma nostalgia que trouxeram, uma grande parte dos refugiados ainda não perdeu de todo a esperança de os deixarem voltar a esse maravilhoso país que tão significativamente ajudaram a construir e tão injustamente tiveram de abandonar.
Sabemos que pelo menos duas comissões do Partido Socialista, numa atitude louvável, se deslocaram a Angola com o objectivo de procurar normalizar as relações entre os respectivos países. E se bem sei, essas comissões foram presididas pelo Sr. Doutor António Macedo, ilustre Deputado desta Câmara, cuja consideração pessoal muito me tem honrado. Em obediência a um estilo que esta Assembleia parece defender, esperávamos a satisfação de ouvir, ainda que em resumo muita sucinto, um relato das diligências havidas e das dificuldades encontradas. Assim não aconteceu.
E as notícias muito vagas que a imprensa relata, porque a ela também mais se não diz, estão muito longe de satisfazer o nosso interesse.
Chegam-nos notícias não oficiais de que o pomo da discórdia tem o seu vértice mais saliente num complicado contencioso financeiro, em que Angola se considera credora de cerca de 60 milhões de contos, sem entrar em linha de conta com as infravalorizações de muitos produtos exportados para Portugal e depois reexportados para outros países.
Era o caso do café que vinha de Angola para a metrópole e daqui era reexportado para Espanha, com uma margem de lucro que Angola não considera razoável.
E consta-nos ainda que o Governo Angolano, em resposta à atitude refractária a qualquer discussão deste contencioso por parte do Governo Português, teria procedido à nacionalização ou confiscação dos bens, propriedade dos refugiados, ,existentes em Angola, tais como empresas industriais, agrícolas, prédios urbanos, etc. Teria ainda congelado, como acto prévio de confisco, os depósitos bancários e outros invisíveis.
De qualquer forma, mesmo aceitando, por simples hipótese e sem conceder, o discutível critério de se compensar qualquer eventual dívida de Portugal com o valor das nacionalizações dos bens particulares dos refugiados, é evidente que estes bens têm um valor muito superior ao pre4enso crédito de Angola.
E isto conduz-nos imediatamente a um outro aspecto de alta importância para os refugiados portugueses, o qual é saber em que medida tem o Governo
Português acautelado o direito dos refugiados a uma indemnização pelos bens que lhes foram nacionalizados em Angola.
Parece-nos oportuno recordar a esta Câmara que indemnizações deste tipo sempre mereceram a atenção dos países descolonizadores. Estou a lembrar-me, designadamente, da França, no caso da Argélia, da Bélgica, em relação ao Zaire, e do mais significativo de todas eles: da Holanda, em relação à Indonésia. Mas com mais importância é o que, mesmo em cima do acontecimento, se está agora a passar relativamente d5 ofertas internacionais para uma indemnização aos rodesianos que desde já desejem abandonar a Rodésia, ali deixando os seus bens. Do caso também já se preocupou o Parlamento inglês. E segundo recentemente li em imprensa estrangeira, já estaria formado, por contribuição dos Estados Unidos, da Inglaterra e de outras nações ocidentais, um fundo de compensação de 2 biliões de dólares para tais indemnizações.
Estou ainda informado de que o Governo da Alemanha Federal, para além de ter garantido uma reforma, uma casa mobilada, prioridade nos empregos públicos, a todos os alemães que em Angola deixaram os seus bens, está tratando de estudar com o Governo de Angola uma indemnização pelos bens nacionalizados.
Recordo aos Srs. Deputados que os alemães eram a colónia ;estrangeira mais significativa em Angola.
E parece-me legítimo perguntar: e para os refugiados portugueses?
Estes nem sequer deixaram Angola por o terem livremente desejado, mas sim porque uma guerra, que não era sua, a tal os obrigou. E há conhecimento internacional desta situação através do apoio que vários países deram à ponte aérea.
Quem os indemniza de todos os bens que perderam, bens que são hoje dos Angolanos?
Angola poderá ter o direito de nacionalizar, mas desse direito decorre o dever de indemnizar. Aliás, dever este a que Portugal se solidarizou expressamente pelo acordo de Alvor, ao aceitar, com os restantes intervenientes, a obrigação de salvaguardar as pessoas e os bens dos portugueses em Angola.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, indemnizar os refugiados pelos seus bens nacionalizados em Angola, além de constituir elementar justiça, seria contribuir muito validamente para amenizar, se não mesmo aproximar da solução, algumas das grandes preocupações nacionais. Refiro-me à integração de muitos refugiados na sociedade portuguesa e a uma melhoria da nossa balança de pagamentos.
E pergunto ainda: que tem feito o Governo neste sentido? Se tem dificuldades nos contactos directos com o Governo Angolano, em que medida é que procurou sensibilizar a opinião internacional para esta justíssima causa, ganhando, se possível, o seu útil apoio?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um esclarecimento público e completo por parte do Governo das dificuldades existentes nas relações com o Governo de Angola e, por outro lado, uma maior iniciativa e dinâmica governamental na obtenção de uma indemnização para os refugiados cujos bens foram nacionalizados em Angola, ou ainda para aqueles que, não possuindo bens, lá perderam os seus postos de trabalho, estou certo de que são propósitos que terão o apoio desta Câ-

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mara, ou, pelo menos, da grande maioria dos seus Deputados. Dinamizar esse apoio é a razão principal desta minha intervenção.
Oxalá o consiga.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Miguel.

O Sr. Francisco Miguel (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falo desta tribuna e não do lugar onde habitualmente me sento, para destacar a importância do problema de que me vou ocupar.
No passado dia 29 de Outubro fez quarenta anos que teve início o campo de concentração do Tarrafal. É um acontecimento que esta Assembleia não podia deixar passar em silêncio, mesmo que aqui não houvesse nenhum Deputado sobrevivente do Tarrafal.
Na noite negra de quarenta e oito anos em que vivemos houve uma mancha ainda mais negra, que foram os dezanove anos de existência do campo de concentração do Tarrafal. O Tarrafal foi um crime que ninguém pode justificar, mas é um crime que se explica e que deve ser punido. Que os responsáveis pelo Tarrafal não fiquem impunes, porque essa seria uma forma de ignorar a justiça e de se ser uma vez mais injusto para com o povo português.
Foi efectivamente em 29 de Outubro de 1936 que chegaram ao Tarrafal os primeiros cento e cinquenta presos políticos, a 3 km da vila, a 800 m do mar, num lugar reconhecido como um foco de paludismo. Foi aí que, intencionalmente, o governo fascista foi pôr o campo de concentração, que para nós também foi um campo de extermínio.
Foi depois de Ver estudado os campos de concentração na Alemanha que uma comissão de militares lá foi escolher o sítio e pôr lá, onde o paludismo podia liquidar mais rapidamente, os antifascistas que o Governo para ali enviava.
Se esse campo tivesse sido construído 1000 m acima, distante do mar, num pequeno planalto que ali existe, o anófele, mosquito que provoca o paludismo, não teria tido um raio de acção capaz de malar tantos antifascistas.
O campo de concentração do Tarrafal não foi apenas um lugar onde se colocaram os presos. Foi ai instaurado um sistema repressivo e violento com o objectivo de atingir o fim que o Governo se propôs: suprimir fisicamente grande parte dos seus adversários políticos. Além do clima, do foco de paludismo, essa situação ficou completada com os trabalhos forçados, com ia falta de assistência médica e com a violência praticada sobre os presos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: quantos de nós nesta Casa sabem o que é um campo de concentração? Quantos sabem o que são trabalhos forçados? Se, felizmente, não sabem, devem pelo menos acreditar naqueles que lá viveram. Falo como sobrevivente do Tarrafal, não falo sobre o que ouvi dizer. Por isso, é com essa autoridade de sobrevivente que aqui falo do Tarrafal e exijo, em nome das suas vítimas, em nome do povo português, a punição dos responsáveis pelo Tarrafal.
Não quero referir-me àquela tragédia, que porventura toca mais os sentimentos das pessoas. Quero ser mais objectivo. Antes do fascismo e durante os governos da I República havia quem fosse contra o Governo, e :esses eram presos e deportados. Então, os deportados eram colocados em situação de residência fixa, com subsídios e, muitas vezes, desempenhando cargos públicos, com um nível de vida que, talvez, no conceito dos imperialistas de então, fosse necessário para que os brancos não parecessem pobres aos olhos dos nativos. Em qualquer caso, a situação desses deportados era suportável. Em 1936, o Governo fascista fundou o campo de concentração do Tarrafal para exterminar, com a intenção de matar - e matou, Srs. Deputados- dezenas de antifascistas. Eu próprio vi lá morrer dezenas deles.
Deste crime alguém é responsável. E quem foi já responsabilizado por este crime? Quantos estão presos por terem praticado este crime contra centenas de pessoas, este crime intencional, num país onde não havia, nem há, a pena de morte? Nós, comunistas, não pedimos para ninguém a pena de morte, tanto assim que, sem hesitação, aprovámos a sua não existência na Constituição. Pedimos, sim, o castigo correspondente aos crimes praticados, e entendemos que não é justo nem é forma de construir a democracia deixar estes crimes impunes. Ao deixarem-se estes crimes impunes falta-se ao respeito pelas vítimas desses crimes. E, se somos democratas, temos de ter em conta, em primeiro lugar, os direitos do nosso povo, a sua garantia e segurança.
Não é libertando os ex-"pides", nem não chamando à responsabilidade os criminosos, que se constrói a democracia e se consolida e respeita a liberdade. Não é um verniz pretensamente jurídico que modifica esta realidade. Não me venham dizer os juristas de talento que não havia leis para condenar os ex- pides". Nós preferíamos que os ex-"pides" tivessem sido todos julgados e justamente condenados pelos seus crimes, na medida e na proporção dos mesmos. Mas se porventura não houve tempo de os condenar, o que seria justo é que estivessem presos. Quantas dezenas de anos estivemos nós presos sem julgamento? E para que não me possam desmentir, cito o meu próprio caso: fui para o Tarrafal, pela primeira vez, condenado a 24 meses de prisão correccional e estive lá cinco anos e meio sujeito a trabalhos forçados, à arbitrariedade e à violência. O que se propõe agora, apelando até para os nossos sentimentos, é que tenhamos em conta que algumas das famílias dos ex-"pides" estão em situação económica precária. Srs. Deputados: Isto é o que se ouve de alguém que quer explorar os nossos sentimentos e que nos quer fazer esquecer as famílias que foram destruídas. Eu conheci situações em que filhas de camaradas meus estavam com os seus ;vós, que nada tinham: viviam na miséria, não iam à escola porque não podiam, não estudavam aquilo que estudariam se os seus pais estivessem em liberdade. Perante tudo isto, hoje quase nos propõem que façamos uma, subscrição a favor dessas vítimas do 25 de Abril. Isto ex- considerado ofensivo para nós.
Quero agora afirmar aqui, neste momento e neste lugar, onde estou como Deputado eleito pelos camponeses do Alentejo, por muitos daqueles que viram assassinar Catarina Eufémia, e por muitos daqueles que lutaram durante 48 anos, que tenho sido várias vezes convocado pela comissão da ex-PIDE/DGS e Legião Portuguesa. Não irei à presença desses senhores e considero ofensivo que me façam tal convocação.

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Tenho declarado, e confirmo aqui, que estou à disposição dos tribunais para depor como testemunha de acusação, quando os ilides forem julgados. Se a rádio quiser, também posso falar para ela, assim como o posso fazer em relação à televisão, mas não irei a nenhuma casa onde, em frente daqueles que me torturaram, me irão perguntar como fui torturado, como sei que bem acontecido a alguns dos meus camaradas. Chegam ao ponto de perguntar com cinismo se temos testemunhas de termos sido torturados. Se essa pergunta me fosse feita, eu diria que a testemunha que tenho de que o José Gonçalves me espancou é o Rosa Casaca e vice-versa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é admissível que estas coisas sejam assim. Eu não irei à presença dessas pessoas porque não podem coincidir as declarações do ex-preso com as declarações daquele que se defende,
que é o agressor. Não me sujeitaria a semelhante humilhação pela mesma razão por que não fiz declarações na policia quando eles me diziam que, pela lei, era
obrigado a fazê-las. Não estarei presente em semelhante situação, porque é injusto e considero um crime pôr em liberdade aqueles que deviam estar presos, sabendo-se de sobejo a medida o seu crime. Que, não se venha exigir às vítimas, àqueles que sobreviveram, que dêem cobertura à libertação dos ilides.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Tarrafal foi um crime que ninguém justifica, que deve ser punido. Só assim nós daremos provas de que estamos construindo uma situação nova.
Não compreendo que tipo de humanismo é aquele que pretende poupar à justiça os criminosos, esquecendo a justiça que se deve às vítimas dos crimes. Tenho de pensar e aceitar que é um humanismo falso. É como se, numa sociedade de lobos, se protegessem os direitos do lobo e se desprezassem os direitos do cordeiro.
O nosso povo tem o direito de exigir que sejam punidos os criminosos e só assim estaremos construindo a democracia em que estamos interessados.
Era este apelo, Srs. Deputados, que eu, na qualidade de sobrevivente do Tarrafal e de Deputado, aqui vim fazer: que peste erro seja corrigido e que os criminosos não andem mais em liberdade.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: A Câmara acaba de ouvir a mensagem dolorosa e comovente do Deputado Francisco Miguel. Eu próprio me sinto profundamente comovido pela circunstância de considerar o Tarrafal um dos grandes remorsos da nossa consciência.
No Congresso do meu partido, quando presidi a uma das sessões, pedi aos congressistas e ao público em geral um momento de sentido recolhimento, de reflexão sobre o que representou efectivamente esse campo de extermínio, que, até por infelicidade minha, foi instalado na terra onde nasci. Pedi aos presentes esse momento de reflexão, fatalmente dorida, em memória dos que morreram, dos que ali sofreram, dos que se frustraram.
Peço agora à Câmara que, de pé, e num momento de reflexão, também preste homenagem aos que morreram no campo de extermínio do Tarrafal.

A Câmara, de pé, guardou um minuto de silêncio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Gonçalves.

O Sr. António Gonçalves (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Percorrendo o distrito de Bragança, estamos ainda em Portugal. E, contudo, muitos há, governantes, inclusive, que daquele quadrante nacional não mais retêm que as especialidades de culinária e o saberem, nunca de, experiência feito, que viver aí é viver no Inferno. Sim, Srs. Deputados. Só que Inferno, e durante nove meses, quer dizer Inverno. Entramos antecipadamente nessa estação.
Ali, o mourejar diário é como o pão de cada dia. Melhor: é o pão que obriga a tal. Para além desta actividade primária, uma outra se apresenta com singular acuidade - a educação. É dela e suas naturais incidências no meio que hoje me ocuparei.
Não vai longe o dia em que o distrito de Bragança estava bem lançado no caminho conducente à resolução dos seus graves problemas de educação. Erros também havia. O que não obstava a uma certa excitação local, num vislumbrar de melhores dias com menos engates no orçamento familiar e na saúde colectiva. Dois anos e meio são decorridos sobre a data histórica e plena de esperanças ma tão ansiada melhoria das condições de. vida de todos os portugueses; porém, o que a seguir exporei sobre o ensino básico na região donde provenho em bem pouco, diria mesmo nada, se alterou.
Assim se mantém a necessidade da construção de mais de uma centena e meia de salas de aula que anteriormente se verificava, continuando Vinhais, o quarto concelho em número de freguesias, a primar pela vergonha das vergonhas, como se depreende das seguintes palavras de um presidente da Câmara Municipal:
A cobertura da rede escolar é muito deficiente e podemos afirmar que muitas escolas estão a funcionar em casas alugadas que se encontram nas mais precárias condições, podendo mesmo adiantar que em alguns casas correm perigo os professores e respectivos alunos.
No Mensageiro de Bragança de 2 de Março podia ler-se, à data da visita do então Ministro das Obras Públicas e Comunicações:
Existem no concelho [de Vinhais] 71 escolas primárias, das quais quinze estão a funcionar em edifícios particulares. Na maioria, as suas condições para a prática do ensino não são boas, pelo que foi solicitada a construção de escalas pré-fabricadas em doze localidades e reparação noutras instalações. A Direcção-Geral das Construções Escolares vai ocupar-se do assunto.
Pré-fabricadas ou não, com o interesse ou o desinteresse da dita Direcção-Geral, praticamente nada foi feito, e, quer o concelho de Macedo de Cavaleiros, quer o de Mirandela, e mesmo o de Bragança, estão, nestas carências, muito próximos do de Vinhais.
Os números de efectivos escolares comprovam que às 163 salas, cuja constrição se reclamaria dois anos atrás, há hoje que adicionar mais 52 a carecer de urgente reparação e conveniente apetrechamento, que permita uma discência em termos que não provoquem frustrações de educadores e educandos.

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No sector de bibliotecas, e através das 298 freguesias do distrito, contavam-se 176, cuja maior carência se situava no concelho de Macedo de Cavaleiros, logo seguido do de Vinhais e do de Bragança. Haveria, portanto, a criar 122 bibliotecas.
Ao fim e ao cabo, e abstraindo das escolas sofríveis, cada uma delas se transforma em caso e problema singular- ou falta a luz eléctrica, ou as condições de higiene não são mínimas, ou estão mal situadas geológica c, sobretudo, geograficamente, ou o aquecimento é menos que razoável. Em termos numéricas, das 715 salas, 374 possuíam calorífero eficiente, enquanto 362 se contentavam com eles impróprios e 9 nem sequer os possuíam. Sob a capa do aquecimento escolar, muitas burlas se fizeram.
As tempestades transmontanas redundam em flagelos. Aqui o mais importante. Um professor para um aluno? (Seria ideal!)
Que descentralização escolar? A lei obriga a criança a andar até 3 km. Mas a lei é ridícula quando feita por homens do Terreiro do Paço, da 5 de Outubro
ou de qualquer Lisboa que seja.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esses mesmos homens deviam passar uma época escolar lá em cima, em lugar que para eles seja degredo. E, então, tentem enviar o filho à escola mais próxima. Sim, tentem e verão que a escola não "sabe" receber as crianças molhadas, enlameadas, cansadas de todo, obrigadas àquilo. Já certas entidades diziam em 1971 que seria " organizado um esquema de transportes", podendo a "acção social escolar ajudar", acrescentando-se que havia "aldeias prioritárias em relação a Bragança", que havia crianças andando " 5 km e 6 km para ir à escola".
Adiantou-se o quê?
Que projectos tem o Governo socialista e os respectivos Ministérios? E, depois, não é tudo. Muitas crianças terão e atêm de comer fora de casa. Cantinas escolares, em Março de 1974, havia 44 e as propostas rondavam a meia centena. Ora, dos 21 137 alunos matriculados, só 2113 eram beneficiados (10 %, portanto) e a alternativa cantina-suplemento alimentar é descabida. Apoiamos a primeira.
Esta frieza dos números, frios como a terra donde provêm, se não é exaustiva para denunciar a urgência na resolução de alguns problemas mais instantes em matéria de educação, consideramo-la suficiente para daqui chamarmos a atenção para os Ministérios respectivos e muito gostaríamos de receber da parte deles notícias mais consoladoras. Peço-lhes também que se debrucem sobre o problema das delegações escolares, sem instalações próprias. E programem finalmente um estudo dedicado ao professor, pergunta género " professor fixo ou não?".
Relativamente à escola do magistério primário, o problema da construção de um edifício novo e definitivo tarda em concretizar-se. Situa-se ela actualmente nas instalações onde estava projectada a abertura da escola normal superior, cujo anúncio suscitou infundadas esperanças e agora volta a ser aflorado nos círculos de Bragança. É consultando, e ao de leve, a imprensa local que, logo em Janeiro de 1971, deparamos com aquilo que a seguir se transcreve:
A Direcção-Geral das Construções Escolares enviou há dias, à Câmara Municipal de Bragança, 760 000$ para a compra dos terrenos das novas escolas do magistério primário e escolas anexas. O terreno, como já várias vezes noticiámos, situa-se entre a cadeia e o Bairro da Mãe d'Água.
Nos anos consequentes, foi ainda o assunto focado repetidas vezes, relembrando-o nós agora, sem contudo sobrepor este aspecto aqueloutros que lhe andam ligados e que reputamos de prioritários, a saber: colocação de todos os professores primários e cursos de abertura rápida e não ilusória para os actuais discentes.
Caberia aqui falar ainda de uma escola de educadores de infância na sede do distrito, de um jardim-escoi4a-infantário em cada concelho, sobre a promoção de excursões e rebater, rebater sempre, a necessidade de contornar um pouco a problemática do ensino secundário, comentar as colonizações infraculturais a que alguns chamaram alfabetização e dinamização, a criação naquela nesga (nesga e, simultaneamente, oceano de espíritos alterosos e solitários) de uma escola de nível superior.
Assentemos, porém, a tónica destes parágrafos na apreensão, nunca tão diminuta como hão-de julgar, que invade educadores e educandos do ensino primário em cada Outubro, que, aberto à alma dos mais pequenos, já causa tremores e sacrifícios bem escusados no grande corpo do Nordeste.
Repetimos: sacrifícios bem escusados.
Veremos se a vontade dos nossos novos governantes é o decalque de uma impotência tão generalizada a nível nacional ou se o caracol "corre" ainda menos que nos tempos do antigamente.
Aguardemos, pois.
Tenho dita.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem apalavra o Sr. Deputado Edmundo Pedro.

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Venha juntar a minha voz à de Francisco Miguel, que há pouco nos falou do Tarrafal.
Também; como ele, ali estive e fui dos primeiros deportados. Pertenci à primeira leva. Portanto, sinto-me na obrigação, não só como Deputado eleito pelo povo, mas também na minha qualidade de ex-deportado do Tarrafal, de dar testemunho e prestar homenagem àqueles - que ali .morreram em virtude do seu combate, do seu espírito de sacrifício, que realmente os fez alvo da ;repressão fascista.
E, assim, permito-me ler umas linhas escritas à pressa, que podem, na entanto, caracterizar um pouco o ambiente que ali reinava e dar-vos uma ideia mais clara do que foi o ambiente do campo de concentração do Tarrafal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entre a data do último Plenária desta Assembleia e o que se efectua hoje, exactamente a 29 de Outubro de 1936, fez portanto quarenta a nos, chegou à baía do Tarrafal um barco com 151 prisioneiros, provenientes uns das

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várias prisões do continente e outros de Angra do Heroísmo, que foram inaugurar o tristemente célebre campo de morte do Tarrafal. Encontrava-me entre esses prisioneiros, então com 17 anos, sendo o mais novo entre os que inauguraram aquele campo de concentração, bem como meu próprio pai, que figurava entre os provenientes de Angra do Heroísmo.
Porque entendo que uma data de tão grande significado na luta antifascista, não deve passar sem ser assinalada nesta Assembleia, recordando alguns aspectos do que foi o mais acabado instrumento de repressão ao serviço do regime deposto em 25 de Abril de 1974, aqui estou a cumprir esse dever para com as vítimas do terror fascista, prestando sobretudo homenagem aos muitos que ali caíram para sempre sem terem visto o fim da ditadura que durante cerca de meio século violentou o nosso povo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é o local nem a altura de vos descrever o que foi aquele campo de concentração, além de que já foram publicadas meia dúzia de, obras sobre esse assunto, obras que se completam entre si e que dão uma ideia do que foi a vida dentro daquele inferno. Permito-me, em todo o caso, dar algumas notas sobre o ambiente ali existente, pois é útil recordar, nesta fase crucial da construção da democracia no nosso país, o que custou a árdua caminhada para a liberdade, recordando os que se bateram, nas mais dunas condições, contra o regime reaccionário e obscurantista que nos dominou até ao 25 de Abril. Lembrando e homenageando, repito, sobretudo aqueles que deram o máximo, que duram abnegadamente a sua vida pelo futuro do povo a que pertenciam.
Quando chegámos ao Tarrafal, há precisamente quarenta anos, encontrámos um rectângulo rodeado de arame farpado, com guaritas aos cantos e duas filas de tendas de lona no seu interior. Este era todo o equipamento ali existente - quanto bastava, do ponto de vista. dos responsáveis por aquele campo de extermínio, para nos acolher. Assim ficámos cerca de dois anos, com as tendas, na última fase da sua existência, feitas em farrapos, entrando chuva e vento por tolos os lados. A água vinha de cerca de quilómetro e meio de distância, carregada à mão, retirada de um poço - e era equipada. Nos primeiros tempos era distribuída com toda a parcimónia, cabendo, paia lavagens, um ou dois púcaros a cada um. Os dejectos ficavam expostos, depositados em latões enfiados em buracos.
Os medicamentos praticamente não existiam. Distribuíram-nos fardamentos de, caqui e deram-nos chapéus de palha. Começámos imediatamente a trabalhar em tudo o que o director inventava, desde arrancar pedra na pedreira existente perto do campo, até abrir estradas ou carregar água da fonte. Oito horas por dia, sob a vigilância de guardas zelosos, que não nos deixavam descansar. Nos trabalhos externos éramos acompanhados por sentinelas de uma companhia proveniente do ultramar, constituída por soldados negros. A alimentação era deficientíssima.
Ao fim de um ano, convencidos de que a intenção do regime, ao manter-nos tais condições, era liquidar-nos fisicamente, tentámos uma fuga colectiva. Em resultado dessa tentativa falhada abateu-se sobre nós a mais feroz repressão, que tomou a forma, entre outros aspectos, do total conte de medicamentos (roo s6 dos que nos vinham da metrópole, enviados pelas famílias, como dos poucos fornecidos pelos serviços prisionais), da intensificação dos trabalhos, do impedimento de receber encomendas da metrópole, do corte de correspondência, das provocações mais variadas, enfim, por parte das autoridades prisionais.
O resultado não se fez esporar. O paludismo, contra o qual não tínhamos a mais pequena defesa, a não ser uns improvisados clisteres, atirou para a cama com a maior parte dos prisioneiros. As temperaturas, da ordem dos 40 a 41 graus, assaltaram praticamente todos. Numa semana morreram seis, entre eles um jovem de 20 anos, de nome Tobias, para ali enviado, tal como eu e outros, sem julgamento. Na vala que por essa altura os presos eram obrigados a cavar (com cerca de 5 m de profundidade) em volta do campo, e onde o calor se concentrava como num forno, os prisioneiros caíam e eram levados pelos seus companheiros .pana a5 tendas. A "enfermaria" (se se lhe pode dar esse nome) era constituída por uma barraca desmontável de, madeira, com capacidade para quinze presos e ficou imediatamente cheia. Os doentes, sem qualquer assistência, morriam nas tendas, tomados pelo delírio febril, sem ao menos um comprimido de quinino. Tudo nos fora cortado.
O médico, o sinistro Esmeraldo Pais Pratas, designado entre nós perlo nome de "Tralheira", negava-se a entrar no campo de morte, sob o pretexto de que no - seu inferior se desencadeara uma epidemia e dizendo que podia perfeitamente passar as certidões de óbito na secretaria prisional, que funcionava fora do campo.
Esta era a situação dramática dos cerca de cento e noventa presos (entretanto tinham chegado mais) em Setembro de 1937, cerca de um ano após a nossa chegada.
Este breve apontamento chega para vos dar uma ideia do que foi o ambiente no campo de extermínio do Tarrafal. Numa população que andou sempre à volta de duzentos presos morreram mais de trinta (a maior parte jovens, repito), mais de quarenta foram atacados de tuberculose, uma grande parte contraiu doenças de fígado, alguns regressaram loucos.
Um dos aspectos mais dramáticos da situação vivida no Tarrafal foi o total isolamento dos presos. Com éf4ito, ao longo da maior parte do tempo estivemos completamente isolados do exterior. Não recebíamos jornais, não podíamos ouvir a rádio e o correio era rigorosamente censurado, de modo que não nos chegasse a mais pequena notícia do mundo exterior. Para vos dar uma ideia do nosso isolamento, basta dizer que quando começou a última grande guerra não tivemos conhecimento do facto imediatamente. Houve, além disso, períodos em que nos tiravam os mais significativos objectos de uso pessoal, entre os quais os livros, os lápis, as canetas e o papel para escrever. Passámos livros inteiros em papel de cimento!
Os castigos eram frequentes e em certos períodos a pretexto das coisas mais insignificantes. Por não tirar o chapéu a um guarda, por exemplo, por se encontrar à parede, pela razão mais absurda, enfim, os presos eram enviados para a "frigideira" vários dias. Brigadas especiais de trabalhos forçados, espancamentos, "frigideira", corte de medicamentos e de encomendas, mortes frequentes, contra as quais, à míngua de medicamentos, nada podíamos fazer. Tudo foi feito no campo de morte do Tarrafal para des-

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truir física e moralmente os prisioneiros, os resistentes que, com o seu combate, se opuseram ao fascismo.
Meu pais, Gabriel Pedro, que neste momento recordo comovidamente, foi o mártir n.º 1 do Tarrafal. Com cento e trinta e cinco dias de "frigideira", com espancamentos vários, tendo participado na brigada especial de trabalhos forçados - a " Brigada Brava" -, foi de longe o preso que mais sofreu, a tal ponto que, de uma das vezes que esteve na "frigideira", tentou suicidar-se, escapando milagrosamente. Morreu no exílio, em Paris, cerca de um ano antes do 25 de Abril e não teve a felicidade de viver o 25 de Abril. Lembro também Nascimento Gomes, funcionário da Carris do Porto, que comigo e mais três bateu o record da
"frigideira", onde estivemos setenta dias seguidos,
cujas rins foram desfeitos à pancada no decurso das retaliações que se seguiram a uma tentativa de fuga de que veio a falecer. Condenado a três anos de prisão, tinha cumprido já seis quando morreu ali.
Lembro Alfredo Caldeira, que quando morreu tinha também cumprido a pena há quatro anos. Lembro o jovem Fernando Alcobia, que morreu sem ter sido julgado, para ali enviado por actividades políticas de pouca relevância. Lembro e envolvo na mesma homenagem todos os gloriosos mortos do Tarrafal: Bento Gonçalves, Mário Castelhano, Simões Januário e tantos outros, comunistas, anarquistas, socialistas, democratas liberais, que deram a sua vida pelo futuro do nosso povo.
Os sacrifícios desses heróis, que combateram e morreram pelo futuro do povo português, não podem ser esquecidos. Os responsáveis por esses crimes contra a Humanidade não são os agentes da extinta PIRE/ DGS tomados individualmente, embora a alguns caibam pesadas responsabilidades. Os responsáveis por esses crimes foram os beneficiários do regime fascista. Foram, em particular, o grande capital monopolista que dominava a vida económica do País e para quem o fascismo, isto é, a repressão sistemática, era indispensável, à continuidade do seu domínio, a cujo ressurgimento temos de estar atentos.
Certamente que é nosso dever, até para com os que sacrificaram o seu mais preciosa bem - a vida na luta contra o sistema reaccionário que nos dominou durante cerca de meio século, é nosso dever, dizia, exigir que os responsáveis directos e pessoais desses crimes sejam castigados em conformidade com os seus crimes. A instauração &- um Estado de direito na nossa terra exige que nos batamos para que justiça seja feita, para que os crimes cometidas pelo regime fascista não fiquem impunes. Os grandes criminosos da extinta PIDE/DGS, em particular, devem ser castigados de acordo com as suas responsabilidades nesses crimes.
Não concordo com extensas prisões preventivas, que atingem muitas vezes por igual os culpados e os inocentes ou os muito culpados e os de insignificante culpabilidade. Eu próprio estive detido de uma das vezes dez anos em regime de prisão preventiva, sem julgamento durante o tempo em que estive no Tarrafal, e fui condenado, ao fim desse tempo, a vinte e três meses de prisão correccional. O mesma aconteceu com inúmeros outros prisioneiros e foi prática corrente durante o regime fascista. A justiça tem de ser restabelecida e não podemos desejar que a ilegalidade se prolongue, pois isso seria minar os próprios fundamentos de um regime democrático.
Que o sacrifício de tantos heróis que se bateram e morreram nos inspire no sentido de tornar para sempre impossível, na nossa terra, o domínio das forças reaccionárias e obscurantistas que tanto sacrificaram o nosso povo.
Que as verdadeiras forças de progresso deste país saibam encontrar o modo de evitar a repetição destes crimes, construindo uma sociedade democrática que ponha os cidadãos ao abrigo das ilegalidades e violências, que são o corolário inevitável das sociedades totalitárias. Que a lição do passado não seja esquecida.
Sejamos dignos dos nossos mortos, dos mortos da luta antifascista, edificando uma sociedade de progresso e de justiça onde tais crimes sejam para sempre banidos.
Marx afirmara, no século passado, que " o espectro do comunismo varria a Europa".
Hoje afirmamos, com toda a convicção, que a esperança do socialismo atravessa a Europa. A esperança numa sociedade democrática, numa sociedade socialista, que. nos ponha ao abrigo das práticas totalitárias características dos regimes que consagram os interesses de minarias que, para manterem os seus privilégios, não hesitam em recorrer a práticas contra os mais elementares direitos do homem.
Glória, pais, aos mortos do Tarrafal e a todos os mortos do fascismo que, com o seu sacrifício, concorreram para a nassa liberdade e justiça para todas as vítimas da repressão fascista.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos continuar a trabalhar. Suponho que será essa a melhor forma, trabalhando e pensando todas nas palavras
que acabámos de ouvia, de nunca mais existir neste país a maldição de um campo de extermínio como foi o campo do Tarrafal.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos passar ao período da ordem do. dia.
Encontra-se na Mesa uma proposta apresentada pelo Grupo Paramentar do CDS para a constituição de uma comissão eventual para os desalojados, de que mandei tirar fotocópias, que entreguei aos presidentes dos grupos parlamentares.
Considero a proposta admitida e vamos proceder à sua leitura.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de constituição de comissão eventual
para os desalojados

[Cf. alínea h) do artigo 16.º, artigo 48.º, artigo 49.º
e alínea dl do artigo 73.º do Regimento]

Considerando o elevado número de desalojados que se encontram, actualmente, em Portugal;
Considerando os problemas de mais diversa ordem económica, social cultural e humana- com que os desalojados têm de se confrontar;

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Considerando a recente criação de um Alto-Comissariado especialmente encarregado, ao nível da Administração Pública, do tratamento deste problema e a vantagem de a Assembleia da República dele poder tratar de uma forma global e sistemática, ainda que transitoriamente;
Considerando as responsabilidades contraídas pelos
Deputados dos vários partidos perante os eleitores desalojados e, em geral, perante o País.
Os Deputados do CDS, abaixo assinados, propõem:

1. Que seja constituída na Assembleia da República uma comissão eventual para os desalojados, adiante designada por comissão;
2. Que a comissão seja composta por 4 Deputados do PS, 3 do PSD, 2 do CDS e 2 do PCP, com direito de voto;
3. Que à comissão sejam agregados, sem direito a voto, os Deputados que, pela sua experiência pessoal, possam dar um contributo útil aos trabalhos,, no. máximo de dois por cada um dos partidos referidos no número anterior;
4. Que seja atribuído à Comissão o seguinte mandato:

a) Avaliar a actuação da Administração Pública no tratamento dos problemas dos desalojados;
b) Pronunciar-se sobre os projectos do Governa em matéria de desalojados;
c) Analisar as representações ou petições
dirigidas à Assembleia em matéria
de desalojados e sobre dias tomar
posição, designadamente encami
nhando-as para as competentes co
missões especializadas permanentes,
acompanhadas de parecer;

5. Que a comissão funcione até ao termo da presente sessão legislativa.

Lisboa, 19 de Outubro de 1976: Adelino Amarra da Costa - Pinto da Cruz - Ângelo Vieira - Galvão de Melo - José Luís Christo - Abreu Lima - Ruy Oliveira- Luís Azevedo Coutinho - Walter Cuddell Rui Marrana-Luís Esteves Ramires - Francisco Vilela - Vítor Sá Machado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto da Cruz.

O Sr. Pinto da Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um grupo de Deputados do CSD tomou a iniciativa, ao abrigo do disposto nos artigos 48.^ e 49.º do Regimento desta Assembleia, de propor a constituição de uma comissão eventual para os refugiados.
Da oportunidade desta comissão, do seu interesse, do seu objecto, me vou ocupar neste momento, desenvolvendo as considerações de ordem geral constantes da proposta. Caberá à Assembleia decidir da sua constituição.
A ideia nasceu da nossa preocupação para que esta Assembleia passa não só acompanhar, mas inclusivamente participar, nas respostas a dar ao preocupante problema que é a vida dos refugiados, ajudando a procurar as melhores soluções para as suas múltiplas e complexas dificuldades.
Como é do conhecimento de todos nós, a descolonização fez afluir a Portugal muitos milhares de homens, mulheres e crianças. Não existe ainda, infelizmente, um recenseamento completo que nos permita saber o seu número exacto. Aliás, ainda hoje continuam a chegar pessoas que, por razões ora desinteressantes, acabam também por vir para Portugal. Talvez não estejamos muito afastados da realidade se dissermos que cerca de meio milhão de pessoas formam o tecido social dos refugiados, vindos de Angola, Moçambique, Guiné, Timor, S. Tomé e Cabo Verde, e estão hoje em Portugal, a maior paute, sem condições de sobrevivência.
A esmagadora maioria destas gentes, principalmente as que vieram de Angola, e muitos ainda de Moçambique, trazem consigo gravíssimos problemas, que julgo desnecessários referir agora com pormenor, já que penso que eles são grosso modo conhecidos de todos os Srs. Deputados.
Permitam-me, porém; que, embora muito- pela rama, destaque algumas das dificuldades que constituem preocupações mais próximas deste importante sector da nossa população. Antes, porém, importa ter presente a realidade humana de que estamos a tratar: são pessoas que, regra geral, vem muito traumatizadas; umas física, a maior parte moralmente. Sentem-se grandes vítimas de acontecimentos que não mereciam. Foram violentamente, e bem contra aquilo que seria o seu desejo, afastadas das terras onde nasceram ou que tinham escolhido para viver. Nessas terras deixaram tudo quanto granjearam em vidas de muito sacrifício. O seu drama agravou-se já depois de estarem em Portugal, à medida que foram ,perdendo a esperança na regresso que lhes permitiria uma vida digna. Acresce ainda que nem sempre foram, e nem sempre são, compreendidas por alguns dos seus compatriotas aqui radicadas.
Do painel humano formado pelos que vieram, devemos ainda distinguir os que pretendem integrar-se na sociedade. portuguesa, onde não se sentem deslocados. A grande maioria destes é formada pelos que aqui nasceram e que cá atêm familiares, relações amigas e possibilidades de subsistência. Estes são, a meu entender, verdadeiros retornados. Mas há outro grande grupo formado por gente que em Portugal se sente completamente deslocada. Vieram pela primeira vez e por acidente. Não conhecem ninguém. Têm outros hábitos, outra maneira de viver, outra maneira de estar no mundo. Estes só aguardam a oportunidade de poderem voltar aos países de onde vieram. São, para mim, os verdadeiros refugiados. Até talvez em relação a eles os países descolonizados tenham uma responsabilidade que é mais que lamentável não terem assumido até agora. E continua a ser Portugal, hoje pobre mas sempre generoso, a suportar, quase só, um ónus que, da justiça, também a outros países pertenceria, principalmente aos que nós descolonisamos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Procurei dar-lhes, a traços muito largos, uma perspectiva da natureza humana que os retornados ou refugiados constituem. Decorre das suas especiais características a primeira das dificuldades que a solução dos seus problemas encontra. Por outro fiado, não podemos deixar de ter em conta que os refugiados criam hoje problemas originais. Esta situação obriga a procurarem-se respostas para eles também específicas. E daí, para já,

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o apontar-se para a ideia de que muitas vantagens haverá em se criarem organismos especializados, ou, pelo menos, especial mente atentos, à resolução das dificuldades das desalojados. Bem ajuizado andará o Governo quando assim proceder.
Para uma melhor apreciação por parte desta Assembleia do sentido prático que o meu raciocínio envolve, vou dar alguns exemplos de dificuldades específicas dos refugiados, e que, neste momento, muito os afligem e devem preocupar a Administração Pública:
Começarei pelo caso de murtas centenas de grandes camiões, carros e tractores agrícolas, que neste momento formam fila compacta de alguns quilómetros no Porto de Lisboa. Os Srs. Deputados certamente já foram ,sensibilizados por este triste espectáculo. São veículos propriedade de refugiados, que com eles fugiram, com muitos riscos de vida, de Angola para a África do Sul e deste país para Portugal. E por incrível que pareça, esses homens, que venceram perigos e dificuldades sem conta ao atravessarem guerrilha, fronteiras, matas e desertos, ainda não lograram vencer as dificuldades que vieram encontrar precisamente na sua pátria, que com tanto anseio, sacrifício e ilusão procuraram alcançar. Se bem sei, as dificuldades estão relacionadas com o pagamento do custo do transporte marítimo. A verdade, porém, é que alguns desses carros já não valem o preço do transporte ... mas muitos estão quase novos, e todos estão a deteriorarem-se progressivamente, junto ao mar, onde a corrosão é maior. E representam muita poupança de divisas para Portugal quando aplicados utilmente ao serviço dos transportes ou dos campos portugueses. São ainda a enxada de trabalho, muitas vezes a única, dos seus proprietários. Proprietários estes que, por não poderem possuir os seus carros para trabalhar, vivem em hotéis ou pensões à custa do Estado, que, por vezes, só num mês de alimentação e alojamento apaga mais do que o valor necessário para levantar o camião e entregá-lo ao refugiado ...
Temos ainda o caso da troca ou câmbio dos escudos angolanos que os refugiados possuem. Ao deixarem Angola, fugindo de uma guerra, aqueles que o puderam fazer, tomaram a atitude que qualquer ser humano normal tomaria naquelas condições: meteram nas suas malas todo o dinheiro que possuíam, fruto do seu trabalho e das suas economias. Era, para muitos, a última esperança de resistirem algum tempo a terem de recorrer ao auxílio público, e, para outros, a esperança de aqui poderem vir a organizar uma nova vida. Pois bem: o câmbio desse dinheiro tem caído sempre, e não faltaram, como acontece nestes casos, os oportunistas que, aproveitando-se das dificuldades dos desgraçados refugiados, lhes brocaram muito dinheiro por uma miséria de escudos portugueses. Mas, mesmo assim, tenho conhecimento de que ainda são muitas as centenas de milhares de contos de escudos angolanas que os refugiados guardam consigo. Esse dinheiro corre o risco de sair de Portugal. E pergunto: porque não estabelece o Governo Português um câmbio legal para o escudo angolano? Se isso é possível a outros países, porque o não é a Portugal? Além de outras e óbvias vantagens, seria, julgo, mais uma fonte de divisas, ou, pelo menos, uma forma de evitar que elas saíssem do nosso país.
Os refugiados encontram ainda um mundo de dificuldades na documentação que lhes é necessária, sobretudo a relativa à sua posse de Estado. Há que legislar urgentemente soluções para estas dificuldades, já que não as resolvem eficientemente as disposições legais vigentes. Muitos dos refugiados nasceram, casaram, divorciaram-se ou separaram-se nas antigas colónias. Esses processos hoje não existem, ou se existirem, não são, pelo menos por agora, acessíveis. E deste estado de coisas resultam-lhes grandes dificuldades.
Parece ser de realçar ainda a necessidade de rever certa legislação - penal portuguesa, quando aplicada a crimes cometidos por desalojados.
Há que encontrar soluções humanas e dignas para resolver o problema do alojamento e alimentação de muitos refugiados, mas aliviando-se quanto antes o Estado das verbas incomportáveis que está a despender em hotéis e casas particulares por todo este país. É aqui que, por vezes, num autêntico desvio às boas intenções do Estado, pessoas há, que não sendo refugiados, melhor se aproveitam da situação, e têm feito fortunas através de negócios, pelo menos muito criticáveis.
Há que resolver o caso das transferências ilegais de dinheiros realizadas de Angola para Portugal e que ainda se encontram congelados. O dinheiro congelado nada de útil está a produzir.
Há ainda que estudar soluções mais justas e equilibradas para muitos casos de prédios urbanos e rústicos que pertencem aos desalojados e que se encontram na posse de terceiros. Por vezes estes terceiros até tem outras casas, ou outras propriedades. Por vezos tem mesmo - mais solvabilidade económica. Por vezes até pagam rendas de miséria, mas negam-se a restituir os prédios aos desalojados seus proprietários, que, por essa razão, muitas vezes, estão a viver em hotéis ou pensões, custando muito dinheiro ao Estado.
Relativamente a terrenos, sei de alguns desaillojado5 que os pretendem vender para aplicar o seu valor em actividades diferentes e que melhor conheçam. Esses terrenos, muitas vezes, como acontece também com os emigrantes, foram o resultado de compras feitas com o envio de poupanças. Era o preparar de uma reforma para a velhice, ou para maus momentos, como são precisamente aqueles que agora estão a viver. Pois, em virtude da legislação existente, muitos refugiados não conseguem vender as suas terras, tantas vezes únicos bens que possuem para realizar fundos, dada a oposição directa, ou as incomportáveis exigências, de rendeiros, ou ele simples empregados nessas terras. Penso que também esta seja uma situação a rever, procurando-se soluções equilibradas para todas as partes interessadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora muito superficialmente, julgo ter apresentado uma panorâmica de alguns dos problemas dos refugiados, mostrando que eles são sui generis; que são importantes a nível de preocupação nacional, e que carecem de um tratamento especializado.
Daí, quanto a nós; todo o interesse na existência nesta Assembleia, como órgão de Soberania essencialmente representativo de todo o povo português, de uma comissão especializada, que, não podendo ser permanente, seja ao meras eventual e que possa preocupar-se e apreciar os actos da Administração

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Pública dirigidos aos refugiados e trazê-los à apreciação deste Plenário, quando e sempre que a sua importância o justifique.
Esta é a nossa proposta. A Assembleia decidirá do seu interesse.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Continua o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixando de lado algumas objecções de natureza formal, o PSD vai dar o seu acordo à proposta de criação de uma comissão eventual para os desalojados, adiantando desde já que proporá em tempo oportuno, e através da alteração do Regimento, a sua transformação em comissão permanente.
O PSD entende que os problemas dos desalojados, pela sua dimensão, gravidade e complexidade, têm de estar presentes e de ser considerados na generalidade das comissões permanentes desta Assembleia, e seria um erro grosseiro supor que poderão deixar de ser assim a partir do momento em que esteja criada a proposta comissão eventual para os desalojados. Para além das funções específicas que lhe são atribuídas no n.º 4 da proposta do Grupo Parlamentar do CDS, esta comissão deve ter ainda como tarefa e preocupação fundamental a sensibilização das comissões permanentes para os problemas dos desalojados, de modo que cada uma delas contribua, dentro da sua esfera de competência, para a sua rápida e eficaz solução.
Consciente dos problemas dos desalojados e das dificuldades que o Governo tem para os enfrentar e resolver com realismo, eficácia e repúdio da demagogia, o PSD vai assumir e honrar as suas responsabilidades para com os desalojados na Assembleia da República, como as assumiu, julga ter honrado, através da acção de militantes seus no VI Governo Provisório.
Continuará a lutar para que seja garantida, e em condições cada vez melhores e mais eficazes, a subsistência de todos os desalojados.
Continuará a lutar - para ra que se ponha termo à fraude
e à corrupção no domínio da assistência aos desalojados, tanto mais que são causadoras do desbaratamento de milhares e milhares de contos, do. afunda
mento moral e social dos que as praticam ou delas beneficiam e da criação e desenvolvimento de uma situação conflitual crescente entre os desalojados e a
população em geral, com o consequente. risco de fenómenos de marginalização.
A este respeito, não deixa de ser preocupante a impunidade de faltas já apuradas, bem como a morosidade excessiva e a consequente ineficácia dos inquéritos, a cargo de funcionários do Ministério da Justiça, ordenados na vigência do VI Governo Provisório.
Muito há a esperar, peco contrário, do recenseamento geral dos desalojados, que, decidido e planeado pelo VI Governo Provisório, vai finalmente realizar-se a partir dos últimos dias deste mês, pois vai dar a conhecer com inteiro rigor o número e a situação económica e social dos desalojados e dos agregados familiares em que se integram, elementos imprescindíveis para corrigir fraudes e abusos que se sabe existirem e para, programar medidas eficazes conducentes à sua plena integração no espaço que hoje é o da comunidade portuguesa.
Mas não basta garantir a subsistência dós desalojados e combater a fraude e a corrupção no quadro dos serviços. públicos - ou particulares a que, para este efeito, é necessário recorrer. Ficar por aqui seria o eternizar do problema.
É imprescindível, por isso, ir mais além, isto é, definir e executar uma política que proporcione a cada família de desalojados a sua independência económica e social, que lhes proporcione, nomeadamente, a resolução dos seus problemas vitais da habitação e do emprego.
E se é certo que estes problemas devem ser postos à escala nacional, não é menos certo que eles se põem em termos mais agudos e prementes para os desalojados. Justificam-se, por isso, medidas específicas e urgentes em favor dos desalojados, utilizando eficazmente as ajudas já recebidas ou que é possível obter dos países amigos da comunidade internacional. A este respeito, não podemos deixar de lamentar que continue imobilizada, pelo menos até ao próximo mês de Dezembro (em grande parte pelo gosto exagerado das remodelações orgânicas dos serviços mesmo que acarretem praticamente a sua paralisação - ou pelos vícios da burocracia), a importância de cerca de 1 milhão de contos doada pelos Estados Unidos da América, quando é certo que se encontra desde Maio passado no Ministério das Finanças um projecto detalhado para a utilização desta quantia, em estreita colaboração cone a banca no financiamento de projectos de desalojados tendentes à resolução dos seus problemas de habitação e de emprego, que antes da posse do I Governo Constitucional se encontravam já removidas as dúvidas e objecções que pelo Ministério das Finanças e pela banca foram levantadas e que se encontra já criada desde Julho, por despacho conjunto dos então Secretários de Estado das Finanças e dos Retornados, a Comissão Interministerial paia o Financiamento dos Retornados (CIFRE).
Cada dia que passa aumenta justificadamente a angústia, se não o desespero, daqueles muitos retornados que só precisam de uma ajuda financeira para se lançarem de novo ao trabalho, reconquistando assim a sua independência e dando o seu contributo precioso para o progresso económico e social em que todos devemos estar empenhados.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pires.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS, em princípio, nada tem a opor à proposta de constituição da comissão eventual para os desalojados.
O problema dos desalojados é um problema preocupante para todos nós. Compreendemos as dificuldades e as angústias que foram referidas pelos Srs. Deputados que me antecederam no uso da palavra e não vale a pena, portanto, estar a reeditá-las ou a acrescentá-las.
Nesta ordem de ideias, é evidente que o PS, Sr. Presidente e Srs. Deputados, está aberto a todas as sugestões e iniciativas que visem resolver o problema dos desalojados, em ordem à sua integração digna na

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sociedade portuguesa. Nada opomos, em princípio, como disse, à constituição desta comissão eventual.
Simplesmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos algumas dúvidas quanto à legitimidade regimental desta. comissão eventual, nos termos em que é proposta, designadamente quanto aos objectivos que lhes são atribuídos nas várias alíneas no n.º 4. E precisamente porque temos essas dúvidas, o PS propõe que - sem se opor, volto a repetir, à criação desta comissão -, a proposta dos Srs. Deputados do CDS baixe à Comissão de Regimento e Mandatos, a fim de que ela se pronuncie quanto à sua legitimidade regimental.

O Sr. Presidente: - Estamos em presença de um requerimento no sentido de que esta proposta baixe à Comissão de Regimento e Mandatos.
Parece-me que estamos todos de acordo em que não se pode usar da palavra sobre o requerimento. Há, no entanto, um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Lucas Pires, pelo que olhe dou a palavra.

O Sr. (Lucas Mires (CDS): - Desejava fazer um pequeno pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Herculano Pires, consistente no seguinte: saber se poderia especificar as dúvidas sobre a legitimidade regulamentar do n.º 4 da nossa proposta.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Os objectivos que são propostos a esta comissão convertem-na necessariamente numa comissão especializada permanente. Não se trata, portanto, de uma comissão. eventual, porque, como V. Ex.ª verá, por exemplo, as alíneas a) e h) integram-se na competência específica da alínea d) d.º artigo 47.º do Regimento, que é atribuída às comissões especializadas permanentes.
Esta uma primeira dúvida.
Possivelmente uma reflexão mais cuidada relativamente a outros objectivos dará origem a outras dúvidas que ainda não estão suficientemente esclarecidas no nosso espírito e por isso propunha que a proposta baixasse à Comissão de Regimento e Mandatos, para que ela se pronuncie sobre esses dúvidas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Lucas (Pires (CDS): - Sr. Presidente: Peço desculpa, mas não sei se terei direito a intervir de novo.

O Sr. Presidente: - Com certeza que não tem. O Sr. Deputado sabe, melhor do que eu, que não tem esse direito.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP concorda que o problema dos retornados em referência merece uma atenção específica por parte da Assembleia. Mas concorda também que um dos meios possíveis para atender a essa preocupação é a criação de uma comissão eventual. Estamos, pois, de acordo com a ideia central da proposta em análise.
Temos, contudo, algumas dúvidas sobre dois pontos. Em primeiro lugar, em relação à sua composição, pois não vemos a que propósito é que um dos partidos representados na Assembleia possa ser excluído da sua composição. Em segundo lugar, quanto ao tipo de comissão, porque na realidade, chamando-lhe embora comissão eventual, o que o CDS propõe é uma comissão permanente, embora de prazo pretensamente limitado. Na realidade, o Deputado do PPD/PSD que interveio há pouco não fez mais do que tirar a consequência lógica que seria harmonizar o Regimento com a proposto que agora é feita.

Estamos, pois, de acordo com o Deputado do PS que acaba de intervir, no sentido de encontrar modo de harmonizar esta proposta com o Regimento, criando uma comissão eventual que tenha por objecto, num determinado prazo, estudar o problema, apreciar as propostas governamentais existentes e, eventualmente, adiantar soluções e, num determinado prazo, apresentar um relatório a esta Assembleia, nos termos do artigo 49.º do Regimento. O que, a nosso ver, não pode ser feito é criar, sob o nome e a capa de uma comissão eventual, uma nova comissão permanente. Nem vemos que isso seja necessário para o objectivo em apreço.

Estamos de acordo com o objectivo e o instrumento, não estamos de acordo é com o modo como se arranjou esse instrumento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - A União Democrática Popular está de acordo, como, aliás, referiu noutras ocasiões, em que o problema dos retornados é bastante delicado e de grande importância. Julgamos, com efeito, ser de interesse a criação de uma comissão que tenha em vista estudar esses problemas, no sentido de dar uma contribuição válida à sua resolução, dado que nessa matéria pouco se tem avançado. E isto porque começa a tornar-se claro, aos olhos de muitos retornados, que aqueles que muito rapidamente e de uma forma demagógica se quiseram apresentar como seus amigos, criando, inclusivamente, pasquins fascistas, como é o caso de O Retornado, em nada contribuíram para a resolução desses problemas, tendo-se limitado a utilizar as próprias dificuldades dos retornados para os usar como uma massa política de pressão ao serviço de objectivos reaccionários. Tenha-se em vista o que se passou durante largo tempo no Rossio, em Lisboa, onde antifascistas e pessoas progressistas eram agredidos por bandoleiros que se pretendiam apresentar como representantes dos retornados.
Além disso, é também preocupante o facto de não se saber o que é feito, por não haver qualquer controle, dos diversos auxílios financeiros que foram dados por diversos países estrangeiros, nomeadamente os Estados Unidos, ao mesmo tempo que os problemas dos retornados não encontraram qualquer solução.
Ao reconhecermos a importância desta comissão, entendemos ser nosso dever distinguir claramente os retornados pobres - que são a grande maioria - de uma massa de retornados ricos, à procura de novos privilégios ou de retomar os seus privilégios nas antigas colónias e que têm estado à frente de comissões ditas para a resolução dos problemas dos retornados, ou desses pasquins fascistas., para tentar mobilizar a massa de retornados pobres e em sérias dificuldades ao serviço de objectivos políticos neocolonialistas e fascistas.

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A União Democrática Popular entende, pois, que esta Assembleia deve dar uma atenção grande, positiva e com resultados práticos em ordem a ajudar efectivamente a grande massa dos retornados pobres e a desmascarar certos retornados implicados em actividades fascistas ou em pasquins fascistas.
No entanto, esta proposta parece-nos claramente anti-regimental, porque a UDP não pode ser excluída de qualquer comissão eventual, a não ser que nós não queiramos pertencer a essa comissão, o que pode acontecer, dado que estamos ligados a várias comissões e dado que temos aqui um só Deputado, pelo que se começa a tornar difícil participar nas diversas comissões. De qualquer modo, isto é um direito que nos compete, não podendo através de uma proposta ser-nos retirado o direito de participar numa comissão eventual.
Além disso, partilhamos das dúvidas já apresentadas pelos Deputados Herculano Pires e Vital Moreira, no sentido de ser esta uma comissão não eventual mas uma comissão permanente. Assim sendo, nós também apoiamos a posição do Deputado Herculano Pires, no sentido de este problema dever ser submetido à Comissão de Regimento e Mandatos e, se possível, de se estudar a criação de uma comissão permanente para os retornados.

O Sr. Presidente: - A verdade é que está pendente um requerimento.
Sem querer deixei-me ultrapassar pelo próprio requerimento, pelo que, se os Srs. Deputados me permitissem, eu faria uma pequena sugestão aos autores da proposta: nós interromperíamos agora os nossos trabalhos e os Srs. Deputados proponentes conferenciariam com os seus colegas de outros partidos, em conversa cordial, como é sempre timbre dos Srs. Deputados, em ordem a superar esta dificuldade de natureza regimental, dado que me parece haver acordo quanto ao fundo da questão.
Se estão de acordo, a sessão ficaria interrompida...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente: Antes da interrupção, se possível, eu gostava de fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Deputado fez-se eco de certas dúvidas que por vezes são levantadas acerca do destino da doação feita pelo Governo dos Estados Unidos ao Governo Português para os retornados.
Não terá o Sr. Deputado reparado em declarações públicas feitas no sentido de essa doação estar integralmente afectada a um programa de financiamentos a retornados, achando-se por isso mesmo as quantias doadas depositadas numa instituição financeira à espera dessa utilização?
Aliás, eu, na minha intervenção, referi que essas verbas infelizmente ainda hoje se encontravam à espera de ser utilizadas. Creio que o Sr. Deputado terá tido oportunidade de, tomar conhecimento dessas declarações.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - De facto já foram feitas várias declarações públicas, algumas bastante contraditórias, sobre a situação em que se encontram os empréstimos americanos nessa matéria.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não é empréstimo, é doação.

O Orador: - Pelas nossas informações essas doações americanas foram feitas com condições - e gostaríamos de saber qualquer coisa de concreto sobre isso -, não no sentido de resolver os problemas dos retornados, mas de manter uma massa de retornados dependentes dessas doações, como uma forma de pressão da política externa americana. em relação ao nosso país. Pode ser que o Sr. Deputado tenha informações diferentes. De qualquer modo, nós estamos perfeitamente abertos a essa discussão e ao fornecimento dessas informações da parte do Governo sobre quem recebeu doações dos Americanos, ,para que se possa discutir com base em factos reais e não com base em informações ou declarações, a maioria das quais têm sido até bastante contraditórias.

O Sr. Presidente: - A :sessão está interrompida até às 18 horas e 10 minutos.

Viram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

O Sr. 'residente: - Peço desculpa de a reabertura da sessão ser um pouco mais tarde, mas efectivamente houve necessidade de resolver uns problemas pendentes, com utilidade para todos nós.
O Sr. Deputado Herculano Pires acaba de me informar que retira o seu requerimento, em face de uma nova proposta conciliatória, chamemos-lhe assim, apresentada pelo Sr. Deputado Rui Pena, do CDS, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta

Os Deputados do CDS, abaixo assinados, propõem:
1. Que seja constituída na Assembleia da República uma comissão eventual para os desalojados;
2. Que a comissão seja composta por 4 Deputados do PS, 3 do PSD, 2 do CDS, 2 do PCP e 1 da UDP;
3. Que seja atribuída à comissão o seguinte mandato:

Inteirar-se da situação dos desalojados e das medidas previstas para resolver os seus problemas, devendo apresentar um relatório à Assembleia no prazo de três meses.

Lisboa, 9 de Novembro de 1976. - Pelo Grupo Parlamentar do CDS, Rui Pena.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS congratula-se com o facto de a sua iniciativa a criação da comissão eventual para os desalojados - ter sido aprovada na generalidade por todos os grupos parlamentares desta Câmara.

Isto significa por um lado que o problema dos desalojados é um problema candente e um problema nacional e significa por outro lado que a Assembleia da República está atenta aos problemas nacionais.

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Conciliador e receptivo, como sempre, às sugestões e críticas dos diferentes grupos parlamentares, o CDS não teve dificuldade em acertar e colher dessas críticas e sugestões a necessário para poder apresentar à Assembleia uma alteração à sua proposta primitiva, no sentido d.e que todos tomámos conhecimento e que acabou de ser lida. Importa realçar que o mandato que é atribuído a esta comissão, mandato que a caracteriza como comissão verdadeiramente eventual e que terá por resultado a apresentação de um relatório em que sejam apresentados, no plenário desta Assembleia, todos os problemas que afligem as retornados, podendo esse relatório igualmente formular, em conclusões, todas as propostas de solução que entenda convenientes paca resolver a situação dos mesmos desalojados, designadamente a eventual possibilidade d.e converter, se acaso julgar que esses problemas assumem um carácter permanente, essa comissão eventual numa comissão permanente, promovendo para o efeito as necessárias diligências junto desta Assembleia.
Nesta conformidade, a CDS tem a consciência de ter trazido a esta Assembleia um problema verdadeiramente candente e de ter dado aos desalojados que nele confiaram a satisfação de mais uma vez dar seguimento a uma das pretensões que julga serem das mais caras a todos eles.

O Sr. Presidente: - Também me congratulo com a decisão, que foi em parte sugerida por mim, de se fazer uma reunião num intervalo um pouco maior, para estabelecer o acordo que felizmente se conseguiu alcançar.
Continua em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital foreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tínhamos anunciado a nossa concordância com a ideia de constituir uma comissão eventual.
Vamos votar o texto, agora proposto pelo CDS, porque foram achadas pertinentes e acolhidas as observações que tínhamos feito em relação ao carácter da mesma comissão.

O Sr. Presidente: - Mais alguém deseja usar da palavra?
Vamos votar a proposta.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Dentro da ordem dos nossos trabalhos, temos agora, o problema da apreciação do pedido de processo de urgência formulado pelo PSD/ PPD no dia 2 de Novembro de 1976, em conferência dos grupos parlamentares, para apreciação do projecto de lei n.º 23/I de atribuição à Assembleia da Repúb9d.ca da superintendência dos meios de comunicação social estatizados.
Vamos seguir as regras já conhecidas pelos Srs. Deputados dos artigos 243.º e seguintes do Regimento, pertinentes ao- caso. Como sabem, "a Assembleia deliberará após debate, em que terão o direito de intervir apenas um dos requerentes e um representante de cada partido por um período não superior a um quarto de hora cada um" (artigo 244.º, n.º 2).
Está aberto o debate.

Sr. Deputado Nandim de Carvalho, tenha a bondade.

O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que toda a Assembleia tem plena consciência das razões por que o meu partido vem propor um processo de urgência relativo à apreciação do .projecto de lei que foi oportunamente distribuído.
Trata-se de um projecto que e aqui, trouxemos durante, o debate sobre a ratificação da diploma dos conselhos de informação, aprovado ainda pelo VI Governo Provisório, e na altura frisámos que só nessa leitura o fazíamos, pois aguardámos que o Sr. Primeiro-Ministro desse seguimento a um dos pontos aqui levantados durante o debate do Programa do Governo.
Na altura ficou clara, no espírito dos Srs. Deputados, segundo creio, a urgência em levar por diante a concretização de um estatuto para a informação, designadamente tocando aspectos relacionados com o Conselho de Imprensa e da própria imprensa estatizada, procurando retirar o controle governamental destes órgãos de comunicação social e atribuí-tos ao controle democrático da Assembleia da República.
Portanto, quanto ao aspecto da urgência, eu creio que não será só o Partido Social-Democrata o directo interessado no pedido que faz. São também todos os Srs. Deputados, é a própria, Assembleia da República, que terá certamente interesse em levar por diante a definição desse estatuto. Mus, mais importante do que isso, quem tem urgência neste projecto são os trabalhadores da informação, designadamente aqueles que estão ao serviço da imprensa estatizada, e também os outros, na medida em que nós nos reportamos ao Conselho de Imprensa. Em suma, quem tem interesse neste projecto é todo .º povo português, que anseia por uma informação livre e democraticamente formulada.

O Sr. Sérvulo Correia (PS'D): - Muito bem!

O Orador: - Apenas faço notar que, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, "os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. Isto significa que o disposto no n.º 1 do artigo 39.º da Constituição, que está abrangido pelo nosso projecto de diploma, é já directamente aplicável. Mais um motivo para levarmos por diante esta legislação comi carácter de urgência.
O segundo ponto que gostava de frisar diz respeito às preocupações já expressas pelo Conselho de Imprensa quanto à sua actual situação. O Conselho de Imprensa, ma altura em que foi criado, funcionava na dependência do Ministério da Comunicação Social e é legítimo que a próprio Conselho venha equacionar o seu futuro. Nós entendemos que o Conselho de Imprensa deve funcionar na dependência da Assembleia ca República, tal como consta, aliás, do nosso projecto de lei.
O terceiro ponto que gostaríamos de trazer aqui à presença de todos os Srs. Deputados é a questão do vazio legislativo que porventura podia preocupar alguns dos Deputados, que não logo se pronunciaram contra a ratificação do diploma do Governo. Poderia pensar-se que a iniciativa do Governo de levar por diante os conselhos de informação, como fazia, aliás,

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de forma inconstitucional, era colocada perante a revogação de um diploma e portanto perante um vazio legislativo. Levar por diante este processo assegura
que efectivamente se cumpra a intenção de que não haja lacunas da lei e que todos os cidadãos portugueses tenham sempre uma lei pela qual possam pautar a
sua actividade.
Finalmente, e em último lugar, queria dizer que este pedido de urgência não é feito isoladamente. Nós vamos mais longe. Logo que foi dado oportunamente
conhecimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República, em conferência com os presidentes dos grupos parlamentares, o Partido social-democrata, ao abrigo do. artigo 71.º do Regimento, fixou como ordem do dia do Plenário para o próximo dia
17 de Novembro a discussão deste diploma. Quer dizer, nós pretendemos não apenas levar por diante o projecto, nós pretendemos que haja um calendário
para a discussão desse projecto e, por isso mesmo, nos termos regimentais, contamos com o dia 17 para debater esse diploma. Por isso mesmo nós pedimos que
no processo de urgência regulado pelos artigos 243.º e seguintes do Regimento haja sete dias para que a comissão respectiva possa dar o seu parecer. É certo
que o Regimento permite que o prazo mínimo seja de cinco dias. Entendemos, todavia, que o alcance e complexidade desta problema, se bem que se acentue a
necessidade de urgência e rápido e expedito funcionamento da comissão, exigem um prazo mais largo que cinco dias c, portanto, propomos a data de sete
dias, a tempo ainda de no dia 17 de Novembro debatermos em plenário a questão. Evidentemente que ficamos abertos à sugestão de qualquer Sr. Deputado que
vise incrementar a urgência do debate deste projecto, designadamente quanto à aplicação dos artigos 243.º e seguintes. Não o faremos porque entendemos que
a Assembleia certamente compreende o nosso ponto de vista.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Continua o debate. Mais ninguém deseja usar da palavra?

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - A propósito do que foi aprovado há pouco, e que diz respeito à constituição da comissão dos desalojados, eu pedia aos representantes dos partidos o favor de me indicarem até amanhã os Srs. Deputados que farão parle da referida comissão, de harmonia com a proporcionalidade que também foi aprovada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira para uma declaração de voto.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD, utilizando a faculdade regimental, reservou a ordem do dia do próximo dia 17 para discutir este projecto de lei. Concomitantemente, e para esse efeito, requereu o processo de urgência, nomeadamente com a limitação do prazo de discussão em comissão.
Obviamente não contestamos o direito do PSD de reservara ordem do dia para discutir este projecto, pois é uma faculdade regimental. E como nos parece que, de facto, o referido projecto de lei carece de apreciação em comissão e não seria vantajoso discuti-lo aqui sem ser previamente discutido em comissão, nós não tivemos qualquer dificuldade em reconhecer isso, e portanto votar o processo de urgência, para possibilitar que o plenário da Assembleia, ao debruçar-se sobre o projecto de lei apresentado pelo PSD, possa dispor ao. mesmo tempo do parecer de uma comissão especializada permanente.

O Sr. Presidente: - Mais alguma declaração de voto?

Pausa.

Se não há, vamos, então, a outro ponto.
Antes de mais, chamava a atenção do Sr. Vice-Presidente Nuno Rodrigues dos Santos de que amanhã terá de fazer o favor de me substituir, depois do intervalo das 17 horas e 30 minutos, pois tenho um compromisso ao qual não posso faltar.
Sobre o problema que me tinha sido apresentado ao abrigo do n.º 3 do. artigo 144.º do Regimento, pelo Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, no sentido da prorrogação do prazo de exame por mais dez dias relativamente ao projecto de lei n.º 20/I - poderes das comissões parlamentares de inquérito, que segue o processo de urgência, parece-me, não sei se bem ou mal, que isso. seria um poder do próprio Presidente. No entanto, a Assembleia deliberará quanto a este pedido que acabou de ser formulado ao abrigo do n.º 3 do artigo 144.º do Regimento.

Alguém deseja usar da palavra sobre o assunto?

Pausa.

Se não há objecções, considero o pedido aceite.

Passamos agora ü segunda parte dos nossas trabalhos, procedendo-se à apreciação do projecto de lei n.º 3/I sobre a suspensão das expropriações de prédios rústicos na área da Reforma Agrária.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adelino Amaro da Costa, para apresentação do referido projecto de lei.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo CDS sobre a suspensão das expropriações de prédios rústicos na área da Reforma Agrária é, acima de tudo, um convite à reflexão.
Mais do que nunca, Portugal precisa de serenidade. A democracia, só tem a lucrar com as pausas necessárias aos grandes debates colectivos, ao tragado dos grandes projectos de transformação económica e social. A democracia não se constrói de rompante, aos solavancos, ou, pior ainda, sob o império dos factos consumados, sem diálogo, sem participação.
A Reforma Agrária, tal como o ,texto constitucional a define, não pode ser o fruto de um qualquer dogmatismo imposto por chantagem, com atropelo das legítimas instituições democráticas. Por isso, a Reforma Agrária é, efectivamente, e acima de tudo, um tema central da democracia portuguesa.
E ,sejamos claros: do que se trata, no fundo, é de saber se deve prevalecer a concepção daqueles que

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pretendem transformar em mito intocável aquilo que foi feito em nome da Reforma Agrária, ou se, pelo contrário, deve vingar a tese daqueles que da democracia têm uma ideia baseada na dignidade da pessoa humana, no pluralismo e ma soberania popular expressa através de eleições livres.

O debate sobre a Reforma Agrária, hoje, em Portugal, é assim um debate sobre o tipo de democracia que queremos ver instalado, sem excepções, em todo o território nacional.

Ousaria dizer, nesta linfa, que a apresentação do projecto de lei sobre a suspensão da vigência do principal instrumento legal da Reforma Agrária defendida pelo Partido Comunista é um grande momento para reflectirmos sobre o futuro da nossa democracia.
Falo, consciente e deliberadamente, da Reforma Agrária defendida pelo Partido Comunista. Foi sob sua inspiração e por seu impulso que se deu a aprovação do Decreto-Lei n.º 40G-A/75. É o Partido Comunista que se vangloria do "papel de vanguarda [...] para assegurar a realização da Reforma Agrária".
É, com os dirigentes do Partido Comunista que confraterniza o embaixador da União Soviética para fazer entrega de equipamentos destinados a explorações agrícolas do Alentejo. É o secretário-geral do Partido Comunista quem, perante :milhares de trabalhadores rurais, define e consagra o método seguido
para a ocupação e subsequente expropriação de terras no Sul.
É ainda o mesmo dirigente político que qual Primeiro-Ministro em terra conquistada- avisa os trabalhadores de que devem ser comedidos nas suas
reivindicações salariais, alertando-os para a necessidade de "encarar de nova maneira as relações com as administrações".
Ouvindo os dirigentes do PCP fica-se com a impressão de que falam como senhores e patrões absolutos da Reforma Agrária, como donos de uma parte do
País. E vão mais longe, 1; o caso, por exemplo, do primeiro responsável do Partido Comunista quando afirme, que "de certa forma, teremos de continuar
à antiga para conseguir a expropriação dos 700 000 há de terras da zona da Reforma Agrária". Disse-o no fim do mês de Outubro em Évora. Que significado tem isto? Apenas lhe podemos atribuir um só significado o da renovação do método da ocupação violenta das terras seguido se o Governo nisso pactuasse da legalização posterior - ao abrigo do Decreto-Lei n.º 406-A/75, Tal é o caminho proposto
aos trabalhadores (rurais que, crescentemente, desanimam perante o estilo de vida e as perspectivas que o Partido Comunista lhes oferece no Sul.

O Sr. Vital Moreira (PCP):- Mas não desanimam!

O Orador: - Tal é a solução encontrada por este partido para as tensões sociais que, de uma forma progressiva, se vão manifestando em terras do Alentejo.

Uma voz do PCP: - É falso.

O Orador: - É a teoria da exportação da "guerra", tão cara, aparentemente, aos leninistas quando expõem as suas teses oficiais sobre o imperialismo.
Podemos, nós, duvidar, perante isto, que o que está em causa, nesta questão da Reforma Agrária, é o futuro da democracia?

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Porque fala do que não sabe?

O Orador: - Quem manda no Sul de Portugal: é o Governo ou é o PCP?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não são os latifundiários!

O Orador: - Quem define o que deve ser e o que não deve ser a Reforma Agrária: é a Assembleia da República ou é o PCP?

Vozes do IPCP: - É o povo!

O Orador: - Quem define o que deve ser o futuro dos Portugueses e a forma como devem ter lugar as grandes transformações económicas e sociais: é o povo português ou é o PCP?

Vozes do 1PC1P: - É o povo, não o CDS!

O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Não é a CAP!

O Orador: - Srs. Deputados: Tenham um pouco mais de calma!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Por favor não interrompam o orador.

O Orador: - Curiosamente, o secretário-geral do Partido Comunista Português, poucos dias depois de ter proposto o "continuar à antiga" e de ter sancionado a exigência da aplicação do Decreto-Lei n.º 40G-A/75 em todo o território nacional, apressa-se a dizer, após entrevista com o Presidente da República, que o seu partido não é favorável a novas ocupações é que a expropriação de 700 000 ha de terras, na chamada zona de intervenção, se deve fazer " segundo um processo normal, decidido pelas instâncias oficiais".
É tão flagrante a distância entre declarações proferidas com poucos dias de intervalo pela mesma pessoa - que quase não me espantaria que o PCP viesse agora dizer que estava de acordo com o projecto de lei apresentado pelo CDS e agora em discussão!

Risos.

Aliás, não sabemos bem a que declarações do PCP nos devemos reportar - tão contraditórias elas são -, doando pretendemos identificar os seus verdadeiros pontos de vista sobre o futuro da Reforma Agrária. De toda a conferência que, sobre este tema, aquele partido organizou em Évora, nem uma só das conclusões publicadas se refere a alterações naquilo a que, incorrectamente, chama a lei da Reforma Agrária. O secretário-geral do PCP, porém, afirma: "A nosso ver, independentemente dos ajustamentos, rectificações e remodelações que haja neste domínio, o importante é que a Reforma Agrária tem doe ser .realizada."

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

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O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Isso é que não queres!

O Orador: - Estou a citar o vosso chefe. Não vejo porque é que os Srs. Deputados se impressionam com isso!

Risos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Qual chefe? Reaccionário! Fascista!

O Orador: - Mas qual Reforma Agrária?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Aquela que aprovamos na Constituição.

O Orador: - Se é aquela que a Constituição estabelece, pois ela tem de fazer-se ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... nos termos do Plano, segundo leis aprovadas pela Assembleia da República, após um amplo debate nacional. Não espirará, decerto, o PCP que a simples referência à expressão mágica de "reformo agrária" seja suficiente para definir o conteúdo, o ritmo, o alcance e os limites das transformações impostas por essa reforma estrutural e global da nossa agricultura. Ou pensará o PCP que, para além dos órgãos de Soberania democraticamente eleitos lhe coube em sorte uma capacidade divinatória do que deve ser a Reforma Agrária e uma capacidade absoluta para a impor a seu belo prazer? Quais são, concretamente, e esta é a pergunta fundamental, os "ajustamentos, rectificações e remodelações" que o PCP está disposto a aceitar? Por que meio devem ser essas alterações aprovadas? Em que sentido? Eis as perguntas a que o PCP ainda não respondeu.

Aplausos do CDS.

$ sintomático o seu silêncio a este propósito.

O .Sr. Vítor Louro (PCP): - Deixem falar o chefe!

O Orador: - Logicamente, o PCP não está interessado em quaisquer alterações à situação presente, a não ser aquelas que possam servir directamente a sua própria teoria sobre a tomada ou o exercício do poder.

Uma voz do PCP: - É, falso!

O Orador: - Donde decorre que o cerne das posições do PCP sobre a Reforma Agrária está intimamente relacionado com as suas próprias opções acerca da democracia.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Exactamente! A democracia do povo, não a dos agrários!

O Orador: - Nunca esperei ser tão apoiado pela vossa bancada.

Risos.

Que mais seria necessário para demonstrar - como vimos fazendo- que o problema da Reforma Agrária é o problema da democracia em Portugal?
Tem, pois, razão, e revela sinceridade, o secretário-geral do Partido Comunista quando afirma que "pôr em perigo a Reforma Agrária é pôr em perigo a nossa democracia".

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Nossa, do povo!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não seja provocador, Sr. Deputado!

O Orador: - De facto, se as suas teses - e a sua prática - de reforma agrária não fizerem vencimento no nosso país, a "sua" democracia ficará em perigo. Mas ter-se-á salvo a paz e a democracia dos portugueses, no caminho da liberdade e da justiça.

Aplausos do CDS.

Há, porém, uma ameaça velada nas afirmações do primeiro dirigente do PCP. É fácil descobrir nelas a intenção de quem profetiza sabendo que tem nas mãos muitos instrumentos para tentar fazer, da profecia, realidade.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): -É do conhecimento do povo!

O Orador: - Tal é o ,ponto a que chegamos; tal é o desafio com que temos de nos defrontar.
Pelo nosso lado, não temos quaisquer dúvidas de que Portugal saberá encontrar as energias, a capacidade, a imaginação e o espírito de sacrifício ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Para acabar com a Reforma Agrária!

O Orador: - ... para defender a democracia e o primado absoluto ela soberania popular na nossa vida política. E é bom que o PCP se aperceba de que a sua arrogância, nesta como em qualquer outra matéria, encontrará por diante o orgulho de um povo que não deixará manipular-se e que não abdica do direito de ser soberano.

Aplausos do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: haverá quem queira ver em todas estas reflexões o sinal terrível de um anticomunista primário.

O Sr. Vítor Louro (IPCP): - Falou o Casqueiro!

O Sr. Presidente: - Dá-me licença, Sr. Deputado?
Compreendo que este ponto em apreciação é um ponto muito quente, .mas peço aos Srs. Deputados que deixem o orador completar as suas considerações.
Tenho ouvido expressões que me parecem desajustadas por completo, até manifestações de comovedora intimidade por parte dos Srs. Deputados, que até já tratam o Sr. Deputado por tu.

Risos.

O Orador: - É um direito que eu confiro a quem é filho do mesmo Pai a Nosso Senhor Jesus Cristo!

Risos.

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O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado. Não sei se reparou que ainda não acabei a minha intervenção.
Os Srs. Deputados terão certamente largas possibilidades, no decurso deste debate, de tomarem as posições que entenderem.
Peço-lhes o favor, se um favor se pode pcd6r, que deixem o Sr. Deputado continuar a sua intervenção.
Terão ocasião de vir a esta tribuna, ou fona dela, como quiserem, para rectificar, combater, enfim, tomar as atitudes democráticas que são sempre próprias de um debate que, reconheço, é um debate quente.
Vamos então ver se conseguimos chegar a acordo neste ponto, deixando o Sr. Deputado acabar de fazer as suas apreciações em sossego, sem interrupções e, sobretudo, sem comovedoras intimidades como aquela que ouvi há pouco.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ele que não seja provocador!

O Orador: - Sr. Presidente: Muito obrigado pelo seu apelo. Pela parte que me toca, procurei arrefecer os meus ânimos, bebendo, entretanto, um copo de água.

Risos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não segui esse caminho fácil. Procurei pôr à vossa consideração, documentadamente, em toda a sua crueza, o ponto essencial das nossas preocupações acerca da Reforma Agrária e que nos levaram a apresentar o projecto de lei agora em apreço.
O volume das, transformações já operacionais no nosso país em nome da Reforma Agrária é impressionante.
Prosseguir, sem reflexão e sem estudo, no caminho que até agora feri seguido, é lançar, no País, uma séria perturbação; é abrir porta aos aventureirismos desesperados daqueles a quem pouca importa a defesa da democracia e das liberdades; é aceitar a progressiva ruína ela nossa agricultura; é atrasa esforço necessário a uma diminuição sensível da população activa empregue nos campos; é comprometer a correcção dos vícios, defeitos e insuficiências do nosso sistema económico; e agravar o endividamento das finanças públicas; é abdicar de um planeamento sério, racional e participado; e conduzir a mais frustrações e a maior miséria os Portugueses.
Falo em frustrações e com justa razão.

O Sr. Vital Moreira (POP): - Da CAP!

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Dos latifundiários!

O Orador: - Convido-vos a reflectir, por exemplo, na lógica que presidiu à prática da chamada Reforma Agrária.
Sob a palavra de ordem, justa e generosa, "a terra a quem a trabalha", lançaram-se na ocupação violenta de explorações agrícolas não poucos assalariados rurais do Sul, acompanhados por aqueles que, no desemprego, tinham tido de regressar aos campos. Teria sido - segundo o secretário-geral do PCP a partir do dia 9 de Fevereiro de 1975 que tal processo se organizou de uma forma global e sistemática.
Para muitos trabalhadores rurais, as ocupações que nenhuma lei permitia, nem. nenhuma consulta popular legitimara, tinham um significado bem preciso e personalizado. Tratava-se de, como lhes diziam, ser donos da terra em que trabalhavam. O que estava em causa era passar, num ápice, para muitos deles, de pobre a rico.
E, com entusiasmo, iam proceder com os companheiros à ocupação das terras e das casas onde vivia um proprietário ou um simples rendeiro ou feitor de exploração. O sentido da Revolução dava-lhes o direito de pensarem que estavam a fazer justiça por mãos próprias, antecipando-se na criação de um paraíso terrestre, que, em breve, estaria instalado em Portugal.
Ninguém pensará que esses trabalhadores tinham, das ideologias, o conhecimento suficiente paira entender o que é a ditadura do proletariado. A sua motivação era simples, como, provavelmente, simples eram também as justificações dadas por aqueles que, em nome do sindicato .ou do partido, os animavam a fazer por mãos próprias. aquilo que, em democracia, só o Estado poderia realizar.

A Sr.ª Zita Soabra (PCP): - E o 25 de Abril?

O Orador: - A operação, aliás, era relativamente fácil. Contava com a compreensão do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, dispunha da cumplicidade da colaboração ou do silêncio de forças militares, apoiava-se em estruturas administrativas devidamente controladas por amigos e camaradas.
Sem cinismo, nem hipocrisia, sou o primeiro a reconhecer que, nestas condições, muitos trabalhadores rurais encontravam motivos sólidos para se deixarem seduzir.
Não terá levado muito tempo até que a maioria desses trabalhadores se tivesse apercebido de que os seus sonhos de riqueza pessoal e familiar não encontravam realização.

O Sr. Vítor Louro (PCP):- Esses sonhos são seus, Sr. Deputado!

O Orador: - Alguns, segundo se diz, ateriam até chegado ao ponto de ir à Conservatória do Registo Predial proceder à inscrição das propriedades ocupadas. Outros ignorando a publicação do Decreto-Lei n.º 407-B/75 - cuidaram que poderiam beneficiar directamente da venda da cortiça. Outros, ainda, terão sido tentados, mais tarde, a fazer subocupações de explorações já ocupadas ou expropriadas.

O Sr. Vital Moreira (PCP):- Enfim, são uns pobres diabos!

O Orador: - Em todos estes casos manifestou-se o sentimento original que moveu muitos trabalhadores a aderir à prática das ocupações, A exacerbação do sentido natural da propriedade foi o motor desta fase do processo da Reforma Agrária, conduzido pelo PCP. Paralelamente e como instrumento fundamental, contava com o apoio essencial de então poderosos sectores das forças armadas. E a tal ponto assim foi que, ainda há poucos dias, o órgão oficial do Partido Comunista registava com agrado o apoio dado à recente conferência da Reforma Agrá-

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ria, em Évora, pelos "sargentos da marinha de guerra", numa clara demonstração que a aliança entre as forças populares e as forças armadas não passou à história como pretendem os sectores reaccionários! São eles próprios que se confessam.

O Sr. Aboim inglês (PCP): - Tal como está escrito na Constituição!

O Orador: - Não critico a maioria dos trabalhadores rurais que procedeu às ocupações. Registo, tão somente, os sentimentos que os animavam e a sua entrega a uma certa forma de entender o ideal generoso da igualdade. Também este, no entanto, viu-se confrontado, a breve trecho, e como é natural, com a5 realidades. Novas classes sociais nasceram no Sul: as das administrações das unidades colectivas de produção, as dos dirigentes de muitas cooperativas, as dos técnicos e administradores de confiança do PCP, as dos directores sindicais. A tal ponto que, segundo afirma o secretário-geral do Partido Comunista, já "aparecem em unidades colectivas e cooperativas elementos a dizer: deveis pedir 8000 de salário, deveis pedir mais este e aquele benefício social, chegando mesmo a haver unidades colectivas onde apareceram. aventureiros a aconselhar que se fosse para a greve para exigir aumentos de salários".

Sr. Aboim Inglês (PCP): - É a CA'P!

O (r)rat8or: - Quando ouço estas expressões que o; Srs. Deputados repetem com muita frequência lembro-me sempre daquelas mães que não conseguem que os filhos comam a sopa e lhes chamam sempre a atenção para o papão!

Risos.

Por seu turno, a Conferência da Reforma Agrária recomenda que seja "estimulada a produtividade através de formas adequadas e do combate às tendências igualitaristas", ao mesmo tempo que exorta os trabalhadores à prática do policiamento mútuo, defendendo que "nas assembleias dever-se-á criticar os trabalhadores menos dedicados e elogiar os mais dedicados".

O Sr. Vital Foreira (PCP): - Que crime!

O Orador: - Sabe-se que tudo isto tem levado grupos de trabalhadores a procurarem criar novas formas de organização do seu próprio trabalho. E, aí sim, esses trabalhadores estão a demonstrar uma genuína criatividade, um autêntico sentido de emancipação. É o movimento de criação de "cooperativas independentes", que, aqui e além, começa a afigurar como reacção ao aparelho burocrático-partidário que controla a maior parte da extensa área expropriada.
Eis-nos, pois, diante daquilo a que foi chamada a primeira fase da Reforma Agrária: a fase das ocupações. Exploração do sentimento de propriedade e dos desejos de igualdade dos trabalhadores e aparente legitimação do processo através de cumplicidades militares eis os traços essenciais das primeiras operações. Vieram, mais farde, as frustrações, sobretudo a partir do momento em que se deu a aprovação do Decreto-Lei n.º 406-A/75. Este diploma veio revelar, com toda a clareza, que novos patrões iriam surgir; que a terra era trabalhada por quem sempre nela trabalhara, mas a propriedade, essa, passava dos antigos donos para o Estado.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Em nona de grande .propriedade, uma reforma agrária imporia, em qualquer caso, a prática reforma expropriações e, dentro de certos limites, o parcelamento das terras. Mas no Sul o que se fez foi, primeiro, a ocupação ilegal e, depois, a expropriação.
Sem plano, sem método, sem estruturas, em poucos meses ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - E com eficiência!

O Orador: - ... o Estado viu-se proprietário de mais de um milhão de hectares.
Razões terá, pois, o secretário-geral do Partido Comunista quando afirma que "agora, na segunda fase, trata-se ele consolidar essa expropriação das terras e de garantir a vida económica das unidades colectivas de produção e das cooperativas". Só é de estranhar que seja ele a dizê-lo, e não o Governo. Só é de estranhar que, dizendo-o, se proponha ao mesmo tempo ver alargados, para novas zonas, os problemas e as responsabilidades com que o Estado já se defronta na área expropriada. E só não é surpresa total que o pretenda, porque as frustrações e as tensões existentes no Sul requerem uma válvula de escapa num novo "espaço vital".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Voluntariamente, abstenho-me de considerar outros relevantes aspectos daquilo que, em nome da Reforma Agrária, se passou no nosso país. Não falo, por isso, do clima de repressão, de terror e coacção. que continua a existir em certas zona do Sul. Não falo dos atropelos e violências que se praticaram. Não falo das injustiças que se cometeram, das indemnizações que não se pagaram, dos direitos de reserva que não se efectivaram. E não falo, igualmente, dos vícios estruturais que existiam na agricultura do Sul antes do 25 de Abril ou da miséria por que passaram os trabalhadores rurais, no Alentejo, como noutras zonas do País. O nosso propósito não é o fazer um balanço político agrícola antes e depois da Revolução. O que nos interessa é definir as linhas de .futuro; o que nos importa é fazer perceber, com clareza meridiana, quem está a favor de uma concepção colectivista da nossa vida pública e. quem está a favor de uma concepção democrática; o que nos move é o desejo de se criarem condições que ,permitam a definição de uma verdadeira Reforma Agrária; o que nos preocupa é a vontade de reparar injustiças e de fazer avançar a nossa agricultura pelos caminhos da humanização, do progresso e do bem-estar das populações rurais.
O mais simples bom senso dever-nos-á conduzir a uma atitude de prudência. Há perguntas por responder, e são muitas. Há mistérios a desvendar, e não são poucos. É o próprio Governo quem, no Programa apresentado a esta Assembleia, nos dá conta de alguns importantíssimos problemas que afligem o campo, nomeadamente na zona de intervenção da Reforma Agrária. É o Governo que fala da "marginalização de numerosos pequenos agricultores em resultado da forma como o processo foi conduzido". É o Governo que refere a " muito desigual distribuição de terras

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entre as novas unidades de produção". É o Governo que aponta a existência de "baixos rendimentos físicos para a generalidade das produções, como resultado de uma deficiente estrutura das explorações agrícolas, de um limitado nível tecnológico e de uma deficiente. adaptação das formas de aproveitamento dos condicionalismos ecológicos". É o Governo que denuncia a "grande pressão demográfica sobre a terra, fenómeno que foi agravado, conjunturalmente, pela crise gerai de economia e pelo regresso dos portugueses das ex-colónias".
Perante tudo isto, faz sentido continuar, cegamente. a aplicar uma legislação altamente controversa, e, a nossa ver, injusta e anti-económica Faz sentido proceder a novas expropriações quando o povo português ainda não conhece a factura do que se fez no Sul em nome da Reforma Agrária? Faz sentido promover a criação de novas unidades colectivas de produção quando ainda não estão aprovados esquemas mínimos de controle da sua contabilidade e da sua gestão?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Faz!

O Orador: - Faz sentido alargar a novas zonas um processo que não obedece a um plano global e coerente? Faz sentido continuar a chamar Reforma Agrária, dizendo que vai prosseguir, a um conjunto de operações que não obedece aos requisitos estabelecidos na Constituição?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Faz!

O Orador: - Aplicar a outras regiões o que já se fez no Sul é insistir, sem razão, numa teimosia puramente ideológica.

Unia voz do C(r)S: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, era importante que o Governo se definisse claramente sobre esta matéria. Por um lado, o Governo faz seu, em afirmações públicas ou em deliberações do Conselho de Ministros, um programa que não apresentou a esta Assembleia. Por outro lado, o mesmo Governo não tem mandato da Assembleia piara prosseguir, sem prévia deliberação parlamentar, na execução dos diplomas gonçalvistas.

O Sr. Vital Moreira (,PCP): - Mas vai ter.

O Orador: - Ao afirmar que a Reforma Agrária prosseguirá, o Governo dá, na verdade, a entender que aceita as teses segundo as quais a continuação daquela Reforma tem como instrumento fundamental o decreto-lei sobre as expropriações. Mas o certo é que nenhuma referência é feita a este no capítulo do Programa inicial do Governo dedicado à agricultura e apresentado há meses a esta Assembleia.
Em rigor, pode, pais, dizer-se que a Assembleia da República não se pronunciou sobre esta matéria porque., simplesmente ...

O Sr. )Presidente: - Faltam dois minutos, Sr. Deputado.

O Orador:-... o Governo não a incluiu entre os seus objectivos. Mais: em várias declarações, o Primeiro-Ministro pronunciou-se no sentido de que as nacionalizações, no essencial, tinham terminado. Quer isto significar que o Governo, objectivamente, não tinia intenção imediata de prosseguir as expropriações de prédios rústicos quando submeteu o seu Programa á Assembleia. Pelo contrário. Os propósitos enunciados pelo Governo no domínio dos problemas fundiários eram, entre outros, os seguintes:
Preparação do estatuto jurídico da terra, da água e da floresta, a submeter " Assembleia da República;
Planeamento das acções a empreender no. quadro da Reforma Agrária, para que se processem de forma programada [...] ;
Criação de um instituto que tenha a seu cargo a regularização dos passivos dos proprietários e explorações agrícolas objecto da Reforma Agrária e a gestão do património fundiário nacional;
Concretização da restituição da terra aos proprietários ou rendeiros não abrangidos pela lei das expropriações e regulamentação e efectivação do direito de reserva;
Elaboração de propostas a apresentar à Assembleia da República definindo as compensações a atribuir aos proprietários ou titulares de direitos atingidos pelas medidas de socialização das terras.

Como facilmente podemos reconhecer, o Governo, por falta de tempo ou de interesse, não cuidou, aparentemente, da maior parte destes objectivos. Pelo menos não se conhecem os efeitos.
Será agora politicamente legítimo ao Governo proceder a novas expropriações? Será possível ao Governo aceitar que o decreto-lei sobre as expropriações seja aplicado ao Centro e ao Norte do País, como .pretende o PCP? Na verdade, e a julgar pela lógica por alguns aduzida, a definição da chamada zona de intervenção poderia, com facilidade, ser estendida a outras regiões por decisão unilateral do próprio Governo.
Teria sido importante uma clara tomada de posição do Governo sobre esta matéria, em tempo oportuno. As suas atitudes tem permitido ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Está no fim da sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente: Não se esqueça dos descontos das interrupções. De qualquer modo, estou a terminar.

O Sr. Presidente: - Não tenho aqui um cronómetro de descontos.

Risos.

Mas lenha a bondade, Sr. Deputado, de terminar a sua intervenção.

O Orador:-... a proliferação de ambiguidades e perplexidades sem conta. E, a .pouco e pouco, vai-se instalando a ideia, nas populações do Centro e do Norte do País, que não tarda a dia em que lhes toque à porta o ciclo das ocupações, das expropriações e das colectivizações.

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O Sr. Vital Moreira (PCP): - Você; bem se têm esforçado por espalhar isso!

O Orador: - Foram os senhores que aprovaram isso na conferência da Reforma Agrária, não fui eu.
Não seja provocador, Sr. Deputado.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não seja mentiroso.

O Orador: - Ao mesmo tempo que, no Sul, cresce a angústia, permanece a insegurança, acentua-se a incerteza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É enorme a responsabilidade desta Assembleia na urgente clarificação do problema da Reforma Agrária. O que está em causa, repito, é o tipo de democracia que desejamos ver instaurado em todo o nosso território. O que está em causa é o reconhecimento de que, no plano da dignificação do homem, aquilo que se fez em nome dia Reforma Agrária apresenta sérios erros, desvios e injustiças. O que está em causa é a clarificação da política que o País vai seguir no que se refere à Reforma Agrária, o mesmo é dizer no que se refere à democracia.
O CDS propõe a suspensão da vigência de dois diplomas simbólicos de um processo que deve ser repensado, revisto e reformulado. Ao fazê-lo, tomou a precaução de não serem prejudicados direitos adquiridos ou as obrigações contraídas pelo Estado, por particulares ou por outras entidades.
O problema não é, pois, jurídico, na sua principal dimensão. É um problema essencialmente político. E porque é político, tem de ser debatido num órgão com competência exclusiva para o efeito e que dimana directamente da vontade popular a Assembleia da República; e tem de ser discutido, amplamente, pelos trabalhadores e agricultores, tal como a Constituição estabelece.
O CDS pensa que esta é uma grande oportunidade que se oferece ao Governo para esclarecer, sem equívocos, o seu pensamento e as suas intenções, - o CDS pensa que este é um momento oportuno que se oferece ao País para conhecer, som ambiguidades, os rumos a que aponta, à luz dos princípios constitucionais, mas no concreto, a Reforma Agrária.
Na nossa opinião, votar a favor da generalidade do nosso projecto de lei significa aderir à necessidade de corrigir os erros e de repensar as soluções, num dos mais importantes capítulos da transformação económica e social do nosso país; significa, numa palavra, e com isto encerro, concordar com a lese de que é necessário tempo para avaliar do que se fez no passado e para planear o futuro. Que esse futuro possa ser o da justiça, da tranquilidade, da ordem, de bem-estar e do progresso dos portugueses, na liberdade e em democracia, são os nossos mais ardentes votos.
Tenho dito.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro para ler o relatório e parecer da Comissão de Agricultura e Pescas.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Vou ler o

Parecer da Comissão de Agricultura e Pescas
sobre o projecto de lei n.º 3/1

A Comissão de Agricultura e Pescas apreciou o projecto de lei n.º 3/I apresentado pelo CDS sobre a suspensão das expropriações de prédios rústicos na área da Reforma Agrária, que se dá por reproduzido.
Feita a apresentação do projecto, o CDS argumentou que os motivos que levaram o seu grupo parlamentar à apresentação do projecto de lei, são os de que a partir da entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa, as acções a empreender no domínio da Reforma Agrária devem ser levadas a efeito segundo os preceitos constitucionais, como de resto o preâmbulo do diploma apresentado refere, e que esta suspensão tinha como finalidade pressionar o Governo ou os partidos políticos a apresentar à Assembleia da República as bases de Reforma Agrária que é da sua exclusiva competência.
No decorrer da discussão foi levantado o problema da constitucionalidade dos decretos em causa, e por considerar que estes dois diplomas podem ter fundamentos constitucionais diferentes, bem como por discordar da forma como o CDS propunha a suspensão, o Partido Social-Democrata apresentou uma proposta de emenda que foi analisada conjuntamente com o projecto de lei n.º 3/I, que se transcreve:
1. O projecto de lei n.º 3/I, publicado no Diário da Assembleia da República (suplemento ao n.º 25, p. 712), embora possa ter grande impacte sobre certo eleitorado, não encara o problema com a objectividade que os Portugueses merecem.
Na verdade, propor a suspensão da vigência de diplomas anteriores à Constituição da República Portuguesa, limitando-se a transcrever, no respectivo preâmbulo, alguns princípios constitucionais, ocultando os defeitos fundamentais dos diplomas que pretende suspender, não se nos afigura posição adequada aos trabalhadores ,rurais e aos agricultores.
Por estes motivos, resolvemos encarar o problema tal como se nos apresenta e sem qualquer ambiguidade.
2. Ao que nos parece, ninguém poderá negar que a medida mais eficaz para combater a inconstitucionalidade de diplomas ligais publicados anteriormente " vigência da Constituição é precisamente a suspensão da respectiva vigência.
Assim o problema deve ser visto a esta luz.
3. Quanto ao Decreto-Lei n.º 406-A/75, de 29 de Julho:

u) Período anterior a 25 de Abril de 1976:

Como é sabido, existiram, neste período, determinadas leis constitucionais e é à luz das mesmas que se tem de analisar a constitucionalidade do diploma de 29 de Julho de 1975.
Ora, em 14 de Maio de 1974 é publicada a Lei n.º 2 que integra, como texto constitucional, o Programado Movimento das Forças Armadas e que proíbe ao Governo Provisório empreender reformas de fundo. Como ninguém poderá negar que uma lei de reestruturação da propriedade da terra

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constitui uma reforma de fundo, parece evidente que não será esta a base da constitucional idade do Decreto-Lei n.º 406-A/ 75.
Posteriormente, e com possível relevo para o caso, surgiu a Lei n.º 5/75, de 14 de Março, conferindo ao Conselho da Revolução os poderes constituintes que até então haviam pertencido à Junta de Salvação Nacional e 'ao Conselho de Estado.
Todavia, em 15 de Abril de 1975 é publicado o Decreto-Lei n.º 203-C/75 que no seu artigo único aprova as bases gerais dos programas de medidas económicas de emergência. No anexo 3 (Programa da Reforma Agrária) prevê-se a nacionalização global de alguns prédios rústicos situados nos perímetros de aproveitamento Hidroagrícola, bem como a expropriação de propriedades de sequeiro e de regadio de áreas superiores a determinados limites ajustáveis em função do rendimento.
A verdade é, porém, que o diploma sob análise veio tornar passíveis de expropriação prédios a partir de limites de área inferiores às prescritas no referido anexo 3. Com efeito, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 406-A/75 sujeita a expropriação os prédios ,rústicos que corresponderem a mais de 50 000 pontos de rendimento, neste se incluindo não só o proveniente da terra nua como das plantações e benfeitorias nela implantadas. Este preceito equivale, para além de ser contraditório com os princípios da cultura extensiva e do latifúndio, a expropriar a partir de limite inferior ao previsto no citado anexo 3.
De resto, o próprio Decreto-Lei n.º 203-C/75 não provém do Conselho da Revolução, ao contrário do que sucedeu com a nacionalização da Banca e dos seguros (Decreto-Lei n.º 132-A/75, de 14 de Março), pelo que até seria desnecessário salientá-lo aqui e se o fizemos foi apenas por no seu preâmbulo se aludir ao referido órgão constituinte.
É neste contexto que aparece o Decreto-lei n.º 406-A/75, mais uma vez proveniente do Governo e, portanto, sem base constitucional;

b) Período posterior a 25 de Abril de 1976:

O n.º 1 do artigo 97.º da Constituição prevê a expropriação das latifúndios e das grandes explorações capitalistas, sendo óbvio que aquela primeira expressão está utilizada em sentido quantitativo e qualificativo, pois se o conceito fosse meramente quantitativo a referência a grandes explorações capitalistas seria inteiramente redundante. Ora, o Decreto-Lei n.º 406-A/75 não atende às actuais prescrições constitucionais, na medida em que não coincide uma propriedade de 50 000 pontos (corresponde a 100 contos de rendimento colectável) com uma grande exploração capitalista. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 406-A/75 estabelece um limite único, enquanto o n.º 2 do artigo 99.º da Constituição já refere diversos limites. Acresce anda que este último preceito prevê que os limites máximos correspondam a unidades de exploração (portanto concernentes ao direito de exploração) e não à acumulação de direitos de propriedade, tal como acontece com o Decreto-Lei n.º 406-A/75.
Assim, também no período considerado continua a ser inconstitucional o diploma em causa.

4. Quanto ao Decreto-lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho:
a) Período anterior a 25 de Abril de 1976:

Este diploma também provém do Governo, e não do Conselho da Revolução. Não tinha, assim, qualquer base constitucional;

b) Período posterior a 25 de Abril de 1976:

O artigo 83.º, n.º 2, da Constituição prescreve que todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras. Ter-se-á, assim, operado uma constitucionalização do referido diploma o que, aliás, nos oferece algumas dúvidas, pois a Constituição não .nacionali.za a~ terra, conforme se depreende claramente do seu título IV. No entanto, não é com medidas de suspensão da vigência de diplomas que se resolve o caso das nacionalizações.
Não temos, porém, dúvidas em que o n.º 6 do artigo 3.º e o artigo 17.º do referido Decreto-lei n.º 407-A/75 não têm qualquer apoio constitucional e já aqui tem adequação a medida da suspensão da vigência do diploma.

5. Em face do exposto, somos de parecer que o projecto de lei n.º 3/I ,tem de sofrer importantes alterações. Contudo, existe, desde já, um ponto que convém acrescentar. No artigo 1.º desse projecto propõe-se a suspensão até que a Assembleia da República aprove a lei definidora das bases da Reforma Agrária. Esta suspensão indefinida ocasiona ou pode ocasionar que os grupos parlamentares e o Governo fiquem á espera uns dos outros, permanecendo uma indefinição indesejável e perigosa, até porque, ao contrário do CDS, o PPD/PSD votou todos os preceitos do título IV da Constituição. Assim ter-se-á de definir um prazo para a suspensão.

6. Parece-nos que o articulado poderia ficar nestes termos:
Artigo 1.º - 1. É suspensa a vigência do Decreto-Lei n.º 406-A/75, de 29 de Julho, com as restrições constantes dos números seguintes.
2. Mantêm a sua plena vigência os preceitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º do referido diploma, bem como os seus artigos 5.º, 10.º, 13.º e 15.º

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3. O n.º 2 do antigo 7.º do mesmo decreto-lei ficará com a seguinte redacção, mantendo a sua vigência:

Os negócios jurídicos celebrados contra o disposto no n.º 1 do artigo 7.º continuam, na medida da violação, total ou parcialmente ineficazes até ao início da vigência da nova lei regulamentadora dos artigos 96.º a 104.º da Constituição da República Portuguesa.

Art. 2.º É suspensa a vigência do n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho, bem como o seu artigo 17.º
Art. 3.º Esta lei tem uma vigência limitada a três meses, readquirindo a sua aplicabilidade os preceitos ora suspensos se, dentro do referido prazo, .não for apresentado qualquer projecto ou proposta de lei na Assembleia da República que defina as bases da Reforma Agrária e os restantes aspectos objecto deste diploma.

Dessa análise conjunta resultou o seguinte parecer:

1. Os Decretos-Leis n.ºs 406-A/75 e 407-A/75
não são considerados inconstitucionais.

Aos argumentos aduzidos quanto à inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 40G-A/75 e das dúvidas referidas quanto à do Decreto-Lei n.º 407-A/75 pelo PPD/PSD, como consta no preâmbulo da sua proposta de emenda, foram contrapostos outros a partir do artigo 293.º da Constituição. Este artigo da Constituição legitima e abriga o direito anterior a si própria sempre que ele não seja contrário a ela nem aos princípios nela consignados. Porque assim é, os princípios dos diplomas em causa são, antes, adoptados pela própria Constituição. Este mesmo artigo permite à Comissão afirmar que o princípio do projecto em apreciação não é necessário, isto é, não se impõe submeter à apreciação da Assembleia da República toda a legislação anterior que verse matéria que seja da sua exclusiva competência, nos termos do artigo 167.º da Constituição.
A Comissão entendeu não serem inconstitucionais os decretos postos em causa.
2. A suspensão dos Decretos-Leis n.ºs 406-A/75 e 407-A/75 não é de considerar:

a) A Comissão concorda que os Decretos-Leis n.ºs 406-A/75 e 407-A/75 não constituem a totalidade das leis de Reforma Agrária, mas entende, todavia, que são parte integrante desse conjunto. Assim, e não sendo embora a única, são todavia uma das formas possíveis de realizar o respectivo conteúdo constitucional;

b) A Comissão entende que a suspensão dos Decretos-Leis n.ºs 406-A/75 e 407-A/75, sem que se proponham concomitantemente outros que os substituam, poderia originar instabilidade social e .ter reflexos negativos sobre as situações económica e política;

c) A proposta de emenda apresentada pelo Partido Social-Democrata não altera a posição da Comissão, porquanto se considera manterem-se os .inconvenientes acima aludidos.

3. Conclusão.
A Comissão de Agricultura e Pescas é de parecer que o projecto de lei n.º 3/I é de rejeitar, bem como a proposta de emenda.
O relatório foi aprovado por unanimidade e o parecer foi emitido por maioria, com dez votos (PS e PCP) contra oito (PPD/PSD e CDS), com as declarações de voto que a seguir vão ser feitas pelos presidentes dos grupos parlamentares.

Palácio de S. Bento, 29 de Outubro de 1976. O Presidente da Comissão de Agricultura e Pescas, Vítor Henrique Louro de Sá.

O Sr. Presidente: - Portanto, seguir-se-ão as declarações de voto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Riço Calado.

O Sr. Riço Calado (PS): - Declaração de voto do Partido Socialista: Os Deputados do Partido Socialista na Comissão de Agricultura e Pescas votaram contra a suspensão dos Decretos n.º 406-A/75 e 407-A/75, constante no projecto de lei n.º 3/I apresentado pelo CDS.

Embora o Partido Socialista não tenha tido responsabilidade na elaboração dos decretos que o CDS agora quer- suspender, considera que eles têm sido, na prática, instrumentos capazes de realizar a Reforma Agrária que o povo português aprovou, e bem, na Constituição, através dos seus representantes livremente escolhidos.
O vazio legal que provocaria a suspensão dos diplomas acima ,referidos seria fonte de instabilidade social e motivo de justa preocupação de todos aqueles que, de Norte a Sul do País, desejam um progresso económico em Portugal e uma melhor distribuição da riqueza, pelos Portugueses e se opõem à recuperação de antigos privilégios.
Entenderam também os Deputados socialistas que os argumentos utilizados para mostrar que os decretos-leis em apreço podiam ser inconstitucionais, não tinham cabimento em virtude das suas disposições não estarem de modo nenhum em oposição aos princípios constitucionais.
Votaram também contra ao apreciarem a proposta de emenda que o PPD/PSD oportunamente apresentou na Comissão, porquanto, embora esta tivesse em conta alguns aspectos menos claros da proposta do CDS, trazia os mesmos efeitos práticos finais.

O Sr. Presidente: - É agora a vez do PSD.

O Sr. João Manuel Ferreira (PSD): - O nosso voto foi no sentido de se dar parecer favorável ao projecto de lei n.º 3/I, mas com as modificações profundas constantes da nossa proposta de emenda e transcrita no presente relatório. Com efeito, a referida proposta de emenda não provocará qualquer instabilidade social, nem tão-pouco se poderiam verificar reflexos negativos sobre as situações económica o política.
Teve-se a .preocupação de ,salvaguardar a vigência de preceitos que permitem a expropriação de terrenos incultos ou dos que não alcancem os níveis mínimos de aproveitamento. Por outro lado existe também a preocupação de impedir quaisquer transacções de propriedades na zona de intervenção. Igualmente se

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procurou que não se criasse uma situação de impasse, pois propôs-se um dispositivo legal destinado a acelerar, por parte do Governo ou de qualquer Deputado, a apresentação de uma justa e constitucional lei de Reforma Agrária.

O n.º 1 do artigo 293.º da Constituição foi, a nosso ver, mal invocado, unia vez que trata do instituto de revogação, nada tendo pois a ver com o problema da possível inconstitucionalidade de diplomas publicados antes do início da vigência daquela Constituição.

A nossa proposta não contende com o Decreto-Lei n.º 407-A/75, a não ser em pontos parcelares mas que se nos afiguram de extraordinário alcance para uma verdadeira estabilidade social económica e política.

Por tudo isto e pelo que consta da nossa proposta de emenda e respectiva fundamentação os Deputados nesta Comissão do Partido Social-Democrata assinaram vencidos o presente parecer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Faria de Almeida, para apresentar a declaração de voto do CDS.

O Sr. Faria de Almeida (CDS): - Os Deputados do CDS votaram contra o parecer da Comissão de Agricultura e Pescas relativo ao projecto de lei n.º 3/I por considerarem que:

1.º Não foi de modo algum - provado que com a vigência dos Decretos-Leis n.ºs 406-A/75 e 407-A/75 se não esteja a infringir o disposto na Constituição, nomeadamente no n.º 3 do artigo 97.º e nos artigos 104.º e 167.º;

2.º Havendo dúvidas sobre a inconstitucionalidade ou não dos dois citados decretos-leis, a melhor forma de obstar a mais prejuízos seria determinar a sua suspensão imediata, evitando assim as graves consequências da demora de um necessariamente longo processo de índole jurídica;

3.º A suposição de que a suspensão da vigência dos referidos diplomas iria provocar instabilidade social e ter reflexos negativos sobre as situações económica e política não é de aceitar, porquanto tudo isso estava grandemente salvaguardado no artigo 2.º do projecto de lei, entendendo-se mesmo que aquela instabilidade e aqueles reflexos negativos serão muito mais prováveis se prosseguirem acções que violem a Constituição, desrespeitem a competência da Assembleia da República, não resultarem do diálogo entre as partes interessadas e possam comprometer 4rremedcavelmente a definição e a execução de uma autêntica Reforma Agrária.

Os Deputados do CDS continuam a considerar imperiosa e urgente a promulgação da lei da Reforma Agrária nos termos constitucionais e entendem que o Governo já teve o tempo suficiente para a preparar, com a indispensável participação dos trabalhadores rurais e das associações de agricultores; mas, na sua falta, prometem desde já que o seu partido apresentará à Assembleia da República, no prazo máximo de noventa dias, um projecto de lei sobre tal matéria.

Ângelo da Silva Vieira - Carlos Paria de Almeida - José Carvalho Cardoso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado ido Custódio Gingão para ler a declaração de voto do PCP.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Os Deputados do PCP, além do que fica referido no relatório, consideram que a suspensão conduziria a uma inconstitucionalidade, por omissão, uma vez que impediria a realização dos importantes princípios constitucionais da Reforma Agrária.
O projecto traz em si o germe da instabilidade política e social, uma vez que não só pretende a paragem do processo revolucionário pela suspensão de uma lei que a prática popular ratificou, como até admite no seu artigo 2.º a possibilidade de um retrocesso.
Por tudo isto votámos pela rejeição quer do projecto do CDS quer da proposta de alteração do PPD/ PSD.

O Sr. Presidente: - Vamos iniciar a discussão na generalidade.
Já estão inscritos alguns Srs. Deputados. Vareios aproveitar o tempo que ainda nos resta até às 20 horas, na certeza de que às 20 horas encerro a sessão.
Tem a palavra, durante vinte minutos, o Sr. Deputado Carvalho Cardoso.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No artigo 96.º da Constituição diz-se que os objectivos da Reforma Agrária são:

a)Promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores pela transformação das estruturas fundiárias e pela transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham, como primeiro passo para a criação de movas relações de produção na agricultura;
b) Aumentar a produção e a produtividade da agricultura, dotando-a das infra-estruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados, tendentes a assegurar o melhor abastecimento do País, bem como o incremento da exportação;
c) Criar as condições necessárias para atingir a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e evitar que o sector - agrícola seja desfavorecido nas relações de troca com os outros sectores.

O que se fez até agora para atingir tais objectivos? Tirando uma ou outra actuação pontual, conjuntural, desgarrada, e a legislação sobre o arrendamento rural e a extinção dos foros, a impropriamente denominada "Reforma Agrária" concretizou-se apenas através da promulgação dos Decretos-Leis n.ºs 406-A/75 e 407-A/75 e outra legislação complementar de expropriação e nacionalização de prédios rústicos.

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1128 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.O 37

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos Srs. Deputados que estão a sair para o facto de que daqui a pouco não tenho quórum e terei de interromper a sessão.
Parece-me que não faltam muitos minutos para que os Srs. Deputados não possam reconsiderar.
O Sr. Deputado tenha a bondade de continuar e desculpe a interrupção.

O Orador: - Aqueles diplomas, publicados muito antes de concluída a Constituição, vieram sobretudo dar cobertura legal à vasta onda de ocupações violentas de propriedades que então grassava em parte da região central e meridional, zona que mais tarde seria delimitada pelo Decreto-Lei n.º 23G-B/76, resultante da plataforma aprovada aquando da formação do VI Governo Provisório pelos três partidos que nele se coligaram.
Todos esses diplomas legislativos, de excepcional relevância para o futuro do País, foram aprovados em pleno consulado gonçalvista por governos provisórios sem poderes constitucionais para tal, sem estarem autorizados pelo Programa do MFA a proceder a "reformas de fundo", e quando não era de forma alguma possível empreender uma discussão profunda e aberta do tema entre todas as partes directamente interessadas. A justificação que alguns dão para eles fundamenta-se essencialmente na sua assimilação a um acto revolucionário próprio de um período pré-constitucional.
Não interessou ao CDS embrenhar-se na discussão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos referidos decretos-leis anteriormente à entrada em vigor da Constituição (embora o possamos fazer), cuja conclusão válida só poderia resultar de um certamente longo processo jurídico. Importou, sim, constatar que, face ao disposto no n.º 3 do artigo 97.º e nos artigos 104.º e 167.º da Constituição, a continuação da vigência dos diplomas, essa, sim, era, em nosso entender, claramente inconstitucional.
Com efeito, determina o artigo 97.º que as operações de transferência da posse útil da terra e dos meios de produção se devem efectuar nos termos que a Lei da Reforma Agrária definir e segundo o esquema de acção do Plano; no artigo 104.º estabelece-se que na definição e execução da Reforma Agrária deve ser assegurada a participação dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores, através das suas organizações próprias, bem como das cooperativas e outras formas de exploração colectiva por trabalhadores; e no artigo 167.º afirma-se ser da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as bases da Reforma Agrária, incluindo os critérios de fixação dos limites máximos das unidades de exploração agrícola privada.
O incumprimento destes preceitos constitucionais, demonstrado pelo actual Governo ao manter a vigência dos decretos-leis n.ºs 406-A/75 e 407-A/75, coloca-o na posição de violador da Constituição e desrespeitador da competência da Assembleia da República.
A argumentação de que o estabelecido no artigo 293.º da Constituição legítima a continuação da vigência daqueles decretos-leis não nos convence., porque, pelo menos, eles interferem com a competência exclusiva da Assembleia da República e com a participação dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores e suas diversas associações na definição e execução da Reforma Agrária, contrariando, portanto, esses princípios e ainda outros, como por exemplo o da fixação elos limites máximos das unidades de exploração agrícola privada e a concomitante permissibilidade de expropriação.
Aqueles que afirmam que o processo de expropriação de prédio,-, rústicos foi já ratificado pelo povo português, temos que retorquir que esse processo nunca foi exclusiva e propositadamente, submetido a referendo e que votar num partido que porventura o defenda não significa necessariamente concordar com a totalidade do seu programa. Daí não poder ser válido tal raciocínio.
Julga o CDS que a suspensão dos decretos-leis em causa por um período seguramente curto, que permitisse a discussão e a aprovação pela Assembleia da República da lei definidora das bases da Reforma Agrária, não provocaria, como afirmam alguns, qualquer vazio legal, nem seria fonte de instabilidade social, nem teria reflexos negativos na situação económica e política. Essa é até a finalidade principal do artigo 2.º do nosso projecto de lei, que pretende ressalvar direitos adquiridos e obrigações contraídas por todas as partes envolvidas. Mas se é este o problema fundamental, então aceitaremos de boa mente quaisquer emendas que melhor possam explicitar e conduzir a tal desideratum, rejeitando, porém, com veemência, a afirmação contida no relatório de que o projecto de lei não encara o assunto com a objectividade que os Portugueses merecem.
Do que estamos certos é de que a vigência dos referidos decretos-leis, crescentemente contestadas por larga parte dos portugueses, é que está a ter reflexos perigosamente negativos na paz pública e no progresso económico e social do povo e pode comprometer irremediavelmente a definição e a execução de uma autêntica Reforma Agrária, que urge legislar.
O CDS sempre afirmou a indispensabilidade de uma reforma agrária que conduza a nossa desprezada agricultura ao lugar a que tem indiscutivelmente direito, que não comprometa o desenvolvimento, global da nossa economia e que, de uma vez para sempre, retire os agricultores da deprimente situação de cidadãos de segunda classe em que se mantêm; e que, além disso, possibilite a integração da nossa agricultura na economia europeia no mais curto prazo possível.
Mas essa verdadeira Reforma Agrária, por imperativos constitucionais e não só, terá de ser racional, regionalizada e participada, de cobrir harmoniosamente todo o território nacional e de envolver acções convergentes e simultâneas de combate decisivo aos males de natureza estrutural que corroem a nossa agricultura, sejam eles fundiários, educacionais, técnicos, financeiros e de outra ordem. E tem de se arrancar com ela sem demora com elevadíssima prioridade.
Repousar sobre a matéria, considerando que as leis das expropriações e nacionalizações, de actuação circunscrita a uma determinada zona, e a do arrendamento rural, de âmbito nacional, constituem a Reforma Agrária, além de perigosamente demagógico, assume foros de criminosa displicência, admitindo que não item outras intenções piores. Aliás, o próprio parecer da Comissão de Agricultura e Pescas reconhece que os dois diplomas em causa não constituem a totalidade das leis da Reforma Agrária.

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A Reforma Agrária terá de ser toda uma estrutura legal complexa cuja parte mais importante ainda não foi aprovada, o que até tira legitimidade ao que se considera já em vigor.

Foi também no sentido de se acelerar a preparação e execução dessa autêntica Reforma Agrária que o CDS apresentou o projecto de lei agora em debate, que, a ser aprovado por esta Câmara, terá mais esse mérito. Nós próprios nos comprometemos, na declaração de voto, a apresentar aqui, no prazo máximo de noventa dias, um projecto de lei de reforma agrária.
Quase desnecessário seria, porém, acrescentar que, para além de pretender que a Reforma Agrária passe a ser regulada por lei da Assembleia da República, nos termos constitucionais, com a participação na sua definição e execução dos trabalhadores rurais e dos agricultores, deseja também o CDS, interpretando o sentir de muitos milhares de, portugueses, que os diplomas que envolvem a expropriação de prédios rústicos sejam revistos, nomeadamente no sentido de alterar o limite dos 50 000 pontos, de excluir do cálculo do rendimento fundiário as benfeitorias de curta duração e as de longa duração efectuadas pelos autuais proprietários, de reduzir as penalizações para os empresários que demonstraram elevado espírito de iniciativa e de realização e ainda de resolver, entre outros, os problemas respeitantes aos indivisos, ao regime de separação de bens, ao regime total e aos usufrutuários.
Mas isto de forma alguma significa, como insinuam os nossos habituais detractores, que o CDS se oponha a modificações de estrutura fundiária, mesmo pela via das expropriações, quando estas sejam indispensáveis. O que se deseja é uma política racional de reestruturação empresarial no sector agrário que vise um adequado dimensionamento das explorações de todo o País, através de soluções encontradas pela discussão .focal e regional entre todos os interessados e os serviços especializados competentes e de acordo com os condicionalismos ecológicos das várias regiões. Queremos que essa reestruturação conduza ao estabelecimento de unidades de produção bem dimensionadas, onde se pratique uma agricultura modernizada capaz de assegurar o abastecimento do País e a exportação do que temos potencialidades para produzir e que garanta aos que dela vivem, mediante uma política de preços justos e de pleno emprego, estabilidade e bom nível de vida. Queremos uma comunidade de agricultores livres, a que seja assegurado o direito de contribuir com a sua iniciativa, o seu trabalho e a sua inteligência para a criação de uma nova sociedade que., acima de tudo, preserve a respeito pela dignidade da pessoa humana.
Recusamo-nos, porém, a aceitar uma política do facto consumado, as imposições dogmáticas, o puro arbítrio, os atropelos à lei, as prepotências partidárias e quaisquer atitudes antidemocráticas, em especial quando elas podem comprometer irremediavelmente o futuro de Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo ter adiantado as razões fundamentais que levaram o Grupo Parlamentar do CDS a apresentar a esta Câmara o projecto de lei n.º 3/I sobre a suspensão das expropriações de prédios rústicos na área da Reforma Agrária.
O novo Ministro da Agricultura e Pescas afirmou, no acto da sua posse, que "as revisões que forem julgadas necessárias serão rapidamente feitas, dentro das competências do Governo, ou propostas à Assembleia da República.", acrescentando que " quando a verdade dos textos e dos programas não resiste à verdade da vida dos homens, mudar-se-ão os textos para que os homens possam viver melhor".
No mesmo acto solene afirmou o Sr. Presidente da República que no sector da agricultura "são particularmente agudos os problemas de transição de uma situação de turbulência social para um regime de normalidade constitucional" e que a Reforma Agrária é uma "tarefa verdadeiramente nacional" que "exigirá o empenhamento de todos os intervenientes na discussão das soluções ajustadas ao condicionalismo de cada região e à natureza dos diversos tipos de exploração agrícola".
É precisamente na contexto dessas duas afirmações que tem de ser encarado o projecto de lei que tive a honra de subscrever.
Que a Assembleia da República saiba estar à altura das suas responsabilidades são os votos que, a concluir, aqui expresso.

O Sr. Vital Moreira (PCP):- Estará, estará.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carvalho Ribeiro: Temos dez minutos. Quer aproveitá-los e continuar depois com a palavra reservada para amanhã ou prefere que toda a sua. intervenção seja feita amanhã?

O Sr. Carvalho Ribeiro (PSD):- Sr. ,Presidente: Em dez minutos não posso fazer a leitura da minha intervenção.

O Sr. Presidente: - O que pergunto é se não se importa de começá-la, interrompê-la e concluir amanhã?

O Sr. Carvalho Ribeiro (PSD): - Não, não. Agradecia, Sr. Presidente, que ficasse para amanhã a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Então continuamos amanhã, às 15 horas, com a mesma ordem do dia, ou seja, a discussão na generalidade do projecto de lei em questão.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 50 minutos.

Rectificações ao "Diário":

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:

Carlos Manuel da Costa Moreira, Deputado pelo Partido Socialista, solicita a V. Ex.ª se digne mandar retirar-lhe a falta que lhe foi marcada na sessão de 20 de Outubro findo, dado que a ela assistiu na sua totalidade.

Com os melhores cumprimentos.

Lisboa, 3 de Novembro de 1976. - Carlos Manuel da Costa Moreira.

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Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, S. Bento, Lisboa:

No Diário da Assembleia da República, só agora distribuído, que refere a sessão de 21 do passado mês de Outubro, não vem o nome do signatário, apesar de a ela ter assistido.
Claro que se trata de um qualquer equívoco.
Deste modo, pretendia que V. Ex.ª mandasse rectificar, nesse ponto, aquele número do Diário.

Com a maior consideração, Teófilo Carvalho dos Santos.

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:

Tendo sido dado como faltoso no dia 22 de Outubro, e não se tendo verificado tal, agradeço que seja feita a necessária rectificação.

João Gabriel Soeiro de Carvalho, Deputado do PSD.

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:

João Gabriel Soeiro de Carvalho, tendo pedido a rectificação de uma falta com a data de 4 de Junho, e sendo efectivamente a data a referir a de 3 de Junho de 1976, agradece a rectificação.

João Gabriel Soeiro de Carvalho, Deputado do PSD.

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Lisboa:

António Júlio Correia Teixeira da Silva, Deputado pelo Partido Social-Democrata pelo círculo eleitoral de Aveiro, vem mais uma vez junto de V. Ex.ª apresentar novo atestado médico comprovativo da sua impossibilidade de estar presente nessa Assembleia, motivada pelo acidente de viação sofrido em G de Setembro passado.
Mais informa V. Ex.ª de que no Diário da Assembleia da República, n.º 29, referente à sessão de 15 de Outubro de 1976, o seu nome vem mencionado como se tivesse entrado no decorrer da sessão. Como tal não se verificou, pedia a V. Ex.ª se digne mandar rectificar, pois, como prova o atestado médico em devido tempo enviado à Mesa da Assembleia da República, encontrava-me nessa altura retido no leito.
Com os meus mais respeitosos cumprimentos, despeço-me com saudações democráticas.

Vale de Cambra, 5 de Novembro de 1976. -
António Júlio Correia Teixeira da Silva.

Anexo. - Um atestado módico.

Assembleia da República, 9 de Novembro de 1976. - A Deputada do Grupo Parlamentar do CDS, Maria José Sampaio.

Requerimento

Nos termos do artigo 159.º, alínea c), da Constituição e do artigo 1G.º, alínea i), do Regimento da Assembleia da República, requeiro me seja enviado diariamente pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda o Diário da República.

Assembleia da República, 9 de Novembro de 1976. - A Deputada. do Grupo Parlamentar do CDS, Maria José Sampaio.

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:

Nos termos do artigo 215.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República, o projecto n.º 20/I - Poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito- segue o processo de urgência, pelo que o prazo para exame nesta Comissão termina no próximo dia 8 de Novembro.
Acontece, porém, que durante o decurso do prazo de cinco dias para exame daquele projecto já tinham sido previamente marcadas reuniões com ordem do dia diversa e, por outro lado, o mencionado projecto, pela sua complexidade, exige uma apreciação mais cuidada.
Em face do exposto, solicito a V. Ex.ª se digne, ao abrigo do n.º 3 do artigo 144.º do Regimento, prorrogar o referido prazo de exame para mais dez dias.

Com os melhores cumprimentos.

Palácio de S. Bento, 5 de Novembro de 1976. O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Vital Martins Moreira.

Documentos apresentados durante a sessão:

Ex.ª Sr. Presidente da Assembleia da República:

António Poppe Lopes Cardoso, Deputado do Partido Socialista pelo distrito de Beja, tendo cessado as funções governamentais que exercia e deixando, portanto, de verificar-se a incompatibilidade prevista na Constituição da Assembleia da República e no Regimento da Assembleia, informa V. Ex.ª de que assumirá o seu mandato de Deputado.
Com os mais respeitosos cumprimentos.

Lisboa, 4 de Novembro de 1976. - António Poppe Lopes Cardoso.

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:

Reinaldo Jorge Vital Rodrigues (PS), Deputado pelo círculo de Aveiro, tendo cessado as funções governamentais que exercia como Secretário de Estado do Fomento Agrário e, consequentemente, as incompatibilidades previstas na Constituição e no Regimento da Assembleia da República, informa V. Ex.ª de que deseja assumir o seu mandato.

Com os mais respeitosos cumprimentos, Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.

Ex.ª Sr. Presidente da Assembleia da República:

O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD/PPD) requer a V. Ex.ª que a vaga resultante da suspensão de mandato do Deputado pelo círculo de Braga Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda seja preenchida pelo candidato que se lhe segue na lista, Armando António Carreia, engenheiro electrotécnico, GO anos, residente em Braga, nos termos da Lei Eleitoral.

Com os mais respeitosos cumprimentos.

Pelo Grupo Parlamentar do PSD/PPD, Artur da Cunha Leal.

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Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:
Considerando a urgência da matéria contida no projecto de lei apresentado sobre a criação do Conselho Parlamentar para a Informação, o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):
1. Ao abrigo do artigo 71.º do Regimento, fixa como ordem do dia do plenário na reunião de 17 de Novembro a discussão e votação na generalidade do aludido projecto;
2. Requer que se adopte, ao abrigo do artigo 244.º e seguintes do Regimento, processo de urgência para o projecto de lei em causa, com redução para sete dias do prazo de apreciação em comissão.
Lisboa, 2 de Novembro de 1976. - Pelo Grupo Parlamentar do PSD: Cunha Leal - Sérvulo Correia.

Requerimento

Sobre o espólio da antiga Agência-Geral do Ultramar
Nos termos do artigo 16.º, alínea i), do Regimento da Assembleia da República, e considerando que foi extinta a Agência-Geral do Ultramar, cujo espólio é de grande importância para o estudo, a ser feito, de cinquenta anos de história portuguesa, africana e asiática, requeiro me sejam fornecidas, através do Primeiro-Ministro, as seguintes informações: I.:
a) Quais os Ministérios e serviço responsáveis actualmente pelo espólio da extinta Agência-Geral do Ultramar; b) Onde se encontram os arquivos e ficheiros desse extinto serviço público; c) Das espécies bibliográficas que o integravam, quantas e quais foram atribuídas a museus, bibliotecas e arquivos nacionais, regionais ou especializados; d) Dessas mesmas espécies bibliográficas, quantas e quais foram atribuídas a bibliotecas universitárias portuguesas; e) As outras espécies que integravam as restantes colecções, como, por exemplo, pintura, desenho e gravura, a que museus ou outras entidades foram atribuídas.

2. No caso de nenhuma espécie ter sido ou vir a ser atribuída, peço me sejam fornecidas as seguintes informações:
Se a partir do espólio da extinta Agência-Geral do Ultramar, será ou não criado um centro pie estudos de temática africana e asiática.

3. No caso de resposta negativa:
Que destino será dado a este espólio.

4. Requeiro me seja fornecida ainda a seguinte informação:
A quem foi ou será atribuído o equipamento da oficina gráfica da antiga Agência-Geral do Ultramar.
Assembleia da República, 9 de Novembro de 1976.0 Deputado, do Grupo Parlamentar do CDS, Maria José Sampaio.

Requerimento

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:
Nos termos da alínea i) do Regimento, solicitamos a V. Ex.ª se digne diligenciar para que seja cumprido o seguinte requerimento:
Considerando os graves acontecimentos ocorridos na fábrica Maconde, de Braga, que, segundo as últimas notícias, culminaram hoje com uma intervenção policial;
Requeremos ao Governo, por intermédio dos Ministérios da Administração Interna e do Trabalho, que nos sejam prestadas urgentemente as seguintes informações:
1) Quais as posições tomadas até hoje pelo Governo em relação a este grave conflito laboral , que atinge 600 trabalhadores e prejudica gravemente a economia nacional, referindo-se terem sido perdidas 180 000 horas de trabalho e ascenderem a 30 000 contos o valor de mercadorias não exportadas?
2) Qual a posição tomada pelo Governo para obrigar o patronato a respeitar os preceitos constitucionais que consagram o direito de reunião dos trabalhadores?
3) Qual a posição do Governo face às ingerências do patronato no plenário convocado para dia 7 de Outubro, tentando condicionar a sua realização, facto que vem a ser a causa próxima do conflito?
4) Qual a posição do Governo face ao corte de energia decretado pelo patronato no dia seguinte, 8 de Outubro, de que vem a resultar - por responsabilidade exclusiva do patronato- a paralisação da produção, sendo certo que os trabalhadores permanecem nos seus postos de trabalho?
5) Qual a posição do Governo face à suspensão de duas trabalhadoras, uma delegada sindical e outra membro da direcção do Sindicato do Vestuário, suspensão feita na sequência do exercício por parte dos trabalhadores do seu direito constitucional de se reunirem em plenário?
6) Qual a posição do Governo face às informações, favoráveis aos trabalhadores, prestadas pelos delegado e subdelegado do Ministério do Trabalho em Braga, do inspector do Trabalho, vindo de Lisboa, e de um membro do Gabinete do Secretário de Estado do Trabalho?
7)Qual a posição do Governo face ao não pagamento do mês de Outubro aos trabalhadores?
8) Pertencendo a responsabilidade do conflito ao patronato, quais as justificações que apresenta o Governo para a actuação da PSP, que hoje, segundo notícias que nos chegaram, em considerável número, arremeteu contra os trabalhadores, causando vários feridos graves?
9)Como se explica a prisão de uma delegada sindical, na sequência destes acontecimentos?
10) Que medidas pensa o Governo tomar para pôr fim à actuação ilegal do patronato,

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proteger e assegurar os direitos constitucionais dos trabalhadores e promover o apuramento de responsabilidades e o consequente julgamento dos responsáveis?

Assembleia da República, 9 de Novembro de 1976. - Os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP: Fernando Sousa Marques - Ercília Carreira Pimenta Talhadas- Jerónimo Carvalho de Sousa - Carlos Carvalhas.

Requerimento

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Palácio de S. Bento, Lisboa:

Nos termos da alínea i) do artigo 16.º do Regimento da Assembleia, os Deputados abaixo assinados solicitam a V. Ex.ª as diligências necessárias para que seja dado cumprimento ao seguinte requerimento:
Considerando que as negociações do contrato colectivo vertical para a construção civil se arrastam desde Maio de 1975, com evidentes prejuízos para os 250 000 trabalhadores abrangidos, que têm visto o seu nível de vida degradado pela acelerada alta do custo de vida;
Considerando que, face à recusa do patronato em negociar, o Ministério do Trabalho preparou em Novembro de 1975 uma portaria de regulamentação do trabalho que ainda hoje não está publicada, apesar de o patronato persistir na atitude de boicote;
Considerando que, apesar da campanha desenvolvida nos órgãos de comunicação social sobre o pretensamente exagerado custo das reivindicações dos trabalhadores (campanha em que até o VI Governo Provisório colaborou com as declarações prestadas na TV pelo então Ministro da Habitação e Urbanismo), o patronato vem reconhecer, em acta, serem correctos os cálculos feitos pelos sindicatos;
Considerando que o Governo anunciou, em comunicado datado de 2 de Setembro de 1976, a aprovação na generalidade de uma proposta para o "relançamento do sector da construção civil", incluindo a " aceitação da tabela salarial indicada pelos sindicatos";
Considerando que, apesar disso, se mantém a situação de impasse;
Requeremos ao Governo que, por intermédio dos Ministérios do Trabalho e da Habitação, Urbanismo e Construção, nos sejam prestadas as seguintes informações:

1.º Indicação das medidas tomadas até ao momento para solucionar este grave conflito de trabalho e para atender as reivindicações dos trabalhadores;
2.º Fornecimento dos estudos, relatórios e propostas onde se analise o problema e se proponham soluções;
3.º Indicação das várias posições que têm vindo a ser tomadas pelo patronato, com referência expressa às exigências ou pedidos que tenha feito ao Governo como condição para aceitar as reivindicações dos trabalhadores, nomeadamente no campo da regulamentação de trabalho, da lei de despedimentos e da regulamentação dos contratos a prazo;
4.º Em relação a esses pedidos ou exigências, indicação de quais pensa o Governo aceitar ou já aceitou, e quais as razões;
5.º Indicação dos salários contratuais em vigor, dos salários reivindicativos e dos salários praticados;
(í.º Indicação das medidas que pensa o Governo tomar para solucionar o conflito e do respectivo prazo de execução.

Lisboa, 9 de Novembro de 1976. - Os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP: Domingos Abrantes Ferreira - Jerónimo Carvalho de Sousa - António Freitas Monteiro - Severiano Pedro Falcão - Fernando Sousa Marques.

Requerimento

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:

Nos termos da alínea i) do artigo 16.º do Regimento, solicito a V. Ex.ª se digne ordenar as diligências necessárias para ser dado cumprimento ao seguinte requerimento:
Considerando que à data da instalação em Portugal da Agfa-Gevaert se previa a criação de 1700 postos de trabalho;
Considerando que, em função do volume de investimento e do número de postos de trabalho previstos, foram concedidos à Agfa-Gevaert importantes incentivos, tais como:

a) Possibilidade de aquisição de cerca de 230000m de terreno a preços irrisórios (cerca de metade a particulares e outra metade à Câmara Municipal de Coimbra pelo "preço> de 1$/m2);
h) Utilização dos pavilhões do Centro de Formação Profissional Acelerada, n.º 6, à Pedrulha, gratuitamente, pelo prazo de ano e meio;
c) Subsídios destinados à formação de pessoal equivalentes a 50 % dos respectivos salários pelo período necessário, que, nalguns casos, chegou a prolongar-se por trinta e seis meses;
d) Isenções fiscais:
e) Financiamentos da banca portuguesa;

Considerando que, afinal, a Agfa-Gevaert emprega apenas 372 trabalhadores, propondo-se despedir 172 até ao fim do corrente ano, fazendo uma política de autentica chantagem ao pôr condições, como a de o Estado comparticipar nas indemnizações a pagar aos trabalhadores despedidos, congelamento dos salários até final de 1977, ajuda financeira e outras;
Considerando que os trabalhadores em causa foram surpreendidos pela revelação das intenções da Agfa-Gevaert, de que tomaram conhecimento através de declaração pública do Ministro do Trabalho, de 3 de Junho de 1976;
Considerando que os trabalhadores têm firmemente defendido os seus interesses, os da economia nacional e as da própria empresa, num clima de grande unidade;
Requeremos ao Governo as seguintes informações:

1. Que medidas tomou os tenciona tomar o Governo em ordem a pressionar a Agfa-Gevaert a cumprir os compromissos assu-

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midos e assim dar integral execução ao disposto no artigo 86.º da Constituição da República?
2. De imediato, que medidas .tomou ou tenciona tomar o Governo em ordem a impedir o despedimento colectivo anunciado?
3. Qual a posição do Governo face à possibilidade de reconversão da empresa?

Assembleia da República, 9 de Novembro de 1976. - Os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP: Jerónimo Carvalho de Sousa - António Marques Matos Zuzarte - Georgete de Oliveira Ferreira - Ercília Carreira Pimenta Talhadas - Domingos Abrantes Ferreira.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

António Cândido Miranda Macedo.
António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
Aquilino Ribeiro Machado.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Etelvina Lopes de Almeida.
Florival da Silva Nobre.
Jaime José Matos da Gama.
João Joaquim Gomes.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel da Data de Cáceres.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespe.

Partido Social-Democrata (PSD)

Amantino Marques Pereira de Lemos.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
Arcanjo Nunes Luís.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando José da Costa.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
José Rui Sousa Fernandes.

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca.
Carlos Martins Robalo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Emílio Leitão Paulo.
Henrique José Cardoso de Meneses Pereira de Morais.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Nuno Kruz Abecasis.
Walter Francisco Burmester Cudell.

Partido Comunista Português (PCP)

Américo Lázaro Leal.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
José Ferreira Dionísio.
José Luís do Amaral Nunes.
José de Melo Torres Campos.
Manuel Francisco Costa.
Mário António da Mota Mesquita.

Partido Social-Democrata (PSD)

Albino Anoso Ramos.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
Henrique Manuel de Pontes Leça.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José António Nunes Furtado Fernandes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Maria Élia Brito Câmara.
Sebastião Dias Marques.

Centro Democrático Social (CDS)

Carlos Galvão de Melo.
João Lopes Porto.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Manuel Cabral Fernandes.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Luís Esteves Ramires.
Vítor António Augusto Nunes de Sá Machado.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço dia Silva.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Alda Barbosa Nogueira.

O CHEFE DOS SERVIÇOS DE REDACÇÃO, Januário Pinto.

Página 1134

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IMRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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