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I Série - Número 51

Sexta-feira, 10 de Abril de 1981

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE ABRIL DE 1981

Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Alfredo Pinto da Silva.
Adalberto Neiva de Oliveira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.

SUMARIO.- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos, respostas a requerimentos e petições.
Em declaração política, o Sr. Deputado Borges de Carvalho (PPM) referiu-se à questão dos baldios, historiando os antecedentes legislativos e tecendo considerações acerca da sua gestão.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Armando Teixeira da Silva (PCP) aludiu às recentes lutas dos trabalhadores com o objectivo de defenderem os seus legítimos direitos e interesses. Intervieram a diverso título os Srs. Deputados Carlos Lage (PS), Rui Amaral (PSD) e Veiga de Oliveira (PCP).
Foi apresentada pelo CDS uma proposta de alteração ao voto do PSD relativo à prisão do sindicalista brasileiro Luís Inácio da Silva, Lula, que foi aprovado, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI) e Carlos Lage (PS) e ficando ainda inscritos os Srs. Deputados António Vitorino (UEDS), Veiga de Oliveira (PCP). Mário Tomé (UDP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e Rui Amaral (PSD).
O Sr. Deputado António Moniz (PPM) referiu-se a Esposende, às suas belezas naturais, ao seu interesse turístico e ao perigo que corre devido à poluição ali existente.
O Sr. Deputado César Oliveira (UEDS) falou da sua visita ao Hospital Concelhio de Vila Real de Santo António, das suas más instalações e funcionamento.
O Sr. Deputado Cabral Fernandes (PCP) chamou a atenção para as «repúblicas» e outras casas de estudantes de Coimbra que estão ameaçadas devido a acções de despejo movidas pelos respectivos senhorios, apelando para a resolução do problema.
O Sr. Deputado Daniel Bastos (PSD) alertou para a situação dos meios de transporte que servem Trás-os-Montes e para as elevadas taxas praticadas pela TAP regional.
O Sr. Deputado Sá Fernandes (PSD) recordou, cinquenta anos passados, a eclosão do movimento revolucionário na Madeira, que ficou conhecido como a «Revolta da Madeira», no que foi secundado pelo Sr. Deputado Vieira de Freitas (PS).

Ordem do dia - Foi apreciado e rejeitado o projecto de lei n.º 136/II, da ASDI, sobre a validade dos géneros alimentícios pré-embalados. Intervieram neste debate os Srs. Deputados Vilhena de Carvalho (ASDI), Ilda Figueiredo (PCP), Mendes de Carvalho (CDS), Magalhães Mota (ASDI), Alberto Antunes (PS), Cabrita Neto (PSD), Borges de Carvalho(PPM), Mário Raposo (PSD) e José Luís Nunes (PS).
O Sr. Presidente, depois de ter anunciado a apresentação de alguns diplomas, encerrou o reunião eram 21 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adenite Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Banos Marques Figueiredo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Augusto Ramos.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.

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1938 I SÉRIE - NÚMERO 51

Dinah Serrão Alhandra.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José F. Fleming d'Oliveira.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Aurélio Dias Mendes.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto de Oliveira Baptista.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio de Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Emídio Teixeira Lopes.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Vieira de Freitas.
António Magalhães da Silva.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Carlos Cardoso Lage.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
José Luís Ferreira Araújo.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel dos Santos.
Manuel Trindade Reis.
Mania Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correra de Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de C. Azevedo Soares.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro de Oliveira.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel L. V. de Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Isilda da Silva Barata.
João Cantinho M. Figueiras de Andrade.

oão José M. Ferreira Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto Xerez.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
Manuel A. de Almeida de A. Vasconcelos.
Manuel Eugênio Pimentel Cavaleiro Brandão.
Mário Gaioso Henriques.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Armando Teixeira da Silva.
Carlos Alberto do Carmo da C. Espadinha.
Carlos Alfredo Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete Ferreira de Oliveira.
Jerónimo de Carvalho de Sousa.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Fernando V. Cabral Pinto.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.

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Lino Carvalho de Lima.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges Gonçalves de Carvalho.
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
Henrique Barrilaro Ruas.
Jorge Victor M. Portugal da Silveira.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

Helena Tâmega Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 159 Srs. Deputados.
Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Cartas

De Porfírio do Nascimento Moreira Reis, reclamando pelo facto de aguardar há cerca de seis anos o deferimento do seu pedido no Serviço Nacional de Emprego e enviando fotocópia da anterior reclamação no mesmo sentido.
Da Igreja Evangélica Pentecostal, com sede em Lisboa, enviando fotocópia de uma outra remetida à administração do Hospital de S. José solicitando a garantia da liberdade religiosa.

Ofícios

Da Câmara Municipal do concelho de Sabrosa enviando moção aprovada na Assembleia Municipal relativamente à construção da central nuclear de Sayago, em Espanha.
Do Sindicato Livre dos Pescadores, com sede em Lisboa, enviando o texto da moção aprovada em assembleia geral de pescadores, realizada no dia 23 de Janeiro de 1981, relativamente à reforma dos seus associados.
Do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, com sede em Lisboa, relativamente ao «regime de aposentação para os professores do ensino particular» e, ainda, com apreciação à Lei do OGE para 1981, Plano para 1981 e grandes opções do Plano para 1981-1984.
Do Sindicato dos Operários da Construção Civil e Ofícios Correlativos do Distrito de Vila Real, enviando exposição sobre a situação no Complexo das Indústrias Tabopan de Abreu & C.ª, em Vila Pouca de Aguiar.
Da Assembleia Municipal de Mértola remetendo texto de uma moção ali aprovada em reunião de 28 de Fevereiro último, contra a instalação de armas nucleares em Portugal.
Da Comissão Representativa dos Trabalhadores da Junta de Freguesia de Odivelas chamando a atenção para o incumprimento do Decreto-Lei n.º 466/79 e remetendo várias fotocópias para apreciação.
Da Casa do Povo de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, remetendo uma proposta, aprovada em Assembleia Geral realizada no dia 28 de Fevereiro último relativa aos trabalhadores rurais.
Do Sindicato dos Trabalhadores dá Indústria e Comércio Farmacêuticos, com sede em Lisboa, dando conhecimento, de uma pretensa ilegalidade que estará a ser cometida pela administração dos Laboratórios Atrai, S. A. R. L., relativamente à associada D. Joana da Conceição Teixeira.
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Celulose, Fabricação e Transformação de Papel, Gráfica e Imprensa Norte, com sede rio Porto, remetendo o comunicado à imprensa n.º 17/81 relativa à gestão do Inatel.
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos e Similares dos Distritos de Lisboa, Santarém e Portalegre, com sede em Lisboa, remetendo texto da moção aprovada em plenário geral de delegados sindicais relativa à actual conjuntura política e aos seus reflexos no mundo do trabalho.
Da Delegação Distrital de Leiria e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local remetendo texto da moção que foi aprovada nos vários plenários realizados no distrito de Leiria.
Da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores da Função Pública, com sede em Lisboa, remetendo as posições da Federação relativamente aos projectos de lei n.ºs 9/II e 13/II.

O Sr. Presidente: - Agora, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos apresentados nas últimas sessões, de respostas a requerimentos e da apresentação de petições.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Nas últimas sessões foram apresentados os seguintes requerimentos: à Presidência do Conselho de Ministros, ao Governo e ao Ministério das Finanças e do Plano, formulados pelo Sr. Deputado Sousa Franco; a diversos Ministérios, Secretarias de Estado, à Radiotelevisão Portuguesa e à Câmara Municipal de Lisboa (treze), formulados peto Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério da Educação e Ciência formulados pelos Srs. Deputados Jaime Ramos e Vergílio Rodrigues, respectivamente; ao Ministério dos Trans-

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portes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Miranda; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado António Vilar; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Rui Pena; ao Ministério de Justiça formulado pelas Sras. Deputadas Odete Santos e Georgete Ferreira; aos Ministérios da Habitação e Obras Públicas e do Comércio e Turismo, formulado peio Sr. Deputado José Vitorino; aos Ministérios da Administração Interna, da Qualidade de Vida, da Indústria e Energia e à Câmara Municipal de Cantanhede, formulado pelo Sr. Deputado Cabral Pinto; ao Ministério da Indústria e Energia e à Empresa Pública de Parques Industriais, formulado pelo Sr. Deputado Alfredo Pinto da Silva; ao Ministério dos Transportes e Comunicações e à Secretaria de Estado das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Reinaldo Gomes; à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
Houve resposta aos seguintes requerimentos: do Governo, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados: Magalhães Mota, nas sessões de 25 de Novembro e 3 de Dezembro de 1980, 6 e 15 de Janeiro e 3, 10, 20 e 27 de Fevereiro últimos; Helena Cidade Moura, na sessão de 3 de Dezembro do ano passado; Victor de Sá e Ilda Figueiredo, na sessão de 11 de, Dezembro último; Armando de Oliveira, na sessão de 18 de Dezembro último; Zita Seabra, José Ernesto de Oliveira e Manuel Correia Lopes, na sessão de 6 de Janeiro; António Mota, na sessão de 15 de Janeiro passado; Isilda Barata, na sessão de 21 de Janeiro último; Mário Tomé, Odete Santos, Carlos Espadinha, Francisco Miguel e Maia Nunes de Almeida, na sessão de 29 de Janeiro, respectivamente; Cantinho de Andrade, na sessão de 30 de Janeiro; Sousa Franco, nas sessões de 9 de Janeiro e 13 de Fevereiro; César Oliveira, Miranda Calha, Jaime Ramos, João Cdavinho, José Niza, Victor Constando e Jorge Sampaio, na sessão de 3 de Fevereiro, respectivamente; Jerónimo de Sousa, Manuel Lopes, Manuel Ferreira Martins, Octávio Teixeira, Álvaro Brasileiro, Jaime Ramos e César Oliveira, na sessão de 5 de Fevereiro, respectivamente; José Vitorino, na sessão de 10 de Fevereiro último; António Vitorino, na sessão de 12 de Fevereiro passado; Sousa Marques, Ilda Figueiredo e Ercília Talhadas, na sessão de 17 de Fevereiro; Zita Seabra e Cabral Pinto, na sessão de 20 de Fevereiro próximo passado; Roleira Marinho e Armando Costa, na sessão de 27 de Fevereiro passado.
Foram apresentadas as seguintes petições: n.º 9/II, por Jaime Salomão Alves (Standard Eléctrica, S. A. R. L.) - Lisboa, solicitando a intervenção da Assembleia da República no processo de despedimento de 212 trabalhadores, que baixou à 6.º Comissão, e n.º 10/II, por Maria Georgina Castelão de Sousa e outros - Lisboa, requerendo que seja apreciada pela comissão respectiva a situação dos técnicos do Centro de Medicina Pedagógica de Lisboa, que baixou à 8.ª, 4.ª e 16.ª Comissões.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para fazer declarações políticas, estava inscrito em primeiro lugar o CDS, mas prescindiu; em segundo lugar estava inscrito o PCP, mas o Sr. Deputado indicado para fazer essa declaração ainda não está presente; e em terceiro lugar está inscrito o PPM.
O Sr. Deputado Borges de Carvalho está pronto a fazer a declaração política do seu partido.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Estou, sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Como sabe, dispõe de 10 minutos paia fazer a declaração política.
Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: António Oscar Carmona, António de Oliveira Salazar e Rafael Alves Duque subscreveram com outros, em 16 de Novembro de 1936, o Decreto-Lei n.º 27 207.
No n.º 12 dos considerandos desse decreto-lei fala-se pela primeira vez na chamada divisão de baldios e incultos. No n.º 4 do artigo 173.º diz-se ainda que compete à Junta de Colonização Interna «efectuar o reconhecimento e estabelecer a reserva de terrenos baldios do Estado».
Pela primeira vez no nosso direito positivo, a expressão «baldios do Estado» toma foros de cidade.
A partir daí, foi a cavalgada infrene do poder estatal, sobre os baldios e o esmagamento dos direitos centenários de inúmeras comunidades de portugueses para quem os baldios sempre foram inalienáveis partes do património comum, complementos indispensáveis da economia comunitária e individual e garantes do equilíbrio e perenidade dos recursos que eram o suporte físico da vida das gentes.
Do baldio dependiam as populações da montanha para a pecuária, as lenhas e mesmo a agricultura itinerantes, com cotação de utentes. As comunidades dos vales deles estavam dependentes também, correspondendo, em regra, a cada folha de cultura três de baldio. Os baldios constituíam, assim, condição indispensável à fixação de populações ao território. Melhor dizendo, a que muitos portugueses pudessem viver em Portugal.
A estatização dos baldios e a sua sujeição ao regime florestal vieram proporcionar, durante o Estado Novo, a florestação industrial estreme. Os baldios foram plantados à força por uma máquina pública indiferente ao espanto e à ruína das populações. Chegava-se a prender ao sábado os utentes dos baldios que se revoltavam para os libertar na segunda-feira; durante o fim-de-semana, a hidra corporativa dos serviços florestais havia-lhes plantado hortas, e quintais com eucaliptos, pinheiros ou pseudo tessugas. Através dos maiores atropelos ao direito, à cultura, à história, à dignidade dos homens e à boa gestão dos recursos, foi possível, finalmente, erigir essa espécie de panaceia criadora de divisas que se chama indústria de celulose.
Jamais se contabilizou, porém, em termos sociais e mesmo económicos: e financeiros, o que significaram e significam para o País os emigrantes que o são por terem sido expulsos da sua terra, a bem da ocupação estatal dos baldios e da florestação industrial, ou aqueles que, pelas mesmas razões vieram engrossar os bairros da lata das cidades do litoral, sem perspectivas de vida, de dignidade ou de futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Decretos-Leis

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n.ºs 39/76, 40/76, 205/76, 206/76 e 702/76 e a Portaria n.º 117/76, aos quais é comum a assinatura de António Poppe Lopes Cardoso, representam a tentativa, ainda que controversa e incompleta, de repor o poder dos povos, entregando os baldios à sua gestão e fruição e subtraindo-os ao comércio jurídico. É, claramente, um caso em que, com propriedade, se pode falar de uma conquista do 25 de Abril, tendo de conquista o conceito positivo de algo que se obtém no sentido da justiça, da liberdade e do progresso.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estes diplomas procuravam acompanhar a restituição dos baldios da imposição de estruturas de gestão cuja formação e funcionamento eram cuidadosamente previstos e regulamentados. Tais estruturas, aios mais dos casos, revelaram-se ineficientes e geradoras de conflitos. Vieram, aliás, a ser revogadas, verificando-se hoje um vazio legislativo a tal respeito. Além disso, passados que são cinco anos, a experiência é já suficiente para que se conclua que a gestão dos baldios deve passar a ser da competência dos órgãos autárquicos eleitos, preferencialmente as juntas de freguesia onde residam os utentes dos baldios, sob controle das respectivas assembleias.

O Sr. Manuel da Costa (PS):- Não apoiado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema fundamental que hoje, 1981, se põe em relação aos baldios é o da pressão florestal, de critérios duvidosos, que sobre eles continua a exercer-se. A dinâmica própria das empresas de celulose, hoje maioritariamente pertencentes ao Estado, implica o constante crescimento das suas necessidades em material lenhoso. A autorização, dada por um governo presidencial, para a instalação de uma nova unidade produtora de nada menos que 250 000 t de celulose por ano (mais 60% em relação à produção nacional actual) vem aumentar de forma significativa a pressão florestal sobre os baldios e outros terrenos e faz-nos temer um eventual .regresso a formas de exploração do território do tipo das que atrás condenei.
É necessário que a lei entregue às juntas de freguesia a gestão dos baldios. É necessário que essa entrega seja mais lata do que a prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro. E é fundamentalmente necessário que essa entrega seja feita sem alçapões que venham permitir a indevida utilização dos terrenos baldios.
De facto, qualquer submissão a regime florestal obrigatório de baldios classificados, sabe-se lá com que critérios, como de uso predominante não agrícola mesmo que prevendo a recusa de tal regime a posteriori por parte dos órgãos autárquicos, poderá corresponder, na. prática, à manutenção das situações que pretendemos se evitem. A recusa de submissão ao regime florestal terá de ser feita pela positiva, pelas juntas de freguesia, sem necessidade de outra fundamentação que não seja a vontade expressa dos cidadãos interessados.
Por outro lado, a entrega dos baldios não deverá processar-se de forma que, através do acenar de promessas financeiras, às autarquias, se venha a desincentivar a utilização racional dos baldios a favor da florestação estreme. De facto, o fazer reverter a favor das autarquias de parte substancial das receitas da florestação dos baldios não é mais do que fomentar a florestação industrial deficitária para o Estado, que não recebe a contrapartida das despesas efectuadas, e para as autarquias, que alijam potencialidades do território e cidadãos da sua área, em favor exclusivo das empresas de celulose.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular Monárquico considera que os problemas a que acabo de fazer referência são da maior relevância política, cultural, ecológica, económica e social. Achámos que era o momento oportuno para, nesta Casa, dar a VV. Exas. parte das nossas preocupações, preocupações que julgamos serem comuns a inúmeros Srs. Deputados sem distinção de filiações partidárias.
Criar condições para que os Portugueses possam viver em Portugal, para que ao mundo rural sejam reconhecidas dignidade e especificidade próprias, obviar à degradação e exploração infrene das potencialidades do território, eis as preocupações que nos fizeram dar a esta intervenção a solenidade própria de uma intervenção política.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Teixeira da Silva para fazer a declaração política do seu partido, dispondo de dez minutos.

O Sr. Armando Teixeira da Silva (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestas duas primeiras semanas do mês de Abril mais de meio milhão de trabalhadores estão empenhados num conjunto de lutas com o objectivo de defenderem os seus legítimos direitos e interesses, seriamente ameaçados pela política agressiva e classista do governo AD/Balsemão.

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, um governo que se diz para quatro anos demonstrou já ao 4.º mês desenvolver uma política que está a provocar inequivocamente o empobrecimento do povo português e que naturalmente suscita oposição crescente.

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Neste poderoso movimento de protesto e de luta, os trabalhadores portugueses, com firmeza, mas com o sentido da responsabilidade de que deram sempre sobejas provas, usam os direitos e liberdades que conquistaram com o 25 de Abril e que a Constituição consagrou.

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os trabalhadores lutam fundamentalmente no campo da contratação colectiva, contra a tentativa de imposição de um tecto salarial, contra os despedimentos e a repressão patronal, em defesa das nacionalizações e da Reforma Agrária, contra o brutal aumento do custo de vida.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Procurando esconder as verdadeiras causas e mostrando a sua verdadeira cara, o governo

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AD/Balsemão, deturpa, especula, provoca, insulta e ameaça os trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Numa autêntica procissão, os Ministros do Trabalho, do Comércio e da Reforma Administrativa e o Secretário de Estado dos Transportes (entre outros) vão para a rádio e para a TV não para dialogar com os trabalhadores, não para informar os Portugueses, mas precisamente para tentar iludir as consequências desastrosas da sua política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do CDS: - Não apoiado!

O Orador:- O Ministro Eusébio Marques de Carvalho, quando insulta os trabalhadores da função publica, quando lhes tenta retirar direitos fundamentais, quando os ameaça com o despedimento, quando tenta virar a opinião pública contra a sua luta, mais não faz do que tentar esconder que a proposta de aumento salarial apresentada pelo Governo é largamente insuficiente, é estruturalmente injusta e conduz ã degradação das condições de vida dos trabalhadores da função pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado dos Transportes veio ontem à TV dar a imagem acabada de um político que não casa com as regras da democracia.
Perante o exercício pôr parte dos trabalhadores dos seus direitos e liberdades fundamentais, o que recorda ao Sr. Secretário de Estado não é a satisfação das legítimas reivindicações. Pelo contrário, o que lhe vem logo à cabeça é precisamente retirar aos trabalhadores os seus direitos, é insultá-los, é tentar dividi-los, e virar a opinião pública contra a sua justa luta.
Mas, Srs. Deputados, esta procissão de Ministros, se não é sinal de razão (eles bem sabem que não a têm), também não é sinal de força.
Muitas palavras tem saído da boca dos Srs. Ministros sobre a democracia, sobre a sociedade civil, sobre os direitos do homem, mas, quando os trabalhadores usam o direito de greve e da liberdade sindical, combatem-nos e reeditam os velhos argumentos que se ouviram durante quase cinquenta anos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Esta é, sem dúvida, a melhor prova da sua fraqueza, da sua cada vez mais reduzida, base social de apoio, virado que está para defender interesses de um pequeno grupo, e não os da maioria do povo português.

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

O Orador - E a maior lição democrática que este governo tem recebido das populações está na profunda compreensão e solidariedade que estas têm revelado para com as lutas dos trabalhadores, não embarcando em manobras nem em calúnias, mas compreendendo a real importância dessas lutas para, a defesa das condições de vida de todo o povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador - É que hoje a verdadeira face da que é a AD no Governo começa a assumir os seus reais contornos. Em cinco meses, de Junho a Novembro, em plena operação de campanha eleitoral, manteve a subida dos preços a uma taxa média mensal de 0,76 %, o que se traduziu numa taxa de inflação de 3,8% para aqueles cinco meses. Porém, em três meses, de Dezembro a Março, passadas que foram as eleições para a Presidência da República, subiram 7%, ritmo que, a manter-se, dá uma média anual que se aproxima dos 30 %.
A verdadeira política da AD traduziu-se, a partir de então, no aumento dos preços dos adubos, dos combustíveis, dos telefones, dos correios, dos transportes, dos detergentes, dos medicamentos, dos produtos de dieta infantil, do açúcar, do leite, do pão, do queijo, dos cereais, do sabão, dos ovos, do frango, da carne de vaca e de porco, das margarinas, dos óleos vegetais, do fiambre, dá salsicha, das massas e das bolachas.
Também no que respeita à política de saúde, a AD impôs aumentos nas taxas de acesso aos Serviços Médico-Sociais que vão dos 100 % aos 400 %. E para os deficientes não encontrou forma melhor de se associar às comemorações do Ano Internacional do Deficiente do que fazendo passar a custar 75$ as requisições para medicina física de reabilitação, quando antes eram gratuitas.
Estão aqui nesta lista produtos e serviços fundamentais e de consumo obrigatório por milhões e milhões de portugueses, que assim, de uma penada, vêem, no concreto, piorar as suas condições de vida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador-Depois da demagogia eleiçoeira, a AD apresenta a factura.
Perante este quadro, Srs. Deputados, como não compreender que as lutas em que já estão hoje empenhados meio milhão de trabalhadores suscitem a solidariedade dos seus companheiros e do povo em geral? Como não compreender que aqueles que os caluniam estão hoje cada vez mais isolados?
O Governo põe em prática uma política de empobrecimento do povo e de intensificação da exploração dos trabalhadores.
Quando aqui foi discutida a lei do orçamento, desde logo denunciámos que a previsão de uma taxa de inflação anual de 16 % era falsa e servia apenas como pretexto para tentar fixar um tecto salarial. Aí está a realidade fria do aumento dos preços a demonstrá-lo.
A política de um governo que se traduz na redução drástica dos produtos que compõem o cabaz de compras, nos aumentos e na liberalização dos preços dos bens de primeira necessidade, no desmantelamento dos organismos de coordenação económica, na redução das indemnizações compensatórias às empresas públicas que fornecem serviços de natureza

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social, designadamente as de transportes - tudo isto conduz, inevitavelmente, à degradação do nível de vida dos Portugueses, ao desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e ao intensificar dos ataques às conquistas de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, novas ameaças já surgem no horizonte, como a da revisão da legislação do trabalho (objecto de uma campanha orquestrada pelas confederações do patronato e pela AD tendente a impô-la). No exercício dos seus direitos e liberdades fundamentais, os trabalhadores saberão encontrar as formas legítimas e justas de as fazer fracassar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os trabalhadores já conseguiram significativos êxitos, que representam pesadas derrotas para a política laborai do Governo, como são exemplos recentes os casos das lutas da Marconi e da Petroquímica, onde o tecto salarial ruiu fragorosamente: contra a repressão patronal e os despedimentos, como em dezenas de empresas, onde se destacam a Standar, a Raiontex, a Messa, a Sociedade Industrial de Gouveia, os Cabos d'Avila, a Agfa-Gevaert, a Novobra, o Hotel Flórida, a Centralcer, etc.; pela defesa das nacionalizações, como é o caso do sector dos transportes e das pescas; pela defesa da Reforma Agrária e pelo direito ao pão e ao trabalho;...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -... contra o aumento do custo de vida, através de iniciativas que vêm realizando-se por todo o País.
O povo português fez recentemente uma clara opção de voto pela consolidação do regime democrático e pela rejeição do projecto golpista. É a AD que desestabiliza a situação social no Pais, ao tentar prosseguir a sua política antioperária e antipopular.

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As calúnias e ameaças do Governo face à luta dos trabalhadores demonstram a sua incapacidade de resolver os problemas do País e o seu crescente isolamento no seio das camadas populares.
O PCP saúda os trabalhadores e manifesta-lhes a sua mais viva solidariedade para com as suas lutas pela satisfação das suas justas reivindicações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A exigência de demissão e substituição do Governo que se alarga na vontade das mais amplas camadas da população representa um desafio às forças democráticas, para que, no cumprimento da Constituição de Abril, se constitua uma alternativa democrática de governo, com os trabalhadores, no respeito das transformações políticas, económicas e sociais operadas com a Revolução, na defesa dos interesses do povo português e de acordo com os autêaticos interesses nacionais.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Carlos Lage (PS):-Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr, Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Para a usar a título de pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Há mais algum Sr. Deputado que queira inscrever-se para fazer qualquer intervenção em relação à que acaba de ser feita pelo Sr. Deputado do PCP?

Pausa.

Sr. Deputado Carlos Lage, tem V. Exa. a palavra, dispondo de três minutos.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Armando Teixeira da Silva, ouvi com atenção a sua intervenção, pois ela venta um dos temas mais importantes da actualidade nacional. Em nome do PS, não poderia deixar também de pronunciar umas breves palavras sobre este tema.
Em primeiro lugar, o PS responsabiliza o Governo da Aliança Democrática pela vaga de greves que se verifica e da qual é essencialmente responsável. Efectivamente, o surto de aumento, rápido e generalizado, dos preços não pode dar as mínimas garantias aos trabalhadores de que a AD conterá os preços ao nível que promete no seu orçamento. Daí, os trabalhadores avançarem para processos reivindicativos que impeçam a rápida degradação do seu nível de vida e do seu poder dei compra.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem !

O Orador: - Assim, a AD é a responsável desta vaga de greves e não pode imputá-las a outros partidos ou aos próprios trabalhadores, como se estes fossem culpados de não aceder à política antipopular que a AD pretende desencadear.

Vozes do PS, do PCP e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, não queremos deixar de aproveitar a oportunidade para condenar a inacreditável intervenção que o Sr. Ministro Eusébio Marques de Carvalho teve na televisão, a propósito dos trabalhadores da função pública e das suas reivindicações.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - A televisão proporcionou-nos o espectáculo indescritível de um ministro que durante quarenta minutos massacrou os espectadores com uma intervenção delirante, confusa e, ainda por cima, ofensiva da dignidade dos trabalhadores.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

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1944 I SÉRIE - NUMERO 51

Os trabalhadores da função pública não podem ser submetidos a um regime de excepção. São trabalhadores iguais aos outros trabalhadores portugueses, e não trabalhadores de segunda. A intervenção do Sr. Ministro é ofensiva não só para os trabalhadores, mas também para a inteligência do cidadão que estava a ouvi-la.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - A intervenção do Sr. Ministro coloca a um nível muito baixo o conceito e a imagem que um ministro de* um governo democrático deve ter.
Sr. Deputado do PCP, pergunto-lhe se não está de acordo com as minhas palavras.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Aaah!...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, V. Exa. pediu a palavra para um esclarecimento e, afinal, acabou fazendo uma intervenção de fundo.
Pedia aos Srs. Deputados que facilitassem o trabalho dá Mesa, não se servindo das figuras regimentalmente possíveis para depois fazerem intervenções que não são as. previstas no Regimento.
Foi o caso do Sr. Deputado Carlos Lage V. Exa. tinha a possibilidade de fazer uma intervenção, inscrevia-se para ela e seria feita na devida altura. Mas pediu a palavra para um esclarecimento, quando não era um esclarecimento que desejava pedir.
É por uma questão meramente processual, de respeito pelo Regimento, que peço a VV. Exas. que, neste ponto, facilitem o trabalho da Mesa.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - É porque o Sr. Presidente acaba de fazer um reparo com o qual não posso estar inteiramente ,de acordo, pelos motivos que passo a expor.
Em primeiro lugar, porque os deputados e os grupos parlamentares não têm oportunidade de falar no período de antes da ordem do dia tantas vezes quantas as necessárias para debaterem assuntos importantes, como o Sr. Presidente não ignora.
Em segundo lugar, pedi um esclarecimento ao Sr. Deputado do PCP, perguntei-lhe se estava de acordo com as minhas considerações. É um pedido de esclarecimento como outro qualquer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fazer toda uma intervenção e perguntar se concordam com tudo quanto V. Exa. disse e não pedir um esclarecimento sobre qualquer afirmação feita pelo orador que o antecedeu não cabe - e V. Exa. sabe-o muito bem - no conceito de pedido de esclarecimento.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Mas por que é que não cabe?

O Sr. Presidente: - Peço novamente a todos os Srs. Deputados que não se sirvam das figuras regimentalmente viáveis para fazerem o que são, afinal, verdadeiras intervenções.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para fazer um protesto relativamente à intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para invocar o Regimento.

Vozes do CDS: - Agora é o Regimento que quer invocar!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Amaral, aguarde um momento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Regimento por Regimento, Sr. Presidente, V. Exa. acabou de admoestar o Sr. Deputado Carlos Lage porque ele teria abusado do Regimento. Peço que, imediatamente a seguir, não se continue a abusar do Regimento.
Se o Sr. Deputado Rui Amaral foi ofendido gravemente na sua honra, naturalmente poderá protestar. E, se há outra ofensa grave política ao seu partido, também poderá protestar. Caso contrário, o Sr. Deputado não tem direito a fazer nenhum protesto.
E o Sr. Presidente sabe tão bem como eu que isto é verdade.

O Sr. Henrique de Morais (CDS): - Ele é que é o juiz!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Exa. sabe perfeitamente qual é o hábito e a amplitude com que temos usado da figura do protesto. A minha observação foi perfeitamente justa, foi perfeitamente cabida e estou absolutamente convencido de que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, com o profundo conhecimento que tem do Regimento, é o primeiro a concordar comigo e sabe que o protesto tem sido usado para manifestação de discordância, e não apenas para o caso restrito de a pessoa ser ofendida na sua honra. Até quando tal acontece, o que os Srs. Deputados invocam é maus o direito de defesa, discutivelmente invocável e deformando o que o Regimento define como tal.
Face ao critério que normalmente tem levado a conceder a palavra em termos de protesto - e V. Exa. e alguns Srs. Deputados do seu partido, já depois da primeira fase de pedidos de esclarecimentos, têm pedido a palavra, que sempre lhe tem sido dada, sob a invocação da figura do protesto -, este é um dos pontos sobre os quais o precedente é perfeitamente claro e muito repetido nesta Câmara.
Não é com fundamento na sua invocação do Regimento, Sr. Deputado, que a Mesa recusará a palavra ao Sr. Deputado Rui Amaral, como não a recusará a V. Exa. nem a qualquer outro Sr. Deputado, no sentido e nos termos em que normalmente a tem concedido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rua Amaral.

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10 DE ABRIL DE 1981 1945

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PSD, vou protestar contra aquilo que não posso deixar de considerar como a hipocrisia política do PS, quando aqui vem defender direitos dos trabalhadores, quando aqui vem defender uma política contra os aumentos dei preces, porque, é sabido que o faz de uma forma perfeitamente preconcebida e preparada, pois, enquanto foi governo, foi o partido que mais reprimiu os trabalhadores depois do 25 de Abril, foi o partido que mais agravou as suas condições de vida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PS não tem a mínima moral para invocar a defesa dos trabalhadores. O PS só é capaz de se pronunciar, aliás mais uma vez, a reboque do PCP.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM e protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Gados Lage.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - O Pedro Roseta até foi para a bancada do CDS! Sinal dos tempos!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o cúmulo da hipocrisia é não refutar a argumentação produzida e os factos aduzidos relativamente a uma situação que se vive (e que é actual) e a um problema candente que está em análise, mas, sim, invocar o passado, ainda por cima numa perspectiva distorcida, subjectiva e completamente falsa, para justificar aquilo que é injustificável. Isso é a hipocrisia. Aliás, é uma técnica permanente do PSD e da AD.
Relativamente à sua incapacidade governativa,...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - ... relativamente aos problemas que não são capazes de resolver, a AD utiliza o sistema de não negar que isso seja verdade ou de apresentar argumentos que justifiquem as suas soluções e as suas decisões. Mas dão um salto para o passado, fazem uma invocação de um passado, que ainda por cima analisam de uma maneira deformada e falsa. Isso ou é hipocrisia ou outra coisa ainda pior.
É esta a resposta que me merece o protesto do Sr. Deputado do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Armando Teixeira da Silva (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, para responder à pergunta colocada pelo Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, eu dizia-lhe uma coisa: é que, como sabe, não lhe foi pedido esclarecimento nenhum, mas apenas uma manifestação de concordância.
Mas, porque a Mesa deferiu a intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage a título de esclarecimento, tem V. Exa. a palavra, por três minutos, para responder ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Armando Teixeira da Silva (PCP): - Sr. Deputado Caídos Lage, estou inteiramente de acordo com o seu protesto relativo as últimas intervenções feitas por ministros da AD, servindo-se de órgãos da comunicação social - que são pagos pelo povo - para atacar esse mesmo povo.
Dado que não houve perguntas das bancadas da AD, queria referir que a minha intervenção representa a realidade do que se passa neste momento no nosso país e é um sério aviso para aqueles que pretendem prosseguir com uma política antioperária e antipopular, como a que este governo está a fazer, de que os trabalhadores portugueses saberão manter-se firmes e determinados na luta pela defesa dos seus interesses, pela defesa da democracia e da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - A AD perdeu já nas últimas eleições e certamente continua a perder. Hoje, são já muitos mais milhares de trabalhadores que vêem qual é a verdadeira face da AD através dá política que realiza no dia-a-dia.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faltam quinze minutos para o encerramento do período de antes da ordem do dia, e a Mesa tem ainda por discutir e votar diversos votos, sendo alguns deles datados de há mais de um mês.
Ponho à Assembleia o problema de saber se os Srs. Deputados entendem mais oportuna a discussão desses votos ou que se prossiga com as intervenções, para as quais há inscrições. Parece realmente de interesse discutir e votar os votos que estão na Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD):-Sr. Presidente, nós sugerimos que se aplique, neste caso, uma justiça salomónica e se divida o número de votos existentes em duas ou três partes.
Não me parece que prestigie muito esta Assembleia votar, hoje ou noutro dia qualquer, cinco, seis, sete, oito votos numa única sessão. Isso é a desvalorização dessa actividade do período de antes da ordem do dia.
Sugerimos que se votem, num período a determinar nesta sessão, três ou quatro dos votos mais antigos, e não mais.
Portanto, sugeríamos que fosse dada a palavra ainda a mais um ou dois deputados para fazerem intervenções no período de antes da ordem do dia e que depois a Mesa seleccionasse os três ou quatro primeiros votos apresentados e deixasse os outros para amanhã.

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado Pedro Roseta, eu sugeria o seguinte: há um primeiro voto que está na Mesa, que foi justamente apresentado pelo seu partido, que foi entregue no dia 5 de Março e referente ao sindicalista brasileiro Lula. Penso que

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poderíamos entrar imediatamente na discussão e votação deste voto.
Quanto aos restantes, como se me afigura necessário convocar uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares durante o intervalo, levaríamos esses votos à reunião, para que entrassem em agenda, se houvesse consenso, e, se ainda tivéssemos tempo, terminaríamos o período de antes da ordem do dia com as intervenções que V. Exa. refere.
Está então em discussão o voto apresentado pelo PSD, que suponho ser já do conhecimento de todos os grupos parlamentares...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, suponho então que, seguindo o procedimento que o Sr. Presidente propõe e que nos parece razoável, o melhor é usar de critério, igual para todos. É que o voto que o Sr. Presidente referiu, que, por acaso, está em primeiro lugar, é porventura aquele que menos se justifica, porque foi um voto de circunstância para evitar votar-se um sobre a mesma matéria apresentado pelo Partido Socialista.
Em todo o caso, para que o critério seja igual e para que não fique a suspeição de que esse voto entra em primeiro lugar porque vem daqui ou dali, gostaria que na reunião dos grupos parlamentares, que se realizará no intervalo, se ordenem os votos e se coloquem todos, incluindo o que V. Exa. referiu.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Roseta (PSD):-Sr. Presidente, julgo que há um equívoco por parte do Sr. Deputado Veiga Oliveira. Naturalmente que os votos estão ordenados pela sua entrada.
O sentido da minha intervenção foi porque - aliás até talvez seja um pouco inútil, e nesse sentido até possa fazer alguma autocrítica -, além de não ser materialmente possível fazer-se a votação dos, salvo erro, oito votos que estão na Mesa, julgo que não prestigia a Assembleia votarem-se numa mesma sessão oito votos sobre matérias, diversas.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Exacto!

O Orador. - É uma opinião. Pode não ser a do Partido Comunista. No entanto, penso que devemos começar pela ordem com que os votos entraram na Mesa, e, por isso mesmo, não vejo motivo por que não devemos começar pelo voto que o Sr. Presidente anunciou, que é efectivamente o mais antigo.
Quanto aos julgamentos de intenção do Sr. Deputado Veiga de Oliveira são meramente subjectivos e julgo que ficam consigo.
Portanto, o primeiro voto a ser discutido e votado seria o do sindicalista Lula, seguindo-se o voto apresentado pelo Partido Socialista sobre a concessão do Prémio Montaigne a Miguel Torga. Não vejo, portanto, motivo para não se avançar com a discussão dos votos. O que não podemos é passar a sessão de hoje a discutir e a votar oito votos. Julgo que isso é extraordinariamente pernicioso para o prestigio da Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pede também a palavra para se pronunciar sobre este problema processual?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é apenas para solicitar à Mesa que até ao esgotamento do período de antes da ordem do dia se discutam e votem os votos que forem possíveis. Os restantes remetem-se para a conferência dos grupos parlamentares, para aí nos pronunciarmos sobre eles.
No entanto, daqui até ao final do período dei antes da ordem do dia votaríamos os votos pela ordem que entraram na Mesa.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente que nem eu nem o meu partido nos opomos, nem nunca pensámos em tal, a que sejam discutidos e votados hoje os votos. O problema é que - se é que ouvi bem - me pareceu que o Sr. Presidente propunha que se fizessem lotes de votos, para responder à objecção do Sr. Deputado Pedro Roseta, com a qual nós também concordamos não ser toda a sessão a deliberar sobre votos ou moções. Mas, se havia que ordenar esses votos, então que fossem todos ordenados. No entanto, se todos os Srs. Deputados estão de acordo que se se discutam e se votem hoje dois dos votos, pois então, se se conseguir, que se discutam e se votem dois votos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de resto, a Mesa não punha o problema senão em conciliação com uma situação prática, que é a de estarmos a dez minutos do encerramento do período de antes da ordem do dia e que impede a discussão e votação de todos os votos.
Nestas circunstâncias, e em relação ao primeiro voto por ordem da sua apresentação na Mesa, que é o do PSD, que, como VV. Exas. estão recordados, foi objecto de uma proposta de alteração, que também foi distribuída a todos os grupos parlamentares, pergunto se alguém deseja pronunciar-se sobre ele.

O Sr. Rui Amaral (PSD):- Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, não era propriamente para me pronunciar sobre o voto, uma vez que pretendo fazer uma declaração de voto, mas só para dizer que está na Mesa uma proposta de alteração, subscrita por Srs. Deputados do CDS, e que o Partido Social-Democrata concorda com ela.

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O Sr. Presidente: - Sendo assim, o Partido Social-Democrata dá desde já a proposta de alteração apresentada pelo CDS como integrante do texto que propôs. É esse o entendimento que a Mesa e a Câmara devem dar às suas palavras, Sr. Deputado?

O Sr. Rui Amaral (PSD): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, não tenho presente a proposta de alteração apresentada pelo CDS, e, como tal, pedia a V. Exa. que fizesse o favor de a ler, porque não a conhecemos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. O Sr. Secretário procederá de imediato à sua leitura.

O Sr. Secretário (Neiva de Oliveira): - Passo a ler a proposta de alteração apresentada pelo CDS, que é do seguinte teor:

Proposta de alteração

Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do CDS, propõem a seguinte alteração ao voto apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD em 5 de Março:
1- O n.º 2.º é acrescido da seguinte expressão:

[...] e espera que o processo que conduziu à incriminação dos dirigentes sindicais liderados por Luís Inácio da Silva (Lula) seja reexaminado, na profunda convicção de que só com dirigentes sindicais livremente eleitos e em liberdade é possível um diálogo aberto e democratizante, avançar seguramente no caminho da liberdade e da democracia.

2- É eliminado o n.º 3.º

Palácio de S. Bento, 17 de Março de 1981. - (Seguem-se as assinaturas.)

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se a proposta de alteração apresentada pelo CDS foi, em tempo oportuno, distribuída aos grupos parlamentares. É que o meu grupo parlamentar não tem conhecimento dela.

O Sr, Presidente: - Perguntarei aos serviços competentes se foi distribuída ou publicada, Sr. Deputado.

Pausa.

Sr. Deputado António Vitorino, informam-me de que a proposta foi distribuída no dia da sua apresentação.

O Sr. António Vitorino (UEDS):-Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, e uma vez que o partido proponente já aceitou como integrante do próprio voto o aditamento e a eliminação, propostos, faríamos de seguida a sua votação.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI}: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me importante, e daí que use da palavra neste momento, que seja completamente esclarecido perante esta Assembleia o significado do voto que temos presente.
Na verdade, e quanto a mim bem, os proponentes classificaram o voto apenas de voto, porque o seu enquadramento regimental era extremamente difícil. Sabe-se que o n.º 1.º corresponde ao voto de saudação, que o Regimento prevê, mas o n.º 2.º e o n.º 3.º, agora eliminado, não se sabe rigorosamente o que é que significa em termos regimentais.
Como se sabe, o Regimento só permite que os votos sejam de congratulação, de protesto, de saudação e de pesar, e, se o n.º 1.º - repito - se é um voto de saudação, o n.º 2.º é um voto preocupado, mas com uma preocupação que não se sabe realmente que sentido tem e se não acaba por ser uma saudação ou uma congratulação. Julgo que não, e é importante que isso fique claro.
O segundo ponto que interessa salientar é como este representa uma tentativa frágil de tomar uma posição que fique na conformidade e nas meias-águas em relação àquilo que importaria ser dito.
Comparar este voto com o voto aprovado, por exemplo, no Parlamento Europeu, na sessão de 21 de Fevereiro do ano corrente, é um exercício particularmente elucidativo. E essa aprovação foi feita por unanimidade.
Gostaria de salientar que, quando no n.º 2.º se fala na preocupação pelas actuações, estamos de facto a enveredar por um caminho que justamente, e bem, tinha sido denunciado aquando de uma primeira intervenção, a propósito de outro voto que tinha sido proposto.
Por último, gostaria de salientar que o facto de a Assembleia da República se poder pronunciar sobre esta matéria é, no entanto e para nós, apesar de tudo, importante.
A Assembleia da República não pode ficar a registar nos seus anais que pura e simplesmente recusou, ainda que por vontade da maioria, um voto de protesto sobre á prisão de um dirigente sindical, com importância e com repercussão no mundo inteiro, como defensor dos direitos dos trabalhadores e da liberdade de associação. Creio que, por isso mesmo e porque, apesar da sua fraqueza, em todo o caso, essa fraqueza é melhor do que o nada que representaria a não aprovação do voto de protesto oportunamente apresentado, por essas razões nós votaremos favoravelmente este voto, ainda que convencidos de como ele é fraco, de

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como ele é subserviente, de como ele procurou mais estar atento aos interesses do Governo brasileiro do que aos interesses dos cidadãos, em geral, e daquilo que deve ser uma amizade exigente e bem entendida, que obriga, ainda muito mais perante os povos amigos, a exigir-lhe que se comportem como defensores dos direitos humanos, como gostaríamos que fossem, todos os povos e todos os governos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de informar que faltam três minutos para o encerramento do período .normal de antes da ordem do dia ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra, Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Rui Amaral, do PSD, utilizou há momentos a expressão «hipocrisia». Este voto que estamos a discutir é um exemplo acabado de hipocrisia, porque, não tendo a AD coragem e determinação política para aprovar o voto que nós oportunamente, apresentámos e quê era perfeitamente correcto, quis remediar a situação, quis cobrir-se, apresentando um voto que tem considerandos correctos - os considerandos do voto são, sem dúvida nenhuma, correctos -, mas a parte conclusiva é um modelo de subserviência e de dependência face às autarquias brasileiras.
Nós pensamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não se pode defender com vigor Walesa quando se não defende com o mesmo vigor Lula.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - São atitudes inseparáveis e incindíveis.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Só quem defende com vigor e com determinação Walesa pode defender Lula, e vice-versa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PSD, que se mostra tão enérgico na condenação da opressão dos trabalhadores e dos sindicalistas no Leste da Europa, não mostra o mesmo vigor quando isso se passa no Brasil ou em países que não são de ditadura comunista.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Lamentamos profundamente esta situação.
Vale a pena ainda referir que na pane conclusiva do voto se fala na corajosa atitude do Governo brasileiro, ao empreender a democratização. Trata-se não da corajosa atitude das autoridades brasileiras, mas da coragem de Lula. Essa é que importa celebrar e não a daqueles que, por uma ou outra forma, prenderam Lula e o têm ainda sujeito a um processo no qual pode ser duramente condenado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de tudo o que acabo de dizer, e acreditando que o voto ainda pode ter alguma utilidade, ainda que uma utilidade simbólica, o Partido Socialista não pode deixar de votar a seu favor.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Isso não será hipocrisia?!

O Sr. Presidente: - Se mais ninguém deseja usar da palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e ao MDP/CDE e votos contra do PCP e da UDP.

É do seguinte teor o texto final do voto aprovado:

Considerando que:

a) Os direitos sindicais, nomeadamente o direito da organização sindical e o direito de greve, são direitos colectivos tão essenciais a democracia quanto os direitos individuais dos cidadãos;
b) Se vem verificando no Brasil um modesto mas esperançoso progresso no sentido da reposição da legalidade democrática e dos direitos fundamentais dos cidadãos aos quais nos unem laços de sangue e de cultura particularmente estreitos;
c) Nesse sentido, os próprios direitos sindicais vem sendo progressivamente reconhecidos ou, pelo menos, consentidos, verificando-se já que as próprias internacionais sindicais livres realizam naquele país reuniões e congressos de projecção mundial contactando e estabelecendo livremente laços institucionais com associações sindicais brasileiras,
d) Seria trágico para o povo brasileiro e especialmente para os trabalhadores brasileiros que este processo de liberalização sindical se suspendesse ou recuasse;
e) O recente processo judicial instaurado a um grupo de dirigentes sindicais liderados por Luís Inácio da Silva (Lula), pode concorrer decisivamente para prejudicar um processo que implica que todos os passos sejam dados com todos os cuidados e sem rupturas;

1.º A Assembleia da República saúda os trabalhadores brasileiros, os seus movimentos sindicais livres e os seus dirigentes que têm vindo a travar uma batalha dura mas profícua no sentido do

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reconhecimento dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e, indirectamente, no sentido da restauração das liberdades democráticas no Brasil;
2.º A Assembleia da República manifesta a sua profunda preocupação por quaisquer actuações das autoridades brasileiras que contribuam para uma paralisação ou retrocesso no caminho corajosamente encetado de reconhecimento progressivo pelas liberdades sindicais e espera que o processo que conduziu à incriminação dos dirigentes sindicais liderados por Luís Inácio da Silva, (Lula), seja reexaminado na profunda convicção de que só com dirigentes sindicais livremente eleitos e em liberdade é possível um diálogo aberto e democratizante, avançar seguramente no caminho da liberdade e da democracia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, naturalmente que haverá declarações de voto a fazer...

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, requeremos a prorrogação do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Borges de Carvalho, a prorrogação terá de ser requerida por um Sr. .Deputado, apoiado por outros nove. É apenas o seu partido que requer a prorrogação do período de antes da ordem do dia ou tem o apoio de outros Srs. Deputados?
Rigorosamente, V. Exa. deveria formalizar o seu requerimento por escrito.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para apoiar o pedido de prorrogação do período de antes da ordem do dia, proposto pelo PPM.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

Vozes do PS: - Já chega!

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, se eventualmente não chegar o número de deputados para se requerer a prorrogação do período de antes da ordem do dia, o PSD também apoia o pedido.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa., Sr. Deputado Borges de Carvalho, como vê, fartura de apoios. Tem, portanto, um número mais do que suficiente para que o período de antes da ordem do dia seja prorrogado. A Mesa considera manifestamente suficiente a sua formulação verbal. Como o pedido foi formulado antes do encerramento do período de antes da ordem do dia, está deferido.
Põe-se agora o problema de se saber se continuamos com as declarações de voto ou se entramos no período regimental. Penso que entraremos com certeza no período regimental de prorrogação com intervenções de cinco minutos para cada partido e as declarações de voto ficarão para a próxima sessão.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Sr. Presidente, é só para ficar registado que pedi a palavra para uma declaração de voto.
Quanto ao resto, estou perfeitamente de acordo com o Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para declarações de voto os Srs. Deputados António Vitorino, Veiga de Oliveira, Mário Tomé, Helena Cidade Moura e Rui Amaral.
Ficam VV. Exas. e por esta ordem inscritos para fazerem declarações de voto no período de antes da ordem do dia da próxima sessão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esposende é um dos concelhos portugueses cuja apetência para o turismo é bem vincada, atendendo às belezas naturais existentes.
O encanto de Ofir, a calma romântica do rio Cávado, a beleza repousante da sua lindíssima Barca do Lago são atractivos potenciais para a prática do turismo e o lugar aonde acorrem estrangeiros e turistas internos, à procura do sossego que falta no frenesim das grandes urbes.
No entanto, este quadro idílico está em perigo de se perder irremediavelmente. O rio Cávado, com toda a sua base hidrográfica, já foi contaminado pela chaga da poluição. Já existem claros indícios de que toda aquela região vai a muito curto prazo sofrer as consequências mais cruas de um cancro destruidor que é a poluição e que irremediavelmente estende as suas garras implacáveis a todas as riquezas naturais ali existentes.
O PPM, secundando os cientistas e o comum cidadão que contra este flagelo têm lutado, vem exigir a pronta actuação das entidades responsáveis.
Neste momento, estão em jogo incalculáveis valores económicos - isto para quem apenas vê os bens que a todos pertencem traduzidos no vil metal. Por outro lado, a qualidade de vida de populações inteiras está comprometida, bem como a possibilidade de existências da fauna e da flora de boa parte da bacia hidrográfica do Cávado.
Ao longo das margens do Cávado e dos seus afluentes, tubos criminosos fazem descargas directas de resíduos de unidades industriais sem escrúpulos, que poluem as águas e comprometem o futuro das comunidades que lá nasceram e vivem.
Na margem norte, por exemplo, a cerca de 300 m a jusante do primeiro açude do rio - açude da Rata ou do Fornelo -, em Mariz, e a pouco menos de 1000 m a montante da estação de captação de águas do Marachão, uma fábrica de tinturaria atira para o rio, permanentemente, golfadas de um produto negro que transforma as claras águas do rio numa extensa nódoa negra, acusadora da brutalidade dos que destroem o que é de toda uma comunidade e da inconsciência dos que, por omissão, não zelam pelo património que a todos pertence.

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No local de saída dos detritos há uma área de mais , de 10 m2 de espuma amarela. Os detritos, principalmente na altura da seca em que o caudal do rio é mais baixo, matam a fauna piscícola numa área de cerca de 3 km.
Um jornal diário do Porto já levantou corajosamente o problema, em reportagens que dramaticamente referiam o cancro sem remédio que se chama poluição do Cávado.
Se acrescentarmos a esta forma de poluição o aumento progressivo do número de esgotos que se verificou, quer no rio Cávado quer nos seus afluentes, poder-se-á garantir que as possibilidades de reciclagem dos detritos já foi há muito ultrapassada, e aquele rio caminha a passos assustadores para uma situação idêntica à do falecido rio Leça.
Mas os miasmas da degradação não são apenas provocados pelos detritos industriais. Pois a extracção desordenada da areia vai desfigurando e descarnando inexoravelmente o rio Cávado. Estão a funcionar, entre a foz do rio e o primeiro açude, pelo menos, meia dúzia de postos de extracção, dois dos quais situados a montante da já referida estação de captação de águas do Marachão.
Essa extracção, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é levada a cabo. através de grossos cabos de aço, accionados por potentes motores de explosão, cabos de aço esses que ligam uma margem à outra, impedindo a navegação, e com a agravante de não estarem devidamente sinalizados. Por outro lado, os tambores de óleo vazios, o combustível derramado negligentemente pelos areais ainda existentes, compõem o cenário desolador do que começa a ser o cemitério do rio Cávado.
Os estradões para acesso das camionetas de areia cada vez são mais largos e cada vez mais, na sua invasão, vão destruindo os choupos e os salgueiros das margens, degradando completamente a paisagem e desequilibrando ecologicamente aquela zona. O óleo que fica à superfície das águas, por sua vez, além de impedir a sua oxigenação, vai destruindo todo o plâncton e trucidando alevins e toda a restante fauna piscícola.
Por outro lado, a extracção de areia originou fundões transversais que retêm quantidades anormais de sal que já não são escoados pelo vaivém das marés, adensando a água, prejudicando agricolamente os campos marginais e alterando a qualidade da água que é bombeada pela já referida estacão de captação do Marachão. Aliás, esta estação está, igualmente, a sofrer os efeitos da poluição a jusante do rio Cávado, pois, diariamente, as marés provocam a inversão do caudal, com todas as suas consequências. E ainda há quem fale de aproveitar a água do rio Cávado para abastecer uma região que abrange nove concelhos, entre os quais se contam Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim, através de um projecto subsidiado pelo Banco Mundial.
Como será isso possível, com a situação actual do rio Cávado?

r. Presidente, Srs. Deputados: Convém ainda referir mais uma perniciosa consequência da poluição do rio Cávado. Claro que já não vou falar na destruição da fauna ornitológica e entomológica, tão necessária ao são equilíbrio ecológico de uma região. Vou, sim, lembrar que os detritos, a poluição sonora e a extracção de areia afugentam e matam os peixes e ciclóstomos impedem a sua desova. E os que escapam depositam os ovos na areia que é sistematicamente retirada. Com este processo, a lampreia do rio Cávado tem os dias contados. A insensatez do homem é a grande responsável por este crime.
Os pescadores de Fão, os pescadores de Esposende deixarão de ter na apanha daquele ciclóstomo o seu ganha-pão, e a zona turística de Ofir sofrerá uma perda irreparável por não poder servir nos seus restaurantes e estabelecimentos hoteleiros um produto indígena que lhes deu nome e lá leva milhares de turistas.
Várias pessoas interessadas pela protecção da natureza, como o Prof. Laroze e o Sr. Altamiro Almeida Marques, e as populações das freguesias ribeirinhas, como a de Gemeses, têm procurado lutar pela preservação do seu património natural, fazendo pressão no sentido de as licenças de extracção de areia serem canceladas. Mas a situação mantém-se dramaticamente na mesma.
Por isso, levanto energicamente a minha voz na defesa do rio Cávado, exigindo uma pronta actuação dos Ministérios das Obras 'Públicas, da Qualidade de Vida e da Indústria è Energia.
Assim: devem ser impedidas de laborar, nas actuais condições, as unidades industriais que estão a poluir o rio Cávado, obrigando-se as mesmas a apetrecharem-se com sistemas efectivos de depuração das águas residuais, mediante um calendário de acções devidamente programado pelas entidades responsáveis.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Muito bem !

O Orador: - Deve estabelecer-se um prazo limite para a entrada em funcionamento desses dispositivos antipoluição, excedido esse prazo, a punição não pode limitar-se à mera multa e sim terá de se encarar o próprio enceramento;...

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador. -... deve, permanentemente, ser controlada a qualidade da água; deve iniciar-se, imediatamente, a dragagem do leito do rio; deve ensaiar-se a melhoria da fauna aquática, pela introdução de espécimens devidamente estudados; deve iniciar-se uma campanha de educação ecológica a nível de escolas e de autarquias; deve efectivar-se a .proibição, da pesca à rede a montante da ponte de Fão e o estabelecimento de punições mais pesadas para os que utilizarem redes ilegais; deve proibir-se a continuação de estacarias sem um talweg necessário à passagem de peixe não indígena; deve proibir-se o abate das árvores marginais, e fomentar o seu plantio; deve criar-se uma guarda de fiscalização ecológica.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Temos plena consciência de que esta é uma tarefa difícil e complexa, envolvendo elevados custos económicos e financeiros, atendendo a que o quadro descrito para a bacia do rio Cávado se repete, infelizmente, para outros rios portugueses. É pois urgente racionalizar esforços, optimizar a utilização dos recursos humanos e materiais disponíveis, coordenar eficazmente os diversos

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tipos de intervenções tendo em vista a prossecução de um objectivo global - promover a qualidade de vida dos Portugueses.
Para tanto, deverá o Governo rapidamente implementar as estruturas orgânicas mais adequadas e dotar-se dos instrumentos jurídicos, técnicos e económicos necessários para a definição e execução de uma política de gestão racional dos recursos hídricos, integrada no quadro global da conservação e utilização dos recursos naturais.
A nova Lei Orgânica da Secretaria de Estado de Ordenamento e Ambiente abre perspectivas neste sentido. Assim seja possível cumpri-la para bem de todos nós.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com ou sem política nacional de água, que urge aliás conceber, e apesar de toda esta problemática, situações como as do rio Cávado têm que ser resolvidas pronta e eficazmente.
O povo português não perdoaria à Aliança Democrática qualquer protelamento da resolução deste grave problema.

Aplausos do PPM, do PSD, do PS, do CDS, da ASDL e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive oportunidade, há pouco mais de quinze dias, de visitar o hospital concelhio de Vila Real de Santo António e francamente, foi das experiências mais dolorosas e mais chocantes que até hoje me foi dado ver.
Por um lado, um hospital concelhio que abrange cerca de 30 000 habitantes -concelhos de Castro Marim, Vila Real de Santo António e parte de Alcoutim - e que, no período da estação alta do turismo serve uma população de cerca de 80 000 indivíduos. Mas esse hospital, que tem vinte e poucas camas, está hoje totalmente ocupado por pessoas idosas que apenas esperam, nesse hospital, a morte. A maior parte delas abandonadas, sem ninguém que cuide delas e com manifesto prejuízo em relação aos serviços que o hospital podia prestar e que presta, por um lado, porque as camas estão todas ocupadas, por outro, porque não possui um aparelho de raios X de 200 000 A capaz de permitir um meio de diagnóstico rápido à população que a ele ocorre.
Por outro lado, acresce que muitos dos turistas que nas épocas baixa e média poderiam demandar a zona de Vila Real de Santo António e Monte Gordo para utilizarem as praias, os pinhais, etc. ficam impossibilitados de o fazer, visto que as agências de viagem perguntam sempre das condições, da assistência médica e hospitalar da zona e de facto esta não lhe pode oferecer coisa nenhuma.
Neste sentido, o meu grupo parlamentar, por meu intermédio, apresentou hoje à Secretaria de Estado da Saúde do Ministério dos Assuntos Sociais dois requerimentos: um, a saber da possibilidade de instalação em Vila Real de Santo António, no hospital concelhio, de um aparelho de raios X que possa permitir que cerca de 15 000 doentes que lá se dirigem, possam ser assistidos com diagnóstico prévio no hospital, em vez de irem para o hospital distrital de Faro; o outro, pedia que me fossem dadas explicações - e os requerimentos são respondidos com três e quatro meses de atraso, se é que o são - sobre a possibilidade de implementar rapidamente a construção de um hospital novo em Vila Real de Santo António, capaz de responder às necessidades da população habitual e da população flutuante nessa zona.
Existe um projecto, existe terreno, existem manifestas impossibilidades, que até hoje não consegui descortinar, para que a obra seja adjudicada.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma Intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cabral Pinto.

O Sr. Cabral Pinto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As repúblicas e outras casas de estudantes de Coimbra estão neste momento ameaçadas na sua sobrevivência por acções de despejo movidas pelos respectivos senhorios. Estão nestas condições as Repúblicas Spreit'-ó-Furo, Ninho dos Matulões, Os Pyn-Guyns e Trunfé-Kopos, bem como os Solares Farol das Ilhas, Os Simbas e ainda a Residência dos Estudantes Açorianos. Algumas das acções de despejo transitaram já em julgado e a sentença foi favorável aos senhorios. A Assembleia da República não pode ficar indiferente a estes factos.
Interessados na especulação imobiliária, os senhorios negam agora o que admitiram sempre durante longos anos: que o arrendatário efectivo era a república no seu colectivo e não o subscritor individual do contrato, que só o era nominalmente.
Facto significativo é que as acções de despejo contra as repúblicas e demais casas de estudantes de Coimbra apareçam todas na mesma altura. Tudo indica, pois, que os senhorios procedem de forma combinada, sendo de prever que não escape nenhuma das 28 casas actualmente existentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguns dos senhores foram porventura repúblicos; outros, não o tendo sido, estudaram ao menos em Coimbra. Não é, porém, preciso que se observe qualquer destas duas condições para que se possa avaliar o significado cultural, social e humano das velhas repúblicas coimbrãs. Toda a gente sabe como estas residências fazem parte indefectível do património cultural da academia e da cidade de Coimbra. A sua fama, de resto, ultrapassa as fronteiras nacionais, conforme disso são prova os numerosos e frequentes grupos de turistas estrangeiros que as visitam.
Cada casa é, de facto, um monumento, um museu, uma memória colectiva e viva de sucessivas gerações que aí deixaram o testemunho imaginoso da sua passagem pela vida académica: são as poesias e as pinturas murais, as célebres frases de parede, os mais inesperados objectos, alguns valendo pela sua arte de cunho popular, outros pela sua originalidade ou significado brejeiro, todos, de alguma forma, traduzindo alegria de viver, sensibilidade e desejo de perpetuar momentos irreversíveis.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Poderemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, permitir que tudo isto se perca?
A resposta é que não e nesse sentido o meu partido coloca-se ao lado dos estudantes e manifesta a sua inteira disponibilidade para ajudar a encontrar uma

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solução que libertei as repúblicas da ameaça que sobre elas impende.

As repúblicas, independentemente do que possam significar pela sua tradição e cultura, valem também pela importante função social que inegavelmente desempenham. Com efeito, elas constituem a única solução económica viável que se oferece a muitos estudantes que, de outra maneira, teriam que abdicar da sua legítima vontade de prosseguir estudos universitários.
Assim aconteceria necessariamente aos jovens oriundos de famílias sem orçamento capaz de suportar os preços cada dia mais especulativos a que se alugam os quartos ou se pratica o regime de pensão completa em casas particulares.
Nas repúblicas, as despesas fazem-se de acordo com as disponibilidades colectivas e repartem-se segundo os princípios da equidade e da solidariedade. De forma idêntica, são distribuídas as tarefas e as responsabilidades do governo da casa. Deste modo, realizam os jovens uma vivência democrática e uma aprendizagem de vida comunitária que muito determinaram e determinam a sua formação cívica e humana; deste modo, realizam os jovens no seio dessa microssociedade que antecipa a sua entrada na vida macrossocial, uma importante e por vezes decisiva experiência de comparticipação responsável. Fruto directo dessa aprendizagem e dessa experiência pode dizer-se o papel representado pelas repúblicas de Coimbra no tempo da ditadura, nomeadamente no decurso dos anos sessenta. Reflexo dessa vivência democrática, as repúblicas foram um baluarte significativo da resistência ao fascismo e da luta pela autonomia universitária, pela liberdade de expressão e de reunião.
Acresce assim o valor formativo desta convivência doméstico-académica, geradora, por outro lado, de indestrutíveis laços de amizade e companheirismo. No plano afectivo, o saldo traduz-se, como não podia deixar de ser, numa indizível e persistente saudade que acompanha cada repúblico pela vida fora, saudade essa que apenas sossega nos breves reencontros ocasionados pelos alegres e típicos centenários que todos os anos se comemoram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As repúblicas correm o risco de se extinguir. Por isso, os estudantes apelam, e aqui me faço eco desse apelo, para todos os antigos repúblicos e para quem quer que seja sensível à sua tradição e à sua importância social e cultural.
Proponho, pois, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, que a Comissão de Cultura e Ambiente estude e intervenha na questão procurando resolvê-la em colaboração com outras estruturas envolvidas ou potencialmente interessadas, como sejam a assembleia de repúblicas, solares e casas de estudantes, a Associação Académica de Coimbra, a Reitoria da Universidade e a Câmara Municipal de Coimbra.

Aplausos do PCP, do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS. do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, nos termos regimentais e de acordo com as consultas que tive oportunidade de fazer aos restantes partidos, queria solicitar um intervalo de 30 minutos para uma reunião do meu grupo parlamentar.
Entretanto, e se V. Exa. me permitir, gostaria de, desde já, manifestar o apreço e o aplauso que merece ao Grupo Parlamentar do CDS a intervenção que acaba de ser feita por um deputado do Partido Comunista.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Presidente, é para proferir uma intervenção de cinco minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, face ao requerimento que acaba de ser formulado, de momento não pode usar da palavra.
Defiro, portanto, o requerimento formulado pelo Sr. Deputado Oliveira Dias de suspensão dos trabalhos por 30 minutos aos quais acrescem outros 30 minutos correspondentes ao intervalo habitual e convoco os líderes dos grupos parlamentares para uma reunião a realizar de seguida no meu gabinete.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Após o intervalo, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, nós vamos utilizar os cinco minutos que nos cabem no prolongamento do período de antes da ordem do dia. No entanto, atendendo a que, após este período de prolongamento, teremos pouco tempo para o debate da matéria agendada para o período da ordem do dia, propomos aos restantes grupos parlamentares, através da Mesa, que esta sessão seja prolongada até às 20 horas e 30 minutos ou até às 21 horas a fim de podermos cumprir essa mesma agenda.
Gostaria que os outros grupos parlamentares se pronunciassem sobre esta proposta que penso ser indispensável para que esta sessão não fique reduzida ao período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, entendo que não há uma razão imperativa que determine um regime excepcional pelo que, em princípio, o Grupo Parlamentar do PSD é favorável a que os nossos trabalhos terminem à hora regimental.

O Sr. Presidente: - O prolongamento pedido pelo Sr. Deputado Carlos Lage só pode ser feito desde que haja consenso por parte da Câmara. Como não há...

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O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, nós poderemos sempre requerer o prolongamento da sessão, e é isso que iremos fazer.

O Sr. Presidente: - Então, far-se-á a votação desse requerimento na altura própria.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

Acontece que foi há pouco requerido pelo CDS uma interrupção de 30 minutos em prolongamento do intervalo. Portanto, não foi por razões próprias de qualquer grupo parlamentar, que não aquele que requereu essa interrupção, que a sessão esteve interrompida durante todo este lapso de tempo.
Julgo, pois, que o Parlamento e os grupos parlamentares, em especial aquele - é o caso da ASDI - que tinha requerido a fixação da ordem do dia de hoje, não podem ser prejudicados por um motivo que lhes é alheio e que a complacência da Mesa permitiu que se arrastasse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que a sua expressão «complacência da Mesa» é, talvez, um pouco forçada.
Não sabia se deveria reabrir a sessão com a ausência total dos deputados do CDS pelo que consultei o Sr. Presidente da Assembleia que me indicou que aguardasse. Foi isso que fiz. Sou, apenas, Vice-Presidente...

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, não queria, de modo nenhum, que as minhas palavras fossem interpretadas como significando que a atitude tolerante da Mesa não devesse ter sido tomada. O que digo é que essa atitude de tolerância não pode, em nosso entender, transformar-se numa delimitação dos direitos dos restantes grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Penso que a Mesa estará de acordo com essa opinião do Sr. Deputado mas como, em última instância, quem decide é o Plenário ele pronunciar-se-á sobre o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Lage.
Portanto, ainda no prolongamento do período de antes da ordem do dia, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos para uma intervenção de cinco minutos.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos factores mais decisivos, na sua época, para o desenvolvimento do distrito de Vila Real e que, ainda hoje, se mantém vivo na memória de um ou outro cidadão de mais avançada idade e, por tradição, na de todos os Vila-Realenses, foi a chegada do primeiro comboio, no dia l de Abril de 1906, e a inauguração da linha do vale do Corgo e estação de Vila Real, em 12 de Maio do mesmo ano.
A chegada do primeiro comboio é descrita como um acontecimento ímpar na vida da região porque representava um passo decisivo no caminho do progresso, tantas vezes sonhado, tantas vezes prometido, tão lentamente realizado.
Porém, numa altura em que se comemoram os setenta e cinco anos sobre acontecimento tão importante para a vida socio-económica regional, salientam-se alguns factos que, infelizmente, documentam a realidade actual do caminho de ferro do vale do Corgo, hoje, como dantes, imprescindível para o povo que, do Douro ao Alto-Tâmega, tem no seu comboio um precioso meio de locomoção.
Com a utilização recente de locomotivas diesel melhoraram consideravelmente os serviços desta linha férrea, mas, com carruagens obsoletas, todas elas com mais de sessenta anos, permeáveis à situação do estado do tempo, obrigando, algumas vezes à utilização de guarda-chuva pelos seus utentes quando a inclemência se manifesta, é esta, presentemente, uma questão que merece pronta intervenção da administração da empresa responsável.
A rectificação do traçado nos trajectos que a possibilitem e melhoria das condições da via, que não permite, actualmente, velocidades superiores a 30 km horários, é outra questão que terá de ser equacionada com a brevidade possível. Estas beneficiações no traçado da via iriam possibilitar também a utilização de automotoras para transporte de passageiros, beneficiando-se com tal serviço quer em comodidade, quer em rapidez, os utentes deste meio de transporte.
O caminho de ferro do vale do Corgo, embora em termos económicos, de rentabilidade deficitária, presta serviços sociais altamente valiosos que não poderão ser esquecidos ou secularizados e que justificam, plenamente, os investimentos sugeridos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como em 1906, a vida actual não se compadece com perdas de tempo e demoras e há que tomar novas medidas, utilizar novos meios que actualizem permanentemente os processos de locomoção adaptados à situação da vida moderna.
Procurando chamar a atenção para a situação actual dos meios de transporte que servem Trás-os-Montes, parece-me oportuno trazer, também, ao conhecimento desta Assembleia as taxas elevadíssimas praticadas pela TAP/Regional, custando uma viagem de avião, de ida e volta, entre Lisboa e Vila Real cerca de 6000$.
Com tal preço, este transporte não pode ser utilizado pela esmagadora maioria dos Transmontanos e, por conseguinte, a maior parte das viagens são feitas com diminuta lotação, agravando-se, assim, ainda mais, o passivo que decorre da exploração destas carreiras aéreas e, por outro lado, privam da comodidade e rapidez deste tipo de transporte todos os que desejariam e necessitariam de o utilizar.
Tal como foi afirmado já, nesta Assembleia, por um meu colega de bancada, em relação a problemas do seu distrito, embora não tendo os problemas de insularidade que afectam as regiões autónomas, os Transmontanos sentem também com certa semelhan-

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ça, dificuldades da interioridade e, portanto, com direitos de exigir que custos sociais sejam, em termos idênticos, assumidos pelas entidades competentes.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para que no quadro referente aos transportes em Trás-os-Montes, e em especial no distrito de Vila Real, se sinta uma melhoria considerável, torna-se necessário que, para além das soluções enunciadas, se proceda à reparação imediata das actuais estradas do distrito e respectivas ligações aos grandes centros, com renovação de pisos, pois, actualmente, encontram-se em deficientes condições; tais obras tornam-se indispensáveis enquanto não surgirem as novas vias rodoviárias, conforme programa já divulgado e a executar nos anos mais próximos.
Embora sem pretender mencionar todas as estradas que se encontram na situação apontada, não posso deixar de me referir, novamente, à ligação de Vila Real a Bilhó, no concelho de Mondim de Basto, passando por Lamas d'Olo e Dornelas, velha aspirarão do povo daquelas zonas, que se encontram parcialmente isoladas, conforme comunicado que me foi enviado por elementos das comunidades locais e em que se faz um apelo às autoridades competentes no sentido de as alertas e sensibilizar para a resolução urgente de tão degradante situação. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através de longas épocas votados ao esquecimento, vergados no amanho de terras que, pela natureza hostil dos solos, obriga a esforços desumanos, colhendo os resultados normalmente adversos que uma agricultura de subsistência lhes propicia, causticados por um clima de «nove meses de Inverno e três de inferno», vitimados por um imobilismo económico proveniente, em parte, do centralismo administrativo do Estado, o povo de Trás-os-Montes bem merece que a sua situação seja analisada profundamente e se proceda, de imediato, às reformas estruturais necessárias ao melhoramento das suas condições de vida.
Beneficiando-se, como já foi salientado, a rede de transportes, facilitando-se a mobilidade entre o interior e o litoral, fomentando-se o sector industrial, sobretudo vocacionado para a transformação e conservação de produtos agro-pecuários, desburocratizando-se os processos de financiamentos, imprimindo-
-se em determinados serviços que recentemente apareceram e que têm a imagem da inutilidade, a dinâmica necessária para o cumprimento dos propósitos para que foram criados e apetrechando-se convenientemente com contingentes humanos devidamente preparados os diferentes serviços regionais, estamos certos de que um futuro melhor e mais acolhedor esperará o povo de Além-Marão, pondo cobro, definitivamente, a uma situação de infortúnio que, historicamente, sempre o acompanhou.
Esta intervenção, na sequência de outras que têm sido feitas nesta Câmara, procura alertar o Governo para problemas que afectam gravemente as condições de vida nas regiões do interior, nomeadamente o distrito de Vila Real; urge dar soluções práticas e rápidas, procurando-se alterar os desequilíbrios inter-regionais e aproximar os Transmontanos dos níveis em que outras regiões se encontram e a que o caminho da Europa nos obriga.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e do Sr. Deputado Jorge Miranda (ASDI).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes, que, com o consenso da Câmara, irá utilizar os cinco minutos que pertenciam ao CDS.

O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Presidente, o Srs. Deputados: No passado sábado, 4 de Abril, passaram cinquenta anos sobre a eclosão na Madeira de um movimento revolucionário que ficou conhecido como a «Revolta da Madeira».
Dirigido contra a ditadura que se instalara no País após o golpe de 28 de Maio de 1926, pretendia repor a legalidade democrática ameaçada pelo esmagamento da Constituição, pela destruição dos partidos políticos e pelo esvaziamento das funções do Parlamento.
Fomentado e liderado por deportados políticos e democratas locais, encontrou da parte da população, que já se sublevara nas ruas contra medidas económicas impostas pelo Governo da ditadura, o apoio imprescindível ao seu sucesso inicial.
Inserido num conjunto de acções revolucionárias que deveriam suceder-se no resto do País e nas colónias, só teve, infelizmente, eco nos Açores e na Guiné. Com efeito, apesar dos valorosos esforços de muitos democratas, no continente e no exílio, a ditadura estava aleita e as suas acções militares, policiais e diplomáticas fizeram abortar à nascença ou dominaram facilmente todos os surtos revolucionários que se ensaiaram.
Na Madeira, porém, as forças revolucionárias assumiram o Poder e enfrentaram a ditadura desde 4 de Abril até, por ironia curiosa do destino, à madrugada do 1.º de Maio de 1931.
Durante esse período, o regime imposto pelo 28 de Maio de 1926 tremeu, e foi denunciado no estrangeiro pelos seus actos prepotentes, pelo seu desrespeito pelas liberdades. Face a isto, a máquina de propaganda da ditadura, com o intuito de justificar perante o estrangeiro a acção militar contra a Madeira e explorar o sentimento de unidade da pátria do povo do continente, fez correr a ideia de que a revolta da Madeira tinha índole independentista. Deste modo, obteve a desejada passividade internacional e o apoio interno da opinião pública, iludindo-a quanto às razões e objectivos dó movimento. Conseguiu, de facto, um duplo efeito. Dominou a revolta sem qualquer interferência externa e apresentou o regime ao País como o defensor intransigente do todo pátrio!
O seguinte passo foi o característico rol de deportações, perseguições e prisões, destroçando famílias e negando o trabalho e o pão a quem não se submetesse incondicionalmente ao aparelho do regime. Todavia, não foi só a nível individual que se abateu a vingança da ditadura. A Madeira e as suas populações, a quem se atribuíram os tais intuitos independentistas, viriam a ser violentamente punidas e responsabilizadas pelas despesas ocasionadas com a subjugação da revolta, através do lançamento de impostos especiais que duraram, alguns, até ao fim da ditadura. Construído o bode expiatório, havia que explorá-lo e fazê-lo pagar os custos das acções militares e

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policiais, necessárias à consolidação do regime e não à preservação da integridade da pátria, como sempre fizeram crer.
Enfim, cinquenta anos são agora passados sobre todos estes acontecimentos e há que lembrar e prestar homenagem aos corajosos e abnegados homens que tentaram impedir a instalação de um regime ditatorial que haveria de durar mais quarenta e três anos e que viria a infligir-lhes sofrimentos de vária ordem. Aos que desta vida, entretanto, já partiram, honra à sua memória. Aos que, felizmente, ainda se encontram entre nós e tiveram a felicidade de ver repostas às liberdades porque tão denodada e sacrificadamente lutaram, a minha respeitosa admiração.

Aplausos do PSD. do PS, do PPM. da ASDI e do Sr. Deputado Rogério de Brito (PCP).

Quanto à Madeira e às suas gentes, há que reconhecer-lhes os sacrifícios que lhes foram impostos e o abandono a que foram votadas. A árdua experiência que adquiriram sob o jugo centralista da ditadura capacitaram-nas para valorizar, de forma muito especial, a liberdade e a democracia. Por isso, jamais permitirão, outra vez, que lhes assaquem separatismos, engendrados por forças que visem tolher-lhes o seguimento do processo autonômico e condicionar-lhes os meios necessários ao seu rápido desenvolvimento.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e do Sr. Deputado Rogério de Brito (PCP).

O Sr. Presidente: - Finalmente, também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Freitas.

O Sr. Vieira de Freitas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, desejava solidarizar-me com a intervenção do Sr. Deputado Sá, Fernandes sobre os cinquenta anos da Revolta da Madeira.

O Sr. Vieira de Freitas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Olhar o rosto da História como um espelho do futuro que absorve do pasmado a seiva mais fecunda e mais viva constitui penhor inestimável de afirmação naqueles valores que forjam o destino da pátria e a consciência dos cidadãos.
Entronizar nesta Câmara o 4 de Abril de 1931, mais que um acto de elementar justiça é remontar aos primórdios da resistência contra a ditadura, é celebrar a memória de um militar digno e de um cidadão exemplar, o general Adalberto Sousa Dias, é invocar a memória do povo madeirense marginalizado, vítima das arbitrariedades dos governantes.
A ditadura, desde o 28 de Maio de 1926, estendia progressivamente os seus tentáculos tenebrosos às instituições públicas e privadas, criando a Censura, restringindo as liberdades, perseguindo quantos não colaboravam com a situação. Para a Madeira, Salazar tinha exilado alguns democratas e republicanos: entre eles emergia a figura de cidadão e militar do general Sousa Dias, que viria a pagar com a deportação e a morte no Tarrafal a sua dedicação à causa republicana e democrática.
A par desta personalidade, que o historiador Oliveira Marques considera «um autêntico mártir», justo é salientar os nomes do coronel Carlos Vilhena, do
capitão Camões, de Augusto Casimiro e de tantos outros.
Meio século decorrido sobre a revolta da Madeira, algumas páginas de ouro já se escreveram na História de Portugal; mas a revolta da Madeira - apoiando-se em factos conjunturais de discriminação político-económico regional - iniciou a arrancada para uma luta desgastante, dolorosa e difícil, que só culminaria com o 25 de Abril de 1974.
Assume, por isso, nos dias de hoje, a força de um símbolo vivo de resistência à ditadura, o raiar de uma esperança que movia os nobres ideais de homens empenhados em restaurar os valores democráticos no continente e na Madeira.
A revolta da Madeira afirmava-se também como forma extrema de um protesto generalizado contra o centralismo feroz do Terreiro do Paço, um grito sufocado, ao longo dos tempos, por governantes déspotas e por vários tipos de opressão colonizadora; Salazar não podia fugir à regra e dispunha a seu bel-prazer dos interesses mais prementes das gentes insulares. Nesta perspectiva, a revolta da Madeira poderá ser entendida como um apelo à autonomia a vontade indomável de não se submeter ao jugo da ditadura.
O manifesto datado de 21 de Abril de 1931 rezava assim: «Nas veias da actual geração, sente-se bem que circula rejuvenescido o sangue daqueles nossos antepassados que há meio século lutaram pela liberdade e alcançaram a mais honrosa das vitórias, fazendo com que pela primeira vez entrasse no Parlamento português um deputado republicano, o saudoso Dr. Manuel de Arriaga.»
Não surpreende, pois, que um democrata da primeira hora, o Dr. Elmano Vieira, no rescaldo da revolta tenha escrito: «A Madeira hoje abarca a defesa inteira das liberdades pátrias rasgando os corações em beleza heróica, a que não há-de faltar nunca o resplendor da lealdade!»
Inalizava o seu artigo com esta sentida e comovedora expressão: «Hoje, não somos de nós próprios, somos raiz desta terra, somos só dedicação à República e a Portugal. Coragem, confiança - a vitória é de quem sabe crer, ardendo em pé, para melhor vencer!» Não obstante as ameaças de repressão que o Governo de Salazar já não conseguia ocultar, os democratas do continente estavam solidários com os homens da revolta da Madeira. Ao folhearmos a imprensa dessa época, deparamo-nos com testemunhos corajosos, de fidelidade aos princípios republicanos; nunca será de mais lembrar a coragem e determinação de tantos que punham em jogo a sua profissão e as suas famílias. Lutavam por uma causa justa: a instauração do regime democrático.
A comprová-lo, bastaria o depoimento do capitão Carlos Vilhena, que, em 13 de Abril de 1931, interpelava o Governo da ditadura nos seguintes termos: «Quem tem a culpa dos movimentos de força para restabelecer o império da lei e da justiça? O Governo que esquece a lei e pratica violências. O povo é o legítimo detentor do poder e só em seu nome se pode governar; quem não o faz, sujeita-se a praticar violências: O povo é o legítimo detentor do poder. Quem a provocou é culpado de todas as consequências. Desnecessário é afirmá-lo: está no espírito de todo o português amante da liberdade, sensível a todas as injustiças.»

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Sr. Presidente, Srs., Deputados: A revolta da Madeira não deixa de reflectir e acentuar de forma clara e peremptória a vontade de autonomia que havia de ganhar legitimidade constitucional graças ao 25 de Abril de 1974.
A capacidade de uma região eleger órgãos próprios, de se autogovernar dentro dos parâmetros de um Estado livre e democrático, consagrada na nossa Constituição, veio demonstrar que a luta desses homens não foi em vão.
Não podemos permitir que à custa deste esforço se adultere o verdadeiro sentido da autonomia; não se pode permitir que em lugar do centralismo do Terreiro do Paço se institua, a coberto dos princípios democráticos, outro tipo de centralismo político, apoiado nas clientelas do partido ou alimentado pelas benesses pródigas dos governantes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O processo autonômico, tal como vem decorrendo na Madeira, corresponderá aos anseios dos homens e do povo que se rebelou em 4 de Abril de 1931? É uma questão que daria azo a um debate interessante e, até certo ponto, esclarecedor. Repensar a autonomia, nos seus princípios e no enquadramento institucional, é tarefa imperiosa dos deputados, agora que a Assembleia da República elabora a revisão constitucional. Constitui, ao fundo, um acto de reconhecimento àquele punhado de heróis que ousaram enfrentar um dia, os poderes da ditadura e que pagaram com o exílio, a marginalização e o próprio sangue a rebelião frustrada.
O seu exemplo não será esquecido. Há-de permanecer, como fermento renovador para as gerações futuras que hão-de aprender na história a lição de coragem, dignidade cívica e moral que souberam dar a todos os Portugueses.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos no período da ordem do dia com a apreciação do projecto de lei n.º 136/11, subscrito pela ASDI e relativo à validade dos géneros alimentícios pré-embalados.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer observador, por pouco atento que seja, se dará conta de que todo o desenvolvimento económico se tem processado a par de um crescendo de consumo de bens e de serviços.
Nos tempos de hoje, e em qualquer lugar que consideremos sob observação, as relações produtor-distribuidor-consumidor têm-se acentuado e multiplicado -permita-se a hipérbole - quase até ao infinito.
Há mesmo quem caracterize as sociedades modernas, a partir desta constatação, como sociedades de consumo.
Nesta grande feira da vida, desagua uma cada vez maior quantidade de bens diversificados e uma cada vez maior vontade e até capacidade económica de os
adquirir: sejam os que se destinam à satisfação das chamadas necessidades primárias, sejam os que proporcionam uma certa promocionalidade do cidadão consumidor, no que respeita à melhoria da sua qualidade de vida e bem-estar.
Só que as linhas com que os mercados se têm vindo a cerzir não têm a mesma tessitura, quando consideramos, frente a frente, os vendedores de bens e os potenciais consumidores.
De facto, enquanto a produção se apresenta em geral organizada, por vezes concentrada e ao mesmo tempo poderosa e agressivamente actuante, os consumidores surgem quase sempre passivamente dispersos, isolados, débeis, com escassos meios de defesa, sendo reais os riscos criados à sua saúde, à sua segurança, à sua qualidade de vida, em suma.
Expressões como «paga e não discutas», «come e cala», entre tantas outras, fazem parte, infelizmente, de um vocabulário que exprime toda uma situação de inferioridade e de dependência do consumidor em relação à organização económica dos fornecedores de bens e de serviços.
Neste contexto, e para obviar às situações de exploração e de injustiça social que o quadro descrito comporta, dois movimentos se desenham: por um lado, são os consumidores mais conscientes e mais resistentes que procuram sair do seu isolamento debilitante e que, ao mesmo tempo, que aprofundam a temática dos seus direitos, se organizam, para sua defesa, em cooperativas e associações de consumidores; por outro lado, a nível estadual e público, criam-se instituições, elaboram-se programas de acção e decretam-se medidas legislativas todas voltadas para o reconhecimento, preservação e defesa dos direitos dos consumidores.
A tomada de consciência destes problemas e o contributo válido - privado ou público - para a sua resolução varia muito de país para país e, de um modo geral, só muito recentemente os consumidores são encarados como titulares de direitos autónomos, que cumpre reconhecer e proteger.
A este propósito, dir-se-á que a ultrapassagem de uma concepção estritamente liberal da economia, assente na livre concorrência e no jogo cego da oferta e da procura como processo de obtenção do equilíbrio dos diversos interesses em confronto, é que propiciou a abertura que hoje se generaliza à compreensão dos problemas que os consumidores enfrentam no seu dia-a-dia e cuja solução não seriam capazes de encontrar no seu isolamento e fraqueza individual, sem a sua organização colectiva, por um lado, e, por outro, sem uma clara intervenção estadual.
Na Europa progressiva e civilizada, multiplicam-se as associações, as ligas, as confederações, os movimentos em defesa do consumidor.
Há mesmo países, como a Suécia e a Dinamarca, em que a par do Ombudsman para os assuntos da administração e da justiça existe um Ombudsman com funções de exclusiva defesa dos consumidores.
Apesar de as referências directas aos consumidores se limitarem no Tratado de Roma aos domínios da agricultura e da concorrência, a verdade é que tem sido no seio das comunidades europeias que o estatuto do consumidor tem ganho precisão, relevo e o necessário estimulo para, nos países que com-

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põem aquela comunidade, se adoptarem medidas concretas em consonância com os planos globais aprovados a nível do respectivo Conselho de Ministros.
No primeiro desses planos, aprovado por resolução daquele Conselho em 14 de Abril de 1975, ficaram definitivamente enunciados os direitos fundamentais do consumidor, a saber:

1) O direito à protecção da sua saúde e da sua segurança;
2) O direito à protecção dos seus interesses económicos;
3) O direito à reparação dos danos;
4) O direito à informação e à educação;
5) O direito à representação.

A partir do reconhecimento destes direitos, o consumidor não deve mais ser considerado como um comprador de bens ou utilizador de serviços para uso pessoal, familiar ou colectivo, mas antes uma pessoa respeitada nos diferentes aspectos da vida social que podem afectá-lo directa ou indirectamente enquanto consumidor.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Isto é assim, ou procura-se que seja assim, na Europa das comunidades, o que não poderá deixar de ter-se presente quando tudo indica a irreversibilidade da decisão tomada e em geral aceite da nossa futura integração na CEE.
Não podemos, porém, nesta como noutras matérias, deixar de andar depressa e de acertar o passo pelas directivas emitidas no Conselho das Comunidades e que tão fraco eco tem encontrado, até agora, no legislador português.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O legislador constituinte, fazendo incluir, no artigo 81.º da Constituição da República, a protecção ao consumidor, designadamente através do apoio à criação de cooperativas e de associações de consumidores, como uma das incumbências prioritárias do Estado, situou-se, neste domínio, ao ritmo da Europa.
Todavia, o desenvolvimento deste preceito constitucional acha-se praticamente por fazer e receamos muito franca e fundadamente que ao Governo escasseie a necessária vontade política para, por sua própria iniciativa, ir tão longe, legislativamente, quanto nos parece que deveria ir.
É que o Governo, no Programa que apresentou nesta Assembleia, dedicou a esta matéria apenas umas escassas cinco linhas, nas quais se afirma que a defesa do consumidor se exprimirá através de uma actuação pronta e eficaz de fiscalização económica e do apoio a conceder às associações de consumidores, promovendo-se igualmente a audição destas sobre as questões que se prendem com o su objectivo.
Se a prioridade atribuída a uma "actuação pronta e eficaz de fiscalização económica" pode ser vista como um passo em frente do puro estado liberal, do período do laisser-faire, laisser-passer, não é ainda a tónica que desejaríamos ver acentuada em matéria de defesa do consumidor.
Não basta que o Estado seja tutor, protegendo contra os perigos. O importante é enfrentar estes e suprimi-los.
Na ausência de uma clara e bem definida política do Governo para este sector; na ausência, ainda, da indicação, ou sequer anúncio, a nível de Programa do Governo, ou outro, de iniciativas legislativas que cubram uma área tão vazia e tão carecida, de regulamentação, se encontrará, por certo, a explicação do empenhamento demonstrado por alguns grupos parlamentares ao apresentarem nesta Assembleia projectos de lei que vêm ao encontro da satisfação dos interesses e do reconhecimento dos direitos dos consumidores.
Se bem os inventario, são eles os projectos de lei n.º 116/II, do PCP, sobre Associações de defesa do consumidor; 145/II, do PS, sobre Bases gerais do regime de defesa do consumidor; 151/II, da ASDI, sobre Protecção dos consumidores de alimentos congelados; 161/II, da ASDI, sobre a defesa do consumidor; e o 136/II, da ASDI, sobre A validade dos géneros alimentícios pré-embalados, agora submetido a debate neste Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei surge, assim, em desenvolvimento da alínea m) do artigo 181.º da Constituição e com ele se pretende corrigir e ultrapassar a situação decorrente da deficiente aplicação dos Decretos-Lei n.º 314/72, de 17 de Agosto, e 315/70, de 8 de Julho.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 314/72, os rótulos dos géneros alimentícios pré-embalados, nacionais ou estrangeiros, vendidos ou expostos à venda ao público, no mercado interno do continente ou ilhas adjacentes, deverão conter determinadas indicações, por forma que o rótulo cumpra a sua função directa e imediata, qual seja a de elucidar o consumidor acerca da natureza e atributos do produto e que lhe possibilite realizar opções conscientes de compra e o seu consumo dentro do período de tempo adequado.
Essas indicações só foram, porém, tomadas obrigatórias para a generalidade dos produtos, no que respeita ao seu nome, ao conteúdo líquido e à identificação do produtor, embalador, importador, armazenista ou retalhista, o mesmo não acontecendo quanto à menção do período da sua validade.
Numa perspectiva de defesa do direito à vida e do direito à saúde do consumidor, como direitos fundamentais que ninguém contestará, a menção do período da validade dos géneros alimentícios pré-embalados no respectivo rótulo é exigência de que não pode nem deve prescindir-se.
Sendo a alimentação uma base fundamental da vida e sendo cada vez mais intensivo o consumo de géneros alimentícios pré-embalados, e sendo ainda certo que a qualidade de uma boa parte deles está sujeita, pela sua natureza, a reduzido período de inalteração, parece-nos por de mais justificar-se que se estenda a providência da menção do seu período de validade a um número sucessivamente crescente de géneros alimentícios pré-embalados.
Com uma tal medida, os iogurtes e demais produtos lácteos retardados deixarão de ser fonte de doenças das nossas crianças; as salmonelas dos ovos deixarão de ser ameaça constante à vida humana; baixarão nos hospitais os casos de intoxicação alimentar. Enfim, seremos mais saudáveis e, também, mais felizes.
Na economia do nosso projecto de lei, a menção do período de validade deverá desde logo ser esten-

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dido aos produtos lácteos; a diversos tipos de alimentos dietéticos; aos ovos e respectivas conservas; às pastas de carne e de fígados de porco e de ganso; às salsichas; às conservas de toda a natureza e às emulsões gordas - manteiga, margarina, cremes e pastas gordas.
Naturalmente que a informação a fornecer aos consumidores quanto ao termo final dos prazos de validade deverá constar das embalagens de uma forma explícita e nunca através de qualquer código, sob pena de o consumidor não ficar claramente esclarecido sobre a matéria, como se pretende e justifica.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o articulado do projecto de lei n.º 136/II, desejamos ainda fazer sobressair duas notas e uma observação.
Anotaríamos, assim, que se procura regulamentar a matéria em estreita sintonia com as propostas de directivas do Conselho das Comunidades Europeias para a aproximação das legislações dos estados membros, quanto à etiquetagem dos produtos alimentares, de 30 de Março de 1976 e de 18 de Dezembro de 1978, publicadas no respectivo jornal oficial de 22 de Abril de 1976 e de 8 de Fevereiro de 1979.
E lembra-se a circunstância por nos parecer importante, no decorrer do processo em curso de adesão à CEE, a adaptação que se impõe da nossa legislação às directivas e normas comunitárias.
Anotaríamos, também, que se prevê a entrada em vigor da lei que propomos a esta Assembleia só passado um ano sobre a sua publicação, dado que temos presente os diversos interesses em jogo, parecendo-nos que deve ser propiciado a produtores e embaladores de géneros alimentícios um período de adaptação à nova regulamentação, sem precipitações, o que é aconselhável por um são realismo e avaliação das suas possibilidades reais de resposta.
A observação que ainda faremos respeita à equiparação da rotulagem feita com desrespeito das normas contadas no projecto, às infracções previstas nas alíneas a) ou c) do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957.
Apesar de reconhecermos quão desactualizados se encontram os normativos daquele diploma, e daí que, sem dificuldades, a Assembleia tenha já dado autorização legislativa ao Governo, que a não aproveitou, de legislar sobre a matéria, pareceu-nos que, de momento, deveríamos bastar-nos, na nossa iniciativa, com o recurso à legislação ainda vigente.
Julgamos ter feito ressaltar os aspectos fundamentais da nossa iniciativa em período de discussão na generalidade.
Estamos abertos às críticas e aos contributos válidos que na especialidade a melhorem e a enriqueçam.
Um propósito justo e correcto nos norteou: a protecção da saúde e a segurança do consumidor de géneros alimentícios pré-embalados.

Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Continuando o debate. Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Ilda Figueiredo.

A Sra. Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aquando da apresentação deste projecto de lei da ASDI, um camarada meu afirmou que ele se enquadra nos princípios que defendemos de defesa do consumidor, embora não seja inovador relativamente à legislação já existente e deixe de lado muitas outras questões referentes à área de defesa do consumidor de géneros alimentícios pré-
embalados, merecendo alguns aperfeiçoamentos.
Por exemplo, por que não considerar também como obrigatória a indicação do prazo de validade para o pescado, moluscos e crustáceos congelados, para as farinhas e massas alimentícias e refeições pré-cozinhadas?
E tanto ou mais importante que a necessidade da indicação do prazo de validade é a necessidade da urgente definição de regras de congelação de produtos e de armazenagem de frio, ou seja, o estabelecimento de um condicionalismo geral para o funcionamento de todas as instalações frigoríficas de acordo com a natureza dos produtos a que servem de suporte.
Por outro ledo, como pré-condição da indicação de qualquer prazo de validade deveria estar a necessidade de todos os produtos alimentares estarem cobertos por uma norma portuguesa, procedendo-se à actualização das que se consideram ultrapassadas e tornando-as obrigatórias para todos os produtos.
Mas Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma primeira questão de fundo subjacente a toda esta problemática da defesa do consumidor é a qualidade dos produtos alimentares, pré-embalados ou não.
É do conhecimento geral que muitos dos produtos alimentares que utilizamos são de má qualidade, estão deteriorados e muitas vezes mesmo falsificados.
Nuns casos, a falta de fiscalização deixa que os consumidores continuem a alimentar-se de produtos falsificados e deteriorados, como acontece com o arroz, as farinhas sem as condições requeridas e o vinho a martelo de produção cada vez mais generalizada; noutros casos, o próprio Governo, através do estabelecimento de regras legais, facilita e promove a fraude e a falsificação dos produtos, como acontece com o café, para não falar do tristemente célebre caso das rações.
E a tendência actual é para o agravamento de toda esta situação, tendo em conta os propósitos do governo de Balsemão quanto à chamada «liberalização» dos circuitos comerciais, designadamente das importações de cereais, oleaginosas, açúcar, e etc., através do desmantelamento dos organismos de coordenação económica no seu afã de servir os interesses dos intermediários e industriais da CIP e da CAP, não tendo sequer rebuço de entregar a empresas multinacionais o abastecimento de géneros alimentícios essenciais, colocando o seu comando nas mãos de centros de interesses estrangeiros, completamente alheios aos interesses da economia nacional e dos consumidores portugueses. Para já, é o caso escandaloso da EPAC, que o Governo se prepara para destruir, entregando a importação de cereais; e o escoamento da produção a três grandes multinacionais do sector, associadas à grande indústria moageira.
Uma segunda questão de fundo quanto à defesa do consumidor de produtos pré-embalados ou não, é a política de preços. E num momento em que pela

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mão do governo AD/Balsemão os capitalistas comem à custa dos trabalhadores, ao falar de medidas a tomar quanto à defesa do consumidor, não posso deixar de denunciar mais uma vez a alta geral de preços que o Governo está a impulsionar, contribuindo poderosamente para a rápida degradação do poder de compra da população.
A liquidação, na prática, do chamado «cabaz de compras», reduzindo de quinze para quatro o número de produtos sujemos ao regime de preços máximos, sob o pretexto de acabar com a artificialidade dos preços, conduziu, sim, à liberalização, entre outros, dos preços dos óleos alimentares, das margarinas, das farinhas, das bolachas, das massas alimentícias, do queijo flamengo, etc.. Isto significa que algumas das grandes empresas que dominam o mercado destes produtos irão a curto prazo proceder a sérios aumentos, o que representará um novo atentado às condições de vida da população.
Mas para o governo Balsemão, quando são as grandes empresas privadas ou as multinacionais a determinar e a aumentar os preços, já não há artificialidade de preços. É que para este Governo os critérios de classificação dos preços como reais ou artificiais está dependente dos interesses que serve.
Os subsídios que servem a generalidade da população são considerados artificiais pelo governo Balsemão. Mas a perspectiva de grandes empresas ou multinacionais dominarem o mercado e imporem os seus preços já não preocupa este Governo do grande capital.
Senão veja-se o que se passa com a carne de bovino, que no consumidor aumentou mais de 60 % desde a liberalização imposta pelo governo de Mota Pinto com o apoio entusiástico dos partidos da AD. E o resultado é que hoje o bife (pré-embalado ou não) já não entra na casa da generalidade dos trabalhadores.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

A Oradora: - E neste momento mesmo os quatro produtos que restam do chamado «cabaz de compras» foram sujeitos a brutais aumentos, apesar de serem produtos alimentares essenciais, como o pão, com um aumento de mais 30,7%, do arroz, com mais cerca de 40%, o açúcar, com um aumento de mais 33%, e o leite, que acaba de aumentar, escandalosamente, mais de 36%.
O governo AD/Balsemão está apostado em fazer da economia nacional e dais condições de vida da população um campo aberto para as ambições, a fúria exploradora e a ânsia, de superlucros do grande capital e dos sectores parasitários da economia portuguesa, o que é um descarado ataque aos direitos do consumidor.
Uma protecção eficaz dos interesses do consumidor passa pelo estabelecimento de uma política de preços que possibilite a aquisição de bens alimentares básicos pela totalidade da população, bens alimentares esses que devem ser controlados eficazmente por legislação actualizada e fiscalização actuante, desde a produção até à chegada ao consumidor.
O presente projecto de lei da ASDI, apesar das suas limitações, insere-se dentro desta perspectiva, pelo que o iremos votar favoravelmente, consciente, no entanto, de que com este governo AD/Balsemão os interesses dos consumidores continuarão a ser gravemente postos em causa. Mas o protesto e luta popular contra a carestia, de vida e o agravamento das condições de vida crescem nas fábricas e nas ruas onde os trabalhadores, homens e mulheres, erguem a sua voz para exigir aumentos de salários e a reposição do seu poder de compra, para protestar contra escandalosos aumentos de preço.
O governo AD/Balsemão, mal confeccionado e pior embalado, esgotou há muito o seu prazo de validade.

Risos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

A Oradora: - E como produto deteriorado, será em breve deitado ao caixote de lixo da história.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para outra intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes de Carvalho.

O Sr. Mendes de Carvalho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma política de defesa do consumidor deve constituir preocupação constante não só dos que têm a tarefa de governar e dos Poderes Públicos, como de todos nós, que de uma maneira ou de outra somos também consumidores. E como está em causa a saúde, a higiene e o bem-estar de toda a comunidade, cremos que todas as medidas tendentes à educação, informação e protecção do consumidor devem ser encorajadas e melhoradas.
Assim, o presente projecto do decreto-lei n.º 136/II, ora em discussão e apresentado pela ASDI, não traz no seu conteúdo algo de profundamente inovador, podendo considerar-se bastante satisfatório o quadro legal existente (Decreto-Lei n.º 314/72, Portaria n.º 471/72, de 17 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 315/70). Contudo, julgamos que a intenção do diploma se pode considerar pertinente e que a iniciativa, no âmbito da informação e defesa do consumidor, e positiva, pois pretende que um sector de grandes repercussões no quadro da saúde e higiene pública seja disciplinado e que obrigue todos os intervenientes a conhecer os seus direitos e deveres.
E como consideramos bastante razoável o quadro legal existente, e já atrás referido, não deixamos de recordar que existem as comissões técnicas nacionais de normalização e suas subcomissões, às quais compete a elaboração ou proposta das normas portuguesas e que a elas se deveria pedir contribuição na apreciação do presente projecto de decreto-lei. Isto porque não podemos deixar de ter em conta que com a nossa próxima adesão ao Mercado Comum a evolução da regulamentação portuguesa nesta matéria deverá orientar-se, desde já, pelas regras comunitária existentes, sobre rotulagem de géneros alimentícios, sobretudo a Directiva n.º 79/112/CEE, de 18 de Dezembro de 1978, segundo a qual, no seu artigo 3.º, é aconselhada a indicação da data de fábrica ou data de embalagem no rótulo dos géneros alimentícios, o no seu artigo 9.º é devidamente explicitada a forma de indicação do prazo de validade. Achamos oportuno que os organismos competentes e as já citadas

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comissões técnicas nacionais de normalização deveriam começar o estudo da viabilidade destas indicações no sentido de virem a ser, progressivamente, exigidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para concluir, pensamos que a apresentação deste projecto de decreto-lei, para além de satisfazer a febre legislativa momentânea da ASDI, poderá ter servido para alertar as autoridades para uma melhor fiscalização na execução das normas existentes; que este projecto só seria inovador quanto à indicação obrigatória da data de embalagem e data de fabrico dos produtos industriais já que a indicação do prazo de validade poderia tornar-se imperativo para todos os géneros alimentícios pré-embalados através de simples portaria ou norma governativa. Tendo em atenção as normas e directrizes comunitárias pelas quais nos deveríamos começar a orientar, neste como noutros sectores, não sendo necessário nova legislação sobre esta matéria, já que nos parece suficiente o quadro legal que temos, nós votaremos contra o presente projecto de decreto-lei n.º 136/II, pelas razões expostas, não deixando de referir que a matéria deste diploma teria de ser analisada num âmbito muito mais vasto de legislação interligada e de sectores afins.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente:-Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Não nos surpreende a intenção de voto do CDS, surpreende-nos, sim, a sua justificação. E daí que algumas perguntas tenha a fazer.
Citou o Sr. Deputado o Decreto-Lei n.º 314/72, de 17 de Agosto. Suponho que ao citá-lo não ignora que no respectivo preâmbulo se diz que o rótulo é um elemento de informação ao consumidor, que lhe permite realizar opções conscientes de compra, armazenar o produto nas condições de ambiente mais recomendáveis e consumi-lo dentro do período de tempo adequado. Ora bem, para que esta identificação do preâmbulo tivesse possibilidades de utilização seria necessário que existisse alguma norma que obrigasse a um prazo de validade dos produtos, e essa norma não existe, Sr. Deputado, ou se por acaso a conhece, diga-me, se faz favor.
Em segundo lugar o Sr. Deputado citou directrizes da CEE e esqueceu-se, provavelmente, de citar que o texto em questão não é original. O Sr. Deputado disse bem, porque reproduz, exactamente, uma directriz da CEE. O CDS não está, provavelmente, interessado em passar das palavras aos actos, e seguir o caminho europeu de que às vezes se reclama.

Vozes do PS: - Muito bem!

Nós também já andávamos desconfiados disso, e admitíamos, muito seriamente, que as mesmas posições que sempre foram afirmadas Antieuropa, em Portugal, tivessem, novamente, reflexos nessa bancada.
Em terceiro lugar, disse o Sr. Deputado que existiam comissões técnicas de normalização. Pois há, Sr. Deputado, e o Sr. Deputado, certamente, não ignora, mas eu laço-lhe a pergunta, qual o prazo de funcionamento dessas comissões técnicas de normalização e o que se passa, por exemplo, com o inquérito sobre os aditivos e corantes permitidos para os géneros alimentares, e em relação à obrigatoriedade das normas, face à legislação portuguesa.
Pergunto ainda se o Sr. Deputado sabe o que se passa na CEE em relação à normalização. Se o Sr. Deputado tem conhecimento ou não - e no caso de ter, porque é que o ocultou - de que no âmbito da CEE se discute sobre a morosidade do processo que conduz à elaboração de normas técnicas. Se esse processo não tende a ser ultrapassado, e se, pelo contrário, não é de uma recomendação recente da CEE - a data é Fevereiro de 1981 - a indicação de que deve haver um conjunto de normas na CEE que prevejam, por um lado, requisitos gerais, por outro, directrizes também genéricas e, por último, as normas comunitárias, aplicáveis à generalidade dos países.
Última questão: pergunto-lhe, Sr. Deputado, se não pensa que as normas já existentes na CEE devem ser imediatamente aplicadas em Portugal, de modo a permitir não só aos consumidores portugueses assegurarem a sua protecção como até aos nossos industriais e aos nossos comerciantes não sofrerem o prejuízo de um impacte brusco que lhes venha a ser imposto e não atrasado por via de atitudes, como a da bancada em que o Sr. Deputado se íntegra.
E tinha-me esquecido de uma outra questão, mas, já agora, queria falar nela. Diz o Sr. Deputado que esta matéria poderia ser contemplada em portaria ou norma governamental. Bom, eu creio que essa é uma opção discutível. Nós entendemos que aquilo que está adequado às directrizes da CEE não são, obviamente, portarias, mas, em todo o caso, gostaria de perguntar-lhe que portarias conhece o Sr. Deputado, desde 1972, que tenham visado a adequação da legislação portuguesa em relação a estes problemas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes de Carvalho.

O Sr. Mendes de Carvalho (CDS): - Certamente não responderei a todas as perguntas que o Sr. Deputado Magalhães Mota fez, primeiro porque tenho a impressão de que a tendência das perguntas vem na tendência desta febre legislativa e porque, confesso, e confesso-o humildemente, não estou dentro do assunto a que algumas se referem. Vou tentar, dentro das minhas possibilidades, responder às que puder. Creio, Sr. Deputado, que as normas portuguesas, de uma maneira genérica, já estão bastante avançadas relativamente ao que se passa na CEE. Fazendo-me a pergunta se eu conheço o que se passa na CEE, eu respondo que sei, pelo menos, que no Mercado Comum procuram elaborar a legislação dentro do que é proposto pelas comunidades e procuram fazer uma conjugação dentro do que as próprias comunidades intervenientes propõem para alterar e conjugar.
Quanto ao prazo de funcionamento das comissões normativas, de facto devo confessar que parece que funcionam bastante mal. Aliás, a minha intervenção

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veio no seguimento de aconselhar essas comissões a funcionar e a trabalhar, assim como os departamentos governamentais devem fiscalizar, de uma maneira muito mais adequada e melhor, todos os problemas que digam respeito à defesa do consumidor e dos direitos dos próprios produtores de embalagens e de afixação de rótulos.
Peço só desculpa de não responder às perguntas em que não estou dentro do assumo a que se referem.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Antunes.

O Sr. Alberto Antunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falo muito brevemente para justificar a posição do Partido Socialista relativamente a esta matéria. Começaria por dizer que o Partido Socialista vai votar favoravelmente este projecto de lei e queria, ao votar favoravelmente, felicitar a ASDI pela apresentação do presente projecto de lei.

O Sr. César Oliveira (UEDS) - Muito bem!

O Orador: - De facto, a problemática da defesa do consumidor é hoje uma preocupação importante em todas as sociedades contemporâneas. Em Portugal, apesar de esta defesa estar prevista na Constituição, como referiu o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, não houve ainda legislação que concretizasse este imperativo constitucional. Felicitamo-nos, assim, pelo aparecimento da primeira iniciativa legislativa nesta matéria, que, não sendo global, é, no entanto, importante.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Creio que relativamente a esta matéria apareceram outros projectos de lei nesta Assembleia, da máxima importância, que procuram efectivamente dar uma visão global da defesa do consumidor. Destes permito-me salientar o projecto de lei n.º 145/11, de iniciativa do Partido Socialista, que procura dar as bases gerais do regime jurídico da defesa do consumidor. Portanto, é um regime geral e global que precisa de ser legislado, e esta iniciativa concreta da ASDI vem abrir caminho para a possibilidade de uma defesa do consumidor mais objectiva e mais realista.
Assim, felicito-me pela apresentação deste projecto e quero felicitar a ASDI. Esta iniciativa representa um esforço e uma contribuição positiva para a possibilidade de defesa do consumidor, sobretudo perante a agressividade enganosa de certa publicidade.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Enquanto não deixarmos de transformar o consumidor em objecto da nossa sociedade, permitamo-nos ao menos que ele possa ter uma opção consciente relativamente àqueles produtos que adquire no mercado.

Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cabrita Neto.

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socia-Democrata concorda inteiramente com a existência de legislação de apoio ao consumidor, disciplinando sectores com grandes repercussões na saúde pública e bem-estar das populações. Problemas graves têm surgido, pela falta de clareza e também pela divergente e múltipla quantidade de meios legais, que tornam difícil o conhecimento cabal dos direitos e deveres de todos os intervenientes.
Temos conhecimento da existência de comissões técnicas nacionais de normalização e de subcomissões, às quais competem as propostas das chamadas «normas portuguesas», mas não sabemos em que ponto se encontram os trabalhos em curso.
Os Decretos-Lei n.ºs 314/72 e 471/72 asseguram a obrigatoriedade de os géneros alimentícios pré-embalados conterem indicações julgadas convenientes à correcta informação dos consumidores, nomeadamente a indicação do prazo de validade de alguns produtos.
Além disso, considerando a nossa entrada a médio prazo na CEE, penso que nesta matéria de rotulagem de géneros alimentícios devemos orientar-nos desde já pelas regras comunitárias existentes, em especial a Directiva n.º 79/112/CEE, de 18 de Dezembro de 1978, segundo a qual, no artigo 3.º, não é exigida a indicação no rótulo dos géneros alimentícios pré embalados da data de fabrico ou da data da embalagem, e no n.º 4 do mesmo artigo e no artigo 9.º somente é explicitada a indicação do prazo de validade.
Acho da maior utilidade o estudo da viabilidade dos prazos de validade dos diversos produtos pré-embalados, ponderados os necessários condicionalismos tecnológicos, mas, para isso, há necessidade de que seja feito um esforço no sentido de que as normas, portuguesas definitivas, que se consideram actualizadas, sejam tornadas obrigatórias com urgência.
Os verdadeiros interesses do consumidor justificam a existência de uma legislação clara. Tenho conhecimento de que há vários projectos de lei na Assembleia da República sobre a defesa do consumidor, aos quais, naturalmente, este projecto de lei n.º 136/II está directamente ligado. Além disso, está em preparação uma lei quadro da defesa do consumidor, que irá tratar deste assunto com a maior e desejada profundidade, como acabou de ser afirmado pelo Sr. Deputado do PS. Com o maior respeito peles responsáveis desta proposta de lei, acho que este assunto é pouco inovador e poderá ser tratado mesmo por simples portaria ou até em despacho normativo.

O Sr. Pedro Roseta: - Muito bem!

O Orador: - Assim, o grupo Parlamentar do PSD, com respeito pelas funções legislativas desta Casa, vota contra este projecto de decreto-lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento do PS, que é do seguinte teor:

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista requer o prolongamento do período da ordem do dia até à votação do projecto de lei n.º 136/II.

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O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação do requerimento que acaba de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algumas questões poderiam ser quase repetidas daquelas que anteriormente formulei, tal a semelhança da argumentação que foi exposta. Em todo o caso, e para não ser repetitivo, em primeiro lugar gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se tem conhecimento de que a legislação portuguesa vigente sobre a normalização estabelece que há duas espécies de normas - normas facultativas e normas obrigatórias - e não há nada que imponha que as normas relativas a produtos alimentares sejam obrigatórias. Em segundo lugar, gostaria de perguntar se o Sr. Deputado conhece as vicissitudes da normalização portuguesa e as dificuldades que as várias normas têm enfrentado. Contudo, para lhe facilitar, também gostaria de dizer-lhe que, por exemplo, a CEE reagiu recentemente em relação ao processo lentíssimo que constitui a normalização, porquanto, por exemplo, a directiva referente ao chocolate, que veio a ser adoptada pela CEE em 1973, encontrava-se na mesa do conselho desde 1963, isto é, há dez anos, e, na prática, estes atrasos podem querer significar que, quando o conselho decide agir, a directiva possa já estar ultrapassada.
Portanto, pergunto se o Sr. Deputado tem conhecimento desta situação e de que a CEE recomenda já não este processo, mas aquele que nós precisamente aqui pretendemos fazer seguir.
Em terceiro lugar, e ainda a propósito das questões que pretendia formular-lhe, gostaria de saber se o Sr. Deputado conhece, por exemplo, a situação em relação à legislação francesa já adoptada e em que as fábricas de conservas recusaram precisamente legislação deste tipo. Ela acabou por ser imposta e chegou-se à conclusão de que, ao contrário do que pretendiam os produtores, não houve sequer quebra de consumo.
Por último, há uma questão mais importante, que é a da portaria. Mas uma portaria ou um despacho normativo com que âmbito? Com que enquadramento normativo superior? Ainda o do diploma de l972 ou um diploma novo? E quando? E qual? E que período de adaptação, Sr. Deputado? Não será esta uma matéria que é preciso resolver desde já, ou então vamos entrar aqui num processo de pescadinha de rabo na boca, que é o de não aprovar as directivas específicas porque não há lei quadro, e não aprovamos a lei quadro porque não há directivas específicas a que uma lei possa servir de cúpula? Em que ficamos?

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Cabrita Neto: Desejaria saber se o Sr. Deputado reconhece ou não que na sua breve exposição terá cometido duas contradições. Contudo, se, efectivamente, isso foi um entendimento menos correcto da minha parte, fará o favor de me corrigir.
As contradições a que me reporto são as seguintes: em primeiro lugar, o Sr. Deputado afirmou, achar conveniente que em relação a um país como o nosso, interessado na sua integração na CEE, se fosse adaptando ou mesmo pondo em prática as directivas emanadas do Conselho de Ministros da CEE. V. Exa. citou mesmo a última directiva que dá respeito a este assunto para dizer que, na verdade, ela se refere ao artigo 3.º, n.º 4), à data da durabilidade mínima dos géneros alimentícios. Ora, gostaria de saber como é que o Sr. Deputado concilia a afirmação de que devíamos procurar seguir as directivas do Conselho com a posição, também tomada, de que efectivamente este projecto não poderá merecer a aprovação do PSD, na medida em que ele não é outra coisa que não seja a adopção dessa mesma directiva.
Por outro lado, a contradição que me parece existir ao fazer a afirmação de que existe um projecto de lei pendente - aliás, dois - relativo a uma lei de bases de defesa do consumidor, onde, porventura, a matéria deste projecto de lei poderia ser contemplada, gostaria de saber como é que o Sr. Deputado Cabrita Neto concilia esta sua afirmação com o facto de achar a matéria como sendo de uma categoria menor, que poderia muito bem ser tratada a nível de portaria. Em que ficamos, Sr. Deputado? Efectivamente, isto é uma matéria sem dignidade legislativa que pode ser tratada por portaria, ou, pelo contrário, o Sr. Deputado entende que ela deve ser incluída e ponderada aquando da discussão dos projectos de lei pendentes sobre a lei de bases do consumidor. Por outro lado ainda, gostaria de saber que portaria ou portarias o Sr. Deputado conhece que, na verdade, tenham sido emitidas acerca desta matéria ou de outras relativas à defesa do consumidor.
Finalmente, perguntar-lhe-ia se o Sr. Deputado pode informar esta Câmara se porventura tem conhecimento, através de canais, que nem é preciso referir quais, de uma provável intenção política do Governo no sentido de fazer sair alguma portaria sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cabrita Neto.

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida que me dá a impressão de que o Sr. Deputado Magalhães Mota deu, em grande parte, ele próprio, a resposta a estas questões. Com efeito, quando o Sr. Deputado fala da complexidade, refere-se a um assunto bastante complexo, pois o problema dos prazos de validade dos produtos alimentares não tem sido muito fácil na CEE e não é nem será muito fácil em Portugal.
Gostaria de dizer que na CEE, por exemplo, depois de ter saído a Directiva n.º 79/112, em 1978, já saíram outras instruções, dando aos países pertencentes à CEE mais seis anos para tentarem encontrar um conjunto de normas que fossem iguais em todos esses países e relativas aos prazos de validade e às normas internas e nacionais desses produtos alimentares.
Naturalmente que essas questões têm levantado muitas dificuldades. É lamentável que de 1972 para cá os

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governos não tivessem posto em prática a totalidade das normas do Decreto-Lei n.º 314/72. Eu recordo-me de ter lido, há quatro ou cinco anos, quando entrámos em negociações e fomos integrados em grupos de trabalho na CEE sobre os problemas de produtos pré-embalados, que muitos países já pertencentes à CEE ficaram em parte surpreendidos com a legislação que já existia no nosso país em relação a este problema. Claro que embora a legislação exista, é um facto que ela não está a ser inteiramente posta em prática.
O Sr. Deputado pergunta-me ainda se o Governo pensa elaborar alguma portaria ou pôr a funcionar os meios legais de que já dispõe - porque eles já existem - para que as normas nacionais sejam postas em funcionamento. Simplesmente, eu não sou o Governo e não lhe posso dar essa resposta. Contudo, tendo em consideração o compromisso que tenho como deputado do PSD, vou requerer que me seja informado o que é que essas comissões de normalização estão a fazer nesse sentido.
O assunto é, na verdade, complexo. Mesmo dentro da legislação e da lei quadro da defesa do consumidor - e isto disse-o na minha curta intervenção, não é
menosprezo, antes pelo contrário, com muito respeito pelo trabalho legislativo que a ASDI apresenta, não há dúvida de que é um assunto complexo, demorado, e em que estão mais em causa problemas tecnológicos e técnicos do que propriamente problemas legislativos.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A questão que se põe é a de saber se qualquer dia se pretende que nós, aqui na Assembleia da República, comecemos também a pensar quais serão as cores dos cortinados do gabinete de um ministro. Acho que temos de responsabilizar o nosso trabalho - e a Assembleia da República dignifica-se assim -, apresentando legislação, insistindo, inquirindo e criticando o Governo, no sentido de este pôr em prática a legislação que já existe. O Decreto-Lei n.º 314/72 dá bastantes possibilidades a que o consumidor seja garantido em muitos produtos alimentares.
Contudo, não nos podemos só ligar a isso e temos de insistir que tecnologicamente possamos, a curto prazo, pôr em funcionamento toda esta legislação e adaptá-la ao Mercado Comum.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Sr. Deputados:

Uma voz do PSD: - Já chega!

O Orador: - Ainda que o Sr. Deputado José Vitorino pense que chega, creio que os problemas da defesa do consumidor têm uma importância que ultrapassa a do Sr. Deputado José Vitorino.

Risos.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Olhe que não fui eu, embora pudesse ter sido!

O Orador: - Pois foi pena!

Risos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de esclarecer algumas confusões que podem ter ficado a pairar esta Assembleia e que não correspondem à realidade dos factos nem dos normativos por que nos regemos.
O Decreto-Lei n.º 314/72, que foi aqui invocado por diversas vezes, constitui uma primeira tentativa séria de defesa do consumidor, mas uma tentativa manifestamente insuficiente.
Manifestamente insuficiente, como o próprio diploma reconhece. Este diploma -que, repito, é um decreto-lei - sofreu influência fundamental do actual Ministro do Comércio e Turismo. Ora, é neste diploma que se situa com grande relevância a importância da rotulagem, em especial relativa aos géneros alimentícios sobre os quais havia uma tradição relativamente vasta na legislação portuguesa, ainda que dispersa por vários diplomas.
Neste articulado houve uma dupla preocupação. Assim, procurou-se, por um lado, dar a esta matéria a dignidade de decreto-lei, ou seja, um dos mais altos graus da hierarquia legislativa portuguesa. Como tal, resulta para mim incompreensível que, tendo este antecedente e precedente - que data de 1972 -, hoje se procure tratar como menor dignidade legislativa a mesma matéria, dando-lhe relevância juridicamente inferior, como seria se a tratassem agora através de um despacho normativo ou de uma simples portaria.
Com efeito, foi por decreto-lei que a rotulagem e a embalagem foram regulados em Portugal, em 1972.
Em segundo lugar, gostaria de dizer que este diploma de 1972 procurou introduzir na legislação portuguesa a adaptação a normas internacionais. Na altura havia apenas uma norma geral internacional recomendada para a rotulagem dos géneros alimentícios pré-embalados. Tratava-se de uma norma conjunta da Comissão Mista da FAO e da Organização Mundial de Saúde, ambas visando a elaboração do chamado «Codex alimentarius».
No entanto, esta norma não foi completamente reproduzida no diploma de 1972. Ora, o que faltou foi precisamente a indicação de prazo de validade dos géneros alimentícios pré-embalados.
O reconhecimento desta importância é tão grande que, em muitos produtos e um tanto ou quanto espontaneamente, vários produtores vieram a utilizar processos de indicação da data de fabrico, precisamente para se submeterem a regulamentos e normas internacionais. O Sr. Deputado sabe certamente como muitas das exportações portuguesas têm sido condicionadas apenas porque a data de fabrico não consta do produto a exportar e das morosas negociações que isso tem acarretado.
Mas, certamente, o Sr. Deputado também sabe que se gerou um vastíssimo movimento de opinião liderado pelas associações de consumidores para evitar uma autêntica fraude à lei que vinha sendo praticada pelos vários produtores, ou seja, indicarem a data

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de fabrico e a data de validade através de códigos: por exemplo, M-26 ou H qualquer coisa. Ora, todos estes códigos eram perfeitamente incompreensíveis para o consumidor.
Pois bem, esta é a situação portuguesa. Existe um decreto-lei que não trata do prazo de validade, pretendendo-se agora resolver uma falha, uma lacuna dessa legislação, consagrando por uma norma legislativa de valor equivalente essa obrigação de datar os alimentos pré-embalados. Estamos em perfeita lógica e coerência com a legislação de que dispomos. O que não seria lógico nem coerente seria agora elaborar-se uma portaria ou um despacho normativo para resolver esta questão.
Quanto às questões da CEE - e este é o segundo capítulo que quer abordar -, são também as questões bastante diferentes daquelas que têm sido aqui abordadas.
Na verdade, o que se pretende na CEE é que as normas vigentes em cada país não possam consistir numa forma enviesada de barreira não pautal. Ou seja, um país introduzia, por via de normalização, normas que seriam impeditivas de comércio internacional, que é um dos objectivos da CEE.
Ora bem, os artigos 100.º a 102.º do Tratado de Roma tratam desta matéria. A CEE tem-se preocupado com o assunto e tem encontrado dificuldades, mas não tanto ao nível de estabelecer normalização, mas sim na configuração das normas internas de vários países. Sabe-se, por exemplo, que a Alemanha tem uma norma interna muito antiga em relação ao fabrico de cerveja, o que tem dificultado a introdução de uma norma comunitária. Sabe-se que existem também diferenças quanto à lã pura ou ao seu conceito, facto que tem também implicações no caso das exportações dos têxteis. Portanto, há diferenças de normalização que importa resolver.
Daí que a CEE se tenha orientado num duplo sentido.
Em primeiro lugar, através de normas comuns e obrigatórias para todos os países da Comunidade, considerando-se que a normalização é o tal processo técnico e moroso, recomendação que nós seguimos também, correspondendo até a uma prioridade da directiva do Programa Comunitário para a Defesa do Consumidor, que é a de regulamentar por via legislativa, e com carácter prioritário, a situação dos alimentos pré-embalados.
Isto é, a vossa votação em contrário não corresponde nem à legislação portuguesa nem à harmonia dos princípios portugueses, não corresponde às directrizes da CEE e representa um entrar na Europa às arrecuas.

Vozes do PS - Muito bem!

O Orador - Creio que ela só é explicável por qualquer mistério que eu não consigo descortinar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Está enganado!

O Orador. - Penso que a defesa do consumidor precisa de ser assegurada rapidamente. Por isso, apresentámos este projecto de lei, que é limitado, que
não tem objectivos muito extensos e que só não obedece às normas comunitárias num ponto: estabelecer um período de transição muito grande para estes produtos. Simplesmente, tivemos em conta a realidade portuguesa.
Assim, por corresponder a uma das prioridades da CEE, apresentámos este projecto de lei, não como febre legislativa, mas porque assumimos inteiramente a defesa do consumidor, tal como assumamos a defesa de tudo aquilo quanto corresponda aos interesses concretos, dos Portugueses, mas de todos os portugueses, não apenas aqueles que, por circunstâncias especiais de informação ou até de riqueza, estão em melhores condições, dispensando uma protecção generalizada, que só a lei lhes concede.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cabrita Neto.

O Sr. Cabrita Neta (PSD) - Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Exa. fez referência -tal como eu já o tinha feito - ao Decreto-Lei n.º 314/72.
Ora, eu vou recordar-lhe o seu artigo 5.º, pois V. Exa. passou certamente a correr por ele, sem o ler com cuidado: «Sem prejuízo da inclusão de outras indicações exigidas pela lei geral ou especial, os rótulos devem mencionar, nos casos ou nos termos a serem estabelecidos...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Por portaria!

O Orador: - ... em portaria do Secretário de Estado do Comércio [...]», dizendo-se na alínea g) o seguinte: «o prazo de validade».
Ora em 1972 previa-se que os produtos - a indicar por portaria - indicassem o prazo de validade. Isto para além da marca, da designação, do país de origem, etc..
Como tal, não há dúvida alguma de que esta legislação prevê a portaria. É claro que o Secretário de Estado do Comércio tinha outras preocupações. Mas de 1972 até agora, principalmente em 1974, já se poderiam ter colocado em prática muitas destas questões. Aliás, já há produtos que têm o prazo de validade indicado.
Mas o que não tem funcionado - isso é uma realidade - são as normas técnicas portuguesas em relação aos produtos pré-embalados com a indicação do prazo de validade, para assim garantir ao consumidor que, quando consumir um produto, ele está em boas condições.
Esse aspecto não tem sido devidamente tratado. Continuo a pensar e a defender que por portaria, na base técnica das normas portuguesas, seria suficiente, para resolver este problema e ir de encontro às necessidades e à nossa integração na CEE.
Aliás, não pretendemos entrar às arrecuas - creio que foi este o termo -, mas sim de corpo inteiro, como país maior. É certo que entraremos na CEE com muitas dificuldades, com algumas a levantar, mas não com cedências, e muito menos quando está em causa a saúde dos consumidores portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para responder.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - O Sr. Deputado citou o artigo 5.º e não citou o artigo 7.º, que estabelece a diferença entre normas obrigatórias e facultativas. De facto, o prazo de validade nunca foi tornado obrigatório e, portanto, a lacuna mantém-se e existe. E citaria só um exemplo ao Sr. Deputado: há da facto uma norma portuguesa que indica prazos de validade e que é a norma relativa à fabricação de iogurtes. Tal norma estabelece um prazo de validade que é, salvo erro, de quinze dias e como não estabelece a data de fabrico não tem controle, e há no mercado, e devidamente autorizados, iogurtes que se anunciam com um período de validade de vinte e cinco dias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas algumas palavras para justificar o sentido do nosso voto.
Salvo melhor opinião, creio que algo não está certo nas bancadas da FRS. De facto este projecto, cujo agendamento e discussão foi pedido ao abrigo dos direitos regimentais da ASDI, acompanha um outro projecto que há na Mesa, este do Partido Socialista - membro também da FRS -, sobre bases gerais do regime de defesa do consumidor. Ora, sem entrar na polémica aqui há pouco levantada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota do que seria primeiro se o ovo se a galinha, no qual estou de acordo com V. Exa., julgo que por uma questão lógica, e uma vez que se trata de partidos da mesma frente política, deveria haver uma certa hierarquia nos pedidos de discussão destes projectos.
Portanto, o problema é da Frente Republicana e Socialista não é nosso, mas não deixo, no entanto, de manifestar a minha estranheza.

O Sr. Carlos Lage (PS): São argumentos muito artificiosos.

O Orador: - Poderão ser na opinião do Sr. Deputado, o que muito respeito. No entanto, não são na nossa e tenha a obrigação de o exprimir aqui, se me dá licença.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, este projecto de lei não corresponde, sequer, a um desenvolvimento imediato das bases gerais propostas pelo PS. É muito mais restrita, dirige-se a uma classe especial de alimentos e mesmo dentro da classe dos alimentos, como aqui já muito bem foi referido pela Sra. Deputada Ilda Figueiredo, do PCP, não contempla outros que seriam tão dignos de protecção, como aqueles a que a ASDI agora faz referência. Creio que a Assembleia da República, ao votar favoravelmente um projecto de lei deste tipo, cai num precedente que nos cumpre evitar. Isto é, perde a noção da hierarquia das leis, perde a noção das suas próprias funções como Assembleia legislativa e vai ao nível da portaria, como aqui já foi dato, e agora diria porque não ao nível do edital. Julgo que nos cumpre, como grupos parlamentares, evitar estas
situações e não criar precedentes neste aspecto. Não podemos aceitar que as comissões parlamentares de um dia para o outro estejam ocupadas tempos intermináveis a discutir leis de pormenor que não se coadunam com as funções desta Casa.
Por isso que o nosso voto não possa deixar de ser contra, não porque estejamos em desacordo com o fundo da lei, não porque não acreditemos que ela pudesse ser melhorada nas comissões, mas porque achamos que nem este Plenário e muito menos as comissões podem ser ocupados com assuntos desta natureza.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - O Sr. Deputado Borges de Carvalho esqueceu-se, provavelmente, de citar que também a ASDI apresentou um projecto com o n.º 161/II e que se intitula de «Bases Gerais de Defesa do Consumidor».
Ora bem, isto significa precisamente que consideramos que este diploma, que é um diploma específico, tem o seu lugar dentro de uma prioridade que lhe é marcada precisamente por esse projecto de lei e que corresponde - estou farto de explicar isso e tenho pena que os Srs. Deputados não conheçam essas directrizes - exactamente a uma directiva da CEE que implica precisamente esta prioridade em primeiro lugar.
Mas a dúvida que o Sr. Deputado me colocou, fundamentalmente, no espírito é esta: parece que - se é essa a sua questão fundamental - o Sr. Deputado e o seu partido votariam favoravelmente este projecto se ele fosse apresentado depois dos das bases gerais, ou seja, trata-se tudo de uma questão de tempo e eu começo a não perceber bem em que tempo vive o PPM, porque também em relação à Feira de Belém o Sr. Deputado votou contra o inquérito e daqui por três meses já votaria a favor. Bom, é uma questão de acelerar o seu tempo e de viver no nosso tempo e na nossa história.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado, assim vamos de mal a pior. É que julguei que o vosso problema fosse dentro da FRS e afinal é dentro da própria ASDI, uma vez que também tem um projecto de lei de bases.
Portanto, não vejo realmente qual é o conceito de prioridade de V. Exa., mas, enfim, o problema não é meu mais uma vez.
Quanto à questão de se não votaríamos contra, se fosse depois do outro, não sei onde é que o Sr. Deputado foi buscar esse raciocínio, mas é evidente que ele é completamente falacioso.
Quanto à Feira de Belém, não sei se o Sr. Deputado estava cá na altura...

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Estava!

O Orador: - ... ou então não percebeu bem, porque o que nós dissemos não foi que daqui a três

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meses estávamos a favor do acordo. O que dissemos e mantemos é que se daqui a três meses o assunto não estiver resolvido a nosso contento, tomaremos iniciativas nesse sentido que não serão inquéritos de certeza.

Vozes do PCP: - Já só faltam dois meses!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Antunes.

O Sr. Alberto Antunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para protestar contra a intervenção do Sr. Deputado Borges de Carvalho.
Creio que, de facto, a justificação de voto não é justificação nenhuma, pois não há nada de incompatível entre o projecto de lei hoje apresentado e trazido aqui à discussão nesta Câmara e o projecto que o Partido Socialista. tem sobre esta matéria e que aliás também é objecto de um outro projecto da ASDI. Não há qualquer tipo de incompatibilidade.
Portanto, creio que isso não é justificação e creio que a verdadeira justificação é uma recusa sistemática em votar os projectos da oposição. Mas então que se assuma tal justificação perante a opinião pública e que de facto se tenha a coragem de o fazer.

Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, é para um curto contraprotesto.
Creio que o Sr. Deputado não compreendeu bem a razão do nosso, voto contra. Não foi pelo facto de vir. antes ou depois. Isto foi uma argumentação capciosa do Sr Deputado Magalhães Mota que já tentei esclarecer.
A razão foi porque achamos que esta Câmara não deve legislar sobre questões de pormenor e não teve nada a ver com uma questão de tempo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou dividir a minha intervenção em dois aspectos.
Um, que me suscitou o exame há pouco do projecto de lei em debate.
Outro, apesar da minha intervenção ser no meio do debate, sobre algumas considerações que aqui foram feitas.
Quanto ao primeiro aspecto, diria que uma exacta política de defesa do consumidor é tarefa prioritária do Estudo e, nessa medida, há que apoiar e incentivar o imperativo constitucional do artigo 81.º, alínea m). Por isso mesmo, todas as acções dirigidas a dar concretização e definitivos foros de cidade a essa política terão o incondicional apoio do Partido Social-Democrata.

A Sr.ª Ilida Figueiredo (PCP): - Por isso vota contra!

O Orador: - Como repetidas vezes tive ocasião de afirmar ainda aqui a nossa sintonização com o espaço jurídico europeu, no seu hemisfério democrático, servirá para promover o bem-estar, a qualidade de vida e a segurança, em plenitude, dos Portugueses.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Disse em tempos:

É que, não tenhamos dúvidas, a actividade económica terá de se estruturar a partir do reconhecimento das virtudes da concorrência e dos estímulos da iniciativa privada. Tudo estará em que uns e outra se prossigam correctamente e tendo como objectivo a satisfação dos interesses legitimes de todos os agentes económicos - o anais universal dos quais é o consumidor. Daí que o direito do consumo seja o melhor antídoto dos aspectos negativos que poderão decorrer de uma sociedade de consumo, que será de evitar no que afectar a boa fé da convivência económica e o desejável equilíbrio da contratação.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, perspectivava o trânsito de uma sociedade de consumo para uma sociedade de consumidores - de uma sociedade apenas vocacionada para o lucro para uma sociedade fundada na dignidade da pessoa humana. Não temos uma visão maniqueísta do lucro, que em si mesmo não é um mal, já que é dele que resulta a viabilização das empresas; temos, sim, a noção, sensata e realística, de que ele deve inserir-se numa visão globalizante do bem comum, entendido este como tudo aquilo que concorra para a plena e paritária realização de todos os homens, cujos legítimos direitos são a justificação inarredável de qualquer intervenção do Estado.
Por assim ser estamos com tudo aquilo que defenda essa pequena e por vezes ignorada ilha, tão frequentemente perdida no vasto oceano dos maus interesses, que é a pessoa humana.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pois bem.

Uma das essenciais vertentes da protecção dos consumidores é o seu direito à informação - que anda a par do seu direito à segurança. Consta ele do elenco consignado nas grandes cartas outorgadas nos últimos anos por aqueles que quiseram tornar este precário mundo mais justo e equilibrado. E aqui penso nas acções desenvolvidas, na área de que geográfica e culturalmente estamos próximos, pelo Conselho da Europa, pela OCDE e pelas Comunidades Europeias. E não deixo de escutar a já longínqua voz do Presidente Kennedy na mensagem aos consumidores, de 15 de Março de 1962.
Mas ilusória e precária será a política que se quedar no domínio das grandes intenções.
E, assim, a política de defesa dos consumidores terá de descer às suas expressões práticas e sectoriais. Uma destas expressões é a da rotulagem dos produtos, com especial ênfase nos produtos alimentares. O consumidor mais desprotegido é, precisamente, o consumidor do produto final.

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Assegura essa rotulagem uma resposta eficaz à defesa da saúde, à capacidade de escolha e selecção e à normalidade da contratação do consumidor. Na resolução do Conselho da CEE, de 14 de Abril de 1975, sobre o programa preliminar para uma política de protecção e de informação dos consumidores, inscreve-se, como numa premunição hierárquica, em primeiro lugar, o direito à prelecção da saúde e segurança; interligado esse direito com o direito à informação a sua efectivação advém, quanto aos produtos alimentares, da clara indicação das menções que devem ser levadas ao conhecimento dos consumidores. Assim, e designadamente, a natureza, a competição, o peso e o volume, o valor nutritivo, a data de fabrico ou qualquer outra data útil.
Uma regulamentação sistemática dessas informações é matéria de norma, desde há anos, na República Federal da Alemanha, nos países escandinavos, na Holanda, em França e, em maior ou menor grau, em toda a Europa. Nas medidas legislativas aí tomadas dá conta, por exemplo, o estudo de Santaella Lopez sobre a Protección jurídica de los consumidores y contratación (aproximación al Derecho europeo)", em Documentación Jurídica. Outubro-Dezembro de 1977, Madrid, p. 789. E, necessário será sublinhar, está hoje na primeira linha dos objectivos das Comunidades Europeias, como evidenciou a decisão do Conselho, de 10 de Julho de 1979, e o parecer do Comité Económico e Social, de 13 de Dezembro do mesmo ano. A qualidade dos bens e serviços é tão importante como o seu preço; o Comité considerou dever ser dado cada vez, maior relevo a um sistema de rotulagem informativa (Jounal Official des Communantés Europeénnes, de 2 de Abril de 1980).
Nenhuma objecção teria, neste contexto, que é o seu, o Partido Social-Democrata a fazer, na generalidade, à iniciativa legislativa da ASDI se ela não comportasse o risco, que parece evidente, de arrastar a uma dispersão legislativa que se tem como altamente inconveniente. Não por razões de política partidária, mas por motivos exclusivamente ligados à definição de uma correcta política legislativa sempre reprovámos o pendor à inflação legislativa que tem vindo a ocorrer nos anos mais chegados. Chamei-lhe, em 1976, elefantíase legislativa - e prefigurei-o como a subtil tentação para converter num amontado de preceitos avulsos aquilo que, organizadamente, deveria constituir um ordenamento jurídico. Quem aplica a lei ou quem dela seja destinatário, tende a converter-se num despersonalizado agente do tráfego legislativo.
É por isso que, fazendo o voto de que esta Assembleia da República aprove em breve uma lei de bases da defesa do consumidor e que o Governo dê corpo e realidade à ideia, em que tanto tenho vindo a insistir, da criação do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, o Partido Social-Democrata irá votar contra o projecto de lei agora em debate.
Não estão em causa es bons propósitos que o animaram. Está, sim, em jogo a necessidade, cada vez mais sentida, de se articularem, coordenarem e sistematizarem as iniciativas legislativas que se proponham realizar uma política global.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nós, que tão fundamente somos contrários à colectivização, somos pela definição dos grandes esforços colectivos. Eles serão, nesta área, possíveis. E, repito, espero que sejam brevemente concretizáveis.
O que merece, pois, a nossa frontal discordância é que se pulverizem as iniciativas, incompatibilizem, pelo menos virtualmente, as acções e indisciplinem as incapacidades.
Há áreas em que o consenso não é difícil; ele existirá, por certo, naquilo que diga respeito ao bem-estar dos cidadãos. Lancemos mão à obra e façamos que do consenso advenha uma obra que marque, para esta Assembleia, uma época de que resulte, para os Portugueses, uma imagem de eficácia. Condenemos a vida parlamentar à eficácia e por essa condenação seremos, disso não tenho dúvidas, absolvidos de faltas veniais que temos, quase invariavelmente, vindo a cometer. O segundo aspecto da minha intervenção resultou-me deste diálogo que se travou depois de aqui ter chegado. Terei dele, portanto, uma visão necessariamente incompleta.
Tenho aqui à minha frente vários projectos de lei, todos eles animados dos melhores propósitos, todos eles susceptíveis de melhoramento de enriquecimento e de valorização, mas todos eles incidentes sobre a problemática da defesa do consumidor. Tenho aqui concretamente o projecto de lei n.º 116/II do Partido Comunista Português, o n.º 145/II do PS, o n.º 136/II que está agora em discussão e o n.º 151/II também da ASDI.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Falta outro!...

O Orador - E exactamente outro que é o das bases gerais do regime de protecção do consumidor, também da ASDI.
Evidentemente que se aprovássemos, na generalidade, todos estes diplomas teríamos necessariamente uma actuação indisciplinada, porque se o projecto de lei n.º 161/11, apresentado pela ASDI, que é o das bases gerais do consumidor, é compaginável com o projecto de lei das bases gerais do consumidor apresentado pelo PS - e devo dizer, na minha opinião, que sendo compatibilizados devem ser aprovados na generalidade quando for altura e, por isso mesmo, na Comissão vou apresentar um projecto de substituição, como o Regimento faculta - já não serão compatibilizáveis, por exemplo, com o projecto de lei n.º 116/II do PCP, que, devo dizer com toda a frontalidade, contém nalguns aspectos uma perspectiva a que dou inteiro acolhimento, e que é a chamada protecção dos interesses difusos ou colectivos dos consumidores. Só que tudo isto tem de ser encarado numa perspectiva global.
A lei mais recente que há sobre protecção do consumidor - e tenho aqui incidentalmente isso à minha frente, pois não fiz uma grande preparação para este debate, mas encontrei aqui realmente uns elementos sobre a questão - é a lei finlandesa de 1978. É evidente que não estou a aconselhar que tenhamos o mesmo compasso de espera na preparação legislativa, pois os trabalhos preparatórios conducentes a esta lei

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iniciaram-se em Dezembro de 1971 e depois de um largo debate alargado e participado culminaram em 1975 com uma legislação que foi submetida ao Parlamento e foi aprovada em 1978. Dir-se-á que as coisas lá andam muito devagar e que cá não podem andar assim, mas também não podem andar tão depressa. Ora o que vai acontecer, certamente, se aprovássemos hoje este projecto de lei que em si mesmo contém normas que são perfeitamente integráveis dentro de um plano coordenado de actuações legislativas, e se aprovássemos depois o projecto de lei n.º 151/II, de protecção dos consumidores de alimentos congelados, teríamos a curto prazo uma série de leis com dois ou três artigos, o que é uma técnica legislativa perfeita mente inconveniente.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, o voto do PSD não é contra a iniciativa legislativa, na medida em que ela seja enquadrável e que seja susceptível de absorção num contexto mais vasto. O PSD é contra a pulverização legislativa que daqui decorreria. Admito perfeitamente que haja uma grande área da protecção do consumidor em matéria de produtos alimentares. É assim que acontece em França pela lei de 14 de Outubro de 1973, relativamente aos produtos alimentares, é assim que acontece com o Código Alimentar Espanhol; de 1967 e é assim que acontece exactamente com esta lei finlandesa de 1978.
Devo dizer que a indicação mais recente que há e de que tenho, pelo menos, conhecimento das Comunidades Europeias é uma resolução do Conselho e depois um parecer do Comité Económico e Social, que foram publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em Abril do ano findo. Aqui se dá conta exactamente da grande preocupação que deve haver na protecção do consumidor quanto à qualidade dos produtos e essa protecção passa pela verificação dos rótulos e pela preocupação da informação correcta do consumidor. Mas também se fala na necessária coordenação de todas estas acções, e o Comité sugere que se estabeleça um programa de actuações que dará evidentemente origem, por assim dizer, a um segundo programa das Comunidades, porque o primeiro foi aquele de 1975.
Nós, entretanto, por mais vocacionados que estejamos e por mais vontade política que tenhamos da integração europeia, temos de em cada momento encarar sobretudo a realidade portuguesa. Sabemos que a nossa actividade legislativa, como disse há pouco, se tem pulverizado numa série de diplomas dispersos e avulsos que são completamente contra-indicados, porque até naquele aspecto que me parece fundamental da sua acessibilidade, quer por técnicos, quer pelos destinatários fundamentais que são os cidadãos, eles acabam por ser imperfeitamente conhecidos. Teria muito mais relevo na opinião pública - e nós que estamos aqui a legislar temos de contar com o impacte que a nossa actuação terá na opinião pública, pois estamos aqui a legislar para bem dos cidadãos e eles têm de conhecer o que estamos aqui a fazer - a integração de todo este conjunto de normas sobre a protecção do consumidor num diploma único, pelo menos num diploma de bases que apontasse depois para a regulamentação que terá predominantemente de ser do Governo.
Temos fundamentalmente que evitar a tentação regulamentar, porque o regulamento é sempre precário e a lei tem de estar vocacionada para, tanto quanto possível, alargar a sua perduração.
Estarmos aqui a fazer leis de carácter técnico, não digo sobre o joelho, poderá ser perigoso nesta perspectiva.
Assim, era isto que queria realmente dizer e não se pode tirar daqui qualquer ilação que o PSD esteja contra a perspectiva contida neste projecto de lei, mas o que está, sim, é contra a técnica legislativa usada. Não está, portanto, contra a protecção do consumidor nesta matéria, está contra a técnica utilizada pela ASDI e entende, em síntese, que toda esta matéria deve ser repensada e deve ser integrada num diploma único que seja a grande lei das bases, o grande código, na grande acepção da palavra, dos direitos do consumidor - mas universal como há pouco dizia, dos agentes económicos - e que essa lei seja tornada acessível a todos e que não passe a ter como destino o ficar no remanso dos gabinetes e ser coberta depois pela poeira dos tempos.
Faço, portanto, o voto que a ASDI compreenda a posição assumida pelo Partido Social-Democrata e que tome qualquer atitude que se coadune com esta perspectiva que agora aqui referi.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, tem V. Exa. a palavra, certamente para pedir esclarecimentos.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Mário Raposo, gostaria de dizer que segui a sua exposição com a maior atenção, como ela, aliás, merecia, e creio que essa exposição me causou uma primeira perplexidade. É que me pareceu uma de duas coisas: ou que toda a primeira justificação estava feita no pressuposto de que afinal o PSD ia votar a favor deste diploma, ou que estaria a ser explicada, inclusivamente à bancada da AD, a importância que estas matérias têm no mundo contemporâneo.
Mas a minha perplexidade aumentou com algumas afirmações do Sr. Deputado e era em relação a essas que lhe pediria o seu esclarecimento. Segundo algumas posições, esta matéria deveria figurar em portaria, num despacho normativo, e, segundo o Sr. Deputado Mário Raposo, ela teria dignidade suficiente para figurar nas bases gerais de defesa do consumidor.
Gostaria de saber qual é afinal a posição legislativa da sua bancada, visto que o que condiciona o vosso voto é apenas uma questão técnica legislativa, segundo depreendi da sua intervenção.
Em segundo lugar, diz-me o Sr. Deputado Mário Raposo, e eu estou de acordo, que é necessário evitar a pulverização legislativa. Ora o que acontece é o seguinte: se nós carrearmos para uma lei de bases gerais de defesa do consumidor todas as catorze prioridades da CEE, criamos um monumento, com certeza um código muito importante, mas nada acessível ao consumidor.

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E essa é exactamente a preocupação da CEE e por isso é que a própria CEE recomenda que, para além de uma lei quadro genérica - e, inclusivamente, suscitou-se a questão de que só os países da América do Sul tiveram durante algum tempo leis de bases gerais do consumidor -, devem ainda existir leis que visem especificadamente cada um dos grandes sectores prioritários dentro da CEE, e um deles precisamente é o dos produtos alimentares pré-embalados.
Agora, o que não convém é misturar os produtos alimentares pré-embalados, que são uma das prioridades, com os medicamentos, que são outra completamente diferente, ou com os automóveis, ou com os têxteis.
Quer dizer: o consumidor fica mais protegido se souber que na lei sobre produtos alimentares são estes os produtos que estão regulados e, portanto, possa assim conhecer com facilidade o regime em que vive.
Considerando somente o 10.º relatório geral da CEE, portanto de 1976, um ano que não foi particularmente famoso nos termos da CEE, a p. 78, a comissão referia que tinham adoptado 89 directrizes. Sr. Deputado Mário Raposo, como o Partido Social-Democrata terá de ensinar à CEE a evitar a dispersão legislativa e a não fazer 89 diplomas?!

Risos do PS.

Gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado Mário Raposo, que o que efectivamente está em causa é uma regulamentação que não é de ordem técnica, mas é, sim, uma regulamentação genérica, e que permite ao Governo depois a sua aplicação.
Terminaria por lhe colocar uma última questão, já que o meu tempo está esgotado: não entende o Sr. Deputado Mário Raposo que se justifica plenamente que o consumidor de géneros alimentares pré-embalados possa, quando os adquire, exercer ele próprio a fiscalização económica, ser ele próprio o protector dos seus interesses, e verificar a validade do produto, podendo ver a data em que ele foi produzido? E não será essa a melhor forma de assegurar a sua protecção, por um meio muito mais eficaz do que qualquer outro que V. Exa. possa criar?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo, para responder, se assim o entender.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Magalhães Mota: Queria responder-lhe em duas palavras. Em primeiro lugar, devo sublinhar que enquanto o Sr. Deputado Magalhães Mota esteve a falar - e, aliás, escutei-o com toda a atenção - acudiu-me ao espírito uma ideia de Ripert adiantada num escrito seu sobre «o declínio do direito», em que dizia que a pulverização, que é exactamente o pecado que perspectivamos nesta iniciativa legislativa, era a fonte de enriquecimento daqueles que publicariam depois os códigos «privados»).
Portanto, a tarefa que ao Estado deverá caber de tornar as leis acessíveis, coordenadas e sistematizadas transferida depois para o mercado «publicístico», digamos assim, de preparação, de legislação e de divulgação. Ora isto é uma situação que será de evitar. Quanto à referência que o Sr. Deputado Magalhães Mota fez relativamente ao sentido do voto do PSD é perfeitamente clara a posição que aqui tomei. Nós somos absolutamente a favor de uma norma com este sentido, como seríamos a favor de qualquer norma das muitas, que estão contidas, por hipótese, no Código Civil. Mas tomos contra a técnica usada como também estaríamos contra a ideia de se repartir o Código Civil, por hipóteses - isto é um símile -, em quarenta diplomazinhos, que depois os aludidos «divulgadores de leis», para uso e regalo de juristas, se encarregariam de divulgar.
Pois bem. É contra esta ideia que o PSD tomou uma atitude. Que fique bem clara, portanto, a posição do PSD.
Quanto às directivas da CEE que o Sr. Deputado Magalhães Mota referiu, devo dizer que elas são grandes programas de orientação e não normas legislativas. Assim sendo, não têm um carácter normativo imediato. Serão, quando muito, a fonte do chamado direito derivado. No entanto, mesmo essas directivas, como o Sr. Deputado muito bem sabe, tendem sempre a fazer parte de um contexto geral. Portanto, essas próprias directivas de orientação são parte de um «programa».
Nós não devemos cercear à Assembleia a sua soberania legislativa. A Assembleia da República pode e deve legislar como entender sobre matéria regulamentar. Só que, como há pouco dizia, devemos evitar a tentação regulamentar, sobretudo quando essa tentação se exprima na referida pulverização de textos legislativos, que é altamente inconveniente.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quando o Sr. Deputado Magalhães Mota diz que com a criação de um corpo unitário de normas se tornaria menos acessível a «mensagem» normativa por ele transmitida aos seus destinatários, que são neste caso os consumidores ou os cidadãos (porque todos os cidadãos são consumidores), eu diria que, ao invés, o que será certamente provável - e não é preciso ter dons de futurologia - será que uma série de pequenas leis tenderão a ser dispersas e a diluir-se. Por assim ser, dever-se-á tentar a sua concentração, tanto quanto possível, numa «grande» lei.
Daí a preocupação do legislador finlandês, espanhol e francês em elaborarem esquemas legislativos globais ou por áreas de interesses ou de natureza de objectivos, como é o caso dos produtos alimentares.
Compreendo perfeitamente que se pretenda fazer um conjunto de normas de protecção ao consumidor em matéria de produtos alimentares. O que não compreendo é que pelo menos aqui à minha frente se encontrem dois projectos de lei da ASDI, cada um deles com três artigos, sobre a protecção do consumidor em matéria de produtos alimentares.
Tenho a sensação de que todos os que estão nesta Assembleia certamente que, pelo menos in pectore já que não quererão exteriorizar esse estado interior, concordaram comigo que realmente são leis a mais e que isso deve ser evitado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, tem a palavra para uma intervenção.

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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Costuma falar-se sobre a dispersão das leis e a concentração das leis. Sobre esta matéria permitir-me-á o Sr. Deputado Mário Raposo que eu lhe diga que essa é uma questão totalmente falsa e sem sentido.
A codificação das leis e a sua inserção em diplomas únicos deram-se geralmente depois de uma experiência muito grande em cada ramo de direito. Ora, o ramo de direito económico é um ramo de direito extremamente pioneiro no nosso país e qualquer pessoa que se debruce a ler, pelo menos, o que muito bem é escrito na colecção «Que sais-je?» sobre a matéria sabe que é regra fundamental dos estadistas que a dispersão é efectivamente uma das características fundamentais do direito económico em Portugal.

Uma voz do PS: - A dispersão e a mobilidade!

O Orador: - Sim, a dispersão e a mobilidade, mas já irei abordar a mobilidade. Agora estou a falar na dispersão.
É assim mais ainda em Portugal, porque no nosso país não havia direito económico. E não havia direito económico pelas mesmas razões porque a AD vai votar contra este projecto: porque a existência do direito económico significava encarar a iniciativa privada tal como eu a encaro, uma iniciativa privada com disciplina e com regras económicas, e não uma disciplina privada com base na «lei da selva».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, o que acontece, é que, quando eu e o Sr. Deputado Mário Raposo estudámos nas faculdades de direito, o direito económico não existia, existia uma coisa chamada direito corporativo, a que, creio eu, nós não ligávamos muito, e não perdemos efectivamente nada com isso. Não havia direito económico, que começou a existir em Portugal, apenas depois do 25 de Abril.

Uma voz do PSD: - E a economia política!

O Orador: - Sobretudo a ignorância não se devia exibir impudicamente nesta matéria. A economia política é uma coisa e o direito económico outra completamente diferente.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não se exige aos Srs. Deputados que façam um exame da 4.º classe, mas pelo menos que não falem daquilo que não sabem:

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos de alguns deputados do PSD.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, quando quiser intervenha, mas o que o Sr. Deputado está a dizer é um conjunto de disparates. E, em minha opinião, essa história de que a opinião é livre também tem limites.

Risos.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Tendências autoritárias?!

O Orador: - Dizia eu que o direito económico apareceu com força em Portugal depois do 25 de Abril, embora existissem já nessa altura alguns diplomas económicos com carácter fundamental.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Simplesmente, até hoje ainda não se fez nenhuma teorização das regras e dos agentes do direito económico e do poder económico sobre as coisas, possibilitando uma efectiva teorização que não caia na formulação de conceitos inadequados ou, o que é pior, numa série de lugares-comuns.
Da mesma forma, em 1920-1930 pôs-se o problema do Direito Administrativo, em que se discutiu essencialmente se seria altura de se fazer um Código Administrativo ou não, se seria o momento de se estabelecerem grandes princípios e grandes codificações ou, antes, se seria talvez de esperar, que as coisas amadurecessem para estabelecer esses grandes princípios e unificações.
E é por isso que o primeiro manual de direito administrativo na Europa data de 1930 e é da autoria de Marcel Valine, sendo legítimo dizer que o manual seguinte, três meses depois, é português e é da autoria do Prof. Marcelo Caetano, enquanto o primeiro código é de 1800 e tal.
Entendeu-se, portanto, que é impossível fazer-se grandes teorias de conceitos e grandes codificações enquanto essas codificações se não basearem sobre uma prática havida e concreta. E este é o primeiro ponto: nunca haverá direito económico em Portugal se por acaso não houver uma prática anterior que o justifique.
Mas mais: a intervenção do Estado na economia dos sectores privados e públicos, através de leis disciplinadoras, terá de beneficiar de uma constante ideia de mobilidade. E porquê? Porque ao nível da economia, nomeadamente com a construção de espaços transnacionais, o que significa uma modificação cada vez maior do condicionalismo concreto a quem eles se dirigem, não há que comparar o cidadão em concreto, como sujeito, por exemplo de direitos e deveres cíveis, com a sociedade, a sociedade multinacional ou a sociedade transnacional, que evoluem constantemente, acontecendo até que aí se verifica uma influência recíproca e constante do direito de outras nações. E isto passa-se efectivamente assim.
Dito isto, o que é que acontece em relação ao nosso ponto de vista? Em primeiro lugar, saber se devíamos ter feito primeiro um diploma ou deveríamos antes ter feito um outro é, salvo o devido respeito, uma má razão de votar. Aliás, penso que os partidos políticos não têm de interferir com a táctica e com a forma como os outros partidos põem os seus problema e apresentam os seus projectos de lei.
Não tenho dúvida nenhuma de que, se a bancada socialista fosse liderada pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho, nós estaríamos em muito melhor situação e estou convencido de que o Sr. Deputado Borges de Carvalho, com a elegância manifesta que tem, dirá que, se por acaso a bancada da AD estivesse liderada por qualquer de nós, também talvez as coisas melhorassem um pouco. Mas isso é absurdo, trata-se de

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uma troca de galhardetes que fica muito bem no saloon, mas que não tem sentido nesta Assembleia. - O que acontece é que nós pusemos concretamente esta Assembleia da República perante uma lei que, em primeiro lugar, é dirigida aos consumidores, não o consumidor abstracto, mas o consumidor dos direitos do homem, ou seja, a pessoa humana do consumidor, a pessoa humana do personalismo, que é sempre um objecto sobre o qual fazem toda a espécie de retóricas, portanto o consumidor concreto, o Sr. Deputado e eu, o Sr. Silva, o Sr. Lopes e a Sr.ª D. Maria, que vai todos os dias ao supermercado e que é capaz de comprar iogurte estragado. É esse o consumidor a que nós nos dirigimos.
E se esta lei for rejeitada, quem é que fica prejudicado enquanto não se elabora o tal código do consumidor? E com este projecto fica classificada uma classe de pessoas com características definidas: não o comerciante honesto, que esse não fica prejudicado, porque às vezes é vítima de coisas destas, não o empresário digno, mas fica, sim, classificado o vigarista e o mixordeiro.
Esta é uma lei dirigida contra os vigaristas; contra o mau comerciante e contra o mixordeiro, e não há que defender nem um nem outro, há, sim, que atacar a sua actuação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De modo que, se esta lei fosse aprovada, não obstante as alegações brilhantíssimas do Sr. Deputado Mário Raposo, o que aconteceria é que a dona de casa quê vai ao supermercado amanhã, e no que respeita aos produtos referidos nas alíneas a) a g), com uma simples olhada para a embalagem saberia imediatamente se este ou aquele produto está em condições de consumo e se dá ou não garantias. Sendo este projecto rejeitado, e por melhor código que se apresente nesta Assembleia daqui a sete, oito dez meses ou mesmo ano - e eu já explica porquê -, a dona de casa ou o cidadão que vai ao supermercado continuará a comprar artigos estragados, com prejuízo do cidadão, com prejuízo da dona de casa, com o nosso próprio prejuízo e com ganho para os sujeitos que constante e intencionalmente vendem produtos adulterados ou estragados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São estes, portanto, os pontos de vista que aqui devem ser invocados. Podem os Srs. Deputados acerca do problema dos mixordeiros fazer um discurso e um poema sobre a morte e a peleja; podem os, Srs. Deputados da AD invocar os direitos do homem, a legislação do Conselho da Europa, que é muito importante, mas que é feita na base de precedentes anteriores, ou mesmo problemas de técnica jurídica; pedem os Srs. Deputados fazer como o Sr. Deputado Pacheco, de que: nos fala Eça de Queirós, que no seu cadeirão fazia luz enquanto os deputados da oposição lançavam a confusão.
Não deixa a realidade de mudar completamente a natureza das coisas, que é esta: durante mais um ano ou dois os mixordeiros deste país têm toda a possibilidade de continuar a sua acção, ...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Está mal informado!

O Orador: - ...até que o tal código ou a tal lei genérica seja elaborada.
Daí que, para terminar, eu vá citar uma concebida frase: «Mixordeiros de todo o País: uni-vos! Votai em quem vos defende.»
Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado José Luís Nunes, ouvi-o com o enlevo e a admiração habituais, mas vou pedir-lhe alguns esclarecimentos.
Todavia, na presente circunstância, desde já lhe digo que as bancadas da AD não correm o risco de contar nelas muitos Pachecos, porque, pelo menos, temos falado muito sobre esta matéria, não por falar, mas para prestar contributos positivos para o seu enquadramento.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pergunto ao Sr. Deputado José Luís Nunes o seguinte: considera V. Exa. que em matéria de direito económico não há uma tradição, não há uma preparação, não há uma conformação dogmática ou doutrinal no nosso país. Entende, portanto, o Sr. Deputado José Luís Nunes que os testes, os ensaios, os tentames que irão ser feitos até se encontrar a fórmula mais exacta deverão ser feitos à custa do consumidor, a partir dos surtos (esses sim, românticos) de algumas bancadas, designadamente das da FRS?
Pergunto, portanto, se o Sr. Deputado José Luís Nunes entende (e certamente que não entende, evidentemente, esta é uma pergunta meramente académica) se realmente as deis poderão ser testadas logo ao nível da Assembleia da República ou se não será mais prudente a Assembleia da República quedar-se pendente na definição das grandes bases, que são matéria incontroversa em todo o Mundo. A matéria de rotulagem e da aposição da data de fabrico, por exemplo. O que interessa é fixer esta regra numa lei geral, numa lei-quadro, numa lei de bases, e depois imputar ao Governo que publique a legislação de desenvolvimento. Esta é a primeira pergunta.
A segunda pergunta respeita a outro ponto. Disse o Sr. Deputado José Luís Nunes que cada uma das bancadas não deve interferir no timing, no critério de faseamento ou de doseamento das suas iniciativas e da sua actividade de preparação legislativa. Queria perguntar-lhe se o Sr. Deputado não entende que estamos aqui exactamente para exercer um diálogo construtivo e exercitar reciprocamente a nossa capacidade crítica, não apenas entre nós, mas relativamente ao Governo. E devo dizer que aponto ao Governo a necessidade rápida e urgente que há na publicação de qualquer diploma que promova a criação do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor.
Finalmente, irei pedir mais um esclarecimento ao Sr. Deputado José Luís Nunes.
Conhece o Sr. Deputado José Luís Nunes que os projectos de lei n.ºs 145/II e 161/II, do PS e da ASDI, respectivamente, já estão na 2.ª Comissão e que já existe sobre eles um parecer - que ainda não está apresentado formalmente na Comissão, mas que

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ja é do conhecimento de alguns dos seus membros. E, mais, que existe já um projecto de substituição, que poderá absorver esta matéria pela simples inclusão de um preceito legal. Assim sendo, não será muito mais normal que se remeta depois a actividade regulamentar, como nos projectos se faz relativamente a outros pontos, para o Governo, dado que o Governo tem uma agilidade de preparação legislativa necessariamente, maior do que tem o Parlamento? É assim que se passa em todos os países.
Pergunto isto ao Sr. Deputado José Luís Nunes com o sincero ânimo de realmente contribuir para que o consumidor, pessoa concreta, o Sr. Silva e o Sr. Lopes, o Sr. Nunes e o Sr. Raposo, sejam realmente e efectivamente protegidos neste país. É isto que a AD quer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes, dispondo, para o efeito, de três minutos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Serei breve, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Mário Raposo, em direito económico não há uma configuração dogmática em Portugal, como sabe. Creio que só há duas leis de fundo de direito económico, que não sei até que ponto ainda estão vigentes neste momento, teria de as consultar. Lembro-me de uma lei de 1941 (ou de 1942) sobre o desenvolvimento hidroeléctrico do País, que teve a sua importância; e de uma outra sobre o impulsionamento da economia privada (é uma espécie
de definição delimites ao funcionamento das empregas e à criação de novas empresas). Depois disso pouco mais há. Há pequenas disposições legislativas que procuram corrigir este ponto até ao dia 25 de Abril.
Este tipo de lei da actividade económica é uma dei que nos pode servir para estudar como tipo da história, mas que não nos serve literalmente para nada como lição. Os conceitos que se desaguam destas leis são conceitos que não interessam - desculpe, Sr. Deputado Mário Raposo, que diga isto - a nenhum partido desta Câmara, creio eu. Não interessam aos partidos de esquerda, porque nós, de facto, nada temos a ver com uma concepção corporativista da economia; não interessam aos partidos à nossa direita, porque penso que mesmo muitos dos interesses que poderiam estar subjacentes a essas forças políticas consideravam demasiado proteccionistas e demasiado inibidoras essas leis. Portanto, aquilo que existe pertence à história, é para corrigir nuns aspectos, é para cortar noutros e na maioria, como de resto tudo, é para esquecer.
O que existe posteriormente ao 25 de Abril é dividido em várias partes: as leis do período qualificado como período revolucionário e as leis regulamentares, que vieram depois.
Ao contrário do que o Sr. Deputado diz (esse é um ponto de vista que não partilho), a lei não deve ser testada à custa do consumidor. Mas o único critério sobre a validade de uma lei, por melhor que nós trabalhemos aqui, é a prática, são os resultados que essa lei dá. Só sabemos se uma Lei é boa quando a
aplicamos praticamente. Não há nenhum legislador do Mundo (ou melhor, havia um, que era o Dr. Oliveira Salazar, mas esse está morto, felizmente) que faça leis perfeitas.
Portanto, o legislador sabe o posteriori o resultado dessas leis e terá uma imagem de erro muitíssimo menor quanto mais se debruçar sobre prática anterior existente na matéria e quanto menos ambicioso for ao princípio. Este é o meu ponto de vista.
No que diz respeito ao problema do timing legislativo, o Sr. Deputado vai desculpar-me, más há nesta Assembleia (e fora desta Assembleia) um estranho maniqueísmo que quer que os defeitos de uns se transformem em virtudes dos outros. Por exemplo, esta expressão, que tenho ouvido muitas vezes nesta Assembleia: nós fizemos isto, isto e isto (acusação caracterizada, e directa). E a resposta - que a meu ver é a correcta - seria: não fizemos ou fizemos e o que fizemos está certo. Mas não é essa a resposta que se costuma dar. Vem este disparate: os senhores fizeram ainda pior.
Por que estranho maniqueísmo é que os possíveis defeitos (que eu não aceito) da iniciativa política da ASDI e também do PS se hão-de transformar em virtudes da Aliança Democrática?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, terminou, o seu tempo.

O Orador: - Se V. Exa. mo permite, eu abrevio.
Sei que há um projecto alternativo que estagna Comissão, mas digo ao Sr. Deputado que cada vez mais tenho profundas reservas acerca da ideia de que as assembleias devem apreciar tão-só as bases gerais.
Em primeiro lugar, porque se a evolução das assembleias representativas seguisse nesse sentido, da apreciação somente de bases gerais, iria inexoravelmente até ao fim.
Em segundo lugar, porque os defeitos de funcionamento desta Assembleia - que cabem a todos nós, eu assumo a parte que me cabe- radicam-se na falta, entre outras cosas, de serviços de staff de apoio. Hoje em dia os parlamentos das democracias evoluídas de todo o Mundo são capazes de dispor de elementos e de dados como o mais eficaz e o mais conhecido governo.
Chamo a atenção para uma iniciativa legislativa do PPM, pelo qual, privadamente, costumo dizer que tenho a maior simpatia (e digo-o também publicamente), sobretudo porque nele conto excelentes amigos...

Uma voz do PPM: - Também foi monárquico!

O Orador: - E verdade, entre outros motivos esse é que também fui monárquico. Esse é um dos motivos por que tenho simpatia pelo PPM. E tinha coragem de dizer isso em 1975, nesta Sala. É só essa a diferença que existe entre mim e outras pessoas.
Dizia eu, portanto, que os Srs. Deputados do PPM tomaram uma iniciativa legislativa que foi importantíssima na altura, embora pense que não correspondia às relações de forças, mas o resultado depois viu-se. Quando em certo momento se quis destruir um parque qualquer que fica no centro da cidade, os Srs. Deputados monárquicos não tiveram medo de

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descer ao pormenor e apresentaram um projecto de lei (matéria que devia caber a uma portaria) a pedir o fim dessa, destruição.

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Isso é verdade!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, já excedeu em dois minutos o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, peco desculpa de ter abusado da sua benevolência, terminei.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um breve protesto.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - A lei inexorável do Regimento obriga-me a protestar. Uso esta figura regimental, mas devo dizer que este é um protesto bónus em relação ao Sr. Deputado José Luís Nunes.
Sublinharei que não quis de fornia alguma limitar (e fui bem expressivo nessa ideia) a soberania legislativa do Parlamento apenas à área de bases gerais. O Parlamento não se deve demitir da sua faculdade de regulamentar quando for caso disso. Só que neste caso tal não acontece.
Por outro lado, o segundo aspecto do meu protesto amigo e solidário incide neste aspecto: nós não queremos fazer nossas: todas as virtudes e olhar apenas para os defeitos alheios. De resto, nem aqui há propriamente um «defeito» nem «virtudes». Há uma iniciativa e há a crítica a essa iniciativa. É o que há de mais natural. Portanto, esqueçamos a «problemática» dos defeitos e virtudes. Pensemos antes que ocorra uma tomada de posição e a contrapartida crítica dessa tomada de posição.
Até porque se assim fosse, quando um membro desta bancada (na circunstância eu próprio) teve de examinar os projectos de lei de bases do Partido Socialista e da ASDI não quis assumir uma iniciativa legislativa autónoma. Pelo contrário, disse que as iniciativas legislativas estão perfeitamente certas, apenas tendo de ser compatibilizadas e aperfeiçoadas no Plenário. Daí o ir-se apresentar apenas uma sugestão, como o Regimento permite, da substituição, que por certo será encarado na Comissão com a desejável celeridade. Ninguém porá em dúvida que isso acontecerá.
Não há, portanto, nesta bancada qualquer intuito de assumir, como virtudes, aquilo que seriam os pecados alheios.
Pelo contrário, há que reconhecer, quando surge uma posição, aquilo que nela é «virtude». Do que não nos, demitimos é do direito, que é um dever nacional e cívico e, como tal, um dever parlamentar, de apontar o que consideramos errado quanto aos critérios alheios.

O Sr Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não pode ser para outra coisa senão para um protesto, Sr. Presidente. Quanto mais não seja para apresentar ao Sr. Deputado José Luís Nunes os protestos da mais elevada consideração.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Luis Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar em relação à intervenção do Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, penso que seria preferível V. Exa. responder no fim aos protestos formulados.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra para um protesto o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado José Luís Nunes, gostaria de esclarecer um ponto da sua intervenção que se referia ao projecto de lei, apresentado pelo PPM, sobre o caso do jardim da Gulbenkian, e que creio já ter ficado aqui esclarecido também no caso da feira de Belém.
De facto, nós achamos que esta Assembleia não deve descer ao nível da portaria na sua actividade. No entanto, e isso foi aqui à saciedade explicado aquando da discussão sobre a feira de Belém, esta Assembleia tem por obrigação, e nessa altura serve-se dos poderes à sua disposição, de obviar ou tentar obviar, como foi no caso do jardim da Gulbenkian, as situações que manifestamente ofendam o direito dos Portugueses.
Nessa altura, sim, deveremos descer ao nível da portaria, do despacho, do edital ou daquilo que V. Exa., Sr. Deputado José Luís Nunes, entender. Mas só quando haja de facto uma situação grave que o pressione. Não deixo de registar que, embora o Sr. Deputado aprecie a nossa atitude, que chamou de coragem, essa apreciação não foi feita na altura devida pelo seu grupo parlamentar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, também terá de ser sob a forma de protesto.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Contra quem?!

O Sr. Presidente: - Contra a intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes, Sr. Deputado Magalhães Mota?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Não, Sr. Presidente, em relação à intervenção do Sr. Deputado Borges de Carvalho.

Vozes do PSD: - Não pode!

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O Sr. Presidente: - Lamento, mas não pode, Sr. Deputado. A não ser que V. Exa. se considere ofendido na sua honra...
Risos

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Tanto não, Sr. Presidente.
Risos.
Então pediria para me inscrever para uma curtíssima intervenção.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Está inscrito. Dou agora a palavra ao Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, em primeiro lugar, estou de acordo com V. Exa. quando diz que, como regra, nós não devemos descer ao nível da portaria. No entanto, descemos ao nível da portaria, por exemplo, no tempo da Constituição da República. Se os Srs. Deputados pegarem nuns artigos que aí vêm sobre a Lei de Imprensa e os conselhos de imprensa verão que está lá a lei, o decreto regulamentar e a portaria. Na altura, em 1975, havia determinados riscos e nós aproveitámos, a Assembleia Constituinte da época, para evitar esses riscos. Há, portanto, momentos em que devemos descer ao nível da portaria.
Em segundo lugar, estou de acordo com V. Exa. quando diz que temos que obviar as situações que ofendam os direitos dos Portugueses. O único problema de divergência que aqui há é que para nós esta, situação é urgente, enquanto que para os Srs. Deputados a situação não é urgente. É o único ponto de divergência que há é este: isto para nós é urgente. E para nós é urgente, porquê? Para nós é urgente porque de todos os lados chegam as queixas mais naturais e normais acerca deste tipo de matérias. E aos Srs. Deputados com certeza que acontece o mesmo que a mim, que é, por exemplo, serem apanhados na rua, no escritório ou noutros sítios por pessoas que até são apoiantes dos mais diversos partidos políticos e que costumam dizer: «Os senhores lá na Assembleia tratam só de generalidades, mas não tratam dos nossos interesses concretos.»

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Constantemente eu sou pressionado com coisas deste estilo, até na maioria dos casos - devo dizer- por pessoas que votaram AD, onde conto, aliás, com imensos amigos.

Uma voz do PSD: - São grupos de pressão!

O Orador: - Não, não são grupos de pressão...
Esta é, pois, uma questão. Mas há uma outra, que é esta: dizia-me o Sr. Deputado Mário Raposo que não nos devemos congraçar aos chamados princípios gerais. Os princípios gerais são uma questão muito importante. Mas os princípios gerais têm um risco. E o risco é este: é que, na base dos princípios gerais, nós estamos todos de acordo. E quando estamos todos de acordo, das duas uma: ou é porque existe um momento histórico que faz a unanimidade nacional, ou é porque existe um aparelho repressivo e sensório. Acabo de ler não tem nada a ver com o que estou a dizer, mas refiro só para chamar a atenção para o risco sobre o que se chama princípios gerais - um discurso do Ministro da Justiça francesa sobre a pena de morte em França em que ele diz ...

Uma voz do PSD: - O que é que isto tem a ver com o que se está a discutir!

O Orador: - Sr. Deputado, eu uso do direito de dizer o que quiser!
... em que o Ministro Alain Peyrefitte dizia, sobre a pena de morte, o seguinte: eu sou contra a pena de morte, mas votarei a favor da execução de todos os criminosos que ainda se encontram presos. Ora este é o risco fundamental que eu vejo em relação a essa ampla aplicação de princípios gerais.

Vozes do PS: - Muito, bem!

O Orador: - É que do princípio geral, que é exaltante, cai-se facilmente na generalidade e no lugar-comum, que não levam a nada.
São estes os pontos que queria focar.
No entanto, terminarei com uma reflexão. Os Srs. Deputados terão o direito de protestar como quiserem, pois é-me inteiramente indiferente, mas a ideia que faço - poderão considerá-la disparatada, errada, mas é a minha ideia - é a de que os Srs. Deputados votam essencialmente contra o projecto de lei por dois motivos: em primeiro lugar, faço-lhes essa justiça, por ser um projecto da oposição; em segundo lugar, por ser um projecto da ASDI.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Olhe que não!

O Orador: - São as duas condições essenciais que os fazem votar contra.
Finalmente, vou terminar com um pouco de ironia, porque chegou - penso - a altura de jantar e de ir comer esses, execráveis produtos, ou parte deles, que os Srs. Deputados não querem regulamentar.
Risos

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Queremos, mas não assim!

O Orador: - Direi aos Srs. Deputados que se essa minha ideia de que os Srs. Deputados votam sistematicamente contra qualquer projecto da oposição, nomeadamente contra qualquer projecto da ASDI, é certo que a oposição acaba de descobrir a forma de derrubar o governo da AD: é a ASDI tomar a iniciativa de uma moção de apoio ao governo do Dr. Pinto Balsemão.
Risos.
A partir daí os Srs. Deputados farão como o inglês da história: ficarão a ver, sempre a pau, que dentro

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de manobras estará tudo isto, e acabarão necessariamente por votar contra.
Aplausos e risos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - De facto, Sr. Presidente, é para uma curtíssima intervenção, que seria até desnecessária.
Na verdade, depois da intervenção do Sr. Deputado Mário Raposo julguei que a questão da portaria tinha ficado suficientemente esclarecida. Todavia, parece que não; e por isso terei que lembrar aos Srs. Deputados - e estive a evitar fazê-lo - que a alínea e) do artigo 167.º da Constituição esclarece ser da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a definição dos crimes, penas e medidas de segurança e processo criminal. Ora, há uma definição de um crime e de uma pena no artigo 4.º do projecto de lei que propusemos.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 136/II ora em apreço.

Submetido à votação, foi rejeitado, cem votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Foram apresentados na Mesa e admitidos os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 27/II - Aprova para adesão a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de Dezembro de 1965 -, que baixa à 2.ª Comissão; proposta de lei n.º 28/II - Aprova para adesão o Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de Dezembro de 1966 -, que baixa à 2.ª Comissão; proposta de lei n.º 29/II - Lei da Nacionalidade -, para a qual é pedido o processo de urgência; proposta de lei n.º 30/II - Amnistia das infracções por motivos políticos -, apresentada
pela Assembleia Regional da Madeira; proposta de lei n.º 31/II - Representação em juízo dos órgãos de governo das regiões autónomas -, apresentada pela Assembleia Regional da Madeira e que baixa à 1.ª Comissão; proposta de lei n.º 32/II - Entrada em vigor nas regiões autónomas dos diplomas emanados dos órgãos de soberania -, apresentada pela Assembleia Regional da Madeira e que baixa à 1.ª Comissão; proposta de lei n.º 33/11 - Regime fiscal especial da SATA, E. P. -, apresentada pela Assembleia Regional dos Açores e que baixa à 8.ª Comissão; projecto de lei n.º 183/II - Cuidados primários de saúde -, apresentado pelo PCP e que baixa à 4.ª Comissão; projecto de lei n.º 184/II, - Constituição de uma comissão para elaborar um plano de salvaguarda e preservação arquitectónica, paisagística e patrimonial da zona ribeirinha de Lisboa -, apresentado pela ASDI e que baixa à 15.ª Comissão; projecto de lei n.º 185/II - Governo e autonomia das universidades do Estado -, apresentado pelo CDS e que baixa à 6.ª Comissão; e projecto de lei n.º 186/II - Defesa do património natural e cultural da serra de Sintra -, apresentado pela ASDI. Informo ainda que a sessão de amanhã se inicia as 10 horas e que tem a seguinte ordem do dia: na primeira parte, apresentação do projecto de Lei n.º 166/II - Lei-quadro das associações de municípios -, apresentado pelo PS, apreciação dos pedidos de prioridade e urgência solicitados pelo Governo para as propostas de lei n.º 22/II (altera a redacção dos artigos 159.º, 273.º, 308.º, 311.º e 558.º do Código de Processo Penal e legislação complementar) e n.º 23/II (Lei Orgânica dos Tribunais Administrativos e Fiscais); na segunda parte far-se-ão as declarações de voto relativas à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 136/II, há pouco realizada, apreciar-se-ão as ratificações n.ºs 29/II e 67/II e proceder-se-á à votação final global das ratificações n.ºs 59/II e 71/II.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 35 minutos.

_________

Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social-Democrata (PSD)
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
José Adriano Gago Vitorino.
José Angelo Ferreira Correia.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Helena do Rego C. Salema Roseta.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Pedro Miguel Santana Lopes.

Partido Socialista (PS)
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Aquilino Ribeiro Machado.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Torres Marimbo.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Francisco Ludovico da Costa.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel da Mata de Cáceres.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Virgílio Fernando Marques Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS)
Alberto Henriques Coimbra.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
José Augusto Gama.
José Girão Pereira.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.

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José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos Calheiros Velozo Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)
Domingos Atarantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Manuel Correia Lopes.
Maria Odete dos Santos.

Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Manuel de C. Ferreira Vitorino.

Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social-Democrata (PSD)
Amãndio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
Bernardino da Costa Pereira.
Fernando Manuel Cardote Barbosa Mesquita.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Mário Júlio Montai vão Machado.
Natália de Oliveira Correia.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Socialista (PS)
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António Azevedo Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.António Manuel Maldonado Gonelha.
Bento Elísio de Azevedo.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim José Catanho Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)
Diogo Pinto Freitas do Amaral.
Francisco António Lucas Pires.
João Gomes de Abreu de Lima.
João Lopes Porto.
Maria José Paulo Sampaio.

Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço da Silva.
Joaquim António Miranda da Silva.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
António Luciano Pacheco Sousa Franco.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Poppe Lopes Cardoso.

O REDACTOR DE 1.ª CLASSE, Noémia Malheiro.

PREÇO DESTE NÚMERO 40$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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