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I Série - Número 24

Quarta-feira, 15 de Dezembro de 1982
DIÁRIO
da Assembleia da República

II LEGISLATURA 3.ª sessão legislativa (1982-1983)

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE DEZEMBRO DE 1982

Presidente: Ex.mo Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida

Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 10 a 14 do Diário.
Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP), referiu-se aos resultados do acto eleitoral realizado em 12 de Dezembro passado. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Silva Marques, Fernando Condesso e Pedro Pinto (PSD), Luís Coimbra (PPM), Adelaide Paiva (PSD), Jaime Gama (PS), Mário Raposo (PSD) e Martins Canaverde (CDS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) abordou o mesmo assunto - eleições autárquicos de 12 de Dezembro.

Ordem do dia. - Na primeira parte da ordem do dia, procedeu-se à discussão e votação do recurso interposto pela ASDI sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 136/II - Orçamento do Estado - que foi rejeitado.
Intervieram, a diverso título (incluindo declarações de voto), além do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa) os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Costa Andrade (PSD}, António Vitorino (UEDS), Manuel dos Santos (PS), Octávio Teixeira (PCP), Borges de Carvalho (PPM) e Armando de Oliveira (CDS).
Na segunda parte da ordem do dia foi aprovada, na generalidade e na especialidade, a proposta de lei n.º 132/II, que autoriza o Governo a contrair empréstimos junto do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento para a execução de projectos de desenvolvimento rural de Trás-os-Montes.
Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Carlos Lage (PS), Daniel Bastos (PSD), Rogério de Brito (PCP) e Armando de Oliveira (CDS).
Finalmente, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Baixos Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes,
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Armando Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Pereira Bastos.
Daniel Cunha Dias
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes Costa.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Cabrita Neto.

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Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Natália de Oliveira Correia.
Nuno Aires Rodrigues dois Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Saneies Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
José Jorge Gois Mendonça.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Rodrigues Masseno.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Martins Robalo.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
João José M. Pulido de Almeida.
José Alberto Faria Xerez.
José Eduardo Sanches Osório.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Rui António Pacheco Mendes.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.

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Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tilman.

União de Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

Helena Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou pôr à apreciação os n.ºs 10, 11, 12, 13 e 14 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 9, 10, 11, 16 e 18 de Novembro findo.

Pausa.

Como ninguém se opõe, consideram-se aprovados. Vai agora ser lido o expediente.

Deu-se conta dos seguinte

Expediente

Carta

Da Central de Cervejas, E.P., com sede em Lisboa, capeando uma moção aprovada em plenário dos trabalhadores da Centralcer, E. P., dando conta de várias preocupações em relação ao Governo, conselho de gerência e restantes órgãos do poder.

Ofícios

Da Junta de Freguesia de Santa Iria de Azoia, remetendo uma moção aprovada por unanimidade na sessão efectuada no passado dia 23 de Novembro, manifestando repúdio pela traiçoeira e cobarde agressão que vitimou o Vereador Arquitecto António de Carvalho e a manifestar a sua solidaridade ao mesmo Vereador.
Do Centro Regional de Segurança Social de Leiria, remetendo fotocópia da moção aprovada no plenário de trabalhadores daquele Centro Regional, realizado no dia 26 de Novembro findo.
Da Assembleia de freguesia de Runa, remetendo um relatório sobre a grave situação de poluição no Rio Sizandro, principalmente motivada pelas descargas de uma fábrica de borras e seus derivados, sitiada em Runa.

Diversos

Telex de Professores das Escolas de Deficientes Auditivos e Visuais, de Ponta Delgada e Ribeira Grande, solicitando aumento de verbas para educação com relevância para os que lhes compete administrar.

O Sr. Secretário (Ronaldo Gomes): - Srs. Deputados, nas últimas reuniões plenárias foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião do dia 30 de Novembro de 1982: ao Governo e a diversos Ministérios (10), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pela Sr.ª Deputada Alda Nogueira; ao Ministério das Finanças e do Plano e à Secretaria de Estado da Exportação (2), formulados pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos; a diversos Ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; aos Ministérios das Finanças e do Plano e da Agricultura, Comércio e Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Salgado Zenha.
Na reunião do dia 6 de Dezembro de 1982: ao Governo, a diversos Ministérios e à Administração da RTP (10), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios da Educação e das Universidades e dos Assuntos Sociais, formulado - pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Alberto Antunes; ao Governo e diversos Ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Herberto Goulart; aos Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria, Energia e Exportação, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Barreto; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro.
Na reunião do dia 7 de Dezembro de 1982: A diversos Ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério do Trabalho, formulado pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Brasileiro e Helena Cidade Moura, respectivamente; a diversos Ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé; ao Ministério da Indústria, Energia e Exportação, formulado pelo Sr. Deputado Ludovico Costa.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Magalhães Mota, nas sessões de 27 de Julho e 10 de Maio; António Reis, na sessão de 23 de Março; Mata de Cáceres e outros, na sessão de 2 de Abril; Helena Cidade Moura e Jorge Lemos, na sessão de 13 de Abril; Vilhena de Carvalho, na sessão de 15 de Abril; Osvaldo Castro, na sessão de 16 de Julho; Borges de Carvalho e António Moniz, na sessão de 20 de Julho;

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Manuel Tavares, na sessão de 19 de Julho; e Vítor Brás, na sessão de 3 de Novembro.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, existem dois pedidos de palavra para a produção de declarações políticas, tendo o primeiro sido feito pelo PCP e o segundo pela UPD.
Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado representante do PCP, peço ao Sr. Vice-Presidente Amândio de Azevedo o favor de me substituir na presidência da Mesa e convoco os Srs. presidentes dos grupos parlamentares para uma reunião no meu gabinete com vista à busca de um timing para a discussão e votação do recurso que teremos de apreciar na primeira parte da ordem do dia de hoje.
Neste momento, assume a presidência o Sr. Vice-Presidente Amândio de Azevedo.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os resultados do acto eleitoral do passado dia 12, pela sua importância e implicações na vida política nacional e no próprio funcionamento das instituições, não podem deixar de ser analisados pela Assembleia da República, importando pôr em evidência algumas das suas consequências.
A primeira conclusão, irrecusável, é a de que os resultados das eleições para as autarquias locais confirmam o descontentamento e a condenação pelo povo português da actuação da AD nos órgãos autárquicos e a rejeição da política de desastre nacional desenvolvida pelo seu Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Embora não se encontre ainda concluído o apuramento, os indicadores fundamentais acusam uma baixa substancial da AD: baixa do número absoluto de votos, baixa percentual, perda de numerosos municípios... Adquirem um particular significado atestador da derrota da AD a perda percentual (com certeza superior a 4 pontos e meio relativamente às autárquicas de 1979) e a perda pela AD e pelos partidos da AD de 27 câmaras para o campo democrático (isto é: 14 % do número de câmaras que anteriormente detinham). Esta baixa percentual da AD representa uma derrota tanto maior quanto é certo que se registou um aumento da abstenção e as outras duas principais forças concorrentes, o PS e a APU, aumentaram a sua votação.

O Sr. Mário Lopes (PSD):- Oh! ...

O Orador: - São particularmente ilustrativas da derrota da AD a perda da maioria absoluta em Lisboa e no Porto, o colapso de Coimbra e a perda de importantes municípios no Norte, bem como o desaparecimento da AD nos distritos de Évora e Beja, zona da Reforma Agrária, e o recuo no Algarve.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Se compararmos as votações agora realizadas com os resultados de 1980 são ainda mais desastrosas as perdas sofridas pela AD no número absoluto de votos: uma baixa absoluta de quase 600000 votos (sem ter em conta o aumento do número de inscritos).
Qualquer que seja o ângulo por que os resultados sejam encarados, é forçoso concluir que no primeiro grande teste eleitoral a que a AD e a sua política são submetidos depois dos 2 anos eleitorais contraditórios de 1980 -as legislativas e as presidenciais- a resposta do povo português é a confirmação ampliada do 7 de Dezembro, a manifestação da vontade crescente de, no poder local e no poder central, se libertar das mãos da AD.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O peso da derrota da AD é ainda maior se considerarmos que o Governo e os partidos da coligação governamental não hesitaram em recorrer a todos os meios para impedi-la: a coacção, a demagogia, a tentativa de ocultar até ao último minuto a gravidade da situação económica e financeira, a distribuição de verbas dos sacos azuis ministeriais, o abuso e utilização dos dinheiros públicos e dos meios do aparelho de Estado para propaganda partidária, a multiplica cão de promessas de concretização de grandes projectos caros às populações (outra vez o Douro navegável, os portos de abrigo, as auto-estradas...). A manipulação da comunicação social estatizada, em especial a Televisão proencista, a favor dos partidos do Governo e da intriga divisionista contra os parti-os da oposição atingiu níveis que fizeram recordar o estilo usado pela ditadura fascista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que os chefes da AD apostaram tudo na máxima mobilização do seu eleitorado, proclamaram solenemente o carácter de teste que estas eleições assumiam, pediram ao eleitorado um voto de confiança para prosseguirem a sua política. A resposta aí está: o povo e o País recusam a continuação da política da AD!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Bem podem os chefes da coligação governamental pretender agora atenuar a extensão da derrota, discutindo entre eles se lhe devem chamar «quebra», «descida», «baixa», «queda», «revés» ou «desaire», para já não falar daqueles que, em desesperado delírio, pretendem negar a evidência e proclamar uma «grande vitória»...

Risos do PCP.

Bem podem outros pretender dar a ideia de que se tratou de um mero ajuste de contas dentro da AD, da vitória do CDS sobre o PSD, da derrota de Balsemão e nada mais. Basta de eufemismos! Os votos de 12 de Dezembro, são uma severa derrota da AD, confirmam a sua falência e põem na ordem do dia o seu afastamento do Governo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O descontentamento popular e a condenação da política da AD evidenciam-se também quer na votação do PS, onde coincidem sem dúvida diferentes

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intenções de voto, quer no próprio crescimento da abstenção.
Mas as eleições de 12 de Dezembro confirmam o descontentamento popular e a exigência popular de mudar de política.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - A APU consolidou-se, reforçou, aprofundou e alargou as suas posições: manteve todas as câmaras que já detinha, passou a maiorias absolutas em algumas câmaras fundamentais, como Setúbal, Vila Real de Santo António e Montijo, conquistou 5 novas câmaras, aumentou o número de mandatos, ganhou cerca de 40 novas freguesias e aumentou a sua votação em valores absolutos.
Bem podem os chefes da AD pretender denegrir os resultados dos partidos da oposição para encobrir a sua própria derrota. O que os resultados destas eleições põem em evidência (tendo em conta a anterior experiência eleitoral e a especificidade das eleições para as autarquias) é que se se tratasse de eleições legislativas a derrota da AD seria ainda mais clamorosa,

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Em todo o caso -e chamamos a atenção para esta implicação das eleições de 12 de Dezembro) no funcionamento da Assembleia da República-, a maioria parlamentar está posta em causa.

O Sr. Mário Lopes (PSD): -Ah está? ...

O Orador: - A questão já foi admitida, entre outros, por um líder nacional da AD. E, com efeito, quer a votação nacional da AD quer os seus resultados distrito a distrito, demonstram que a AD já não pode reclamar-se da maioria nesta Assembleia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A sua continuação é, pois, um artifício e um abuso.

O Sr. Mário Lopes (PSD): - Ah é? ...

O Orador: - Doravante esta conclusão não pode deixar de dominar toda a vida parlamentar. A partir de agora o Governo e a coligação governamental que já não tinham legitimidade terão legitimidade nula para tentar impor as suas soluções relativamente à instituição - militar e os seus pacotes contra os trabalhadores e contra o poder local, a sua nova ofensiva contra a Reforma Agrária, e os seus planos para a criação da banca e dos seguros privados, para a entrega das melhores empresas nacionalizadas aos antigos grupos monopolistas e em geral para a destruição do sector público da economia.
A partir de agora é nula a legitimidade do Governo e da AD para, como se preparam através da Proposta do OGE e do Plano para 1983, imporem uma nova política de sacrifício aos Portugueses, uma nova baixa dos salários reais, novas restrições ao consumo popular, cortes na saúde, no ensino, na habitação, mais miséria para os reformados, aumento generalizado dos impostos...
O sinal de que o eleitorado mudou está confirmado. Cada dia que este Governo e esta maioria permaneçam representa apenas o apodrecimento da situação económica, financeira, social e política e a ameaça de degeneração das instituições democráticas.
Impõe-se urgentemente pôr termo à acção governativa da AD, dar a palavra ao povo português para que em novas eleições legislativas confirme ampliadamente a vontade expressa em 12 de Dezembro, isto é, a escolha de uma maioria que garanta um Governo e uma política capazes de realizar os ideais libertadores do 25 de Abril.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa registou até este momento as inscrições, ao que supõe para pedidos de esclarecimento, dos seguintes Srs. Deputados: Silva Marques, Fernando Condesso, Pedro Pinto, Luís Coimbra, Adelaide Paiva, Jaime Gama, Mário Raposo e Martins Canaverde. Está, pois, definida a lista dos deputados que pretendem interpelar o Sr. Deputado Carlos Brito.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª não está habituado, em pensamento e em prática, aos mecanismos do sistema democrático...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -..., de outra forma não confundia as coisas e não tentaria fazer passar gato por lebre.
As eleições autárquicas não são eleições nacionais.

Risos do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um sistema democrático tem eleições em função dos fins específicos que elas comportam. É claro que isto ultrapassa a possibilidade de compreensão de V. Ex.ª, da sua bancada e do seu partido porque os vossos modelos não contêm nenhuma modalidade de eleições, já que, pura e simplesmente, elas não existem.

O Sr. Carlos Brito (PCP):- Existem!

O Orador: - Sob a forma de simulacro eu já sei que existem, tal como existiam no anterior regime, simplesmente eu aí direi, como Rosa Luxemburgo, que a liberdade só é liberdade quando existe a liberdade de discordar.
Eu já sei que VV. Ex.as são uns intrépidos adeptos da liberdade de concordar. Aí estamos todos esclarecidos.
De maneira que VV. Ex.as não podem compreender, não têm disponibilidade de espírito para compreender os mecanismos eleitorais de um regime democrático. De outra forma, VV. Ex.as seriam os primeiros a ficar calados. É porque se, quando VV. Ex.as disseram que «Lisboa precisa de uma Câmara APU, Lisboa disse que não precisa de uma Câmara APU»...

Aplausos do PSD e do PPM.

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.... como podem VV. Ex.as tomar aqui a palavra para se congratularem seja sobre o que for e ainda mais tirarem conclusões abusivas sobre a legitimidade da maioria parlamentar?
De qualquer modo, Srs. Deputados da bancada' do Partido Comunista, se houvesse ou se houver eleições, nós seriamos os últimos a temer o teste eleitoral. Quem decide se uma maioria muda ou não é o povo. Não é evidentemente a ideia vanguardista que substitui a vontade do povo, ideia que VV. Ex.as cultivam, como aqui ficou bem demonstrado.

Risos do PCP.

VV. Ex.as esquecem que estas eleições tiveram vários sinais significativos: o primeiro foi o de que a abstenção, contrariamente às expectativas de muitos, foi inferior à média da abstenção das eleições autárquicas, abstenção que em 1979, foi de 35,41 %, e em 1976, de 26,2 %, o que significa que a média da abstenção nas eleições autárquicas foi de 30,8 %. E estas eleições demonstraram que a abstenção não estava em crescendo, isto não apenas para vosso desgosto mas igualmente para desgosto do campo antidemocrático, do campo daqueles que, embora não pertençam à vossa corrente política, pensam também conquistar o poder por vias travessas que a democracia não aceita.

Aplausos do PSD e do PPM.

Este é o primeiro significado destas eleições: o campo democrático forçou-se, consolidou-se, não de uma forma abstracta mas através do comportamento real da população portuguesa, que não se alheou do acto, e que, pelo contrário, se mostrou ligado às práticas da democracia instituída.

Aplausos do PSD.

O segundo significado é este: independentemente de a Aliança Democrática ter baixado ou não, de ter sido um desaire ou não, o facto é que, tendo em conta a diferença de eleições, estamos longe de poder extrapolar, com sinceridade, com seriedade e com rigor, que a maioria parlamentar está posta em causa.
O que está posto em causa, Sr. Deputado Carlos Brito, é a hipótese da vossa estagnação. Estas eleições evidenciam a estagnação do vosso eleitorado, não obstante o benefício, em vosso favor, de se tratar de uma eleição autárquica. Relativamente às questões nacionais, VV. Ex.as não podem dar qualquer convicção ou esperança ao povo português - porque este tem memória e viu-vos actuar-, de que possam contribuir para consolidar a democracia. Aí VV. Ex.as e a vossa estagnação é que estão em causa. Esta sim é que será sinal evidente da vossa baixa e do progressivo descrédito de VV. Ex.as frente ao eleitorado português.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Carlos Brito manifestou o desejo de responder no fim a todos os pedidos de esclarecimento que lhe forem formulados, tem a seguir a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD):-Sr. Deputado Carlos Brito, ouvi com atenção a sua exposição, que aliás não traz nada de novo. No fundo, ela revela linearmente a falta de razão do Partido Comunista e mostra os mesmos argumentos com que têm pisado e repisado, na imprensa, em declarações públicas, aquilo que é o vosso entendimento em relação a estas eleições.
Para nós é também linear aquilo que vamos dizer, mas nem por isso deixamos de o dizer e de lhe fazer algumas perguntas.
Falou V. Ex.ª na baixa percentual da Aliança Democrática, fazendo aqui uma soma global dos resultados a nível nacional, como se efectivamente o que estivesse em causa não fosse eleições em pequenas comunidades, sendo portanto ilegítimo fazer uma soma global.
V. Ex.ª fala em perda de 4,5 % e a mim, pessoalmente, não me chocaria que mesmo em termos globais se pudessem ponderar números. Numa situação de crise como aquela que vivemos, numa situação em que o Governo não tem podido implementar o seu programa por dificuldades que são óbvias, não me admiraria que houvesse uma certa oscilação.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O que faria se conseguisse!

O Orador: - Mas já agora perguntar-lhe-ia, Sr. Deputado Carlos Brito: se isto fosse uma eleição a nível nacional, será que o PSD e o CDS não teriam votos, por exemplo, na zona que vos é tão cara e onde tiveram, segundo afirmam, resultados tão bons? É sabido que teriam. E nestas eleições em quantos desses sítios, para não prejudicar o campo democrático, os nossos votos foram carreados para o PS?

Risos do PCP.

Falou V. Ex.ª em coação, em demagogia, em tentativas de ocultar dificuldades financeiras, mas por certo V. Ex.ª não esteve presente no último debate da interpelação que vós próprios provocasteis, uma interpelação que quiseram fazer e que o Governo aceitou antes das eleições autárquicas. Aqui não foram escondidas dificuldades: o Governo, nua e cruamente, disse que não poderíamos seguir uma política expansionista e que se impunha sacrifícios, que os padrões de hábitos dos portugueses teriam que ser modificados. Tudo isso dito com perfeita clareza. Não houve ocultação de absolutamente nada.
Para nós, Sr. Deputado, o que esteve em causa e o que foi realmente a motivação dos portugueses nestas eleições não teve que ver com as grandes questões nacionais. Teve, sim, que ver com a maior ou a menor capacidade dos autarcas em todo o país -isto em geral, pois admito que num ou noutro sítio possa ter havido considerações que ultrapassam a problemática autárquica - para realizarem melhor política.
E quanto ao meu (partido, o maior - partido em termos de mandatos, o maior partido em termos de presidência de câmaras que éramos e continuamos a ser -basta ver que se perdemos algumas câmaras também conquistamos outras-, se a problemática nacional estivesse em causa não sei como se expli-

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caria que tivéssemos conquistado novas câmaras em sítios onde não as tínhamos!
Admitimos que perdemos algumas, provavelmente por razões ligadas com dificuldades de melhor ou pior gestão autárquica, mas realmente perguntar-lhe-ia, e na esteira do que aqui foi dito pelo meu colega Silva Marques, cem que legitimidade é que V. Ex.ª vem falar em falência da AD, da AD que está apenas há 2 anos no cumprimento do seu mandato, da AD que tem efectivamente governado em condições extremamente difíceis, da AD que venceu a batalha da revisão constitucional em conjugação com o campo democrático, da AD que pretende vencer a batalha financeira para depois encetar a batalha económica, da AD que continua efectivamente coesa, porque o Governo e, directamente, a maioria parlamentar só estariam em causa se realmente essa coesão na AD não se verificasse.
Muito antes das eleições autárquicas, V. Ex.ª já ouviu dizer, através da imprensa, de que poderia haver uma remodelação governamental. No entanto, agora pretende vir dizer: «cá está! A AD reconhece o que nós tínhamos dito... Afinal houve uma vitória do nosso lado».

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado Fernando, Condesso, o tempo de que V. Ex.ª dispunha esgotou-se há já alguns minutos e quando a Mesa pede aos Srs. Deputados que concluam as suas considerações é mesmo para que concluam.

O Orador: - Eu concluo já, Sr. Presidente.

O Sr. Deputado Carlos Brito falou em conquista de Câmaras. Ora aí está. Sr. Deputado, porque se fosse em termos globais, W. Ex.as, de 20,5 %, teriam agora passado para 20,4 %. Como explicaria então V. Ex.ª isto em termos de análise global?

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, antes de conceder a palavra ao próximo orador, peco-vos que concluam as vossas considerações dentro do tempo previsto, que já inclui meio minuto de tolerância. Pelo menos, depois de a Mesa chamar a atenção porque o tempo se esgotou e pedir para que concluam, agradecia que a conclusão fosse mesmo feita e que não desenvolvam mais considerações.
Tem agora o palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já era de esperar, o Partido Comunista vem, a seguir às eleições autárquicas, dizer que a Aliança Democrática teve uma estrondosa derrota e que portanto é necessário mudar o Governo e dissolver a Assembleia da República. Nada disto espanta! É próprio de um partido totalitário, que confunde as regras da democracia, que confunda claramente que nós estamos em eleições autárquicas.
Admitimos que poderia ter sido necessário, caso houvesse um certo resultado, que a Aliança Democrática reconhecesse como tendo sido um sinal claro do povo português que não queria a Aliança Democrática para governar. Aí sim, se houvesse um sinal inequívoco, corresponderia à Aliança Democrática assumir uma posição dessa natureza, só que nada disso aconteceu e o Partido Comunista quer fazer demonstrar a esta Câmara e ao país que foi, de facto, isso que se passou.
O Partido Comunista quer retirar legitimidade à Aliança Democrática para continuar o governar, e para isso serve-se de toda a argumentação e inclusivamente de argumentação faliciosa. Senão vejamos: foi aqui referido pelo Sr. Deputado Carlos Brito que um dos líderes da Aliança Democrática - e nem sequer teve a coragem de dizer qual deles - terá dito que já não haveria legitimidade da Aliança Democrática para continuar a governar. Isto é falso, isto é mentira e é necessário que seja desmentido.
O Partido Comunista tem que ser claro, tem que vir para a luz do dia dizer o que realmente pensa e não pode continuar aqui, na Assembleia da República tal como na rua, a não se apresentar com a sua verdadeira face.
Mas vai mais longe e transforma-se um pouco no zandinga português ao dizer que se estas eleições fossem legislativas o resultado seria outro. A partir deste momento, o Partido Comunista Português não faz análises objectivas mas faz, pura e simplesmente futurologia.
Digo-lhe mais, Sr. Deputado, em qualquer país do mundo ou da Europa Ocidental, qualquer partido democrático -e o Partido Socialista pela voz do seu Secretário-Geral teve uma grande atenção a isso na intervenção que fez. na medida em que não se sabiam os resultados finais- que consiga em eleições para as autarquias locais ter 43 % dos votos, considerará que esse é um resultado forte. É óbvio, todavia, que o Sr. Deputado não está habituado a este sistema democrático, mas sim a um sistema de outras origens.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Embora não consideremos ser lícito comparar eleições autárquicas com eleições legislativas, mas já que o Sr. Deputado Carlos Brito o tentou fazer, queria colocar-lhe 3 questões.
Em primeiro lugar, se o Sr. Deputado Carlos Brito, partindo do seu raciocínio de que eleições autárquicas também são um indicativo para eleições legislativas, considera ou não que os 80 % de votos obtidos pelo campo democrático contrariam frontalmente as posições do Partido Comunista durante toda a revisão constitucional.
A segunda pergunta que lhe coloco é no sentido de saber se -o Sr. Deputado insiste em que se devem comparar eleições autárquicas com eleições legislativas.- com os 43 % de votos que a Aliança Democrática conseguiu obter, se esses resultados fossem para eleições legislativas, haveria ou não, novamente, maioria na Assembleia da República. Reporto-o para os resultados de 1979.
Em terceiro lugar, queria perguntar ao Sr. Deputado Carlos Brito se conhece algum caso na Europa Ocidental onde uma maioria no poder tenha apenas perdido em eleições cerca de 4 % dos votos.
Houve eleições locais na Bélgica e na Holanda, houve eleições parciais na própria França e na República Federal da Alemanha, onde as quebrai dos par-

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tidos da maioria foram muito mais significativas do que aquela que a AD sofreu.
Pergunto-lhe, pois: em que países é que se dissolveram os respectivos Parlamentos de modo a proceder-se a novas eleições pelo facto de as aposições terem alguns aumentos?
Finalmente, queria pedir-lhe se me pode informar, em relação aos países de Leste, onde é que houve eleições locais, quais foram os resultados alcançados pelos partidos da oposição e o que é que foi feito em termos de parlamentos ou de sovietes para essas situações.

Aplausos do PPM e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adelaide Paiva.

A Sr.ª Adelaide Paiva (PSD): -Sr. Deputado Carlos Brito, ouvi atentamente a sua intervenção e lamento ter de constatar que, mais uma vez, o Sr. Deputado, em representação do Partido Comunista Português, utiliza uma linguagem e um discurso político pouco claro e notoriamente visando enganar a opinião pública.
O Sr. Deputado começou por afirmar que tinha havido toda uma ocultação da situação económica e financeira difícil que o povo português está a atravessar. Lembro-lhe -pode-o constatar através do Diário da Assembleia da República- que houve vários apelos de Srs. Deputados aqui presentes, aquando da interpelação ao Governo, da iniciativa da sua bancada, tendo sido pedido ao Sr. Ministro das Finanças para dar esperança, mesmo que fosse enganadora.
Estávamos em vésperas de eleições e o Governo teve a verticalidade, aqui nesta Câmara, de demonstrar ao povo português que era claro e honesto nas suas afirmações e que não estava procurando dar falsas esperanças. Poderia ter feito eleitoralismo e não o fez.
Uma pergunta que queria colocar ao Sr. Deputado é se, efectivamente, em face dos resultados alcançados, o Partido Comunista Português não se sente incomodado cora o hermetismo que se verifica no seu eleitorado, no eleitorado que o apoia; se o facto de ter uma clientela política fixa e imobilizada, em que a parte jovem está cada vez mais fugida do seu partido, não o incomoda e não o aflige em termos de futuro; se não pensa que, efectivamente, o seu partido não vai ficar fechado sobre si próprio.
Uma outra pergunta que gostaria de lhe colocar é se não pensa ser natural que forças políticas que estão na governação tivessem uma deterioração a nível de opinião pública e se os 4,5 % de decréscimo que se verificou nestas eleições não serão uma prova notória de que o povo português apoia este governo e a Aliança Democrática.
Ainda outra pergunta: não pensa o Sr. Deputado ser pouco claro -para não dizer pouco honesto - fazer-se uma extrapolação de resultados de eleições locais para resultados a nível nacional? Isso não será tirar a força e conduzir a uma ínvia identidade, digamos assim, das eleições, quer autárquicas, quer legislativas?
Pergunto-lhe, pois, se entende que uma anula a outra ou se, pelo contrário, num país democrático o povo português não tem o direito de se pronunciar livremente através das eleições locais e através das eleições nacionais, sem que uma venha a anular a outra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - A visível excitação dos deputados da bancada do maior grupo parlamentar - o PSD-, contrastando aliás com a serenidade olímpica do CDE...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: -..., faz com que a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito, que foi realista, moderada, sensata, não tenha sido objecto de algumas questões.
E aproveita para sublinhar que o Sr. Deputado Carlos Brito fez uma intervenção que se caracterizou por alguns elementos novos. Em primeiro lugar, não realçou o triunfalismo da APU em relação a estas eleições que, efectivamente, subiu o seu número de câmaras e por isso está de 'parabéns. Os resultados eleitorais em termos de percentagem global não justificam idêntica atitude.
Por outro lado, o Sr. Deputado Carlos Brito teve a correcção, que me parece de elogiar, de se não referir, quanto à interpretação dos resultados eleitorais, ao Partido Socialista em termos menos próprios e menos adequados,

Q Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Ora, a questão que gostaria de lhe colocar, depois de ouvir a suai muito interessante intervenção, é a de saber se ela surge para corrigir aquilo que até aqui tem sido a interpretação oficial do seu partido, as posições do jornal O Diário, as declarações que atada ontem foram proferidas na televisão e na rádio por um membro do secretariado do seu partido, Carlos Costa, ou se, pelo contrário, ela é já, na sequência destes resultados eleitorais e do debate interno que a APU sobre os mesmos trava, a expressão de um saudável pluralismo interno do PCP quanto à apreciação dos resultados das eleições, o que muito nos felicitaria, a nós Partido Socialista.

Aplausos do PS e da UEDS.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo para um projecto.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Uso da figura regimental do protesto na medida em que o Sr. Deputado Carlos Brito exorbitou das ilações que extraiu das eleições autárquicas, designadamente no sentido de que a actual maioria parlamentar passará a estar nesta Assembleia quase que por mero favor ou complacência. Ao pensar assim não recuso relevo sintomático ao resultado das eleições; só por descuido de análise se poderá supor que, ao votarem como votaram, os portugueses tiveram exclusivamente em vista as suas circunscrições eleitorais, por completo isentos

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de uma certa ideia geral sobre todo o exercício do Poder. A política não consente figurações académicas.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador:-Mas, exactamente por isso, creio que a grande lição - os responsáveis políticos devem ocupar-se menos em dar lições, do que em recebê-las- a extrair das eleições autárquicas é a dei que a actual maioria parlamentar deverá fazer rectificações que justifiquem a confiança que em 1980 lhe foi outorgada. Isto porque a confiança não é um dogma de direito público; é uma realidade viva e pulsante, a todo o tempo modificável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, e quanto ao meu partido, as eleições autárquicas serviram também para afirmar a permanência da sua força essencial. Basta atentar no significado simbólico e político que tiveram as eleições de Cascais. Helena Roseta renunciou aos cargos de dirigente nacional do meu partido, renunciou ao seu mandato de deputada, mas nunca renunciou a1 ser ela própria nem se resignou a, esbater a sua autenticidade, a sua determinação social-democrata. E os resultados surgiram.
Creio que isso veio demonstrar que não são os cargos que fazem a imagem mas a imagem que justifica os cargos e dá força aos, poderes, A política é feita para as pessoas mas, não esqueçamos, é feita por pessoas.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Martins Canaverde.

O Sr. Martins Canaverde (CDS): -Sr. Deputado Carlos Brito, nesta quadra natalícia não nos surpreende que o Partido Comunista pretenda levar a Belém algum presente.

Risos do CDS, do PSD e do PPM.

Já o vem fazendo há muito tempo!
Uma das perguntas que começava por lhe fazer é: das 3 figuras dos reis: magos qual, o presente que o Partido Comunista leva? Porque é que vai sozinho?
Desta vez, o Partido Comunista reclama falta de legitimidade da maioria para continuar a governar e para continuar nesta Assembleia. Perguntava ao Sr. Deputado se, realmente, sozinho pode levar um presente significativo - o PS não leva e foi a força que mais cresceu nestas eleições - ou qual é o outro rei que o acompanha para levar o presente bíblico a Belém.
Por outro lado, e usando também aqui uma expressão de olimpismo vinda da bancada, do Partido Socialista, em relação ao qual esperávamos, esse sim, que viesse aqui hoje fazer uma análise das eleições - compreendemos esse gesto e felicitamo-nos por isso...

Risos do PS.

...-entrando portanto, numa linguagem menos bíblica e mais desportiva, pergunto se o Partido Comunista Português não está a confundir eleições legislativas com o Campeonato Nacional e eleições autárquicas com os jogos para a Taça de Portugal. Poder-se-á confundir a conquista da Taça com o Campeonato Nacional?
Ou seja, não reconhece que, não obstante, a AD é ainda a maior força política portuguesa?

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Afinal, em vez de falar do Benfica falou dai AD!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Começaria por responder és questões colocadas pelo Sr. Deputado Mário Raposo, e isto [por duas razões.
Em primeiro lugar, porque é simples fazê-lo. Uma parte substancial da intervenção do Sr. Deputado não tem a ver com as eleições para as autarquias, mas tem a haver com as eleições do PSD. Só por isso se explica que o Sr. Deputado tenha aproveitado a circunstância para fazer o elogio da ex-deputada Helena Roseta, que aqui conhecemos e até recordamos que saiu da Assembleia da República quando o PSD impediu que ela votasse de acordo com a sua consciência.
Mas isto trata-se apenas de uma breve anotação para ir à razão fundamental porque escolhi as suas perguntas para iniciar as minhas respostas.
E faço-o porque a determinado momento o Sr. Deputado disse que eu tinha exorbitado.

O Sr. Mário Raposo (PSD):-Sr. Deputado, eu formulei um protesto e não pedi esclarecimentos. O Sr. Deputado pode fazer um contraprotesto.

O Orador: - Certo, Sr. Deputado. Mas eu nem sequer faço isso. Apenas me limito a fazer um comentário, uma vez que é meu direito fazê-lo, às questões que me colocou.
Estava, pois, a dizer que ia agora pegar na questão que me leva a ter escolhido as suas questões para iniciar as minhas respostas.
É que, a certa altura, o Sr. Deputado afirmou que eu tinha exorbitado.
Não foi essa a minha intenção. Entendo que os resultados das eleições para as autarquias locais e o próprio acontecimento que foi o acto eleitoral do dia 12 de Dezembro, é por si mesmo tão importante que não podia deixar de merecer um comentário da Assembleia da República.
Naturalmente que nós contávamos que outros deputados suscitassem a questão. Parece que isso até agora não aconteceu. Nós não temos pena, não o lamentamos, estamos nós a suscitá-la e quanto a nós muito bem. É uma questão que merece ser discutida, é uma questão de grande relevo na vida democrática nacional, 'é uma questão de grande relevo para o futuro das nossas instituições.
Portanto, não exorbitei, trouxe o ponto de vista do PCP, que é um ponto de vista que aqui, democraticamente, nos propomos discutir convosco. E vamos ver se temos razão.
Aquilo que o Sr. Deputado Mário Raposo afirmou, não nos ajuda muito a aprofundar a dis-

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cussão. Vamos ver se outros Srs. Deputados deram uma contribuição melhor.
E, assim, passo ao Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Deputado diz que eu não estou habituado ao exercício da democracia. Bem, pelo menos em relação ao exercício da actividade parlamentar tenho algum hábito, tenho já experiência bastante maior do que a do Sr. Deputado Silva Marques.
Quanto a eu não ter o hábito do exercício da democracia, pergunto: então o Sr. Deputado Silva Marques tem-na só. porque muda de partidos como quem muda de camisa?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP):- A gente conheceu-o bem!

O Orador: - Aquele que ainda não há muito tempo era o defensor da ditadura do proletariado mais estrita, o homem da zona das tempestades!

Risos.

Dispenso-me de recordar outros valores que estão documentados na obra literária do Sr. Deputado. Recordo, a propósito, a sua larga colaboração suponho que no jornal Comércio do Funchal, e iríamos longe em relação aos seus hábitos da democracia.
Portanto, Sr. Deputado, não queira vir dar lições de democracia aos demais.
Falando agora a sério e discutindo seriamente as suas questões, que fundamentalmente foram 2: uma é a estagnação da APU e a outra é a questão da abstenção e do seu significado.
Quanto à estagnação da APU, devo dizer-lhe que isso não é verdade. Nós não proclamamos que a APU teve um crescimento muito grande, mas valorizamos o resultado que obteve, que é um resultado importante.
Repare que a APU não só manteve todas as câmaras em que já possuía maioria como em várias câmaras, e das mais importantes, passou a ter maioria absoluta. Portanto, os munícipes desses concelhos reforçaram a sua confiança na APU, e tanto é assim que dão mais força à gestão da APU nesses concelhos.
Este parece-nos ser um elemento de grande importância.
E repare que a seguir vem isto: é que a APU também agora obtém a maioria em mais 5 câmaras e nalgumas até obtém logo à partida a maioria absoluta - é o caso da Câmara de Vila do Bispo, relativamente à qual me sinto particularmente ligado porque fiz lá campanha eleitoral.
Repare também que a APU aumentou o número de mandatos, aumentou o número de freguesias em que têm a maioria. Ganhou 50 freguesias, e como perdeu algumas eu pus aqui, digamos, um saldo positivo de 40 freguesias mais.
Aumentou também o número de votos em valor absoluto.
O Sr. Deputado disse a certa altura: «compare!». Mas porque é que não compara com os resultados de 1980? Em relação a 1980, nós aumentámos qualquer coisa como 70000 votos, pelo que se vê não haver nenhuma estagnação.
Em democracia é muito difícil haver estagnações! Há no entanto algumas oscilações. Nós não temos um eleitorado totalmente fixo, temos um eleitorado relativamente estável mas com algumas oscilações, e a oscilação agora é no sentido positivo, e foi isso que afirmámos.
Nós sentimo-nos muito orgulhosos da confiança que nos foi conferida de novo pelo eleitorado, que representa bastante - supomos ir acima dos 20,5 %.
Passaria a seguir às - perguntas que me foram colocadas - pelo Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Deputado começou por colocar a questão de que não se pode confundir eleições para as autarquias com eleições gerais e disse que não é a política do Governo que está em causa.
Pergunto: o Sr. Deputado acha que este resultado traduz um castigo para as autarcas do PSD ou da AD? Eles é que são inábeis? Eles é que são incapazes? Não tendo a ver com a política governamental, é apenas uma resposta à política autárquica dos autarcas da AD e são eles que foram rejeitados pela população em vários concelhos do país?
A nossa opinião não é essa e pensamos que se aquilo que efectivamente levou a esta votação é uma recusa da AD no poder local é, antes de tudo, uma recusa da AD no poder central.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado pôs ainda a questão de como é que eu posso comparar e qual era o resultado que estas baixas poderiam dar.
Eu quero dizer, Sr. Deputado, que com estes resultados a AD não tinha, de facto, a maioria na Assembleia da República -com isto antecipo já uma respectiva a outro Sr. Deputado- e até lhe posso dizer que era capaz de descer para 118 deputados. E com este resultado nós teríamos pelo menos 49 deputados.
Na verdade, o Sr. Deputado Pedro Pinto não foi capaz de colocar nenhuma questão.
Em relação às questões que o Sr. Deputado trouxe - protestos, calúnias, chamando-nos partido totalitário e dizendo de um - partido que vem, como nós, discutir com os senhores que merecem ser atacado como partido totalitário-, pois desculpo-as devido à sua muita juventude e suponho que o senhor à frente da juventude do PSD faz melhor do que aqui na Assembleia da República.
Mas queria ainda acrescentar o seguinte, que serve também para o Sr. Deputado Coimbra, a quem darei depois respostas mais aturadas mas a quem antecipo também uma resposta: Sr. Deputado Pedro Pinto, em muitos países uma simples sondagem é o suficiente para que se antecipem as eleições. Como é que uma consulta popular que foi precedida de uma batalha eleitoral tão aguerrida como esta - em que os seus chefes, os líderes da AD, colocaram a questão de que era fundamental votar, era fundamental manter a AD para passar à nova face das realizações dos seus planos-, dizia eu, como é que isto não tem um alto significado e não é um profundo teste à vontade popular?
Sr. Deputado, a sua juventude é que ainda não lhe ensinou mas o Sr. Deputado vai aprender isto com a vida e fará melhor do que o Sr. Primeiro-Ministro

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Balsemão quando assumir mais responsabilidades dentro só seu partido.

Risos.

Quanto ao Sr. Deputado Luís Coimbra, que, talvez sem querer, por ignorância, tentou aqui manipular um pouco a Assembleia da República, devo dizer que aqui é mais difícil fazer isso do que fazê-lo, como o faz o seu amigo Proença, na televisão.
Mas, Sr. Deputado, além disto quero dizer-lhe que os 4.5 pontos que a AD perdeu significam 10 %; não são 4,5 %, mas sim 10 % ...

O Sr. Vítor Pereira Crespo (PSD): - Isso é mais difícil! ...

O Orador: -A quebra da AD é de 10%!

Depois o Sr. Deputado disse que nas eleições intercalares de 1979, a AD obteve a maioria absoluta, embora resvés, como estamos recordados, com 42,5 % dos votos, o que é uma manipulação. Não sei se isto não é ignorância do Sr. Deputado, do tipo daquela que vimes aqui ao Sr. Ministro Angelo Correia, não sei se V. Ex.ª não viu à pressa os números, porque os resultados foram 42,5 º/o no continente mais 3 % nas regiões autónomas.
Foi o resultado de 45,5 % que determinou essa maioria absoluta, resvés o que só vem confirmar que ainda que seja 43 % o resultado obtido pela AD nas eleições autárquicas - porque não são 43 % ao certo, mas ainda que sejam, e nós aceitamos esse número aqui, por comodidade, para discutirmos-, ele não dá a maioria absoluta.
Aliás, como já tive ocasião de antecipar numa resposta anterior, a partir dos cálculos que fizemos distrito a distrito, a AD está muito longe de obter a maioria absoluta.
O meu grande amigo Raul Rego deu-me uma ajuda que é especialmente destinada ao Sr. Deputado - mas para a qual chamo a atenção particular dos Srs. Deputados do PPM- no sentido de que em 14 de Abril de 1931, a monarquia caiu em Espanha depois das eleições municipais...

Risos do PCP.

..., de maneira que tenha mais cuidado quando fala de eleições municipais porque é importante o voto que o povo expressa nessas eleições.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

Quanto à Sr.ª Deputada Adelaide Paiva, dispenso-me de comentar algumas acusações que fez porque penso que não tem o direito de as fazer devido à grande inteireza que da nossa bancada sempre houve para consigo -algumas vezes em momentos difíceis por que passou na sua própria bancada-, e passarei a referir apenas as questões substanciais que colocou. Aliás, referirei apenas uma só, que é a questão da ocultação pelo Governo da nossa situação económico-financeira.
É verdade que houve da parte do Governo a mais descarada tentativa de ocultar a situação económico-financeira do País. Como sabe, o Governo está obrigado, por lei, a apresentar o Orçamento do Estado até ao dia 15 de Setembro e não o fez, não tendo havido nenhuma crise governamental ou qualquer outra coisa que explicasse esta sua falta; o Governo só o apresentou, como sabe, nos finais de Novembro ou nos primeiros dias de Dezembro e isto para impedir que o povo português conhecesse a situação em que se vive.
Depois, por força da nossa interpelação, o Governo veio aqui discutir, mas, ao mesmo tempo que discutia na Assembleia da República, dava instruções ao Proença de Carvalho e aos outros mandantes da comunicação social para que a nossa voz não transparecesse, para que a nossa denúncia, assim como a dos outros partidos da oposição, não fosse levada ao povo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Isto é, de facto, ocultar a situação económico-financeira no nosso povo. Bem, passarei adiante...
Em relação ao Sr. Deputado Jaime Gama, agradeço os seus cumprimentos, que retribuímos no que toca aos sucessos do PS. Porém, quero ainda dizer que a intenção desta e de outras intervenções do meu partido é só uma: que todos os que receberam uma renovada confiança do nosso povo no dia 12 de Dezembro estejam à altura dessa confiança e respondam àquilo que o povo português lhes pede.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Finalmente, referir-me-ei ao Deputado que aqui falou com mais dificuldade, o Sr. Deputado Martins Canaverde.
Compreendo que o Sr. Deputado tenha que recorrer à lenda dos 3 reis magos porque está, na verdade, numa situação delicada e difícil neste debate.
É que, tendo em conta a intervenção do líder do seu partido, do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Presidente do CDS, Freitas do Amaral, tudo aquilo que foram os pontos de vista essenciais e as traves mestras da argumentação do PSD não coincide com aquilo que são as traves mestras de apreciação do CDS, até mesmo nesta questão que o Sr. Deputado Pedro Pinto colocou, a que aproveito para responder: não referi o nome do Prof. Freitas do Amaral apenas por elegância, esperava que fosse o CDS a trazer aqui o ponto de vista do seu líder e que comentasse, com desassombro, estas eleições, não se refugiando atrás dos três reis magos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O CDS não teve a hombridade de o fazer e, então, vamos pôr as «cartas» na mesa: quem, em termos de opinião pública, logo naquela madrugada, colocou a questão da maioria parlamentar, e foi essa a questão a que me referi -pode ler o meu texto e verá -, foi o Presidente do CDS que disse -embora isto não seja verdadeiro - que com menos 43,5 % ...

O Sr. Santana Lopes (PSD): - 43 %!

O Orador:-E meio, e meio!

Vozes do PSD e do CDS: -43 %!

O Orador: -Mas quem colocou essa questão foi o líder do CDS. Talvez de tenha dito primeiro 43,5 % e depois alguém lhe tenha tocada e ele tenha emendado para 43 %! Nós temos a gravação e podemos

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apurar se foi 43,5 % ou 43 %. Mas essa questão foi levantada e foi isso que referi na minha intervenção; essa questão foi levantada nessa noite.
Aliás, creio que é por isso que o Sr. Deputado Martins Canaverde tem tanta dificuldade em se pronunciar nesta questão.
Mas quero ainda dizer-lhe que, quanto a nós, o que o CDS faz é afastar-se, ou melhor, como dizia o Sr. 'Deputado César Oliveira uma vez aqui, fugir com uma parte do corpo à seringa. Isto é, o CDS procura não ser envolvido na derrota, mas está envolvido.
Portanto, os resultados desta votação não são só a condenação do Sr. Primeiro-Ministro Balsemão, como os senhores pretendem fazer crer! Não é a derrota do PSD, como os senhores andam a dizer por toda a parte, em público um tanto entrelinhas e em privado à boca toda.
Estes resultados não representam isso, mas sim a derrota da AD e é desta derrota da AD que temos de tirar todas as ilações, que, quanto a nós, vão no sentido de que a AD não tem legitimidade para continuar a governar à sua maneira.
A questão da demissão do Governo está na ordem do dia, como o está a questão; da maioria parlamentar. É que daqui para o futuro, nós, os deputados da oposição, e os senhores, os deputados da maioria, quando aqui votarmos todos qualquer lei teremos a consciência de que não estamos a representar devidamente o povo português, porque ele já não daria esta representação à sua vontade. É essa a questão que aqui está colocada, é uma questão dramática que todos vamos sentir nos trabalhos da Assembleia da República.
E é por isso que dizemos que há um único caminho são, embora haja muitas maneiras de continuar, sendo uma o continuar a apodrecer, coisa que já acontece com a AD e que, aliás, o líder do seu partido também prevê. Mas nós não queremos, que as instituições apodreçam com a AD e, com esse caminho, elas continuam a apodrecer.
Outro caminho é uma intervenção rápida, cirúrgica, que conduza as coisas ao caminho são. Ora, quanto a nós, este caminho passa pelo afastamento da AD do Governo e pela convocação de novas eleições para dar a palavra ao povo português, para que ele escolha uma maioria democrática que irá dar origem a um governo democrático.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Durante a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito, pediram a palavra, para protestar, os Srs. Deputados Silva Marques, Martins Canaverde, Pedro Pinto e Luís Coimbra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, a minha hipótese teórica vai no sentido de que V. Ex.ª está a incubar uma gripe de vírus parlamentarista. Espero que isso não seja princípio de uma grave cisão no interior do seu partido onde, como se sabe, o eurocomunismo está proibido.
V. Ex.ª é um deputado brilhante, sem dúvida, mas, como também sabe, um dos princípios do materialismo dialéctico é o de que a prática conduz à teoria, e daí que eu diga que V. Ex.ª está, neste: momento, em perigo de contrair o vírus parlamentarista e de ser, eventualmente, um dos dirigentes da primeira grande cisão no interior do Partido Comunista.

Risos do PCP.

Quanto a eu mudar de camisa, Sr. Deputado Carlos Brito, devo dizer-lhe que é verdade, e embora seja a primeira vez que falamos disto aqui, porque não fazê-lo já que tem sido falado em público?! Já pertenci a 2 partidos mas, realmente, não estou numa situação tão pobre que tenha mudado apenas 2 vezes de camisa na minha vida!

Enfim, sei que tenho uma grande ligação afectiva com a classe operária mas, feliz ou infelizmente, em consequência de diferenciações sociais, não estou nesse estado de depauperação. Realmente, mudo mais vezes de camisa, embora não mude todos os dias como qualquer grã-fino...

Risos.

...que, aliás, se encontram com frequência na bancada de V. Ex.a. Dá-me a impressão que a extrema-esquerda portuguesa, à falta de ideologia, muda assim de camisa e ainda por cima usa camisas bastante atraentes e vistosas. Inclusivamente, parece-me que a nossa extrema-esquerda é o requinte do quadro político português! Dá-me a impressão que quanto mais à esquerda mais se muda de camisa e mais vistosa ela é!

O Sr. Mário Tomé (UDP): -E o banhinho?!

O Orador: - Relativamente à última questão que V. Ex.ª pôs, não sei se o Prof. Freitas do Amaral tinha outra intenção - parece-me que não tinha, parece-me que V. Ex.» abusa quando refere que ele disse 43,5 %. De qualquer modo ele disse
43 %.
Agora, quanto à questão concreta, a AD teve 43 %. E a que título V. Ex.ª, ou outrem, retira do sufrágio legislativo a emigração? Nas eleições anteriores a emigração deu à AD 1,26 %; ora, 43 % mais 1,26 % dá 44,6 %, o que é uma diferença de l % relativamente ao primeiro sufrágio legislativo que deu a maioria absoluta à AD, que foi precisamente de 45 % .
Para terminar, Sr. Deputado, pergunto: em eleições legislativas que é que correrá o risco de descer? Será o PCP ou nós? VV. Ex.as -que estagnaram quando estão em causa as eleições locais- se estiverem em causa questões nacionais, estagnarão ou baixarão, uma vez que o povo português quer a democracia e VV. Ex.as não; o povo português quer a integração na Europa, VV. Ex.as não; o povo português quer a desestatização da sociedade, VV. Ex.as não!
Quem baixará numa eleição legislativa? Evidentemente que serão VV. Ex.as e a minha hipótese não é abusiva!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, pretende responder já ou no fim de todos os protestos?

O Sr. Carlos Brito (PCP):-No fim, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente:-Então, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Canaverde.

O Sr. Martins Canaverde (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª confundiu um facto histórico - a história dos reis magos- com uma lenda, o que, enfim, é estranho para quem tem da história determinadas concepções.
Mas o que é grave é que V. Ex.ª disse que o CDS não teve a hombridade de dizer aqui a sua posição. Trata-se de uma acusação gratuita e eu gostaria que V. Ex.ª fizesse o favor de «emendar a mão» porque sabe que o CDS é um partido sério e responsável, que não diz hoje uma coisa para amanhã fazer outra.
O CDS reconhece que realmente houve factos negativos, do seu ponto de vista, nestas eleições autárquicas. Nunca o negou nem o nega e o que o seu líder disse foi isso mesmo, ou seja, que a percentagem à volta dos 43 % era uma percentagem de claro-escuro em relação à qual seria necessário tomar medidas dentro da AD. E se reconhecemos que, em termos democráticos, em relação aos resultados algumas forças políticas podem apresentar algum regozijo, já não entendemos que, quanto à natureza das eleições - são totalmente diferentes as eleições para as autárquicas das eleições legislativas -, VV. Ex.as queiram fazer extrapolações e tirar conclusões quando, afinal de contas, o PCP não consegue ir acompanhado a Belém, não consegue «namorar» suficientemente o PS para levar a Belém o presente que pretende, ou seja, a dissolução da Assembleia e a demissão do Governo.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Em primeiro lugar, quero agradecer a referência, que é sempre simpática, ao facto de a minha juventude estar inerente à minha intervenção e dizer que compreendo perfeitamente que isso não seja possível no Partido Comunista, onde os jovens têm uma grande dificuldade de ter a palavra.
No Partido Social-Democrata, a situação é totalmente diferente e isso demonstra o apoio inequívoco que temos da parte da juventude portuguesa, coisa que o Partido Comunista desde o 25 de Abril -ai sim, em flecha descendente- não tem registado, o que se verifica através dos seus consequentes desaires.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às posições que eu referi não terem reflectido a verdade no que diz respeito à posição do Dr. Freitas do Amaral, eu pressupunha que se estivesse a referir a essa intervenção na medida em que houve logo uma extrapolação da parte do PCP às palavras do Dr. Freitas do Amaral, que não disse absolutamente nada daquilo que o senhor aqui referenciou, não tendo posto minimamente em causa a AD, como é óbvio, até porque da parte dele não teria o mínimo de coerência o assumir de uma atitude dessa natureza dentro da AD; não a assumiu no passado e estamos convencidos que o nosso parceiro de coligação não a assume no presente nem a assumirá no futuro.
Mas, o que é absolutamente necessário é que isto seja dito na Assembleia da República com toda a veracidade necessária.
Como dizer aqui que o Partido Comunista Português é capaz de demonstrar que a Aliança Democrática já não detém neste momento a maioria, quando toda a gente sabe que este resultado é mais do que suficiente? Aliás, quanto a estes números há no País uma entidade responsável, o Dr. Serras Gago -que penso que é figura insuspeita-, que ainda ontem no noticiário das 19 horas dizia que, com estes resultados, a Aliança Democrática voltaria a ter a maioria absoluta nesta Câmara, embora seja evidente que não teria o mesmo número de deputados.
De qualquer modo, não podemos esquecer - aliás, já foi aqui referido- que em eleições legislativas os critérios são muito diferentes dos desta eleição e nós estamos convictos que não seria este o resultado em eleições legislativas, que teríamos um resultado bastante superior e que o Partido Comunista teria um resultado inferior.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM):-Sob a forma de protesto, começarei por agradecer as palavras elogiosas para o regime que eu defendo proferidas pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
De facto, o rei Afonso XIII de Espanha convocou eleições em 1931 -tendo sido ele próprio que decidiu isso - mas, nessa altura, em termos de eleições municipais, e pode consultar os resultados, a quebra não foi de 4%; registou-se uma descida monumental de 20 % e de 30 %, sobretudo em Madrid e Barcelona, como o Sr. Deputado Carlos Brito sabe. Não foi com 4 % que o rei tomou essa iniciativa.
De qualquer das maneiras, para lhe avivar a memória e para referir a justeza dessa posição de Afonso XIII, aqui está hoje a realidade espanhola, ou melhor, o reino espanhol.
Entrando agora no protesto propriamente dito, quero dizer que, de facto, o Sr. Deputado Carlos Brito pode trazer cálculos sobre o resultado de eventuais e hipotéticas eleições legislativas -cuja natureza é diferente da que se efectuaram -, mas, o Sr. Deputado, não sei se com ou sem intenção, esqueceu-se, mais uma vez, dos 3 deputados da AD que foram eleitos pelos emigrantes, o que não me admira porque o Sr. Deputado Carlos Brito e o seu partido ignoram os 180000 emigrantes e também, como é claro, o seu voto para as eleições legislativas.
Portanto, confirmo o que vários analistas têm afirmado no sentido de que com estes resultados a AD manteria a maioria absoluta e, repito, não se podem tirar ilações das eleições autárquicas para eleições legislativas.
O Sr. Deputado Carlos Brito referiu que por vezes na Europa Ocidental há eleições antecipadas. É certo que há, Sr. Deputado, mas com uma quebra da maioria de apenas 4 % não há um único caso. O Sr. Deputado não consegue apontar um único caso em que isso tenha acontecido!

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Finalmente, queria protestar porque o Sr. Deputado não respondeu ao meu pedido de esclarecimento que ia no sentido de saber em que países de leste, quando e como é que houve eleições locais, quais foram os partidos que concorreram e quais foram os resultados obtidos pelos partidos sociais-democratas, pelos partidos socialistas e pelos partidos democratas-cristãos, e qual foi a alteração nos Executivos em virtude dessa eleição.

O Sr. Presidente: -Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, dispõe de 8 minutos.

O Sr. Caries Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respondendo aos protestos que foram feitos através da figura regimental de contra-protesto, queria ser bastante breve para não prolongar mais uma discussão cuja utilidade maior julgo que já foi retirada, procurando agora alguns dos Srs. Deputados ficar com a última palavra para, enfim, atenuar um bocado o desastre das vossas intervenções de há pouco.
Em relação ao Sr. Deputado Silva Marques, quero dizer que não me proponho discutir aqui as suas questões de higiene.

Risos e aplausos do PCP e da UEDS.

Isso é com V. Ex.ª e portanto nem quero entrar nesse assunto.

Risos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Fica-lhe muito bem!

O Orador: - Quero também dizer-lhe - e esse é o meu contraprotesto- que não é a primeira vez que o Sr. Deputado Silva Marques tenta fazer trabalho de divisão no PCP: na primeira vez que o tentou estava dentro do partida e o resultado é conhecido; agora, pela seguida vez que o tenta estando de fora, nem vale a pena falar do resultado.

Risos do PCP e da UEDS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas esta tentativa é mais eficaz!

O Orador: - Bem, o Sr. Deputado Martins Cana-verde chamou em seu apoio o CDS. Repare que eu não tenho necessidade de dizei? outra coisa diferente daquilo que disse porque não disse nada em relação ao CDS em geral, mas sobre o CDS em particular. Portanto, quanto a esta discussão o que afirmei foi que o Sr. Deputado não tinha tido a hombridade de se assumir nas posições e nas opiniões que têm acerca das eleições locais. Foi isso que o Sr. Deputado Martins Canaverde não fez nem da primeira nem da segunda vez.
Mas vamos fazer um teste ao CDS. E eu não vou lembrar aqui que uma vez o Sr, Vice-Primeiro-Ministro disse que enquanto o general Ramalho Eanes fosse Presidente da República ele não seria membro do Governo, fez esta afirmação de, que não vamos falar pois já passou à história,

Risos do PCP.

Mas agora temos um caso mais recente: tenho aqui a informação de que no dia 10 de Outubro no Notícias da Tarde e posteriormente num outro jornal, o presidente da Câmara de Lisboa -que foi novamente eleito para a presidência desta Câmara - afirmou que não voltaria a ser Presidente da República ...

Risos do PSD e do CDS.

Não, desculpem, foi a ligação com a palavra «Presidente» ... Dizia eu que o Sr. Engenheiro Nuno Abecasis afirmou que não voltaria a ser presidente da Câmara de Lisboa se não obtivesse a maioria absoluta. Como hão a obteve e, aliás, ficou muito longe disso, pergunto-lhe: vai o Sr. Engenheiro Nuno Abecasis (honrar a sua palavra, honrar o que afirmou em público?

Risos do PCP.

Ora aqui está um pequeno teste ao CDS. Vamos ver como é que a CDS responde a este teste.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É gente séria. É gente honesta! ...

O Orador: - Em relação ao Sr. Deputado Pedro Pinto, quero dizer que não referi a sua ligação à juventude e à sua própria juventude com desprimor, mas sim com apreço e com atenção. Falei com o respeito com que falo para qualquer outro deputado. Agora também não é verdadeiro aquilo que o Sr. Deputado pretende afirmar ao dizer que nós, o PCP, calamos a voz à juventude. Basta olhar a nossa bancada e ver a intervenção que os jovens, deputados tão jovens como o Sr. Deputado, têm na nossa bancada nos debates de maior responsabilidade que aqui se travam.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vêem mas não falam.

O Orador: - Portanto, não ponha assim tão em causa o trabalho do PCP no que respeita à juventude deste partido, que é um trabalho importante e que está aos mais altos níveis do trabalho da juventude em Portugal

Vozes de protesto do PSD.

Em relação aos cálculos do Sr. Serras Gago, queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que temos muito apreço pelo trabalho científico, mas não aceitamos os argumentos da autoridade sem espírito crítico. Neste momento já são conhecidos os resultados por distrito e portanto faça as contas, que foi o que nós tentámos fazer, ponderando este resultado nacional e tendo em conta a experiência de 1979, que vocês têm citado.
Mas quero-lhe dizer mais: como vê os resultados que agora são adiantados já) não são de 43%, mas de 42,8% para a AD.

O Sr. Silva Marques (PSD): -O vosso computador está avariado!

O Orador: - Repare que mesmo aquilo que nós há pouco dissemos começa agora a estar reforçado

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pela própria evolução da contagem. Tenha isto em atenção.
Quanto ao Sr. Deputado Luís Coimbra -que está a conversar com outros deputados do PPM - quero pôr-lhe 2 questões. A primeira, porque o Sr. Deputado insiste nos 4 pontos. É que estas coisas de matemática é bom ser-se rigoroso -já que V. Ex.ª não é rigoroso na política que o seja neste campo- e dizer-se que são 4 pontos e meio, ou 10%.
Em relação à questão que colocou sobre os países de leste, digo-lhe que nós estamos entre deputados na Assembleia da República e portanto se o Sr. Deputado deseja saber alguma coisa dos países de leste dirija-se às suas embaixadas. É esse o caminho que deve seguir.

Vozes de protesto do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD):-Não informam!

O Orador:-Sr. Deputado Luís Coimbra -que é nesta Assembleia um deputado representante de um partido minúsculo e que (provavelmente nunca elegeria deputados-, não venha insultar o presidente do grupo parlamentar de um partido que representa um quinto dos portugueses, portanto mais de 20% dos portugueses.

Aplausos do PC P.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Não o fiz, Sr. Deputado!

O Orador: - Se alguém aqui pode ser suspeito de não representar os portugueses não sou eu, Carlos Brito, deputado do Partido Comunista Português, mas o Sr. Deputado Luís Coimbra, deputado do PPM.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eu tenho aqui o meu assento sem favores de ninguém. Não sei se o Sr. Deputado Luís Coimbra tem assento com favores de alguém.

Aplausos do PCP.

Protestos do Sr. Deputado Borges de Carvalho (PPM).

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo português acaba de rejeitar este Governo ao infligir uma derrota eleitoral à AD numas eleições autárquicas que se realizaram sob o signo do teste nacional e global à política da coligação maioritária. Este carácter do acto eleitoral, foi-lhe imprimido quer pela necessidade de encontrar referenciais da vontade eleitoral do povo perante a degradação permanente e assustadora das suas condições de vida, quer pela forma e conteúdo que foram imprimidas à campanha pela oposição e, mesmo, pela AD.
Não podem restar dúvidas que quando o povo não votou AD estava a responder directamente ao desafio que havia sido lançado nomeadamente pelo Primeiro-Ministro Pinto Balsemão e pelo Vice-Primeiro--Ministro Freitas do Amaral; estava a dizer não à política que tem sido posta em prática pelo Governo AD.
No entanto, o que saiu reforçada com a derrota eleitoral da AD foi o centro. A subida eleitoral do PS, enquanto a APU estacionou e a UDP baixou, vai permitir à AD prosseguir e aprofundar o assalto que tem estado a conduzir contra os sectores mais avançados dos trabalhadores.
Quer queiramos quer não se o voto no PS foi um voto para derrotar a AD ele foi avalisar a política do PS, a política de aliança com a AD, foi um voto essencialmente no equilíbrio, um voto no centro.
Foi um voto temeroso de confrontação, foi o voto do desejo de estabilidade, foi o voto alimentado pela expectativa em Eanes, pelas ilusões no regime Novembrista e nas chamadas «instituições democráticas». Foi ainda um voto desiludido com o caminho de luta afunilado por apelos ao Presidente da República, pelo respeito religioso às chamadas instituições democráticas. Foi o voto cansado de lutar para servir estratégias eleitorais, cansado de lutar sempre com o mesmo alarido mas sempre, também, em posições cada vez mais recuadas, impostas pela direita, impostas pelas alianças do PS com a direita, impostas pelo desejo de não desagradar a Eanes, impostas pelo diluir do antagonismo entre o 25 de Abril e os interesses populares, por um lado, e o 25 de Novembro, e os interesses reaccionários da burguesia, por outro lado.
A situação criada pelo reforço do centro é uma situação perigosa na medida em que as ilusões numa saída deste tipo pode ter consequências dramáticas para a vida do nosso povo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A derrota eleitoral da direita, com o aumento da corrente da oposição - que se mantém, no entanto dentro da aceitável pelos limites do regime - tem como consequência o agravar das contradições internas da AD e mesmo dentro do PSD.
A AD naturalmente vai tentar superar tal situação o que, num quadro político em que foi o centro a sair reforçado, se irá traduzir num reforço da sua política reaccionária, tentando correr para a frente, tratando de retocar a imagem, dando-lhe maior coerência e vigor, mostrando que é capaz de levar por diante o seu projecto antipopular sem oscilação desgastantes, fazendo apenas concessões ao centro dentro dos parâmetros já marcados e definidos pela revisão constitucional e pela Lei de Defesa Nacional, que Lhe dá toda a liberdade de acção para prosseguir o ataque brutal contra a reforma agrária e as nacionalizadas, contra o nível de vida do povo, contra as liberdades.
Por outro lado, a subida do CDS, dentro da coligação significará a imposição -mesmo que cordata e dialogante no estilo estadista tira os cavalos da chuva» de Freitas do Amaral, preparando a vitória nas presidenciais- da via fascizante apoiada nas incongruências, hesitações, falências e concessões do centro que pretenderá resistir ao fascismo, reforçando o capitalismo o que, na época actual e com a crise em que vivemos, significa tão só abrir-lhe as portas de par em par.
Por muito estranho que possa parecer àqueles que, como de costume, se preparam para apregoar grandes

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vitórias, o que terá como consequência inevitável baixar o guarda dos operários e demais trabalhadores, com esta derrota eleitoral da AD a vida no nosso país, apesar dela, vai virar ainda mais para a direita
Porque todos os pressupostos, quer da votação quer dos partidos dominantes na oposição à AD, foram e são os da expectativa em soluções vindas de cima, se não tão de cima como «Nosso Senhor», pelo menos do Presidente da República. Em soluções de defesa do regime Novembrista contra a luta operária e popular. Em solução de superação da crise em termos de defesa da chamada economia nacional. Em soluções de subordinação da luta às baias reaccionárias das chamadas «instituições democráticas».
São soluções, todas elas, que não põem em causa os fundamentos da política da AD, como nunca impediram o seu crescimento e a sua subida ao poder.
Ao nível das autarquias iremos ter, ainda assim, acordos de regime entre as 3 grandes forças na tentativa de demonstrarem que é possível encontrar soluções que agradem a todos, que agradem aos ricos e aos pobres, dentro do quadro das instituições.
Como a UDP sempre assinalou, os problemas básicos e essenciais do nosso - povo irão continuar a não serem resolvidos seja qual for a maioria e a presidência das autarquias.
A habitação, a saúde, a educação, o emprego, os transportes, o nível de vida, as liberdades continuarão a degradar-se, enquanto decerto aparecerão bons edifícios, viadutos bem lançados, aumentos das taxas camarárias porque o Governo cortou nas finanças locais. Iremos continuar ter aumentos de água progressistas e aumentos de água reaccionários; resistência e despejos justíssimos e resistência e despejos injustificados conforme apreciados por quem está na câmara ou quem não - está. Ou então, fé forem dados passos em frente na opção Roseta e na nova opção Abecasis popular de amplo entendimento municipal a resistência às medidas camarárias de «defesa da economia nacional e local» e da «defesa da ordem» ficarão à partida classificadas de arruaça e até de crime.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queremos deixar de saudar a população de Vizela pela firmeza demonstrada na defesa intransigente dos seus direitos. A luta dos vizelenses é um exemplo para todo o povo português que, ao pôr em causa a própria realização das eleições no seu concelho, assume características - muito importantes na medida em que não se deixaram intimidar pela chantagem das instituições, demonstrando que os legítimos interesses de uma população devem e podem ser defendidos por todos os meios de luta de massas. Ao não terem aceite ir no engodo da paz social só porque se realizaram eleições, os vizelenses mostraram perceber as leis da luta e deram passos importantes e decisivos para a vitória.
Neste momento põe-se aos trabalhadores em geral e à classe operária em particular a tarefa de resistirem à actual ofensiva da direita e à muito provável intensificação dessa ofensiva. Qual a saída para a situação que se vive nas fábricas? Qual a saída para a defesa dos postos de trabalho? Qual a saída para a defesa de um nível de vida digno e ajustado?
Qual a saída para a defesa das liberdades, da paz e da independência nacional?
Como vimos, as derrotas da AD no quadro do 25 de Novembro, aceitando a preservação do regime, apenas se traduzirão em recomposições do poder burguês destinadas a, da maneira mais adequada, fazerem os trabalhadores pagar a crise.
Vastos sectores da pequena burguesia dos campos e das cidades dispõem-se a colaborar por acção ou omissão numa política de centro que vai levar ao reforço da direita reaccionária. Para garantirem a estabilidade à custa da exploração e da repressão sobre os operários.
Essa política que vai ser praticada pela direita apoiada na estagnação do centro, terá como consequência não apenas a crise atirada com toda a brutalidade para cima dos operários mas também para cima dos restantes trabalhadores da agricultura e dos serviços. Por cima também daqueles que querem livrar-se dela não fazendo ondas na utopia do equilíbrio impossível.
A repressão e a liquidação das liberdades democráticas avançarão sem oposição válida enquanto persistirem as ilusões em Eanes e na democratização do regime que se instala para liquidar o 25 de Abril.
Os intelectuais progressistas na sua generalidade vão, também eles, reduzindo as suas verrinas a uma certa bajulação crítica dos pilares da sociedade, trocando o rasgar dos caminhos do futuro pela estilização dos horizontes negros e sem saída do 25 de Novembro. Pretender-se-á mais clara caracterização da fascização lenta mas segura do regime?
O caminho dos operários e demais trabalhadores terá de ser aquele que a UDP tem apontado. Tivesse ele sido seguido e hoje a derrota da AD seria de facto uma derrota política profunda.
A falta de unificação e eficácia das lutas, a sua dependência dos apelos a Eanes e da expectativa - sempre gorada - na sua actuação, levaram a que o repúdio pela AD se não traduzisse na compreensão da necessidade do corte com o regime, produziram o voto errado no PS como consequência do crescimento das ilusões nas massas.
A contenção que o PCP através da maioria do secretariado da CGTP impôs à luta operária e popular, conduziu a que a própria votação na APU apenas estabilizasse, não podendo continuar a reivindicar-se como polo da oposição à AD. A posição de salão da APU, faliu com resultados perigosíssimos para o povo português: os soporíferos produziram efeitos demais.
Os problemas que afligem as classes trabalhadoras só podem ter resolução no quadro de uma luta sem quartel contra a exploração e a repressão, contra a opulência dos ricos que medram recostados neste regime.
Os operários em primeiro lugar mas também todos os outros trabalhadores, têm de libertar-se das amarras da política reformista do PCP e do PS, têm de sacudir a canga que os atrela à burguesia liberal e a Eanes e enveredarem pelo caminho da luta inde pendente para derrubar o Governo e mudar o regime.
Só na luta pela conquista de um governo revolucionário e pela República Popular, os trabalhadores se verão livres da exploração e da repressão e cria

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rão condições de bem-estar, liberdade e independência nacional por que anseiam e se batem.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica assim encerrado o período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos entrar no primeiro ponto do período da ordem do dia que consiste na discussão e votação do recurso interposto pela ASDI sobre a admissibilidade do Orçamento do Estado.
Pergunto a mim próprio e à Câmara se não valeria a pena, para não quebrar a unidade do debate, fazermos imediatamente o intervalo regimental e a seguir iniciarmos o debate.
Vejo sinais de concordância por parte de vários Srs. Deputados, pelo que declaro interrompida a reunião, que reabrirá às 17 horas e 35 minutos.
Eram 17 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.

Entretanto, tomaram assento na bancada do Governo o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (António Rebelo de Sousa) e a Sr.ª Subsecretária de Estado Adjunta do Ministro para os Assuntos Parlamentarem (Luísa Antas).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então iniciar a discussão do recurso interposto pela ASDI sobre a admissibilidade do Orçamento Geral do Estado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para a apresentação do recurso.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os deputados da Acção Social--Democrata Independente entenderam não poder, nem dever, conformar-se com o despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei n.º 136/11, sabre o Orçamento do Estado para 1983.
Consideram esse despacho violador do Regimento, traduzindo-se na aceitação de uma proposta que claramente contraria, e em múltiplos dispositivos, a Constituição da República.
E ainda antes de exporem os fundamentos do recurso, a que nos termos regimentais se procederá de imediato, não podem deixar de lamentar que um despacho de admissão tenha sido proferido e anunciado em que os grupos parlamentares fosse possível, a não ser dias depois, dispor de cópias da proposta admitida.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: completando e integrando os fundamentos que constam do requerimento de interposição do recurso, é a seguinte a apresentação que dele entendemos fazer.
É evidente - e, como tal, não justifica que se perca demasiado tempo- o papel fundamental atribuído ao Plano como quadro da actividade económica do Estado, na Constituição de 1976.
O artigo 91.º é suficientemente claro e a discussão travada no âmbito da Assembleia Constituinte também esclarecedora.
Na lei da revisão assim o entenderam também PSD, PS, CDS, PPM e ASDI que votaram favoravelmente que «a organização económica e social do País é orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano».
O Plano, diz-nos também a Constituição - artigo 92.º, n.º l - é imperativo para o sector público estadual.
Parece também evidente que a imperatividade do Plano para o sector público, obriga à compatibilização entre o Plano e o Orçamento.

As relações entre Plano e Orçamento estão, aliás, também constitucionalmente estabelecidas - artigos 93.º, 108.º, e 164.º, alínea g) da Constituição.
No nosso sistema constitucional, como se sabe, o Plano tem uma estrutura dualista, cabendo à Assembleia da República aprovar as grandes opções do Plano (artigo 94.º, n.º 1) e ao Governo elaborar o decreto-lei que põe em execução o Plano (artigo 94.º, n.º 2, e Lei n.º 31/77, de 23 de Maio).
Poderá perguntar-se se o dispositivo constitucional estabelecendo a articulação entre o Plano e o Orçamento, abrange apenas a Lei das Grandes Opções ou também enumera o «Plano» elaborado nos termos da Lei n.º 31/77.
Parece também aqui evidente -e não só por não devermos distinguir onde o legislador o não fez - que nos precisos termos constitucionais o Orçamento é duplamente subordinado: à Lei do Plano e ao Decreto-Lei do Plano.
Como escreve Sousa Franco (in Estudos sobre o Constituição, vol. 3.º, p. 504) «com efeito, também este integra o Plano lato senso, e é de subordinação de um conjunto (Orçamento) a outro (Plano) que se trata, na ratio legis constitucional.
Assim sendo, como é, tendo de verificar-se a subordinação ao Plano, parece em absoluto necessário, que o Orçamento tenha em conta o Plano. Logo que lhe seja posterior.
Na verdade, a subordinação implica a coerência dos objectivos e medidas; a subordinação das opções orçamentais às opções do plano; a compatibilidade quantitativa entre os valores do plano e do orçamento.
Poderão existir dois diplomas, duas iniciativas legislativas.
Só que, essa autonomia formal, uma vez que o Orçamento se subordina ao Plano, obriga a que o Plano seja anterior lógica e cronologicamente.
Na verdade, não existindo qualquer hierarquia entre duas leis, terá de obedecer-se ao princípio de que a lei posterior revoga a anterior.
O que implicaria que se fosse o Plano posterior ao Orçamento, por esta simples via o princípio constitucional da subordinação do Orçamento ao Plano estaria posto em causa.
O que, do mesmo passo, implicaria que a sanção política resultante da violação, por um governo, do seu dever de apresentar uma proposta de lei do Plano, é a necessária rejeição por violação da Constituição e, consequentemente, da alínea a) do n.º l do artigo 130.º do Regimento, dessa iniciativa, que não pode ser admitida.

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O dever de, por essa forma, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, cabe a todos os deputados e se, em primeiro lugar incumbe ao Presidente da Assembleia da República, aqui o estamos, por via de recurso, a exercer.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Aos argumentos aduzidos, de ordem jurídico-constitucional, outros acrescem de natureza política.
Não especularemos com base no programa do PSD do qual se deduz que cabendo ao Plano assegurar a subordinação do poder económico ao poder político, a inexistência do Plano -aliás tema essencial dos liberalismos do século XIX e do neoliberalismo «à Friedman» - significaria a predomínio do sector económico.
As opções fundamentais que, por parte do Governo, presidiram à elaboração do Orçamento para 1983, seriam, assim, deixadas no mesmo esquecimento onde jaz o Plano para 1982 que o Governo se «esqueceu» de elaborar.
Como dizia Mendes France:

O Plano? Os nossos actuais governantes são-lhe hostis; não ousam confessá-lo abertamente e adoptam um plano de tempos: a tempos. Lembram-se disso de repente quando surge um acidente imprevisto. É um pouco» a homenagem do vício à virtude. Mas, na sua prática governamental, não procuram verdadeiramente executar o plano que adoptaram.
O discurso aqui recentemente feito pelo Governo é o de uma gestão caracterizada, para utilizar de novo uma expressão de Mendes France, «pela demagogia liberal», contentando-se com medidas «homeopáticas» sem definir - e sendo incapaz de definir - uma vontade clara imposta aos interesses particulares e sem criar uma visão, uma linha de conduta.
A AD já teve 4 ou 5 políticas económicas. Só que nesta, como em matéria de palavra, quem tem muitas, não tem nenhuma.
Quando um Governo anda, antes de mais, ao acaso, segundo as pressões que recebe, como poderá sentir-se armado contra qualquer perigo de crise, sequer acidentes meteorológicos?
A ausência de Plano ganha assim todo o seu peso político.
Este governo não sabe para onde vai, nem para onde quer ir. Só governa porque se apega ao nome.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei orçamental inclui, uma vez mais, uma imensa série de pedidos de autorização legislativa.
Adianta-se desde já que é, pelo menos, duvidoso se por força da lei de revisão, tal sistema poderá sobreviver em futuras leis orçamentais.
Abstraindo por ora dessa discussão, parece entretanto claro que as autorizações legislativas terão de submeter-se ao disposto no n.º 2 do artigo 168.º da Constituição da República, isto é, terão de «definir o objecto, sentido e a extensão da autorização, bem como a sua duração».
Começando pelo último ponto.
O prémio do n.º l do artigo 108.º da Constituição, é claro quanto à consagração da regra da anualidade orçamental.
Só que, assim sendo, uma de duas: ou o Governo considera, tacitamente, que as alterações legislativas a introduzir pelas alterações que solicita, porque integradas na lei do Orçamento, se destinam a uma aplicação anual, ou está, .por esta via indirecta, a infringir a regra da anualidade constitucionalmente fixada.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Não julgamos possível que o Governo aceite a interpretação da anualidade das alterações legislativas que pretende introduzir... mas temos, por certo, que procurou, por esta forma, ultrapassar o próprio crédito de confiança da sua maioria: pela introdução de um sistema pouco transparente, e, por isso, também pouco democrático.
Por via de - procurar confundir os deputados, introduzindo numa lei de vigência anual pedidos de autorização legislativa em que as iniciativas a autorizar se 'destinam, a vigorar «para além do período anual do Orçamento, esqueceu-se o Governo de que a Constituição o obriga a definir, no pedido, a duração da autorização legislativa solicitada.
Esquecimento que poderia traduzir-se, até, numa autorização a conceder pela Assembleia e a ser usada - ou não - como ao Governo» aprouvesse no Decreto-Lei do Orçamento, podendo ser usada depois.
A «habilidade» é evidente... Mas sabe-se que os gatos não se escondem totalmente, tal como os deputados da maioria quando se fecham nos Gabinetes para «salvar» o Governo com faltas de quorum...
Não definindo a duração das autorizações legislativas solicitadas, o Governo violou o artigo 168.º da Constituição, pelo que a proposta de lei não deveria ter sido admitida, foi-o com violação da alínea a) do n.º l do artigo 130.º do Regimento e, assim, o presente recurso é inteiramente procedente, também por este fundamento.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador - Acresce que o citado artigo 168.º da Constituição obriga à definição do objecto, sentido e extensão da autorização.
Trata-se, bom é não esquecê-lo, de matérias de exclusiva competência da Assembleia. Como é evidente, esta só concede autorizações desde que saiba, com rigor, o que lhe é pedido.
A autorização legislativa não é, apesar de tudo, escreve um constitucionalista contemporâneo, «um processo de abdicação do Parlamento».
Por isso, a lei de revisão estabeleceu já matérias de reserva absoluta de competência.
E quem não recordará, perante o atraso de meses com que o Governo enviou ao Parlamento a sua proposta e a pressa com que foi admitida -no dia e hora em que estava a ser apresentada pela televisão mas os deputados a desconheciam - e se pretende fazê-la votar, o desabafo de Peyrefitte que se lamentava em Lê Monde, de 14 de Julho de 1971:
Tudo se passa como se certas estruturas tecnocráticas entendessem encerrar o Parlamento

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numa simples função de registo, cortando cerca a sua iniciativa, o seu tempo de reflexão e, com tudo isso, a possibilidade de reflectir a vontade nacional.
O tempo encurtado de que os grupos parlamentares puderam dispor para controle da admissibilidade desta proposta, não permitiu que, quando da interposição do recurso, tivéssemos podido fazer uma análise exaustiva da proposta para controle da sua constitucionalidade.
Pudemos, entretanto, apontar cerca de três dezenas de pedidos de autorização legislativa que, por não conterem definição do objecto, do sentido ou da extensão da autorização, violam o artigo 168.º da Constituição.
Como nos debates da lei de revisão constitucional anotava o Sr. Deputado Costa Andrade [no Diário, 2.ª série, n.º 44, p. 904(7)]:
Naturalmente, o pedido de autorização legislativa parte de uma análise da situação e de uma intenção de mudar a situação existente. Temos de partir do princípio de que as pessoas não são absurdas e o Governo também não o é! Se vem pedir uma autorização legislativa, vem dizer sobre o que é que quer legislar e, mais ou menos, o que é que quer fazer.
E acrescentava o mesmo Sr. Deputado merecendo, aliás, a concordância expressa do deputado Amândio de Azevedo:
Eu, como deputado, sentir-me-ia extremamente vexado na minha dignidade se saísse do Parlamento e dissesse que tinha dado uma autorização legislativa sobre determinado assunto, mas que não sabia concretamente para que era.
Também nós, não temos entendimento diverso dos preceitos constitucionais.
E é precisamente para evitar vexames na dignidade dos deputados que apresentámos este recurso.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador - Ora, como se referiu, violam o artigo 168.º da Constituição, cujo entendimento é unívoco, variadíssimos artigos da Proposta de Lei n.º 136/11.
Sem a pretensão do exaustivo, e porque a argumentação se repetiria em muitos casos, passamos a exemplificar.
Assim, o n.º 6 do artigo 6.º dispõe:
É autorizado o Governo a realizar es ajustamentos em condições fixadas a empréstimos internos colocados junto de instituições de crédito que se mostrarem tecnicamente aconselháveis, com vista a promover uma melhor gestão da dívida pública e da tesouraria do Estado.

e que se trata? Que ajustamentos se pretendem fazer? No prazo? Nas condições de reembolso? Nas taxas?
E quais serão os «tecnicamente aconselháveis»? Todos estes? Só alguns? E quem julga quais são os tecnicamente aconselháveis? E o grau deste parecer - é a inevitabilidade, a necessidade, a prudência, o óptimo, o bom, o suficiente? A alínea a) do n.º l do artigo 12.º é outro modelo:
Fica o Governo autorizado a rever as disposições do Código da Contribuição Industrial relativas à distribuição dos contribuintes por vários grupos e introduzir no mesmo as alterações consequentes dessa revisão.
É evidente estarmos todos esclarecidíssimos,..
Especialmente quanto às «alterações consequentes dessa «revisão»...
É o caso da alínea b) do mesmo número e artigo em que ficaria o Governo autorizado a «rever o regime das provisões estabelecidas no artigo 33.º do Código da Contribuição Industrial com o objectivo de o adequar à disciplina contabilística e à conjuntura económica».
Tudo esclarecedor. Até porque «disciplina contabilística» e «conjuntura económica» são expressões unívocas e rigorosamente mensuráveis, em relação às quais qualquer um pode pautar-se como os marinheiros pela Estrela Polar...
Outro exemplo ainda: no n.º l do artigo 18.º:
Fica o Governo autorizado a rever a incidência, isenções, taxas, determinação da matéria colectável e garantias dos contribuintes relativamente ao imposto de mais-valias, designadamente com vista a rever a actual tributação e abrange por esta os ganhos realizados respeitando a imóveis de qualquer natureza e outros bens.
Ou seja: «imóveis de qualquer natureza e outros bens» podem ser imóveis, e móveis para não falar em «semoventes»...
«Designadamente com vista» não é exclusivamente e, pode, portanto, ter variados sentidos.
«Rever a actual tributação» claro, mas em que sentido?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, que diferença existe, para quem «isto» votar do votar simplesmente: fica o Governo autorizado a fazer o que quiser, lhe apeteça e venha a saber, que nós por cá estamos bem e aplaudimos?
Não multiplico exemplos. Constam de petição de recurso, cerca de trinta «modelos» como este. Aguardo que qualquer Sr. Deputado, defensor da constitucionalidade da proposta, explique se for capaz, o objecto, sentido e extensão das autorizações aqui referidas, servindo-se exclusivamente -como cumpre - do texto que temos entre mãos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Como é evidente, todos os artigos da proposta de lei que não definem o sentido da auto-razão pretendida, não definem igualmente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Tal deveria ter determinado, por força da alínea b) do artigo 130.º do Regimento, a rejeição liminar da proposta que, como tal, não deveria ter sido admitida.
Na petição do recurso enumeram-se vários - cerca de uma dúzia - de preceitos em que tal vício, é patente.

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Acreditamos» aliás, que nenhum deputado será capaz de dizer, à simples leitura, que alteração resultará, para a ordem jurídica portuguesa, de preceitos como este - que é o artigo 22.º da proposta de lei:
Fica o Governo autorizado a rever as listas I, II, III e IV anexas, ao Código do Imposto de Transacções, introduzindo-lhe as aliterações que se mostrem necessárias, com vista a evitar desajustamentos que a sua aplicação tenha evidenciado.
Alguém pode dizer as alterações para a ordem jurídica portuguesa que daqui resultarão?
Se pretender dizer já, é só fazer menção de intervir...
Concluo.
Parece fora de dúvida, ou de questão, pelo menos, que ao legislar, ao abrigo de uma autorização legislativa, o Governo age em nome próprio.
Daí que, e naturalmente, a Assembleia se não demita das suas funções e - responsabilidades quando autoriza o Governo a legislar sobre matérias que são da sua competência exclusiva.
Não faria sequer sentido que a Assembleia, ao autorizar o Governo a legislar, lhe permitisse que ele deixasse de observar sequer os princípios ou critérios que ela mesma, Assembleia, teria que respeitar caso fosse ela a legislar.
Não é outra, aliás, a lição do Direito Comparado.
Para dar apenas 3 exemplos, veja-se a Constituição Italiana cujo artigo 76.º, dispõe «o exercício da função legislativa não pode ser delegado ao Governo a não ser com determinação dos princípios e critérios directivos e apenas por tempo limitado e objecto definido», a Constituição da República Federal da Alemanha em que o artigo 80.º dispõe que «o Governo Federal, um ministro federal ou os Governos dos Lander podem ser autorizados; por uma lei para editarem regulamentos jurídicos. A lei deverá determinar o conteúdo, o fim e a extensão das referidas autorizações» ou, finalmente, a Constituição Francesa de 1958, cujo artigo 38.º dispõe «o Governo pode, para execução do seu programa, pedir ao Parlamento autorização para adoptar, mediante decretos-lei, durante um prazo limitado, medidas que são normalmente do domínio da lei».
Igualmente fora de dúvida parece ser que se a lei delegada se pauta sobre uma lei de autorização inconstitucional é também uma lei inconstitucional.
Daí o melindre da matéria e o particular cuidado que ela deverá merecer à Assembleia da República.
O regime representativo nasceu largamente da pressão para controlar as despesas e receitas do Estado.
A história política é, em larga medida, a história da correlação entre o desenvolvimento do poder das assembleias discutirem matéria orçamental e o desenvolvimento do Parlamento e, com ele, da democracia representativa.
É esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a última vez que a discussão do Orçamento vai processar-se em moldes que a lei de revisão unanimemente modificou.
Só que esta última discussão, pode, aqui e hoje, revelar se este Parlamento pretende assumir-se como órgão autenticamente de soberania, ou, pelo contrário, num órgão submisso, complacente, predisposto a ter por bom tudo quanto do Governo venha.
No fundo, o que está em causa, como dizia ainda Mendes France» é que cada um se interrogue, sobre quem o fez deputado.
Vota de um modo quem primeiro pense no Povo que o elegeu e na função que desempenha.
Mas em cada voto expresso estará não só um modo de entender a dignidade pessoal, como um modo de entender o que é e deve ser um Parlamento Democrático.
Este é o desafio com que estamos, todos, confrontados.
Também nós, aqui e agora, poderíamos repetir as palavras de José Estêvão:
(...) Digo que vai no decoro deste Parlamento e desta causa, que vai no decoro desta situação o dar um exemplo, não é vigor caprichoso, mas um exemplo de força e justiça, porque de força e justiça é que têm carecido os negócios públicos e são os únicos princípios por onde se pode regenerar este País.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que a Mesa não tinha ainda tido oportunidade de anunciar, mas cumpre-se que o faça neste momento, que para o debate da recurso interposto pela ASDI se estabeleceram os seguintes tempos: a ASDI, como partido recorrente, disporá de 20 minutos, o Governo de outros 20 minutos, visto ser de sua autoria a proposta de lei cuja admissão foi recorrida.
Cada um dos outros partidos disporá de 10 minutos.
Nestes tempos incluem-se a formulação de protestos, de pedidos de esclarecimento ou de qualquer fundamento para uso da palavra. O total de tempo disponível para cada partido é, portanto, 10 minutos, tendo em conta que, nos termos do artigo 87.º do Regimento, a primeira parte da ordem do dia - aquela em que nos encontramos - não pode durar mais do que 2 horas.
O Sr. Deputado Costa Andrade tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Magalhães Mota, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Magalhães Mota não tem é tempo para lhe responder, Sr. Deputado. Esgotou os 20 minutos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS):- Dá-me licença Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça o favor.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é para anunciar que, dada a natureza relativamente pouco demorada da intervenção de fundo da bancada socialista, estamos em condições de dispor até ao máximo de 5 minutos a favor do Sr. Deputado Magalhães Mota e da ASDI.

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O Sr. Presidente: - Que o Sr. Deputado Magalhães Mota poderá administrar como bem entender.
Passa, então a ASDI a ter mais 5 minutos e fica o tempo do PS reduzido para 5 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade para pedir esclarecimentos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostávamos de saber algumas coisas sobre a fundamentação deste recurso. Gostávamos de saber, designadamente, se a pretensa inconstitucionalidade, que é invocada com base no n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, é uma inconstitucionalidade que refere a proposta de lei em potência ou, pelo contrário, a lei que há-de sair desta Assembleia; se o juízo de inconstitucionalidade é feito por referência à lei em si ou a uma proposta de lei, sendo certo que a proposta de lei pode ainda vir, no decurso do processe legislativo, a preencher os requisitos de constitucionalidade supostamente inexistentes.
Por outro lado, gostava de saber se o Sr. Deputado Magalhães Mota e a ASDI tomam a sério a cautela prévia que começam por assumir quando dizem que, em matéria de Orçamento, e por força do artigo 239.º da Lei de Revisão Constitucional, o actual Orçamento pautar-se-á ainda pelas normas da Constituição anteriores à Revisão. Se é assim, como é que o Sr. Deputado explica que em quase todos os artigos da longa lista que consta do n.º 14 das alegações do recurso se faça referência à ausência de sentido dos artigos da proposta de lei, sendo certo que a exigência de sentido só poderá fazer-se, penso eu, quando estiverem plenamente em vigor as normas resultantes da revisão constitucional. A exigência de sentido não é uma exigência das normas constitucionais a verter sobre a actual proposta de lei.
Gostava, também, que o Sr. Deputado me dissesse - mas com a maior clareza possível- o que é que entende por duração de uma lei, o que é que uma proposta de lei, para ser constitucional, deve dizer quanto à duração. Uma proposta de lei, segundo a Constituição, deve definir a duração e o Sr. Deputado diz que esta proposta de lei é constitucional ou inconstitucional uma lei por carência de concretização da duração?
Pretendia, por último, que o Sr. Deputado me explicasse esta afirmação de verdadeira antologia na história do Direito Constitucional, quando no n.º 13 do articulado do recurso se diz que o princípio da legalidade pressupõe o planeamento. Esta é que, por mais que mobiliza as minhas categorias jurídicas, não consigo compreender. Mas talvez venha da parte da ASDI alguma luz.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Queria agradecer ao Partido Socialista a cedência de tempo e agradecer, também, ao Sr. Deputado Costa Andrade as dúvidas que pôs, e que são bastante mais simples do que as minhas próprias em relação aos pedidos de esclarecimento que fiz e que ele entendeu por bem não responder.
A sua primeira questão era a de saber qual é inconstitucional: se a proposta de lei ou a lei resultante da autorização. Bom, se a proposta de autorização for inconstitucional- e disse-o na minha intervenção - a lei resultante da autorização será também inconstitucional. Nesse ponto a doutrina e jurisprudência estão de acordo e, aliás o Sr. Deputado já tem vários pareceres nesse sentido, e a opinião de vários constitucionalistas sobre esta matéria (por exemplo, o Direito Constitucional, do Dr. Gomes Canotilho, trata concretamente desta hipótese e enumera ai vasta doutrina em abono desta tese).
Quanto ao problema do sentido. Como o Sr. Deputado sabe esta norma já está em vigor, mas mesmo que o não estivesse pediria ao Sr. Deputado Costa Andrade para se abonar nos seus próprios argumentos e nos da sua bancada em sede de revisão constitucional, para dizer que o sentido, segundo os Deputados do PSD, não seria necessário figurar propriamente no texto, visto que quando se fala na definição rigorosa do objecto, já se inclui o sentido. Foi o que disse o Sr. Deputado Amândio Azevedo.
No que respeita à questão da duração da lei, quero dizer que não é uma exigência a duração quanto às leis. O que há é uma exigência constitucional em relação às propostas de lei de autorização. São autorizações por período limitado e, como tal, obrigam (nos precisos termos do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição) a que a autorização seja concedida por um tempo limitado. Por isso, quando um pedido de autorização não contém a duração é inconstitucional.
Finalmente, quanto ao artigo 13.º da petição de recurso, é evidente que o princípio da legalidade do sistema fiscal, que consta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 107.º da Constituição (está entre parêntesis em relação a «princípio da legalidade»), pressupõe necessariamente o planeamento, visto que sem Plano, como se diz a seguir, não se pode falar, a não ser de um modo arbitrário e atrabiliário, na satisfação das necessidades financeiras do Estado. Sem Opções do Plano não é possível fazer um correcto enquadramento da proposta orçamental, e é precisamente por isso que esta não é constitucionalmente admissível.

Vozes da ASDI e da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade. Tem V. Ex.ª 2 minutos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Protesto contra a preocupação que o Sr. Deputado Magalhães Mota demonstrou com a minha coerência em relação a eventuais tomadas de posição aquando do processo de revisão constitucional. Fiz as declarações que o Sr. Deputado acaba de citar, mantenho-as integralmente, só que distingo liminarmente tomadas de posição para direito a fazer e para ireito feito. As propostas que fazia, que defendia e que mantenho eram propostas de direito a fazer e não de direito feito. O direito feito aplicável à actual proposta de lei do Orçamento nada tem a ver com direito que, na altura, era a fazer.
Protesto, também, porque para o Sr. Deputado as coisas eram afinal tão fáceis que o desafio está aí. Dizer que o princípio da legalidade dos impostos depende da existência de planeamento, escapa com

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pletamente à minha capacidade de compreensão e ao conhecimento mínimo que tenho destas coisas. Se bem me lembro, o princípio da legalidade dos impostos é uma velha exigência do Estado liberal, do Estado burguês, a quem, penso eu, eram estranhas as ideias de planeamento. Não me parece que a burguesia liberal, que tanto reivindicou a ideia de legalidade dos impostos, se preocupasse de sobremaneira com as exigências de planeamento.
Penso que, apesar de não valer a pena alongar mais o debate nesta matéria, aí está uma das coisas em que o projecto de recurso da ASDI tem, manifestamente, mais olhos do que barriga.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O recurso de impugnação da proposta de lei n.º 136/11, não é apenas um recurso de inconstitucionalidade por desrespeito da Constituição nem apenas fundado em juízos técnicos -jurídicos de inconstitucionalidade.
Bem se poderia dizer que este recurso é um caso de reincidência por crime de violação em que o Governo incorre, faz agora um ano. Nesse caso, não estaríamos num juízo face à Constituição, mas estaríamos na alçada do Código Penal em que o Governo incorria em pena maior. Mas é também um caso de incumprimento de obrigações políticas, em relação às quais o Governo devia ter tido em atenção o debate travado há um ano nesta Câmara quando a oposição, unanimamente, votou o recurso de impugnação da constitucionalidade da proposta de lei do Orçamento então apresentada, por considerar que violava a Constituição.
É que, na realidade, o facto de se reincidir nesta atitude revela, simultaneamente, a incapacidade do Governo em conduzir uma política económica e financeira coerente e a inidoneidade política e o desrespeito do Governo pela Câmara, ao passar como cão por vinha vindimada pelo debate que há l ano aqui foi travado.
O Governo e a maioria parlamentar, que parece ir ratificar a atitude do Governo, são assim delinquentes, violadores e cumpridores em falta. Comporta-se, perante este recurso, de forma pura e simplesmente freudiana. Provocam em todos nós a sensação do dê já vu, porque o que se está hoje aqui a debater é exactamente o que foi debatido há l ano, revelam que a indigência das aspirações económico-financeiras AD, inviabilizam politicamente a responsabilidade de apresentar perante a Câmara um Plano em simultaneidade com o Orçamento, e constitui uma tendência recalcada da maioria, tendência recalcada anualmente não sublimada. Se a maioria não é capaz de atingir o transfer freudiano, o melhor é o País garantir, a curto prazo, o transfer da maioria.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): -Muito bem!

O Orador: - Estamos perante um conjunto de argumentos técnico-jurídicos apresentados pelo recurso da ASDI, e subscrevemos as asserções que o Sr. Deputado Magalhães Mota perfilhou no pátic da nossa inteligência.
A inconstitucionalidade desta proposta de lei de corre de violações claras do conteúdo de normas constitucionais e, por isso, são inconstitucionalidades materiais (para resolver a angústia de rigor jurídico do Sr. Deputado Costa Andrade). Viola o conteúdo da norma do artigo 108.º e do artigo 93.º, alínea c), quanto ao papel do Plano, na redacção que deles tinha o texto de 1976; viola o artigo 92.º, sobre a força jurídica do Plano, porque é inegável que, à face do texto constitucional, a força jurídica do Plano não é indissociável das consequências orçamentais, nomeadamente para o Plano de Investimentos do Sector Empresarial do Estado e para o próprio Plano de Investimento da Administração Central que incumbe ao Governo elaborar.

Finalmente, é um caso de violação material da Constituição em função do disposto no artigo 168.º, porque pede autorizações legislativas sem que defina o seu objecto e a sua extensão. E se é verdade que este vício é um vício maior em relação à lei que eventualmente vier a ser aprovada, o Sr. Deputado Costa Andrade pode estar tranquilo, porque o recurso da ASDI trata-se de um aviso à navegação que os deputados da maioria deviam ter em linha de conta.
A inconstitucionalidade material decorre, ainda, de outros aspectos de natureza substantiva, como seja, a violação de princípios gerais de Direito Constitucional que a Constituição consagra, como, por exemplo, a violação do princípio da legalidade fiscal. É que o princípio da legalidade fiscal é um princípio que tem a ver não apenas com o aspecto processual da criação e da definição das taxas dos impostos, mas com a adequação global do sistema fiscal, isto é, das receitas do Estado às despesas do Estado. E não é possível definir despesas do Estado sem que elas estejam enquadradas pelas Grandes Opções do Plano. A não ser que consideremos que as despesas do Estado são definidas ad hoc em função dos interesses particulares de cada membro do Governo! Mas, além do princípio da legalidade fiscal, viola-se ainda o princípio constitucional da interdependência do Plano e do Orçamento, sendo esse um princípio constitucional com assento no artigo 91.º, n.º 1. Por último, viola-se materialmente o princípio da finalidade do Plano, que é o da captação de recursos adequados à satisfação das necessidades colectivas. E este entendimento do pendor finalista do Plano é reforçado pela própria revisão constitucional aprovada nesta Câmara, e que a maioria parlamentar votou, quando no artigo 93.º, alínea c), se diz: «Plano anual, que constitui a base fundamental da actividade do Governo e tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado.» Só há expressão financeira contida no Orçamento do Estado se houver um momento cronológico e logicamente anterior, que é o momento da definição das Grandes Opções do Plano.
Mas a questão fundamental neste domínio é naturalmente uma questão de natureza política. É que a ausência de Grandes Opções do Plano é a consequên-

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cia da política económica à deriva, que é a política económica da AD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - E não vale a pena fugir a esta questão com subterfúgios de natureza jurídica. É que o Governo da AD é subsidiário de uma filosofia política e de uma interpretação da Constituição que visa dissociar Constituição económica de Constituição financeira. Esta é uma concepção passadista, é uma concepção que, sob o ponto de vista teórico, revela a insolvência política e jurídica do Governo da Aliança Democrática.
Em 1981 discutimos esta mesmíssima questão e os Srs. Deputados da maioria foram incapazes, mau grado o mérito que lhes assiste, de alinhar argumentos contra o recurso então apresentado. Apenas se escudaram num único argumento e que era este: «está bem, há um vício originário, as 2 propostas não foram apresentadas ao mesmo tempo mas esse vício está sanado, parque entretanto entrou na Mesa da Assembleia da República a proposta de lei das Grandes Opções do Plano, o que garante a discussão e apreciação, em simultâneo, nesta Câmara, das Grandes Opções do Plano e do Orçamento.»
Ah, Srs, Deputados da maioria, desta vez este Governo, maliciosamente, traiu-vos: não fez entrar a tempo na Mesa as Grandes Opções do Plano e os senhores estão hoje confrontados com o vosso argumento de 1981, isto é, estão presa da vossa insanável contradição.

Aplausos dos Srs. Deputados António Arnaut (PS) e Magalhães Mota (ASDI).

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não se trata de chicana parlamentar a discussão desta matéria. O risco que aqui está presente é apenas um só: o da banalização do vício.
Para quem for um viciado ou um vicioso, isso não terá grande importância. Para a oposição que se limita a respeitar a constituição e a legalidade democrática, o vício é a negação da democracia e é por isto que erguemos a nossa voz. Este vício, quando é reiterado com o despudor com que é feito, merece a nossa mais viva censura.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador:-É que na realidade é assim que se está a desautorizar o texto constitucional, é assim que se está a contribuir para a semantização da Constituição de 1976, porque antes de a Constituição ser revista a maioria argumentava politicamente: esta Constituição é muito má, ela é a fonte de todos os males. E, com maior ou menor habilidade, falseavam a Constituição. Agora que a Constituição está revista, a revisão da Constituição é a vitória com que atafulha a boca e com que por vezes até se engasga o Sr. Primeiro-Ministro.
Mas a maioria continua a violar a Constituição. O Governo é, face à Constituição, clara e inequivocamente, um delinquente habitual. E aos delinquentes habituais cabe apenas uma solução: aplicar-lhes medidas de segurança de internamento, censurá-los e dar-lhes guia de marcha, ou então dar-lhes a hipótese de saírem pelo seu pé, como aliás já fez o Sr. Ministro para. os Assuntos Parlamentares, que é aliás um grande prazer encontrá-lo aqui.
Em meu nome pessoal e no do Grupo Parlamentar da UEDS, ao assinalar a presença neste Hemiciclo do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, gostaria de exprimir-lhe uma palavra de grande amizade e admiração, embora as nossas divergências políticas sejam nítidas. Estamos certos de que o seu abandono do Governo deixará um vazio difícil de preencher...
Mas, seja como for, penso que há um vazio do Governo mais difícil de preencher, que é o vazio da existência de Primeiro-Ministro.
Perante esta situação, em nosso entender, devemos votar a favor do recurso da ASDI, porque este nosso voto a favor é um conselho...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe o favor de abreviar, visto ter esgotado o tempo.

O Orador:-Sr. Presidente, queria apenas dar um conselho ao Governo: ala, que se faz tarde!...

Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade, inscreveu-se para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Para fazer um curto pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado António Vitorino esgotou o tempo e, por isso, não pode responder-lhe.
Os Srs. Deputados, em intervenções, poderão contrapor os argumentos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Nesse caso, Sr. Presidente, deixarei no «ar» o pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª não poderá formular o seu pedido de esclarecimento porque na prática não obtém resposta, visto o Sr. Deputado António Vitorino já não dispor de tempo.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um curto protesto.

O Sr. António Vitorino (UEDS):-Sr. Presidente, o Sr. Deputado Herberto Goulart teve a gentileza de me. dizer que cedia 2 minutos para eu esclarecer o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Presidente: - Nesse caso o Sr. Deputado Costa Andrade pode formular o seu protesto, porque o Sr. Deputado António Vitorino já dispõe de tempo.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Deputado António Vitorino colocou bem a questão. Disse que fundamentalmente o que estava em causa não era uma discussão jurídica, mas uma discussão política. Penso que revela uma boa posição do problema, só que, da nossa parte, estamos a contestar uma argumentação jurídica. É na realidade uma discussão política o que está em causa, mas neste momento nós estamos a travar essa discussão.
O Sr. Deputado começa a sua intervenção por citar Freud, falando depois em violação, Insistindo em

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violação, em Freud, e em violação e transfer. Devo dizer que fiquei francamente confuso com isso.

V. Ex.ª atribuiu a repetição deste debate a um esquisito mecanismo de Freud. A propósito de Freud, lembrei-me não tanto de Freud, mas de uma continuadora de Freud, ou seja, de grande psicanalista Helena Freud e do seu livro «A psicologia das mulheres», cuja tese central é, como sabe, a do masoquismo da violação.
O Sr. Deputado insistiu tanto em Freud, insistiu tanto em viciação e disse que a repetição deste debate se faz em termos freudianos, que, a esse propósito, pergunto-lhe: da parte da oposição a reposição deste debate tem alguma coisa a ver com a atracção pelo prazer do masoquismo?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, dispõe de 2 minutos para responder. Tem a palavra.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, eu coloquei a questão no plano político, mas é evidente que há aqui uma questão de natureza jurídico-constitucional. E o vício de natureza jurídico-constitucional de que a proposta de lei padece é sanável enquanto vício jurídico-constitucional, mas é insanável enquanto vício político.
O vício jurídico-constitucional decorre apenas do vício político que afecta a maioria e o Governo, que é a ausência de política económica e de capacidade de assumir uma grande opção do Plano.
Quanto à questão do masoquismo da violação e à psicologia das mulheres! devo dizer que não sou um homem preconceituoso, Sr. Deputado Costa Andrade: a oposição é feminina, o Governo é masculino. Mas sempre lhe direi, com sinceridade, que se eventualmente a Helena Freud é a solução para a minha argumentação, para os violadores a solução é a cadeia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, começa por congratular-se com a iniciativa dos Srs. Deputados da ASDI, no sentido de impugnar a decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei n.º 136/11-Orçamento Geral do Estado para 1983.
Remetemos a Câmara e os Srs. Deputados parai o bem fundamentado requerimento, apresentado pelos Srs. Deputados da ASDI, e para as considerações do Sr. Deputado Magalhães Mota, pois, no essencial do seu conteúdo, se esgota a nossa argumentação a favor do recurso, e portanto contra a admissão do Orçamento do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a primeira vez que esta questão, nesta forma, é levantada na Assembleia da República.
O Governo e a maioria, já devedores em relação ao Parlamento, nesta como noutras matérias, comportam-se, agora e cada vez mais, como devedores relapsos.
Ninguém, de boa fé, poderá questionar a articulação formal e material que deve existir entre o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano.
O comportamento do Governo, assumido aliás na sequência do incumprimento de todos os prazos constitucionais quanto à obrigatoriedade de apresentação e neste momento já quanto à aprovação destas leis - sem que nada de substancial, a não ser o desejo de ocultar da população, em período pré-eleitoral, a natureza das suas opções de classe e a ausência da sua política- obrigaria, levado às últimas consequências o despacho de admissão de V. Ex.ª, Sr. Presidente, a que se procedesse à discussão do Orçamento do Estado sem conhecer quais as opções e os objectivos da política económica do Governo e quais as medidas e instrumentos a implementar e a dinamizar para a prossecução desses objectivos e opções.
O desrespeito pelo carácter imperativo do Plano e pelas funções constitucionais que são cometidas ao Conselho Nacional do Plano, procurando transformar-se o seu parecer em mera formalidade, sem consequências práticas quanto à adequação do Orçamento do Estado como instrumento de política, é, de igual modo, uma falta grave que neste procedimento do Governo manifestamente se contém.
Acresce ainda que, em paralelo com a não apresentação das Grandes Opções do Plano, continua a Assembleia impedida de conhecer o Plano para o ano corrente, os relatórios de execução dos mesmos Planos anuais e, até, as Contas Gerais do Estado.
Como se todas estas faltas ainda sejam poucas, o Orçamento do Estado apresentado na Assembleia da República não contém a maioria da informação que obrigatoriamente o devia acompanhar, segundo a Lei de Enquadramento do Orçamento, procedimento que aliás se vai tornando um hábito dos governos da Aliança Democrática, ficando assim privado o Parlamento de parte substancial da informação e, logicamente, impedido de formular as críticas e as propostas alternativas que a situação eventualmente justifique.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não respeita o quadro constitucional em que este debate se vai desenrolar - como já foi provado - e não respeita também o quadro da discussão, segundo a Constituição - revista.
Põe-se, portanto, manifestamente fora de todo o ordenamento constitucional e não contribui assim para o prestígio e reforço da democracia.
O Governo não respeita a competência fiscalizadora da Assembleia e põe-se assim, ilegitimamente, fora do controle democrático.
O Governo não presta a informação devida em tempo devido, ocultando desta fornia a natureza da sua política, minimizando a capacidade crítica que a oposição, em democracia, tem de assumir.
Desta forma, o Partido Socialista não aceita o despacho de V. Ex.ª, Sr. Presidente, formula as mais severas críticas ao Governo pelo seu procedimento e apoiará, através do voto, o recurso apresentado pela ASDI.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

Entretanto, tomou de novo o lugar na presidência o Sr. Vice-Presidente Amândio de Azevedo.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, aliás em relação aos Srs. Membros do Governo estou um pouco atrapalhado porque não sei se hei-de tratar o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, Marcelo Rebelo de Sousa, por Sr. Ministro, por Sr. ex-Ministro ou por Sr. futuro Ministro. É que as notícias que há são as de que tinha pedido a demissão e que esse pedido foi aceite. É evidente que ainda não foi exonerado, é uma situação complicada.
Em relação ao recurso, apresentado pela ASDI, de impugnação da admissão da proposta de lei relativa ao Orçamento Geral do Estado não vou perder tempo na análise jurídico-constitucional do mesmo, visto o Sr. Deputado Magalhães Mota já o ter feito e estarmos de acordo, em termos gerais, com o que foi dito.
Gostaria, no entanto, de realçar para o aspecto da inexistência do Plano em que se integra a pró» posta de lei do Orçamento. Não é possível, face à Constituição, apresentar um Orçamento sem que haja uma proposta de lei do Plano em que se integra esse Orçamento. Parece-nos que isto não é admissível, não é possível à face da lei e à face da Constituição.
Aliás, esta linha de desprezo pelos Planos vem sendo - há muito seguida pêlos governos da AD; desprezo completo pelo ordenamento constitucional que aponta o Plano como princípio fundamental para a orientação e coordenação de toda a actividade económica nacional, situação esta que não foi sequer alterada com a revisão da Constituição. E não o poderá ser por razões próprias do Sr. Ministro do Estado e das Finanças e do Plano. Estou a recordar-me de declarações recentemente feitas por ele de que o Plano não tem neste momento razão de ser, que não há que fazer planeamento nenhum, que as empresas e os sindicatos, se quiserem, façam o Plano, que o Governo não tem de fazer o Plano. Esta tomada de posição clara e objectiva por parte de um membro do Governo contra aquilo que está na Constituição é inadmissível em qualquer governo.
De qualquer modo, nunca por nunca essa posição por parte de um governo ou de um ministro pode justificar a violação da Constituição, como já aqui foi repetidamente referido.
Queria também chamar a atenção para o facto de, nesta linha de posicionamento do Governo -e da própria coligação que dá apoio e sustenta esse governo-, não ter sido ainda apresentado o Plano de 1982. Srs. Deputados, estamos a 15 dias do final do ano e ainda não foi apresentado o Plano deste ano. Isto é absolutamente inadmissível.
Não se deve admitir que, pelo simples facto de uns deputados sustentarem um governo, se permita que esse governo continue a violar sistematicamente a lei.
Um outro aspecto que gostaria de frisar bem aqui é que o facto de ter sido cometido um erro na admissão desta proposta de lei, não pode justificar a manutenção desse erro e que ele se mantenha por todo o sempre e que leve a uma rejeição do recurso, pura e simples, por parte dos deputados da AD.
Gostaria de frisar que esta proposta de lei, para além dos, problemas constitucionais que tem, é uma clara violação da Lei do Enquadramento do Orçamento Geral do Estado, o que muita gente parece desconhecer.
A propósito, refiro que esta lei não traz a discriminação de despesas e receitas por Secretaria de Estado, não vem acompanhada, como é obrigatório por lei, dos elementos necessários à justificação da política orçamental, da discriminação de despesas e receitas acompanhadas da cabal justificação dos valores orçamentados e não tem o orçamento de cada um dos diversos fundos e serviços autónomos - tem apenas um resumo desses orçamentos. Também não é acompanhada de elementos sobre a evolução da dívida pública, dos orçamentos cambiais do sector público e da dívida global das restantes entidades integradas no sector público, assim como não é acompanhada da previsão de execução do orçamento consolidado do sector público do ano em curso. Não traz previsões económicas globais implícitas na proposta orçamental nem traz o relatório da situação económica e financeira actual. Viola integralmente o artigo 10.º da Lei n.º 64/77. Mais do que isso, a apresentação nesta Assembleia da proposta de lei do Orçamento é um verdadeiro atentado à dignidade da Assembleia da República e ao respeito e aos deveres constitucionais que o Governo tem perante ela.
A propósito, recordo que antes de ter sido anunciada na Assembleia da República a entrada desta proposta de lei já ela tinha sido anunciada pelo Primeiro-Ministro, através da televisão, e já um jornalista manuseava um seu exemplar perante os écrans da Radiotelevisão Portuguesa. É inadmissível - e nada nos move contra os jornalistas- que uma proposta de lei seja apresentada primeiramente a um jornalista antes de ser apresentada a esta Assembleia da República.
Conviria também analisar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o porquê deste posicionamento do Governo em relação à apresentação, a toda a pressa, de uma proposta de lei, em cima da hora em que o Primeiro-Ministro iria falar ao País, tratando-se de uma proposta de lei que não vem acompanhada de documentos fundamentais previstos na lei.
É nitidamente a prática de um governo que pretende, ao fim e ao cabo, prolongar a sua política de desrespeito pelos princípios fundamentais da Constituição.
Recordo, apenas, 2 pontos sobre a matéria concreta a que nos estamos a referir, ou seja, Orçamento e fiscalidade. Enquanto a Constituição fala na repartição igualitária da riqueza dos rendimentos, o que esta proposta de lei - tal como propostas de lei anteriores- vem propor é que cada vez seja maior a desigualdade na repartição do rendimento e que cada vez seja maior a desigualdade na repartição de rendimento nacional.
Quando a Constituição fala, em termos tributários, na tributação de consumo de modo a isentar os consumos de mais larga utilização pela população, o que esta proposta de lei nos vem apresentar é uma proposta de tributação ainda maior, em termos de transacções dos bens de maior consumo, enquanto não

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mexe nos bens de menor consumo, ou seja, os bens de luxo.
Ao fim e ao cabo, isto é a tentativa deste governo de viciar sempre a Constituição, de violar sempre e sempre a lei e de aplicar sempre e sempre e cada vez mais uma política contrária aos interesses do País e da grande maioria da população portuguesa, do povo português.
Finalizaria, dizendo que julgamos, e nesse sentido votaremos, que deve ser dado provimento ao recurso apresentado pelo Grupo Parlamentar da ASDI. Mas mais de que isso, julgamos que deve ser dado provimento ao recurso in t ré posto no passado dia 12 pelo povo português, no sentido de que este governo seja demitido o mais rapidamente possível e seja dissolvida es a Assembleia da República, para que, de facto, haja uma neva maioria coerente com os resultados eleitorais e com a vontade do povo português. Uma maioria que, ao fim e ao cabo, siga uma política de acordo cem os interesses do povo e não de acordo com os interesses de meia dúzia.

Aplausos do PC P e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se lê no recurso apresentado pela ASDI, trata-se de um recurso de carácter eminentemente político. Aliás, é a própria ASDI a dizer que a denúncia e o significado político estão, assim, feitos.
Portanto, há que colocar as coisas no plano em que devem ser colocadas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Costuma a Associação Social-Democrata Independente ser extremamente rigorosa nestes documentos e vai normalmente a pormenores profundos. Espanta-nos, até muitas vezes, pela perfeição técnica das suas intervenções. Neste caso, porém, temos de convir que tal não se verifica.
Começamos pelo n.º l do recurso para o Plenário, em que a ASDI cita o artigo 239.º da Constituição. Ora, o artigo 239.º da Constituição refere-se a atribuições e organização das autarquias locais, que parece não serem para aqui chamadas.
Logo a seguir, cita o n.º 2 do artigo 108.º da Constituição e presenteia-nos com o seu texto, imediatamente. Acontece que o texto que aqui está não corresponde, de facto, ao n.º 2 do artigo 108.º, pelo que vão aumentando as perplexidades.
Mas, mais ainda, no n.º 3 refere, expressamente, o n.º do artigo 93.º da Constituição. Como o artigo 93.º da Constituição não tem n.º l, nem da Constituição antiga nem como ela é hoje, a perplexidade vai-se enchendo como um balão.
E, para não citar mais, a ASDI chega ao fim e alega que a admissão desta proposta de lei contraria o artigo 130.º da Constituição, que se refere à posse e juramento do Presidente da República, o que também parece um bocado estranho.
Portanto, para a consideração deste recurso, seria necessário um exegeta ou, talvez, dizendo melhor, um revisor de provas.
Feita a revisão de provas em relação ao recurso da ASDI, devem ser feitas algumas considerações.
O artigo 239.º, não da Constituição da República, mas da Lei de Revisão Constitucional, fala-nos na forma de elaboração e aprovação do Orçamento Geral do Estado e não fala no Plano. Portanto, nada se estatui, quanto ao Plano, no artigo 293.º da Constituição, pelo que não é legítimo afirmar-se que o seu artigo 293.º, como era anteriormente, continue em vigor.
Acresce, ainda, que toda a alegação feita a favor da inextricabilidade do Orçamento e do Plano não colhe, nem jurídica nem politicamente.
Sob o ponto de vista jurídico conviria citar comentadores insuspeitos -que aliás comentam a Constituição como era, tal como a ASDI alega que deveria ser aplicada aqui- como Vital Moreira e Gomes Canotilho, que dizem expressamente que as relações entre o Plano e o Orçamento não são claras, concluindo que o Plano anual e o Orçamento são duas realidades jurídicas distintas. Julgo que a insuspeição dos comentadores não é controvertível.
Além disso, este comentário era feito sobre o texto da Constituição revista, ou seja, sobre a alínea c) do artigo 93.º, a qual exprimia, com muito maior intensidade, a relação entre o Plano e o Orçamento, uma vez que dizia que o Plano anual deve integrar o Orçamento Geral do Estado. Esse mesmo artigo, após a revisão Constitucional, tal como neste caso se deve aplicar, diz, tão-só, que o Plano anual tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado.
Portanto, não vemos qual seja a razão nem da chamada à colação do artigo 193.º, como era antes, nem da tal inextricabilidade que também é alegada.
A argumentação da ASDI tem, ainda, partes ininteligíveis, como, por exemplo, o ponto n.º 5, que é um pouco difícil de interpretar, a não ser que se prenda exclusivamente com a aplicação do artigo 94.º da actual fórmula constitucional.
Refiro que a maior parte dos argumentos são de carácter meramente político e completamente irrelevantes para a matéria que aqui nos traz, nomeadamente os n.ºs 8, 9, 10, 11 e 12. No seu n.º 13, resumindo a argumentação, a ASDI regressa à alínea c) do artigo 93.º da Constituição, antes da revisão constitucional, e aos artigos 106.º e 107.º que, do ponto de vista jurídico-formal, também não têm nada a ver com a matéria.
Finalmente, no n.º 14, onde são elencadas as matérias que alegadamente não seriam acompanhadas de justificações bastantes, se atentarmos na esmagadora maioria dessas justificações, elas estão, de alguma forma, contidas na proposta apresentada.
Mesmo que fôssemos sensíveis a algumas das alíneas aqui citadas, bastaria a prática constitucional que tem sido seguida, e que vem de muito antes da existência desta maioria, para que, também, este n.º 14 não tivesse relevância para a matéria em causa.
Resta afirmar que esta impugnação não tem outro significado senão o da repetição do debate aqui travado o ano passado, agora com muito menos força, uma vez que a revisão constitucional veio dar às relações entre o Plano e o Orçamento características completamente diferentes.

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Para efeitos políticos gratos à oposição, a impugnação vem, portanto, ressuscitar uma discussão sob o ponto de vista jurídico-formal, que não tem razão de existir. E o Sr. Presidente da Assembleia da República resolveu o assunto da melhor maneira, admitindo a proposta de lei do Orçamento Geral do Estado.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria referir, em nome do Governo e muito rapidamente, 3 ou 4 pontos.
Em primeiro lugar, quanto ao momento da entrada da proposta de lei do Orçamento, queria dizer que ela se deu na Assembleia da República antes, da divulgação pública por outros meios. Lembrar-se-ão os Srs. Deputados que essa entrada se verificou no dia da votação da proposta de lei sobre Defesa Nacional e Forças Armadas, que estava a decorrer uma conferência de líderes parlamentares e que essa entrada se verificou pelas 19 horas, portanto, antes de vir a ser noticiada pelos órgãos de informação.
Se houve algum atraso na divulgação aos grupos; parlamentares - aliás, houve solicitações para a divulgação, das quais me recordo, em plena conferência de líderes - isso não é imputável ao Governo.
Em segundo lugar, quero esclarecer que a proposta de lei das Grandes Opções do Plano foi enviada no mesmo dia para o Conselho Nacional do Plano.
A proposta de lei das Grandes Opções do Plano foi considerada, pelo Governo, indissociável da proposta de Lei do Orçamento. Simplesmente, como houve o percurso que correspondeu ao envio da proposta de lei ao Conselho Nacional do Plano -que, salvo erro, reuniu hoje- e como houve a preocupação de transformar o parecer do Conselho Nacional do Plano em mais do que algo de meramente simbólico, daí derivou, necessariamente, o período de tempo decorrido desde a entrada da proposta de lei do Orçamento até ao momento em que o estamos a discutir e em que, como tive ocasião de dizer, o Conselho Nacional do Plano se pronunciou sobre esta matéria.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Ministro, se o Governo pretendesse, de facto, não transformar a intervenção do Conselho Nacional do Plano, nesta matéria, num acto puramente formal e sem sentido - como o Sr. Ministro acabou de afirmar-, e sendo o Orçamento a expressão financeira do Plano, não deveria o Governo aguardar a formulação final do Plano, decorrente de uma intervenção que não seja meramente honorífica do Conselho Nacional do Plano, para lhe dar a sua expressão financeira? Avançando com esta expressão financeira, antes do parecer do Conselho Nacional do Plano, não estava o Governo, no fundo, a dizer - perdoe-me o Sr. Ministro e a Câmara também a expressão- que se estava «nas tintas» para o Conselho Nacional da Plano.

O Orador:-Muito obrigado, Sr. Deputado Lopes Cardoso, pela sua intervenção, pois ela permite-me esclarecer um, ponto importante. De facto, por um lado, foi aqui dito que o Governo não iria tomar em linha de conta o parecer do Conselho Nacional do Plano sobre a proposta de lei das Grandes Opções do Plano,
Devo dizer que está convocada, para amanhã mesmo, uma reunião do Conselho de Ministros para ponderar o parecer do Conselho Nacional do Plano e, eventualmente, introduzir, em conformidade, as alterações na proposta de lei das Grandes Opções do Plano.
Da mesma maneira, o Governo pondera a hipótese de, em pleno debate parlamentar, se fazer eco das alterações que resultarem do parecer do Conselho Nacional do Plano e ser sensível à sua introdução na proposta de lei do Orçamento.
Simplesmente, havia 2 valores a ponderar. Um, era o de esperar até este momento pelo parecer do Conselho Nacional do Plano e só depois dar entrada na Assembleia da República a proposta de lei do Orçamento. Outro, era permitir à Assembleia ir tomando conhecimento e, naturalmente, fazer um pré-debate sobre a proposta de lei do Orçamento, sem embargo do Governo poder vir a ser sensível a alterações resultantes do debate parlamentar sobre a proposta de lei do Orçamento, que correspondessem ao aviso, ao conselho, ao parecer do Conselho Nacional do Plano. Refiro que há essa disponibilidade por parte do Governo que, naturalmente, aqui exprimo.
Outra questão que parece importante esclarecer - aliás tive ocasião de esclarecer em conferência de líderes- é a de que o Governo nunca teve a ideia da separação do agendamento das duas propostas de lei.
É evidente que nos termos em que a Constituição é aplicada este ano, de acordo com a Lei da Revisão Constitucional, há uma íntima ligação entre a proposta de lei das Grandes Opções do Plano e a proposta de lei do Orçamento. Daí que o agendamento e debate das duas matérias deva ser feita em conjunto.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Ministro, muito obrigado por ter permitido esta interrupção.
Em primeiro lugar, lambem eu me queria associar às saudações que lhe foram dirigidas por ocasião daquilo que suponho ser a sua última intervenção num debate parlamentar.
Gostaria, agora, de lhe colocar uma questão muito concreta: quando o Sr. Ministro nos diz que o Governo se predispõe a encarar as sugestões do Conselho Nacional do Plano e a introduzir alterações na proposta de lei orçamental, significa isso que o Governo nos dá a honra de debater no vazio uma proposta que não é a sua proposta final? Quer isto dizer que estamos a trabalhar nas Comissões no vazio e que os deputados se estão a esforçar,

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em vão, acerca de uma coisa que o Governo ainda vai ponderar de modo a poder articular a sua proposta com as sugestões que o Conselho Nacional do Plano Lhe vai introduzir?

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota, muito obrigado também pela sua saudação.
Devo aquietar o seu espírito. Não se trata do que referiu, pois as alterações que venham a decorrer e a ser aceites pelo Governo como resultado do parecer do Conselho Nacional do Plano, poderão repercutir-se em alguns pontos da proposta de lei do Orçamento, não devendo no entanto, a estrutura substancial do texto ser alterada, não é presumível que seja alterada.
Portanto, não se trata de enviar uma proposta de lei que representa uma menos consideração pelo Parlamento, ou que esteja muito longe daquela que irá a ocupar os debates, nomeadamente em Plenário, deste Parlamento. Trata-se, sim, de mostrar uma disponibilidade potencial para tomar em linha de conta aspectos que decorram do parecer do Conselho Nacional do Plano.
Finalmente, uma última nota que queria acrescentar: foi aqui especulado sobre o facto se havia, por parte do Governo, o acatamento dos preceitos constitucionais e se, no fundo, não haveria maquiavelicamente por detrás deste desfasamento temporal a ideia de desrespeitar o Plano, a ideia de aniquilar o objectivo constitucional do Plano, a ideia de dissociar a importância da chamada Constituição orçamental, ou de estrutura orçamental do Estado, de uma visão global que decorria das Grandes Opções do Plano. Queria acerca disto dizer aquilo que muitos Srs. Deputados já esperarão: o Governo respeita, acata e cumpre a Constituição, assume, portanto, o que existe na Constituição de íntima ligação entre o Plano, as Grandes Opções e o Orçamento e o facto do Orçamento ser substancialmente uma expressão financeira das Grandes Opções do Plano. Assim mesmo as questões foram apreciadas no âmbito do Governo, assim mesmo as duas propostas foram aprovadas simultaneamente e enviadas -uma para a Assembleia e outra para o Conselho Nacional do Plano-, assim mesmo há uma íntima ligação entre a importância fundamental, os objectivos constitucionais do Plano e a expressão orçamental, em termos de política orçamental, que é a proposta de lei do Orçamento. Aliás, o Governo neste ponto pondera a vantagem de começar a estudar, desde já, as alterações de estrutura que se imporão, para se fazer eco e dar plena execução à alteração constitucional - que é muito importante- e que cor* responderá no próximo ano a um debate substancial de uma proposta de lei do Orçamento, ou seja, de uma realidade diferente de todas aquelas que têm vindo a ser apresentadas por todos os Governos a esta Assembleia. Essa adaptação é complexa, exige uma alteração estrutural no funcionamento da Administração Pública, nomeadamente na administração financeira e, por isso, o Governo está a ponderar o que implica para o futuro, no espaço relativamente curto de menos de um ano, a adaptação da administração financeira, no sentido de dar plena execução a um ponto fundamental da revisão da Constituição.
Não queria acrescentar mais nada, Sr. Presidente e Srs. Deputados, senão, aproveitando o ensejo de -penso- ser esta a última intervenção que tenho nesta qualidade no Plenário, testemunhar uma vez mais o respeito e a consideração que o Governo - do qual fui porta-voz- tem pela Assembleia, pelo papel constitucional da Assembleia e por todos e cada um dos grupos parlamentares deste Parlamento.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM e de alguns deputados do PS.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que vou dizer não está directamente relacionado com o âmbito da discussão do recurso interposto pela ASDI. Penso, no entanto, que a Mesa não se oporá a este incidente.
Aproveitando, em face daquilo que foi dito pelo Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, o facto de ser aqui a sua última intervenção no cargo, a minha bancada gostaria de saudá-lo, de lhe desejar felicidades pessoais e profissionais na sua vida futura e de lhe dizer como foi grato colaborar com ele na missão que aqui desempenhou, considerando que foi preciosa a sua ajuda designadamente na coadjuvação da maioria...

Vozes do PSD:-Muito bem!

O Orador: - ...durante a revisão constitucional que foi a parte mais saliente no plano Parlamentai e da vida nacional no ano que passa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro contribuiu, na prática, para ela, ajudou a desbloquear muitos impasses, não numa perspectiva de actuação política directa, porque, como é sabido, o Governo não participa num debate desse tipo, que é estritamente parlamentar, mas numa tarefa que foi de colaboração enquanto especialista e, ao fim ao cabo, como Ministro para os Assuntos Parlamentares, com o mesmo empenho que teve noutras tarefas em termos da maioria e num plano institucional diferente. O nosso muito obrigado e felicidades é o que lhe desejamos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Ó Condesso isso parecia mais um elogio fúnebre!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições na Mesa acerca do recurso interposto pela ASDI, sobre a admissibilidade da proposta de lei do Orçamento do Estado declaro encerrado o debate e vamos, por esse motivo, passar à votação.
Submetido a votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Das 30 inconstitucionalidades que alegámos...

Uma voz do PSD:-Só!

O Orador: - ...e comprovámos, nem .unia só foi esclarecida, quer pela maioria, quer pelo Governo. Nem um só dos Srs. Deputados respondeu ao repto que lhes lançámos para esclarecer o sentido das autorizações legislativas que votavam.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Creio que é significativo do modo como os Srs. Deputados da maioria se preparam para votar a disposição orçamental.
Esta suposição, esta complacência para com o Governo, encontra um limite natural que os Srs. Deputados provavelmente não cuidaram de observar, ou seja, pela primeira vez este ano a discussão da inconstitucionalidade de cada um dos artigos desta proposta não se fará exclusivamente nesta Assembleia. Se a proposta de lei estiver, como está, inquinada de inconstitucionalidades, a lei que se lhe seguir será também ela inconstitucional...

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - ...e essa inconstitucionalidade será naturalmente levantada -chamo a atenção particular do Sr. Deputado Costa Andrade para este tema, já que tanto o preocupou a legalidade do imposto- quando se aborda a legalidade de cada imposto em particular perante esse normativo inconstitucional.
Essa é a vossa responsabilidade, essa é a responsabilidade que assumem, conjuntamente com a demissão de um Parlamento, com a demissão da maioria que aqui acabou por se operar. Essa é a vossa responsabilidade, Srs. Deputados, e das consequências dela para a própria administração financeira do Estado havemos com certeza de falar.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Armando de Oliveira.

O Sr. Armando de Oliveira (ODS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O recurso que acabámos de rejeitar é semelhante àquele outro que em Dezembro do ano passado também rejeitámos.
Não vamos, hoje, repetir o que deixámos vincado no ano transacto e que se traduz, a nível formal, na compreensão da razoabilidade da questão suscitada se bem que, e, para além da duvidosa existência de inconstitucionalidade -o que o próprio Deputado Magalhães Mota questiona - devemos afirmar, como Sousa Franco, que «não existe qualquer hierarquia entre as duas leis -do Orçamento e do Plano- pelo que terá de reger aí o princípio de que a lei posterior revoga a lei anterior» (Estudos sobre a Constituição, 3.º vol., p. 506).
Esta problemática está, no entanto, praticamente extinta, já que o texto revisto da Constituição aporta a verdadeira dignidade à discussão do OGE, traduzida num outro quadro legal e, primacialmente, num âmbito muito mais vasto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Magalhães Mota é manifestamente o deputado que mais requerimentos faz - dessa qualidade se tem louvado e lhe têm feito eco- e a ASDI é manifestamente uma força política que num simples recurso de admissão mais «coisas» junta. Mas que «coisas»? «Coisas» como esta «a Assembleia da República tem, aliás, legítima curiosidade em verificar como actua este Governo quando não há seca e quando baixam as cotações do petróleo», citações do programa do PSD, citações de Xavier Pintado, vão-se somando páginas e números de inconstitucionalidades, invocando sempre algo que não era invocável, ou seja, o sentido de autorização legislativa não se aplica, por força da lei da aprovação da revisão constitucional às autorizações legislativas requeridas no âmbito deste Orçamento Geral do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De resto, nunca se percebeu bem se este recurso da ASDI toma a sério aquilo que diz, quando afirma que as normas que se aplicam a este Orçamento não são as da Constituição antes de revista e quando, por outro lado, isso dá jeito para somar pretensas inconstitucionalidades, invoca os artigos 107.º e 108.º da Constituição já revista, mas ainda não em vigor para este Orçamento. Invoca, pois, um argumento atrás do outro, somando, somando, até atingir as tais 30 inconstitucionalidades e argumentos constitucionalmente improcedentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Magalhães Mota não desistiu de referir o problema da legalidade dos impostos e eu não desisto de me recusar a compreender o que é que tem a ver p Plano cem a legalidade dos impostos. Se bem entendo o princípio da legalidade dos impostos, não pode haver impostos sem lei, sendo certo que a lei tem de defender os elementos essenciais do imposto e é por isto que não vejo a necessidade do planeamento. De resto, o princípio da legalidade dos impostos surgiu em épocas históricas e em nome de motivações políticas e ideológicas antinómicas das exigências que justificam o Plano. O princípio da legalidade dos impostos é o princípio da segurança burguesa contra a intervenção do Estado e o princípio do planeamento é um princípio antinómico. É caso para dizer: «é preciso defender os capitalistas e para isso é preciso apontar-lhes armas ao peito e tentar matá-los.»
Sr. Deputado, nada tem a ver uma coisa com a outra, pelo menos quando estudei Direito Constitucional o que estava nos livros referia que o princípio

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Já legalidade dos impostos é o princípio de que não pede haver nenhum imposto sem lei prévia, sendo a lei prévia a definição dos elementos essenciais dos impostos, conflituando isso com a existência de Plano.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para declarações de voto, passamos à segunda parte da ordem do dia.
O primeiro ponto é a proposta de lei n.º 132/11, que autoriza o Governo a contrair um empréstimo junto do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, para a execução de projectos de desenvolvimento rural de Trás-os-Montes.
Se bem me recordo, o debate já foi encerrado, havendo agora que proceder apenas à votação desta proposta de lei.
Vamos, então, passar à votação da proposta de lei n.º 132/11, acabada de referir.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS, o voto contra da UDP e as abstenções do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Laje.

O Sr. Carlos Laje (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um longo e árduo caminho a percorrer para o desenvolvimento necessário a Trás-os-Montes. Este projecto, como já aqui assinalamos na sessão anterior, é uma contribuição positiva e louvável a esse necessário desenvolvimento de Trás-os-Montes. Aliás, o projecto começou a ser delineado em 1977 e, como se sabe, desdobra-se em duas componentes essenciais: a componente agrícola que visa ordenar - e em certa medida modificar - os sistemas de cultura tradicionais, ajustando-as às condições ecológicas, aumentando a produtividade e viabilizando a produção agrícola, designadamente através dos regadios; e a componente não agrícola que inclui a realização de infra-estruturas de carácter social nos sectores do saneamento básico, viação rural, saúde e habitação.
Consideramos, no entanto, que o desenvolvimento de Trás-os-Montes precisa de um plano mais vasto e global do que este -que apenas se circunscreve ao desenvolvimento agrícola e social-, o qual, além da agricultura, envolva também a indústria -particularmente a agro-indústria -, o ordenamento do território, uma nova estrutura urbana, o turismo, as comunicações e a criação de novos postos de trabalho.
É preciso valorizar as muitas potencialidade de Trás-os-Montes, para que esta região deixe de figurar na cauda da Europa no que respeita ao desenvolvimento económico, ao nível de vida da população e ao bem-estar.

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - O projecto de exploração de minério de Moncorvo -que é, naturalmente, um projecto importante para o desenvolvimento de Trás-os-Montes- está, como se sabe, encalhado em Conselho de Ministros, onde há fortes contradições entre diversos, Ministros quanto à sua execução.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - A via rápida Porto-Bragança está a ser construída com demasiada lentidão.
E se assinalo estes 2 casos, Srs. Deputados, é apenas para demonstrar que o Executivo actual não está a fazer o que é possível e necessário para o desenvolvimento de Trás-os-Montes, designadamente nestes 2 projectos concretos que referi.
Também não quero deixar de assinalai que este projecto de desenvolvimento rural integrado de Trás-os-Montes - que, como repetidamente, disso, é positivo e louvável, representando uma contribuição imprescindível ao desenvolvimento de Trás-os-Montes - não toca na restruturação fundiária. Como se- sabe, sem reestruturação da propriedade, sem redimensionamento das explorações, um projecto de desenvolvimento agrícola para uma região com uma estrutura fundiária tão deformada e incorrecta não poderá ter todos os efeitos que se pretendem.
Por outro lado, não quero deixar de assinalar a ineficácia dos serviços do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, bem como de outros departamentos governamentais que, ainda que venham a ser desconcentrados, não terão, em minha opinião, condições técnicas para realizar com eficiência alguns objectivos deste plano de desenvolvimento rural, objectivos que são, sem dúvida, ambiciosos.
O desenvolvimento de Trás-os-Montes - e termino com estas palavras - exige um grande esforço nacional, mas tem que ser decidido e orientado pelos próprios transmontanos!

Vozes do PS - Muito bem!

O Orador: - Por isso, considero necessária a criação da região administrativa de Trás-os-Montes, para que os recursos financeiros necessários sejam canalizados para Trás-os-Montes, para que sejam órgãos criados localmente e com responsabilidade contraída perante as próprias populações a empenharem-se e a comprometerem-se no desenvolvimento da região.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.

O Sr. Daniel Bastos (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao votar positivamente a proposta de lei n.º 132/11, o Grupo Parlamentar do PSD, muito especialmente os deputados eleitos pela região transmontana, não «podem deixar de afirmar a sua satisfação por verem concretizada mais uma etapa da longa caminhada, encetada já, no sentido de serem melhoradas as condições de vida naquela região.
O Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes, especialmente na sua componente agrícola, está, assim, com as condições asseguradas para a sua execução, possibilitando-se ao Governo os mecanismos; legais necessários à sua implementação. Lutando contra séculos de esquecimento por parte de governos centralizadores, direitos postergados por interesses de regiões onde o desenvolvimento foi sempre mais acentuado, sujeitando-se às inclemências de um clima continental de longos meses de frio intenso e de um verão de calor ardente, onde a agricultura é feita, muitas vezes, em terras descarnadas e secas, os transmontanos sentem como um

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direito evidente e inquestionável que lhes sujara concedidas medidas de excepção, no sentido de se alterarem os condicionalismos apontados.
A componente, hidro-agrícola a que se refere o projecto em referência e que levará à construção de barragens e regadios que possibilitarão maior fertilidade dos solos é mais um complemento positivo e valioso na prossecução das legítimas aspirações dos agricultores nordestinos.
A criação de condições que possibilitem uma vida melhor e mais digna, não só aos que ali residem, mas também a muitos que, com a alma a sangrar, deixaram o seu torrão natal à procura de terras de promissão, são uma necessidade cada vez mais premente e actual, sempre lembrada por pensadores que em Trás-os-Montes mergulham as raízes do seu ser e aí se inspiram em maravilhosos textos:
A vida é fedia de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento...

Que Miguel Torga, e com ele todos os transmontanos, possam sentir em breve que a agressividade climatérica de «9 meses de Inverno e 3 de inferno», o isolamento provocado peia falta de vias de comunicação, a tristeza de aldeias empobrecidas por agricultura de subsistência se transforme e «movimente» a caminho de futuro mais promissor e da justiça social que lhe é inerente.
A proposta de lei agora votada e que oferece condições, entre outras, para a fixação de justas indemnizações nas expropriações de terrenos na zona do Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes, vem dar resposta positiva a questões levantadas já, por várias vezes, nesta Assembleia, no sentido de serem criadas condições, mesmo que excepcionais, para que o desenvolvimento de regiões do interior se faça mais acentuadamente, atenuando-se, assim, os enormes desequilíbrios que ao longo da História se acumularam em relação ao litoral e aos grandes centros.
O Grupo Parlamentar do PSD congratula-se, portanto, com a aprovação desta proposta de lei e faz votos para que a mesma, em conjunto com outras medidas que no domínio da agricultura da região terão de ser tomadas de imediato, possam minimizar as dificuldades sentidas actualmente e corresponder a justos anseios que uma região deprimida economicamente, como a nossa, acalenta e que é da mais elementar justiça satisfazer.

Aplausos do PSD, do PPM e de alguns Deputados do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Rogério de Brito, queria avisar que teremos de proceder ainda à votação na especialidade desta proposta de lei.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante o debate na generalidade deste pedido de autorização do Governo já manifestámos a nossa posição, tendo então apontado todas as razões que nos levaram a tomar uma posição de abstenção nesta matéria.
Importa, contudo -e porque a memória e curta-, mais uma vez relembrá-lo.
A razão de ser da nossa abstenção não reside, como é evidente, no facto de não atribuirmos a máxima importância ao projecto de desenvolvimento integrado rural de Trás-os-Montes. E também não resulta do facto de não reconhecermos a necessidade do financiamento do mesmo. Resulta, sim, do facto de este governo não ter dotado este Parlamento com as necessárias informações acerca do projecto, ou seja, de todas as suas consequências devidamente aprofundadas, analisadas e estudadas, para que então pudéssemos votar conscientemente na atribuição destes financiamentos.
Com efeito, nada foi facultado a este Parlamento que nos permita avaliar da objectiva aplicação destas verbas; nada nos fundamenta quais as consequências deste projecto em matéria de economia das explorações, nem quais as consequências do impacte no tecido sócio-económico e humano.
É nesta perspectiva que nos quedamos pela abstenção, uma abstenção que, no fim de contas, traduz também da nossa parte a esperança de que o povo rural de Trás-os-Montes possa vir a beneficiar de um desenvolvimento feito, não em seu nome, mas em seu proveito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Armando de Oliveira.

O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS votou favoravelmente a presente proposta de lei de autorização de empréstimo junto do Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento.
Tal empréstimo destina-se principalmente a financiar o projecto de desenvolvimento rural de Trás-os-Montes, e o seu alcance sócio-económico não pode deixar de merecer o mais vivo regozijo do CDS. De facto, nele se encara não um mero crescimento económico através de iniciativas exógenas, muitas vezes de reduzida influência nas populações, locais, mas sim o financiamento e apoio a iniciativas reduzidas e localizadas, com a viabilidade local e equipamentos e facilidades urbanas, de repercussão imediata na qualidade de vida e nas actividades económicas das gentes de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Na verdade, é cada vez mais premente equacionarmos devidamente os custos globais de interioridade e particularmente desse mundo duro mas decidido, rijo mas pobre do nordeste transmontano e de toda a região norte interior, dentro de uma óptica de justiça na regionalização do investimento e na concepção de que o desenvolvimento é um mero crescimento económico, mas compreende e obriga à melhoria das condições de vida das populações.
Um conceito de efectiva justiça social exige não só um aumento de rendimento certo, mas também uma beneficiação acentuada dos equipamentos e serviços de apoio às populações que se traduzirá, inexoravelmente, numa melhoria -merecida- das suas condições de vida.

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Quanto à segunda vertente deste empréstimo, relativa a investimentos no domínio da poupança energética e utilização das novas formas de energia, basta a consideração do actual défice petrolífero para justificar a pertinência da proposta.
Estas as razões do nosso voto e a razão de ser desta inequívoca declaração.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração» de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou, muito rapidamente, justificar mais uma vez por que votamos contra.
Há, por um lado, razões de ordem técnica, chamemos-lhe assim, pois, de facto, o Governo não explicou a forma como irá aplicar concretamente este empréstimo e este governo, na nossa opinião, não nos merece qualquer confiança relativamente à execução de um projecto tão ambicioso e que tem a ver com as condições de Trás-os-Montes, do povo de Trás-os-Montes, e da melhoria dessas condições.
Nós consideramos que para melhorar as condições do povo transmontano, da sua agricultura e das infra-estruturas não seria necessário pedir dinheiro emprestado ao estrangeiro.
O País está já demasiado endividado e essas dívidas não vão cair sobre aqueles que utilizam essas verbas, muitas vezes avultadas, mas sobre o nosso povo, que não viu ainda um resultado mínimo de todos os empréstimos que têm sido feitos, e também o povo de Trás-os-Montes não vai ver resultados concretos deste empréstimo, porque eles vão ser dissipados ou distribuídos por este governo a caciques, a grandes proprietários e a grandes empreendedores, que apenas vêem o lucro como motor da sua actividade.
De facto, o povo de Trás-os-Montes não vai ver nada do empréstimo que vai ser feito em seu nome e que vai endividar ainda mais o nosso país.
Admiramo-nos muito ao ver partidos que tanto acusam o Governo, que exigem a sua demissão e que dizem que ele é incapaz de tudo, dar-lhe o aval para utilizar uma verba avultadíssima que nós já sabemos, e temos afirmado sempre, não ser no interesse do povo.
Esses partidos estão, de facto, a dar ao Governo o aval, a abertura e a dizer «sim senhor, é capaz de trabalhar», quando sempre disseram o contrário.

Uma voz do PSD: - Isso é que é falar!

O Orador: - Há muito dinheiro no nosso país.

Uma voz do PSD: -Há, há!

O Orador: - É preciso é ir buscá-lo onde ele se encontra e não pedir mais empréstimos.
Como nós dizemos: «Os ricos que paguem a crise.»
Mas isso só é possível com um governo diferente, um governo ligado aos interesses populares, um governo que sairá da luta do nosso povo contra a AD e contra o regime do 25 de Novembro.
Entretanto, e já que se falou de condições de desenvolvimento e justiça social, basta olharmos não para a região interior transmontana, onde os rigores do clima são tão grandes e o esquecimento tem sido uma tradição, mas aqui para Lisboa, que está junto ao Oceano Atlântico e ao centro político, industrial e comercial do nosso país, para vermos até que ponto essa justiça social existe e é profunda. Portanto, isto não é apenas uma questão de localização económica e de esquecimento, é também uma questão de organização social e de sistema.
E é este sistema que a UDP põe em causa e luta para mudar.

O Sr. Presidente: - Como não há mate inscrições vamos passar à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 132/II.
Esta proposta de lei é composta por 2 artigos que vão ser lidos.

Foram lidos. São os seguintes:

ARTIGO 1.º

Fica o Governo, através do Ministério do Estado e das Finanças e do Plano, autorizado a contrair no Banco Internacional para ai Reconstrução e Desenvolvimento, empréstimos em várias moedas até ao montante equivalente de 81 milhões de dólares dos Estados Unidos, destinados a financiar o projecto de desenvolvimento rural integrado de Trás-os-Montes, e o projecto dei poupança e diversificação das fontes de energia a utilizar na indústria.

ARTIGO 2.º

Os empréstimos a que se refere o artigo anterior obedecerão às condições financeiras geralmente praticadas pelo Banco em operações idênticas.

O Sr. Presidente: - Se não houver oposição procederemos à votação conjunta destes 2 artigos.
Pausa.

Verifico que não há e, por isso, vamos passar à votação na especialidade da proposta de lei n.º 132/II.

Submetida à votação, foi aprovada com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS, com o voto contra da UDP e com 01 abstenções do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Como não há já tempo para passar ao segundo ponto da ordem de trabalhos, resta anunciar que deu entrada na Mesa um ofício do chefe de gabinete do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, dizendo que, em face do teor da alínea u), do n.º l do artigo 168.º da Constituição, introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 da Setembro, bem como em função da previsão do artigo 54.º da proposta de lei sobre o Orçamento do Estado para 1983, o Governo retira a proposta de lei n.º 115/II, que o autoriza a legislar sobre diversas matérias do regime da função pública,
Srs. Deputados, amanhã, como é sabido, não haverá reunião plenária, mas haverá reunião de comissões.
A próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 16, às 15 horas, havendo período de antes

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da ordem do dia e constando da ordem do dia a lei formularia dos diplomas legais e a autorização ao Governo para legislação sobre o património cultural. Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
António José Cardoso e Cunha.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José da Costa.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
José Manuel Pinheiro Barradas.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Moura Ribeiro.
Nicolau Gregório de Freitas.

Partido Socialista (PS)

António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques R. Reis.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Eduardo Ribeiro Pereira.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.

Centro Democrático Social (CDS)

Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
Luisa Maria Freire Vaz Raposo.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.

Partido Comunista Português (PCP)

António Dias Lourenço.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Roque Bissaia Barreto.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Dias Ribas.
Cipriano Rodrigues Martins.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco de Sousa Tavares.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
Manuel Ribeiro Arruda.

Partido Socialista (PS)

Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Fernando Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa
Daniel Fernandes Domingues.
Henrique José Pereira de Moraes.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Octávio Rodrigues Pato.

os REDACTORES: Anita Paramés Pinto da Cruz - José Diogo.

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