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I Série-Número 58 Quinta-feira, 29 de Maio de 1980 2527

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1979-1980)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE MAIO DE 1980

Presidente: Exmo. Sr. António Duarte Arnaut

Secretários: Exmos. Sr. Manuel Henriques Pires Fontoura
Amadeu da Silva Cruz
José Manuel Maia Nunes de Almeida
João Daniel Marques Mendes

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 10 horas e 30 minutos.
Foi discutida e aprovada na generalidade e na especialidade a proposta de lei n.º 292/I, que concede ao Governo autorização legislativa para introduzir alterações na legislação em vigor sobre organização judiciária. Intervieram na discussão, a diverso título, o Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo), Armando Lopes (PS), Jorge Leite (PCP), João Morgado (CDS), Adão e Silva (DR) e Meneres Pimentel (PSD), tendo feito declarações de voto os Srs. Deputados Ferreira do Amaral (PPM), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Fernando Amaral (PSD), João Morgado (CDS) e Mário Tomé (UDP).
Em seguida procedeu-se à discussão conjunta na generalidade da proposta de lei n.º 318/I, sobre a disciplina reguladora da criação de novas freguesias, e do projecto de lei n.º 336/I, do PCP, sobre o regime de criação e extinção das autarquias locais, sua delimitação e fixação da categoria das povoações. Participaram no debate, a diverso título, o Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local (José Peneda), que fez a apresentação da proposta de lei, e os Srs. Deputados Veiga de Oliveira (PCP), Manuel Pereira (PSD), José António Veríssimo (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Luís Coimbra (PPM), João Pulido (CDS), Fernando Miranda (PS) e Godinho de Matos (DR). Aprovados na generalidade os dois diplomas, fizeram declarações de voto os Srs. Deputados Guerreiro Norte (PSD), João Pulido (CDS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Ercília Talhadas (PCP) e Pires Santos (PS). A requerimento da PCP, os diplomas baixaram à Comissão de Administração Interna e Poder Local para discussão, e votação na especialidade.
Entretanto foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de dois Deputados, um do PSD e outro do MDP/CDE.
Foi ainda aprovada sob proposta da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração, uma resolução da Assembleia dando assentimento à viagem oficial do Sr. Presidente da República à Noruega, entre 3 e 6 de Junho, tendo feito declarações de voto os Srs. Deputados Moreira da Silva (PSD), Veiga de Oliveira (PCP), João Lima (PS), Henrique de Moraes (CDS) e Medeiros Ferreira (DR). As declarações de voto do PSD e do PS motivaram protestos e contraprotesto, em que intervieram, quanto à primeira, os Srs. Deputados Veiga de Oliveira e Amândio de Azevedo e, quanto à segunda, os Srs Deputados Amândio de Azevedo e João Lima.
Finalmente, seguiu-se a discussão conjunta na generalidade das propostas de lei: n.º 284/I, relativa à entrada em vigor nas regiões autónomas dos diplomas emanados dos órgãos de soberania; n.º 285/I, sobre a suspensão da aplicação nas regiões autónomas dos diplomas dos órgãos de soberania impugnados perante o Conselho da Revolução pelas respectivas assembleias; n.º 303/I, sobre a entrada em vigor nas regiões autónomas dos diplomas emanados dos órgãos de soberania e publicados no Diário da República; n.º 304/I, que suspende nas regiões autónomas a aplicação de diplomas cuja constitucionalidade seja impugnada pelas respectivas assembleias; n.º 295/1 e 300/I - Estatuto polílico-administrativos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, respectivamente; n.º 290/I, que considera determinadas áreas da Região Autónoma dos Açores afectadas pelo sismo de l de Janeiro de 1980; regiões rurais economicamente mais desfavorecidas, para efeitos dos benefícios fiscais estabelecidos na lei durante os anos de 1980-1984; e dos projectos de lei n.ºs 447/I e 448/I, sobre o regime eleitoral da Assembleia Regional, respectivamente, dos Açores e da Madeira apresentadas pelo PCP. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Alcino Barreto (PSD), Vital Moreira (PCP), Veiga de Oliveira (PCP), Almeida Santos (PS), Cecília Catarino (PSD), Herberto Goulart (MDP/CDE), José Maria da Silva (PSD) e Meneres Pimentel (PSD).
Depois de anunciar a entrada na Mesa de duas propostas de lei, o Sr. Presidente deu a sessão por encerrada eram 20 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente; - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Alcino Cabral Barreiro.
Álvaro Barros .Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade de Azevedo.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José Ribeiro Carneiro.
António José dos S. Moreira da Silva.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Monteiro de Freitas.
Armando António Correia.
Carlos Manuel Pereira de Pinho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel da Cunha Dias.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando Monteiro do Amaral.
Germano da Silva Domingos.
João António Sousa Domingues.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Baptista Pires Nunes.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Cochofel Ferreira da Silva.
José Maria da Silva.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria de Lurdes Marques Simões da Silva.
Mário Dias Lopes.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Mário Martins Adegas.
Miguel Camolas Pacheco.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.

Partido Socialista (PS)

Agostinho de Jesus Domingues.
Amadeu da Silva Cruz.
António Duarte Arnaut.
António Fernando Marques R. Reis.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz M. de Almeida Cal Brandão.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alves de Almeida Miranda.
Francisco Igrejas Caeiro.
Frederico A. F. Handel de Oliveira.
Guilherme Gomes dos Santos.
Joaquim José Catanho de Meneses.
José Maria Parente Mendes Cadinho.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel António dos Santos.
Manuel Joaquim de M. Pires dos Santos.
Manuel José Bragança Tender.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Victor Manuel Ribeiro Constando

Partido Comunista Português (PCP)

Adalberto António de V. Casais Ribeiro.
Alberto Jorge Fernandes.
Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do C. da Costa Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Fernando Freitas Rodrigues.
Francisco Miguel Duarte.
Hélder Simão Pinheiro.
Joaquim António Miranda da Sirva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Joaquim Victor Baptista G. de Sá.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
José António Veríssimo Silva.
José Casimira Sousa Correia.
José Manuel do C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Marta Andrade.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria da Conceição Morais Matias.
Maria lida da Costa Figueiredo.
Marina Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Ferreira Pereira de Melo.
António Mendes Carvalho.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Isilda Silva Barata.
João Daniel Marques Mendes.
João José Magalhães F. Pulido de Almeida.
José Eduardo Fernandes Sanches Osório.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís António Matos Lima.
Luís Eduardo da Silva Barbosa,
Luís Filipe Pais Beiroco.
Manuel Baeta Neves.
Manuel Cunha Mota,
Marcelo Boaventura da Silva Chaves.

Partido Popular Monárquico (PPM)

Augusto Martins Ferreira do Amaral.
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Henrique José Barrilaro F. Ruas.

Agrupamento Parlamentar dos Reformadores

Armando Adão e Silva.

Pelágio E. de A. Matos Lopes de Madureira.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 104 Srs. Deputados.
Temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos é a discussão e votação da proposta de lei n.º 292/I, que concede ao Governo autorização legislativa para introduzir alte-

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rações na legislação em vigor sobre organização judiciária.
Está presente o Sr. Ministro da Justiça, a quem concedo a palavra.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou aqui exercendo o dever que cabe ao Governo de prestar à Assembleia os esclarecimentos que foram devidos quanto ao pedido de autorização legislativa que formulou para alterar pontualmente alguns aspectos do sistema normativo da organização judiciária. Contudo, dispenso--me de repetir o que consta da exposição de motivos que, nos 'termos legais, precede o pedido de autorização legislativa.
Realmente, há neste momento uma crise nos tribunais que, no fundo, é comum a todos os países da Europa. Há situações que se verificam em Portugal, e embora o mal dos outros não nos aproveite, é de registar que são absolutamente análogas ao que se passa no nosso país. No entanto, há razões para podermos acreditar que sem uma alteração substancial das leis de organização judiciária se pode contribuir para a eficácia e a melhoria desse sector do nosso ordenamento legislativo.
Como o Governo referiu na parte final da exposição de motivos, os pontos que estão arrolados com relativa precisão na exposição de motivos têm um carácter meramente enunciativo. É evidente que esta fórmula tem de ser esclarecida, porque o carácter enunciativo que foi atribuído à exposição de motivos poderia induzir na ideia de que o Governo, para além dos pontos que muito concretamente refere na exposição de motivos, pretenderia ir muito mais além e alterar muito mais substancialmente as leis da organização judiciária. Ora, não é isso que acontece.
Aconteceu apenas que ao ser formulado o pedido de autorização legislativa o Governo ainda não sabia com exactidão qual era a reacção do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais Portugueses. E, no fundo, o conhecimento da realidade em movimento, que é sempre um factor a atender nestas circunstâncias, até ao momento em que tivesse de elaborar o diploma em definitivo, e no caso de ser concedida a autorização legislativa pretendida, poderia até lá permitir-lhe ratificar, precisar e inclusivamente alterar alguns pontos dentro da temática geral apresentada.
Consequentemente, este pedido de autorização pretende apenas servir de base a uma alteração pontual e não uma autorização sistemática ou profunda da actual organização judiciária.
Considero que a organização judiciária, tal como neste momento está, tem realmente aspectos positivos. Sou abertamente a favor da equiparação da magistratura do Ministério Público à magistratura judicial, considero que era um elemento altamente negativo, que nos separaria da Europa a que pertencemos, o carácter preambular, de antecâmara, de reflexão, que era atribuído à magistratura do Ministério Público, e considero que o Centro d& Estudos Judiciários é uma fórmula capaz de poder prosseguir uma política de aperfeiçoamento das magistratruras com inteira disponibilidade e a partir do princípio do autogoverno que lhes foi constitucionalmente atribuído. Portanto, nas suas linhas essenciais, acredito que as leis da organização judiciária não são por si só a causa dos males que podem ser vistos e que a realidade evidencia que acontecem nos tribunais.
Para além do decurso de tempo desde o momento em que foi apresentada a proposta de lei até este momento, surgiram dois pontos sobre os quais me quereria deter: um foi o resultante das últimas eleições para o Conselho Superior da Magistratura, que trouxe à colação e que fez incidir a luz da atenção pública e, portanto, também a atenção do Governo sobre o problema da equiparação dos juizes dos tribunais de trabalho aos juizes dos tribunais comuns.
Realmente, como consta da Lei n.º 82/77, neste momento os juizes dos tribunais de trabalho que foram integrados na ordem judiciária são juizes que não têm uma «vocação generalista», pois para a terem carecem de fazer um curso de qualificação no Centro de Estudos Judiciários, o que, de facto -como certamente já é do conhecimento da Assembleia -, tem criado um molaise compreensível no meio dos juizes dos tribunais do trabalho.
Fiz uma análise relativamente detalhada do problema e dei conhecimento da minha posição, ou pelo menos da propositura do problema, ao Conselho Superior da Magistratura e à Associação Sindical dos Magistrados Judiciais Portugueses. E devo dizer que, numa perspectiva pessoal, entendo que tudo aquilo que é hipócrita, ou que pode ser considerado como tal, deve ser eliminado.
Ora, considero que um curso de qualificação de um ou dois meses é extremamente rápido para juizes que já o são há vários anos, tem uma carga negativa que não tem como contrapartida aspectos que se lhe entolhem justificativamente positivos.
Consequentemente, em propenderia para a alteração das Leis n.º 82/77 e n.º 85/77, no sentido da equiparação dos juizes dos tribunais de trabalho ou juizes dos tribunais comuns.
No entanto, este ponto será objecto de um debate - salvo erro no sábado- pela magistratura e embora o problema esteja posto, as duas soluções ou são a de SB- manter a lei tal como está, e então organizar-se um curso dei qualificação no Centro de Estudos Judiciários, ou fazer a equiparação total sem curso de qualificação dos magistrados dos tribunais comuns ou magistrados dos tribunais do (trabalho.
Há ainda uma outra questão que me foi posta, que realmente me parece pertinente e que resulta da necessidade de se atribuir aos tribunais fiscais competência para a cobrança coerciva das dívidas à Previdência. Os tribunais de trabalho - tal como a Assembleia sabe - estão sobrecarregados, defrontam-se com dificuldades quase insuperáveis na sua actividade, e o Governo pontualmente não pode -porque não há nenhum remédio miraculoso que o permita- pôr a funcionar uma. máquina que os anos, não as pessoas, se encarregaram de tornar má, ou, pelo menos, deficiente. Isto representaria atribuir um carácter mais expedito à cobrança dá dívidas à Previdência se fossem atribuídos à justiça fiscal e, portanto, retiradas da competência dos tribunais de trabalho, assim como represem ia ria uma desobstrução do trabalho em relação aos (tribunais de trabalho. Portanto, digamos que havia vantagem substancial e vantagem no aspecto judiciário.

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Em traços gerais é o que eu tenho a dizer. Acho que neste momento é melhor pôr-me à disposição da Assembleia para esclarecer qualquer ponto que esta entenda dever ser esclarecido.
Entretanto, apresento os meus cumprimentos ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peto teor do intróito à proposta de lei dó Governo, fica-se. com a ideia de que o Governo sabe perfeitamente o que vai legislar, o que vai fazer e o que mão fez.
Portanto, eu gostaria de perguntar ao Sr. Ministro da Justiça por que razão é que o Governo não habilitou a Assembleia com o texto do diploma que tenciona publicar, para que esta fizesse um juízo mais perfeito ei mais completo daquilo que o Governo pretende.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça para responder.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Armando Lopes tem inteira razão, pois, real mente, o desejável - e recordo que esse ponto tem sido assinalado por alguns constitucionalistas - é que o Governo quando apresenta um pedido de autorização legislativa habilite logo a Assembleia, se possível, com o articulado que vai aprovar no caso de ser concedida a autorização legislativa.
Contudo, na circunstância actual isso não foi possível pelas razões que já aduzi. Quer dizer: no momento em que a autorização legislativa foi solicitada o Governo ainda não linha esse articulado pela simples razão de que tinha iniciado a sua actividade há pouco mais de um mês.
Por outro lado, houve a preocupação de fazer uma enunciação tanto quanto possível exaustiva dos pontos sobre que recairia o diploma que será publicado no caso de a autorização ser concedida.
Portanto, embora reconhecendo a pertinência da interrogativa posta pelo Sr. Deputado, devo dizer-lhe que com isto o Governo não pretendeu subtrair qualquer aspecto do problema ao conhecimento e à disponibilidade da Assembleia; .teve apenas, no momento em que formulou o pedido, a impossibilidade meramente prática de elaborar totalmente o articulado. Entretanto, o articulado será feito em conformidade com as linhas gorais que estão na exposição de motivos.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Jorge Leite (PCP): - É para, na sequência da resposta do Sr. Ministro, lhe formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª devia-se ter inscrito logo a seguir à intervenção, mas suponho que não Lá qualquer inconveniente.
Tem a palavra.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da resposta ido Sr. Ministro da Justiça, gostava de insistir um pouco no seguinte: porventura, na altura em que a proposta de lei foi apresentada, o Governo ainda não dispunha de ideias precisas quanto à posição das organizações mais directamente interessadas na alteração das leis judiciárias.
Contudo, aquilo que julgo que é oportuno perguntar é se, mesmo posteriormente! à apresentação formal nesta Assembleia da proposta de autorização legislativa, o Governo não pode habilitar-se e habilitar, consequentemente, a Assembleia, designadamente os partidos das oposições, com um texto pelo menos próximo daqui!» que será o texto final das aliterações, porque de facto, numa matéria como esta, os partidos que não apoiam o Governo, os partidos que se opõem ao Governo são colocados em situação melindrosa. É que acabam por discutir uma proposta de autorização legislativa, mas com eventuais alterações, que - como se diz - têm um carácter puramente; enunciativo, que podem abranger todas as matérias que aqui estão enumeradas, que podem não abranger todas 'as matérias que aqui serão enumeradas e que podem abranger outras matérias que aqui não estão enumeradas.
De modo que a pergunta que eu gostaria de formular era a de saber se, de facto, neste momento o Governo não estava habilitado a fornecer um texto com uma redacção próxima daquilo que pensa ser a redacção final das leis de alteração às leis da organização judiciária,

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça para responder.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à objecção do Sr. Deputado Jorge Leite, embora perfeitamente pertinente, se me permite, já não lhe reconheço a pertinência total daquela que me foi feita pelo Sr. Deputado Armando Lopes, porque, na verdade, o Governo, na exposição de motivos, teve a preocupação de enunciar com bastante precisão os pontos sobre os quais ira recair o diploma autorizado.
O Ministro da Justiça, responsável dentro do Governo pela apresentação desta proposta de lei, veio aqui à Assembleia no sentido de prestar todos os esclarecimentos sobre todos os pontos que a Assembleia entenda que devam ser prestados. O Ministro da Justiça teve o cuidado de esclarecer a Assembleia que, para além dos pontos que aqui estão referidos, há apenas dois que eventualmente podem ser objecto de tratamento. Muito concretamente, trata-se do problema da equiparação dos juizes dos tribunais de trabalho ou juizes dos tribunais comuns e do problema da atribuição de competência para a cobrança de dívidas à Previdência não aos tribunais de trabalho mas à justiça fiscal.
Eu, como representante do Governo, estou inteiramente à disposição da Assembleia para prestar todos

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e quaisquer esclarecimentos, indo à possível minúcia das Intenções do Governo em qualquer aspecto que a Assembleia entenda dever ser esclarecido.
Aliás, penso que apenas falta um articulado que seriamente não poderia ser feito porque ainda não houve uma pronúncia definitiva por parte da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais Portugueses e do Conselho Superior da Magistratura, o que, no entanto, não significa que o Governo não tenha já posição, pois só não tem o articulado, mas este, depois do arrolamento de problemas que está feito na exposição de motivos, pode perfeitamente permitir qualquer esclarecimento que a Assembleia entenda dever ser-lhe prestada. O Governo, e concretamente o Ministro da Justiça, pretende é ter toda a clareza e pôr a Assembleia inteiramente ao corrente de todas as intenções que O' determinam e que no fundo são aquelas que suponho que são as de toda a Assembleia, isto é, permitir que os tribunais deste país funcionem com maior eficácia, permitindo que realmente o acesso à justiça não seja uma meta meramente programática mas uma realidade efectiva da vida dos portugueses.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes para uma intervenção.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: No final da exposição de motivos da proposta de lei n.º 292/I, afirma-se que «não estão agora em causa alterações de fundo ou de sistema».
Sublinha-se o «agora» como facto significativo de que o Governo se prepara para, mais tarde ou mais cedo, se abalançar a essas alterações de fundo. Enquanto* o não faz, como a vontade lhe não falta, vai dando machadadas fortes, com ar inocente, no sistema vigente, desfigurando-o.
Além disso, sucede com esta proposta, a exemplo do ocorrido com outras anteriores, aquilo que poderá ser já apontado como exemplo modelar da política legislativa do Governo.
Com efeito, o1 Governo socorre-se do processo da autorização legislativa, com o objectivo claro de sonegar à Assembleia a possibilidade de um debate amplo e participado, através do qual possam situar-se adequadamente os problemas para serem discutidos com inequívoco conhecimento dos: seus dados;

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Não apoiado!

O Orador - Por outro lado, a autorização legislativa aparece inquinada de um vício grave: o> de buscar a mera solução pontual de alguns problemas que, em nosso entender, não podem nem devem ser perspectivados: fora de uma visão global dos sectores a que tais problemas dizem respeito.
A esta objecção haverão de nos contrapor (já o sabemos) o argumento estafado e sediço de se tratar de providências urgentes destinadas a satisfazer necessidades inadiáveis.
Só que o argumento é falacioso.
Pretendendo autorização para legislar numa vasta matéria, apenas com dois artigos esquemáticos de autorização, na realidade a proposta de lei apresentada é vaga, abstracta e genérica, apresentando mais um cheque em branco que a Assembleia dará ao Governo é que este utilizará ao seu belo talante.
O Governo persiste no uso e abuso de propostas de lei para autorizações legislativas, manifestamente esquecido do comportamento que, nesta matéria e no tempo dos Governos socialistas, foi adoptado sistematicamente pelos partidos políticos que boje o apoiam nesta Câmara.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - O Governo é maioritário!

O Orador: - Nesse tempo esses partidos recusaram-se sempre, a concederem autorizações legislativas ao Governo, com o fundamento de que nesta matéria, dada a sua relevância, deveria ser reservada à Assembleia o conhecimento concreto de teor das respectivas leis.
E o Partido Socialista satisfez sempre essa exigência do PSD e do CDS.
Mas é bem verdade que «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Hoje o Governo da AD lança para trás idas costas aquela exigência de então, à qual, até por simples razões de coerência, como aqui já foi dito, devia sentir-se, vinculado.
É certo que na proposta ora em debate se apresenta uma breve exposição de motivos, apontando objectivos do diploma.
Simplesmente, não apresentando o texto, (recusando-se a apresentar o texto que pelos vistos já tem elaborado, o Governo, nuns casos limita-se a referir uma fundamentação manifestamente vaga e insuficiente, e noutros apenas: diz que pretende alterar determinados preceitos da legislação em vigor, sem apresentar paira tanto qualquer justificação e sem dizer o que pretende fazer.
Deste modo, o Governo não poderia ir mais longe no propósito já bem evidenciado de marginalizar esta Assembleia.
Tal como está apresentada a exposição de motivos - e só ela, porque o texto da proposta se limita a uma autorização curta e genérica, a proposta não permite entrever com rigor qual vai ser a sua concretiza cão.
Além disso, dizendo expressamente naquela exposição de motivos que as alterações ou inovações enunciadas constituem apenas directrizes de carácter meramente indicativo, esconde completamente a visão daquilo que o Governo realmente quer decretar.
Tudo assim é vago, esbatido, mutável: onde na exposição se diz branco, pode no decreto ser pardo e pode até ser preto.
Nas suas grandes linhas os objectivos do Governo, podem resumir-se no seguinte:

1.º Criar ainda mais lugares de juizes de direito em Lisboa e Porto;
2.º Relaxar o sistema de substituição de juizes, permitindo o preenchimento ad hoc dos tribunais :da província, que se manterão desfalcados, permanecendo o superavit existente em Lisboa e Porto;

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3.º Criar um conselho restrito no Conselho Superior da Magistratura, com praticamente todos os poderes que pertenciam a este último órgão, mas 'baldeando desse conselho restrito os representantes eleitos desta Assembleia da República;
4.º Facilitar o sistema de transferência de magistrados, de modo a possibilitar a execução de uma prática de rápido preenchimento dos novos lugares criados nas comarcas de Lisboa e Porto e outros lugares citadinos mais apetecíveis;
5.º Colocar nas mãos de uma fechada corporação judicial a distribuição, promoção e disciplina de todo o pessoal judiciário, bem como a determinação das comarcas que serão ou não providas de juizes.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: - Se da análise genérica da exposição de motivos passarmos ao exame detalhado, concluiremos do acerto das conclusões atrás tiradas e encontraremos pormenores de muito interesse.
Assim, e quanto ao n.º l do artigo 32.º da Lei n.º 82/77, pretende-se não permitir a reeleição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para o período imediato. O objectivo declarado do Governo não é estabelecer um critério de maior equidade para a eleição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Ao contrário do que se afirma na exposição de motivos, não se procura assegurar que ao mais alto cargo da magistratura judicial tenha acesso um maior número de juizes conselheiros.
É evidente que as eleições pelo sistema em vigor são livres e secretas e todos os juizes conselheiros podem ser eleitos.
Com o sistema agora proposto, em vez de se alargar o leque dos candidatos possíveis, diminui-se esse leque, impossibilitando de ser eleito o Presidente em exercício. Porquê? Sabe-se que o Presidente da República pode ser reeleito para um segundo mandato, então porque não há-de .poder sê-lo o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça? Se os seus pares o considerarem o melhor, porque se há-de impedir que o elejam ,para um novo mandato?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De forma nenhuma acreditamos que o propósito do Governo seja impedir que o actual Presidente do Supremo Tribunal de Justiça volte a ser eleito.
Se assim fosse -e não o é certamente- a proposta do Governo visaria um objectivo persecutório pouco recomendável. O Governo recearia por qualquer motivo a sua reeleição e viria opor-se a ela em termos de inocente generalidade. A lei deixaria de ser genérica para ter um cunho pessoal e seria odiosa.
Não acreditamos, repetimos, em semelhante hipótese.
O que não atinamos é com a justificação da proposta, dada a fragilidade do argumento invocado na exposição de motivos.
Quanto ao n.º 4 do artigo 46.º, alarga-se o âmbito da intervenção do Conselho Superior da Magistratura, perdendo-se os limites precisos da actividade territorial dos juizes, que assim ficam sujeitos anualmente a verem alterada e agravada a área territorial da sua competência, sem apelo nem agravo.
Quanto ao n.º 2 do artigo 49.º, não se compreende, quando já está em funcionamento o Centro de Estudos Judiciários, que o Governo queira vir implantar um sistema com maior abertura aos juizes substitutos, conservadores do Registo Predial e Civil.
A substituição de juizes por entidades estranhas ao corpo judicial deve ser excepcional.
O que se torna indispensável é a dinamização urgente do Centro de Estudos Judiciários, a não ser que o sistema ora pretendido pelo Governo tenha por objectivo utilizar os magistrados oriundos dessa escola em outros lugares, mantendo a província desfalcada de juizes de carreira e tendo de K socorrer, como muleta, de substitutos de juizes extraídos de carreiras que nada têm que ver com a função de julgar.
Quanto ao n.º l do artigo 38.º da Lei n.» 85/77, referente à colocação de magistrados judiciais, parecendo tratar-se de uma alteração de palavras, assim não acontece e o Governo tem um objectivo político perfeitamente determinado.
Toda a gente sabe que a actual falta de juizes se deve em grande parte ao critério seguido pelo Conselho Superior da Magistratura quanto ao movimento de juizes.
Privilegiaram-se as comarcas de Lisboa e Porto, onde o Conselho colocou inúmeros juizes, deixando, em contrapartida, a província cada vez mais esvaziada de magistrados, pois é aí que faltam os cento e cinquenta magistrados de que se fala na exposição de motivos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tem sido, porém, assacada ao Conselho a ilegalidade do critério seguido, porque este não respeitaria o referido no n.º l do artigo 38.º, onde claramente se estatui que a colocação dos magistrados judiciais se deve fazer com o mínimo de prejuízo para o serviço.
Com o objectivo de legalizar a prática seguida pelo Conselho, vem o Governo propor que doravante o critério «com o mínimo de prejuízo para o serviço» seja substituído pelo critério «das necessidades do serviço» e o prejuízo que vá para as ortigas.
Quanto ao n.º l do artigo 43.º, o objectivo visado é facultar ao Conselho Superior da Magistratura maiores possibilidades de operar a transferência de juizes.
Em todo o caso, seriam menosprezados direitos ou legítimas expectativas de magistrados que aguardam naturalmente a possibilidade da sua transferência e de outros que veriam preenchidos lugares nos quais gostariam de ser colocados quando promovidos.
De resto, a «conveniência de serviço», a julgar exclusivamente pela entidade que faz a transferência, é um buraco incontrolável, que, se pode facilitar o. que é justo, faculta tudo quanto de injusto e arbitrário se queira praticar, sem controle nenhum, nem reacção possível dos prejudicados. Um autêntico buraco, uma política de compadrios à vista.
Quanto aos pontos 2.3 e 2.4 da exposição de motivos, é flagrante que o Governo procura enxotar do Conselho Superior da Magistratura os representantes da Assembleia da República.

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Recapitulemos: pela Lei n.º 85/77 do Conselho Superior da Magistratura faziam parte, como ainda se tolera, quatro personalidades designadas pela Assembleia da República.
Criou-se então uma secção disciplinar, da qual faziam parte integrante, além do mais, duas das quatro personalidades designadas pela Assembleia da República.
A Lei n.º 28/79, de 5 de Setembro, mantendo no Conselho Superior da Magistratura as quatro personalidades referidas, manteve na secção disciplinar as duas personalidades que dele faziam parte.
Com a actual proposta pretende-se criar um conselho restrito, ao qual são atribuídas a função disciplinar, como já era, mas também a apreciação do mérito profissional, a colocação, a transferência e a promoção dos magistrados judiciais e actos de idêntica natureza e a determinação de inspecções, sindicâncias e inquéritos aos serviços judiciais.
Tudo isto constitui o cerne da competência do Conselho Superior da Magistratura, que seria assim transferido para um conselho restrito.
Daqui duas conclusões: procura esvaziar-se o Conselho Superior da Magistratura da sua principal competência, que se transfere para um conselho restrito, e procura excluir-se deste conselho restrito os representantes da Assembleia da República.
E o mais espantoso é que se pretende que a própria Assembleia da República aprove uma coisa destas.
Vamos a ver se a Assembleia da República se defende naturalmente do ataque que o Governo lhe faz ou se através da maioria da AD se demite dos seus poderes, do seu direito de intervir no Conselho Superior da Magistratura por subserviência ao Governo, por seu turno vencido por meros critérios retintamente corporativos.
Quanto aos artigos 21.º a 28.º do Decreto-Lei n.º 269/78, o Governo propõe-se alterar o sistema de substituição de juizes, só que não diz como, cala-se.
Porquê? Que desígnios ocultos se propõe o Governo que recusa revelámos à Assembleia? Parece-nos que esta não poderá conceder uma autorização legislativa totalmente em branco, já que o Governo, que noutros casos apontou pistas concretas, neste o não faz, deixando de pé as maiores suspeitas.
Quanto ao artigo 37.º, mais uma vez o Governo sugere a indefinição.
Os magistrados não podem contar antecipadamente com a área territorial da sua jurisdição, o que é mau para todos eles e o que é péssimo, num critério de certeza e rigor, que deve ser exigido das leis.
Quanto ao ponto 3 da proposta visa-se a criação de novos tribunais, não só na província, mas também em Lisboa e Porto.
Parece-nos, porém, que o problema judiciário do País, em termos gerais, não passa pela criação de novos lugares, mas pelo preenchimento dos já existentes e onde faltam os tais 150 juizes.
É contraditório que o Governo principie por se queixar da falta de juizes, que essa falta tenha sido repetidas vezes referida nesta Assembleia, em particular pelos partidos dia AD, e' que venha agora o Governo propor a criação de novos tribunais.
Quanto ao problema do juízo que recebeu os processos da extinta Comissão Arbitrai de. Assistência e do Extinto Tribunal de Recurso de Avaliação de Lisboa e a Cobrança de Dívidas ao Estado, entendemos que não há necessidade de criar mais juízos, mas utilizar o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 269/78 e destacar os magistrados auxiliares que forem necessários para resolverem as acumulações temporárias de serviço e dispensá-los quando esse mesmo serviço estiver regularizado.
Quanto à alteração do artigo 27.º da Lei n.º 85/77 na redacção que lhe deu a Lei n.º 28/79, de 5 de Setembro, não vemos razão para em tão curto espaço de tempo a Assembleia da República ter de mudar de parecer.
De resto, aquelas disposições legais prevêem a revisão do vencimento dos juizes do Supremo Tribunal de Justiça sempre que se verificar a revisão geral dos vencimentos da Função Pública.
Quanto aos magistrados oriundos do quadro do ultramar, também o Governo é olimpicamente mudo em relação às alterações que pretende introduzir e por sistema não concedemos autorizações em branco ao Governo.
Finalmente o ponto 5 da exposição de motivos é digno da maior censura.
Dizer-se que as alterações ou inovações indicadas na exposição de motivos têm um carácter meramente indicativo é profundamente censurável.
Se o Governo indica alterações e depois faz outras que antecipadamente diz estarem espelhadas nas primeiras, não se percebe porque não apresenta as propostas concretas, de alteração que pretende.
A não ser que o Governo pretenda enganar a Assembleia, levando-nos a autorizar que legisle sobre determinados indicativos e que afinal venha a fazer coisa diversa à sombra do engano criado.
Este ponto 5 traz em si toda a carga que inutiliza a exposição de motivos, pretendendo o Governo através dele retomar toda a liberdade de acção para fazer o que muito bem entender.
Daí que não possamos dar a nossa aprovação à proposta do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Armando Lopes começou por dizer que era condenável que o Governo não tivesse fornecido à Assembleia, com a exposição de motivos, o projecto do articulado 'do diploma que pretende publicar, porque isso lhe impedia de apreciar as alterações que iam ser introduzidas. Só que logo a seguir o Sr. Deputado Armando Lopes faz uma análise daquilo que consta ida exposição de motivos e acaba por demonstrar que está claramente ciente dos propósitos do Governo e das alterações que vão ser introduzidas - a não ser 'assim não se entendia a sua intervenção na maior parte dela.
De resto, o Sr. Deputado Armando Lopes não pode ter grande preocupação quanto à falta do projecto do diploma, porque, como já mais de uma vez aqui foi dito à Assembleia fica sempre aberto o caminho de ratificação. Por consequência, se o diploma não satisfizer a Câmara esta pede a ratificação e ele será aqui apreciado na sua globalidade.

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Posto isto quero fazer três perguntas ao Sr. Deputado Armando Lopes: o Sr. Deputado ataca o Governo porque este pretende alterar o funcionamento do Conselho Superior da Magistratura, dizendo que o Governo pretende criar um conselho restrito que subverte a actual composição do Conselho. Ora, é ou não verdade que na exposição de motivos o Governo diz que das deliberações do conselho restrito cabe reclamação para o Plenário do Conselho? Gostaria ainda de saber se efectivamente esse sistema permite ou não que os interessados vejam apreciadas pelo Conselho com a actual composição as matérias que foram decididas no conselho restrito.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse que suspeito das intenções do Governo no que se refere ao processo de substituição de juizes. Sobre isto queria pedir ao Sr. Deputado que, concretamente, diga à Câmara que suspeitas são essas, de que é que suspeita. Suspeita que o Governo vai fazer o quê? É porque dizer apenas que suspeita que o Governo tem propósitos secretos e talvez sinistros, isso não diz nada à Câmara. Portanto, gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse que suspeitas tem, que propósitos atribui ao Governo nesta matéria.
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado referiu que dinamizando com o Centro de Estudos Judiciários isso poderia vir colmatar a falta de juizes que se verifica nos tribunais. Queria, pois, perguntar ao Sr. Deputado se conhece ou não o modo como está a funcionar o Centro de Estudos Judiciários e se sabe ou .não que o funcionamento desse Centro só dentro de dois anos permitirá que haja juizes com a formação do Centro de Estudos Judiciários. Entende ou não V. Ex.ª que os tribunais, dada a crise que atravessam, podem esperar dois anos pelo preenchimento dos lugares vagos? Ou não será antes que se deve criar - como aliás, o Governo pretende- um sistema que permita transitoriamente a substituição dos juizes pelo forma que o Governo aqui propôs?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes para responder.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado João Morgado diz que o Governo na exposição de motivos anuncia os propósitos da proposta que apresenta e as respectivas alterações. Isso não é totalmente exacto. Tive o cuidado de chamar a atenção para os pontos onde isso não acontece e posso repetir-lhe muito rapidamente que o não faz, por exemplo, a respeito do n.º 4 do artigo 46.º ida Lei n.º 82/77, do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 269/78 nem sequer quanto aos magistrados oriundos do quadro do ultramar.
Portanto, não é totalmente exacto dizer que o Governo indicou tudo o que quer fazer, quais são os seus propósitos e quais as alterações que pretende. Pelo menos nestes pontos isso não aconteceu e quanto aos outros são meras informações de carácter indicativo que podem ser alteradas até pela circunstância de aqui se falar no espelhar das indicações apontadas nas soluções que vierem a ser escolhidas pelo Governo. Tudo isso é vago, abstracto e não nos diz nada, claramente.
Quanto ao problema da possibilidade de requerer a ratificação do diploma do Governo, pois com certeza que ela existe. Era o que faltava, que o Governo
nos negasse o direito de pedir a sujeição a ratificação dos decretos-leis que apresenta. Mas o problema não é esse. Trata-se« sim de se saber «e devemos ou não ser confrontados com aquilo que o Governo pretende, porque ele é que veio a Assembleia da República dizer que quer legislar. Portanto, na minha opinião, cumpre-lhe a obrigação de dizer sobrei o que é que pretende legislar, isto é, o que é que em concreto, pretende fazer. Foi sempre ^isso o que o CDS e o PSD exigiam do Partido Socialista quando foi Governo, e G' meu partido cumpriu essa exigência, apresentando sempre as propostas...

Vozes do CDS: - Impôs!

O Orador: -..., concretas daquilo que ia fazer. E não se podará dizer que, passados já tantos meses depois de este Governo ser governo, neste momento ainda não saiba concretamente aquilo que pretende. Não acredito muito nesta explicação porque, até pela forma detalhada como está a exposição de motivos, se conclua; que o Governo/tom ideias precisas e concretas sobrei aquilo que pretende.
Portanto, não vejo razão para nos esconder essas propostas concretas para nos debruçarmos sobre elas.
Quanto ao Conselho Superior da Magistratura e ao conselho restrito que, se pretende criar, o Sr. Deputado João Morgado disse que sã pode recorrer para o Conselho Superior de Magistratura das deliberações do conselho restrito. Evidentemente que sim, mas quem é que de que não? O que eu digo é que as funções que em primeira mão estão postas exclusivamente no Conselho Superior da Magistratura se transferem agora por este diploma para um conselho restrito e de se excluem os representantes desta Assembleia dá República. Isso é que eu acho errado, porque só depois do recurso e nem sempre pode recorrer, até porque pode haver decisões que não sejam recorríveis por arbitrárias ou por não terem fundamentos válidos à vista para se interpor recurso. De qualquer fornia, quem vai resolver esses problemas em primeira mão é o conselho restrito e dele não farão parte na proposta do Governo os representantes da Assembleia da República.
Quanto ao problema das minhas suspeitas, Sr. Deputado João Morgado, devo dizer-lhe que não levantei suspeitas nenhumas. O que eu disse foi que; o Governo, quanto aos artigos 21.º a 28.º do Decreto-Lei n.º 269/78, se propõe alterar o Sistema de substituição de juizes, mas não diz como. É esta ausência de informação que pode levantar suspeitas, não sou eu que as levanto, mas é o Governo que dá origem a elas porque se cala. Isto é: enquanto nos outros pontos se explica com certa clareza -supúnhamos que é essa clareza que afinal se vai reflectir nos mesmos termos do diploma a publicar- nesta parlei que já referi o Governo não diz coisíssima nenhuma. Portanto, ser alguém pode levantar suspeitas não sou eu nem o Partido Socialista, mas sim o Governo que não quer esclarecer a Assembleia sobre o teor das alterações que propõe na substituição de juizes.
Finalmente, quanto ao Centro de Estudos Judiciários, sei que o Centro poderá ainda não estar a funcionai na perfeição, mas também seu que foi criado pana substituir juizes e que, como toda a gente sabe, há juizes a mais em Lisboa e no Poeto e juizes a

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monos na província. O que eu não quero é que esse sistema se prolongue indefinidamente e que cada vez haja mais comarcas - e até comarcas importantes da província - sem juiz.
Isto assim é que não pode sor, porque não é com a criação de novos lugares em Lisboa e no Porto que o problema se resolve, quando se principia exactamente por dizer o contrário, quando se principia por dizer que há falta de juizes neste pais. Pois, então se há falta não se criem mais juizes por enquanto em Lisboa e no Ponto, porque já são de mais os que cá estão e porque já são também de mais as faltas de juizes na província.
Foi isto que eu quis dizer Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Informo o Partido Socialista de que dispõe apenas de mais cinco minutos e trinta segundos para o debate da presente proposta de lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Eu queria rapidamente dizer o seguinte: é de estranhar que o Sr. Deputado Armando Lopes, se realmente algumas dúvidas lhe ficam em determinados aspectos da exposição de motivos do Governo, não tenha formulado ao Governo aqui presente os pedidos de esclarecimento sobre esses mesmos pontos. O Sr. Ministro já se pôs à disposição dos partidos para o efeito e não notei que o Sr. Deputado Armando Lopes tivesse feito qualquer pedido de esclarecimento, pelo que fiquei convencido de que realmente os esclarecimentos dados eram suficientes, tanto que até permitiram a sua intervenção.
Relativamente ao Conselho Superior de Magistratura, direi que o Sr. Deputado Armando Lopes reconhece que efectivamente não tem razão por que não há nenhuma transferência de poderes, o que há efectivamente é uma apreciação em primeira linha, por uma determinada secção do órgão competente e depois a sua reapreciação pelo órgão em plenário. Portanto não há nenhuma apropriação ou transferência de poderes, na medida em que os poderes se mantêm no órgão em plenário.
Relativamente à colocação dos juizes e à grande distorção que se verifica ma falta de juizes na província e no excesso de juizes em Lisboa e Porto, que o Sr. Deputado aponta e com o que eu não concordo, devo dizer que não me consta que essa colocação de juizes tenha sido feita pelo conselho restrito, mas sim pelo actual Conselho Superior da Magistratura, com a composição que lhe dá a actual Lei da Organização Judiciária.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado para uma intervenção de fundo. Entretanto informo-o de que o seu partido gastou já seis minutos e trinta segundos, pelo que ainda dispõem de dezoito minutos e trinta segundos.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem de algum modo anda ligado aos tribunais ou a eles tenha de recorrer para obter a definição dos seus direitos, a reparação de danos ou a imposição de penas, facilmente se apercebe de que uma crise de funcionamento os atinge, crise que vem de longe, e que os onze Governos «provisórios» do pós-25 de Abril não conseguiram atenuar quanto mais superar.
A imagem criada em Portugal acerca da administração da justiça é a imagem da semiparalisia, da espera prolongada de meses e anos, da marcha entrecortada por sucessivas e arreliadoras paragens.
A justiça pronta, a sentença célere e oportuna, estão de há muito afastadas do horizonte dos cidadãos portugueses.
A que se deve o triste e deplorável estado a que se chegou?
Aos Governos? Aos diplomas reguladores da actividade judiciária? Ao aumento sempre crescente do número de feitos submetidos a juízo? À carência de pessoal qualificado?
Naturalmente que estes são factores que contribuíram para a degradante situação que se vive em Portugal no campo judiciário. Mas não serão os únicos. Por isso qualquer administração que, de boa fé e com sincera vontade política, pretendesse alterar o quadro que a realidade apresenta, teria de começar por fazer a diagnose exacta da crise para, a partir dela, decidir e aplicar a terapêutica adequada.
Nenhum Governo dos que precederam o Governo AD adoptou esta metodologia, nenhum deles, portanto começou pelo princípio. Os resultados estão à vista: em vez de se estudar o modelo ajustado à realidade portuguesa, aplicou-se-lhe um modelo-tipo que não lhe servia.
Felizmente que o actual Governo, empenhado como está na solução dos múltiplos problemas que se suscitam na actividade judiciária, criou já as condições para que seja efectuado um diagnóstico correcto e completo da situação: efectivamente, em 28 de Março último tomou posse no Ministério da Justiça a Comissão de Reforma Judiciária, à qual foi cometido o encargo de fazer a diagnose, tanto quanto possível exacta, da crise porque passa a actividade judiciária, e apresentar, no prazo de noventa dias, uma proposta de medidas normativas e de funcionamento tendentes à normalização da actividade dos tribunais.
Existe portanto, neste momento, um órgão especificamente vocacionado para alterar, de harmonia com a realidade portuguesa, as normas reguladoras da vida judicial, o que obviamente pressupõe um conhecimento profundo e amplo dos mates que a afligem, e uma avaliação e aproveitamento correctos dos meios disponíveis para os debelar.
Poderá parecer despropositado, de uma óptica constitucional, esta forma de actuar já que a competência para legislar sobre a organização judiciária pertence exclusivamente a esta Assembleia. E foi na tentativa de sublinhar esse despropósito que os partidos da oposição se encarniçaram contra o Governo da AD quando este submeteu ao Parlamento a proposta de lei ora em debate, para ela solicitando o grau de prioridade e urgência previsto no artigo 173.° da Constituição. Todavia, nós entendemos que o Governo procedeu com aceito quando propôs a concessão da autorização legislativa para introduzir alterações na legislação em vigor sobre organização judiciária, reconhecendo carácter de urgência na sua efectivação. E isto por três ordens de razões: em

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primeiro lugar, conhecedor dos múltiplos diplomas submetidos a esta Câmara, não antevia brevidade na discussão e votação de uma proposta de lei sobre a matéria; em segundo lugar, porque se trata de alterações pontuais, requeridas em face de situações detectadas por órgão próprio, criado para o efeito; e, finalmente, porque ao Parlamento sempre será possível, sem embargo da entrada Em vigor do diploma governamental, submetê-lo ao processo de ratificação, suspendendo, mesmo, se assim o entender, a respectiva vigência.
No preâmbulo da proposta de lei em debate, o Governo explicita, embora não exaustivamente, os aspectos das Leis n.ºs 82/77 e 85/77 e dos Decretos-Leis n.ºs 269/78 e 519-X/79, que irão sofrer alteração, e aponta o sentido respectivo.
Referirei, desde já, que o CDS aprova essas alterações, sem embargo de considerar que, nem todas revestem o mesmo grau de urgência e o mesmo alcance, e que os diplomas base requerem a introdução de mais profundas reformas, e futuramente a sua integral substituição por outros através dos quais se opere uma reforma judiciária que ajuste os quadros legais à dualidade portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisando em linhas gerais e de boa fé as alterações e inovações projectadas, poderá dizer-se o seguinte:
No concernente à movimentação de magistrados, o Governo propõe-se abrir caminhos que proporcionem a harmonização dos interesses pessoais dos juizes com as necessidades do serviço. Louvável, sem dúvida, esta preocupação do Governo, que reflecte, além do mais, o espírito humanista que enforma a sua política.
Com vista a manter permanentemente: o paralelismo estabelecido entre os vencimentos dos magistrados e dos trabalhadores da função pública, o Executivo vai decretar que a sua correcção seja automática e coincidente com os aumentos aprovados pare aqueles trabalhadores.
Consciente de que o exercício da actividade judiciária em mais de um tribunal representa uma sobre-carga de trabalho, um excesso de esforço e de encargos, o Governo prevê a fixação anual de um complemento de remuneração a atribuir aos magistrados a quem esteja cometido esse exercício. Esta é, sem dúvida, uma medida eivada do mais profundo espírito de justiça e da maior dignidade moral, sabendo-se, como se sabe, que comarcas há onde um único juiz é chamado a intervir em processos distribuídos a vários juizes ou exercer funções em mais de uma comarca. Ainda recentemente a comarca de Loures, por exemplo, para três juízos cíveis dispunha apenas de um juiz estagiário, que cobria a falta de dois magistrados, sem qualquer retribuição suplementar.
Hoje os juízos cíveis de Loures não têm nenhum juiz, evidentemente.
No sentido de, obter a real integração na magistratura portuguesa dos magistrados oriundos do quadro do ultramar o Governo irá regular essa integração, que até agora, cinco anos volvidos sobre a descolonização, ainda não se operou.
Efectivamente, de todos os desembargadores pertencentes ao quadro do ultramar apenas um foi integrado, e mesmo esse em condições mal definidas. Um Governo sério não poderia manter-se indiferente a este situação, e teria da procurar solução problema, sem prejuízo das legítimas expectativas de promoção e acesso de todos os magistrados e do seu posicionamento nas listas de antiguidade como desembargadores.
E a solução encontrada não poderá, como é ofender direitos adquiridos pelo magistrado já grado, podendo, no entanto, aproveitar-lhe.
Preocupado com a eficácia e com a operacionalidade do Conselho Superior da Magistratura, o Governo projecta atribuir-lhe novas funções atinentes à definição anual dos tribunais com juiz comum, e à criação de novos tribunais; e, paralelamente, criar no seu seio um conselho restrito, com cerca de metade do número de membros daquele órgão e com competência específica na área do pessoal.
Também nesta matéria o Governo caminha sobré realidades concretas que a experiência evidenciou; porque não restam dúvidas de que um Conselho Superior da Magistratura com vinte e três membros é órgão pesado de mais para, o desempenho das funções que lhe estão cometidas por liei.
Não é este o lugar próprio nem o momento adequado para analisar o número de presenças e de faltas ao plenário do Conselho de certas personalidades que o integram, a começar pelo respectivo presidente; mas foi certamente essa analise que forneceu alguns elementos que aconselharam a solução proposta pelo Governo.
Embora reconhecendo ao Conselho Superior Magistratura competência para se pronunciar a criação de novos tribunais, o Executivo adiantou já que será criado um 2.° Juízo na Comarca de Macau, providência que o meu partido vê com extrema simpatia e que vai de encontro às necessidades sentidas naquele território.
Para finalizar, não deixarei de solicitar a atenção do Governo para dois pontos que se me afiguram essenciais e prioritários: o primeiro tem a ver com a restauração de regime de classes de comarcas, que, em nossa opinião, não devia ter sido abolido, em favor de uma solução geradora da mais desorganização funcional; o segundo respeita à reintegração no quadro da magistratura portuguesa de juizes de 1.º tenda do quadro do ultramar que, em estado necessidade, passaram à situação de aposentados.
Quanto ao primeiro ponto não adiantarei razões fundamentadoras, por saber que o Ministério e Câmara bem os conhecem, por demasiado flagrantes.
Relativamente ao segundo direi, muito sucintamente, e dado que esta intervenção já vai longa, que, computando-se em cento e cinquenta o número de juízes em falta nas comarcas portuguesas, não parece razoável que se mantenham na situação de aposentados juizes interessados em regressar ao activo, desde venham a ser julgados capazes em junta de revisão.
O facto, em si, não seria inédito na nossa Administração Pública. A inclusão desta inovação na reforma judiciária em curso contribuiria para minorar a insuficiência de magistrados judiciais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Certos de que Governo AD não deixará de a contemplar, irei votar favoravelmente a concessão da alteração legislativa solicitada.
O meu partido irá aguardar, a partir de agora, que as tais da organização judiciária recebam do Governo

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AD as projectadas alterações e inovações, recomendando a maior urgência na respectiva introdução, já que existe uma convicção sincera de que elas atingirão os fins visados & dignificarão a administração da justiça em Portugal

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (DR): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Agrupamento dos Deputados reformadores vai votar a concessão da autorização legislativa. É que, conhecedores na prática judiciária dos graves problemas com que se debate o funcionamento dos tribunais e do profundo mal que daí resulta para os cidadãos deste país, compreendem bem quanto é indispensável uma urgente actuação governamental que vise colmatar as maiores dificuldades, já que não é por agora, nesta legislatura, possível vir a legislar quanto ao fundo da problemática bem vasta da organização judiciária.
Sabido que a crise que- a justiça atravessa é profunda e impõe uma intervenção governamental urgente, embora pontual, confiam os Deputados reformadores em que o actual Ministro da Justiça, com a reconhecida capacidade de trabalho, de competência e de profundo conhecimento dos problemas, estudou e vai continuar a estudar a matéria e vai, judiciosamente, ouvir os técnicos nela interessados, não deixando de estar atento às críticas aqui feitas e às que venham dos próprias meios judiciários e forenses.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A exposição de motivos apresentada com a proposta de lei afigura-se-nos razoável e perante o diploma que o Governo formular a Assembleia não deixará de utilizar, como é de seu direito, o processo de ratificação e, por esse meio, criticará em profundidade a actuação do Governo.
Mas o que é por agora fundamental é viabilizar ao Governo, a intervenção imperiosa de enfrentamento dos problemas, responsavelmente, para que, como tem sucedido, não se abstenha de governar, porque isso sim, seria condenável e merecia crítica frontal.

Aplausos dos Depurados reformadores, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Ó Grupo Parlamentar do Partido Comunista irá votar contra a proposta de lei n.º 292/I fundamentalmente pela seguinte ordem de razões: em primeiro lugar, porque se trata de uma matéria que é da exclusiva competência desta Assembleia e para a qual só se deve pedir autorização legislativa quando, de facto, o Governo ou a maioria desta Assembleia entenda que é urgente. Acontece que o Governo pede para esta autorização legislativa um período de quatro meses para alterar as leis que se propõe, o que significa que a urgência não existe.
Além disso, o diploma que o Governo se propõe alterar está sujeito a ratificação nesta Assembleia: trata-se do Decreto-Lei n.º 519/79, de 31 de Dezembro, cujo pedido de sujeição a ratificação foi feito pelo PS. E esta proposta de autorização legislativa visa, portanto, sonegar a esta Assembleia o debate sobre uma matéria tão importante como é a relativa à Organização Judiciária do País.
O Grupo Parlamentar do PCP votará contra também porque esta proposta de autorização legislativa se analisa num autêntico cheque em branco que a maioria dará ao seu Governo relativamente às leis de organização judiciária. É certo que o Governo na exposição de motivos indica o sentido de algumas das alterações que se propõe introduzir, simplesmente diz também que essas alterações têm um carácter meramente indicativo. Deste modo, e como já referi na pergunta que fiz ao Sr. Ministro da Justiça, o Governo não fica politicamente obrigado a alterar aquilo que aqui enuncia e, além disso, pode alterar coisas que não vêm explicitadas na exposição de motivos.
Já agora direi o seguinte: não é a mesma coisa pedir esclarecimentos aqui ao Sr. Ministro que, embora possam ser respondidos, dificilmente serão analisados por falta de tempo, ou, (c)m alternativa, como nos parece correcto, apresentar uma proposta devidamente articulada sobre as alterações que o Governo pensaria introduzir e que permitiria, isso sim, aos partidos da oposição o estudo dessas alterações e a discussão do seu conteúdo, com o conhecimento exacto daquilo que o Governo se propõe fazer, mas não é isso que está agora em discussão, embora constitua mais um motivo para o nosso voto negativo. Aliás, isto é tão evidente que desta autorização legislativa tanto podem sair alterações de apenas pormenor como se pode iniciar uma autêntica contra-revolução judiciária.
De facto, o discurso do Sr. Deputado João Morgado, aliás muito adequado ao dia; que não ao ano, 28 de. Maio, dá alguma indicação disso mesmo.

Vozes do PCP: - Muito bem! Risos do CDS.

O Orador: - É um discurso de algum modo um pouco restauracionista em matéria de organização judiciária. Aliás, na exposição que fez o Sr. Ministro da Justiça teve o cuidado de dizer que a organização judiciária actual tinha aspectos positivos e referiu inclusivamente alguns deles. Só que a esse propósito não se fez a discussão que era necessária. E permitindo, como permite, o conteúdo desta proposta de lei de autorização legislativa a introdução das alterações que o Governo quiser fazer, e não apenas as que vêm aqui indicadas, isso é mais uma razão para a explicação da vantagem e até da necessidade de discutir aqui publicamente as alterações às actuais leis da organização judiciária. E isto sem entrar naturalmente na matéria de fundo porque, quanto a esta, e repetindo, aqui apenas se indicam com carácter enunciativo algumas das alterações que o Governo se propõe introduzir. Nós devemos dizer que algumas das medidas já hoje aqui enunciadas pelo Sr. Ministro da Justiça até podem não desmerecer o nosso apoio e algumas mesmo, como por exemplo a referente aos juizes dos tribunais de trabalho, até podem merecer o nosso apoio. Só que isso significa que esta será mais

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uma razão adicional para a vantagem de discutir aqui as alterações que o Governo e a sua maioria se propõem introduzir nas leis da organização judiciária.
Por estas razões nós votaremos contra a concessão da autorização legislativa e não nos satisfaz, sequer, o argumento de que esta Assembleia sempre poderá pedir a sujeição a ratificação desses diplomas, porque a verdade é que os diplomas podem muito bem ser publicados quando esta Assembleia não se encontre em funcionamento, o que de algum modo inutiliza a figura do pedido de sujeição a ratificação.
Na verdade, as férias judiciais começam no dia l de Agosto, o diploma de alterações pode ser publicado numa altura em que esta Assembleia não se encontre já em funcionamento e, começando como vai começar o ano judicial antes do funcionamento da nova Assembleia a sair das eleições de Setembro/Outubro, naturalmente que a figura da ratificação não pode servir aqui como justificação para a não apresentação de uma proposta de lei em matéria tão importante como é a da organização judiciária.
Por tudo isso o Grupo Parlamentar do PCP votará contra o diploma em apreço.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado, que ainda dispõe de 11 minutos.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que têm cabimento, relativamente à intervenção do Sr. Deputado do Partido Comunista, as observações; que fiz acerca da intervenção do Sr. Deputado Armando Lopes.
De facto, estando tão apreensivo relativamente ao teor das alterações que o Governo pretende introduzir, o Partido Comunista manteve silêncio quando o Sr. Ministro da Justiça se pôs à sua disposição paia prestar os esclarecimentos julgados necessários, donde se verifica que não é par esse facto que o Partido Comunista vai recusar a autorização legislativa. Essa recusa insere-se no processo encetado pela oposição de boicotar por toda a forma a acção do Governo, de impedir o Governo de legislar que na Assembleia quer fora dela. Disso é prova a série de decisões do Conselho da Revolução que de facto se encaminham «nesse sentido.
Também aqui na Assembleia a oposição quer boicotar a acção do Governo, também lhe quer negar a autorização legislativa e também o quer paralisar e penso assim porque não foram indicadas outras razões para justificar essa recusa.
Em relação à afirmação de que está autorização legislativa é um cheque em branco ao Governo quero dizer que ele pode ser aqui preenchido hoje com a presença do Sr. Ministro, que lhe prestará as informações que pedir. Portanto, se o Partido Comunista o quiser, não haverá cheque em branco. Aliás pergunto ao Sr. Deputado Jorge Leite por que razão não preencheu esse cheque em branco com as perguntas ao Sr. Ministro.
Por outro lado, o Sr. Deputado disse que o meu discurso era restauracionista.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - É o 28 de Maio!

O Orador: - Hoje é o dia 28 de Maio mas é um 28 de Maio depois do 25 de Abril de 1974 e, por consequência, é um 28 de Maio diferente e é por isso que nós no outro 28 de Maio, antes de 1974, não estávamos aqui, portanto considero que essa é uma referência de manifesto mau gosto.

Vozes do CDS, do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Mas já agora queria perguntar ainda ao Sr. Deputado Jorge Leite o que é que encontra no meu discurso que tenha algo a ver com restauracionismo de índole autoritária, que efectivamente tenha algo do 24 de Abril. É porque aquilo que propus para. ser restaurado é aquilo que os juizes e as populações efectivamente reclamam e que é a restauração das classes nos tribunais. E se o Sr. Deputado conhecesse, como eu conheço, os tribunais portuguesas, o seu funcionamento e as aspirações dos juizes havia de sentir que essa é efectivamente uma das suas grandes aspirações, para além de que foi a abolição das classes dos tribunais que determinou, em grande parte, a crise que nos tribunais se atravessa.

Vozes do CDS, do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Jorge Leite para responder, peço aos Srs. Deputados que não se desviem da matéria em discussão, se bem que- os partidos sejam livres de administrar o tempo que lhes foi atribuído coroo entenderem.
Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Leite;

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Morgado: Não deixa de ser verdade que revelei algumas apreensões quanto às eventuais alterações que o Governo poderá introduzir nas leis de organização judiciária, só que, primeiro, não fiquei silenciado após o discurso do Sr. Ministro da Justiça e, segundo, acentuei, e volto a acentuar, que se trata de um método completamente diferente este de dizei à oposição: «Preencham aqui o cheque em branco e façam perguntas ao Sr. Ministro porque ele responde.» E é completamente diferente desta outra alternativa de o Governo apresentar com tempo à Assembleia da República e aos partidos da oposição as alterações concretas: que pretende introduzir para que a oposição as possa estudar.
Mas, Sr. Deputado João Morgado, devo dizer-lhe o seguinte: eu não sou génio. Porventura o Sr. Deputado será génio, pelo que ficaria de imediato habilitado a tomar aqui uma posição sobre os esclarecimentos que o Sr. Nisto desse para preencher o tal cheque em branco. Eu não- sou génio e duvido muito dos génios como o Sr. Deputado João Morgado.

Risos do PCP.

Eu não apontei apenas esse motivo como justificativo do nosso voto contrário à autorização legislativa. Não foi apenas o problema de não estar totalmente garantida que as alterações serão apenas estas ou que serão todas estas e que. não haverá outras alterações. Aquilo que vai ser publicado é apenas o que consta dos artigos 1.º e 2.º e o Governo não está a fazer politicamente tudo o que consta da

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exposição de motivos nem sequer está obrigado a fazer apenas o que dela consta.
E o Sr. Deputado João Morgado apontou outra das razões que eu de facto tinha indicado. É que não se trata de boicotar a, acção dói Governo em matéria legislativa mas, sim, de saber se o Governo não está a boicotar a acção desta Assembleia em matéria da sua competência exclusiva.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não seja exagerado!

O Orador: - E essa, sim, é uma das razões fundamentais do nosso voto contrário a esta proposta de lei de autorização legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como disse, o Governo pretende esta autorização legislativa para a usar durante um período de quatro meses, o que significa que tanto a pode usar no dia seguinte ao da publicação da lei como apenas passados quatro meses sobre essa mesma publicação. Assim, nós ficamos sem saber se de facto o Governo tem ou não urgência. Pelo menos o que resulta daqui é que o Governo há-de querer escolher o momento oportuno, no seu alto critério naturalmente, para usar desta lei de autorização legislativa.
«De modo» que não se trata, note bem, Sr. Deputado, de um boicote à acção legislativa do Governo, mas de evitar, ainda que seja apenas com o nosso voto contrário, e de levantar a voz contra aquilo que já foi aqui por várias vezes denunciado e que é a governamentalização do próprio regime, e portanto de subtrair a esta Assembleia a discussão de matérias de tamanha importância como são as leis de organização judiciária. Aliás se vir bem o seu próprio discurso, Sr. Deputado João Morgado, ele não foi um discurso idêntico àquele que V. Ex.ª faria, por exemplo, se aqui estivesse em discussão a própria proposta de alteração às leis de organização judiciária.
O Sr. Deputado disse ainda que eu falaria de forma diferente se conhecesse as aspirações dos juizes. Sobre isso dir-lhe-ei que o Sr. Deputado conhecerá as aspirações de alguns juizes e eu conhecerei as aspirações de outros, mas o que é certo é que conheço as aspirações da população em termos de justiça.

Vozes do PCP: -Muito bem!

Risos do CDS.

O Orador: - Já sei que o Sr. Deputado duvida disso. Pudera, havia de dizer que sim, não?... Possivelmente que as conhecemos em perspectivas comple-tamente diferentes, mas...

Risos do CDS.

O Sr. Baeta Neves (CDS): - Lá isso é verdade!

O Orador: - Perguntou-me em que é que o seu discurso terá sido restauracionista e o que lhe digo é que, para atém do facto de defender o regresso a soluções que as actuais leis de organização judiciária haviam superado, o Sr. Deputado defendeu a revogação pura e simples das actuais leis de organização judiciária, o que até me pareceu um pouco contraditório com aquilo que o Sr. Ministro referiu ao dizer que reconhecia aspectos positivos e amplos às actuais leis de organização judiciária. Daí que eu tenha dito que o seu discurso era restauracionista e não tenha tido motivo para dizer o mesmo do discurso do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra, obviamente, para dizer ao Sr. Deputado Jorge Leite, que não considero que seja restauracionista dizer que uma coisa tem de ser abolida, porque ser restauracionista é querer restaurar qualquer coisa e isso o Sr. Deputado não encontrou no meu discurso. Encontrou efectivamente a restauração das classes ...

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Já é uma, Sr. Deputado!

O Orador: -... e encontrou a abolição dos diplomas. Eu não disse na minha intervenção o que pretendia que viesse em substituição dos diplomas existentes. Naturalmente que penso que deverá ser aproveitado aquilo que estiver bem nestes diplomas tal como deverá ser aproveitado aquilo que de bom estiver do antigamente - porque também existiam coisas boas antes do 24 de Abril e realmente o mal da oposição, dos Governos socialistas e dos Governos provisórios foi o considerarem que tudo o que existia antes do 25 de Abril era mau, que tudo era para ser modificado e afastar o mau e o bom de uma mesma penada.

O Sr. Baeta Neves (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Meneres Pimentel.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Ficaria mal, segundo suponho, que comparecendo perante esta Assembleia um Ministro social-democrata a nossa bancada nada dissesse sobre a presente proposta de lei. E, para além deste dever de cortesia e de solidariedade partidária, julgo oportuno dizer algumas coisas sobre a proposta de lei n.º 292/1.
Em primeiro lugar, devo salientar que na vigência do II Governo Constitucional, que também tinha um apoio majoritário nesta Assembleia, foram solicitados aqui algumas autorizações legislativas. E lembro-me que algumas delas o Partido Comunista votou favoravelmente, ao contrário do PSD que por uma questão de princípio, nunca o fez. É que, tendo nós apresentado uma moção de rejeição ao Programa desse Governo, tornar uma posição contrária seria por assim dizer dar um aval à política desse Governo contra o qual estávamos em clara e frontal oposição, o que se revestiria de um cento ilogismo.
Daí que não: me surpreenda absolutamente nada com o facto de as oposições terem anunciado o seu voto contra, com excepção, salvo erro, do MDP/CDE que ainda não se pronunciou.

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Lembro, no entanto, que o sistema utilizado pelos l e H Governos Constitucionais quanto a autorizações legislativas era sem tudo semelhante ao que se encontra nesta proposta, de lei. É certo que quase sempre esses Governos apresentavam ,um projecto de decreto-lei a utilizar no uso da autorização legislativa que se propunham fazer aprovar nesta Assembleia, mas também neste caso os Governos diziam sempre, e com toda a legitimidade, que esses projectos de decretos-leis estavam, como seria evidente, sujeitos a rectificações, ampliações e modificações. É isto que se passa também com a presente proposta de lei, que, segundo o. meu modo de ver, é até extraordinariamente prolixa na exposição de motivos, com excepção de um ou dois pontos que talvez mais adiante salientarei. O Governo teve a preocupação de dizer, e repito, até com uma certa prolixidade, qual era o novo regime que se pretendia.
Mas antes de entrar nesses pontos julgo oportuno salientar o seguinte em matéria de interesse geral: nós, Partido Social-Democrata, votámos contra a lei vigente da organização judiciária e contra o Estatuto dos Juizes. Todavia, devo dizer que não está nessas leis a profunda causa das perturbações que se verificam na administração da justiça roem estará também na actuação dos governos provisórios, de um dos quais aliás fiz parte embora em lugar secundário. As profundas causas estão, a meu ver, nas transformações muito profundas que se operaram na sociedade portuguesa após o 25 de Abril e para o que, como é evidente, tanto a administração da justiça como outros sectores não estavam preparadas para responder de imediato.
Por outro lado, também devo dizer que neste momento, segundo o meu ponto de vista pessoal, a parte da Constituição da República referente à organização judiciária se encontra ultrapassada, mas como é evidente, enquanto ela não for revista, teremos de a acatar. Refiro-me essencialmente ao facto, que já salientei aquando da discussão da proposta de lei da organização judiciária, que veio a converter-se na lei de 1967, de julgar que Portugal não tem dimensão para ter duas magistraturas paralelas com um grau de cisão tão acentuado como aquele para o qual aponta a Constituição e que, a meu ver, foi desenvolvido em excesso na Lei de Organização Judiciária em vigor.
E, por outro lado, também hoje, ao contrário do que sustentei antes e depois do 25 de Abril, não vejo grande justificação para a criação e funcionamento dos actuais juizes de instrução. Na verdade, com a falta de subordinação hierárquica que existia antes da existência da actual Lei Orgânica do Ministério Público e dada a clara autonomia por ela conferida à magistratura do Ministério Público - recordo aqui que o PSD a votou favoravelmente -, não vejo hoje razão para a instrução passar a ser feita pelo Ministério Público em novos moldes, que eu já referi, tal como aliás vem acontecendo em alguns países da Europa Ocidental, uma vez que, repita, foi dada uma ampla autonomia à magistratura do Ministério Público que poderá até ser desenvolvida como merece e portanto melhor alcançada. Foram estas, pois, as duas grandes e profundas modificações sociais que o aparelho judiciário e outros não estão preparados para acompanhar, e, a meu ver, também um certo exagero no desenvolvimento dos princípios constitucionais que causaram esta perturbação.
Não atribuo, portanto, a qualquer defeito de gestão, que existe, do Conselho Superior da Magistratura uma causa decisiva para o mau funcionamento da administração judiciária.
Em concreto o Governo propõe-se alterar matérias que considero extremamente tímidas - perdoem-me este qualificativo - e não vejo razão para um ataque tão violento como aquele que lhe foi desferido, designadamente pelo Partido Socialista que nalguns pontos exagerou, conforme eu talvez possa ainda justificar.
Assim, quanto à não permissão da reeleição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pretendeu-se fazer aqui um paralelo com a reeleição do Presidente da República. Sobre isso recordarei ao Sr. Deputado Armando Lopes, meu ilustre amigo, que foi precisamente um Deputado e até dirigente do Partido Socialista que numa entrevista sugeriu que na revisão da Constituição se viesse a proibir a reeleição do Presidente da República. Não foi ao Partido Social-Democrata nem a qualquer das forças políticas que compõem a actual maioria nesta Assembleia que competiu essa sugestão. Portanto, esse paralelo talvez resulte de uma «má consciência» do Partido Socialista - má consciência entre aspas, como é evidente.
A justificação que é aqui apresentada para a não reeleição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça no caso concreto não se destina a visualizar seja quem for, uma vez que -e julgo que o Sr. Deputado Armando Lopes sabe -, o actual Presidente do Supremo Tribunal de Justiça atingirá brevemente o limite de idade, infelizmente para ele e para os seus amigos. Portanto não encontro outra justificação que não soja esta que consta da exposição de motivos e que é a de permitir que outros juizes conselheiros venham a ascender a esse Lugar, criando assim uma mutação saudável na presidência do Supremo Tribunal ide Justiça.
Quanto aos restantes pontos, o Governo propõe-se explicitar problemas que considero meramente de pormenor. A presente proposta de lei destinada a obter uma melhor gestão dos quadros da magistratura por parte do Conselho Superior da Magistratura, tal como' se refere nos seus pontos 2.º e 3.º, e a remodelação do funcionamento, que não da composição, do Conselho Superior da Magistratura não está, creio eu, em contradição seja com que princípio for das leis vigentes. Creio que se o Sr. Deputado Armando Lopes tivesse consultado o seu camarada Dr. António Macedo ele próprio lhe poderia revelar que o funcionamento do Conselho Superior da Magistratura se torna extraordinariamente moroso dada a necessidade de ir colhendo vistos em todos os processos por parte dos numerosos membros desse órgão.
Ora, com a presente proposta de lei propõe-se criar um conselho restrito, com competência também restrita, permitindo o recurso para o plenário do Conselho Superior da Magistratura, recurso esse que é sempre possível seja qual for a matéria em causa, e só uma inadvertência do Sr. Deputado Armando Lopes o levou a dizer que poderá haver casos em que não se poderá recorrer. Tudo é recorrível. O Governo não pretende alterar o sistema actual de recorribilidade dessas secções ou desse conselho restrito e o órgão para o qual se recorre, ou seja, o plenário do Conselho Superior da Magistratura tem total competência em matéria de factos e em matéria de direitos para decidir. Não vejo, pois, que daqui resulte qualquer perda

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de garantia para os magistrados e penso que, pelo contrário resultará necessariamente desta alteração uma melhor justiça para os magistrados judiciais.
É exacto que na proposta de lei não se indica qual o critério novo para a substituição de juizes, mas qualquer pessoa, designadamente o Sr. Deputado Armando Lopes, verificará que o sistema vigente não satisfaz minimamente as necessidades actuais. Portanto, qualquer revisão que se faça nesta matéria será necessariamente para melhor.
Por último, queria referir-me à explicitação que o Governo quer fazer quanto à alteração automática dos vencimentos dos magistrados sempre que haja uma alteração dos vencimentos na 'função pública. A actual Lei Orgânica não é clara a esse respeito e tanto assim é que esta Assembleia, da última vez até por iniciativa do Partido Socialista, se tem visto na necessidade de fazer propostas para o aumento dos vencimentos dos magistrados sempre que ocorre um aumento de vencimentos na função pública. O Governo pretende tirar essas dúvidas e dar automaticamente essa melhoria de vencimentos aos magistrados sempre que ela se verifique para o resto da função pública. Portanto, em relação à actual lei há necessidade de explicitar esse ponto, sem o que os magistrados se veriam em situação desigual relativamente ao restante funcionalismo público.
Por outro lado, a atribuição de competência específica a determinados tribunais, isto é, a atribuição aos tribunais de competência para o julgamento de certas matérias não se fará em princípio, tal como consta da exposição de motivos, através da criação de tribunais mas, sim, através da atribuição dessa mesma competência específica a tribunais já existentes.
Posto isto não vejo que a presente proposta de lei provoque qualquer subversão, como aqui foi referido, do regime vigente. Pelo contrário, vem melhorar, em pontos parcelares mas de algum modo significativos, a situação actual. Repito que considero natural que a oposição vote contra esta proposta de lei, uma vez que se trata de uma autorização legislativa - outra posição até seria de estranhar. Só lamento que as oposições não tenham sido claras, dizendo que votavam contra porque se trata de conceder uma autorização legislativa a um governo contra o qual votaram e contra o qual estão em clara oposição. Este, sim, me parece ser o verdadeiro fundamento para se oporem à concessão desta autorização legislativa.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, antes de usar da palavra eu queria saber de quanto tempo ainda disponho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chegou agora à Mesa a informação de que os tempos distribuídos para a discussão dos vários diplomas se podem acumular, de maneira que V. Ex.ª tem o tempo que entender, dentro desses limites mais amplos.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. De resto serei muito rápido, até porque não quero invadir outras áreas que não as minhas.
Ouvi com atenção o que disse o meu querido amigo Dr. Meneres Pimentel e gostaria de lhe fazer algumas observações e algumas perguntas.
O Sr. Deputado Meneres Pimentel disse que o Partido Socialista rejeitou o Programa deste Governo e que por essa razão rejeita também as propostas que o Governo apresenta a esta Assembleia. Não me parece que isso seja assim e suponho que se se debruçar um pouco com calma sobre a afirmação que fez também não concordará com aquilo que disse. E não concordará porque isso não é exacto, na medida em que da exposição que fizemos de crítica ao diploma que o Governo se propõe fazer passar nesta Assembleia da República constaram as razões concretas porque nós não aceitamos as explicações com que o Governo pretende fundamentar o pedido de autorização legislativa.
Além disso, o Sr. Deputado Meneres Pimentel sabe - porque ele próprio interveio nesse sentido na anterior sessão legislativa - que o Partido Socialista quando Governo, sempre que apresentava um projecto à Assembleia para ser discutido, tinha de apresentar propostas muito concretas para que a Assembleia se debruçasse sobre elas, até por exigência do próprio Sr. Deputado Meneres Pimentel e de outros colegas do Partido Social-Democrata e do CDS, exigência essa que estava sempre implícita e que o Governo, até porque era formulada directamente, tinha sempre muito gosto em atender. Mas não foi exactamente isso que agora se processou.
Queria ainda fazer-lhe uma pergunta muito concreta: o Sr. Deputado Meneres Pimentel disse que quanto à reeleição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça tinha lido num jornal qualquer que um Deputado do. Partido Socialista defendia que também para o Presidente da República se deveria alterar a Constituição no sentido de não se permitir a sua reeleição. Quanto a isto, tenho de dizer ao Sr. Deputado que nem sempre as pessoas que se pronunciam publicamente o fazem em nome dos partidos que representam. Não sei se essa pessoa que interveio tinha procuração do Partido Socialista para fazer essa afirmação.

O Sr. Baeta Neves (CDS): - E quem é que tem?

O Orador - Em terceiro lugar, quanto ao Conselho Superior da Magistratura e quanto ao seu desdobramento num conselho restrito, o Sr. Deputado Meneres Pimentel, pelo conhecimento que tem e que com muito gosto lhe reconheço, visto que intervém no Conselho Superior da Magistratura como representante da Assembleia da República, diz que esse Conselho tem um funcionamento muito moroso mas esqueceu-se de explicar que não é exactamente esse o problema. O problema é que as matérias que fundamentalmente cabem ao Conselho Superior da Magistratura são agora postas em primeira mão no conselho restrito, sendo apenas apresentadas ao Conselho Superior da Magistratura em via de recurso, e desse conselho restrito são excluídos os elementos da Assembleia da República. Quer dizer: os que deviam apreciar os problemas fundamentais que são postos ao Conselho Superior da Magistratura dei-

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xarão de os poder apreciar em primeira mão porque sobre eles se pronunciará um conselho restrito do qual eles estão excluídos. Oxalá que com essa Comissão da Reforma Judiciária que está constituída se não excluam também mais tarde do Conselho Superior da Magistratura os elementos desta Assembleia que dele fazem parle.
Queria ainda colocar-lhe uma quarta questão: é que em relação à intervenção do Sr. Deputado Menores Pimentel há uns pontos que me parece dever assinalar porque representam uma contradição dentro da maioria AD. Quando o Sr. Deputado diz que a razão da profunda crise da administração da justiça não está nas leis aprovadas por esta Assembleia sobre a organização judiciária, não foi isso que há pouco ouvi aqui dizer nomeadamente pelos elementos do CDS, na medida em que, segundo este o mal está efectivamente nas leis aprovadas nesta Assembleia que é preciso modificar, tendo sido para isso que foi criada a Comissão de Reforma Judiciária. O que se pretende é alterar aquilo que foi feito e portanto parece-me que há aqui uma contradição entre os elementos da AD, na medida em que de um lado se diz que o mal está nas leis que foram aprovadas e que são defeituosas pelo que têm de ser urgentemente modificadas, tendo sido até já criada uma comissão do Ministério 'Público para isso e, outra coisa é dizer-se que o mal não está nas leis aprovadas mas noutra razão qualquer.
Pareceu-me ainda ver outra contradição na intervenção do Sr. Deputado Meneres Pimentel e essa então parece-me ser um pouco mais grave porque é uma contradição entre o Sr. Deputado Meneres Pimentel, que é um elemento do PSD, e um outro elemento do PSD mas Ministro da Justiça. É que o Sr. Deputado Meneres Pimentel diz que Portugal não tem dimensão para ter duas magistraturas paralelas, a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público. Ora, se eu bem ouvi, o Sr. Ministro da Justiça começou por nos dizer que um dos pontos positivos das reformas judiciárias era exactamente o da existência de magistraturas independentes e portanto paralelas.
Portanto, eu queria saber afinal em que é que ficamos, quando é que a maioria se entende, até com o seu próprio Ministro.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Deputado Meneres Pimentel, a pergunta que lhe pretendo colocar é simples. Ao longo da sua exposição, designadamente no final, o Sr. Deputado, estabelecendo uma. presunção quanto às reais razões do voto. negativo da oposição, reduziu-as a «traía-se de um Governo que não merece a confiança das oposições e portanto vota-se contra». Suponha que, como regra, isso era verdade - púnhamos um parêntese, na questão-, não lhe parece, no entanto, que aquilo que se está agora a passar aqui é uma espécie de «conversa em família»? Não lhe parece que era muito mais vantajoso fazer-se como se. fez durante a vigência de Governos anteriores em matem, de- autorizações legislativas, em que eira apresentado aqui o texto do projecto de decreto-lei, em que chegou a havei textos discutidos em comissão, em que os Governos sei comprometeram a introduzir na lei respectiva sugestões das oposições e porventura sugestões dos próprios grupos parlamentares que os apoiavam? Ora, é isso que aqui não está â ser feito, é isso qua nós aqui denunciamos, é essa uma das razões fundamentais, peia qual votamos contra, porque entendemos que para além do mais é um boicotei ao trabalho da Assembleia da República em matéria tão importante como é esta.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Deste modo pergunto ao Sr. Deputado Meneres Pimentel simplesmente, isto: não acha que a metodologia de apresentar um texto de alterações, de o ter em discussão, mesmo que fosse apenas em comissão onde estivesse presente o Sr. Ministro, resultaria num trabalho muito mais eficaz e muito mais dignificante para esta Assembleia?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Meneres Pimentel

O Sr. Meneres Pimentel (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Debutados: Começando pelo fim das observações do Sr. Deputado Armando Lopes direi que não há contradição no sedo da maioria, como também não há qualquer contradição mure aquilo que eu disse e as palavras do Sr. Ministro da Justiça, que não tive o prazer de ouvir totalmente, mas que poderá esclarecer no. final sei assam, é ou não. Não existe qualquer contradição entre as diversas forças políticas, designadamente entre o PSD e o CDS, nesta matéria porquanto o que eu disse foi que a causa profunda da deficiente administração da justiça, ou do mau funcionamento dos tribunais, não está tanto nas leis que aqui foram aprovadas por iniciativa do Partido Socialista ou dos Governos socialistas, mas sim noutros aspectos que desenvolvi. Há, portanto, uma diferença de quantificação nas causas, porque entendo que não é nas leis vigentes que está o acento tónico das causas profundas, ou das maus profundas, da actual desorganização. Há quem entenda que assim não é, mas isso será apenas uma diferença quantitativa.
Entre mim e o Sr. Ministro da Justiça, segundo o Sr. Deputado Armando Lopes, existiria uma contradição quanto à organização das duas magistraturas: a judicial e a do Ministério Público. Eu não disse que não existia no nosso país uma dimensão geográfica para a separação das suas magistraturas, o que eu disse foi que não existia essa dimensão geográfica para uma visão tão profunda como. aquela que foi) consagrada nas leis. Isto é totalmente diferente daquilo que; o Sr. Deputado Armando Lopes me imputou. Entendo que mesmo com os preceitos constitucionais em vigor se, poderia ter evitado uma cissiparidade -desculpem-me o termo biológico - tão profunda como aquela que foi consagrada nas leis. Foi tão-somente isto que eu disse, e creio que o Sr. Ministro da Justiça não estará em. desacordo

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total mas se estiver não virá daí mal ao mundo. Lembro-me até que quando foi da discussão da Lei da Organização Judiciária vigente, por exemplo, o Ministro da Justiça de então, o actual Sr. Deputado Almeida Santos, esteve em desacordo com o Sr. Deputado Salgado Zenha sobre a composição do Conselho Superior de Magistratura e mão foi por osso que o Governo socialista caiu, caiu sim, democraticamente, durante a não aprovação -e bem, no meu entender - dei uma moção de confiança. Portanto, mesmo que haja contradição entrei mim e o actual titular do Ministério da Justiça sobre este ponto concreto, não virá mal nenhum ao mundo e não será por aí que o Governo cairá. Acho saudável que existam estas contradições mas estou em crer que não existem!
O Sr. Deputado Armando Lopes imputou-me a afirmação de que «já que o Partido Socialista teria rejeitado o Programa deste Governo, rejeitaria as propostas deste Governo» como tendo sido uma intervenção que ele teve. Não foi isso! O que eu disse, salvo erro, foi que «já que o Partido Socialista está em clara oposição a este Governo, não considerava uma coisa do outro mundo que o Partido Socialista na votasse esta autorização legislativa». Não resulta daqui que eu tivesse imputado esta afirmação a uma sistemática oposição do Partido Socialista a este Governo, mas mesmo que assim fosse, repito, não considerava isso nada do outro mundo, é a coisa mais natural para quem está na oposição. A adjectivação ou a qualificação da oposição a meai ver é quase indiferente.
«Sempre quite os Governos do Partido Socialista pediam autorizações legislativas apresentavam as propostas concretas», afirmou o Sr. Deputado Armando Lopes. Mas eu reconheci isso, reconheci que o Partido Socialista -a maior parte das vezes, não na sua totalidade - quando apresentava pedidos de autorização legislativa apresentava textos, mas também acrescentei que o PS não sei coibia, e, bem, de dizer que aquele texto não era definitivo e que depois do da autorização legislativa que a Assembleia viesse a dar alteraria esse mesmo texto. É exactamente o que se passa neste caso; concreta, embora por forma diferente. Isto é: o Governo apresentou uma exposição de; motivos, a meu ver detalhadíssima, e não resulta daqui, tal como acontecia com o Partido Socialista, que não sejam desenvolvidos, alterados ou acrescentados alguns pontos, necessariamente, de pormenor, para além dos que já constam do pedido de autorização legislativa.
Sobre a questão da entrevista que li num jornal, é evidente que eu não gosto de (referir quem são as pessoas. Mas o Sr. Deputado perguntou se esse Deputado teria ou não representação partidária - Bem..., tratava-se de. uma entrevista e o Deputado e dirigente do Partido Socialista faiava a título pessoal, também não vejo, mal nenhum nisso, e sugeriu que a futura Assembleia com poderes constituintes poderia «fazer uma partida» ao actual titular do cargo de Presidente, da República alterando artigos da Constituição de modo a, não permitir a sua reeleição. Se esse Deputado e dirigente mudou de opinião também não vejo mal nenhum nisso, é saudável que mudem de opinião), é conhecida a célebre frase «só não muda de opinião quem é burro» e essa pessoa até é muito inteligente!

Risos do PSD.

Quanto ao conselho restrito proposto, devo dizer o seguinte: o Sr. Deputado fez aqui uma referência significativa reconhecendo que, segundo a exposição de motivos, não fará parte desse órgão nenhum demento desta Assembleia, portanto, nenhum elemento do povo. Ë exacto! Ao conselho restrito, segundo a exposição de motivos desta proposta de lei, competirá aquilo que hoje compete à Secção Disciplinar e é certo que- actualmente fazem parte, pelo menos, dois Deputados desta Assembleia ou duas pessoas por ela designadas para integrarem o Conselho Superior da Magistratura. Simplesmente, eu disse que não via que daí resulte nada de mau, ou de prejudicial, para a actual organização ou administração dos quadros judiciários, uma vez que há sempre a possibilidade de recurso que: possibilita um exame de factos e de direito total Nada fica excluído dessa possibilidade de Decurso e portanto, nia medida, em que torna mais operacional a actuação do Conselho Superior da Magistratura, esse sistema parece-me benéfico comparado com o actual, polis, numa primeira fase, evita a necessidade de os processos terem de ir a vinte e tal pessoas, tudo listo, repilo, com a possibilidade de recurso integral. Não considero, pois, que resulte daqui qualquer inconveniente, pelo contrário.
Antes de responder à pergunta do Sr. Deputado Jorge Leite -.pergunta simples, como ele próprio a classificou -, faço esta consideração: é evidente que eu consideraria muito mais benéfico que estes textos, estas exposições de motivos fossem discutidas em comissão, simplesmente não podemos ignorar, e a sua atenção para asso, que este pedido de autorização legislativa está datado de 21 de Fevereiro de 1980 e que só hoje, 28 de Mato de 1980, está aqui a ser discutido. Na verdade, para o Governo -que os senhores designaram de «intercalar», isto é, que actua entre uma dissolução da Assembleia e o fim de uma legislatura-, dada a morosidade do funcionamento desta Assembleia, é esta a maneira mais correcta de actuar.
Acerca do facto de isto ser uma «conversa em família» parece-me que .tanto o será aqui como uma comissão. É evidente, repito, que o trabalho seria mais profícuo se. fosse feito num grupo restrito, mãe eu não quero imputar ao Sr. Deputado Jorge Leite a acusação, ou a sugestão, de querer fazer diminuir ou excluir alguém desta Assembleia.

Risos do PSD.

Quanto ao sistema utilizado pelos outros Governos, devo dizer que esse método de discussão aprofundada, e algumas vezes prolongada, em comissão foi utilizado .por um Governo sem apoio maioritário nesta Assembleia, ou seja, pelo I Governo Constitucional. No II Governo socialista, ou de base socialista, porque não era genuinamente socialista, os pedidos de autorização legislativa não sofreram o mesmo processo pois eram discutidos da mesma forma que estão agora a ser. O VI Governo Constitucional é um Governo com apoio maioritário Que

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tem a, maioria dos Deputados na Assembleia e embora os Senhores digam que não tem o apoio da maioria dos eleitores chamo a atenção, creio que pela primeira vez, que por alguma razão se consagrou ma Constituição o sistema proporcional segundo a média mais alta de Hont: é que este sistema dá muito maior representatividade aos Deputados do que qualquer outro. Seria para nós muito pior se tivéssemos mais de 50% de votos a norte do Tejo e 0% a sul do Tejo. É por isso que considero este Governo suficientemente representativo e com apoio majoritário do País.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero liminarmente esclarecer que não há nenhuma divergência abissal do seio da Aliança Democrática, neste caso polarizada entre mim e o Sr. Deputado Meneres Pimentel. O que afirmei aqui foi que considerava ter sido uma aportação extremamente útil ter-se retirado à magistratura do Ministério Público o seu carácter de magistratura, vestibular, de antecâmara, ou de preâmbulo - salvo erro foram as palavras que utilizei - ,em relação à magistratura, judicial, sem me pronunciar sobre a vantagem ou desvantagem da sua cisão>e da compatibilidade, dessa cisão em termos logísticos ou em termos de eficácia institucional. Este ponto não será realmente uma pista para detectar as tais abissais divergências que podam existir e que podem estar insidiosamente a fermentar no seio da maioria parlamentar.
Quanto à forma e ao método utilizado na apresentação deste pedido de autorização legislativa, foram feitos com toda a lisura, com toda a seriedade possível para quem ainda não eslava detentor naquela circunstância, e ainda hoje não está, da posição das magistraturas - neste caso a magistratura judicial - que têm de dar uma palavra acerca dos vários pontos evidenciados. Consequentemente, o Governo não que perpetrar a cabala aquela que o Sr. Deputado Armando Lopes referiu, de pretender desalojar o actual Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, impedindo por via legislativa a sua reeleição. Dá-se o caso de isto ser exactamente exemplificativo em relação a algumas das objecções que aqui foram levantadas com toda a legitimidade pela oposição. Como é óbvio, não sou eu que confirmo a reeleição, mas sim a democracia e a Constituição. Porque o actuai Presidente do Supremo Tribunal de Justiça se apresenta salvo erro, em Outubro, não está em causa a sua reeleição, uma vez que a inexorável lei do limite de idade, que agora já funciona embora há uns três ou quatro anos tenha deixado de funcionar, é que vai impedir a reeleição do actual Presidente que pode estar mais algum tempo no exercício do cango que desempenha.
Devo dizer ainda, num breve parêntese: que a ideia que determinou a introdução de um preceito. deste estilo foi realmente a de fazer com que um magistrado não caia num possível ancilosamento no exercício da sua actividade de Presidente de Supremo Tribunal de Justiça e continue a ser, de carpo inteiro, um magistrado judicial, o que será assegurado pelo sei quase certo regresso ao exercício da magistratura. É, portanto, um precário salutar. Recordo-me perfeitamente que foi uma das conquistas feitas pela Ordem dos Advogados em relação ao bastonário mão permitir a sua reeleição pata que o advogado continue a ser advogado e o magistrado continue a ser magistrado e não se emancipe da magistratura de que faz parte, situando-se num cargo que já tem bastante componente político, como é o lugar de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
O Sr. Deputado Armando Lopes referiu que a exposição de motivos da proposta de lei tinha um carácter bastante enunciativo e em contraposição - é daqui, de resto, que sai a riqueza de qualquer debate - o Sr. Deputado Meneres Pimentel disse que o texto ida exposição de motivos era prolixo. Na realidade, pretendeu-se que ela fosse, devo dizer isto a toda a Assembleia, tanto quanto possível detalhada. Aquela fórmula usada na parte final é um dispositivo de mera segurança para permitir alguma rectificação, supressão ou acrescentamento de qualquer preceito sempre dentro daquele clima enunciado detalhadamente na exposição de motivos. Consequentemente, o que o Governo pretendeu foi evidenciar, sem qualquer sofisticação, ou qualquer sofisma, as suas verdadeiras intenções. Se entretanto me perguntarem qual é a posição que o Governo toma para uma eventual reformulação das leis de assistência judiciária, direi que haverá outros pontos mais amplos, designadamente aquele que referiu o Sr. Deputado João Morgado, da represei n dação das classes de comarcas que não è um classicismo e que prova que não há propósito restauracionista nenhum. Claro que se podia dizer em antifrase que a manutenção do actual sistema é que era uma posição conservadora! Na verdade, o que se pretende assegurar é que a magistratura judicial se cumpra como uma carreira, como uma sucessão de frases, uma sucessão de etapas escalonadas ao longo do exercício de uma função altamente responsabilizaste e que permita não uma justiça de 1.ª ou de 2.ª mas uma justiça progressivamente mais adestrada, mais qualificada pela experiência, que é um dado que ninguém pode nem considerar irrelevante nem minimizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Quanto ao aspecto da substituição dos juizes, realmente não está feita a enunciação. Devo entretanto, dizer, que ela será feita apenas em relação ao sistema actual em vigor. Não haverá, por exemplo, uma substituição de juizes por advogados que até poderia ser possível de figurar mas que está completamente fora do clima que «espelha», como diria o Sr. Deputado Armando Lopes, a exposição de motivos. Consequentemente, não há qualquer propósito de ser reticente, nem sequer me sinto, na medida em que fui eu. que elaborei fisicamente «ata exposição de motivos, muito abrangido pela sensação de ter incorrido no pecado venial da prolixidade. Houve apenas a pretensão de expor à Assembleia as verdadeiras intenções do Governo em toda a sua possível extensão.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - É evidente que aquela afirmação feita na paute final da intervenção de que se começarão a encarar outras alterações é um mero estudo de princípio. Não podemos ter a pretensão de legiferar abundantemente. Considero que o problema da magistratura é fundamentalmente neste momento, nesta circunstância, um imperativo de consciência de Iodos e é nosso dever encarado com humildade, como já disse algures. Temos de encontrar os meios de que dispomos para conseguir os objectivos de proporcionar a todos os portugueses uma justiça mais acessível mais fácil e mais rápida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Em vez de apresentar a esta Câmara uma proposta extremamente ambiciosa pretendi, e o Governo concordou comigo, fazer um diploma que irá apenas enfrentar aspectos pontuais e que não será uma alteração de fundo, sem no entanto representar abdicação, do estudo para o futuro, e noutro diploma legal, desses aspectos.
O Sr. Deputado Armando Lopes também referiu que o Centro de Estudos Judiciários poderá ser a panaceia de todos os problemas subjacentes a esta preocupação legislativa, mas é evidente que não. Devo dizer à Assembleia, neste caso ao Sr. Deputado Armando Lopes, que o Centro de Estudos Judiciários está a ser «dinamizado», utilizando a sua expressão, com todo o empenho que é possível ao Governo. Estão a ser realizadas mais actividades de formação inicial dos magistrados do que estava inicialmente previsto quando este Governo tomou posse; estão a ser conferidos todos os meios ao Centro de Estudos Judiciários para que este se realize não apenas como uma escola de juizes mas como o elemento nuclear da formação permanente de juizes, da sua espontânea reciclagem, do seu aperfeiçoamento, da sua actualização que, numa função como a judicatura, é sempre de desejar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem a consciência de ter feito neste momento aquilo que poderia ler feito, aquilo que com. seriedade lhe era consentido fazer na moldura temporal de que dispõe até às próximas eleições. Consequentemente, não me acusa a consciência de ter perpetrado, reiterando o que disse há pouco, uma cabala pretendendo-a escoar através daquela cláusula geral, e porventura vaga, de carácter meramente indicativo. O Ministério da Justiça chegou à conclusão de que realmente não é este o momento indicado para criar mais um lugar de juiz em Lisboa que seria o lugar de juiz em matéria de jurisdição alimentar. Ou seja: é menos um juiz e, portanto, o tal empolamento que haveria no número de juizes em Lisboa deixa de ter razão, mesmo que seja criado o tal 18.º juízo cível que aqui se refere. Portanto, e salvo o muito apreço que tenho pelo Sr. Deputado Armando Lopes, esse argumento não atinge o alvo que pretenderia atingir.
Para terminar, devo dizer que embora eu tenha tido o cuidado -e não estou a pretender ser uma espécie de pequeno Luís XIV, que diria: «O Governo sou eu!»..., o Governo pelo canal do Ministério da Justiça não pretendeu retirar a presença da representação parlamentar no seio do Conselho Superior da Magistratura, mas apenas coordenar as funções, que necessariamente são absorventes, dos Srs. Deputados com as funções, que lambem deverão ser absorventes, do Conselho Superior da Magistratura. O mal, e a culpa não é dos Srs. Deputados, é que actualmente. O Conselho tem vinte e três membros quando em França tem onze e em Itália tem muito menos de vinte e três. Aliás, devo dizer que o Conselho Superior da Magistratura francesa, que inspirou em grande medida, a composição do Conselho Superior da Magistratura, portuguesa, é presidido peio Presidente da República ei prevê que entre os nove membros - os outros dois são designados pelo próprio Presidente da República: lê Garde dês Sceaux e o Presidente da Cour de Cassation - se contarão duas penalidades não pertencentes à magistratura e escolhidas em razão dá sua competência, acresce/atando que «nenhum membro poderá, enquanto estiver em funções, exercer mandato parlamentar, de advogado, oficial, público ou. ministerial», ou seja, a função de membro do Conselho Superior dai Magistratura em França é exercida por assim dizer, a tempo inteiro. Ë isto que se, pretende, tanto quanto possível, fazer sem alterar a composição do Conselho, que parece estar adequada, não porque se concorde com essa composição mas porque se entende que deve haver um período de reflexão, uma pausa entre duas alterações legislativas sensíveis, porque se entende- que não se deve agredir um tecido tão sensível como é o do funcionamento dos tribunais com uma carga, de legiferação excessiva e porque se entende que incrementar o tráfego parlamentar pode ocasionar o grave risco de frequentes engarrafamentos. Portanto, não há dúvida, nenhuma de que este conselho restrito mantém o espírito actual da legislação judiciária, dando-lhe;, dentro desse, espírito -que, como disse não tem o inteiro apoio do actual Ministro da Justiça como pessoa mas que tem a aceitação do Governo na medida em que reconhecei que não é vantajoso estar a introduzir aliterações frequentes no mesmo sector do ordenamento jurídico- da Lei n.º 28/79, salvo erro, o mesmo tipo dei composição, assegurando-lhe: uma maior eficácia e operacionalidade.
Outro exemplo, e com teto rematarei as minhas breves considerações, relacionado com a tal hipótese de superveniência que justifica aquele acautelamento dá parte finai da exposição de motivos é o dos juizes dos tribunais dei trabalho. Entendo, já emiti a minha opinião- que, coincidiu em grande parte com as dos Srs. Deputados Armando Lopes, Jorge Leite e, evidentemente, com os Deputados das bancadas parlamentares da. maioria, que deve ser encarado esse problema ou pela Assembleia ou pelo Governo no uso da autorização legislativa. Com toda a abertura digo aqui que depois de obtido o consenso por parte dos magistrados é de encarar essa hipótese. Não é, portanto, um aspecto que estivesse na manga porque a manga é curta de mais para abranger todos os aspectos que pudessem surgir depois.
Nada: mais tenho a dizer, Sr. Presidente.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

Durante esta intervenção assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Ministro uma questão muito simples. Insisti fundamentalmente na questão do método e, de facto, volto a insistir nesse tema.
O Sr. Ministro apresentou como uma das: justificações para esta proposta de lei, julgo até que foi a única, o facto de ainda não terem sido ouvidas as associações de magistrados, judiciais e disse que estas toam pronunciar-se já depois de: votado o pedido de autorização legislativa. Em meu entender, e não concordará o Sr. Ministro, isso só justificaria que votássemos este: pedido dei autorização legislativa depois de termos a opinião dei pessoas directamente interessadas nas eventuais alterações à Leu das Organizações Judiciárias, de contrário, e agora viro-me para a maioria, está a votar-se - um «cheque em branco» porque das duas uma: ou o Governo entende que. vai fazer tábua rasa das opiniões que eventualmente: venham dessas associações, e - então é um puro - pretexto dizer que não apresentou em concreto as propostas de alteração por virtude de ainda não ter as opiniões, dessas associações, ou então, se está de facto disposto a acatar eventuais sugestões dessas associações, está-se aqui a votar o tal «cheque em branco» porque: não sabemos quais são as sugestões que o Governo vai acolher ou que sugestões é que o Governo deixará de acolher.
Em todos os casos julgo que, em termos de método, alguma coisa está errada porque a discussão se devia fazer aqui com base num texto mais pormenorizado e depois de todas ias associações directamente interessadas terem emitido a sua opinião.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eu disse, Sr. Ministro, que houve no discurso do Sr. Deputado João Morgado alguns elementos restauracionistas e deixe-me dizer-lhe que considero de extremo mau gosto esse jogo de palavras que diz «conservador é quem quer conservar».

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - São uns conservadores!

O Orador: - Há coisas, Sr. Ministro, que não só queremos conservar como queremos consolidar, tal é o caso das conquistas do 25 de Abril: a Liberdade, o direi to de associação, o direito de manifestação, etc. Nós não só as queremos conservar como consolidar e aprofundar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que esse jogo de palavras, que hão sei se colherá perante alguns dos Srs. Deputados ou perante as galerias, perante esta bancada não colhei.

Protestos do PSD e, do CDS.

O Sr. Ministro referiu, de passagem, o seguinte: «o facto de na exposição de motivos não estarem incluídos no concelho restrito do Conselho Superior da Magistratura os representantes ou as pessoas designadas por esta Assembleia deve-se ao carácter absorvente do trabalho desta Assembleia, devendo os Deputados estar mais libertos para esta sua função». Sr. Ministro, sabre isto dir-lhe-ei apenas duas coisas A primeira é a de que as pessoas que integram o Conselho Superior da Magistratura designadas por esta Assembleia não têm de ser Deputados. Se eventualmente o são agora podem não o ser na próxima legislatura. Não me parece que esse seja um argumento procedente. A segunda questão é esta: de facto, o Sr. Ministro teve a preocupação de dizer que não havia divergências profundas no seio da maioria, designadamente entre V. Ex.ª e O. Sr. Deputado Meneres Pimentel, no que toca a questões de organização judiciária, mas olhe que quanto a este aspecto de deixar o Deputado liberto para as funções de Deputados há de facto alguma divergência entre a maioria e -o1 Sr. Ministro. É que os Srs. Deputados da maioria entendem, por exemplo, que os Deputados podem ser gestores de empresas públicas, que podem desempenhar esse cargo absorvente que é o de ser gestor de uma empresa pública. Dá, portanto, ideia de que o Sr. Ministro entende que a política nessa matéria é a de deixar libertos os Deputados para a sua função de Deputados e que a da maioria não é essa.

Risos do PS e do PCP.

..Quero ainda salientar que a justificação que agora deu não me pareceu razoável. Nós dissemos quando se discutiu aqui o pedido de urgência que havia propostas de alteração- indicadas como integrantes da lei de autorização com as quais concordávamos, só que não é seguro que elas venham a ser acolhidas na lei de autorização. Precisava-se, pois ide um texto ao qual o Governo se vinculasse mais directamente.
Quanto ao Conselho Superior da Magistratura, dissemos já na Assembleia que concordaríamos com a criação de um conselho: restrito desde que essas alterações fossem feitas de acordo com a própria proposta do Conselho Superior da Magistratura, mas será que o Sr. Ministro e o Governo nesta matéria estão dispostos a acolher a proposta do próprio Conselho Superior da Magistratura?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.. Presidente, Srs: Deputados: Devo: esclarecer, antes de mais, que quando me referi à necessária audição do Conselho Superior ida Magistratura e da Associação Sindical dos Magistrados Judiciários Portugueses era fundamentalmente quanto ao ponto respeitante à equiparação dos juizes dos tribunais do trabalho aos juizes dos tribunais comuns. Foi um facto superveniente e é um Tacto que o Governo, se a Assembleia por iniciativa de qualquer grupo parlamentar não o assumir como seu, manterá através da moldura que demarcou na exposição de motivos, ficando tudo sem alteração superveniente.
Quanto ao ponto de discordância de perspectivas do Ministro da Justiça ou do Governo com a maioria dê Deputados da AD quanto, à disponibilidade dos membros da Assembleia para o exercício de funções

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fora desta Casa, devo dizer que não emiti qualquer opinião sobre isso. Referi-me muito concretamente quanto à actuação dos Deputados desta Assembleia no Conselho Superior da Magistratura e mesmo que tivesse uma posição discordante - confesso que não reflecti sobre o assunto - ela era muito salutar porque dentro do meu partido não há necessariamente uma unanimização de consciências, cada um pensa disponivelmente, cada um pode pensar como entende e até afirmar aquilo que entende. Isto não representa qualquer divergência com significado político, significa apenas a independência de espírito e a desejável liberdade de pensamento de cada um.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto àquilo que se pode eventualmente considerar como um trocadilho, provindo da minha intervenção, entre conservador e restauracionista, devo dizer ao Sr. Deputado Jorge Leite que quem iniciou essa via foi o Sr. Deputado, porque, embora sem querer servir de medianeiro entre os dois membros desta Assembleia eu entendo que, na verdade, o Sr. Deputado João Morgado fez uma série de considerações perfeitamente pertinentes e ajustadas, que eu próprio sufrago inteiramente, quanto ao restabelecimento futuro - em diploma diferente deste que possa permitir uma visão mais global - dos problemas da magistratura que afligem, pode-se dizer, a organização judiciária portuguesa.
Finalmente, quanto ao método seguido, relembro aquela referência que fez o Sr. Deputado Meneres Pimentel que lhe permitiu dizer que este pedido de autorização legislativa deu entrada em 21 de Fevereiro. É evidente que desde então muito tempo correu. Naquela altura era impossível apresentar um articulado, no entanto foi feita uma enunciação bastante exaustiva dos aspectos que o Governo pretendia enfrentar e é opinião, como o Sr. Deputado Jorge Leite sabe, de muitos constitucionalismos portugueses que aquilo que interessa nos pedidos de autorização legislativa é a enunciação das directrizes que o Governo pretende dar aos diplomas que vier a publicar no uso dessa autorização, não sendo portanto necessário juncar desde logo o articulado, sobretudo quando a exposição de motivos - como na circunstância foi apelidada pelo meu querido amigo Meneres Pimentel - é qualificada de excessiva. Houve preocupação do Governo em ser exaustivo, tanto quanto possível e as circunstâncias o permitiam, neste ponto.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, vamos passar de imediato à votação, na generalidade, da proposta de lei em apreço.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e votos contra do PS. do PCP do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Passamos imediatamente à votação na especialidade do mesmo diploma. Para o efeito vai ser lido o artigo 1.°

Foi lido. é o seguinte:

ARTIGO 1.º

É concedida ao Governo autorização legislativa para introduzir alterações na legislação em vigor sobre organização judiciária.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.

Como não há inscrições, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PPM dos Deputados reformadores e votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 2.° da proposta de lei.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 2.º

A autorização legislativa concedida pela presente lei cessa decorridos quatro meses sobre a data da entrada em vigor da presente lei.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.

Porque não há pedidos de inscrição, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Estão abertas as inscrições para as declarações de voto respeitantes às votações na generalidade e na especialidade.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente c Srs. Deputados: Votámos a favor da proposta de lei de autorização legislativa pelas seguintes razões fundamentais: em primeiro lugar, porque temos confiança no Governo para legislar sobre esta matéria, como já abundantemente temos dito e como resulta da atitude que tomámos aquando da aprovação do Programa do Governo; em segundo lugar, porque temos especial confiança na pessoa do Sr. Ministro da Justiça, um jurista brilhante que já foi bastonário da Ordem dos Advogados e que sabemos estar dentro dos problemas relativos à organização judiciária, tal como sabemos que a sua orientação será a mais correcta para efeitos da aprovação do decreto-lei que ao abrigo desta autorização vier a ser elaborado; em terceiro lugar, porque entendemos que esta autorização legislativa não fere qualquer princípio de ética de relações entre Órgãos de Soberania. Nomeadamente não significa uma diminuição dos poderes da Assembleia da República, antes é uma expressão natural desse poder, e não nos choca de forma nenhuma, porque além do mais não vimos as vozes que hoje se levan-

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taram aqui colocar qualquer dúvida ou qualquer crítica ao procedimento verdadeiramente indecoroso que foi feito pelo V Governo Constitucional ao legislar à revelia e nas costa da Assembleia da República, depois de saber já ter sido eleita uma maioria para esta Câmara

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador - Finalmente, pretendemos salientar que foi razão do nosso voto a forma brilhante e totalmente elucidativa como o Sr. Ministro da Justiça esclareceu todas as dúvidas que aqui lhe foram postas, dando inteiramente conta daquilo que o Governo vai fazer nesta matéria.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: o MDP/CDE vetou contra, esta proposta de lei porque discorda do pedido de autorização legislativa pedido, quanto a nós, sem urgência para isso.
Por ocupação dos nossos Deputados não podemos participar na discussão, em todo o caso o meu partido já se pronunciou sobre este tema, com a competência e seriedade com que costumamos fazer as nossas apreciações, através do Deputado Luís Catarino. Lamentamos que os trâmites da Assembleia não sejam os normais, porque teríamos tido gosto em intervir na discussão agora terminada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na evolução dos momentos que vivemos, sobretudo na Europa Ocidental, entendemos que é chegado o período a que alguém já chamou muito justamente, de "explosão judiciária". É assim em todos os países que se preocupam com uma melhor realização da justiça, é assim que se procura melhorar tanto quanto possível todos os seus mecanismos através dos tribunais, expressão máxima do Poder Judicial. Portugal, felizmente para nós, tem caminhado ultimamente na conquista desse espaço, procurando melhorar, tanto quanto possível, todos os seus mecanismos, para que a justiça seja mais eficaz e mais pronta.

O Sr. Pedro Rosete (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quando o Governo nos pede uma autorização legislativa, estranho que se levante, por vezes, uma certa oposição a essa concessão, com o fundamento de que a mesma não tem pretexto. Ora, parece que assim a Câmara iria aprovar não a concessão de uma autorização legislativa, mas o decreto, facto que seria inconstitucional. Dentro desta perspectiva, o pedido de autorização legislativa não vem despejar de conteúdo os poderes da Assembleia, pelo contrário, vem reconhecer a sua competência de conceder autorizações legislativas para o Governo legislar nesta matéria com a prontidão e eficácia que se pretende e que se deseja.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador. - Sobretudo quando o pedido vem documentado com os esclarecimentos necessários, sobretudo quando o Sr. Ministro vem aqui prestar os esclarecimentos com aquela lucidez e preparação técnica de que está possuído pela longa experiência que tem, não só pela actividade nos tribunais, mas pelos cargos que tem exercido - haja em vista o de bastonário da Ordem dos Advogados -, a Câmara, se não houvesse reservas mentais, deveria ter ficado suficientemente esclarecida de que os motivos que estão na base do pedido eram procedentes.
Levantaram-se alguns problemas quanto ao Conselho Superior da Magistratura na medida em que se pretende criar um conselho judiciário restrito, mas é de tal modo clara a razão da criação desse órgão que estranho que os meus colegas da oposição tenham levantado apenas fumaça e poeira sem pretenderem discutir as razões de fundo dessas mesmas questões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Outros aspectos fundamentais haveria a salientar, mas para não alongar esta declaração de voto, refiro apenas que o esclarecimento dado pelo Sr. Ministro e a explicação dos motivos que estão na base do pedido são para nós razão fundada para dar, como demos, um voto positivo ao pedido de autorização legislativa apresentado pelo Governo nesta matéria para que a nossa justiça seja mais acessível mais fácil e mais pronta.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.

O Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou favoravelmente o pedido de autorização legislativa pedido pelo Governo pelas razões que foram aduzidas aquando da minha intervenção.
Neste debate o CDS não se propôs convencer a oposição das razões que o Governo tinha para pedir esta autorização, porque sabe, ou porque sabia à partida, que a oposição vinha deliberadamente com intenção de votar contra, facto que aliás já tinha acontecido durante esta sessão legislativa. Simplesmente nessa altura, se bem estou recordado, a objecção posta pela oposição foi a de que o Governo não estava presente e que por isso não podia fornecer os elementos que a oposição julgava necessários. Hoje o Governo esteve presente, prestou todos os esclarecimentos pedidos e mais alguns que não foram solicitados - aliás, foram pedidos muito poucos - e a oposição voltou a votar contra.
Nós não podíamos deixar de ser coerentes connosco próprios. Consideramos que as leis em vigor sobre a organização judiciária são léis a rever mais profundamente do que esta reforma que vai ser introduzida e, por consequência, não poderíamos deixar de votar favoravelmente esta autorização.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Democrática Popular votou contra a proposta de lei n.º 292/I que pretende conceder ao Governo autorização legislativa - o que concedeu através da maioria parlamentar - para introduzir alterações na legislação em vigor sobre organização judiciária.
Pensar-se-ia que seria uma medida urgente e justa dada a 'enorme carência de meios e de juizes dos nossos tribunais e a incapacidade dos juizes de província que muitas vezes 'trabalham sábados- e domingos para conseguirem evitar ainda maiores falhas no sistema do que aquelas que acarreta a situação degradada dos tribunais.
Porém, o Governo AD não entende assim e aproveitando a sua escassa maioria parlamentar vai tentar passar mais uma série de medidas de carácter corporativo que vão privilegiar ainda mais uma casta que este Governo pretende manter na estratégica hierarquia da justiça em Portugal. Para a AD importa maus garantir essa alta hierarquia ao seu serviço do que cuidar da aplicação da justiça.
Por outro lado, sendo esta matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, é de assinalar o despudor deste Governo e a subserviência da maioria AD ao admitir a marginalização dos representantes da Assembleia da República no Conselho Superior da Magistratura.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a desconfiança total que este Governo nos merece só poderia justificar uma posição em matéria de autorização legislativa que é o voto contra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais declarações de voto, suspendo a reunião até às 15 horas.

Eram 13 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.

Vamos passar à discussão conjunta da proposta de lei n.º 318/I, sobre a disciplina reguladora da criação de novas freguesias, e do projecto de lei n.º 336/I, do PCP, sobre o regime de criação e extinção das autarquias locais, sua delimitação e fixação da categoria das povoações.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Loca' para apresentação da proposta de lei n.º 318/I.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local (José Peneda):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente iniciativa do Governo pretende disciplinar, através do enunciado de um conjunto de critérios, o regime de criação de novas freguesias.
As razões justificativas para tal iniciativa repousam no enorme volume de processos pendentes quer na Assembleia da República, quer no Ministério da Administração Interna.
Por isso, é de há muito sentida a necessidade de fixação de normas mínimas, a observar na criação de novas circunscrições administrativas. Para além de se pretender disciplinar juridicamente uma matéria de profundo alcance, a sua justificação filia-se predominantemente em três ordens de razões:
Assegurar uma adequada objectividade normativa, associada com a adopção dos critérios técnicos mais pertinentes;
Garantir a todas as situações, uma igualdade concreta de tratamento;
Evitar uma excessiva compartimentação territorial, mediante a definição de limiares mínimos de dimensionamento das novas circunscrições.
Os critérios para a instituição de novas freguesias deverão ser encarados à luz dos princípios enunciados e num contexto polarizado pelos objectivos de estabelecimento das bases para uma efectiva organização administrativa, que urge promover, numa óptica territorial ajustada aos vários níveis autárquicos. Na realidade, as substanciais reformas introduzidas num passado recente, com o horizonte privilegiado de progressiva afirmação do poder local, não tiveram ainda a devida expressão ao nível da componente espacial das circunscrições autárquicas em que se inscrevem.
Os inconvenientes decorrentes de uma excessiva dispersão legislativa justificam que sejam tratados em diploma único todos os aspectos respeitantes à criação de novas freguesias, designadamente:

a) Expressa atribuição à Assembleia da República, com exclusividade, da competência legislativa na matéria;
b) Fixação, no próprio articulado da lei, dos critérios objectivos -de natureza económica, demográfica e social - a que ficará necessariamente subordinada a criação de novas freguesias, de molde a garantir-se uniformidade de tratamento na apreciação dos diversos pedidos formulados.
Entendeu-se que a definição destes critérios constituía um dos aspectos fundamentais da disciplina reguladora da matéria em questão, de que a Assembleia da República se não poderia alhear e que, portanto, tais critérios deveriam por ela ser aprovados e não pelo Governo.
c) Obrigatoriedade de audiência dos órgãos deliberativos das autarquias directamente envolvidas e interessadas no processo de criação de novas freguesias.
Trata-se de um parecer de carácter não necessariamente vinculativo, mas passível de influir na aprovação casuísticamente levada a cabo pela Assembleia da República.
d) Indicação dos elementos com que deverá ser instruído o processo administrativo a organizar para o efeito da criação de novas freguesias, processo que será obrigatoriamente remetido, para apreciação, ao Governo.

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Comete-se, assim, ao Governo a competência para a apreciação casuística da viabilidade dos pedidos apresentados, de acordo com os critérios estabelecidos e, ainda, para a verificação sobre se o processo se encontra correctamente instruído - tudo isto terá de ser feito no prazo de trinta dias.
Não é coarctada a livre iniciativa legislativa por parte dos Srs. Deputados, só que se exige que também os seus projectos de lei se submetam às disposições legais e, nomeadamente, respeitem todo o circuito e os formalismos estabelecidos.
Considera-se, com efeito, que, uma vez fixados com objectividade os critérios e factores condicionantes da criação de novas freguesias, se não justificará a implantação, a nível da Assembleia da República, de uma estrutura, necessariamente complexa para a apreciação individualizada dos pedidos formulados, podendo tal tarefa ser cometida, sem quebra de isenção ou imparcialidade, ao Governo e cabendo sempre a decisão última à Assembleia da República através da aprovação das respectivas leis de criação.
e) Reconhecimento da necessidade de ser assegurada a viabilidade das freguesias de origem, as quais não poderão, depois de autonomizada a parcela que passará a constituir a nova autarquia, ficar desprovidas dos requisitos e pontuações mínimas exigidos para a própria criação de freguesias;
f) Expressa proibição de criação de novas freguesias durante o período de seis meses, que imediatamente antecede a data marcada para a realização, a nível nacional, das eleições dos órgãos do poder local;
g) Fixação de regra no sentido de não dever, em princípio, a criação de novas freguesias provocar alterações nos limites dos municípios;
h) Entrega da gestão das novas freguesias, até à realização das eleições para os respectivos órgãos, a uma comissão instaladora designada pela assembleia municipal, que não poderá exercer funções por prazo superior a seis meses.
Na criação de novas freguesias dever-se-á atender não a um critério único, tomado como visão simplista de uma realidade complexa, mas a um conjunto de indicadores que permitam avaliar eficazmente a viabilidade das propostas de novas circunscrições e que, para além da necessária objectividade, se revelem de simples obtenção e cujos dados sejam facilmente actualizáveis.
O esquema proposto na presente proposta de lei integra seis indicadores, cada um deles seriado em quatro escalões de ponderação. A viabilidade de criação de novas freguesias, para além da observância de mínimos para alguns dos indicadores que se afiguram de influência determinante, fica dependente da totalização de um mínimo de pontuação. Houve a preocupação de considerar distintamente as «zonas rurais» das «zonas urbanas», exigindo-se para as últimas limiares mais elevados. Por outro lado, reputasse de fundamental que os limites mínimos escolhidos devam ser satisfeitos tanto pelas novas circunscrições a instituir como pelas de origem, neste último ,caso no território não sujeito a desmembramento.
Os seis indicadores seleccionados são os que se afiguram como os mais ajustados e objectivos na caracterização de um dado território que pretende constituir-se em autarquia, são os seguintes:
Julgou-se aconselhável assegurar que a escolha dos elementos integrantes da comissão instaladora fosse feita localmente, nela se achando representadas as assembleias deliberativas das autarquias interessadas e os cidadãos eleitores residentes na área da nova autarquia, conseguindo-se, desta forma, um melhor conhecimento das realidades locais, condição de uma mais eficaz prossecução das tarefas a desenvolver pela comissão, nomeadamente no que respeita à preparação das eleições para os órgãos da autarquia e à realização dos demais actos preparatórios necessários ao regular funcionamento desses mesmos órgãos a eleger futuramente.
i) Obrigatoriedade de as te is de criação de novas freguesias ficarem o calendário da eleição dos órgãos da respectiva autarquia, e das demais operações eleitorais, o número de componentes da comissão instaladora e incluírem a descrição minuciosa da respectiva linha-limite, acompanhada da representação cartográfica.
j) Revogação expressa do artigo 9.º do Código Administrativo:

1) Número de eleitores da área que se propõe para nova freguesia;
2) Taxa de variação percentual observada entre os dois últimos recenseamentos eleitorais na área proposta;
3) Número de eleitores da sede proposta;
4) Número de variedades de estabelecimentos de comércio e serviços existentes na localidade que servirá de sede;
5) Acessibilidade de transportes à futura sede;
6) Distância quilométrica entre a sede da freguesia proposta e a sede da antiga freguesia em que se incluía.
No que respeita aos indicadores demográficos, julga-se vantajosa a solução adoptada de utilizar preferencialmente o número de eleitores ao número de habitantes.
Com efeito, é possível e desejável recorrer ao número de eleitores, quer por coerência com a circunstância de a petição para a formação de uma nova, freguesia incluir o requerimento nesse sentido subscrito pela maioria absoluta dos cidadãos eleitores residentes na circunscrição proposta, quer pela disponibilidade e pela actualização periódica de que é objecto o recenseamento eleitoral.
No que toca aos valores mínimos propostos para os três indicadores demográficos optou-se por fixá-los, fora das áreas urbanas, em 1500 eleitores na área, )50 na sede e em menos 15% de taxa de variação demográfica. Neste último caso acha-se admissível a criação de freguesias mesmo em regiões que revelem

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um decréscimo populacional, moderado embora, já que cremos não deverem ser feitas excessivas restrições nas áreas rurais. Nestas áreas, o significado e o conteúdo social e administrativo da freguesia, como a distância e a acessibilidade da generalidade dos lugares às respectivas sedes, mostram-se singularmente diferenciados das zonas urbanas onde assumem uma relevância menos expressiva.
Quanto ao dimensionamento das circunscrições a instituir afigura-se-nos não dever afastar-se substancialmente dos valores médios actuais.
O critério urbano retido - sedes de município e localidades de 10 000 ou mais eleitores - satisfaz plenamente, já que permite somente uma percentagem reduzida de «fuga» da ordem dos 9%, valor que em termos reais e actuais deve ser ainda menor e mesmo assim sob contrôle.
Nas cidades de Lisboa e Porto foi decidido estabelecer o limite demográfico de 10 000 eleitores para as novas freguesias. Inicialmente, pôs-se a hipótese de estabelecer o limiar mínimo de 7000 eleitores aplicável a todos os municípios. No entanto, este critério poderia afigurar-se elevado para ser aplicado às regiões afastadas de Lisboa e do Porto. Tendo-se chegado à conclusão de que, socorrendo-nos unicamente do critério demográfico da área, o número de freguesias que teoricamente seria possível criar era igual para o critério genérico de 7000 eleitores, sem restrições, e para o critério de 10 000 eleitores nas cidades de Lisboa e Porto e 6000 nos restantes municípios, julgou-se preferível adoptar esta segunda hipótese. Com efeito, ela favorece os objectivos visados: favorecer o resto do País, menos populoso, em detrimento das cidades de Lisboa e Porto.
Em complemento dos factores de natureza demográfica, os indicadores relativos ao comércio e serviços e à acessibilidade de transportes visam testar as aglomerações propostas para desempenhar uma função administrativa. A justificação básica reside no facto de que o núcleo organizador de um dado território deverá centrar-se numa aglomeração detentora à partida de um mínimo de condições de equipamento, possuindo ainda uma desejável centralidade em relação ao espaço sob a sua influência, ou seja, deverá ser uma localidade dotada da necessária acessibilidade às populações da respectiva área de influência administrativa.
O último critério tomado - a distância quilométrica que separará a sede proposta para a nova freguesia da sede da primitiva circunscrição - destina-se a contemplar e ponderar uma das justificações que sistematicamente se invocam nas petições de criação de novas freguesias: as consideráveis distâncias a percorrer nas deslocações à sede de freguesia a que pertencem as populações subscritoras.
Gostaria de salientar, e para concluir, que a presente proposta de lei poderá servir essencialmente como um quadro de referência que com certeza contribuirá para a tomada de decisões por parte desta Câmara.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nicolau de Freitas para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Nicolau de Freitas (PSD): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do Seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 28 de Maio 1980, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:

1 - Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Carlos Matos Chaves de Macedo (círculo eleitoral de Braga) por Manuel Antunes da Lomba. Esta substituição é pedida por um período não superior a dois meses.

2 - Solicitada pelo Partido do Movimento Democrático Português/CDE:

Luís Manuel Alves de Campos Catarino (circulo eleitoral de Faro) por Manuel José Ramires Fernandes. Esta substituição é pedida por um período não superior a dez dias.

3 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são real e actualmente os primeiros candidatos não eleitos ainda não solicitados na ordem de precedência da lista eleitoral de entre os apresentados a sufrágio pelos referidos partidos nos respectivos círculos eleitorais.
4 - Foram observados todos os preceitos regimentais e legais.
5 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

6 - O presente relatório foi aprovado unanimidade no que respeita à substituição referida no ponto 1 e por maioria, com os votos favoráveis do PSD, PCP, CDS, PPM, MDP/CDE e do Agrupamento Parlamentar dos Reformadores, votos contrários do PS e abstenção da UDP no que respeita à substituição referida no ponto 2.

A Comissão. (Seguem-se as assinaturas.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o primeiro ponto do relatório e parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar o segundo ponto.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS, do PPM, da UDP e dos Deputados reformadores e votos contra do PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Nós estamos perante uma proposta de lei do Governo e o projecto de lei do Partido Comunista Português que dentro de alguns minutos será apresentado e defendido pelo meu camarada José António Veríssimo. Mas desde já se nos coloca a questão de saber em que medida é que a proposta de lei e o projecto de lei deveriam ambos baixar à Comissão, para aí serem objecto de estudo detalhado na especialidade. Simplesmente, esta questão tem respostas variáveis de acordo com algumas questões prévias que vou colocar.
Em primeiro lugar, embora seja a questão menos importante, o problema dos indicadores ou dos critérios que são propostos pelo Governo, isto é, o problema da sua rigidez quando nós tivermos que os aplicar a realidades tão diversas como freguesias com 2, 3, 4 ou 5000 habitantes e freguesias com 100 000 habitantes e mais. Obviamente, indicadores tão rígidos são para nós inadequados à apreciação genérica e global de uma realidade que é por de mais complexa para se meter num quadro tão rígido. Mas este é o problema menor, como disse, já que nós estamos certos de que haverá disposição da parte, quer do Governo, quer dos Deputados da maioria, para discutir os indicadores.
As questões maiores são de outra natureza: a iniciativa de lei, como nós sabemos pela Constituição, compete ao Governo, às Assembleias Regionais das Regiões Autónomas e aos Deputados desta Assembleia. E não pode pertencer a mais ninguém tal iniciativa enquanto a Constituição for o que é, e ela não está em discussão neste momento. Donde, quaisquer limitações desta iniciativa, logo do funcionamento desta Assembleia desencadeado por essa iniciativa, são não só inconstitucionais, mas contra a Constituição. E o Governo propõe-nos que a iniciativa seja dos chefes de família, agora "vestidos" de eleitores - para me reportar ao artigo 9.° do antigo Código Administrativo de Marcelo Caetano -, e que esta Assembleia não possa discutir e deliberar sem que essa iniciativa e outros trâmites que estabelece sejam preechidos. Isto é, de facto a proposta de lei tolhe a iniciativa dos Srs. Deputados, e até mesmo do Governo e também das Assembleias Regionais, nesta matéria. Retira-se a iniciativa a quem a tem, pela Constituição, e dá-se-a não se sabe muito a quem, porque não fica esclarecido quem passa a tê-la nesta matéria.
Eu insisto em que a iniciativa não é só a apresentação, mas é, evidentemente, o direito do prosseguimento da discussão e votação de qualquer proposta de lei ou projecto de lei uma vez apresentados, senão a iniciativa não faz sentido.
Portanto, o Governo propõe-nos que tudo isto deixe de existir, como a Constituição estabelece, e passe a ser de acordo com algumas normas, por ele propostas. Isto para nós é totalmente inaceitável, intolerável mesmo, e gostaríamos que o Governo e os Deputados da maioria que o apoia se pronunciassem sobre este assunto, no sentido de aceitarem discutir e modificar uma medida de tal maneira anticonstitucional.

or outro lado, o Governo propõe-nos que a Assembleia - que desde já, pela Constituição e pelo Regimento, tem o poder de consultar, ouvir, pedir e requerer ao Governo o exame prévio de qualquer questão - fique pendente, sem vontade própria, da opinião de um orgão da Administração - no caso concreto, de orgão do MAI - sobre matérias que são da exclusiva competência. Este outro aspecto sobre que gostaríamos de ouvir a opinião do Governo e a maioria que o apoia, sobre a necessidade instante de modificar tais disposições, tornando-as constitucionais e acabando com aquilo que é claramente não só inconstitucional, mas contra o disposto na Constituição.
Esta proposta de lei do Governo cria uma situação que em tudo nos parece de rotura, já que, havendo nesta Assembleia dezenas de propostas, algumas delas - e não quero dizer a maioria, mas até talvez seja - feitas pelos próprios partidos que constituem a maioria de apoio ao Governo, elas seriam completamente anuladas por esta lei. E isto pôr-nos-ia a questão de saber se as propostas foram feitas em consciência e agora se mudou a consciência ou se as propostas não foram feitas em consciência, procurando-se, por simples assentimento ou para conquista de simpatias - isto para não falar com palavras mais grossas -, arranjar uma forma simpática de pôr a questão: nós tínhamos muito boa vontade, mas a verdade é que a Assembleia aprovou uma lei que torna impraticável dar seguimento às nossas propostas.
Interessava-nos também saber o que é que a maioria e o Governo têm a dizer a respeito da revogação que se pretende expressa do artigo 9.° do artigo Código Administrativo, porque o que nós pretendemos é que ele se já de facto revogado, que não seja apenas revogado na letra para se retomar, praticamente, por inteiro aquilo que ele continha.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em vez de se dizer que fica revogado expressamente o artigo 9.° do antigo Código Administrativo, eu gostaria que o Governo fizesse uma proposta que o revogasses, não o retomando de facto para dizer que o revoga. Porque veja-se só isto: na proposta de lei do Governo, diz-se: "Nenhum projecto ou proposta de lei sobre a criação de novas freguesias poderá ser discutido e votado na Assembleia da República sem que tenham sido observadas as disposições da presente lei", enquanto no artigo 9.° do Código Administrativo se lê: "Nenhuma proposta ou projecto de lei sobre criação de novas freguesias terá seguimento na Assembleia Nacional..." Convenhamos que há, pelo menos, uma redacção mais perfeita no tempo do fascismo, convenhamos isto. E continua o artigo: "... sem que tenham sido observadas as disposições deste artigo." A única diferença é que a redacção fascina, isto é, do Sr. Prof. Marcelo Caetano, é de facto melhor. Mas nós gostaríamos que houvesse uma clara diferença e que o Governo e a maioria que o apoia dissessem algo sobre isto, porque nós estaríamos dispostos, se houvesse uma opinião claramente expressa no Plenário a respeito destas questões, a deixar que ambos os diplomas chegassem à Comissão para poderem ser discutidos na especialidade e finalmente subirem a Plenário em termos de poderem ser aprovados com aquela maioria que se

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faz necessária em questões tão delicadas como são as questões das populações e do poder local, as questões da autonomia administrativa do poder local, as questões que dizem respeito, afinal, à vida do dia a dia das populações portuguesas e que muito tem a ver com o seu bem-estar e com a sua forma democrática de vida. Por isso nós gostaríamos de ouvir sobre isto o Governo e a maioria que o apoia.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Secretário de Estado desejar, poderá responder já.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local: - Quero sim, Sr. Presidente.
Eu julgo que fui claro quando apresentei a proposta de lei. Ela repousa, essencialmente num facto conhecido de todos, o extraordinário volume de processos pendentes, quer da Assembleia da República, quer mesmo no Ministério de Administração Interna, de criação de novas freguesias.
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira pôs o problema - e eu vou responder pela mesma ordem de questões que fez o favor de me pôr - acerca dos indicadores, dos critérios propósitos pelo Governo e da sua rigidez.
É um facto que todas as críticas gerais que se aplicam quando se determinam escalões ou números-índices também se aplicam neste facto. Eu posso estar de acordo que poderá haver aqui rigidez. Quando se determinam escalões, evidentemente que se torna rígida uma proposta de lei como neste caso. No entanto, mesmo quando, pelas diferentes características do território nacional, possa acontecer que num determinado caso se não atinja a pontuação mínima, havendo assim uma situação excepcional, a Assembleia da República continua com o poder de propor e aprovar a criação da nova freguesia.
Quanto à questão de considerar como uma limitação o facto de se exigir determinado número de eleitores a fazer o requerimento, eu julgo que isto respeita a um princípio básico, e foi esta a preocupação do Governo, de que quem sente a necessidade da criação da nova autarquia são realmente as populações. E, como acabei de referir aquando da apresentação da proposta de lei, a grande maioria dos pedidos de criação de novas freguesias fundamenta-se em razões de acessibilidade a determinado tipo de centros. Portanto, o espírito do Governo ao incluir esta condição ...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Secretário de Estado, não é o problema de requererem, ninguém está contra isso. Nós também achamos que antes de tudo, deve haver uma opinião dos interessados expressa directamente, sem a qual, em nosso entender, se não deve fazer nada. Mais: nós nunca propusemos a criação de qualquer freguesia sem termos a consciência de que a maioria dos moradores estava de acordo e queria essa freguesia e que os órgãos da região estavam também de acordo. Não é essa a questão. A questão é de saber quem tem, constitucionalmente, o direita de fazer propostas de lei. Só os Deputados, o Governo ou as Assembleias Regionais o têm.
Embora o processo possa ser desencadeado por eleitores - isso está fora de causa -, o que em nenhum caso pode é limitar-se ou retirar-se a capacidade aos Deputados de proporem aquilo que entenderem, desde que se seja do poder da Assembleia.

O Orador: - Sr. Deputado, volto a referir o princípio que está subjacente, na intenção do Governo, à proposta de lei que é o do respeito pelos cidadãos eleitores da área. Julgo que estamos de acordo e que não há contradição, porque temos de distinguir o que é a iniciativa de uma proposta de lei e um requerimento baseado numas assinaturas que traduzem o número de eleitores previsto na proposta de lei.
Quanto ao problema, que é delicado, de o Governo fazer um exame prévio acerca desta petição, eu quero deixar bem claro que a intenção não é outra senão, desde que existe no Governo e m» Ministério de Administração Interna equipa técnica - e os critérios são muito claros & podem facilmente ser analisados num prazo de trinta dias, com vista a informar a Assembleia da República se determinado processo está ou não em ordem e de acordo com os critérios, por esta razão ou por outras-, desburocratizar a Assembleia da República e não criar aqui serviços, porque esses processos são morosos, são complicados e aqui o Governo apenas funciona como uma actuação supletiva, de carácter técnico, de apoio à Assembleia da República.
Quanto à revogação do artigo. 9.º, eu julgo que de facto ele é mesmo revogado, pese embora a redacção que invocou, através de todo o articulado aqui subjacente. Eu queria referir apenas, e uma vez mais, a razão principal que animou o Governo a avançar com esta iniciativa. Trata-se fundamentalmente de um quadro de referência para os Srs. Deputados, para as decisões a tomar na Assembleia da República, quadro esse de referência que pode servir de base .paira decisões a tomar nesta matéria. Quero eu dizer com isto que de modo. algum se toma uma posição rígida quanto a muitas freguesias não poderem vir a ser criadas sem obedecer a um ou outro destes critérios. Só que julgo que a análise dos processos pendentes neste momento, e como o Sr. Deputado acabou de referir, com base nestes critérios eliminará certamente muitos dos pedidos de criação de novas freguesias que estão nesta. Câmara. Certamente muitos deles terão carácter excepcional, mas isto foi feito por uma amostragem acerca dos pedidos que existem e de facto estou de acordo consigo, Sr. Deputado: muitos deles, com base nestes critérios, não têm certamente possibilidade de se concretizarem na criação de novas autarquias locais. Com certeza que poderá haver também razões de carácter excepcional que obrigarão a que num ou noutro caso os pedidos possam vir a determinar a criação de novas freguesias, muito embora se não respeitem os critérios que ora se definem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É só uma questão muito precisa: o Governo dispõe-se a abdicar do artigo 9.º -por acaso coincide o 9.º com o 9.º - da vossa proposta, de lei? Eu vou dizer porquê: em primeiro lugar, porque é um nado-morto. A Assem-

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bleia da República pode votar este artigo 9.º duas, três vezes, e na primeira votação que fizer de um projecto de lei sobre a criação de >uma freguesia revoga tácita ou expressamente o o artigo 9.º que votou anteriormente. Não sei se me faço entender. Por outras palavras, deita isto num cesto de. papéis, muito embora se possa abrir uma questão jurisdicional, mas de qualquer mana rã a Assembleia pode, expressa ou tacitamente, sempre que o entenda, revogar este artigo 9.º Isto é, ele é de nulo efeito desde que a vontade majoritária da Assembleia se faça sentir. Em segundo lugar, este artigo 9.º repõe de facto a chave mestra do artigo 9.º do Código de Marcelo Caetano que condicionava a Assembleia de então, dita Nacional -eu não quero fazer comentários ao adjectivo, são conhecidas as minhas opiniões-, e a submetia à decisão prévia do Governo nesta matéria. De facto isto é inaceitável porque retoma, com uma redacção, como eu disse há pouco, talvez pior, a redacção de Marcelo Caetano e, em definitivo, não é operativo.
Sr. Secretário de Estado, convença-se de que no da em que a maioria desta Assembleia decidir, contra D artigo 9.º, criar uma freguesia, cria-se mesmo e o antigo 9.º é deitado ao cesto dos papéis. Por isso, e porque ele é uma ofensa grave aos poderes constitucionais da Assembleia, eu perguntava-lhe claramente se o Governo está disposto a prescindir do artigo 9.º e a redigir qualquer coisa que vá no sentido de estabelecer um prazo, por exemplo, para que o Ministério de Administração Interna se- pronuncie sobre as questões tais e tais, com vista a habilitar a Assembleia a prosseguir no processo de criação de qualquer freguesia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local: - Sr. Deputado, eu insisto: na redacção deste artigo 9.º, se vamos criar um quadro de referência para um certo número' de decisões a tomar nesta matéria, o que está subjacente é a necessidade de qualquer pedido de criação de freguesia tramitar de acordo com os processos que estão estabelecidos na lei. Essa é a intenção. Eu julgo que não há paralelismo entre este artigo e o artigo 9.º do Código Administrativo de Marcelo Caetano>. Portanto fica vedada a possibilidade de se criar uma freguesia por iniciativa da Assembleia da República sem que primeiro se observe uma análise de acordo com estes critérios. É isso que está aqui.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Secretário de Estado, não fica vedada essa possibilidade. Quando a Assembleia maioritariamente decidir criar uma freguesia, cria-a mesmo. Portanto não fica vedada a possibilidade donde é inútil. Mas mais do que inútil, é ofensivo do poder constitucional da Assembleia. E porque não então estabelecer, o que seria uma coisa razoável, um prazo de trinta ou de sessenta dias para obter informação sobre os pedidos, sobrestando a Assembleia, dentro desse prazo a proposta que existir, antes de decidir, discuti e deliberar. Passa a ser uma questão efectivamente de conhecer a opinião de órgãos da Administração adequados para a dar, não se estabelecendo a limitação, aliás ineficiente, dos poderes de Assembleia.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local: - É evidente que por esta lei, por mais burlados que sejam os critérios, a Assembleia da República é sempre soberania para propor uma freguesia, mesmo que não obedeça minimamente a este tipo de critérios. Isto é um facto. A inclusão deste artigo 9.º apenas reforça a ideia de os trâmites normais aqui definidos virem a ser preenchidos. Mas é evidente que estou de acordo que, se a Assembleia da República decidi- criar uma determinada freguesia mesmo que se não obedeça a este tipo de trâmites, o poderá fazer. Isto é, insisto, um quadro de referência para a tomada, de, um conjunto de decisões acerca desta matéria, que, de acordo com a experiência dos últimos amos, se vem revelando extremamente complexa, e a prova é o amontoado de pedidos de criação de novas autarquias que se encontra tanto aqui como no Ministério.

O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Veiga de Oliveira está a tentar fazer aqui uma manobra, que é a de forçar o Governo a vir aqui exprimir uma série de pormenores .que não estão neste momento em causa. Está-se a discutir a proposta de lei e o projecto de lei na generalidade e penso que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira está a tentar uma antecipação daquilo que a Comissão de Administração Interna e Poder Local irá fazer aquando da discussão na especialidade quando a proposta de lei e o projecto de lei lá surgirem.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Manuel Pereira, convenhamos que a discussão na generalidade só pode ser função da especialidade dos projectos ou propostas de lei e há aspectos de especialidade que determinam o sentido geral de uma proposta de lei ou de um projecto de lei. E este caso é um deles.
O Sr. Deputado fez um protesto, ficou feito, mas bem podia nesta altura não o ter feito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José António Veríssimo.

O Sr. José António Veríssimo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a apreciar um projecto de lei do PCP que responde às aspirações das populações locais e uma proposta de lei do Governo que as poderia destruir.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tem vindo desde há mais de ano e meio a sustentar a necessidade de actualizar as categorias

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de numerosas localidades portuguesas, dado que se verificam desajustamentos entre as suas categorias, por um lado, e a sua realidade democrática e sócio--económica, por outro.
O Grupo Parlamentar do PCP tem vindo a sustentar igualmente a necessidade da criação de numerosas freguesias, seja em função da crescente identidade e importância demográfica e social dos respectivos aglomerados, seja em função das distâncias destes em relação às sedes das actuais freguesias, seja ainda em função de razões sócio-culturais e históricas ponderosas.
A prova mais eloquente dessa necessidade está no facto de haverem sido apresentados aqui na Assembleia da República até hoje cerca de- oitenta projectos de criação de freguesias, cerca de vinte projectos de elevação a Vila e cerca de quinze projectos de elevação a cidade.
O PCP vem salientando desde há muito a necessidade de apreciação e votação por esta Assembleia da República desses projectos pendentes e apresentou, inclusive, um projecto de lei definindo os critérios gerais a respeitar nesse processo que entendemos urgente.
A Assembleia aguardou durante meses que o Governo produzisse e apresentasse uma proposta de lei-quadro alternativa ao projecto do PCP.
Não temos, como é evidente, nada a objectar à definição de critérios gerais. Nela vimos insistindo desde 1979; só que sustentávamos também que o adiamento, que se tem verificado, quanto a essa definição não deveria prejudicar a apreciação do certos processos já apresentados de inquestionável pertinência, quaisquer que sejam os critérios pensáveis.
Não foi, porém, adoptado este princípio que teria permitido a consideração em tempo dos casos menos controversos. Entretanto, a elaboração e apresentação da proposta de lei do Governo veio implicar um atraso de cerca de cinco meses na fixação do regime de criação de freguesias.
Mas mais grave, ainda: enquanto o projecto de lei do PCP definia também o regime de elevação a vila ou a cidade e restantes alterações da organização administrativa, a proposta de lei do Governo só contempla a criação de novas freguesias.
Isto é: se o projecto de lei do PCP não for aprovado só na próxima legislatura esse regime poderá ser fixado. E fica mesmo sem se saber se o Governo não apresenta proposta de lei-quadro sobre- estas matérias por entender que elas se encontram no âmbito da sua competência - o que constituiria uma grosseira inconstitucionalidade.
Por aqui se verá, como em tudo aliás, a coerência entre as posições dos partidos da AO antes e depois de serem Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos evidentemente pelo rigor da análise, pela ponderação criteriosa dos factos e circunstâncias a considerar e finalmente pela decisão racional, justa e realista em matéria de criação de novas freguesias, como em (todas as restantes alterações de ordenamento do território. Por isso mesmo, apresentámos o nosso projecto de lei há quase ano e meio. Cremos que se trata de uma base de trabalho que não só corresponde à necessidade de definir o respectivo regime legal como está de acordo, através das normas processuais e dos critérios de avaliação (ao mesmo tempo bem fundamentados e flexíveis) que propõe, com as necessidades e realidades do País.
Como é sabido, para as necessidades de desenvolvimento de numerosas localidades é vital a sua elevação a sede de freguesia; nas aspirações de muitas populações essa elevação é considerada decisiva para o seu futuro. Depois, como também todos sabemos, as realidades das nossas freguesias são profundamente diversas entre si, como já aqui foi dito: temos desde freguesias com dezenas de habitantes até freguesias com 100000 habitantes. As diferenças, por exemplo, entre uma freguesia rural do chamado Nordeste, do Alentejo ou da ilha do Corvo, nos Açores, por um lado, e uma freguesia dos arredores de Lisboa ou Porto, por outro, são enormes.
Só, pois, a fixação de critérios flexíveis permitirá ter em conta estas necessidades e realidades na sua objectividade e diversidade.
Por isso, os critérios propostos pelo PCP não exigem formalização legal de uma tabela imperativa de 'indicadores, mínimos e uniformes para a generalidade dos casos e a cuja verificação matemática se subordinasse a deliberação da Assembleia da República.
Os critérios; rígidos que poderiam servir para as áreas semi-urbanas dos concelhos à volta, de Lisboa não serviriam obviamente para as áreas do Nordeste transmontano.
Que propomos, em suma?
A ponderação sem carácter imperativo dos indicadores numéricos (sejam demográficos, sociais ou económicos) no contexto da região e da zona e a conciliação dessa ponderação com a avaliação das coordenadas sócio-culturais e históricas. Tais cuidados são tanto mais de aconselhar quanto são conhecidas as insuficiências e debilidades do nosso aparelho estatístico.
Nada temos a objectar à utilização a nível interno da Comissão de Administração Interna e Poder Local de tabelas que facilitem a ponderação de indicadores, sem valor imperativo porém. Ao contrário, a tabela contida na proposta de lei do Governo condenaria numerosas localidades e áreas ao imobilismo, como aqui já foi reconhecido pelo Sr. Secretário de Estado.
É absurdo exigir, como pretende o Governo, que quaisquer localidades candidatas a sede de freguesia tenham oito .tipos diferentes de estabelecimentos e serviços. Como se durante cinquenta anos o fascismo tivesse colocado os serviços necessários por toda a parte, como se durante cinquenta anos o fascismo tivesse desenvolvido harmoniosamente a economia das várias regiões do País...
O que essas localidades querem e (precisam é da promoção que fomente a criação de serviços e a participação das suas populações na construção do seu futuro económico, porque do ostracismo de quarenta e oito anos estão elas fartas...
A proposta de lei do Governo, ao ignorar o País real, caso fosse aprovada liquidaria muitos dos projectos até hoje apresentados nesta Assembleia.
Os partidos da AD protestarão; dirão que não tem tais intenções liquidacionistas. Mas a realidade é que a proposta governamental teria essas consequên-

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cias, o que, se não quisermos ser ingénuos, nos leva assim a bem interpretar os risos de muitos Deputados da AD quando na Assembleia da República nas últimas semanas e meses têm entrado novos projectos. Só que o riso é capaz de se tornar amarelo, ao saberem que a proposta de Hei do Governo, ao pôr em risco um número apreciável de projectos de criação de freguesia, põe em risco, inclusive, projectos apresentados por partidos da AD, designadamente o PSD, como, por exemplo, os de Carapelhos, no concelho de Mira, Golpilheira, no concelho da Batalha, Nagozela, no concelho de Santa Comba Dão e Coutada, no concelho da Covilhã.
Por outro lado, no projecto de lei do PCP as iniciativas legislativas de criação de freguesias são de livre iniciativa dos Deputados, como não podia deixar de ser à face da Constituição, garantindo-se a consulta, dos órgãos de poder local interessados, o que permitirá que tanto os cidadãos como as organizações representativas das populações (designadamente as comissões de moradores), dinamizem o processo popular em tomo da criação de freguesias e outras alterações.
Na proposta de lei do Governo declara-se, como aqui já foi dito, o artigo 9.º do Código Administrativo, exigindo-se que a «iniciativa» proceda da maioria dos eleitores da área, que deverão redigir e subscrever O requerimento de criação da freguesia acompanhando-o de toda uma série de fundamentos, provas, certidões e pareceres emitidos por diversos órgãos autárquicos, desde a freguesia ao distrito. E que dizer do artigo 9.º da proposta de lei do Governo, que inverte as normais relações entre órgãos de soberania, atribuindo ao MAI uma função fiscalizadora relativamente às iniciativas legislativas da Assembleia da República na matéria?
A primeira leitura do texto deixa dúvidas sobre o papel exacto que a proposta atribui ao MAI no processo de criação de novas freguesias: caixa de correio da Assembleia da República? Instância consultiva? Banco de dados? Fiscal? A primeira hipótese é redundante e absurda, a segunda e a terceira (a admitir-se a sua necessidade, estão consagradas de forma adequada no Regimento da Assembleia da República com respeito pela separação e interdependência dá AR e do Governo; resta, a última, que ofende gravemente a dignidade e o papel constitucional da Assembleia da República e que, em caso algum, pode ser admitida por esta Assembleia.
Finalmente, chamamos a atenção desta Câmara para as consequências negativas que a proposta de lei do Governo teria sobre todos (absolutamente todos) os processos pendentes, pois todos eles seriam considerados sem efeito e só poderiam ser apreciados pela Assembleia dá República depois de reiniciados e instruídos em novos termos, após requerimento da maioria absoluta dos cidadãos eleitores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo isto, insistimos com esta Assembleia da República no sentido de aprovar o projecto de lei do PCP porquanto, além de realista e flexível, só ele aponta a perspectiva de resolução dos processos pendentes.
Se assim não acontecer, recairão sobre a maioria parlamentar e só sobre ela as responsabilidades de todas as consequências negativas que daí advierem e de todos os golpes que destruírem as aspirações de populações que de há muito esperam ver as suas localidades promovidas a freguesia. Uma vez mais ficará 'bem claro, dentro e fora desta Assembleia, quem defende as soluções correctas e justas para es problemas do povo português e quem se opõe a elas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira.

O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Antes de iniciar a intervenção que tinha preparado, queria responder muito sumariamente a algumas das observações feitas pelo Sr. Deputado José António Veríssimo.
Queria lembrar apenas ao Sr. Deputado e a esta Assembleia que, com a proposta de lei do Governo sobre a oração die novas freguesias, não há da nossa parte quaisquer objectivos eleitoralistas, visto que recordo que o PSD tem apenas 12 processos de criação de novas freguesias e o CDS tom 6, enquanto o PCP tem 35 processos de criação de novas freguesias e o PS tem 28.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto não é isso o que está em causa, não são os objectivos eleitoralistas a que nos propomos, mas o ordenamento e uma organização capaz. Aliás o Sr. Deputado sabe bem que se chegou há muito tempo a um consenso, na Comissão da Administração Interna e Poder Local para a grande necessidade de organizar este sistema.
Relativamente a uma outra observação, também feita pelo Sr. Deputado José António Veríssimo, quanto a uma espécie de inversão relativamente ao papel que poderá eventualmente ser atribuído ao Governo no que toca à organização desses processos e ao papel dependente da Assembleia da República, a interpretação que faço do diploma é com certeza a mais racional: ao Ministério da Administração Interna e ao Poder Local caberá a organização- dos processos, os (pareceres técnicos adequados, mas a decisão final, como não podia deixar de ser, caberia sempre a esta Assembleia da República.
Posto isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vamos proceder à análise e votação conjunta da proposta de lei n.º 318/I, sobre a disciplina reguladora da criação. de novas freguesias, e do projecto de lei n.º 336/I, apresentado pelo Partido Comunista Português sobre o regime de citação e extinção das autarquias locais, sua delimitação e fixação da categoria das (povoações.
A simultaneidade da discussão dos dois diplomas encontra na sua justificação apenas na circunstância de o projecto de lei, ao referir-se à criação de novas autarquias, abranger evidentemente o espaço unais limitado da proposta ide lei do Governo, a qual atinge apenas as freguesias.
E devemos acrescentar que a limitação do âmbito de aplicação à autarquia menos se justifica, já que os requisitos que devem exigir-se para a criação de novos municípios ou de novas freguesas são necessariamente diferente. Em nossa opinião, a disciplina

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reguladora da criação de municípios deve ser objecto de diploma especial, a levar á cabo oportunamente. Até porque não há neste momento pedidos de criação destas autarquias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma vez esta Assembleia se vê confrontada face à necessidade de se pronunciar sobre diplomas relacionados com o Poder Local, de forma desgarrada e semi-integração num sistema de conjunto racional e ordenado.
Virá, por isso, a experimentar, eventualmente, o mesmo destino de muitas outras leis aprovadas nesta Assembleia: ficará a aguardar a sua integração num quadro jurídico, administrativo e funcional mais amplo e interligado.
Com efeito, o processo de ordenamento do território, no sentido de numa distribuição espacial e humana, encontra-se dependente daquilo que se pretende da autarquia correspondente, isto é, do conjunto das suas atribuições. Se estas forem muito vastas e possuírem características executivas ou de planeamento, tornar-se-á indispensável uma certa dimensão que permita optimizar as acções, os custos e a capacidade, técnica. Sés pelo contrário, as atribuições forem de natureza representativa ou de escassa importância executiva, ai redução dessa dimensão poderá ser útil e conferir até maior operacionalidade às funções desenvolvidas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -Estas considerações que, em tese geral, são válidas para todos, os tipos de autarquias a>ssuTn£m um significado especial no caso das freguesias. Em regra, a unidade administrativa menor é reservada a tarefas muito limitadas: dei natureza eleitoral, de recenseamentos pessoais, de participação em órgãos de segundo nível, de petição e outros pequenos serviços de utilidade pública. Isto acontece na. generalidade dos sistemas europeus. Neste, contexto, o fraccionamento até ao nível de povoação apresenta-se útil a tem um interesse político relevante que é o de postular uma forma de representação democrática quase directa.
O sistema vigente este nós conduz-nos- a posições mais reticentes. A freguesia pode criar centos serviços e concretizar atribuições de algum significado. E por isso carece de uma dimensão adequada àqueles objectivos. A necessidade de conciliar esta, matéria com todos os demais aspectos que se prendem com a determinação de funções e de competências surge por isso como um imperativo de- organização. Antes, da revisão da. Lei. n.º 79/77 não poderá afirmar-se qual seja, no plano teórico, a dimensão óptima para a criação ou funcionamento das autarquias locais.
Acontece, porém, que - a quantidade de pedidos - oitenta mais ou menos- que. se foram acumulando em anos. sucessivos, sem que tivessem tomado as medidas adequadas a resolver este assunto, força esta Assembleia, a não protelar mais as decisões de ordem legislativa, que permitam disciplinar, em termos objectivos, a criação de novas freguesias.
O projecto de lei do Partido Comunista e a proposta de lei do Governo representam por isso o mal menor, que, como acentuámos, a sua precariedade venha, dentro em pouco, a verificar-se, face às razões apontadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmámos que a razão dei ser dos diplomas: em analise nesse especialmente na necessidade de serem estabelecidos critérios objectivos, que, para além de facilitarem a apreciação dos membros desta. Assembleia sobre o mérito dos pedidos, confinam seriedade e segurança às decisões que sobre os mesmos venham a ser tomadas. Por esta via, evitar-se-á o eleitoralismo fácil, o caciquismo condenável e a exacerbação de pequenas lutas de prestígio e de campanário que, por vezes, se transformam em querelas de dimensão mais geral!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quer dizer que a lei carece de ser suficientemente precisa, na fixação dos indicadores que se consideram dominantes, sem, no entanto, amarrar o legislador a, fórmulas de tipo matemático, que levadas aio exagero podem conduzir ao repúdio dos aspectos sociológicos, culturais ou de outra índole que não podem ser ignorados.
O projecto dei lei do Partido Comunista Português não resolve praticamente nada, porque assenta em conceitos vagos e não em indicadores precisos. A ele aprovado, deixaria sempre as autarquias que fossem obrigadas a intervir no processo, os proponentes dos projectos de criação de freguesias e os membros desta Assembleia perante a necessidade de tomarem posições, de natureza discricionária. Por isso, dificilmente pode ser aceito como uma lei-quadro, resumindo-se a um conjunto' de princípios ou de definição de intenções, embora sérias. Poderia servir como preâmbulo de um diploma, mas não como regulador do seu conteúdo.
Não o consideramos, deficiente quanto à sua filosofia geral, mas sim porque julgamos inútil o seu normativo, incapaz por isso de fornecer os elementos objectivos e seguimos que permitam a apreciação desta Assembleia.
Com efeito, o projecto de lei do Partido Comunista Português contém duas áreas normativas principais:

a) Uma, válida, onde se inserem princípios rigorosos e necessários ao fim que o diploma sei propõe atingir;
b) Outra, de conteúdo vago, e irrealista.
Englobamos na primeira área as disposições que a proposta da lei do Governo também contempla. Citaremos, a título de, exemplo:
O artigo 2.º com a sua defesa de participação, também consagrado no artigo 1.º da proposta de lei;
Alguns números do artigo 3.º em paralelo com o artigo 6.º do diploma do Governo;
O artigo 6.º que praticamente corresponde, com ligeiras, cambiantes afie mais importantes, aos vários números do artigo 11.º da referida proposta.;
O artigo 7.º em tudo equivalente ao artigo 10.º do diploma do Governo;

Finalmente, a doutrina do artigo 8.º que contém uma réplica perfeita no artigo 12.º, alínea b), da proposta de lei do Governo.

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???? I SÉRIE-NÚ???????????Sendo assim, todo este articul????(que repetimos, consideramos inteiramente válido) se nos apresentauia de origem, o que é justo sosta de lei do Governo. E, neste sentido, do 'Paecemos o mérito do projecto da oposição por ter alertado eventual??????????????????????????????????????????????????????????????projecto da oposição contém aquilo que atráoras;

s - regras de conteúdo tão vagopara a regularização das situações, estabelecimento de caleários! eleitorais, e??????????????????????????????????????????????????????????????? os interesses de ordem geral e?????l em causa, bem como as reperde

•redacção e algumas exigências formais dispensáveis. Estamos assim convencidos de que a comissão especializada, tem ai??????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????oposta de lei do Governo contém o> inais importante do conjunto" das matérias e ainida porque supera de muito longe e projecto d????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????Interna e Poder Local o encargo e a responsabilidade de melhorar o itextoroposto. Como para tanto o projecto de lei do Partido????????????????????????????????????????????????????1.º????????????????????????????????????????????????????????????????????????? da proposta de lei do Governo.
tc.

Facilmente se compreende por isto que a proposta de lei do Governo se apresenta melhor estruturada, mais completa e, por conseguinte, mais adequada às finalidades que se pretendem atingir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto não quer dizer que consideramos o diploma governamental isento de mácula e capaz de responder integralmente àquilo que devem esperar de um documentei deste tipo. Julgamos, ao contrário, que carece, em alguns aspectos, de aperfeiçoamento. Certos indicadores serão talvez pouco realistas; a ??????????????????????????????????????????????????????????????????????????s adequada; há deficiências de a solução, criando uma subcomissão destinada ao estude' de ambos os diplomas.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Manuel Pereira, queria perguntar-lhe - e finalmente hoje tenho tempo para lhe poder fazer perguntas- se acha. que numa lei que vai funcionar como lei-quadto é uma vantagem que os critérios estejam tão especificados como o estão na proposta de lei do Governo e se esses, critérios, na medida em que estão especificados não reduzem as coordenadas possíveis onde se podem incluir os casos que vão aparecendo e que são, evidentemente, específicos. Nesses critérios não vi referências, por exemplo, ao factor cultural, que penso ser um factor muito importante, pois está ligado a vários sentimentos de identidade nacional, a vários sectores do turismo, a varies problemas da cultura. Também as questões de artesanato são critérios a serem considerados. Enfim, penso, que, por exemplo especificar oito variedades de lojas será um critério extremamente débil. Estou a pensar em terras como Valença - não faço ideia de quantas lojas é que terá especificadas, mas possivelmente terá poucas, tendo muitas, mas só de um género. Há terras que, pela especificidade da vida que se faz, pela intensidade cultural, pela dinâmica da própria população e até pela dinamização que a sua passagem a freguesia poderia eventualmente representar e fomentar, vão sair fora dos critérios apurados da proposta de lei do Governo.

O Sr: Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira, para responder, se assim o entender.

O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, hoje parece que temos ambos tempo para perguntar e responder.
Sr.ª Deputada, temos a honra de ter V. Ex.ª na Comissão de Administração Interna e Poder Local. Devo dizer-lhe que, dentro daquilo que referi, deixou-se com certeza todas as porta abertas ao número de indicadores. O que estava em causa era a filosofia: nem apenas a vacuidade que o projecto de lei do Partido Comunista Português trazia e que deixaria esta

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Assembleia perante a mesma situação, nem apenas também a rigidez da proposta de lei do Governo. Aceitaremos, pois, o significado intermediário entre estes dois aspectos, desde já dizendo à Sr.ª Deputada que concordo inteiramente que os elementos culturais e de outra índole possam vir a ser integrados.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O grupo parlamentar do meu partido olha com bastante interesse estas duas iniciativas, quer a proposta de lei n.º 318/I, quer o projecto de lei n.º 336/I, do PCP.
Devemos desde já colocar uma questão prévia que faz parte da nossa perspectiva de ver o Poder Local, ou seja, partimos sempre, nas análises que fazemos a estes ou a outros diplomas, do princípio de que a identidade existe a partir da (identificação do Poder Local com as suas moléculas históricas, com as suas moléculas culturais, muito mais assentes em critérios com base ecológica, com base natural, do que em critérios resultantes da sociedade industrial e tecnocrática em que vivemos, normalmente baseados em preceitos de mero tecnicismo economicista.
Posto isto, pensamos que estas duas iniciativas são positivas, na medida em que retiram grande parte do processo altamente demagógico que tem presidido às propostas de criação de novas freguesias ou de novos concelhos. É uma questão altamente demagógica que nenhum partido poderá ser insensível ao chamamento de muitas das suas bases ou de muitos dos seus pontos de apoio na criação de novas freguesias e de novos concelhos.
Evidentemente que reconhecemos a necessidade de um aumento significativo do número de freguesias - e porque não também do número de concelhos? Não tenho aqui os números correctos, mas lembro que há cerca de um século atrás Portugal tinha, com capacidade autárquica, cerca de- três vezes mais concelhos do que tem hoje, embora a população fosse sensivelmente metade da que é hoje. Evidentemente que isto é um processo, que temos condenado, de um centralismo que tem tido uma constante da vida política portuguesa e administrativa no último século e ainda bem que estas iniciativas surgem no sentido de obstar a esse centralismo que condenamos com toda a veemência.
Pensamos que quer a proposta de lei quer o projecto de lei são atitudes louváveis. Pensamos que em ambos os diplomas existe uma lacuna: é que não se tem em conta -o que, quanto a nós, seria positivo - a restauração de direitos históricos, que ainda hoje são sentidos por todo o País, de certas freguesias ou regiões locais que perderam os seus direitos 'históricos através do processo de centralismo que apontei. Julgamos que existe na proposta de lei uma atitude francamente positiva e louvável de tentar quantificar os critérios de avaliação da criação de novas freguesias ou até mesmo de extinção das existentes. Pensamos que o projecto de lei do« Partido Comunista peca por defeito e por excesso, isto é, item umas situações em que aponta uma lacuna, que aliás foi apresentada pelo meu colega do PSD Dr. Manuel Pereira, de não se referir, tal como na proposta de lei do Governo, aos aspectos culturais que poderão servir como critério, mas tem, quanto a nós, a vantagem de assentar em critérios de ordem socio-económica. Pensamos, no entanto, que o projecto de lei do PCP é extremamente vago e ele, sim, poderia eventualmente abrir as portas a uma perfeita demagogia, a um perfeito aproveitamento político na criação de novas freguesias, caso o projecto de lei fosse aprovado nos termos em que s& apresenta a esta Assembleia.
Embora louvável nos aspectos que atrás apontamos, pensamos que o projecto d& lei, no seu artigo 6.º, poderá ser objecto de algumas críticas quanto à questão da gestão de novas autarquias até realização da eleição dos seus órgãos. A gestão dessas novas freguesias oferece-nos algumas dúvidas. Pensamos que poderíamos caminhar para determinados critérios em que os próprios cidadãos eleitos para as assembleias de freguesia residentes na área dessa nova freguesia a constituir poderiam ser automaticamente nomeados para essas comissões instaladoras, digamos assim.
De qualquer modo, e por julgarmos que é a Assembleia da República e sede em que estas questões que aqui estamos a debater devem ter efeito, o grupo parlamentar do meu partido aprovará na generalidade a proposta de lei do Governo e não hostilizará o projecto de lei apresentado- pelo Partido Comunista Português.

Q Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/ODE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A proposta de lei enviada a esta Assembleia pelo Governo parte de uma adaptação dos princípios estabelecidos no velho código que administrou o fascisco em Portugal. Carece assim de realismo, d& aproveitamento da dinâmica existente e do pleno enquadramento dos órgãos representativos do poder local.
Substituir apenas, a expressão «chefe de família» por «cidadãos eleitores», por exemplo, se representa um avanço quanto à dignificação e valorização da pessoa humana não faz desaparecer o carácter utópico, e pôr isso desmoralizante, do artigo 9.º do Código Administrativo.
O facto de o processo de criação de freguesias partir de um requerimento a ser feito pela maioria absoluta de cidadãos eleitores é hoje, no Portugal de Abril, facilmente substituído pela audiência diversificada e directa das populações através de iniciativas próprias e das suas assembleias municipais ou da sua ligação directa com a Assembleia da República.
Seguindo o trilho de um código apertado de critérios que lerão de causar, pela sua especialidade, dúvidas e divergências de interpretações, o processo de criação de uma freguesia, que se quisera natural, começa o seu arrastamento através da burocracia: certidão camarária, comprovativa de que se verificam as condições exigidas, até que o processo fique devidamente instruído.
Nesse momento, ele será remetido ao MAI, que no prazo de trinta dias emitirá parecer acerca da sua viabilidade.
Com as bênçãos governamentais e já longe da dinâmica das populações e do calor humano que

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lhe deu origem, o processo dará então entrada na Assembleia da República, isto é, na Assembleia dos representantes do povo português.
Esta proposta de lei, de 23 de Abril de 1980, vem, mais uma vez, marcada pelo medo de um caminho que não siga amparado entre a burocracia e o Governo.
A expressão da liberdade desaparece a nível oficial; o poder governamentalizado escurece cada vez mais o horizonte político da AD.
Mas pensamos, contudo, que o trabalho democrático e o esforço honesto desta Assembleia pode levar à válida convergência de opiniões.

Aplausos do MDP/CDE. do PCP e do Sr. Deputado do PS Gualter Basílio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pulido.

O Sr. João Pulido (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Vem hoje esta Câmara apreciar, discutir e votar na generalidade dois diplomas - um projecto de lei do PCP, a que coube o n.º 336/I, e outro, a proposta governamental n.º 318/I, sobre disciplina reguladora de novas freguesias.
A matéria que os diplomas em apreço visam regular é, fora de dúvida, de alto significado pelo que representa para os interesses e anseios das populações, quando realistas e legítimos; e tal legislação contribuirá, certamente, para coadjuvar na realização de uma verdadeira e autêntica democratização e descentralização de poderes, com a intervenção directa das populações na resolução dos seus próprios problemas e por delegação de poderes dos municípios.
E se tudo isto é exacto, e usando sempre da prudência que cada caso aconselhe, pela capacidade administrativa possível existente em cada freguesia, o certo é, que, para a criação de novas autarquias, dado a revogação do artigo 9.º do Código Administrativo, e seu vazio legal resultante, sem que seja aprovada nova legislação que permita um critério justo, equitativo e de aplicação concreta em criação de novas unidades autárquicas, correr-se-ia o perigo de usar um critério de tal modo discricionário que conduziria a uma situação de flagrante injustiça por um lado e a uma possível pulverização de novas circunscrições por outro, que poderiam vir a comprometer irremediavelmente uma futura regionalização do País, como é mister seja levada a cabo e se concretize.
E, se não fora a necessidade de dar satisfação aos anseios legítimos de certas populações que pelo crescimento demográfico, económico e cultural desejam atingir uma verdadeira «maioria política», com a sua realização em autonomia autárquica própria, desta forma mais se democratizando, defenderíamos p critério, que se nos afiguraria mais consentâneo com as necessidades globais e reais do País, a legislação da criação de novas freguesias dever aguardar o conjunto de legislação administrativa uma vez que integraria uma parte de um todo legal e em correlação, indispensável e urgente, para o bom ordenamento territorial do País.
Mas a verdade é que também todos os partidos multiplicaram iniciativas legislativas de criação de novas freguesias, sem que estivessem definidas as bases de apreciação das mesmas e há que criar uma disciplina geral, de modo a poder-se estabelecer um critério uniforme e minimamente justo para apreciação de algumas boas dezenas de projectos pendentes, das mais variadas localidades, de norte a sul e, possivelmente, nas regiões autónomas, e em cujas populações a expectativa foi criada e a Assembleia da República é chamada a pronunciar-se.
Efectivamente, e porque sem uma lei-quadro se tornaria impossível analisar, com justeza, os mais díspares projectos que se encontram para apreço, não seria curial manter por mais tempo esta situação de um amontoar de projectos que, aliás e legitimamente, não param de dar entrada nesta Câmara, além dos já existentes, mas adormecidos e cristalizados, sem resposta, como se fora coisa morta.
Daí, sermos de opinião, que se proceda à aprovação de uma lei capaz de dar resposta aos casos em que as condições de desenvolvimento económico, social e cultural justifiquem a criação de novas freguesias, pois será até um prémio justo para aquelas populações que se desenvolveram e se souberam promover, e será um incentivo para aqueles outros povos que, anseanão a sua promoção, terão de buscar, pelo trabalho e cooperação entre si, condições que lhes venham a permitir a escalada no acesso.
Será are um motivo e novo factor de dinamismo ou motor impulsionador para o progresso e desenvolvimento local, em que o interesse de todos se conjugue, em finalidade comum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo quanto vimos dizendo, advogamos a aprovação de um diploma capaz de dar resposta às necessidades presentes e, consequentemente, satisfação e possibilidades de análise dos dois textos legais pendentes nesta Câmara. Para tanto, teremos hoje de nos pronunciar, na generalidade, sobre os dois diplomas já referenciados, ou seja, um projecto de lei do PCP e uma proposta governamental.
E, posto que os, dois diplomas visem a mesma matéria - criação de novas freguesias, e só esta, para coincidir com o texto da proposta de lei do Governo -, a verdade é que para nós o projecto de lei de PCP não merecerá o nosso apoio efectivo, pelo que nos iremos, abster. E a posição de abstenção que preconizamos base ia-se essencialmente nas razões seguintes:

1) Tratasse de um diploma cujo texto é assaz e demasiado vago, que mais faz lembrar em conceito «cláusulas gerais», e em que a subjectividade de interpretação, na aplicação concreta, pareceria vir a sei um normativo, que aliás jamais poderia enformar uma lei desta natureza, que visa um fim específico e muito concreto, e é para ser aplicada aos mais variados e por vezes controversos casos, em que a objectividade s& deve impor por excelência, despida de toda uma carga subjectiva, que comprometeria e fortemente o processo;
2) Porque o quadro jurídico definido no projecto não precisa quantitativamente o cri.

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tério regulador de novas freguesias - como se torna necessário - para que a equidade na justiça da apreciação de critério garanta uma classificação, quanto possível uniforme e harmónica na objectividade do normativo aplicado e um tratamento igualitário e concreto na ponderação dos índices aplicáveis nos vários casos pendentes e/ou futuros;
3) E, por último e finalmente, porque se trata do um texto omisso, quanto aos mínimos de dimensionamento das novas unidades, correndo-se o risco grave de uma excessiva pulverização e sei se quiser até de simultânea e verdadeira compartimentarão territorial que, por excessiva, também viria a ter seus gravosos reflexos no futuro ordenamento do território.

Quanto è proposta de lei do Governo, merece-nos a aprovação, na generalidade, mas neste momento com reservas e a introduzir-lhe as necessárias e convenientes modificações.
Com eleito, o texto deste diploma é objectivo, claro e dimensionador de novas unidades. O seu espírito não enferma dos vícios apontados ao texto do projecto de lei, pois não contém nenhum dos inconvenientes resultantes da metodologia aplicada e [...] implícitas e explícitas, como naquele outro.
Isto não significa, todavia, que a proposta governamental não careça de sofrer certas aliterações, necessárias a uma exequibilidade compatível com as realidades existentes e adaptações quantitativas e qualitativas a essas mesmas realidades, no concreto e no autêntico, que concerne a existência portuguesa, nas várias zonas, com destaque (pela pesada incidência) para as regiões do meio rural, que não poderiam ser esquecidas ou menosprezadas, ou mesmo impossibilitadas até de se promoverem em novas unidades, como autarquias que desejem ser, se os futuros parâmetros delimitativos a encontrar não fossem criteriosos e de valores coerentes e condizentes com a realidade que somos e com a identidade do possível, que podemos e devemos ser, em função do desenvolvimento demográfico, socio-económico e cultural necessário, mas capaz e lógico, por óbvio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensa o Partido do Centro Democrático Social que desta forma - com a aprovação, na generalidade, da proposta de lei e abstenção do projecto - fica a subcomissão já criada no âmbito da Comissão do Poder Local, onde se encontravam os dois diplomas para estudo e aprovação de um texto na respectiva comissão, em melhores condições de trabalho, quanto a celeridade e tratamento a dar ao texto final e que, no próximo dia 12, segundo a agenda de trabalhos do Plenário desta Câmara, deverá ser aqui discutido e aprovado na especial idade, depois de introduzidas as alterações que se entendam por necessárias e convenientes, para melhorar e aperfeiçoar e se tornar um diploma mais consentâneo com as realidades existentes e verdadeiros interesses das populações que, mercê de certas e determinadas condições de desenvolvimento demográfico, sócio-económico e cultural, desejam individualizar-se como nova autarquia.
A proposta de lei do Governo, uma vez melhorada e alterados certos critérios de indicadores, converter-se-á em diploma de [...] interesse nacional, pelo alcance do seu âmbito, visando directamente as populações locais, mormente as de certas zonas que aguardam a sua promoção a nível autárquico. Trata-se de um diploma que interesse igualmente a todos os partidos e/ou forças políticas, como demonstra a mais diversificada e larga apresentação de projectos lei entrados nesta Câmara, para criação de 85 novas freguesias e que nesta data, totaliza o número de 69 pedidos.
Pela importância do diploma e interesse manifestado pelos vários agrupamentos políticos, é de esperar e de crer que as diferentes formações não negarão, como é seu timbre, o valioso contributo no aperfeiçoamento desta proposta governamental se, na generalidade, vier hoje a ser aprovada por esta Câmara, como esperamos.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Miranda.

Q Sr. Fernando Miranda (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Numa das reuniões da Comissão de Administração Interna e Poder Local, estabeleceu-se, por consenso, solicitar ao Governo a apresentação de uma proposta de lei tendente a regulamentar a criação de freguesias.
Deste consenso decorre a meu ver, que os dois projectos hoje em análise não deverão entender-se nem como contraditórios, nem como inconciliáveis, tão-pouco como algo de acabado nesta matéria, mas sim como complementares e, mesmo assim, necessitados de algumas correcções. Correcções que, em relação à proposta do Governo, terão de ser de fundo, já que esta enferma de defeitos graves, que saliento.
Com efeito, a proposta do Governo conduz ao estabelecimemto de critérios extremamente penalizantes e restritivos que na prática conduzirão à inviabilidade de criar novas freguesias nos meios rurais correspondentes à maior parte do território.
Isto não apenas por força dos parâmetros considerados, mas sobretudo pela manifesta omissão de outros factores igualmente relevantes que melhor poderão traduzir a vontade e os interesses das populações abrangidas, nomeadamente os que se reportam a factores geográficos, tais como acessibilidade dos locais envolvidos e ainda a factores sociológicos que se prendem com o clima de vizinhança e convivencialidade das populações, tantas vezes influenciadas por problemas de interesses económicos antagónicos e antigas rivalidades que ao longo do tempo se mantiveram e a tradição consagrou.
Por outro lado, o processo de constituição das novas freguesias obedece a uma limitação demasiado centralista que invalida ou dificulta a movimentação espontânea das populações.
Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, decidirmos votar favoravelmente a proposta de lei do Governo e o projecto de lei do PCP por nos terem sido dadas garantias prévias de que assim contribuíamos para que, no âmbito da Comissão, se consigas com base nestes dois diplomas, fazer uma lei correcta que responda às necessidades do Pais e das suas comunidades de base. Além do mais, queremos também

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manter o principio de gerar nesta matéria o máximo consenso entre todas as forças políticas com assento nesta Assembleia, tradição que, caso não votássemos estes dois projectos, seria lamentavelmente detruída.
Não queremos, no entanto, deixar de chamar a atenção desta Câmara para alguns factos, a nosso ver lamentáveis, e que, relacionando-se embora com o assunto agora em debate, se estendem a outras matérias e a outros casos e que não contribuem, nem para a dignificação desta Assembleia, muito menos para a resolução efectiva, coerente e sensata dos problemas do povo português, que é vítima ou beneficio das leis aqui aprovadas.
Refiro-me, como é evidente, à autêntica maratona em que se têm vindo a processar os trabalhos desta Assembleia e em que parece nítida a preocupação mais de produzir trabalho a peso ou a metro, do que em elaborar um trabalho sério, profícuo e duradouro, conforme os interesses e a esperança de quem nos elegeu.
O caso destes dois projectos é disso exemplo flagrante: Há oito dias foi nomeada uma subcomissão para proceder ao seu estudo e possíveis correcções e adaptações, com todo o enriquecimento que, naturalmente, daí resultara.
Todavia, e pelo que atrás expus, não pôde essa comissão reunir, pelo que terá o Plenário de sobre eles se debruçar no seu estado original.
Em relação aos objectos não me irei alongar, pois o Partido Socialista irá apresentar, na altura própria, propostas de substituição e de emenda.
Não deixarei de notar, no entanto, o excesso de zelo a que trezanda a proposta de lei do Governo e o desconhecimento cabal e absoluto que dela transparece em relação ao País que somos foca dos grandes centros.
De facto, falar em 1 500 eleitores, em 8 estabelecimentos de comércio e de serviços, remeter todo o trabalho de elaboração do projecto para a população, etc, só poderia lembrar a alguém que nunca tenha saído de Lisboa.
Parece, no entanto, que o Governo e os Srs. Deputados que o apoiam, bem como o PCP, dos quais temos as garantias atrás citadas, irão considerar estes dois diplomas como simples propostas de trabalho sobre os quais nos iremos gostosamente debruçar.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Godinho de Matos.

O Sr. Godinho de Matos (DR): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo em consideração a proposta de lei n.° 318/I e o projecto de lei n.° 336/I, que se encontram neste momento em discussão, os Deputados reformadores querem manifestar o seu ponto de vista.
Concordamos com a proposta de lei na generalidade, uma vez que esta proposta tem e grande qualidade de apresentar um critério objectivo e concreto paira definir os requisitos essenciais e os elementos que se devem exigir para a criação de novas freguesias. Portanto, a criação de novas autarquias não fica sujeita ao simples critério de uma apreciação de conveniência política. Parece que este facto representa um esforço que ressalta desta lei e que nós entendemos ser bastante meritório, pois pensamos que a criação de entidades públicas, como são as autarquias locais, deve estar sempre subordinada a critérios materiais e objectivos e não à simples apreciação política da vantagem ou da desvantagem dessa mesma criação de entidades públicas.
Se este é o nosso pensamento sobre a generalidade da proposta de lei em apreço -e por isso manifestamos claramente o nosso apoio e aprovação na votação da generalidade -, pensamos, contudo, que algumas confecções de especialidade poderão ser introduzidas.
Uma dessas correcções refere-se ao artigo 9.° dá proposta de lei, não por termos dúvidas na sua compreensão e no objectivo desta disposição ou na sua boa fé, mas pela simples razão de princípio geral. É que a consagração em letra de lei deste princípio é um pouco difícil de compatibilizar com a faculdade e iniciativa legislativa que genericamente está hoje prevista na letra constitucional. Ao fazermos isto não temos qualquer suspeição ou qualquer dúvida sobre a boa vontade do articulado no preceito.
Quanto ao previsto no artigo 10.° da proposta de lei, concordamos plenamente com ele. Pensamos até que deve haver um alargamento. Esta restrição à faculdade de criar novas autarquias locais deve estar prevista para os prazos isto é, deve ser prevista quanto a eleições para órgãos autárquicos e também para as eleições legislativas nacionais. Portanto, a restrição deve aplicar-se aos dois calendários eleitorais: órgãos autárquicos e órgãos nacionais.
Quanto ao artigo 11.°, admitimos que esta composição das comissões instaladoras se pode tomar exageradamente pesada, sobretudo se tiver de existir sempre uma representação maioritária de cidadãos eleitores. Concordamos, em princípio, com a presença de cidadãos eleitores. Simplesmente, a obrigatoriedade da sua presença majoritária, embora seja um princípio generoso, poderá, eventualmente, dificultar o funcionamento das comissões instaladoras.
Para uma rapidíssima e breve apreciação na generalidade do projecto de lei do PCP, também ele nos merece o apoio na generalidade. Merece-nos esse apoio porque não encontramos nada de chocante neste projecto de lei, com excepção da redacção do seu antigo 6.° Ora, dizendo nós claramente que não concordamos com a composição para as comissões instaladoras das futuras autarquias a instituir, prevista pelo PCP no seu projecto de lei, aceitamos, todavia, na generalidade o projecto de lei do PCP. Repetimos, porém, que não concordamos com esta concepção das comissões instaladoras, designadamente por termos alguma dificuldade em compreender qual seja a vantagem de introduzir comissões de moradores nesses órgãos de gestão. Parece-nos que isso vem entrosar nas comissões instaladoras das novas autarquias reminiscências do passado que não têm muito a ver com a normalização da vida política em Portugal.
Por isso votaremos favoravelmente a proposta de lei e o projecto de lei, ainda que com estas apreciações antecipadas da discussão na especialidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais oradores inscritos, vai proceder-se à votação da

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proposta de lei n.º 318/I, sobre a disciplina reguladora da criação de novas freguesias.
Submetida à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD. do PS. dó CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e a abstenção do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação do projecto de lei n.º 336/I, sobre o regime de criação e extinção das autarquias locais, sua delimitação e fixação da categoria das povoações, apresentado pelo PCP.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, PCP, do MDP/CDE e dos Deputados reformadores e o abstenção do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A autarquia local denominada freguesia é de longa data a forma de organização social e política mais consentânea e expressiva da realidade sociológica do povo português.
É por isso um tipo de instituição com uma dignidade histórico-cultural profundamente arreigada no espírito da nossa gente, designadamente nas populações rurais que a sentem como que o conjunto de homens de uma povoação ou de povoações vizinhas que têm naturalmente certos interesses comuns, vividos de forma muito especial no domínio da assistência, da fruição de bens, de logradouro comum, da construção e da conservação de caminhos e pontes vicinais, da construção e conservação' de templos, mercados, etc.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O espírito comunitário subjacente ao conceito de freguesia, que a tradição noutros tempos denominou paroquia civil, é-nos dado de uma forma inequívoca através dos textos legais que lhe imprimiram carácter e personalidade jurídica pública e que de mãos dadas com os costumes vividos ao longo dos séculos lhe dá a perspectiva exacta da solidariedade de quantos preenchem e vivem aquele conceito.
Após a Lei n.º 621, de 23 de Junho de 1916, a designação consagrada que lhe cabe é a de freguesia.
Até ao Código Administrativo de 1936 e desde 1830, a freguesia foi sempre reputada como um agregado ou comunidade de vizinhos individualísticamente considerados. Esse Código passou a concebê-la organicamente como uma comunidade de comunidades, uma como que federação de famílias vizinhas.
Freguesia, dizia-se no texto primitivo do Código em causa e continua a dizer-se no texto de 1940, «é o agregado de famílias que, dentro do território municipal, desenvolve uma acção social comum».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, indispensável que o seu enquadramento legal seja a sequência lógica e natural das aspirações concretas dos indivíduos que constituem a circunscrição administrativa a que nos vimos referindo e assim a sua dimensão demográfica e territorial deverá pautar-se necessariamente pelos objectivos inerentes à sua função sociológica e humana.
Uma matéria desta importância e delicadeza não pode estar sujeita a iniciativas legislativas que se traduzam em meros expedientes conjunturais que, alheios ao sentir e pulsar das populações, visem interesses não atinentes aos que real e efectivamente são prosseguidos pela freguesia.
É nesta perspectiva que a proposta de lei do Governo se nos afigura uma base séria e realista ao avançar com o estabelecimento de normas mínimas a observar na criação de novas freguesias.
Na verdade, e como se diz no preâmbulo da proposta de lei, a adopção de critérios técnicos de modo a garantir em todas as situações uma igualdade concreta de tratamento é a prova evidente da preocupação que assistiu ao Governo na elaboração desta proposta de lei.
Se fizermos uma leitura dos vários artigos que constituem a proposta de lei n.º 318/I, verificamos que a filosofia que presidiu à sua feitura é de cariz profundamente democrático, ao fazer depender a sua criação de requerimento da maioria absoluta dos cidadãos eleitores com residência habitual na área a abranger .pela autarquia pretendida, bem como a audição das assembleias regional, municipal e de freguesia.
Pela inteligência dos motivos que serviram de base e razão do articulado proposto, é forçoso concluir que ele corresponderá aos mais íntimos anseios e legítimas aspirações daqueles que, residindo na freguesia, fizeram dela a sua terra natal, com as implicações afectivas e de bairrismo que tal estado de espírito fatalmente determinará.
Com esta proposta de lei dá-se um poderoso contributo no sentido de disciplinar a criação de novas freguesias que, por motivos óbvios, nenhuma força partidária à partida levantaria quaisquer obstáculos.
Evita-se, assim, uma excessiva compartimentacão territorial, que a dar-se poria em causa não só a dignidade da instituição como degradava a função histórica por ela desempenhada ao longo dos anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O quadro legal da proposta de lei do Governo traz-nos a ideia implícita da solução da necessidade de erguer em lei as exigências que permitam a constituição das autarquias.
Por ela se evita que o País seja desfigurado ao arbítrio dos critérios de oportunismo eleitoralista, que por certo todos condenamos.
Estas as razões pelas quais votamos no sentido da aprovação da proposta do Governo.
Por outro lado, abstemo-nos no projecto de lei n.º 336/I, do Partido Comunista, por entendermos que a proposta referida preenche de forma plena as preocupações que estiveram na base da sua formulação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, lembro-vos a necessidade de algum grupo parlamentar fazer chegar à Mesa um requerimento pedindo a baixa à comissão competente dos diplomas agora aprovados na generalidade.
Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Pulido.

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O Sr. João Polido (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou abstenção no projecto de lei n.º 336/I do PCP, sobre criação de novas freguesias, especialmente pelas razões e com os fundamentos seguintes: o texto do diploma em referência é demasiado vago, clausulado em excessivas generalidades e de uma subjectividade tal que faria perigar um critério normativo uniforme e harmónico, equitativo e justo.
Porque, e também o projecto de lei é omisso quanto aos índices quantitativos a ponderar em critério classificativo, não seria possível, com tal texto e objectivamente, estabelecer-se uma «grelha» em que vectores certos e determinados pudessem pautar um critério de análise que assegurasse a imparcialidade classificativa, independentemente de um querer pessoal, de uma manobra de grupo ou tendência política.
Uma «lacuna» não menos grave que o diploma apresenta, e que não poderia deixar de ser realçada, pela omissão que comporta e consequências nefastas daí decorrentes na aplicação prática da lei, seria o diploma, não dimensionando no mínimo as novas freguesias, permitir, com o maior arbítrio, uma excessiva pulverização de novas unidades, correndo-se o grave risco, com tal possibilidade, de comprometer um bem gizado e necessário futuro ordenamento do território.
Estes os motivos de fundo que nos levaram a votar abstenção no projecto de lei do PCP.
Agora, quanto à proposta governamental, as razões e fundamentos porque a aprovámos na generalidade ficaram claramente explicitados na intervenção produzida. Todavia, diremos: trata-se de um diploma objectivo, claro e. dimensionador das novas autarquias, com um espírito de boa dose de realismo que, na generalidade, mereceu o nosso apoio e que, estamos certos, com as alterações convenientes a introduzir, mormente no que concerne a índices de ponderação, e aperfeiçoado em pontos que coadunem o texto com uma aplicação prática e efectivas à nossa realidade autárquica, pode vir a constituir um bom e útil diploma legal.
Em suma: estas as razões de fundo porque votámos favoravelmente a proposta do Governo.

Aplausos do CDS, do PSD e ao PPM.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou favoravelmente o projecto de lei n.º 336/I, do PCP, retomado em 8 de Janeiro de 1980, por três razões fundamentais:

1.º Parte de uma realidade concreta, baseada na experiência, na ligação com as populações, valorizando a participação popular e respeitando, simultaneamente, as funções deste Órgão de Soberania, a Assembleia da República.
2.º Assenta em coordenadas não rígidas, em que entram não só índices demográficos e comerciais, mas económicos, sociais e culturais, o que remete para uma realidade mais rica de conteúdo, onde mais facilmente se poderá expressar a vontade das populações e surgirem critérios válidos.
3.º E, finalmente, por uma razão não menos importante, porque o regime de criação e extinção das autarquias locais, proposto pelo Partido Comunista Português, abrange um quadro referencial que contempla não só a criação de freguesias, mas a criação e extinção de autarquias locais.
A proposta de lei governamental refere apenas a criação de freguesias e poderemos legitimamente perguntar como se fará a criação de concelhos, ou a passagem de vilas a cidades por exemplo.
Esta lacuna é importante e restringe o contexto em que poderemos entender a proposta de lei do Governo.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ercília Talhadas.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após longos meses de espera, a Assembleia da República acaba de se pronunciar na generalidade sobre os critérios que vão presidir à criação de novas freguesias. O PCP apresentou e votou favoravelmente o projecto de lei n.º 336/I e absteve-se na proposta de lei governamental.
A aprovação da iniciativa governamental poderá acarretar gravíssimas consequências, se não for corrigida profundamente na especialidade e expurgada dos vícios (e em particular inconstitucionalidades) de que enferma.
Dos resultados dessa votação na especialidade fica dependente a apreciação em tempo útil por esta Assembleia, dos inúmeros projectos de freguesias, vilas e cidades, representando as aspirações e necessidades do povo dessas localidades, que nós, PCP, reconhecemos, apoiamos e exigimos que sejam uma realidade.
A aprovação agora verificada do projecto de lei n.º 336/I e da proposta de lei n.º 318/I poderá, pois, constituir um passo em frente e esperarmos que o permita ainda nesta Legislatura dar em concreto passos para a criação de novas freguesias.
Importa, na verdade, que fique regulado também o regime de elevação a vilas ou cidades e que a lei consagre critérios justos e flexíveis que garantam a democraticidade, transferência e celeridade dos processos legislativos. Sublinhemos, por isso, mais uma vez que as normas governamentais sobre iniciativa de criação de novas freguesias não têm em conta o perfil constitucional da Assembleia da República e do poder local democrático.
A rigidez da tabela ao crivo, da qual se pretende fazer passar os aspirantes a novas freguesias, não se compatibiliza com a diversidade das situações a contemplar, nem pode esgotar os critérios de ponderação a que a Assembleia da República deve atender nestas circunstâncias, ficando bem patente que o Governo foi beber o artigo 9.º da sua proposta de lei ao Código Administrativo de Marcelo Caetano, apenas trocando «os chefes de família» por «maioria de eleitores».
Por outro lado, a proposta é de tal modo rígida que põe em causa muitos dos projectos que hoje se encontram pendentes nesta Assembleia, alguns há cerca de dois anos, alguns deles apresentados pelos partidos da AD.
Por outro lado, a intervenção do MAI no processo de criação de novas freguesias, tal como é encarada

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na proposta de lei n.º 318/I, é inteiramente inadmissível e coloca problemas de constitucionalidade.
O respeito que ao PCP merecem o povo português e o poder local levou-nos a não poder tomar outra posição que não fosse a abstenção me relação à proposta governamental.
Reafirmamos, pois, as posições fundamentais expressas no nosso projecto de lei n.º 336/I.
Não colhem manifestamente as observações críticas que lhe foram dirigidas por alguns Deputados governamentais.
Afirmou-se que o que continha de bom estava já contido na proposta governamental. É precisamente o contrário. Se algo decalca algo é a proposta do Governo, que chegou à Assembleia em 18 de Abril de 1980, tendo o PCP tido iniciativa nesta matéria já em Janeiro de 1979...
Qualificou-se o processo proposto pelo PCP de «irrealista». A Assembleia da República não teria possibilidade de investigar da bondade e pertinência dos projectos. É uma afirmação grave, de quem padece de governamental aguda. A Assembleia da República não só tem a possibilidade de proceder a tal investigação, como tem o estrito dever de a fazer até onde se revele necessário.
Por último, foi sustentado que os normativos que propomos seriam «vagos». Mas nesta matéria, Srs. Deputados, nada há pior do que a rigidez de que dá mostras a tabela governamental. A lei a elaborar deve ser - em nosso entender - suficientemente flexível para não castrar as aspirações justas das populações e para se adequar à diversidade e riqueza das situações a regular.
Cremos que sem a adopção de princípios como estes (que são uma base de trabalho susceptível de aperfeiçoamento) não será possível levar avante a tarefa de apreciar e votar as múltiplas iniciativas pendentes.
Bater-nos-emos, pois, para que na especialidade sejam sanados os vícios que caracterizam a proposta governamental e que deixámos apontados durante o debate, designadamente, para além do já referido, o vício contido no artigo 1.º, que retiraria o poder constitucional de os Deputados apresentarem projectos de lei e verem-nos discutidos e votados, sem prejuízo de nesta, matéria ser indispensável o consenso das populações interessadas.
O nosso voto significa também que a lei deverá surgir de um texto alternativa da comissão que elimine tudo o que há de mau na proposta do Governo e colha tudo o que há de bom no nosso projecto de lei. Disso dependerá naturalmente o nosso voto final.
Sendo certo que nesta matéria, como nas restantes, nenhum partido poderá furtar-se às responsabilidades pelos actos que praticar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Pires Santos.

O Sr. Pires Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Votou o Partido Socialista favoravelmente, quer o projecto de lei do PCP, quer a proposta de lei do Governo, que visar os critérios pata regular a criação de freguesias. Fê-lo na convicção segura de que os diplomas se completam e integram e procuram respeitar, dentro dos limites do lógico, o sentir das populações locais, que procuram cada vez mais assegurar e enraizar no nosso país um verdadeiro poder local.
Procuraremos no trabalho específico da respectiva comissão completar e corrigir as anomalias que existam nos diplomas, conforme já tivemos ocasião de realçar na intervenção feita sobre o assunto. Aí não deixaremos de olhar para o problema das populações rurais, no fim sempre as mais desprotegidas, a quem em princípio a proposta de 'lei do Governo pode vir a «cortar» logo à partida antigos 'e justos anseios de promoção a que têm direito.
Finalmente, voltamos a sublinhar, a aprovação dos dois diplomas serviu como ponto para a obtenção do máximo consenso nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, vai proceder-se à votação de um requerimento apresentado pelo PCP, que é do seguinte teor:
Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão de Administração Interna e Poder Local da proposta de dei n.º 318/I e do projecto de lei n.º 336/I, para discussão e votação na especialidade.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa uma carta de S. Ex.» o Sr. Presidente da Republica, do seguinte teor:

A S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República:

Tencionando deslocar-me, entre 3 e 6 do próximo mês de Junho, à Noruega, em visita de carácter oficial, venho solicitar, nos termos dos artigos 132.º e 136.º, alínea d), da Constituição, o necessário assentimento dessa Assembleia.

Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.

Belém, 26 de Maio de 1980. - O Presidente da República, A. Ramalho Eanes.

Sobre esta carta incidiu o seguinte parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração:
A Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que solicita o assentimento para se deslocar, entre os dias 3 e 6 do próximo mês de Junho, à Noruega, em viagem de carácter oficial, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem oficial de S. Ex.ª o Presidente da República à Noruega, entre os dias 3 e 6 do próximo mês de Junho.

Palácio de S. Bento, 28 de Maio de 1980.

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Srs. Deputados, vai proceder-se à votação desta proposta de resolução.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata votou a favor do pedido de assentimento para a viagem de S. Ex.» o Presidente da República à Noruega, mas não pode deixar de fazer o reparo para o facto de a Assembleia da República vir sistematicamente a tomar conhecimento dos programas de viagens através dos órgãos de informação.
Embora o artigo 132.º, n.º 1, da Constituição não tenha expressa qualquer referência nesse sentido, sejamos que seria mais curial futuramente ser esta Câmara minimamente informada acerca desta matéria.
Defendemos a solidariedade entre os diferentes órgãos de soberania e, por isso, julgamos pertinente e útil o fornecimento de uma recíproca e leal informação.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Habitualmente não fazemos declarações de voto sobre a votação do assentimento da Assembleia da República a viagens do Sr. Presidente da República.
Nunca aqui se levantou a questão de sabermos antecipadamente o programa dessas deslocações.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Mas que grande defensor!

O Orador: - Logo, para bom entendedor meia palavra basta.
Contudo, vale a pena dizer mais alguma coisa. Parece-nos que é, pelo menos, impertinente o sentido da declaração de voto do PSD. Sobretudo é uma manifestação insólita da parte desse partido em relação a situações exactamente iguais que já dezenas de vezes -pelo menos mais de uma dezena de vezes - foram aqui apreciadas.

O Sr. Gualter Basílio (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sendo assim, teremos de tirar a ilação de que a declaração de voto, para além do que pretende significar, parece efectivamente significar. Como ela terá de significar qualquer coisa, também nós iremos apreciar o assunto para depois podermos concluir,

Aplausos do PCP do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Protesto para que a afirmação do Sr. Deputado Veiga de Oliveira não passe em claro. Não queremos que passe em claro a afirmação, porque o facto de nestas mesmas circunstâncias se terem já votado diversas propostas de resolução sobre esta matéria não significa que o mesmo facto, errado, repetido uma, duas, três ou quatro vezes, não venha a obter uma coloração diferente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se formos condescendentes algumas vezes, nem por isso estaremos obrigados a sê-lo durante toda a vida, sobretudo quando não vemos que da parte dos outros órgãos de soberania haja a mesma condescendência em relação a nós.
Portanto queremos -e temos todo o direito de o fazer, sem que isto seja objecto de quaisquer juízos de intenção - fazer as considerações que entendermos sobre a maneira como este órgão de Soberania é chamado a pronunciar-se sobre um assunto de tamanha importância. Com efeito, ninguém poderá duvidar de que a Assembleia da República deve ser informada com a antecedência necessária, talvez primeiro do que todos os demais, e, portanto, muito antes de todos os órgãos de comunicação social, sobre as viagens do Sr. Presidente

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas sublinhar que no protesto do Sr. Deputado Amândio de Azevedo ficou inteiramente justificada a minha declaração de voto. Com efeito, o Sr. Deputado Amândio de Azevedo disse que não há que ter ...

Pausa.

A palavra que o Sr. Deputado usou não foi «complacência» parece-me que foi «contemplação». Disse que não havia que ter contemplação com quem não a tem para nós.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não foi nada disso!

O Orador: - Ora trata-se de um revide, pelo que ficamos esclarecidos. O Sr. Deputado entende que não deve ter contemplação por quem não tem con-

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templações consigo. Pois eu digo-lhe que, em termos morais, não é assim que se actua. Em boa moral, nós temos de ter contemplação, independentemente da actuação das outras pessoas. Mas o Sr. Deputado ficará com a sua moral e com o seu revide.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Lima.

O Sr. João Uma (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer que votámos favoravelmente esta proposta de resolução, não por condescendência ou por outros motivos, mas porque entendemos que o Sr. Presidente da República constitui um Órgão de Soberania cuja competência e actividade é independente da Assembleia da República. Como tal, pensamos que o assentimento à sua deslocação e a sua utilidade política não está dependente do conhecimento do plano dessa viagem. Naturalmente que o Sr. Presidente da República- teria dado conhecimento dos envolvimentos políticos desta viagem ao Governo que, como condutor da política externa portuguesa, teria já aconselhado o Sr. Presidente da República na melhor maneira de proteger os interesses de Portugal.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Então qual é o nosso papel?

O Orador: - Esta é a realidade. Entendemos que o PSD, que fez as observações que fez, devia ter tido a coragem de, em vez de as ter dito, ter discutido o fundo da viagem do Sr. Presidente da República e ter porventura votado contra a proposta de resolução. Não o fez. Sendo assim, o problema é do PSD, que não é da Câmara.
Mais uma vez registamos que é no momento em que o Presidente da República é afrontado por certas forças políticas nacionais que este problema foi, pela primeira vez, levantado nesta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer um protesto muito breve.
O Sr. Deputado João Lima começa a ser demasiado fértil em afirmações despropositadas e ofensivas para os outros grupos parlamentares.
Gostaria de registar o seguinte: para o Sr. Deputado João Lima a Assembleia da República não tem de saber nada, tem apenas de receber o pedido de assentimento e, respeitosamente, sem pensar, votar a favor desse pedido. Essa parece ser a concepção da dignidade desta Assembleia que tem o Sr. Deputado João Lima. A minha concepção é contrária a esta, Sr. Deputado. Para que a Assembleia da República vote sim ou não a essa autorização, tem de saber porque é que o faz. Ora, para saber essa razão tem de conhecer os pormenores da viagem e as suas implicações políticas. De outra maneira não se compreende esse processo.
O PSD vota de acordo com as suas razões, devidamente ponderadas, não por chicana, não se baseia em quaisquer motivos que não sejam a análise aprofundada, séria e serena dos problemas que são trazidos a esta Assembleia. Não é o facto de o Sr. Deputado fazer afirmações como as que acaba de fazer que nos .fará mudar a nossa atitude. Se entendêssemos que havia razões para votarmos contra, teríamos tido a coragem de o fazer, sem precisarmos que o Sr. Deputado nos fizesse sugestões nesse sentido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Lima.

O Sr. João Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que eu não fiz a declaração de voto em nome do meu partido para convencer quem quer que fosse, muito menos para convencer o Sr. Deputado Amândio de Azevedo. Fiz esta declaração de voto porque estranho que só agora, volvidos tantos anos, o PSD se tenha lembrado de raciocinar sobre as decisões que tomou anteriormente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só agora é que se lembrou. Ora isto acontece no momento em que, quer queiram, que não, contestam -por um ou outro motivo, ou por razões institucionais- o órgão de Soberania que é o Presidente da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Antes não o fez. Isto é que tem de ser registo dado.

Aplausos do PS.

O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Peço a palavra para interpolar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Era apenas para saber em que norma regimental é que o Sr. Presidente se baseou para permitir os protestos e contraprotestos em relação a declarações de voto.

O Sr. Presidente: - Creio que tem sido praxe autorizar que sei façam protestos relativamente a declarações de voto.

Vozes do CDS: - Mas não pode ser autorizado.

O Sr. Presidente: - Eu penso que pode. Tem a palavra; para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Henrique de Moraes.

O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido hábito desta Câmara votar o assentimento às deslocações do Sr. Presidente da República sem qualquer discussão. Contudo, quero lembrar que do artigo 231.º do Regimento, que diz que a discussão deve ser feita em reunião plenária, resulta que a discussão deve basear-se em matéria que o Presidente da República deve, em nosso entender, fornecer a, esta Camará.

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Votámos favoravelmente este assentimento, porque, por um lado, vem sendo hábito fazê-lo, mesmo sem qualquer matéria fornecida peto Sr. Presidente da República, ei, por outro lado, porque - e a título pessoal posso testemunhai - esta viagem lerá bastante (interesse. Eu estivei, acompanhado de outros elementos desta Câmara, há cerca de um mês na Noruega. Tive aí oportunidade de verificar o interesse que aquelas populações e o Governo norueguês dão aos problemas, marítimos. Soube ainda durante esta viagem, através dos, órgãos de comunicação social, que o Sr. Presidente da República iria encerrar uma exposição marítima, que inclui problemas portugueses e noruegueses.
Como a nossa riqueza em trabalhos marítimos é muito grande, julgamos que é importante esta viagem.
Apesar de tudo, isto é matéria que deveria ter sido comunicada pelo Sr. Presidente da República à Câmara, uma vez que pelo que o facto, dei nós termos bases para uma discussão dignifica as viagens do Sr. Presidente da, República e dignifica esta Câmara;. Só assim a. nossa decisão pode ser mais consciente do que tem sido até aqui. O facto de ao longo destes anos não termos dedicado mais atenção a estes problemas, o que foi um erro, não significa que não se procure emendar o erro, que daqui para o futuro não devamos dar um exemplo de maior compreensão das deslocações do Sr. Presidente da República

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (DR): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Deputados reformadores votaram a favor desta proposta da resolução por vários motivos e sem comentários indirectos.
O primeiro desses motivos é o interesse real da viagem do Sr. Presidente da República à Noruega. É talvez conveniente recordar que a Noruega foi dos países que após o 25 de Abril cooperou intensamente com Portugal em vários domínios, desde a cooperação económica até a alguns auxílios que deram, no seguimento, aliás, de uma posição oficial da Noruega face a uma política anticolonial, desde sempre assumida como ital. A Noruega foi dos países amigos de Portugal e que tomaram essa posição que mais solidários se mostraram com o nosso país no que respeita às consequências, humanas e materiais da descolonizaçao.
Portanto, a Noruega merece da parte, do povo português, representado nessa, viagem, pelo seu mais alto representante, o Sr. Presidente da República, a prava d£ consideração que sempre é dada pela viagem de um Chefe de Estado.
A segunda razão que nos leva a dar o voto favorável é o exalo que tem vindo sempre a ser apanágio das deslocações do Sr. Presidente da República ao estrangeiro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para o intervalo regimental, a sessão está suspensa por um período de trinta minutos.

Eram 17 horas e 55 minutos.

A seguir ao intervalo assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o ponto seguinte da ordem de trabalhos é a discussão conjunta na generalidade das seguintes propostas de lei: n.º 284/I, relativa à «murada em vigor nas Regiões Autónomas dos diplomas emanados dos órgãos de soberania n.º 285/I, sobre a suspensão da aplicação nas regiões autónomas dos diplomas dos órgãos de soberania impugnados perante o Conselho da Revolução pelas respectivas assembleias; n.º 303/I, sobre a entrada em vigor nas regiões autónomas dos diplomas emanados dos órgãos da soberania e publicados no Diário da República; n.º 304/I, que suspende, nas regiões autónomas, a aplicação de diplomas cuja constitucionalidade seja impugnada pelas respectivas Assembleias n.ºs 295/I e 300/I - Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas da Madeira e dos. Açores, respectiva mente; n.º 290/1, que considera determinadas áreas da Região Autónoma dos Açores;, afectadas pelo sismo de l de Janeiro de 1980, regiões rurais economicamente mais desfavorecidas, para efeitos dos benefícios fiscais estabelecidos na lei durante os anos de 1980-1984; projectos de lei n.ºs 447/I e 448/I, sobre o regime eleitoral da Assembleia Regional, respectivamente, dos Açores e da Madeira, apresentados pelo PCP.
Estão em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alcino Barroto.

O Sr. Alcino Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República consagrou expressamente um regime político-administrativo próprio para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Não define, porém, com o rigor bastante, a natureza, o conteúdo e os limites desse quadro jurídico-político, de modo a afastar dúvidas na sua interpretação e execução. Limitou-se a enunciar um conjunto de regras gerais, dogmáticas e programáticas, as quais, na vivência do dia-a-dia, têm dado origem a conflitos que não aproveitam às regiões e nem interessem, tão pouco, à boa convivência dos Órgãos de Soberania e os órgãos do Governo próprios das regiões.
Perante a Constituição, a autonomia surge mais por negação do que por afirmação. Torna-se mais fácil saber-se o que não é autonomia do que o que é autonomia. Esta incerteza de fronteiras permite que a autonomia se confunda com figuras próximas e até antagónicas. Esta confusão só item servido os adversários da autonomia, daqueles que nunca viram com bons olhos as comunidades insulinas tomarem nas suas próprias mãos a condução dos seus próprios destinos.

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Ao cabo de quatro anos de experiência autonômica ninguém nega esta verdade irrefutável: cabe às regiões o poder dever de fixar os contornos e preencher o conteúdo do quadro político administrativo definido na Constituição, com os Imites enunciados na Lei Fundamental.
Vencida esta dificuldade, o processo entrou numa nova fase a que chamamos, talvez impropriamente, de consolidação da autonomia, imas que revela a luta que houve de se travar contra centos moinhos de vento, contra certas mentalidades que vivem ainda ao arrepio do novo sentido dos tempos.
A Madeira começa a surgir aos olhos dos Portugueses, como é pouco a pouco, deixou de ser aquele «negrume paira além da neblina», como a descreveram os navegantes do Infante que passam por a ter descoberto.
Na Madeira vive gente, oriunda de portugueses, desde os tempos das descobertas. O Madeirense não nega a sua ancestralidade, nem esconde o sentimento nacional imanente ao seu mundo cultural e sócio-político. Criou, porém, as suas próprias raízes, a sua própria índole, a sua autoctonia. Apesar e para além dos laços de sangue, de patriotismo e de solidariedade para com o todo nacional. Naquela que foi a primeira descoberta do Império, após quinhentos anos de administração centralizada e centralizadora, com todos os seus erros e as suas poucas virtudes, estão vivos os valores da raça e da saga dos portugueses de antanho.
Atravessámos cinco séculos de história sem nunca deslustrar o nome de Portugal. Para onde fomos levámos e deixámos, nas terras e nas mentes que encontrámos, bem marcadas, as qualidades e as virtudes desse Portugal que recriamos. Hoje, a Madeira e as suas comunidades de emigrantes, espalhadas por todas as partidas do Mundo, alcançou o respeito e até a admiração de todos. Somos tidos por autênticas reservas de paz, de tranquilidade social e de progresso repartido por todos, sem distinção de credos religiosos ou políticos, origens sociais ou locais de nascimento. Afirmamo-nos, contudo e sempre, como ilha dentro e fora dela.
Tanto basta pana mostrar que os destinos da Madeira e dos Madeirenses terão de ser traçados, moldados e praticados pelos próprios madeirenses, na sua própria terra e dentro dela. Tanto basta para demonstrar que será pura ilusão tentar forcar o recuo da história, pretender que a Madeira seja de novo governada por uma Metrópole, insensível e distante idos reais problemas e das legítimas aspirações dos Madeirenses.
A Madeira não é o ponto de equilíbrio da ruptura de comunidades da mesma origem o ponto de conciliação entre um passado de glória e um presente de incerteza; o ponto de encontro entre o começo e o fim dia transnacionalidade portuguesa, como diria André Breton. Com Apollinaire pensamos: «Para tornar o imundo melhor não basta restabelecê-lo em bases sociais mais justas - é preciso tocar na própria essência do Verbo.» Para compreender a real idade madeirense torna-se mister alterar a essência do pensamento de todos os portugueses e prepará-los para aceitar experiências novas, vivas e ricas de sentido humano e significado político.
A autonomia constitui, ao mesmo tempo, uma aposta e um desafio aos Madeirenses. Mas para que se ganhe essa aposta e se vença esse desafio os Madeirenses têm de dispor dos instrumentos jurídico-políticos adequados, quais sejam: a política do céu aberto, a zona franca e o estatuto político-administrativo.
Para ganhar a batalha da autonomia, a Madeira tem de poder controlar e dominar o seu espaço aéreo; colocá-lo ao serviço das necessidades materiais, pessoais e morais das populações; subtraí-lo às contingências das lutas partidárias e sócio-profissionais que, por mais legítimas que sejam, não raras vezes confundem o acessório com o essencial, o transitório com o permanente e que, além de atrasar o processo de desenvolvimento autonômico, causam prejuízos irreparáveis na economia da Região.
A zona franca permitirá suprir a falta de indústrias competiu vás internacionalmente e aproximar a Madeira das condições mínimas para a sua correcta inserção em grandes espaços económicos e financeiros.
O estatuto político-administrativo fará esquecer de vez a provisoriedade da lei-quadro base da Autonomia, na certeza de que não se quedará imutável, mas tão-só menos precário e impreciso.
Afigura-se-nos ainda legítimo esperar desta Assembleia a revogação do diploma conhecido por «Contrôle da legalidade dos diplomas emanados das regiões autónomas», que nada mais é do que a institucionalização da suspeite sobre a competência dos órgãos de poder próprios. Autêntico estatelo de menoridade política, nunca funcionou que se saiba e bem podia ser substituído por um tribunal de conflitos que até poderia ser o Supremo Tribunal de Justiça, com competência exclusivamente política e destinado a resolver os diferendos, nesta sede;, que surgissem entre os órgãos de soberania e os órgãos de poder próprios. O controle da legalidade e da constitucionalidade dos diplomas ficaria cometido, como está, às instâncias próprias, sem distinção e sem necessidade de uma estrutura paralela que só serve paira agravar a confusão, num domínio já de si deveras melindroso.
Parafraseando o filósofo francês, diria a rematar: «nós não somos melhores, nem piores: somos, simplesmente, diferentes.» A diferença que nos distingue não reside, porém, no aeroporto que não temos; na zona franca por que esperamos; no estatuto que consagrará, em termos claros, explícitos e rigorosos, a autonomia reconhecida na Constituição. A diferença desde na magia das noites e do bailinho da Madeira e no que (representem para todos os madeirenses, sobretudo para aqueles madeirenses que, nem por estarem imãs afastados da sua terra, estão mais longe dela.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado Alcino Barreto, ao fazer-lhe os pedidos de esclarecimento}: que lhe vou fazer estou pressupondo que V. Ex.ª não terá a este respeito o entendimento do Presidente do Governo Regional da Madeira, que entende que o

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meu partido não tem legitimidade para se pronunciar sobre estas matérias. Como faço diferença entre Deputados da Assembleia da República e gorons políticos, eis porque me permito fazer-lhe algumas perguntas.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Está doido!

O Orador: - Ainda não estou, Sr.ª Deputada. Aparentemente, parece que a Sr.ª Deputada é que está.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Para dizer o que disse, vê-se mesmo que está doido!

O Orador: - Outros já me ultrapassaram, a começar por aqueles que me interpelaram nesta matéria.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - É doido!

O Orador - Sr. Deputado Amândio de Azevedo em matéria de tolices...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Ninguém lhe fica á frente.

O Orador:- ..., sou ultrapassado por muita gente. Não estou isento disso, pois toda a gente as pode dizer. Mas certamente que há Deputados, como V. Ex.ª que me levam a melhor e que batem recordes. Desses recordes não quero eu bater nenhum,

Aplausos do PCP.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Já só pensa nos Jogos Olímpicos de Moscovo!

O Orador. - Sr. Deputado Pedro Roseta, V. Ex.ª tinha estado tão longe desta corrida e quer agora bater o seu colega de bancada? Caramba! Nem essa palma deixa levar o Sr. Deputado Amândio de Azevedo? Deixe-o, pelo menos, batê-lo em matéria de tolices caramba!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peça os esclarecimentos. Não esteja a perder tempo.

O Orador: - Também o Sr. Deputado Narana Coissoró? Caramba, que ciumentos são os Srs. Deputados da AD! Nem em matéria de saber quem diz mais tolices deixam que outro leve a palma!

Risos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Está a ganhar tempo para conseguir pensar?

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, certamente que nesta conversa pelo menos noventa por cento dos Deputados desta Assembleia já se tinham lembrado de que o Sr. Deputado não tinha falado.

Risos do PCP e do PS.

O Sr. Deputado veio, ao fim e ao cabo, tirar a perplexidade que muita gente já tinha ao fim destes segundos de discussão lateral sobre a matéria.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Tire lá o gurou!

O Orador: - Não se impaciente, Sr.ª Deputada Helena Roseta. A Sr.ª Deputada não costuma ser assim. Por que razão há-de estar assim agora? Tranquilizemos e serenemos as discussões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vital Moreira, queira formular as perguntas sem estabelecer diálogo.

O Orador: - Sr. Presidente, eu queria dar um contributo para a serenidade das nossas discussões nesta Assembleia.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - A intervir dessa forma não consegue!

O Orador. - Sr. Deputado Manuel Moreira, limite-se a fazer apartes, que parece ser a sua função nesta Assembleia.

Rimos do PCP e do PS.

Sr. Deputado Alcino Barreto, entre as perguntas que lhe queria colocar, permito-me colocar-lhe a seguinte questão: o Sr. Deputado referiu o sistema de controle de legalidade dos actos regionais como sendo uma coisa anómala a ser abolida, tendo qualificado esse sistema como sendo um sistema paralelo ou feito por uma entidade paralela. Temo que tenha havido da sua parte uma confusão. Como tal, gostaria de saber se ela existe ou se o Sr. Deputado queria dizer aquele que a aparentemente quis dizer.
Na realidade, o controle da legalidade que actualmente existe e que decorre da Constituição atribui ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para se pronunciar sobre a legalidade dos actos dos órgãos das regiões autónomas, assim como sobre a legalidade dos actos dos órgãos de soberania que tenham relevância nas regiões autónomas. Será este sistema que considera anómalo e paralelo? Será que aquele sistema que propõe é aquele em que não haja nenhum controle da legalidade?
A não ser esta a sua proposta - não creio que seja esta sua ideia, que não haja controle da legalidade dos actos do Governo do Sr. Alberto João Jardim -, qual é o sistema alternativo para controle na legalidade dos actos regionais?
De resto, o Sr. Deputado está equivocado quando diz que o sistema não funciona. Ele só não começou a funcionar mais cedo porque a lei que o regulo não apareceu mais cedo. Devo, no entanto, informá-lo de que já tem funcionado, pois já há decisões em matéria de controle da legalidade, para azar do Presidente do Governo Regional da Madeira.
Esta era a primeira pergunta que lhe gostaria de fazer.
A segunda questão é de fundo. Tem a ver com o seguinte: estranhamente, o Sr. Deputado citou mais autores franceses do que portugueses. Por outro lado, fez um entendimento de autonomia regional que me deixou algo perplexo e. sobretudo, com alguma preocupação.
Com efeito, dir-se-ia que o Sr. Deputado estava a faiar não da regulamentação da autonomia regional, desenvolvendo e concretizando os princípios que constam da Constituição, mas que estava a tratar de uma coisa em abstracto e que nada tivesse a ver com a actual Constituição. Na verdade, ao ler a proposta de estatuto regional vinda da Assembleia Regional da Madeira, é de colocar a seguinte quês-

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tão: será que a Assembleia Regional da Madeira ao elaborar esta proposta de lei teve em conta sequer a Constituição da República? De facto, o orar de coisas inconstitucionais é de tal modo que sobra a dúvida sobre saber se esta proposta de estatuto regional foi elaborada tendo em conta a Constituição da República ou se foi elaborada tendo em conta o projecto de revisão constitucional do digníssimo Presidente da Assembleia Regional da Madeira, publicitado através do órgão oficial do partido a que o Sr. Deputado pertence. Com efeito, há propostas e soluções neste diploma que ultrapassam todas as medidas susceptíveis de serem defendidas em sede de autonomia regional. Para não ir às muito polémicas, limitar-me-ei a perguntar-lhe se entende que é respeitar os princípios constitucionais, como invocou na sua intervenção, por exemplo, propor a possibilidade de autorizações legislativas da Assembleia da República às assembleias regionais ou propor a possibilidade de autorizações legislativas da Assembleia Regional ao Governo Regional ou ainda propor círculos eleitorais de madeirenses fora da Madeira. E, a propósito, gostaria de lhe perguntar como é que define esse conceito jurídico de madeirense e onde é que está a base constitucional para a criação de círculos extraterritoriais em relação a uma Região Autónoma, que é, obviamente, uma realidade territorial.
E isto para citar apenas dois ou três exemplos mais flagrantes. De resto, se quisesse enumerar o rol, ele era tão grande que gastaria aqui muitos minutos para dar exemplos mais cabais.
Assim, o que eu pergunto é se, da parte dos Deputados dos partidos governamentais, sobretudo daqueles que foram eleitos pelos círculos eleitorais correspondente às regiões autónomas, no caso concreto o da Madeira, há ou não o consenso de que esta proposta de estatuto regional carece, digamos, de um mínimo de aproximação em relação ao modelo e aos princípios fundamentais da Constituição para merecer a aprovação da Assembleia da República, ou seja, colocando-me de outro ponto de vista, se se espera ou supõe que esta proposta de estatuto regional possa vir a ser aprovada tal como está, sem alterações de fundo, sem alterações essenciais.
Eram estas as perguntas que, para já, gostava de lhe fazer e para as quais gostaria de obter uma resposta com a mesma seriedade com que as pus. Obviamente, esta advertência final não deve ser tomada como uma advertência, deve ser tomada apenas como uma proposta de reciprocidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alcino Barreto, há mais um Sr. Deputado que pretende pedir esclarecimentos. Prefere responder já ou no fim?

O Sr. Alcino Barreto (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Alcino Barreto discorreu a respeito de autonomia e devo dizer-lhe que, em certa altura, não percebi se estava a falar de autonomia ou de qualquer outros efeitos que se quiser, estão para aquém e para além da autonomia.
Falou, por exemplo, do espaço aéreo e da necessidade absoluta de a Região Autónoma da Madeira dominar o seu espaço aéreo, da zona franca e de coisas quejandas. Como digo, isto dá para aquém e para além da autonomia, tudo isto pode existir com ou sem autonomia, e nós devemos tratar, antes de tudo, da autonomia, que é um pouco mais do que isto.
Mas a pergunta que eu queria fazer-lhe é a seguinte: o Sr. Deputado disse que era preciso subtrair estas questões aos diferendos partidários e sócio-profissionais, que são transitórios, etc., etc., sugerindo, naturalmente, que há porventura circunstâncias, ou locais, na Madeira ou fora dela, onde há verdades perenes, onde há realidades que não são transitórias e, essas sim, devem comandar problemas tão graves como aqueles em que o Sr. Deputado falou, embora um pouco lateralmente em relação à autonomia.
Pergunto ao Sr. Deputado como é que o Sr. Deputado quer tratar da autonomia sem falar nos interesses sócio-profissionais, nos interesses do povo da Madeira e do povo português em geral e, naturalmente, nos seus representantes democráticos que são os partidos políticos. Quer explicar-me, Sr. Deputado, o que quis dizer com a subtracção às posições dos partidos políticos e aos interesses sócio-profissionais de problemas que envolvem a Madeira e envolvem também Portugal no seu conjunto?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alcino Barreto para responder, se desejar.

O Sr. Alcino Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria responder pela ordem por que me foram postas as questões e, portanto, começo pelo Sr. Deputado Vital Moreira dizendo que legitimidade e autoridade não se dão, adquirem-se, conquistam-se por méritos próprios. Não quero meter-me nessa contenda que me parece que tem pendente com o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não tenho!

O Orador: - ... nem tão-pouco na distinção que o Sr. Deputado faz entre grupos políticos e Deputados da Assembleia da República. Parece-me que cada um tem o seu papel e cada um actua de harmonia com os ditames próprios da sua consciência e da sua formação pessoal.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Responderei às questões muito rapidamente, porque o tempo hoje é bastante escasso, e, se não abordar as questões com a vastidão e profundeza que elas merecem, fica para uma altura mais adequada, em que haja mais tempo disponível.
Quanto ao contrôle da legalidade, creio que não me vou meter em matéria tão complexa, em que o Sr. Deputado é mestre, e por isso mesmo creio que o Sr. Deputado também não discorda da existência de dois mecanismos, pelo menos, paralelos de apreciação da legalidade dos diplomas. Há o contrôle que é

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feito directamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, como está consagrado nesse lei, e há o contrôle de caso para caso feito pelos próprios tribunais. Quer dizer, um diploma, apesar de não ter sido declarado inconstitucional por nenhum órgão competente, pode ser apreciado e declarado como tal através da apreciação de um caso concreto.
São estas divergências de tratamento, para as quais parece que se arranjou uma tutela em relação aos órgãos regionais, ou melhor, e aproveitando as suas próprias palavras, em relação ao Executivo Regional, que me parece que está na mente ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Creio que o Sr. Deputado podia fazer um ponto no seu argumento se, de facto, esse sistema especial de controle da legalidade valesse apenas contra os órgãos regionais. Mas o Sr. Deputado sabe que não é assim, pois isso vale também contra os Órgãos de Soberania quando emitem normas respeitantes às regiões autónomas. Não há aí qualquer tratamento discriminatório contra as regiões. O que há é um sistema, especial sim, mas que se aplica por igual em desfavor das regiões autónomas, se é que controlar a legalidade dos actos regionais é em desfavor das regiões autónomas, mas que, no fundo, é também a favor delas quando, por esse processo especial e expedito, se defendem as regiões autónomas contra actos ilegais de Órgãos de Soberania que as lesem.
Portanto, esse sistema, digamos, favorece as regiões autónomas por duas vias, porque as defende de actos ilegais dos seus próprios órgãos, mas defende-as também, e sobretudo, de actos ilegais de Órgãos de Soberania, inclusivamente desta Assembleia da República, que porventura sejam lesivos dos órgãos regionais e das regiões autónomas.
Por isso parece-me que o seu argumento não é pertinente na medida em que, embora sendo um sistema especial, ele não é de modo algum discriminatório para as regiões autónomas.

O Orador: - Bem, eu admito perfeitamente essa visão do problema, mas tem de confessar, e foi o Sr. Deputado que o disse, que na base da criação deste dispositivo legal estaria uma certa preocupação em relação aos diplomas emanados dos órgãos regionais, tanto legislativos como executivos. Essa parece-me ser a ideia base do diploma e, se não é, se efectivamente houve uma preocupação em não afectar, digamos, em controlar ao contraído a legalidade dos diplomas emanados de outros órgãos que afectassem os interesses das regiões, acredito que isso esteja lá, cabe perfeitamente na economia do diploma, mas parece-me que a preocupação e o objectivo fundamental daquele diploma foi exactamente o contrário, isto é, evitar que se emitissem diplomas, quer ao nível executivo, quer ao nível legislativo, que fossem inconstitucionais e por isso se criou um órgão próprio de controle.
Poderei ter uma visão errada do problema, e inclusivamente admito que me chamem sectário neste aspecto - e o Sr. Deputado há-de convir que nós os Madeirenses temos uma sensibilidade especial quanto aos problemas que afectam a nossa terra, confessamo-la, não nos sentimos diminuídos por isso, acredito que a minha visão do problema seja uma visão unilateral.
Esta é a minha convicção pessoal, ou seja, creio que foi criado um órgão especial para controlar os diplomas emanados das regiões. Repito, esta é a minha visão pessoal, muito embora o Sr. Deputado possa ter uma visão contrária à minha. Mas, como esta é a minha maneira de ver o problema, com toda a franqueza e toda a objectividade lhe digo que não tenho preconceitos em assumir a capitis diminutio desta minha maneira de interpretar a lei. Quanto à questão sobre a autonomia, é evidente que a Constituição não tem uma interpretação fixa e dentro das situações possíveis é evidente que existem preceitos, mas quanto ao projecto do estatuto político-administrativo que aqui discutimos, e embora com uma certa tolerância e abertura de espirito, parece-me que ele não cabe dentro da Constituição. Temos de ter em atenção a preocupação política que houve na feitura do documento, que me parece que, em certa medida, estará para além dos limites impostos pela Constituição - e nós, com realidade e com objectividade, temos de confessá-lo -, mas creio que esta dúvida está amplamente debatida e será vista em pormenor amanhã quando se discutir o Estatuto Regional.
Não vou dizer que estou convencido que todos os preceitos constantes da proposta são constitucionais, porque, à partida, me parece que há um consenso de pessoas responsáveis, inclusivamente de técnicos, que já fixaram uma interpretação da Constituição, que me parece ser comummente aceite por todos os partidos desta Assembleia e que tem de ser acoite pelas pessoas de bom senso.
Por isso, e conhecendo os pontos de maior fricção, creio que vamos chegar a uma plataforma que nos permitirá eliminar esses preceitos do estatuto e o estatuto há-de passar com aquilo que me parece ser a base essencial do diploma.
Quanto às questões que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira me pôs, creio que temos de confessar com honestidade que ninguém sabe até onde poderá ir a autonomia. Neste momento confesso que não sei.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - A autonomia pode ir tão longe quanto possível e quanto necessário para o bem-estar e para o desenvolvimento do povo da Madeira. É este o nosso entendimento, desde que isso não afecte a unidade nacional.
Sr. Deputado, nós somos pela mais ampla autonomia ...

Risos do PSD e do CDS.

... mesmo que a palavra "ampla" lhe possa soar mal aos ouvidos, graças a certa propaganda. Mas a questão não está em saber a amplitude da autonomia e há exemplos, por esse mundo fora, que mostram que a autonomia pode ser bem mais ampla do que os senhores imaginam sem ferir a unidade nacional.

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feito directamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, como está consagrado nesse lei, e há o controle de caso para caso feito pelos próprios tribunais. Quer dizer, um diploma, apesar de não ter sido declarado inconstitucional por nenhum órgão competente, pode ser apreciado e declarado como tal através da apreciação de um caso concreto.
São estas divergências de tratamento, para as quais parece que se arranjou uma tutela em relação aos órgãos regionais, ou melhor, e aproveitando as suas próprias palavras, em relação ao Executivo Regional, que me parece que está na mente ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Dá-me licença que interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Creio que o Sr. Deputado podia fazer um ponto no seu argumento se, de facto, esse sistema especial de controle da legalidade valesse apenas contra os órgãos regionais. Mas o Sr. Deputado sabe que não é assim, pois isso vale também contra os Órgãos de Soberania quando emitem normas respeitantes às regiões autónomas. Não há aí qualquer tratamento discriminatório contra as regiões. O que há é um sistema, especial sim, mas que se aplica por igual em desfavor das regiões autónomas, se é que controlar a legalidade dos actos regionais é em desfavor das regiões autónomas, mas que, no fundo, é também a favor delas quando, por esse processo especial e expedito, se defendem as regiões autónomas contra actos ilegais de Órgãos de Soberania que as lesem.
Portanto, esse sistema, digamos, favorece as regiões autónomas por duas vias, porque as defende de actos ilegais dos seus próprios órgãos, mas defende-as também, e sobretudo, de actos ilegais de Órgãos de Soberania, inclusivamente desta Assembleia da República, que porventura sejam lesivos dos órgãos regionais e das regiões autónomas.
Por isso parece-me que o seu argumento não é pertinente na medida em que, embora sendo um sistema especial, ele não é de modo algum discriminatório para as regiões autónomas.

O Orador: - Bem, eu admito perfeitamente essa visão do problema, mas tem de confessar, e foi o Sr. Deputado que o disse, que na base da criação deste dispositivo legal estaria uma certa preocupação em relação aos diplomas emanados dos órgãos regionais, tanto legislativos como executivos. Essa parece-me ser a ideia base do diploma e, se não é, se efectivamente houve uma preocupação em não afectar, digamos, em controlar ao contrário a legalidade dos diplomas emanados de outros órgãos que afectassem os interesses das regiões, acredito que isso esteja lá, cabe perfeitamente na economia do diploma, mas parece-me que a preocupação e o objectivo fundamental daquele diploma foi exactamente o contrário, isto é, evitar que se emitissem diplomas, quer ao nível executivo, quer ao nível legislativo, que fossem inconstitucionais e por isso se criou um órgão próprio de controle.
Poderei ter uma visão errada do problema, e inclusivamente admito que me chamem sectário neste aspecto e o Sr. Deputado há-de convir que nós os Madeirenses temos uma sensibilidade especial quanto aos problemas que afectam a nossa terra, confessamo-la, não nos sentimos diminuídos por isso, acredito que a minha visão do problema seja uma visão unilateral.
Esta é a minha convicção pessoal, ou seja, creio que foi criado um órgão especial para controlar os diplomas emanados das regiões. Repito, esta é a minha visão pessoal, muito embora o Sr. Deputado possa ter uma visão contrária à minha. Mas, como esta é a minha maneira de ver o problema, com toda a franqueza e toda a objectividade lhe digo que não tenho preconceitos em assumir a capitais diminuto desta minha maneira de interpretar a lei. Quanto à questão sobre a autonomia, é evidente que a Constituição não tem uma interpretação fixa e dentro das situações possíveis é «vidente que existem preceitos, mas quanto ao projecto do estatuto político-administrativo que aqui discutimos, e embora com uma certa tolerância e abertura de espirito, parece-me que ele não cabe dentro da Constituição. Temos de ter em atenção a preocupação política que houve na feitura do documento, que me parece que, em certa medida, estará para além dos limites impostos pela Constituição - e nós, com realidade e com objectividade, temos de confessá-lo -, mas creio que esta dúvida está amplamente debatida e será vista em pormenor amanhã quando se discutir o Estatuto Regional.
Não vou dizer que estou convencido que todos os preceitos constantes da proposta são constitucionais, porque, à partida, me parece que há um consenso de pessoas responsáveis, inclusivamente de técnicos, que já fixaram uma interpretação da Constituição, que me parece ser comummente aceite por todos os partidos desta Assembleia e que tem de ser aceite pelas pessoas de bom senso.
Por isso, e conhecendo os pontos de maior fricção, creio que vamos chegar a uma plataforma que nos permitirá eliminar esses preceitos do estatuto e o estatuto há-de passar com aquilo que me parece ser a base essencial do diploma.
Quanto às questões que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira me pôs, creio que temos de confessar com honestidade que ninguém sabe até onde poderá ir a autonomia. Neste momento confesso que não sei.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - A autonomia pode ir tão longe quanto possível e quanto necessário para o bem-estar e para o desenvolvimento do povo da Madeira. É este o nosso entendimento, desde que isso não afecte a unidade nacional.
Sr. Deputado, nós somos pela mais ampla autonomia ...

Risos do PSD e do CDS.

... mesmo que a palavra «ampla» lhe possa soar mal aos ouvidos, graças a certa propaganda. Mas a questão não está em saber a amplitude da autonomia e há exemplos, por esse mundo fora, que mostram que a autonomia pode ser bem mais ampla do que os senhores imaginam sem ferir a unidade nacional.

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ião: será que a Assembleia Regional da Madeira ao elaborar esta proposta de lei teve em conta sequer a Constituição da República? De facto, o orar dá coisas inconstitucionais é de tal modo que sobra a dúvida sobre saber se esta proposta de estatuto regional foi elaborada tendo em conta a Constituição da República ou se foi elaborada tendo em conta o projecto de revisão constitucional do digníssimo Presidente da Assembleia Regional da Madeira, publicitado através do órgão oficial do partido a que o Sr. Deputado pertence. Com efeito, lei propostas e soluções neste diploma que ultrapassam todas as medidas susceptíveis de serem defendidas em sede de autonomia regional. Para não ir às muito polémicas, limitar-me-ei a perguntar-lhe se entende que é respeitar os princípios constitucionais, como invocou na sua intervenção, por exemplo, propor a possibilidade de autorizações legislativas da Assembleia da República às assembleias regionais ou propor a possibilidade de autorizações 'legislativas da Assembleia Regional ao Governo Regional ou ainda propor círculos eleitorais de madeirenses fora da Madeira. E, a propósito, gostaria de lhe perguntar como é que define esse conceito jurídico de madeirense e. onde é que está a base constitucional para a criação de círculos extraterritoriais em relação a uma Região Autónoma, que é, obviamente, uma realidade territorial.
E isto para citar apenas dois ou três exemplos mais flagrantes. De resto, se quisesse enumerar o rol, ele era tão grande que gastaria aqui muitos minutos para dar exemplos mais cabais.
Assim, o que eu pergunto é se, da parte dos Deputados dos partidos governamentais, sobretudo daqueles que foram eleitos pelos círculos eleitorais correspondente às regiões autónomas, no caso concreto o da Madeira, há ou não o consenso de que esta proposta de estatuto regional carece, digamos, de um mínimo de aproximação em relação ao modelo e aos princípios fundamentais da Constituição para merecer a aprovação da Assembleia da República, ou seja, colocando-me de outro ponto de vista, se se espera ou supõe que esta proposta de estatuto regional possa vir a ser aprovada tal como está, sem alterações de fundo, sem alterações essenciais.
Eram estas as perguntas que, para já, gostava de lhe fazer e para as quais gostaria de obter uma resposta com a mesma seriedade com que as pus. Obviamente, esta advertência final não deve ser tomada como uma advertência, deve ser tomada apenas como uma proposta de reciprocidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alcino Barreto, há mais um Sr. Deputado que pretende pedir esclarecimentos. Prefere responder já ou no fim?

O Sr. Alcino Barreto (PSD): - No fim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Alcino Barreto discorreu a respeito de autonomia e devo dizer-lhe que, em certa altura, não percebi se estava a falar de autonomia ou de quaisquer outros efeitos que quiser, estão, para aquém e para além da autonomia.
Falou, por exemplo, do espaço aéreo e da necessidade absoluta de a Região Autónoma da Madeira dominar o seu espaço aéreo, da zona franca e de coisas que andas. Como digo, isto dá para aquém e para além da autonomia, tudo isto pode existir com ou sem autonomia, e nós devemos tratar, antes de tudo, da autonomia, que é um pouco mais do que isto.
Mas a pergunta que eu queria fazer-lhe é a seguinte: o Sr. Deputado disse que era preciso subtrair estas questões aos diferendos partidários e sócio-profissionais, que são transitórios, etc., etc., sugerindo, naturalmente, que há porventura circunstâncias, ou locais, na Madeira ou fora dela, onde há verdades perenes, onde há realidades que não são transitórias e, essas sim, devem comandar problemas tão graves como aqueles em que o Sr. Deputado falou, embora um pouco lateralmente em relação à autonomia.
Pergunto ao Sr. Deputado como é que o Sr. Deputado quer tratar da autonomia sem falar nos interesses sócio-profissionais, nos interesses do povo da Madeira e do povo português em geral e, naturalmente, nos seus representantes democráticos que são os partidos políticos. Quer explicar-me, Sr. Deputado, o que quis dizer com a subtracção às posições dos partidos políticos e aos interesses sócio-profissionais de problemas que envolvem a Madeira e envolvem também Portugal no seu conjunto?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alcino Barreto para responder, se desejar.

O Sr. Alcino Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria responder pela ordem por que me foram postas as questões e, portanto, começo pelo Sr. Deputado Vital Moreira dizendo que legitimidade e autoridade não se dão, adquirem-se, conquistam-se por méritos próprios. Não quero meter--me nessa contenda que me parece que tem pendente com o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não tenho!

O Orador: - ... nem tão-pouco na distinção que o Sr. Deputado faz entre grupos políticos e Deputados da Assembleia da República. Parece-me que cada um tem o seu papel e cada um actua de harmonia com os ditames próprios da sua consciência e da sua formação pessoal.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Responderei às questões muito rapidamente, porque o tempo hoje é bastante escasso, e, se não abordar as questões com a vastidão e profundeza que elas merecem, fica para uma altura mais adequada, em que haja mais tempo disponível.
Quanto ao controle da legalidade, creio que não me vou meter em matéria tão complexa, em que o Sr. Deputado é mestre, e por isso mesmo creio que o Sr. Deputado também não discorda da existência de dois mecanismos, pelo menos, paralelos de apreciação da legalidade dos diplomas. Há o controle que é

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regra, a Administração Central, a menos que o interesse regional justifique e nos estatutos de outro modo se prescreva.
A consideração e o bom entendimento destas elementaridades são necessários para que se não caia na tentação de modelos de autonomia que a nossa Constituição não comporta.
Armado deste substrato doutrinário mínimo, começarei por uma rápida leitura crítica do projecto de Estatuto da Região Autónoma da Madeira, tão-só para assinalar os seus pecados capitais - os veniais ficam para a especialidade.
Artigo por artigo, a começar pelo 1.º: Concebe a Região Autónoma da Madeira como «sujeito constitucional próprio». Se o estatuto assim o consagrasse, consagraria um sujeito inconstitucional e próprio.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O artigo 3.º inclui no conceito de autonomia regional «poderes de natureza estatutária» e «financeira». Sobre esta já disse quanto basta, sobre aqueles poderes é patente que a Constituição os não confere às regiões. Os seus estatutos são, segundo a Constituição, da competência desta Assembleia. Se a referência tem por conteúdo de poder de propô-los, e de a região ser ouvida sobre a rejeição ou alteração da proposta, é pomposa de mais e deve ver reduzida às constitucionais proporções.
Artigo 9.º: Neste artigo, secundado pelo que se dispõe nos artigos 6.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º e 24.º, procura lançar-se o conceito «povo da Madeira» como sujeito de direitos e obrigações, em contraposição ao povo português. É um começo de afloração, de que, no entanto, se fazem decorrer desde já algumas consequências jurídicas. Seria mais salutar falar-se apenas em portugueses nascidos na Madeira ou aí residentes.
Artigo 11.º: Neste artigo, como aliás em outros que aqui se dão por referidos, elimina-se a referência constitucional ao Conselho da Revolução. É uma forma de antecipar a revisão da Constituição, com a qual não estamos de acordo.
O n.º 1 do artigo 232.º dia Constituição prevê a audição do Conselho dia Revolução como acto prévio da nomeação do Ministro dia República. Riscando essa formalidade, o artigo 11.º encontra-se pura e simplesmente ferido dei inconstitucionalidade. O desamor à Constituição não a revoga!
Artigo 12.º: Inclui, entre os podereis do Ministro da República, os de exonerar demitir o Presidente do Governo Regional.
Não desconheço que assim dizendo, em parte (transcreve! o que consta do Estatuto Provisório, porque sou co-responsável. E talvez bem, já que, em regra, quem nomeia exonera, só que a uma segunda leitura da Constituição fiquei com dúvidas que ainda não desfiz.
A Constituição de que o Ministro da República nomeia o Presidente do Governo Regional, no mesmo artigo em que prescreve que nomeia e exonera os restantes membros do Governo Regional. Quererá isto dizer que não pode exonerar o Presidente do Governo Regional?
Parece ser essa a conclusão mais Ilógica se tivermos em conta que o Governo Regional responde politicamente perante a Assembleia Regional e não perante o Ministro da República.
De qualquer modo, a faculdade de o Ministro da República demitir o Presidente do Governo Regional é que nunca estaria em causa. Se este entendimento é bom e por isso o tenho -, o artigo 12.º com apreço é mau. É inconstitucional!
Artigo 16.º: Segundo o n.º 2 deste artigo, cada círculo eleitoral elege um deputado por cada 3500 eleitores recenseados ou fracção superior a 1750. Mas logo o n.º 3 acrescenta que os círculos com menos de 3500 eleitores recenseados - agora sem limite mínimo elegerão sempre um Deputado.
Afigura-se-me que este Deputado obrigatório, independentemente do número de eleitores, fere o princípio da representação proporcional, na conversão dias votos em mandatos, consagrado no artigo 116.º, n.º 5, da Constituição.
O mesmo se verifica, quanto a mim, quanto ao Deputados a eleger pelos madeirenses residentes no restante espaço nacional, sem qualquer relação com o número de madeirenses, recenseados. Quanto aos Deputados a eleger pelos madeirenses residente no estrangeiro, um Deputado por cada 5000 eleitores recenseados, com o limite máximo de quatro, também esta norma viola o referido princípio, já que a regra excepcional do n.º 2 do artigo 152.º da Constituição só à feição da Assembleia da República se refere.
Sem pretendemos inviabilizar de plano as soluções subjacentes quando reconduzidas, se possível, o que não creio, ao respeito pela Constituição -, convidamos esta Assembleia a repensá-las à luz das consequências e dificuldades que comportam.
É aqui que se põem, com acuidade, os riscos da autonomização do povo da Madeira como entidade jurídica a se. Ë aqui que cabe uma reflexão em profundidade sobre a natureza jurídica das regiões insulareis. Pela própria designação e definição constitucional, as regiões são mais um espaço do que uma comunidade humana, sendo que o quid que lhe confere especificidade, é a geografia insular.
Assim sendo, a que título ir catar entre os portugueses do continente e dos Açoreis 05 eleitores que nasceram na Madeira? Acaso vota pelo círculo eleitoral do Minho o minhoto que vive no Alentejo? Ou na Madeira? Em matéria de discriminações é prudente não se ir além das que; se não podem evitar!
Dito isto, já nem valia a pena dizer que o disposto no ,n.º 6 do artigo 16.º é também inconstitucional ao prescrever que cada um dos círculos exteriores à Madeira elegerá sempre um Deputado «independentemente do número de eleitores recenseados». Mesmo que seja um só? Neste caso elege-se a si mesmo? Há que evitar as caricaturas!
Por último, quanto a este artigo, inconstitucional é ainda o disposto no n.º 7, ao estabelecer que as eleições nos círculos exteriores à Madeira «serão ou não realizadas conforme resolução da Assembleia Regional, em função de critérios de viabilidade». Como é? Eleições por acto discriminatório, ou pouco menos, do próprio órgão a eleger? Número variável de Deputados, consoante as eleições se façam ou não? A que fica (reduzida a regra constitucional de que «a validade dos actos eleitorais compete aos tribunais»?

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No fundo, esta regra fera de morte a criação destes círculos «alienígenas», aio admitir a inviabilidade das eleições previstas paxá eles.
Antigo 17.º: Nos círculos exteriores à Madeira votam «os madeirenses neles residentes e recenseados». Sabe-se quem é e não è português, o que nem sempre é fácil. Mas quem é e não é madeirense? Em parte alguma do projecto, ou fora dele, se encontra definido o estatuto de Madeirense. Teremos aí em breve um projecto de lei da «regionalidade» madeirense?
Artigo 21.º: Na alínea b) do n.º 1 deste artigo diz-se que o número de candidatos suplentes é «igual ao número de candidatos efectivos, mas nunca inferior a (três». Em que ficamos? Podem ser três ou mais ou têm de ser tantos quantos os efectivos?
Antigo 26.º: Na alínea c) do n.º 1 deste artigo, diz-se que perdem o mandato os Deputados que «sejam judicialmente condenados, participem em organizações antidemocráticas e 'totalitárias ou que afectem a integridade nacional». Assim se quis fugir à referência constante do estatuto provisório às organizações que perfilhem a ideologia (fascista. Só que, perfilhar organizadamente esta ideologia é um crime tipificado. Participar em organizações antidemocráticas e totalitárias mo é. E como não se pode ser judicialmente condenado por um crime que não existe, estamos em face do chamado crime impossível, ou seja, de um caso ide perda «impossível do mandato.
Artigo 34.º: Na alínea a) do n.º 1 deste artigo diz-se que compete à Assembleia Regional elaborar o estatuto político-administrativo da região e o projecto dias respectivas aliterações.
Lapso, decerto, pois também do estatuto a Assembleia Regional só pode elaborar o projecto.
Na alínea b) estabelece-se que à Assembleia Regional compete legislar em matéria de interesse paira a região, dentro dos limites e no quadro da Constituição.
Coisa diversa estabelece a própria Constituição. Nela se inclui, entre as atribuições das regiões, a de legislar com respeito da Constituição e das leis gerais da República, e em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas a competência própria dos órgãos de soberania.
Como se vê, o projecto de estatuto da Madeira revê de véspera a Constituição e corta dela maços suculentos de incómodo.
É claro que o que vale é o que diz a Constituição, até ver ainda não revista, e o projecto é, também neste passo, inconstitucional.
Na alínea d) prevê-se a apresentação, pela Assembleia Regional, à Assembleia da República de propostas de alteração a diplomas em debate nesta, aliás, sem distinguir entre diplomas emergentes ou não de projectos apresentados por aquela Assembleia. Tão longe não vai a Constituição, que só prevê a apresentação de propostas de lei. O acrescento encontra-se, assim, ferido de inconstitucionalidade.
Na alínea b) confere-se à Assembleia Regional competência para apreciar as contas da região. Nada a opor se se tratar apenas de apreciação preliminar à sua apreciação definitiva pela Assembleia da República, a quem cabe tomar as contas do Estado, sendo que as contas das regiões também são do Estado.
Na alínea b) prevê-se a autorização dia Assembleia Regional ao Governo Regional paira este contrair empréstimos em nome da região. Nada a opor se se tratar de empréstimos internos. A Constituição opõe-se se de empréstimos externos se tratar. O próprio Governo Central só pode fazê-los mediante autorização da Assembleia da República. Como, sem ela, os faria Governo Regional? Ou se restringe a norma aos empréstimos internos ou, tal como está, seira objecto de mais uma pretensa «perseguição» do Conselho da Revolução à AD.
Na alínea q) prevê-se que a Assembleia Regional confira ao Governo Regional autorizações legislativas e chame a ratificação os decretos elaborados no uso dessas autorizações. Na Constituição não. se prevêm estas faculdades, mas crê-se, embora com dúvidas, que podem ser consagradas. A competência legislativa é conferida à região, como nesta se há-de distribuir entre a Assembleia e o Governo é matéria de estatuto.
No n.º 2 definem-se «leis gerais da República». No entender do projecto seriam «toda e apenas a legislação produzida pelos órgãos de soberania no âmbito da sua competência constitucionalmente exclusiva».
No entender da Constituição não é assim. Leis gerais da República são o que toda a gente entende por isso, leis aplicáveis a toda a República, sejam aprovadas no uso de competência exclusiva, sejam aprovadas no uso de competência cumulativa pela Assembleia da República ou pelo Governo da República.
Mais uma inconstitucionalidade que, aliás, se revestiria, se pegasse, de largo alcance.
Artigo 48.º: O n.º 5 do artigo 48.º do projecto estabelece que as funções de Presidente do Governo Regional são asseguradas, durante a vacatura do cargo, pelo Presidente da Assembleia Regional.
Crê-se que se trata de inovação que não é constitucionalmente sã. A Constituição estabelece que, em caso de dissolução ou suspensão dos órgãos regionais, o governo da região será assegurado pelo Ministro da República.
A dissolução, é claro, dá vacatura. Dá-la-á a suspensão?
De qualquer modo, sendo esta a única estrela polar que a Constituição nos fornece em matéria de substituição do Presidente do Governo Regional, e em caso de vacatura de cargo, é por aí que temos de guiar-nos. Quem o substitui quando o cargo vaga é o Ministro da República. O n.º 5 do artigo 48.º do projecto alinha à direita com os demais dispositivos do projecto que sofrem da maleita da inconstitucionalidade.
Artigo 51.º: No n.º 2 da alínea g) diz-se que compete ao Governo Regional 'dar parecer favorável - logo vinculativo - às nomeações pelo Governo da República para a direcção de quaisquer serviços, institutos ou empresas públicas estatizadas, institucionalizadas, no todo ou em parte, ou com intervenção do Estado, e que exerçam a sua actividade, em parte, na região.
Eis uma competência que não encontra suporte na Constituição. O Governo da República é o órgão superior da administração pública, é um órgão de soberania. Compete-lhe superintender na administração autónoma, compete-lhe ainda praticar todos os actos

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exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas.
Nem com uma calçadeira se encaixa em tão latos e irrestritos poderes o parecer vinculativo do Governo Regional. É mais uma inconstitucionalidade!
Na alínea q) prevê-se que o Governo Regional acorde com o Governo da República as progressivas transferências para a região das competências e serviços 'do Estado existentes.
Ora bem, da Constituição não decorre que se transfiram todas as competências e serviços do Estado na região, alguns, como vimos, sendo de sua natureza intransferíveis.
Bem ao contrário, na alínea h) do n.º 1 do artigo 229.º prevê-se que o Estado continue a superintender nos serviços, institutos públicos e empresas nacionalizadas que não exerçam a sua actividade exclusivamente na região, sempre que o interesse regional não justifique o contrário.
Logo, a superintendência do Estado, quanto a estas empresas, é a regra e a excepção, para existir, tem de ser justificada pelo interesse regional.
Segundo a alínea b) do § único competiria aos órgãos do Governo próprio da região a definição de que o interesse regional justifica que a região também superintenda nos serviços, institutos públicos e empresas nacionalizadas que aí não exerçam exclusivamente a sua actividade.
Eis uma forma subtil de, a dois tempos, esvaziar a competência do Governo Central neste domínio. O Governo Regional só superintenderia quando o interesse regional não justificasse a superintendência, mas como seria ele a definir esse interesse, pois bem, superintenderia sempre que quisesse!
Artigo 57.º: Neste artigo estabelece-se que todas as competências da autarquia distrital extinta transitam para a região.
Por outro lado, no artigo 83.º mantém-se em vigor o Decreto-Lei n.º 101/76, de 3 de Fevereiro, que no seu artigo 3.º confere à Junta Regional, em certo âmbito, a competência administrativa que a legislação atribui aos ministros.
Dos ministros para a junta, da junta para a região, eis outra forma subtil de esvaziar de competência o Governo Central.
Talvez se não trate de jogada consciente, mas este ponto merece também ser repensado com a devida cautela.
Artigo 58.º: Neste artigo repete-se a exigência de parecer favorável do Governo Regional, agora para o Governo da República criar na região novos serviços, institutos ou empresas públicas.
A inconstitucionalidade deste dispositivo é manifesta, pelas razões invocadas em comentários ao artigo 51.º
Artigo 59.º: Repete-se aqui uma inconstitucionalidade já assinalada em comentário à alínea q) do artigo 51.º De novo se prescreve que o Estado transferirá progressivamente para a região todas as competências e serviços - e agora também todos os bens do Estado, existentes na região, à excepção - diz-se agora - dos constitucional e «exclusivamente reservados ao Estado ou à tutela dos órgãos de soberania». Acrescenta-se ainda que estas transferências seriam irreversíveis, ao jeito das nacionalizações de 1975, e, mais do que isso, direitos inalienáveis da região.
Basta repetir aqui o que se disse acolá, para ferir de inconstitucionalidade mais esta pretensão.
Artigo 62.º: Neste artigo trata-se dos órgãos de comunicação social estatizados na região e o que se propõe é, quanto ao essencial, direcção regional própria, designada pelo Governo Regional, e autonomia de gestão e de produção.
Assim se esvaziaria o direito de superintendência do Estado em empresas que não exercem a sua actividade exclusivamente na região e que desempenham - é sabido- uma tão importante função colectiva que a lei a define como serviço público. É mais um aspecto em que o projecto tem de ser repensado e refeito.
Artigo 63.º: Prevê conselhos de informação próprios da região, só que a Constituição os concebe em termos nacionais, um por cada meio de comunicação social, assim, pois, segundo uma concepção não regionalizável.
Artigo 67.º: Prevê-se aqui que os órgãos de soberania «suportem globalmente os custos» da insularidade da Região Autónoma da Madeira. Nos termos do n.º 1 do artigo 231.º da Constituição, devem aqueles órgãos assegurar, em cooperação com os órgãos do Governo Regional, o desenvolvimento económico e social das regiões, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade. Eis, pois, que a Constituição foi mal traduzida.
Artigo 69.º: Prevê-se aqui que a Assembleia Regional possa solicitar autorizações legislativas à Assembleia da República para legislar sobre matéria fiscal, monetária, financeira e cambial. É óbvio que não pode, a Constituição não deixa, é mais uma inconstitucionalidade. Artigo 78.º: Prevê-se neste artigo que os bens do domínio público e privado do Estado, situados no arquipélago, passem a integrar os correspondentes domínios da região. Apenas se exceptuam os bens que interessam à defesa nacional.
Eis uma norma globalizante que parece dever ser repensada em função de elementares realidades e cautelas. Nada na Constituição impõe ou sugere essa transferência de plano. Agir impensadamente, neste domínio, seria imperdoável.
Estas são, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas as árvores mais salientes a uma simples leitura da floresta de enganos em que se desdobra o projecto de Estatuto da Região Autónoma da Madeira. Dizer, depois disto, que apesar de tudo é muito melhor do que as duas precedentes versões, é dizer quanto basta acerca destas.
Deixaram-se de lado árvores de mais pequeno porte e simples arbustos. Da inconstitucionalidade patente ao simples erro técnico ou ao simples descuido de linguagem vai todo um mundo de grandes e pequenos defeitos.
Quer isto significar que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai rejeitar na generalidade o projecto de estatuto da Madeira?
De modo nenhum! A iniciativa legislativa, neste domínio é a única coisa que a Assembleia da República não pode suprir. Tomada essa iniciativa, boa ou má - infelizmente mais má do que boa -, eis quanto basta para que daqui saia um estatuto digno da Região Autónoma da Madeira, já que .para castigo lhe basta ter órgãos de Governo tão maus que foram capazes de produzir tão desastrados projectos.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O nosso voto favorável tem, pois, o sentido da admissibilidade do projecto, mas o nosso compromisso com ele acaba aqui. Tudo dependerá das melhorias indispensáveis que venham a ser-lhe introduzidas na especialidade.
Estamos dispostos a. trabalhar depressa para que o pouco tempo de legislatura que falta chegue para endireitarmos esta vara torta, indo o mais possível ao encontro das legítimas aspirações constantes do projecto, desde que politicamente defensáveis e constitucionalmente sãs.
Já pouco tempo disponho, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para falar do estatuto dos Açores, mas, por um lado, algumas das considerações atrás expendidas podem aplicar-se-lhe com as necessárias adaptações e, por outro, trata-se de uma excelente base de trabalho, próxima nas soluções e até na forma, que é cuidada, de um texto definitivo.
Breves anotações a alguns artigos: nos artigos 11.º, 26.º, 43.º, 52.º, 78.º, 90.º, 91.º e 92.º põem-se de novo, ainda que com novas cambiantes, algumas das questões afloradas a propósito do projecto de estatuto da Madeira.
O artigo 27.º gera funda perplexidade. Em vez de definir genericamente o que deva entender-se por matérias de .interesse específico para a região, para o efeito da definição da competência legislativa desta, arrola as matérias que considera inseridas na definição, essas mesmas a título não taxativo, mas exemplificativo.
A solução não resulta e mostra-se incomparavelmente expansiva do conceito de que se trata.
É óbvio que as matérias não são, em regra, do interesse específico para as regiões por sua natureza, mas pelo seu âmbito de aplicação.
Por se ter esquecido que assim é, caiu-se no arrolamento de matérias de interesse tão-pouco específico para a Região, como a política demográfica, as atribuições e competências das autarquias, a administração portuária e a aeroportuária, as pescas, a agricultura, a política de solos e o ordenamento do território, a saúde e segurança social, o trabalho e o emprego, o ensino, o desporto, a comunicação social, o controle do crédito, etc.
A lista é longa, mas estes exemplos bastam para mostrar que pouco ou nada fica fora dela e que não é o rótulo da matéria que lhe confere interesse específico para a região, mas o âmbito regional do interesse que em cada caso seja posto em causa.
Constam aliás, do rol enunciados de duvidosa constitucionalidade. É o caso da referência à «adaptação do sistema fiscal à realidade económica regional», que parece brigar com a competência exclusiva da Assembleia da República para legislar em matéria fiscal. É também o caso da referenda a «concessão de benefícios fiscais», também reservada à Assembleia da República, é, enfim, a referência ao «.controle e administração dos meios de pagamento internacionais em circulação na Região». Esta pode participar na definição e execução da política monetária, mas poderá legislar nesse domínio?
Como se vê, não são poucas as dúvidas justificadas para esta disposição do projecto.
No artigo 43.º repete-se a inconstitucionalidade já referida a propósito do n.º 5 do artigo 48.º do projecto de estatuto da Madeira. Também aqui se propõe que o Presidente da Assembleia Regional substitua o Presidente do Governo Regional em casos de vacatura do cargo.
Na alínea f) do artigo 44.º atribui-se ao Governo Regional competência para superintender nas delegações, sucursais, agências e outras formas de representação na Região, de serviços institutos públicos e empresas públicas e nacionalizadas, sempre que estejam em causa matérias de interesse específico regional. Assim traduz o projecto a expressão «e noutros casos em que o interesse regional o justifique», constante da alínea h) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição.
É, de certo, uma solução possível, mas que se entende mal. A Região superintenderia matéria a matéria e não sucursal a sucursal ou agência a agência. Não é uma solução apaixonante.
No artigo 60.º prevêm-se protocolos de colaboração permanente sobre matérias de interesse comum ao Estado e à Região. Não é, por certo, uma formulação feliz. A cooperação entre os órgãos do Poder Central e os do Poder Regional estabelece-se numa base orgânica e institucional. Intromete-se mal, entre eles, t» figura do protocolo.
Por outro lado, a expressão matérias de interesse comum ao Estado e à Região postula a existência de matérias de interesse conflituante entre um e outra. Ora a Região faz parte do Estado! Não há conflito possível entre uma e outro.
E depois, protocolos de colaboração permanente em matéria de situação económica e financeira nacional? Em matéria de definição das políticas fiscal, monetária e financeira, quando à Região constitucionalmente cabe participar nessa definição?
Em matéria de adesão ou integração do País em organizações económicas internacionais?
Em matéria de trabalhos preparatórios, acordos, tratados e textos de direito internacional, sem ao menos se limitar a colaboração, aos que digam especialmente respeito à Região?
Como se vê, não é um dispositivo exaltante. Compreende-se o bem fundado da intenção subjacente, mas deve cuidar-se melhor da sua formulação.
No artigo 80.º, mais uma vez a solidariedade nacional funciona apenas num sentido. Compreende-se que, por muito tempo, deva ser assim, mas a solidariedade é reciprocidade e as fórmulas não devem abastardar os conceitos.
Neste artigo inscreve-se nos deveres de solidariedade do Estado o incentivo à progressiva inserção da Região em espaços económicos amplos, de dimensão nacional e internacional. Gostaria, pelo que me diz respeito, de ver este dever mais bem explicitado. Receio tê-lo entendido mal.
No artigo 81.º prevê-se que a Região disponha de um fundo cambial. Esta simples alusão não dá a exacta medida da ideia subjacente. Se tem algo a ver com qualquer restrição à unidade monetária e cambial do espaço português, temos, para opor-lhe, as nossas reservas - aliás, no interesse da Região, tanto ou mais do que no interesse nacional.
No projecto apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia Regional dos Açores previa-se a criação de um conselho monetário e cambial com a função de assegurar a participação da Região na definição da política monetária e cam-

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bial. Essa proposta não foi aceite, mas, em nosso entender, o caminho é esse.
No artigo 82.º incluem-se algumas soluções, em princípio justas, mas, porventura, demasiado simplistas e generalizantes. Refiro-me ao direito da Região aos impostos nela cobrados e aos incidentes sobre mercadorias destinadas à Região e liquidadas fora do seu território. O princípio é válido, mas talvez deva computar excepções. Quid júris, por exemplo, quanto ao destino das custas judiciais cobradas na Região?
No artigo 87.º prevê-se que a Região possa movimentar junto do Banco de Portugal, sem quaisquer encargos de juros, até 10% do valor correspondente ao dag receitas cobradas no penúltimo ano. Eis um dispositivo por demais simplista e lacónico que terá de ser revisto e, no mínimo, explicitado.
Estas são, apenas, algumas das dúvidas e discordâncias que este projecto em nós desperta, que não chegam para pôr em causa o seu mérito e que pode, no entanto, ser ainda melhorado. Dar-lhe-emos o nosso apoio na generalidade e o nosso esforço pêra melhorá-lo na especialidade.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ter sido objectivo, desapaixonado, cooperante no exame crítico dos projectos em apreço. Lamento que limitações de tempo me não tenham permitido uma análise mais profunda, mas julgo ter dito o bastante para que esta Assembleia tenha tomado consciência de que, se queremos fechar a legislatura com estatutos regionais aprovados, árduo 'trabalho espera pelo menos alguns de nós.
Se aperfeiçoar o projecto de estatuto dos Açores é tarefa que não descoroçoa, podar uma a uma as inconstitucionalidades do projecto da Madeira e, a espaços, de escrevê-lo, é tarefa bem pouco aliciante e por certo nada fácil.
Haverá, de resto, que ouvir de novo as regiões, nisso se consumirá tempo e se colherão dissídios. Pela nossa parte estamos dispostos a arregaçar a mangas e a repetir a vigília de 1976. Os Açores e a Madeira merecem isso e muito mais, com uma só premonição: a Constituição tem de ser escrupulosamente respeitada. Não colaboraremos no acumular artificial de capital de queixa contra os órgãos de fiscalização de inconstitucionalidade. Não seremos cúmplices de conflitos de mera circunstância.

Aplausos do PS, do MDP/CDE e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos, queríamos informar quais os tempos disponíveis neste momento.
Faltam ainda três horas e quarenta minutos de debate, o que significa que, se a reunião se prolongar, acabará por volta da meia-noite, sem intervalo para jantar. A Mesa pensa que a reunião devia terminar sensivelmente à hora regimental, porque, se for prolongada, certamente que se terá de fazer um intervalo para jantar e, portanto, pedimos aos líderes dos grupos parlamentares que informem a Mesa da sua resolução.
Os tempos disponíveis neste momento são os seguintes: PS, nove minutos; PCP, dezassete minutos; PSD, dez minutos; CDS, quarenta minutos e trinta segundos; -PPM, trinta minutos; UDP, trinta e quatro minutos e trinta segundos; MDP/CDE, trinta e nove minutos, e Agrupamento dos Deputados Reformadores, trinta e quatro minutos.
Para pedir esclarecimentos tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Não é para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente, é para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - As afirmações de V. Ex.ª, Sr. Deputado Almeida Santos, são inadmissíveis por parte de um partido que durante alguns anos regeu os destinos deste país e por isso mesmo não quero aqui tecer comentários, mas apenas protestar por uma afirmação conclusiva de V. Ex.ª que não posso, como Deputada à Assembleia da República eleita pelos Madeirenses, deixar em branco.
V. Ex.ª concluiu que o povo madeirense não é povo português. A afirmação é sua, Sr. Deputado. Quero afirmar aqui, peremptoriamente, que os Madeirenses são portugueses, tal como qualquer cidadão nascido seja no Minho, no Algarve ou nos Açores, tão portugueses como quaisquer outros portugueses! em qualquer parte do mundo.
Agora compreendemos por que razão o Partido Socialista tanto se opôs, e opõe ainda, a todas e quaisquer manifestações autonômicas. Na verdade, as tendências centralistas de V. Ex.ª e do seu partido querem reduzir o povo madeirense, ou o povo português da Madeira como V. Ex.ª quiser-, ao silêncio, à impotência para defender os seus verdadeiros e reais interesses e direitos.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Protestos como este, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se devem deixar arrefecer e desde logo quero dizer, com toda a serenidade, .porque creio que não é caso para a perder, que a Sr.ª Deputada me atribui afirmações que patentemente não fiz.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Fez, fez!

O Orador: - Tem aqui o meu discurso, Sr.ª Deputada, pode lê-lo quando quiser e, aliás, vai ser reproduzido.
Gostaria de acreditar, e acredito, Sr.ª Deputada, que fez essa intervenção de boa fé, e como tal a recebo, mas o1 que eu disse é profundamente o contrário do que a senhora afirmou.
Disse exactamente que seria errado contrapor ao povo português um povo da Madeira como entidade jurídica autónoma, para lhe atribuir direitos e obrigações contrapostos aos direitos dos Portugueses em geral. Isto é completamente diferente daquilo que me imputou, minha senhora, e o que eu disse foi exactamente que o povo da Madeira é tão português como nós e o que nós não queremos é que deixem de sê-lo, e parece-me que é isto precisa mente o que a senhora quer.
A senhora disse que não quis tecer comentários e disse que as minhas afirmações! são inadmissíveis.

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São afirmações de carácter técnico - não sei se a senhora tem ou não preparação para as comentar, mas disse que as não quis comentar. É pena que o não tenha querido fazer, mas pode talvez fazê-lo amanhã e eu poderei depois responder-lhe com toda a serenidade. Procurei ser objectivo, desapaixonado, e espero que a senhora também possa vir a sê-lo.
Disse ainda a senhora que o PS se opôs a todas as manifestações autonômicas. Parece-me que a senhora não ouviu aquilo que eu disse, pois o Estatuto que vigorou durante quatro' anos foi redigido fundamentalmente por pessoas do Partido Socialista. Fomos nós que começámos, com óleo II Governos Constitucionais, a institucionalizar a autonomia dos Açores e da Madeira. Foi pela nossa mão que a autonomia se firmou, deu os primeiros passos, e não me parece que nenhum Governo tenha ido além de nós na concepção e na abertura com que a encarámos e concebemos. Não merecemos essa acusação, devolvemo-la, Sr.ª Deputada, e pense seriamente no que foi o nosso passado em matéria de autónoma, pois parece-me que terá, necessariamente, numa melhor oportunidade, que caia em si e pedirmos desculpa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, houve uma passagem dia intervenção do Sr. Deputado que me suscitou uma dúvida que reputo importante clarificar perante a Assembleia.
Designadamente, o Sr. Deputado admitiu que pudesse não ser objeccionável, sob o ponto de vista da Constituição, a solução .proposta no projecto de Estatuto da Madeira, que admitiria a delegação de autorizações legislativas da Assembleia no Governo. Comentou, em jeito do justificação para a afirmação, que a Constituição atribui essa competência à Região, como entidade jurídica, não a um órgão em particular e, portanto, ela pode ser delegada pela Assembleia no Governo. Se foi isto que o Sr. Deputado disse, credo que há aí um manifesto lapso de informação, porque, na realidade, a Constituição, no seu artigo 233.º, é muito clara ao dizer que a competência legislativa é exclusiva das assembleias regionais.
O Sr. Deputado elencou a meu ver, bem - as principais soluções que de todo em todo não são compagináveis com uma visão constitucional da autonomia regional. Não avançou com comentários a algumas soluções que, sem serem inconstitucionais porque se colocam noutra sede, são no entanto extremamente: significativas, do nosso ponto de vista, sobre o sentido que, por parte dos seus autores, foi dado a este projecto dei estatuto regional. Refiro-me, designadamente, aos dispositivos que constam do artigo 60.º, n.º 1, e também do antigo 76.º, n.º 2, que dizem, pura e simplesmente, o seguinte: todos os serviços do Estado existentes na Região serão transferidos para a Região.
Aliás, se há algum princípio que se pode afirmar em relação a este projecto é o princípio da expulsão total do Estado, dos seus órgãos, da sua competência, da Região. Dir-se-ia que para os autores desta proposta o Estado deve ser pura e simplesmente varrido, eliminado, dia Região Autónoma da Madeira.
Deve deixar de haver qualquer serviço da República na Região Autónoma da Madeira, deve deixar de haver qualquer bem estatal na Região Autónoma da Madeira, inclusivamente as águas territoriais, passariam a ser regionais e o Estado deixaria de existiu nesta Região Autónoma, excepto quanto ao Ministro da República.
Mas, dizia eu, que enquanto todos os serviços deviam ser transferidos pana a Região Autónoma da Madeira, isso não aconteceria com os encargos para manter esses serviços, porque esses continuariam a ser mantidos pela República, Diz-se duas veres, para não deixar dúvidas do que não é lapso, que são transferidas para a Região Autónoma as dotações do Orçamento Geral do Estado que competiriam aos serviços, empresas públicas ou institutos públicos regionalizados e isto continuaria assim tanto no ano da transferência como nos anos seguintes, porque o antigo 60.º é muito claro a esse respeito.
Imaginemos um caso concreto, imaginemos que eram transferidos os serviços de saúde para a Região Autónoma da Madeira, mas com eles não eram transferidos os seus encargos, porque esses continuariam com a República. E quem diz esses diz todos os outros, continuando a República a suportar integralmente os serviços ex-estatais existentes na Região e a Região ficaria, como constitucionalmente se prevê, com todas as receitas aí cobradas.
Dir-se-ia que a solidariedade funcionava num único sentido, do continente para a Região. Havia uma transferência de serviços, de competências, de disponibilidades, de finanças do continente para a Região Autónoma e dia Região Autónoma para o continente, para a República não viria nada. Ficaríamos na situação de a República continuar a suportar, através de milhões de contos, os serviços ex-estatais existentes na Região, enquanto a República não tiraria -e constitucionalmente não deve tirar - um tostão da Região.
Gostaria de ouvir o Sr. Deputado Almeida Santos comentar esta solução, que me parece significativa, na sua rotunda anormalidade, pela repetição que lhe é dada, sobre o sentido, que grassa em certos espíritos, que deve ter a autónoma regional e sobre aquilo que, a nosso ver, não pode,, não deve ser de modo algum o espírito com que se deve encarar a autonomia regional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos para responder, se assim o desejar.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Vital Moreira, sem dúvida que a primeira objecção que me pôs impressiona-me. Devo dizer-lhe que não tomei em conta o n.º 3 do artigo 233.º e, portanto, o meu raciocínio pode provavelmente estar viciado. Contudo- talvez se possa tirar um argumento contrário, na circunstância de também ser exclusiva a competência da Assembleia da República e, apesar disso, é evidente que há uma norma constitucional nesse sentido. Portanto admito que nesse aspecto tenha de dar a mão à palmatória, é mais uma inconstitucionalidade entre tantas e também já não acrescenta muito.
Quanto às restantes perguntas, assinalei que efectivamente a solidariedade no projecto da Madeira e

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também no dos Açores não difere, concebendo ambos a solidariedade em termos de funcionar num só sentido. Relativamente aos próximos anos, isso não me parece grave, pois é evidente que essa jogada tem de funcionar mas no sentido do mais forte e do mais poderoso economicamente .para o menos poderoso, no sentido do equilíbrio económico e financeiro, sobretudo no nível de vida e de rendimentos das populações insulares e não insulares. Mas é exacto que quer num estatuto quer noutro se tem como que uma preocupação de transferir as vantagens sem transferir os correspondentes encargos. Fala-se com frequência na transferência dos serviços e das dotações desses serviços, mas não se fala, embora se possa julgar implícito, que, necessariamente, se se transferem serviços, também têm que ser transferidos os encargos. Em todo o caso isso convém ser clarificado na especialidade, mas este é, dogmas, um dos inúmeros problemas que na especialidade têm de ser encarados e eu não teria tido possibilidade de vir muito mais longe do que aquilo que fui relativamente ao tempo de que dispunha. Mesmo assim, como o Sr. Deputado viu, fui pessimamente compreendido e as pessoas, ao que parece, ouvem mal ou não querem ouvir, e os piores surdos são esses.
De qualquer modo estou de acordo em que efectivamente na especialidade é preciso fazer funcionar, ao menos em princípio, a solidariedade do sentido de reciprocidade que está ínscio no próprio conceito de solidariedade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alcino Barreto, suponho que para um protesto.

O Sr. Alcino Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero protestar contra a afirmação feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos quando diz que a autonomia que a Madeira tem - boa ou má, não importa - foi uma dádiva do Sr. Deputado Almeida Santos e do Governo do partido do Sr. Deputado.

Protestos do PS.

Contudo, se não me falha a memória, parece-me que na altura o Sr. Deputado Almeida Santos não pertencia a nenhum partido. Creio que na intervenção que fiz também estava implícito que a autonomia que a Madeira tem é uma conquista dela própria e de mais ninguém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque, se assim não fosse, creio que ainda estaríamos no tempo do Salazar e do Caetano em que não tínhamos juntas de freguesia com a alegação e invocação, ainda feita bem recentemente, em 1973, de que não existiam pessoas idóneas para serem presidentes de junta de freguesia.
Por outro lado, quero também protestar contra a autonomia que seria dada se o Partido Socialista fosse aqui maioritário. Não. seria uma autêntica devolução de poderes à Região, mas um autêntico cinto de castidade política que não impediria que se continuasse a pecar contra esse forcing e sobretudo nada indicaria quanto ao detentor da chave do cadeado para nos podermos libertar dessa opressão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ajuizar pela forma como os Srs. Deputados da maioria interpretam as minhas palavras, compreende-se melhor a maneira desastrada como os órgãos regionais da Madeira interpretaram a Constituição. Efectivamente, ao que parece, não tiveram a possibilidade de entenderem a Constituição em termos normais, como não estão a ter a possibilidade de entender a minha intervenção em termos normais.
Eu não disse, nem de modo nenhum podia ter dito assim é fácil criticar, inventa-se uma lebre que não existe e depois persegue-se que a autonomia for uma dádiva minha ou do meu partido. De maneira nenhuma. O que eu disse foi, em resposta a uma Sr.ª Deputada da bancada da maioria, exactamente o contrário do que ela afirmou. A Sr.ª Deputada afirmou que o Partido Socialista não fez nada pela maioria, e eu disse que não, que a autonomia deu os primeiros passos na sua concretização efectiva e política por governos do Partido Socialista. E vá lá, na redacção de um estatuto, que era para ser provisório e veio a ser definitivo, colaborei pessoalmente, e com muita honra, e, ao que parece, não fui tão desastrado que não pudesse ter elaborado, com os colegas pertencentes ao Governo da altura, que nesse aspecto trabalharam, um estatuto que não tenha podido merecer da maioria e dos governos regionais uma passividade durante quatro anos. Tiveram a possibilidade de, logo no mês seguinte ou dois meses depois, propor um projecto de estatuto. Não o fizeram, o projecto era bom e parece que o meu trabalho não foi mau.
O Partido Socialista não tem que receber lições nem comparações com nenhum outro Governo - inclusive com o Governo actual - na maneira larga, compreensiva, inteligente, e com uma perspectiva histórica forte e séria, com que tem encarado a autonomia regional.
É só isto e não vale a pena adulterar as minhas palavras, porque já foi adulterada a Constituição, o que aliás é muito mais grave.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Deputado Almeida Santos, ouvi a sua intervenção com muito interesse pela profundidade com que abordou os problemas relacionados com os estatutos das duas Regiões Autónomas e, nomeadamente, com a profundidade com que o fez em relação à Região Autónoma da Madeira, aliás pelas próprias razões de falta de tempo que invocou.
Em relação ao estatuto da Região Autónoma da Madeira, o Sr. Deputado fez referências à expressão «o povo madeirense» utilizado em vários artigos do projecto de estatuto e apontou - pelo menos foi esse o sentido que dei à sua interpretação a existência de um conflito potencial entre a expressão «povo da Madeira» e «povo português». Isto é, parece que de maneira nenhuma o Sr. Deputado Almeida Santos - como já esclareceu - pretendia apontar este con-

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flito, mas chamava a atenção para a potencialidade deste conflito existente nesta expressão «povo da Madeira» repetida em vários artigos.
Mais tarde o Sr. Deputado Almeida Santos fez uma análise em relação ao voto dos naturais dá Madeira não residente na Região Autónoma - portanto quer no continente quer no estrangeiro como emigrantes - e manifestou a sua opinião de que era incorrecto considerar esta situação para efeitos de voto. Inclusivamente invocou uma analogia, por exemplo, com a situação de um cidadão de Viana do Castelo residindo fora do distrito e que, por exemplo, para efeitos das autarquias locais ganhasse por isso o direito de votar no respectivo círculo de Viana do Castelo.
O Sr. Deputado Almeida Santos analisou estas duas situações isoladamente e eu penso que elas podem ter um traço comum. Concretamente, parece-me que em relação à análise do estatuto de naturalidade para efeitos eleitorais há uma certa analogia com o estatuto de nacionalidade em relação às eleições legislativas, nomeadamente, às eleições para a Assembleia da República, ao transferir, por um certo mecanismo de analogia, esta possibilidade de voto não para os nacionais residentes no estrangeiro, mas sim para os naturais residentes fora da região.
Portanto, gostaria de saber - e dentro do quadro da análise geral que o Sr. Deputado Almeida Saltos fez, referindo a própria filosofia subjacente ao projecto de estatuto da Região Autónoma da Madeira - se o Sr. Deputado Almeida Santos não pensa que estes dois aspectos que agora estou a ligar, e que penso que na sua intervenção o Sr. Deputado não tinha ligado, não podem de facto prefigurar o risco de uma concepção de estatuto mais numa perspectiva estatal do que propriamente numa perspectiva de autonomia, no quadro da unidade de Portugal.
Portanto, após os diversos conhecimentos que demonstrou, o Sr. Deputado Almeida Santos e após a análise profunda que fez em relação a este assunto, gostaria de ouvir a sua opinião sobre esta eventual ligação entre as duas ideias, que penso que não corresponderá a uma intenção deliberada dos autores do projecto. Contudo -e é isso que me parece que pode ser grave pode corresponder a uma atitude vinda do subconsciente, mas por algum modo generalizada. É nesse sentido que penso que ela pode prefigurar alguns riscos em relação a uma concepção correcta de Região Autónoma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos para responder.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Como o Sr. Deputado Herberto Goulart deve ter visto, fugi o mais possível a tirar conclusões da apreciação técnica que fiz do articulado do projecto da Madeira. Tenho perfeita consciência de que é uma matéria ingrata, já fui aqui mal interpretado, muito provavelmente haverá uma orquestração à volta das deficientes interpretações possíveis ...

Uma voz do PSD: - O Partido Socialista é especialista em orquestração!

O Orador: - O Sr. Deputado deseja interromper?

Pausa.

Não deseja, está só mal disposto.

Portanto, não quis tirar conclusões de carácter político ou doutrinário e ainda agora não gostaria de me embrenhar muito nisso.
Contudo credo que fui suscintamente dano no sentido de que da expressão «povo da Madeira» não viria nenhum mal. A própria Constituição fala em populações insulares e não haveria nenhum mal nisso se esse facto não se transformasse numa como que entidade jurídica titular de direitos próprios susceptíveis de criar situações conflituais entre a restante população portuguesa.
Parece-me pois, que alimentar confusões deste tipo não é a melhor maneira de encarar o problema da insularidade e da autonomia. Penso que devemos desfazer os equívocos que neste domínio haja, e a consequência que assinalei no plano jurídico, embora não seja; a única, foi a de que se propõe a criação de dois círculos exteriores ao próprio território da Madeira: um para o resto da população do território nacional e outro para a população residente no estrangeiro.
Quanto à população residente no estrangeiro, é óbvio que há o precedente do emigrante e porventura por trás destas propostas há uma ideia paralela à Lei dó Recenseamento Eleitoral e a este projecto.
Não quero tirar conclusões nem fazer processos de intenção, mas o que mais me choca é exactamente a criação de um círculo no restante espaço português, pondo, portanto, o natural da Madeira que vive no Minho a votar na Madeira sem o correspectivo direito ao português que vive na Madeira da poder fazê-lo inversamente. Isso é que me parece que politicamente não está correcto e pareceu-me que é inconstitucional, na medida em que viola o princípio da conversão de votos em mandatos que vincula as regiões autónomas e não vincula os portugueses residentes no estrangeiro. A Constituição cria uma excepção só para a Assembleia da República e para os portugueses, residentes no estrangeiro, mas não alarga essa excepção aos madeirenses residentes no restante território nacional ou no estrangeiro. Penso que esse princípio foi postergado.
Aliás há outro aspecto que não foquei, porque a minha apreciação era só técnica. Por exemplo, a Madeira propõe quatro Deputados, ou um máximo de quatro Deputados, enquanto os Açores propõem um por cada um desfies círculos. Também me parece que não seria politicamente correcta uma discriminação deste género. Mas isso são problemas em que não me quis embrenhar.
Simplesmente o que quis honestamente foi advertir esta Assembleia que ela não devei cooperar na criação de fantasmas como esses que são possíveis a partir de confusões conceituais como estas; A autonomia não precisa do conceito de «povo madeirense», sujeito e titular de direitos e obrigações, para poder concretizar-se tão amplamente quanto a Constituição o permite. Esse é o nosso ponto de vista, é um ponto de vista cooperante, positivo. Não estamos aqui a criar problemas a ninguém, mas não podemos perdoar aos autores do projecto da Madeira terem sido tão tecnicamente desastrados e tão politicamente ineficientes - para não usar outra expressão que na verdade tivesse sido possível a uma terceira versão apresentar aqui claramente - e desafio alguém a que me conteste - um mínimo de duas dezenas de inconstitucionalidades. É a primeira vez que isto acontece

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na história desta Assembleia e se ela e alguns Deputados ficam indiferentes perante isto, eles sim, são apaixonados, eu não.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Maria dia Silva.

O Sr. José Maria da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: Ouvi com muita atenção a exposição do Sr. Deputado que aborda quase já problemas de especialidade, e pareceu-me ver que, efectivamente, o Sr. Deputado se preocupou - tal como agora acaba de dizer - com as inconstitucionalidades e traçou um largo rol e uma larga exposição de inconstitucionalidades no Estatuto da Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Deputado Almeida Santos no fim da sua exposição acabou por concluir que apesar de todas estos inconstitucionalidades o Partido Socialista iria votar favoravelmente estes estatutos. No entanto, pareceu-me ver que, efectivamente, através da enumeração das inconstitucionalidades sã criou um vazio, quer dizer, os, estatutos são propriamente um vazio. Portanto, gostaria de saber o que é que o PS irá votar.
Gostaria também, se fosse possível, que o Sr. Deputado Almeida Santos conciliasse este seu discurso de hoje com ais declarações que os jornais desta manhã transcrevem da conferência de imprensa dada pelo Sr. Deputado Jaime Gama e um conjunto de Deputados do PS às assembleias regionais e à Assembleia da República, em que se diz expressamente o seguinte: «Os socialistas afirmam ter verificado com mágoa o abrandamento da motivação autonomista por parte do PSD na Madeira.» E depois, um pouco mais abaixo, lamentam: «O PSD madeirense vê-se obrigado a integral pautei substancial das propostas inconstitucionais que anteriormente haviam formulado.»

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Eram mais de cem!

O Orador: - Portanto, gostaria de perguntar o seguinte: O PS tem um discurso no Funchal e tem um discurso em S. Bento? No Funchal pretende ultrapassar o PSD na autonomia e em S. Bento pretende enumerar as inconstitucionalidades e lamenta no Funchal que não se tenham feito mais inconstitucionalidades?
O Sr. Deputado Almeida Santos, na sequência da pergunta do Sr. Deputado Vital Moreira, deu a entender que o princípio da solidariedade funciona como funil favorecendo as regiões autónomas. Gostaria, pois, de lhe perguntar sei o Sr. Deputado Almeida Santos tem alguma ideia dais receitas cobradas no continente por empresas que realizam a sua actividade principal no Funchal e se aí não funciona precisamente também o funil ao contrário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos para responder.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Maria da Silva, agradeço a serenidade com que formulou as suas perguntas. Devo dizer-lhe que não há contradição nenhuma.
Nós votamos a favor na generalidade por uma razão muito simples: é que ninguém pode aqui nesta Assembleia tomar a iniciativa legislativa nesta matéria, como sabe, e portanto não vamos inutilizar no fim da legislatura a iniciativa legislativa que foi tomada pelo Governo da Madeira. Esta Assembleia é responsável pela redacção e aprovação final de um estatuto e pode, evidentemente, aproveitar o mais que puder dele e isso é necessariamente o que iremos fazer. E não estamos aqui para legislar em termos de a Comissão Constitucional vir dizer que o estatuto não presta ou que viola a Constituição, porque isso seria trabalhar inutilmente.
No entanto, não penso que haja, como o Sr. Deputado disse, vazio nenhum. Por exemplo, nós vamos também votar o Estatuto dos Açores e eu não vejo razão nenhuma para que considere o dos Açores vazio nem para que a Madeira considere tão mal o Estatuto dos Açores. O Estatuto dos Açores tem três, quatro inconstitucionalidades, e admito que algumas sejam até discutíveis, mas é uma boa base de trabalho, é um projecto digno e que dignifica quem o apresentou. É um projecto honesto, sério e honrado, pelo que não vejo razão para a Madeira estar tão ofendida connosco por julgarmos um bom e o outro mau. É que um tem duas dezenas de inconstitucionalidades e o outro tem três ou quatro, sendo estas mesmo discutíveis. Um é um bom projecto e o outro é oim mau projecto.
No entanto, nós nunca iríamos aqui assumir a responsabilidade, porque não é esse o nosso desejo, de inviabilizar um estatuto definitivo para os Açores. Não temos nenhum amor ao Estatuto Provisório, desejámos ardentemente que ele fosse substituído por outro definitivo e lembro que, pelo menos em relação ao Açores, fomos os primeiros a apresentar, através do nosso grupo parlamentar local, um projecto de alternativa para o Estatuto Provisório. Isto não é de quem não quer um estatuto definitivo, mas de quem o deseja. E esse nosso projecto, como tive oportunidade de dizer na minha intervenção, foi aprovado na generalidade pela Assembleia Regional dos Açores e conciliado com o projecto do Governo, pelo que este projecto é o resultado desses dois projectos.
Não sei o que se passou na Madeira. Sei que o primeiro projecto era muito pior do que o segundo e o segundo muito pior do que o terceiro. Melhorou-se um pouco, mas apesar disso tem inconstitucionalidades que bastem para, na verdade, não podermos fazer mais nada do que aprová-lo como salvaguarda da iniciativa legislativa que foi tomada. E penso que esta é uma ideia e uma posição construtiva, o contrário é que não seria.

O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado Almeida Santos, mas queria apenas informá-lo de que o seu partido esgotou o tempo de que dispunha, já com quinze minutos a mais para hoje.

O Orador: - Bom, se o Sr. Presidente me faz o favor de descontar o tempo de amanhã, porque não penso que seja correcto deixar a meio a minha resposta, se na verdade tiver essa compreensão e essa tolerância...

Vozes do PCP: - Tem direito a isso, Sr. Presidente. Pode descontar o tempo para amanhã!

Uma voz do PSD: - Que solicitude!

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O Sr. Presidente: - Então assim se fará. Sr. Deputado. Tenha a bondade de continuar.

O Orador: - Quanto à conferência de imprensa que invocou, não conheço a intervenção dos meus camaradas, mas devo dizer-lhe que eles respondem por si. No Partido Socialista todos temos opiniões próprias, embora, como é evidente, nos sujeitemos à disciplina do voto quando é esse o caso, mas descanse que na votação final estaremos juntos. Isso não impede, no entanto, que eu possa divergir do meu colega Jaime Gama relativamente à concepção da autonomia, ao seu âmbito, a aspectos de pormenor aqui ou acolá e até ao mérito ou demérito dos Estatutos da Madeira e dos Açores. Tudo isso é normal.
Queria dizer-lhe e deixar claro que quanto à solidariedade final eu fui muito claro ao dizer que ela deve funcionar nos dois sentidos e que admito que durante muito tempo deva funcionar num sentido só. Tenho perfeito conhecimento de que existe esse problema dos impostos cobrados em função das empresas que têm lá a principal actividade, mas não convidaria o Sr. Deputado a entrarmos em contabilidade continente/regiões autónomas. Essa contabilidade seria deficitária a favor da Madeira e talvez ainda mais deficitária em relação aos Açores. De qualquer modo, não é em termos de contabilidade que nós concebemos a autonomia. A solidariedade é um conceito vasto e amplo que deve ser concebido em termos latos de fraternidade entre concidadãos, é assim que a concebemos e de modo nenhum vemos isso em termos de contas de deve e de haver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Meneres Pimentel.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Sr. Presidente, eu pedia a palavra para dois efeitos: em primeiro lugar, para interpelar a Mesa na pessoa de V. Ex.ª, com o devido respeito, e creio que nesse sentido não conta para o tempo e, em segundo lugar, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Almeida Santos, mas creio que ele já não dispõe de tempo.

O Sr. Presidente: - Penso que eventualmente se seguirá o mesmo regime de descontar o tempo de amanhã para responder a V. Ex.ª

O Orador: - Bom, se assim é, eu começaria por interpelar a Mesa. É que fui informado de que hoje para estas propostas de lei das regiões autónomas seria consagrado aos grupos parlamentares mais representativos numericamente, como é evidente, o período de trinta e cinco minutos e que amanhã seria o período de uma hora. Se a minha informação estiver exacta, parece que, tendo sido esgotados os tempos, nós terminaríamos a sessão agora.
Eu digo isto porque, e não vai daqui qualquer insinuação especial relativamente ao Sr. Deputado Almeida Santos, ele disse há pouco que o seu discurso estava ao dispor das pessoas, mas eu pretendi uma fotocópia do discurso e não a obtive. Bem sei que o Sr. Deputado, apesar de todas as suas qualidades, certamente precisou do original para responder, assim como também precisará dele para me responder. Isto era mais uma achega para ver se a minha informação pura exacta ou não e qual é, de facto, o regime que se vai adoptar para a discussão destes diplomas.
Dada a resposta pela Mesa através de V. Ex.ª, eu então, se me fosse permitido, faria duas ou três perguntas ao Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Quanto à questão dos tempos, e além dos tempos que indicou, há para hoje mais quinze minutos. O resto está certo. Quanto aos trabalhos de hoje, a Mesa foi informada de que a reunião prosseguirá depois, certamente amanhã de manhã, com os tempos que estão previstos e com os que eventualmente sobrarem de hoje.

O Orador: - Confirma-se, portanto, com o necessário desconto de tempo, é evidente, que a sessão continuará até às 21 horas e 30 minutos na discussão destas propostas de lei das regiões autónomas?

O Sr. Presidente: - Exactamente.

O Orador. - Eu então vou agora formular as questões que pretendia ao Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Então a Mesa vai agora começar a descontar o seu tempo.

O Orador: - Em primeiro lugar, devo dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que o Sr. Deputado se arrogou, e com certeza com verdade, porque não iria mentir, um trabalho, juntamente com o Sr. 'Deputado Veiga de Oliveira, para a redacção daquilo a que, a meu ver, mal, se designa por Estatutos Provisórios das Regiões Autónomas. Esses são estatutos como outros quaisquer. Sendo estatutos, são leis, e, portanto, são definitivos. Não ponho isso em questão, mas recordava ao Sr. Deputado Almeida Santos - e emprego o termo «recordar» com redobrada intensidade porque nessa altura o Sr. Deputado Almeida Santos, conforme já foi dito aqui pelo meu camarada Alcino Barreto, não pertencia a nenhum partido, e muito menos ao Partido Socialista - que no projecto de Constituição apresentado à Assembleia Constituinte, em 1975, no que diz respeito às regiões autónomas, o agora partido do Sr. Deputado Almeida Santos limitava-se a uma simples disposição que dizia exactamente o seguinte: «São conferidas formas especiais de autonomia aos arquipélagos da Madeira e dos Açores através de estatutos próprios a elaborar pela Assembleia Legislativa Popular.»
Por outro lado, e sem qualquer intuito de crítica, os grupos parlamentares então existentes na Assembleia Constituinte, com excepção do Partido Social-Democrata, apresentaram também disposições das regiões e até houve alguns que nada apresentaram. Apenas o Partido Social-Democrata apresentou um desenvolvido projecto ...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Também era só um artigo!

O Orador - O Sr. Deputado Vital Moreira quer interromper?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sim, Sr. Deputado.

O Orador - Então faça favor.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado Meneres Pimentel, era só um artigo no projecto do PSD. É certo que era gordo, mas era só um.

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O Orador: - Ainda bem que V. Ex.ª diz que era gordo, porque aqui numa publicação que eu tenho ocupa duas páginas, ao passo que o do Partido Comunista ocupava duas linhas.

Aplausos e risos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Nós tivemos poder de síntese!

O Orador: - Eu disse isso sem qualquer espírito de crítica e admito perfeitamente que V. Ex.ª tenha resposta para isso, como terá o Sr. Deputado Almeida Santos. Simplesmente pedia-lhe agora o favor de não me interromper, para não ajudar tanto o Sr. Deputado Almeida Santos.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM.

Estava eu a perguntar ao Sr. Deputado Almeida Santos se, sendo assim, como de facto é, e portanto tendo o Partido Social-Democrata, então Partido Popular Democrático, apresentado uma, digamos assim, desenvolvida regulamentação quanto às regiões autónomas, pelos menos não nos fará a justiça de ter arrancado com um primeiro passo para a autonomia das regiões, e mais, de hoje lhe ter permitido assacar um rol, a meu ver excessivo, de inconstitucionalidades. Era pois esta a primeira pergunta. E pelo menos creio que o Sr. Deputado Almeida Santos com a sua costumada gentileza e lealdade reconhecerá que, não obstante ter passado a tal noitada, nós também fizemos algumas noitadas em proveito da autonomia e, mais do que isso, iniciámos a nível constitucional o projecto autonômico.
Eu não tenho a fotocópia do seu discurso e foi com alguma dificuldade que o segui, dado que o Sr. Deputado compreensível mente falou depressa demais devido à limitação de tempo e portanto tenho algumas dúvidas sobre certas referidas inconstitucionalidades.
Uma delas já foi referida pelo Sr. Deputado Vital Moreira e parece que o Sr. Deputado Almeida Santos reconheceu uma inconstitucionalidade que nós próprios tínhamos reconhecido e que vem já escrita no parecer da Comissão, reconhecimento esse que na sua primeira intervenção, por não ter lido completamente a Constituição, parece não ter reconhecido e que é a história das autorizações legislativas da assembleia regional para o governo regional.
A terceira questão que punha era a de saber se, dado que o Sr. Deputado Almeida Santos não se insurgiu contra o facto de constar dos dois estatutos matéria do regime eleitoral regional, nós sociais-democratas podemos tirar a conclusão de que é admissível que nos estatutos constem disposições sobre o regime eleitoral regional.
E um outro ponto, a história do «povo madeirense», que já explicitam, mas que, a meu ver, não ficou muito esclarecido, talvez por lapso meu, na medida em que na altura em que pretendia obter o seu discurso eu falava com uma trabalhadora desta Assembleia. No Estatuto da Madeira fala-se no povo representado pelo Presidente da Assembleia Regional, portanto no povo madeirense, como há o povo transmontano que não tem assembleia regional, que eu saiba. E eu perguntava ao Sr. Deputado esta coisa muito simples: vai daqui algum processo de inconstitucionalidade ou na verdade é regionalmente admissível e até aconselhável que se use esta terminologia? Ou pensa ainda que continua a haver aqui qualquer perigo de contrapor povo contra povo, neste caso o povo da Madeira contra o povo do continente e vice-versa?
Um último ponto que gostaria de abordar é relativo à possibilidade que, creio eu, nos dois estatutos se dá, de os Açorianos e os Madeirenses residentes no estrangeiro votarem para a Assembleia e para os órgãos do Governo Regional da? respectivas regiões. É que, por deficiência de audição minha, fiquei sem perceber se admite ou não a possibilidade de emigrantes madeirenses votarem para a Assembleia Regional da Madeira, à semelhança do que acontece quanto aos Madeirenses votarem para esta Assembleia da República.
E era tudo por hoje.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Essa última é um aborto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos para responder.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Meneres Pimentel, responde-lhe telegraficamente, porque já estou a consumir tempo demais e na minha bancada dizem-me que não sou o último a intervir sobre esta matéria. Por isso mesmo faria aqui a premonição de que compreendam que não posso responder a mais perguntas.
Eu não conheço qual foi a posição dos vários partidos na Assembleia Constituinte e portanto não me pronuncio sobre isso. A minha intervenção localiza-se a partir do estatuto provisório. Admito e tenho por bom que efectivamente o Sr. Deputado possa esperar de mim a justiça que pediu. Não me custa fazê-lo, mas gostaria de o fazer depois de ler os textos que não conheço.
Quanto à inconstitucionalidade que (c)u não vi, é exacto, Sr. Deputado, e confessei isso, mas simplesmente o que é grave é que o Sr. Deputado no seu relatório apenas tenha visto uma, quando toda a gente viu mais e qualquer jurista menos sábio do que o meu amigo pode com facilidade ver pelo menos duas dúzias delas.
Quanto à sua pergunta sobre se são admissíveis normas sobre eleições, devo dizer que penso que do ponto de vista técnico é óbvio que sim. E, numa técnica mais apurada, é perfeitamente possível conceber que uma lei eleitoral, que tem de se adaptar a situações não sujeitas às regras formais para a alteração dos estatutos, não convenha que esteja efectivamente nos estatutos.
Disse-me que não ouviu o que eu disse sobre o povo. É óbvio que não ouviu porque estava a falar com uma funcionária. Peco-lhe que leia o que eu disse e depois terei muito gosto em trocar impressões a esse respeito' paira além do que já referi.
Quanto a se os madeirenses no estrangeiro podem votar, penso que sim, se efectivamente não houver violação da regra da proporcionalidade e, a ser assim, não vejo obstáculo inconstitucional, mas posso ter algumas reservas quanto à solução política.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito é, Sr. Deputado?

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O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Eu queria saber se seria possível que o Sr. Deputado Almeida Santos me respondesse a uma outra pergunta que considero importante, naturalmente com o beneplácito dos restantes grupos parlamentares, e que é a de saber se efectivamente o Sr. Deputado Almeida Santos admite ou não a possibilidade de constarem dos estatutos matéria sobre legislação eleitoral para as regiões autónomas.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Já respondeu, e claramente!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos para responder, se assim o entender.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já respondi, Sr. Presidente.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pretende intervir?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não é para intervir sobre esta matéria, mas para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É que o Sr. Deputado Meneres Pimentel quando falou referiu os (relatórios que existiriam e devem existir porque o Sr. Deputado' Meneres Pimentel pertence a uma comissão a que eu também pertenço e portanto colaborámos na feitura e aprovação desses relatórios. Tanto quanto eu me apercebi, esses relatórios não foram apresentados à Assembleia e pelo menos é isso que consta na minha bancada, pelo que eu gostaria exactamente de saber se foram anunciados e apresentados à Assembleia e distribuídas as respectivas cópias, já que eu gostaria de ter, pelo menos, uma cópia desses relatórios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Meneres Pimentel.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Sr. Presidente, em resposta ao Sr. Deputado Vital Moreira, devo dizer que ontem assinei um documento, que se poderá intitular de relatório, que continha um parecer elaborado por mim próprio e a posição de cada grupo e agrupamento parlamentar sobrei esse mesmo parecer.
Tenho aqui cima fotocópia, talvez seja privilegiado, mas a Mesa também deve ter o original.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vital Moreira, há realmente três relatórios que ainda não foram distribuídos.

Pausa.

Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrados por hoje os trabalhos respeitantes a este ponto dia ordem do dia.
Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: proposta de lei n.ºs 330/I, respeitante ao processo de urgência sobre a aprovação, para adesão, da Convenção Relativa à Emissão de Determinadas Certidões de Registo do Estado Civil Destinadas ao Estrangeiro, assinada em Paris em 27 de Setembro de 1956 (Convenção n.º 1 da CIEC); proposta de lei n.º 331/I, relativa ao processo de urgência sobre a aprovação, para adesão, da Convenção Relativa à Emissão Gratuita e à Dispensa de Legalização de Certidões de Registo do Estado Civil, assinada no Luxemburgo em 26 de Setembro do 1975 (Convenção n.º 2 da CIEC); proposta de lei n.º 332/I, enviada pelo Presidente da Assembleia Regional da Madeira, acerca do subsídio ao funcionamento público na Região Autónoma da Madeira.
A sessão de amanhã começa às 10 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 40 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Américo Abreu Dias.
António Alberto Correia Cabecinha.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Arménio dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Germano Lopes Cantinho.
Henrique Alberto F. do Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Aurélio Dias Mendes.
João Baptista Machado.
João Luís Malato Correia.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Marques. Gaspar Mendes.
Jorge Rook de Lima.
José Angelo Ferreira Correia.
José da Assunção Marques.
José Bento Gonçalves.
José Henrique Cardoso.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Theodoro da Silva.
Júlio de Lemos Castro Caldas.
Luís António Martins.
Manuel Antunes Lomba.
Manuel Luís Fernandes Malaquias.
Maria Adelaide Santos de Almeida Paiva.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Marília Dulce C. P. Morgado Raimundo.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires. Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS)

Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Chaves Medeiros.

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António Fernandes da Fonseca.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António José Vieira de Freitas.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando Filipe Cerejeira P. Bacelar.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Bento Elisão de Azevedo.
Carlos Alberto Costa de Sousa.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Fernando Luís de A. Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Cardoso P. de Oliveira.
Francisco Manuel Marcelo M. Curto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rocha.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maximiano de A. Almeida Leitão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio dia Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Gomes Vasques.
Victor Manuel R. Fernandes de Almeida.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Ernesto I. Leão de Oliveira.
José Manuel Aranha Figueiredo.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Marino B. de Vasconcelos B. Vicente.
Rosa Maria Reis A. Brandão Represas.
Victor Henriques Louro de Sá.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS)

Alfredo Albano de C. de Azevedo Soares.
António Martins Canaverde.
Artur Fernandes. Eduardo Leal Loureiro.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Gonçalves Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique José C. de Meneses P. Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João da Silva Mendes Morgado.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos C. Veloso de Sampaio.
Luís Gomes Moreno.
Manuel António de A. e Vasconcelos.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Maria Salete Gomes Simões Salvado.
Maria Tabita L. F. Mendes Soares.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui Eduardo F. Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Popular Monárquico (PPM)

João Carlos Osório Almeida Mateus.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Agrupamento Parlamentar dos Reformadores

Francisco José de Sousa Tavares.
José Manuel Medeiros Ferreira.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Movimento Democrático Português
Helena Tâmega Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.
Manuel José Ramires Fernandes.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Cândido de Miranda de Macedo.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Herculano Rodrigues Pires.
José Luís do Amaral Nunes.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Domingos Abrantes Ferreira.

Centro Democrático Social (CDS)

Joaquim Rocha dos Santos.

A REDACTORA DE 1.ª CLASSE, Maria Leonor Caxaria, - O CHEFE DA DIVISÃO DE REDACÇÃO, José Pinto.

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