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I Série- Número 80

Quarta-feira, 28 de Abril de 1982

DIÁRIO Da Assembleia da República

II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE ABRIL DE 1982

Presidente: Exmo. Sr. Américo Maria Coelho Gomes de Sá

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Guilherme Gomes dos Santos
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRI0 - O Sr Presidente declarou aberta a sessão ás 10 horas e 45 minutos

Ordem do dia. - Na primeira parte da ordem do dia, em sessão de perguntas ao Governo, formularam perguntas, pedidos de esclarecimento ou intervieram a titulo de direito de defesa os Srs Deputados Manuel dos Santos (PS), Magalhães Mota (ASDI), Guilherme Santos, Sacramento Marques (PS), Joaquim Miranda (PCP), César de Oliveira, Lopes Cardoso (UEDS), Silva Graça, Lino Lima (PCP) e Herberto Goulart (MDP/CDE).
Por parte do governo responderam os Srs Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia), Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira) e Secretário de Estado da Estruturação Agrária (João José Maçãs)
Foi lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a suspensão do mandato do Sr Deputado Mario Tomé, da UDP.
Procedeu-se à votação da suspensão do mandato do deputado Mário Tomé (UDP), solicitada pelo Tribunal Militar Territorial de Lisboa, para efeitos de julgamento, que foi negada pela Câmara.
Iniciou-se o debate do projecto de lei n º 276/II, apresentado pelo PS, sobre a lei das sociedades em autogestão. Intervieram, a diverso título, os Srs Deputados Almeida Santos (PS), Amadeu dos Santos (PSD), Cavaleiro Brandão (CDS), Herberto Goulart (MDP/CDE), António Vitorino (UEDS), Manuel Araújo dos Santos (PSD), Marcelo Curto (PS), Rui Amaral (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP), Fernando Cardote (PSD), António Moniz (PPM) e Silva Marques (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum. Declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados •

Partido Social-Democrata (PSD) Adérito Manuel Soares Campos.

Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Anacleto Silva Baptista.
António Roleira Marinho.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.

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Luis António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca'.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco R. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Tavares.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto de Faria Xerez.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel Carlos Costa da Silva.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.
Pedro Eduardo Freitas Sampaio.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu dê Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.

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Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena Carvalho.
Manuel Tílman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP):

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem não há hoje período de antes da ordem do dia e vamos ter respostas do Governo às perguntas formuladas pelos Srs. Deputados.
Neste momento, tomaram lugar na bancada do Governo os Srs. Ministros Adjunto do Primeiro-Ministro (Fernando Amaral) e da Administração Interna (Ângelo Correia) e os Srs. Secretários de Estado do Planeamento (Alberto Regueira) e da Estruturação Agrária (João José Maçãs).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para formular a primeira pergunta o Sr. Deputado Manuel dos Santos, que dispõe de 2 minutos para o fazer.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Antes de proceder à leitura da pergunta, que juntamente com alguns camaradas meus formulei ao Governo, desejaria lembrar a esta Câmara que elaborámos um conjunto de perguntas articuladas entre si, que nos parecia deverem ser minimamente respondidas pelo Governo, face à situação económica e financeira e, de uma maneira geral, à situação social que se vive no nosso país.
As perguntas estão realmente articuladas, tem a ver com o Plano para o corrente ano ainda não apresentado pelo Governo, têm a ver com a taxa de inflação e com os horizontes que o Governo mantém ou não mantém para a taxa de inflação e têm também a ver com o défice da balança de transacções correntes.
A resposta a estas perguntas parece-nos ser a forma mínima que o Governo teria para superar a incapacidade de diálogo que tem manifestado com o Parlamento, para superar a incapacidade de informação que tem demonstrado relativamente aos deputados, quando assume, toma e concretiza medidas de política económico-financeira extremamente importantes e, sobretudo, quando as concretiza numa situação -e nisso penso que haverá unanimidade entre todos nós- de grande crise social, económica e financeira.
Posto isto, passaria a formular a questão a que o Sr. Deputado de Estado do Planeamento naturalmente irá responder.
Qual o valor da última estimativa do défice da balança, de transacções correntes em 1981 ? Confirma-se ou não que foi superior a 2,6 biliões de dólares? Em face de tão dramático desequilíbrio, qual a previsão do défice externo para este ano? Que medidas pensa o Governo tomar para efectivamente reduzir o desequilíbrio financeiro externo?
Com a resposta às questões que formulámos não se esgotará naturalmente o debate que desejamos iniciar agora e continuar brevemente com o Governo sobre política económico-financeira.
Mas se o Sr. Secretário de Estado do Planeamento e o Governo, pela sua voz, responderem concretamente a estas questões e se o fizerem, sobretudo, com verdade e realismo, penso que se dará um contributo importante para que esta Câmara fique informada e, naturalmente, corresponsabilizada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento para responder, dispondo de 5 minutos.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma grave dificuldade responder a um encadeado de 4 perguntas, com a dimensão que estas têm, no curtíssimo tempo regimental. Vou procurar fazer o melhor possível.
Qual o valor da última estimativa do défice da balança de transacções correntes? Ora, trata-se efectivamente de uma estimativa que não é ainda definitiva. A última estimativa do Banco de Portugal aponta, efectivamente, para algo na vizinhança de 2,6 biliões de dólares, que poderá ficar ligeiramente aquém ou além desse valor.
Portanto, não há certezas. Trata-se duma estimativa, mas de qualquer forma não andará muito longe disso. Penso que como factores particularmente relevantes de explicação devem citar-se a evolução extremamente negativa de certos elementos da conjuntura internacional, designadamente o escasso dinamismo da procura externa que determinou uma evolução física negativa das nossas exportações, a enorme valorização das taxas de juro e a grande desvalorização do escudo em relação ao dólar, moeda em que, como todos sabem, fazemos a grande maioria das nossas compras ao exterior, mas infelizmente muito pouco das nossas vendas ao exterior.
Em face de tal desequilíbrio, qual a previsão para este ano? É difícil dizê-lo, porque há um conjunto de factores de natureza divergente. Quanto a factores negativos que se verificaram no ano passado e que não se verificarão este ano, tem que se pôr naturalmente em destaque o factor da seca. Esse factor determinou importações directas de electricidade, de outros consumos alimentares básicos e determinou a necessidade de realizar uma

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produção de electricidade a partir da termoelectricidade, em prejuízo da hidroelectricidade, o que se traduziu num agravamento muito considerável.
Assim, esse factor, em parte, não vai verificar-se este ano. Contamos também com uma particular prudência na utilização de recursos essenciais que são escassos no plano interno. Em compensação vamos continuar a ter um agravamento, ou pelo menos uma manutenção a nível muito elevado, das taxas de juro internacionais, o dólar não mostra tendência para desvalorizar, para encetar uma tendência inversa e, por outro lado ainda, parece adiada a recuperação da economia internacional.
Nessas condições, e não constituindo isto uma previsão, admito que este ano se possa ficar à volta dos 2 biliões de dólares. Mas isso não constitui uma previsão, porque o Governo está a tomar medidas e a planear outras com vista a que o resultado seja o mais baixo possível e compatível, portanto, com as necessidades e os interesses da nossa economia.
Que tipo de medidas? Gostaria de dizer que embora a previsão, que não o é, pois é sim uma estimativa que pode ser, digamos, substancialmente diferente apesar de tudo, pareça alta não julgo possível realizar grandes milagres, uma vez que continuam a existir condicionalismos desfavoráveis.
O que é que pensa fazer o Governo? Do lado das exportações de bens e serviços: apoiar selectivamente a criação de agrupamentos complementares de empresas para exportação; reforçar as actuais tradings e incentivar o aparecimento de novas; criar apoios destinados a facilitar o transporte e a embaratecer o frete das nossas mercadorias para mercados novos, onde os transportes são difíceis e caros; intensificar missões comerciais para novos mercados e para aqueles onde perdemos posição nas nossas exportações; criar para os nossos exportadores oportunidades equivalentes àquelas de que beneficiam os nossos concorrentes directos - penso, por exemplo, na nossa próxima adesão ao Fundo Africano de Desenvolvimento; prestar uma atenção vigilante aos preços da nossa oferta, porque se a desvalorização em crawling peg for acompanhada de um equivalente aumento de preços, naturalmente que tudo fica na mesma; uma maior selectividade no regime de crédito à exportação. Do lado das importações de bens e serviços, entendemos ...

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, desculpe interrompê-lo, mas esgotou o seu tempo.
No entanto, queria pôr à Câmara este problema: segundo a informação que o Sr. Secretário de Estado me prestou há pouco, as outras duas perguntas do Grupo Parlamentar da ASDI e também do PS, a que o Sr. Secretário de Estado tem de responder, terão respostas relativamente breves, e em que o Sr. Secretário de Estado não prevê esgotar o tempo regimental.
Esta questão dirige-se, naturalmente, em especial aos Grupos Parlamentares da ASDI e do PS, mas se a Câmara estivesse de acordo e se achar que isso tem interesse para seu esclarecimento, poderíamos prolongar um pouco o tempo do Sr. Secretário de Estado na resposta a esta pergunta, na medida em que ele não esgotaria nunca o tempo que tem em conjunto para as três perguntas que lhe estão formuladas.
Se não houver oposição, o Sr. Secretário de Estado continuará no uso da palavra.
Sr. Deputado Magalhães Mota, não vê obstáculo?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, longe de nós querer influir na gestão do tempo do Governo, como em qualquer gestão governamental.

O Sr. Presidente: - Como o PS também não vê inconveniente, faz favor de continuar, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Agradeço a compreensão da Câmara, mas de facto a pergunta era irrespondível em 5 minutos, mesmo lendo.
Dizia eu, do lado das importações de bens e serviços há medidas que irão também ser tomadas e outras estão já a ser tomadas: controle mais severo e mais operacional dos programas e decisões de compras das empresas e entidades públicas que controlam a importação de bens essenciais - é matéria onde se pensa poder vir a obter ganhos significativos; manutenção de um exame particularmente crítico das decisões de investimento que resultem particularmente exigentes do ponto de vista do seu conteúdo de importações, cuja exequibilidade e interesse nacional terão de ser cuidadosamente verificados; continuar a desencorajar o crédito ao consumo de bens menos essenciais, particularmente daqueles em que a componente importada seja relevante, na linha do que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças e do Plano anunciou na passada semana; criar alternativas para a aplicação de disponibilidades financeiras, designadamente para o funcionamento do investimento interno - desvio, portanto de liquidez da realização de consumos menos essenciais para o funcionamento do investimento interno.
Penso que tem utilidade, quer do lado das exportações quer do lado das importações, a continuação decidida já do crawling peg, ao ritmo actual, mas procurando que a desvalorização do escudo seja mais relevante em relação às moedas dos nossos principais mercados externos do que em relação ao dólar.
Por outro lado, e é um ponto muito importante, vai começar a exercer-se aturada vigilância sobre as transacções externas em sectores onde existem rumores, e porventura suspeitas, de práticas de subfacturação nas exportações e sobrefacturação nas importações.
Conta-se, naturalmente, com o efeito positivo - quer de um lado quer do outro da balança de transacções correntes- da manutenção de moderação nos acréscimos de rendimentos.
Para combater práticas especulativas, conta-se com uma maior vigilância no processo de formação dos preços internos.
Portanto, há medidas que vão ser implementadas no âmbito de competências do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas que responderão a este desiderato.
Para estimular a constituição de poupanças, para incentivar a transferência para o País de poupanças constituídas pelos nossos emigrantes no estrangeiro, para desencorajar a antecipação de importações, de forma a que não se torne indispensável fazê-lo antecipadamente, para desincentivar a formação de stocks excessivos, a política recentemente anunciada de aumento em dois pontos das taxas de juro constituirá um elemento bastante importante.
Para procurar, na medida do possível, evitar um agravamento célere dos encargos com o serviço da dívida externa é intenção do Governo, como já foi transmitido a esta Câmara, promover um desvio, na medida do

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possível, dos empréstimos em dólares para empréstimos obtidos noutras moedas.
Finalmente, não já propriamente ao nível da balança de transacções correntes mas ao nível da balança de pagamentos do País, há a intenção de continuar a seguir uma política activa de captação de investimento directo estrangeiro, que permitirá ajudar a financiar o esforço de investimento realizado no País em termos não onerosos.
Estou convencido de que na perspectiva da integração do nosso país na CEE, muitos investidores, não só provindos dos países da CEE mas de mercados de capitais, como dos Estados Unidos, do Japão e até do Brasil, poderão vir a sentir um interesse efectivo e concreto em vir dinamizar novos investimentos em Portugal, tendo até em atenção os mercados comunitários.
Para já era tudo, muito obrigado pela vossa compreensão.

O Sr. Presidente! - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos, para pedir esclarecimentos. Tem, nos termos regimentais, 3 minutos para o fazer.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Secretário de Estado, começaria por referir que V. Ex.ª acaba de confirmar que a situação em termos da balança de transacções correntes é extremamente grave para o País, acaba de confirmar a previsão da existência de um défice de 2,6 biliões de dólares. Lembrava à Câmara e a V. Ex.ª, que provavelmente estará esquecido que há poucos meses atrás nos apresentou aqui um documento das grandes opções do Plano em que apenas referia um défice provável da balança de transacções correntes de 2 biliões de dólares.
Não me consta que, entretanto, se tenham agravado, mais do que era previsível, as características de enquadramento externo da economia portuguesa; não me consta que a seca se tenha agravado desde então para cá, < a não ser que V. Ex.º tenha utilizado a expressão "seca" de uma forma metafórica e tenha com ela referido não as condições climatéricas desfavoráveis que sofreu o País mas sim a política desastrada de Cavaco e Silva em 1980.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, verifico também que V. Ex.ª acaba de acentuar que provavelmente o défice da balança de transacções correntes do próximo ano se situará à roda - é uma previsão, pois V. Ex.ª disse que não tinha ainda dados fundamentados sobre isso - dos 2 biliões de dólares.
Lembro-lhe também que há muitos poucos meses V. Ex.ª nos anunciou aqui que o défice, da balança de transacções correntes para 1982 seria da ordem de 1,43 biliões de dólares. Parece-me existir aqui também uma discrepância bastante grande que nada, no meu entender, poderá francamente justificar.
Portanto, penso que o Sr. Secretário de Estado e o Governo, através de. V. Ex.ª, acabam de confirmar aqui, perante a Câmara e perante o País, a gravíssima situação económica e financeira que o País vive, gravidade que não se mede tanto pelos biliões de dólares do défice da balança de transacções correntes mas se mede pela estrutura da dívida externa e pelas dificuldades em obter financiamento nos tempos mais próximos para a República Portuguesa e, sobretudo, à percentagem elevadíssima que a dívida externa representa neste momento em relação ao produto nacional bruto.
Naturalmente que não vamos poder fazer aqui um debate sobre as medidas que o Sr. Secretário de Estado veio aqui anunciar, mas bom seria, repito, que o Governo tivesse tido com este Parlamento, através da Comissão de Economia, Finanças e Plano e previamente ao anúncio dessas medidas, um debate que permitisse co-responsabilizar-nos, porque nós somos pessoas conscientes. Os deputados da oposição são pessoas conscientes e patrióticas, estão dispostos a co-responsabilizar-se num certo número de medidas que tenham como objectivo resolver a grave situação económica e financeira que se vive no País. Mas é importante que o Governo venha aqui acentuar, e V. Ex.ª não o fez, que existe uma situação extremamente grave do ponto de vista económico-financeiro no País, que essa situação pode transbordar para o plano social. V. Ex.ª devia tê-lo feito e ter tido a coragem - penso que no seu foro íntimo tê-la-á, naturalmente que compreendo as limitações da sua expressão "para o exterior" - de vir aqui denunciar as causas da actual situação, que radicam e residem numa política errada, numa política demagógica que foi seguida pelo governo da AD em 1980, sob a égide de Ca vaco e Silva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Não estou, naturalmente, de acordo com o que o Sr. Deputado acabou de dizer e até acho que entrou numa clara contradição.
Não se pode acusar este Governo de simultaneamente estar a criar uma situação grave que transborda para o plano social e de ter permitido, nalguma medida, um défice excessivo nas relações com o exterior em 1981.
Na realidade, se o Governo no ano passado tivesse metido os travões a fundo no crescimento económico, se tivesse aceitado, como os outros países da Europa Ocidental, crescimentos negativos do produto interno, naturalmente que o défice da balança de transacções correntes tinha sido menor.

O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas se o Governo não o fez é porque estava consciente de que isso iria provocar um agravamento de tensões sociais, em particular no mercado do trabalho, que parecia traduzir-se, no ano em que se estava, num sacrifício excessivo.
Portanto, os senhores não podem dizer que, por um lado, o Governo permitiu ainda algum crescimento, para que não houvesse problemas excessivamente graves no domínio social, e depois criticarem-nos por isso mesmo, ao dizerem que estamos a contribuir para o agravamento das tensões sociais.
Por outro lado, se a situação é extremamente grave para o País, direi que é grave na medida em que é grave igualmente para outros países. Está-se neste momento a atravessar em todo o mundo uma situação muito grave. Ainda ontem estive a ver números em relação ao Brasil, e no ano passado o produto nacional brasileiro desceu 3,5%, ...

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Excelente exemplo!...

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O Orador: - ... o produto inglês desceu 3% em termos reais, o italiano, o francês e o alemão também desceram. Não há, pois, qualquer razão para que os senhores tendam a encarar a situação em Portugal como extraordinária e sem paralelo.

evidente que o adiamento das expectativas de recuperação internacional, o adiamento das expectativas que apontavam para uma certa inversão de tendência quanto às taxas de juro internacionais e quanto à taxa de juro do dólar, são elementos que se vão concretizando ao longo dos meses. As previsões que neste momento se fazem em termos internacionais não são as mesmas que se faziam há 4 ou 5 meses atrás. Se os senhores pensam que poderemos, digamos, desconhecer e não olhar para aquilo que se passa no mundo e que isso não tem influência relevante sobre a nossa situação, é uma atitude extremamente irrealista.
Agrada-me muito que V. Ex.ª tenha dito que os Srs. Deputados são pessoas conscientes. É isso que se espera para se ter em linha de conta que a situação é grave em toda a parte e que, naturalmente, o Governo tem que tomar medidas compatíveis com as dificuldades do momento presente.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, regimentalmente agora não tem qualquer possibilidade de intervir.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Certo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para formular a sua pergunta.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por várias razões tenho referido nesta Câmara, e como protesto, o facto de o Governo não se fazer representar devidamente nestes debates.
Não o vou fazer desta vez. Creio que já chega para que o Governo entenda, de uma vez por todas, que exigindo a Constituição que o Governo constituído pelos ministros tem responsabilidade política perante a Assembleia, exigindo a própria lei orgânica do Governo a delegação expressa de competências, seria tempo, digo eu, de o Governo se fazer representar em termos devidos.
Mas eu percebo a presença do Sr. Secretário de Estado do Planeamento neste debate e especialmente em relação à pergunta que lhe vou formular. De facto, o Sr. Secretário de Estado do Planeamento não tem competência hierárquica sobre os serviços do Tesouro ou do Banco de Portugal, não tem delegação de competência, não tem, portanto, obrigação de estar ou de saber o segredo dos deuses, e se falar de mais arrisca-se a perder a confiança política do Primeiro-Ministro.
Portanto, a sua resposta pode ser uma resposta que fique aquém ou além de qualquer resposta válida, todos ficaremos, mais ou menos, na mesma, excepto a acta desta sessão que registará a resposta de um membro do Governo.
E é nestes termos e com toda esta compreensão, seriedade e serenidade que lhe ponho uma questão que a gravidade da nossa situação e que a incapacidade de planear, de prever e de governar já demonstrada torna evidente: tenciona o Governo proceder à venda de parte das reservas de ouro do Pais ou vai oferecê-las, ainda que em parte, em garantia de empréstimos a negociar?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tanto quanto é do meu conhecimento os secretários de Estado ainda fazem parte do Governo.

Vozes do PS: - Ainda?!...

O Orador: - Sinto-me, por isso, em condições de responder às perguntas do Sr. Deputado Magalhães Mota, embora naturalmente não pretenda encontrar-me no segredo dos deuses.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Mas ainda não fazem parte do Céu!...

O Orador: - A resposta a esta pergunta poderia ser dada em meio minuto, mas por consideração com o Sr. Deputado Magalhães Mota procurarei dá-la em minuto e meio.
É evidente que o Governo não pretende vender parte das reservas de ouro do País nem tão-pouco pretende oferecê-las, ainda que em parte, como garantia de empréstimos a negociar.
Não pretende, por dois motivos: em primeiro lugar, porque não precisa; em segundo lugar, porque seria um péssimo negócio e, por consequência, ainda por cima, não o precisando não fazia qualquer sentido que o fizesse.
De facto, se olharmos para a cotação do ouro no mercado de Londres, verificamos que em dólares por onça andaremos com o ouro a uma cotação da ordem dos 350 dólares aproximadamente - entre 320 e 370, o que, em termos médios, será cerca de 350 dólares. Há cerca de dois anos já esteve a mais de setecentos e tal dólares e, por esse motivo, temos neste momento uma cotação do ouro extremamente baixa. Não se prevê que o ouro, nos próximos tempos, possa vir a recuperar rapidamente, na medida em que também não se prevê que o dólar, nos próximos tempos, possa vir a inverter o seu sentido de valorização.
Nessas condições, não faz sentido seguir a linha política que estava implícita na pergunta do Sr. Deputado Magalhães Mota. Não tem havido qualquer espécie de dificuldades ou de exigências, há empréstimos que se têm negociado e que se continuam a negociar, onde o problema nunca se pôs.
Assim, nesse aspecto pode o Sr. Deputado Magalhães Mota dormir descansado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, pois é evidente que os secretários de Estado fazem parte do Governo. Mas é o mesmo Governo que no artigo 19.º, n.º 3, da sua lei orgânica, que é o Decreto-Lei n.º 290/81, de 14 de Outubro, que o Sr. Secretário de Estado certamente conhece, que diz que "A delegação e a sub-delegação de poderes serão feitas por despacho publicado no Diário da Repú-

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blica [...]" e fala concretamente que "os secretários de Estado existentes terão a competência que neles for delegada pelo ministro da pasta correspondente".
Bom, mas a questão estava enquadrada nos termos em que a formulei logo de entrada e, neste momento, as considerações que gostaria de fazer têm a ver directamente com as informações que o Sr. Secretário de Estado prestou.
Os números de que o Banco de Portugal dispõe têm revelado, efectivamente, a quebra das cotações, quer de valor oficial, quer do mercado livre, das nossas reservas de ouro. É assim que em 1981 o número máximo da cotação em valores oficiais era de Julho e o valor máximo das cotações no mercado livre era de Junho -há portanto aqui uma disparidade com alguma relevância, e se o Sr. Secretário de Estado pudesse adiantar as razões justificativas desta disparidade seria um elemento útil para o Parlamento-, mas qualquer dos valores atingem os seus números mais baixos em Novembro de 1981.
Também estou de acordo em que não se prevê a subida do ouro, mas a questão permanece em relação a eventuais garantias - e como se sabe elas já tiveram que ser concedidas - a prestar na concessão de novos empréstimos. Disse o Sr. Secretário de Estado que não tem havido dificuldades e eu perguntaria qual o estado das negociações para a concessão desses empréstimos e que tipo de garantias é que têm sido exigidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento, se assim o entender.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira): - Em relação a esta intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota, queria dizer que os números que citei são referentes à cotação do ouro no mercado de Londres.
No que respeita à parte de garantias que tenham sido exigidas, não tem havido rigorosamente nada nas negociações, que se têm continuado a processar com regularidade, no sentido de agravar, no que quer que seja, condições correntes na negociação de empréstimos internacionais. Toda a gente conhece os termos em que foi negociado, no ano passado, aquele grande empréstimo dos 500 milhões de dólares com um consórcio bancário internacional, outros têm sido negociados entretanto e não há rigorosamente nada de novo em relação a isso, embora pessoalmente não tenha aqui elementos de natureza minuciosa para satisfazer a curiosidade do Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Segue-se agora a pergunta que vai ser formulada pelo Sr. Deputado Guilherme Santos, a quem dou a palavra.

O Sr. Guilherme Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Penso que me devo dirigir ao Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária, j á que...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo o esquema que a Mesa tem essa resposta será dada também pelo Sr. Secretário de Estado do Planeamento.

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado do Planeamento é, pelos vistos, polivalente.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira): - O planeamento diz respeito a tudo!

O Orador: - Bem, mas a questão é esta: na região litoral do nosso pais, desde Pombal até Vila do Conde, existem alguns milhares de explorações que produzem cerca de 80% a 90% do leite português consumido neste país. O esquema vigente é que a Junta Nacional dos Produtos Pecuários vai financiando, através de subsídios à produção, explorações familiares que têm de 2 a 3 vacas e que vivem quase que exclusivamente do trabalho, em termos de produção do leite. Ora, elas estão neste momento numa situação bastante grave. Isto já não é novo, mas este deve ser o período mais grave que a lavoura vive pelo atraso no pagamento do leite.
A minha pergunta refere-se mais concretamente à questão de um acordo celebrado com a Junta Nacional dos Produtos Pecuários sobre a obtenção de leite recom-binado. O leite recombinado obedece, como sabem, à importação de leite de outros países. Neste caso foi importado, parte dele, da Inglaterra e da Holanda. A verdade é que esse leite em pó foi entregue às uniões de cooperativas para ser trabalhado. Passados 30 dias as uniões de cooperativas passaram a pagar juros do leite que lhes foi entregue e até este momento a Junta Nacional dos Produtos Pecuários não pagou o leite recombinado, nem sequer o produto do trabalho, quanto mais os juros do capital que já lá vai desde Outubro do ano passado.
Ora, as uniões de cooperativas devem hoje à lavoura algumas centenas de milhares de contos, devido ao facto de a Junta Nacional dos Produtos Pecuários estar em débito em relação a essas mesmas uniões de cooperativas.
Assim, pergunta-se ao Governo, nomeadamente ao Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, quais os motivos por que não tem satisfeito os seus compromissos para com a lavoura e quando prevê o seu integral cumprimento.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Parlamento (Alberto Regueira): - Queria dizer, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado que não sou eu que sou polivalente, o planeamento é que é polivalente.
Gostaria ainda de dizer que o Sr. Deputado Guilherme Santos acrescentou agora um elemento novo à sua pergunta, que me deixou um pouco preocupado. Na sua pergunta refere-se a atrasos de pagamento de dezenas de milhares de contos e agora falou em centenas de milhares. Admito que tenha sido um excesso de linguagem.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - São várias dezenas!

O Orador: - Em relação à pergunta que colocou, e muito concretamente, gostaria de lhe dizer que já foram dadas instruções para o pagamento, pelo Fundo de Abastecimento, de um subsídio de cerca de 65000 contos, referentes às operações a que o Sr. Deputado aludiu.
Se, por consequência, neste preciso instante o problema não está resolvido estará dentro de 2, 3 ou 4 dias. O problema está ultrapassado.
Poderá perguntar por que é que houve atraso. Pois

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trata-se de verbas a satisfazer pelo Fundo de Abastecimento que, como todos sabem, tem uma situação financeira preocupante e, portanto, algum atraso houve que registar.
Mas neste momento o problema, Sr. Deputado, se ele se coloca ao nível das dezenas de milhares de contos, está ultrapassado.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Guilherme Santos desejar formular esclarecimentos, tem a palavra.

O Sr. Guilherme Santos (PS): - Sr. Secretário de Estado, espero ter prestado um bom serviço à lavoura portuguesa, porque o Sr. Secretário de Estado afirmou que as uniões de cooperativas terão dentro de 3 dias alguns milhares de contos para pagar à lavoura. Vamos ver se, realmente, isso será cumprido.
Mas Sr. Secretário de Estado a questão é muito mais grave do que aquilo que aqui parece ter ficado das suas palavras.
Tenho aqui alguns elementos que lhe posso dar e que são recentíssimos, foram-me fornecidos hoje de manhã. A Junta Nacional dos Produtos Pecuários, além de tudo isto, deve ainda os subsídios de leite pasteurizado e UHT, desde Fevereiro deste ano, no valor de alguns milhares de contos, às uniões de cooperativas; deve os subsídios ao queijo desde 1981; deve os subsídios às ordenhas de refrigeração desde Janeiro - e este é um subsídio fundamental à produção; deve os subsídios do l.º escalão desde Outubro de 1981; e ainda aquele de que acabamos de falar, isto é, do leite recombinado.
Falou-me das dificuldades que o Fundo de Abastecimento tem para pagar à lavoura todos estes subsídios. Mas então, Sr. Secretário de Estado, a lavoura deste país está em crise, como todos sabemos, e o Governo em casos como este do leite, que é um produto que dá hipótese de sobrevivência razoável, atrasa os pagamentos na ordem dos 6 meses. As notícias que temos, por exemplo, em relação a importações, e sabemos que isto foi dito há pouco tempo por uma pessoa responsável, são de que, por exemplo, o peixe importado que existe neste país já chega para o abastecimento público até Outubro, mesmo sem utilizarmos o peixe que os nossos barcos pescam. Para isso há divisas, há dinheiro, para pagar à lavoura há dificuldades no Fundo de Abastecimento. São dois pesos e duas medidas que a lavoura portuguesa não pode continuar a aceitar.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Se desejar responder, tem V. Ex.ª palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira): - Muito brevemente para dizer que aquilo que eu afirmei será cumprido exactamente nos termos em que o referi.
Quanto às questões que o Sr. Deputado agora apresentou, possivelmente estarão em termos de rápida resolução. Foi pena que na altura em que fez a sua pergunta não a tivesse feito de uma maneira mais extensiva e, assim, ter-me-ia permitido trazer-lhe os elementos de resposta. Não os tenho aqui, mas isso não significa que não haja também uma resposta positiva em curso.
No que respeita às questões do peixe que agora levantou, e não dispondo aqui de elementos que confirmem ou infirmem as informações do Sr. Deputado, dá-me no entanto a oportunidade de confirmar o acerto daquilo que há pouco disse, quando respondia à pergunta de um seu colega de bancada, que era efectivamente necessário controlar mais de perto os esquemas de abastecimento em certos bens essenciais por via das importações e que essa constitui uma das orientações básicas do Governo, com vista a evitar a deterioração adicional da balança de transacções correntes.

O Sr. Presidente: - Seguem-se agora, Srs. Deputados, as perguntas para que está destinado responder o Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária.
Em primeiro lugar, dou a palavra ao Sr. Deputado Sacramento Marques para formular a sua pergunta.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A modernização e rejuvenescimento da nossa agricultura passa pela correcção da desequilibrada estrutura fundiária que possuímos. Como é do conhecimento geral conta-se por elevado o mínimo de explorações agrícolas com terra, cerca de 809000, das quais 78 % têm área inferior a 4 ha. Acontece que em 50% destas se pratica uma artesanal agricultura de subsistência, a que corresponde um baixo nível da vida dos respectivos agregados familiares, nível de vida que obviamente se agravará com a nossa entrada na CEE, situação que o Governo parece ignorar ou faz por esquecer.
O escalão das explorações minifundiárias, com áreas até 4ha, ocorrem sobretudo nos 10 seguintes distritos: Viana do Castelo, 93%; Aveiro, 91 %; Coimbra, Leiria, Porto, Viseu, Braga e Lisboa, entre 88% e 82%; Vila Real, 72%; Castelo Branco, 68%.
Se me permite fazer uma comparação com a produção de milho poderei dizer que em relação a 1978, que são os dados mais recentes que possuo, 74 % da área de milho é feita nestas explorações e 82% da produção de milho provém delas.
É evidente que com explorações com esta dimensão é impossível levar a produção de milho para os níveis que pretendemos atingir. E quando se anuncia diariamente na televisão que estamos a importar 28 milhões de contos de milho, não é com esta situação que jamais poderemos deixar de o importar. Não há qualquer possibilidade de fazer a cultura de milho como deve ser feita nas terras que têm aptidão para isso e onde há necessidade de elevar o nível tecnológico.
De maneira que, em consequência disso, formulei estas perguntas ao Governo:

Quais as soluções para o emparcelamento;
Quais as zonas abrangidas, por ordem de prioridade;
Quais os custos que envolvem esses trabalhos de emparcelamento; e
Para quando se prevê entrar na fase de execução.

Gostaria que o Sr. Secretário de Estado me desse respostas concretas a estas questões.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária.

O Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária (João José Maçãs): - Sr. Presidente, dada a complexidade desta pergunta e por necessitar de mais do que 5 minutos para responder, perguntava se podia contar com

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mais algum tempo, pois a pergunta desdobra-se em 4 questões.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado vai respondendo e depois, na altura própria, se verá.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta primeira questão das soluções previstas,/o emparcelamento tenta dar resposta, em especial, a dois imperativos de uma política nacional de estruturação fundiária: primeiro, melhor utilização da superfície agrícola disponível, procurando adaptá-la a melhor rentabilidade dos factores de produção; segundo, eliminar ou atenuar os inconvenientes da excessiva dispersão parcelar nas explorações agrícolas nas zonas do minifúndio.
É com estas finalidades que IGEF- promove e apoia acções de emparcelamento e elabora estudos de dimensionamento de explorações agrícolas viáveis.
De acordo com as competências consagradas nas Leis Orgânicas do ex-MAP, do IGEF e dos Serviços Regionais de Agricultura, a coordenação e orientação do emparcelamento cabem ao EGEF, ao passo que a respectiva actividade executiva é da competência dos serviços regionais
Na sua função de orientação, procura o IGEF comunicar aos serviços executivos métodos racionais para o processo de remodelação predial. Com esse fim, vai introduzir o tratamento automático de dados nos levantamentos cadastrais, registo das situações jurídicas e dimensionamento dos novos lotes.
Gostaria de abrir aqui um parêntesis para informar que neste domínio se tem revelado fundamental a colaboração luso-alemã, que se traduziu já na celebração de um acordo especial, concluído em 2 de Outubro de 1981, por troca de notas entre os dois Governos, tendo em vista a realização de um projecto de apoio à racionalização do emparcelamento.
No âmbito deste projecto a República Federal da Alemanha vai financiar a compra de equipamentos de cálculo e topografia, num montante bastante avultado, a estada de peritos alemães junto dos serviços portugueses de emparcelamento -já está em Portugal um engenheiro geógrafo alemão, que se encontra a trabalhar entre nós desde Outubro de 1981 para este efeito, e que aqui permanecerá durante 36 meses- e bolsas no estrangeiro para a preparação de técnicos portugueses.
A parte portuguesa comprometeu-se a reforçar os serviços de emparcelamento do IGEF com pessoal técnico e auxiliar adicional, o que se está a fazer, e com equipamento e instrumentos necessários que não sejam fornecidos pela República Federal da Alemanha.
Em relação às zonas abrangidas, as operações em curso, concluídas no PIDDAC-1982, constituem as componentes de estruturação agrária de projectos de desenvolvimento agrícola a cargo da Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola e para cuja execução se conta com pessoal das respectivas direcções-gerais.
São as seguintes operações em curso por ordem de importância:

1.º Campo do Mondego, na Beira Litoral:

Compreende toda a extensão dos campos do Baixo Mondego, entre Coimbra e Figueira da Foz, interessando várias freguesias e concelhos, como sejam Coimbra, Condeixa-a-Nova, Montemor-o-Velho, Soure Figueira da Foz - todos eles no distrito de Coimbra -, no total de 15000 ha, de 35000 prédios e 9300 proprietários. A grandeza da área obrigou à subdivisão em perímetros, isto é, em manchas de afinidades de interesse e de aproveitamento cultural, dos quais se encontram em diversas fases de ocupação os campos de Bolão, São João, São Facundo, São Martinho do Bispo, Ribeira de Taveiro, São Silvestre, São Martinho da Árvore, Tentúgal, Pereira e Carapinheira, abrangendo este núcleo uma área de 5 200 ha.
Para a constituição da reserva de terras o IGEF adquiriu já, até 31 de Dezembro de 1981, uma área de 672 ha correspondentes a 890 prédios, no valor de 85900 contos.

2.º Cova da Beira, na Beira Interior, correspondente à bacia superior do Zêzere e limitada pelas serras da Estrela, Guardunha e Malcata:

Prevê-se que numa primeira fase possam ser beneficiados pela rega e outras complementares, como a estruturação fundiária, cerca de 14400 ha.
O IGEF com a colaboração da Direcção Regional da Beira Interior, concluiu os estudos preliminares de viabilidade de emparcelamento dos blocos da Meimoa e do Fundão.
Já arrancaram, entretanto, os trabalhos iniciais para a elaboração do projecto de emparcelamento numa zona de 3610 ha, abrangendo terrenos de freguesias da Meimoa, de Benquerença e Vale da Senhora da Póvoa, no concelho de Penamacor, e das freguesias de Salgueiro e Capinha, do concelho do Fundão, terrenos estes incluídos no bloco da Meimoa.
Quanto ao bloco do Fundão, apurou-se não haver dispersão predial que aconselhasse a execução de uma operação de emparcelamento de tipo clássico. Contudo, a existência de vários encravados, a fragmentação excessiva e configuração defeituosa dos prédios recomendam que se tentem corrigir tais situações, mediante alguns arranjos parcelares e a redistribuição dos terrenos adquiridos para o efeito.
Pensa-se proceder aos estudos preliminares de viabilidade do bloco da Covilhã em 1982.

3.º Várzea de Benasiate, no Algarve.

Este perímetro, com uma área de 335 ha, abrange cerca de 900 prédios e 440 proprietários, situando-se na freguesia de S. Bartolomeu de Messines, no concelho de Silves, e será dominado pelo aproveitamento hidro-agrícola do Funcho e de Odelouca.
Concluídos os estudos preliminares, tiveram já início os trabalhos iniciais do projecto de emparcelamento. Nesta altura, a subcomissão de trabalho constituída por técnicos e agricultores da zona procede à classificação dos terrenos para efeitos de troca.
Além destas operações em curso, o IGEF tem feito diligências para o prosseguimento de outras que foram interrompidas já em 1974. São as seguintes: as de Afife, Carreço, Areosa, Entre Douro e Minho - este um perímetro e 626 ha, abrangendo 1894 proprietários e 8834 prédios das 3 freguesias mencionadas de Viana do Castelo.
Para a reserva de terras, foram adquiridos, até 1974, 520 prédios, com um total de 33 ha, por 1690 contos.
Estão também nesta situação as courelas de campo de Coruche, Ribatejo e Oeste, em que a operação, envolvendo uma área de 450 ha e 264 prédios, foi suspensa em

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1974, quando estava praticamente concluída a fase de dimensionamento dos novos lotes.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª já excedeu em 3 minutos o seu tempo. Só posso continuar a conceder-lhe tempo para falar se a Câmara se mostrar interessada em ouvir a sua resposta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como não há oposição faça o favor de continuar, Sr. Secretário de Estado, mas abreviando a resposta.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Em relação ao Noroeste transmontano, as operações de emparcelamento foram iniciadas em 1974 e ficaram na fase inicial do cadastro. Contudo, o Estado tinha já adquirido 87 prédios, com uma área de 210 ha, por 7429 contos. Em 1980 foi feito um estudo preliminar num dos blocos de rega da área dominada na barragem do Ázibo, concluindo-se pela sua viabilidade.
Afigura-se também provável o arranque, em 1983, de mais duas operações, uma no vale do Lima e a outra no do Vouga.
Em relação à terceira questão que tinha sido levantada sobre os custos, gostaria de referir o seguinte: limitando-me aos totais, quer da parte de previsões, quer de despesas - e isto para abreviar-, em relação a 1978, nada estava previsto e foram gastos 2467 contos; em relação a 1979, estavam previstos 70110 contos e foram gastos 61009 contos; em relação a 1980, estavam previstos 72600 contos, no entanto reduzidos a 31600 contos, porquanto 41000 vieram a ser retirados para cobrir indemnizações.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Fale em hectares, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Não disponho, neste quadro, do número de hectares, Sr. Deputado.
Continuando o assunto a que me referia, em 1980 foram gastos 16128 contos; em 1981, dos 103000 contos previstos, apenas se pôde contar com 43500 contos, tendo sido despendidos 23107 contos.
Apenas pudemos contar com os 43500 contos, entretanto reduzidos a 30000, dado o congelamento de 8 duodécimos a par dos 90000 que respeitavam à aquisição de prédios para redistribuição.
Entretanto, para 1982 estão previstos 90000 contos, para 1963, 160000 e para 1984, 300000 contos.
Em relação à parte de execução, referi que as operações estão em curso, o que equivale a dizer que entraram já na fase de execução.
Quando se descreveram as zonas abrangidas, deu-se conta da situação actual dos trabalhos.
Se entendermos por execução apenas a entrada de lotes novos, então a previsão será a seguinte: em 1983, 250 ha nos campos do Mondego; em 1984, 1600 ha nos campos do Mondego, 800 ha na Cova da Beira, 335 ha na Várzea de Benasiate e nos anos seguintes, cerca de 2000 ha por ano no Mondego e 1500 ha na zona da Cova da Beira.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sacramento Marques.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou bastante surpreendido com esta informação dada pelo Sr. Secretário de Estado. Devo dizer-lhe, porém, que ficamos entristecidos, porque nunca mais se resolve este problema.
Eu admiti que alguma coisa já estivesse evoluído no Ministério da Agricultura e Pescas e que se pensasse fazer o emparcelamento de explorações e não de parcelas. Porque é evidente que essa hipótese, esse ensaio, já se realizou no tempo da Junta de Colonização Interna - e parte dos perímetros, os senhores nem sequer os acabaram - e, como dizia, esse foi, digamos, o ensaio principal. O emparcelamento por hectares custou cerca de 80 contos, havia 200 proprietários para 106 ha portanto cada um com cerca de meio hectare e embora emparcelando-se todas as suas parcelas, os agricultores continuaram a ter meio hectare. Como é que eles podem viver? Como é que nós podemos levar esta população a reboque para a CEE? É impossível!
Evidentemente que o problema é grave e não se compadece com essa morosidade e com esse critério. Por outro lado, pergunto-lhe: existindo o Instituto Geográfico e Cadastral e os serviços de topografia, de hidráulica, de engenharia agrícola e ainda algumas empresas particulares portuguesas, será necessário, para fazer todo esse trabalho, de levantamentos, mandar técnicos à Alemanha para especialização ou mesmo contratar empresas alemãs para realizar esse mesmo trabalho. O que é que se faz dos nossos técnicos? Não se lhes dá trabalho? Não se lhes dá essa possibilidade? Então nós não temos serviços desse tipo devidamente equipados, de resto com um equipamento moderno?
Por outro lado, queria chamar a atenção do Sr. Secretário de Estado para o seguinte: em relação ao que V. Ex.ª disse, terá de compreender, que dessa forma não iremos a lado nenhum, pois o ritmo que aqui apresenta é o do emparcelamento de parcelas e não o de explorações, e eu falei aqui de explorações minifundiárias, de agricultura de subsistência, que é o problema que o emparcelamento se propõe resolver.
Por consequência, há necessidade urgente -que de resto já se vem notando desde há muito - de arranjar bancos de terra para comprar todas as propriedades que sejam postas à venda e que sejam geridas e controladas pelo próprio Estado para que, a pouco e pouco, se vão constituindo explorações viáveis.
Por outro lado, convinha, com inquéritos que deviam estar já a ser realizados, saber qual a população rural que se encontra numa fase adiantada de envelhecimento e que, por isso mesmo, não está já em condições de fazer uma agricultura moderna; sem as compelir a isso, é preciso aliciá-los, através de um serviço de extenção rural que se impõe que comece a funcionar neste país, para que eles possam entregar as suas explorações para se juntarem às dos vizinhos, para que assim sejam aumentadas sem, contudo, perderem o direito de propriedade, e tendo, por outro lado, uma reforma que lhes permita uma vida digna, facto pelo qual nós sempre nos batemos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se não for assim, nunca mais resolveremos o problema. Por consequência, o ritmo que o Sr. Secretário de Estado acaba de apresentar aqui é aquele a que nos acostumámos com o MAP. Devo dizer-lhe que o Sr. Secretário de Estado, e a sua Secreta-

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ria de Estado - e lamento ter de o fazer - quando há tempos se lhes pôs o problema dos fogos de Salvaterra de Magos, deixou decorrer quase 6 meses, período em que o Sr. Secretário de Estado ficou de receber a Comissão de Agricultura, Silvicultura e Pescas para ver como resolveria o problema sem que, após todo esse tempo, se tenha tido qualquer avanço.
E o triste, o paradoxal desta questão é que esses foreiros 2 ou 3 dias antes do 25 de Abril tinham resolvido o seu problema das parcelas e com o 25 de Abril - isto é paradoxal - continuam sem as terras na sua posse, sem a possibilidade de fazer o que têm necessidade e sem poderem alargar a sua exploração agrícola. Continuam escravizados pelo proprietário que dispõe de terra que foi nacionalizada e que está dentro de um perímetro de expropriação.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária.

O Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária (João José Maçãs): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado: Queria dizer-lhe o seguinte: efectivamente não vejo como é que, com grande facilidade, V. Ex.ª vai proceder à acção de emparcelamento e explorações deixando as acções de emparcelamento de parcelas.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - Sr. Secretário de Estado, eu não disse isso. O que sucede é que, quando se faz o emparcelamento de parcelas é visando as explorações, o que é evidente. Mas o que se visa fundamentalmente é o emparcelamento da exploração. O emparcelamento das parcelas vem como consequência do processo.

O Orador: - Saiba V. Ex.ª, Sr. Deputado, que, para que se faça um emparcelamento, é necessário, em praticamente todas essas zonas mencionadas, que se corrijam os contornos das propriedades e que se altere profundamente o tipo de propriedade. Aliás é isso mesmo que se pretende com o emparcelamento. Só dessa fornia será possível conseguirmos explorações minimamente rentáveis, de contrário, jamais o conseguiremos.
É evidente que é necessário que o Estado adquira as terras, constituindo bancos com elas, para que assim possa constituir essas empresas com delimitações diferentes, para que possam ser instalados os canais e os caminhos que dêem acesso a essas explorações, sob pena de apenas termos em atenção partes das explorações, deixando toda uma imensa área sem um mínimo de infra-estruturas que possam alguma vez servir.
Além de que, também esta questão do emparcelamento de explorações já deu os seus problemas em alguns locais, porquanto a determinada altura desapareceram as marcas divisórias das propriedades, não se sabendo, inclusivamente, onde se deviam fazer os caminhos, nem em que terras se deveriam instalar os canais, pelo que, nessa altura, alguns dos proprietários teriam lógica e naturalmente de ficar prejudicados.
Portanto, aquilo que de facto se pretende é, primeiro, procurar a troca das parcelas, de forma a poder arranjar menos parcelas mas com maior área, que permitam constituir explorações mais rentáveis: por outro lado, se isso não for possível, adquirir parte da área, de forma a que o Estado possa redimensionar os prédios para depois os vender pelo mesmo preço a que os comprou como explorações mais rentáveis.
Haverá ainda que destacar as áreas correspondentes aos canais, caminhos e outras infra-estruturas necessárias, de forma a que não sejam os agricultores que querem continuar como tal a verem-se ficar sem as suas parcelas, porque com isso -e logicamente- eles não concordarão. Aí, surgem os problemas vários que têm girado à volta dos problemas do emparcelamento: as pessoas ficam preocupadas com o facto de ficarem sem as terras. Por isso mesmo, é necessário que elas sejam contactadas antes, é necessário desenvolver démarches no sentido de procurar que alguns que já não têm condições para ser agricultores ou que pretendam deixar de o ser possam vender as suas parcelas. É por isso que se está a tentar tratar do diploma que vai ao encontro das situações dos agricultores idosos, em termos de reformas vitalícias, ou de outro tipo de pensões que possam permitir-lhes afastar-se da agricultura.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sacramento Marques, não vou poder conceder-lhe a palavra, pois não há figura regimental.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - Sr. Presidente, bastava-me um minuto. O Governo tem tido todas as facilidades.

O Sr. Presidente: - Não se trata de um problema de tempo, Sr. Deputado, mas sim de figura regimental.
Contudo, faça favor de usar da palavra, embora, claro, por um período curtíssimo.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - E apenas um esclarecimento, porque é pena que problemas tão importantes sejam discutidos na base do minuto.
De qualquer modo, gostaria de dizer ao Sr. Secretário de Estado que se não preocupe com a viação rural e com os acessos às propriedades, pois isso é atribuição das autarquias. No tempo da Junta de Colonização Interna fez-se tudo isso. Então havia de ser o Ministério da Agricultura e Pescas a preocupar-se com tal problema ?!
Por outro lado, uma coisa são parcelas de uma exploração e outra uma exploração rentável. E é evidente que interessa, tanto quanto possível, que a exploração tenha uma área única e não separada. Mas, como disse há pouco, isso será uma consequência: ao fazer-se, surge o emparcelamento das parcelas.
Para o que eu chamo a atenção, e que é muito importante, é para o seguinte: sou adepto da entrada na CEE, os senhores fazem todos os esforços para entrarmos na CEE. Então não acham que é prioritário neste país arranjar um ritmo de trabalho que permita salvar a posição desta gente? O Sr. Secretário de Estado já fez conta de qual o número de pessoas que vivem numa agricultura de subsistência? Como é que eles vivem no dia em que nós entrarmos na CEE? O tempo que a CEE nos dá para adaptação não permite salvar a vida desta gente. E isso é um imperativo nacional. O assunto tem que ser muito bem programado e não pode ser resolvido

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com uma lei dispersa como o Governo está a pensar fazer.
O que o Sr. Secretário de Estado falou nos perigos do emparcelamento - e eu tenho aqui a relação pois nessa altura encontrava-me na Junta de Colonização Interna- e cito os de Cabanelas, Afife, Carreço, Areosa, o vale do Mondego que era o mais importante e que já naquela altura tinha o cadastro todo feito - aliás, o meu camarada Manuel da Costa andou lá a trabalhar-, o de Vilacria e de Odeceixe. É com esta disposição que se pode resolver este problema do emparcelamento?
É evidente que é necessário estudar uma a uma a prioridade da organização destes trabalhos.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é evidente que tendo dado a palavra ao Sr. Deputado Sacramento Marques, a vou dar agora ao Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária, embora também com a maior brevidade.
Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária (João José Maçãs): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo cumprir o Regimento, pelo que me limitarei a dizer o seguinte: em relação às infra-estruturas, elas são importantes para a agricultura, seja em minifúndio, seja em qualquer outro tipo de propriedade. Penso que o Sr. Deputado certamente reconhecerá isto. E quero recordar que as autarquias locais muitas vezes não se preocupam com as infra-estruturas destas zonas. Veja o caso de Cabanelas, precisamente uma câmara do Partido Socialista, que ainda há três ou quatro meses, quando lá estive, tinha os caminhos absolutamente degradados, pelo que tive de chamar a atenção e pedir para tomarem nas suas mãos a preocupação de os conservar.

Vozes de protesto do PS e aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à pergunta relativa aos concursos públicos para entrega das terras das UCPs e cooperativas.
Para formular essa pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Com os primeiros governos AD, e particularmente em vésperas de eleições, como todos recordamos, fomos confrontados, na zona de intervenção da Reforma Agrária, com as chamadas "entregas de terras a agricultores". Tratou-se, como é inquestionável, de uma farsa, em que como protagonista apareceu todo o tipo de gente, sendo indiscutível que os pretensamente beneficiários pequenos agricultores foram a excepção. Farsa que, por tão evidente, determinou agora uma mudança de encenação, que não de objectivos.
É assim que em Novembro passado apareceram os chamados "inquéritos às cooperativas", com as quais, afirmava, o MAP pretendia avaliar a viabilidade daquelas. Viabilidade que, como se sabe, os governos da direita sempre se esforçaram por pôr em causa, com entrega de reservas, com a asfixia financeira, etc.
Mas a manobra saiu por de mais evidente. Antes mesmo de terminado o ano de 1981, já o MAP pretendia nos inquéritos a apresentação de balanços e a demonstração de resultados. Pretendia o MAP planos de exploração para 5 anos, mas recusou fornecer uma indicação segura das terras que no mesmo período continuariam na posse útil das cooperativas. Ao MAP não interessava a resposta aos inquéritos. Referia, isso sim, o ignóbil argumento de que as cooperativas não haviam respondido ao Ministério, para, como se provou de seguida, lançar os chamados "concursos públicos" das terras na posse útil das cooperativas.
Entretanto, e no que a estas respeita, verifica-se que as cooperativas não são notificadas da realização dos concursos. São, sim, notificadas de que nada podem vender. Rectificaram-se editais, já tornados públicos, exclusivamente no sentido de excluir as empresas colectivas; os trabalhadores são aconselhados a não concorrer; os agrários são, regra geral, os que primeiro conhecem o teor dos editais; aos trabalhadores é mesmo impedida a presença nos actos que consubstanciam esta nova facção.
Os resultados aí estão! Quem são os candidatos? É ver o que se passa, a título de exemplo, com o concurso das terras das UCPs: Gregório, em Arraiolos, 1 ex-guarda da PSP e ex-proprietário de um café em Arraiolos; 1 empregado de escritório do Hotel Santa Clara, em Évora; 4 negociantes de gado, um dos quais com 218 ha na Herdade da Serra. Por fim, para cúmulo, uma sociedade turística que explora, em 800ha, 90 veados e - pasme-se - l hipopótamo!

Risos do PCP.

Sr. Secretário de Estado, é imperioso que se termine com esta situação vergonhosa e se esclareça claramente esta Câmara e o nosso país sobre esta situação.
Nesse sentido vão as perguntas que formulei e que dou como reproduzidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária (João José Maçãs): - Sr. Deputado, achei particularmente interessante essa do hipopótamo, que eu desconhecia, mas passo a registar.

Protestos do PCP.

Uma voz do PCP: - Estava na pergunta formulada ao Governo.

O Orador: - De qualquer das formas, queria ater-me um pouco em relação aos inquéritos. Parece que os inquéritos foram ou são alguma coisa de especial que não está prevista na lei l Parece que todo este processo é feito à completa revelia da Constituição! Parece que é um processo pejado de todo o tipo de ilegalidades!
Gostaria que o Partido Comunista esclarecesse onde se têm estado a praticar por este governo as ilegalidades, onde é que se têm estado a praticar actos à revelia da Constituição.

Protestos do PCP.

Por outro lado, teria também de desmentir a informação, que certamente lhe não foi fornecida da melhor forma, Sr. Deputado, relativa ao facto de as cooperativas não terem sido notificadas dos concursos.
De facto, as cooperativas foram todas notificadas dos concursos, Sr. Deputado. E, se não, por que é que há

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cooperantes que têm aparecido a concorrer aos concursos? E mais: por que é que há cooperantes - e isso já foi feito - que vão ficar na posse da terra como rendeiros do Estado?
Esta talvez seja uma realidade pouco grata ao Partido Comunista, mas faço questão de sublinhar aqui para que todos os Srs. Deputados possam dela ter conhecimento, incluindo o próprio Partido Comunista, que parece desconhecê-la.
Por outro lado, queria também frisar uma questão importante, que é a seguinte: os trabalhadores, no dizer do Sr. Deputado, são impedidos de assistir aos concursos públicos. Ora bem, eu tenho muito respeito pelos trabalhadores e pelo Partido Comunista, mas devo dizer que também isto não corresponde minimamente à verdade. Tem havido sempre a intenção de que os concursos públicos tenham, de facto, a presença de todos os trabalhadores e de todas as pessoas que queiram assistir. Simplesmente, tem sido impossível que isso aconteça, pelo simples facto de que os trabalhadores, orquestrados pelo Partido Comunista, têm tentado boicotar -e o Sr. Deputado sabe disto-, por toda a maneira, a possibilidade de esses mesmos concursos poderem vir a ser uma realidade.
Veja-se o que aconteceu em Ponte de Sor por duas vezes e em Beja, onde os elementos dos secretariados ofenderam os membros do Ministério da Agricultura que assistiam ao concurso. Repare-se ainda no que sucedeu em Évora, onde, inclusivamente, um carro que se encontrava encostado à porta da quinta da Malagueira foi selváticamente destruído. E aqui eu pergunto: por quem?
De qualquer maneira, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de completar e responder da melhor forma à questão que me foi levantada. Efectivamente, consta da Constituição, mais precisamente do n.º 2 do artigo 97.º, o princípio da entrega para exploração a pequenos agricultores das propriedades expropriadas a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras entidades de produção colectiva por trabalhadores. Tal princípio é inteiramente respeitado no n.º l do artigo 50.º da Lei n.º 77/77, que define os destinatários da entrega da exploração de prédios expropriados ou nacionalizados nos precisos termos da Constituição.
É, porém, o Decreto n.º 111/78, de 27 de Maio, que vem reformar o regime da entrega para exploração, desenvolvendo os princípios contidos na citada lei. Nos termos deste decreto, os contratos de entrega para exploração são precedidos de concurso público, o que nem sempre tem sido possível ou fácil de fazer, sendo, todavia, admitida, de acordo com o disposto no seu artigo 42.º, a celebração dos mesmos por meio de ajuste directo, sempre que circunstâncias socioeconómicas especiais o justifiquem, como seja o facto de os prédios se encontrarem já a ser explorados, de acordo com uma gestão técnica e económica equilibrada, por empresas agrícolas com capacidade para celebrarem contratos de entrega da exploração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: foi precisamente para efeitos do disposto neste artigo que o MAP, tendo em vista a fixação de um destino estável para a terra expropriada e nacionalizada, contactou as UCPs/cooperativas, a fim de poder avaliar da sua capacidade de gestão.
Penso que isto não é pecado nem crime que se esteja a cometer neste pais. O Estado tem o direito de saber se as explorações estão a ser cedidas apenas em termos de posse útil, se estão ou não a ser exploradas capazmente, se constituem empresas viáveis, em termos económicos e técnicos, ou se apenas são o cancro desta sociedade, o que tem directamente a ver com o afundar cada vez mais dos interesses da nossa comunidade.
Com efeito, não se pode pôr em dúvida que as UCPs detenham, na realidade, a posse útil da terra - e esta questão tem sido levantada por variadíssimas vezes. Isso é um facto. Agora o que também é um facto é que essa posse é apenas precária, resultante de ocupações, e não, da transferência por qualquer dos meios preconizados na Constituição.

Protestos do PCP.

Só que não se pode efectuar essa transferência a favor de quem não demonstre capacidade para deter na sua posse as terras. Essa é a realidade.

Protestos do PCP.

Nesse sentido, foi elaborado um questionário, o tal chamado "inquérito", sendo sintomático que algumas UCPs responderam - e não foram poucas, foram setenta e tal. É sobre estas que está a recair uma análise, parecendo que parte delas reúnem condições para com elas poderem vir a ser celebrados contratos de arrendamento.
Não são pois, de estranhar os obstáculos que o Partido Comunista e a maioria das UCPs que não quiseram deliberadamente responder aos inquéritos levantam em relação a estas questões.
E digo não quiseram porque, efectivamente, elas foram aconselhadas pelos secretariados a não o fazerem. Isto foi-me dito pelos representantes dos próprios secretariados, no meu gabinete e em Évora, em frente de 50 a 60 pessoas e na presença do Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas.

O Sr. Presidentes - Sr. Secretário de Estado, terminou o seu tempo, pelo que lhe peço que conclua rapidamente.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, nós estamos dispostos a ouvir o Sr. Secretário de Estado pelo tempo que ele quiser falar, com a condição de dispormos exactamente do mesmo tempo. O Sr. Secretário de Estado esgotou o seu tempo, excedendo-o mesmo, porque durante vários momentos esteve a falar com a luz amarela intermitente, o que significa que o relógio não estava a contar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, realmente a Mesa concedeu mais algum tempo ao Sr. Secretário de Estado, na linha de uma certa largueza que tem utilizado para com os outros oradores.
Se a Câmara consente que o Sr. Secretário de Estado continue no uso da palavra, a Mesa não vê inconveniência. Só agradecia que fosse breve.
Faça favor de concluir.

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O Orador: - Sr. Presidente, apenas mais duas palavras. Isto para referir que os inquéritos foram pedidos com a melhor das boas intenções por parte do Governo, não tendo nada a ver com o facto de as UCPs não poderem efectivamente responder. No princípio foi colocada a situação do pedido do plano de exploração, que depois se limitou a um plano de produção por 5 anos, o que é bastante mais simples de fazer. E mais: nessa altura, as UCPs/cooperativas, em relação ao plano de produção, perguntaram como é que poderiam fazê-lo se não tinham a certeza se as áreas ainda eram passíveis ou não de entregas de reservas. Foi-lhes dito que o serviços regionais lho comunicariam, o que, de facto, fizeram e, em relação àquelas em que hipoteticamente ainda houvesse reservas para entregar, elas deveriam reportar-se à área que detinham no momento.
Não houve, portanto, nada de menos claro. As coisas passaram-se, de facto, deste modo. E por isso que 74 ou 76 UCPs/cooperativas nas mais variadas circunstâncias responderam ao solicitado, e por isso o MAP está a estudar essas UCPs. Quanto ao prazo, que era de 30 dias (todo o mês de Novembro), foi alterado para mais 30 (todo o mês de Dezembro), e ainda hoje as UCPs/cooperativas sabem perfeitamente que o MAP continua a receber-lhes a documentação se elas a entregarem. Só que o que o MAP não permite é que sejam boicotados os serviços regionais, e, por conseguinte, a partir da altura em que sai o despacho para que sejam entregues as terras ao abrigo do Decreto n.º 111/78 deixam de se receber quaisquer documentos que tenham que ver com essas UCPs que não entregaram até à altura a documentação necessária.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: V. Ex.ª referiu, no início da sua intervenção, que este Governo esta equipa do MAP pautam a sua actuação pela legalidade. Penso que um governo, uma equipa ministerial, que tivesse intenções de seguir a sua actuação de acordo com a Constituição e a lei a primeira coisa que faria era cumprir as decisões dos próprios tribunais. E isso ele não faz.
Há, neste momento, mais de cinco dezenas de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que claramente dão acordo às posições dos trabalhadores. Quase duas dezenas deles transitaram em julgado. Mas este MAP ignora-os e, pura e simplesmente, não os acaba. Esta é uma situação que, logo à partida, mostra bem que este governo e esta equipa do MAP não estão interessados em cumprir a legislação.
Mas mais: toda a actuação deste MAP, como a dos seus antecessores, é uma actuação claramente contra o espírito e a letra da própria Constituição.
De facto, quer o espírito quer a letra da Constituição vão claramente no sentido de beneficiar aqueles que trabalham a terra. Ora, o que acontece com a actuação deste governo é precisamente o contrário: é de retirar a terra àqueles que a trabalham, é de destruir as cooperativas, é de destruir a Reforma Agrária e de reconstituir -e isto é indiscutível - os latifúndios.
Assim, nós teremos imensos casos em que existem provas de que dezenas e dezenas de latifúndios estão reconstituídos no nosso país, sem que este governo e esta equipa do MAP nada façam em sentido contrário. Mais do que isso: nós sabemos -e o Sr. Secretário de Estado sabe isso perfeitamente, pois referiu o caso de Ponte de Sor - que quem está à frente dos serviços do MAP em Ponte de Sor é precisamente um agrário que, em determinadas ocasiões, se tem apresentado na sua dupla qualidade de agrário reservatário e de técnico do MAP. Esta é uma situação que todos conhecem, e com tal estado de coisas é impossível pensar numa inversão de toda esta problemática.
Diz ainda o Sr. Secretário de Estado que há manobras, que há isto e aquilo, por parte do Partido Comunista Português, por parte dos secretariados e dos trabalhadores. Por um lado, diz que os trabalhadores boicotam; por outro, que os trabalhadores querem concorrer. Em que ficamos, Sr. Secretário de Estado?
Os trabalhadores, na verdade, não boicotam; o que os trabalhadores fazem é exercer os seus legítimos direitos de contestação desta política desastrosa e ilegal que este governo vem levando a cabo. E naturalmente que o faz porque sabe quais são os verdadeiros objectivos que estão por detrás de tudo isto.
O Sr. Secretário de Estado refere-se ainda às boas intenções dos inquéritos. Mas quem pode acreditar nisto, Sr. Secretário de Estado? Como se pode pensar que isto foi lançado com boas intenções se à partida se pedem planos de exploração para S anos e se recusam a fornecer quais as áreas de que essas cooperativas irão dispor no futuro. E eu posso salientar ao Sr. Secretário de Estado, embora eu não estivesse presente não me desmentirá, que em 14 de Janeiro o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado se comprometeram com os trabalhadores a fornecer-lhes os dados que eles pretendiam para a elaboração desses mesmos planos. Onde estão eles? A nenhuma cooperativa até este momento foi fornecida a indicação clara de quais as terras de que irão dispor nesses mesmos 5 anos. E como é possível, Sr. Secretário de Estado, elaborar um plano de exploração, ou mesmo um plano indicativo das produções e investimentos que vão ser feitos, sem se saber, à partida, com que terras se vai contar nesses mesmos 5 anos?
Gostaria que isto, pelo menos a nível técnico, fosse explicado, porque de outra forma pode ser entendido, a um nível político, que não seja o de desejar que as cooperativas não respondessem.

O Sr. Presidente: - Acabou o seu tempo, Sr. Deputado. Contudo, tal como aconteceu com o Sr. Secretário de Estado, ser-lhe-ão concedidos mais 2 minutos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Gostaria de saber, em relação à questão dos inquéritos, como e possível que as Cooperativas possam responder claramente sem saberem as terras que vão ter nos próximos 5 anos. E mais ainda: então não há tempo mais do que suficiente para saber exactamente que reservas foram pedidas? Então não foi já, inclusivamente, esgotado o tempo de pedido de reservas? Então as cooperativas não têm toda a possibilidade de, neste momento, ter acesso a esses dados? Por que lhes não são eles fornecidos?
Naturalmente, o que o Governo pretende é ter o argumento de que as cooperativas não respondem para,

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como inclusivamente vem nos jornais de direita e o Sr. Secretário de Estado agora confirmou, se poder dizer já que só 72 cooperativas são viáveis. Não se sabe com é que o Governo chegou a esta situação de só 72 ou 73 cooperativas serem viáveis; as outras trezentas e tal, essas, são pura e simplesmente para desmantelar!
Isto é ou não é a destruição completa da Reforma Agrária? Isto é ou não a destruição completa das cooperativas? Isto é ou não é um caminho aberto e claro para a reconstituição dos latifúndios? Mais a mais, que nós sabemos, Sr. Secretário de Estado, que a generalidade daqueles que concorrem são indivíduos manipulados e arregimentados pelos próprios agrários, que os colocam ali como forma de, mais mês, menos mês, serem os próprios agrários a receberem as terras que agora, e apenas como pró forma, são entregues a este, àquele ou ao outro ...
Então não é por de mais conhecido que, em Ponte de Sor e em outros lados, os que pedem as terras ou são aqueles que eu referi ou são indivíduos claramente identificados com os interesses dos agrários? Isso é mais do que conhecido, e os exemplos dos nomes podem ser fornecidos a toda a hora e tem sido fornecidos constantemente ao Sr. Secretário de Estado, que naturalmente o sabe, mas que, por razões que todos nós conhecemos, tenta evitar entrar por esse lado.
Para terminar, gostaria de dizer o seguinte: o que se passa hoje com a questão da viabilidade ou inviabilidade das cooperativas é hipócrita, Sr. Secretário de Estado! É hipócrita falar-se em tais termos ou evocar-se essa situação. Então não é por demais verdadeiro que os sucessivos governos de direita tudo fizeram para inviabilizar as cooperativas e agora, neste momento, vêm invocar a pretensa inviabilidade das cooperativas para as destruir e acabar definitivamente com elas. Isto é a hipocrisia máxima!
Eu pergunto, Sr. Secretário de Estado (e esta é uma das perguntas formuladas a que o Sr. Secretário de Estado não respondeu): quando é que este Ministério dá resposta a uma pretensão mais do que justa dos trabalhadores, que insistentemente vêm colocando ao Governo?
Se há contas para acertar, vamos a elas! Vamos confrontar cooperativa a cooperativa com o Estado e ver quais as contas que existem; vamos determinar os saldos e ver quais os positivos e negativos.
Após este acerto de contas é que vamos avançar.
Por que não responde o Secretário de Estado a esta situação? Por que evita mesmo? Quem tem medo do acerto de contas com as cooperativas, Sr. Secretário de Estado?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à primeira questão, porque não cumpre o MAP, animado de boas intenções, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo?...

O Sr. Lino Lima (PCP): - De boas intenções está o Inferno cheio!

O Sr. Carlos Robalo(CDS): - Olhe que fica lá, Sr. Deputado!

O Orador: - Acontece que todos os recursos que foram interpostos pelas Unidades Colectivas de Produção e que obtiveram acórdãos no Supremo Tribunal Administrativo apenas se relacionavam com questões meramente administrativas ou burocráticas.

Uma voz do PCP: - É falso.

O Orador: - E por isso foi pedido à Procuradoria-Geral da República que informasse qual seria a forma mais adequada de agir.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É incrível!

O Orador: - E o parecer que se recebeu - e as UCPs sabem-no e o Sr. Deputado também - é no sentido de que deverão ficar como fiéis depositários as pessoas que de momento detêm a terra até que os processos sejam reinstruídos.

Protestos do PCP.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - É para que as terras voltem para os latifundiários.

O Orador: - Também não vejo, Sr. Deputado, como é que se estejam a reconstituir os latifúndios. Porque, que eu saiba, estão a entregar-se terras a pequenos e médios agricultores.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Mas isso é para eliminar as empresas colectivas!

Protestos do PCP

O Orador: - Penso que é também uma prova de que se pretendem entregar as terras a pequenos e médios agricultores, não dando possibilidades a que se diga com facilidade que é para mais tarde se reconstituírem os latifúndios, o facto de o IGEF estar neste momento a elaborar contratos por 6 anos aos novos agricultores, e não só por um ano. Já não estamos a aplicar a Portaria n.º 256, mas sim a n.º 797, o que é uma garantia para estes pequenos e médios agricultores.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Isso é para eliminar as empresas colectivas!

O Orador: - Em relação à situação de Ponte de Sor, quero dizer-lhe que o MAP só tem que ter em atenção se as pessoas que estão à frente dos vários departamentos dos serviços são ou não técnicos capazes, se são ou não conceituados como tal e não se são agrários, proletários, se são daqui ou dali! O que têm que ver é se as pessoas reúnem as condições necessárias.

Protestos do PCP.

Em relação ao facto de não terem sido fornecidas informações às UCPs, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que a Direcção Regional do Ribatejo e Oeste e a do Ribatejo forneceram elementos a todas as UCPs que as solicitaram. Antes do dia 14 e imediatamente após esse dia.

Vozes do PCP: - É falso!

Protestos do PCP.

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O Orador: - Àquilo que compete dizer em relação a esta matéria è só isto: é que o MAP e o Governo estão interessados em acabar com o regabofe; estão interessados em constituir empresas rentáveis no lugar daquelas que o não são.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Então acabem com vocês próprios.

Risos do PCP.

O Orador: - É isso que parece não estar nos projectos do Partido Comunista Português. E é pena, porque efectivamente este processo não está, afinal, a ser assim tão mal visto pelas UCPs cooperativas - e eu tenho frequentes contactos, quase semanais, com as UCPs cooperativas.
Também tenho tido contactos com aquelas que estão descontentes, mas essas, quando se lhes pedem as contas, não aceitam entregá-las. E no inquérito consta isso. O encontro de contas passa precisamente pela resposta a este inquérito, onde se pedem, entre outras coisas, os elementos sobre as dívidas do crédito agrícola de emergência, as dividas à banca e outras mais.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Então o Governo não tem esses elementos?

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar com as perguntas formuladas ao Sr. Ministro da Administração Interna por vários Srs. Deputados.
Em primeiro lugar, vai ser formulada a pergunta sobre a presença em Portugal do responsável espanhol pela força de segurança.
Para tal, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: No dia 10 de Março, aquando da interpelação da UEDS sobre vários aspectos da sua política no Ministério da Administração Interna, uma das questões que mais gáudio e entusiasmo provocou na maioria, particularmente no PSD, ao fim de sucessivas derrotas de V. Ex.ª nessa interpelação, foi a sua peremptória afirmação de que não tinha estado em Portugal nenhum polícia espanhol.
Afinal, ao fim e ao cabo - a verdade é como o azeite, vem sempre ao cimo da água-, mercê de uma série de circunstâncias, ficou claramente provada a presença em Portugal de um alto responsável pela segurança e pela polícia espanholas no dia 13 de Fevereiro. V. Ex.ª disse que era mentira e afinal foi verdade.
Assim, gostaria de formular-lhe as seguintes questões: quais as razões que explicam a presença em Lisboa, em 13 de Fevereiro último, do Sr. Dopico, alto responsável das forças de segurança de Espanha? Ó que fez durante a sua estada em Lisboa e que autoridades aqui contactou? Qual a posição do Ministério da Administração Interna, no que respeita à presença desse alto responsável? :
Eram estas as questões concretas e sucintas que eu gostaria que V. Ex.ª nos respondesse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que escolhi, as perguntas que foram formuladas pelos Srs. Deputados de modo a não responder só a 4 perguntas, mas às 7 perguntas, que no seu conjunto, foram feitas.
Respondendo ao Sr. Deputado César de Oliveira, diria que V. Ex.ª começa por reeditar falsidades. Passo a ler a pergunta que formulou e a minha resposta, do Diário da Assembleia da República, aquando da interpelação da UEDS. Da página 2667 do Diário consta a seguinte pergunta:
Por que foi chamado o responsável n.º 2 ou n.º 3 dos Grupos Especiales de Operaciones (GEO) de Espanha na madrugada de 13 de Fevereiro? Quem decidiu chamar esse especialista espanhol [...]?
A minha resposta, a p. 2749 do Diário, nessa mesma altura:

Não é verdade que o Governo tenha chamado a Lisboa qualquer responsável da segurança do Estado. E falso! [...] Não é verdade, é falso que o (. n.º 2 ou o n.º 3 dos "grupos especiais espanhóis" tenha estado em Portugal.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - N.º 2, n.º 3 ou um qualquer!

O Orador: - A forma como o Sr. Deputado César Oliveira fez agora a pergunta nega a própria pergunta dessa altura.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - É falso!

O Orador: - Com efeito, pergunta o Sr. Deputado César Oliveira -pergunta, agora- que veio fazer a Portugal o Sr. Dopico? Ora, no dia da interpelação o Sr. Deputado perguntou, afirmativamente, por que foi chamado a Portugal o n.º2 ou n.º3 dos GEO.

Risos do PCP e da UEDS.

O Orador: - A resposta que demos aquando da interpelação da UEDS foi às perguntas então formuladas, nos precisos termos em que elas foram feitas pelo Sr. Deputado César Oliveira. Essa perguntas, como o Sr. Deputado acaba agora de demonstrar, eram falsas.

Aplausos do PSD.

Risos do PCP e da UEDS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isto é ridículo!

O Orador: - Sr. Presidente, não sou responsável pelas falsas informações que foram trazidas ao Sr. Deputado César Oliveira, nem sou responsável pelo erro das suas próprias perguntas. No entanto, perante a falsidade das suas perguntas, respondi nos precisos termos em que tais perguntas me foram feitas.
Já que hoje me é feita a pergunta, não em preâmbulo mas de forma concreta, em termos que justificam uma resposta concreta, passo a responder-lhe.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não é uma falsa questão!

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O Orador: - Primeira questão que me é colocada: "Quais as razões que explicam a presença em Lisboa, dia 13 de Fevereiro último, do Sr. Dopico?"
Como é sabido, tem havido graus de relacionamento entre as entidades que promovem a função policial portuguesa e entidades congéneres de outros países, nos quais se insere, natural e inevitavelmente, a Espanha.
Essas relações vêm já de bastantes anos, foram sedimentadas por outros governos que nos antecederam - e ainda bem-, incluindo governos do Partido Socialista, sendo que, nesse espirito, fui convidado a ir a Espanha o ano passado, como é sabido, tendo então sido estabelecida uma base genérica de manutenção ou ampliação da cooperação que vinha sendo desenvolvida.
Essa cooperação tem várias fases de tradução, das quais uma delas teve lugar há um mês e meio, no dia 8 de Março, em que os Srs. Governadores Civis da zona da fronteira de Espanha e Portugal discutiram, com as autoridades policiais de ambos os países, problemas que interessam ao relacionamento genérico entre as autoridades dos dois lados.
É nesse mesmo espírito, dentro dessa base de cooperação, que foi estabelecida a hipótese de qualquer entidade policial, portuguesa ou espanhola, de deslocar a um dos dois países quando se sentisse haver nisso necessidade ou vantagens para execução da sua missão policial.
É por essa razão que no dia 13 de Fevereiro esteve em Portugal, não chamado pelo Governo Português mas com a anuência do Ministro da Administração Interna, uma entidade policial espanhola que nunca foi o n.º 2 ou n.º 3 dos GEO, mas é, sim, um elemento responsável pertencente a outro corpo policial.
O que fez, com quem teve intercâmbio? Naturalmente, de acordo com os princípios gerais da cooperação estabelecida e mantida, que foi com as autoridades policiais portuguesas, isto é, a PSP e os serviços estrangeiros.
Segunda pergunta formulada pelo Sr. Deputado César Oliveira: "Qual a posição do Ministério da Administração Interna no que respeita à presença deste alto responsável?"
Devo dizer que é uma posição de concordância e de desejo, na exacta medida em que desejará que, quando houver questões que se relacionem com a polícia portuguesa, se verifique a presença de entidades policiais portuguesas em Espanha, a fim de tratar de problemas que são do interesse genérico dos dois estados, numa visão de que há imensos problemas de relacionamento e dearticulação entre as forças policiais dos dois países.
Posso citar, a título de exemplo, a perseguição de criminosos que atravessam a fronteira, problemas de contrabando de gado que afectam algumas zonas do País e que são extremamente importantes.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Veio cá por causa do contrabando de gado!

O Orador: - Compreendo que para o Partido Comunista estas questões não sejam relevantes, mas para um Estado democrático, normal e sério, estes problemas têm implicações na soberania dos dois países.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Em termos simples, concretos e precisos, esta é a nossa resposta às três perguntas concretas formuladas, hoje pelo Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A resposta do Sr. Ministro da Administração Interna lembra-me uma célebre discussão, entre o almirante Américo Tomás e o almirante Tenreiro, para saber, afinal, se este último tinha oferecido um periquito ou um canário ao Sr. Almirante Américo Tomás. Estiveram horas a discutir, um dizendo que se tratava de um canário e o outro dizendo que era um periquito. A sua resposta, Sr. Ministro, lembra-me isto.
O Sr. Ministro diz a coisa espantosa de que não é verdade que o Governo tenha chamado a Lisboa qualquer responsável espanhol da segurança do Estado. Pelos vistos, o Sr. Dopico ê responsável pela segurança do Estado espanhol.
Emenda, depois, a mão rapidamente e diz que não é verdade que tenha cá estado o responsável n.º 2 ou n.º 3. Obviamente que, se tivesse perguntado a V. Ex.ª, naquele dia, se cá tinha estado o Sr. Dopico, V. Ex.ª teria dito que não. Ou teria dito que esteve?

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Claro que sim!

O Orador: - Magnífico, magnífico, Sr. Ministro!
Na sua resposta de agora, todavia V. Ex.ª omitiu o contexto em que esteve cá o Sr. Dopico. Não falou uma única vez da greve geral. O problema das armas encontradas no Parque Eduardo VII já não existe. O problema assinalado por certa imprensa de ligações terroristas internacionais, naquele contexto, já não existe. O problema de insurreição também já não existe.
Trata-se, ao fim e ao cabo, da presença para verificar se duas ou três vacas, quatro burros e cinco cabras andam a transitar entre uma fronteira e outra.

Risos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Orador: - Francamente, Sr. Ministro!

Já conhecíamos a habilidade de V. Ex.º, a que tiro o meu chapéu, para desdizer o que antes tinha dito. No entanto, não está em causa saber se se tratava do responsável n.º 2 ou o n.º 3.
Não temos nada com o facto de o Sr. Primeiro-Ministro ser amigo íntimo do rei, pois, como disse o Sr. Deputado Manuel Alegre, anteontem, o que nós exigimos é que o Sr. Ministro e o Sr. Primeiro-Ministro se comportem como portugueses nas relações que têm com a vizinha Espanha.
De facto, é escandaloso que a polícia portuguesa não tenha condições. V. Ex.ª acabou de passar um atestado de menoridade inconcebível à polícia portuguesa, porque das suas palavras deduzo que, quando esse polícia espanhol se ofereceu para vir aqui saber o que se passava, V. Ex.ª teria dito: "Venha, venha que a polícia que aqui tenho é uma cambada de incompetentes, que não conseguem discernir se, de facto, as armas eram para uma insurreição ou para as pessoas se divertirem."
Ao fim e ao cabo, o Sr. Ministro acabou por confirmar que, de um modo ou de outro, foi V. Ex.ª quem disse: "Venha, venha, que é cá preciso." É que nessa altura não se compreende que o Sr. Dopico tenha cá vindo tomar um café no Hotel Fénix, beber com V. Ex.ª um whisky

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novo ou de 12 anos, ou fazer qualquer outra coisa da sua vida particular.
O Sr. Dopico veio cá porque V. Ex.ª lhe disse para ele vir, mesmo que essa vinda tenha sido sugerida em primeira mão pelo Governo Espanhol. Isto está absolutamente provado e é isso que é inqualificável num Ministério de um país democrático, que não precisa, creio eu, de pedir à polícia espanhola que venha cá investigar coisas que são, perfeitamente, bem portuguesas.

Aplausos da UEDS, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Lopes Cardoso e António Vitorino pediram a palavra. Pedia o favor de me informarem para que efeito.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente para o efeito de, como subscritores da pergunta formulada ao Sr. Ministro da Administração Interna, pedirmos esclarecimentos complementares, em face daqueles que o Sr. Ministro nos trouxe aqui.
Suponho que é essa também a intenção do meu camarada António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - É para esse efeito, sim!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente ao procedimento tido para com os outros partidos, quer com o PCP quer com o PS, só um deputado usou da palavra. Por outro lado, a UEDS já esgotou o seu tempo.
Nesses termos, não posso conceder a palavra ao Sr. Deputado Lopes Cardoso nem ao Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente chamo à atenção para o facto de as restantes perguntas terem sido subscritas apenas por um deputado, por cada um dos partidos.
Mais do que isso, chamo a atenção do Sr. Presidente - certo ou errado, pouco importa -, para o facto de, na última sessão de perguntas ao Governo que teve lugar nesta Assembleia, se ter reconhecido aos deputados signatários, independentemente do número, o direito de pedirem esclarecimentos. Se o Sr. Presidente consultar o Diário da Assembleia da República, relativo a essa sessão, verificará que no contexto de diferentes perguntas, vários deputados signatários dessas perguntas pediram esclarecimentos ao membro do Governo directamente posto em causa pela pergunta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, vou consultar a Mesa sobre essa matéria. Chamo, no entanto, a atenção de V. Ex.ª para o facto de que também a primeira pergunta do PS era subscrita por 4 deputados, tendo sido somente concedida a palavra ao Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, o facto de a pergunta ser subscrita por 4 deputados não obriga a que os quatro peçam esclarecimentos. Provavelmente os Srs. Deputados do Partido Socialista entenderam que não deveriam usar dessa prerrogativa, não tendo pedido esclarecimentos. Isso, no entanto, é uma questão dos deputados do Partido Socialista, e não minha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou consultar a Mesa, decidindo de imediato.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informou-me de que, efectivamente, se abriu esse precedente, que julgo anti-regimental. Todavia, não vamos criar uma situação contrária à que a Câmara já criou noutra oportunidade. Em próxima Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares esclareceremos esse facto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, procurarei ser breve, embora a matéria seja susceptível de nos levar muito longe.
Recoloquemos as coisas no seu devido plano: o Sr. Ministro da Administração Interna, refugiando-se não numa pergunta falsa -conceito que, de facto, não consigo delimitar claramente- mas numa pergunta, eventualmente mal formulada, proeurou escapar à obrigação que tinha de prestar os esclarecimentos totais a esta Assembleia.
Não o fazendo, e procurando deixar criar um mistério, ao omitir essa realidade em torno da vinda de um responsável da polícia espanhola a Portugal, o Sr. Ministro torna legítimas todas as interpretações em torno dos motivos e das razões que levaram a essa presença em Portugal.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - O que se exigia do Sr. Ministro da Administração Interna não era que se refugiasse sobre o eventual erro de formulação da pergunta para não responder. Era, antes sim, que dissesse claramente a esta Assembleia que, efectivamente, tinha estado cá um responsável da polícia espanhola, e ainda o que significava essa presença. Não fez isso. Não o fazendo, o Sr. Ministro, objectivamente, mentiu a esta Assembleia, não respeitando as suas responsabilidades perante esta Assembleia, ...

Aplausos da UEDS. do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.

... porque não se pode admitir que um ministro com responsabilidades se refugie por detrás de habilidades para não dar a esta Assembleia os esclarecimentos a que ela tem direito.
Quando o Sr. Ministro esconde, manipula, faz equilibrios para não dar os esclarecimentos, tenho o direito de pensar que os esclarecimentos que ele, supostamente, veio dar aqui são falsos, até porque o Sr. Ministro não nos disse, realmente, que razões levaram o senhor responsável da polícia espanhola a estar aqui.
Não se compreende, também, que o Sr. Ministro da Administração Interna, que considerava que nessa data o País vivia horas difíceis de insurreição, considere como um facto de somenos importância que, neste clima - que ele pretendia convencer-nos existir em Portugal-, um responsável pela polícia espanhola se encontrasse no nosso país.
Não, Sr. Ministro da Administração Interna. Basta de brincar com coisas sérias.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Cactos Robalo (CDS): — Sr. Presidente, não quis meter-me na discussão de interpretação do Regimento, ainda que entenda que, de facto, apesar de haver um precedente, o Regimento está mal entendido e interpretado.

Aliás, caso contrário, estamos perante uma situação habilidosa em que o grupo parlamentar faz, todo ele, a mesma pergunta, acontecendo que, por exemplo, se se tratar do Grupo Parlamentar do PSD, estaremos então durante 15 dias com a mesma pergunta e as mesmas respostas.

No entanto, há esta decisão. A minha interpelação vai no sentido de confirmar se o entendimento da Mesa é de dar, também, ao Sr. Ministro a possibilidade de utilizar mais tempo do que aquele que seria utilizado para a resposta a uma só pergunta.

Só queria isto confirmado, porque se fazem, por vezes, algumas interpretações pontuais do Regimento que são estranhas.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a decisão da Mesa tomada há pouco foi só em função da existência de um precedente, que já disse considerar anti-regimental, na decisão tomada, visto que havia um precedente invocado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, parecendo desagradável não estar a deferir a pretensão do Sr. Deputado Lopes Cardoso.

Naturalmente, como é óbvio, uma vez que a UEDS acabou por utilizar 9 minutos, o Sr. Ministro terá o tempo adequado para responder.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): — Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): — Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que entendemos, obviamente, que o Sr. Ministro deve ter, no mínimo, tanto tempo como nós tivemos.

Se estivéssemos interessados em impedir que o Sr. Ministro respondesse e falasse, não tínhamos transformado aquilo que era, inicialmente, uma intervenção política projectada por nós numa pergunta ao Governo, o qual dá ao Sr. Ministro oportunidade de responder.

Pelo menos, a ausência do direito de resposta, nesta Assembleia, não poderá o Sr. Ministro invocar, se assim fosse o seu desejo.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, ninguém disse, também, que a UEDS queria cercear o direito de palavra ao Sr. Ministro.

Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro.

O Sr. Ministra da Administração Interna (Ângelo Correia): — Sr. Presidente, não vou responder às três perguntas formuladas, porque já o fiz. Vou, no entanto, contrabater algumas questões que os Sr. Deputados César Oliveira e Lopes Cardoso colocaram.

Primeira questão: se o Sr. Deputado César de Oliveira tivesse, aquando da interpelação, perguntado se tinha estado em Portugal um alto responsável da polícia espanhola, o Sr. Dopico, eu diria que sim.

Risos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Deputado não me fez essa pergunta.

O Sr. César Oliveira (UEDS): — Fiz, sim senhor!

O Orador: — Não fez, desculpe. Vamos ser francos, Sr. Deputado. V. Ex." quis-se «armar em esperto» e em bem informado. Só que se enganou.

Perante o seu deslize, perante a sua falta de verdade, perante a sua incapacidade de conhecer a realidade, perante o contexto em que os senhores tinham, nesse mesmo dia, ofendido, vilipendiado, humana e pessoalmente, o ministro, a minha resposta cingiu-se à estrita pergunta que o senhor tinha feito.

Protestos do PCP e da UEDS.

Disse o Sr. Deputado Lopes Cardoso que a Câmara tem direito a todos os esclarecimentos que solicita. Pois tem! Foi exactamente nesse sentido que esclareci a pergunta que V V. Ex. "fizeram.

O Sr. Antómi® Armaimt (PS): — Não insista nisso!

O Orador: — Como posso imaginar as perguntas que a oposição quer fazer? Como posso avaliar do rigor, da intensidade e do alcance das perguntas da oposição? Respondo àquilo que me perguntam. Não tenho culpa da ignorância, da falsidade ou da incapacidade da oposição.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS. do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. António Arnaut (PS): — Não insista nisso!

O Orador: — Sou responsável pelo meu Ministério, não responsável pela UEDS. Que eu saiba, ainda não sou presidente da UEDS. Não sou, portanto, sequer, o avaliador, da vossa própria capacidade de intervenção.

Risos da UEDS.

O Sr. César Oliveira (UEDS): — Muito bem!

O Sr. António Arnaut (PS): — Não insista nisso!

O Orador: — O que foi negado no dia 10 de Março foi não a presença de um responsável da polícia espanhola, mas o facto de V. Ex." ter dito que o Governo o tinha chamado. O facto de o Governo chamar é uma coisa, ao passo que o facto de o Governo saber que vem e anuir é outra, completamente distinta.

Risos da UEDS.

É essa a diferença, a nuance política que se coloca em toda a questão, e é essa a posição que nós contrabatemos na altura.

Aplausos do PSD.

Se citei problemas de contrabando de gado juntamente com outros problemas que requerem uma cooperação entre as autoridades policiais dos dois lados isso não legitima o Sr. Deputado César Oliveira a dizer que a

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policia espanhola veio a Portugal tratar de questões de burros e cabras.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Foi o Sr. Ministro que disse!

O Orador: - Dá a impressão que V. Ex.ª deseja tratar a política portuguesa como um cenário zoológico. Naturalmente que V. Ex.ª terá imensas aptidões para isso, incluindo aí os canários do Sr. Almirante Américo Tomás.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Está à sua altura!

O Orador: - Não sei se é V. Ex.ª -já que citou o Almirante Américo Tomás neste debate que aqui se estava a travar-, em termos de comparação, que se sente no papel dele. Uma vez que já aqui invocou essa figura, V. Ex.ª é capaz de querer sentir-se no seu papel.
De qualquer das formas, não negámos nada do que se passou no dia 12 de Fevereiro. Não negámos nada do conteúdo político e afirmativo que introduzimos posteriormente. Nada disso está em causa.
Não é legítimo que V. Ex.ª diga, como disse, que a polícia espanhola tenha vindo, eventualmente, tratar das questões das armas ou da greve geral, pois essas questões circunscreveram-se a momentos anteriores à vinda de uma entidade policial espanhola.

Risos da UEDS.

Como é sabido, essa entidade veio no dia 13, ao passo que tudo isso se tinha processado no dia 12. Logo, não é legítimo essa referência que o Sr. Deputado fez.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Que desgraça!

O Orador: - Da mesma forma não é legítimo invocar razões de portuguesismo neste domínio, pois, como é sabido, não é este o primeiro ministro da Administração Interna que tem relações com polícias de outros países.
Lembro-me - não sei se o Sr. Deputado Lopes Cardoso ainda era ministro da Agricultura - de um governo socialista, durante o qual esteve em Portugal, a convite do Ministro da Administração Interna português, uma delegação da Líbia, que integrava vários oficiais deste país, a fim de receberam informação e tratamento de informação por parte das entidades policiais portuguesas, por ordem do Sr. Ministro da Administração Interna de um governo socialista.

Vozes do PSD: - Muito Bem!

O Orador: - Este é um exemplo - talvez o mais evidente, em termos de verificar- de como é ridícula a vossa questão, já que nós não classificamos de ridícula a cooperação com entidades policiais.
Isso está consagrado em termos de convenções europeias, na prática política de qualquer governo, democrático ou não, porque os problemas que requerem intervenções das autoridades policiais, em cooperação, no sentido de salvaguardar os interesses e a legalidade do próprio Estado.
E nesta perspectiva que se coopera em termos de entidades policiais. Ou V. Ex.ª não acha que, por exemplo, face à existência de criminosos que fujam do território português para Espanha, não há a necessidade, por parte das entidades policiais espanholas, de os encontrar, efectuando a sua captura e devolução ao próprio país. Não é isso uma relação de cooperação policial?
É falsa a questão de fundo colocada em termos de soberania ou de portuguesismo. Pelo contrário, uma atitude de portuguesismo evidente justifica uma cooperação correcta, séria e eficaz entre entidades policiais de países que visam prosseguir os mesmos fins, isto ê, a defesa dos seus próprios patrimónios, das suas próprias soberanias e ainda da legalidade democrática dos dois lados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É esse o sentido da nossa intervenção, o qual manteremos sempre, enquanto acharmos que os interesses portugueses estão, por essa via, a ser melhor defendidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Não, podia ter sido pior!

Uma voz do PCP: - Afinal, não era periquito, era rouxinol!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à pergunta sobre regionalização. Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Graça.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna: A operação de regionalização desencadeada pelo Governo constitui um escândalo político e comprova as características e objectivos antidemocráticos do Governo. É o que resulta claramente das iniciativas já desenvolvidas pelos órgãos e agentes do Governo, cuja prática centralizadora é bem conhecida (relembre-se a utilização das Comissões Coordenadoras Regionais, com o objectivo de sugar competências aos municípios, a distribuição discricionária de verbas pelas juntas de freguesia, o não cumprimento da Lei das Finanças Locais e os inquéritos provocatórios e insultuosos a algumas câmaras municipais, a pretexto da greve geral de 12 de Fevereiro...).
O processo vem-se caracterizando pelo manifesto desrespeito pelas competências do órgão de soberania com competência exclusiva para a criação da base legal necessária a qualquer regionalização - a Assembleia da República; pela subalternização e desrespeito dos órgãos de poder local, cuja participação genuína é indispensável; pela manipulação grosseira (o Governo arroga-se o direito de encetar um simulacro de debate sem clarificar as posições e pressupostos de que parte e as suas propostas concretas - que se recusa a desvendar); pelo eleitoralismo evidente, em que a demagogia pseudo-regionali-zadora e o simulacro interesse pelas carências locais encobrem mal os ataques ao poder local e as consequências desastrosas da antipopular política governamental; antidemocrática por se inserir numa política que já passou pela apresentação de um pacote antiautárquico e pela discriminação de uma força política com assento na Assembleia da República.
Que assim, é, é ainda confirmado pela metodologia seguida no chamado debate público sobre regionalização.
Sr. Ministro, a pergunta é: Vai o Governo esclarecer, de uma vez para sempre, que propostas concretas apresenta aos órgãos de soberania e ao País em matéria de regionalização (em particular quanto ao número e delimitação geográfica das futuras regiões, aos critérios de

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delimitação, às atribuições e competências dos respectivos órgãos, às formas de instituição legal e concreta, aos prazos a prever, etc.) ou, ao invés, vai o Governo continuar a imprimir à operação em curso as apontadas características de manipulação, eleitoralismo e desrespeito pelas competências dos órgãos de soberania e do poder local e dos direitos dos partidos com assento na Assembleia da República?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado, o processo de regionalização é um processo que traduz, na prática, um comprometimento do Governo da AD com um objectivo constitucional.
A Aliança Democrática leva a efeito, pela primeira vez, aliás, de uma maneira sistemática e homogénea, o cumprimento de um comando constitucional em relação ao problema de criação das regiões administrativas como autarquias.
Existiram duas metodologias de abordar o problema. A primeira, era aquela por que, por exemplo, o Partido Comunista o tentou abordar em 1977, a qual é legítima, democrática e regional. Consistia ela na apresentação directa à Assembleia da República, por parte de um grupo parlamentar, de uma proposta contendo a definição de região, de competências e de órgãos.
Existe um segundo método de abordar o problema, que se traduz - no espaço que medeia entre a eventual vontade política de lançar o problema e a apresentação de uma proposta à Assembleia da República-, num processo intermédio, de auscultação directa às pessoas, cidadãos ou entidades mais interessadas no problema da regionalização.
Esta segunda proposta é mais morosa e longa, mas, sob o nosso ponto de vista, é tão democrática e correcta como a anterior, beneficiando de uma circunstância adicional, que é o facto de permitir a auscultação directa de alguns interessados de uma maneira mais vivida, sentida e presente em relação a este problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo posicionou-se em relação a este problema pela segunda alternativa.
Isto anula a segunda crítica, formulada pelo Sr. Deputado, de que o processo se vem caracterizando pelo desrespeito das competências da Assembleia da República. Não é esse o facto.
O Governo apresentará, em Junho ou Julho, à Assembleia da República, após o encerramento do debate genérico de regionalização, um conjunto de propostas vertidas numa lei quadro de regionalização, a qual terá em conta não só a própria opinião política do Governo, como também o método que consiste em ouvir os directamente interessados nesse problema. Logo, a segunda crítica está incorrecta.
Quanto à primeira crítica, quando V. Ex.ª se refere aos objectivos antidemocráticos do Governo, classificando de escândalo político este debate, gostaria de dizer que não sei que escândalo político pode ser um debate em que se ouvem os directamente interessados

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não posso conceber como é que é antidemocrático ouvir democraticamente os interessados.
Será que ouvir estes é antidemocrático? Talvez o seja para o Partido Comunista, que quer fazer tudo na cúpula. A Aliança Democrática quer ouvir directamente os interessados.
Mais, se este processo é antidemocrático, como se justifica que a presença maciça de elementos ligados à APU e ao PCP nesses debates esteja a emprestar todo o seu contributo, toda a sua prestabilidade a esse mesmo debate? Se fosse antidemocrático, o próprio PCP não devia participar nele. Devia recusar-se.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que está a acontecer ao longo do Pais é que há, por parte do Partido Comunista, quase que uma vontade de controlar - pelo menos de participar de facto, não sei se de controlar ou não - a realização, o âmbito e o alcance desse mesmo debate
O Partido Comunista é que está em cheque perante si próprio, porque, por um lado, vem dizer aqui que tal debate corresponde a um objectivo antidemocrático, mas, por outro lado, na prática, é o Partido Comunista que está a participar nesse debate. Logo, ou está errado V. Ex.ª ou estão errados os representantes locais do Partido Comunista, os quais participam, efectivamente, nesse mesmo debate.
Terceira questão. V. Ex.ª refere a subalternização e o desrespeito para com os órgãos do poder local. Como é que isso pode ser? Isso aconteceria se seguíssemos a metodologia do Partido Comunista em 1977, que apresentou directamente na Assembleia da República uma proposta, sem ouvir tais órgãos formalmente.
Ora, o que estamos a fazer é o inverso, isto é, estamos a auscultar todos os agrupamentos de concelho -que são 52- onde estão presentes todos os autarcas, incluindo os do Partido Comunista e os da APU, incluindo vereadores, membros das assembleias municipais, de órgãos e de actividade culturais, e muitas vezes, incluindo também os primeiros elementos das listas, mesmo que não votadas pela população (e que em muitos casos são elementos do Partido Comunista), que aí estão a contribuir para o debate. Se isso não é ouvir os órgãos do poder local, que entendem VV. Ex.as ser o poder local? O comité central do vosso partido? Com certeza que a vossa versão de poder local é diferente da nossa.
A quarta questão versa o eleitoralismo deste problema ou desta análise. Sr. Deputado, eleitoralismo seria nós confundirmos, temporalmente, o debate sobre a regionalização e a ocorrência de eleições autárquicas. Não é isso que vai acontecer.
O debate vai terminar no mês de Junho, exactamente para permitir que até essa altura seja possível, não só o Governo aperceber-se da vontade real dos autarcas e de outros elementos participantes neste debate, como também para, no tempo, não provocar sobreposições temporais entre eleições autárquicas e o debate genérico sobre regionalização. Se fizéssemos o contrário disto o Sr. Deputado teria razão, mas não o fazemos.
Mais ainda: não será uma vantagem o aproveitamento da experiência valiosa de todos os autarcas que ao fim de 3 anos de experiência - alguns de 6 - terminam este ano ao seus mandatos?
Não valerá isto a pena, para nós próprios e para o País, já que quisemos configurar este debate não como do Governo, mas do regime democrático, traduzindo um comando constitucional a que estamos a dar cumprimento? Não valerá a pena ouvir esses autarcas, apro-

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veitar a sua experiência ao fim de 3 ou 6 anos de prática? Penso que sim.
É por isso que estamos, na verdade, a exercer uma acção que não é demagógica, nem eleitoral. Tem riscos políticos, mas não faz mal. Assumimos esses riscos com vontade, visto que desejamos dar um passo importante no desbloqueamento de um problema que é, quanto a nós, importante para o País.
A pergunta concreta do Sr. Deputado Silva Graça resume-se em saber quando é que o Governo vai esclarecer, de uma vez para sempre, as suas propostas genéricas.
Vai-o no exacto momento em que estiver concluído o debate público, cujo término está previsto para Maio. Imediatamente a seguir à Assembleia da República uma proposta assinada e subscrita pelo Governo, mas que terá em conta, ao fim e ao cabo, não só a nossa própria posição, como também o pulsar e o sentir que verificamos e constatamos ao longo do debate público sobre regionalização

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Silva Graça.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Deputado: O Sr. Ministro da Administração Interna confirmou, afinal, na sua intervenção, todas as nossas preocupações, tendo entrado, até, em profundas contradições, porque começou por elogiar a metodologia utilizada pelo Partido Comunista (que seria uma das hipóteses), acabando por dizer, mais tarde, que, afinal, o Partido Comunista começava de cima para baixo.
Sr. Ministro, fizemos um balanço da vossa operação. Os números são os seguintes: foram convidados pelo Governo, por sessão, entre 130 e 200 pessoas; tendo a participação ficado entre 4 e uma média de 27.
De facto, a grande participação vem de eleitos da Aliança Povo Unido, nomeadamente do Partido Comunista Português. Isso acontece porque estamos, efectivamente, empenhados, no processo de democratização do país. acontecendo que estamos lá para denunciar toda a demagogia que, eventualmente, o Governo ou os membros do Governo possam fazer no tocante ao debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a participantes, eleitos pela AD, verifica-se que ou não participam no debate ou que, quando participam, é para criticar o projecto de regionalização da AD.
Veja-se, por exemplo, desde o presidente da Câmara de Chaves, que considera injusto e vesgo tal projecto, até aos eleitos da Guarda, passando por tantos outros, que até estão de acordo connosco em que o processo de regionalização que o Governo da AD quer levar por diante é um processo que não descentraliza, não cria regiões administrativas para descentralizar poderes de administração central, mas que cria regiões administrativas à custa das competências dos municípios.
São os próprios eleitos da AD nas autarquias que estão, integralmente, de acordo connosco. O mesmo acontece quanto ao facto de considerarmos que o processo de regionalização jamais poderá ser feito à custa de meios financeiros dos municípios.
Coincidentemente com esta fúria, esta febre, este amor pela regionalização e pela descentralização, o Governo introduz na Assembleia da República um "pacote" que é, completamente, lesivo da autonomia do poder local que temos e de que nos orgulhamos todos nós. Quando digo todos nós, significa comunistas, socialistas e eleitos nas vossas autarquias, câmaras e assembleias de freguesia.
É um "pacote" com uma lei eleitoral limitativa das liberdades, que institucionaliza, o voto por correspondência a granel. É um "pacote" que, no tocante à nova lei das autarquias, diminui o número de eleitos, e diminui ainda a colegialidade dos órgãos.
É um "pacote" que, no tocante às finanças locais, sem nunca se ter cumprido a actual, que foi votada por unanimidade por esta Assembleia, apresenta uma nova lei de finanças locais que significa, na prática, muito menos dinheiro para os municípios, para as câmaras municipais e mesmo para as juntas de freguesia.
É um "pacote" que apresenta uma lei de limitação, em matéria de investimentos, que é altamente lesiva do poder local e que faz depender de protocolos individuais com o município A, B ou C a descentralização dessas competências para os municípios.
Por fim, provavelmente a peça que o Sr. Ministro da Administração Interna mais gosta, é um "pacote" que apresenta um projecto sobre tutela administrativa que, se fosse aplicado no espírito com que o Sr. Ministro actua, significaria que se o Sr. Ministro não gostasse de um qualquer orgão autárquico deste país (ou porque criticou a regionalização, ou porque derrotou em qualquer eleição distrital do PSD para a comissão política do PSD, ou porque não gosta da cor política do município, ou porque não gosta que os municípios façam obras por negociação directa), poderia mandar instaurar um inquérito, dissolver o órgão, considerar inelegíveis os eleitos, porque não gosta deles, aplicar a sua lei eleitoral durante a campanha eleitoral, podendo depois aplicar - não aplicará, porque o "pacote" não será aprovado, nem promulgado- o resto das leis que são altamente lesivas da autonomia do poder local.
Não, Sr. Ministro, ninguém poderá acreditar na boa vontade ou no intuito racionalizador e descentralizador de um Governo que faz uma enorme propaganda à volta da regionalização, que faz sketches publicitários na televisão que ninguém sabe o que são.
Que quer dizer regionalizar Portugal? Por que é que o sketch não é pedagógico? Por que não diz o que são as regiões administrativas? Por que não diz que se deve descentralizar o aparelho de estado central e que as regiões administrativas são autarquias, ao nível intermédio entre os municípios e o poder central?
O Sr. Ministro não diz nada disto. Fala sobre regionalizar Portugal, avança com a palavra, cria confusão, desvia a atenção da opinião pública em relação à vossa política antinacional e antipopular, tudo isto integrado na pré-campanha eleitoral.
Não venha o Sr. Ministro dizer que a AD não podia ter apresentado o seu projecto regionalizador logo em 1980 ou em 1981. Foi em 1982, já em plena campanha eleitoral, que o fez. Campanha eleitoral em que os senhores utilizam estes métodos e outros, como, por exemplo, levarem os vossos eleitos à televisão, a pretexto dos programas que o Sr. Proença de Carvalho inventa, para talarem sobre a administração de tal ou tal município,

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dizendo mentiras e inverdades. Digo-o concretamente, porque tem que ver com o CDS.
O programa que foi feito à volta da Câmara Municipal de Lisboa foi uma vergonha, Sr. Ministro, e integra-se já na campanha eleitoral que a AD começou. Esse programa e também a regionalização, Sr. Ministro.

Aplausos do PCP. do PS da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, há determinado tipo de acontecimentos que implicam, de facto, um protesto em termos de direito de defesa.

Vozes do PCP: - Não pode!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas não lhe posso conceder a palavra para um protesto, neste momento.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, penso que quando se refere directamente o CDS, um deputado que esteja sentado nesta bancada tem o direito de utilizar o direi to de defesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para usar do direito de defesa, o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Silva Graça acaba de fazer, neste debate sobre a regionalização, as afirmações correntes e demagógicas que são características do Partido Comunista.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista não tem capacidade para discutir regionalização sem, simultaneamente, discutir qualquer coisa ou qualquer acontecimento que apareça.
Simplesmente, o Sr. Deputado Silva Graça é tão infeliz como isto, pois, se bem me recordo, o debate que houve na televisão foi um diálogo entre o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e Sr. Ex-Presidente da mesma Câmara.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É falso!

O Orador: - Foi isso que aconteceu. Foi, de facto, um debate de ideias!
Lá que o Partido Comunista entenda que todas as suas manobras, todos os seus aproveitamentos são propaganda, o problema é dele, até porque, efectivamente, não sabe informar. Sabe, de facto, propagandear.
Daí a sua incapacidade total em entender a informação. Isto, no entanto, é um trauma e uma incapacidade própria do Partido Comunista, que não sabe o que é informar. O Partido Comunista só sabe o que é propagandear.
Daí que o Partido Comunista tenha, de facto, agências de informação únicas, jornais únicos, jornais do Estado onde mais ninguém do que o Estado pode propagandear, porque não tem capacidade de informar. Em circunstância alguma o Partido Comunista informa. O Partido Comunista propagandeia e desinforma.
É esta a sua capacidade de partido que só formalmente se apresenta como partido democrático. É natural, pois, que faça um ataque a qualquer informação que se procure prestar em qualquer órgão de informação.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Presidente, penso que o direito de defesa é imediato, porque houve aqui um conjunto de afirmações do Sr. Deputado Carlos Robalo, que se intrometeu na pergunta que existia entre nós e o Sr. Ministro sobre regionalização, que merecem, imediatamente, uma resposta desta bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Graça.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Deputado Carlos Robalo, é natural que tenha intervindo por duas ordens de razões: em primeiro lugar, tentou socorrer o Sr. Ministro, que está perfeitamente sem capacidade de resposta.

Risos do PSD, do CDS e do PPM.

Em segundo lugar -e já é a segunda vez que o Sr. Deputado faz isto, acontecendo que, desta vez, nem sequer mencionei qualquer nome-, quando algum autarca seu, particularmente o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, é criticado, o Sr. Deputado "salta", vem logo à liça.
Mais uma vez, o Sr. Deputado perdeu uma excelente oportunidade de não falar, de estar calado. Vou-lhe dizer porquê.
Não sei se o Sr. Deputado sabe que há 305 municípios neste país, que a propaganda para as autarquias está proibida através da televisão, e ainda que a maior torça da oposição â AD, na cidade de Lisboa, é a Aliança Povo Unido.
Não negamos que o Partido Socialista estivesse presente, como esteve, no programa. O que negamos é a marginalização integral da maior força da oposição na cidade de Lisboa, da alternativa que se põe, neste momento, à população da cidade de Lisboa, face ao governo reaccionário do seu presidente.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Sr. Deputado Carlos Robalo, o conjunto de inverdades, de meias verdades e de mentiras que o vosso presidente disse na televisão ultrapassou tudo, mas tudo o que a imaginação delirante daquele cérebro pode alguma vez demonstrar.

Uma voz do CDS: - Parece o Carlos Brito!

O Orador: - É que ele mentiu, dizendo -e dou-lhe só um exemplo, Sr. Deputado, contra o qual, se calhar,

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o senhor tentará lutar connosco- que tinha um plano de recuperação do Parque Eduardo VII.
O Sr. Engenheiro Nuno Abecasis tem um plano, que vem do tempo do fascismo, de destruição do Parque Eduardo VII, de prolongamento da Avenida da Liberdade, de construir no cimo do Parque Eduardo VII um conjunto, que levará mais de 50000 pessoas para dentro e para o interior da cidade.
É exactamente o contrário do que ele disse na televisão, Sr. Deputado. Com isso, mais dezenas e dezenas de afirmações que são opostas ao que se passa na prática.
Foi por isso que dei esse pulo, sem mencionar nomes, nem de que câmara se tratava. O Sr. Deputado fez um protesto completamente descabido, com o duplo objectivo de defender e socorrer o Sr. Ministro e o vosso presidente que já está a afundar, que bem precisa de. ajuda, porque, de facto, está completamente desacreditado aos olhos da opinião pública.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE. Uma voz do CDS: - A ver vamos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder ao pedido de esclarecimento, o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, mesmo sem capacidade de resposta, na expressão do PC, vou tentar responder.

Vozes do PCP: - Não é PC, é PCP!

O Orador: - A primeira questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Silva Graça focava a contradição entre aquilo que eu teria dito e o elogio do processo que o PC utilizou em 1977.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não é PC, é PCP.

O Orador: - PC, utilizo sempre PC. Protestos do PCP.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Não seja ofensivo, porque não tem o direito de o ser. O senhor tem de respeitar as leis e os costumes políticos.

Vozes do PSD: - Tenha calma!

O Sr. Presidente: - Sr. Lino Lima, V. Ex.ª não está no uso da palavra.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, já por mais de uma vez tem sido chamado à atenção, pela Mesa, a deputados de diversas bancadas, para a necessidade de que quando se está a referir uma determinada entidade, se referir com o seu nome próprio.
O facto de o Sr. Ministro da Administração Interna distorcer o nome do Partido Comunista Português, limitando-o a PC, exige da parte de V. Ex." uma chamada de atenção, como já tem feito noutras circunstâncias, Sr. Presidente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Essa está boa!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu próprio já utilizei a expressão PC, não, evidentemente, para ofender o Partido Comunista, mas por uma questão de facilidade, o que corrigi depois, por intervenção do Partido Comunista.
Tem a palavra novamente o Sr. Ministro, que terá, naturalmente, de tomar em conta esta intervenção.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado, não creio que a afirmação Partido Comunista seja ofensiva para VV. Ex.as PC é Partido Comunista. Não lhe chamei outro nome.

A Sr. ª Zita Seabra: - PCP é a nossa sigla!

O Orador: - Minha senhora, não alterei o nome do Partido Comunista, por amor de Deus! Mantive o nome que sempre existiu.

A S.ª Zita Seabra (PCP): - Alterou, alterou!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, vamos ultrapassar esta dificuldade, que não tem, realmente, justificação.

O Sr. Ministro: - Não creio que seja atentatório de VV. Ex.as chamar-vos comunistas.
A questão que o Sr. Deputado Silva Graça colocou era a contradição existente entre o eu ter elogiado a proposta que formularam em 1977 e o momento actual.
Não disse isso. O que disse é que o método que VV. Ex.as utilizaram em 1977 é correcto e democrático. Só que também disse que o método que empreendemos hoje, sendo correcto e democrático, é melhor, no nosso ponto de vista. Apenas isso.
O facto de termos verificado, Sr. Deputado Silva Graça, ao longo dos debates sobre regionalização, nas várias sessões sobre ela promovidas, que há autarcas do. partido que represento e de outros partidos que integram a Aliança Democrática que criticam e se manifestam, leva-me a dizer que sou eu próprio a afirmar que não desejamos unicidade.
O que desejamos é, justamente, através deste processo, ouvir as opiniões das pessoas, formuladas livremente. Se há autarcas do meu partido e de outros partidos integrantes da Aliança Democrática que formulam críticas, bem-vindas sejam elas. Estamos em democracia e nós promovemos a democracia. Afinal, não estamos no tal objectivo antidemocrático, como V. Ex.ª afirmou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se através deste processo nós próprios conseguirmos aferir melhor o nosso objectivo, pela audição de todos os autarcas - em que até os nossos próprios autarcas nos dizem que há que corrigir pontos-, ainda bem, o processo é correcto e é vivo, ou seja, é democrático.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Orador: - Perguntou V. Ex.ª por que não foi iniciado o processo em 1980.

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Sr. Deputado Silva Graça, com o devido respeito, V. Ex.ª deve-se lembrar que em 1980 foi publicado um chamado "Livro branco" da regionalização, que consistia num convite concreto, com base num conjunto documental evidente e exaustivo, a que se processasse o debate público sobre a questão.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Por que não se começou logo?

O Orado?: - Por uma razão: porque nenhum partido da oposição teve capacidade de intervenção política sobre esse domínio, a fim de sobre ele verter as suas próprias opiniões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acontece que a Aliança Democrática, com o método de 1980 (o mesmo que hoje mantemos) suscitou a oposição, com base em documentos públicos, em manifestos, que tornassem evidente o seu sentir. A oposição não lhe pegou, não lhe tocou.
Fomos, por isso, obrigados a assumir hoje um passo mais à frente na metodologia, ou seja, com bases nesses elementos, suscitarmos, objectivamente, esse debate público. Logo, o que hoje fazemos, em 1982, é o seguimento de 1980, fruto da incapacidade e da falta de intervenção política da oposição em relação a esse conjunto de elementos, manifestos há 2 anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está dito -e é um ponto assente de processo de regionalização e da sua concepção política, que está presente-, que nunca o processo de regionalização, de criação, de regiões administrativas, se pode fazer à custa do sacrifício das competências e dos meios do actual poder municipal.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Pois não!

O Orador: - Ou seja: desejamos construir a regionalização e as regiões à custa da perca do poder e da perca de elementos do poder central para as regiões.
Caminharemos no sentido de Estado para região, mas nunca à custa do sacrifício de autarquia, do município para a região. É esse o sentido fundamental da nossa postura. Mais, é esse o sentido concreto do chamado "pacote" do poder local, do qual já existem 6 diplomas, mas de que existirão, a curto prazo, mais 9 diplomas, os quais dentro do nosso ponto de vista determinarão o conjunto real de todo este problema.
O que está consagrado nesses diplomas é o seguinte: em termos de delimitação de competências há um projecto que recolhe bastante as sugestões de projectos aqui apresentados por partidos da oposição, que nalguns pontos eram melhores que os nossos e que, por isso, acolhemos.
O que está no diploma da nova Lei das Finanças Locais é um aumento real, mesmo que fosse já aplicado em> 1982, face àquilo que as autarquias receberam neste mesmo ano.

O Sr. Silva Graça (PCP): - É falso!

O Orador: - Faça as contas!

Em terceiro lugar, o que está consagrado no diploma da tutela administrativa é a purificação doutrinária do

Decreto-Lei n.º 79/77, em que estavam justapostas as competências das autarquias e o exercício de tutela.
O que fizemos foi purificar o diploma, mantendo, de um lado, as competências das autarquias e, do outro lado, num diploma à parte, o exercício da tutela. Teremos ocasião, quando esses diplomas vierem à Assembleia, de discutir o seu conteúdo.
Por último, quando V. Ex.ª diz, Sr. Deputado Silva Graça, que o exercício de desconcentração é a mola real vertente do nosso propósito, devo dizer-lhe que não é assim. E tanto que não é assim que isso prende-se com a filosofia genérica.
O que devemos encontrar é uma articulação no espaço geográfico-político, na qual se ponha em execução um instrumento do Estado, em que, numa primeira fase, a execução seja regional, mas o poder seja, ainda, central, de forma que, na fase a seguir às eleições das regiões autárquicas, esse poder que foi, quanto à execução, transferido para a periferia, passe a pertencer, directamente, à competência dos órgãos eleitos nas regiões.
Este é um exercício sadio, correcto e empenhado do governo da Aliança Democrática.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faltam ainda 2 perguntas: do Sr. Deputado Lino Lima, do PCP, e do Sr. Deputado Herberto Goulart, do MDP/CDE.
Está excedida, em 15 minutos, a nossa hora regimental. As respostas a estas 2 perguntas demorarão pelo menos, mesmo que não haja excesso de tempos, meia hora, pelo que vamos continuar os nossos trabalhos às 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Continuamos na fase de perguntas ao Governo. A pergunta que vai agora ser formulada refere-se ao GOE, Direcção Central de Combate ao Banditismo.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna: Em matéria de enquadramento, organização, direcção e acção das forças policiais exige-se uma completa transparência democrática. Essa transparência democrática é a condição fundamental de uma relação de confiança entre os cidadãos e as forças de segurança, e bem pode até dizer-se que dela depende o eficaz cumprimento das suas missões institucionais e legais.
Ora, sabemos que há nesta matéria leis velhas e caducas e faltam há demasiado tempo leis novas sobre a estruturação e funcionamento das forças policiais, sobre os direitos e deveres dos seus membros. Há programas de treino e regras sobre disciplina a carecerem de urgente revisão. Há acções de reestruturação em curso sobre cujo conteúdo esta Assembleia não tem sido informada. E há periodicamente factos que alertam para que algo vai mal: são as violências sobre os detidos, o inadequado uso de armas de fogo, actos de violência contra acções pacíficas de cidadãos e até contra jornalistas.

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A questão é esta: como se atinge a necessária dignificação democrática das forças de segurança e a tranquilidade dos cidadãos relativamente à acção e organização dessas forças?
É neste enquadramento e com esta finalidade muito clara e concreta que formulo ao Sr. Ministro as seguintes perguntas:
Qual a sua posição face às recentes revelações sobre a entrada em funcionamento no próximo mês de Outubro de um grupo de operações especiais (GOE) sem qualquer cobertura legal e actividade clandestina?
Qual a posição do MAI face à criação da chamada "Direcção Central de Combate ao Banditismo" em condições de completa obscuridade, tanto mais inaceitável quanto a essa entidade estariam, ao que parece, reservadas competências em matéria de segurança interior e exterior do Estado, rapto e cárcere privado, assaltos a bancos e congéneres, desvio de aeronaves, atentados bombistas, crimes contra a vida, integridade física e segurança das pessoas?
São estas as perguntas:

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna. Dispõe de cinco minutos nos termos regimentais.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado Lino Lima, verifico que o discurso de apresentação de V. Ex.ª difere razoavelmente da pergunta formulada por escrito, pergunta, aliás, que é cópia de uma versão do PC aquando da interpelação falhada ao Governo.

Vozes do PCP: - Não é PC, é PCP!

Uma voz do PCP: - Não foi nada disso!

O Orador: - Veja-se o texto e verifique-se como as duas questões são iguais.
De qualquer forma, V. Ex.ª alterou em parte alguns considerandos, o que é vantajoso para si, visto que continham algumas incorrecções.
Em todo o caso, tentarei responder às questões de âmbito genérico que colocou.
Genericamente, o Sr. Deputado Lino Lima afirma que há uma indefinição no quadro legal e estatutário das forças de segurança. Isso não é verdade. Parte dele já foi actualizado depois do 25 de Abril.
Repare-se que a GNR tem um estatuto militar que obedece ao Código de Justiça Militar e ao Regulamento de Disciplina Militar, actualizados pelo próprio Conselho da Revolução, isto já depois do 25 de Abril e depois da entrada em vigor da própria Constituição.
Em relação ao regulamento da Polícia de Segurança Pública, o seu enquadramento genérico continua a ser o Decreto n.º 36 497, que é legal e não foi derrogado constitucionalmente.
Em relação ao estatuto genérico da Polícia Judiciária, esse estatuto é um fruto elaborado já depois do 25 de Abril e depois da entrada da Constituição em vigor, através do seu diploma orgânico, ou seja a Lei n.º 364/77.
Logo, carece de fundamento a sua questão.
O Sr. Deputado Lino Lima colocou o problema das violências que eventualmente possam ser cometidas em algumas esquadras. Sr. Deputado, a lei que se aplica, na generalidade, a todos os cidadãos aplica-se também à Polícia de Segurança Pública.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Quando ilegalmente algum agente da PSP ou membros desta corporação exerce, violências sobre presumíveis delinquentes -porque até ser julgado é presumível delinquente-, a própria lei exerce-se contra os próprios agentes. Aliás, já houve casos de agentes da PSP que, ilegalmente, agrediram cidadãos e que por via disso foram punidos disciplinarmente.
Referiu ainda o Sr. Deputado Lino Lima "o problema abusivo das armas de fogo por parte de agentes da Polícia". Sr. Deputado, não invertamos as questões. O que hoje em dia se verifica é uma criminalidade cada vez mais avançada e cada vez mais um maior número de armas de fogo contra os agentes da Polícia de Segurança Pública.

O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O que nos últimos tempos se tem verificado é que há agentes mortos ou feridos com gravidade por via de delinquentes que em acto de flagrante delito reagem contra o aparecimento da polícia usando armas de fogo.
O que o Sr. Deputado deveria, legal, lógica e politicamente, era colocar o problema de saber quais são os meios que o Ministério da Administração Interna procura introduzir, de modo a dar melhor capacidade técnica e de defesa pessoal dos agentes da PSP para cumprirem com rigor e eficácia a sua missão e não estarem tão expostos ao perigo de poderem ser mortos a tiro por delinquentes.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É essa a pergunta que temos de fazer em favor da Polícia de Segurança Pública, e não contra a Polícia de Segurança Pública, como V. Ex.ª quis induzir.

Vozes do CDS: - Muito bem! Protestos do PCP.

O Orador: - Relativamente às duas questões concretas que o colocou no âmbito do GOE, pergunta V. Ex.ª o seguinte: o que é que se pode dizer quanto à entrada em funcionamento no próximo mês de Outubro do GOE sem qualquer cobertura legal e actividade clandestina? Não falseie a verdade, Sr. Deputado. O Grupo de Operações Especiais da Polícia de Segurança Pública foi criado pelo Decreto-Lei n.º 506/79, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 295, de 24 de Dezembro, diploma aceite pelo v Governo Constitucional, da Sr." Engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo, e promulgado pelo Sr. Presidente da República, António Ramalho Eanes. Pode ver-se a p. 3334 do Diário da República. Não falseie as questões e não diga que não existe cobertura legal para um corpo que existe e que foi aprovado por lei.

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A segunda questão que me coloca ultrapassa o âmbito do Ministério da Administração Interna e coloca-se no âmbito do Ministério da Justiça, já que a Direcção-Geral de Combate ao Banditismo depende da Polícia Judiciária.
Contudo, já que a pergunta é colocada ao Governo, tenho o maior gosto e empenho em solidarizar-me com a acção que a Polícia Judiciária possa ter nesse aspecto. Pergunta o Sr. Deputado qual a posição do Ministério da Administração Interna em relação à Direcção Central de Combate ao Banditismo em condições de completa obscuridade. Com o devido respeito, quem anda obseuro è V. Ex.ª. Das duas uma: ou não sabe ler, ou não lê, ou anda de má fé.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não seja bronca!

O Orador: - Bronca é V. Ex.ª.

O Sr. José Mame! Mendes (PCP): - Miserável!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não posso consentir no uso dessa linguagem.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - O Sr. Ministro é uma bronca!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Eu não retiro o que disse!

O Sr. Presidente: - Agradecia que os Srs. Deputados fizessem o silêncio adequado para ouvirem o Sr. Ministro.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Passo a ler o Decreto-Lei n.º 364/77, publicado no Diário da República, que no seu artigo 5.º diz que "competem à Polícia Judiciária as seguintes missões: realizações de investigação dos crimes contra a segurança interior e exterior do Estado executados com bombas, granadas, explosivos, armas de fogo proibidas e cartas ou encomendas armadilhadas,...".

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Burrices!

O Orador: - V. Ex.ª não quer ouvir a lei?
"... contra a integridade física ou a liberdade das pessoas, compreendendo agentes diplomáticos, de rapto e cárcere privado para tomada e retenção de reféns,...".

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, está esgotado o seu tempo. No entanto, de acordo com o mesmo critério que temos usado, faça favor de completar o seu pensamento.

O Orador: - Este conjunto de funções da Polícia Judiciária foi aprovado no Decreto-Lei n.º 364/77, do governo do Partido Socialista, diploma em relação ao qual, aliás, ninguém pediu nesta Assembleia a ratificação nem manifestou quaisquer críticas.
Posteriormente foi aprovado o Decreto-Lei n.º 235/80, um complemento ao Decreto-Lei n.º 364/77, que no seu artigo 17.º diz:
É criada a Direcção Central de Combate ao Banditismo.
O artigo 26.º diz que "cabe como competência à Direcção Central de Combate ao Banditismo a competência para a investigação dos crimes referidos nas alíneas d), g), i) e e) do artigo 5.º", ou sejam, exactamente, as que há pouco li.
Nesse sentido, Sr. Deputado Lino Lima, como é que pode falar de obscuridade de um conjunto de funções que estão remetidas por lei - e que foram aprovadas por um governo democrático e promulgadas pelo Presidente da República - a duas instituições que as executam de acordo com o espírito contido na própria lei? De quem é a obscuridade? Da lei, que é clara e transparente? Ou de V. Ex.ª, que não a leu ou não a conhecia ou que de má fé a invocou.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima. Dispõe de 3 minutos; contudo, como o Sr. Ministro excedeu em l minuto o seu tempo, V. Ex.ª disporá de 4 minutos.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Ministro da Administração Interna, V. Ex.ª deu a resposta de que eu estava à espera,...

Uma voz do PSD: - Ainda bem!

O Orador: - ... apesar de eu, lealmente, lhe ter chamado a atenção e dizer que pretendia de si uma resposta política, e não tecnocrática. Pretendia de si uma resposta política, e não uma resposta de polícia.

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - São coisas completamente diferentes, Sr. Ministro.

Vozes do PCP - Muito bem!

O Orador: - Chamei-lhe muito claramente a atenção para a necessidade de darmos a este diálogo um esclarecimento político, porque é necessário que haja uma transparência democrática nas relações entre a polícia e os cidadãos, uma relação de confiança entre os cidadãos e as forças de segurança. Por isso mesmo, e em função disso, é que lhe formulei as perguntas.
Simplesmente, apesar do meu aviso, o Sr. Ministro vinha com a resposta encasquetada e debitou aquilo que trazia de casa sem ter minimamente em atenção o sítio onde se encontra. V. Ex.ª devia responder às perguntas que os deputados lhe fazem, e não debitar aos deputados aquilo que o Sr. Ministro entende e quer.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

Sr. Ministro, gostaria de lhe fazer um aviso: eu não quis induzir nada contra a Polícia de Segurança Pública nem contra as forças de segurança, bem pelo contrário, eu apenas quis que da sua resposta resultasse uma relação e confiança entre as forças de segurança e os cidadãos.
Eu não ataquei polícia nenhuma, nem, aliás, é minha intenção atacá-los.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao Grupo de Operações Especiais, esse Grupo está a ser organizado dentro dos parâmetros estabelecidos no decreto-lei do governo Maria de Lurdes Pintasilgo? O Sr. Ministro devia ter partido do princípio de que eu conhecia esse diploma. V. Ex.ª não pode vir para aqui pensar que é o mais fino desta terra,...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Até porque não é!

O Orador: - ... quando eu sei que há um novo diploma preparado pelo governo Sá Carneiro que pretendia promulgar o arranque do GOE e que teria sido remetido à Presidência da República e não tinha sido promulgado.
Assim está o GOE a ser organizado de harmonia com a lei que o criou ou está a dar cobertura a um corpo muito diferente quanto a efectivos, material sofisticado, dotações orçamentais, preparação, etc.?
A opinião pública é alarmada porque se fala do GOE, a opinião pública ouve falar da Direcção Central de Combate ao Terrorismo, é isto que chega à opinião pública.
Para além das necessidades que todos sentem de segurança dos cidadãos e do Estado democrático, a opinião pública tem o direito de se interrogar sobre o que se está a passar. A opinião pública pergunta: mas o que é isto? Estamos a ter polícias umas atrás das outras? Novas polícias, novos corpos de intervenção, novas direcções na Polícia Judiciária?
Penso que a opinião pública tem razão. Sr. Ministro. Assim, das respostas dadas pelos diferentes ministérios a um pedido de informação do Sr. Deputado Sousa Franco em 1979 poderá concluir-se, sem grande margem de erro, que em Portugal haverá por volta de 45000 polícias. Isto dá um polícia por cada 220 portugueses. A média na Europa é de l polícia por cada 400 habitantes. Em França, por exemplo, há um polícia por cada 300 habitantes e os franceses julgam que tem polícias a mais.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sabendo-se, por aquilo que a opinião pública ouve, que a tendência é a de um aumento do número de polícias, é natural que o cidadão comum, para além das necessidades de segurança que sente, se interrogue no sentido de saber para onde vai.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Para um polícia por cada cidadão!

O Orador: - Assim, vou formular-lhe novamente algumas perguntas para ver se o Sr. Ministro acaba por se integrar na razão de ser das perguntas que há pouco lhe formulei.
Assim, o Governo quer dar confiança aos cidadãos ou quer amedrontar os cidadãos?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo quer assegurar a tranquilidade pública ou quer alarmar a opinião pública?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo quer assegurar a defesa do Estado democrático ou quer pôr em risco o Estado democrático? Aqui é que está o cerne da questão.
Naturalmente que todo o cidadão deseja a defesa do Estado democrático, naturalmente que todo o cidadão deseja que lhe sejam garantidos a sua vida e os seus haveres. Contudo, depois da experiência de 50 anos que tivemos, os cidadãos portugueses estão queimados e quando ouvem falar em polícias e mais polícias perguntam-se: mas tudo isto é preciso para me defender ou há por detrás disto algum objectivo que não me è esclarecido? É precisamente para esclarecer este objectivo que formulei ao Sr. Ministro as perguntas. Vamos ver se desta vez o Sr. Ministro entendeu.

Aplausos do PCP, da UEDS e da UDP.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não entendeu!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado Lino Lima, as respostas dão-se de acordo com as perguntas. Quando V. Ex.ª diz por escrito "sem cobertura legal" e "obscuridade", é natural que a resposta se paute pelos qualificativos que introduziu.
No entanto, da maneira que agora coloca a questão, naturalmente irei abordá-la de uma maneira que, não tendo em conta os objectivos que colocou por escrito e aos quais sou obrigado a responder,...

O Sr. Limo Lima (PCP): - O Sr. Ministro só é obrigado a responder à pergunta, e não aos considerandos!

O Orador: - Sr. Deputado engana-se: é que nas perguntas que formulou por escrito é na parte das próprias perguntas que estão esses dois objectivos, e não no preâmbulo. Entendamo-nos! Logo, se há defeito, ele está na pergunta de V. Ex.ª
Não vou introduzir a questão de fundo. V. Ex.ª tem razão quando refere um requerimento do Sr. Deputado Sousa Franco em que se manifestam 45 instituições que promovem ou não função policial. Esse conjunto de respostas foi dado ao Sr. Deputado Sousa Franco e incluía funções policiais e não polícias. Incluía guardas venatórios, incluía guarda-rios incluía outras instituições que não são propriamente da polícia.
Logo, essa relação de 220 habitantes para um agente da polícia não tem razão de ser, já que parte dos corpos não são instituições policiais.
No entanto, e voltando ao problema de fundo, o que se deseja não é aumentar desmedidamente as polícias, bem pelo contrário, pretende-se reestruturar o conceito geral de segurança interna, fornecendo uma relação de um agente para um número de habitantes suficiente para garantir não só a segurança genérica, como a segurança específica perante certas eventualidades.
Lembro um comunicado do próprio Comité Central do Partido Comunista do dia 3 de Maio de 1980, depois do rebentamento de várias acções provocadas por um agrupamento de índole atentatório à ordem constitucional existente, em que se reclamam acções necessárias à contenção da provocação.

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O próprio Comité Central do Partido Comunista induz o problema da provocação atentatória à própria ordem democrática existente no sentido de legitimar também politicamente - e esse é o sentido político da resposta - a nossa anuência e convicção de que, perante certos tipos de criminalidade especial, são necessários corpos de natureza especial que lhes façam face.

Vossa do PSD; - Muito bem!

O Orador: - Não são os efectivos normais da polícia de giro da PSP que vão fazer face ao terrorismo.
Compreendamos e aceitemos que para necessidade de protecção do Estado democrático e para tranquilidade da própria ordem pública o que está em causa não é a criação de novos corpos, para além dos que existem. O que está em causa é a necessidade de especificar e preparar polícias dentro da Polícia Judiciária e da Polícia de Segurança Pública para certos crimes de natureza especial.
Isto não é um atentado à ordem pública, bem pelo contrário, é um apaziguamento e uma indicação de segurança à própria ordem pública.
E por isso que os meios que o GEO tem são os meios normais que a lei lhe confere, que as acções legais posteriores que derivam do exercício de vários ministros do Ministério da Administração Interna lhes conferem com dotações que não são nada de especial e que apenas respondem a missões que resultam de debilidades que se sentem na sociedade portuguesa.
Esta instituição -e falo do GOE, que depende da PSP- não tem poderes de investigação criminal. Apenas tem poderes de actuação perante a emergência de determinados crimes graves.
Nessa circunstância, no nosso ponto de vista, é uma tranquilidade para a população portuguesa saber que perante a eventualidade de crimes se responde de uma maneira eficaz para os combater.
Se não o fizéssemos, então, sim estaríamos a intranquilizar a opinião pública. Estaríamos a dar-lhe razão se, perante o acontecimento de casos graves, o Estado democrático não tivesse meios de actuação suficientes para os combater e atacar.
Nesse sentido, essas acções inserem-se no quadro geral de tranquilidade, de segurança pública e de uma relação de melhor confiança entre as instituições que promovem a função policial e a opinião pública, de um modo geral.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Limo Orna (PCP): - Gostaria, sr. Presidente, que V. Ex.ª usasse para comigo do critério de benevolência que já usou para com outros deputados, nomeadamente para com um deputado do Partido Socialista, para me permitir dar um esclarecimento muito breve ao Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sinto um pouco de remorsos porque em relação ao Sr. Deputado Manuel dos Santos não lhe permiti usar da palavra. Em todo o caso, o Sr. Deputado Manuel dos Santos já me disse que não tinha levado isso a mal. E é certo que concedi a palavra a um outro Sr. Deputado do Partido Socialista. Não tenho, pois, muita coragem para lha negar a si.
Pedia-lhe, em todo o caso, para ser breve, tendo em conta a possibilidade de o Sr. Ministro poder responder, se assim o entender.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Ministro da Administração Interna, há dias ouvi um membro desta Câmara que desempenhou já altas funções governativas referir a circunstância de que um dia tinha estado num país estrangeiro e, a certa altura, tinha sido convidado para assistir a um exercício da polícia desse país, exercício esse que consistia em dispersar manifestantes, sendo, evidentemente, os manifestantes outros polícias. Assim, a polícia treinava contra pretensos manifestantes que traziam, cartazes que diziam: "Viva ía democracia", "Viva la libertad". Ao fim e ao cabo, os polícias que traziam esses cartazes é que faziam de bobo e apanhavam no lombo.

Risos do PCP.

Esta história é edificante, porque todo o problema está nisto: vamos ter polícias, senhoras muito bem dotadas, etc., etc., para baterem em quem traz cartazes a dizer "Viva a democracia", "Viva a liberdade"?

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Administração Interna, conforme anunciei quando concedi a palavra, um pouco anti-regimental, ao Sr. Deputado Lino Lima, se V. Ex.ª entender que pode e quer responder, tem a palavra.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Com o devido respeito, penso que o Sr. Deputado Lino Lima não percebe que se encontra em Portugal.

Vozes do PCP: - Percebe, percebe!

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Talvez quem não perceba seja o Sr. Ministro!

O Orador: - Julgo que o Sr. Deputado Lino Lima deve estar a pensar noutro país qualquer -nem pretendo saber qual será - onde a polícia possa actuar contra aqueles que pedem a liberdade ou a democracia. Não sei mesmo em que país poderia estar a pensar!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Eu nem lhe disse que isso era aqui. Disse-lhe apenas que não queria que isso acontecesse em Portugal.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino Lima, uma vez que V. Ex.ª já usou da palavra, deixe responder o Sr. Ministro.

O Orador: - Precisamente pelo facto de o Sr. Deputado Lino Lima ter dito, é que eu pensei que V. Ex.ª estava a pensar em determinados países, e não em Portugal.

Uma voz do PCP: - Que engraçadinho!

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O Orador: - No contexto português, esta sua pergunta está deslocada,...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Mentira!

O Orador: - ... uma vez que a Polícia de Segurança Pública actua no cumprimento de leis democráticas aprovadas por órgãos democráticos eleitos pelo povo português.

Protestos do PCP.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É mentira! A PSP bate no povo e espanca os trabalhadores!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é favor deixarem ouvir o Sr. Ministro. Assim como o Sr. Deputado Lino Lima foi ouvido, também o Sr. Ministro tem todo o direito de ser ouvido.
Faça favor, o Sr. Ministro, de continuar a sua intervenção.

O Orador: - Em Portugal, essa sua pergunta está deslocada. A Polícia de Segurança Pública actua não contra a democracia, mas pela democracia, é um órgão democrático, visto que se insere na ordem democrática do Estado Português, aprovada por uma Constituição e por leis democráticas. O que a Polícia de Segurança Pública faz é garantir a liberdade e a democracia.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Fala com tanta verdade como quando disse que não tinha aqui vindo um polícia espanhol!

O Sr. Presidente: - Considero encerrada esta pergunta.
Passamos à última pergunta, que diz respeito à intervenção da GNR na Fábrica de Louça de Sacavém. Para formular a pergunta ao Governo tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna: O Governo escolheu a pergunta que formulámos sobre a intervenção da GNR na Fábrica de Louça de Sacavém, pergunta que sucintamente tentarei justificar.
Há muitos meses que se verifica um arrastar de conflitos na Fábrica de Louça de Sacavém entre os trabalhadores e a Administração da empresa, especialmente localizados na pessoa do director-geral e, actualmente, administrador Sr. Monteiro Pereira.
A Assembleia e o Ministério da Administração Interna conhecem a natureza do conflito, mas, em síntese, poderá recordar-se que ele radica em sistemáticas violações do direito do trabalho, no desrespeito das disposições legais que protegem as organizações representativas dos trabalhadores, na perseguição selectiva a trabalhadores que integram estas organizações e actos de gestão, por vezes com carácter fraudulento, em prejuízo das actividades da empresa e dos direitos de terceiros, tudo apontando para uma forte ameaça quanto ao futuro dos mais de 1000 postos de trabalho que a Fábrica de Louça de Sacavém actualmente propicia.
No dia 29 de Março, um plenário de trabalhadores, onde se encontravam mais de 700 trabalhadores, decidiu, por unanimidade, a expulsão do Sr. Monteiro Pereira e concretizou, por meios pacíficos, tal decisão.
Não vou, evidentemente, defender a legalidade da decisão, mas quero aqui acentuar que esta decisão unânime é tomada em desespero de causa, que até se compreende pela identificação que os trabalhadores fazem do início da repressão contra os trabalhadores e dos actos de deliberada má gestão com a ida do Dr. Monteiro Pereira para a empresa.
Alguns dias depois, no dia 7 de Abril, forças da GNR - penso que na ordem dos 200 agentes-, com grande aparato bélico, ocuparam, pela manhã, a Fábrica de Louça de Sacavém.
Pouco depois, deu-se a entrada da administração, com o Dr. Monteiro Pereira escoltado por uma dezena ou mais de agentes.
Logo de seguida, um funcionário superior da empresa, que foi escoltado por vários agentes da GNR, foi encarregado de contactar 13 trabalhadores, todos integrantes das organizações representativas dos trabalhadores, para lhes entregar notas de culpa para processo de despedimento. E imediatamente um destacamento da GNR fazia a expulsão destes trabalhadores.
Destas acções resultaram duas reacções que eu diria espontâneas: por um lado, uma paralisação geral dos trabalhadores da empresa e, por outro, uma forte concentração da população de Sacavém junto à Fábrica de Louça de Sacavém.
A presença da GNR prosseguiu - sem o aparato terrorífico deste dia 7- em dias seguintes. Naturalmente que durante tais dias se criou um clima de grande tensão, e eu diria mesmo que a GNR foi, afinal, um elemento de perturbação da ordem pública nas imediações da Fábrica de Louça de Sacavém.
A pergunta que gostaria de fazer é a seguinte: quem solicitou, quem autorizou, com que objectivo e ao abrigo de que disposições legais, a intervenção de tão aparatosa força da GNR na Fábrica de Louça de Sacavém no passado dia 7 de Abril?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Sr. Deputado Herberto Goulart, na questão que V. Ex.ª formula existem várias áreas que é preciso seccionar. Nunca a Guarda Nacional Republicana ou a Polícia de Segurança Pública intervêm para dirimir conflitos sociais.

Vozes do PCP: - Essa agora!!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não faz outra coisa!

O Orador: - Nunca a Guarda Nacional Republicana ou a Polícia de Segurança Pública intervêm para tomar partido por uma das partes num conflito de natureza laboral.

Protestos do PCP.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - É o cacete!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o favor de deixarem ouvir o Sr. Ministro. Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

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O Orador: - Quando se verificam conflitos de natureza laboral, os órgãos necessários para intervir nesses conflitos são o Ministério do Trabalho e, em ultima instância, os tribunais. Quando existe, por exemplo, matéria de natureza fiscal - como parece que sucede neste caso-, as autoridades competentes são a Inspecção-Geral de Finanças e os próprios tribunais.
Logo, as forças de segurança internas nunca intervêm - nem, por lei, podem intervir- como diprimidoras de conflitos sociais ou laborais.

Vozes de protesto do PCP.

A única capacidade de intervenção legalmente estatuída - que se verificou com abundância em 1976 e 1977, que depois dessa altura se verificou parcialmente e que hoje em dia tem um grau muito menor - traduz-se apenas quando o conflito de natureza laboral extravasa o âmbito laboral e se transforma num conflito de natureza de ordem pública, afectando direitos dos cidadãos.

A Sr." Ilda Figueiredo (PCP): - O pior é que Salazar já dizia o mesmo!

O Orador: - No caso vertente, houve, como V. Ex.ª disse -e até discutivelmente, como disse-, um plenário de trabalhadores que suspendeu um director-geral da empresa, não tendo poderes legais para o efeito...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É um ladrão!

O Orador: - Não se nega o efeito. Contudo, quem tem de dizer se o director-geral da empresa é ou não ladrão são os tribunais, e não o Ministro da Administração Interna ou a comissão de trabalhadores. A comissão de trabalhadores não tem poderes para destituir ninguém de uma empresa; são os tribunais que o devem fazer. A partir desse momento, sequestraram a administração. Assim, o director, para poder entrar na fábrica, foi obrigado a entrar somente com a protecção da Guarda Nacional Republicana. Nunca estiveram 200 ou 300 elementos da polícia no interior da Fábrica; estiveram, em geral, 28 e, num caso, no dia 12 de Abril, a partir das 11 horas, estiveram 72 elementos, porque a situação se agudizou. Todavia, não houve conflitos de natureza que implicassem violência,...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Houve pelo menos 2 operárias que apanharam porrada!

O Orador: - ...º que é um sinal positivo neste acontecimento.
A Guarda Nacional Republicana foi solicitada pela administração da empresa, com a minha anuência pessoal, para regularizar uma situação de ordem pública, mas, ao mesmo tempo, na sequência, foram chamados dirigentes da União dos Sindicatos de Lisboa, onde, no nosso Gabinete, lhe afirmámos, bem como à administração da empresa, que a situação teria de ser sempre transitória enquanto durasse o conflito de ordem pública. O que desejaríamos era que houvesse uma negociação em termos políticos e sindicais entre a administração e os trabalhadores, enquanto a Guarda Nacional Republicana actuaria apenas para localizar o problema nos seus devidos termos, permitindo-se, dessa forma, um diálogo construtivo entre as duas partes. Isto pode ser testemunhado pela União dos Sindicatos de Lisboa e pela administração da empresa.
Não existem, pois, razoabilidades para se invocar que a Guarda Nacional Republicana tenha utilizado outros meios que não aqueles que a própria lei lhe confere para apaziguar o conflito e permitir não só a entrada da administração na sua empresa, mas também aqueles cidadãos que estavam despedidos com nota de culpa.
Perante este facto, o Ministério da Administração Interna solicitou um parecer ao Ministério do Trabalho, e só depois disso é que houve a actuação da Guarda Nacional Republicana, que lhes disse que essa actuação era perfeitamente legal face à lei existente.
Sr. Deputado Herberto Goulart, felizmente que em Portugal, nos últimos anos, comparados, com os anos de 1975, 1976 e 1977, têm sido em muito menor escala e com muito menor redundância e implicação de violência os factos que decorrem de conflitos desta natureza.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Está-se a ver!

O Orador: - Em Portugal existem tribunais, existem instâncias próprias, onde são dirimidos alguns tipos de conflitos. Nunca as forças de segurança interna dirimirão esses conflitos, mas também nunca as forças de segurança interna se eximirão à responsabilidade que têm de promover a legalidade democrática e a defesa da tranquilidade, da ordem pública e dos direitos dos cidadãos.
Gonçalvismos nas empresas, enquanto eu estiver no Ministério da Administração Interna, não deixarei que existam.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É o fascismo nas empresas?

O Orador: - Não é fascismo nas empresas, Sr. Deputado. Apenas não permitiremos situações de natureza gonçalvista nas empresas.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sei, todavia, que a lei democrática tem força suficiente para permitir a utilização democrática e coerciva dos meios que ela lhe dá para assegurar os direitos dos cidadãos e, inclusive, dos próprios trabalhadores. É esse, e não outro, o sentido da actuação da GNR, o do cumprimento da lei que o Estado democrático lhe impõe.
Mal ficaria à Guarda Nacional Republicana e ao Ministério da Administração Interna recusar-se a cumprir a lei de um Estado democrático.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Com esse andar, ainda chega a primeiro-ministro de alguma ditadura das bananas!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart. Dispõe, nos termos regimentais, de 3 minutos.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Ministro da Administração Interna, começo, por dizer que não vou comentar a sua frase quase inicial de que nunca a GNR interveio para dirimir conflitos sociais. Penso que

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esta frase, produzida perante a Assembleia da República, tem o mesmo valor que a afirmação que há algum tempo produzida de que em Portugal não tinha estado um responsável pela polícia espanhola aquando da greve geral de 12 de Fevereiro.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP, da UEDS e da UDP.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Toma lá, que é democrata!

O Orador: - Também quero dizer-lhes, porque também acompanhei os acontecimentos do dia 7 de Abril na Fábrica de Louça de Sacavém, que havia bastante mais de 20 jipes da Guarda Nacional Republicana e que a meio da manhã não estavam setenta e tal guardas - como mais tarde veio a reconhecer -, mas estavam mais.
O Sr. Ministro esqueceu-se, naturalmente, de dizer à Câmara que, para além dos muitos guardas que se encontravam dentro da Fábrica, foi criado quase que um cordão sanitário para isolar aquela empresa da população, impedindo que as pessoas se aproximassem a mais de cem metros da entrada e prejudicando, inclusivamente, todo o trânsito na estrada nacional.
Se a Guarda Nacional Republicana pode intervir em assuntos de natureza exclusivamente civil apenas se houver uma situação de manutenção da ordem pública, é pertinente tirar a conclusão - e eu próprio acompanhei de perto a situação - de que nunca esteve em causa uma questão de ordem pública na Fábrica de Louça de Sacavém.
Contudo, se o Ministério da Administração Interna entendia que devia proteger a entrada de um administrador na empresa, pergunto: para proteger a entrada de um administrador perante trabalhadores que mostraram em todo este processo -perante todas as provocações que a empresa sobre eles tem feito- uma atitude de grande dignidade e de grande esforço de diálogo era necessário fazer acompanhar esse administrador de um batalhão da Guarda Nacional Republicana, armado de bastões, de viseiras, com capacetes, colocando aparentemente a Fábrica em estado de guerra e provocando, como o Governo afirma, uma situação imediata de paralisação, ou seja uma situação de greve que ali se verificou?
Penso que o Sr. Ministro actuou com insuficiente informação. Aliás, os jornais, na sequência de uma reunião que o Sr. Ministro teve com os dirigentes sindicais, deram conta das suas palavras, ou seja de que perante os dirigentes sindicais o Sr. Ministro teria afirmado não ter suficiente informação sobre o caso. O Ministro da Administração Interna, tão pronto que está em responder em notas oficiosas, não utilizou esses meios, sinal de que aparentemente não desmente a afirmação feita pelos órgãos de comunicação social de que o Ministério considerava que não tinha suficiente informação sobre o caso.
Se não tinha suficiente informação, presumo que o que se verificou foi, pura e simplesmente, esta situação: o Ministério actuou com um conhecimento unilateral do que se passava na Fábrica de Louça de Sacavém, o Ministério actuou a uma simples solicitação da entidade patronal, protegendo os interesses específicos de um director-geral.
Quando a AD afirma que está empenhada numa concertação entre os parceiros sociais como forma de dirimir conflitos - são palavras usadas frequentemente nas áreas da AD -, o Ministério não fez o menor esforço para procurar dirimi-los.
Se houve uma fase posterior de diálogo, não foi por iniciativa do Ministério, mas, pura e simplesmente, por iniciativa das associações sindicais.
O Sr. Ministro pode aqui afirmar que não procura dirimir conflitos sociais. Contudo, relativamente a questões ligadas ao mundo do trabalho, fica muito claro que o Ministério da Administração Interna está, à partida, do lado do patronato,...

Aplausos do Sr. Deputado Mário Tomé.

..está, à partida, na disposição de defender os interesses do patronato, nunca considera os legítimos direitos dos trabalhadores e espezinha esta atitude. O Governo, em vez de procurar, em situações de tensão, encontrar situações negociadas, encontra soluções de imposição de força, contrariando assim as afirmações do Sr. Ministro.
Dou razão ao Sr. Deputado Lino Lima quando diz que o Ministério da Administração Interna, em vez de assegurar a tranquilidade pública, o que pretende é amedrontar a opinião pública.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP, da UEDS, da UDP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Sr. Presidente, começo por uma frase proferida pelo Sr. Deputado Herberto Goulart, quando reafirma frases proferidas por mim aquando da interpelação da UEDS.
Sr. Deputado Herberto Goulart, nunca foi dito por mim que não tinha estado em Portugal um polícia espanhol.

Risos do PCP, da UEDS e da UDP.

VV. Ex.as riam-se. Leiam o Diário da Assembleia da República. O que foi dito é que os números dois e três dos GOEs espanhóis não tinham estado em Portugal.
Eu sei que uma mentira dita muitas vezes pode um dia parecer verdade. É essa a técnica de VV. Ex.as.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

Protestos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam favor de prestar atenção ao Sr. Ministro, que está no uso da palavra.

Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Disse o Sr. Deputado Herberto Goulart que a actuação da GNR provocou a interrupção do trânsito e não deixou aproximar a população da empresa. Que eu saiba, a empresa é o local onde os trabalhadores trabalham, não é o local onde as pessoas exteriores à empresa possam entrar directamente.

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É natural, evidente e lógico que a própria Guarda Nacional Republicana tenha feito um cordão de protecção para evitar conflitos entre as pessoas exteriores à empresa e pessoas que eventualmente estivessem no interior.

Protestos do PCP do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É mentira!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Lopes, V. Ex.ª tem o tempo de palavra que o seu partido quiser. Portanto, intervenha no momento próprio.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Então não diga mentiras!

O Orador: - Não sei quem é que as está a dizer.

O Sr. Presidente: - É favor não entrarem em diálogo. Queira continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Deputado Herberto Goulart, houve uma tentativa de sequestro, obrigando a administração da empresa a estar várias horas sob coacção física, para tentarem negociar determinada plataforma. Nesse sentido, havendo essa atitude e a mesma tendo sido comunicada às autoridades policiais, é dever, é obrigação, por lei, das forças de segurança interna intervirem, sem violência, para garantir o cumprimento dos direitos democráticos de qualquer cidadão.

Vozes do PCP: - Não é verdade!

O Orador: - Não abdicaremos desta postura no presente e no futuro. Como tal, isso connosco não se irá passar, na exacta medida em que, se alguma vez houver circunstâncias que afectem direitos de trabalhadores, de administradores, de gerentes ou proprietários, a nossa atitude será a mesma e será equidistante.
O Governo da Aliança Democrática não protege uns, ...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Pois não!

O Orador: - ... o governo da Aliança Democrática cumpre a lei, e a lei é rigorosa com todos.
No caso concreto, quem se encontrava numa situação de ilegalidade, quem se encontrava numa situação de potencialmente criar e provocar um crime, o crime de sequestro, ...

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Não diga sequestro, diga ditadura!

O Orador: - ... foram algumas pessoas.

A Guarda Nacional Republicana interveio para proteger os direitos dos cidadãos. A GNR, que não pode eximir-se ao cumprimento de direitos, fê-lo nesse sentido e fá-lo-á sempre. É esse o seu mandato, é para isso que a população paga à Guarda Nacional Republicana e à Polícia de Segurança Pública.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - A sua missão é a de fazer cumprir a lei democrática prescrita na própria lei.

O Orador: - Confessa o Sr. Deputado Herberto Goulart que afinal, depois da intervenção da GNR, houve diálogo. É certo que V. Ex.ª não imputa culpas ao Governo e ao Ministério da Administração Interna. Contudo, a verdade -e isso o Sr. Deputado testemunhou e comprovou - é que o sentido das nossas palavras à União dos Sindicatos de Lisboa foi a de que desejávamos, por via do diálogo, encontrar situações que favorecessem o diálogo entre as duas partes. O Sr. Deputado diz que isso aconteceu. Ainda bem, porque isso comprova o mérito e relevância da própria intervenção preventiva por parte de uma força de segurança interna.

Aplausos do PSD.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Ah, leão!

O Orador: - A nossa postura é a mesma: cumprir rigorosamente a lei, não olhando a quem, não olhando quem é favorecido mas antes a quem a lei impõe.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herberto Goulart, é certo que a Mesa já infringiu o Regimento relativamente aos Srs. Deputados Sacramento Marques e Lino Lima. Não quero portanto cortar-lhe o uso da palavra, agradecia-lhe que fosse breve.
Faça favor de usar da palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, pessoalmente nem gostaria de ter de estar a abrir excepções ao Regimento e penso que, se temos o Regimento, ele deve ser cumprido em quaisquer condições, sejam eles deputados, sejam representantes do Governo.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso, a intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna dá-me o direito de intervir para exercer o direito de defesa por parte da minha bancada.
A intervenção do Sr. Ministro pôs em causa tudo quanto aqui afirmei. Da intervenção do Sr. Ministro chega-se à conclusão de que tudo quanto aqui afirmei foram completas falsidades. O Sr. Ministro coloca a questão, reproduzindo no fundo a argumentação patronal, de que teria havido sequestro, concretamente, do administrador da Fábrica de Louça de Sacavém.
Sr. Ministro, o que aqui afirmei foi que os trabalhadores, por decisão unânime, em plenário, tomaram a decisão de expulsar um administrador - aliás um administrador de pintado, mas isso não vem muito ao caso - da Fábrica de Louça de Sacavém.
Gostaria de emendar, na lógica da minha intervenção, esta figura de sequestro que o Sr. Ministro da Administração Interna aqui levanta. Há um administrador que, por decisão unânime dos trabalhadores, não entrará no espaço limitado de algumas dezenas de milhares de metros quadrados mas que tem toda a liberdade de estar em qualquer ponto do universo e, ainda por cima, o Sr. Ministro da Administração Interna considera que isto é uma atitude de sequestro.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem! Trata-se de uma provocação e de uma aldrabice!

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O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª, Sr. Ministro, deseja responder, tem a palavra. Dispõe de l minuto.

O Sr. Ministro da Administração Interina: - Sr. Deputado Herberto Goulart, é espantoso que um administrador de uma empresa, eleito pelos corpos sociais de uma empresa ao abrigo da lei existente, é expulso por quem não tem competência jurídica para o expulsar. O Sr. Deputado Herberto Goulart deverá compreender que seja em toda a parte do mundo menos no sítio para onde foi mandatado para exercer a sua função.
É espantoso que alguém possa subverter o conteúdo da lei democrática deste país e que alguém lhe dê acolhimento.
Se isto não é gonçalvismo, o que é que é a democracia?
Em segundo lugar, o sequestro deduziu-se do seguinte: quando a administração queria, sair das suas instalações foi impedida de o fazer por coacção física...

Vozes do PCP: - Não é verdade. Isso é mentira.

O Orador: - ... foi coagida pelo número substancial de trabalhadores que disseram que não os deixariam sair daquele local.

Votes do PCP - É falso!

O Orador: - Que é isto se não uma tentativa de limitar um, direito de um cidadão? Que é isto se não limitar os direitos democráticos de um cidadão? , Perante estas duas circunstâncias, o que temos de pôr a ridículo é o conceito de legalidade democrática de que o MDP/CDE se fez eco nesta Câmara.

Protestos, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o período de perguntas do Governo.
Passamos de imediato à votação sobre o pedido de suspensão do mandato do Sr. Deputado Mário Tomé, solicitado pelo Tribunal Militar Territorial de Lisboa, a fim de ser submetido a julgamento.
Concedo a palavra a algum senhor deputado da Comissão de Regimento a Mandatos para ler o parecer sobre esta matéria.

O Sr. Magalhães Moía (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra para recordar que a votação é secreta.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, eu não fui mandatado pela Comissão de Regimento e Mandatos para ler o relatório e parecer. O relatório e parecer que tenho comigo é da minha autoria. Se quiser, posso lê-lo.

O Sr. Presidente: - Naturalmente. Faça favor.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - O relatório e parecer é do seguinte teor:

1 - Por ofício de 13 de Novembro de 1981 comunicou o ilustre juiz auditor do 5.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República que, para os efeitos do artigo 160.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, remetia a esta Assembleia certidões de ordem para libelo e do libelo deduzido contra o Sr. Major Mário António Baptista Tomé, deputado da UDP (União Democrática Popular).
Solicitava assim aquele Tribunal Militar Territorial que a Assembleia da República delibere acerca da suspensão ou não suspensão do mandato do referido Sr. Deputado, para efeito de prosseguimento do processo que lhe é movido pelo promotor de justiça no citado Tribunal.
Da cópia do libelo em causa contra o Sr. Deputado Mário Tomé a acusação atinente ao desaparecimento das pistolas WALTHER, calibre 7,65 mm, com o n.º 325896, e FN, calibre 6^5 mm, com o n.º 725797, que lhe haviam sido confiadas e cujo paradeiro se desconhece, circunstância que prefigura o crime referido no artigo 160.º do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de Abril.
Nos termos do artigo 11.º do Regimento da Assembleia da República, deliberou S. Ex.ª o Sr. Presidente, em 19 de Novembro de 1981, determinar a baixa à Comissão de Regimentos e Mandatos daqueles documentos, para efeitos de elaboração de competente parecer que, por imposição regimental, deve preceder a deliberação da Assembleia sobre a matéria em causa, a ser agendada oportunamente para votação por escrutínio secreto no Plenário.
É, pois, o teor do referido parecer que se passa de imediato a expor.

2 - No caso vertente está em causa o instituto das imunidades parlamentares, que consiste quer na irresponsabilidade civil, criminal ou disciplinar, pela emissão de votos ou opiniões no exercício das suas funções, quer na inviolabilidade face à prática de actos possíveis de censura criminal e cometidos na qualidade de simples cidadãos.
Neste sentido se pronunciam Vital Moreira e Gomes Canotilho - Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 322, anotação III ao artigo 160.º: "A irresponsabilidade (n.º 1) implica desde logo que os deputados não podem responder, por votos e opiniões, pelos chamados crimes de responsabilidade (cf. artigo 120.º/2) e parece não excluir os crimes de injúria, difamação ou calúnia."
Contudo, para efeitos do presente parecer apenas revelam os aspectos atinentes à inviolabilidade parlamentar dado o circunstancialismo que rodeia os factos que estão na base do pedido do Tribunal Territorial Militar.
O princípio da inviolabilidade parlamentar é uma das constantes e mais significativas componentes de que se poderia designar por direito parlamentar, entendido este como aquela parte do direito constitucional definitório do estatuto jurídico do Parlamento e dos seus membros. A sua dignidade jurídica é inegável e para tanto bastaria recordar que o progressivo alargamento da sua elaboração, legislativa e doutrinal que o seu acolhimento constitucional, não apenas na época contemporânea mas mesmo nos primeiros textos constitucionais.
Atendo-nos apenas à história constitucional portuguesa bastaria recordar que o nosso primeiro texto constitucional, de 1822, consagra nos seus

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artigos 96.º e 97.º preceitos atinentes a estas matérias:

ARTIGO 96.º

Os deputados são invioláveis pelas opiniões, que proferirem nas Cortes, e nunca por elas serão responsáveis.

ARTIGO 97.º

Se algum deputado for pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta às Cortes, as quais decidirão se o processo deva continuar, e o Deputado ser ou não suspenso no exercício das suas funções.
Por seu turno a Carta Constitucional de 1826 consagra da mesma forma preceitos equivalentes aos supracitados (artigos 25.º e 27.º, respectivamente), aditando um novo preceito conexo, o artigo 26.º, do seguinte teor:

ARTIGO 26.º

Nenhum par, ou deputado durante a sua deputação, pode ser preso por autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Câmara, menos em flagrante delito de pena capital.
A Constituição de 1838 consagra também nos artigos 47.º e 48.º dispositivos de idêntico teor, o mesmo se passando com o disposto nos artigos 15.º, 17.º e 18.º da Constituição republicana de 1911, que, aliás, contém uma inovação no seu artigo 16.º do seguinte teor:

ARTIGO 16."

Durante o exercício das funções legislativas, nenhum membro do Congresso poderá ser jurado, perito ou testemunha, sem autorização da respectiva Câmara.
Culminando esta evolução da consagração das imunidades parlamentares, a Constituição de 1933 acolhe-as no seu artigo 89.º em termos que bem se pode considerar não diferem essencialmente daqueles que o actual texto constitucional adopta.
Evolução paralela de mecanismos das imunidades parlamentares pode ser detectada em constituições de diversos países, de regimes políticos aliás muito diferentes entre si, entre os quais cumpre destacar os que se referem no parecer desta Comissão de Regimento e Mandatos de 13 de Março de 1978, de que foi relator o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho: artigo 26.º da Constituição Francesa, secção, vi, n.º 1 da Constituição Norte-Americana, artigo 32.º da Constituição Brasileira, artigo 68.º da Constituição Italiana, artigo 46.º da Lei Fundamental de Bona, artigo 88.º da Constituição Búlgara, artigo 60.º da Constituição da República Democrática Alemã e artigo 81.º da Constituição Cubana.
3 - Embora se possa constatar a circunstância de o mecanismo das imunidades parlamentares ter um significado historial no nosso país, em termos de consagração parlamentar não abundam, contudo os elementos de referência que possam por si só constituir precedente suficientemente seguro, nem são particularmente detalhados os estudos acerca da sua natureza jurídica e relevância política, a ponto de na Assembleia Constituinte, o artigo 160.º não ter merecido nenhum debate específico. Pelo que a interpretação e integração das imunidades parlamentares terá que repousar essencialmente em três vectores: a sua evolução nas sucessivas constituições portuguesas, a doutrina e a jurisprudência parlamentares produzidas a propósito de outros textos constitucionais e ainda alguns pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, que infelizmente não se encontram devidamente coligidos, o que dificulta mesmo o seu conhecimento.
Daí que os critérios enformadores do instituto das imunidades parlamentares devam ser determinados em função da sua relevância para a instituição parlamentar, no seu conjunto.
Neste sentido, desde logo importa sublinhar que a sua consagração não é feita instuitu personae, pois que a sua existência não visa as pessoas dos deputados individualmente consideradas, mas antes e sobretudo a função que os deputados exercem.
Por isso não se consigna nenhum mecanismo que torne os deputados numa categoria de indivíduos acima das leis, que se lhes poderiam furtar por virtude de exercerem funções de significativa relevância política e pública, razões que militam igualmente na definição das imunidades que assistem aos titulares de outros órgãos de soberania, como sejam o Presidente da República (artigo 133.º da Constituição) ou os membros do Governo (artigo 199.º, n.º 2, da Constituição).
Logo, sendo as imunidades parlamentares encaradas na perspectiva institucional do órgão de soberania que é a Assembleia da República, a sua aplicação não constitui nenhuma excepção ao princípio da igualdade dos cidadãos que têm acolhimento constitucional, na medida em que ela não constitui nenhum privilégio concedido aos deputados mas é antes, e tão-só, uma garantia que assim o texto constitucional confere à Assembleia da República, no seu conjunto, tendo por preocupação central a garantia do seu normal e regular funcionamento.
E nem se diga que um mecanismo deste tipo pode conduzir a situações de impunidade, na medida em que as imunidades dos deputados apenas diferem no tempo a aplicação da justiça, mas não a impedem definitivamente, pois somente a adiam.
Daí que se possa dizer, como tem sido aliás, opinião de precedentes pareceres desta Comissão sobre matérias deste teor, que o instituto das imunidades parlamentares assenta sobretudo na preocupação de garantir o regular funcionamento da Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, o que implica, sem margem para dúvidas, que o estatuto próprio dos deputados lhes assegure o cumprimento das suas funções em condições de total liberdade, independência e permanência.
Donde resulta que a suspensão do mandato de um deputado não se deva verificar por motivações insuficientes ou injustificadas, que possam tornar vulnerável a função que exercem a impedir uma participação continuada e integral dos repre-

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sentantes do povo nos trabalhos da Assembleia da República.
Nesta óptica, a instituição das imunidades parlamentares constitui um dos fundamentos do nosso sistema constitucional, donde se infere a sua prevalência sobre todo o direito não constitucional, constituindo a submissão dos deputados ao direito comum uma excepção, o que dificultará e reduzirá substancialmente o número de casos em que se decide o levantamento daquela imunidade.
4 - Importa definir, por isso, com clareza, quais os critérios que devem operar na determinação dos casos em que o mandato do deputado deve ser suspenso ou não. Registe-se aqui e desde logo que não se pode falar na jurisprudência parlamentar com suficiente sedimentação na definição de tais critérios.
Recolhendo, contudo, o contributo de anteriores pareceres, afasta-se liminarmente o recurso a qualquer tipo de critério que pressupusesse uma valoração atinente à questão posta em juízo, na medida em que tal valoração constituiria um manifesto extravasar das competências da Assembleia da República, bem como a interferência em domínios substantivos que notoriamente são atribuições de outros órgãos de soberania.
5 - Acolhe-se, pois, aqui o que nos parece ser o essencial da jurisprudência parlamentar nesta matéria, considerando-se que o levantamento das imunidades parlamentares só por excepção deve ser autorizado e que a decisão do Parlamento não deve assentar em qualquer juízo ou debate sobre o fundo da questão.
Considera-se, por isso, que as imunidades só devem ser derrogadas em casos graves, entendendo-se por tais os que envolvam um carácter de ostensivo escândalo público que mais atinjam a Assembleia que o próprio deputado ou os casos que, pela sua natureza e circunstancialismo, imponham a urgência da sua apreciação em juízo.
6 - Em função dos critérios expendidos, registe-se que o libelo pronunciado contra o Sr. Deputado Mário Tomé, atinente ao artigo 160.º do Código de Justiça Militar (extravio de artigos militares), pode-se considerar de relativa gravidade, porque praticado em tempo de paz, porque só punível quando o referido extravio decorra da ausência de motivo legítimo, multando, nos termos do artigo 161.º do mesmo Código, uma circunstância atenuante quando o referido extravio se verifica pela primeira vez, caso que implica mera punição disciplinar.
Não se nos afigura que o crime imputado seja motivo de escândalo público, nem tão-pouco que a urgência da sua apreciação judicial se imponha, dado que os factos que fundam o libelo se verificaram em 1974, sendo o processo apenas movido em Julho de 1981. Optamos pois, por isso, pela denegação da autorização do levantamento da inviolabilidade parlamentar de que goza aquele Sr. Deputado.
Pretende-se assim reconhecer ao referido Sr. Deputado o direito de exercer a sua função de parlamentar com liberdade e independência, mantendo-se incólume, também, o princípio constitucional cujo respeito assegura o regular e normal funcionamento da Assembleia da República, não se podendo interpretar que a recusa do levantamento das imunidades parlamentares significa admitir a impunidade do Sr. Deputado Mário Tomé, nem tão-pouco o postergar da justiça, mas tão-somente o seu adiamento".
Este parecer foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, só posso dar-lhe a palavra se for para interpelar a Mesa.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É justamente para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Depois da leitura deste relatório, eu achava conveniente dar uma curta explicação do que se passa, do caso em si, e...

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado mas não pode ser.
Quando V. Ex.ª pediu a palavra eu ia explicar que não há sequer lugar para uma votação normal do relatório da Comissão, visto que este tipo de deliberação tem que ser tomada por escrutínio secreto, nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do Regimento. Portanto, não lhe posso conceder a palavra para esse efeito.

O Orador: - Mas não pretendo discutir o relatório, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado não pode dar qualquer explicação à Câmara sobre isto.
Os Srs. Deputados ouviram o relatório da Comissão e, naturalmente, vão decidirem consciência.
Suponho que todos os Srs. Deputados já terão um boletim de voto...

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só posso conceder-lhe a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, faça-me a justiça de admitir que eu só pedia a palavra para interpelar a Mesa!

O Sr. Presidente: - Eu sei que V. Ex.ª conhece o Regimento, Sr. Deputado. Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Às vezes não conheço o Regimento porque há, efectivamente, entendimentos diferentes.
Sr. Presidente, não sei se existe algum precedente em relação a este caso mas ainda hoje de manhã foi referido um precedente.
Não sei se os precedentes fazem regimentos ou fazem leis, mas o que me parece é que estamos numa situação que merecia que o Sr. Deputado Mário Tomé, fazendo-se uma ligeira interpretação extensiva da figura

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da interpelação à Mesa, pudesse dizer alguma coisa a es ta Câmara.
Penso que esta Câmara só beneficiava com isso e penso que as pessoas votariam em consciência porque, de facto, o relatório é uma peça brilhante de direito regimental e constitucional mas deixa-nos a boiar em muitos artigos, que vão desde o século XIX até à Bulgária ou a Cuba, se não estou em erro.
Sr. Presidente, pedia que fosse dado um entendimento mais extensivo à disposição regimental e que em 2 ou 3 minutos, sob a figura de interpelação à Mesa, fosse permitido ao Sr. Deputado Mário Tomé dizer qualquer coisa sobre esta questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, V. Ex.ª tinha pedido a palavra?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra para interpelar a Mesa mas julgava que estávamos já numa fase diferente.
Quero interpelar a Mesa, não exactamente sobre a questão que agora surgiu; quero dar a minha opinião mas não agora. Portanto, reservar-me-ei para interpelar a Mesa no momento em que julgar oportuno.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Respondendo à interpelação do Sr. Deputado Carlos Robalo, quero dizer que a Mesa, que tive oportunidade de consultar, é de opinião - que, aliás, eu subscrevo inteiramente, naturalmente sem qualquer melindre para o Sr. Deputado Mário Tomé, e por alguma razão o Regimento estabelece que a votação deve ser feita por escrutínio secreto- que não é em função de qualquer explicação que o Sr. Deputado Mário Tomé vá dar à Assembleia que os Srs. Deputados vão decidir. Aliás, o parecer da Comissão é um pouco nesse sentido.
Peço portanto desculpa mas não concedo a palavra ao Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de esta me esclarecer sobre o significado desta votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está no pensamento da Mesa prestar esse esclarecimento antes de se iniciar a votação.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, embora não concordando inteiramente com a decisão da Mesa, porque há precedentes em que foi dada ao deputado autorização para falar, mas não querendo entrar na discussão desta matéria, agradecia que o Sr. Presidente suspendesse a sessão por 15 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental, está deferido.
Está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme já anunciei, vamos entrar na primeira parte da ordem do dia, de que consta a votação sobre o pedido de suspensão do mandato do Sr. Deputado Mário Tomé.
Penso que todos os Srs. Deputados têm já um boletim de voto em seu poder onde se diz: "Votação sobre o pedido de suspensão do mandato do Sr. Deputado Mário António Baptista Tomé, solicitado pelo Tribunal Militar Territorial de Lisboa para efeitos de julgamento."
À Mesa cumpre esclarecer, para que não haja quaisquer dúvidas sobre o sentido de voto, que o sim ou o não nada tem a ver com o parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, que é no sentido da não suspensão.
Quando os Srs. Deputados votarem sim, isso quer dizer que deve suspender-se o mandato do Sr. Deputado Mário Tomé, e quando os Srs. Deputados votarem não, quer dizer que são contra a suspensão do mandato do Sr. Deputado Mário Tomé, portanto que não aceitam a suspensão do mandato.
Como já anunciei, nos termos regimentais, esta votação será feita por escrutínio secreto, e para que não tenhamos que interromper a nossa sessão, visto que passaremos imediatamente à segunda parte da ordem do dia, de que consta a discussão do projecto de lei n.º 276/II, do PS, sobre sociedades em autogestão, penso que poderemos fazer a votação em termos que não perturbem o Plenário.
Agradecia aos Srs. Deputados o favor de se manterem nos seus lugares e sugeria que a votação se fizesse por filas. Votariam primeiros os Srs. Deputados da primeira fila, depois os da segunda e assim sucessivamente, de forma a que não estivessem nunca mais de 5 ou 6 deputados junto da uma.
A Mesa vai votar em primeiro lugar. Penso que esta é a forma de prosseguirmos os nossos trabalhos, ouvindo o Sr. Deputado Almeida Santos, que é quem vai apresentar o projecto de lei do PS, ao mesmo tempo que fazemos a votação.
Serão escrutinadores os Srs. Vice-Secretários.
Vamos, portanto, fazer a votação nos termos que anunciei.
Agradeço aos Srs. Deputados que vão votando, tendo o cuidado de não estarem mais de 5 ou 6 deputados diante da mesa de votação e respeitando a ordem de filas.
Passemos, portanto, à segunda parte da ordem do dia, de que consta a discussão do projecto de lei n.º 276/II, do PS, sobre lei das sociedades em autogestão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

Pausa.

Como o Sr. Deputado Almeida Santos não se encontra na Sala, vamos aguardar uns momentos.

Pausa.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, atendendo ao facto de se aproximar a hora do intervalo

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regimental, e dada a confusão decorrente da votação, o Grupo Parlamentar do PS propõe que se faça imediatamente o intervalo, durante o qual continuaria a votação, e que o Sr. Deputado Almeida Santos fale logo que recomecemos os nossos trabalhos.
Parece-me que esta será a melhor forma de continuarmos os nossos trabalhos:

O Sr. Presidente: - Está muito bem. Sr. Deputado.
Já que os Srs. Deputados não obedecem às instruções da Mesa, estando cerca de uma dúzia de deputados diante da mesa de voto, e sendo necessário que o Sr. Deputado Almeida Santos tenha condições para intervir em tranquilidade, vamos fazer agora o nosso intervalo, continuando a votação.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Agradeço aos Srs. Deputados que ainda não exerceram o seu direito de voto, o favor de o fazerem, porque depois de o Sr. Deputado Almeida Santos usar da palavra darei por encerrada a votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sucessivo alargamento da sociedade política exigiu a transformação da democracia directa em democracia representativa.
Não mais os recuados tempos em que a tribo, o clã ou a cidade podiam reunir à volta da mesma fogueira, ou na moldura da mesma praça, todos os homens bons a quem interessavam directamente as deliberações a tomar.
E à medida que a directa valoração da vontade individual foi sendo substituída pelas mais subtis formas de "democracia estatística", em que cada cidadão é uma unidade abstracta de vontade, foi-se cavando a nostalgia dos bons tempos da praça e da fogueira.
Genuinamente democrática - todos o sabemos - é a democracia directa. Só que, em espaços políticos tão alargados como são as nações do presente, ou bem que desistimos de perseguir a utopia da captação da vontade colectiva, ou bem que temos de recorrer ao, e sucessivamente aperfeiçoar instituto da representação democrática.
Aperfeiçoá-lo pressupõe, no entanto, a busca incessante de novos caminhos. Busca que revelou esse já gratificante e ainda promissor caminho de regresso ao encontro da fonte do poder democrático que são a autarquia e a região. O ouvido do poder já não regressa à praça ou à fogueira. Mas procura ouvir de mais perto, na tentativa de que cada problema seja resolvido, ao nível a que se coloca, por aqueles a quem mais directamente diz respeito.
Mas a insatisfação não dorme. E antes mesmo de as experiências descentralizadoras vencerem as rotinas do centralismo jacobino, já se vê nos seus resultados - mesmo quando meramente conjecturais - o defeito de uma simples "miniaturização" dos universos políticos centralizados.
Daí a busca de novas formas de participação democrática algo menos espaçadas e impessoais do que o exercício regular do sufrágio.
- E de igual modo o apelo a manifestações de associativismo democrático, ou seja a microorganismos sociais onde. em novos moldes, possam tentar-se formas promissoras de regresso à democracia directa.
Uma dessas experiências dá pelo nome de autogestão. Recebida com a desconfiança que sempre sublinha os afrontamentos da rotina, foi abrindo caminho entre incompreensões, superando os moldes iniciais de uma simples forma de gestão, entre outras, e aspirou a ser, como o cooperativismo e outros movimentos de raiz utópica, um esquema global de organização da sociedade política.
Como tal viria a ser tentado à escala de um país - a Jugoslávia- ao que parece com virtualidades que surpreendem os mais descrentes.
Tão-só por esta razão, valeria sempre a pena seguir com atenção as experiências autogestionárias.
Foi essa a atitude que assumiram os constituintes de Abril.
Garantiram o apoio do Estado às experiências de autogestão; condicionaram a integração das pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas, no sector privado, à não opção dos respectivos trabalhadores pelo regime de autogestão; estabeleceram que as unidades de produção geridas pelo Estado e outras pessoas colectivas públicas devem evoluir, na medida do possível, para formas .autogestionárias; incluíram no sector público e na propriedade social -dita tendencialmente predominante- os bens e unidades de produção como posse útil e gestão dos colectivos de trabalhadores.,
Em sede de revisão constitucional está previsto um novo passo: a consagração da autogestão como um direito fundamental.
Há-de reconhecer-se que tanta ênfase constitucional desposa mal o mutismo da lei ordinária, e não menos a quase total ausência de medidas de acção governativa tendentes a pôr em acto o que a Constituição tem em tão elevada conta.
A realidade qual é? Provavelmente a de que as experiências autogestionárias em que, entre nós, se traduz a novidade, foram em todos os casos o produto de geração espontânea, quando não caótica, o resultado de um impulso conjuntural e revolucionário ou da necessidade de manter em laboração empresas em dificuldades de exploração ou objecto de abandono por parte dos seus donos.
Reconheça-se que não terá sido esta a génese mais propícia ao êxito dessas experiências.
O que se quis que fosse o resultado de uma evolução, foi o produto de um impulso. O que se previu que fosse objecto de apoio foi, em regra, tão entregue a si mesmo como os lírios do campo!
E, no entanto, pressente-se que as soluções autogestionárias contêm um filão muito rico de potencialidades.
Num mundo em que a vida é, cada vez mais, uma relação conflitual e em que o conflito mais generalizado é o que se desenrola no universo laboral, entre o empregador e o empregado, ou seja entre o capital e o trabalho, vale a pena perseguir a lebre da tentativa de eliminação de um dos agentes em confronto. O objectivo é tão velho como as utopias. E vem de há muito sendo tentado, em moldes de algum modo afins, pelo movimento cooperativo.
Não obstante, bom é que tomemos consciência de que o movimento autogestionário se não reconduz ao movi-

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mento cooperativo, embora dele retire alguma inspiração.
Distingue-se no entanto, e desde logo, este substracto mínimo: os associados das empresas em autogestão são, necessariamente, trabalhadores da própria empresa, caracterizando-se esta, diversamente da empresa cooperativa, como uma comunidade de trabalho.
Os associados das empresas em autogestão põem em comum a sua indústria, isto é, o seu trabalho - e não em regra o seu capital-, enquanto que os cooperadores põem em comum um pequeno capital e uma qualidade, que pode ser de produtor, de intermediário, comerciante, consumidor ou tão-só tomador de crédito - que se não traduz necessariamente numa prestação de trabalho.
Os cooperadores têm como escopo fundamental a abolição do lucro, enquanto que os associados das empresas em autogestão, igualmente sem espírito de lucro, visam obter um benefício complementar da remuneração do seu trabalho.
As empresas em autogestão procedem a uma distribuição igualitária dos excedentes de cada exercício, enquanto que as cooperativas praticam uma distribuição proporcional às operações com a empresa, desses benefícios.
A normalidade do recurso ao trabalho assalariado, no caso das cooperativas, a excepcionalidade e transitoriedade desse recurso no caso das empresas em autogestão.
Para além disto, ficam as afinidades: a variabilidade do fundo social nas empresas em autogestão e do capital das cooperativas; a variabilidade em certos termos do grémio social das cooperativas e das empresas em autogestão; a atribuição de um voto singular a cada associado, independentemente da sua posição social; a solidariedade entre os associados e entre as empresas congéneres; a obediência a princípios ético-profissionais, entre os quais o de fomentar a formação cooperativa ou autogestionária.
Uma e outras visam, aliás, escopos distintos. O movimento cooperativo tem por objectivo a eliminação do lucro, dele fazendo beneficiário o próprio cooperador, de passo que o movimento autogestionário cuida de eliminar a mais-valia -entendida como produto do trabalho não pago - através da supressão da própria e clássica relação laboral.
Na empresa autogestionária o trabalhador não tem patrão, se se não preferir dizer que é patrão de si mesmo.
Este, em extrema síntese, o escopo último do movimento autogestionário. Com a nota curiosa de que, a partir da remuneração do trabalho - de acordo com o princípio de que a trabalho igual deve corresponder trabalho igual-, os excedentes resultantes da comunhão de trabalho em que as empresas em autogestão se traduzem são distribuídos, já não segundo uma regra de proporcionalidade, como nas Cooperativas, mas segundo um princípio ético-social de solidariedade paritária. Recebido por cada um o justo salário, todos, por igual, repartem entre si os benefícios sobrantes.
Nesta medida, a autogestão coincide com o mais bem entendido socialismo de distribuição.
Aqui chegados, começamos a estar em condições de avaliar as vantagens da solução autogestionária numa situação de crise caracterizada, inter allia, por desequilíbrios que alimentam o desemprego e o transformam no fantasma de um novo apocalipse.
É sabido que, para fazer face à hidra do défice das balanças, e tentar pôr o testo na panela da inflação, o actual governo não encontrou expedientes mais azados do que baixar o tecto dos salários e restringir os plafonds do crédito. Mas também é sabido que a redução dos primeiros reduz a procura, que a compreensão do segundo diminui a oferta, que a quebra da procura reforça a quebra da oferta, e que, deste modo, todos os caminhos vão dar ao desemprego.
Ora, é face a este beco, que a AD não encontra saída, que o recurso às soluções autogestionárias pode constituir ajuda não negligenciável. Não, como até hoje, para tentar salvar ou prolongar a agonia de empresas em desequilíbrio ou em abandono. Mas para, a partir do ovo, e com a ajuda do Estado, quando necessária, associar profissionais do mesmo ramo, ou de ramos complementares, em torno de iniciativas de trabalho intensivo e no âmbito de sectores económicos que delas careçam ou no mínimo as comportem.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador; - Não é esta, por certo, a única nem talvez a principal virtualidade do sistema. Quando generalizado, dele há-de sobressair o forte contributo, que comporta, para a paz no mundo do trabalho. Não se imagina, com efeito, uma empresa autogerida a fazer greve ou a discutir um acordo colectivo de trabalho. Como não é fácil de conceber uma empresa autogerida a praticar elevadas taxas de absentismo ou baixas taxas de produtividade. Perante a actual crise de desemprego, não seria utópico o contributo do lançamento apoiado de iniciativas autogestionárias.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - É aqui que surge a necessidade e se revela o sentido de uma nova lei das sociedades em autogestão.
Desde logo para que mais claramente se defina, e menos nebulosamente se saiba, o sentido da previsão constitucional da experiência autogestionária.
E também para que os trabalhadores, sobretudo os desempregados, possam organizar-se juridicamente no quadro de uma dessas sociedades sem terem de o fazer a partir da agonia, se não do cadáver, de uma empresa preexistente.
Conto-me entre os deputados socialistas que elaboraram subscreveram o projecto em causa. Tenho por isso madura consciência das asperezas do cometimento.
Não é por acaso que os tipos de sociedade que até hoje fizeram carreira se contam pelos dedos de uma só mão.
Daí que tenha havido algum atrevimento no trabalho a que nos devotámos. Mas cremos que, apesar disso, adregámos conseguir um válido ponto de partida para que a experiência autogestionária passe a dispor de embalagem jurídica própria, sem ter de se violentar no pronto a vestir da tipologia tradicional, ou de proseguir sem moldura própria a sua aventura jurídica.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não custa reconhecer que nos empenhámos em ser prudentes, navegando à vista das experiências conhecidas. Mas ainda assim com o quantum

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satis de originalidade e adequação ao essencial do fenómeno autogestionário.
Captá-lo e traduzi-lo em formulações jurídico-empresariais não foi nem é tarefa fácil.
Daí a consciência de termos produzido algo de embrionário e inacabado, nessa medida aberto ao enriquecimento experimental, que é ainda o mais seguro viático para estas viagens pelo mal conhecido.
Não se trata, pois, de um projecto arrogante, orgulhoso de qualquer perfeição. Trata-se, isso sim, de uma abordagem cautelosa e reverente dos obstáculos a vencer.
A partir de agora, não se dirá que nenhum partido tentou saltar da Constituição para a vida e dar a mão aos trabalhadores que estejam dispostos a arriscar a comodidade de um salário pago por outrem, em troca de um auto-salário que soma à dureza do trabalho a responsabilidade da gestão, em troca do prémio incerto, mas tentador, de serem donos do seu próprio trabalho e senhores do seu próprio destino.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Não seria fácil, nem talvez útil, caracterizar aqui, em pormenor, um tipo de sociedade que não tem, por certo, o defeito de ser lacunoso.
Tentou-se um tratamento que cobre a génese, a constituição, o funcionamento, as transformações e a dissolução das sociedades em autogestão.
Mas talvez valha a pena reter aqui os seus traços mais característicos.
E que são:
O facto de os sócios porem em comum o seu trabalho, e não, ou não necessariamente, o seu capital;
À existência de um fundo social de montante variável constituído por eventuais dotações, reembolsáveis ou a fundo perdido, do Estado (por intermédio do Instituto Nacional de Empresas em Autogestão) ou dos sócios, ou por afectação, quando ocorra, de uma percentagem sobre os resultados líquidos;
A limitação da responsabilidade dos sócios aos seus direitos sobre o fundo social, eventualmente acrescidos de um suplemento não superior a 3' salários mensais;
A não limitação do número de sócios, corrigida pelo condicionamento da admissão de novos membros ao voto favorável de uma maioria qualificada;
O direito à percepção mensal, pelos sócios, de uma percentagem corrigível, e igual para todos, sobre o valor atribuído ao trabalho de cada um, na base do princípio da "remuneração igual para trabalho igual";
A corrigibilidade dessa percentagem, de acordo com a evolução previsível dos resultados, dentro de limites situados entre o subsídio de desemprego e o valor total atribuído ao trabalho de cada sócio;
A eventual cobertura, pela Secretaria de Estado da População e Emprego, do necessário para perfazer o limite mínimo, sempre que se entenda que a empresa é susceptível de recuperação a prazo;
O pagamento da percentagem sobrante após aprovação anual das contas da sociedade, ou o seu lançamento a crédito do sócio, na conta corrente do mesmo com a sociedade, em caso de falta de liquidez;
O direito à percepção pelos sócios, em partes iguais, independentemente do valor atribuído ao respectivo trabalho, de uma comparticipação nos benefícios líquidos de cada exercício, ou o seu lançamento em conta corrente, em paralelismo com a percentagem sobre o valor do trabalho não adiantada mensalmente;
O lançamento a débito dos sócios, e na conta corrente dos mesmos com a sociedade, da sua comparticipação, também igualitária, nas perdas de cada exercício;
A faculdade de emissão de títulos de poupança a subscrever pelos sócios, ou pelo público, nas condições de remuneração e reembolso aprovadas pelo Instituto Nacional de Empresas em Autogestão;
A possibilidade de organização em assembleia dos portadores dos títulos de poupança para defesa dos seus interesses comuns;
O exercício da gestão pelo plenário dos sócios, só a título de delegação deste podendo exercê-la a comissão de gestão;
A atribuição de um voto a cada sócio, no respectivo plenário, independentemente do valor atribuído ao trabalho de cada um e à respectiva participação no fundo social;
A previsão de regras específicas quanto à transformação, num só sentido, de sociedades públicas não nacionalizadas e privadas em empresas de autogestão, e nos dois sentidos destas e das cooperativas; A obediência a princípios ético-profissionais, resumíveis em valores de igualdade, solidariedade entre trabalhadores e empresas, valorização e dignificação dos trabalhadores e do seu trabalho.
Aqui deixo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o contributo destas magras considerações, não isentas de dúvidas, em homenagem aos que, num mundo que cumpre uma longa pena de exploração do homem pelo homem, não desistem de demonstrar a viabilidade de mais uma utopia libertadora.

Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e da Sr.ª Deputada Natália Correia do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos estão inscritos os Srs. Deputados Rodrigues dos Santos, Cavaleiro Brandão e Herberto Goulart.
Tem a palavra o Sr. Deputado Amadeu dos Santos.

O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, tive o grato prazer de ouvir a sua exposição e ela criou-me algumas dúvidas, que não posso pôr na totalidade e com toda a justificação, porque o tempo não mo permite. Contudo, vou pô-las em termos directos e objectivos.
Deu-me a impressão de que o Sr. Deputado teria dito na sua intervenção que a autogestão seria a fórmula mágica para resolver os problemas das empresas em dificuldades. Esta fórmula mágica será só para essas empresas, será também para empresas a constituir-se no futuro ou será para as empresas nacionalizadas?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse também que a autogestão não teria como prioridade a obtenção de lucros. Na realidade, se a autogestão não terá como

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prioridade a obtenção de lucros -é única e simplesmente para pagar os salários dos sócios-, como é possível fazer a expansão económica de uma sociedade se nessa sociedade as empresas forem, na sua maior parte, do tipo que não visa a obtenção de lucros ou que não procura fazer uma expansão económica?
Em terceiro lugar, gostaria de saber como compatibiliza as afirmações que fez aqui com as afirmações que f az o seu colega de partido Dr. Sotto Mayor Cárdia, quando afirma, categoricamente, no seu livro Socialismo sem Dogma que a grande solução será a participação dos trabalhadores na gestão das empresas -que é o principio da social-democracia, em que empregados e empregadas participam na gestão das empresas -, o que contraria frontalmente as teses que V. Ex.ª aqui defendeu.

O Sr. Presidentes - Tem a palavra o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão.

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, é com alguma dificuldade que me dirijo a V. Ex.ª, nomeadamente em resultado da perplexidade que o discurso prudente de V. Ex.ª me suscitou.
E, desde logo, por ser para mim inteiramente inesperado que alguém com a maturidade, com a experiência e com um sentido das realidades que V. Ex.ª tão abundantemente aqui tem exibido tenha vindo aqui evidenciar em termos tão utópicos um romantismo tão dificilmente contestável que, por isso mesmo, só embaraça que lhe questionemos o discurso e o raciocínio.
Em todo o caso, Sr. Deputado -e V. Ex.ª tem sido um legislador abundante e prolifero-, V. Ex.ª tem consciência, provavelmente melhor do que nós, de que, de um modo geral, a iniciativa legiferante aparece, fundamentalmente, para enquadrar a realidade, para responder a problemas que a própria realidade provoca e estimula.
Pela minha parte, seria considerar pouco lisonjeiro para V. Ex.ª que os problemas da realidade a que V. Ex.ª quis responder fossem aqueles que aqui referiu, nomeadamente os problemas do absentismo e da inflação.
Parece-me que uma iniciativa como esta tem realmente origem em questões e em perspectivas de ordem diferente, de plano bem diferente, e por isso parece-me incómodo para nós e mesmo para V. Ex.ª que problemas como o do absentismo e o da inflação sejam tão comezinhamente misturados com problemáticas tão ambiciosas e tão distanciadas da realidade - a que esta Assembleia devia estar submetida - como a autogestão.
Por isso, Sr. Deputado, a questão concreta que quero colocar-lhe ê esta: entende V. Ex.ª que com esta iniciativa o PS quis tão-somente consumir uma obrigação programática ou pensa que ela responde, de facto, a uma necessidade da nossa realidade social e económica? Pensa que ela poderá vir a ser assumida, na prática, pelos Portugueses, nomeadamente pelos portugueses que não queiram só aproveitar a possibilidade eventualíssima de se servirem do erário público através de apoios e de financiamentos a fundo perdido que estão previstos na sua proposta?

O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Herberto Goulart, também para pedir esclarecimentos, dou por encerrada a votação sobre o pedido de suspensão do mandato do Sr. Deputado
Mário Tomé e agradecia aos Srs. Escrutinadores o favor de procederem ao escrutínio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Deputado Almeida Santos, em primeiro lugar, quero dizer que o projecto de lei que o Sr. Deputado apresentou há pouco colhe, em termos gerais, a simpatia do nosso partido.
No entanto, para que tenhamos uma posição clara em relação a ele, gostaria que fossem esclarecidas três questões e avanço desde já que consideramos que este projecto, independentemente de uma evolução de futuro, traz um contributo positivo para as actuais empresas em autogestão que estão ainda numa situação precária.
As três questões que gostava de pôr ao Sr. Deputado Almeida Santos são as seguintes: em primeiro lugar, quanto a esta nova figura de sociedade que o projecto do PS procura consagrar no direito português, fala-se na sua constituição sem a existência de capital próprio e admite-se a possibilidade de haver uma dotação para o fundo social da empresa, a titulo de fundo perdido, como é referido nos artigos 1.º e 38.º, por parte do Instituto Nacional de Empresas em Autogestão.
Assim, quero perguntar ao Sr. Deputado, dadas as muitas analogias que invocou em relação ao sector cooperativo -e agora estou a referir-me particularmente ao sector das cooperativas de produção-, se esta forma, não sendo apenas para as empresas que já antes tenham grandes dificuldades, isto é, para situações de transformação de empresas, não pode introduzir uma situação de discriminação relativamente às formas de organização dos trabalhadores, que, de algum modo, são muito semelhantes e que deviam ser apoiadas a nível do Estado com igual simpatia, com atitudes não diferenciadas.
As outras questões que quero pôr - e não estou a pôr questões de pormenor, mas apenas questões - que parecem importantes para perceber a filosofia geral do processo - prendem-se com o problema das transformações de empresas privadas e cooperativas em empresas de autogestão, ou vice-versa, nomeadamente com a situação prevista para os trabalhadores minoritários, isto é, aqueles que não atingem uma percentagem de 25% e que não aceitem esta transformação, considerando-os a maioria qualificada de 75% numa situação de despedimento com justa causa.
Penso que isto tem uma lógica em relação à filosofia das empresas em autogestão, isto é, considerar que só podem ser trabalhadores dessas empresas os sócios. Porém, tenho alguma dúvida em relação a esta lógica quanto às cooperativas, visto que as cooperativas podem ter trabalhadores que não sejam sócios.
De facto, penso que aqui há uma certa atitude de violência -peço desculpa da expressão- da maioria dos trabalhadores em relação a uma minoria que, no máximo, poderá ser de 25%.
 última questão que quero pôr tem como fim saber qual o entendimento do Sr. Deputado sobre um artigo que me parece importante, que é o artigo 49.º
Gostaria de saber qual é o sentido da expressão «empresas públicas não nacionalizadas». Gostaria de saber se esta expressão é empregue especificamente em relação às empresas sem o estatuto a que, em abreviatura, se chama «E. P.» ou se é empregue relativamente às empresas que pertencem ao sector empresarial do Estado, na medida em que, se ela for empregue apenas

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no sentido do primeiro conceito - aquele que é o conceito da terminologia jurídica - , julgo que estaremos apenas confrontados com a situação das empresas da comunicação social. Se a expressão for empregue no sentido mais amplo que considera empresas publicas todas aquelas que pertençam ao sector empresarial do Estado, em que este é sócio único ou maioritário, entraremos no esquema das nacionalizações indirectas previsto na Constituição.

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho muito gosto em responder.
Suponho que o primeiro deputado que alguma vez nalgum parlamento fez a defesa das sociedades cooperativas ouviu discursos semelhantes aos que fizeram agora os Srs. Deputados Rodrigues dos Santos e Cavaleiro Brandão.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Ainda hoje os cooperadores e os defensores da solução cooperativa são acusados de utópicos, mas o Mundo tem sido empurrado pelos utopistas, e o que è preciso é que sejamos capazes de não envelhecer tão cedo para que sejamos capazes de continuar por mais algum tempo - e eu vou continuar - a tentar demonstrar a viabilidade de algumas utopias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Rodrigues dos Santos falou em fórmula mágica, não obstante eu ter sido de uma modéstia e de uma prudência tão grande -que, aliás, foi assinalada pelo Sr. Deputado Cavaleiro Brandão - que não vejo qual o cabimento da referência a uma fórmula mágica.
«Esta é uma fórmula que merece estudo, são pegadas que merecem ser seguidas» - disse eu. Falar em fórmula mágica quando eu fui tão limitado...
Eu apenas considero que esta é uma experiência que merece a nossa atenção e que não devemos deixar de a considerar à partida, até porque estas coisas começam por ser repudiadas para depois, com a mão na testa, se dizer: afinal de contas, teria valido a pena termos-lhe dedicado alguma atenção.
Este modelo não é só para as empresas em dificuldades, embora, obviamente, seja também para essas empresas, mas, mesmo que fosse, justificava-se ainda assim que dedicássemos alguma seriedade ao estudo do projecto de lei do PS.
Mas o que se quis com este projecto foi mais do que isso, foi dizer que o fenómeno da autogestão se não limita a um banco de empresas doentes.
Não é isso que se pretende que ele seja, pretende-se, num pais que tem como um dos principais problemas o desemprego, dar um quadro jurídico aos desempregados para poderem juntar o seu trabalho, ainda que sem capital, se o não tiverem, salvo se o Estado lho der ou puderem arranjá-lo de outro modo para, a partir desse ovo, que por vezes dá uma grande galinha, ou desse grão de mostarda, que dá uma grande mostardeira, poderem resolver o seu problema de falta de emprego.
Penso que num pais como o nosso, que tem um tão grave problema de desemprego e que está a pagar a tantos trabalhadores subsídio de desemprego, se poderia pensar um pouco mais a sério nesta solução, porque muitas das empresas hoje florescentes começaram num barracão, com 2 ou 3 trabalhadores que tiveram a iniciativa e a coragem de pôr em comum o seu trabalho, de trabalhar fraternalmente, sem outro espirito que não fosse o de conseguirem o seu pão, e depois, com justa ambição, foram crescendo e, por vezes, vieram a ser empórios.
Não esqueçamos que foi assim que começaram alguns dos grandes grupos económicos, a começar pela CUF.
Pergunta-me o Sr. Deputado como se expande uma sociedade não tendo a visão do lucro.
Como sabe, Sr. Deputado, nós não acompanhamos o seu partido na ideia de que o lucro é o único motor da vida e o único factor de crescimento da economia. Podemos discutir isto noutro momento, mas agora as limitações de tempo levam-me a ficar por aqui.
Respeito as opiniões do meu querido camarada e amigo Sotto Mayor Cárdia, li com toda a atenção o livro dele, tenho admiração por ele e até pelo livro que escreveu, mas não estou de acordo com tudo o que nele está.
Não confunde co-gestão com autogestão, Acho que a co-gestão é, apesar de tudo, um passo em frente, mas que ele fica a meio caminho entre a situação de total dependência ou de total falta de intervenção dos trabalhadores na administração da própria empresa e a autogestão.
Porém, a verdade é que a co-gestão pode às vezes, em certos termos, ser um passo atrás na realização da autogestão.
O problema é este: a co-gestão responsabiliza o trabalhador pela administração, mas não lhe dá a direcção da administração, e pode ser que os trabalhadores prefiram ser responsáveis pela globalidade da administração, e não apenas co-responsáveis em termos de não poderem influi-la decisivamente.
Sr. Deputado Cavaleiro Brandão disse que o meu discurso lhe causa perplexidade porque tenho sido um deputado prudente, com alguma revelação de maturidade -pudera, na idade que tenho-, alguma experiência e algum sentido prático, e teria vindo fazer aqui um poema utópico.
Bom, não sei como é que o Sr. Deputado qualifica a Constituição de Abril. Não sei se foi deputado constituinte, não sei se contribuiu para que conste da Constituição o que dela consta, mas, se não contribuiu, penso que o seu partido terá contribuído, ou, pelo menos, ela não nasceu do nada, precisou, como sabe, dos votos necessários para surgir.
A Constituição não é assim tão pessimista como isso relativamente à autogestão, e a única coerência que eu peço a esta Câmara é esta: ou se retira da Constituição o que lá está a respeito de experiências autogestionárias, do direito de autogestão, ou então passamo-lo da Constituição para a vida e damos aos trabalhadores algumas oportunidades de beneficiarem dela.
Foi isso que tentámos através do molde jurídico que é, no fundo, a lei de sociedades em autogestão que apresentámos. Penso que o próprio Governo está a trabalhar num projecto desses, e, se votarem contra o nosso projecto, que eu próprio rotulei de imperfeito, mas que é susceptível de melhoria com o vosso contributo, terão de assumir mais essa responsabilidade em face dos trabalhadores, e nós cá estaremos, quando vier o vosso projecto, para ver as maravilhas que traz, o positivismo

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que contém e a ausência de utopia de que forem capazes, porque sem o mínimo de sonho também neste domínio não é possível fazer nada.
Estamos numa matéria em que os passos têm que ser dados sobre matéria não conhecida -por isso, fui prudente-, mas não se esqueça de que há contradição em me chamar prudente, por um lado, e sonhador, por outro. Normalmente, os sonhadores não são prudentes!
O Sr. Deputado Cavaleiro Brandão acha que é pouco lisongeiro para mim o facto de eu ter relacionado a inflação e o absentismo com a autogestão.
Penso que fui claro e só os relacionei quando disse que a inflação e as medidas que ela determinou na política deste governo - que, provavelmente, terminaria na política de outros governos- provocam desemprego, pressionam o desemprego. Portanto, é preciso que tomemos atenção ao desemprego, porque ele vai crescer, e, se vai crescer, aqui está um pequeno contributo, dizemos nós, para ajudar a resolver esse problema.
O Sr. Deputado ou acredita nisso ou não, mas não pode dizer que há contradição no meu argumento!

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado perguntou-me também se o PS faz isso apenas por um acto de desobrigação ou por entender que é uma necessidade social.
Bom, o conceito de necessidade é um conceito talvez não apropriado para este caso, porque podemos passar sem uma lei de sociedades de autogestão e até podemos passar sem autogestão, como podemos passar sem cooperativas, como podemos talvez passar sem sociedades em comandita! Talvez possamos prescindir disso!
Só que ou esses tipos de sociedade têm alguma utilidade ou não têm. Se têm, aprovemo-las como contributo que são, ou podem ser, para a solução do nosso problema de desemprego, do nosso problema económico!
Se não acreditam nisso, então chumbemos não só o nosso projecto de sociedade em autogestão, mas também a Constituição, na medida em que ela aponta para a protecção das experiências autogestionárias.
E devo dizer que a minha prudência e a prudência do meu partido foram ao ponto de, por um lado, entendermos que devíamos considerar a consagração da autogestão como um direito fundamental -em princípio, com o acordo do seu partido e do PSD- e, por outro lado, entendermos que na protecção das experiências autogestionárias devíamos limitar-nos a só consagrar a protecção das experiências viáveis.
Como vê, não somos tão utopistas e sonhadores como isso.
Agradeço ao Sr. Deputado Herberto Goulart as suas palavras de simpatia para com o nosso pobre projecto. Também penso que ele é um contributo positivo, embora não venha, necessariamente, resolver todos os problemas nacionais; abre pistas para a resolução de alguns problemas, inclusivamente o do desemprego.
Ao que parece, fez confusão ao Sr. Deputado que as empresas em autogestão se possam constituir sem capital próprio.
Quero dizer-lhe que a actual legislação portuguesa já prevê as sociedades de indústria. Da definição geral de sociedade, como sabe, consta que sociedade tanto pode ser a colocação em comum de capital como de indústria.
Portanto, isto não representa novidade e, se acha que
o trabalho sem capital não chega para impulsionar uma empresa, devo dizer-lhe que o meu ponto de vista é outro.
O Sr. Deputado perguntou também se este modelo é só para as empresas com antecedentes. Suponho que já disse o suficiente para ser claro que não é só para elas, na medida em que pretendemos criar uma moldura jurídica em que trabalhadores, sobretudo em situação de desemprego, possam pôr em comum o seu trabalho, o seu esforço, para que mesmo sem capital ou com pequena ajuda do Estado, que, se não fizer isso, terá de lhes pagar o subsídio de desemprego, fazendo assim uma economia, possam ir crescendo e transformando-se em grandes fontes de criação de trabalho.
Quero também referir-me, ainda que muito sucintamente, ao problema dos 25 % em caso de despedimento.
É óbvio que na transformação, se alguns trabalhadores, que teriam de ser sócios para haver uma sociedade em autogestão, não consentirem fazer parte dela, terão de receber, necessariamente, o montante a que tenham direito.
Quanto ao sentido da expressão "empresas públicas não nacionalizadas", devo dizer que, se a empresa tiver sido nacionalizada, que é, no fundo, a transformação de uma sociedade numa sociedade de autogestão, que é de natureza privada.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amadeu dos Santos, suponho que para um protesto.

O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, peço desculpa de voltar ao assunto, mas queria perguntar-lhe qual seria o grau de responsabilidade dos trabalhadores em autogestão se recebessem do Estado, em fundo perdido, o financiamento para essas empresas avançarem, uma vez que o dinheiro do Estado é o fundo colectivo de uma sociedade? Qual o grau de responsabilização desses trabalhadores no sentido de que esse dinheiro teria que ser rentável ou, pelo menos, que o Estado não seria defraudado no seu investimento?
Isto porque, efectivamente, V. Ex.ª acabou agora de dizer que uma sociedade só com trabalho não é viável e terá de ter, pelo menos, um mínimo de capital.
Por outro lado, e em complemento desta pergunta, queria saber se V. Ex.ª, na realidade, acha compatível um projecto desta natureza com a situação altamente deficitária da sociedade portuguesa neste momento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rodrigues dos Santos não fez propriamente um protesto, foi um pedido de esclarecimento, mas, se o Sr. Deputado Almeida Santos quiser responder, faça favor.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, penso que V. Ex.ª terá lido que a concessão de crédito pode ser a fundo perdido ou não, dependendo do exame da situação concreta, e também terá lido que esse crédito será feito nas condições que o Instituto Nacional das Empresas em Autogestão definir.
Se aceita que o Estado esteja a pagar a 100 trabalhadores desempregados um subsídio quando a criação de uma empresa em autogestão pode resolver o problema desses 100 trabalhadores, aí tem um bom estímulo para

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que o Estado possa entregar algum dinheiro a fundo perdido, fazendo assim um altíssimo negócio.
Por outro lado, devo dizer que não será este o único caso em que o fundo colectivo, como lhe chamou, protege entidades individuais. É o caso das cooperativas, é o caso de muitas outras entidades que recebem auxílio do Estado a fundo perdido.
O Sr. Deputado disse que eu afirmei que só com trabalho uma empresa em autogestão não é viável. Eu disse exactamente o contrário e assim é difícil dialogarmos.

O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao orador inscrito a seguir, informo a Câmara de que o resultado da votação acerca do pedido da suspensão do mandato do Sr. Deputado Mário Tomé solicitada pelo Tribunal Militar Territorial de Lisboa para efeitos de julgamento é a seguinte: votaram sim 20 Srs. deputados, votaram não 131 Srs. deputados, houve um voto branco e um voto nulo, tendo votado, no total, 153 Srs. deputados.
Face a este escrutínio, a Câmara nega o pedido de suspensão do mandato do Sr. Deputado Mário Tomé.
Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 276/II, da responsabilidade do PS, sobre a Lei das Sociedades em Autogestão, merece o nosso apoio, quer em função de um juízo de oportunidade política quanto à iniciativa legislativa ora adoptada, quer em função de um juízo analítico do conteúdo da própria proposta em concreto.
Com efeito, sendo a UEDS uma organização política socialista autogestionária, é com particular cuidado e empenhamento que apoiamos esta iniciativa legislativa. Fazemo-lo não apenas em nome do nosso ideário político mas também porque as diversas iniciativas autogestionárias surgidas no período posterior a 25 de Abril impõem com urgência a definição do estatuto legal das unidades de produção que se encontram em tal situação.
Mas antes de passarmos à análise do projecto ora em discussão, seja-nos permitido aduzir algumas considerações sobre o significado que atribuímos ao subsector autogestionário e às unidades de produção constituídas sob a forma autogestionária.
Sr. Presidente, Senhoras e Srs. Deputados: A UEDS entende que um projecto de socialismo democrático terá de basear-se necessariamente na convergência de institutos e instrumentos de democracia representativa e de democracia participada. Com doseamento diferente consoante o plano considerado, esses dois esteios do nosso regime democrático exprimem-se quer no plano político quer no plano económico, social e cultural.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - O Estado de direito democrático contemporâneo é por isso cada vez mais a resultante do aperfeiçoamento dos mecanismos e institutos típicos da democracia representativa, baseados essencialmente na vontade popular expressa através do sufrágio universal e no entrosamento desses mecanismos típicos do sistema representativo com institutos e fórmulas específicas de democracia participada, alargando assim as capacidades e as possibilidades de participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões e aproximando cada vez mais as instâncias decisórias dos destinatários directos das próprias decisões.
No plano político-institucional, o reforço do poder local, a descentralização política e administrativa e a regionalização são vectores fundamentais do moderno Estado de Direito democrático.
No plano económico-social, para além da subordinação do poder económico ao poder político democrático, um especial relevo é conferido à natureza concorrencial das diversas iniciativas económicas, ao papel de motor do desenvolvimento atribuído ao sector público, à função coordenadora e racionalizadora do plano nacional, elaborado de forma democrática e descentralizada, ao alargamento dos direitos de participação dos trabalhadores, em termos globais e ao nível da empresa, no alargamento das iniciativas económicas cooperativa e autogestionária.
Este entendimento de democracia participada no plano económico e social é acentuado com particular ênfase pela Constituição de 1976, nomeadamente no artigo 90.º, quando explicita as bases do desenvolvimento da propriedade social. Embora esteja ainda a decorrer o processo de revisão constitucional, a UEDS entende oportuno sublinhar desde já que não será com o seu apoio, antes com a sua oposição, que serão introduzidas alterações que diminuam ou subalternizem a propriedade social e as experiências autogestionárias.
E dizemo-lo não por fetichismo ou mero apego formalista ao texto constitucional, mas porque pensamos que nesse dispositivo reside a natureza dinâmica, evolutiva e flexível do sistema económico consagrado na Constituição.
Com efeito, a relevância da propriedade social surge-nos por contraponto à recusa quer do primado dos interesses capitalistas monopolistas quer do primado do colectivismo.
O sentido libertador da Revolução do 25 de Abril, em termos económico-sociais, exprime-se não apenas na desarticulação dos grandes empórios privados (dos grupos monopolistas) mas também na recusa de uma estatização capitalista integral, que seria o fundamento de uma qualquer forma de capitalismo de Estado, mais ou menos autoritário, consoante o ditassem as exigências da hegemonia político-económicas dos grupos dominantes.
Há quem pretenda ver neste facto a afirmação do primado do colectivismo, isto é, da edificação de um Estado omnipotente e omnipresente sob o ponto de vista económico, assente na estatização integral da economia, na junção numa mesma entidade das alavancas fundamentais do poder político e do poder económico, sob a tutela de uma elite que deteria os segredos da tecno-burocracia de Estado, a coberto de uma qualquer ideologia política.
O nosso entendimento contrapõe-se quer ao primeiro quer ao segundo dos modelos que referi. Porque ambos esses modelos assentam em concepções crescimentistas, em que as liberdades se sacrificam a um mítico "paradigma de processo", em que o homem é entendido como mero factor produtivo e ou de consumo, desprovido da sua identidade humana, em que a produção mecanizada e desumanizante apenas se subordina aos ditames do lucro privado, num caso, ou das metas de crescimento definidas em planos estatais, no outro.
É pela recusa destes modelos, que, embora apresentando-se sob distintas formulações e até em nome de

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ideologias contraditórias, no fundo convergem irremediavelmente, que a UEDS preconiza o modelo socialista autogestionário, que se contrapõe com igual nitidez ao capitalismo privado ou de Estado como ao colectivismo.
A colectivização integral da economia, nos exemplos que conhecemos de economias centralmente planificadas, é incompatível com o modelo autogestionário e nem sequer assegura a apropriação colectiva dos principais meios de produção, só possível, em nosso entender, numa sociedade autogerida.
Porque só em tal sociedade ganha foros de cidadania a noção de produtores associados, só aí encontraremos uma organização do trabalho associado assente nos valores da responsabilização dos trabalhadores pelo produto social, através da participação, por um lado, na regulamentação das condições gerais de trabalho, na decisão autogestionária democrática sobre o trabalho e a reprodução social, e, por outro lado, na coordenação, orientação e planificação social do trabalho associado, em função da realização do interesse material, moral, pessoal, comum e social que qualquer actividade produtiva comporta.
É por isso que a problemática das empresas em autogestão não se esgota no estrito plano da definição do respectivo estatuto legal, de que trata o projecto de lei n.º 276/II, mas antes mergulha as suas raízes na imprescindível modificação da lógica, quer do sistema produtivo no seu conjunto, quer da organização da produção ao nível de cada empresa, sobretudo nos aspectos atinentes à definição dos ritmos de produção e repartição dos benefícios, às formas de organização do trabalho e à definição de um quadro democrático de tomada de decisões, à inserção de cada unidade produtiva na comunidade local de base onde está instalada e com a qual deve relacionar-se intimamente.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As considerações que acabo de expender têm um conteúdo global e pareceram-nos poder constituir um enquadramento adequado da discussão deste projecto de lei, precisando assim o espírito com que encaramos a adopção desta iniciativa legislativa.
Decerto haverá quem considere que o quadro traçado constitui um mero exercício de retórica, um devaneio romanticista, uma variação a quatro tempos sobre um tema de utopia. Mas felizmente a realidade da evolução social e económica de diversos países, quer daqueles que se reivindicam directamente de modelos autogestionários - como a Jugoslávia ou a própria Argélia-, quer daqueles da Europa Ocidental onde fazem caminho os ideais do socialismo democrático, e recordaria especialmente os casos de França e da Grécia, são exemplos que demonstram que a problemática da autogestão vai ganhando foros de cidadania plena, multiplicando-se não apenas as experiências concretas de autogestão mas também a definição em sede legislativa do estatuto das unidades de produção constituídas sob a forma autogestionária.
Postas estas questões, referir-me-ia seguidamente a alguns aspectos do projecto de lei em concreto.
A noção de empresa autogestionária, ínsita no artigo 1.º, merece a nossa concordância genérica, nomeadamente quando devidamente integrada pelos princípios das sociedades autogestionárias contidas no artigo 3.º
Quanto a estes, aliás, cumpre-nos sublinhar a igualdade dos direitos de gestão e das obrigações sociais dos trabalhadores; o princípio da solidariedade entre os
trabalhadores com vista à realização do interesse material, moral, pessoal, comum e social envolvendo a actividade produtiva em causa; o da repartição igualitária dos benefícios, para que da comunidade de trabalho resulte uma comunidade de fruição dos benefícios.
Faria, contudo, uma reserva quanto ao princípio do interesse social da actividade prosseguida, na medida em que a sua concretização pode comportar sérios riscos de actuação discricionária da parte do Instituto Nacional das Empresas em Autogestão, embora se preveja a recorribilidade do parecer deste, nos termos gerais de direito.
Quando se trata de legislar em termos gerais, e nomeadamente numa matéria praticamente virgem, receamos a introdução na lei de critérios excessivamente vagos, cuja interpretação estará dependente da maior ou menor complacência, do maior ou menor empenho do poder político de momento face às iniciativas autogestionárias.
Se o conceito puder ficar mais preciso na própria lei, resultam reforçadas as garantias das empresas autogeridas e a acção legislativa não sairá defraudada.
Referia ainda, e para terminar, que me parecia oportuna a referência, no artigo 2.º, enquanto direito supletivo, para além do regime das sociedades comerciais, nomeadamente as sociedades anónimas de responsabilidade limitada, do regime legal das cooperativas, aliás em paralelo à equiparação com o disposto no artigo 10.º no concernente ao regime fiscal aplicável.
Sr. Presidente, Senhoras e Srs. Deputados: Estamos confiantes que a aprovação do projecto de lei n.º 276/II contribuirá para a clarificação das diversas iniciativas económicas, nomeadamente a do subsector autogerido.
Mas a sua aprovação não é suficiente. Outras iniciativas complementares desta, quer legais, quer de política económica e cultural, se tornam necessárias e urgentes, nomeadamente tendo em vista a implementação dos mecanismos previstos na Lei n.º 66/78, de 14 de Outubro, no concernente à efectiva actuação do Instituto Nacional das Empresas em Autogestão, sem a qual as empresas autogestionárias não terão quaisquer garantias de acção.
A iniciativa legislativa ora apresentada visa tão-só cumprir uma imposição constitucional, satisfazer as expectativas das empresas em autogestão e dos seus trabalhadores, estabilizar o quadro das iniciativas económicas na sociedade portuguesa.
Não a aprovamos por mera convicção ideológica, não se justificam por isso votos contra por meros argumentos de natureza ideológica.
Nesta tríplice motivação, o projecto de lei do PS merece o nosso voto e o nosso aplauso.

Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão.

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - O Sr. Deputado António Vitorino trouxe-nos aqui aquilo que esperávamos dele, um discurso cujo brilho e profundidade de carácter doutrinário e ideológico muito veio reforçar o sentido deste projecto de lei.
Em todo o caso, teceu aqui algumas considerações que suscitam a minha dúvida e para as quais quero pedir-lhe alguns esclarecimentos, dando a todos de barato que, apesar do elogio que com todo o gosto lhe fiz, há, eviden-

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temente, grande distância nos pressupostos de que ambos partimos.
Em todo o caso, o Sr. Deputado fez aqui referência, dentro do quadro legal e constitucional a que quis reportar-se, a conceitos de democracia participada em que quis incluir a necessidade da concorrência entre as várias formas da iniciativa económica.
É relativamente a este pressuposto e a este conceito essencial, que pelos vistos identifica o quadro nuclear do seu próprio pensamento e do sistema e do regime que visa edificar e consolidar, que quero colocar-lhe uma questão.
Em concreto, quero perguntar ao Sr. Deputado se entende que este tipo de empresas que se visa regulamentar, que dispõe de modos de abastecimento financeiro próprios e até de possibilidades de recurso a despedimento indirecto, são concorrentes leais dentro do conjunto da vida económica portuguesa.
Mais concretamente, pergunto ao Sr. Deputado se, dado o modo como se encontra estruturado este projecto, não veicula para a vida económica portuguesa formas de distorção e embaciamento da transparência das regras da concorrência.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, para responder, se assim desejar.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Cavaleiro Brandão, com a generosidade que lhe é peculiar e característica, entendeu V. Ex.ª dever elogiar o meu discurso. Fico-lhe grato por isso.
Mas sempre lhe direi que quanto a essa questão das distâncias, saibamos, de facto, guardá-las.
E, desde logo, as nossas distâncias não são só físicas - estamos bastante distantes um do outro-, mas são também de natureza programática, de natureza ideológica e têm a ver também com um diferente entendimento do grau ou da hierarquização dos valores constitucionais.
O Sr. Deputado acabou de me dizer que a Constituição afirma o primado das regras da concorrência económica e que esse primado deve subordinar-se à existência de diversas iniciativas económicas e de diversos sectores de propriedade.
A minha lógica é exactamente a inversa. O que a Constituição afirma nos artigos 89.º e 90.º é exactamente o primado dos sectores de propriedade, o primado da lógica da organização do sistema económico em função dos sectores de propriedade definidos em função da titularidade e do modo social de gestão.
Num segundo momento vêm as iniciativas económicas, que decorrem da existência de uma multiplicidade de sectores de propriedade dos meios de produção.
E essas iniciativas económicas é que mantêm entre si uma coexistência concorrencial, se assim quiser.
Mas essa coexistência concorrencial não pode, em meu entender, ser arguida para que se extermine qualquer um dos sectores de propriedade.
Assim como eu não estou a invocar a autogestão integral para, por exemplo, destruir o sector público ou o sector privado, também não aceito que me venham dizer que as regras da concorrência impõem o extermínio do sector autogestionário porque esse sector seria pretensamente um sector com um abastecimento privilegiado, com possibilidade de recurso a formas de despedimento indirecto e, consequentemente, introduziria, por estas vias, uma distorção nas regras da concorrência, sendo concorrentes desleais no mercado.
Não, Sr. Deputado. Essa lógica não é, de facto, a minha lógica. Ã lógica que eu defendo, e que me parece ser a lógica da Constituição de 1976, é que existem diversos sectores de propriedades que baseiam diversas modalidades de iniciativa económica.
Essas iniciativas económicas confrontam-se numa realidade, cujo ritmo de confrontação deve ser assinalado pelo poder político porque qualquer forma de poder económico deve estar subordinado ao poder político democrático, e, consequentemente, as regras da concorrência não podem ser invocadas para justificar a eventual reprovação deste projecto, que o Sr. Deputado deixou antever nas entrelinhas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Manuel Araújo dos Santos.

O Sr. Manuel Araújo dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A poucos dias da festa do trabalhador, que deveria ser mundial e lamentavelmente não o é porque em múltiplas partes persistem factores impeditivos, nomeadamente ideológicos, e no meio de afirmações públicas que indicam ter entrado a Constituição na recta final da sua revisão - revisão que para todos os partidos democráticos deveria, entre outros objectivos, ser o de desdogmatizar muitos dos seus preceitos actuais para que nela possa sentir-se espelhado todo um povo -, o Partido Socialista, usando preceitos regimentais, agendou para o dia de hoje o projecto de lei n.º 276/II sobre a lei das sociedades em autogestão, comportando uma opção marcadamente ideológica capaz de, por si só, gerar controvérsia e necessidade de maior explanação de argumentos.
Tão marcadamente ideológica que, apesar da existência de múltiplas situações de empresas em autogestão espalhadas por todo o mundo, apenas se viu consagrada em lei, que saibamos, em muitos poucos países, nomeadamente na Jugoslávia e na Argélia.
Mas a discussão que hoje, aqui e agora, se vem travando sobre o projecto de lei em referência ultrapassa o aspecto meramente ideológico para se situar também no seu preceituado que, conforme aos seus autores, "não esgota o assunto, antes exige consequentemente um conjunto de outras iniciativas e projectos legais e económicos que visarão, em última instância, pôr em causa o modelo económico capitalista liberal e a concepção da sociedade civil, da sociedade política e respectivas relações".

0 Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Levando-nos para onde e para que tipo de sociedade, Srs. Deputados do Partido Socialista?
Mais se reconhece no preâmbulo do projecto de lei em apreço que o mesmo "não é nem podia ser isento de hesitações, lacunas e seguramente defeitos". A esta afirmação o Partido Social Democrata responde que poderia, se de facto tivesse havido iniciativas para tanto, nomeadamente do Partido Socialista, constituir a presente discussão o reconhecimento natural de que, face a casos concretos, é urgente e absolutamente necessário que se legisle procurando esvaziar tensões, arbítrios e defender situações justas.

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O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para nós, sociais-democratas, nem a presente discussão, nem a subsequente votação, nem tão-pouco o comportamento futuro, que levará certamente ao aparecimento de medidas legislativas que resolvam com justiça as situações advenientes da entrada em autogestão de múltiplas empresas, constituirão contradição com o nosso programa de partido. De facto, no nosso programa diz-se "a co-gestão está para a autogestão como a social-democracia está para a sociedade socialista". Afirmação que não pode provocar dúvidas nem quanto aos objectivos que nos propomos nem quanto aos métodos que utilizaremos para tal.

O Sr. Guerreiro Nobre (PSD): - Muito bem!

O Orador: - As reformas sucessivas e sem utopismos maximalistas e na plena obediência à vontade de um povo que em democracia se exprime fundamentalmente em eleições e que já demonstrou claramente não aceitar caminhar aos saltos bruscos por não desejar poder cair em abismos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para tanto e sem favores especiais ou benesses discriminatórias, face a outros sectores de propriedade social, nomeadamente o cooperativo, como se antevêem em vários preceitos do articulado, o sector autogestionário -exceptuando casos pontuais que não haverá dificuldade em reconhecer- há-de resultar de uma caminhada, desejada por uns e consentida por outros mas sempre harmónica, em que progressivamente se dê a participação activa dos trabalhadores na organização do seu trabalho, se estabeleça e se forneçam aos mesmos as maiores e objectivas informações económicas sobre as empresas em que labutam e em que permanentemente se aprofunde a formação técnica e económica dos trabalhadores, factor imprescindível à sua melhor preparação para a assunção de funções de gestão. Caminhada que naturalmente deve levar os trabalhadores a co-gerir, participando sem quaisquer favores nos resultados económicos de tal participação.
Por todas estas razões que a presente discussão confirmará, não se espere que o Partido Social-Democrata venha a entender que um edifício tão complexo, como é o do sector autogestionário, se possa edificar no meio das contradições e interesses presentes, em qualquer sociedade, de forma tão fácil e sem que sejam eliminadas as dúvidas que o actual articulado para nós comporta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu pedido de esclarecimento é muito breve e relaciona-se com as palavras do Sr. Deputado Manuel Araújo dos Santos.
Gostaria de saber se o Sr. Deputado não considera que uma iniciativa deste género é tipicamente reformista. Faço-lhe esta pergunta porque esta iniciativa, de facto, não é de natureza revolucionária visto não impor nenhuma ruptura na ordem constitucional ou na ordem económica vigente, ela visa pura e simplesmente dar um enquadramento legal a experiências existentes e visa abrir a possibilidade da constituição de novas empresas subordinadas à lei e dotadas de um estatuto legal. É uma iniciativa que se insere numa perspectiva de concessão de estatuto jurídico legal, claro e inequívoco, às diversas iniciativas económicas existentes em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como explicar que haja iniciativas económicas -a privada, por exemplo- sujeitas a apertada regulamentação e outras iniciativas económicas - como a autogestionária- desprovidas de qualquer estatuto jurídico-legal? Estamos a criar uma situação discriminatória, não a favor do sector autogestionário, mas sim contra os interesses, por exemplo, do sector privado ou do sector público. Pergunto: trata-se ou não, Sr. Deputado, de uma iniciativa reformista? Enquanto iniciativa reformista, não se quadra perfeitamente com o ideário social-democrata? Ou será que o ideário social-democrata só dá luz verde às experiências autogestionárias numa sociedade mirífica, numa sociedade imogética, em que não haja as tais contradições que o Sr. Deputado arguiu para explicar que não está muito de acordo com o disposto neste projecto de lei?

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Deputado Manuel Araújo dos Santos, ouvi a sua intervenção e, independentemente do seu mérito pessoal - que reconheço -, devo dizer-lhe que a argumentação que utilizou para aquilo que se adivinha ser a rejeição deste projecto de lei é, na verdade, uma argumentação estafada. O Sr. Deputado repetiu, como, aliás, já tinha feito o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão, determinadas ideias força: que este projecto tem um conteúdo ideológico, que entre o sector cooperativo e autogestionário não haverá grande diferença, não se vendo assim a necessidade de legislar um estatuto legal para as empresas em autogestão. Por outro lado, reconheceu que é necessário legislar para as empresas existentes. A minha pergunta é a seguinte: o Sr. Deputado considera que o desemprego tem alguma cor ideológica? Se não -conforme suponho-, pergunto-lhe se este estatuto representa ou não cumprimento do dispositivo constitucional e uma forma - entre outras- de resolver problemas de desemprego, conforme já referiu o meu camarada Almeida Santos.
Uma outra questão que aqui queria colocar é a seguinte: a situação existente nas empresas abandonadas e que foram ocupadas pelos trabalhadores, depois do 25 de Abril, tem uma lei que não foi até agora cumprida pelos departamentos ministeriais de tutela e foi-me anunciado, em resposta a um requerimento, que há legislação em preparação. Pergunto-lhe, como é deputado da maioria, se a maioria pensa legislar sobre este assunto no cumprimento do dispositivo previsto na Lei n.º 68/78.
Por último, aproveito para fazer uma observação: nós não somos contra a participação dos trabalhadores na vida da empresa nem contra a sua intervenção na empresa, mas consideramos que a co-gestão fica a meio caminho e não resolve os problemas dos trabalhadores em termos da sua emancipação. Pergunto ao Sr. Depu-

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tado se considera ser esse o papel da co-gestão e se a co-gestão resolve os problemas da emancipação e libertação dos trabalhadores da alienação e da exploração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder aos pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Manuel Araújo dos Santos.

O Sr. Manuel Araújo dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por responder ao Sr. Deputado que primeiro me interpelou.
Perguntou-me se este projecto de lei é de ruptura ou se é reformista e adiantou que, no seu entendimento, é um projecto de lei reformista. Eu penso que o reformismo e o ideal que defendo nada têm a ver com situações de benesses, com situações que podem fazer de uns filhos e outros enteados, e a leitura que faço do articulado, de vários dos seus artigos, vai no sentido de favorecer um determinado sector da propriedade social, em relação a outros sectores, nomeadamente o cooperativo.
Fico por estas afirmações porque, de facto, o tempo não nos permite aprofundar esta argumentação.

Risos do PCP.

Lamento que se venha aqui dizer que a minha argumentação é uma argumentação estafada. Não seria assim se em sede de comissão tivéssemos confrontado os nossos argumentos com os do Partido Socialista e, uma vez que o projecto de lei já foi presente há bastante tempo, teria tido muito gosto, em nome do meu partido, em discutir estas questões, sendo, talvez, possível resolver os problemas da regulamentação das empresas que actualmente estão em autogestão. É preciso resolver estes problemas com justiça, acabando com o arbítrio e com as injustiças!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Como no Hotel Baía?

O Orador: - Para mim, continuo-o a afirmar, o actual projecto de lei tem uma carga ideológica marcante, não sendo por isso obra do acaso -já o disse na minha intervenção- a escolha do dia para esta discussão. O Partido-Socialista pretende demonstrar que é ele o único defensor dos trabalhadores, trazendo aqui o problema das sociedades em autogestão e dizendo que este projecto de lei vai resolver o problema do desemprego. Tenho as minhas dúvidas, melhor, tenho quase a certeza de que este projecto de lei não vem resolver o problema do desemprego porque uma das condições fundamentais para que uma empresa possa, de facto, subsistir é ter uma gestão capaz e eu não concebo que, neste momento, existam condições para que muitos dos trabalhadores desempregados se possam abalançar, sem qualquer espécie de promoção profissional, para essa gestão.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Isto é um atestado de estupidez que está a passar aos trabalhadores!

O Orador: - Custa-me a acreditar que possam lançar-se as experiências tal qual o Partido Socialista as estipula.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por exemplo, o artigo 11.º diz que "os trabalhadores que pretendem constituir uma sociedade em autogestão deverão expor ao Instituto Nacional das Empresas em Autogestão o seu projecto económico e o seu acordo em associar-se, instruindo-se com os seguintes documentos... Mas onde está a propriedade dos meios de produção? Não vejo esse aspecto esclarecido no presente projecto de lei, penso que ele confunde várias situações que mereciam ser esclarecidas.
Perguntou-me o Sr. Deputado Marcelo Curto se a maioria tem intenção de legislar futuramente sobre esta questão. Sobre isso devo dizer-lhe o seguinte: uma das condições que balizam o nosso voto, conjugada com a necessidade que sentimos em regulamentar as empresas actualmente existentes, está relacionada com o facto de, em tempo próximo, apresentarmos medidas legislativas que tenham em conta estas situações que devem ser resolvidas o mais rapidamente possível.

Aplausos do PSD.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um pequeno protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Srs. Presidente, Srs. Deputados: Protesto, permitam-me que o faça assim, em nome dos trabalhadores, pelo atestado de ignorância, incapacidade e falta de formação que o Sr. Deputado Manuel Araújo dos Santos tentou, de forma muito desajeitada, passar aos trabalhadores que em centenas de empresas em autogestão -empresas deixadas descapitalizadas, empresas abandonadas, empresas que (como o Hotel Baía) ficaram com 10 tostões em depósito - recuperaram e demonstraram que tem capacidade de gestão.

Vozes do PS, do PCP e da UDP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado não tem que dizer se acredita ou não na autogestão, se acredita ou não neste projecto de lei; o Sr. Deputado tem é de demonstrar se está de acordo com esta forma de salvar empresas e de arranjar empregos e, se está de acordo com isso, discutiremos os problemas de especialidade em sede de especialidade, e não é lançando anátemas de incapacidade, ou falta de formação, sobre os trabalhadores que estes problemas se resolvem. Esses argumentos fazem-me lembrar outros que já ouvi a uma certa casta de gestores no sentido de dizerem que a Lei n.º 46/79 não podia ser aplicada, nem os gestores podiam tomar posse sendo eleitos pelos trabalhadores, porque os trabalhadores não tinham formação nem tinham capacidade. Esse é um argumento que eu e o meu partido rejeitamos liminarmente!

Vozes do PS, do PCP e da UDP: - Muito bem!

O Sr. Manuel Araújo dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Araújo dos Santos (PSD): - Sr. Deputado Marcelo Curto, antes de entrar na resposta ao seu protesto, queria dizer-lhe, porque me esqueci de apontar essa situação, que, tal como entendo que a autogestão não é uma forma absoluta de resolver problemas, a co-gestão, para nós, não é o medicamento capaz de

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resolver os problemas que apontou. A co-gestão é uma via, é um meio, de atingir uma solução mais justa, uma via de chegarmos à autogestão.
Quando o Sr. Deputado Marcelo Curto vem dizer que passei um atestado de ignorância e incapacidade a múltiplos trabalhadores, não é justa essa sua afirmação. Primeiro porque um trabalhador como eu, que tive e tenho a honra de representar trabalhadores e que ao longo de vários mandatos vi a minha amplitude eleitoral aumentada, não pode aceitar que o Sr. Deputado Marcelo Curto venha dizer que passei um atestado de ignorância e incapacidade a trabalhadores.

Vozes do PCP: - Representa muito mal!

O Sr. António Arnaut (PS): - É mais grave ainda!

O Orador: - É evidente que nem todos somos iguais e que não podemos generalizar estas coisas, mas o que eu disse foi isto: para haver uma boa gestão é necessário haver preparação e formação profissional. Ou seja, antes de nos lançarmos em situações tão extremas como aquelas que o projecto de lei do Partido Socialista aponta, devemos preparar todo um conjunto de iniciativas que permitam que haja a mínima segurança para não haver experiências falhadas.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É tal e qual o que Salazar dizia..., que os Portugueses não estavam preparados para a democracia!

O Orador: - Sr. Deputado, estou aqui com muita honradez de princípios, estou aqui com muita atenção e respeito por todos os Srs. Deputados, gostava que me deixassem concluir. Estou a intervir dentro da minha capacidade, admito que VV. Ex.ª entendam também que sou incapaz e ignorante, mas estou a dizer aquilo que sei e de que sou capaz.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Quanto ao Sr. Deputado Manuel Lopes, gostaria que ele, numa intervenção que venha aqui fazer, emitisse a sua opinião sobre o problema da autogestão e que me dissesse se nos países que têm o modelo económico-político que ele defende existe essa liberdade de experiências autogestionárias, tal como o Partido Socialista neste momento vem apontar.

Vozes do PSD - Escusavas de ouvir esta!

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Admito que a figura não seja muito ortodoxa, no plano regimental, mas tratar-se-ia de protestar relativamente a palavras e expressões que o Sr. Deputado Marcelo Curto usou na sua intervenção de protesto.
Se V. Ex.ª considerar que é razoável...

O Sr. Presidente: - Oh, Sr. Deputado, V. Ex.ª tem tempo do seu partido, pode fazer uma intervenção inscrevendo-se nesse sentido e exprimirá as suas opiniões
nessa altura. Parece-me que não podemos ultrapassar muito estas regras.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Independentemente do conteúdo do projecto de lei n.º 276/II, o Grupo Parlamentar do PCP reconhece-lhe o mérito da oportunidade, na medida em que permite discutir e analisar a situação actual do sector das empresas em autogestão.
Aqui, na Assembleia da República, desde o pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 821/76 por parte do CDS até à aprovação das Leis n.º 66/78 e 68/78, cada força política interpretou à sua maneira as razões que levaram cerca de 30000 trabalhadores a enveredarem pelo recurso à autogestão em cerca de 1000 empresas. Nesses longos debates uma coisa ficou clara. O ódio visceral da direita perante esta nova realidade e as razões que levaram as forças democráticas a apoiá-la.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orados: - Quem se der ao trabalho de folhear as intervenções então produzidas verifica que as forças mais conservadoras e reaccionárias sempre pretenderam confundir a labuta honesta de muitos milhares de pequenos e médios comerciantes e industriais com a conduta sabotadora e criminosa de algumas centenas de indivíduos que depois de 25 de Abril de 1974 colocaram em causa cerca de 30 000 postos de trabalho e a economia nacional, devido ao seu ódio ao regime democrático e às transformações em curso. A direita com seu vezo classista nunca admitiu que os milhares de trabalhadores em autogestão, sem almejar lucros fáceis ou privilégios, apenas pretenderam salvaguardar no mínimo o seu direito ao trabalho e ao salário, sendo a própria vida a impor-lhe, em cada caso concreto e em cada empresa concreta, uma forma de actuação adequada à sua própria defesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O seu ódio, o ódio das forças conservadoras e reaccionárias, foi maior quando verificou que o poder criativo, o querer e o abnegado sacrifício dos trabalhadores foram capazes de tornar viáveis as empresas condenadas e abandonadas pelo patronato.

Vozes do PCP - Muito bem!

A partir do Poder, a direita revanchista começou a desferir ataques violentos contra o sector, a recusar apoios, a não cumprir a lei, facilitando a entrega das empresas rentáveis ao patronato e aguardando que outras morressem pelo cerco que lhes moveu. A primeira peça desta estratégia partiu da iniciativa do CDS quando pediu a ratificação do Decreto-Lei n.º 821/76, visando destruir esta frágil defesa jurídica dos trabalhadores. Não o conseguiu. Posteriormente Mota Pinto cria uma comissão interministerial, que em 1980 publica um relatório de conteúdo provocatório e saudosista que apontava nas suas conclusões para a destruição do sector. Com a aprovação e publicação das Leis n.º5 66/78 (que criava o Instituto das Empresas em Autogestão), e 68/78, algumas forças democráticas julgaram (de forma idealista), ter contribuído para travar o passo aos

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ataques desferidos pela direita. Mais uma vez a vida deu a razão às justas preocupações e críticas proferidas na altura pelo Grupo Parlamentar do PCP. A AD fez desta lei o mesmo que fez com a lei Barreto. Aproveitando o poder tutelar dos Ministérios, recusou-se sempre a criar o INEA, apesar dos trabalhadores terem eleitos os seus representantes para este órgão.
Ao fim de 4 anos, sublinho, não há nenhuma empresa a que tenha sido reconhecido o estatuto de autogestão, o que significa para os trabalhadores um profundo sentimento de insegurança permanente e a estarem sujeitos ao livre arbítrio de um qualquer secretário de Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O caso concreto do Hotel Baía veio provar que a Lei n.º 68/78, para além de ter de se saber como se aplica, tem muito a ver com quem a aplica. O Secretário de Estado do Turismo inserido na estratégia da AD demitiu a comissão de gestão eleita pelo colectivo dos trabalhadores, fabricando e nomeando uma outra composta na sua maioria por familiares do antigo patrão. Mesmo sabendo que o Tribunal da Relação deu razão aos trabalhadores, com receio que o Supremo ratifique a sentença, a AD e a comissão de gestão pré-fabricada tentam minar a unidade dos trabalhadores, ameaçam com a repressão e o despedimento e tentam comprar a dinheiro as suas consciências.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a gestão dos trabalhadores do Hotel Baía foi, ao longo de 7 anos, entre outros, um exaltante exemplo da iniciativa criadora, do espírito de sacrifício dos trabalhadores, que partindo quase do zero, colocaram no banco 15000 contos, dispunham de um crédito de valor idêntico, fizeram melhoramentos no Hotel, que orçam as dezenas de milhares de contos, e criaram novos postos de trabalho, facilitando o seu acesso aos jovens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é verdade que o Hotel Baía serve como ponto de referência à situação actual e à política do Governo AD, dezenas de outros casos aqui poderiam ser referidos.
É a OTIS, actualmente com cerca de 260 trabalhadores que aumentaram 50 postos de trabalho nos últimos 4 anos. Os benefícios não foram ainda distribuídos pelos trabalhadores, conforme preceitua a Lei n.º 68/78, por impedimento do Ministério da Indústria. A indefinição da nua-titularidade impede investimentos, leva a degradação do parque industrial e coloca sérios obstáculos à exportação. Apesar das dificuldades, das indefinições e da insegurança quanto ao futuro, tem exercícios lucrativos desde 1978.

a NEOLUX, com 165 trabalhadores, que dispõe de uma boa carteira de encomendas e tendo como principal cliente a EFACEC. Mas a não homologação da comissão de gestão tem originado sérios problemas sobretudo com os notários.
É a confecções HERTE, com 100 trabalhadores que aumentaram em 33 postos de trabalho desde que iniciaram a autogestão. Apesar das dificuldades que são comuns ao sector tem tido exercícios lucrativos nos últimos anos.
O mesmo acontece na SOFORMEL, ha Oliveira A. Fernandes, na Rocha Amado e Latino e em tantas outras.
Mas os ataques concertados do Governo e do patronato já provocaram centenas de falências arrastando para o desemprego milhares de trabalhadores. No dizer de um representante do Governo só havia de esperar pela "morte natural" de todas aquelas empresas que não foram reivindicadas pelo patronato. Para além de satisfazer a sua .clientela a AD pretende destruir de facto o sector das empresas em autogestão, destruir uma realidade de Abril, desvalorizar e tornar inúteis os preceitos constitucionais relativos à intervenção dos trabalhadores na vida económica.

O Sr. José Magalhães(PCP): - Destruir a democracia!

O Orador: - Mas o processo de revisão constitucional permitiu comprovar claramente que se a AD pudesse rasgar as próprias disposições da lei fundamental que protegem directamente a gestão pelos trabalhadores o faria com o sinistro entusiasmo revanchista. O projecto de revisão constitucional da AD não deixa dúvidas sobre tais intenções. A AD pretendia a supressão da cláusula do artigo 89.º que prevê a gestão dos colectivos de trabalhadores nas unidades de produção no sector público. A AD gostaria de eliminar o artigo 56.º relativo à garantia do controle de gestão e o princípio do desenvolvimento da propriedade social previsto no artigo 90.º E pretendia evidentemente suprimir o próprio direito de os trabalhadores de empresas indirectamente nacionalizadas fora dos sectores básicos da economia optarem pela autogestão em caso de cessação de nacionalização nos termos do artigo 83.º n.º 2.
Na Constituição sonhada pela AD só se ouviria a voz dos monopólios e dos latifundiários: não haveria evidentemente lugar para as explorações colectivas agrícolas sobre a terra nacionalizada nem para as explorações colectivas no domínio da indústria, comércio e serviços. Seriam metodicamente expurgadas todas as expressões e disposições constitucionais referentes à posse e gestão pelos trabalhadores. Estes planos de destruição não poderiam, porém, deparar senão com a oposição das forças democráticas, com o enérgico repúdio dos trabalhadores, que se repercutiu no processo de revisão constitucional. As pretensões e propostas fundamentais da AD não obtiveram acolhimento. Mas a AD insiste e preocupa-se agora, selectivamente, em garantir sobretudo a supressão do princípio do desenvolvimento da propriedade social e privilegiar predominantemente o sector privado. Importa garantir que tal não venha a acontecer e que venha até a ser consagrado explicitamente o direito à autogestão aventado durante os debates.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Importa hoje que se ponha cobro à acção através da qual todos os dias a AD faz letra morta das disposições que a Constituição hoje prevê (e tudo indica que continuará a prever).
É neste contexto que deve ser inserido o debate do projecto de lei n.º 276/II. Consideremos, então, o projecto de lei em concreto, no articulado que é proposto. Em nosso entender a regulamentação legal da matéria deverá juntar-se por certo número de critérios determinados, designadamente pelos 4 seguintes:

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1.º Liberdade de criação da empresa nos termos e limites definidos pela lei;
2.º Garantia do princípio da não ingerência na sua administração e gestão, sem prejuízo da fiscalização da legalidade no uso dos benefícios e apoios devidos;
3.º Garantia da não adulteração do uso ou do recurso à forma jurídica, sociedade em autogestão para fins da estrutura empresarial que lhe sejam alheios;
4.º Defesa e apoio das empresas actualmente existentes e dinamização imediata dos mecanismos de apoio (designadamente do INEA).

A considerar-se a relevância destes princípios, o facto é que o projecto de lei, em vários dos seus pontos, suscita fundadas reservas quando não mesmo, fundada oposição. Neste último caso, encontra-se a norma do artigo 58.º, que, admitindo e aceitando que uma ilegalidade - a da não entrada em funções do INEA - permaneça e continue, nada ajuda as empresas em regime de autogestão actualmente existentes.
Não se pode, por outro lado, deixar sem reparo o facto de em nenhum ponto do projecto ser feita referência à situação de bloqueio -a maior parte das vezes sem qualquer fundamento legal- em que estão vários processos de regularização da autogestão. Tais situações podiam ser resolvidas pela aclaração da Lei n.º 68/78 ou pela introdução de mecanismos que facultassem maior capacidade de intervenção dos processos dos trabalhadores interessados e maior garantia da vinculação à lei por parte das entidades públicas.
No seu articulado concreto o projecto de lei suscita-nos reservas, quando aceita e pressupõe o controle prévio da Constituição. Para além da duvidosa compatibilidade dessas normas (como as do artigo 11.º) com os princípios do Estado de direito democrático constitucionalmente consagrados, sempre avultaria a possibilidade de se abrir assim uma via de contencioso que, mesmo que levados aos tribunais, traria no bojo obscuras posições políticas de quem tivesse a última decisão do INEA.
O regime previsto da emissão de títulos de poupança e da intervenção da denominada no projecto "Assembleia dos portadores" é quanto a nós uma porta aberta para a adulteração de toda a filosofia que deveria presidir a estas sociedades. Não podemos por isso deixar de afirmar que, em sede de especialidade, todo esse regime deve ser profundamente repensado, tanto mais que se trata de fiscalizar, então o próprio projecto contém os mecanismos adequados, designadamente pela previsão de um conselho de fiscalização.
Outras questões, de natureza diferente, são ainda suscitadas pelo projecto. Referimo-nos ao disposto no artigo 1.º, n.º 3, que admite sociedades parabancárias sem completo esclarecimento de que elas não poderão deixar de respeitar o princípio decorrente da Constituição, da nacionalização do sector e actividade bancárias.
Referimo-nos ainda ao disposto no artigo 49.º, de duvidosa conformidade com o artigo 83.º, ou porque introduz uma limitação da vontade exigindo os 75 % ou porque (e então ao contrário) com isso se pretende a retirada do sector público de empresas mesmo quando não houve integral cumprimento do processo previsto naquele normativo constitucional.
Ficam outras questões menores ou não completamente esclarecidas. Mas fica também um outro aspecto particularmente preocupante. É que o projecto não só não resolve directamente, não ajuda directamente a solução dos casos difíceis que hoje existem, como também, ao sujeitar pelos artigos 56.º e 57.º as empresas em autogestão hoje existentes ao regime nele previsto sem qualquer disposição de protecção -mesmo que, em última instância, de carácter transitório- lhes viria criar novas e acrescentadas dificuldades. É talvez aqui, mais do que em nenhum outro sítio, que transparece o facto de este projecto e esta discussão se fazerem de forma algo desajustada à realidade que vivemos. Aí está à nossa frente uma direita revanchista, avessa ao progresso social inimiga dos trabalhadores, de costas para o futuro. Fosse qual fosse o seu voto na generalidade, essa direita, que temos à nossa frente, nunca pensava nem pensaria em executar lei que se baseasse neste projecto. E isso é tanto mais claro quanto sabemos, e já aqui o referimos, qual é o seu comportamento perante as empresas em autogestão actualmente existentes. Da nossa parte, as reservas que referimos não nos leva a deixar de dar o nosso apoio ao projecto. Mas entendemos chamar a atenção para o facto de que o combate essencial se trava numa frente bem mais imediata e difícil.
O ódio visceral da direita arrumaria sempre qualquer projecto de defesa das empresas em autogestão.
Fizeram-no e fazem-no no ataque à Reforma Agrária, no ataque ao sector público nacionalizado e cooperativo. Fizeram-no com a lei das comissões de trabalhadores impedindo o controle de gestão e proibindo a entrada em funções de gestores eleitos pelos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tal como estas conquistas e direitos, o sector das empresas em autogestão encerra um pouco das grandes transformações sociais e económicas operadas a partir do 25 de Abril que a AD proeurou sempre liquidar.
Os trabalhadores do sector, apesar dos obstáculos, apesar das dificuldades e dos ataques que lhes são movidos, continuam a lutar. Criando uma estrutura coordenadora, realizaram plenários e encontros nacionais e apresentaram reivindicações específicas que visam solucionar alguns dos seus problemas.
Exigem a aplicação da Lei n.º 68/78, tendo sempre em atenção o enquadramento constitucional e a vontade colectiva dos trabalhadores.
Manifestam a necessidade de clarificar a situação de indefinição existente, a instalação efectiva e imediata pelo Governo do INEA para que o objectivo da Lei n.º 68/78, de apoio às empresas em autogestão se concretize no âmbito do crédito, auxílio técnico, formação e planeamento.
Exigem a imediata homologação das comissões de gestão eleitas há mais de um ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas reivindicações simples e concretas não impedem que os trabalhadores das empresas em autogestão tenham a consciência plena de que, com este governo e com esta política, o seu amanhã será sempre o da incerteza e o da insegurança. Sabem que o seu sector não constitui um sector economicamente dominante ou determinante. Mas sabem também que a sua obra simboliza a resistência das camadas laboriosas aos ataques do patronato reaccionário que tentou pôr em causa a democracia, a economia nacional e as conquistas do 25 de Abril. A sua

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obra é um perigo real para o sistema capitalista. Cada êxito, cada exemplo bem sucedido traduz-se numa demonstração da desnecessidade e desvantagem do patrão "todo poderoso" que se coloque fora do regime democrático e da Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Grupo Parlamentar do PCP não defende a ideia de que essas empresas se transformaram ou se podiam transformar em pequenos "paraísos sociais", mas defendemos que com a atenção e o apoio que mereciam por parte do Estado, não seriam destruídos milhares de postos de trabalho e centenas de empresas continuariam a laborar para bem da economia nacional. Para nós, tal como está definido na Constituição da República, o desenvolvimento económico e social da nossa sociedade assentam fundamentalmente nas nacionalizações, na Reforma Agrária, no sector cooperativo e em autogestão sem esquecer o papel da iniciativa privada. Vamos votar favoravelmente o projecto de lei n.º 276/II. Caso seja aprovado na generalidade empenhar-nos-emos na discussão na especialidade, a fim de que sejam acolhidas as aspirações e as justas reivindicações dos trabalhadores das empresas, do sector, designadamente respeitando um princípio constitucional que para nós é sagrado de que os trabalhadores interessados devem ser ouvidos e devem participar nas soluções finais preconizadas pela lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós somos daqueles que compreendemos o esforço e a tenacidade desses milhares de homens e mulheres que insistem em defender a sua obra. É assim que Abril se defende. Daqui saudamos os que não baixam os braços nem as vontades nas empresas geridas pelos trabalhadores.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardote.

O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - Já hoje aqui, numa breve referência do Sr. Deputado Marcelo Curto e numa referência mais alongada do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, se veio referir outra vez o caso do Hotel Baía, exaltando-o como um exemplo paradigmático de sucesso autogestionário.

Vozes do PCP: - Não é?!...
É preciso que esta posição seja corrigida, porque ela me parece parcializada. O Hotel Baía não é, nem na sua génese, nem no seu aspecto de gestão -em minha opinião - um sucesso. Não é na sua génese porque todos sabemos em que condições - e se não sabemos convém recordá-lo - é que os trabalhadores tomaram nas suas mãos a gestão do Hotel Baía. Não foi um daqueles casos de autêntico abandono de empresa em que os trabalhadores tivessem que tomar a obtenção do seu ganha-pão nas suas mãos, não foi esse o caso, porque os proprietários do Hotel Baía não abandonaram o Hotel, não abandonaram a gestão, pelo contrário sempre se mantiveram firmes todos estes anos na defesa dos seus direitos de proprietários e de gestores do Hotel.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Por outro lado, os motivos alegados não são justificativos para a tomada de posse pelos trabalhadores da gestão do Hotel Baía.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Isso é falso!
Falou-se em descapitalização, mas não pode falar-se em descapitalização numa empresa que já existia há 12 anos, num hotel que estava perfeitamente normalizado nos seus aspectos gestivo, económico e financeiro, num hotel onde a entidade patronal não era proprietária, mas gestora, e onde as dívidas se limitavam e limitariam às dívidas correntes da exploração. Portanto, não havia descapitalização e dizer que não havia um tostão é esquecer que ficaram lá todas as potencialidades quer no aspecto comercial, quer no técnico, potencialidades conseguidas durante a gestão dos seus legítimos proprietários.
Alega-se fuga de capital para o estrangeiro, mas nunca se provou essa fuga de capitais e, que eu saiba, até ao momento, esse acto nunca mereceu qualquer sanção oficial e legal.
Alegaram-se outros motivos menores que não vale a pena aqui trazer à colação.
Resumindo bastará dizer, quanto à génese dessa tomada de atitude pelos trabalhadores, que os postos de trabalho não estavam em perigo, os salários estavam em dia, a situação financeira e económica era perfeitamente normal. Portanto, nada o justificava, foi uma daquelas sequelas bem lamentáveis do 11 de Março.
Srs. Deputados, melhor andariam se não trouxessem o caso do Hotel Baía à colação quando se está a discutir aqui a causa mais geral da autogestão que, em minha opinião pessoal, é, em certos aspectos, digna de bastante ponderação. Na opinião da consciência bem formada da maioria dos portugueses os Srs. Deputados, ao associarem um exemplo que teve esta génese e onde a empresa -para utilizar a expressão do Sr. Deputado Almeida Santos - não era agonizante nem cadáver, mas estava bem viva e atenuante, estão a prestar um mau serviço a uma causa merecedora de uma ponderação bastante alargada.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Américo de Sá.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já excedeu o seu tempo.

O Orador: - Peço só mais um minuto, Sr. Presidente.

Num ângulo de gestão, Srs. Deputados, não me parece que esta autogestão tenha sido um sucesso. Aventam-se números, mas nunca foram dados os números dos lucros ou dos prejuízos resultantes da exploração, fala-se, sim, em reservas de Caixa e quanto é que o colectivo dos trabalhadores tem no banco.
Gostaria que os Srs. Deputados me informassem do seguinte: quanto é que pensariam que haveria em caixa, ou nos bancos, se os trabalhadores tivessem vindo a pagar pontualmente aos proprietários a pseudo-renda da exploração? Essa renda, que é de cerca de 90 contos por mês e que foi fixada pelo próprio proprietário quando era simultaneamente o dono da empresa gestora do empreendimento, não tem vindo a ser paga mesmo sendo

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perfeitamente ridícula. Qualquer pessoa, minimamente dentro dos problemas comerciais e industriais, sabe que - por um imóvel daqueles que vale centenas de milhares de contos, um hotel com 88 quartos e, com todas as explorações acessórias - pagar (não se paga) 90 contos de renda por mês é perfeitamente ridículo.
Pergunto: onde é que estão as provisões pra as amortizações do imobiliário afecto à exploração? Onde é que estão as provisões para os impostos que os trabalhadores não têm vindo a pagar... ainda recentemente tiveram de pagar 1600 contos de imposto de transacção e multa do ano de 1981?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já excedeu longamente o seu tempo. Faça favor de concluir o seu protesto.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. António Arnaut (PS): - Isso é um problema do Hotel Baía!

O Orador: - Pergunto: esta empresa autogestionária está a gerir-se, como diz o artigo 1.º deste projecto de lei, em discussão, em moldes empresariais normais e correctos quando não paga os impostos, as rendas de exploração e quando não faz provisões, conforme devia fazer, para outros encargos da sua gestão?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amadeu dos Santos.

O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa falou-nos aqui em ódio das forças conservadoras e reaccionárias e de consciência de classe. Não queria ir ao fundo da questão, mas gostaria de saber em que qualidade se coloca o Partido Comunista, senão exactamente neste ódio também igual às forças conservadoras e reaccionárias, pela tal consciência de classe que aqui nos vem trazer.
Depois do Sr. Deputado Manuel dos Santos ter dito e anunciado que, além do Governo, a maioria irá adoptar medidas em relação aos actuais casos, pontualmente existentes, de autogestão, V. Ex.ª não acha que o seu discurso teve uma impertinência total?

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao protesto formulado pelo Sr. Deputado Fernando Cardote, devo dizer-lhe que, quanto à questão do Hotel Baía, nem sequer lhe passo o atestado de procurador de interesses da entidade patronal. Emiti uma opinião, mas o Sr. Deputado fez uma coisa muito mais grave: fez uma condenação. Ora, em relação a um processo que neste momento está em tribunal, nomeadamente no tribunal da relação, que deu razão aos trabalhadores, estando só a aguardar a decisão do Supremo, o Sr. Deputado da maioria vem aqui condenar os próprios trabalhadores do Hotel Baía.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que houve aqui um dado que o Sr. Deputado não referiu. V. Ex.ª falou nas dívidas dos trabalhadores, mas não referiu que ao longo de 7 anos os trabalhadores do Hotel Baía apenas receberam os seus salários impostos pela contratação colectiva, que nem sequer exigiram para eles os lucros que neste momento estão depositados no banco e que o Sr. Secretário de Estado do Turismo do seu governo chegou lá acompanhado da polícia para impor o filho e o genro da entidade patronal para uma comissão de gestão, substituindo aquela que tinha sido eleita democraticamente pelo colectivo dos trabalhadores.
Portanto, o Sr. Deputado mostra apenas uma face da questão. Esperemos que o tribunal resolva, porque o facto de estar a condenar os trabalhadores, que apenas exigiram o seu direito ao trabalho e ao salário, é estar a ser imparcial e corre o risco de ser entendido como procurador dos interesses dessas mesma entidade patronal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Amadeu dos Santos fez algumas considerações mais ou menos ideológicas que não cheguei a perceber muito bem. Em todo o caso, em relação à questão concreta da autogestão, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: por que é que o seu governo não põe em prática a Lei n.º 66/78, aprovada aqui nesta Assembleia? É certo que foi aprovada com os votos contra do PSD e, curiosamente, com os votos favoráveis do CDS, coisa que na altura criticámos, mas, como aceitamos a legalidade democrática, entendemos que tal lei deve ser cumprida.
Os trabalhadores reivindicam a criação desse instituto. Então, por que razão o governo do Sr. Deputado não cumpre uma lei da República? Por que é que a própria Lei n.º 68/78, que, no fundamental, poderia ajudar à resolução de alguns problemas concretos de momento, não é posta em prática? Por que é que o Sr. Deputado aguarda que o seu governo vá fazer novas leis? Por que é que o Sr. Deputado não apoia as boas intenções do projecto de lei do Partido Socialista? Nós criticamo-lo também abertamente, mas julgamos que às vezes sonhar é importante, que há aspectos positivos neste projecto de lei e que valia a pena fazer um esforço por que, em sede de especialidade, as vossas propostas com certeza teriam acolhimento por parte do Partido Socialista, como com certeza algumas das nossas também o teriam.
Portanto, ponham em prática a legalidade democrática e então veremos quem está ao lado dos trabalhadores, quem defende o desenvolvimento das relações de produção, quem está com a autogestão e quem está contra ela.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um contraprotesto.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Fernando Cardote há pouco pediu a palavra para exercer o direito de protestar quando fez a primeira intervenção - aliás, foi uma intervenção dema-

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siado longa mesmo para ser em forma de pedido de esclarecimento, quanto mais em protesto- portanto, não se percebe como é que ele agora pede a palavra para um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a Mesa agradece a ajuda de V. Ex.ª, mas ainda não se tinha pronunciado sobre o pedido de palavra do Sr. Deputado Fernando Cardote.
É evidente que, tendo há pouco feito um protesto, o Sr. Deputado Fernando Cardote não pode usar da palavra, tanto mais quanto é certo que o seu partido dispõe apenas de 6 minutos e está ainda inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Rui Amaral.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto autogestionário exige a máxima liberdade e o máximo empenhamento dos cidadãos no projecto colectivo que é, afinal, a construção de uma comunidade de homens livres e desalienados. Assim se refere o projecto de lei n.º 276/II às condições necessárias para a obtenção dos fins prosseguidos pelo Partido Socialista.
O PPM sempre tem visto com bons olhos todas as iniciativas autogestionárias, embora considere inoportuna a apresentação deste projecto, atendendo às suas fatais ligações com disposições constitucionais que neste momento estão, como toda a Constituição, a ser objecto de revisão. No entanto, depois de uma leitura atenta do conteúdo desta iniciativa do Partido Socialista, alguns problemas se nos põem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1978 foram publicadas duas leis, as Leis n.ºs 66/78 e 68/78, que pretenderam regular as situações de factos anteriormente criados, não se tendo, todavia, gizado sequer a figura da sociedade ou empresa autogestionária.
Na verdade, a Lei n.º 68/78 delimitou o seu âmbito de aplicação às empresas em que os trabalhadores assumiram a gestão após o 25 de Abril.
Mas adoptou-se claramente uma formulação jurídica para as empresas em autogestão, revelando-as como situações em que os proprietários mantêm a "nua--propriedade", pertencendo ao colectivo dos trabalhadores a "posse útil e gestão". Ora, o conceito geral de autogestão é expresso pelas situações em que os trabalhadores são os responsáveis pela gestão das suas empresas. Até aqui tudo muito bem. No entanto, essa realidade cobre diversas categorias de situações. Desde as unidades produtivas que pertencem aos trabalhadores a título de propriedade, passando pelas que pertencem ao Estado ou a outro ente público, até às que pertencem a um sujeito jurídico privado.
E a Lei n.º 68/78, quer se queira quer não, limitou a sua previsão a esta última categoria de autogestão, tratando-as como uma consequência resultante, muito simplesmente, de empresas em crise. E claro está que para este género de situações não se justificava, de maneira alguma, a criação de um novo tipo legal de sociedade, pois, se a titularidade da propriedade plena pertence aos próprios trabalhadores, a autogestão não tem verdadeira autonomia, já que ela resulta, insofismavelmente, daquele direito de propriedade, sendo o mesmo que constitui o fundamento dos direitos dos trabalhadores.
E o projecto de lei do Partido Socialista apenas raciocina com base nessa pressuposição, nunca referindo a cisão entre a nua-propriedade e a posse útil e gestão. Compete ao plenário dos sócios, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º, "a alienação ou negação dos bens do activo imobilizado".
Ou, assim sendo, e pelas razões aduzidas, não se justifica a criação de um novo tipo legal de sociedade.
É verdade que no preâmbulo se refere que este projecto pretende ser o início da construção das bases jurídicas da propriedade social do tipo autogestionário. Mas o projecto, na realidade, ficou-se pelas intenções e esgotou-se na simples tentativa de regulação ex nunc de situações criadas submetendo a um regime previsto neste diploma as empresas que actualmente estão a ser geridas pelos respectivos trabalhadores ao abrigo da Lei n.º 68/78. Mas as bizantinices deste projecto não ficam por aqui.
Diferentemente do que se passa nas cooperativas, este género de sociedade não tem capital próprio, prevendo-se que o Instituto Nacional das Empresas em Autogestão, bem como os sócios, possam afectar ao fundo social, a título reembolsável ou a fundo perdido, as quantias consideradas necessárias ao arranque da empresa. Logicamente se criará uma injustiça flagrante, legalizando-se o estatuto de filhos e enteados, visto que se vai favorecer alguns trabalhadores com a concessão do capital a título de fundo perdido para o arranque de uma actividade, quando a generalidade dos comuns mortais, que vivem do seu trabalho, tem de recorrer ao crédito bancário. Por outro lado, aparece o INEA a promover a constituição de uma ou mais entidades parabancárias com o objectivo primordial de concederem crédito às sociedades em autogestão ou a empresas que se constituam para lhes alugar equipamentos e serviços, já não referindo a possibilidade de o mesmo Instituto, à revelia do Ministério das Finanças, poder emitir títulos de poupança.
Na realidade, duvidamos que se justifique a criação de instituições parabancárias especializadas em conceder apoio creditório a este novo tipo de empresa e se será admissível institucionalizar um processo de autorização diferente do estabelecido no regime legalmente estabelecido para as instituições parabancárias na generalidade, dependentes do Ministro das Finanças e do Banco de Portugal.
Claro que poderá sempre referir-se que ao INEA apenas cabe "promover", com o significado de apoiar e de coordenar, mas essa interpretação tornaria redundante o disposto n.º 3 do artigo 1.º do projecto de lei em questão, pois a alínea b) do artigo 3.º da Lei n.º 66/78, de 14 de Outubro, já refere que são atribuições do INEA "estudar e promover formas de apoio técnico, económico e financeiro às empresas em autogestão, em prejuízo da competência conferida por lei a outros institutos cujo objectivo se traduz naquelas formas de apoio".
Mas as minhas dúvidas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, continuam na leitura de outras disposições do projecto de lei. A inexistência do capital social tem imediatos reflexos na responsabilidade dos sócios, já que a mesma é limitada aos valores dos seus direitos sobre o fundo social, podendo, no entanto, ser estabelecido nos estatutos um acréscimo da responsabilidade de valor não superior a 3 salários mínimos nacionais. Tal regime impossibilitará completamente o investimento e as normais relações comerciais que se pretende criar com as sociedades.

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Convém ainda referir que pelas dívidas de tais sociedades respondem os bens próprios e ó fundo social constituído pelas dotações a fundo perdido do INEA e dos sócios, quando tenha lugar -pois não é obrigatório-, pela afectação anual de um mínimo de 10% dos resultados líquidos, por outros valores que o plenário dos sócios delibere afectar-lhe e ainda pelo activo líquido das empresas privadas, cooperativas ou empresas públicas não nacionalizadas que se transformem em sociedades autogestionárias.
Ora, como o valor do direito de um sócio sobre o fundo social apenas se pode apurar depois de dissolvida e liquidada a sociedade, na prática é impossível esse cálculo, estando absolutamente comprometido o acesso ao crédito, pois nenhum credor se sentirá encorajado quando se lhes dá como garantia um valor que ninguém sabe determinar no momento em que essa determinação se torna mais necessária, ou seja, no da concessão do próprio crédito.
Mas as anomalias inovadoras não ficam por aqui. No artigo 10.º do projecto de lei refere-se que as sociedades em autogestão gozam do regime fiscal mais favorável aplicável às associações cooperativas.
Contudo, não será descabido relembrar que as cooperativas não têm o favor do arranque como as sociedades em autogestão.
Qual o motivo por que se vai subalternizar o movimento cooperativo em relação às sociedades de autogestão, se as primeiras, ainda por cima. estão profundamente enraizadas nos hábitos portugueses e deram já um contributo positivo para a economia nacional? E as cooperativas têm sido um factor real de esvaziamento das tensões latentes no relacionamento entre o capital e o trabalho. É verdade que os autores do projecto de lei pretendem não só acabar com as tensões referidas, mas igualmente com a própria relação entre o capital e o trabalho.
Mas essas são as consequências práticas de dogmas ideológicos de alguns e que não perfilho. Ainda por cima, na sua utopia, o projecto não teve a cautela de burilar incongruentes pormenores, como aquele que permite a existência de trabalho subordinado ...
"Digam lá os sábios das Escrituras que fenómenos são estes da Natural"
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Atendendo às graves imperfeições deste projecto e à inoportunidade da sua apresentação, atendendo à actual revisão constitucional, o meu grupo parlamentar faz-lhe as maiores reservas.
Aproveito para deixar aqui expresso o meu lamento pelo facto de o Governo ainda não ter publicado legislação que possibilite ultrapassar os problemas criados pela legislação em vigor e que facilite e proporcione o desenrolar normal da vida das poucas empresas portuguesas autogestionárias com viabilidade.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Outubro de 1978, num colóquio sobre autogestão que o Partido Socialista então levou a cabo, afirmava-se, nas suas conclusões, que "não se pode permitir que o sector autogestionário venha a ser formado tão-só pelas empresas abandonadas ou degradadas pelos empresários [...]" e, assim, defendia-se a necessidade de apresentar nesta Assembleia um projecto de lei de sociedades autogeridas, baseadas no trabalho associado.
Ainda nesse colóquio se afirmava que não era condição suficiente para a democratização da gestão a nacionalização de algumas empresas ou sectores, e para se atingir um nível aceitável dessa democratização preconizava-se: a generalização, no sector público, de formas de descentralização; o aperfeiçoamento do regime jurídico das empresas de propriedade social; formas de apoio material e financeiro às empresas desse sector, e a utilização do sistema educativo, da política cultural e dos órgãos de comunicação social, por forma a contribuir para que se generalizem atitudes de comportamento solidário no espírito de iniciativa e na capacidade para assumir riscos pelo indivíduo e pelos grupos.
Propostas tanto mais actuais quanto sabemos dos ataques directos à autogestão e às experiências autogestionárias, em expressa violação do comando do artigo 61.º da nossa Constituição, o que não se justificaria se a autogestão e as suas experiências fossem meras utopias ou inutilidades sem interesse. Na realidade, desde esses ataques até ao desprezo dos governos, em especial pela Lei n.º 66/78, que criou o Instituto Nacional das Empresas em Autogestão, até ao arrastar de processos judiciais que os juízes não despacham ou fazem-no com relutância ou mesmo não aplicando a Lei n.º 68/78, para acabarmos na situação de vazio legal em que se encontram centenas de empresas e milhares de trabalhadores em autogestão definitiva ou em forma de cooperativa porque os antigos proprietários não as reclamaram, de tudo temos um pouco até ao enorme não cumprimento dos preceitos constitucionais por parte dos sucessivos governos.
O Partido Socialista vem, pois, contribuir para o cumprimento da Constituição, colocar mais um marco na fidelidade aos seus princípios, e por último, e não menos importante, oferecer um sério contributo para minimizar os problemas do desemprego.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se o projecto de lei n.º 276/II não se destina única ou predominantemente a regularizar e a dar um estatuto às actuais empresas em autogestão, a verdade é que - vejam-se os seus artigos 56.º e 57.º pretende também preencher esse objectivo, embora procure lançar "os alicerces jurídicos de um grande edifício social e político", como se escreveu no preâmbulo do projecto.
Como aí se diz ainda, "são as próprias estruturas do modelo económico capitalista liberal e a concepção de sociedade civil, da sociedade política e respectivas relações que estão postas em causa pelo projecto autogestionário".
Os ataques à autogestão, quer do liberalismo económico, quer dos adeptos da estatização da economia, tendem a tentar demonstrar ou os falhanços da autogestão ou a sua impossibilidade face ao sistema económico, à concorrência, à necessidade do chefe e das hierarquias, em suma, concluindo pela necessidade da heterogestão.
Mas, por um lado, é o próprio sistema de mercado que se mostra incapaz de sair das crises que ele próprio gera, e os sistemas reformistas não suportam os encargos sociais crescentes nem conseguem diminuir o

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desemprego, com o seu cortejo de ameaças de miséria e convulsões sociais.
As respostas encontram-se em novas formas de organização social e económica que tomam vários nomes em diferentes países chamados de economia avançada, como a República Federal da Alemanha (movimentos alternativos), França (trabalho autónomo, autogestão), Estados Unidos da América (self-management, literalmente autodirecção) e no Japão, onde proliferam sob diversas formas.
Daqui que, por um lado, não se pode continuar a dizer que a autogestão é uma utopia e, por outro, é incorrecto continuar a falar de autogestão, pois que há várias formas e experiências de autogestão em curso e é necessário serem estudadas e encaradas diversificadamente, como fenómeno político importante que são.
Com efeito, o crescente desenvolvimento daqueles movimentos resulta da massa crescente de desempregados, na sua grande maioria constituída por jovens que não encontram emprego (no sentido habitual de trabalho subordinado) e organizam pequenos empreendimentos, sobretudo na campo da saúde, da habitação, da agricultura. Sucede ainda que, em especial nos Estados Unidos, muitas experiências autogestionárias se iniciam a partir de empresas falidas, abandonadas pelos seus proprietários.
O interesse de dirigentes políticos e de intelectuais pelas diversas experiências autogestionárias tem vindo a aumentar nos últimos anos.
A título de exemplo, permito-me citar dois depoimentos significativos e de grande peso político e cultural sobre essas experiências. Os dois vêm publicados no último número da revista Autogestions (no plural).
O primeiro é um conjunto de 14 "teses", subscritas por Erhard Eppler, membro do Praesidium do Partido Social Democrata Alemão, e que são afinal um conjunto de reflexões subordinadas ao título "Do bom uso político das alternativas".
Considera Eppler que é necessário estabelecer uma relação entre o movimento alternativo e a política e dá como assente que, na República Federal da Alemanha tem-se a viva impressão de estar num beco sem saída, pois que as crises vão mais longe do que a gestão da crise.
Descreve depois as atitudes dos dirigentes políticos face à situação e afirma que: "ao lado da atitude dura dos que defendem a continuação do mesmo modo de agir há uma segunda atitude que é a procura de alternativas".
Refere então que entre os 11 membros da direcção do SPD, que encontra todas as segundas-feiras de manhã, há mais 3 receptivos à procura de alternativas do que havia 3 anos atrás.
Das suas reflexões subsequentes, julgo de reter, para não ser fastidioso, a que afirma: "qualquer experiência de um estilo de vida e de trabalho alternativo está condenada se não se traduz num determinado momento em transformações políticas". Tal afirmação, que considero justa e correcta, tem o mérito de afastar a ideia da autogestão como mera forma económica, desprezando o seu aspecto global em que o político é determinante. Daqui que as teses que sustentam a independência ou a autonomia da autogestão face ao poder político e aos seus problemas específicos têm hoje de ser postas de parte.
Eppler trata mais adiante o problema do desempregado, o qual, diz ele, sente-se, na Alemanha, supérfluo, rejeitado pela sociedade. Ora, se forem possíveis duas formas de trabalho, o assalariado e o autónomo, o acento tónico pode deslocar-se para este último e temperar o desespero gerado pelo desemprego. Cita, como exemplo, o que se tem passado na região de onde ele é originário, o Wurtemberg, que tem suportado muito melhor que o Ruhr as crises dos últimos 70 anos, porque durante muito tempo uma grande parte dos operários possuía ainda uma pequena parcela de terreno arável.
Por último, a sua concepção das experiências alternativas que, ao contrário de grandes utopias exaltantes, são caminhos estreitos que têm de ser abertos entre o "mato" existente e que, quanto mais forem utilizados mais probabilidades têm de se transformar em vias de trânsito possível.
As reflexões de Eppler, em particular por virem de um dirigente político experiente num país dos mais avançados industrialmente, não podem deixar de fazer reflectir todos os que não tenham da política uma concepção imobilista, mesmo para além da esquerda e dos socialistas, face aos becos difíceis em que a AD nos meteu mas em que estamos todos metidos.
A segunda reflexão a que me referi é de André Gorz, o celebrado autor do Adeus ao Proletariado, livro excessivo e com o qual tenho muitos pontos de desacordo, mas no qual se reconhece a ousadia e o pensamento autónomo de um grande intelectual.
Essa reflexão de Gorz vem na revista citada em termos de entrevista, e dela retirarei algumas ideias que julgo valiosas para a discussão em curso nesta Câmara.
A primeira consiste em considerar que a pretensão de eliminar completamente a alienação do homem, no trabalho, é uma característica do totalitarismo, seja qual for o tipo de sociedade ou o regime político. Gorz sustenta que qualquer sociedade exige que os indivíduos se conformem com imperativos técnicos cuja execução não tem nada de exaltante ou gratificante. E então podemos reparti-lo por forma a que cada um gaste nele o mínimo tempo possível, ou podemos (tentar) transformá-lo num dever moral e cívico. Ora, não haveria necessidade de glorificar o trabalho se ele fosse realmente gratificante e exaltante.
E estamos chegados ao que parece um beco sem saída ou uma conclusão do tipo "nada a fazer". Gorz não o nega, mas defende que o aumento de eficácia e de produtividade na "produção socializada heterónima" permite uma autonomia crescente e uma grande riqueza e diversidade possíveis de actividades autónomas. A lógica deste pensamento conduz à redução gradual do trabalho para outrém, através de uma produção social muito aperfeiçoada que fornece tudo o que é indispensável para viver de forma a que, produzindo-se o máximo num mínimo de tempo, "cada um tenha bastante tempo para fazer o que quer". A finalidade é, pois, a de aumentar os tempos livres, já que, para uma parte do trabalho estamos condenados à alienação.
Este raciocínio levado às suas últimas consequências, conduz a uma civilização em que a produção mercantil e as trocas monetárias poderão tornar-se secundárias, o que, em última análise, segundo Gorz, só se realizará objectivamente por acção de uma vontade política.
Quer em Eppler, quer em Gorz, os movimentos alternativos, as experiências autogestionárias, são consideradas vias possíveis de saída dos impasses em que a sociedade industrial mergulha os trabalhadores, mas

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não se apresentam como formas globais, possíveis de solução a curto ou médio prazo.
Seria estulto da minha parte sustentar o contrário, mas no participo das hesitações e limitações excessivas que esses dois autores exprimem, sobretudo tendo em conta o tipo de sociedade em que vivem, se a compararmos com a nossa e com a experiência vivida pelos trabalhadores em Portugal, nos últimos anos, desde 25 de Abril de 1974.
Julgo, porém, de reter algumas pistas importantes para nós e que considero universais e incontestáveis, embora não o sejam para muitos, ou porque nunca o pensaram ou porque afastaram sumariamente a hipótese.
Basta reflectir nas duas atitudes que Eppler detecta nos membros do Praesidium do Partido Social Democrata Alemão: quantos dirigentes políticos aqui neste país, quantos quadros técnicos e intelectuais, em partidos considerados de esquerda, estão, pelo menos, dispostos a procurar alternativas para os modelos económicos capitalistas (liberais ou reformistas) e colectivistas? Quantos deles já pensaram nas soluções de trabalho alternativo para os desempregados jovens que podem representar as experiências autogestionárias? Que reflexões foram feitas em Portugal, mesmo que discutíveis, como a de Gorz, sobre a alienação e o trabalho autónomo?
É certo que alguns partidos políticos, algumas pessoas, têm abordado a questão autogestionária; entre esses, o Partido Socialista.
Mas a prática autogestionária de alguns milhares de trabalhadores de empresas que se viram obrigados a gerir é imperfeita, hesitante e limitada, não só pela falta de uma formação cultural e económica autogestionária mas também, e em muitos casos, pela incerteza sobre a decisão judicial que se aguarda há longos anos e que oscila, em muitos casos e lamentavelmente, ao sabor das forças políticas no Poder.
O projecto de lei n.º 276/II pretende a fundação de novas empresas autogeridas, segundo um modelo legal autónomo, mas não esquece as centenas de experiências precárias às quais este projecto, transformado em lei, terá de se aplicar.
O Partido Socialista considera que, não só para se cumprir a Constituição mas para se avançar decididamente para uma nova sociedade mais justa e igualitária, este projecto de lei é insubstituível. Seria inconcebível e farisaico que se viesse agora tentar arranjar outra solução provisória, só aplicável às empresas em autogestão provisória, no sentido de as riscar do mapa, obrigando-as a entregarem-se ao antigo patrão ou a transformarem-se em cooperativas ou sociedades anónimas. Seria, na verdade, um retrocesso, passos atrás no caminho aberto de libertação e dignificação do trabalho. Mas seria mais do que isso: negar-se-ia a própria viabilidade prática de resolver milhares de casos de desemprego, de frustração e de marginalização social, contribuindo, sim, para o aumento da revolta social dos jovens e de milhares de trabalhadores desempregados, capazes de se associarem em empresas autogeridas.
Seria ainda negar a esperança polaca que continua viva em todos os que a invocaram e sobretudo naqueles que se dizem progressistas e querem alternativas para a situação de crise grave em que vivemos.
Seria, por fim, escamotear a discussão de uma questão política fulcral em democracia e que se traduz na necessidade que muitos reconhecem em palavras mas não querem ou não podem passar a actos: a procura de novas formas de participação política democrática que melhorem a democracia representativa e a resposta incompleta que esta dá às exigências críticas do nosso tempo.
O projecto de lei n.º 276/II é uma etapa nesse caminho. As suas particularidades jurídicas serão melhor explicadas por outros deputados do PS, mas o sistema proposto é na verdade um passo, talvez ousado, no caminho da libertação do homem da alienação no trabalho, talvez simples, afinal, se houver vontade política para o dar.
Seja como for, o Partido Socialista não desistirá dele porque estaria a desistir de uma parte fundamental dos seus princípios, que considera que virão, mais tarde ou mais cedo, a ser os princípios da sociedade futura, mais livre, mais justa, mais igualitária.
O projecto de lei n.º 276/II está no caminho do progresso social e económico e pode começar a resolver, desde já, problemas imediatos de desemprego e de realização humana e social. O nosso povo tem capacidade de o levar à prática e os trabalhadores das empresas em autogestão têm-no demonstrado.
Sendo embora só uma pequena parte das propostas que o Partido Socialista preconizava em 1978, e que são um todo coerente e realizável, deve merecer a aprovação desta Câmara.

Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Marcelo Curto, ouvimos uma ampla dissertação de V. Ex.ª sobre a literatura política no tocante à autogestão na Alemanha onde a tradição não é mais forte, como acontece na França.
No entanto, não vou pedir-lhe uma igual dissertação sobre a literatura política francesa. Queria apenas que, se V. Ex.ª pudesse, nos informasse -e talvez esteja em condições para isso- quais as razões que levaram um governo socialista, como é o actual em França, a não fazer da autogestão uma das suas linhas de força, contrariamente ao que aconteceu no que diz respeito às nacionalizações e à descentralização.

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Deputado Marcelo Curto, V. Ex.ª confirma-me que afirmou, no seu discurso, que alguns casos de insucesso de empresas em autogestão em Portugal se devem à impreparação, designadamente económica, dos trabalhadores? Com isto, queria simplesmente dizer-lhe que me parece que o Sr. Deputado também navega nas mesmas águas da tal impreparação dos trabalhadores.
Também gostaria que me dissesse se V. Ex.ª confirma uma afirmação que me pareceu entender, relativa ao facto de que o Partido Socialista é contra a conversão das empresas de autogestão em cooperativas. Isto é, o Partido Socialista é provavelmente contra soluções socialmente tão avançadas como a autogestão, e

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eventualmente até .mais avançadas, uma vez que as cooperativas, se forem de produção, são provavelmente soluções mais avançadas ainda do que a simples autogestão.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, tenho imensa pena, mas estavam aqui 3 pessoas a falar à minha volta quando V. Ex.º me formulou o pedido de esclarecimento e, apesar de ouvir o inicio da sua intervenção, não consegui descortinar a pergunta em concreto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Gostaria que o Sr. Deputado me informasse por que motivos o actual governo socialista em França - onde a tradição autogestionária, em termos políticos, é bastante forte, mais do que na Alemanha - não fez da autogestão uma das suas linhas de força, tal como aconteceu com as nacionalizações e com a descentralização.

O Orador: - Em primeiro lugar, creio que essa pergunta não me deve ser colocada, mas sim ao Governo Francês e ao Presidente François Mitterand, quando ele fez o seu contrato com os Franceses. Em todo o caso, devo dizer-lhe que penso que a autogestão, como uma das linhas de força do Governo Francês, não está afastada; simplesmente não está neste momento na ordem do dia. Aliás, o Sr. Deputado sabe que no Governo Francês há alguns campeões da autogestão.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Está na gaveta!

O Orador: - Não sei se está na gaveta. Não tenho esse conhecimento, e essa pergunta não me deve ser feita.
Quanto ao Sr. Deputado Rui Amaral, o que eu disse é que era necessário - e isso é uma das condições do êxito da autogestão- uma formação específica em relação ao sistema autogestionário. Aliás, todo o tom deste debate - e não pretendo ofender ninguém - demonstra que os Srs. Deputados não têm um conhecimento mínimo do que é o sistema autogestionário. Portanto, atribuem a autogestão a desígnios utopistas, quando tanto eu como o meu camarada Almeida Santos demonstrámos que não é nenhuma utopia; que é realizável e que pode realizar-se.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Com o devido respeito, creio que o Sr. Deputado falou em formação económica e até cultural, e associou isso ao "inêxito" de algumas empresas...

O Orador: - Sr. Deputado Rui Amaral, informo e avanço isto porque disse, na minha intervenção, que isto é uma etapa e que nós não desistiremos se este projecto de lei for aqui rejeitado. Desde já o informo de que eu e o meu partido, para que haja um sistema autogestionário real e verdadeiro, temos mais cinco projectos de lei sobre autogestão. Ora, este é, na verdade, aquele que pensamos que inicia um sistema autogestionário.
Não somos contra a conversão das empresas em autogestão em cooperativas, mas pensamos que as cooperativas são uma etapa que a autogestão ultrapassa. E só nesse sentido que dizemos que a autogestão é uma etapa superior, em termos de organização económica e social, em relação às cooperativas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segundo o consenso obtido na Conferência dos Presidentes dos Grupos parlamentares, esta votação deveria fazer-se até às 20 horas. Ora, para as 20 horas, que é a nossa hora regimental de encerrar os trabalhos, faltam 10 minutos. No entanto, ainda se encontram inscritos para intervenções os Srs. Deputados Narana Coissoró, Mário Tomé, Rui Amaral, Manuel Tílman e Herberto Goulart, e o total dos tempos disponíveis é de l hora e 45 minutos.
É evidente que, a ser assim, é impossível fazer-se a votação até às 20 horas. Por outro lado, parece que não há consenso para o prolongamento da sessão.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, estava previsto que esta matéria fosse hoje discutida e votada. Aliás, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem o direito de requerer a votação. Todavia, não o iremos fazer visto que há partidos que, tal como V. Ex.ª acaba de referir, ainda não usaram da palavra, e desejamos que todos possam exprimir aqui a sua opinião.
Contudo, verifica-se que a circunstância de não podermos proceder atempadamente à votação, resulta de um facto imprevisto e que não é imputável ao Partido Socialista: é que a sessão de perguntas que hoje se realizou deveria terminar da parte da manhã, mas continuou da parte da tarde.
Por esta circunstância, justifica-se ou que hoje se prolongue a sessão - o que penso ser um pouco gravoso visto que a reunião começou às 10 horas da manhã e na verdade não há consenso nesta matéria - ou então que a discussão do presente projecto de lei seja agendada numa das próximas reuniões, porventura até na próxima semana, se não puder ser na semana corrente. E, pois, esta a sugestão que fazemos aos nossos colegas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, amanhã há a reunião dos líderes parlamentares e colocar-se-á esse problema.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral.

O Sr. Ruiu Amuara! (PSD): - Sr. Presidente, penso que o ponto de vista do Partido Social-Democrata, a respeito desta questão, é relativamente coincidente com o do Partido Socialista. Entendemos que este debate está excessivamente limitado pelos tempos que foram determinados para os partidos. Portanto, das duas uma: ou o Partido Socialista - o que parece não ser sua intenção - insiste em requerer a votação e, sendo assim, far-se-á hoje a votação, ou então o meu partido entende que este assunto deve passar não para as calendas gregas mas sim para uma data oportuna próxima, que provavelmente não será esta semana nem eventualmente a próxima semana.
No entanto, gostaríamos de deixar claro que, correspondendo à tentativa das intervenções dos Srs. Deputados Almeida Santos e Marcelo Curto, no

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sentido de um debate profundo desta questão, que não recusaremos aqui, nessa altura iremos reivindicar na reunião dos líderes dos grupos parlamentares, uma melhor liberdade de tempo para podermos corresponder a esse nível do debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a única coisa que aqui está em causa é saber se há ou não prolongamento da sessão. Parece que o próprio PS, que seria o mais interessado, está de acordo em que não haja o prolongamento, pelo que não vai haver.
Sobre o problema de se agendar a continuação desta discussão, o local próprio será na reunião dos líderes parlamentares que se realizará amanhã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, por aquilo que já foi dito, estamos de acordo com os autores do projecto de lei e com os restantes grupos parlamentares, no sentido de que não se vote hoje e que se agende oportunamente a questão. No entanto, queremos que mais uma vez fique claro, para toda a Assembleia, que a interrupção da discussão de um projecto de lei só pode ser obtida com o voto unânime dos senhores deputados. É o que diz o Regimento da Assembleia, e é bom que fique claro o seguinte: Se um Sr. Deputado se opuser a que não seja interrompida a discussão - isto é, ela pode ser interrompida hoje mas teria de continuar na sessão de amanhã -, não poderíamos deliberar em contrário.
Portanto, só por unanimidade a Assembleia pode decidir que este debate continue em qualquer dia da próxima semana. Ora, se isto é claro para todos, não nos oporemos.

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado, parece que estamos em fase de unanimidade.
Sendo assim, comunico à Câmara a entrada de um projecto de lei subscrito pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e outros, do Partido Comunista, que diz respeito à ratificação do Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, que cria o Conselho Nacional de Educação no Ministério da Educação e das Universidades.
Continuaremos os nossos trabalhos amanhã às 15 horas, estando marcada para as 10 horas e 30 minutos, de amanhã, a reunião dos grupos parlamentares e as comissões.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

Álvaro Roque Bissaia Barreto.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José B. Cardoso e Cunha.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Vilar Ribeiro.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
José de Vargas Bulcão.
Mário Martins Adegas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

António de Almeida Santos.
António José Vieira de Freitas.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel da Mata de Cáceres.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)

Alberto Henriques Coimbra.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Manuel Correia Lopes.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Manuela Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.

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Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Pedro Silva Lourenço.
João Lopes Porto. José Augusto Gama.
Maria José Paulo Sampaio.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço da Silva.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
José Manuel da C. Carreira Marques.

Os REDACTORES DE 1.ª CLASSE:

Cacilda Nordeste Noémia Malheiro.

PREÇO DESTE NÚMERO 120&00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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