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I Série - Número 37
Quarta-feira, 14 de Março da 1979
DIÁRIO da Assembleia da República
I LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1978-1979)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE MARÇO DE 1979
Presidente: Exmo Sr. Teófilo Carvalho dos Santos
Secretários: Exmos Srs.
Alfredo Pinto da Silva
Carlos Alberto Coelho de Sousa
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Aprovados os n.ºs 26 e 27 do Diário, deu-se conta do expediente, da apresentação de vários requerimentos e do recebimento de respostas a requerimentos.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Alda Nogueira (PCP) teceu considerações a propósito da passagem, no passado dia 8, do Dia Internacional da Mulher.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jaime Gama (PS) fez várias considerações sobre o problema do referendo, cujos defensores criticou, nomeadamente o primeiro-ministro, e da revisão da Constituição. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Pena (CDS) e Cunha Leal (PSD), tendo também respondido a um esclarecimento do Deputado Social-Democrata, que ainda formulou um protesto.
O Sr. Deputado Dias Ferreira (PCP) criticou o Ministério da Agricultura e Pescas pelas consequências da entrega de reservas no Alentejo, em especial no distrito de Portalegre, no que foi secundado pelos Srs. Deputados do PS Ludovina Rosado e António Campos. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Simões de Aguiar (PSD), seguindo-se um esclarecimento por parte do Sr. Deputado José Luís Nunes (PS).
O Sr. Deputado Sousa Marques (PCP) criticou o Governo pela marginalização do Instituto das Participações do Estado.
O Sr. Deputado Cabral Fernandes (CDS) referiu-se ao problema da delinquência infantil e juvenil na ilha da Madeira, lamentando a demora na instalação e entrada em funcionamento do Tribunal Tutelar de Menores do Funchal. Respondeu no fim a um esclarecimento dado pelo Sr. Deputado Nunes de Sousa (PSD) e a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mendes Godinho (PS).
O Sr. Deputado Joaquim de Sousa (PS) falou do problema da legalização da ocupação de um prédio do Ministério do Comércio e Turismo pelos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz para servir de quartel e da resposta que recebeu do Ministério da Defesa Nacional a um requerimento subscrito por si e pelo Sr. Deputado Telmo Neto, no qual inquinam da possibilidade da utilização da Base Aérea n.° 5, em Monte Real, para voos charters. Respondeu no fim a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Faria de Almeida (CDS)
A Sr.ª Deputada Rita Vidal (PSD) teceu considerações sobre a situação da mulher no nosso pais.
Ordem do dia. - Na primeira parte, os Srs. Deputados Raul Rego (PS) e Acácio Barreiros (UDP) foram autorizados a depor na Polícia Judiciária e no 7.° Juízo Correccional de Lisboa, respectivamente.
No prosseguimento da discussão sobre as propostas de alteração ao Regimento, usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Lopes Cardoso (Indep ), Vilhena de Carvalho (PCP) e Carmelinda Pereira (Indep.). Tendo um grupo de Deputados independentes apresentado uma proposta de emenda à proposta de alteração relativa ao artigo 83.° do Regimento e o Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP) uma proposta de alteração ao artigo 86 °, o assunto baixou para reapreciação à Comissão de Regimento e Mandatos
Na segunda parte, foi discutido na generalidade o projecto de lei n.° 109/I, apresentado pelo PSD, sobre o direito à greve na função pública. Lido o relatório da Comissão de Trabalho pelo Sr. Deputado Furtado Fernandes (PSD), fizeram intervenções na generalidade, além daquele Deputado, o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) - que respondeu no fim a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Furtado Fernandes (PSD) -, Rodrigues Pimenta (PS), Jorge Leite (PCP) e Acácio Barreiros (UDP). O projecto de lei foi rejeitado, tendo proferido declarações de voto os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Rúben Raposo (PSD), Dias Ferreira (PCP) e Rodrigues Pimenta (PS).
Entretanto, o Sr. Presidente apresentara, em seu nome e no da Assembleia, condolências ao Sr. Deputado do PCP Manuel Gomes pelo falecimento de sua mãe.
A Mesa referiu ainda a apresentação de quatro propostas de lei e de um projecto de lei.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs, Deputados:
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
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Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Barros dos Santos
António Cândido Miranda Macedo
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Almeida Cal Brandão
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Natividade da C. Candal
Dieter Dellinger.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de Assis de M. Lino Neto.
Francisco Igrejas Caeiro.
Henrique do Carmo Carmine.
Herculano Rodrigues Pires
Jaime José Matos da Gama
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Joaquim Comes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Barros de Sousa.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Ferreira Dionísio.
José Luís do Amaral Nunes.
José Macedo Fragateiro.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Ludovina das Dores Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Alfredo Cardoso Monteiro.
Luís José Godinho Cid.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Branco Ferreira Lima.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Telmo Ferreira Neto.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Victor Fernandes de Almeida.
Partido Social Democrata (PSD).
Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
António Augusto Gonçalves.
António Joaquim Veríssimo.
Armando António Correia.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Eduardo José Vieira.
Fernando Adriano Pinto.
Gabriel Ribeiro da Frada.
João Manuel Ferreira.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
José Alberto Ribeiro.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro de Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Maria Élia Brito Câmara.
Maria Rita S. de Almeida P. M. L. Vidal
Mário Fernando de Campos Pinto.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Raposo.
Victor Hugo Mendes dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro
Angelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugênio Maria N.
Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. F. Pulido de Almeida.
Joaquim A. da F. P. de Castelo Branco.
José Cunha Simões.
José Luís R. de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
Luís Esteves Ramires.
Margarida Garces da S. Ventura.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Mendes Tavares.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Juzarte.
António Marques Pedrosa.
Cândido de Matos Gago.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos H. S. Aboim Inglês.
Custódio Jacinto Gingão.
Eduardo Sá Matos.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Hermenegilda Rosa C. Pacheco Pereira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim da Silva Rocha Felgueiras.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Cavalheira Antunes
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascenção M Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
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União Democrática Popular (UDP)
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Independentes
António Jorge de O. Aires Rodrigues.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 144 Srs. Deputados.
Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Estão em aprovação os n.º 26 e 27 do Diário.
Há alguma oposição?
Pausa.
Como não há, consideram-se aprovados. O Sr. Secretário Pinto da Silva vai agora proceder à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente Exposição
Da comissão de trabalhadores da Mesa, expondo a situação da empresa e solicitando uma audiência ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
Moções
Aprovada pela Assembleia Municipal de Matosinhos, em sessão realizada em 23 de Fevereiro de 79, repudiando a política seguida pelo actual Governo no que diz respeito às cooperativas de habitação, exigindo medidas imediatas e eficazes que desbloqueiem a situação criada com os cortes de financiamentos e exigindo ainda a publicação das portarias regulamentares do Decreto-Lei n.º 268/78.
Aprovada no colóquio sobre o Serviço Nacional de Saúde realizado pela Sociedade Recreativa Musical Primeiro de Agosto Santa-Iriense, aprovando nas suas linhas gerais o projecto de lei sobre o Serviço Nacional de Saúde apresentado pelo Partido Socialista.
Ofícios
Da Assembleia de Freguesia de Queluz, remetendo fotocópias de abaixo-assinado, cuja primeira signatária é a Sr.ª D. Maria Alda P. da Silva Santos, em que se solicita com a maior urgência a instalação da iluminação pública no Monte Abraão.
Da Câmara Municipal de Braga, enviando moção aprovada por unanimidade pela Assembleia Municipal, na qual se protesta contra o despacho do Secretário de Estado dos Transportes que impediu a Rodoviária Nacional de explorar os transportes urbanos de Braga e se exige a revogação do referido despacho.
Da comissão de trabalhadores da Rodoviária Nacional de Braga, remetendo fotocópias do despacho do Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações e respectivo comentário-exposição em defesa da integração dos transportes urbanos de Braga na Rodoviária Nacional.
Centenas de ofícios, moções e telegramas de autarquias locais e respectivos órgãos, de sindicatos e outras associações, exigindo a aplicação imediata pelo Governo da Lei das Finanças Locais.
Abaixo-assinados
Dos trabalhadores de A Social, cujo primeiro signatário é o Sr. Manuel José R. Gonçalves, protestando contra as arbitrariedades da Comissão Administrativa da Radiodifusão Portuguesa e do Ministério da Comunicação Social, nomeadamente quanto à exoneração de Igrejas Caeiro, à suspensão do programa Contraponto, ao despedimento de José Manuel Nunes e à instauração de processo disciplinar a outro trabalhador.
Enviado pela comissão de trabalhadores e sindicatos do sector nacionalizado das pescas e cujo primeiro signatário é o Sr. Vítor Manuel Pereira de Almeida, considerando indispensável que as medidas apontadas pelos trabalhadores sejam levadas à prática para a reestruturação do sector.
Contendo 542 assinaturas de todos os trabalhadores da UTIC (filial do Porto), cujo primeiro signatário é o Sr. António Domingues, manifestando a sua disposição de lutar contra as medidas anunciadas e praticadas pelo Governo, nomeadamente o baixar o limite do aumento salarial para 18%, aumento dos transportes e imposto sobre o 13.º mês, entre outras.
Tendo por primeiro signatário o Sr. José Ribeiro Ferreira e em nome de todos os utentes dos transportes urbanos de Braga, exigindo que seja assinado o acordo para a integração daqueles transportes urbanos na Rodoviária Nacional.
Telegramas
Da Câmara Municipal de Tarouca, protestando, em nome de toda a população do concelho, contra a suspensão do serviço de urgência do hospital local e discordando do destacamento dos policlínicos para outros concelhos.
Da secção de Alvalade do Partido Socialista, protestando contra a suspensão do programa "Os Anos do Século" levada a efeito pela Comissão Administrativa da RTP, por se tratar de um ataque à liberdade de informação consagrada na Constituição, e exigindo a reintegração dos elementos suspensos e a retomada do referido programa.
Enviados conjuntamente com moções de protesto pela tentativa de abertura aos sábados à tarde dos supermercados "Pão de Açúcar", em manifestação de apoio e solidariedade para com os trabalhadores dos referidos supermercados.
Da secção de Ramalde do Partido Socialista, repudiando a suspensão do programa "Os Anos do Século" e pedindo aos representantes do povo que defendam a liberdade.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai também dar conta dos requerimentos apresentados na última reunião e das respostas a requerimentos recebidas.
O sr. Secretário (Pinto da Silva): - Os requerimentos apresentados são os seguintes: ao Governo e ao Ministério dos Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Teimo Neto, Miranda Calha e Jaime Gama, respectivamente; aos Ministérios da Agricultura e Pescas e da Indústria e Tecnologia, formulado pelos Srs. Deputados Magalhães Mota e Cunha Rodrigues; ao Governo e diversos Ministérios (23), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios da Educação e Investigação Científica, da Justiça, dos Assuntos Sociais e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Sérvulo Correia; ao Ministério da Educação e Investigação Científica, formulados pelo Sr. Deputado Gonçalves Sapinho; ao Ministério da Comunicação Social, formulados pelo Sr. Deputado Nandim de Carvalho; ao Ministério da Educação e Investigação Científica e à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Sérvulo Correia e Gonçalves Sapinho; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado Moura Guedes; ao Governo, formulado pelo Sr. De-
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pulado Guerreiro Norte; aos Ministérios da Educação e Investigação Científica e da Justiça, formulados pelo Srs. Deputados Fernando Costa e João Manuel Ferreira, respectivamente; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Moreira da Silva; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelos Srs. Deputados Magalhães Mota e Ferreira Júnior; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. deputado Coelho de Sousa; ao Governo e aos Ministérios da Indústria e Tecnologia, do Trabalho e dos Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Sá Matos e Joaquim Felgueiras; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Georgete Ferreira; ao Ministério da Educação e Investigação Científica, formulado pelos Srs. Deputados Jorge Leite e Matos Gago; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Alda Nogueira e Custódio Gingão; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados José Vitoriano e Joaquim Gomes, respectivamente; ao Ministério da Educação e Investigação Científica, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos, Matos Gago e Zita Seabra; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Maia Nunes de Almeida e António Garcia; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelos Srs. Deputados Zita Seabra e Joaquim Felgueiras; ao Ministério do Trabalho, formulado pelos Srs. Deputados António Juzarte, Severiano Falcão e Jerónimo de Sousa; aos Ministérios do Trabalho, das Finanças e do Plano, dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e do Comércio e Turismo, formulados pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros.
As respostas a requerimentos recebidas pela Mesa são as seguintes: do Ministério dos Transportes e Comunicações, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Walter Cudell na sessão de 17 de Outubro de 1978; do Ministério da Habitação e Obras Públicas, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Reis Luís, António Este vês, Luís Filipe Madeira, Francisco Barracosa, Jorge Lemos, Manuel Gomes e Matos Gago nas sessões de 23 de Novembro de 1978 e 1 de Fevereiro de 1979, respectivamente; do Ministério dos Transportes e Comunicações, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Jerónimo Pereira na sessão de 6 de Dezembro do ano passado; da Secretaria de Estado da Energia e Indústrias de Base, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Sousa Franco na sessão de 9 de Janeiro último.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora ao período das declarações políticas. Estão previstas duas e a que vai seguir-se, do PCP, transitou da sessão anterior.
Para a proferir, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou proceder à leitura de uma declaração política do Partido Comunista Português que deveria ter sido proferida na última reunião desta Assembleia, que coincidiu com o Dia Internacional da Mulher. À declaração política seguir-se-ia a apresentação de um voto de saudação, que o nosso grupo parlamentar resolveu retirar, dada a sua inoportunidade.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Neste Dia Internacional da Mulher de 1979 desejamos saudar todas as mulheres portuguesas, independentemente das tendências e opções políticas e credos religiosos, por todo o seu esforço abnegado, silencioso, por vezes, mas nem por isso menos importante, por toda a sua acção corajosa que no passado deram e no presente continuam a dar, à conquista, defesa e fortalecimento da democracia e da paz em Portugal.
Estamos certos de que nesta saudação nos acompanham os Deputados desta Assembleia das várias bancadas.
Desejaríamos igualmente, acrescentar umas palavras, simples mas muito claras, sobre a importância do papel da Assembleia Constituinte e desta Assembleia da República para a melhoria da situação das mulheres portuguesas como mães, como donas de casa. como trabalhadoras, enfim, para acabar com as situações de injustiça social de que têm sido vítimas e para pôr fim a toda a discriminação. Isto sucedeu quer na Constituição da República, quer posteriormente em legislação aqui já aprovada nesta Assembleia.
É verdade que não basta legislar, e a prática de todos os dias nos prova que assim é, já que, quer a nível do trabalho, quer a nível da família, quer de uma maneira geral como simples cidadã, as violações das leis aqui aprovadas são infelizmente frequentes no que respeita às mulheres. As discriminações continuam a verificar-se, mas também não e menos verdade que é de real e grande importância que na Constituição da República e noutra legislação aqui aprovada a mulher portuguesa tenha consagrados os seus direitos como qualquer cidadão e, por outro lado. que a função social da maternidade seja indiscutivelmente reconhecida como é na própria Constituição. Sucede, porém, neste campo específico (da maternidade) que tal função social está bem longe de ser encarada ainda como tal.
É verdade que diminuíram os partos sem assistência no nosso país após o 25 de Abril, o que não podemos deixar de considerar positivo, mas ainda se mantém, em número elevado, tal mancha negra, que marca necessariamente a mãe e a criança - o futuro cidadão deste país de que tanto se fala mas que se pouco se considera por vezes. E que dizer quando se pretende reduzir o déficit orçamental à custa da redução brutal do subsídio de aleitamento para as crianças no primeiro ano de vida (isto em pleno Ano Internacional da Criança!)?
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
A Oradora: -- Que dizer dos mais de 40% de analfabetos ainda existentes entre as mulheres, a despeito desta Assembleia já ter aprovado legislação que, a ser posta em prática, acabaria dentro de algum tempo com tal situação? Ora, as anunciadas medidas do Governo, a serem postas em prática, adiariam para mais de um ano a aplicação de tal legislação.
Que dizer das dificuldades crescentes com que mais de 2 milhões de donas de casa deste país se debatem para "governar" a casa com salários cada vez mais baixos e os preços a subirem em flecha?
Que dizer do facto de, apesar de as mulheres trabalhadoras constituírem pouco mais de um quarto de ioda a população activa, serem cerca de metade dos trabalhadores à procura de emprego em 1977?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me vou alongar nestes problemas, nem nas discriminações salariais, de promoção e formação profissional de que a mulher portuguesa ainda é vítima inconstitucionalmente.
Não somos idealistas, sabemos bem que não basta legislar e que é necessária a vontade política do Executivo para levar à prática as leis democráticas aqui aprovadas. E é isto que não se tem verificado nos últimos governos.
Nesta situação é naturalmente às mulheres (embora não só) que cabe, em primeiro lugar, lutar pela aplicação da legislação que em defesa dos seus direitos e interesses aqui tem sido aprovada. E felizmente, em sua honra seja dito, as mulheres têm agido neste sentido de uma forma cada vez mais determinada.
Daqui vai também a nossa saudação por toda esta acção e luta das mulheres pela solução dos seus problemas específicos.
Aqui, nesta Assembleia, vários Deputados e Deputadas têm levantado alguns destes problemas mais agudos e mais candentes. E não o têm feito apenas uma vez por ano neste Dia Internacional da Mulher. Pelo nosso lado, continuaremos a fazê-lo. Certamente outros Deputados e Deputadas o farão também.
Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para a segunda declaração política de hoje, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
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O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm-se sucedido com inesperada frequência declarações políticas acerca do problema do referendo. Analistas e personalidades de diversa origem multiplicam-se em declarações, entrevistas e conferências, com vista à criação apressada de uma ideologia referendaria e plebiscitaria. Confundindo o papel exercido pelos mecanismos do referendo em diversas democracias, a actual vaga referendaria procura condicionar e alterar a todo o custo os calendários eleitorais e os mecanismos legítimos da revisão constitucional, associando a ideia de referendo constitucional à antecipação de eleições presidenciais.
O súbito revalorizar de conceitos de "democracia directa" e de "iniciativa dos cidadãos" por parte de forças políticas claramente identificadas com a negação dos objectivos democráticos e dos interesses populares e, em si mesma, suficientemente suspeita para merecer qualquer credibilidade.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - Trata-se, como é óbvio, de um claro expediente manipulador, onde certos mecanismos, retirados da sua normal inserção, aparecem a desempenhar um papel meramente retórico no contexto mais vasto da ideologia antidemocrática e obscurantista.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - O relevo dado a esses mecanismos não surge no propósito de alargar o campo de influência das relações democráticas, mas fundamentalmente como a expressão de uma via anticonstitucional, inorgânicas e extraparlamentar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sebastianista, miguelista e integralista, por tradição cultural e histórica, a demagogia referendaria e sempre anti-republicana e antidemocrática na sua formulação actual.
Aplausos do PS e do PCP.
Simultaneamente populista e antipopular, ela corporiza o que há de pior na linha autoritária e antimoderna do pensamento político português.
O esquema segundo o qual a revisão da actual Constituição se deve fazer recorrendo à antecipação de eleições presidenciais e a sujeição a referendo de uma constituição nova e já feita constitui um quadro de referência inteiramente ilegítimo e contrário ao regime democrático.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - De resto, a insistência impotente com que alguns se referem à panaceia da revisão constitucional está a constituir autêntica doença nacional, uma vez que e na questão do Governo e não na questão da revisão constitucional que residem os principais problemas do País.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Só quem estiver disposto a aceitar passivamente o logro de criar bodes expiatórios, ideológicos ou institucionais, ê que continuará a iludir esta questão e a iludir-se a si próprio
O Sr. Herculano Pires (PS): - Muito bem!
O Orador: - A revisão constitucional, que não e o mais importante dos problemas nacionais, far-se-á na altura própria, segundo os mecanismos adequados.
O Orador: - Que se desiludam os apregoadores de outros caminhos.
Ainda recentemente se fez ouvir no sentido da clareza constitucional a opinião fundamentada dos Profs. Jorge Miranda e Sousa Franco, tendo este último dito com toda a nitidez que "recorrer ao referendo para rever esta Constituição seria recorrer ao mais democrático dos golpes de Estado possíveis".
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Cabe naturalmente aos Órgãos de Soberania defender a ordem constitucional que os legitima. Assim têm procedido o Presidente da República e a Assembleia: aquele porque jurou fidelidade à Constituição, a qual exclui a revisão constitucional por referendo, e esta porque é composta por forças políticas respeitadoras da ordem constitucional e a quem repugna o recurso a procedimentos menos correctos.
Foi, portanto, com a maior estranheza que o PS viu reproduzidas no Diário de Noticias declarações do Primeiro--Ministro nas quais, em resposta a uma pergunta sobre a possibilidade de revisão constitucional por referendo, o Prof. Mota Pinto deixa transparecer a sua simpatia em relação a tal processo ou, pelo menos, não apresenta em relação a ele qualquer discordância, como lhe competia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se de uma tomada de posição por parte do Primeiro-Ministro que o Partido Socialista reputa de grave.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em nosso entender, o Primeiro-Ministro, ao produzir declarações do género, viola a confiança presidencial, em nome da qual foi nomeado, e entra em conflito com a Assembleia da República, que não impediu a sua investidura.
Aplausos do RS e do PCP.
O Primeiro-Ministro de uma democracia não pode assumir, e muito menos encabeçar, os projectos anticonstitucionais de revisão da Constituição.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se compreende, de resto, este súbito retraimento do Prof. Mota Pinto em relação a uma Constituição de que foi um dos principais autores. Aliás, em declaração de voto proferida na Constituição, o actual Primeiro-Ministro teria oportunidade de dizer: "Votámos a favor da Constituição porque o seu balanço é francamente positivo! [...] Como era forçoso, a Constituição, resultado de compromissos e consequências conjunturalmente datados, tem desequilíbrios e até defeitos. Mas estes, tenhamos disso consciência, estão a ser empolados artificialmente em alguns meios. O empolamento, quando não resulta de deturpação ou de superficial etiqueta ideológica, reveste a forma de uma interpretação rígida e maximalista de um ou outro artigo, contrária, a nosso ver, à natureza das coisas. Assim se quer inculcar a ideia, desfigurando os preceitos, de uma imprestabilidade de certos artigos que lhe dão um efeito desestabilizador e possibilitar um retrocesso. Há que contrariar estas tendências. Correctamente interpretada, em seu sentido e alcance, a Constituição pode fornecer um quadro adequado à afirmação da independência nacional, à democracia e à estabilidade, à recuperação económica e à transição para uma sociedade mais justa."
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - A adesão entusiástica ao plebiscito populista de uma nova constituição, à semelhança e o que aconteceu com o texto constitucional de 1933, deve ser recusada com energia e vigor por parte de todos aqueles que acreditam nas potencialidades do regime democrático saído do 25 de Abril. A fidelidade aos princípios constitucionais exige o repúdio do referendo como forma de revisão da actual Constituição.
Aplausos do PS e du PCP.
O Prof. Mota Pinto não deverá cair nos erros e desvios que ele próprio tão energicamente criticou.
Sr Presidente, Srs. Deputados: Constituído sob o signo da directiva presidencial de proporcionar o diálogo e o acordo entre forças políticas, o IV Governo recebeu a investidura da Assembleia da República porque se comprometeu a não alterar o esquema substancial do desenvolvimento democrático português numa situação de crise Consciente das respectivas limitações de actuação, o IV Governo deveria permanecer fiel ao seu mandato constitucional. Porém, não e isso o que se tem verificado. Crescentemente influenciado pelos ditames de autênticos grupos de pressão, preferindo a fidelidade ideológica à competência e à isenção na escolha de responsáveis, tomando toda a espécie de decisões precipitadas e contrárias às aspirações do povo e dos trabalhadores este Governo minoritário, incoerente e instável tem hoje contra si a maioria dos portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Recorrendo a uma linguagem que há muito deixou de ser ouvida nas democracias europeias, o Governo Mota Pinto disfarça a sua real incompetência em batalhas verbais de efeito duvidoso.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - A oposição ao actual Governo é um imperativo democrático e nacional A criação de uma alternativa ao IV Governo é um dever das forças sociais e políticas e dos Órgãos de Soberania sinceramente empenhadas no futuro livre e democrático do nosso país.
Aplausos do PS
Ao tomar, no seu 111 Congresso, a decisão de lutar contra o actuai Governo - decisão sua reconfirmada pelas recentes e polémicas declarações de Mota Pinto - o PS assumiu a responsabilidade de assegurar a todos os portugueses um futuro democrático estável Um governo cujo principal responsável tão claramente ameaça pisar o caminho da inconstitucionalidade não deverá ter vida longa. A democracia portuguesa encontrará alternativas adequadas para a resolução justa e patriótica dos problemas nacionais.
Vozes do PS: - Muito bem'
O Orador: - O povo português não consentirá que aqueles que receberam o poder por vontade livre das suas instituições preparem veladamente a sua destruição.
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - A democracia e a ordem constitucional estão sólidas e, por isso, não receiam os arautos transpositivos da ordem nova. Esta Assembleia e o Presidente da República não se demitirão das suas funções. Os golpistas da revisão pelo referendo verão gorados os seus propósitos. A consciência democrática majoritária derrotará os seus adversários. O futuro pertence à democracia portuguesa
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena para pedir esclarecimentos.
O Sr. Rui Pena (CDS). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente, ouvi apenas a parte final da declaração política do Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Herculano Pires (PS): - Foi pena!
O Orador: - Em todo o caso, sabida a posição do nosso grupo parlamentar acerca de um eventual referendo sobre a revisão constitucional e conhecidos os termos em que. segundo o nosso último Congresso, ele pode vir a ser admitido, única e exclusivamente partindo da iniciativa do órgão máximo de soberania, que é a Presidência da República ...
Risos do PCP.
.. não deixo de ficar perplexo - e a perplexidade e hoje alguma coisa que de certo modo contagia todos os políticos portugueses - quando vejo a deliberada oposição e o receio que o Sr. Deputado Jaime Gama, em nome do partido que representa, manifestou relativamente ao referendo, que é. na pureza dos princípios, o meio democrático por excelência para verificar a conformidade de determinada norma jurídica ou determinado estatuto jurídico com a vontade daqueles a quem o mesmo estatuto se destina.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Não é, não!
O Orador: - E o motivo do esclarecimento que eu desejo pedir ao Sr. Deputado Jaime Gama e o seguinte, em primeiro lugar, considera ou não o referendo como o meio por excelência de manifestação da democracia. Em segundo lugar, se o futuro pertence, como disse o Sr. Deputado Jaime Gania - e eu concordo consigo -, à democracia portuguesa, por que não admitir um referendo sobre a Constituição ou sobre a revisão constitucional? Será que o Partido Socialista e o Sr. Deputado Jaime Gama tem, à partida, receio de que esse referendo não seja favorável à actual Constituição?
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Os plebiscitados!
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Cunha Leal
O Sr. Cunha Leal (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama. V. Ex.ª desboroou uma catilinária contra o Governo. Acontece que o Dr. Mário Soares defende que não se pode derrubar um Governo sem existência de uma alternativa.
O Sr. Deputado Jaime Gama pôs aqui em evidencia e condenou os arautos transpositivos da ordem nova, e eu pergunto o seguinte: por uma questão de coerência, na lógica sequência de toda a tessitura da sua intervenção, qual a alternativa que nos propõe. Sem isso, ficamos sem compreender absolutamente nada.
O Sr. Herculano Pires (PS): - Ê a mesma que o PSD propôs quando derrubou o 1 Governo Constitucional!
O Orador: - Sc a resposta é essa, estamos cie acordo
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): -- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento que o Sr Deputado Rui Pena não tivesse podido assistir integralmente às palavras que proferi em nome do grupo parlamentar do meu partido.
O Sr. Deputado Rui Pena deu, aliás, oportunidade a esta Assembleia e ao País em geral de constatarem uma vez mais aquilo em que tem consistido a confusão sistemática dos
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ideólogos referendados acerca do problema do referendo. Isto porque uma coisa é, no plano jurídico-constitucional, falar da adopção ou do recurso a mecanismos de referendo - à semelhança daquilo que existe em outras democracias -, não para contestar, combater ou negar as instituições representativas, mas antes para as aprofundar e desenvolver, e outra bem diferente é defender o referendo como forma de apelo à população organizada contra os próprios Órgãos de Soberania e, muito em particular, defender o referendo como forma de revisão constitucional.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - De resto, em relação a este ponto põe-se uma questão muito clara. A primeira pessoa - e faça-se-lhe justiça - a defender em Portugal o referendo como método de revisão constitucional, isto é, a apresentação de uma Constituição nova por parte do Presidente da República e a sua submissão a referendo, foi o presidente do MIRN, actual partido da direita portuguesa, o general Kaulza de Arriaga. É interessante verificar como esses pontos de vista, que na altura foram combatidos, inclusivamente pelo próprio CDS e pelos seus mais lídimos representantes, estejam agora a ser adoptados pelo partido do qual o Sr. Deputado Rui Pena faz parte, e até pelo próprio Sr. Deputado, que, segundo suponho, foi uma das pessoas que se insurgiu contra tal proposta política.
Portanto, Sr. Deputado Rui Pena, em conclusão, queria dizer-lhe o seguinte: o referendo como forma de revisão da actual Constituição, pese embora ao Sr. Deputado, só é susceptível de adopção a partir do recurso prévio à introdução da figura do golpe de Estado. Não há terceira nem quarta alternativa para este problema.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - II a questão que eu devolvia ao Sr. Deputado Rui Pena - que admite, aliás de foi ma tão confusa e sem distinguir os diferentes tipos de referendo, a revisão constitucional através do recurso ao referendo - é a de lhe perguntar se o Sr. Deputado concorda com o necessário golpe de Estado que terá de preceder a realização desse referendo, como é natural.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Dá-me licença que o interrompa.
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Rui Pena (CDS): - O Sr. Deputado procurou fazer uma confusão das minhas palavras que elas não admitiam de qualquer forma.
Evidentemente, existem dois tipos de referendo, mas eu referi-me única e exclusivamente àquele que considero perfeitamente constitucional, admitido e integrado na própria revisão da Constituição. Portanto de forma alguma estava implícito qualquer recurso ao golpe de Estado para o permitir. Logo, será sempre na base cie um poder constituinte dado aos Deputados que vierem integrar esta Câmara na próxima legislatura, dotados do conjunto de poderes que lhes são dados pelo povo, que eles próprios poderão consultar esse mesmo povo, numa fase final, depois de eventualmente lerem avançado com o objecto de revisão constitucional que entenderem. É uma confusão manifesta, que eu repudio, o falar-se em golpe de Estado para se legitimar esse mesmo referendo que única e exclusivamente tem a ver com os poderes constituintes dos futuros Deputados.
O Orador: - Felicito-me com a posição do Sr. Deputado Rui Pena, porque, embora ela não corresponda aos meus pontos de vista, diverge claramente daquilo que o Sr. Deputado deixou entender na sua intervenção inicial. Aplausos do PS.
Ao excluir tão claramente, como acaba de fazer, a iniciativa referendaria das competências do Sr. Presidente da República, o Sr. Deputado decerto contribuiu para clarificar, de uma forma bastante precisa, a posição do seu partido em relação a essa matéria.
Risos do PCP.
Quanto às questões postas pelo Sr. Deputado Cunha Leal - e lamento que tenha visto na minha intervenção uma catainária, pois se nesta Assembleia há quem não faça e quem faça catilinária serei eu e o Sr. Deputado, mas creio que neste caso inverteu um pouco os respectivos papéis queria dizer, contrariamente ao que o Sr. Deputado poderia julgar, que não há nenhuma espécie de contradição entre aquilo que eu disse e aquilo que o Sr. Deputado afirmou.
A nossa posição tem sido clara O Partido Socialista é um partido de oposição ao actual Governo, ao qual não tem dado o seu apoio político, contrariamente ao que acontece, de uma forma sistemática, com o CDS e, de uma forma um tanto hesitante e circunstancial, com o PSD.
O PS também não se coloca numa posição de obstrução ao actual Governo. Entende - e tem-no dito sempre - que a oposição a este Governo deve ser exercida na proporção da construção de uma alternativa sólida a esse mesmo Governo, antes ou depois da realização de eleições legislativas.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não vejo. portanto, qual o motivo de escândalo que o Sr. Deputado encontrou na minha intervenção.
O Sr. Cunha Leal (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Cunha Leal (PSD): - É para prestar um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Cunha Leal (PSD): - Sr. Presidente, necessariamente por deficiência minha, que não do Sr. Deputado Jaime Gama, eu não havia compreendido aquilo que cie de facto nos disse.
Na realidade, cie quer que o Governo se mantenha, que o Governo prossiga, que o Governo continue a governar ...
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Que o Governo se atasque!
O Orador: - ..., apesar de tudo quanto disse. É lá com ele, mas não deixo de registar a rectificação que acaba de fazer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Cunha Leal, manifestamente, extrai uma conclusão ilegítima das minhas palavras. Isto pelo facto de o Partido Socialista se encontrar em oposição ao actual Governo e pelo facto de também neste momento - por circunstâncias que não envolvem apenas o Partido Socialista, mas o conjunto dos Órgãos de Soberania e as outras forças políticas, entre as quais o partido político de que o Sr. Deputado Cunha Leal faz parte - a fórmula política existente não ser objecto de uma alternativa a imediatíssimo prazo. Mas, enquanto o objectivo político do Sr. Deputado Cunha Leal - ao que deduzo das suas palavras - é o de perpetuar essa fórmula e de não introduzir na vida política nacional nenhuns mecanismos de rotura que permitam a constituição gradual e positiva de uma alternativa, a posição do Partido Socialista é manifestamente diferente. De
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resto, eu não diria mais nada e concluiria assim: ao ouvir as últimas palavras do Sr. Deputado Cunha Leal diria estar a ouvir o discurso do dirigente do Partido Comunista Português Carlos Costa no último fim de semana.
Rixas.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Olhem que semelhança!
O Sr. Cunha Leal (PSD): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Cunha Leal (PSD): - Creio que não falei na posição do meu partido, não defini qual era a atitude do meu partido face a este Governo, nem falei no pensamento político que nós tínhamos no tocante à actuação deste mesmo Governo. Reportei-me tão-só e exclusivamente às afirmações aqui produzidas pelo Sr. Deputado Jaime Gama: de início foram umas, depois pareceu-me que as segundas divergiam profundamente das primeiras - quase considerava o que tinha dito como filho espúrio de qualquer sentimento que, por razões que eu desconheço, tinha motivos para não apadrinhar.
A questão é um problema de consciência dele, mas a verdade é esta: é que não percebo como e que para se responder a uma pergunta simples, concreta e directa se possa ir procurar divertículos que desvirtuam a essência da pergunta.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Ferreira.
O Sr. Dias Ferreira (PCP): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda recentemente, o meu camarada Custódio Gingão teve a oportunidade de denunciar nesta Assembleia da República muitos dos aspectos da brutal ofensiva desenvolvida em toda a zona da Reforma Agrária.
As arbitrariedades, os abusos e as ilegalidades que campeiam por todo o Alentejo assumem no distrito de Portalegre aspectos particularmente graves, com a fúria avassaladora e destruidora do MAP de Vaz Portugal e Ferreira do Amaral.
Na realidade, a par da brutalidade existente na ofensiva que se tem vindo a desenrolar no meu distrito, com espancamentos e investidas de cães de que resultaram dezenas de trabalhadores feridos, tendo alguns de recorrer a tratamento hospitalar e até a internamento, o MAP escolhe de preferência a noite, surgindo à sucapa e estendendo por todo o distrito o negro manto da fome.
Assim é que desde Outubro de 1978, aquela tristemente célebre equipa do MAP, utilizando fortes dispositivos de forças da GNR, tem batido como um tufão o distrito de Portalegre e, saltando do concelho de Alter do Chão para o de Sousel, deste para o de Crato. para o de Avis, de Campo Maior, Castelo de Vide, Fronteira, Portalegre, Monforte, Eivas, Arronches e Ponte de Sor, entregou já' mais de noventa reservas, com as quais atingiu quarenta UCP's e cooperativas agrícolas das sessenta e quatro existentes.
Destes assaltos, resultou a usurpação de milhares de hectares às UCP's e cooperativas, que foram entregues aos agrários, na sua maioria absentistas, como é, por exemplo, o caso da Herdade da Misericórdia, no concelho de Portalegre, arrancada à Cooperativa 19 de Dezembro, entregue ao agrário Costa Pinto e onde hoje "laboram" apenas uma manada de vacas e o respectivo vaqueiro.
A ofensiva do MAP motivou já a destruição total de duas cooperativas no distrito de Portalegre: a Custou mas Foi, no concelho do Crato, e a Barroqueira, no concelho de Fronteira.
Na primeira destas, constituída por uma só herdade, o reservatário, um tal Rabuja, que se negou a ficar com qualquer trabalhador, entregou-se à "patriótica" tarefa de enterrar a azeitona da propriedade.
Na sequência dos abusos e ilegalidades que emanam do MAP, mais cinco UCP's estão inviabilizadas: a Revolucionária Vilaboinense e S. João, no concelho de Eivas. Resistir é Vencer, no concelho de Fronteira, Companheiro Vasco, de Arronches, e Amante da Ribeira de Longomel, no concelho de Ponte de Sor.
Está ainda na mira do MAP do Governo de Mota Pinto a inviabilização ou destruição de mais vinte e nove UCP's, que foram notificadas para proceder à entrega de mais de setenta reservas.
No concelho de Alter do Chão, três UCP's são notificadas para entregar nove reservas; em Avis, pretende o MAP marcar catorze reservas em cinco UCP's; no concelho de Campo Maior, só na UCP Unidade de Trabalhadores, onde já foram arrancadas catorze reservas, pretende o MAP proceder à entrega de mais cinco; no concelho de Eivas, seriam afectadas três UCP's com sete reservas; em Fronteira seriam inviabilizadas três UCP's com cinco reservas; em Monforte, seis reservas iriam afectar três UCP's; sete reservas seriam arrancadas a cinco UCP's no concelho de Ponte de Sor; em Castelo de Vide, a duas cooperativas, é imposta a entrega de duas reservas; a reserva Notificada à Cooperativa de 4 de Abril, no concelho de Portalegre, implicaria a sua destruição; são doze as reservas marcadas no concelho de Sousel. afectando três UCP's.
Os números acabados de referir podem hoje já não corresponder à realidade, dada a fúria com que o MAP prossegue a sua ofensiva quotidiana de marcar e entregar reservas.
Nos processos de arbítrio que se verificam nos autos de entrega de reservas, o MAP entregou na UCP Estrela Negra de Sousel algumas herdades e um lagar ao último governador civil de Portalegre a soldo da ditadura fascista e pretende entregar-lhe outras na UCP Figueira do Alentejo, no concelho de Avis.
Na UCP Liberdade, no concelho de Alter do Chão, foi requerida uma reserva em nome de Francisco Barreto, já falecido. O filho deste, que nunca teve qualquer ligação com o trabalho agrícola, pois é funcionário público, requereu também a atribuição de uma reserva.
Já em Campo Maior, à UCP Unidade de Trabalhadores foi arrancada uma reserva entregue a Sofia Telo da Gama Minas, octogenária falecida uma semana depois e cujos herdeiros haviam já sido bafejados com as "benesses" do MAP.
No concelho de Fronteira, a UCP Sete Estrelas, de Cabeço de Vide, foi notificada para entregar uma reserva a Maria do Carmo Pereira Vaz, falecida há oito anos.
As UCP's Revolucionária Vilaboinense, Colina Vermelha. Figueira do Alentejo e 4 de Abril são notificadas de que irão ser marcadas reservas a favor de agrários que já têm outras herdades na sua posse, como é o caso do agrário Luna Cruz, de Eivas, de Manuel Tavares e José Elias de Moura, de Portalegre, e José Belo Morais, de Crato, para citar apenas alguns exemplos.
Os abusos e ilegalidades chegam ao ponto de pais e filhos cujas explorações, é do domínio público, terem sido sempre conjuntas, aparecerem agora pelos favores do MAP a requerer reservas distintas, como, por exemplo, Romão Tavares, pai e filho na UCP Colina Vermelha, no concelho de Monforte, e Francisco Carrilho de Moura e José Elias de Moura, pai e filho (único) na Cooperativa 4 de Abril, em Portalegre. E ainda recentemente as Cooperativas Figueira do Alentejo e Sete Estrelas, respectivamente dos concelhos de Avis e Fronteira, foram forçadas a entregar cerca de 200 000 pontos a António Teles Godinho de Carvalho e seu filho José Trancas Godinho de Carvalho.
Esta, uma pequena amostra do enorme rol de enormidades cometidas por Vaz Portugal e Ferreira do Amaral no distrito de Portalegre, que passa pela atribuição de reservas a falsos rendeiros, a motoristas de rendeiros, a pessoas que, sem nunca terem tido qualquer ligação com o trabalho da
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terra, se lembram (ou são obrigados!) a entrar na lista dessa monumental agência de reservas que se dá pelo nome de Ministério da Agricultura.
A escandalosa entrega da Herdade da Barroca a Joaquim José Vieira, na UCP 25 de Abril, em Sousel, é um recente e claro exemplo do que me refiro.
E a também recente entrega de sessenta e três vacas e vinte e um bezerros a Amável Baptista, feitor de Vasco Jardim que igualmente tem uma reserva requerida pertencente à UCP 5 de Outubro, de Cano, é outro exemplo de como se roubam os trabalhadores.
A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Muito bem!
O Orador: - As melhores terras, muitas delas desbravadas pelos trabalhadores ou onde estes instituíram benfeitorias, passando pelas máquinas e efectivos pecuários, tudo é usurpado e entregue aos agrários.
Na UCP Resistência 1.º de Janeiro, no concelho de Alter do Chão, ao ser entregue uma reserva à agrária Maria Pia Castelo Branco, que na altura da ocupação apenas tinha duzentas e quarenta cabeças de gado já vendidas e que os trabalhadores compraram posteriormente ao comprador respectivo, o MAP entendeu, nada mais, nada menos, oferecer-lhe mais setecentas cabeças de gado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje no distrito de Portalegre há desemprego, há fome!
Cerca de 2000 trabalhadores, vítimas da política criminosa do MAP, voltaram a conhecer o que é não ter pão para os seus filhos! E agora, com o fim da campanha da azeitona, esse exército irá implacavelmente aumentar!
A fome voltou a invadir o Alentejo e os lares a quem Abril tinha aberto as portas da liberdade, do direito ao trabalho, do fim da exploração.
Os trabalhadores agrícolas do distrito de Portalegre dizem não a tal política, que repudiam vivamente!
E manifestando-se nas ruas de Portalegre no passado dia 13 de Fevereiro, delegações de trabalhadores das vinte e cinco UCP's mais afectadas pela fúria do MAP avistam-se com o governador civil do distrito, que se confessa impotente para demover o Governo da sua criminosa actividade. Tentam dialogar com os funcionários da delegação de Portalegre do Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, que os informam de que as medidas que executam são ordenadas pelo MAP, quando este afirma que é a sua delegação que faz accionar os mecanismos fomentadores das calamidades que se têm verificado. Posteriormente e por via telefónica, admitem a existência de ilegalidades. No entanto, não as rectificam, antes colaboram no aumentar constante da lista enorme de fraudes.
No dia seguinte, dia 14, cerca de 6000 trabalhadores voltam a manifestar-se na capital do distrito. Percorrem as ruas da cidade, juntando-se-lhes o povo desta, solidarizando-se com a sua luta. que e comum contra o comum inimigo da democracia e do progresso.
Na semana seguinte, dia 19, cerca de 15 000 trabalhadores agrícolas do distrito voltaram a manifestar-se em Portalegre e acompanhados da população da cidade responsabilizaram as entidades governativas pela situação de insegurança e intranquilidade que ali se vive e exigiram o fim da ofensiva contra a Reforma Agrária, a revogação da famigerada Lei Barreto, o cumprimento da Constituição, o direito ao trabalho.
A manifestação fez-se com vivacidade sim, mas com a serenidade que caracteriza os trabalhadores alentejanos e todo o povo português, apesar das entradas da cidade estarem "ornamentadas" por fortes dispositivos de forças da GNR e da polícia de choque, que com a sua presença fora e dentro da cidade procurariam talvez atemorizar e dissuadir os trabalhadores de entrar na cidade capital do seu distrito.
Esta situação motivou o mais vivo repúdio da população de Portalegre, que se mostra intranquila, insegura e indignada.
O povo de Portalegre está solidário com os trabalhadores agrícolas do distrito porque sabe que a defesa da democracia passa pela defesa da Reforma Agrária e que dessa solidariedade frutifica a defesa das suas pessoas e haveres, da sua própria liberdade.
O MAP mente, desvirtua e escamoteia a verdade, calunia os trabalhadores alentejanos e pretende, sem êxito, lançar a confusão junto do povo português.
O povo de Portalegre sabe que com a Reforma Agrária aumentaram as áreas de produção, o parque de máquinas e os efectivos pecuários.
Sabe que, no intuito de aumentar a área dos terrenos para cultura de regadio, foram construídas diversas albufeiras e vemos hoje em algumas UCP's e cooperativas, em pleno funcionamento grandes complexos agro-pecuários, inexistentes no tempo dos agrários.
Sabe que, no campo social a Reforma Agrária significou que muitas crianças podem hoje contar com infantários, onde, libertas do frio, da chuva e dos percalços que a rua lhes propiciava, aguardam o regresso dos pais das ocupações quotidianas; e que foram construídos lares para trabalhadores idosos, abandonados pelos agrários que, como é óbvio, nunca estiveram interessados em lhes facultar o direito a uma pensão de reforma.
A acção antidemocrática da equipa do MAP não pode continuar - é isso que exigem os trabalhadores do meu distrito.
A destruição da Reforma Agrária, a coberto de ilegalidades, arbitrariedades, abusos e até crimes e acompanhada de brutalidades incompatíveis com o regime de Abril, e um atentado gravíssimo contra os interesses dos trabalhadores e contra o interesse nacional.
Por isso cada vez mais se impõe, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que ao protesto e à acção dos trabalhadores alentejanos e de largas camadas da população portuguesa se junte, finalmente, o protesto e a acção desta Assembleia da República!
Aplausos cio PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ludovina Rosado.
A Sr.ª Ludovina Rosado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Levanto aqui a minha voz para me associar às palavras acabadas de proferir pelo Sr. Deputado Dias Ferreira.
O Alentejo, neste momento, está a voltar à situação que tinha antes do 25 de Abril, como se este não tivesse existido. A Lei da Reforma Agrária está a ser ultrapassada pelo Ministério da Agricultura e Pescas e o Alentejo continuará a ser terra queimada. Como conheço profundamente o que foi o sacrifício do povo alentejano antes do 25 de Abril, afirmo que não será possível através da força e da violência com que o MAP está actuar, impor ao Alentejo um novo modelo de Reforma Agrária.
A aplicação da Lei da Reforma Agrária que foi aprovada nesta Assembleia está a ser ultrapassada pelo Ministério da Agricultura e Pescas. Manifesto, pois, o meu repúdio pelo modo como o MAP está a conduzir a sua política agrária no Alentejo, porque conheço perfeitamente o que se está a passar no meu distrito, Portalegre, e que o Sr. Deputado Dias Ferreira, também de Portalegre, denunciou.
Aplausos do PS, do PCP e dos Deputados independentes Vital Rodrigues, Lopes Cardoso, liras Pinto, Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Arnaut.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Simões de Aguiar.
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O Sr. Simões de Aguiar (PSD): - Sr. Deputado Dias Ferreira, depois de ter ouvido a sua intervenção com toda a atenção, permita-me que lhe coloque algumas perguntas, das quais a primeira e a seguinte: e ou não a Lei da Reforma Agrária uma lei aprovada democraticamente?
Segunda pergunta, é ou não o Partido Comunista Português defensor da aplicação das leis aprovadas democraticamente na Assembleia da República?
Terceira pergunta: o Governo, em algum caso, ultrapassou a sua competência? Quando?
Uma voz do PCP: - Em algum caso?!
O Sr. Aboim Inglês (PCP):- Quer ainda mais casos?
Tem cera nos ouvidos?
O Orador: - Sr. Deputado Aboim Inglês, se me quiser interpelar, terá oportunidade, mas agora estou a formular perguntas ao seu camarada e não a si, que fica muito nervoso quando se fazem determinadas perguntas.
O Sr. Aboim Inglês (PCP): - O Sr. Deputado e que me parece que ficou nervoso'
O Orador: - A quarta pergunta é a seguinte: e ou não o Partido Comunista Português - e de uma vez para sempre - um partido que se sujeita às regras democráticas que a maioria do povo português impõe. Quando e que se acaba neste país com a demagogia? !
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Como a sua!
Risos do PCP.
O Sr Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção. 0 nosso colega Simões de Aguiar está a pedir um esclarecimento e peço a vossa atenção para isso.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, estou habituado a que o Partido Comunista, quando não gosta de determinadas perguntas, reaja.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Foi só um aparte!
O Orador: - O Sr. Deputado reagiu sem que eu o autorizasse e estou no uso da palavra.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Não preciso da sua autorização!
O Orador: - Sr. Deputado, como destruir significa, sem dúvida, o desemprego que por sua vez significa miséria...
A Sr a Ercília Talhadas (PCP): - Fome, que o coisa que o Sr. Deputado não conhece!
O Orador: - ... pergunto quando e que o PCP deixa de destruir
Protestos do PCP
A última pergunta que quero fazer é a seguinte: quer ou não o Partido Comunista Português a democracia pluralista em Portugal?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr Deputado Dias Ferreira.
O Sr. Dias Ferreira (PCP). - Sr. Deputado, é óbvio que as nossas posições são antagónicas, tanto aqui como lá fora - de outra forma o Sr. Deputado não estaria nessa bancada.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Tanto assim é que o Sr. Deputado e a sua bancada directa ou indirectamente, apoiam o Governo que. ainda recentemente, em resposta a uma delegação de trabalhadores agrícolas do meu distrito, afirmou que o conceito de reforma agrária dos trabalhadores não e o mesmo que o do MAP, isto é, não e o mesmo do dos Srs. Vaz Portugal e Ferreira do Amaral, que foram quem os recebeu.
O conceito de reforma agrária dos trabalhadores alentejanos. nomeadamente dos do distrito de Portalegre, e o da defesa da democracia, do direito ao trabalho, de produzir para todo o País. enquanto o do MAP - e possivelmente do Sr. Deputado e do partido a que pertence - e precisamente o contrário: e destruir a Reforma Agrária, destruir as liberdades, atacar a democracia, é o desemprego, e a fome. Neste sentido. Sr. Deputado, nunca poderíamos estar de acordo
A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Simões de Aguiar (PSD):- Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Simões de Aguiar (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado, por me permitir esta interrupção Na verdade, o que interessa saber e qual das duas posições, sendo elas antagónicas, defende os interesses reais da população portuguesa.
Risos do PCP.
O Orador: - Sr. Deputado, é óbvio e decorre da intervenção que aqui acabei de produzir - e eu ando no meio dos trabalhadores, pois também sou trabalhador - que a realidade é bem diversa daquela que aponta. Decorre das afirmações que aqui produzi que aumentou o número de máquinas agrícolas, adquiridas umas pelos trabalhadores e outras que lhe foram oferecidas por solidariedade de trabalhadores de outros sectores laborais. Isto são factos indesmentíveis Aliás também o aumento dos efectivos pecuários é uma realidade, como o Sr. Deputado sabe ou devia saber, pois foram quase decuplicados. A produção cerealífera também aumentou. Só quem não quer é que não vê que tudo isto são factos reais. O Sr. Deputado diz que a política dos trabalhadores é destruir, mas só uni cego poderá fazer tal afirmação.
A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - É a linguagem do patronato!
O Orador: - No que diz respeito à aplicação das leis aprovadas na Assembleia da República, bastas vezes o Partido Comunista Português se tem pronunciado no sentido da sua aplicação. É isso que nós queremos, mas o MAP é que as viola.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!
O Sr. António Campos (PS): - Peço a palavra, Sr Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito. Sr. Deputado?
O Sr. António Campos (PS): - Para dar um esclarecimento. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, neste momento, no Alentejo a equipa
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do MAP está a atacar a Reforma Agrária em diversas frentes: não aplicando a Lei, cometendo ilegalidades sobre ilegalidades no distrito de Portalegre - nisso o Sr. Deputado do Partido Comunista tem razão, e a solidariedade da minha bancada expressa pela minha camarada Ludovina Rosado, que também conhece o problema, confirma este facto - que nada têm a ver com a Lei que foi aprovada nesta Assembleia e que tem sido permanentemente denunciadas A equipa do Governo terá. a curto prazo, de dar explicações sobre a Lei da Reforma Agrária que está a aplicar no Alentejo.
A equipa do MAP está também a atacar e a tentar destruir a Reforma Agrária pela via da política de preços que está a seguir. O MAP utiliza ainda outra frente para a combater, pois não permite nenhum investimento às cooperativas, todas têm o investimento cortado - não me refiro ao Crédito Agrícola de Emergência. Como se isto não chegasse, está, sem nenhuma razão, sem qualquer justificação, sem nada que o obrigue, com a polícia permanentemente em cima dos trabalhadores rurais a fim de os obrigar a desistir da Reforma Agrária, organizando ainda bandos de agrários que assaltam as propriedades em conjunto com a GNR, que levam o gado, as máquinas, tudo isto sem o próprio MAP ter o mais pequeno controle.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Qualquer Sr. Deputado que queira deslocar-se ao Alentejo pode ver com os seus próprios olhos que o que ai se está a passar nada tem a ver com a aplicação da lei que aqui foi aprovada. A lei foi, no seu espírito e na sua letra, ultrapassada. Por exemplo, ainda há poucos dias foram entregues 1 100 ha ao Sr. Gago, com tudo o que os trabalhadores tinham produzido, quando a lei não permite que sejam entregues 1 100 ha a um cidadão.
or outro lado, em Portalegre, mais de metade das acções que neste momento estão a ser desencadeadas pelo MAP nada têm a ver com a aplicação cia Lei da Reforma Agrária. Isto não se passa noutros distritos, mas em Portalegre é o cúmulo: não existe lei, não existe equipa do MAP, existe só a vontade de uns serviços que, a seu bel-prazer e dos seus amigos, entregam reservas como querem e lhes apetece.
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Simões de Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr Presidente: - Sr. Deputado Simões de Aguiar, pede a palavra para um protesto ou para prestar esclarecimentos? São estes os únicos casos em que pode usar da palavra.
O Sr. Simões de Aguiar (PSD): - Para um simples esclarecimento, Sr. Presidente, pois não vale a pena protestar.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de esclarecer, Sr. Deputado.
O Sr. Simões de Aguiar (PSD): - Quanto à actuação do MAP, o Governo disse aqui várias vezes que se tem limitado a cumprir despachos anteriores. Eu, como Deputado, nunca ouvi qualquer contestação.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Ê surdo!
A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Nunca ouviu porque nunca está cá!
O Orador: - Relativamente ao Partido Comunista Português agradeço as suas respostas aos meus pedidos de esclarecimento, porque elas confirmam que de facto o Partido Comunista foge às respostas...
A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Não foge não, Sr. Deputado!
O Orador: - ...quando e colocado frontalmente perante determinadas situações.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Perante os defensores dos agrários!
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença que preste um esclarecimento, Sr. Presidente''
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquando do debate da Lei da Reforma Agrária teve o meu partido ocasião de votar a favor dessa lei, na formulação que lhe foi dada. Penso que as leis são para serem cumpridas, mas quem viola a Lei da Reforma Agrária não 6 a Assembleia da República, não são os trabalhadores alentejanos, mas o Ministério da Agricultura e Pescas.
Aplausos do PS e do PCP.
Essa violação da lei é feita dentro do seguinte espírito: dizia alguém que na aplicação da lei o pior que pode haver e um mau intérprete e o que tem havido e uma má interpretação da Lei da Reforma Agrária. E paramos aqui, pois poderíamos dizer - e vários factos há que o confirmam - que essa má interpretação não resulta de deficiente preparação jurídica do Ministério da Agricultura e Pescas, antes obedece a uma política determinada e intencional.
Uma questão a que é necessário atender é que a Lei da Reforma Agrária confere ao Ministério da Agricultura e Pescas uma série de poderes discricionários. Como se sabe, esses poderes discricionários são conferidos em ordem a um determinado fim. que é o de executar o projecto agrário contido na lei. Esse projecto agrário contido na lei tinha dois limites: um a concessão de reservas, o outro a continuação das expropriações. Quanto à concessão de reservas, verificaram-se já - temos conhecimento disso - alguns atropelos condenáveis. Acerca da continuação das expropriações, o Governo mantém-se num silencio comprometedor.
Sei que o Governo já aqui declarou que se limitava a cumprir a Lei da Reforma Agrária e os despachos anteriores, mas. citando um grande homem de Estado, eu diria que é tolo aquele político que em política acredita em afirmações dessas, feitas sob palavra de honra. Nós não acreditamos, pretendemos debruçar-nos sobre os factos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, excedemos já o período de antes da ordem do dia, mas está na Mesa um requerimento a pedir o seu prolongamento. Há alguma oposição?
Pausa
Está prolongado o período de antes da ordem do dia.
Ficam inscritos para a próxima sessão, a fim de solicitar esclarecimentos ou prestá-los, os Srs. Deputados Sérvulo Correia, António Campos, Dias Ferreira e Lopes Cardoso.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença!
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Campos (PS): - É só para dizer que prescindo do uso da palavra, Sr. Presidente.
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O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Dá-me licença que interpele a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, tinha-me inscrito já há um bom bocado para interpelara Mesa.
E que aquilo que acaba de se passar hoje nesta Assembleia é altamente lesivo de um grupo parlamentar. Nós tínhamos um Deputado devidamente inscrito para intervir no período de antes da ordem do dia e o que aconteceu foi que nada mais nada menos que três Srs. Deputados da bancada do Partido Socialista usaram da palavra para fazer intervenções fora da ordem e para as quais não estavam inscritos, ao passo que o meu grupo parlamentar mais uma vez se viu inibido de, nos termos normais, fazer intervir um seu Deputado no período de antes da ordem do dia
Efectivamente eu estava inscrito já há bastante tempo para usar da palavra neste sentido e faço-o agora lamentando os factos que se produziram e pedindo à Mesa que de futuro o Regimento seja cumprido em termos estritos, sob pena de haver grupos parlamentares altamente beneficiados em detrimento de outros.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pessoalmente dou-lhe inteira razão, mas assumi a presidência há poucos minutos e tive de conceder a palavra pela ordem das inscrições.
Pessoalmente sou pelo cumprimento rigoroso do Regimento, admitindo, no entanto, certa flexibilidade. Mas é evidente que os trabalhos desta Assembleia tem de obedecer a regras, sem o cumprimento das quais podem resultar casos como aquele que o Sr. Deputado agora citou. Não tenho, naturalmente, qualquer culpa nesta circunstância, mas dou-lhe razão, pois as informações que a Mesa me dá são nesse sentido.
O Sr. Deputado Sérvulo Correia fica com a palavra reservada para a próxima sessão, se desejar usar dela
O Sr. Sérvulo Correia (PSD). - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Como os Srs Deputados António Campos e Sérvulo Correia prescindiram de ficar com a palavra reservada para a próxima sessão, ficam inscritos só os Srs. Deputados Dias Ferreira e Lopes Cardoso.
O Sr. Dias Ferreira (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Também prescindo, Sr. Presidente
O Sr Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso é obrigado a prescindir pelas circunstâncias?
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, não prescindi submetido a qualquer espécie de coacção, como é evidente. É bom que as coisas fiquem claras.
O Sr. Presidente: - Foi isso que eu quis dizer, Sr. Deputado.
Estamos, portanto, no prolongamento do período de antes da ordem do dia e cada grupo parlamentar dispõe de cinco minutos para intervir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 27 de Março de 1975, o Decreto-Lei n.º 163-C cria o Instituto das Participações do Estado como forma de responder à situação de completa transformação do sistema económico português operada pela então recente nacionalização da banca e dos seguros, para além da generalização de várias formas de intervenção do Estado nas empresas.
Legislação posterior, como é o caso do Decreto-Lei n.º 496/76, de 26 de Junho, efectuando o enquadramento jurídico desta empresa pública, vulgarmente conhecida por IPE, não ilude, antes confirma a necessidade de: gerir as participações do sector público no capital de sociedades; supervisionar, orientar, coordenar e fiscalizar a gestão destas; promover a criação de empresas públicas; assegurar a prestação de serviços de apoio às empresas participadas ou com intervenção do Estado, bem como a empresas públicas e a organismos de administração pública; promover a reestruturação financeira das empresas sob a sua supervisão; ou intervir na regulamentação e estruturação da carreira do gestor público.
Mas hoje a que se assiste? Este Governo, um Governo que ignorou, no seu próprio programa, a existência do IPE, um Governo vingativo, desforrista, historicamente nado-morto, de raiva feito contra a real situação do novo Portugal económico e social, em vez de permitir o cumprimento ou fazer cumprir o papel que o próprio enquadramento legal e jurídico do IPE lhe confere, vai tentando transformá-lo em instrumento de manobra retaliatória do grande capital, em mera comissão liquidatária das empresas participadas, entregando-as de mão beijada a quem as cobiça ou destruindo-as com a sanha, apesar de tudo impotente, de quem quer rapidamente retornar ao passado.
A legislação que define e regulamenta o Instituto (e que - nem essa! - e cumprida pelo Governo Mota Pinto e etc.) não está isenta de erros. Apesar disso, um largo campo de acção pode e deve ser concedido ao IPE. Este Governo preocupa-se, no entanto, em estrangulá-lo, em esvaziá-lo de sentido, em retirar-lhe meios e apoios.
Passo a enumerar alguns exemplos claros, concretos e denunciadores.
A faculdade de nomear gestores está suspensa. Por que misteriosas razões? A venda inconstitucional de participações estatais está em marcha. Mas não se conhecem as pressões do FMI? Não se sabe que o Banco Mundial (em relatório de 1977) aponta candidamente para esta medida como fonte de financiamento do IPE e do Estado? Não fica assim claramente demonstrada a completa identidade de pontos de vista entre tais organizações e tal Governo?
O número das empresas participadas é muito superior ao milhar. No entanto, como exemplo, da banca nacionalizada só a Caixa Geral de Depósitos, o Banco de Fomento Nacional, o Banco Borges & Irmão e a Sociedade Financeira Portuguesa e que transferiram para o IPE a titularidade das suas acções Que se espera para exigir que se procedam a todas as transferências? Ou este Governo vai afiando o dentinho para concretizar vendas ilegais à maneira do que tentou o BPA com a Alço ou a União de Bancos Portugueses com o Grupo Sonae/Novopan? A compra de acções do IPE pelo capital privado, principalmente nas indústrias alimentares e de bebidas, vai-se passando no segredo dos gabinetes Que tem este Governo a dizer sobre isto para lá do longo e profundo silêncio em que meditabundamente mergulha.
Um descarado exemplo e o que se passa com a Cive (Companhia Industrial Vidreira) que, estando numa má situação económico-financeira e em estado de grande degradação técnica, sendo a maior empresa nacional produtora de garrafas e estando considerada como uma empresa economicamente viável, contando com uma grande participação do IPE, vê, há largos meses, o seu processo congelado no Banco de Fomento Nacional. Pretenderá porventura este Governo resolver ao menos este caso?
Não. As suas preocupações são outras. Vai desintervencionando a eito. Pega na Moraes e devolve-a ao seu "legítimo proprietário" - O Século. Pega em o Século e põe-o "no prego" ao desbarato. Transferências para o IPE? O que é isso para um Governo que, numa só penada, "arru-
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ma" a Moraes, a Arcádia, o Comércio do Porto ou o Jornal de Notícias? Qual o estatuto jurídico destas empresas? Acaso existirá para este Governo o Decreto-Lei N.º 285/77, de 13 de Julho, que define as transferências para o IPE?
Por último, por hoje e por falta de tempo, apenas uma referência á metalomecânica pesada como prova do acumular de dificuldades ao sector empresarial do Estado. O IPE afirma clara e peremptoriamente que as empresas deste sector fazem parte do que chama o seu "universo estável". Mas o Governo, contra a própria opinião e atitude do IPE, limita-se plácida e languidamente a deixar "andar o barco" à espera que a própria água que vai metendo o afunde como destino irremediável.
Enquanto os trabalhadores de todas estas empresas, a tudo isto, dizem não, hoje mesmo, enviamos um requerimento ao Governo exigindo resposta a estas e outras questões.
O IPE surgiu como uma necessidade no período que se seguiu às nacionalizações. O artigo 83.º da Constituição define que "todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras" e, balizando com limites muito estritos o caso das pequenas e médias empresas que, simultaneamente com essa qualidade, tenham sido indirectamente nacionalizadas, afirma que, "a título excepcional", possam ser integradas no sector privado, "desde que os trabalhadores não optem pelo regime de autogestão ou de cooperativas". Eis pois o enquadramento constitucional que permite afirmar, igualmente, a irreversibilidade das participações públicas em empresas de economia mista, pois que é verdade inquestionável que "tal como no caso de nacionalização indirecta do capital integral de uma empresa, trata-se aqui de um património público, originado num acto de nacionalização".
Há quem queira liquidar o 25 de Abril até com algumas das próprias realizações do 25 de Abril.
A atitude deste Governo perante o IPE é elucidativa. O IPE, Instituto das Participações do Estado será, para alguns, o instituto liquidatário das participações do Estado. Poderão sorrir agora estas doutas e altaneiras personalidades tão pouco iluminadas. A história as liquidará.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cabral Fernandes.
O Sr. Cabral Fernandes (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos problemas sociais que hoje mais preocupa a opinião pública madeirense e que tem constituído tema insistentemente tratado pela imprensa regional é, sem dúvida alguma, o dos menores inadaptados, com desvios mais ou menos graves de comportamento ou, para utilizar expressão menos rigorosa, mas porventura mais sugestiva, o problema da "delinquência" infantil e juvenil.
Ainda muito recentemente, o Diário de Noticias local divulgou, a propósito desta problemática, alguns dados estatísticos referentes ao ano de 1978, de acordo com os quais a Madeira apresenta o segundo maior índice de "delinquência" juvenil do País, ou mesmo, o primeiro lugar se se atender em termos comparativos à população do arquipélago.
E, porém, na cidade do Funchal que o fenómeno se manifesta com maior intensidade e com tendência para recrudescer. Em plena baixa da cidade vagueiam dezenas de rapazes e de raparigas, de idades compreendidas entre os 7 e os 16 anos de idade, os quais transformam edifícios abandonados em dormitórios colectivos e em antros de prostituição, dedicam-se ao furto, organizam assaltos a estabelecimentos comerciais, prestam-se à angariação de clientes para as prostitutas, entregam-se ao jogo, à mendicidade e a outras formas de vida degradantes.
Segundo informação obtida no Comando da PSP do Funchal, foram organizados e remetidos para o Tribunal da Comarca, no ano transacto, 470 processos relativos a menores e ainda este ano, apenas no mês de Janeiro, foram identificados e entregues aos pais 18 adolescentes encontrados em perigo moral.
As carências locais no domínio de estruturas adequadas à prossecução de acções de apoio, protecção e reeducação de menores fazem-se sentir, na Madeira, desde há muito.
Tanto assim que o Ministério da Justiça, face a essas carências, decidiu criar no Funchal, a exemplo do que acontece na generalidade dos países europeus, um centro polivalente; um estabelecimento que desenvolvesse, por si só, actividades próprias e normalmente afectas a vários estabelecimentos especializados.
Polivalência essa que permite, não apenas servir um número de menores superior ao que noutras condições seria possível, como ainda a formação de uma equipa pluridisciplinar que se ocupe, simultaneamente, quer da observação e diagnóstico quer do tratamento dos menores, seja em regime de internato, semi-internato ou um meio social normal, com a desejável abertura ao meio exterior, à realidade social quotidianas dos menores e reeducar.
Aquela medida - a da criação de um centro polivalente - revelou-se, aliás, precursora, na medida em que, mais tarde, veio a ser retomada, pela primeira vez, entre nós, ao proceder-se à revisão da Organização Tutelar de Menores, contida no Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, aprovado em Conselho de Ministros do II Governo Constitucional.
A notícia de tão importante medida foi circunstanciadamente relatada na revista Infância e Juventude, da Federação Nacional das Instituições de Protecção à Infância, no seu n.º 2, de Abril-Junho de 1977, bem como no Jornal da Madeira.
Noticiava então aquela revista que os Serviços Tutelares de Menores, com o apoio da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais e Saúde, promoveriam a montagem de instalações provisórias, no Caminho da Achada, para rapazes, e em Vila Passos para raparigas, com o que se possibilitava a entrada em funcionamento, a curto prazo, do aludido centro polivalente, sem se tornar necessário aguardar pela construção dos edifícios definitivos.
Acontece, todavia, que desde Outubro de 1977 aquelas instalações provisórias se encontram aptas para funcionarem e que as diligências entretanto efectuadas, com vista ao recrutamento do pessoal necessário, permitiam, de igual modo, o arranque do centro polivalente naquela mesma data.
Lastimavelmente, porém, encontra-se ainda inactivo. Passou-se o ano de 1978, entrámos no ano de 1979 e sobre o assunto as entidades responsáveis mantém um silêncio total.
O CDS não descortina razões fundadas para este longo adiamento, para esta indesculpável passividade e não pode entender que motivos, que não sejam de ordem meramente técnica, estejam eventualmente a comprometer a abertura do centro polivalente do Funchal; o mesmo e dizer, estejam a contribuir para que crianças e adolescentes, vítimas, muitas vezes, de determinados condicionalismos socio-económicos deformadores, não possam beneficiar de acções tendentes a torná-los homens bons e válidos de amanhã.
Por outro lado, também não compreende o CDS que o Tribunal de Menores do Funchal, já criado por lei e dotado de instalações próprias, aguarde indefinidamente - desta feita por omissão do Governo Central -, o início do seu funcionamento, o qual parece apenas depender da publicação da portaria do Ministério da Justiça que declare a sua instalação como é determinado pelo n.º 1, do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 269/78.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que o Governo da República providencie pela publicação da aludida portaria e ao
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mais que for necessário ao funcionamento do Tribunal de Menores do Funchal e que o Governo Regional não protele por mais tempo a abertura do centro polivalente é o que reclamam crianças e adolescentes carecidos de protecção e assistência: e o que reclama uma comunidade inteira que diariamente assiste ao drama social por aqueles vivido; é o que exige o CDS para este ano de 1979. Ano Internacional da Criança.
Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PSD.
O Sr. Nunes de Sousa (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Nunes de Sousa (PSD): - Para prestar um esclarecimento à Câmara, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Sr. Nunes de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O esclarecimento que pretendo dar é o seguinte: o Tribunal de Menores do Funchal, já criado, como o Sr. Deputado Cabral Fernandes esclareceu. 6 um dos serviços periféricos cuja regionalização não está prevista e muito menos encetada. Portanto, a abertura ou não desse Tribunal não depende do Governo Regional, mas sim do Ministério da Justiça e, como tal, do Governo Central.
Há outro aspecto que também gostaria de esclarecer. Em virtude de diligências por mim efectuadas na semana que findou junto dos Serviços Tutelares de Menores, em Lisboa, fui informado de que, por dificuldades de vária ordem, aquele Tribunal ainda não tinha entrado em funcionamento. No entanto, elementos que posteriormente recolhi no Funchal levam-me a pensar que dentro de pouco tempo esse Tribunal entrará em funcionamento. Foi esta a promessa que foi feita. Penso, aliás, que o próprio Ministério da Justiça há-de compreender a necessidade da sua abertura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Cabral Fernandes (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Cabral Fernandes (CDS): - O Sr. Deputado Nunes de Sousa acabou por não prestar qualquer esclarecimento sobre o problema, uma vez que. quanto ao Tribunal Tutelar de Menores do Funchal, eu próprio salientei que a sua entrada em funcionamento apenas dependia da atitude do Governo da República. Para tal basta este fazer publicar a portaria que declare a sua instalação.
Também não ficámos esclarecidos sobre o problema do centro polivalente do Funchal. Este centro tinha já marcada a sua entrada em funcionamento para o dia l de Outubro de 1977 e, inclusivamente, estava assente a deslocação à Madeira de dois técnicos, um do Instituto de Criminologia de Coimbra e outro dos Serviços Sociais do Gabinete de Estudos dos Serviços Tutelares de Menores, para a fase de arranque do centro polivalente.
Nessa medida e a partir dessa data. não nos parece que o Governo Regional tenha desenvolvido uma acção eficaz para que esse centro entrasse em funcionamento. É contra esta situação que nós reagimos e salientámos a inércia do Governo Regional.
Quanto ao problema do Tribunal Tutelar de Menores do Funchal, eu próprio frisei que era de aguardar que o Ministério da Justiça desencadeasse os últimos pormenores para que esse Tribunal, que já tem instalações próprias na Rua do Castanheiro, possa entrar em funcionamento.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Godinho.
O Sr. Mendes Godinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Cabral Fernandes alertou esta Câmara para a situação da juventude na Madeira, principalmente na cidade do Funchal, onde é elevada a percentagem de. crimes, a prática de furto e de prostituição por alguns jovens. Em seguida apontou como solução, no entender do CDS, a criação de um tribunal tutelar de menores, de casas de correcção, etc. Foi este, pelo menos, o entendimento que fiz da sua intervenção.
Penso que é interessante salientar que é precisamente na Madeira, e particularmente no Funchal, que é a região onde socialmente menos se evoluiu após o 25 de Abril, que aparece a mais alta densidade de criminalidade juvenil.
Assim, gostaria de perguntar se o CDS não pensa que este facto é fruto de uma organização social deficiente e que a solução para este problema se deve procurar numa vida social só e não por via da repressão e da reeducação, que foram as soluções preconizadas pelo Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cabral Fernandes, poderá responder, se assim o desejar.
O Sr. Cabral Fernandes (CDS): - Sr. Deputado Mendes/Godinho, é evidente que situações como aquelas que apontei têm as suas razões socio-económicas, entre outras, e enquadram-se dentro de uma determinada conjuntura.
O que se tem de fazer é criar um conjunto de estruturas adequadas para dotar uma cidade como a do Funchal de meios que, de algum modo, eliminem as carências sentidas no domínio da recuperação e reeducação desses menores.
De qualquer forma, esse fenómeno também se faz sentir noutros pontos do País. Se ele revela maior densidade no Funchal, como já disse e reforço, isso deve-se a determinados condicionalismos socio-económicos. Mas penso que também se poderia combater tal fenómeno se houvesse um conjunto de estruturas capazes de desencadear um conjunto de acções tendentes a minorar esse mal.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim de Sousa
O Sr. Joaquim de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha intervenção visa dois assuntos, um de interesse para a cidade da Figueira da Foz; outro que considero do maior interesse para toda a Região Centro do País.
Em Outubro de 1975. os Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz ocuparam um prédio pertencente ao Ministério do Comércio e Turismo, entregue à Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau. Tratou-se de uma ocupação justa, que teve o apoio unânime da cidade e que veio resolver as carências daquela corporação, responsável pelo serviço de incêndios numa cidade de 20000 habitantes e ainda pelos serviços de ambulâncias e de socorros a náufragos Desde essa data os Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz têm ocupado essas instalações com uma autorização ministerial provisória.
Gostaria de esclarecer que as instalações ocupadas - que contêm a parte de construção civil de algumas câmaras frigoríficas - foram construídas em 1959 e estiveram cerca de quinze anos sem qualquer utilização.
Nunca foi possível ultrapassar, desde que os Bombeiros Voluntários tomaram posse do prédio, as resistências da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau, e que nunca permitiu a resolução da legalização da ocupação. Recentemente, e já por duas vezes, o Governo Mota Pinto manifestou a intenção de desalojar os Bombeiros, sendo evidente que o problema não pode ser resolvido desta maneira.
Queria fazer um alerta muito sério ao Governo no sentido de que qualquer tentativa de desalojar os Bombeiros
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Voluntários da Figueira da Foz do prédio que agora ocupam terá o repúdio activo da cidade.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!
O Orador: - O problema da legalização da ocupação precisa de ser resolvido. A Figueira da Foz também precisa de instalações frigoríficas, mas é pena que só agora a Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau - um organismo corporativo que esteve para ser extinto e que não se sabe porque e que o não foi - tivesse resolvido que eram urgentes tais instalações quando teve vinte anos para o fazer.
Aqui fica o meu alerta em nome dos cidadãos da Figueira da Foz que apoiam a sua corporação de Bombeiros Voluntários.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Passo de imediato ao outro assunto da minha intervenção.
Recentemente, em conjunto com o meu camarada Teimo Neto, do círculo de Leiria, endereçámos um requerimento ao Governo em que inquinamos da possibilidade da utilização da Base Aérea n.º 5, em Monte Real, pura voos charters. Voos que trariam grande benefício para toda a Região Centro do País, visto que a abertura dessa Base Aérea ao serviço civil reflectir-se-ia em todas as estâncias turísticas da zona e em grande parte dos distritos de Leiria, Coimbra e até Santarém.
O requerimento era dirigido ao Ministério dos Transportes e Comunicações, portanto à Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, ao Ministério das Finanças e do Plano (para saber o parecer das alfândegas) e ao Ministério da Defesa Nacional. Alguns meses depois recebemos uma resposta subscrita por alguns chefes de gabinete e que não nos responde absolutamente a nada.
Vou passar a citar, por exemplo, a resposta do Ministério da Defesa Nacional:
A Base Aérea n.º 5, em Monte Real, foi exclusivamente concebida para fins militares, pelo que não dispõe de quaisquer viabilidades para alteração da missão, mesmo em simultaneidade de operação.
Nestas condições, a ideia apresentada, sendo razoável, é todavia impraticável nas presentes circunstâncias.
Sendo responsabilidade do Governo a definição da política aérea nacional, competirá ao mesmo ajuizar quanto aos fundamentos da pretensão e à sua eventual resolução através do desenvolvimento dos aeroportos de Coimbra, ou ate, da Figueira da Foz ou Viseu. Em todos os casos, pensa-se ainda que a satisfação do requisito tem mais a ver com o desenvolvimento da aviação interna e do turismo do que com uma possível falta de aeroportos.
Esta resposta é inclassificável. Para além do preciosismo de classificar de aeroportos os aeródromos existentes nas cidades de Coimbra e de Viseu, o aeródromo da Figueira da Foz, citado pelo Ministério da Defesa Nacional, não existe há mais de doze anos. Má mais de doze anos que não aterra lá uma simples avioneta, tem uma estrada e pilares da ponte no meio, e pelos vistos ainda consta das cartas topográficas do Ministério da Defesa Nacional.
Além disso, é evidente que este País, com os recursos que tem, não vai agora construir aeroportos a partir do aeródromo de Cernache, em Coimbra e em Viseu. Este aliás é numa região que nem estava incluída no nosso requerimento, porque fica muito mais longe de Monte Real do que Lisboa.
Queríamos inquirir do Governo quais as possibilidades de esse aeroporto - a exemplo do que acontece em muitos países do mundo, do que acontece ate no nosso país, nas Lajes e na Portela - servir a Região Centro do País para voos civis e, em princípio, para voos charters.
Era uma resposta positiva que nós queríamos, e acabámos por receber arremedos de respostas que nem sequer têm em conta as diligências que ao longo dos anos foram efectuadas por autoridades daquela região. Julgo que não é construindo novos aeroportos que se pode dar àquela região o terminal aéreo de que ela tem necessidade. É utilizando as infra-estruturas militares que lemos, e que têm de servir o País, que podemos resolver o problema.
O Sr. Faria de Almeida (CDS): - Sr Presidente, peço a palavra paru pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Joaquim de Sousa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Faria de Almeida (CDS): - Sr. Deputado, parece que na sua intervenção há um contra-senso. Sc este país procura arranjar mais agregados de frio, visto serem extraordinariamente necessários, como é que o Sr. Deputado vem defender a ocupação feita pelos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz, menosprezando a criação de mais uma unidade de frio.
Os Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz tem todo o direito a ter o seu quartel. No entanto, não se compreende por que motivo não se preocuparam em mandar fazer o projecto para que fosse construído, visto que até à promulgação da Lei das Finanças Locais havia uma comparticipação para a sua construção. É evidente que é um problema que poderá ter implicações com a Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau, mas também é um facto conhecido por todos nós, através da imprensa, que os comerciantes começaram a levantar a sua voz dizendo que o bacalhau português falta no País. mas não falta em Espanha, provocando uma situação degradante para todos nós.
Era este o primeiro esclarecimento que lhe queria pedir. O segundo era o seguinte: o Sr. Deputado tem toda a razão em querer que a Base Aérea de Monte Real seja utilizada para casos de urgência da Figueira da Foz. No entanto, e com admiração que ouvi a sua intervenção - e outras carências existem a necessitar de comparticipação do Estado -, visto que a Figueira da Foz em casos de emergência tem duas pistas que a poderão servir, nomeadamente a da Quinta do Canal e a de Foja.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Joaquim de Sousa.
O Sr. Joaquim de Sousa (PS): - Sr. Deputado, em relação à primeira pergunta que me fez, digo-lhe que não deve conhecer o problema nem a situação das instalações. Eu disse que a parte da construção civil das câmaras frigoríficas - e só essa é que está feita, não havendo qualquer equipamento para frio no edifício - foi construída há vinte anos e esteve quinze anos por utilizar. O local onde se situa é no lado da cidade oposto àquele onde vai ser construído o novo porto de pesca. É evidente que isso também não evitará que aqui sejam instaladas unidades de frio e, além disso, na Figueira da Foz há neste momento unidades de frio desaproveitadas. Penso que aquelas unidades de frio, aliás relativamente pequenas, onde se situa o actual quartel dos Bombeiros Voluntários, não são solução para resolver o problema. Problema que poderia ser resolvido com a edificação da parte respeitante à construção civil noutro local.
Quanto à abertura do aeroporto de Monte Real, julgo que disse que se destina a voos charters de turismo, sendo evidente que aviões Boeing 707 e 727 não vão aterrar nem na Quinta do Canal, nem na de Foja, que têm umas pistas improvisadas de terra e onde mesmo uma avioneta tem dificuldade em aterrar. É evidente também que na Região Centro do País, e não só na Figueira da Foz, cujos interesses pretendi alertar e defender com esta minha intervenção, não se vai agora construir um aeroporto, cujos custos são
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com certeza muito onerosos para o País. E é evidente que, havendo aquela Base Aérea - e julgo que ela não tem uma utilização militar que não permita a simultânea utilização civil (estou a lembrar-me que ela já teve utilização civil quando o Papa Paulo VI ali aterrou) -, não há necessidade de construir outro aeroporto.
Em todos os países do mundo, em países com muito mais recursos que o nosso, se aproveitam bases aéreas para esse fim. Eu próprio já vi isso em vários países da Europa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, igualmente para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Rita Vidal.
A Sr.ª Rita Vidal (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através dos séculos, a mulher tem sido relegada para segundo plano, sendo-lhe vedado o acesso à cultura ou a qualquer trabalho que não fosse o caseiro, considerada quase como animal doméstico. Se não estou em erro, ainda no Concílio de Latão, os padres conciliares se perguntavam perplexos, se a mulher teria alma. Claro que chegaram a uma conclusão positiva. Na Turquia o homem atrelava ao seu carro de um lado um cavalo e do outro a sua própria mulher, aos quais chicoteava simultaneamente.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Já não estamos nesses tempos, pensarão os senhores. Talvez não. nos países mais civilizados, mas que dizer do resto do mundo?
Ainda há bem poucos anos, passou nos écrans de Lisboa um filme com extractos da vida de vários povos que muito impressionou a opinião pública. Numa das cenas aparecia uma mulher encurralada num cubículo, a qual alimentavam à força para satisfazer os apetites do seu dono e senhor. Até quando este estado de coisas? Até quando deixará a mulher de ser escrava?
E no entanto, a mulher, apesar de todos os condicionalismos a que tem estado sujeita, tem dado provas mais que suficientes de ser tão inteligente, tão culta e tão capaz de ascender a qualquer carreira como o homem. Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia de hoje e sempre estou ao lado de todas as mulheres humilhadas e conservadas no obscurantismo.
Mas quem aqui recordo e lembro a todos são aquelas portuguesas mais sacrificadas, como as donas de casa. que não tendo outro salário que o dos maridos, fazem todos os trabalhos caseiros e esticam um orçamento sempre exíguo para alimentar, vestir e calçar o agregado familiar. Não esqueço também as camponesas que trabalham de sol a sol, em trabalhos pesados, gastando as suas forças e a sua juventude. Para elas vai toda a nossa admiração. Quantas e quantas, com os seus homens no estrangeiro como emigrantes, amealham o dinheiro que lhes é enviado e, privando-se de tudo, compram terras e mandam construir habitações condignas, para que os filhos não conheçam a miséria em que elas outrora viveram.
Muitas destas mulheres são ainda agredidas pelos maridos. Haja em vista o programa que a RTP passou no mês findo, sobre a apanha da azeitona no Alentejo. O locutor interrogou várias mulheres e elas contaram que os mandos muitas vezes lhes batiam, gastando a féria na taberna, sendo o salário delas o sustento da casa. E estas pobres mulheres contavam isto com a maior naturalidade numa aceitação passiva, ancestral e atávica. Estamos ainda na selva, em que quem dita a lei é o mais forte fisicamente?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apelo aqui para que a Constituição seja efectivamente cumprida nos seus artigos 20.º e 26.º. Ninguém pode ser submetido a torturas nem a maus tratos E apelo também para os partidos, pois só eles podem esclarecer, ensinar e democratizar as populações. Só pode considerar-se verdadeiramente democrático o País cujas mulheres têm deveres e direitos iguais aos dos homens. Demo-nos as mãos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e trabalhemos e lutemos em conjunto para que em Portugal seja possível uma democracia autêntica, para que haja mais justiça social, mais igualdade e mais fraternidade.
Aplausos do PSD e do CDS.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Passamos ao período da ordem do dia.
Srs. Deputados, estão na Mesa dois pedidos de autorização: um da Polícia Judiciária de Lisboa, para que o Sr. Deputado Raul Rego ali preste declarações no dia 15 do corrente, pelas 14 horas, e o outro do 7.º Juízo Correccional de Lisboa, para que o Sr. Deputado Acácio Barreiros deponha como testemunha no dia 16 do corrente, pelas 15 horas.
Como os Srs. Deputados em causa já tomaram conhecimento e não levantaram qualquer objecção, pergunto se há alguma oposição da Câmara.
Pausa.
Como não há, está concedida a autorização solicitada.
Vamos continuar com a discussão sobre as propostas de alteração ao Regimento.
Como o Sr. Deputado Acácio Barreiros tinha ficado inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, pergunto-lhe se deseja usar da palavra.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, prescindo da palavra, dado que a reunião plenária em que desejava pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho já foi há quase quinze dias.
O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso para uma intervenção.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para fazer uma intervenção muito breve, já que o significado das alterações ao Regimento que nos são propostas é para mim claro e as suas consequências não deixam margem para grande dúvida. Daí que me tenha parecido inútil perdermos tempo em extensas considerações.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: As alterações sugeridas vêm limitar ainda mais a iniciativa individual dos Deputados, acentuando o vínculo entre os Deputados e os grupos parlamentares e os seus partidos em prejuízo do vínculo que os liga, ou deveria ligar, aos respectivos eleitores, contribuindo assim para reforçar uma situação que favorece o divórcio entre os Deputados e os eleitores, situação essa que decorre do próprio sistema eleitor. Trata-se para mim de um problema de inegável importância, que não vem ao caso desenvolver, mas sobre o qual seria talvez interessante abrir um debate noutra ocasião.
Mas, se é verdade que as alterações propostas reduzem a iniciativa individual de qualquer Deputado, penso que em relação aos Deputados independentes essas alterações correspondem ao cercear de um direito que até agora lhes havia sido reconhecido. Tal facto sublinha um estatuto de marginalização a que os Deputados independentes se encontram sujeitos nesta Assembleia. Marginalização que não tem nada a justificá-la, já que os Deputados independentes estão aqui, não por qualquer favor, mas no exercício de um direito que lhes é constitucionalmente reconhecido e que foi aprovado - penso que vale a pena recordá-lo - por unanimidade na Assembleia Constituinte.
A serem aprovadas as alterações contidas na proposta de alteração em discussão, a apresentação de votos por via dessas disposições tornar-se-ia dependente de uma prévia intervenção no período de antes da ordem do dia. Significa isso que na prática é retirado aos Deputados independentes o direito de formularem quaisquer votos.
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Na verdade, sabe-o o Sr. Presidente e sabem-no também os Srs. Deputados que o uso da palavra por via das inscrições é necessariamente limitado, que os Deputados independentes não podem aspirar a usar da palavra, nesse quadro, senão uma ou duas vezes - e isto para ser muito optimista - por cada sessão legislativa. Conjugue-se esta situação com o facto de aos Deputados independentes não ser reconhecido o direito a uma intervenção política no período de antes da ordem do dia e com o carácter necessariamente conjuntural dos votos e não é difícil concluir que o sistema proposto conduz, na prática, a impedir que os Deputados independentes venham a formular qualquer espécie de votos. Aliás não é talvez abusivo deduzir das palavras que já aqui foram pronunciadas que é este o propósito e o objectivo que pelo menos alguns Srs. Deputados pretendem alcançar, acusados que parecem ser os Deputados independentes do uso e abuso de votos. Tratar-se-ia, segundo as palavras do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, de disciplinar o período de antes da ordem do dia, de evitar a subversão dos objectivos que devem presidir à propositura de votos e evitar inúteis perdas de tempo, indisciplina, subversão de objectivos, perdas de tempo de que seriam principais responsáveis e fautores os Deputados independentes. E para alicerçar a sua argumentação recorreu também o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho às estatísticas. Ficámos assim a saber que foram até agora submetidos à Assembleia, se a memória não me falha, 150 votos, dos quais 50 foram apresentados pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros, da UDP, e pelos Deputados independentes. Mas, curiosamente, ficámos também a saber, segundo o mesmo Sr. Deputado, que, adicionados os votos de protesto, os de congratulação e os de pesar, e sem contabilizarmos os "etc." que acrescentou a cada uma das enumerações que fez, a maioria dos votos formulados terá servido para prestigiar esta Assembleia. Parece pois que após todas as contas feitas, se tem havido algo de desprestigiante, não é na formulação de votos que esse desprestígio terá residido.
E já agora, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, permita-me que lhe diga que é pelo menos pouco curial e nada esclarecedora a amálgama que fez dos votos formulados pelos diferentes Deputados independentes e pelo Deputado da UDP. Tal amálgama pode servir os efeitos pretendidos, mas não serve para traduzir a imagem do que tem sido a actividade de cada um nesta Assembleia. Que os Deputados independentes sejam incómodos pelas recordações que trazem a alguns, pelo contraponto permanente que são para outros, compreendemo-lo inteiramente, mas pretender transformar os Deputados independestes nos bodes expiatórios e responsáveis pelo arrastar dos debates é coisa que não' convence ninguém, muito menos aqueles que têm tido ocasião de assistir ao que se passa dentro desta Casa.
Em matéria de protestos - breves, curtos, ligeiros ou brevíssimos - o Diário da Assembleia da República regista uma certa tipologia. Em matéria de esclarecimentos, contraprotestos, explicações ou interpelações à Mesa não são, seguramente, os Deputados independentes que levam a palma neste hemiciclo. E nem é preciso recuarmos muito no passado. Basta atentar no que hoje aqui se passou, para não irmos mais longe, porque o mais longe seria, ao fim e ao cabo, reportarmo-nos à última reunião desta Assembleia em que não se passou do período de antes da ordem do dia, facto que não pode imputar-se aos Deputados independentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como prometi ser breve, vou terminar. Mas antes devo dizer que penso que os Srs. Deputados têm hoje oportunidade de demonstrar o respeito que lhes merece a voz das minorias e a liberdade do debate, porque, queiramos ou não, é isto que está em causa quando se propõe reduzir ainda mais a capacidade de intervenção dos Deputados independentes. Dir-me-ão alguns dos Srs. Deputados que assim não, é ou que pelo menos não foi essa a intenção quando subscreveram a proposta da Comissão de Regimento e Mandatos. Pois bem, é no sentido de clarificar as razões que levaram à apresentação da proposta de alteração ao Regimento que neste momento estamos a discutir e de impedir que a mesma se transforme no processo de calar a voz dos Deputados independentes que, no pressuposto de que, na generalidade, essa proposta - que, como é óbvio, não merece o nosso acordo, e isto nem valeria a pena sublinhá-lo - venha a ser aprovada, submetemos à apreciação do Plenário uma proposta de emenda à proposta apresentada pela Comissão de Regimento e Mandatos. Essa proposta de emenda, subscrita por mime pelos Deputados independentes Vital Rodrigues, Aires Rodrigues. Carmelinda Pereira, Vasco da Gama Fernandes e Brás Pinto, consiste na alteração do artigo 85.º do Regimento na fórmula que tem na proposta de alteração apresentada pela Comissão de Regimento e Mandatos. Assim, os n.ºs 1, 2, 3, 4 e se manteriam a redacção proposta pela Comissão, enquanto o n.º 6 teria a seguinte redacção:
Os Deputados independentes considerados em conjunto têm o direito a uma declaração política de dez minutos por cada semana parlamentar.
O n.º 7 seria:
Quando os Deputados independentes queiram utilizar o direito consignado no número anterior, devem indicar à Mesa, até ao início da respectiva reunião, qual o Deputado independente que dele usará.
E o n.º 8:
As declarações políticas mencionadas nos n.ºs 4 e 6 precederão sempre as intervenções referidas na alínea a)do n.º 1 do artigo 81.º
A posição que for assumida em relação a esta proposta de emenda permitirá clarificar exactamente as intenções dos Srs. Deputados consubstanciadas na proposta da Comissão de Regimento e Mandatos.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, permitia-me sugerir, já que tal direito nos não cabe, que, tendo em conta a delicadeza do problema, pelas consequências que envolve e que já referi, e a proposta de emenda que formulámos, tomassem a iniciativa de fazer baixar de novo o problema à Comissão de Regimento e Mandatos para permitir um mais profundo debate e esclarecimento do problema em causa.
O Sr. Vilhena de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Vilhena de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, era para prestar um breve esclarecimento à Camará.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vilhena de Carvalho (PSD) - Quando o Sr. Deputado Lopes Cardoso produz afirmações do género das que lhe ouvimos, procurando interpretar a proposta apresentada de alteração ao Regimento como querendo significar a marginalização dos Deputados independentes ou ainda calar a sua voz, quero, pessoalmente, dar conta da minha interpretação dessa proposta que, sendo feita pela Comissão de Regimento e Mandatos, resulta, como foi dito no relatório da própria Comissão, de um consenso obtido por todos os grupos parlamentares. Na minha interpretação, a proposta não visa essa marginalização, mas sim, pelo contrário, procurar estabelecer um equilíbrio entre os direitos de todos os Deputados desta Casa, evidenciando que até agora os Deputados independentes têm na verdade sido
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portadores de direitos que não têm usufruído os demais Deputados. Confio que o espirito democrático do Sr. Deputado Lopes Cardoso reconheça que todos os outros Deputados, que não os independentes, é que têm sido até esta data marginalizados. Não irei ao ponto de empregar esta expressão com uma carga pejorativa, mas direi antes que terão tido menores oportunidades do que os Deputados independentes para fazerem a apresentação de votos nesta Assembleia. Isso ficou bem claro através dos números que foram referidos, e que posso repetir, pois só os Deputados independentes e, fora dos grupos parlamentares, o Sr. Deputado da UDP apresentaram até à 30.ª reunião desta sessão legislativa 50 votos, quando a totalidade dos votos apresentados nesta Assembleia desde o início dos seus trabalhos foi de 157. Fica assim bem claro que até agora os Deputados independentes têm gozado de direitos que não estão ao alcance dos demais Deputados. E, se existem na verdade alguns direitos que competem aos grupos parlamentares como tais, o Sr. Deputado Lopes Cardoso não poderá esquecer-e com certeza não esquece - que isso resulta de uma Constituição por cujo cumprimento integral já o temos visto bater-se.
Quando na minha intervenção afirmei que me parecia que na economia da proposta se encontrava uma preocupação de disciplina dos trabalhos no período de antes da ordem do dia, penso que o Sr. Deputado Lopes Cardoso até está de acordo comigo ao chamar à colação a última sessão em que nem sequer foi possível entrar-se nos trabalhos da ordem do dia. Isso vem na sequência de afirmações também por mim feitas e de exemplos dados de que houve sessões que não tiveram período da ordem do dia e que outras o tiveram mas depois de o período de antes da ordem do dia se ter arrastado até muito próximo da hora de encerramento. Isto significa que todos os Deputados, quer pertençam ou não a grupos parlamentares, de uma vez por todas se devem limitar nas suas intervenções por forma que se dê prioridade a outros trabalhos que, naturalmente, não são menos importantes para o País e para o prestígio desta Assembleia. Assim sendo, o Sr. Deputado Lopes Cardoso haverá de concordar in totum com a proposta apresentada pela Comissão de Regimento e Mandatos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, os Srs. Deputados Herculano Pires e Carlos Brito também pediram a palavra para prestar esclarecimentos. V. Ex.ª não quererá usar da palavra só deputados suas intervenções?
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Está bem, Sr Presidente.
O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pires.
O Sr. Herculano Pires (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem que isto signifique necessariamente qualquer adesão ao teor de algumas considerações produzidas pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso e sem que signifique também adesão a algumas das produzidas na última sessão pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, nomeadamente quanto a juízos de valor que emitiu relativamente a alguns votos que foram apresentados nesta Assembleia, eu queria apenas significar, em nome do meu grupo parlamentar, que me parece que a sugestão feita pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso - dentro deste condicionalismo que acabei de referir - é merecedora de uma reflexão. Sendo assim, o meu grupo parlamentar não se oporia a que o assunto baixasse novamente à Comissão de Regimento e Mandatos para reflexão sobre a sugestão apresentada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Não tive oportunidade de ouvir na totalidade a intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso. Entretanto ela suscita ao Grupo Parlamentar do PCP a necessidade de produzir alguns esclarecimentos.
Do lado do meu grupo parlamentar não há, de maneira nenhuma, em relação à matéria em discussão e à proposta proveniente da Comissão de Regimento e Mandatos o propósito de silenciar os Deputados independentes. Nesse sentido, também aproveitava para, em nome do Grupo Parlamentar do PCP. nos demarcarmos de algumas considerações de natureza política feitas pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho na primeira reunião em que esta matéria foi debatida. Evidentemente que não concordamos com muitas das reflexões que o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho produziu quando fez uma intervenção, não em nome da Comissão de Regimento e Mandatos, mas sim em nome do seu partido.
Queria efectivamente dizer que da parte do Grupo Parlamentar do PCP não há o propósito de silenciar a voz dos Deputados independentes, o que fica plenamente demonstrado ao darmos, em princípio, a nossa adesão à proposta agora formulada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso. Entretanto, parece-nos que a natureza da proposta e algumas implicações que comporta justificam a proposta que o Sr. Deputado Lopes Cardoso fez a seguir, isto é, que se dê à Comissão de Regimento e Mandatos a oportunidade de reflectir mais profundamente sobre as implicações desta proposta.
Não é, pois, propósito do Grupo Parlamentar do PCP diminuir o poder de intervenção aos Deputados independentes, o que fica também claro ao anunciar que é nosso propósito formular na Comissão de Regimento e Mandatos e no Plenário da Assembleia da República uma proposta para que aos Deputados independentes seja concedido o direito de fazerem declarações de voto orais aquando dos grandes debates políticos.
Com isto parece que fica esclarecida a posição do Grupo Parlamentar do PCP nesta matéria. Trata-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao fim e ao cabo, de aproveitarmos melhor o nosso tempo, ordenarmos o período de antes da ordem do dia e efectivamente abrirmos espaço para o labor legislativo da Assembleia da República. Se os Srs. Deputados tiveram já ocasião de reflectir acerca do trabalho até agora efectuado ao longo desta 3.1 sessão legislativa, terão de concluir, como eu. que a nossa agenda arrasta-se, a função legislativa da Assembleia da República está a ser seriamente prejudicada, pelo que importa tomar medidas urgentes para dar ao País e ao povo português as leis que se tornam urgentes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Vilhena de Carvalho (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, consente ainda que eu de a palavra primeiro ao nosso colega Vilhena de Carvalho, para V. Ex.ª ter o privilégio de falar no final, visto ser o autor da proposta em discussão?
O Sr Lopes Cardoso (Indep.): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
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O Sr. Vilhena de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha bancada está perfeitamente de acordo com a proposta, feita pelo Sr. Deputado Herculano Pires, de baixa à Comissão de Regimento e Mandatos da proposta anunciada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso. É bom que fique esclarecido de uma vez por todas que não foi o meu partido que teve qualquer iniciativa a propósito da revisão destes artigos do Regimento. Já esclareci, mas repito, que a iniciativa é da conferência dos grupos parlamentares e portanto responsabiliza todos os grupos parlamentares desta Assembleia.
Por outro lado, desejaria somente acrescentar que não poderei responder às referências pessoais que o Sr. Deputado Carlos Brito me fez, na medida em que ficou apenas a afirmação de que se desmarcaria das minhas posições, o que, aliás, muito me alegra, pois eu ficaria de algum modo contristado se as minhas ideias se identificassem com as ideias do Partido Comunista. Só lamento que o Sr. Deputado Carlos Brito não me tenha dado a oportunidade de saber em que pontos discorda da minha exposição.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, não perde pela demora.
O Orador: - Pois vamos a isso, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP: - Nós faremos um comentário à sua intervenção e nessa altura vai ter oportunidade de saber quais são os pontos em que discordamos de si. Todavia parece-me que agora, e atendendo a que usei da palavra para dar esclarecimentos à Câmara, não era oportuno comentar a sua intervenção.
O Orador: - Pois então fica para outra ocasião.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, antes de lhe conceder a palavra, digo-lhe que tenho muitas reservas sobre a admissibilidade da sua proposta. Em primeiro lugar porque ela propõe a alteração do artigo 85.º do Regimento, que não está em discussão, visto que a proposta da Comissão de Regimento e Mandatos se refere apenas aos artigos 81.0, 83.º e 86.º. Em segundo lugar porque, sendo uma proposta inovadora do artigo 85.º, tem de submeter-se à tramitação e à disciplina do artigo 249.º. É bom que, estando a discutir o Regimento, não esqueçamos que cie exige que a iniciativa de alteração seja subscrita por, pelo menos, um décimo dos Deputados. Em todo o caso, porque me parece que há acordo unânime da Assembleia, estou inclinado a despachar a sua proposta para a Comissão de Regimento e Mandatos.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, é possível que tenha havido lapso na referência do artigo indicado na minha proposta. Contudo, o artigo a que a minha proposta se refere faz parte da proposta de alteração apresentada pela Comissão de Regimento e Mandatos e pode ser que na redacção se tenha escrito artigo 85.º por lapso.
O Sr. Presidente: - De facto a proposta fala no artigo 85.º e V. Ex.ª, na sua intervenção, também se referiu ao artigo 85.º. Aceita-se esse esclarecimento e a sua proposta funcionará como uma emenda à parte respectiva da proposta de alteração da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Exacto, Sr. Presidente, pode ser que haja um lapso que peço seja corrigido.
O Sr. Presidente:- Certamente o Sr. Deputado quis referir-se ao artigo 83.º.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Exacto, efectivamente há um lapso na redacção.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, continuaria a pôr-se o problema do número de subscritores.
Mas queira usar da palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que os trabalhos se não arrastassem, queria muito rapidamente dizer ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho que admito perfeitamente que a interpretação correcta seja outra, que não a minha. Simplesmente, creio ter fundamentado objectivamente a minha interpretação e não vejo como possa ser outra. Também admito que as suas intenções ao defender a proposta de alteração da Comissão de Regimento e Mandatos não fossem aquelas que eu apontei. A esse propósito dir-lhe-ia apenas que de boas intenções está o inferno cheio. Quanto ao facto de terem sido marginalizados outros Deputados, pergunto: foram marginalizados por quem e porquê? Seguramente não foram marginalizados pelos Deputados independentes nem pelo Regimento, que os não impedia de usar da palavra nos mesmos termos que os Deputados independentes. Já a proposta apresentada pela Comissão de Regimento e Mandatos reduz de facto a capacidade de intervenção dos Deputados independentes.
É evidente, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, que há direitos que são concedidos aos grupos parlamentares e que, como tal, não são concedidos aos Deputados independentes. Agora o que não me parece correcto é que para efeitos de comissão de direitos se considerem os Deputados independentes um a um e não como um grupo e para efeitos de estatística se somem uns aos outros e se lhes agregue o Deputado da UDP.
Mais uma vez o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho incorreu, quanto a mim. no artifício de amalgamar números para obter determinados resultados estatísticos. Pela parte que me cabe, devo dizer-lhe, sem preocupações estatísticas, que o número de votos que apresentei ficou muitíssimo aquém dos cinquenta que atribui aos Deputados independentes e ao Deputado da UDP. Do número extremamente reduzido de votos que subscrevi, por acaso um deles até terá merecido da parte do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho a classificação de voto que prestigiou esta Assembleia.
Ressalvei também na minha intervenção que admitia que os propósitos daqueles que tinham subscrito a proposta de alteração ao Regimento poderiam não ser, se não de todos, pelo menos de alguns, aqueles que estão consubstanciados nas consequências dessa proposta. Nesse aspecto, devo congratular-me pela posição extremamente clara assumida pela bancada do Partido Comunista, que, pela sua intervenção, tornou claro que não há no seu intuito qualquer tentativa de silenciar a voz dos Deputados independentes, pela posição assumida pela bancada do Partido Socialista aceitando a discussão na Comissão, e, finalmente, até pela própria posição da bancada do Partido Social-Democrata que, ao aceitar a discussão na Comissão, reconhece pelo menos que o problema merece um mais aprofundado debate e não teria sido analisado com todo o rigor que exige.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que estão de acordo em que a questão baixe de novo à Comissão de Regimento e Mandatos para aí ser apreciada e ponderada a proposta de emenda que o Sr. Deputado Lopes Cardoso e outros colegas independentes apresentaram.
A Assembleia tem alguma coisa a opor a que este assunto baixe de novo à Comissão?
Pausa.
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Visto não haver nenhuma oposição, a questão será relegada mais uma vez para a respectiva Comissão.
Também chegou à Mesa neste momento uma proposta de substituição do n.º 1 da alínea c) do artigo 86.0 do Regimento, subscrita pelo Sr. Deputado da UDP.
Está inscrita para usar da palavra para uma intervenção a Sr.ª Deputada Carmelinda Pereira. Dado que a questão está agora prejudicada com o novo exame pela Comissão, a Sr.ª Deputada deseja usar da palavra nesta sessão ou reserva-se para a próxima em que o assunto seja discutido. Permitia--me sugerir-lhe que a sua intervenção terá talvez mais cabimento na altura em que a Comissão já se tenha pronunciado de novo.
A Sr.ª Carmelinda Pereira (Indep.): - Sr. Presidente, entendo que a questão não está resolvida e mesmo a proposta que nós acabámos de subscrever não soluciona o problema, quando muito remediá-lo-ia.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, como a Sr.ª Deputada e que é juiz dos seus actos, tenha a bondade de usar da palavra.
A Sr.ª Carmelinda Pereira (Indep.): - A questão de que se trata é a de saber se os Deputados independentes podem apresentar votos a esta Assembleia e propor que ela se pronuncie sobre os mesmos. É pois sobre esta questão que queria pronunciar-me.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontro-me nesta Assembleia, tal como todos os Deputados socialistas, eleita através de um partido que assumiu o compromisso, diante do povo português, de em todas as circunstâncias defender as liberdades democráticas, as conquistas do 25 de Abril, governar com o povo e para o povo. Penso que o dever de todos os Deputados eleitos nesta base e assumir integralmente esse compromisso, isto é, respeitar o mandato que lhes foi dado. Pela minha parte, tal como pela parte do Deputado Aires Rodrigues, foi esse dever que decidimos cumprir. Foi a essa disciplina, a disciplina do povo que elegeu os Deputados socialistas, que sempre nos submetemos e queremos continuar a submeter-nos. Agindo dessa maneira, respeitando a disciplina do povo e um programa que uniu centenas de milhares de socialistas, que concentrou as esperanças de milhões de eleitores, fomos alvo de uma expulsão. E foi porque agimos dessa maneira que nos encontramos nesta Assembleia na qualidade de Deputados independentes. Como Deputados independentes, continuámos fiéis à mesma disciplina e a defender as mesmas posições que até então tínhamos defendido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procuramos hoje defender os interesses daqueles que são brutalmente atacados por um Governo de secretários de Salazar, um Governo que lúcida e rigorosamente prepara os piores golpes contra a população trabalhadora deste país. Esse Governo e todas as forças que o apoiam sabem que é difícil fazer passar na prática tais ataques e tais golpes contra a Revolução e contra os trabalhadores. Eles sabem que a Revolução está viva e que é muito profunda e que a expressão da Revolução se encontra, nesta Assembleia, traduzida numa maioria de Deputados do PS e do PCP. Para cies é preciso calar essa maioria em toda a parte, é preciso mentir ao povo, é preciso não permitir a informação objectiva, de maneira que o povo possa ser apanhado desprevenido. É por isso que eles atacam, da maneira como o fazem, a liberdade de informação. É por isso que eles querem calar a voz aos jornais ou aos órgãos de informação onde se procura que haja informação objectiva.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Carmelinda Pereira, permito-me interrompê-la, e peco-lhe desculpa, porque conto com a sua compreensão.
É manifesto que se está a desviar da matéria em discussão e peco-lhe que se circunscreva à matéria em apreço. V. Ex.ª não sendo o momento próprio, está a falar na política de informação do Governo, quando terá oportunidade de o fazer noutra altura.
A Oradora: - Sr. Presidente, considero que a questão que está a ser discutida nesta Assembleia, de os Deputados independentes poderem pôr à consideração do Plenário a votação de determinados votos está inteiramente ligada com a situação política e com os piores ataques que o Governo da contra-revolução prepara contra o povo trabalhador. Nesse sentido, sou obrigada a ligar todas as questões.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - Veja lá se desliga depressa!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Continuando, quero dizer que eles sabem que a existência do Governo por si só. é uma afronta ao povo trabalhador que por toda a parte diz não aos ataques do Governo e exige o seu derrube. Os trabalhadores sabem que este Governo não tem razão de existir, sobretudo quando existe uma Assembleia da República onde as forças que o apoiam se encontram em minoria, derrotadas, e as forças eleitas pelos trabalhadores se encontram em maioria. É neste quadro de lógica contra-revolucionária que é preciso limitar a acção da Assembleia da República. É preciso, sobretudo, transformá-la num dócil instrumento, num instrumento que proteja esse Governo e em que a maioria dos Deputados, mesmo declarando-se oposição, sejam oposição leal, assegurando a continuação e a existência do Governo.
Podem-se emitir críticas e censuras. Todos os dias o povo português sabe que nesta Assembleia se emitem críticas e censuras ao Governo. Todavia há uma coisa que não se pode fazer, que é votar, sobretudo votar contra este Governo, o que colocaria os grupos parlamentares numa situação difícil diante do povo português, porque se a maioria emite críticas ao Governo e diz que é contra o Governo então tem de votar contra ele. E se a maioria da Assembleia votar contra o Governo, o Governo não terá razão legal de existir. Essa a questão que está em jogo quando se quer impedir que os Deputados independentes apresentem votos de protesto. E mais: ela coloca-se de uma maneira ainda mais difícil a dirigentes que sabem que o grupo parlamentar que dirigem e controlam politicamente se encontra numa contradição insustentável, já que ele é o resultado do voto e da luta do povo e age constantemente contra esse resultado.
Não são de admirar. Sr. Presidente e Srs. Deputados, as posições do PPD e do CDS nesta Assembleia ao quererem calar a voz dos Deputados independentes, ao quererem impedir-nos de apresentar votos, ao quererem censurar a nossa acção nesta Assembleia. Eles não querem apenas censurar a acção dos Deputados independentes, eles querem censurar tudo e todos aqueles que se oponham ou façam barreira à contra-revolução em marcha. Eles sabem que só poderão fazer passar a contra-revolução se calarem a voz daqueles que exprimem a Revolução, só poderão fazer passar os piores golpes se puderem agir de maneira repressiva e impedindo a prática das liberdades democráticas.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: O povo espantar-se-á e espanta-se ao ver que, de acordo com os Deputados do PPD e do CDS, aparece uma proposta conjunta dos grupos parlamentares, portanto também, do PS e do PCP.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se nesta Casa as coisas vos podem parecer fáceis, se nesta Casa vocês aprovam não importa o quê para poder ajudar os outros a assumirem a sua tarefa de contra-revolução em marcha. lá fora ser-vos-á mais difícil E quero dizer que, seja qual for o resultado da votação, as coisas jogam-se lá fora. E eu declaro a minha confiança absoluta naqueles que lá fora lutam para defender o 25 de Abril, para defender todas as liberdades, para defender as conquistas da Revolução, que lutam pelo direito ao trabalho e pelo direito ao pão, que lutam para derru-
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bar e expulsar do Poder um Governo ilegítimo, constituído por secretários de Salazar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Deputados socialistas sabem, tão bem como eu, que a relação existente entre a base que os elegeu e a sua prática política nesta Assembleia, ao sujeitaram-se à disciplina de dirigentes que asseguraram a passagem de um Governo de afronta à soberania do povo, encerra em si a contradição mais brutal e mais explosiva. Os Deputados socialistas sabem, tão bem como eu. que, a continuarem esta prática, se isolarão por completo da base trabalhadora, ao mesmo tempo que se tornam cúmplices daqueles que preparam o caos, a desestabilização mais completa, a guerra contra o povo trabalhador. Os Deputados socialistas tem consciência do que significa mais esta manobra política de querer limitar a acção dos Deputados independentes, de querer impedir os Deputados independentes de fazerem com que esta Assembleia se pronuncie sobre condições de injustiça gritante e sobre ataques brutais que o Governo da contra-revolução desfere a cada momento contra os trabalhadores da cidade e do campo. Eles decidirão se nos coarctarão a liberdade de apresentação de votos, a liberdade de expressão, em uníssono com todas as forças que preparam a contra-revolução, ou se ficarão com os trabalhadores, e então haverá liberdade e democracia neste Parlamento para os Deputados independentes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que faleceu há dias a mãe do Sr. Deputado Manuel Gomes, do Partido Comunista Português. Em nome da Câmara e em meu próprio nome, apresento-lhe as mais sen tidas condolências.
Faremos agora o nosso intervalo de meia hora. A sessão recomeçará às 18 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão.
Eram 15 horas.
A seguir ao intervalo assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram IS horas e 45 minutos.
Temos para apreciação, segundo a ordem de trabalhos, a ratificação n.º 50/I, respeitante ao Decreto-Lei n.º 439/78, de 30 de Dezembro, que cria a empresa pública denominada Metropolitano de Lisboa.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
O Sr. António Esteves (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Esta ratificação foi pedida pelo Partido Socialista e acontece que veríamos com algum interesse que a sua discussão, se o Plenário estivesse de acordo, pudesse ser objecto de adiamento para a próxima sessão, por razões digamos que internas em relação à nossa participação. Dado que já têm surgido situações semelhantes, pedimos que isto seja considerado pelo Plenário.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como creio não haver oposição, está concedido o adiamento. Passaremos então à discussão do projecto de lei n.º 109/I - Direito à greve na função pública.
Tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes para ler o relatório da Comissão de Trabalho.
O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - O relatório e parecer da Comissão de Trabalho sobre o projecto de lei n.º 109/I. sobre o direito à greve na função pública, é do seguinte teor:
A Comissão de Trabalho decidiu, nos termos das disposições regimentais aplicáveis, rejeitar na generalidade
o projecto de lei n.º 109/I, sobre o direito à greve na função pública, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD.
O PS e o PCP consideraram que não se justificava a aprovação deste projecto sobre o direito à greve na função pública antes da promulgação do Estatuto da Função Pública, onde esta matéria poderá constar.
O PS e o PCP, tal como o PSD e o CDS, consideram, aliás, que a Lei n.º 65/77 que regula o exercício do direito à greve se aplica também aos trabalhadores da função pública, como resulta inequivocamente do seu artigo 12.º, n.ºI.
O CDS, não obstante considerar que o projecto de lei poderia ser melhorado, deu-lhe o seu acordo na generalidade. Como é óbvio, o PSD manteve o apoio ao seu projecto.
Este relatório foi aprovado por unanimidade.
Palácio de S. Bento, 10 de Janeiro de 1979. - O Presidente, Marcelo Curto. O Relator, Furtado Fernandes.
O Sr. Presidente: - Entrando na discussão na generalidade, tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes para uma intervenção.
O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi em 16 de Março de 1978, decorrido portanto quase um ano, que o PSD apresentou nesta Câmara o projecto de lei n.º 109/1, sobre o direito à greve na função pública. Por vicissitudes várias, só agora foi possível discuti-lo no Plenário da Assembleia da República. Estamos, contudo, certos que tal matéria continua a ter actualidade, daí ter o nosso grupo parlamentar solicitado a sua inscrição na ordem do dia.
Mas façamos um pouco de história que e simultaneamente também a história das razões que levaram o PSD a apresentar o citado projecto de lei.
Comecemos por relembrar, se é que isso se torna necessário, o despacho do então Ministro da Educação e Cultura. Sotomaior Cárdia, em que eram consideradas como injustificadas as faltas que os professores do ensino oficial viessem a dar, por ocasião de projectada greve. Como justificação deste despacho do Ministro da Educação do Governo PS/CDS, argumentava-se que o exercício do direito à greve dos professores do ensino oficial tal como dos restantes funcionários públicos só seria reconhecido quando fosse promulgado estatuto ou diploma especial onde tal direito fosse expressamente regulado.
Sempre para o PSD resultou evidente que a argumentação do então Ministro da Educação e secretário nacional do PS enfermava de profunda incorrecção. Efectivamente, o artigo 12.º da Lei n.º 65/77, que regulamenta o exercício do direito à greve, diz, designadamente:
1 - É garantido o exercício do direito à greve na função pública.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o exercício do direito á greve na função pública será regulado no respectivo estatuto ou diploma especial.
Do teor do articulado decorre pois, obviamente, que ate à regulamentação em diploma especial do direito à greve na função pública é aplicado também a este sector a lei geral sobre a greve. Não são pois procedentes, tal como já afirmámos, os argumentos que em contrário foram aduzidos. Tal facto parece terem reconhecido, contrariamente à posição do Ministro da Educação do Governo da sua responsabilidade, o PS e o CDS, ao terem afirmado na Comissão de Trabalho que a Lei n.º 65/77 se aplica também aos funcionários públicos. Com tal facto o PSD só tem evidentemente que se regozijar ...
Contudo, o reconhecimento do direito à greve aos funcionários públicos, que para o PSD sempre esteve fora de
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questão, não significa que, tendo em conta a especialidade e a particular natureza das funções e serviços a prestar por parte da Administração Pública, não venha a consagração desse direito a sofrer as adaptações das decorrentes, que se traduz no respeito, em todas as circunstâncias onde tal se imponha, do interesse público que à Administração cumpre observar.
Tal directriz é acolhida em regra na legislação ou na jurisprudência daqueles países que reconhecem aos funcionários públicos o direito à greve. Enquadra-se, pois. o projecto do PSD, ao adaptar aos condicionalismos peculiares da função pública o regime geral do direito à greve, na corrente dos países que, rejeitando a demagogia, melhor afinal defendem esse direito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É, na verdade, nosso convencimento que só aqueles que querem ver tal direito comprometido poderão, neste capítulo, sustentar posições aparentemente benévolas por excessivamente liberais. Não deixa, aliás, de ser curioso, porque sintomático, notar as teses que a este propósito são defendidas, entre nós, pelos partidos de inspiração marxista-leninista. Partidos que, uma vez no Poder, nem sequer admitem o direito à greve para a generalidade dos trabalhadores quanto mais para os da função pública. Vêm. no caso português, estes partidos vestir apressadamente as roupagens de um falso, porque hipócrita, progressismo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas passemos a uma analise mais detalhada do projecto de lei em apreciação, no sentido de fazermos a contestação de alguns argumentos que têm sido aduzidos contra o diploma.
Vejamos em primeiro lugar se o projecto contraria o teor da Constituição, nomeadamente o seu artigo 59.º. n.º 2, onde se estipula ser competência dos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito. É evidente que o projecto em apreço não contraria esta disposição constitucional. Podem os funcionários públicos de acordo com ele visarem os fins e os interesses que bem entenderem nos processos grevistas que eventualmente venham a desencadear. Cabe contudo acautelar o interesse público e é disso que cura o projecto do PSD. podendo nesta acepção dizer-se que o direito à greve na função pública, tal como o direito à greve em geral, não é um direito absoluto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É, aliás, a própria Constituição que no seu artigo 270.º, n.º I, determina estarem os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.
Não sendo o projecto inconstitucional, como e manifesto, igualmente não entra em contradição com o já citado artigo 12.º da Lei n o 65/77. De facto, ao admitir-se neste artigo a necessidade do direito à greve na função pública ser regulado no respectivo estatuto ou diploma especial, admite-se também e por via disso que cie obedeça a um condicionalismo próprio. Se assim não fosse, então o supracitado artigo 12.º não teria razão de ser ...
Nem inconstitucional nem ilegal, o projecto de lei n.º 109/I é apenas aquilo que deve ser. Um instrumento que, garantindo condições realistas para o exercício do direito à greve na função pública, evita, por outro lado, que o seu exercício se torne numa intolerável pressão de uma classe que, sendo muito respeitável, não se pode sobrepor a toda uma colectividade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Creio, aliás, que muitos funcionários públicos assim o entendem também, porque querem ver o seu direito à greve exercitado em condições que os prestigiem, em claro repúdio de qualquer manobra demagógica por mais aliciantes que aparentemente comporte.
O Sr. Ruben Raposo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - De uma leitura atenta do projecto de lei do PSD facilmente se reconhecerá ser este um projecto equilibrado que visa atingir o desiderato da compatibilização entre o interesse público e o malianável direito à greve dos funcionários públicos.
Daí que o pré-aviso da greve seja maior que o consagrado na lei geral; deve também por via disso entender-se que os membros pertencentes aos gabinetes ministeriais e os trabalhadores que ocupam cargos de direcção ou chefia de categoria igual ou superior a director-geral não são abrangíveis por declarações de greve; de igual modo se deve aceitar que a Assembleia da República, nos casos em que a subsistência prolongada da greve for susceptível de causar prejuízos irreparáveis a interesses vitais da comunidade, a possa declarar ilícita Cremos, aliás, ser este Órgão de Soberania, directamente eleito pelo povo português, que esta em melhores condições para o fazer. Não seria muito curial que tal atribuição fosse cometida ao Governo que. como é sabido, é de alguma forma parte nos conflitos laborais ocorridos no sector da função pública.
Com as justificações que deixamos expressas esperamos que os partidos democráticos dêem ao nosso projecto o acolhimento necessário para que ele se transforme em lei. A matéria pela sua importância assim o exige, o interesse público assim o reclama também.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs Deputados: A greve na função pública, apesar de dezenas de estudos e monografias dos juristas e sociólogos, continua ainda a suscitar as mais vivas e prolongadas polemicas nos países em que ela é admitida e praticada - ou seja nas democracias do tipo da Europa Ocidental. E não admira que assim aconteça. De um lado, o reconhecimento de tal direito - máximo quando ele é consagrado e consolidado na Constituição -- põe em causa o próprio conceito tradicional do direito público, pelo qual a Administração ou os serviços públicos constituem a coluna mestra do Estado. É demasiado conhecido o respeito, dir-se-ia quase veneração, que os juspublicistas como José sentiam e transmitiram às várias gerações de universitários não só em França como às de todos os países tributários da cultura francesa como era o caso do nosso país até há bem pouco tempo neste domínio. "O funcionário público -lê-se no trato de Brouère - não é um assalariado, não está ligado ao Estado por qualquer vínculo de contrato de trabalho." E continua: "O contrato que liga os funcionários à Administração é um contrato de direito público." Nos anos 40 esta doutrina representava já um grande avanço sobre a jurisprudência anterior que considerava que os direitos e deveres dos agentes da Administração nada tinham de contratual, pois representavam tão-somente "um acto unilateral do Estado, que pode em qualquer altura, em nome do interesse público, reduzir os direitos ou agravar as obrigações, sem que o funcionário possa defender-se com a invocação dos direitos adquiridos". Sodologicamente Walivc aplaudia tal orientação porque "o funcionário é remunerado para lhe permitir um nível de vida próprio da sua posição social - uma situação material digna que lhe deixa tempo suficiente para se dedicar ao Estado e servir o interesse nacional".
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A própria tendência para superar a distinção clássica entre o direito público e o privado encarregou-se de destruir todas as teses em que se alicerçava a noção da função pública. O axioma da "continuidade dos serviços públicos" erigido à categoria de uma condição essencial da própria existência do Estado-policia e este, por sua vez, como condição sine qua non da existência do povo como nação ou sociedade organizada, começa rapidamente a ceder terreno perante o Estado-patrão, ou Estado-empresário, ou Estado-gestor, cada vez mais comprometido, para não dizer interveniente na actividade económica da colectividade.
Por outro lado, primeiro pela irrupção do fenómeno sindical, que, fatalmente, não podia deixar de penetrar na função pública e depois sob o impulso de grandes transformações que o direito social vai sofrendo no pós-guerra, o problema da greve na função pública ganha novos contornos e coloração mais viva. A relação entre o Estado e o funcionário público já não obedece cegamente ao estatuto de suprainfra ordenação. O espírito de reivindicação que acaba por invadir o sector empresarial do Estado, introduz-se no sector tradicional da Administração Pública e rapidamente começa a esbater-se a fronteira rígida entre a função pública e o trabalho subordinado privado, começando a aparecer estatutos mistos, e, por toda a parte, a chamada "psicologia contratual" se substitui à tradição prestígio do servidor do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar desta rápida evolução que acabo de esquematizar, no Estado moderno não se perdeu, ainda, a noção nuclear de que a função pública serve em primeira linha o interesse geral, e prioritariamente não os interesses particulares mas os interesses colectivos. Em primeiro lugar, compete ao Estado garantir a manutenção e livre desenvolvimento das próprias regras do jogo económico - ou seja a manutenção do clima de segurança em que se possam desenvolver as actividades privadas. Depois é a função pública que permite e garante à totalidade dos cidadãos o consumo dos bens públicos, pelo regular funcionamento dos serviços dentro de critérios de estrita legalidade. E, ligado a isto, o tradicional princípio da continuidade do serviço público é a única e a mais visível garantia da própria continuidade do Estado de direito moderno.
Em face destes princípios tão basilares é-se muitas vezes tentado para condenar o direito da greve na função pública. Pois não é verdade que e fácil sustentar que tal direito pode rapidamente conduzir à paralisação do Estado e, consequentemente, à anarquia social? E, também, não é considerado pela opinião pública que os servidores do Estado têm uma posição económica e "laborai" muito diferente dos trabalhadores por conta de outrem, exactamente porque garante a prestação de serviços que a todos dizem quotidianamente respeito?
Todavia, é hoje incontestável que o funcionário público, sociológica e economicamente pouco tem a ver com o seu colega do período anterior à 2,a Guerra. O espírito corporativo do Civil Service britânico, a sua segurança na velhice, o horário de prestação de trabalho, o seu prestígio na sociedade tudo isto está hoje ultrapassado, a ponto de o funcionário ser hoje o irmão pobre dos trabalhadores da indústria ou dos serviços privados. As exigências da justiça social, a crescente assimilação dos serviços públicos aos serviços privados, o próprio advento da tecnocracia, a tentação de transformar o Estado numa gigantesca empresa onde se aplicam os métodos de gestão de pessoal e da informática e de definição por objectivos (rargets), tudo isto e muito mais colocam hoje o agente da Administração Pública sob o ponto de vista do direito laborai em pé de igualdade com os demais trabalhadores. E como o direito tem de acompanhar a vida, o direito de greve na função pública é hoje admitido sem grande relutância.
O direito de greve, neste sector, como se ensina, terá, porém, de obedecer a dois limites: o da ordem pública e o de abuso de direito. A ordem pública terá de ser entendida sob o prisma estadual e não sindical ou de grupo mais ou menos extenso de funcionários sectoriais. Costuma-se indicar que, assim, não é permitida a greve no aparelho governamental, isto é, pelos colaboradores directos do Governo ou dos que concorrem directamente para as decisões dos membros do Executivo. Também a mesma proibição se estende aos serviços prestadores de necessidades colectivas insubstituíveis, sendo esta noção mais dinâmica e variável conforme a época. Assim, a greve das forças de segurança pública seria um caso mais evidente.
Quanto ao abuso de direito de greve o seu conceito absorve o conceito geral de abuso de direito aplicável à greve do sector privado e deve ser utilizado de modo a impedir que os funcionários recorram à greve sem esgotar os caminhos da conciliação e diálogo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na vigência do II Governo Constitucional o Ministro da Reforma Administrativa e hoje líder do nosso grupo parlamentar, o Sr. Deputado Rui Pena, com a prestimosa colaboração do então Ministro do Trabalho, Maldonado Gonelha, preparou e submeteu à apreciação do Conselho de Ministros um anteprojecto sobre "Direitos sindicais na função pública". Esse anteprojecto, que como muitas outras iniciativas importantes dos Ministros democrata-cristãos ficou na gaveta, representa um notável diploma que honra os dois Ministros que o conceberam e redigiram e constitui um largo passo em frente na interpretação e execução dos preceitos constitucionais aplicáveis à função pública, e, ao mesmo tempo, uma sólida garantia dos direitos sociais dos funcionários públicos e suas organizações de classe.
O anteprojecto disciplina os direitos sindicais dos funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local e vem executar a resolução do Conselho de Ministros de 9 de Junho de 1976, que reconhece a tais entidades o direito de associação sindical.
O capítulo IV do anteprojecto é dedicado ao direito à greve e ali se enumeram os seguintes princípios básicos: o direito à greve deverá ser sempre precedido de um processo de concertação, devendo a resolução dos diferendos ser procurada preferentemente pela via do diálogo; o direito à greve é decidido pelas associações sindicais da função pública depois de sobre ela se ter pronunciado, por voto secreto, a maioria dos funcionários e agentes interessados em assembleias para o efeito convocadas pelos delegados sindicais; nas direcções-gerais ou serviços equiparados, bem como nos serviços das autarquias locais em que a maioria dos funcionários e agentes não esteja sindicalizada, o recurso à greve será decidido por voto secreto, em assembleia de funcionários expressamente convocada para o efeito por 20% ou duzentos funcionários ou agentes; são pois princípios que garantem a democraticidade na formação de vontade de recorrer à greve, de modo a impedir a sua manipulação pelas forças partidárias; o pré-aviso é normalmente de cinco dias dirigido à autoridade competente para o processo de participação, dele devendo constar os elementos sobre o início, duração e âmbito da greve; as obrigações durante a greve dizem respeito à satisfação das necessidades dos seguintes sectores: saúde pública, medicina legal, assistência e acolhimento de crianças, idosos, inválidos e deficientes; estabelecimentos de ensino, excepto o superior; administração da justiça; serviços prisionais; serviços tutelares de menores; serviços urgentes de registos e notariado; controle de fronteiras; cobranças de impostos; abastecimento de mercados; abastecimento de água e energia; recolha e tratamento de lixos e cemitérios. Por outro lado, não é permitido o direito à greve aos funcionários e agentes que exerçam funções de membros dos gabinetes ministeriais e todo o pessoal afecto a estes gabinetes a qualquer título; ao pessoal com categoria superior a director de serviços; pessoal da carreira diplomática, de CIFRA, aos quadros prisionais, florestais, Polícia Judiciária, luta contra incêndios e de ambulâncias, serviços de escrutínio em processo eleitoral.
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O recurso à greve só será legítimo depois de esgotadas as discussões com objectivos de procura de uma concertação, não podendo tal prazo prolongar-se por mais de noventa dias.
Quanto ao abuso de direito de greve o anteprojecto refere-se à greve que tenha por objecto a lesão de interesses não envolvidos directamente no diferendo. produzindo danos injustos e desproporcionados, ou cujas incidências se repercutam exclusiva e directamente nos utentes da Administração.
Referi por largo as principais disposições e por elas se pode aquilatar do avanço e actualidade do anteprojecto de Rui Pena e Maldonado Gonelha sobre as leis similares dos países europeus da Europa Ocidental. O diploma recolhe o que há de melhor no ensinamento dos juristas, sociólogos e sindicalistas experimentados do sector público e acautela os interesses que noutros países estão ainda em fase de indefinição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Comparado com o anteprojecto cuja traça geral acabo de esquiçar. o projecto du PSD. que estamos a apreciar neste debate, é de uma pobreza franciscana. A simplicidade de soluções, as indefinições, os silêncios em número muito superior às estatuições positivas, o seguidismo em relação à lei da greve do sector privado, que reclama desde há muito uma profunda revisão, só por si atestam que o partido-autor do projecto teve mais em vista tomar a dianteira na apresentação de um projecto da lei da greve da função pública para pinos efeitos eleitoralistas e demagógicos do que contribuir validamente para que o País fosse dotado de um diploma coerente, progressivo e consentâneo com a estrutura político-administrativa vigente e que está carecida de uma extensa e intensa reforma de fundo.
O projecto do PSD e incompreensivelmente omisso quanto à indicação de quem tem competência para declarar a greve, não indica a quem cabe a representação dos grevistas, não privilegia a concertação e participação como antecedentes prévios obrigatórios do anúncio da greve, não estabelece as proibições genéricas, como as de impedir o recurso à greve ou meios de coacção, não explicita os efeitos da greve, é receoso e reticente quanto às obrigações dos grevistas, teme os casos de proibição do exercício de direito à greve, não estatui sobre o abuso de direito à greve, é lacónico quanto aos casos de greve ilícita e esquece-se de consagrar o princípio elementar de proibição de discriminações devidas à greve.
O projecto pede, assim, uma grande e profunda remodelação, qualitativa e quantitativa, durante a discussão na especialidade, para que possa tornar-se numa lei de greve digna desse nome.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como ficou demonstrado, o anteprojecto do H Governo Constitucional representa, neste momento, o passo mais dianteiro na consagração do direito de greve na função pública. Sena um crime que aquele anteprojecto fosse pura e simplesmente inutilizado para em seu lugar surgir uma lei rudimentar, reticente e incompleta, como a do projecto social-democrata, e numa altura em que os problemas da função pública estão na ordem do dia e reclamam opções inadiáveis Estas sim. que nada tem a ver com a demagogia e práticas eleiçoeiras de caça ao voto.
O problema da greve é inseparável de direitos sindicais na função pública; não se pode resolver um sem curar do outro, c. por isso, daqui apelamos para o Governo, que no seu Programa se comprometeu a introduzir as reformas de fundo na Administração Pública, a retomar quanto antes o anteprojecto Pena/Gonelha para o submeter à apreciação desta Câmara.
Aplausos do CDS.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - O Gonelha é que é bom!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes para pedir esclarecimentos.
O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - Sr Deputado Narana Coissoró. se é verdade, como diz - nós entendemos que não -, que o projecto de lei do PSD revela uma pobreza franciscana. é omisso, corporiza uma intenção eleiçoeira. pergunto-lhe por que é que o CDS na Comissão lhe deu o seu apoio na generalidade
O Sr. Vital Moreira (PCP). - Ainda não conhecia o Gonelha!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró para responder
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Furtado Fernandes, em primeiro lugar, essa discussão na generalidade teve lugar antes de tomarmos conhecimento do anteprojecto ministerial Pena/Gonelha!
O Sr Vital Moreira (PCP): - Ah! Eu não dizia?!
Risos do PSD e ao PCP.
O Orador: - Em segundo lugar, dentro do que havia, o projecto de lei do PSD não nos merecia repúdio. O apoio dado na generalidade não significa a aprovação, mas sim o não repúdio
O Sr. Rúben Raposo (PSD): - Boa piada!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Viva o Gonelha! O Gonelha está à direita do PPD!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigues Pimenta para uma intervenção.
O Sr. Rodrigues Pimenta (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A Lei n.º 65/77. que regula o direito à greve, garante no n.º 1 do artigo l 2.º o exercício do direito à greve na função pública. No n.º 2 do mesmo artigo diz-se que "sem prejuízo do disposto no número anterior, o exercício do direito à greve na função pública será regulado no respectivo estatuto ou em diploma especial".
Sendo assim, e entendendo nós. socialistas, como aliás creio ser o entendimento desta Câmara, que os trabalhadores da função pública não estão dependentes da execução do citado n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 65/77 para poderem exercer o direito à greve, afigura-se-nos que a regulamentação de tal direito deve ser remetida para o Estatuto Geral da Função Pública, cuja complexidade e extensão recomenda que seja de iniciativa governamental, e não para diploma especial
Uma voz do PS: - Muito bem.
O Orador: - Não o entendeu assim o PSD/PPD ao apresentar o projecto de lei n.º 109/I, sobre o direito à greve na função pública, que introduz algumas adaptações à Lei n.º 65/77. para a sua aplicação à função pública. Normal e legítimo o procedimento do PSD/PPD. só que para o PS as adaptações introduzidas no projecto de lei n.º 109/1 contêm preceitos mais graves para os trabalhadores da função pública que a Lei n.º 65/77. preceitos estes com os quais o PS não pode estar e não está de acordo. Estes são alguns dos aspectos que levam o PS a votar contra o projecto de lei n.º 109/I, sobre o direito à greve na função pública, apresentado pelo PSD/PPD.
Queremos deixai bem claro que os trabalhadores da função pública exercem o direito à greve nos termos da Constituição e da Lei n.º 65/77, embora aceitando que o Estatu-
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to Geral da Função Pública possa dotar o exercício desse direito de algumas adaptações à função pública, mas não as que o PSD/PPD pretende introduzir com o projecto de lei n.º 109/I.
Aplausos cio PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Jorge Leite para uma intervenção.
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP desenvolveu já a sua posição sobre a matéria versada no projecto de lei n.º 109/I, do PSD, na altura em que nesta Assembleia se discutiram e votaram os projectos de diploma sobre o direito à greve. Recordamos, nomeadamente, que o projecto de Lei do Partido Comunista, derrotado pelo PS, PSD e CDS. contra a opinião da esmagadora maioria das organizações dos trabalhadores, não estabelecia quaisquer discriminações entre os trabalhadores do sector privado e os trabalhadores do sector público, aqui incluídos naturalmente os trabalhadores da Administração Central, Regional e Local. Continuamos a defender que esta é a posição mais correcta e é a que corresponde à vontade das organizações dos trabalhadores da função pública. Ë, aliás, conhecido o empenhamento dos trabalhadores da função pública, ao lado das restantes camadas de trabalhadores, na luta por melhores condições de vida e de trabalho e na conquista de direitos dirigidos à defesa e promoção dos seus interesses, nomeadamente o direito ao sindicato e o direito à greve.
Em Portugal, antes e depois do 25 de Abril, como noutros países, a luta foi e é de todos os trabalhadores, sem quaisquer discriminações; os direitos conquistados são igualmente de iodos sem quaisquer discriminações. Negar tais direitos ou restringir o seu exercício na Administração Pública, seria cometer entre nós mais do que uma inconstitucionalidade: tratar-se-ia de uma verdadeira traição ao empenhamento desta camada de trabalhadores na luta por uma sociedade mais justa e mais fraterna. E esta seria já uma primeira ordem de razões justificativas do nosso voto contra o projecto de lei n.º 109/I do PSD/PPD. De facto, se este projecto fosse aprovado, o direito à greve na função pública resultaria fortemente restringido relativamente ao estatuto jurídico actual, ele mesmo já razoavelmente restritivo. Na verdade, o que o PSD/PPD propõe neste projecto é, na esmagadora maioria dos seus artigos, uma restrição do exercício do direito à greve na função pública. Nele nada melhora e muita coisa piora. Ora vejamos: o projecto de lei n.º 109/I alarga o prazo de pré-aviso, e impõe uma nova obrigação às entidades responsáveis pela comunicação do pré-aviso - o da indicação do tempo por que vai durar a greve; agrava drasticamente os efeitos da greve irregularmente declarada, dispondo-se agora que os grevistas incorram, nestes casos, em responsabilidade disciplinar por falta grave; nega o direito à greve a uma fracção, é certo que ínfima, de trabalhadores da função pública; embora o faça de um modo ínvio; por fim. comete a esta Assembleia o poder de declarar suspensa uma greve cuja duração seja susceptível de causar prejuízos irreparáveis a interesses vitais da comunidade. Deve dizer-se que esta não é a primeira tentativa do PSD/PPD de restrição do exercício do direito à greve, mesmo após a entrada em vigor da Constituição da República. De facto e para além das propostas por si apresentadas na discussão na especialidade dos projectos que vieram a converter-se na Lei n.º 65/77, o PSD procurou, também por uma forma ínvia, introduzir alterações através do seu projecto de lei sindical que esta Assembleia rejeitou. Do mesmo modo, o Governo Regional da Madeira, da exclusiva responsabilidade do PSD, introduziu à Lei da Greve fortes restrições por decreto regional que viria a ser declarado inconstitucional.
Mas, além desta, uma outra razão se pode invocar como justificativa do nosso voto desfavorável a este projecto de lei. Desde Agosto de 1977 que se encontra em vigor a Lei n.º 65/77, que é inquestionavelmente aplicável aos trabalhadores da função pública, como, aliás, tem sido unanimemente entendido por todos os partidos aqui representados e como resulta da própria letra da lei. Ora, a prática tem provado a desnecessidade de um estatuto de greve específico para os trabalhadores da função pública. Ao contrário, defendemos mesmo que um estatuto específico para esta camada de trabalhadores mais restritivo do que o actual, como quer o PSD/PPD, constituiria, inclusivamente, uma afronta ao sentido das responsabilidades que têm revelado estes trabalhadores no exercício do direito à greve.
Na memória justificativa do seu projecto de lei. o PSD invoca certos acontecimentos, nomeadamente no sector do ensino, como demonstrativos, em sua opinião, da necessidade de um estatuto específico para a função pública, acontecimentos que, salienta-se, se vêm repetindo à margem da Constituição e da lei e mesmo contra elas.
É preciso, no entanto, tornar claro que quando o IV Governo, à semelhança, aliás, do que aconteceu com o II, vem declarar, pelo Ofício-Circular n.º 405/1/8/79, de 24 de Janeiro, que as paralisações inferiores a um dia de trabalho, quinze minutos que sejam, acarreiam a perda integral do vencimento desse dia, incluindo remunerações acessórias e subsídio de refeição. Quando o Governo vem declarar que é proibida a constituição de piquetes, etc., é preciso dizer claramente que a culpa não e da lei, a culpa é manifestamente do Governo que, contra a Constituição e a lei, recorre a expedientes de carácter repressivo na tentativa de desmobilizar os trabalhadores. Como pode, de facto, compreender-se que em 1979, em Portugal, um Governo venha pretender que uma greve de meia hora, de uma ou duas horas corresponde à perda integral do vencimento de um dia. Como pode um Governo proibir a constituição de piquetes de greve previstos e regulados na Lei n.º 65/77? Em que ano se julgará este Governo? Ou, supondo-se em 1979, lembrar-se-á que aconteceu o 25 de Abril e que se encontra plenamente em vigor a Constituição de 1976?
A célebre resolução do IV Governo relativa às comissões de trabalhadores da função pública, considerando ilegítima qualquer intervenção destas, mesmo que a título consultivo, não constitui um exemplo isolado de violação da Constituição e dos ataques deste Governo contra os direitos dos trabalhadores. O caso recente da requisição dos trabalhadores dos Telefones de Lisboa e Porto, E.P., constitui, por si só, um autêntico viveiro de ilegalidades, somando-se a tantas outras em que este Governo tem sido pródigo. Este Governo, que tanto se tem reclamado do respeito das leis, manda às urtigas as leis sempre que estas levantem obstáculos aos seus desígnios.
O IV Governo, na requisição dos trabalhadores dos TLP, cometeu, claramente, no mínimo, as seguintes ilegalidades: a requisição não foi, como devia e o impõe o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 637/74, precedida de resolução do Conselho de Ministros devidamente formalizada e publicada em que se reconhecesse a sua necessidade, o que desde logo vicia todo o processo subsequente; as requisições abrangem indiscriminadamente todos os trabalhadores aderentes à greve, sem curar minimamente de saber se todos eles eram indispensáveis; o Governo esteve-se nas tintas para o princípio da proporcionalidade; pela ordem de requisições ficaram abrangidos, inconstitucional e ilegalmente, todos os trabalhadores em greve, desde o pessoal da limpeza e dos escritórios aos quadros técnicos. Mais ainda, o Governo só requisitou os trabalhadores aderentes à greve, deixando fora da ordem da requisição os não aderentes por mais indispensáveis que estes fossem aos fins da requisição. Aliás, outras medidas vieram mostrar que o Governo pretendeu mais inutilizar a greve do que proporcionar a satisfação das necessidades que invocou. Ó n.º 6.0 da portaria declara os trabalhadores requisitados sujeitos ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, mas estabele-
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cê que aos trabalhadores podem ser aplicadas sanções disciplinares independentemente da precedência do processo disciplinar e portanto, independentemente da audiência e defesa do trabalhador atingido.
Para dizer o menos, isto é uma monstruosidade. Admite-se a condenação de alguém, negando-lhe o direito de se defender. Bem oportuno parece perguntar a este Governo se está a aplicar a Constituição de 1976 ou a de 1933, as leis da República ou as leis da ditadura. Será que este Governo não sabe que os direitos, liberdades e garantias, com o sentido que lhes dá o artigo 17.º da Constituição, só podem ser suspensos em caso de estado de sítio ou de emergência, declarados na forma prevista na Constituição? Este Governo quer servir a democracia ou destruir a democracia?
Aliás, o comportamento deste Governo durante a greve dos TLP foi deveras preocupante. Na verdade, quando se assiste a uma campanha antigrevista, à deturpação de alguns factos e ao empolamento artificial de outros, quando se assiste ao recurso aos meios de comunicação social, impondo a leitura das notas oficiosas e a censura dos comunicados dos trabalhadores, o Governo está a comportar-se antidemocraticamente, a corroer a jovem democracia, a estimular, de uma forma obscurantista, sentimentos antigrevistas. Um Governo que assim procede não está a colocar-se apenas fora da lei: está a colocar-se fora da democracia.
A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP). - Muito bem!
O Orador: - Em resumo, os atropelos deste direito à greve na função pública não têm resultado da culpa da lei. A culpa é daqueles que a querem violar O que é preciso é mudar quem quer violar a lei e não mudar a lei, restringindo o exercício deste direito.
Por tudo isto votaremos contra o projecto de lei n.º 109/I do PSD/PPD
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na longa noite fascista que viveu o nosso povo os trabalhadores da Administração Pública foram dos que mais sofreram as consequências da ditadura. Para manter a sua dominação, a ditadura necessitava de um aparelho de Estado tanto quanto possível dócil, sem grandes contradições, que permitisse levar a cabo a sua política de exploração dos povos português e das colónias. Assim, os governos de Salazar foram pouco a pouco criando um colete de forças para os trabalhadores da função pública, composto por um conjunto de decretos-leis. decretos, portarias e despachos que os foi afastando dos restantes trabalhadores, não lhes dando quaisquer direitos, mas apenas lhes conferindo deveres. Primeiro foi a exclusão em 1935 de todos aqueles que "não dessem garantias de cooperar nos fins superiores do Estado". À sombra do Decreto-Lei n.º 25 317. apelidados de traidores, foram afastados das Universidades alguns dos melhores cientistas do País. professores de Medicina, matemáticos, economistas, historiadores.. Depois as admissões passaram a estar dependentes do juramento de adesão aos ideais do fascismo e de repúdio activo do comunismo. E no topo deste edifício em 1943 o regime fez sair o Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, verdadeiro manual da repressão que põe os trabalhadores à mercê das ordens arbitrárias da hierarquia e no seu processo inquisitória! esmaga pela demissão qualquer tentativa de resistência. Mas se os direitos individuais dos trabalhadores da função pública eram praticamente inexistentes, no plano colectivo a sua expressão estava completamente vedada. Privados do direito de constituírem organizações sindicais pelo artigo 39.º do Estatuto do Trabalho Nacional, não tinham muito menos o direito de negociar as suas condições de trabalho e a greve era considerada um crime, como aliás relativamente a todos os trabalhadores. No entanto, ainda que privados dos mais elementares direitos necessários à defesa dos seus interesses de classe, nem por isso os trabalhadores da função pública deixaram de lutar contra a ditadura e de pôr em causa as leis do fascismo.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Também na função pública ou. melhor dizendo, no aparelho administrativo do Estado, a organização dos trabalhadores, a sua luta pelo exercício dos direitos sindicais e laborais, em igualdade com os restantes trabalhadores, e pela democratização das estruturas alcançou amplas conquistas. Entre elas inscreve-se o esfarrapamento do Estatuto Disciplinar, justamente conhecido por estatuto disciplinar fascista por todos os trabalhadores, e de toda a legislação repressiva e a imposição na prática de direitos de exercício colectivo, como o direito de associação sindical, de reunião e de greve. Ainda que parcialmente, e sempre recuperado pelos sucessivos governos através de decretos, procedeu-se ao parcial saneamento da burocracia fascista e corrupta que ocupava a cúpula e as chefias intermédias das repartições do Estado e do aparelho corporativo. Muitos pides e informadores foram também desalojados dos seus lugares.
Com a aprovação de tabelas salariais mais justas, diminuindo o leque salarial, a concessão de diuturnidades e de outros subsídios, melhoraram as condições de vida de muitos milhares de trabalhadores.
Por outro lado. o controle exercido pelos trabalhadores em relação à actividade de muitos serviços levou a um funcionamento mais democrático das estruturas, ao mesmo tempo que. noutros casos, os trabalhadores se ligavam estreitamente às lutas do povo. como são exemplo o IRA, o SAAL e o SAADA. Durante todo este processo os trabalhadores da Administração Pública foram-se consciencializando politicamente no combate á ideologia fascista que impregnava o aparelho de Estado. No entanto, a disputa pelo controle partidário da máquina administrativa do Estado faz com que os vários governos se aproveitassem mais da sua estrutura fascista do que se manifestassem interessados em. no essencial, a alterar. Assim, limitaram a sua acção a sucessivas distribuições de lugares de cúpula com que. simultaneamente, iam satisfazendo as suas clientelas políticas. E será interessante aqui recordar, a uma assembleia em que a maioria se reclama do marxismo e passou exactamente por esses governos, o que escrevia no século passado Marx acerca da luta de classes em França: "Os partidos que lutaram alternadamente pelo poder consideraram a conquista deste imenso edifício do Estado, como a principal presa para o vencedor." Muitos saneamentos de fascistas e corruptos foram aproveitados pelas diversas forças políticas para conquistar novos lugares, com especial destaque para o PCP, que na maioria dos casos pouco ou nada vieram mudar nas relações de trabalho dos serviços, assumindo muitos dos novos chefes um comportamento típico de uma nova burguesia oportunista em ascensão. Estes factos desprestigiantes da luta dos trabalhadores da Administração Pública foram aproveitados pelas forças reaccionárias para atacar as suas conquistas
Sr. Presidente. Srs. Deputados: O direito à greve dos trabalhadores da Administração Pública está longe de ser sumariamente admitido pelos Estados que constituem a comunidade internacional. Ainda na 63.ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, em 1977, uma das questões centrais da discussão foi a de saber se sim ou não uma convenção internacional devia consagrar esse direito, que os membros da OIT se obrigariam a cumprir. Estados apontados, por forças representadas nesta Assembleia, como modelos das virtudes democráticas, como é o caso da República Federal da Alemanha, continuam a recusar aos trabalhadores da Administração Pública tal direito, enfileirando ao lado dos Estados Unidos e do Japão. É claro que os gover-
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nos quando querem praticar uma política de restrições salariais tentam desde logo dar o exemplo como patrão aplicando tal política aos seus trabalhadores. Daí a tendência para restringir ao máximo as capacidades de contestação e negociação destes trabalhadores.
E conhecida a importância da participação dos trabalhadores da Administração Pública no Maio de 1968, em França, no Outono quente em Itália, e nas últimas greves gerais. Também na Grã-Bretanha centenas de milhares de trabalhadores da Administração têm levado acabo importantes jornadas de luta pela melhoria das suas condições de vida. Mesmo em países onde as greves são proibidas, como na pseudodemocrática RDA. nem por isso em 1974 os trabalhadores do Estado deixaram de paralisar.
Também em Portugal o direito à greve se conquistou com a greve. Greves como as do MEIC, em 1975. e do INE, em 1976, contribuíram definitivamente para que a Constituição reconhecesse a todos os trabalhadores o direito à greve. Do mesmo modo como foi pela constituição de sindicatos que os trabalhadores da Administração Pública viram a sua liberdade sindical reconhecida. No entanto, nos campos onde não avançaram decididamente, onde não se obrigou os governos a reconhecer os seus direitos, como quanto à revogação do estatuto disciplinar fascista, às comissões de trabalhadores e à contratação colectiva, o movimento dos trabalhadores começa hoje a compreender o preço das ilusões que depositou em governos que se reclamavam do seu apoio.
Numa segunda fase, as greves convocadas pelos sindicatos, primeiro a dos professores em 2 de Fevereiro de 1978. e depois as greves gerais de 10 de Março e 6 de Abril, são um marco importante e decisivo na curta vida do sindicalismo dos trabalhadores da Administração. Também pelas suas características, e ainda que de menor amplitude, as paralisações de apoio à Reforma Agrária vieram consolidar a aliança dos trabalhadores da cidade com os do campo e demonstrar o seu grau de consciencialização política. No entanto, desde sempre os governos têm vindo u tentar negar na prática o exercício do direito de greve dos trabalhadores da Administração Pública. O despacho de 19 de Março de 1976 abre o processo repressivo que vem culminar nos nossos dias com a decisão inconstitucional e ilegal do Governo Mota Pinto de descontar o vencimento do dia em que se verificou uma paralisação temporária de apoio à Reforma Agrária. Por outro lado, o controle e a repressão das greves são levados a cabo por métodos claramente pidescos, que só não vão mais longe porque os trabalhadores não vergam perante as ameaças.
Mas tudo isto só é possível porque quando aqui foi discutido o projecto que viria a ser a Lei n.º 65/77 não foi aceite a proposta da UDP de tal lei se aplicar integralmente aos trabalhadores da Administração Pública e não, como acabou por ficar consagrado, dar apenas a garantia do exercício do direito à greve. Aliás resultava do próprio texto constitucional tal direito, já que os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais dos trabalhadores são de aplicação directa e vinculam as entidades públicas. Optou-se portanto, e mais uma vê?., por considerar os trabalhadores da Administração como trabalhadores especiais, sujeitos a leis de excepção. É esta também a orientação do governo Eanes/Mota Pinto! È este exactamente. Sr. Presidente e Srs. Deputados, o conteúdo e o alcance do projecto de lei n.º 109/I. que em 16 de Março de 1978 o PPD apresentou nesta Câmara: o de uma lei especial que vem afastar mais uma vez os trabalhadores da Administração dos restantes trabalhadores.
Para a UDP o projecto do PPD/PSD é inadmissível. Na sua essência ele visa restringir o exercício de um direito constitucional que dificilmente pode ser contestado. Opta pois o PPD/PSD por esvaziar o seu conteúdo aumentando os prazos de pré-aviso; prevendo a possibilidade de admissão de trabalhadores para substituir os grevistas; limitando inconstitucionalmente o âmbito de interesses a defender com a greve, ao considerá-la ilícita no período entre a demissão e a posse do novo governo e atribuindo à Assembleia da República competência para a suspender, o que corresponderia a resolver por via parlamentar o que os partidos no Poder não conseguissem solucionar por via governativa.
Como referia um relatório recente da OIT, referente aos trabalhadores da Administração Pública, o direito de greve deve ser considerado como fazendo naturalmente parte dos direitos sindicais e como um complemento indispensável da negociação colectiva. Deverá ser portanto num contexto global em que se defina, nos termos do artigo 167.º. alínea m), da Constituição, o regime e âmbito da função pública, que esta matéria do direito de greve dos trabalhadores da Administração deve ser discutida.
A UDP fica aguardando essa discussão que há muito se promete, e entretanto votaremos contra o projecto de lei n.º 109/I, apresentado pelo PSD.
O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, vamos votar na generalidade o projecto de lei n.º 109/I. sobre o direito à greve na função pública.
Submetido à rotação, foi rejeitado, com os votos contra do PS, do PCP, da UDP e dos Deputados independentes Brás Pinto. Lopes Cardoso e Vital Rodrigues e os rotos a favor do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O CDS. apesar das críticas que fez ao projecto de lei n.º 109/I, entendeu que deveria manter o seu apoio dado na generalidade na Comissão de Trabalho. Em primeiro lugar porque, se viesse a ser aprovado, poderia ser remodelado e aperfeiçoado de modo a constituir uma lei de greve que a função pública desde há muito reclama. Em segundo lugar porque o IV Governo, no domínio do trabalho, não deu ainda quaisquer sinais de vida e, a manter-se este estado de coisas, não é de esperar que envie a esta Câmara, com a urgência necessária, a proposta de lei que foi elaborada pelo II Governo Constitucional.
Nestas condições, o nosso voto apenas visou não jugular a iniciativa do PSD logo à nascença.
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Rúben Raposo.
O Sr. Rúben Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acaba esta Assembleia da República, por maioria, votar contra o projecto de lei n.º 109/I, apresentado pelo PSD, sobre o direito à greve na função pública. Projecto realista, sensato, equilibrado. Projecto legal e constitucional, adaptado ao tipo de condicionalismo que visava regular. Em suma, um instrumento, cuja finalidade residia no garantir, em condições adequadas, o exercício do direito à greve aos trabalhadores da função pública, evitando que a sua efectivação se transformasse num meio de pressão brutal de um grupo social, sobrepondo-se a toda a comunidade. Aliás, muitos funcionários públicos desejavam e desejam, a aprovação deste projecto de lei...
O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ...pois consideram que o seu direito à greve deve ser exercitado em condições prestigiadas, repudiando todas as formas demagógicas de virem a ser instrumentalizados para fins que não os seus.
O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - A greve na função pública não tem uma tradição histórica tão profunda como para os restantes trabalhadores. Refira-se que até hoje desde o 25 de Abril, se registaram três surtos grevistas: um ligado aos professores e os dois outros relacionados com os trabalhadores da Administração Local e Central. A justificação para tal comportamento terá de ser encontrada na posição relativa dos funcionários públicos versus restantes trabalhadores, bem como no que toca às características especiais que apresentam as relações de trabalho entre ò Estado e os seus funcionários; mas. sobretudo, a explicação para este desiderato reside no elevado grau de maturidade e consciência cívica dos 300 000 trabalhadores da função pública
O Sr Furtado Fernandes (PSD). - Muito bem!
O Orador: - Contudo, tem vindo a registar-se uma progressiva utilização desta arma. Ela e a consequência do agravamento das suas condições salariais e do flagrante desnível em relação ao sector privado, que provocou uma transformação radical da sua posição como classe na sociedade moderna.
Sr Presidente. Srs. Deputados: O direito à greve é um direito fundamental, garantido pela Constituição, a todos os trabalhadores. Greve que é um meio de pressão, por excelência, a que os trabalhadores recorrem para a resolução dos seus problemas, para granjearem maior justiça social. Greve que assume múltiplas formas e intensidade variável, não só em função dos objectivos que visa prosseguir. como também dos vários condicionalismos económicos e sociais onde decorre. A iniciativa legislativa apresentada pelos sociais-democratas integra-se no texto constitucional e nos parâmetros avançados por diversas legislações estrangeiras. Como se sabe, a quase totalidade dos principais países da Europa democrática reconhece o direito de greve aos funcionários públicos. O mesmo já não podemos afirmai dos países de Europa de Leste, onde os trabalhadores continuam a não dispor deste meio de acção directa, sendo alvo de forte repressão aqueles que ousam utilizar esta forma de luta.
O projecto de lei. ora derrotado, era e é a consequência do nosso comportamento aquando da feitura da lei geral da greve. Foram os Deputados sociais-democratas que defenderam a consagração clara e inequívoca do direito à greve na função pública, tendo então apresentado na respectiva comissão de trabalho a proposta que mais tarde deu lugar ao n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/77 Com a nossa proposta, então secundada por todos os partidos desta Câmara, os funcionários públicos deixavam de ser trabalhadores de segunda, passando a dispor, na plenitude, deste direito fundamental
O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A nossa iniciativa legislativa não é uma ameaça de diminuição deste direito: aliás, o articulado da lei geral da greve prevê que seja regulada em diploma especial. A nossa iniciativa legislativa visa e visava a consolidação do Estado democrático de direito, através de adequação deste direito aos condicionalismos particulares da função pública, desbloqueando-se tensões e impasses, através de uma clarificação, de um estabelecimento, de uma disciplina própria.
Por tudo isto. o Partido Social-Democrata votou a favor.
Aplausos ao PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Dias Ferreira, igualmente para uma declaração de voto.
O Sr. Dias Ferreira (PCP): - O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português votou contra o projecto de lei n.º 109/I do PPD/PSD. que pretendia legislar sobre o direito a greve na função pública, por três razões fundamentais.
Decorre do texto constitucional que a greve é um direito dos trabalhadores. De todos os trabalhadores sem distinção de sectores laborais. Esse preceito foi posteriormente consagrado na Lei n.º 65/77, de 8 de Julho, que adianta mais competir às associações sindicais decidir do recurso à greve. Os trabalhadores da função pública reconquistaram, com a libertação de Abril de 1974, o direito de constituirás suas organizações sindicais. A Lei n.º 65/77 garante, no n.º 1 do artigo 12.º o direito à greve na função pública. Daí que aos trabalhadores da função pública como a qualquer outro trabalhador lhes seja lícito e constitucional exercer esse direito, sem necessidade de quaisquer complementos às leis existentes.
Por outro lado, a experiência da utilização por parle dos trabalhadores da função pública da lei da greve mostra-nos não existir qualquer lacuna ou omissão que imponha a elaboração de lei especial. Isso se infere, nomeadamente, do comportamento dos trabalhadores da função pública nas greves dos dias 10 de Março e 6 de Abril de 1978. que culminaram com a demonstração do seu sentido das responsabilidades patenteado no exercício de um direito que lhes assiste no Portugal de Abril, ficando outrossim bem vincada a posição do Governo de então no que toca ao recurso a práticas ilegais, nomeadamente no que respeita às ameaças, coacções e medidas repressivas de cariz vário utilizadas contra os trabalhadores.
Por último infere-se do projecto de lei do PPD/PSD a intenção de limitar o exercício dos direitos conquistados pelos trabalhadores da função pública, pretendendo impor processos e condições mais gravosas para estes. O projecto de lei do PPD/PSD não se adequa à realidade que é o regime democrático vigente em Portugal. O projecto de lei pode inserir-se num conjunto de tentativas tendentes a limitar ou negar a constituição ou a actividade de organizações de trabalhadores e o exercício dos seus direitos, de que é exemplo a Resolução n.º 10/79. do Governo Mota Pinto, que pretende esvaziar de conteúdo as comissões de trabalhadores na função pública. De resto, foi já reconhecido pelos grupos parlamentares, no decurso da discussão aqui travada, emergente da greve de 10 de Março de 1978, que aos trabalhadores da função pública ê garantido o direito à greve. Esse direito está consagrado no Constituição e na Lei n.º 65/77. de que os trabalhadores da função pública, enquanto trabalhadores, são também destinatários. O projecto de lei do PPD seria, se tivesse sido aprovado, um "presente" amargo para os TFPs, que estes vivamente repudiaram. O PCP. em perfeita sintonia com os princípios democráticos nascidos do Portugal de Abril e como organização política sempre atenta à defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores, não poderia dar o seu aval a tal projecto.
Por isso votámos contra.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para o mesmo efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigues Pimenta.
O Sr. Rodrigues Pimenta (PS): - De acordo com o que já afirmámos na nossa intervenção, o PS votou contra o projecto de lei n.º 109/I, por duas razões fundamentais: primeiro, porque os trabalhadores da função pública não estão privados do exercício do direito à greve, exercendo esse direito a greve de acordo com a Lei n.º 65/77; segundo, porque entendemos que o projecto de lei n.º 109/I era francamente mais gravoso para os trabalhadores da função pública do que a própria Lei n.º 65/77. Por fim. entendemos que tal direito, a ser regulamentado, deverá ser remetido para o Estatuto Geral da Função Pública.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de
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lei n.º 222/I - Elevação da vila de Amarante à categoria de cidade -, apresentado pelo PS; proposta de lei n.º 224/I - Estabelece disposições relativas ao destino de veículos automóveis apreendidos em processos criminais; proposta de lei n.º 225/I - Concede autorização legislativa ao Governo para definir crimes e penas não superiores a prisão até dois anos; proposta de lei n.º 226/I - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 122 da OIT, relativa à política de emprego; proposta de lei n.º 227/I - Aprova as grandes opções do Plano para 1979, e proposta de lei n.º 228/I - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 142 da OIT, relativa ao papel da orientação profissional e da formação profissional na valorização dos recursos humanos.
Srs. Deputados, como faltam poucos minutos para as 20 horas, penso que não vale a pena continuar os trabalhos.
Portanto, terminamos aqui os nossos trabalhos e lembro que a próxima sessão terá lugar no dia 15 do corrente, iniciando-se às 14 horas e 30 minutos e tendo como matéria da ordem do dia a que hoje não foi possível esgotar.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 55 minutos.
Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS)
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Augusto M. da Silva Andrade.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Amadeu da Silva Cruz.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Pinheiro da Silva.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Edmundo Pedro.
Eurico Manuel das Neves H. Mendes.
Fernando Tavares Loureiro.
Florêncio Quintas Matias.
Florival da Silva Nobre.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
João Francisco Ludovico da Costa.
João da Silva.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José dos Santos Francisco Vidal.
José M. de Albuquerque de A. Leitão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Francisco Costa.
Manuel Lencastre M. de Sousa Figueiredo
Manuel Pereira Dias.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Teresa Vieira Bastos R. Ambrósio.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia
Pedro Amadeu de A. dos Santos Coelho.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Partido Social Democrata (PSD)
Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo.
Américo de Sequeira.
António Manuel dos Santos Vasconcelos.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Egídio Fernandes Loja.
António José dos Santos M. da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
Arcanjo Nunes Luís.
Augusto Nunes de Sousa.
Fernando José da Costa.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Francisco da Costa Lopes Oliveira.
Francisco M. L. de Sá Carneiro.
João António Martelo de Oliveira.
João Lucílio Caceia Leitão.
José Adriano Gago Vitorino.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto de A. de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Ferreira Júnior.
José Manuel M. Sampaio Pimentel.
José Rui Sousa Fernandes.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Valentim Pereira Vilar.
Maria Helena do Rego da Costa S. Roseta.
Nicolau Gregório de Freitas.
Olívio da Silva França.
Rui Manuel Parente de C. Machete.
Centro Democrático Social (CDS)
Álvaro Manuel Brandão Estevão.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Henrique José C. M. P. de Moraes.
oão Carlos F. Malho da Fonseca.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Manuel A. de A. de Azevedo Vasconcelos.
Nuno Kruz Abecasis.
Partido Comunista Português (PCP)
Fernanda Peleja Patrício.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Independentes
José Justiniano Tabuada Brás Pinto.
Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS)
Carlos Cardoso Lage.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.
Jerónimo da Silva Pereira.
José Gomes Fernandes
Partido Social Democrata (PSD)
Antídio das Neves Costa.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Manuel Barata Portugal.
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Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José Sequeira Roriz.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Centro Democrático Social (CDS)
Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Carlos Martins Robalo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Duarte de A. Ribeiro e Castro.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Walter Francisco Burmester Cudell.
Partido Comunista Português (PCP)
Diamantino José Dias.
Domingos Abrantes Ferreira.
Victor Henrique Louro de Sá.
Independentes
Carlos Galvão de Melo.
O CHEFE DA DIVISÃO DE REDACÇÃO, José Pinto.
PREÇO DESTE NÚMERO 15$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA