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I Série - Número 84

Sábado, 14 de Julho de 1979

DIÁRIO
da Assembleia da República

I LEGISLATURA 3.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1978-1979)

SESSÃO SUPLEMENTAR

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE JULHO DE 1979

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmos. Srs. Alfredo Pinto da Silva
Carlos Alberto Coelho de Sousa
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO.- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Foi autorizado a prestar declarações no Serviço de Coordenação de Extinção da PIDE/DGS, o Sr. Deputado Júlio Alves da Silva (Indep.).
Concluiu-se a discussão e aprovou-se o projecto de resolução, apresentado pelo CDS, para inquérito parlamentar sobre os problemas da habitação, lendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Soeiro de Carvalho (PSD), Emídio Pinheiro (CDS), Sousa Gomes (PS), Rui Pena (CDS), Nuno Abecasis (CDS), Magalhães Mora (Indep.), Vasco da Gama Fernandes (Indep.) e Eduardo Pereira (PS).
Foi concedida prioridade e urgência para apreciarão do projecto de lei n.º 315/I - Manutenção dos Mandatos dos Deputados em caso de dissolução da Assembleia do República - apresentado pelo PS, fazendo declaração de voto o Sr. Deputado Pedra Roseta (PSD).
Foi aprovado na generalidade e na especialidade o projecto de lei n.º 310/I - Concede ao Governo autorização para contrair um empréstimo junto do Fonds de Rétablissement du Conseil de l'Europe, destinado a financiar a extensão do programa CIFRE e programas de auxílio às vítimas das inundações.
A Assembleia discutiu e aprovou na generalidade e na especialidade o projecto de lei n. º 311/I - A autoriza o Governo a celebrar um acordo com o Governo dos Estados Unidos da América relativo à venda de produtos agrícolas -, intervindo o Sr. Deputado José Júlio Ribeiro (Indep.) e emitindo declaração de voto os Srs. Deputados Cavalheira Antunes (PCP) e Pedra Roseta (PSD).
Discutiu-se e aprovou-se na generalidade e na especialidade, com alteração, o projecto de lei n.º 192/I - Regime jurídico do direito de autor -, do PS. Intervieram a diverso, título os Srs. Deputados Salgado Zenha (PS), Manuel Gusmão (PCP), Rui Pena (CDS) e Pedro Roseta (PSD) e produziram declaração de voto os Srs. Deputados Pedro Roseta (PSD), Salgado Zenha (PS) e Manuel Gusmão (PCP).
O Sr. Presidente, depois de anunciar a apresentarão dos projectos de lei n.º 316/I - Criação da freguesia de Golpilheira, no concelho da Batalha -, do PSD, e 317/I - Alterações à Lei Orgânica da Assembleia da República -, do CDS, e a retirada, pelo PS, da ratificação n.º 76/I, respeitante ao Decreto Lei n.º 93/79, de 20 de Abril, encerrou a sessão às 13 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Augusto M. da Silva Andrade.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amadeu da Silva Cruz.
António Barros dos Santos.
António Fernandes Marques Ribeiro Reis.
António José Pinheiro da Silva.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Belmiro Manuel de Sousa Carreira.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Florival da Silva Nobre.

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Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Herculano Rodrigues Pires.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José dos Santos Francisco Vidal.
José Ferreira Dionísio.
José Macedo Fragateiro.
José Maria Parente Mendes Godinho.
José M. de Albuquerque de A. Leitão.
Ludovina das Dores Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Alfredo Cardoso Monteiro.
Luís José Godinho Cid.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel Pereira Dias.
Maria Teresa Vieira Bastos R.
Ambrósio. Pecfro Amadeu de A. dos Santos Coelho.
Sérgio Augusto Nunes Siinões.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Casimiro Gomes Pereira.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
José Bento Gonçalves.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Henrique José C. M. P. de Moraes.
João José M. F. Pulido de Almeida.
Joaquim A. da F. P. de Castelo Branco.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís Esteves Ramires.
Manuel A. de A. de Azevedo e Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Nuno Krus Abecasis.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Mendes Tavares.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Zuzarte.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Cingão.
Eduardo Sá Matos.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa C. Pacheco Pereira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim da Silva Rocha Felgueiras.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Cavalheira Antunes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascenção M. Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Victor Henrique Louro de Sã.

Independentes

Américo de Sequeira.
António Egídio Fernandes Loja.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Fernando Adriano Pinto.
Gabriel Ribeiro da Frada.
José Gonçalves Sapinho.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Valentim Pereira Vilar.
Olívio da Silva França.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Victor Hugo Mendes dos Santos.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 105 Srs. Deputados.

Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem, hoje não haverá período de antes. da ordem do dia.
Da primeira parte da ordem do dia consta um pedido de autorização para que o Sr. Deputado Júlio Alves da Silva seja ouvido como declarante no Serviço de Coordenação de Extinção da PIDE/DGS no próximo dia 19 do corrente, pelas 15 horas.
Como ninguém se opõe, considero-o autorizado.
Entretanto, vamos prosseguir na discussão do projecto de resolução do CDS - Inquérito parlamentar sobre os problemas de habitação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Soeiro de Carvalho.

O Sr. Soeiro de Carvalho (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção não irá abordar os números relativos à habitação, porque nesta Assembleia foi já dito que os números estariam mais no âmbito dos engenheiros. E começar aqui a falar em números, cuja fonte quase sempre é a mesma, por serem repetitivos, seria cansativo para esta Câmara.
Naturalmente, virar-me-ei muito mais para o aspecto social que o problema habitacional no nosso país nos deveria impor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderá negar-se que o problema habitacional no nosso país tem vindo a agravar-se, e tal agravamento traz por arrastamento consequências que bem se podem transformar num flagelo social.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Esta situação, que deveria ser uma constante na preocupação de todos, não o tem sido atempadamente por parte dos governos que vêm a suceder-se.
Não será arriscar se considerarmos que a habitação deverá estar nos chamados planos de nível superior e nunca ser postergada em relação a outras, tornando-a processo secundário e dizendo-o apenas, sem o tornar real, apoio social.
Todos os esforços possíveis deveriam centrar-se para conseguir ultrapassar tão inquietante problema, que resulta de uma necessidade premente: A necessidade de cada homem ter um abrigo condigno, que o preserve conjuntamente com os valores intelectuais de que é portador.
É corrente deparar-se com o trinómio de garantia e desenvolvimento de uma sociedade que se quer justa: educação-saúde-habitação.
A ordem de tais factores poderia ser alterada, mudando o segundo para primeiro, o primeiro para último. Mas.... com respeito por quem tal ordem usou, será altura de me socorrer do aforismo «os últimos deveriam ser sempre os primeiros».
E, como assim, aqui estou a afirmar que sem habitação não será possível saúde, e a educação também não o será sem habitação. Mas, indo mais longe, não haverá dúvida em introduzir um elemento que não é novo: o trabalho. Também este não será produtivo em pleno se não existir habitação condigna, direi cómoda e acessível, e onde cada um se sinta realizado no seu querer de cidadão livre.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É notória a promiscuidade em que se vive numa grande parte das nossas cidades. Poderíamos apontar mesmo a nossa querida capital, como os seus contrastes traduzidos em graves assimetrias aberrantes, de natureza social.
Mas nem só nas cidades. A falta de requisitos minimamente elementares na habitação são verificados também no meio rural. Primam pela ausência de quaisquer bens que promovam comodidade. Aí vive-se em cubículos de exíguas dimensões, sem as mais ínfimas condições sanitárias e humanizantes. Os padrões admissíveis do bem-estar saudável são ainda desconhecidos ou de difícil acesso.
Por todo o País se vêem estes desequilíbrios, e fica-se com a sensação da presença de uma amálgama conseguida com excessos lotativos e desqualificativos, que nas entranhas de cada casa vão minando o que de mais sublime existe numa sociedade, e que todos teremos que defender: a família.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Em meios ambientais como os que se verificam em muitos milhares de habitações, onde cada família ocupa um só compartimento, onde cada moradia é utilizada por várias famílias, não será fácil conter a germinação da criminalidade no seu desenvolvimento progressivo e até agressivo.
É difícil conseguir a orientação séria e a honradez dignificante de cada chefe de família.
Torna-se tal situação um meio negativo e desagregador da condição humana.
De olhos cerrados às realidades, uma certa tecnocracia tradicionalista não se consegue contrapor aos primados dos grandes capitais, que, virados ao sector industrial, esquecem as necessidades habitacionais dos trabalhadores.
Seria uma contribuição muito válida. Esquecem-se que estes são o fluido do grandioso sistema de circulação que é o labor-produção.
Esquecem-se também que são precisamente estes a garantia de uma estabilidade político-social e que ela só será resolúvel com o cerne da questão habitacional posto em prática: uma casa para cada família.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Sei que não é fácil lutar contra números - e que essa luta talvez pertença aos engenheiros, mas que todos temos necessidade de conhecer -, que expressivamente e na dureza da objectividade matemática apontam para a ordem das centenas de milhares as necessidades do País em questões habitacionais.
Mas também se sabe que não seria difícil, há mais tempo, ter desbloqueado a situação de tantas cooperativas de habitação em situação verdadeiramente aflitiva. Que não seria precária a situação de tantos que por falta de um crédito acessível se viram, e estão, a braços com a impossibilidade de ter por direito a sua casa própria.
Não deveríamos ter assistido ao entristecedor espectáculo de operários da construção civil terem de parar, daí aduindo também consequências gravíssimas nos sectores subsidiários da construção civil. De vermos lançados numa ruína resvalante também muitas empresas construtoras adjudicatárias, que dificilmente serão recuperadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a amargura de quem tem vindo a acompanhar os terríveis e desesperantes momentos de muitos a quem reconheço direitos, e que nunca indignificaria com a compaixão de caridadezinha, fiz esta intervenção.
Vejo o dramático problema da juventude em cuja esperança o País se afirma que, por falta de alojamento, não se constitui em família.
Vejo quantas vezes a desejar a vinda da sua própria morte a muitos velhos, para deixar vago o seu lugar.
Vejo também o desinteresse na construção daqueles que as faziam com mira em lucros fáceis.
E continuamos a assistir à degradação galopante a que muitas habitações estão votadas. Problema angustiante e quase dramático, que muito tem a contar com a solidariedade humana, mas que ao Estado cumpre com urgência dar resposta.
Não deve ser relegada para um sórdido e insalubre rés-do-chão uma razão que deve ter moradia numa cómoda e arejada possibilidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Pinheiro.

O Sr. Emídio Pinheiro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela intervenção do meu colega de bancada Anacoreta Correia ficou justificada a nossa posição, tanto nas intenções como nos objectivos, e a

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formulação que propusemos para a constituição de uma comissão eventual com o objectivo de analisar o estado actual do sector da habitação é clara.
A iniciativa não é dirigida contra qualquer pessoa ou entidade, tão somente pretende a clarificação de dados que permitam bem determinar a situação da
Habitação em Portugal, o que se fez, o que não se fez e poderia e deveria ter sido feito. No entanto, e se tanto se revelar necessário, isto é, se no decorrer dos seus trabalhos a comissão eventual que propomos deparar com factos que apontem para a existência de matéria passiva de outro tipo de investigação, poderá e deverá ser ela a propor a nomeação de uma comissão parlamentar de inquérito.
Se merecer o acordo maioritário, o que esperamos, a comissão constituída terá à sua frente árdua tarefa.
0 fruto do seu trabalho será da maior importância para o esclarecimento da situação do sector.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por reflexo da inoperacionalidade do sistema está em grave crise, talvez a maior, toda a indústria da construção civil. Crise com a maior incidência no emprego. 0 sector directamente emprega constantemente menos. A falta de volume de trabalhos gera crises de emprego a montante em toda a indústria subsidiária.
É sem dúvida o sector da construção civil n maior empregador.
A não resolução da crise é a manutenção ou o agravamento do desemprego.
Já aquando da discussão do Programa do III Governo, em intervenção que aqui proferi, alertei para este problema. Desde lá quase tudo piorou.
Limitar-me-ei a enunciar os factos mais salientes, sem comentário.: menor valor de empreitadas lançadas; empreitadas concursadas desde Setembro, em situação indefinida: nem os concursos são anulados, nem são adjudicadas as obras; empreitadas adjudicadas cujos trabalhos não se iniciaram por mau planeamento e descoordenação entre o Ministério e as câmaras; insuficiência técnica e administrativa de muitas câmaras, incapazes de lançar empreendimentos, tantas vezes com recursos financeiros disponíveis, falta de lançamento de construção dirigida ao turismo que, a ser concretizado, têm tantos reflexos positivos a curto, médio e longo prazos, por falta de incentivos, nomeadamente de ordem financeira; paralisação de tantas empresas pela demora na apreciação dos seus projectos nas câmaras municipais e pela teia burocrática dos licenciamentos; paralisação de tantas outras com produto acabado ou em acabamento na ordem dos milhares ou talvez dezenas de milhar de fogos - números que não conseguimos apurar - que não vêem escoar no mercado por falta de política financeira que permita ao comprador poder suportar a aquisição da habitação de que tanto carece; falta de uma política coerente que leve à recuperação de fogos degradados, enquanto é tempo, isto é, enquanto a recuperação for possível; as dívidas do Estado às empresas de construção civil, que segundo as informações que podemos obter, se cifram em 8 milhões de contos e que asfixiam as tesourarias das empresas; falta de previsão orçamental que contemple os agravamentos de custo resultantes da inflação; empresas em vias de desintervenção, que mereceram de Ministério da Tutela, em governos sucessivos, pareceres favoráveis à sua recuperação económica, que todavia não conseguem obter os financiamentos, apesar de estarem assumidos nos decretos-leis, pela morosidade com que decorre a elaboração dos contratos de viabilização, conduzindo tal procedimento quantas vezes a inevitável falência; política creditícia que não corresponde às necessidades das empresas por situações criadas pelo Estado, em tudo o que é responsável; fogos concluídos, alguns já comercializados, ilegalmente ocupados e que os proprietários recorreram aos tribunais, de quem aguardam justiça, mas que tarda, pela situação caótica a que chegaram.
São estes alguns aspectos que afectam, desacreditam ,e desincentivam os que ainda lutam pela contribuição que o sector necess,ita. Sem iniciativa privada não há solução.
Importante também seria analisar o modo como estão a ser comercializados alguns dos mais importantes materiais, por exemplo o ferro e o cimento. As condições de fornecimento em que se processam as suas distribuições, as condições de pagamento que são exigidas à indústria.
Srs. Presidentes, Srs. Deputados: 0 CDS deseja, ao propor a constituição da comissão eventual, que estes problemas sejam analisados. Estes e todos os que com eles se relacionem, sem excluir nenhum que se venha a verificar de interesse complementar para o aprofundamento do conhecimento da real situação do sector.
Espera pois o CDS que a sua iniciativa tenha acolhimento favorável, pois só quem tiver algo a encobrir não terá interesse em que a verdade seja de todos conhecida.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Gomes.

O Sr. Sousa Gomes (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na impossibilidade de o meu camarada Gomes Fernandes poder estar presente por motivos de ter de comparecer hoje num tribunal e em nome da bancada do meu partido, gostaria de dizer, com muita brevidade, qual a nossa posição relativamente a este assunto.
Em primeiro lugar, o Partido Socialista, tal como já outros grupos parlamentares o fizeram, vê com interesse e com agrado a possibilidade de se discutir no âmbito da Assembleia e, designadamente, numa comissão parlamentar criada para o efeito, a problemática da habitação. Sempre o defendemos, sempre quisemos que no âmbito desta Assembleia fosse possível encontrar uma plataforma ampla e segura para que, a nível do poder político, fosse possível traçar um caminho de solução para esse gravíssimo problema.
E estamos tanto mais à vontade quanto até hoje, quer no âmbito do, I e II Governos Constitucionais, quer no da própria actividade programática do meu partido, temos a consciência de sermos dos poucos que deram unia contribuição positiva e aprofundada para a solução deste problema. Sobre esta matéria quisemos e pudemos aqui, aquando da discussão dos programas dos I e II Governos, apresentar proposta e soluções.
Nesse sentido, portanto, estamos abertos à criação de uma comissão, pelo que iremos votar favoravelmente o projecto de resolução do CDS.

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A nossa posição, no entanto, terá uma reserva quanto à redacção formal da proposta apresentada, o que faremos oportunamente. Trata-se apenas, quanto a nós, de dar um âmbito mais adequado e mais correcto à actividade proposta para essa comissão.
Em segundo lugar, gostaria de, a propósito da justificação feita pelo CDS e das reflexões suscitadas pela discussão deste projecto de resolução, salientar e sublinhar alguns aspectos, como o de uma certa dificuldade de interpretação que surgiu nesta Câmara sobre a integração de fundo deste projecto de resolução do CDS. Ela deve-se, em meu entender, a certa flutuação, a corta falta de precisão real do que se pretendia: se se trata de discutir o problema da habitação, se se trata de discutir as soluções que até hoje foram propostas, parcialmente realizadas e em parte não realizadas, nós estamos de acordo e estamos interessados; se se trata de levantar um inquérito a alguém, então vamos saber a quem, porquê e como.
Tratou-se, a meu ver, de certa falta de precisão na forma como o problema foi posto e também houve certo tipo de argumentação formulada a propósito deste problema que levantou e suscitou dúvidas que me parecem pertinentes.
0 meu camarada de bancada Eduardo Pereira já ontem referiu algumas dessas questões, questões essas que eu hoje também gostaria de voltar a pôr mas para não tomar muito tempo, limitar-me-ia a dizer o seguinte:
0 Partido Socialista considera que, efectivamente, o problema da habitação é um problema de fundo, que levará uma década, que levará uma geração, porventura, a encontrar uma solução de fundo satisfatória. Mas não podemos, de forma alguma. adiar o início da discussão do problema nem podemos também aceitar que, passivamente, se vá relegando para o futuro o início da solução. E foi nesse âmbito que o I Governo Constitucional e também o II Governo Constitucional meteram ombros a tarefas de fundo com uma amplitude e com uma profundidade que até hoje não tinha sido possível encontrar em Portugal.
E é justo salientar que o trabalho lançado pelo I Governo Constitucional, sendo na altura responsável pelo sector o meu camarada Eduardo Pereira, representou uma viragem de fundo em tudo o que se tinha feito em Portugal em matéria de habitação até então. Mas é justo também dizer-se que esse trabalho de fundo não poderia ter resultados a curto prazo, de imediato, porque se tratava e se tratou de lançar as bases de uma solução de fundo. 15to porque para o problema da habitação não há soluções, não há panaceias de efeito imediato, e os resultados desse trabalho, alguns deles, começaram a ver-se em período posterior.
E é do trabalho lançado nessa altura e da continuidade dada pelo II Governo Constitucional de um tratamento mais aprofundado, por exemplo, ao problema do financiamento: do apoio decidido então às cooperativas de habitação; da política de solos definida pelo I Governo e executada também em parte durante o II Governo; de toda a política de reanálise de fundamentos económicos do arrendamento habitacional, feito também sobretudo durante o II Governo, que têm vivido os Governos que se sucederam desde então.
De facto, não vemos dificuldade em analisar este problema e em chegar à conclusão de que os III e IV Governos não foram capazes de dar continuidade às políticas prosseguidas, boas ou más - e continuamos abertos à sua discussão -, e criaram neste país uma solução de descontinuidade que nos trouxe dificuldades.
E lamentamos que aqui tenham sido referidos imensos dados sobre a situação habitacional portuguesa. São, de resto, os mesmos dados adiantados por nós na altura em que tivemos de defender aqui os Programas dos I e II Governos; são dados que esses dois primeiros Governos trabalharam e formularam em documentos que produziram; são elementos que, infelizmente, quer na discussão do Plano anual para 1978, quer na proposta de lei do Plano apresentada pelo IV Governo, não foram retornados nesta Assembleia.
Uma análise desses números levar-nos-ia a dizer o seguinte: se as dificuldades existentes em Portugal em matéria de habitação foram caracterizadas e formuladas desde 1976 para cá, a verdade é que se deve aos I e II Governos a formulação de uma política de fundo.
Cabe agora ver se o IV Governo deu ou não seguimento, em termos satisfatórios, à prossecução dessa política ou de outra que porventura pudesse ser melhor. É nesse âmbito que nós aceitamos e que iremos defender o trabalho de investigação a realizar pela comissão eventual.
Mas é necessário dizer mais: é necessário dizer que não podemos de forma alguma subscrever o ponto de vista de partida defendido pelo CDS de que as dificuldades habitacionais se devem sobretudo à tónica imprimida pelos I e II Governos - e ainda hoje defendida pelo PS -, de ver o problema da habitação fora de um comando político, fora de uma dinâmica criada e gerida pela Administração Pública. Nós não defendemos a estatização da construção civil, não defendemos a estatização do parque habitacional.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Sempre o dissemos - está escrito e foi afirmado em múltiplas circunstâncias - e justificamos as razões porque atribuímos, designadamente nessa área, um papel primordial ao sector privado como executor, como elemento dinamizador da construção habitacional. Mas não podemos defender o ponto de vista subjacente a esta proposta de que os males existentes se agravaram ou são porventura dominantes pela intervenção feita no pós-25 de Abril da actividade política, nomeadamente pela maior incentividade ao sector público.
E o nosso ponto de vista tem neste momento uma defesa clara, que é esta: a situação da habitação em Portugal não se deve, não se pode de forma alguma imputar - de resto, reconheço que não foi essa a intenção dos proponentes - aos Governos que se sucederam no pós-25 de Abril. Mas então é preciso dizer também claramente que a situação errada se deve a uma orientação política que privilegiava, univocamente, a iniciativa privada como motor da solução do problema habitacional.
Até ao 25 de Abril esteve nas mãos da iniciativa privada resolver o problema da habitação. Tiveram quarenta anos para o fazer e vemos que a nossa

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distância em relação à solução do problema foi sempre aumentando. As carências são hoje maiores do que eram vinte anos atrás, são maiores do que eram trinta anos antes; o fosso criado deve-se à falta de uma política de habitação, à falta de uma definição pelo sector público e pelo Governo de qual a orientação correcta a seguir.
0 que o Partido Socialista tem defendido e continua a propor é que essa orientação e essa definição de uma política cabe de facto ao poder democrático eleito, representado designadamente pela Assembleia da República e pelos Governos que, a título de democraticidade, sejam possíveis neste país.
Mas é preciso que este problema fique claro: nós não aceitamos que se diga que as faltas hoje existentes em Portugal relativas à habitação tenham sido agravadas pela política de reforço da dinâmica do sector público no pós-25 de Abril.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E em abono desta nossa posição devo dizer que seria fácil documentar a Câmara com um conjunto de números, dos quais, de resto, o CDS dispõe, assim como as outras bancadas, do volume imenso de realizações que foi possível lançar nos I e II Governos e que a prazo poderiam dar resultados visíveis.
Trata-se, a nosso ver, de matéria com lugar específico e lugar mais adequado de tratamento, como seja no âmbito da comissão proposta, cujos resultados poderemos aqui ver e nos permitirão tirar conclusões.
Para finalizar, gostaríamos de deixar uma palavra de reflexão sobre as cooperativas. Os próprios representantes do Centro Democrático Social, nomeadamente o Deputado Anacoreta Correia, acabaram por reconhecer que não haveria uma posição contra as cooperativas na sua iniciativa. No entanto, disseram que não viam como é possível continuar a apoiar determinadas medidas tomadas pelo I e II Governos Constitucionais no sentido de apoiar o sector cooperativo como se fosse solução de fundo para o problema da habitação.
Pensamos que é justo neste momento não deixar cair este problema. Defendemos e defenderemos um papel privilegiado para as cooperativas de habitação na solução do problema habitacional, mas não consideramos que seja um papel único e exclusivo e estamos dispostos a provar, através de resultados imediatos, a capacidade de iniciativa e realização que as cooperativas podem e devem ter no nosso país, capacidade que já está em curso neste momento. Não gostamos que sejam invocados números, dizendo que nos últimos dez anos as cooperativas construíram 0,000 qualquer coisa de habitações, mas achamos que os últimos dez anos são um ponto de reflexão para pensarmos qual era o papel das cooperativas antes do 25 de Abril, e para isso basta pensar que, actualmente, as cooperativas têm projectos e iniciativas capazes de lançar a curto prazo mais de 20000 fogos de habitação social. E é com esta capacidade, que resultou do movimento criado em Portugal na sequência do 25 de Abril...

O Sr. Carlos Laje (PS): - Muito bem!

O Orador: -..., com as acções levadas a cabo pelo I e II Governos e com as medidas desta Assembleia e dos Governos que se conseguirá que as cooperativas tenham no futuro um papel, não diria dominante nem exclusivo, mas fundamental. Seria bom que o Centro Democrático Social, uma vez que esteve connosco no II Governo, interrogasse o III e o IV Governos acerca das razões que levaram a que a definição das condições financeiras das cooperativas de habitação - entregues para publicação no Diário do República há mais de um ano - tenha sido publicada sob a assinatura dos responsáveis do IV Governo apenas há questão de semanas. Como é que é possível defender o papel das cooperativas na solução do problema habitacional e ao mesmo tempo silenciar toda uma campanha sistematicamente organizada contra as cooperativas?
Também as câmaras municipais mereceriam aqui uma palavra de apoio da nossa bancada; julgamos, no entanto, que a este propósito a sede própria é na discussão das atribuições das autarquias locais.
Para não alongar excessivamente esta nossa intervenção, concluímos dizendo que daremos o nosso apoio, com as reservas já expressas, à proposta que visa a criação da comissão eventual para análise dos problemas de habitação, afirmando desde já que, em nosso entender, o interesse e a importância dessa comissão eventual será o de reforçar o papel de reflexão e de interrogação desta Câmara na discussão dos problemas que, de forma genérica e não abstracta, interessam não só ao País, mas a milhões de portugueses. Nesse sentido daremos no âmbito da comissão o nosso apoio e a nossa contribuição à reflexão sistemática e extensa das soluções que deviam ser postas em prática para se poder, a prazo, dispor de uma solução para o problema da habitação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de referir o tom verdadeiramente notável em que está a decorrer este debate e importa frisar, à laia de esclarecimento ao discurso que acabamos de ouvir ao Deputado Sousa Gomes, que não nos moveram quaisquer intuitos persecutórios, seja contra os Governos pós-25 de Abril, seja contra a situação que herdámos de antes do 25 de Abril.
Se pensámos, de início, face ao verdadeiro escândalo nacional que constitui entre nós o problema da habitação, pedir responsabilidades mais pela falta de resposta adequada às necessidades do nosso povo no domínio da habitação do que pela má gestão; numa segunda fase entendemos que este problema era de tal maneira grave e essencial para os portugueses que convinha que esta Câmara lhe desse, uma resposta unívoca no sentido de considerarmos a gravidade da situação do nosso país e a necessidade de resolver de maneira urgente este grave problema nacional. Digo ao Sr. Deputado Sousa Gomes que a apresentação do projecto de resolução para a formação desta comissão eventual não foi, de forma nenhuma, uma crítica aos Governos pré-constitucionais e ao I e II Governos, no último dos quais tivemos a honra de

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participar, e por isso sabemos bem que tiveram relativamente a este assunto uma política definida e precisa que só não foi eficaz devido à pouca duração que tiveram esses mesmos Governos.
De qualquer maneira, Sr. Deputado Sousa Gomes, não posso deixar de referir que de todo o seu discurso ressalta uma tentativa de demonstração que, pelo menos do meu parecer, não ficou devidamente clara. É evidente que ninguém pôs, em causa que para a resolução do problema da habitação em Portugal não seja necessária uma política definida e insistente por parte de sector público, e nunca dissemos que não concordávamos com o facto de o sector público se imiscuir neste campo e muito menos que a sua resolução não poderia depender de uma política muito activa e determinada por parte do Governo. 0 que nós dissemos foi que a política seguida até hoje pelo sector público é manifestamente ineficiente e não teve a magnitude indispensável para a resolução deste problema.
Mas a pergunta que lhe coloco é a seguinte: para além da ineficiência da gestão pública no domínio da habitação, não houve um desincentivo por parte do poder constituído em relação ao sector privado que o impediu de continuar a contribuir, ainda que reduzidamente, como infelizmente temos de verificar, para o aumento do nosso parque habitacional? Por outras palavras: nós não atacamos o sector público pela acção que entendemos que ele deve ter relativamente à solução deste problema: nós atacamos, sim, o sector público e as políticas governamentais porquanto se traduziram num desincentivo à prática e à solução do problema habitacional, e por isso gostava de lhe perguntar e é ou não verdade que foi mercê de actuações públicas que se reduziu a capacidade produtiva das empresas privadas de construção, designadamente através de uma redução drástica do crédito e do aumento espectacular das taxas de juro, o que as levou à falência ou à total inoperância.

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr. Deputado Sousa Gomes, pareceu-me que na sua intervenção quis apontar algumas soluções ou pelo menos privilegiar algumas soluções. Penso que um problema com esta vastidão não pode ser resolvido, nem o é em sítio nenhum do mundo, por um único sector, seja ele público, privado ou cooperativo. Penso que - aliás, sob conclusões de vários congressos e simpósios que sobre este assunto se têm realizado em Portugal desde há longos anos - em Portugal ou se realiza uma conjugação de todos estes esforços promotores de habitação ou não é possível resolver o problema. É evidente que ao sector público cabe uma tarefa importantíssima como definidor de uma determinada política e de determinados padrões de habitação, nomeadamente a social. Mas seria utópico, e o Sr. Deputado Sousa Gomes sabe isso muito melhor do que eu, pensar que em qualquer pais, e por maioria de razão no nosso devido às nossas actuais circunstância, o sector público por si só seria capaz de fazer face a um problema desta amplitude. Aliás, a evidência está patente quando comparamos a actual taxa de ocupação global das nossas empresas de construção civil com a dos anos de 1966 a 1970, quando não havia deficit e hoje estamos, como sabe, com gravíssimas crises de desemprego, embora as necessidades habitacionais tenham aumentado.
Aquilo que nós criticámos, sem criticar com isso pessoas, e gostava que isto ficasse bem claro porque não pomos em dúvida a boa-vontade e a boa intenção das pessoas que tiveram a seu cargo a resolução do problema, não foi o facto de o sector público ter tomado uma parte importante no problema da habitação - pelo contrário, e o meu colega Anacoreta Correia salientou-o, achamos que o sector público teve uma função importante ao evitar o descalabro total das empresas de construção civil, descalabro que se teria verificado se não tivesse havido essa intervenção -,mas o facto de se ter paralisado o sector privado, que deveria dar uma contribuição fundamental a este campo, e de se ter enfraquecido notavelmente o sector cooperativo.
Todos nos congratulamos que tenha sido publicada a legislação relativa ao sector cooperativo. No entanto, sabemos que, se houvesse uma vontade firme e uma política definida, essa legislação teria sido promulgada muito antes e eventualmente até durante a vigência do próprio II Governo. Tanto o Sr. Deputado como nós tivemos de combater muitos tabus, visto que muitos se criaram acerca deste problema no pós-25 de Abril e por isso acho que não é o momento de anteciparmos ou demonstrarmos as virtudes das soluções que propomos ou das que têm estado em vigor até agora. Para isso se propôs a criação desta comissão, para que, desapaixonadamente, sejamos capazes de analisar várias formas e caminhos de atingir um objectivo, que, esse sim, nos deve preocupar a todos nós, para que não se mantenha por mais tempo esta situação vergonhosa - para uma sociedade que se quer evoluída e justa - de os Portugueses não terem o direito elementar à habitação. É a esta situação que é preciso pôr termo em Portugal e só o faremos se conseguirmos partir para esta comissão completamente despolarizados de ideias feitas e com o espírito aberto para analisar todas as possibilidades, as já ensaiadas e talvez algumas por ensaiar, que sejam capazes de fazer face a este gravíssimo problema que nos aflige.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Pinheiro.

O Sr. Emídio Pinheiro (CDS): - Sr. Deputado Sousa Gomes, sou o primeiro a reconhecer, a aplaudir e a corroborar todas as medidas tomadas pelos I e II Governos em matéria de habitação, nomeadamente durante o período de vigência do II Governo. Sabemos que algumas medidas propostas e pensadas pelos dois Ministros desses dois Governos não tiveram sequência por falta de colaboração e apoio, por exemplo, do Ministério das Finanças e do Plano.
É evidente que a solução do problema da habitação é demorada, longa e carece de numerosos estudos, visto que não há nada que o resolva a curto prazo, nem há imaginação de nenhum Ministro que o possa resolver. Há, porém, medidas de curto prazo que podem ser tomadas - concretamente, o Sr. Deputado

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Sousa Gomes, quando Ministro, tentou algumas que não mereceram apoio imediato do Ministério das Finanças e do Plano.
Sr. Deputado, gostava de lhe colocar esta pergunta: depois de todo esse esforço, é verdade ou não que a carência habitacional em Portugal é hoje superior ao que era?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Sousa Gomes.

O Sr. Sousa Gomes (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais gostaria de dizer que vou ser muito breve, pois temos para hoje uma agenda muito sobrecarregada.
Agradeço as questões postas pela bancada do CDS, penso que o Sr. Deputado Rui Pena conseguiu precisar os pontos de vista da sua bancada, mas a verdade é que continuou a defender que em Portugal, depois do 25 de Abril, o sector público teve um comportamento prejudicial para a solução do problema da habitação. O Sr. Deputado Nuno Abecassis, acentuou essa intenção, que, de resto, esteve sempre subjacente na apresentação do projecto de resolução para a criação de uma comissão para proceder a um inquérito parlamentar sobre os problemas da habitação.
Para não entrar numa discussão muito, extensa, gostaria de dizer aos Srs. Deputados apenas o seguinte: em primeiro lugar, as carências que existem na habitação em Portugal são herdadas de um passado bastante extenso; os 600 000 a 800 000 fogos que hoje são considerados como as carências em habitação de Portugal não são resultado de um ou dois anos da política de habitação do pós-25 de Abril, sob o resultado de uma política de uma década e são antes de mais, a consagração do falhanço total da política anterior ao 25 de Abril. Podemos dizer que em Portugal os governos anteriores ao 25 de Abril conseguiram na Europa o primeiro lugar da pior das situações em matéria de parque habitacional. Em segundo lugar, é possível demonstrar que as políticas habitacionais seguidas no pós-25 de Abril, com as suas crises, com os seus problemas, com as suas dificuldades, tiveram o mérito de traçar um programa e um caminho e lançaram bases. que a médio prazo poderiam ter alguns resultados e que, de resto, já se começaram a verificar.
Neste momento, gostaria que a bancada do CDS me dissesse se é ou não verdade que, mercê desta política pós-25 de Abril, o crescimento que o sector teve neste período foi francamente superior ao crescimento médio da economia e por alguma razão isso sucedeu. Não obstante isso, a confusão que se tem estabelecido - e a que ainda hoje o Sr. Deputado Nuno Abecassis se referiu, não sei se intencionalmente, mas penso que não - entre, a crise da construção civil, ligada ao problema das estruturas económicas, e o problema da habitação, que aqui é um subsector dessa mesma dinâmica, não pode ser equacionada no mesmo comprimento de onda. Nestes dois últimos anos, e prová-lo-emos na comissão, construiu-se o maior número de fogos jamais lançado em Portugal. De resto, em termos de plano nacional, a maior dificuldade que o II Governo teve, e os Srs. Deputados Rui Pena e Emídio Pinheiro sabem-no foi com o cimento, porque a capacidade de produção esteve em vias de estar saturada. Se não fosse a crise da construção civil havida no 2.º semestre de 1978 e que se verifica ainda neste ano, nós não disporíamos de cimento para acompanhar o ritmo de crescimento da sua utilização. E se o cimento produzido não foi para habitação, se não foi para a construção civil, penso que também não foi para enterrar que se produziu este cimento...
Finalmente, gostaria de referir que não queremos privilegiar nem dar exclusivo às cooperativas de habitação, queremos apenas que lhes seja possibilitado o desempenho de um papel que, no nosso ponto de vista, consideramos importante e primordial para a resolução do problema e pensamos que a política que defendemos até hoje nunca pôde ser acusada - e isto é uma resposta ao Deputado Rui Pena - de estar a querer prejudicar qualquer sector. Se quisermos discutir a sério o problema da habitação, teremos de ter, na parte que diz respeito ao sector privado, a coragem de dizer que esse sector tem de ser reorganizado de alto a baixo e que não é com as empresas que temos hoje que em Portugal poderemos dar solução ao problema da habitação e a sectores mais amplos da construção civil.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sempre o dissemos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para um breve esclarecimento à Câmara e não para uma intervenção.
É precisamente para explicar porque é que não fazemos uma intervenção. Não a fazemos nos termos do n.º 2 do artigo 220.º do Regimento, que diz que apenas um representante de cada partido pode intervir nestes debates. Não fazemos nenhuma intervenção por esta razão e limitamo-nos a dar o nosso voto favorável à formação da comissão de inquérito.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Assim é que é bonito!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes, certamente para intervir nos mesmos termos.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (Indep.): - Sr. Presidente, na verdade, dada a «lei da rolha» do Regimento actual, tenho de me limitar a dizer a V. Ex.ª que não posso usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, a bancada do PS gostaria de propor uma emenda ao projecto de resolução apresentado pelo CDS, que consistiria em anular as palavras que estão entre «serviços estaduais» e «através». Sendo assim, o projecto de resolução ficaria com a seguinte redacção: « A Assembleia da República resolve, nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Regimento, constituir uma comissão eventual com o objectivo de analisar a actual situação do sector da habitação em Portugal, designadamente a actuação dos órgãos e serviços estaduais, através do qual possa ser feito um levantamento de todos os

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problemas e condicionalismos existentes. Mais resolve fixar o prazo de noventa dias para apresentação de parecer desta comissão.»
Se o Sr. Presidente me autorizasse, diria ainda que a razão que nos leva a propor esta supressão é exactamente o pensarmos que foi da forma como foi redigido o projecto de resolução e da sua defesa que se gerou o debate a que assistimos.
Nesta bancada não estamos a tentar condenar a actuação que pode vir a ter, não a que tem tido, o sector privado na resolução do problema, mas estamos a querer significar de uma forma muito concreta que o que deve mover esta análise é o tentar apurar quais são as razões pelas quais não há terrenos disponíveis em condições e fora de qualquer acção especulativa, por que é que a execução não é pronta e feita por empresas bem estruturadas, por que é que a mobilização de poupanças não é bem orientada, uma vez que se tem confundido, ao longo do debate, iniciativa privada com investimento privado.
A iniciativa privada vive ao nível da execução e não tem sido combatida, apesar dos grandes defeitos de estruturação que apresenta. 0 investimento privado, especulativo, que substitua a mobilização adequada de poupança, sobretudo daqueles que têm de resolver os problemas próprios habitacionais é que está em causa. Nesta medida propúnhamos esta alteração para que o quadro ficasse lógico e completo.

O Sr. Presidente: - 0 CDS está de acordo com a alteração proposta?

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaríamos de analisar a proposta que acaba de ser formulada com um mínimo de tempo, mas, para não interrompermos os trabalhos, tomamos nota da proposta de alteração apresentada pelo PS e responder-lhe-emos dentro de momentos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fazemos aqui uma curta pausa.

Pausa.

O Sr. Rui Peno (MS): - Sr. Presidente, estamos prontos a dar o nosso parecer sobre a proposta do PS, para o que pedimos a palavra.

O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da sugestão apresentada pelo PS, o Grupo Parlamentar do CDS aceita retirar do texto do projecto de resolução a frase «nomeadamente os programas SAAL, CAB e Fundo de Fomento de Habitação».
Por consequência, o projecto de resolução, com a alteração proposta, será do seguinte teor:

A Assembleia da República resolve, nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Regimento, constituir uma comissão eventual com o objectivo de analisar a actual situação do sector da habitação em Portugal, designadamente a actuação dos órgãos e serviços estaduais, através do qual possa ser feito um levantamento de todos os problemas e condicionalismos existentes. Mais resolve fixar o prazo de noventa dias para apresentação do parecer desta comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar o projecto de resolução do CDS, com a alteração agora introduzida.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi pedido processo de urgência para o projecto de lei n.º 315/I, apresentado ontem pelo PS. Não sei se é entendimento da Câmara que se deve votar hoje apesar de não estar agendado...

Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, nada obsta a que se vote hoje o pedido de urgência, porque é essa a praxe nesta Assembleia. No entanto, se algum grupo parlamentar se opuser, nada impede que fique para a próxima semana. Pela nossa parte há consenso para que seja votado hoje.

O Sr. Presidente: - Há alguma objecção a que seja votado hoje?
Não havendo, vamos proceder à votação do pedido de urgência para apreciação do projecto de lei n.º 315/I - Manutenção dos mandatos dos Deputados em caso de dissolução da Assembleia da República -, do PS, com dispensa de baixa à comissão.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta para uma declaração de voto.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, não tivemos ainda tempo para nos debruçarmos sobre o projecto de lei em apreço. Em princípio não rejeitamos os pedidos de urgência, como tem sido prática desta Câmara. É evidente que esta nossa votação não significa nenhuma tomada de posição quanto ao fundo da questão.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o projecto de lei n.º 310/I - Concede ao Governo autorização para contrair um empréstimo junto do Fonds de Rétablissement du Conseil de L'Europe, destinado a financiar a extensão do programa CIFRE e programas de auxilio às vítimas das inundações.
Como não há inscrições, vamos passar à sua votação na generalidade.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, dos Deputados independentes sociais-democratas e do Deputado independente Vasco, da Gama Fernandes e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Passamos à discussão na especialidade. Vai proceder-se à leitura do artigo 1.º

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Foi lido. É o seguinte:

Artigo 1.º

Fica o Governo autorizado a celebrar com o Fonds de Rétablissement du Conseil de l'Europe contratos de empréstimos em moeda estrangeira até ao montante de 3 milhões de contos.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, dos Deputados independentes sociais-democratas e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 2.º

Foi lido. É o seguinte:

Artigo 2.º

A celebração dos contratos de empréstimos referidos no artigo anterior obedecerá, no que respeita a prazo, taxa de juro e restantes encargos, às condições correntemente praticadas pelo Fonds de Rétablissement du Conseil de l'Europe.

O Sr. Presidente: - Como não há inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, dos Deputados independentes sociais-democratas e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em debate o projecto de lei n.º 311/I, que autoriza o Governo a celebrar o acordo com o Governo dos Estados Unidos da América relativo à venda de produtos agrícolas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Júlio Ribeiro.

O Sr. José Júlio Ribeiro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 18 de Março de l976, o Governo Português celebrou com os Estados Unidos um primeiro acordo relativo à importação de produtos agrícolas ao abrigo da Public Law 480, que atingiu 655 000 contos. Posteriormente, foram assinados mais dois acordos, em 22 de Outubro de 1976 e 4 de Agosto de 1978, que totalizaram cerca de 4 082 000 contos.
Em face destes acordos - empréstimo, o Governo Português recebe produtos agrícolas a juro baixo e amortizável a longo prazo e obriga-se a aplicar os correspondentes montantes das vendas internas, designadamente:

1 - [...] para o progresso nas áreas rurais pobres e na possibilidade de fazer os pobres participar activamente em crescente produção agrícola através da agricultura de pequena dimensão;

2 - Recolha e tratamento de dados agrícolas necessários a uma política de desenvolvimento, criar estruturas regionais de amostragem para a estimativa das principais produções e colheitas de informação sobre nutrição dos agregados rurais.

Estas razões são bastantes e fundamentais para o nosso voto favorável ao projecto de lei n.º 311/I, que autoriza o Governo a contrair um novo empréstimo ao abrigo de um acordo estabelecido, cujas cláusulas do seu articulado apontam de forma inequívoca para medidas de auto-assistência para promover o desenvolvimento de zonas pobres e ou críticas.
Estamos a pensar concretamente no apoio à pastorícia em zonas pobres e de montanha onde a exploração de caprinos e ovinos possa concorrer para diluir a escassez da produção de carne, com mais baixos custos de produção, e acrescer os rendimentos das populações mais carenciadas através do aproveitamento mais adequado do binómio agro-florestal. Carências de igual modo vividas e suportadas por pequenos pescadores artesanais do litoral, cuja actividade é cada vez mais penosa e empobrecedora. Citamos apenas estes dois estratos sócio-profissionais por se localizarem em regiões de díspares características físicas e de heterogéneo desenvolvimento.
15to, no conceito de que os fundos provenientes da Public Law 480 devem ser perspectivados não em limitados horizontes quantitativos de uma fria rendibilidade, mas com o objectivo de tentar anular os desequilíbrios globais existentes não só adentro do sector primária, mas ainda, e para além disso, entre este e outras actividades económicas.
Dada a assinalável função que este acordo pode assumir na melhoria das condições de trabalho e de vida das populações de zonas de montanha e dos pequenos agricultores e pescadores artesanais do litoral, temos procurado conhecer, sem êxito, aplicabilidade da Public Law 480. Com efeito, em 1 de Março de 1978, procurámos pela primeira vez nesta Assembleia saber da forma como foram utilizadas as verbas resultantes deste acordo-empréstimo. Até hoje, e por muito estranho que pareça, nada conseguimos. E isto apesar de durante a discussão do Programa do IV Governo termos colocado ao Ministro da Tutela a seguinte questão:

De quanto tempo necessita o Governo para facultar um dossier tão completo quanto possível do processo Public Law 480, em que se especifique como foi feita, a partir de l976, a distribuição anual dos respectivos auxílios monetários, pormenorizando a que forma de exploração agrícola, instituições, organizações, entidades, associações, actividades e zonas do País?

A falta de uma resposta clara e pormenorizada a esta e outras questões levantadas nesta Câmara sobre a Public Law 480 só tem servido para o aparecimento de rumores que acabam por abalar e minar a credibilidade que as instituições democráticas procuram consolidar.
Pensamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que importa saber utilizar certas fontes externas de financiamento e maximizar outras formas de apoio financeiro internacional que ultimamente têm sido facultadas a Portugal. Até porque o grau de utilização dos

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fundos proporcionados está longe de ter sido pleno e até se apresenta insuficiente (4l %) perante os termos e obrigações previamente fixados.
E isto quando os fundos disponíveis seriam facilmente orientados para um sector tão carecido e descapitalizado como a agricultura e pescas. Neste caso basta apenas criatividade e imaginação e um pouco de vontade para promover o desenvolvimento global da agricultura, mas com especial incidência o apoio directo do progresso de espaços rurais pobres, a fim de possibilitar o aumento da produção das numerosas muito pequenas e pequenas explorações agrícolas familiares, bem como das zonas de pesca artesanal.
Daí que, se por um lado reafirmamos uma posição favorável a este pedido de autorização governamental, por outro, aguardamos um esclarecimento total da Public Law 480, para que possamos com inteiro conhecimento de causa contribuir para uma plena e justa utilização dos fundos internacionais facultadas ao Governo, tendo em vista a modernização da agricultura, o equilíbrio regional, a aproximação e inter-relações sócio-culturais campo-cidade, a qualidade de vida dos rurais e a participação activa dos camponeses na defesa e consolidação da democracia portuguesa.

Aplausos dos Deputados independentes sociais-democratas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais oradores inscritos, vai proceder-se à votação na generalidade do projecto de lei n.º 311/I.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, dos Deputados independentes sociais-democratas e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à discussão e votação na especialidade.
Vai ser lido o artigo 1.º

Foi lido. É o seguinte.

Artigo 1.º

Fica o Governo autorizado a celebrar, por intermédio do Ministério das Finanças e do Plano, um acordo com o Governo dos Estados Unidos da América, relativo à venda de produtos agrícolas, ao abrigo do título I da Public Law 480, no montante de 40 000 000,00 de dólares dos Estados Unidos da América, destinados a financiar a aquisição de trigo, arroz, milho, cevada, aveia, sorgo, tabaco e algodão.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Vai proceder-se à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, dos Deputados independentes sociais-democratas e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 2.º

Foi lido. É o seguinte:

Artigo 2.º

As condições do empréstimo referido no artigo anterior serão aprovadas pelo Conselho de Ministros, que deverão ter em conta as condições praticadas pelo Governo dos Estados Unidos da América, em relação a outros países igualmente beneficiários de idêntica ajuda.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, dos Deputados independentes sociais-democratas e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto. Tem a palavra o Sr. Deputado Cavalheira Antunes.

O Sr. Cavalheira Antunes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português acaba de abster-se na votação dos projectos de lei n.º 310/I e 311/I, que permitem ao Governo contrair dois empréstimos, sendo um de 3 milhões de contos junto do Fonds de Rétablissement du Conseil de l'Europe e, outro, de 40 milhões de dólares, junto do Governo dos EUA para compra de excedentes agrícolas a este país.
Começando por referir que as razões do nosso voto não se radicam na natureza da matéria, queremos deixar claro que a necessidade dos sucessivos empréstimos, que têm vindo a ser aprovados pela Câmara, se deve exclusivamente à política económica de recuperação capitalista, latifundista e imperialista que arrasta o nosso país para uma situação de dependência agravada e não permitirá jamais resolver os nossos problemas económico-financeiros e, designadamente, os deficits da nossa balança de transacções correntes.
Queremos também sublinhar que não está em causa a aplicação meritória do empréstimo do Fonds de Rétablissement du Conseil de l'Europe e as suas vantajosas condições.
0 que está em causa e impede a nossa aprovação é a política económica e financeira dos sucessivos Governos que mais não têm feito do que aumentar perigosamente o endividamento externo do País. Política económica que urge alterar em nome dos superiores interesses do nosso povo. Alteração que não só se impõe como é possível e para a qual o Partido Comunista Português tem alternativas válidas e fundamentadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: 0 PSD votou favoravelmente esta antiga proposta de lei do Governo, retomada depois como projecto de lei por Deputados de vários partidos, nomeadamente do PSD, um dos quais a subscreveu, na sequência das últimas votações sobre casos seme-

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lhantes. Queríamos apenas dizer que estas votações são-nos impostas pela situação económica nacional. São as realidades nacionais que nos obrigam a este recurso ao crédito externo.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Muito bem!

O Orador:- Neste caso, não deixa de ser espantoso que alguns daqueles que têm algumas responsabilidades - não todas, certamente - nesta situação se insurjam agora contra aqueles que querem, através dos meios possíveis na comunidade internacional, tapar os buracos que eles próprios contribuíram para abrir.
Para além dessa constatação, queria dizer que votámos a favor porque se trata de empréstimos destinados à aquisição de produtos agrícolas e ao crédito para habitação dos desalojados. A importância do problema da reintegração dos desalojados, que já várias vezes foi focada pela nossa bancada, e a necessidade evidente da aquisição de produtos agrícolas, nomeadamente de cereais, que o País não produz em condições vantajosas, levaram-nos a votar a favor. Não fechamos os olhos à realidade e esta impôs-nos esta votação. Outra coisa seria prejudicar o povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do projecto de lei n.º 192/I - Regime jurídico do Direito de Autor, apresentado pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um decreto de 8 de Julho de l851, de um Governo presidido pelo Duque de Saldanha e inspirado num projecto de lei da autoria de Almeida Garrett, determinou que o prazo de duração do direito de autor fosse o de trinta anos após a morte deste.
0 Código Civil de l867 alargou depois a duração do direito de autor para cinquenta anos depois da morte.
Inspirando-se no direito francês, a I República, considerando correctamente que os períodos de guerra não permitem a exploração adequada das obras do espírito, prorrogou, pelo Decreto n.º 5693, de 1919, esse prazo por um período igual ao que decorresse desde o dia 2 de Agosto de 1914 ao fim do ano da assinatura da paz entre os países beligerantes da 1.ª Grande Guerra - o que deu, no final, um período de prorrogação de cinco anos e cento e cinquenta e três dias.
Foi este o regime que vigorou entre nós até à ditadura militar do 28 de Maio.
Pois que, após a instauração da ditadura militar, esta, através do Decreto-Lei n.º 13725, de 27 de Maio de 1927, revogou o disposto no Código Civil nesta matéria, estatuindo a partir daí o regime da propriedade literária perpétua.
Assim, o artigo 16.º deste decreto ditatorial dispunha que «os herdeiros dos autores falecidos de obras que [...] não tenham ainda caído no domínio público ficam sendo proprietários das mesmas obras, como o seriam os próprios autores se vivos fossem».
Deste modo, a perpetuidade declarada por este decreto da ditadura militar abrangia todas as obras que não tivessem caído no domínio público até ao dia 5 de Janeiro de 1872.
Tratava-se de uma medida manifestamente reaccionária, destinada a beneficiar os interesses capitalistas de algumas grandes casas editoras, protegidas por alguns dos hierarcas do regime, como Júlio Dantas e Caeiro da Mata.
Este regime arcaico e insustentável foi, contudo, perdurando pelos tempos fora, apesar de condenado por todos e de inclusivamente a própria Câmara Corporativa ter preconizado a sua substituição em 1953, embora sem sucesso ...
Finalmente, o artigo 25.º do Código do Direito de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 980, de 27 de Abril de 1966, e presentemente em vigor, refuta a doutrina da perpetuidade da propriedade literária e estipula um prazo de protecção que compreende a vida do autor e mais cinquenta anos depois da sua morte, regressando assim ao regime do Código Civil de Seabra.
Dispõe, contudo, o n.º 2 do seu artigo 37.º, que a queda no domínio público da obra cujos titulares do direito de autor beneficiavam da perpetuidade estabelecida pelo decreto da ditadura militar não e verifica antes de vinte e cinco anos contados a partir da publicação do referido Código.
Em consequência desta excepção à regra geral da duração do direito de autor em cinquenta anos depois da morte, temos assim que todas as obras abrangidas pelas disposições do referido decreto da ditadura militar, ou seja, desde o dia 5 de Janeiro de 1872, só caem no domínio público em 1991.
É precisamente este preceito de excepção ao regime geral do direito de autor cuja revogação é proposta através do presente projecto de lei.
Em consequência deste enredado de disposições legais, acontece que a regra geral dos cinquenta anos post mortem não tem praticamente aplicação e vigora antes na realidade um prazo de duração do direito de autor que, em certos casos, vai a mais de um século.
Poderá sintetizar-se, assim, a situação presente, em matéria de duração de direitos de autor:

As obras de todos os autores falecidos até ao dia 5 de Janeiro de 1872 caíram no domínio público;
Até 31 de Janeiro de 1991 não cai nenhuma obra no domínio público;
Em 1 de Janeiro de 1992 caem no domínio público as obras de todos os autores falecidos até 31 de Dezembro de 1941.

Para se alcançar bem a inaceitabilidade deste, dédalo confuso de normas contraditórias bastará mencionar o facto de que as obras de Alexandre Herculano, falecido em 1877, de António Feliciano de Castilho, falecido em 1875, e de Camilo Castelo Branco, falecido em 1890, só cairão no domínio público em 1991, ou seja, mais de um século depois!
Não se pode consentir na continuação deste estado de coisas, que é uma verdadeira ofensa do direito do povo à cultura. As obras intelectuais são património do povo. Para além daquele prazo de protecção do direito de auto e da sua família, fixado na lei agora vigente, em cinquenta anos, não são de admitir múltiplas prorrogações através de expedientes jurídicos que em alguns casos mais do que o duplicam.

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0 resultado é que, no momento presente, se encontram esgotadas, por falta de reedição, muitas obras dos nossos grandes clássicos do século XIX como Alexandre Herculano, Antero de Quental e Camilo.
Deverá fixar-se, sem excepções, a duração do direito de autor em cinquenta anos post mortem. É já um largo prazo, em harmonia com os dispositivos da Convenção de Berna, sendo de notar que a Convenção Universal do Direito de Autor até preconiza a sua redução para vinte e cinco anos post mortem auctoris.
As excepções existentes a esta regra geral são restos da legislação da ditadura militar, que urge eliminar. Porque ela não foi ditada apenas pelo intuito de favorecer os interesses dos hierarcas do regime e dos seus protegidos. Foi também motivada pelo ódio à cultura, pelo ódio ao pensamento dos grandes escritores progressistas e democrata, da monarquia liberal e da I República, cuja divulgação se pretendeu assim embaraçar. Revoguemos, por isso, o que resta do decreto da ditadura! E assim se servirá o povo e a cultura!

Aplausos do PS e dos deputados independentes sociais-democratas.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Gusmão.

O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 projecto de lei n.º 192/I, apresentado pelo PS, visa eliminar uma excepção ao regime geral de duração de protecção legal dos direitos de autor após a morte dos autores, A regra é que essa duração seja de cinquenta anos, o que é aliás o prazo estabelecido na Convenção de Berna a que Portugal aderiu.
0 regime de excepção contido no n.º 2 do artigo 37.º do Código dos Direitos de Autor prolonga esse prazo no caso das obras em relação às quais os titulares de direito de autor beneficiavam do regime de perpetuidade desses direitos estabelecidos pelo Decreto n.º 13 725, de 3 de Julho de 1927, e que, face ao decreto posterior, o 46 980, de 27 de Abril de 1966, só cairiam no domínio público vinte e cinco anos após a publicação deste último decreto.
15to significa, concretamente, que os titulares dos direitos das obras, que em 1872 não tinham ainda caído no domínio público, continuavam a gozar da protecção legal desses direitos até 1991, ou seja, por um prazo que já ultrapassou em muitos casos largamente os cinquenta anos e é manifestamente excessivo.
Segundo a expressão do Código do Direito de Autor de 1966, a queda de uma obra em domínio público significa que, em relação a ela, cessam os direitos exclusivos que a lei assegura ao autor de obra intelectual ou aos seus sucessores, a qualquer título, ou seja, os editores ou outros utilizadores, normalmente designados por usuários, deixam de ter de pedir autorização para a edição ou utilização de uma obra e deixam de pagar direitos de autor.
0 primeiro aspecto da questão a deixar claro como fundamentação do nosso voto é que se trata, portanto, de revogar uma disposição excepcional em relação ao regime geral, e que hoje se pode eliminar facilmente sem lesão do conteúdo essencial do direito de autor.
0 segundo aspecto da questão a ponderar é o da validade e interesse de uma alteração pontual do Código, desligada de uma revisão global. Quanto a nós, dado o atraso e as vicissitudes por que tem passado a referida revisão, há várias questões que merecem e exigem mesmo uma revisão pontual urgente, tanto mais que se pode continuar a assistir ao protelamento da resolução global dos problemas. 0 objecto do projecto de lei em apreço é limitado, não é o único que pode requerer resolução rápida, mas estas considerações não servem para infirmar o seu merecimento.
A questão do merecimento coloca-se, antes, na avaliação do interesse do problema suscitado e da resposta que se lhe dá. Quanto a este terceiro aspecto, há que notar que, colocando a questão do prazo de entrada no domínio público de certas obras excepcionalmente protegidas - o projecto de lei do PS permite levantar a questão, não só da concepção da queda no domínio público, mas a dos interesses e direitos culturais da sociedade portuguesa.
Argumenta-se no preâmbulo do projecto de lei que este regime excepcional, que se pretende revogar, priva a cultura nacional da disponibilidade da obra de alguns dos seus principais pensadores e artistas.
Quanto a nós, a afirmação deve ser relativizada em função dos efeitos que decorrem da revogação. A revogação só por si abre efectivamente condições para um maior ou mais fácil acesso a determinadas obras, mas não resolve obviamente todo o problema, uma vez que ele só encontra o seu quadro mais amplo de resolução na esfera da política cultural, da intervenção no campo da edição e da utilização das obras caídas no domínio público por parte dos usuários, e mesmo na esfera do sistema económico, social e cultural geral.
Entretanto, é inegável que se trata de um passo adequado, que pode facilitar a reedição de obras esgotadas e em geral a acção dos agentes de difusão cultural e, indirectamente, alargar o acesso de mais amplas camadas ao usufruto de um determinado número de obras. Daí que o actual artigo único do projecto de lei mereça o nosso acordo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 direito de autor não só tem a dimensão de um direito moral e patrimonial ou de propriedade pessoal, como é também expressão de respeito da sociedade pelo criador cultural e implica, finalmente, a ideia de articulação com os interesses e direitos culturas da sociedade e a consideração de dimensão social de toda a criação cultural.
Assim se compreende, aliás, que a luta pela consagração legal do direito de autor se tenha desenvolvido mais em momentos de transformação progressista da sociedade, veja-se Marchais, da Revolução Francesa e de Garrett em Portugal, e que os ataques a esse direito se tenham verificado ou tentado, precisamente, em regimes fascistas, como na Alemanha nazi, na Itália fascista, no Chile de Pinochet.
0 reconhecimento deste direito é um elemento importante da garantia do direito de os autores se consagrarem tranquilamente à sua actividade de criação intelectual.
Por outro lado, esse reconhecimento, sendo uma forma de assegurar a protecção da integridade da obra produzida, é igualmente um modo de proteger valores culturais que são património colectivo e social.

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Entretanto a queda no domínio público encontra a sua utilidade e justificação social plena com a instituição do regime habitualmente designado por «domínio público pagante». Este regime significa que a utilização das obras caídas em domínio público é sujeita a uma taxa, embora pequena, que reverterá, por exemplo, para apoio dos autores vivos e da acção de fomento da democratização da cultura.
Com este regime consegue-se assim rentabilizar mais em termos culturais e sociais a queda no domínio público. Uma vez cessado o prazo de protecção legal dos direitos patrimoniais dos titulares dos direitos de autor após a morte do autor, a queda no domínio público da obra passa directamente a beneficiar, não só os editores e outros usuários, mas também os criadores culturais vivos e a actividade de promoção cultural.
Quanto a nós, o património cultural de um povo não é um dado imóvel, não é apenas o passado museologicamente conservado; mas deve ser uma realidade dinâmica, deve alargar-se à criação cultural que é, em cada momento contemporânea.
É para nós justo que da utilização das obras dos autores do passado por editores e outros usuários reverta financeiramente uma parte, muito pequena embora, a favor dos autores vivos e de acções culturais.
Esta é, aliás, uma reivindicação repetida dos autores e das suas organizações representativas em Portugal, nomeadamente da Associação Portuguesa de Escritores e da Sociedade Portuguesa de Autores.
A adopção do regime do domínio público pagante é unia medida, não a única possível, mas muito importante de reconhecimento da função social dos escritores, artistas e trabalhadores da cultura, e representa, ao fim e ao cabo, o alargamento da própria concepção do direito de autor.
Para nós comunistas, e não só para nós, aliás, é óbvia a necessidade de reconhecer efectivamente a função social do trabalho intelectual, nomeadamente da criação cultural, assim como a necessidade de, por diferentes meios, lutar pela intensificação da democratização da cultura, que é aliás um objectivo constitucional.
É sabido que os criadores culturais nomeadamente aqueles que exercem em regime profissional e exclusivo uma actividade de criação cultural e aqueles que não dispõem de organizações sindicais se encontram ainda hoje perante o preconceito e a situação social injusta de não beneficiarem de apoios sociais que outros sectores das camadas laboriosas têm legalmente reconhecido. Para além da dimensão patrimonial do direito de autor, a possibilidade material de satisfação desses interesses legítimos que, ao fim e ao cabo, não são só dos indivíduos em si, mas da sociedade democrática, passa, entre outros meios, pela criação de um fundo próprio que receba as suas receitas de uma taxa a pagar pela utilização das obras caídas em domínio público.
Considerámos que ao suscitar mesmo que parcialmente a questão do «domínio público», a iniciativa legislativa do PS constituía uma boa oportunidade de introduzir um dispositivo programático que está aliás previsto no projecto de revisão do Código de Direito de Autor que tem andado pela Secretaria de Estado da Cultura. Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Mesa uma proposta de aditamento de um novo artigo ao projecto de lei 192/1, com a seguinte redacção:

A utilização de obras que hajam caído no domínio público ficará sujeita ao pagamento de uma taxa que reverterá para fins de fomento cultural e apoio social a autores e cujo montante, forma de cobrança e de gestão serão definidos pelo
Governo, no prazo de noventa dias, mediante decreto-lei.

Entretanto, para que esta questão possa ser sujeita a uma mais ampla e demorada ponderação pelos outros grupos parlamentares, o Grupo Parlamentar do PCP retirou já a sua proposta, propondo-se ao mesmo tempo tomá-la como base de um projecto de lei que trate autonomamente do problema em causa.

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado António Reis (PS).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da exposição de motivos que fundamenta a revogação pretendida pelo PS, ou melhor, a derrogação, apesar da nossa concordância com o regresso à regulamentação prevista no Código de Seabra e, mais precisamente, na Convenção de Berna, esclareço que o CDS manifesta total oposição ao projecto de lei agora apresentado pelo F>artido Socialista. A razão de fundo em que fundamentamos a nossa oposição a este projecto de lei reside na informação retroactiva que lhe está subjacente.
Na verdade, estando o Código do Direito de Autor em vigor desde l966, ele próprio salvaguarda situações de titularidade dos direitos de autor que, pela protecção definida no n.º 2 do artigo 37.º vêem assegurada a sua sobrevivência até 1991.
Ora, o projecto de lei do PS, advogando a derrogação pura e simples do preceito citado não respeita os direitos constituídos e protegidos por lei em torno, dos quais, legitimamente, os titulares respectivos terão construído expectativas.
E é caso para perguntar em que condições seriam indemnizados aqueles que asseguraram a contratação desses mesmos direitos a longo prazo, isto é, até ao período previsto na lei em vigor.
Nestes termos, a aprovação do projecto de lei do Partido Socialista faria cessar, desde, logo, direitos adquiridos e frustraria expectativas constituídas que, se não fora o regime transitório do já citado n.º 2 do artigo 37.º teriam já caído, ou poderiam cair, antes de 1991 na alçada do domínio público. Estas as principais razões que nos levaram a invocar a retroactividade do projecto de lei em análise e, por esse facto, a rejeitá-lo.
Em todo o caso, não queremos deixar de apontar outros factos dos quais, para nós, o principal é o seguinte: o I Governo Constitucional, da responsabilidade do Partido Socialista, incluiu no seu Programa -,e isso é motivo meritório - a promessa da revisão do Código do Direito de Autor e, designadamente, começou a executar esse projecto, criando uma

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comissão de revisão que funcionava sob a tutela da Secretaria de Estado da Cultura.
Parece, portanto, em meu entender, de certo modo contraditório que agora o mesmo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, por sua iniciativa e sem cuidar da revisão global do Código do Direito de Autor, venha propor esta derrogação, tanto mais quanto é certo que a respectiva comissão revisora tem, ao que sei, continuado a trabalhar espaçadamente e poderá ter relativamente a este assunto uma visão de conjunto que é muito importante.
É preciso considerar também a pouca validade deste projecto de lei que visa, pura e simplesmente, derrogar uma norma meramente, transitória que se extingue automaticamente dentro de doze anos, e que nos principais países europeus essa regra não é, como vem afirmado na exposição de motivos, no sentido de uma redução progressiva do direito de, autor post mortem, mas, em muitos deles e designadamente em países como a Alemanha Federal, foi estatuído esse limite em setenta anos, portanto para além do limite fixado na Convenção de Berna.
Por todas estas razões procedemos assim, mesmo se para além destes argumentos jurídicos nós pudéssemos adiantar ainda outras considerações de ordem extrajurídica, a principal das quais seria a nossa recusa - e uma recusa que tem constituído ponto firme no meu grupo parlamentar - em alinhar com posições que, em última instância, reflectem aquela tendência constante para a colectivização, que caracteriza, infelizmente, a actuação do Partido Socialista, sem fazer a menor distinção entre situações futuras e situações já definidas ...
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se diga que a rejeição deste projecto de lei priva a cultura nacional da disponibilidade de acesso aos autores falecidos. Não, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pois há outros meios, como sejam a requisição ou o instituto da expropriação que, mediante uma justa indemnização, no caso de essas obras não serem convenientemente divulgadas, poderá dar ao Estado os meios precisos e indispensáveis à acção cultural de que os Portugueses necessitam.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejava apenas dar um breve esclarecimento ao Sr. Deputado Rui Pena.
Em nosso entender, este projecto de lei não faz qualquer ofensa a direitos adquiridos porque o regime tradicional do Direito português, sem entrar em confronto com outros Direitos, foi sempre o de fixar um prazo limitado para a duração do direito de autor.
É de notar que o primeiro autor, que eu tenha conhecimento, que, se dedicou a este assunto foi Almeida Garrett, aliás, um autor de todos conhecido e também grande parlamentar português, que propôs que a duração dos direitos de autor fosse fixada em trinta anos Post mortem.
Acontece que essa sua proposta não vingou por via parlamentar, e é curioso que foi na ditadura do Duque de Saldanha que pela primeira vez foi publicado, um decreto a fixar a duração do direito de autor em trinta anos. 0 Código Civil de Seabra alargou esse prazo para cinquenta nos, mas manteve essa regra.
Mais tarde, em nosso entender, o que aconteceu foi que a ditadura militar fez um decreto excepcional destinado a servir os interesses de algumas casas editoras, protegidas por Caeiro da Mata e por Júlio Dantas, estatuindo a perpetuidade do direito de autor.
0 que se revoga no projecto de lei do PS são os restos desse. regime que é, evidentemente, uni regime contrário aos princípios gerais de direito. Se nós admitíssemos os princípios do Sr. Deputado Rui Pena, também Almeida Garrett teria violado os direitos adquiridos porque, segundo a concepção da época, aliás defendida por Alexandre Herculano, o direito de autor é um direito patrimonial como outro qualquer e portanto não tinha duração de tempo no plano hereditário.
Portanto, sinto-me muito honrado por o Sr. Deputado Rui Pena ter feito uma crítica ao Partido Socialista que indirectamente é também endereçada ao próprio Almeida Garrett.
Com este projecto de lei o que acontece é que caem no domínio público as obras dos autores que falecerem até 1929. Neste momento só cairiam no domínio público as obras dos autores que faleceram até 1872, mas devido ao decreto-lei da ditadura militar o que aconteceu foi que, essa queda sucessiva, por decurso do tempo, foi suspensa. E nós o que queremos fazer agora é revogar esse decreto-lei, passando a vigorar o prazo dos cinquenta anos. No ano a seguir à publicação deste projecto de lei, se ele for &provado, caem no domínio público todas as obras dos autores falecidos de 1872 a 1929 e depois ir-se-á seguindo o prazo dos 50 anos.
Portanto, o projecto de lei por nós apresentado é pontual, diz respeito à duração temporal do direito de autor e não interfere com a estrutura jurídica geral do Código de Direito de Autor, porque entendemos que esse trabalho é um trab41ho que não pode ser feito de ânimo leve, mas pensamos que, esta alteração pontual se impõe.
Eu, por exemplo, já tenho aconselhado alguns dos meus jovens amigos a lerem alguns opúsculos de Alexandre Herculano em que se versam questões políticas de grande importância, mas eles estão esgotados e ninguém os publica. Não sei se têm ou não interesse comercial, mas isto resulta talvez do facto de a sua publicação contender com a ideologia política dos actuais detentores dos direitos de autor. Estas restrições são ofensivas do direito à cultura e, portanto, creio que se impõe esta medida imediata.
Podem pôr-se outros questões de alcança mais geral, como a posta pelo Sr. Deputado Manuel Gusmão a de se instituir um domínio público pagante mas entendo que esse domínio público pagante não pode ser feito por meio de uma autorização legislativa, como a proposta de aditamento que foi retirada, delegando para um Governo desconhecido a regulamentação de um domínio público pagante sem se definir bem o que se vai fazer. Através deste aditamento, se fosse aprovado, as obras

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do rei D. Dinis, de Fernão Lopes ou de Luís de Camões, para serem republicadas hoje, estariam sujeitas ao pagamento de uma taxa. 15to é uma transformação tão radical que implica uma certa meditação e que não pode ser feita através de um aditamento incidental num projecto de lei diverso.
Muitas outras questões se podem pôr acerca do direito de autor. Sobre esta questão pontual penso que o prazo pode ser de trinta, de cinquenta ou setenta anos, como o prazo que o Sr. Deputado Rui Pena referiu, ou pode ser mesmo de oitenta anos como em Espanha, mas no Direito português, de acordo com a Convenção de Berna, estabeleceu-se o prazo de cinquenta anos, que creio ser um prazo generoso, superior àquele que Almeida Garrett preconizou e que chegou a vigorar no nosso país e, portanto, creio que fica assim estabelecido um regime que concilia de forma harmoniosa os direitos do autor e da sua família com os interesses do povo português e da cultura portuguesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Partido Social-Democrata não tem grandes razões de fundo contra o projecto de lei em discussão, embora tenha algumas.
0 PSD concorda com a tendência para o regresso à vigência dos direitos de autor post mortem por cinquenta anos; no entanto, discorda da fundamentação deste projecto de lei e por isso não o votará.
Não exacto, como se pode ler no preâmbulo do projecto de, lei do PS, que a tendência do direito comparado seja uniformemente para a redução dos prazos de protecção das obras literárias. Existem de facto duas tendências que se manifestam em dois sentidos diferentes: relativamente aos países membros da Convenção de Berna, como é o caso de Portugal, a tendência é o alinhamento pela regra unionista dos cinquenta anos após a morte do autor; quanto aos países que fazem parte da Convenção Universal, a sua tendência orienta--se no sentido da uniformização da regra dos vinte e cinco anos post mortem consagrada naquela Convenção.
Daqui não se pode inferir rigorosamente nada. Portugal não aderiu à Convenção Universal e, portanto, nunca foi es>sa a tradição portuguesa nem é essa a tendência maioritária da Europa.
A razão fundamental que no caso português aconselha uma modificação do período de 1>rotecção e a adopção da regra dos cinquenta anos após a morte do autor é a conveniência do alinhamento pela regra geral da Convenção de Berna e o regresso a uma regra, que já vigorou durante um período bastante largo, consignada na lei portuguesa. Assim, o Partido Social Democrata também não votará contra este projecto de lei.
Queria, todavia, fazer algum comentários sobre o fundo e sobre a oportunidade do projecto de lei ora em apreço.
Não é verdade que a existência do direito de autor, alongado ou não, priva o povo, em absoluto, do acesso às obras literárias dos seus grandes criadores. Como já aqui foi dito, dispenso-me de o referir e há outros meios de assegurar o acesso à cultura.
Por outro lado, não se pode ignorar que os direitos de autor têm também uma função que deve ser ponderada: eles são um estímulo à criação, são uma forma muito importante - que nalguns países é decisiva e em Portugal talvez não seja devido ao - pouco valor que têm atingido, salvo casos excepcionais, esses direitos de autor- para a manutenção dos autores e suas famílias.
São os direitos de autor que nesses países permitem que não se voltem a repetir casos - como existiram também em Portugal, basta ler a imprensa da época e não só - de filhos de grandes g6nios da cultura que viveram em circunstâncias dramáticas, tendo mesmo chegado a passar fome e que acabaram quase na miséria ...
Contudo, o PSD considera, para além disto, inoportuna a aprovação deste projecto de lei por duas, razões fundamentais. Em primeiro lugar, está actualmente em preparação a revisão global do Código do Direito de Autor vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 980, de 27 de Abril de l966, através da Secretaria de Estado da Cultura. Para esse efeito foi nomeado pelo Secretário de Estado da Cultura um grupo interministerial constituído, ao que julgo, por representantes da Secretaria de Estado da Cultura, dos Ministérios da Justiça, do Trabalho, da - Educação e da Comunicação Social. Esse grupo interministerial tem reunido desde há cerca de ano e meio e têm, ao que sabemos, bastante avançado, um anteprojecto de código, que, depois de circular por todos os organismos interessados nesta matéria para recolha de opiniões, será submetido a esta Assembleia para discussão e aprovação, o que deveria acontecer já na próxima sessão legislativa.
Sendo assim, e uma vez que esta sessão legislativa está a terminar, parece-me extemporâneo introduzirem-se Alterações pontuais numa matéria sobre a qual a Assembleia da República terá de se pronunciar em breve, na sua globalidade. Devo acrescentar que não tenho dúvidas de que se restaurará, mais ano menos ano, o prazo dos cinquenta anos que já vigorou no Direito português.
Em segundo lugar, a revogação do n.º 2 do artigo 37.º do Código do Direito de Autor, se é certo que corresponde, como já foi referido, a uma tendência que se verifica no sentido do alinhamento da duração do direito de autor pela regra unionista dos cinquenta anos post mortem, trará consequências de certo modo graves na medida em que se irá repercutir na esfera jurídica das pessoas que adquiriram onerosamente direitos de autor na expectativa de os mesmos perdurarem até 1991.
Julgo que o Sr. Deputado Salgado Zenha ainda não se pronunciou sobre o problema das pessoas que adquiriram onerosamente direitos de autor na expectativa de os mesmos perdurarem até 1991. Deve ou não ser protegida esta expectativa?
Será justo retirar-lhes um direito adquirido sem qualquer indemnização e até sem aviso prévio? Esta é que é a questão.
Por que é que para estes casos o projecto de lei do Partido Socialista não prevê a possibilidade de indemnização a estas pessoas que adquiriram onorosamente esses direitos?

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Este é, efectivamente, um problema delicado que mereceria atenta ponderação, ponderação essa que deveria, se não pudesse ser agora neste regime apressado em que temos vivido, ser na altura própria, isto é. na próxima sessão legislativa quando esta Assembleia for chamada, porque vai sê-lo em qualquer caso, em qualquer circunstância, a pronunciar-se sobre o anteprojecto do Código do Direito de Autor que, como atrás se disse, em breve aqui virá.
Em resumo, pelos motivos apontados quanto à oportunidade deste projecto de lei, pela necessidade de serem ponderadas estas críticas, sobretudo no caso daqueles que adquiriram onorosamente estes direitos, pelo facto de o, PSD não poder deixar de discordar de alguma prática que tem aqui sido seguida de rever leis e códigos, mesmo fundamentais, da ordem jurídica portuguesa, norma a norma, alínea por alínea - o que é abrir um caminho para aumentar a confusão da lei em leis fundamentais e a incertezas do direito -, embora o PSD defenda o regime que já vigorou no Código de Seabra da protecção dos direitos de autor por cinquenta anos post mortem, julgamos que a posição de abstenção é a mais conveniente. Seja como for, chamamos a atenção dos partidos que vão votar este projecto de lei para estes argumentos, que são ponderosos, que são de oportunidade e não só, e sugere até que na discussão na especialidade, se, como julgo, este projecto de lei baixar à comissão, esses partidos estejam abertos a que se adite um artigo nesse sentido.
Sem isso julgo que a pressa é má conselheira. E a pressa, Srs. Deputados, especialmente Sr. Deputado proponente, pode ser prejudicial sem pôr em causa as boas intenções - e de boas intenções está o Inferno cheio. Mas se, de facto, a pressa leva à violação de direitos adquiridos, de expectativas legítimas, a que se aumente a confusão e a incerteza e se tomem decisões inoportunas que depois a própria Assembleia, dentro de poucos meses, quando este projecto global de Código do Direito de Autor aqui for presente, pode ser obrigada a corrigir, e nessa altura ninguém ganhará com isso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Salgado Zenha (PS) Sr. Presidente,
peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, é para dar alguns esclarecimentos ao Sr. Deputado Pedro Roseta sobre alguns pontos que por ele foram focados.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Deputado Pedro Roseta, quanto ao problema da pressa, não percebo muito bem qual é a precipitação de que pode ser acusada a discussão deste projecto de lei, porque ele foi apresentado em Janeiro do ano corrente. A sua apreciação e votação esteve já marcada ao abrigo de um direito regimental para fins do mês de Maio deste ano. Em consequência da discussão da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado foi adiada e, portanto, é, finalmente, no uso desse direito regimental que em projecto de lei que já foi apresentado há mais de seis meses está a ser apreciado. É um projecto de lei com um artigo único e não percebo qual é a precipitação e a complexidade ou a dificuldade que há em apreciar uma matéria tão simples.
Quanto às razões que o Sr. Deputado Pedro Roseta invoca, digo-lhe que a situação que hoje se passa em Portugal é anómada. Pode, por exemplo, dizer-se o seguinte: um autor como Eça de Queirós ou como Alexandre Herculano pode ser editado livremente no Brasil, ou em Angola, ou em Moçambique, visto que o direito de autor lá está determinado para um certo prazo que não aceita as excepções que vão além desse prazo, e no entanto em Portugal ele está sujeito a um regime totalmente diverso.
15to significa que se, por hipótese, eu quiser comprar uma edição das obras completas de Eça de Queirós, tenho de comprar uma edição brasileira porque em Portugal ela não é autorizada. Portanto, isto é para mim inteiramente absurdo.
0 que se passa com Camilo Castelo Branco é outro caso concreto: existe uma tal complexidade em averiguar quem são os actuais titulares dos direitos de autor de Camilo Castelo Branco que um Portugal não é possível a publicação de nenhuma edição das suas obras completas, mas no Brasil isso já é possível. Se eu quiser comprar uma edição das obras completas de Camilo Castelo Branco tenho de comprar uma edição brasileira. Creio que isto é uma anomalia que prejudica a própria cultura e que até coloca a cultura portuguesa num plano subdesenvolvido nesta matéria, porque para conhecermos as nossas obras temos de recorrer a edições estrangeiras e, nomeadamente, a edições brasileiras.
Quanto ao problema das expectativas, penso que o Sr. Deputado Pedro Roseta não tem razão e até me poderia dispensar de responder a esse seu argumento, porque no meu esclarecimento prestado ao Sr. Deputado Rui Pena já tinha respondido. 0 direito de autor até uma certa época, digamos, até ao decreto do Duque de Saldanha, inspirado num projecto de lei de Almeida Garrett, era considerado como um direito hereditário, sujeito às regras sucessórias, e portanto era perpétuo. A admitir essa regra, nunca se poderia instaurar em Portugal o regra da duração de um prazo limitado para a duração dos direitos de autor. Foi Almeida Garrett quem teve essa iniciativa, e fica-lho muito bem porque ele próprio era autor e era um dos mais célebres da sua própria época,
Hoje, os autores para os quais se põe este problema o problema das expectativas - são autores para quem à data do seu falecimento a duração o direito de autor era de cinquenta anos. Só são abrangidos, realmente, aqueles autores que faleceram entre l872 e 1928 ou l929, isto é, aqueles para os quais à data do seu falecimento vigorava o regime do prazo dos cinquenta anos, que foi ilegitimamente alargado pelo decreto da ditadura militar, ou seja, à data do seu falecimento, a regra jurídica vigente era aquela que agora se vem repor.
Não compreendo muito bem quais as expectativas que podem ser frustradas, mas o Sr. Deputado Pedro Roseta pode muito bem, amanhã, fazendo um estudo casuístico dessas hipóteses, apresentar um outro projecto de lei onde se contemple unia indemnização a possíveis lesados nessa matéria, se porventura eles não

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encontrarem essa indemnização através do recurso aos princípios gerais de direito. Agora, querer evitar que se reponha a normalidade de uma situação na cultura portuguesa e no trato jurídico relativo à edição portuguesa, isso é que não pode ser adiado.
0 Partido Socialista tem um interesse especial nesta matéria. Basta dizer que um dos seus fundadores é Antero de Quental e pão se pode encontrar hoje a sua obra, por vezes até é difícil saber quem são os titulares dos direitos sobre este autor. As suas Prosas são um volume que foi recentemente publicado, e portanto consideramos que até o património cultural português não pode estar sujeito a essas limitações.
Naturalmente que, se houver quaisquer lesões que porventura se verifiquem, com certeza que o Partido Social-Democrata, que se bate de modo tão denodado pelos direitos desses eventuais lesados, que confesso que ignoro quem sejam, nem conheço propriamente o seu aspecto concreto, terá a possibilidade - mesmo que a Assembleia seja dissolvida, e visto que o Sr. Deputado Pedro Roseta será com certeza reeleito de apresentar na próxima sessão legislativa um projecto de lei em que essa matéria seja ventilada.
Agora querer obstar à aprovação deste projecto de lei com esse argumento, não estamos de acordo. A Câmara Corporativa, em l953, pronunciou-se pelo regresso ao regime do Código Civil ; contudo, passaram-se treze anos antes que esse projecto de lei sugerido pela Câmara Corporativa fosse aprovado pelo Governo de Oliveira Salazar. E se vamos esperar pelo fim dos trabalhos preparatórios de uma comissão interministerial ou pelo fim da elaboração dos estudos que uma comissão de sábios está agora a fazer, dir-lhe-ei que a longo prazo ficaremos todos mortos e a situação continuará como está. É esse, aliás, o objectivo real do Sr. Deputado Pedro Roseta e com isso não estamos de acordo.

O Sr. Pedro Roseta (PSD) Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -O Sr. Deputado Salgado Zenha anda, efectivamente, muito distraído, ou faz-se, o que é pior ... 0 PSD não quer evitar coisa nenhuma, de modo que o Sr. Deputado esteve a perder tempo e a fazer perdei tempo à Câmara porque ou fingiu que não ouviu ou não ouviu o que eu disse. E a prova é que eu afirmei que não íamos votar contra. Ora, se não vamos votar contra, não queremos evitar coisa nenhuma. O Sr. Deputado Salgado Zenha, mais uma vez, sujou-se,...

Protestos do PS.

O Orador: - ... fazendo processos de intenção sobre aquilo que o Sr. Deputado Pedro Roseta diz ou não, cuidando afinal o Sr. Deputado Pedro Roseta diz u contrário. Os Deputados nesta Câmara não podem vir dizer o contrário daquilo que o Deputado que acaba de falar disse, porque isso dá uma prova de desatenção ou de falta de respeito, para com os seus colegas.
Volto, pois, a repetir que o Partido Social-Democrata e disse-o no início da minha intervenção não tem razões de fundo contra o projecto de lei em
discussão e que concorda com a tendência para o regresso a vigência dos direitos de autor de cinquenta anos post mortem. O Sr. Deputado Salgado Zenha não terá, por acaso. ouvido isto? Está escrito e constará do Diário.
Ora se eu disse isto, se afirmei que o Partido Social-Democrata não iria votar contra, que não vota a favor, e por razões de oportunidade, o Sr. Deputado, evidentemente, dispensou-se de responder às dúvidas que tínhamos. Sendo assim, porque é que vem agora dizer que; queremos evitar a reposição do princípio da Convenção de Berna, na qual eu próprio me louvei, afirmando mais adiante que a razão fundamental que aconselha no caso português a universalização do período de protecção pela regra dos cinquenta anos após a morte do autor é a conveniência do alinhamento pela regra geral da Convenção de Berna?
Realmente, não sei onde é que o Sr. Deputado estava, pois acabou aqui de dizer tudo ao contrário do que eu disse. Certamente que devia estar a responder a outrem, pois francamente não percebo a sua intervenção, que é totalmente incompreensível para mim!
Quanto aos processos de intenção, realmente não sei como é que unia abstenção pode evitar o que quer que seja...
Há um outro ponto que gostaria de esclarecer, porque foi um dos únicos pontos marginais em que, a intervenção do Sr. Deputado Salgado Zenha teve, por mero acaso, alguma coisa a ver com o que eu disse. É a propósito dos critérios que nos levem a não votar favoravelmente este projecto de lei.
Em primeiro lugar, e a isso o Sr. Deputado não %e referiu, porque discordamos, como dissemos, da revisão norma a norma, alínea a alínea, de códigos e leis fundamentais. É uma opinião. o Sr. Deputado terá a sua. Entendemos que os trabalhos da comissão existente na Secretaria de Estado da Cultura estão suficientemente adiantados para poderem vir a curto prazo a esta Assembleia para apreciação e, Sr. Deputado, estas coisas que se jogam em largas décadas não ficam prejudicadas por serem discutidas no dia l3 de Julho ou no dia 13 de Outubro...
Este é, efectivamente, uni argumento de oportunidade, que poderá não aceitar. mas tem de respeitar a nossa opinião porque isto são coisas de fundo, coisas que devem ser ponderadas, e não veio que ganhe muito a diferença entre serem votadas a l3 de Outubro ou l3 de Julho. Portanto, gostaríamos que este problema fosse visto na sua globalidade em Outubro ou em Dezembro nesta Casa.
Outro ponto, e esse sim, é único: o Sr. Deputado Salgado Zenha já se referiu à minha intervenção e, a única coincidência que consigo descobrir entre a sua intervenção e a minha é a questão das expectativas, e aí, vá lá, deu-me uma certa razão. As expectativas dos que adquiriram onerosamente direitos de autor - julgo que repeti isto duas ou três vezes na minha intervenção -, são apenas as neste caso: as daqueles que adquiriram, até pode ter sido há meses. até pode ter sido o ano passado, onerosamente direitos de autor, isto é, de alguém que adquiriu, com a protecção da lei, direitos de autor para fazer uso deles até l99l. Não é justificável que estas pessoas tenham direito a uma indemnização, porque, onerosamente por protecção da lei, que era a lei vigente, adquiri.

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ram direitos que depois não podem usufruir na prática? Esta é que é única e exclusivamente a questão Não venha falar daqueles que já morreram há l00 anos, etc., mas sim daqueles que há um ou dois anos adquiriram onerosamente direitos de autor na expectativa de os mesmos perdurarem por alguns anos. Estes são possíveis lesados.
O Sr. Deputado Salgado Zenha diz que não sabe quem são os lesados, mas a lei tem de prever todas as situações. E, se a lei não as prevê, ficam desprotegidos, pois há aqui uma violação de direitos adquiridos, de expectativa legítima. Esta questão é uma questão que eu coloquei e que, merecia ponderação. E se não vejo que o resto não possa esperar até l3 de Outubro, porque é que o Sr. Deputado Salgado Zenha adopta o critério de dois pesos e duas medidas e diz o seguinte: o Sr. Deputado Pedro Roseta espera e em Outubro corrige isso. Afinal, são dois pesos e duas medidas...
Finalmente, uma breve nota quanto à pressa: isso também são conceitos subjectivos, mas, Sr. Deputado, a melhor prova de que a questão precisa de ser aperfeiçoada é que o próprio Partido Socialista, que, segundo diz, apresentou este projecto de lei em Janeiro, anteontem ou ontem apresentou unia proposta de alteração global ao seu artigo único, donde se prova que eu até talvez tenha alguma razão. 15to é apenas um pequeno argumento formal, mas até talvez eu tenha razão...
Para concluir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tirando este ponto das indemnizações, aquilo que queria era pedir ao Sr. Deputado Salgado Zenha e a outros Deputados é que não façam intervenções que nada têm a ver com o orador a quem se dirigem. Se quiserem fazer essas intervenções em vago, que as façam, mas, evidentemente, nem as nossas intenções nem as nossas afirmações - já tive o trabalho de ler aquilo que disse - permitiam esses julgamentos sumários do Sr. Deputado Salgado Zenha.
A nossa posição está clara, a nossa posição de fundo é aquela que já expendi aqui duas vezes. Apesar de tudo, não votaremos a favor deste projecto de lei pelos argumentos de oportunidade e, por causa do problema das indemnizações que acabei de referir.
Portanto; a nossa posição será, volto a repetir, de abstenção.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra mas peço-lhe o favor de não ser muito longo no seus esclarecimentos, para ver se acabamos este assunto.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, serei muito menos longo do que o Sr. Deputado Pedro Roseta, mas, tendo ele feito a sua intervenção sob a fornia de requisitório e embora eu não assuma a posição de réu, é por uma questão de delicadeza para com o Sr. Deputado Pedro Roseta que lhe quero responder...
Em primeiro lugar, quero dizer ao Sr. Deputado Pedro Roseta que não me sujei na minha intervenção...

A Sr.ª Maria Emília de Meio (PS): - Muito bem!

O Orador: - ..., a não ser que alguma sujidade da sua intervenção se me tenha comunicado por efeito da sua própria intervenção. Esta é a única hipótese admissível. e talvez seja a esse caso que o Sr. Deputado Pedro Roseta se estava a referir.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, é evidente que não há nenhuma coincidência entre a intervenção do Sr. Deputado e a minha. Estamos em posições diversas: os Srs. vão abster-se e nós votamos a favor. Eu fundamentei a minha posição e não tinha que a fazer coincidir com a do Sr. Deputado Pedro Roseta.
Em terceiro lugar, não houve nenhuma confusão sobre a interpretação do Sr. Deputado, pois, embora não tenha a pretensão de ter, nem os dotes intelectuais, nem os dotes de atenção, nem os dotes oratórios do Sr. Deputado Pedro Roseta, creio que percebi a sua intervenção. O Sr. Deputado pretendeu que este projecto de lei, no caso de ser aprovado, baixasse à comissão. Mas não estamos de acordo porque este projecto de lei tem um único artigo, de uma extrema ,simplicidade, e como as probabilidades de dissolução desta Assembleia são muito grandes, até superam as da sua manutenção, de modo que, no caso de baixar à Comissão, este trabalho seria perdido. Naturalmente que o Sr. Deputado Pedro Roseta conciliaria o seu espírito de oposição a este projecto de lei com o seu intuito político de fazer dissolver esta Assembleia, e também não estamos de acordo.
Eis, fundamentalmente e em breves palavras, a posição que tomei e lamento não ter a, possibilidade de falar de modo tão neutral ou tão enfático que não vá suscitar imediatamente no Sr. Deputado Pedro Roseta uma reacção que não sei como é que hei-de qualificar, mas que não qualifico, embora o adjectivo justo estivesse no meu espírito...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Ê para um muito curto protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
Contudo, peço-lhe que seja muito breve porque senão ficamos aqui embrenhados nesta discussão.

O Sr. Pedro, Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Salgado Zenha volta a insistir em não compreender ou não querer compreender o que eu digo.
Aquilo que me levou a Intervir é porque o Sr. Deputado, quer queira quer não, dirigiu-se a mim e fez censuras que apenas existem no seu espírito. 0 intuito persecutório devia ser seu porque, efectivamente partiu do princípio, e agora voltou a reafirmá-lo, de que o PSD - e até pôs a coisa em termos pessoais - queria a todo custo chumbar este projecto de lei. Isto parece-me verdadeiramente espantoso, porque apenas queríamos abster-nos e aditar um numero que previsse as indemnizações para aqueles que adquiriram expectativas legítimas por terem adquirido onerosamente há pouco tempo esses direitos.

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Efectivamente, admito até que o Sr. Deputado Salgado Zenha possa não ter gostado da expressão que usei, mas os Srs. Deputados do Partido Socialista usam outras muito piores, sobretudo quando a minha pessoa está em causa...

Risos do PS.

Seja como for, o Sr. Deputado não tem o direito, depois de eu ter falado minutos antes, depois de ter repetido, abusando da paciência da Câmara, que não nos queríamos opor a este alongamento do prazo. de vir dizer o contrário. 15to é um processo de intenção e também eu e, posso qualificar. Mas não vou acrescentar adjectivos, já que o Sr. Deputado Salgado Zenha o não fez, mas também ficaram no meu espírito adjectivos sobre esses processos de intenção e sobre o que estaria por detrás deles...
Quanto aos argumentos que nos levam à abstenção, o Sr. Deputado Salgado Zenha não respondeu. Manteremos a nessa abstenção e continuaremos a considerar que nada provou sobre a necessidade de este projecto de lei ter de ser votado hoje, l3 de Julho, e não de hoje a três meses, se não me engano nas contas, em Outubro. E como essa prova não está feita e como as respostas do Sr. Deputado não foram cabais, nós, que até poderíamos ter admitido a hipótese de votar a favor se o Partido Socialista tivesse esclarecido alguma coisa, mantemos a nossa abstenção e lamentamos mais uma vez este novo tipo de arrogância maioritária.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Salgado Zenha pretende ainda usar da palavra?

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Prescindo. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação na generalidade do projecto de lei n.º l92/I.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, dos Deputados independentes Sociais-democratas e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes, com votos contra do CDS e a abstenção do PSD.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à discussão na especialidade.

Vai ser lido o seu artigo único.

Foi lido. É o seguinte:

Artigo único

É revogado o n.º 2 do artigo 37.º do Código do Direito de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46980, de 27 de Abril de l966.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero esclarecer de que o que foi lido foi a proposta de alteração, e que ela tem exactamente o mesmo conteúdo jurídico que o artigo único constante do projecto de lei. Simplesmente identifica-se de uma maneira formulariamente mais correcta
do que no projecto de lei inicial, porquanto o. Decreto-Lei n.º 445, de l980, aprova o Código do Direito de Autor, e no projecto inicial não se tinha feito referência ao Código do Direito de Autor, mas sim ao Decreto-Lei n.º 46980, de 27 de Abril de 1966.
Portanto, o conteúdo jurídico é exactamente o me, mo, mas para que não haja dúvidas fez-se unia descrição formulariamente mais correcta do preceito legal cuja revogação se pretende através desta alteração.

O Sr. Rui Pena (CDS:- Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Rui Pena (CDS):- Sr. Presidente, é para propor que na sequência das considerações por nós formuladas, e uma vez que a proposta foi aprovada na generalidade, se aditasse ao texto deste artigo único uma disposição determinando que a eventual derrogação de direitos adquiridos será susceptível de indemnização pelo Estado.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder primeiro à votação do artigo único do projecto de lei.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, dos Deputados independentes sociais-democratas e do Deputado independente Vasco, da Gama Fernandes e as abstenções do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado Rui Pena, podia fazer o favor de fazer chegar à Mesa o aditamento que acabou de proferir oralmente?

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, em todo o caso, para não perturbar a nossa ordem de trabalhos, poderia já ser considerado.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, creio que até regimentalmente o que está a acontecer não e admissível, porque a proposta de aditamento teria de ser apresentada no momento oportuno. Mas nós não temos dificuldades em votar a dita proposta de aditamento desde que recebamos o seu texto, pois sem isso não podemos tomar uma posição.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Salgado Zenha. Providenciarei no sentido de lhe ser entregue o texto da proposta de aditamento.

Pausa.

Srs. Deputados, visto já todos os grupos parlamentares disporem do texto da referida proposta, ela está em discussão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão na generalidade demonstrou que

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a derrogação do artigo 37.º do Código do Direito de Autor poderia implicar prejuízos para particulares que contavam precisamente com o prazo até 1999 decorrentes dos direitos de autor post mortem. Logo, dentro das boas regras de um Estado de direito, havendo a derrogação de direitos adquiridos por particulares, esta derrogação é legítima, em termos de direito, desde o momento em que tenha como contrapartida a justa indemnização desses - particulares.
É- este o sentido da proposta de aditamento que tive a honra de subscrever e de propor à consideração desta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Visto não haver mais ninguém inscrito, passamos então à votação da proposta de aditamento, apresentada pelo CDS ao artigo único do projecto de lei N.º l92/I - Regime Jurídico do Direito de Autor.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes e votos a favor do PSD, do CDS e dos Deputados independentes sociais-democratas.

O Sr. Presidente:- Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente direi que decorreu exactamente da breve polémica aqui travada que este era para o Partido social-democrata um ponto fundamental: num Estado de direito não só os direitos adquiridos como as próprias expectativas legítimas têm de ser protegidos. Mas, como se tem visto, ainda temos uns restos de um período de revolução permanente e de modo que esse espírito revolucionário permanente por vezes aflora ...

Risos do PCP.

... em matérias que nada têm a ver com ele. Esquecem-se os casos, sobretudo o caso flagrante que há pouco citei, de pessoas que de boa fé adquiriram, até há muito curto prazo, direitos, onerosamente e não por sucessão, e que neste momento julgo que vêem muito ameaçados esses seus direitos adquiridos.
Não julgo, pois, que esta última votação tenha contribuído muito para o prestígio das instituições e a certeza do direito e lamentamos que esta proposta de aditamento, pela qual tanto nos batemos, tenha sido rejeitada. E com esta rejeição acrescem as nossas dúvidas e as nossas reservas ao projecto de lei que acaba de ser aprovado.
Esperemos que futuramente os representantes do povo português possam corrigir estas anomalias que aqui se estão a fazer e que, até pelo que aqui também se vê, são a resultante de uma certa pressa.

O Sr. Presidente:- Tem agora a palavra o Sr. Deputado Rui - Pena para uma declaração de voto.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia acabou de fixar para a posteridade o seu próprio auto-retrato. Esta votação, em que se vibrou mais uma machadada no nosso Estado de direito, representa o actual retrato e caracteriza a actual Assembleia da República. Logo, esta votação foi o melhor aperitivo para a discussão do voto de protesto, hoje apresentado pelo Partido Socialista e que se vai discutir na próxima terça-feira sobre se têm ou não razão as críticas dos Portugueses formuladas contra esta Assembleia da República.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A declaração de voto sobre o fundamento do nosso projecto de lei, que reconduz ao período de cinquenta anos após a morte do autor o prazo da duração do direito de autor já foi objecto da minha intervenção e portanto remeto para essas considerações.
A minha declaração de voto reportar-se-á apenas à proposta de aditamento apresentada, tarde e a más horas, pelo CDS. Na realidade, esta proposta de aditamento é puramente demagógica e não tem qualquer interesse porque todos temos conhecimento - e juristas tão ilustres como o Sr. - Dr. Rui Pena sabem-no perfeitamente- que o direito à indemnização, nos casos de ofensa ilegítima dos direitos privados, está consignado no nosso direito interno, nos princípios gerais de direito e até, se me é lícito fazer referência a isso, no direito democrático europeu, como a Convenção Europeia dos Direitos do 14omem. E todos têm conhecimento de que hoje até qualquer português pode interpor recurso directamente para o Tribunal Europeu. Portanto, na medida em que este preceito reproduz ou pretende reproduzir o princípio geral de direito do Estado de direito português ou o direito democrático europeu, esta proposta de aditamento é pura e simplesmente inútil e portanto o Sr. Deputado Rui Pena fê-la, como aliás demonstrou na sua declaração de voto, com fins demagógicos, isto é, para querer menosprezar esta Assembleia, onde a direita ocupa um lugar minoritário correspondente ao voto indiscutível do povo português e que reproduzirá nas - próximas eleições, sejam elas intercalares ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... poscipadas, referendárias ou seja como for.

Aplausos do PS.

Aliás sempre nos batemos pelas eleições. Não temos medo de eleições, não o tivemos antes do 25 de Abril e também não o temos agora. Ao que somos contrários é a eleições antidemocráticas com violação da nossa Constituição ...

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - ... ou determinadas por fins que não assentam em motivos democráticos, mas em motivos antidemocráticos.
Portanto, esse princípio geral de direito faz parte da nossa ordem jurídica e até está tutelado por uma convenção que foi ratifícada e aprovada nesta Assem-

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bleia, e nessa medida essa proposta de aditamento é inteiramente inútil. Agora na medida em que este preceito pretende dar a ilusão de que haverá uma protecção especial para os editores para além do regime geral de direito, que é esse o sentido, nós então somos contrários. Pensamos que as casas editoras já foram ilegitimamente protegidas pela ditadura militar - aliás, já houve processos nos nossos tribunas, tais como acerca dos direitos das obras de Eça de Queirós, em que um dos advogados foi até o próprio Marcelo Caetano - e sabemos perfeitamente que os interesses dos editores hoje titulares dessas obras ou até possivelmente de alguns dos seus familiares são interesses ilegítimos, que não têm justificação e são nocivos à própria cultura portuguesa. Mas se porventura houver algum interesse privado - e pensamos que esta medida é salutar- que tenha sido ilegitimamente violado ou ofendido, pois os tribunais existem, existe até o Tribunal de Estrasburgo, ao qual podem recorrer se pensarem que têm direito a essa indemnização.
Agora o que não pode dar-se é a ilusão de que haverá um regime especial aristocrático de protecção, como se houvesse um regime diverso - para alguns cidadãos e houvesse um regime geral para outros. Esse regime geral consta do nosso direito, pelo que, se houver algum interesse ilegitimamente lesado - do qual, aliás, não tenho conhecimento, não sou tribunal, não tenho que me pronunciar- os tribunais resolverão. Não há necessidade de aditar Lima norma especial de protecção como o Sr. Deputado Rui Pena, advogado ilustre que é, sabe, e até os advogados ficariam sem uma ocupação que tivesse jus a algum mérito, uma - vez que a sua obrigação é fundamentarem os seus pedidos e não vir para aqui, digamos, invocar as causae praetendae de futuros possíveis pleitos. Os juízes sabem quais são as nossas normas jurídicas e se houver interesses ilegitimamente violados aplicarão a lei. Não é necessário este preceito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Gusmão.

O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português votou favoravelmente o artigo único do projecto de lei n.º 192/I e contra a proposta de aditamento do CDS por três ordens de razões fundamentais: primeiro, porque revoga um regime excepcional que prolonga excessivamente, por muito mais de cinquenta anos e até em alguns casos por mais de cem anos, a manutenção dos direitos de autor após a morte destes segundo, porque permite a reedição de obras actualmente esgotadas e, de modo geral, cria condições - para uma maior disponibilidade e maior facilidade de acesso a muitas obras de alguns dos grandes autores portugueses do século XIX ; terceiro, votámos ainda deste modo porque considerámos, como aliás dissemos na nossa intervenção, que este projecto de lei em nada lesa o conteúdo essencial do direito de autor, quer na sua dimensão patrimonial e moral, quer na sua dimensão social e cultural. Ponderámos, evidentemente, a questão dos titulares de direitos que tinham a expectativa de que esses direitos durassem até l99l, considerámos, entretanto, que a questão é decisivamente de irrelevante importância e merecimento face aos aspectos culturais e sociais em jogo na proposta do projecto de lei do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tinha sido acordado na reunião dos presidentes dos grupos parlamentares que esta reunião deveria prolongar-se até às l3 horas e 30 minutos. Estamos quase a atingir essa hora - faltam dez minutos - e pouco adiantaríamos s passássemos à discussão de outro diploma agendado na ordem do dia. Nessa medida, anunciava os diplomas entrados na Mesa e admitidos que são os seguintes: projecto de lei n.º 316/I - Criação da freguesia de Golpilheira, no concelho da Batalha -,apresentado pelo PSD, que baixa à Comissão, e projecto de lei n.º 317/I - Alteração à Lei Orgânica da Assembleia da República -, apresentado pelo CDS, para o qual foi requerida a adopção do processo de urgência, com dispensa de baixa à Comissão.
Passo a ler uma comunicação do Partido Socialista: «Tendo em conta as circunstâncias actuais de demissão do IV Governo Constitucional - autor do decreto- lei objecto da ratificação n.º 76/I -, a requerimento do PS - e a possibilidade assim criada das necessárias Alterações na estrutura do Gabinete da Área de Sines não poderem ser introduzidas oportunamente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista desiste, do referido pedido de ratificação».

Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar, terça-feira, dia 17, pelas 15 horas, e a ordem de trabalhos será a continuação da que estava agendada para hoje.

Está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Avelino Pereira Loureiro Zenha.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Dieter Dellinger.
Eurico Manuel das Neves H. Mendes.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Florêncio Quintas Matias.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de Assis de M. Lino Neto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo da Silva Pereira.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.

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João da Silva.
Joaquim Manuel Barros de Sousa.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Branco Ferreira Lima.
Manuel Francisco Costa.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Victor Fernandes de Almeida.

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo.
António Manuel dos Santos Vasconcelos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
José Adriano Gago Vitorino.
José Manuel M. Sampaio Pimentel.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Manuel Henriques Pires Fontoura.

Centro Democrático Social (CDS)

Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
Carlos Martins Robalo.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
João Carlos F. Malhó da Fonseca.
Narana Sinai Coissoró.
Ruy Garcia de Oliveira.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

António Marques Pedrosa.
Cândido Matos Gago.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Paiva Jara.
Lino. Carvalho de Lima.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros,

Independentes

António Joaquim Veríssimo.
Arcanjo Nunes Luís.
Francisco Braga Barroso.
Francisco da Costa Lopes Oliveira.
João Lucílio Cacela Leitão.
João Manuel Ferreira.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Joaquim Lima Monteiro Andrade.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Cunha Rodrigues.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Albano Pereira da Cunha Pina.
António Cândido Miranda Macedo.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Manuel Natividade da C. Candal.
Fernando Tavares Loureiro.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Gomes Fernandes.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Lencastre M. de Sousa Figueiredo.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Telmo Ferreira Neto.

Partido Social-Democrata (PSD.)

António Coutinho Monteiro de Freitas.
António José dos Santos M. da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
Armando António Correia.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Augusto Nunes de Sousa.
Eduardo José Vieira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco M. L. de Sá Carneiro.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Rui Sousa Fernandes,
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Maria Élia Brito Câmara.
Maria Helena do Rego da Costa S. Roseta.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Alcino Cardoso.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Álvaro Manuel Brandão Estêvão.
António Simões Costa.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Diogo Pinto de Freitas do Amara].
Eugénio Maria N. Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu de Lima.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Cunha Simões.
José Duarte A. Ribeiro e Castro.
José Luís R, de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Vicente J. Carvalho Cardoso.
Luís Aníbal de Sã de Azevedo Coutinho.
Rui Fausto Fernandes Marrana.

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Partido Comunista Português (PCP)

Carlos H. S. Aboim Inglês.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Vital Martins Moreira.

Independentes

Amantino Marques Pereira de Lemos.
Antídio das Neves Costa.
António Augusto Gonçalves.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Galvão de Melo.
Francisco Barbosa da Costa.
João António Martelo de Oliveira.
José Alberto Ribeiro.
José Ferreira Júnior.
José Justiniano Taboada Braz Pinto.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.
Rui Manuel Parente de C. Machete.

0 REDACT0R PRINCIPAL, Manuel Adolfo de Vasconcelos.

PREÇO DESTE NÚMERO 12$00

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