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I Série - Número 5

Terça-feira, 31 de Outubro de 1978

DIÁRIO Da Assembleia da República

I LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1978-1979)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE OUTUBRO DE 1978

Presidente: Exmo. Sr. António Duarte Arnaut

Secretários: Exmos. Srs. Alfredo Pinto da Silva
José Gonçalves Sapinho
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Dada conta do expediente e feita referência aos requerimentos apresentados na sessão anterior, continuou o debate iniciado nessa sessão acerca do voto de protesto e pesar dos Srs Deputados independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira pelos exercícios em unidades militares situadas em zonas urbanas, pondo em perigo a vida da população, voto motivado pelo rebentamento, no dia 25 de Outubro, de uma granada de morteiro no Centro Comercial da Amadora, o qual foi causa da morte de um jovem e deixou feridas em estado grave várias pessoas. Proposta, pelo Sr. Deputado Herculano Pires (PS), a votação em separado do voto de protesto e do voto de pesar, a qual foi aceite pelo Sr. Deputado Aires Rodrigues, procedeu-se à votação, tendo sido rejeitado o voto de protesto e aprovado, por unanimidade, o voto de pesar. Seguiram-se declarações de voto dos Srs. Deputados Vital Moreira (PCP), Oliveira Dias (CDS), Olívio França (PSD) e Herculano Pires (PS), tendo ainda o Deputado social-democrata respondido a um protesto do Sr. Deputado Aires Rodrigues e o Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) prestado um esclarecimento solicitado por aquele Deputado independente.
O Sr. Deputado Vítor Louro (PCP) teceu considerações sobre as consequências da prolongada paralisação da frota de pesca do alto, responsabilizando a equipa do MAP pela não tomada de medidas que evitem a ruína do sector nacionalizado, em que 85 % dos efectivos da referida frota estão integrados.
O Sr. Deputado Gomes Fernandes (PS) defendeu a necessidade de adopção de medidas que minorem o grave problema da escassez de habitação no nosso país. No fim respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Vítor Louro (PCP)
O Sr. Deputado Álvaro de Figueiredo (PSD) criticou o facto de várias das obras do pintor Vasco Fernandes, o Grão-Vasco, saídas de Viseu há uns oito anos para restauro ainda não terem regressado ao museu daquela cidade, expondo as razões que impõem o seu regresso quanto antes, designadamente razões de ordem turística.
Esta intervenção mereceu palavras de solidariedade da parte do Sr. Deputado João Lima (PS).
Ordem do dia. - Na primeira parte foi apreciada e aprovada a adopção do processo de urgência para discussão do projecto de lei n.º 137/I - revogação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 161-A/78, de 20 de Outubro, que fixa os preços de vários combustíveis, tendo usado da palavra o Sr Deputado Aires Rodrigues (Indep).
Foi depois autorizado o Sr. Deputado Emídio Pinheiro (CDS) a depor em tribunal como testemunha num processo.
Foi ainda lido, pelo Sr. Deputado Herculano Pires (PS), um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um Deputado do PCP, tendo a substituição em causa sido sancionada.
Finalmente, procedeu-se à eleição do Presidente da Assembleia para o período da 3.ª sessão legislativa, tendo sido eleito o Sr. Deputado do PS Teófilo Carvalho dos Santos.
O Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes, que entretanto assumira a presidência, depois de dirigir palavras de despedida aos Deputados e votos de felicidades ao eleito no exercício do cargo, convidou-o a ocupar o seu lugar na Mesa.
Assumindo a presidência, o Sr. Presidente eleito dirigiu palavras de homenagem ao Sr Presidente da Republica e aos seus antecessores no cargo em que acabava de ser investido, e que prometia desempenhar com a maior isenção, e palavras de saudação aos Srs Deputados e à imprensa.
O Sr. Deputado Salgado Zenha (PS), explicando os motivos por que o seu grupo parlamentar decidira insistir na candidatura do Presidente que acabara de ser eleito, teve palavras de elogio para o Presidente cessante e saudou o novo Presidente.
Dada em seguida conta da entrada na Mesa de um pedido do PSD para sujeição do Decreto-Lei n.º 295/78 a processo de ratificação e lida uma carta de Mário Mesquita em que comunicava a sua renuncia ao mandato de Deputado em consequência de se ter demitido de militante e dirigente do PS, entrou-se na segunda parte da ordem do dia, na qual se procedeu â votação, na generalidade, dos projectos de lei n.º s 92/I, 95/I e 102/I, relativos à participação das organizações de trabalhadores na elaboração de legislação de trabalho.
Aprovados os dois primeiros projectos de lei e rejeitado o terceiro, seguiram-se declarações de voto dos Srs. Deputados Furtado Fernandes (PSD), Sérgio Simões (PS), Severiano Falcão (PCP) e José Luís Cristo (CDS). Os projectos de lei aprovados baixaram, a requerimento do PS, á Comissão de Trabalho para discussão e votação na especialidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Augusto M. da Silva Andrade.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amadeu da Silva Cruz.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Barros dos Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Pinheiro da Silva.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves H. Mendes.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Florêncio Quintas Matias.
Francisco António Marques Barracosa.
Francisco de Assis de M. Lino Neto.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rodrigues Pires.
Jerónimo da Silva Pereira.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Joaquim Gomes.
João da Silva.
Joaquim Manuel Barros de Sousa.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Ferreira Dionísio.
José Gomes Fernandes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Ludovina das Dores Rosado.
Luis Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís José Godinho Cid.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Branco Ferreira Lima.
Manuel Francisco Costa.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel Lencastre M. de Sousa Figueiredo.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Teresa Vieira Bastos R. Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Fernandes de Almeida.

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
António Augusto Gonçalves.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Egídio Fernandes Loja.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Augusto Nunes de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Gabriel Ribeiro da Frada.
João António Martelo de Oliveira.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João José dos Santos Rocha.
João Lucílio Caceia Leitão.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Augusto de Almeida de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro de Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Maria Élia Brito Câmara.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Ruy Manuel Parente C. de Machete.
Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões Costa.
Carlos Martins Robalo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Henrique José C. M. P. de Morais.
João José M. F. Pulido de Almeida.
Joaquim A. da F. P. de Castelo Branco.
José Cunha Simões.
José Duarte de A. Ribeiro de Castro.
José Manuel Cabral Fernandes.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Luís Esteves Ramires.
Maria José Paulo Sampaio.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Walter Francisco Burmester Cudell.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Zusarte.
António Marques Pedrosa.

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António Pedro Valverde Martins.
Cândido de Matos Gago.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos H. S. Aboim Inglês.
Domingos Abrantes Ferreira.
Eduardo Sá Matos.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa C. Pacheco Pereira.
Joaquim da Silva Rocha Felgueiras.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel de Paiva Jara.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascensão M. Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Vital Martins Moreira.
Victor Henrique Louro de Sá.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Independentes

António Jorge de O. Aires Rodrigues.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Galvão de Melo.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
José Justiniano Tabuada Brás Pinto.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 154 Srs. Deputados. Está aberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário, para proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário Pinto da Silva deu conta do seguinte

EXPEDIENTE

Numerosíssimos telegramas, ofícios, moções, abaixo-assinados, cartas e outras formas de expressar vivos protestos e condenação pela forma como o Governo e o Ministério da Agricultura e Pescas têm procedido na área de intervenção da Reforma Agrária no que respeita à entrega de reservas e à forma violenta como as mesmas se têm processado; tais documentos são provenientes das mais variadas entidades, tais como sindicatos, UCPs, cooperativas agrícolas, câmaras municipais, assembleias de freguesia e municipais, juntas de freguesia, emigrantes, escolas, outras associações, etc.
Aprovadas por unanimidade, expressando clara e inequivocamente total apoio ao Serviço Nacional de Saúde, por se tratar de uma das grandes vitórias do 25 de Abril, solicitando que a Assembleia da República dê seguimento ao processo, das seguintes entidades: Assembleia Municipal do Montijo; Assembleia de Freguesia de Riba de Ave; Assembleia de Freguesia de S. João de Brito, em Lisboa.

Ofícios

Do Serviço do Provedor de Justiça enviando cópia de ofícios enviados por aquele Serviço ao Ministério do Trabalho, à Secretaria de Estado da Administração Pública e ao Instituto das Participações do Estado e sugerindo a esta Assembleia a adopção de medidas legislativas quanto à uniformização das regras sobre admissão e gestão de pessoal em todo o sector público (desta documentação vai ser fornecida fotocópia aos grupos parlamentares).
Dos Serviços de Apoio do Conselho da Revolução informando que aquele Conselho, em reunião efectuada em 6 de Outubro, se pronunciou pela não inconstitucionalidade da Lei do Recenseamento Eleitoral, enviando ainda o parecer da Comissão Constitucional em que se apoiou a resolução tomada (deste ofício e do referido parecer será fornecida fotocópia aos grupos parlamentares e às Comissões de Direitos, Liberdades e Garantias e de Assuntos Constitucionais).
Do Gabinete do Presidente da Câmara dos Representantes da República de Chipre enviando texto de uma resolução aprovada por unanimidade por aquela Câmara em consequência dos apelos da República de Chipre contra a Turquia, pelas violações da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (vai também ser fornecida aos grupos parlamentares fotocópia desta documentação).
Da Comissão de ex-Sargentos Milicianos Enfermeiros enviando fotocópia de exposição dirigida ao Sr. Presidente da República e referente ao facto de os diplomas legais que a eles dizem respeito não estarem a ser cumpridos.
Da Câmara Municipal de Peso da Régua sobre a pretensão de o Governo Espanhol instalar uma central nuclear nas proximidades da fronteira com o nosso pais e as graves consequências que dessa instalação podem advir, solicitando ainda que seja tomada uma posição junto das entidades espanholas (deste documento será fornecida fotocópia aos grupos parlamentares e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros).
Da Assembleia de Freguesia de Queluz enviando um exemplar relatório sobre habitação e urbanismo aprovado por aquela Assembleia.
Da Câmara Municipal de Porto de Mós enviando um exemplar do comunicado emitido pela referida Câmara sobre a agressão de que foi alvo em Mira de Aire o Sr. Deputado Acácio Barreiros e outros e no qual se condenam aquelas agressões (vai ser fornecida fotocópia ao Sr. Deputado Acácio Barreiros).

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O Sr. Presidente: - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos: aos Ministérios das Finanças e do Plano, da Indústria e Tecnologia e da Defesa Nacional e à Secretaria de Estado da Emigração, formulados pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Monteiro de Andrade.
Continua o debate iniciado na sessão anterior sobre o voto de protesto apresentado pelo Sr. Deputado Aires Rodrigues.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pires.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista requeria, se os proponentes estivessem de acordo, que o voto fosse dividido em duas partes.
Uma parte seria: «A Assembleia da República protesta contra o facto de serem feitos exercícios em unidades militares situadas no meio de zonas urbanas, pondo em causa a vida da população.»
A segunda parte seria o período final do voto: «A Assembleia da República emite um voto de pesar pela morte do jovem e solidariza-se com aqueles que se encontram feridos em resultado deste grave acontecimento.»
Portanto, se os proponentes estivessem de acordo, nós requeríamos que estas duas partes fossem votadas em separado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aires Rodrigues, para se pronunciar quanto a este pedido.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que, em nosso entender, ao apresentarmos o voto, o facto de ele constituir um voto de pesar pela morte de um jovem e de solidariedade com aqueles que se encontram feridos, não é inseparável do protesto contra a existência de exercícios que puderam provocar estas consequências.
No entanto nós estamos de acordo em que se possa votar, a pedido do Partido Socialista, o voto em duas partes, embora, sublinhe-se, nós pensemos que as coisas não podem ser separadas.
Por outro lado, gostaria ainda de lembrar a toda a Câmara que neste voto, como em todos os votos, os considerandos não são votados, eles são apenas da responsabilidade daqueles que propõem o voto. Por isso e porque sabemos, naturalmente, que alguns Deputados presentes nesta Câmara não compartilham dos considerandos com que nós consubstanciamos o voto, queremos sublinhar que eles não podem ser impeditivos da aprovação das conclusões se porventura houver identificação com elas.
Concluindo, nós estamos de acordo em que se possa votar o voto em duas partes, embora sublinhando que, em nosso entender, o voto não devesse ser separado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o voto, estando portanto esclarecido que a votação será feita separadamente.

Pausa.

Como não há mais nenhum pedido de inscrição, vamos votar a primeira parte, que antes, porém, vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

A Assembleia da República protesta contra o facto de serem feitos exercícios em unidades militares situadas no meio de zonas urbanas, pondo em causa a vida da população.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetida à votação, foi rejeitada, com os votos contra do PSD, do CDS e do Deputado independente Galvão de Melo, com a abstenção do PS e do PCP e com os votos a favor da UDP, do Deputado independente Aires Rodrigues e dois Deputados socialistas.

O Sr. Presidente: - Vai ser lida a segunda parte. Foi lida. É a seguinte:

A Assembleia da República emite um voto de pesar pela morte do jovem e solidariza-se com aqueles que se encontram feridos em resultado deste grave acontecimento.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira para uma declaração de voto.

O Sr. Votai Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP absteve-se em relação ao voto de protesto apresentado pelos Srs. Deputados Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues, não por uma posição de alheamento, mas sim por não concordar suficientemente para votar a favor e não discordar dele suficientemente para votar contra.
Na realidade, por um lado, lamentamos que se executem exercícios militares susceptíveis de porem em risco as populações fora do perímetro de unidades militares sem as necessárias medidas de segurança, como parece ter sido o caso. E por isso, e na medida em que o voto de protesto abrange este ponto, não podíamos votar contra ele. Mas, por outro lado, não podíamos votar a favor porque o voto não se limita a isto e na formulação do texto proposto apontava-se, inclusivamente, para se deixar entendido que não se poderiam sequer fazer exercícios militares em unidades militares situadas em zonas urbanas, o que, a nosso ver, está totalmente fora de causa.
O que está em causa não é a existência ou não existência de unidades militares em zonas urbanas nem sequer a execução de exercícios militares, mas sim e apenas a existência de exercícios militares perigosos sem as necessárias medidas de segurança.
Por isso mesmo, não devendo votar contra, mas também não podendo apoiar, só nos restava a posição de abstenção.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

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O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS deplora os termos em que foi apresentado e desenvolvido na última sessão o problema a que diz respeito a proposta dos Srs. Deputados Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira que acabámos de votar.
Para nós dois sentimentos se impõem nestas circunstâncias e é necessário distinguir entre ambos: primeiro, o de profundo e sentido pesar pela morte e pelos ferimentos ocorridos, pelos danos de vária ordem que se verificaram, até mesmo pelo traumatismo psicológico que daquela explosão resultou para o povo da Amadora. Por isso votámos a favor da deliberação final neste sentido.
Em segundo lugar, porém impõe-se reconhecer a indispensabilidade de um inquérito rigoroso que apure pormenorizadamente os motivos e circunstâncias que levaram a que uma granada de morteiro carregada fosse disparada do Regimento de Comandos e viesse a rebentar no centro daquela vila, com as consequências que acabo de salientar e que mais uma vez deploramos sentidamente.
Nestas circunstâncias, entendemos que uma coisa não deve esta Assembleia fazer - e seria justamente o que mais ressaltava do texto e das palavras dos Srs. Deputados apresentantes. E isso seria condenar, julgar sem conhecer as circunstâncias e tanto mais que está a ser concluído um inquérito, por parte das autoridades militares competentes, a esse respeito. Só depois de conhecidas as conclusões desse inquérito, que esperamos venham a ser sabidas muito em breve, poderemos pronunciar-nos conscientemente sobre aquilo que se terá passado. Até lá e para além da expressão do nosso pesar e da nossa solidariedade com as vítimas e suas famílias, tudo o mais é especulação e aproveitamento da dor daqueles que sofrem para finalidades de baixa política que não são as nossas. Daí o termos votado contra a primeira parte da proposta.

Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Olívio França.

O Sr. Olívio França (PSD): - Sr. Presidente, caros colegas: Entendo, tal como o CDS, que se impunha, em primeiro lugar, tomar conhecimento dos resultados do inquérito feito. Mas eu, ainda assim, quero ir um pouco mais além dizendo o seguinte:

Todos nós deploramos aqueles que morrem, por acidente ou por negligência seja de quem for. Mas também entendemos que, neste caso como noutros, não podemos de forma nenhuma transformar esta Assembleia numa espécie de centro fait-divers daquilo que possa acontecer neste país através de milhares de casos de negligência em que tanta gente morre. Isto não anula de maneira nenhuma o aspecto humaníssimo que o meu partido sempre toma quando porventura se trata do desaparecimento de uma vida humana. Nós não declarámos um simples voto de pesar. Nós declaramos aqui um imenso voto de pesar, porque as vidas humanas são todas importantes quer no seu aspecto económico, quer no seu aspecto cultural e até no aspecto simples de que quem nasceu tem direito a viver plenamente a sua vida, pelo que não podíamos deixar de dar a nossa aprovação ao voto de pesar.
Eis portanto a maneira como o meu partido se declara perfeitamente uníssono com o voto de pesar, ao mesmo tempo que não pode dar, neste momento pelo menos, apoio ao primeiro voto.

Aplausos do PSD:

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pires, igualmente para uma declaração de voto.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o Partido Socialista não podia deixar de votar favoravelmente a segunda parte do voto de protesto apresentado pelos Srs. Deputados Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues. Efectivamente nós solidarizamo-nos inteiramente com esta parte do voto e entendemos por isso mesmo que a Assembleia da República deve expressar a sua mágoa à família do jovem tão tragicamente desaparecido e a sua solidariedade a todos aqueles que foram vítimas de um acidente tão trágico.
Por outro lado, quanto à primeira parte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Socialista tinha necessariamente que se abster. O voto não é formulado em termos suficientemente claros para que determinassem a nossa aprovação.
Por outro lado ainda, o voto é precedido de considerandos que, muito embora não sejam votados - como disse o Sr. Deputado Aires Rodrigues -, ficam agarrados ao voto, permita-se-me a expressão, pelo que, na verdade, nós não podíamos consentir que o Partido Socialista votasse favoravelmente esta parte do voto, como considerandos que nos parecem deslocados.
Aliás entende também o Partido Socialista, apesar de lamentar profundamente aquilo que aconteceu e de demonstrar as preocupações e os cuidados que lhe suscita a realização de exercícios desta natureza, que o voto de protesto talvez não seja a fórmula mais adequada de a Assembleia se pronunciar relativamente a este trágico acontecimento. Entendemos que seria mais curial, mais directo e mais adequado que fosse feita uma interpelação às autoridades militares competentes, através do Ministro da Defesa, para que explicassem convenientemente as circunstâncias em que ocorreu o trágico acidente. Aliás essas circunstâncias não estão ainda, a nosso ver, suficientemente esclarecidas e daí a razão da nossa abstenção.

O Sr. Aires Rodrigues(Indep.): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - É para um protesto em relação à declaração de voto do Sr. Deputado Olívio França.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Pedi a palavra para protestar quanto às considerações feitas pelo Sr. Deputado do PSD, que, em nosso entender, são caluniosas em relação à apresentação do nosso voto.

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O facto de o Sr. Deputado ter considerado a apresentação deste voto como uma tentativa de fazer desta Assembleia um centro de fait-divers é, em nosso entender, extremamente grave. Isto porque nem nós nem a maioria da população que está lá fora, e em particular a população da Amadora, consideramos um acontecimento desta natureza um fait-divers. Se o Sr. Deputado Olívio França e o seu partido o consideram um fait-divers é naturalmente uma apreciação política de extrema gravidade.
Para terminar - e peço ao Sr. Presidente que mo permita -, queria perguntar ao Sr. Deputado do Partido Socialista se ele entende, em consequência da sua intervenção, que o seu partido faria uma interpelação ao Ministro da Defesa para que se apurassem as responsabilidades e se soubessem os elementos exactos de como aconteceu um acidente de tal gravidade. Queria portanto saber, em consequência da intervenção proferida, se esta Câmara tem a garantia de que o Partido Socialista faz essa interpelação através do seu grupo parlamentar.

O Sr. Olívio França (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um contraprotesto acerca das afirmações do Sr. Deputado Aires Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Olívio França (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a primeira vez que sou alvo de uma linguagem peculiar a certos Deputados desta Assembleia. Digo a primeira vez porque na verdade nunca ninguém se atreveu a tanto em circunstâncias refalsadas como aquela com que hoje me tentaram atingir.
O ex-Deputado do Partido Socialista Aires Rodrigues, quando fez o protesto, tomou o ar de quem está num comício. Quero dizer ao Sr. Deputado que não houve calúnia nenhuma da minha parte, mas simplesmente uma critica, e eu tenho o direito de fazer a crítica que entender. Quero dizer-lhe também que entro em comícios há muitos mais anos do que ele, conheço a técnica comicieira e aqui, em silêncio, tenho pesado muitas vezes as palavras comicieiras do Deputado que protestou contra mim. Acerca da vida humana queria dizer-lhe que é uma coisa inteiramente respeitável, como já o declarei, e que, se o acto tiver surgido de qualquer negligência, o culpado vai pagar, com justiça. O que eu entendo, e mantenho, é que não há o direito de a propósito de tudo ou de nada se vir aqui ferir a dignidade dos mortos, tanto como se tem ferido a dignidade dos vivos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me que era mais interessante que o Sr. Deputado depois das minhas declarações se tivesse calado, em vez de se lembrar desta coisa errónea que é fazer um protesto que não tem nenhum sentido. Devolvo-lhe, pois, as palavras caluniosas que me dirigiu. Que as leve, que as empacote e que as transporte para casa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu camarada Herculano Pires - e, consequentemente, o Partido Socialista - não disse que ia fazer uma interpelação, disse apenas que teria sido a maneira mais correcta de abordar este assunto.
Para além das razões que com muita clareza já foram expostas pelo meu camarada Herculano Pires acerca da nossa abstenção, importa dizer que se pretende fazer uma exploração política de um facto acidental - lamentável sim, mas acidental - para pôr em causa uma unidade militar. Nós não acompanhamos o Sr. Deputado Aires Rodrigues nesse seu intento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A frota de pesca do alto está paralisada há quatro meses e meio! Eis uma afirmação simples, mas incompreensível para os Portugueses.
Trata-se da paralisação de uma trintena de navios de pesca que têm operado habitualmente na Mauritânia, e que corresponde a uma das mais importantes zonas de abastecimento de pescado para o nosso mercado interno.
Esta paralisação acontece pela segunda vez em pouco mais de um ano e assume as características de lock-out, da exclusiva responsabilidade do Governo. É que 85 % da frota da Mauritânia pertencem a empresas nacionalizadas, as quais, no seu conjunto, empregam 2000 trabalhadores do mar e outros 2000 em terra e são responsáveis por 90 % do peixe congelado vendido em Portugal.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o nosso colega Vítor Louro interrompeu a sua intervenção porque não há condições de silêncio para que ele a possa produzir. Certamente que há aqui muitos Deputados, creio mesmo que todos, que estão interessados em ouvir essa intervenção. Peço, pois, a vossa atenção, Srs. Deputados.
Queira continuar, Sr. Deputado.

O Sr. Vítor Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
As causas aparentes desta paralisação radicam nas condições laborais. Assim reza o despacho interministerial de 31 de Maio pelo qual o Governo impôs que armadores e sindicatos acordem essas condições para a presente campanha, sem o que o Governo não paga as licenças de pesca à Mauritânia.
No entanto, o respectivo contrato colectivo de trabalho está em negociação desde 1976 e neste momento encontra-se no Ministério do Trabalho em fase de arbitragem.
As administrações das empresas nacionalizadas de pesca desde o início das negociações as vêm obstaculizando. Mesmo depois de obrigadas a negociar pelo Secretário de Estado em Agosto de 1976, invocaram, nove meses depois, falta de tempo e de técnicos, só em Janeiro de 1978 se dispondo a retomar as nego-

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ciações. Porem, na véspera da reunião aprazada os armadores afirmaram querer participar também (eles tinham-se posto à margem desde o principio). Na reunião de 10 de Janeiro, convocada para prosseguir as negociações interrompidas entre as empresas nacionalizadas e os sindicatos, os armadores exigiram que fossem negociadas todas as quarenta e oito cláusulas anteriormente acordadas - posição que evidentemente foi recusada pelos trabalhadores, que não estavam dispostos a ver voltar atrás aquilo que ao longo de ano e meio de arrastadas negociações tinham conseguido. Então os armadores privados recusaram as negociações e as administrações das empresas nacionalizadas solidarizaram-se com eles, desrespeitando os compromissos que antes foram assumidos. Mais tarde, face à exigência dos trabalhadores, as administrações das empresas nacionalizadas retomaram as negociações, mas já em Abril estavam de novo em impasse - perante o que os sindicatos solicitaram que o contrato passasse à fase de arbitragem. Então as empresas nacionalizadas passaram a ser representadas - pasme-se! - pelo consultor jurídico dos armadores privados!
Por aqui se vê a imoralidade do despacho que fez depender a presente campanha do acordo em cima da hora em relação a matéria que se arrasta há tanto tempo e de cujo atraso os únicos responsáveis são aqueles que pretendem pôr os 85 % nacionalizados da frota de pesca a mando e a reboque dos 15 % privados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo de novo a vossa atenção. O nosso colega Vítor Louro aguardará até que se faça na sala o silêncio conveniente para que possa ser ouvida a sua intervenção. Devo declarar com toda a franqueza que eu próprio não o consigo ouvir.

O Orador: - Não sei se os Srs. Deputados não são sensíveis aos problemas de um sector que emprega 4500 trabalhadores e que alimenta as famílias dos próprios Srs. Deputados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Gualter Basílio (PS): - Isso é demagogia!

O Orador: - Não é demagogia, Sr. Deputado, é uma realidade!
Sr. Presidente, vou continuar a minha intervenção.
Com a entrada em funções do actual Governo demitido tomou lugar de Secretário de Estado das Pescas uma pessoa conhecida pelos serviços prestados ao Sr. Tenreiro, que tem dado sobejas provas da sua propensão para defender os interesses privados quando, por nomeação de António Barreto, ocupou a presidência da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau - organismo que detém o exclusivo da comercialização de todo o pescado capturado pela frota nacionalizada.
Aí, o Dr. João Albuquerque e seus pares accionaram mecanismos de estrangulamento das empresas nacionalizadas, designadamente a Friantarcticus e a Gelmar, criando as maiores dificuldades ao fornecimento de pescado para essas empresas laborarem, e opuseram-se terminantemente à revisão das ruinosas tabelas de preços em vigor. Tais tabelas impõem às empresas nacionalizadas de pescas preços substancialmente inferiores aos custos de produção e preços ao consumidor do peixe congelado que só são cumpridos pelas empresas nacionalizadas.
Por outro lado, sempre a mesma equipa se opôs à reestruturação das empresas do sector e, naturalmente, ao seu saneamento económico e financeiro.
Entretanto, ao mesmo tempo que, em consequência destas acções, as empresas nacionalizadas e intervencionadas se vêm afundando, os intermediários e os armadores privados enchem os bolsos: vendem à CRCB o pescado que não lhes interessa, a qual depois pressiona a sua venda às empresas nacionalizadas; e recebem o peixe melhor e com mais saída no mercado, de tal maneira que as nacionalizadas ficam sem peixe para laborar enquanto os intermediários o descongelam e vendem por fresco a preços sem tabela. E este, Srs. Deputados, o mecanismo por que V. Ex.ªs e todos os portugueses têm de pagar o peixe a preços insuportáveis.
Este Sr. Secretário de Estado, cuja primeira medida conhecida foi aumentar o preço do bacalhau - a maior parte do qual é pescado por navios e armadores privados - quis impor a negociação do clausulado do contrato colectivo conforme queriam os armadores privados, muito embora não apresentasse sequer quaisquer contrapropostas.
Diga-se, no entanto, que os trabalhadores estavam dispostos a ir para o mar nas condições do único contrato em vigor, que data de 1974, desde que continuassem - e era esta a sua única exigência - as negociações pelas quarenta e oito cláusulas já acordadas. Mas as administrações das empresas nacionalizadas, com a cobertura governamental, declararam há um mês que só negoceiam na base do que é exigido pela parte privada do armamento de pesca nacional.
Para quem pense que se calhar os sindicatos estão a exagerar, recorde-se que as condições de trabalho em vigor estipulam que este pode ser feito continuamente durante três dias - embora na prática os períodos de trabalho cheguem a ser de quatro e cinco dias seguidos - ao fim dos quais apenas é exigível um período de descanso não superior a seis horas, correspondendo-lhe um salário real de 95003, estando os trabalhadores a bordo durante um mês inteiro.
Perante esta situação, que pensar daqueles que prometem aos Portugueses melhores condições de vida e falam da necessidade de redução do deficit da balança comercial? Bem ao contrário, o que na prática sucede é outra coisa:
Devido à paralisação da frota da Mauritânia deixaram de ser capturadas 6500 t de peixe, que representam uma perda de 300 000 contos de receitas;
O preço do peixe da costa subiu para o dobro e o peixe congelado que está nas câmaras de frio é aí retido para facilitar a especulação;
As empresas nacionalizadas e intervencionadas de transformação e comercialização estão a laborar a 28%, agravando irremediavelmente a sua desesperada situação económica e financeira;

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Os 1200 pescadores da Companhia Portuguesa de Pesca não recebem salário há três meses e a totalidade dos seus arrastões está parada;
Os 750 trabalhadores do mar da SNAPA não recebem salários há dois meses;
Os 600 trabalhadores da Sociedade de Reparações de Navios só receberam uma parte do salário;
Os 4500 postos de trabalho nas empresas nacionalizadas de pesca e estaleiros estão decididamente ameaçados; mas estão igualmente em causa as centenas de postos de trabalho da Friantarcticus, Gelmar e Docapesca;
Entretanto, a falta de peixe imporá importações que custam divisas e dão belos lucros aos intermediários.
A agravar este quadro vislumbra-se que o Secretário de Estado das Pescas e o Governo demitido apostam na destruição total das empresas nacionalizadas. A paralisação da frota durante um tão prolongado período impõe prejuízos de dezenas de milhares de contos, a sangria dos melhores quadros técnicos, a degradação dos já velhíssimos arrastões. Tudo isto completado por uma acção sabotadora de certos bancos nacionalizados, negando crédito mesmo a empresas que, como a SNAPA, têm reduzido as suas responsabilidades bancárias.
E, a par da liquidação das empresas nacionalizadas de pesca, vem também a liquidação e a devolução aos patrões que as arruinaram das empresas intervencionadas de transformação e de conservas.
Simultaneamente, o País perde as suas poucas posições nos pesqueiros de outros países, agravando irremediavelmente a nossa situação no momento em que a concorrência internacional para o acesso a esses pesqueiros se torna feroz. Ao mesmo tempo que abrimos as nossas 200 milhas a outros países em condições que, segundo tudo indica, são altamente desvantajosas para nós próprios.
Eis uma política virada contra as nacionalizações e os resultados que acarreta: milhares de trabalhadores sem salário e ameaçados de desemprego, diminuição dos alimentos disponíveis, aumento brutal do custo de vida, aumento inconcebível dos dispêndios de divisas que não temos, liquidação de um sector fundamental da economia portuguesa, abandono de posições internacionais em que os portugueses podem ainda trabalhar, reforço das posições dos armadores ricos e dos especuladores.

O Sr. Vital Moreira (PCP): Muito bem!

O Orador: - Uma tal política é desde logo apoiada pelos grupos esquerdistas que pretendem, fechando a barra, ampliar as consequências antinacionais das medidas do Governo, ao mesmo tempo que alimentam o divisionismo entre os trabalhadores do mar e de terra, à semelhança do que têm feito as administrações, como se uns e outros não estivessem metidos no mesmo barco.
Este caso mostra ainda qual é o verdadeiro programa da actual equipa demitida do MAP. No sector da agricultura a sua preocupação é, com ilegalidades sobre ilegalidades, aplicar a lei Barreto na exclusiva medida da destruição da Reforma Agrária agindo o mais rapidamente possível. No sector das pescas, o seu papel é deixar correr, na certeza de que assim, impondo a paralisação da frota e não tomando quaisquer outras medidas, todo o sector nacionalizado e intervencionado se arruina irremediavelmente. Num e noutro caso são os consumidores, é o povo português, a dispor de muito menos alimento e a pagar a factura. Num caso são os interesses dos agrários que comandam, noutro são os interesses dos tenreiristas. Num e noutro caso, o objectivo claro é destruir as conquistas do 25 de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma política moral, social e economicamente condenável e condenada, que não pode prosseguir. O Governo tem de acolher aquilo que, construtivamente, os trabalhadores têm proposto e, no plenário que efectuaram no último sábado, de novo propuseram. Urge alterar radicalmente a situação no sector das pescas.

Aplausos do PCP:

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: vou aqui hoje, uma vez mais, falar de problemas de habitação.
É do conhecimento público a dramática falta de habitação no nosso país, com particular destaque para os grandes centros urbanos, onde o problema atinge graus que se aproximam da situação de ruptura.
Não se justifica estar aqui a fazer uma exaustiva análise do problema, tão avaliado ele está já e tão difícil também tem sido encontrar os caminhos de o atacar frontalmente. Faltam-nos, segundo as últimas estatísticas, 600000 fogos; o custo médio/fogo actual é da ordem dos 800 contos e a capacidade máxima de produção até 1980 dificilmente excederá os 60000 fogos/ano.
Conjugados estes índices muito simples, somos a concluir que o panorama não é nada animador e que portanto há que pôr em prática algumas medidas de fundo, visando minorá-lo a prazo e conjugando todos os recursos financeiros, técnico e humanos possíveis de um modo realista e com objectivos e estratégias claras.
As hipóteses de conclusão de fogos para o período de 1979-1984 são de 385500, entre construções novas e ampliações e num crescendo que vai de 49900 fogos no primeiro ano de ciclo (1979) até 78 300 no último (1984). Isto no pressuposto de que a promoção pública contribuirá com 24 % - 92 520 fogos, dos quais 38 550 de renda social, 30 840 de renda limitada e 23 130 de propriedade resolúvel; as cooperativas com 8 % - 30 840, dos quais metade para o grau de solvência mais baixo e outra metade para o grau de solvência média; e a promoção privada com 68 % - 262 140 fogos, dos quais 204315 para a população de solvência média e 57 825 de maior grau de solvência.
É evidente que isto são declarações de intenção, fundamentadas embora em dados técnicos que permitem formular estas previsões, método correcto em

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termos de planeamento, mas a sua concretização e o seu eventual reajustamento percentual aos diversos programas depende de medidas de política que têm de ser formuladas conjunturalmente e abrangendo os sectores público, cooperativo e privado e os domínios do financiamento e poupança, da produção e comercialização.
As dificuldades de resposta que o sector público tem encontrado para dar cumprimento aos seus programas deveriam merecer, da parte do Governo, uma análise atenta, sabido como é que o serviço responsável pelo mesmo - Fundo de Fomento de Habitação - há muito impõe uma reestruturação, que lhe retire as características de empreiteiro - que tem exercido mas para que não está vocacionado - e lhe confira mais o papel que o próprio nome encerra - Fundo de Fomento, voltado ao apoio técnico e financeiro das autarquias, das cooperativas e associações de moradores e da produção privada que se enquadre em parâmetros de interesse social e que ainda pode ser uma mancha significativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema do crédito às cooperativas de habitação económica e à compra de habitação própria mereceu da parte do II Governo medidas positivas, de bonificação, que, pese embora a situação económico-financeira porque passamos, terão de ser progressivamente melhoradas, se queremos por um lado cativar pequenas poupanças para investir no sector e por outro não deixar agravar o problema da falta de casa, o que poderia vir a provocar algumas tensões agudas no tecido social.
Impõe-se aqui, no que se refere às condições de crédito às cooperativas, lembrar que foi promulgado em 31 de Agosto um decreto-lei do II Governo Constitucional sobre o qual se impõe interrogar o Governo demitido do engenheiro Nobre da Costa por que impediu até hoje a publicação da portaria que nos termos do mesmo decreto-lei foi assinada pelo Ministro das Finanças e das Obras Públicas e que era de apoio às cooperativas.
Igualmente passos positivos foram dados numa matéria muito controversa, mas que não poderá ser ignorada, salvo o risco de estarmos como a avestruz a esconder a cabeça deixando o corpo exposto. Refiro-me ao problema das rendas de casa, não para defender a sua geral e indiscriminada actualização, que fique claro que não é isso, mas para lembrar que os mecanismos de bloqueamento, tal como se encontram, nada resolvem e contribuem para a acelerada degradação do parque habitacional e para o progressivo aparecimento de circuitos paralelos de especulação, infelizmente actuando cada vez mais impunemente, embora cada vez mais, também, à descarada.
O projecto de revisão da legislação sobre rendas de habitação, elaborado pelo II Governo Constitucional, procurava abrir um largo campo de debate sobre o assunto e parece-nos que poderia, com reajustamentos, é evidente, vir a constituir um documento importante para solucionar este problema, tal a gama de imputes que considerava e os objectivos de interesse social que prosseguia.
È matéria em que não é possível obter fácil consenso, mas é matéria em que alguma coisa tem de ser feita, se não quisermos continuar a ver apodrecer e diminuir o nosso parque habitacional, corrigir algumas situações sociais escandalosas evitando o risco de poder criar outras, para o que deverão ser tomadas as devidas precauções, e eventualmente canalizar investimentos e poupanças para o sector de casas de arrendamento, embora aqui não tenhamos muitas certezas, contudo algumas esperanças.
Mas sobretudo é preciso criar mecanismos eficazes para desmontar esse mercado paralelo especulativo de aluguer de casas, que se publicita já nas páginas dos jornais com uma profunda desfaçatez e com uma impunidade que embora não fácil de combater exige no entanto medidas mais eficazes por parte das autoridades e que não têm sido tomadas. Refiro-me ao mercado de luvas, que começa a ser figura corrente nas páginas dos anúncios dos jornais, em que são pedidas altas quantias, das centenas de contos em alguns casos, pela cedência da chave e envolvendo em regra o inquilino que sai e o senhorio.
O pretexto não varia muito e são uns cortinados velhos e umas alcatifas coçadas que ficam na casa, às vezes algumas peças de mobiliário pelas quais era preciso pagar para as tirar dali para fora. A razão é muitas vezes o desconhecimento da lei, mas é sobretudo «a corda na garganta» com que as pessoas se apresentam à procura de casa e um certo descrédito que a lei nesta matéria - Decreto-Lei n.º 445/74 - ganhou.
O negócio passou, no entanto, já a fase artesanal das relações directas entre quem sai e quem entra, para dar lugar a agências organizadas, as tais que já põem anúncio nos jornais e vão protestando com as poupanças do desespero dos que procuram casa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este assunto já mereceu tratamento nas páginas dos jornais e ainda hoje pela manhã, depois de escritas estas palavras, o ouvimos tratar nas ondas da RDP, e merece aqui destaque o relevo que lhe tem dado o Diário Popular, fiel às suas tradições e uma vez mais em cima do acontecimento, pelo interesse que tem dedicado a estes problemas e aos da habitação em geral, o que, sendo louvável, não quero deixar de aqui assinalar.
Creio, no entanto, que não foi ainda levantado nesta Assembleia, pelo que julgo oportuno colocá-lo, com a carga política que este hemiciclo lhe pode conferir.
Ao Governo e em especial à Direcção-Geral de Fiscalização Económica cumpre não ficar parado.
A lei existe - refiro-me ao Decreto-Lei n.º 445/74 -, e se existe é para se aplicar! Pode não ser a mais correcta, pode não reflectir a actual realidade sócio-política, mas enquanto outra não houver - e era conveniente que não tardasse - é o mecanismo que os cidadãos têm de respeitar e pelo qual as autoridades têm de velar.
Certamente haverá entre essas agências da especialidade algumas que actuam com honestidade. Nisto, como em tudo, quando o trigo e o joio estão misturados só há um caminho: aqui o caminho é a Direcção-Geral de Fiscalização Económica pôr-se em campo e fazer a separação! Não lhe faltará o apoio das autarquias, onde os serviços municipais de habitação poderão ter um papel importante; das associações de inquilinos; das cooperativas; das associações de consumidores e outras.

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Creio mesmo que também não lhe faltará o apoio das associações de proprietários que se não dignificam nada com este processo.
Não lhe faltará também, assim o creio, o apoio deste hemiciclo!
Então, Sr. Presidente, Srs. Deputados, deixo aqui a pergunta: por que se espera?

O Srs. Vítor Louro (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Deputado Gomes Fernandes, ouvi naturalmente com todo o interesse a sua intervenção, a qual se debruça sobre um dos magnos problemas que afectam a vida dos Portugueses. Todavia, e não esquecendo que V. Ex.ª pertence a um partido que é responsável pelos I e II Governos Constitucionais, gostaria de lhe perguntar se me pode esclarecer sobre o que é que o partido de V. Ex.ª fez quando estava no Governo para alterar essa situação. Recordo, inclusivamente - porque foi matéria que passou na Comissão de Equipamento e Ambiente, de que faço parte -, a responsabilidade do Partido Socialista na fixação de condições de crédito às cooperativas de habitação, que as punham mesmo em piores condições do que as que eram concedidas à iniciativa privada, não cooperativa.

Uma voz do PS: - Não é verdade!

O Orador: - Gostaria, portanto, que o Sr. Deputado me esclarecesse a mim e à Câmara a propósito deste ponto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de responder, Sr. Deputado Gomes Fernandes, se assim o entender.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terei muito prazer e muito gosto em esclarecer o Sr. Deputado Vítor Louro.
E começo por salientar o carácter prudente com que levantou as questões, não certamente por receio de que eu pudesse facilmente liquidar a sua argumentação, mas, julgo eu, pela delicadeza do problema e pela falta de capacidade sua e do seu partido para encarar e resolver de frente este problema.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Deputado, queria só recordar a V. Ex.ª que o meu partido nunca esteve nem no I nem no II Governos Constitucionais.

Risos do PS.

O Orador: - Eu só queria lembrar ao Sr. Deputado Vítor Louro que esse problema não se pode Dor aqui em termos de saber quem tem menos ou mais responsabilidade, porque o problema é suficientemente grave para nos envolver a todos. E as responsabilidades do Partido Socialista no I e no II Governos Constitucionais, e também no VI Governo Provisório, onde o Partido do Sr. Deputado também esteve e onde deu certamente uma boa contribuição para isso, foram sempre assumidas, tendo sido lançadas medidas de fundo em matéria de habitação que, como é óbvio, e o Sr. Deputado Vítor Louro sabe-o perfeitamente, não terão resultados imediatos. Isto porque é muito mais fácil projectai e prever a construção de umas centenas ou de uns milhares de fogos do que realizá-la. E, como sabe, entre nós o grau de realização de um fogo ainda anda, infelizmente, muito próximo dos dois anos, de modo que algumas das medidas previstas e postas em execução irão dar, dentro de algum tempo, os seus resultados.
Mas o que importa é que os Governos do Partido Socialista, quer o I quer o II Governos Constitucionais, encararam este problema com toda a delicadeza que tinha, mas nunca enjeitando a responsabilidade e o antipático de abordá-lo, tratá-lo e propor-lhe alternativas. Isso é que é o importante.
Concretamente, quanto ao que referi aqui, lembro ao Sr. Deputado que o decreto-lei de 1974 continua ainda em vigor e eu defendi que só quando lhe for encontrada uma alternativa correcta é que ele deixará de ter a sua força. Portanto creio que isto elucida o Sr. Deputado quanto à preocupação que eu teria tido em camuflar os problemas. Devo dizer-lhe que não houve, nem há, qualquer preocupação em os camuflar.
Por outro lado, penso que conviria que ficasse aqui claro - e penso que isso não é difícil de esclarecer - se o Partido do Sr. Deputado revela preocupações no sentido de que este problema seja atacado e resolvido, se entende ou não que é preciso encarar de frente o problema das rendas e também se entende ou não que o problema da habitação não se resolve no curto prazo. É um problema, penso eu, que não é tão fácil de resolver como às vezes se diz, pois transcende muito os partidos, e até a acção dos governos, para se encontrar numa mobilização de esforços financeiros, técnicos e humanos de âmbito nacional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro de Figueiredo para uma intervenção.

O Sr. Álvaro de Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem Viseu e o seu distrito natural orgulho no seu Museu, dos melhores e mais visitados do País, e nas obras ali guardadas e expostas, com realce para as tábuas da oficina de Vasco Fernandes, o Grão-Vasco, nome alto da pintura portuguesa quinhentista.
Vasco Fernandes, que nasceu naquela cidade por volta de 1480 e que se supõe ter sido discípulo ou companheiro do pintor real Jorge Afonso, tinha oficina em Viseu, na Rua da Regueira.
Artista de largos recursos, tanto na qualidade e riqueza da pintura como na facilidade e segurança da composição, tem no painel de S. Pedro, incontestavelmente, a sua obra de maior nomeada. Mas outras, como o Calvário, o Baptismo de Cristo, S. Sebastião, Pentecostes e Descida da Cruz, são

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também marcos imorredouros da sua pintura e obras notáveis saídas da sua oficina.
Neste contexto, é natural, portanto, que Viseu e as suas gentes tenham pelo pintor e a sua obra o mesmo carinho, o mesmo orgulho, a mesma devoção e a mesma vontade de as mostrar aos seus visitantes, através do seu Museu, como porventura Évora o terá em relação ao seu templo de Diana, Braga em relação à sua Sé, ou até Florença, terra de Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci e Benevenuto Cellini, o terá em relação às obras da Igreja de Santa Maria del Fiori ou do Palácio Pitti, ressalvadas, como é óbvio, as respectivas e devidas proporções.
Isto é, para o Visiense comum Vasco Fernandes é um símbolo, a expressão máxima da sua cultura artística, da sua tradição pictórica e as tábuas por ele pintadas a transposição para o real dessa cultura e dessa mesma tradição, a tal ponto que, ainda hoje, ele se reflecte na vontade, talvez nostálgica, mas real, de Viseu possuir uma escola superior de pintura, ideia essa alicerçada também no facto de Viseu ter sido berço de outros artistas ilustres, alguns anteriores, outros coevos e outros posteriores a Grão-Vasco, como, entre outros, Luís Afonso, Gaspar Vaz, José de Almeida Furtado, o célebre pintor Gata, António José Pereira e D. Alda Pereira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vem todo este arrazoado a propósito de, há mais de oito anos, terem ido para restauro no Instituto de José de Figueiredo várias obras de Vasco Fernandes, algo danificadas, não só pelo tempo, mas também pelas péssimas condições que o Museu oferecia para a sua conservação, ao mesmo tempo que se iniciavam neste obras importantes tendentes a melhorarem as condições de conservação ali existentes. Passou-se o tempo e, mau grado mais de oito anos volvidos, ainda as beneficiações do Museu não estão completas e só há muito pouco tempo as obras de restauro dos painéis foram dadas por concluídas.
E desde há muito um rosário de acontecimentos se vêm sucedendo, alguns contraditórios, outros que, por inexplicáveis, vêm complicando e inibindo o regresso dos quadros ao seu habitat natural, que é o belo Paço dos Três Escalões.
Assim, sabe-se que do restauro dos quadros estavam já, em fins de Junho de 1977, concluídos os tratamentos de vinte e cinco tábuas, estando nessa altura ainda em fase de obra incompleta a pintura que representa S. Sebastião e encontrando-se em fase última de restauro as pinturas Morte da Virgem, S. Pedro, S. Bartolomeu e o triplico A Última Ceia.
Tem-se conhecimento de que, entretanto, o Instituto de José de Figueiredo deu por terminados os restauros de todas as obras e que, desde há muito, vem pedindo, insistentemente, que estas sejam retiradas, porque, além de prontas, encostadas pelas paredes, lhes estorvam os movimentos, dadas as instalações exíguas que possuem. Sabe-se também que em Agosto desse mesmo ano as obras do próprio Museu estavam praticamente acabadas, faltando apenas terminar pequenos pormenores relativos a infiltrações de águas junto de algumas janelas, técnicas de climatização e pouco mais.
Conhece-se também, desde há muito, a intenção do director do Museu de não considerar as obras esgotadas e de pretender a vinda de um técnico a
Viseu para, após vistoria, receber em auto as salas onde a Direcção-Geral dos Monumentos Nacionais levou a efeito as obras de beneficiação, condição esta exigida para o director do Museu mandar proceder a montagem dos suportes para exposição dos quadros, desde há muito encomendados e pagos. Sabe-se também que após conhecimento desta exigência do director do Museu se deslocou a Viseu um técnico que, após vistoria, deu como acabadas as obras, contrariando, assim, o parecer do referido director.
No seguimento desta visita a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais deu, oficialmente, as obras por concluídas em comunicação que enviou ao próprio director do Museu, insistindo todavia na sua vistoria, ao mesmo tempo que expressava a opinião que o assunto deveria ser levado à consideração da Secretaria de Estado da Cultura.
Na sequência deste choque de opiniões temos conhecimento de uma reunião efectuada a 28 de Março deste ano na Direcção-Geral do Património Cultural, reunião essa que tinha como objectivo prioritário a resolução dos problemas que obstam à abertura ao público do 2.º piso do Museu de Grão-Vasco.
Estiveram presentes um representante do Sr. Secretário de Estado da Cultura, da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, da Direcção dos Monumentos do Centro e da Direcção-Geral do Património Cultural, além do director do Museu de Grão-Vasco. Dessa reunião saíram as seguintes conclusões:

1) As obras pertencentes ao Museu de Grão-Vasco, e que se encontram já restauradas no Instituto de José de Figueiredo, regressariam desde já ao Museu, realizando-se nas salas do 2.º andar a sua exposição temporária;
2) A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais promoverá simultaneamente o estudo das medidas necessárias à vedação das janelas e demais trabalhos, de maneira a resolver definitivamente os problemas de infiltrações de águas;
3) A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, em estreita colaboração com o Sr. Engenheiro Luís Casanova e a direcção do Museu, irá iniciar imediatamente o estudo da instalação de aquecimento e contrôle da humidade das salas do 2.º andar;
4) Serão feitos todos os esforços no sentido de as salas estarem prontas para abertura definitiva ao público antes do início da estação fria.

As conclusões desta reunião saldaram-se pelo acordo dos quatro pontos focados, mas, por muito estranho que pareça, até agora não foram cumpridas, sete meses após a sua efectivação.
Tem-se por fim conhecimento de variadíssimas démarches que a Câmara Municipal de Viseu tem insistentemente feito a todas estas entidades, no sentido de ser resolvido o problema, sem que, contudo, tenha num mínimo sequer adiantado seja o que for.
Durante todo este processo surgiu, a determinada altura, um dado novo e exótico no problema.

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E que, a fazer fé numa transcrição de o Comércio do Porto, de uma publicação periódica de economia e finanças, alguém teria manifestado a opinião de que os quadros deveriam ficar em exposição em Lisboa, já que esta, como capital e grande cidade, daria melhores possibilidades de os painéis serem apreciados por muito mais gente do que Viseu, cidade de província.
Esta noticia trouxe, como era de esperar, na altura, natural inquietação aos Visienses, que, há mais de oito anos fartos de esperar pelos quadros, temiam ficar sem eles. Essa sua inquietação, justíssima e natural, não era certamente influenciada pela lírica de Camões, já que os Visienses não estavam e não estão dispostos a esperar outros oito anos pelos quadros, como parece Jacob estaria na disposição de esperar sete pela bela Raquel. Assim, a imprensa local referiu-se ao assunto manifestando o seu descontentamento e traduzindo deste modo o sentir real das populações.
As associações locais demonstraram também a sua surpresa perante tão insólita notícia e exigiram a vinda dos quadros para Viseu, quanto antes!
Na realidade, a falta dos painéis no Museu traz a este e à cidade prejuízos avultados, já que, sabemos, a primeira coisa que os turistas procuram ver no Museu são, precisamente, os painéis de Vasco Fernandes.
Tenho conhecimento, de que estudiosos estrangeiros vêm a Viseu, propositadamente, para apreciar os Grão-Vasco que ali deveriam estar expostos, mas acabam por sair da cidade pesarosos e frustrados nos seus intentos. Sei também, como antes referi, quanto é caro aos Visienses o seu tesouro artístico e sei o quanto, para eles, representa o retorno dos seus quadros, símbolos de uma tradição e de uma cultura que tanto gostam e gostariam de preservar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí que compreenda e me associe a todo este movimento no sentido do regresso, quanto antes, dos quadros a Viseu e, por isso mesmo, tenha trazido o problema a esta Assembleia.
A mim, porém, todo este processo complicado me parece não traduzir mais do que um aspecto particularizado de um mal geral que grassa por este país e que é a inoperância e o desencontro entre as diversas instituições que superintendem nele.
É que não há ninguém que se responsabilize pela situação criada, pois de alguns dos intervenientes no processo ao longo do tempo se verifica uma certa ideia de passagem da «bola» para o vizinho.
A quem pedir responsabilidades, pois?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - À Secretária de Estado da Cultura? À Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais? À Direcção dos Monumentos do Centro? À Direcção-Geral do Património Cultural? Ao Instituto de José de Figueiredo? Ao director do Museu de Grão-Vasco? A cada um em particular? A alguns em especial? A todos em geral?
Sinceramente não sei!
O que sei, isso sim, é que todo este processo se parece, em alguma medida, com a célebre mortalha tecida pela virtuosa Penélope para seu sogro Laertes, e que à espera da chegada de Ulisses, e para fugir aos seus pretendentes, a tecia de dia e a desfazia de noite.
O que sei é que uma Secretaria de Estado, três direcções-gerais, um instituto e a direcção de um museu se vêem impotentes para resolver um problema normal como é o de restaurar umas dúzias de quadros e preparar umas tantas salas para eles serem expostos.
O que sei é que alguns problemas neste país se arrastam, como este, desta forma inacreditável, sem uma resolução pronta, competente, eficaz.
O que sei, isso sim, é que, a caminhar desta maneira, este país, meus senhores, não vai a lado nenhum!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de antes da ordem do dia. Entretanto o Partido Comunista Português requer o seu prolongamento. Há alguma oposição?

Pausa.

Como não há, está deferido o requerimento.

O Sr. João Lima (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Defende o património, João!

O Sr. João Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para dizer ao Sr. Deputado Álvaro de Figueiredo que, por um lado, acredito que este país vai a alguma parte se todos nos esforçarmos com honestidade e trabalho para a resolução dos assuntos do mesmo e, por outro lado, quero dizer-lhe também que eu próprio, como Deputado e como membro do Partido Socialista, e ainda por cima nascido em Viseu, dou a minha solidariedade às suas palavras no sentido de se juntarem esforços para que o caso dos quadros de Grão-Vasco seja resolvido, dado que efectivamente, e na aparência, há qualquer coisa de escandaloso em relação a essa situação. Efectivamente não se compreende a enorme quantidade de anos que esses quadros não estão em Viseu e começam a aparecer certos zunzuns que não explicam a sua estada em Lisboa, para além de intuitos pouco aparentes ou esclarecidos da sua permanência em Lisboa.
Eram estas as palavras que eu queria dizer e faço-o em nome pessoal e partidário, como Deputado que sou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, cada partido dispõe agora de cinco minutos para uma intervenção. Mas, antes, chamo a atenção dos Srs. Deputados de que cerca das 16 horas e 50 minutos teremos de interromper a sessão, visto que, como sabem, está de visita ao nosso país, a convite da Assembleia da República, uma delegação parlamentar da República Federal da Alemanha e às 17 horas haverá o

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encontro com o Sr. Presidente, com a Mesa, com os presidentes dos grupos parlamentares, com a delegação portuguesa de recepção e com o presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração. Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, tendo em conta as declarações que V. Ex.ª acaba de fazer e para melhor apreciação da questão, retiramos o pedido de prolongamento de período de antes da ordem do dia.
Se o Sr. Presidente nos permitir, ficaremos então desde já com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Não havendo objecções, fica retirado o requerimento.

Pausa.

Srs. Deputados, faremos agora o nosso intervalo. A sessão reabrirá cerca das 18 horas. Está interrompida a sessão.

Eram 16 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como certamente já notaram, está a proceder-se à distribuição das listas para a eleição do Presidente da Assembleia da República, que terá lugar no momento próprio, ou seja, a seguir à discussão do pedido de adopção do processo de urgência para discussão do projecto de lei n.º 137/1 - Revogação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 161-A/78, de 20 de Outubro, que fixa o preço de vários combustíveis -, discussão que se inicia neste momento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Aires Rodrigues.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve, pois penso que a apresentação do projecto de lei evitaria, só por si, a justificação do pedido de urgência.
Pensamos que a gravidade da medida tomada, permitindo aumentar o preço dos combustíveis, com as naturais repercussões sobre o conjunto dos preços dos principais produtos, acarreta inevitavelmente um clima de instabilidade social que põe em causa a própria democracia.
Pensamos que o modo como foi tomada esta decisão - independentemente de ter sido tomada por um Governo demitido - na ignorância da maioria do povo português, na ignorância dos próprios partidos, que não sabiam da existência desta medida, na ignorância da Assembleia da República, em coerência com o voto que há dias apresentámos e dando seguimento lógico a essa proposta através de um projecto de lei, dá a possibilidade a esta Assembleia de vir revogar a decisão do Conselho de Ministros n.º 161-A/78, merecendo o projecto de lei, em função da repercussão que está a ter, que seja apreciado com urgência, conforme o disposto no Regimento. Por isso propusemos um prazo de oito dias para ser apreciado pela respectiva Comissão e a dispensa de, posteriormente, voltar à referida Comissão.
Pensamos também que, ao apresentar este projecto de lei, exprimimos as preocupações e a vontade da grande maioria do povo deste pais, que, por um lado, não compreendeu e não aceitou essa medida e, por outro, entende que ela tem consequências extremamente graves para as suas condições de vida e provoca um clima de instabilidade, contrário à sua própria vontade.

O Sr. Pausa.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão.
Visto não haver mais pedidos de inscrição, vai ser lido o requerimento hoje apresentado, em complemento do requerimento inicial, pelos Srs. Deputados Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira.

Foi lido. É o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Em aditamento ao pedido feito a V. Ex.ª, do processo de urgência para o projecto de lei n.º 137/I, propomos a seguinte tramitação:

1 - Um prazo de oito dias para o exame em comissão.
2 - A dispensa de envio à Comissão para redacção final.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do pedido de adopção do processo de urgência.

Submetida à votação a adopção do processo de urgência, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa um pedido de autorização para que o Sr. Deputado José Luís Nunes preste declarações no 3.º Juízo Correccional do Porto. Este pedido não pode ser apreciado, visto que o Sr. Deputado ainda não foi ouvido.
Está igualmente na Mesa um pedido semelhante, relativo ao Sr. Deputado Emídio Pinheiro, para que deponha como testemunha no Tribunal da 4.ª Vara Cível de Lisboa, no próximo dia 7 de Novembro, pelas 14 horas e 30 minutos - Processo n.º 2832. O Sr. Deputado Emídio Pinheiro já foi ouvido. A Assembleia tem algo a opor?

Pausa.

Uma vez que não há oposição, está deferido o pedido de autorização.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pires, para proceder à leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Herculano Pires (PS):

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS

Relatório e parecer

Em reunião no dia 30 de Outubro de 1978, pelas 16 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de Deputados:

l - Solicitada pelo Partido Comunista Português:

Manuel Gonçalves (circulo eleitoral de Lisboa), por José Cavalheira Antunes.

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2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto sindicato é real e actualmente o primeiro candidato eleito ainda não solicitado na ordem de precedência da lista eleitoral, apresentada a sufrágio pelo referido partido, no respectivo círculo eleitoral.
3 - Foram observados todos os preceitos regimentais e legais.
4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente, Álvaro Monteiro (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Cândido de Miranda Macedo (PS) - Herculano Rodrigues Pires (PS) - Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade Azevedo (PSD) - José Luís Christo (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Acácio Manuel de Frias Barreiros (UDP).

O Sr. Presidente: - Há alguma oposição?

Pausa.

Está aprovado o relatório e operada a substituição.
Srs. Deputados, é agora a altura de procedermos à eleição do Presidente da Assembleia da República. As listas foram já distribuídas e a votação será feita segundo o critério adoptado na eleição anterior. O Sr. Secretário Maia Nunes de Almeida vai proceder à chamada, como habitualmente. Entretanto a Mesa votará em primeiro lugar.
Peço aos Srs. Vice-Secretários Eurico Mendes e Barbosa da Costa que tenham a bondade de se aproximar da mesa da votação para servirem de escrutinadores, conforme é do regimento.
Se a Assembleia não se opuser, e em face das razões apresentadas que a Mesa considerou pertinentes, alguns Srs. Deputados serão chamados em primeiro lugar e somente depois se seguirá a ordem dos Deputados.
Fez-se a chamada para a votação. Durante a votação assumiu a Presidência o Sr. Presidente Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o resultado do escrutínio é o seguinte: votos entrados, 230; votos sim, 134; votos não, 84; abstenções, 8; votos brancos, 1; votos nulos, 2.
Foi portanto eleito Presidente da Assembleia da República o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos.

Aplausos do PS e dos Deputados independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira.

Srs. Deputados, ser-me-á naturalmente permitido, como últimas palavras que vou proferir neste acto, em primeiro lugar, felicitar o meu camarada e amigo de sempre Teófilo Carvalho dos Santos pelo resultado da eleição democrática que acaba de ser feita, fazendo, em segundo lugar, sinceríssimos votos de prosperidades e das maiores felicidades no exercício do cargo.
Despeço-me portanto da Assembleia após dois anos de permanência como Presidente. E saio como entrei, quer dizer, com as mesmas convicções, com o mesmo destino na vida, os mesmos propósitos e as mesmas linhas de rumo: defender a democracia e as suas liberdades e procurar prestigiar as instituições parlamentares em que estou inserido.
Neste momento em que cessam as minhas funções, queria dizer uma palavra de agradecimento a todos os Srs. Deputados, sem discriminação de qualquer espécie, pela colaboração que me prestaram durante estes dois anos. Queria agradecer particularmente aos meus colegas da Mesa a forma exemplar como exerceram os seus cargos. Queria ainda tornar extensivos estes cumprimentos aos representantes da imprensa aqui presente, com quem sempre mantive excelentes relações de camaradagem, e ao pessoal da Assembleia, que foi também um prestimoso colaborador nas tarefas em que estive empenhado.
Vou portanto ceder a presidência ao Dr. Carvalho dos Santos. Sei que vão seguir-se efectivamente ainda mais alguns trabalhos. Entretanto chegou à Mesa uma declaração do Sr. Deputado Mário Mesquita, em que pede a sua demissão de dirigente e militante do Partido Socialista e a sua renúncia como Deputado, declaração esta que já não me compete ler, visto que neste momento deixei de ser Presidente da Assembleia. Penso, no entanto, que este documento seguirá naturalmente os preceitos do artigo 7.º do Regimento.
Convido, pois, o Sr. Deputado Carvalho dos Santos a assumir a presidência.

Aplausos gerais.

O Presidente eleito assumiu a presidência, tendo trocado um abraço com o Presidente cessante.

O Presidente: - Srs. Deputados: No limiar de mais uma sessão legislativa da Assembleia da República e antes de qualquer comentário à minha própria presença nesta Mesa, cumpre-me endereçar a minha respeitosa saudação ao Sr. Presidente da República.
Não o faço por imperativo protocolar, mas por dever cívico.
Para nós, Portugueses, um Presidente eleito livremente pelo voto popular tem um significado que largamente transcende aquele que lhe é atribuído nos países de grande tradição democrática.
Portugal conheceu longamente o vazio efectivo do cargo de Presidente da República.
Receoso de quem pudesse ombrear com ele e lançar mão dos poderes que, apesar de tudo, a Constituição de 1933 nunca recusou ao Chefe do Estado, o ditador só consentia nas funções de Presidente aqueles que fossem seguramente incapazes de as exercerem. Uma grotesca liturgia a que chamavam eleições coroava depois, formalmente, a escolha pessoal de Salazar.

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Directas ou indirectas, as chamadas eleições presidenciais do Estado Novo pouco diferiram entre si.
Nunca houve igualdade de oportunidade entre os candidatos oficiais e os da oposição democrática, como nunca esta dispôs de quaisquer mecanismos de contrôle do processamento do sufrágio.
O clamor nacional que a coragem de Humberto Delgado levantou foi a derradeira e mais completa e implacável denúncia moral da ditadura.
Essa coragem pagou-a ele com a vida.
Mas quantos desinteresses não despertaram, quantas cumplicidades se não assustaram - em suma: quantos anos de vida não perdeu a ditadura com o tiro covarde que prostrou o «general sem medo»?
Por isso, pela forma como soube assumir, na total adversidade, a dignidade de todo este povo, pela forma como conduziu, obstinado e vertical, o seu combate redentor de todos nós, Humberto Delgado foi o único verdadeiro Presidente da República que Portugal conheceu desde 28 de Maio de 1926 até 25 de Abril de 1974.
Mas hoje, enfim, temos um Presidente eleito, sem peias, sem fraudes, sem condições.
Um Presidente em que o povo português pode permanentemente rever o acto livre, adulto e responsável que, após cinquenta anos de indesejável tutela, pôde enfim praticar em 1976.
Um Presidente a quem cabe encarnar o legitimo orgulho de um país que levou meio século para recuperar a democracia.
Nesta mesma sala, no ano passado, o Sr. Presidente da República definiu os parlamentares como «os intermediários entre os desígnios da população e as soluções dos problemas políticos, entre as esperanças dos Portugueses e as dificuldades de Portugal» na grande variedade das suas opções políticas e ideológicas.
Nenhum dos homens que aqui se sentam, exprimindo a vontade do povo que os mandatou, enjeita a responsabilidade que aquelas palavras lapidarmente definiram. E é precisamente assumindo essa responsabilidade que os «intermediários entre as esperanças dos Portugueses e as dificuldades de Portugal» saúdam no Sr. Presidente da República a democracia portuguesa.
Cumpre-me agora, por força do mandato que quiseram conferir-me, presidir a esta Assembleia, que é, também ela, um testemunho vivo da liberdade que o 25 de Abril nos restituiu. A missão nada tem de fácil. Mas é-o menos ainda se recordarmos que este lugar se formou às mãos de dois homens excepcionais.
Primeiro confiámo-lo a essa enorme figura cívica que é Henrique de Barros. Depois, transmitimo-lo a Vasco da Gama Fernandes, democrata de uma vida inteira, exemplo de combatividade e coerência para todos nós.
Os anos pesam na vida, mas tornam a amizade cada vez mais jovem. A Vasco da Gama Fernandes estou ligado por esse raro e caro sentimento, que só décadas de convívio fraternal - feito dos riscos corridos em conjunto, das alegrias compartilhadas, no mútuo encorajamento na luta pelo sonho comum - permitem construir.
Mas quando, enfim, a história quis que o amigo e companheiro passasse a surgir aos meus olhos como o depositário de um precioso mandato nacional, aprendi então a ver nele o intransigente guardião dos valores que lhe confiámos e vi o homem agigantado pelo sonho tornado realidade.
Não podia sentir-me então mais amigo do que já era, mas aprendi a admirá-lo ainda mais.
Srs. Deputados: Não posso prometer-vos estar à altura de Henrique de Barros e Vasco da Gama Fernandes. Ao contrário deles, não sou homem para a dimensão do meu sonho, dediquei uma vida inteira à luta pela democracia, ao projecto de ver este povo restituído a si mesmo.
Estou no outono da vida, mas não vos escondo nem a alegria nem o orgulho que sinto ao ver-me aqui numa Assembleia livremente eleita por todo o povo português.
Srs. Deputados: Mas nisto me esgoto. O barro de que sou feito não é o mesmo daqueles que me precederam.
Os Srs. Deputados, ao elegerem-me, não o ignoravam decerto - pois os anos de convivência que levamos já contados nesta sala foram bastantes para disso se aperceberem.
Só posso, pois, entender o vosso voto como dirigido ao sonho que tive, e não ao homem que sou.
Srs. Deputados: Sou um homem de partido.
Ao longo da vida, preferi sempre as grandes aventuras colectivas, compartilhadas na camaradagem e no esforço comum, aos grandes rasgos individuais.
É, pois por missão de partido que me sinto no dever de aceitar estas funções.
Mas não ignoro que o seu correcto desempenho implica que eu saiba superar essa minha condição. E não hesitarei em fazê-lo.
Não deixarei de ser um socialista e de pensar como um socialista. Mas na presidência desta Assembleia apenas encontrareis o democrata que sempre fui.
Este, é o sentido do meu mandato.
Foi assim que o quiseram aqueles que me propuseram e aqueles que me elegeram.
Assim será, portanto.
Finalmente, na saudação em que a todos vós, Srs. Deputados, envolvo vai o meu voto esperançado em que a vossa cooperação me permita atenuar as naturais dificuldades que sentirei no desempenho destas funções.
Uma palavra, enfim, de saudação aos homens da imprensa portuguesa, também ela tornada livre e capaz de assumir o seu papel vigilante dos valores da democracia - na certeza de que o seu contributo é absolutamente indispensável para que esta Assembleia, onde se espelham as aspirações populares, possa devolver, constante e limpidamente, ao povo de que emana a imagem da intransigente defesa dos seus interesses.

Aplausos do PS e dos Deputados independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Neste momento em que toma posse do cargo de Presidente o Sr. Depu-

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tado Teófilo Carvalho dos Santos, queria, em primeiro lugar, saudar o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes que exerceu esse cargo durante dois anos e, em segundo lugar, saudar o novo Presidente no momento em que inicia o seu mandato.
Prestou-se a certos comentários e a certa especulação o facto de o Grupo Parlamentar do Partido Socialista ter apresentado um novo candidato neste período legislativo, que não o que exerceu o cargo no período legislativo anterior.
Por outro lado, também se fizeram vários comentários à circunstância de o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos, não tendo obtido a maioria de votos imposta pelo Regimento na primeira votação, há uma semana, ter sido agora por nós recandidatado.
Assim, queríamos explicar muito sinceramente o nosso ponto de vista: em primeiro lugar, consideramos normal e um facto perfeitamente corrente que o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos não tenha sido eleito quando da sua primeira candidatura. É próprio dos democratas aceitarem as votações tanto quando estas lhes são favoráveis como quando o não são. No entanto não tínhamos nenhuma razão para que o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos não fosse recandidatado por nós, isto porque não nos pareceu que tivesse havido da parte da Assembleia um veto definitivo, além de que, em nossa opinião, não seria inteiramente regimental que a Assembleia da República rejeitasse um candidato à presidência da Assembleia da República apenas por uma única votação. Na realidade o Regimento estipula que, de um modo geral - e não vou entrar em argumentações jurídicas -, quando há uma maioria qualificada, como neste caso, deve haver duas voltas.
Portanto o nosso pensamento foi o de que a candidatura devia ser mantida e, se porventura depois da votação de hoje se tivesse de concluir que haveria um veto definitivo da Assembleia da República ao nosso candidato, é claro que não insistiríamos nele, aceitando, inclusivamente, de boa mente, que a Assembleia elegesse um Deputado de outro partido.
O facto de o Grupo Parlamentar do Partido Socialista ter optado por outro Deputado neste período legislativo, que não o nosso antigo Presidente da Assembleia da República, não significa menos consideração pelo Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes. Significa apenas que no seio do nosso grupo parlamentar se pratica a democracia, democracia exercida através do voto secreto, sendo até desejável que haja uma certa renovação de candidatos.
O nosso camarada Vasco da Gama Fernandes é um camarada que muito queremos, que muito prezamos, que exerceu com dignidade e com aprumo, durante dois anos, o cargo de Presidente da Assembleia da República e tem atrás de si um passado de democrata, de resistente e de antifascista que faz com que nós o prezemos como um dos socialistas que mais estimamos.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PSD, do CDS e do PCP.

É também com grande prazer que o Grupo Parlamentar Socialista verifica que a Assembleia, nesta votação, elegeu para Presidente da Assembleia da
República o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos. Conheci o meu camarada Teófilo Carvalho dos Santos há cerca de trinta anos, ou mais. Conheço a sua actuação de resistente, desde os movimentos de unidade nacional antifascista aos movimentos de unidade democrática, e até hoje. Foi mesmo um dos primeiros camaradas socialistas com quem partilhei as prisões políticas em Portugal.
Estou certo de que a nossa escolha foi inteiramente guiada pelo maior espírito democrático e de que esta Assembleia reconhecerá, com o tempo, que a escolha não poderia ter sido melhor ou, ao menos - isto sem desprimor para os camaradas que também exerceram o cargo -, que o exercício do seu mandato se pode pôr a par dos que antes tiveram mandato idêntico. Por isso o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está certo de que o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos, que é a partir deste momento o Presidente da Assembleia da República, dará uma contribuição válida para o engrandecimento das funções do Parlamento neste país, um Parlamento que a direita e a extrema-direita estão neste momento empenhadas em atacar e diminuir, mas que, aconteça o que acontecer, se afirmará sempre, dia após dia, ano após ano, como um órgão de soberania, indispensável na construção da democracia em Portugal e, se me permitem que o diga, em nome do meu grupo parlamentar, na construção também do socialismo democrático em Portugal.

Aplausos do PS.

O Orador: - Portanto, bem-vindo seja à presidência da nossa Assembleia da República o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegou à Mesa um pedido do Partido Social-Democrata solicitando a sujeição do Decreto-Lei n.º 295/78, de 26 de Setembro, a processo de ratificação. O pedido seguirá os seus termos.
Deu também entrada na Mesa da Assembleia da República uma carta, que a Sr.ª Secretária Maria José Sampaio vai ler.

Foi lida. É a seguinte:

Lisboa, 29 de Outubro de 1978.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Venho pela presente comunicar a V. Ex.ª que tomei a decisão de renunciar ao mandato de Deputado à Assembleia da República, nos termos do artigo 20.º do Estatuto dos Deputados.
O meu pedido de renúncia surge em consequência da minha demissão de militante e dirigente do Partido Socialista, fundamentada na discordância com a linha política definida pelo Secretariado Nacional daquele Partido. Atendendo às características do sistema eleitoral vigente, bem como ao compromisso constante do estatuto interno do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, concluí que seria este o comportamento mais correcto, ainda que permaneça fiel aos compromissos que assumi perante o eleitorado em 1976.

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Solicitando-lhe que dê conhecimento desta decisão à Assembleia da República, subscrevo-me com a mais elevada consideração.

Mário Mesquita.

Srs. Deputados, entramos agora na segunda parte da ordem do dia: votação na generalidade dos projectos de lei n.ºs 92/I, 95/I e 102/I. Vamos, em primeiro lugar, votar o projecto de lei n.º 92/I, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PS, do PCP, da UDP e do Deputado independente Aires Rodrigues e os votos contra do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar o projecto de lei n.º 95/I, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PS, do PCP, da UDP e do Deputado independente Aires Rodrigues e a abstenção do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Finalmente, vamos votar o projecto de lei n.º 102/I, apresentado pela UDP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com os votos contra do PS, do PSD e do CDS, os votos a favor da UDP e do Deputado independente Aires Rodrigues e a abstenção do PCP e do Deputado do PS Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Presidente: - Vamos agora passar às declarações de voto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes.

O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpre-me, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, justificar o sentido do nosso voto em relação aos projectos de lei n.ºs 92/1, 95/1 e 102/1, todos eles versando o tema da participação das organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho.
Ao fazê-lo direi, em primeiro lugar, estar o nosso partido perfeitamente consciente da relevância que tal problemática assume na construção de uma democracia que se quer não só política, mas também económica e social. É aliás esse o sentido que os sociais-democratas dão ao que se consagra no artigo 56.º, alínea d), e artigo 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República, onde se dispõe o direito de as comissões de trabalhadores e os sindicatos, respectivamente, participarem na elaboração da legislação do trabalho.
Estamos sem dúvida perante um direito nuclear das organizações de trabalhadores. Tal como o são, na sociedade que desejamos construir pautada pelos valores da liberdade, participação e solidariedade, todos os outros mecanismos conducentes à participação dos trabalhadores a nível nacional, sectorial, regional, empresarial e local. Sempre tivemos por seguro que o trabalhador não pode ser mais uma peça de uma qualquer engrenagem, seja ela qual for. Tem de ser um construtor, de pleno direito, da nova sociedade onde seja salvaguardada e promovida a sua eminente dignidade de pessoa.
Contudo, não poderá este irrecusável direito das organizações de trabalhadores interferir ilegitimamente, qualquer que seja a forma que tal intromissão assuma, com o âmbito de competência que está constitucionalmente estabelecido aos Órgãos de Soberania, que representam todo o povo português e naturalmente também os trabalhadores.
Foi por esta razão, que se tem de considerar de fundo, que o PSD votou contra os projectos do PCP e da UDP. Que, em lugar de considerarem os comentários e sugestões das organizações de trabalhadores como factores a ter em conta como elementos de trabalho e dados de experiência, procuram nos articulados dos respectivos projectos estabelecer fórmulas que objectivamente constituiriam uma pressão ilícita sobre o Governo ou a Assembleia da República, conforme se trate de um decreto-lei ou de uma lei.
É evidente que não é outro sentido de, por exemplo, ser obrigatória, segundo o projecto do PCP, a publicação prévia do relatório da consulta às organizações de trabalhadores antes que o Orgão de Soberania em causa possa legislar.
Isto para já não falar no projecto da UDP, que prevê que tal relatório seja elaborado por uma comissão mista, composta por representantes das organizações de trabalhadores que se tenham pronunciado e por representantes dos Órgãos de Soberania. É caso para perguntar se a UDP está disposta a fazer o contrôle operário sobre órgãos eleitos pelo povo português. Se assim for, não deixará de ser um curioso, para empregar a linguagem mais benigna, conceito de democracia.
Quanto ao projecto do PS, a posição do PSD foi de abstenção. Se bem que não tenhamos, face a este projecto, razão para expressarmos uma oposição substancial, não deixa contudo de ser certo que tal documento, pelas incorrecções técnicas de que enferma, algumas graves, por sinal, não poderá também granjear a nossa aprovação. Saliente-se, à guisa de exemplo, o facto de não se explicitar o que se deve entender por legislação do trabalho, o que evidentemente dá lugar a que, neste particular, se possa incorrer nas mais díspares interpretações sem benefício para ninguém, nomeadamente para os trabalhadores. Prefere o PSD, como consta do documento de trabalho que apresentou na Comissão, a enumeração exaustiva das rubricas que são inseríveis no que se deverá entender por legislação de trabalho.
Veremos se, em sede de especialidade, será possível melhorar o que na generalidade foi aprovado, de modo que as organizações de trabalhadores possam ver consagrado um direito que poderemos denominar, embora correndo o risco de apelar para uma palavra já bastante erodida pelo incorrecto uso que dela se tem feito, uma verdadeira conquista desta nossa democracia a que todos nós cumpre vivificar e prestigiar.
Tenho dito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Simões.

O Sr. Sérgio Simões (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma curtíssima declaração de voto.

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O Partido Socialista, durante a discussão na generalidade, elucidou esta Câmara das linhas de força que considerava essenciais a uma lei que servisse correctamente e que contemplasse o disposto na Constituição quanto à participação dos trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho.
Pensamos que a votação hoje aqui feita constitui um passo para que em sede da especialidade se possa efectivamente aprovar uma lei que contemple os dispositivos constitucionais.
As razões dos nossos votos sobre os projectos de lei do PCP e da UDP foram já traçadas, em linhas gerais, na discussão na generalidade, pelo que não vou perder tempo a justificá-los. Apenas mais uma palavra sobre a nossa votação e que é a seguinte: a bancada socialista não tem complexos de votações políticas quando os projectos de lei em discussão contêm pontos que na generalidade satisfazem os interesses em jogo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Severiano Falcão.

O Sr. Severiano Falcão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão que efectuámos na generalidade na última quinta-feira e a aprovação, que acabou de ter lugar, do nosso projecto-lei n.º 92/I e do projecto de lei n.º 95/I, este do Partido Socialista, sobre a participação das organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho, constitui, quanto a nós, um sinal positivo. Fazemos votos para que este sinal positivo tenha sequência em termos de legitimar as expectativas e os direitos para que as organizações dos trabalhadores não venham a ser defraudadas.
A regulamentação do direito, direito previsto na alínea d) do artigo 56.º e na alínea á) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição da República, de forma a garantir a participação das organizações dos trabalhadoras na elaboração da legislação do trabalho, sempre teve e terá o mais sério empenhamento do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Disto mesmo demos conta na Comissão de Trabalho, quando esta Comissão decidiu, em fins de 1976, também dar corpo ao artigo 143.º do Regimento da Assembleia, através da adopção da separata ao Diário da Assembleia da República, como veículo dos diplomas de trabalho postos à discussão pública, bem como na audiência e recolha das opiniões das organizações dos trabalhadores que, a partir de então, não mais deixaram de trazer até nós o seu valioso contributo que, infelizmente, não se tem reflectido depois nos textos finais, como seria de desejar.
Já em 19 de Janeiro passado tornámos claro que a iniciativa do nosso grupo parlamentar nesta matéria se destinava a materializar preceitos constitucionais e apontar os mecanismos que concretizassem na prática o exercício do direito de intervenção das organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho.
Repetindo-nos, embora, consideramos indispensável a criação insofismável da verdadeira noção do que é a legislação de trabalho; a obrigatoriedade da
consulta prévia às associações sindicais, comissões de trabalhadores e respectivas comissões coordenadoras, e a obrigatoriedade da elaboração e publicação de um relatório sobre os resultados da consulta.
Quer em relação a estes aspectos essenciais do nosso projecto de lei, quer tendo em atenção as opiniões das organizações de trabalhadores que sobre ele se pronunciaram, nós, comunistas, não deixaremos de as tomar mais uma vez na devida conta e de apresentar, na especialidade, caso seja necessário, as propostas de aditamento e de alteração que julgarmos mais convenientes.
Este conjunto de circunstâncias e a esperança de que consigamos apurar o que de melhor existe nos dois projectos de lei agora aprovados, conseguindo, na discussão na especialidade, o diploma que se deseja pelas razões atrás expostas, permitiram o nosso voto favorável no projecto de lei n.º 95/1, do Partido Socialista.
Quanto ao projecto de lei n.º 102/I, da UDP, abstivemo-nos porque, embora no essencial ele seja uma cópia do nosso projecto, contém, nas poucas alterações que introduz, gravíssimas limitações ao exercício deste direito fundamental dos trabalhadores, designadamente negando às comissões coordenadoras das comissões de trabalhadores e reduzindo, por via da enumeração taxativa, o leque de matérias sobre as quais as organizações de trabalhadores se poderiam pronunciar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Cristo, também para uma declaração de voto.

O Sr. José Luís Cristo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os votos do CDS foram suficientemente justificados durante a intervenção que o nosso grupo parlamentar fez no decurso do debate.
As posições dos autores dos diversos projectos não se modificaram em relação às inicialmente assumidas, pelo que não vimos motivos para modificarmos, pelo nosso lado, as nossas.
Esperamos que os projectos aqui aprovados na generalidade sejam aperfeiçoados durante a discussão na especialidade e para esse efeito apresentaremos na Comissão as propostas de alteração que julgamos necessárias para uma lei mais correcta.
O nosso voto final dependerá, pois, do texto definitivo que subir ao Plenário.

Aplausos do CDS.

A Sr.ª Secretária (Maria José Sampaio): - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento do Partido Socialista, do seguinte teor:

«Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista requer a baixa à Comissão de Trabalho dos projectos de diploma aprovados na generalidade - os projectos de lei n.ºs 92/1 e 95/1 -, para aí se proceder à sua discussão e votação na especialidade.»

O Sr. Presidente: - Há alguma coisa a opor?

Pausa.

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31 DE OUTUBRO DE 1978 155

Está, pois, aprovada por unanimidade a baixa destes dois projectos à Comissão de Trabalho.
Srs. Deputados, a ordem dos trabalhos para a reunião de amanhã é a seguinte: apresentação, pelo PCP, do projecto de lei n.º 135/I e apreciação da ratificação n.º 36/1, relativa ao Decreto-Lei n.º 197/78, de 20 de Julho.

Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 50 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Manuel Natividade da C. Candal.
Dieter Dellinger.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Florival da Silva Nobre.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Jaime José Matos da Gama.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José dos Santos Francisco Vidal.
José Maria Parente Mendes Godinho.
José M. de Albuquerque de A. Leitão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Pereira Dias.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pedro Amadeu de A. dos Santos Coelho.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Telmo Ferreira Neto.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Social-Democrata (PSD)
Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo.
Américo de Sequeira.
Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos.
Antídio das Neves Costa.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Veríssimo.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Júlio Simões de Aguiar.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando José da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco da Costa Lopes Oliveira.
Francisco M. L. de Sá Carneiro.
João Manuel Ferreira.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Cunha Rodrigues.
Maria Helena do Rego da Costa S. Roseta.
Nicolau Gregório de Freitas.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.

Centro Democrático Social (CDS)

Álvaro Manuel Brandão Estêvão.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
Eugénio Maria N. Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
João Carlos F. Malho da Fonseca.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Luís R. de Albuquerque Christo.
José Manuel Macedo Pereira.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
Manuel A. de A. de Azevedo Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Custódio Jacinto Gingão.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Cavalheira Antunes.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

António Cândido Miranda Macedo.
António Fernandes da Fonseca.
José Luís do Amaral Nunes.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Rui Paulo do Vale Valadares.

Partido Social-Democrata (PSD)

António José dos Santos M. da Silva.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Manuel Barata Portugal.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Eduardo José Vieira.
José Manuel M. Sampaio Pimentel.
José Rui Sousa Fernandes.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Rúben José de Almeida Raposo.

Página 156

156 I SÉRIE - NÚMERO 5

Centro Democrático Social (CDS)

Adelmo Manuel Lopes Amaro da Costa.
Alcino Cardoso.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
João Gomes de Abreu de Lima.
Victor António Nunes de Sá Machado.

O CHEFE DA DIVISÃO DE REDACÇÃO, José Pinto.

PREÇO DESTE NÚMERO 10$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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