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I Série - Número 31

Sábado, 8 de Janeiro de 1983

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE JANEIRO DE 1983

Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.

Anacleto Silva Baptista
Adelino Teixeira de Carvalho
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos.
A Sr.ª Deputada Alda Nogueira (PCP) referiu-se às consequências no sector habitacional que resultaram da extinção do Fundo de Fomento de Habitação e à situação em que ficaram os seus trabalhadores.
O Sr. Deputado Carlos Lage (PS) procedeu a uma abordagem das eleições autárquicas no seu aspecto especificamente local e na sua influência e repercussão no conjunto do país. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Veiga de Oliveira (PCP), Mário Tomé (UDP), Silva Marques (PSD), Carlos Robalo (CDS) e Borges de Carvalho (PPM).

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) fez a apresentação do projecto de lei n. º 387/II, sobre a Lei da Radiodifusão e respondeu a pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Arons de Carvalho (PS) e Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Iniciou-se a discussão da ratificação n.ºs 224/II (PCP) e 226/II (PS) - Decreto-Lei n.º 463-A/82, que revogou disposições do Decreto-Lei n.º 724/74, de 13 de Dezembro, com intervenções dos Srs. Deputados Zita Seabra (PCP) e António Arnaut (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão, eram 13 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Costa Saldida.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes da Costa.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.

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José Vargas Bulcão.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS):

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Rodrigues Masseno.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):

dalberto Neiva de Oliveira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
João José M. Pulido de Almeida.
José Alberto Faria Xerez.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Rui António Pacheco Mendes.
Rogério Ferreira Monção Leão.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM):

António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

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Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
João Corregedor da Fonseca.

União Democrática Popular (UDP):

Mário António Baptista Tomé.

Independentes

José Eduardo Sanches Osório.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai ler os requerimentos apresentados na Mesa.

O Sr. Secretário (Anacleto Baptista): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: ao Ministério dos Assuntos Sociais e à Secretaria de Estado da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado António Arnaut; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado João Porto; ao Ministério da Indústria, Energia e Exportação, formulado pelo Sr. Deputado Braga Barroso; à Secretaria de Estado da Cultura e à Câmara Municipal de Matosinhos, formulado pelo Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de inscrição para declarações políticas, está inscrito, em primeiro lugar, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Lage. Contudo, como esse Sr. Deputado não se encontra presente na Sala, se a Câmara não vir inconveniente, daria a palavra, também para uma intervenção, ao Sr. Deputado Sousa Marques, que está inscrito em segundo lugar, mas que também não se encontra presente.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para dizer que, na substituição do Sr. Deputado Sousa Marques, farei uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.
Nesse caso, se a Câmara não vir inconveniente, como o Sr. Deputado Carlos Lage ainda não se encontra presente, dou a palavra à Sr.ª Deputada Alda Nogueira.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após uma visita que efectuámos no passado mês de Novembro às instalações do Fundo de Fomento de Habitação, em Lisboa, entregámos na Mesa da Assembleia da República um requerimento ao Governo em que chamamos a atenção para a gravidade da situação que está criada aos quase 1000 trabalhadores da função pública que ali prestam serviço, assim como para a gravidade da situação criada às cooperativas de habitação, às câmaras municipais, bem como ao sector privado com a extinção do Fundo de Fomento de Habitação.
Esta extinção, somada à extinção do PRID e aos cortes de crédito para a habitação, veio tornar ainda mais graves as carências habitacionais da população portuguesa.
Praticamente as novas obras estão suspensas pelas cooperativas e câmaras municipais, dado que o pouco que recebem do Fundo de Fomento da Habitação é apenas para dar curso (e mal) a obras já iniciadas.
A inoperância e ineficácia do FAI, criado pelo Governo AD para substituir no campo financeiro o Fundo de Fomento de Habitação, soma-se à série de ineficácias, de falta de vontade política do Governo AD que demagogicamente começou por prometer uma casa para cada família e acabou por deixar ruir um a seguir aos outros imóveis habitacionais, nada tendo feito para construir ou fomentar a construção de habitações com renda ou condições acessíveis à população trabalhadora.
No que respeita aos trabalhadores do Fundo de Fomento de Habitação a situação é próxima do inacreditável! 500 trabalhadores fora do quadro, trabalhadores com mais de 10 anos na mesma categoria e sem qualquer promoção, outros (técnicos sobretudo) recebendo como fiscais e desenhadores e executando trabalhos como arquitectos e engenheiros que o são.
A ausência propositada de qualquer lei orgânica que devia, por decisão do próprio Secretário de Estado, ter sido apresentada em proposta em Março de 1981, por um grupo de trabalho por ele nomeado, faz com que nenhum dos trabalhadores do Fundo de Fomento da Habitação tenha beneficiado até à data da aplicação de vários decretos de que todos os trabalhadores da função pública beneficiaram.
Sobre toda esta matéria fiz o requerimento que atrás referi e que passo a ler:
O escândalo da política do Governo AD em matéria de habitação tem sido sublinhado na Assembleia da República por várias vezes pelo Grupo Parlamentar do PCP, quer em requerimento ao Governo (uma semana antes da resolução que extinguiu o Fundo de Fomento de Habitação em Outubro de 1981), quer na interpelação ao Governo que sobre o problema da habitação foi feita pelo Grupo Parlamentar do PCP, quer a propósito da discussão sobre o OGE do ano passado e sobre o programa dos VII e VIII Governos.
A política de habitação do Governo AD, que, eleiçoeiramente, começou por prometer uma casa para cada família, vem-se traduzindo nos cortes de crédito à habitação, na não aplicação da Lei das Finanças Locais, nos sucessivos OGE's de penúria neste campo, na extinção do Fundo de Fomento de Habitação, organismo estatal vocacionado para o incentivo e apoio à habitação social, na extinção do PRID com as consequências, à vista, das casas e outras habitações degradadas a ruírem cada vez em maior número.
Numa palavra: a situação vem-se agravando cada dia que passa.
Por outro lado, a extinção do FFH veio simultaneamente criar para os trabalhadores da função pública que ali trabalham e hoje ali ainda se mantêm em condições verdadeiramente insuportáveis, numa situação sobre a qual o menos que se pode dizer é que é de injustiça flagrante, de discriminação absolutamente injustificável face aos restantes trabalhadores da função pública.
Nos termos constitucionais e regimentais requeremos ao Governo as seguintes informações:

1) Porque não foi apresentada uma proposta de nova Lei Orgânica para o FFH pelo grupo de trabalho nomeado pelo então Secretário de

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Estado da Habitação e Urbanismo até 31 de Março de 1981, como lhe foi incumbido?;

2) Que medidas estão previstas pelo Governo para pôr fim a uma situação de injustiça e discriminação decorrente da não publicação de qualquer Lei Orgânica, de que resultou que as normas dos diplomas diversos legais reguladores do regime do pessoal da função pública e do Ministério da Habitação e Obras Públicas, não beneficiassem os trabalhadores do FFH (Decretos-Leis n.ºs 8/78, 191-C/79, 280/79, 110/79, n.ºs 180/80, e 183/80) - respeitantes a promoções e vários níveis e que só pontualmente foram aplicados: a 90 fiscais (Decreto-Lei n.º 8/78) e a um inspector, alguns agentes tesoureiros e mecanográficos (Decreto-Lei n.º 183/80)?;
3) Porque não aceitou o Governo até à data a proposta da criação de um quadro cuja constituição e preenchimento resultaria da aplicação das regras de provimento a todos os trabalhadores, 920 que actualmente ali prestam serviço, 500 dos quais contratados "além quadro", encontrando-se muitos na mesma categoria com que para ali entraram há mais de 10 anos e na sua maioria com mais de 6 anos na mesma categoria pela qual continuam a ser remunerados, apesar de desempenharem funções e terem habilitações para categoria e carreira em que seriam substancialmente melhor remunerados?;
4) Porque rejeitou o Governo, em Março de 1982, a solução proposta do diploma em Dezembro de 1981 (e na sequência da resolução n.º 224, de 20 de Outubro de 1981, que extinguiu o Fundo de Fomento de Habitação), relativa ao pessoal assegurando a integração de todos os trabalhadores num quadro com a aplicação das regras de primeiro provimento de que tinham beneficiado todos os organismos do Estado?;
5) Por quanto tempo vai o Governo manter a situação agravada com o Decreto-Lei n.º 214/82, de 29 de Maio, cujas disposições deixa todo o pessoal por tempo indeterminado numa situação de expectativa frustrante, "pendurados" numa comissão liquidatária, situação de que resulta quer não só os próprios funcionários com provimento definitivo deixarem de ser do quadro (!) como se chegou à triste situação de, para os trabalhadores do FFH, ser preferível a sua integração num quadro de excedentes!
Situação esta única e contrária à dos restantes funcionários públicos?;
6) Com a extinção do FFH e com a actual comissão liquidatária, criada há mais de 1 ano, fazendo o levantamento do Fundo Imobiliário e Geral do FFH, qual o destino que o Governo vai determinar que tenham tais bens móveis e imóveis (terrenos, propriedades, etc.)?;
7) Por quanto tempo vai o Governo manter a actual situação de suspensão de novas obras pelas cooperativas de habitação, pelas câmaras municipais e pela iniciativa privada e pelo próprio Fundo de Fomento de Habitação, dado que face à sua extinção este não tem qualquer verba no OGE?;
8) Qual o organismo que substituirá o FFH como estrutura estatal com capacidade de intervenção directa no sector da habitação?;
9) Por quanto tempo vai o Governo manter o financiamento através de operações de tesouraria como o tem feito até aqui, contraindo (a comissão liquidatária) empréstimos com juros que quase atingem os 3 milhões e meio de contos em 1982?;
10) Face à inoperância e ineficácia do Fundo de Apoio ao Investimento para Habitação (na parte financeira que cabe ao FFH) e à paralisação quase total do FFH nos outros campos que respeitam à habitação bem como face ao fracasso do chamado sistema poupança-habitação (de que resultou um decréscimo de 20% em 82, em relação a 1981) - quais as medidas previstas pelo Governo para minimamente acudir a uma situação tão grave, que se degrada cada dia que passa no que respeita às crescentes carências habitacionais da população portuguesa?;
11) Qual a situação financeira do FFH?
12) Que medidas estão previstas para que sejam concluídos e divulgados os resultados dos inquéritos e sindicâncias às irregularidades cometidas no FFH?

Foi este, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o requerimento que apresentámos na Mesa da Assembleia da República em 29 de Novembro de 1982.
Embora neste momento o Primeiro-Ministro esteja demitido e o Governo demissionário, os problemas focados continuam a ser problemas que preocupam toda a população portuguesa. Por isso os trouxemos aqui hoje e, dentro de pouco tempo, trá-los-emos novamente para, sob outra figura regimental e de uma forma mais larga, serem debatidos nesta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Urge pôr cobro a esta situação verdadeiramente anormal dos trabalhadores do Fundo de Fomento de Habitação, como urge pôr cobro a uma política de habitação de que só tem resultado o enriquecimento de uma meia dúzia de grandes construtores e empresas construtoras, com prejuízo de centenas de milhares de pessoas que continuam sem casa ou vivendo em quartos e barracas.
Também neste campo, como em todos os outros, a situação impõe uma outra política, um outro governo formado a partir de uma nova maioria resultante de novas eleições.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Carlos Lage já se encontra presente, tem a palavra, para uma intervenção.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se disse sobre as eleições autárquicas e muitos comentários foram feitos aos seus resultados. Algumas interpretações foram manifestamente absurdas e contra todas as evidências.

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Mas não me proponho hoje falar sobre o resultado das eleições autárquicas em termos nacionais, sobre a crise política que avassala o pais, sobre o vazio que, neste momento, prepondera na vida política nacional a nível de governo e de órgãos de decisão ou sobre a confusão, o descontentamento e o mal-estar que lavram por todo o país.
Aquilo que vou fazer neste momento é referir-me às eleições autárquicas como um valor em si, às eleições autárquicas no seu aspecto especificamente local e na sua influência e repercussão no conjunto do país.
Antes de mais, em nome do Partido Socialista, quero saudar todos os autarcas eleitos, independentemente das suas filiações partidárias e das suas opções políticas.

O Sr. António Moniz (PPM): - Muito bem!

O Orador: - Quero saudá-los a todos e desejar-lhes, no momento em que estão a tomar posse por todo o país, o desempenho de um mandato com mais facilidade, com mais condições de eficácia, com maior apoio do que aquele que acabaram de desempenhar os que cessam o seu mandato nesta mesma altura.
A todos, o Partido Socialista deseja felicidades no desempenho das suas funções e melhores condições para as exercer do que os que agora cessam o seu mandato têm gozado.

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Também não quero deixar de salientar que estas eleições autárquicas introduzem uma nova etapa na nossa administração democrática, até porque coincidem com uma grave crise nacional, com uma grave crise económica, social, política e até com uma crise de valores. Perante esta crise, as autarquias não podem nem devem ficar de braços cruzados, têm que ter grande iniciativa, devem protagonizar - é o termo exacto -, devem protagonizar novas soluções, novos caminhos para a vida política nacional.
Hoje, por toda a Europa se acredita no protagonismo dos municípios e na capacidade que os mesmos têm para reformar a vida dos países, a fim de criarem novos esquemas de organização colectiva e encontrarem novas soluções para os problemas das populações.
Estou plenamente convencido de que o mesmo também acontece no nosso país. Há uma nova etapa do desenvolvimento da vida administrativa autárquica que agora se inicia.
Muitas vezes se às soluções quantitativas, no sentido de fazer o maior número de coisas possível, tem que suceder uma solução qualitativa para se encontrar melhores soluções, estou certo de que hoje os nossos autarcas estão plenamente convencidos desta necessidade e desta realidade.
A Assembleia da República tem grandes obrigações e deveres para com os autarcas. Numa face de relativo descrédito da instituição pelo menos do Governo, que se deteriora a olhos vistos, em que as figuras que são lançadas para os lugares governamentais não têm muitas vezes a altura intelectual e moral que deviam ter, os nossos municípios são um factor de prestígio da democracia, contribuem para o reforço da vida democrática e são instituições fundamentais para que a democracia tenha a vitalidade e o desenvolvimento que a todos os Srs. Deputados, estou convencido disso, interessa que tenham e venham reforçar-se. Esta Assembleia, como eu dizia, tem, pois, grandes deveres para com as autarquias.
Vou assinalar algumas obrigações estritas que a Assembleia tem: a primeira delas diz respeito à definição de um quadro legal suficientemente claro para a vida das nossas autarquias. A indefinição de competências em matéria autárquica é perfeitamente inaceitável. Esta Assembleia hesitou, retardou variadíssimas vezes na definição desse quadro legal e por isso eu pergunto: como é que se pode aceitar que em matéria financeira prepondere a confusão e a incerteza relativamente às verbas que cabem às autarquias?

O Sr. Bento de Azevedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tem havido múltiplas e contraditórias interpretações a esse respeito... É inadmissível!
As autarquias têm que contar com um quadro legal perfeitamente claro e inequívoco, as competências das autarquias em matéria de investimento têm que ser perfeitamente definidas e o retardamento que a maioria e o Governo demissionário fizeram é perfeitamente inadmissível na actual situação da vida do país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se pode querer transferir competências para as autarquias sem lhes transferir os recursos necessários para o desempenho dessas mesmas competências e dessas mesmas tarefas. Urge assim que a Assembleia trace um quadro legal, com a participação das próprias autarquias, que seja claro, inequívoco e que represente um avanço na vida dos nossos órgãos autárquicos.

O Sr. Bento de Azevedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Há, por isso, muito a fazer nesta Assembleia da República relativamente à vida autárquica porque temos necessidade de corresponder à legítima expectativa que os nossos autarcas, todos aqueles que foram agora eleitos, têm em relação à legislação e às iniciativas que a Assembleia da República tem de tomar.
As autarquias não podem ser estranguladas financeiramente e muitos autarcas vão agora tomar posse de Câmaras que têm orçamentos exíguos e enormes dívidas. Poder-se-á dizer que essas dívidas correspondem a uma certa temeridade na realização de obras ou de gastos... Não penso exactamente assim porque acho que as autarquias têm respondido a carências seculares e à vontade de resolver problemas, o que tem obrigado os autarcas a procurar meios financeiros e a contrair dívidas para realizar obras respondendo às carências com que defrontam.
Estou até convencido que nem os mais cépticos deixam de reconhecer que as autarquias desempenharam depois do 25 de Abril, nas suas diversas etapas, um papel essencial na resolução dos problemas nacionais e que muitos estarão surpreendidos com os resultados que se obtiveram até à data.
Uma outra questão que não queria deixar de assinalar, depois de referir o quadro legal a que é necessário dar um desenho e um perfil perfeitamente correctos, tem a ver com a cooperação entre os diversos municípios. Penso que um erro dos nossos municípios tem sido o de subestimar a cooperação intermunicipal para a resolução

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de problemas comuns e é por isso que a nova etapa que se abre à nossa vida autárquica - estou convencido que assim pensam todos os autarcas - deve primar pela cooperação intermunicipal para a resolução de problemas comuns interdependentes, sobretudo nas grandes áreas urbanas e nas próprias áreas rurais, tais como a defesa do ambiente, o ordenamento urbano, a defesa do património, o desenvolvimento económico e criação de emprego, a energia, os transportes, que têm repercussões para além das fronteiras de cada município e exigem o trabalho comum. Penso que a próxima etapa da vida autárquica vai valorizar essa cooperação intermunicipal e que se vão criar muitas associações de municípios por todo o nosso país.
Finalmente - o «amarelo» já está a assinalar o fim do meu tempo - não quero deixar de referir que as nossas autarquias vão relançar a regionalização, que as nossas autarquias vão revalorizar a problemática regional, porque o Governo demissionário, porque a AD, após uma fase em que fez do discurso regionalista o condimento do seu pequeno-almoço ou da sua actividade política diária, deixou cair e eclipsar a regionalização das suas preocupações e do seu discurso, deixou de considerar a regionalização uma prioridade recuando e deixando retroceder o processo, lançando sobre ele um descrédito e uma indiferença perfeitamente condenáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A regionalização é imprescindível à nossa vida política, a regionalização e imprescindível à melhor administração e gestão do país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A AD, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tal como todas as elites centralizadas em Lisboa, teve medo da sua temeridade e da sua ousadia, se assim me posso exprimir, e recuou apressadamente e sem explicação acerca da regionalização que a determinada altura constituía motivo das passeatas de Secretários de Estado e de Ministros por todo este país...

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... como se a regionalização fosse apenas uma fantasia ou uma figura de retórica. Ela não é isso, ela é indispensável à modernização do país, à descentralização da nossa Administração, ao reforço da vida democrática local, à melhor solução dos problemas nacionais. Estou convencido que os nossos autarcas também pensam assim e que a regionalização, à qual voltarei numa próxima oportunidade, vai ser uma das grandes prioridades e um dos grandes valores que os nossos autarcas vão concretizar durante o mandato que agora iniciam. Autarcas que, mais uma vez, saúdo com sinceridade em nome do Partido Socialista.

Aplausos do PS e da ASDL

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se durante a intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage os Srs. Deputados Veiga de Oliveira, Mário Tomé, Silva Marques, Carlos Robalo e Borges de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lage, muito rapidamente para que alguma da muita matéria que mereceria comentários nesta questão do poder local democrático possa caber nos três minutos que agora disponho.
Em primeiro lugar, naturalmente que nós também nos associamos às saudações e aos bons votos que faz embora saibamos que não basta saudar e fazer votos... O Sr. Deputado também sabe!
Em segundo lugar, e esta já é uma questão substancial, o problema das leis de enquadramento do poder local é, sem dúvida, um problema, mas há que dizer claramente o seguinte: as leis que existem, nomeadamente as leis de autonomia financeira (a Lei das Finanças Locais) são suficientemente inequívocas, e o que se tem passado é que os sucessivos governos não têm, por fraude à lei, aplicado a lei tal e qual ela devia ser aplicada. O Sr. Deputado sabe isso, o seu partido também o sabe até porque tem constantemente protestado todos os anos contra a aplicação que tem sido feita dessa lei.
Em terceiro lugar, as competências desta Assembleia (não no seu genérico) não foram exercidas até agora por má vontade dos partidos da AD que impediram a reaprovação - conforme podia ter sido - da lei que previa a separação entre as competências de investimento no que diz respeito ao poder local e ao poder central e que estabelecia normas que permitiriam desbloquear os investimentos do poder local. Portanto, não houve uma culpa da Assembleia em genérico mas sim dos partidos da AD, designadamente do PSD que na altura se opôs a que essa lei fosse para a frente.
O Sr. Deputado falou de regionalização e de cooperação entre os municípios. Mas como é isso possível com uma lei, um decreto-lei feito por um governo da AD, que atrás da cooperação intermunicipal vai tirar aos municípios a autonomia? O que é preciso é «limpar» o Governo e acabar com as leis iníquas que ele fez!
Quanto ao que disse acerca da regionalização nós estamos de acordo, estamos de acordo com a Constituição. Bastava isso, mas importa dizer que este Governo não encontrou ainda a oportunidade para levar a sua regionalização avante.
Devo lembrar que o projecto de proposta de lei que o MAI fez relativo a Lei Quadro das Regiões é perfeitamente inominável, vai até buscar o poder de tutela das autarquias, não ao artigo da Constituição em que esse poder de tutela é referido, mas sim ao artigo 201.º da Constituição em que se atribui naturalmente ao Governo o poder genérico de tutela sobre a administração directa, indirecta e autónoma do Estado. Isto é, assimila as autarquias, que são órgãos eleitos e de poder, como mera administração autónoma do Estado. Isto é inominável!
Para concluir, uma vez que também já tenho a «luz vermelha», e deixando muita coisa no saco, mas que ainda terei oportunidade de deitar cá para fora, gostaria de referir que o que importa, antes de tudo, é que este Governo e esta AD se vão embora, que se façam eleições gerais de maneira a permitir que o poder local possa funcionar autónoma, democrática e constitucionalmente, que se façam eleições para que seja possível, com o estabelecimento de um governo democrático e de uma política democrática, ao poder local democrático e constitucional funcionar em pleno como uma das mais importantes conquistas -é o de facto- da Revolução

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de Abril, uma das mais importantes conquistas democráticas do povo português depois do 25 de Abril.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Carlos Lage, não me associo à sua saudação porque a saudação que eu faço é apenas aos autarcas democratas, aos autarcas que foram eleitos e que estão dispostos...

Risos.

É óbvio que não vou saudar aqui os autarcas ao serviço dos caciques, dos latifundiários e de toda a reacção...

Risos.

Protestos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É assim mesmo!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Lage, é claro que só saúdo os autarcas democratas, aqueles que estão dispostos nas autarquias a defender minimamente os interesses democráticos do nosso povo.
Estes protestos que aqui se ouvem a uma afirmação tão clara e tão justa são também eles provocados pela atitude incorrigível de partidos que estão permanentemente em conciliação.
O Sr. Deputado, no seu discurso, dá a entender que nas autarquias é possível fazer uma política de unanimidade, é possível defender os interesses do povo representado nessas autarquias - melhor ou pior mas representado nessas autarquias - pondo todos os autarcas do CDS, do PSD e dos partidos democráticos de acordo entre si. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que isso é impossível, que é impossível conciliar os interesses dos caciques, daqueles que estão nas autarquias para melhor espezinharem o povo, daqueles que são a base da sustentação das arbitrariedades que se desenrolam por todo o pais fora, com os interesses do povo, que é impossível uma política de unanimidade nas autarquias, que é impossível levar a cabo a defesa dos interesses do povo quando os presidentes das juntas de freguesia e das câmaras só pensam nas «luvas» que vão receber, em defender os seus amigos, em utilizar os dinheiros das autarquias em benefício próprio, apesar das urgentes necessidades das populações.
É por estes motivos que eu saúdo os autarcas democratas que estão dispostos a defender os interesses do povo e é por isso que eu condeno a atitude permanente e incorrigível de alguns que tentam passar uma esponja por cima da luta profunda que existe neste país e que se reflecte aqui na própria desagregação da AD. A AD tem de se afundar, não se lhe pode dar a mão, tem de se mostrar claramente que a AD e os seus representantes nas autarquias estão ao serviço da exploração, estão ao serviço da repressão e não estão ao serviço das populações.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lage, a sua posição - como, aliás, tem acontecido outras vezes relativamente a matéria autárquica - é fundamentalmente demagógica. E eu explico porquê.
V. Ex.ª faz apelos genéricos ao apoio ao poder local - não há qualquer dúvida a esse respeito. Simplesmente VV. Ex.ªs quando se trata de concretizar ou não concretizam ou concretizam mal, isto é, criam ideias demagógicas relativamente à solução dos problemas.
V. Ex.ª, ao abordar a questão das finanças locais, diz que se há câmaras que estão hoje bastante endividadas não é por sua culpa, é por culpa das necessidades enormes que tinham. Bem, então se fôssemos por essa linha de raciocínio nós deveríamos, pura e simplesmente, considerar que as câmaras deveriam ter a totalidade do Orçamento Geral do Estado e, mesmo assim, decerto que não lhes chegaria para resolver essas dificuldades antigas e os anseios imensos das populações de verem solucionados os seus problemas.
Ora, é por isso que a sua posição é fundamentalmente demagógica, e repare que posso dar-lhe provas concretas dessa sua posição.
Quando discutimos aqui a duração do mandato dos autarcas, nós defendíamos o seu aumento de 3 para 4 anos. Os senhores diziam que éramos uns reaccionários, que não queríamos que houvesse eleições, que queríamos reduzir a intervenção do povo e que, portanto, a duração do mandato dos autarcas devia continuar a ser de 3 anos.
No entanto, nas reuniões dos vossos próprios autarcas preconizou-se o aumento da duração do mandato de 3 para 4 anos e eu tenho documentos que provam isso. Enfim, não sou um agente secreto mas chegam-me documentos das reuniões dos vossos autarcas.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Parece, pelo comportamento parece!

Vozes do PCP: - Nunca se sabe!

O Orador: - É verdade que nunca se sabe mas eu não digo que não.
De qualquer modo, todos os vossos autarcas têm dito nas reuniões que o mandato devia passar de 3 para 4 anos e, como se vê, as vossas posições aqui no Parlamento são fundamentalmente demagógicas quando abordam o problema autárquico.
V. Ex.ª disse que a regionalização é necessária. Sem dúvida que o é mas para já, independentemente dos comentários que possa merecer a proposta de lei de regionalização, a verdade é que nós fomos os primeiros, bem ou mal, a abrir um debate sobre o assunto.
Por outro lado, V. Ex.ª abordou um vector fundamental do progresso e da modernização da administração em Portugal, que é o intermunicipalismo. No entanto, esqueceu-se que se por acaso o actual Governo fez pouco, pelo menos foi neste aspecto que fez uma das coisas exactas, correctas e de pedra e cal, dando um apoio inequívoco ao intermunicipalismo. Basta-nos ver a quantidade de investimentos intermunicipais que estão em curso - alguns até já estão acabados e outros a iniciarem-se - de norte a sul do país, no quadro de apoio ao intermunicipalismo. E, inclusivamente, se quiser encarar as coisas desse ponto de vista, poder-se-á dizer que as autarquias estão a receber por essa razão, e com razão, um reforço de muitas centenas de milhares de contos em apoio aos seus investimentos estruturais.
Portanto, Sr. Deputado, pergunto qual foi o Governo que apoiou o intermunicipalismo com dinheiro, com

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linhas de crédito e com bonificações. Foi o Governo da AD, pois nenhum outro anteriormente o fez!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado Carlos Lage, quero dizer-lhe que se não tivesse procurado tirar efeitos políticos fáceis da sua intervenção, eu subscreveria quase a totalidade da mesma, até porque entendo que não é possível haver democracia, não é possível haver desenvolvimento económico-social, não é possível corrigir as disparidades existentes sem autarquias em bom funcionamento, autarquias capazes, claramente viradas para a resolução dos problemas locais.
Não tenho qualquer espécie de dúvida em dizer que a «malha» central não tem possibilidade de resolver os problemas locais, nem terá a sensibilidade para resolver esses problemas, seja ela qual for, perfilhe ela a ideologia que perfilhar.
E digo-lhe isto com a consciência clara de quem defende, de facto, há longos anos, a regionalização, a descentralização, e que não faz dela uma bandeira política para depois levar à centralização tout court, usando a descentralização apenas para efeitos políticos extremamente duvidosos.
Naturalmente que isto não se dirige ao Sr. Deputado Carlos Lage, mas dirige-se claramente a outras bancadas, designadamente à bancada do PCP.
Sr. Deputado Carlos Lage, o respeito que as autarquias me merecem leva-me a que levante alguns problemas.
As autarquias serão sempre o reflexo da situação económica do país, serão o reflexo das leis centrais deste país, designadamente de uma Lei das Finanças Locais, de que esta Assembleia é responsável porque ainda não conseguiu, de facto, uma lei capaz de dar resposta total às necessidades das autarquias.
Fala-se periodicamente - e este «periodicamente» refere-se ao período eleitoral - do roubo às autarquias locais como se efectivamente vivêssemos num país de gatunos. E eu diria que, efectivamente, quem muito fala em roubos muitas vezes devia estar calado.
Mas, relativamente ao processo de regionalização, é importante que se refira o esforço que foi feito, o muito que há a fazer e as dificuldades que há para o fazer.
O Sr. Deputado Carlos Lage com certeza não esquece a dificuldade que é a criação de uma nova freguesia e sabe que há um interesse atávico na manutenção de determinado espaço.
O Sr. Deputado Carlos Lage sabe que a autonomia autárquica é um valor secular e atávico também e decerto que sabe ainda da dificuldade que há em conjugar os interesses autárquicos com um interesse mais alargado, quer de populações quer territorial.
Mas tudo isto, Sr. Deputado, leva a um trabalho longo, que se desenvolve desde há muitos anos e relativamente ao qual terei que referir o mérito extraordinário - repito, extraordinário- do Ministério da Administração Interna, nomeadamente do Secretário de Estado da Administração Regional e Local, que produziu documentos extraordinariamente importantes para a regionalização deste país.
Simplesmente, procurou-se que essa regionalização fosse participada e eu quero dizer-lhe que, sendo a regionalização um problema de todos nós, um problema que tem uma ideologia limitada, essa mesma participação...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que abrevie as suas considerações, pois o seu tempo terminou.

O Orador: - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que me conceda mais alguns minutos porque me parece que o tema é importante e normalmente não abuso muito dos tempos que me são concedidos.

O Sr. Presidente: - Queira concluir as suas considerações, Sr. Deputado, mas peco-lhe que seja breve.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Carlos Lage sabe que isto requer uma participação extraordinariamente alargada e, nesse sentido, foi posta à discussão pública uma gama enorme de propostas, de soluções e de problemas para os quais se procurava efectivamente solução.
E aqui permita-me que lhe diga que, em termos de efeitos políticos, penso que a participação do PS - enquanto partido, enquanto grupo parlamentar, enquanto organizações regionais- foi extraordinariamente limitada. Aliás, quero ainda dizer-lhe que não conheço propostas alternativas.
Sr. Deputado Carlos Lage, penso que é ofender as autarquias, que é ofender a regionalização, proceder como, por exemplo, o PS fez, entregando neste Parlamento um projecto de decreto-lei em que criava várias regiões administrativas que tinham como interesse dominante o agrupamento de concelhos, tendo muitas vezes esses agrupamentos um cariz extraordinariamente duvidoso.
Assim, seria importante...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço a V. Ex.ª o favor de abreviar.

O Orador: - Sr. Presidente, vou demorar apenas mais um minuto e peço a V. Ex.ª que mo conceda. De qualquer modo, se V. Ex.ª assim o entender, termino já.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não quero, de maneira nenhuma, que V. Ex.ª termine já. Peço-lhe só o favor de abreviar visto que regimentalmente dispõe apenas de 3 minutos e embora a Mesa conceda sempre uma certa largueza, esta não pode ser ilimitada.

O Orador: - Agradeço a amabilidade da Mesa e vou concluir.

Lembro ao Sr. Deputado Carlos Lage as dificuldades que o PS viveu quando se preocupou com a regionalização, tema que abandonou enquanto Governo, porque não conseguiu conciliar o projecto de regionalização do Ministério da Administração Interna com as possibilidades do Ministério das Finanças e do Plano. E aqui pergunto-lhe: Sr. Deputado, qual é a proposta, qual é o interesse verdadeiro, efectivo, sem ser oportunisticamente político, que o PS tem para apresentar ao povo português com vista à criação das regiões administrativas e das regiões plano?

Aplausos do Sr. Deputado Borges de Carvalho (PPM).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

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O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço desculpa mas julgo que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira se tinha inscrito antes de mim para usar da palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Veiga de Oliveira fez um pedido de esclarecimento, para o qual se inscreveu em primeiro lugar, e penso que agora pediu a palavra em relação à intervenção do Sr. Deputado Carlos Robalo, pelo que falará depois de o Sr. Deputado Carlos Lage responder aos sucessivos pedidos de esclarecimento, ou melhor, às sucessivas intervenções que, a título de pedidos de esclarecimento, foram sendo feitas.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço desculpa da minha intromissão nos trabalhos da Mesa.

O Sr. Presidente: - A Mesa só agradece qualquer contribuição, porque ela é sempre valiosa. Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage, infelizmente, causou-me uma certa surpresa. A ela se aplica uma velha frase que diz que há coisas certas e coisas originais, simplesmente, na sua intervenção as certas não são originais e as originais não são certas.
De facto, V. Ex.ª refere-se - em termos que os seus proverbiais dotes oratórios justificam - ao poder local e à necessidade do seu reforço, refere-se à necessidade de associações de municípios para a prossecução dos interesses que lhes são próprios e traz-nos um discurso que subscrevemos na íntegra pois que, não sendo original, aborda questões que não é demais que se refiram, sobretudo pela forma bem dita e clara como V. Ex.ª o fez.
Portanto, quanto a essa parte, de qualquer forma, os meus parabéns e a minha subscrição das suas palavras.
Quanto ao resto, Sr. Deputado, infelizmente, V. Ex.ª depois disso fez uma diatribe contra a maioria e contra o Governo, que de todo não se justifica.
Assim, e antes de mais, colocava à sua consideração algo que se infere das suas próprias palavras: é que, de facto, em Portugal não há um fenómeno regionalizador de base. Se excluirmos o caso do Algarve - que, aliás, como V. Ex.ª deve estar recordado, apoiámos aqui aquando da revisão constitucional - não há, de facto, em Portugal um fenómeno regionalizador de base. O que há e continua a haver é um fenómeno municipalista de base que a todos nós compete reforçar e apoiar.
V. Ex.ª tece considerações sobre uma maioria e um Governo que foram a única maioria e o único Governo que - não só enquanto tal mas também enquanto partidos, que são 3 - fez as mais diversas propostas, pôs em discussão os mais diversos problemas, elaborou os mais diversos documentos - que podem ser discutíveis, e que o sejam! - mas foi, de facto, a única coligação de poder em Portugal que avançou propostas, que fez projectos, errados ou certos, e admito perfeitamente que VV. Ex.ªs os conteste. Aliás, o meu próprio partido tem uma proposta de regionalização que pôs à discussão de toda a gente, pois foi feita para ser discutida.
Foi esta maioria e este Governo que começaram, pela primeira vez, a aprofundar e a mexer neste fenómeno, a procurar pistas, soluções e caminhos para a regionalização em Portugal e é precisamente contra isto que V. Ex.ª vem tecer as suas considerações e lançar as suas diatribes!
Sr. Deputado Carlos Lage, quero dizer-lhe que isto me causa o maior desgosto. Que V. Ex.ª discuta a qualidade do que se produziu, muito bem; que V. Ex.ª atire para cima dos outros as faltas do seu próprio partido - que a este respeito não foi capaz de produzir fosse o que fosse de visível, ou se produziu alguma coisa isto está a uma distância enorme do esforço realizado pela Aliança Democrática - não se pode aceitar sem uma palavra de protesto!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage, se assim o desejar.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de me congratular com o facto de a minha intervenção ter dado oportunidade aos representantes de todos os grupos parlamentares...

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Merecia!

O Orador: - ...de falarem especificamente da vida autárquica, escapando, tal como disse no início da minha intervenção, a este tropismo para só comentar a crise geral e olvidar o aspecto marcante e fundamental que é o do próprio significado das eleições autárquicas para as autarquias em si.
A minha intervenção não visava ser polémica mas acabou por sê-lo, na medida em que alguns Srs. Deputados, embora sublinhassem a concordância fundamental com aquilo que eu disse, não deixaram de ripostar àquilo a que chamam diatribes, a alguns comentários e algumas apreciações que eu fiz, designadamente acerca da acção do Governo e da AD.
Nada disto traz surpresas, tudo é perfeitamente natural. No entanto, no início dos esclarecimentos que vou dar a cada deputado que mós solicitou, não quero deixar de sublinhar o essencial da minha intervenção, já que a fiz de improviso. Em primeiro lugar, tal como os Srs. Deputados compreenderam, saudei todos os autarcas, independentemente da sua proveniência partidária no momento em que estão a tomar posse por todo o país. O Sr. Deputado Mário Tomé não me acompanha nesta saudação que fiz a todos os autarcas - o que é natural - e apenas quer saudar os democratas progressitas democráticos de esquerda. Não quero fazer qualquer ironia, mas sob o ponto de vista intelectual e afectivo eu estou com esses autarcas pois estou convencido que são os melhores. Tal não significa, porém, que não reconheça a todos aqueles que foram democraticamente eleitos o seu valor, o seu papel e as aspirações que hão-de pôr no desempenho dos seus mandatos. Não devemos ser sectários em matéria política e muito menos numa questão deste teor.
Outro aspecto essencial da minha intervenção foi o ter assinalado que estas eleições autárquicas não só abriram uma grande crise nacional e, por conseguinte, geram uma reflexão sobre qual vai ser o nosso futuro - e sobre isso o meu partido já se pronunciou e eu não vou agora aqui repeti-lo -, mas também iniciam uma etapa qualitativamente diferente na nossa vida autárquica. Eu não disse que as autarquias se tinham caracterizado pela quantidade, por tentar fazer o maior número quanti-

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tativo de obras e de realizações, mas sim que essa preocupação foi essencial porque há carências seculares às quais as autarquias procuram dar resposta.
Agora há que, por um lado, optar pela qualidade, tentar encontrar as melhores soluções e, por outro lado, encontrar novos caminhos e novas fórmulas para a vida política nacional. E aí acentuei, repito, o protagonismo dos nossos municípios na vida nacional e a necessidade de contribuírem para uma reforma do país, do Estado e da nossa vida colectiva.
Até à data, tem-se falado muito na reforma municipal. Porém, creio que tem que se pensar na reforma do país através do município - esta é uma ideia em que penso que todos estarão de acordo.
Um dos aspectos que sublinhei foi o da necessidade de os municípios não viverem de costas voltadas uns para os outros e de não subestimarem - tal como aconteceu bastantes vezes - a cooperação intermunicipal, e daí partirem para a colaboração intermunicipal e para a criação de associações de municípios.
Uma outra ideia que foquei foi a da necessidade da regionalização, do seu relançamento, tendo os municípios um papel fundamental para que a regionalização se faça da base para o topo e não de um governo central e de uma elite central que, na minha opinião, não tem capacidade de se auto-reformar e apenas faz simulações no que diz respeito a essa matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estas são, entre outras, as questões fundamentais que levantei na minha breve intervenção.
Parece que sobre todas elas havia acordo. E, em relação às críticas que formulei ao Governo, só gostaria que me dissessem como é que eu não havia de fazer críticas ao Governo e à AD nesta matéria...
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira, e aqui começo por lhe responder, disse-me que o quadro legal estava nalguns casos já traçado e bem traçado. Estou de acordo com o Sr. Deputado, mas a verdade é que a Assembleia da República - e este foi outro aspecto que foquei na minha intervenção - deve uma homenagem aos autarcas. Essa homenagem consiste em tomar iniciativas, algumas das quais neste quadro actual são difíceis de concretizar. Reconheço que com a actual maioria parlamentar é difícil ou impossível elaborar algumas leis fundamentais que desenhem um quadro legal, correcto e profundo para a nossa vida autárquica.
Todavia, quando eu falei não estava a pensar que neste momento esta maioria vai desaparecer e que esta Assembleia vai ser dissolvida. Esta instituição permanece para além das dissoluções, para além das eleições que se fazem momento a momento, e é como instituição que permanece que aqui fiz o meu discurso. Nesse sentido, continuo a pensar que a nossa Assembleia da República tem que definir um quadro legal bastante claro, sistemático, aberto e inequívoco relativamente à nossa vida autárquica.
A Lei das Finanças Locais está correcta e nós também a apoiamos, mas tem sido desfigurada na sua interpretação pela AD. Mas o que eu assinalei, Sr. Deputado Veiga de Oliveira, foi a necessidade de descentralizar competências para os municípios e para as regiões. Ora, para descentralizar essas competências há que descentralizar também recursos e naturalmente que a Lei das Finanças Locais terá que ser revista nessa perspectiva da descentralização de competências para ser acompanhada da descentralização de recursos.
Há ainda outras leis fundamentais que a Assembleia da República tem que elaborar: são as leis das regiões administrativas; é a própria revisão da Lei das Competências das Autarquias; é a elaboração de um conjunto vastíssimo de legislação, alguma da qual está positivamente feita, mas também há que repensar fundamentalmente outras questões.
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira disse que o que importa é que esta AD se vá embora. Em relação a isso já lhe respondi: a instituição permanece e as preocupações que coloquei vão para além das próprias vicissitudes da nossa vida política e das eleições que se fazem nos prazos previstos ou daquelas que se têm que fazer quando as coligações governativas falham, como é, manifestamente, o caso.
O Sr. Deputado também disse que estava de acordo com aquilo que afirmei sobre a regionalização, mas que este Governo tinha uma concepção da regionalização que consistia em transformá-la numa espécie de dependência da própria Administração Central.
Estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado e sobre a regionalização voltarei a debruçar-me aqui um dia, e também irei responder a vários Srs. Deputados da maioria que quiseram insinuar que o Partido Socialista não tinha concepções claras sobre regionalização, o que é manifestamente falso e vou mostrar porquê.
O Sr. Deputado Silva Marques diz que a minha posição é fundamentalmente demagógica, mas o Sr. Deputado tem propensão para considerar demagógico tudo aquilo com que não está de acordo. Creio que, a certa altura, V. Ex.ª afirmou que não é um agente secreto. Também estou de acordo que não é um agente secreto, mas o senhor tem um pensamento secreto, um pensamento que tem uns mecanismos secretos que eu ainda não consegui distinguir inteiramente e, por vezes, o Sr. Deputado não é capaz de assinalar com um mínimo de rigor - o rigor que o senhor tanto invoca - o que há de justo e de aceitável nas intervenções dos seus interlocutores ou adversários, e pega sempre por um lado e por uma faceta que é por vezes secundária ou supérflua, mas à qual o senhor dá um relevo inusitado justamente porque a sua estrutura mental não é perfeitamente nítida para mim.
Quanto à questão do intermunicipalismo que a AD sempre defendeu e particularmente o partido do Sr. Deputado, e que o meu partido não defendeu, isso não faz sentido. O Partido Socialista apresentou aqui um projecto de lei-quadro da associação de municípios e até levou a sua abertura ao ponto de conjugar esforços com a própria proposta de lei governamental para termos uma lei-quadro da associação de municípios. Os autarcas socialistas por todo o país têm pugnado pelas associações de municípios e pelo intermunicipalismo e portanto não vejo como é que a sua contestação tem qualquer fundamento. Aliás, o senhor falou de uma forma abstracta e não precisou a sentença que formulou.
O Sr. Deputado Carlos Robalo disse que subscreveria a quase totalidade da minha intervenção se não fossem os efeitos políticos que tentei tirar. Naturalmente, o que aqui quero acentuar é o facto de o Sr. Deputado concordar com uma boa parte da minha intervenção. Também não esperava que V. Ex.ª concordasse com as críticas que formulei à AD e ao Governo nas ilações que tirei sobre a vida municipal e sobre o futuro dos nossos municípios.

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Porém, após esse preâmbulo cortês e simpático, o Sr. Deputado Carlos Robalo passou a referir que este Governo teve grandes méritos no capítulo da regionalização e particularmente o Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local; afirmou que a autonomia autárquica é secular, e a partir daqui disse que foram postos muitos documentos à discussão pública e que a nossa participação na discussão desses documentos foi exígua, quer no Parlamento quer no país.
Quanto ao facto de a autonomia autárquica ser secular, isso é evidente. A autonomia municipal no nosso país tem a defendê-la alguns dos melhores pensadores senão a nata dos pensadores, dos doutrinadores da nossa vida intelectual, e foi sempre uma reclamação das nossas populações. Não vale a pena estar aqui a fazer essa invocação, pois é desnecessária, mas estou inteiramente de acordo em que a nossa autonomia autárquica é fundamental.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Não sei se o Sr. Deputado entendeu que quando eu referi isso foi no sentido de fazer um elogio às autarquias.

O Orador: - Certo, Sr. Deputado. Eu só queria era deduzir daqui a minha ideia: é que autonomia autárquica não é, para mim, uma figura de retórica - e também penso que não é para o Sr. Deputado Carlos Robalo. E aqui a minha intervenção e o meu pensamento estruturam-se na ideia de que autonomia autárquica deve ser o instrumento de reforma do país e que os municípios devem protagonizar a nossa vida política e a reforma da nossa sociedade e da nossa vida pública.
Quanto ao problema da regionalização, devo dizer que, a certa altura, o Governo arrancou por todo o país a defender a regionalização numa cruzada um tanto, digamos, divertida, na medida em que se descolava do Terreiro do Paço, faziam-se reuniões por toda a parte, perorava-se sobre a regionalização, disseram-se até algumas coisas verdadeiras sobre a regionalização, elaboraram-se alguns documentos sobre os quais gostaria de me pronunciar, o que talvez não tenha possibilidade de fazer hoje, mas a certa altura caiu um silêncio absoluto sobre este período de demagogia à volta da regionalização. O governante saía do Terreiro do Paço, corria a Viseu, a Vila Real, ao Porto, dizia que a regionalização era precisa, que era imprescindível, essencial, e em determinado momento tombou uma cortina de silêncio sobre a regionalização - deixou de ser uma prioridade e passou a ser um zero, um vazio.
Ora, isso é inteiramente condenável porque se para o cidadão a regionalização aparece, a determinada altura, como sendo uma coisa muito importante, e se, a seguir, os governantes, de forma abrupta e inexplicável, esquecem a regionalização, a ideia pode entrar em desgaste ou em declínio. E digo-lhe mais, Sr. Deputado Carlos Robalo; estou convencido de que a elite dirigente, tradicionalmente sediada em Lisboa, não é capaz de realizar a regionalização.
Por isso, penso que é um processo da base para o topo e expliquei-lhe porquê: é que Lisboa tem sido crónica e historicamente centralista e dificilmente vai levar a regionalização à província. Aliás, a ousadia que aqui foi
cometida quando se iniciou o processo de regionalização podia ter consequências, ou seja, as elites e os grupos tradicionalmente implantados em Lisboa podiam começar a ver a perda do seu poder fundamental e tradicional e daí recuar abruptamente na regionalização. Naturalmente que esse poder tradicional instalado em Lisboa é aquele que o seu partido e a AD representam quer no sentido económico, como no social, como no político. Por isso eu entendo que a regionalização é um processo muito mais sério e muito mais profundo.
Nós já apresentámos alguns projectos de lei fundamentais sobre a regionalização. Lembro que o nosso projecto de lei das regiões-plano não è um projecto de região administrativa, mas sim de região-plano - importa não confundir. Foi um documento pioneiro, pode ser controverso, mas foi uma contribuição muito válida para a questão da descentralização e do descongestionamento dos serviços e das competências da Administração Central.
Mas já apresentámos um projecto de lei de região-piloto administrativa do Algarve. O primeiro projecto de lei efectivo de regionalização é sobre a região-piloto administrativa do Algarve, que foi apresentado por deputados socialistas do Algarve. Nós temos apresentado projectos de lei sobre associações de municípios, sobre variadíssimas matérias da vida autárquica e temo-nos pronunciado sempre a favor de uma regionalização autêntica do país e sobre a criação das regiões administrativas. Aliás, em todas as intervenções que tenho feito nesta Assembleia e que dizem respeito à vida local ou a problemas regionais, tenho-me pronunciado sempre pela criação de regiões administrativas porque acredito que no quadro da região são possíveis algumas políticas de desenvolvimento de combate às assimetrias de desenvolvimento regional, às desigualdades sociais.
Vou, pois, terminar as minhas respostas a pedidos de esclarecimento, agradecendo a todos os Srs. Deputados os comentários e as apreciações que fizeram em relação à minha intervenção.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de antes da ordem do dia. Estão inscritos ainda, para falar sobre este assunto, os Srs. Deputados Veiga de Oliveira, Silva Marques e Carlos Robalo. As inscrições ficam para a próxima reunião.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É para um protesto a palavras que considero ofensivas, por parte do Sr. Deputado Carlos Robalo e também para um protesto político, em relação a opiniões expressas pelo Sr. Deputado Carlos Lage. Em todo o caso, quero esclarecer que o protesto é formal e só não gosto de dizer isto porque, mesmo quanto à forma, não gosto de viciar a forma.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado fica inscrito e fará o protesto na próxima reunião, no período de antes da ordem do dia pois que já o ultrapassámos hoje.
Entramos assim, na primeira parte do período da ordem do dia que é a apresentação, pelo PCP, do projecto de lei n.º 387/II, sobre a Lei da Radiodifusão.

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Tem a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Projecto de Lei n.º 387/II, do PCP, relativo ao regime jurídico da radiodifusão foi apresentado nos últimos dias de 1982, um ano negro para a comunicação social em Portugal.
Foi o ano em que foi desencadeada a escandalosa operação governamental de tentativa de destruição da ANOP montada, assim o referia o ex-Presidente do CDS Freitas do Amaral, como primeiro teste da política de desnacionalizações que o demitido Governo da AD pretendia encetar. Para alcançar tal objectivo, como já aqui ficou provado, o Governo, e particularmente o Secretário de Estado José Alfaia, ao arrepio do seu próprio programa, lançou mão de expedientes ilegais, contratou serviços com uma agência privada que não existia e que ele próprio criou, tentou asfixiar economicamente a ANOP, ameaçou os trabalhadores com processos de despedimento colectivo, desviou criminosamente dinheiros públicos, destinados e orçamentados para uma empresa pública, canalizando-os para uma empresa privada.
Com esta operação o Governo tentava matar 2 coelhos de uma só cajadada: por um lado, acabava-se com uma empresa pública de comunicação social - a ANOP (à qual não havia conseguido impor uma política de manipulação desinformativa) e, por outro lado, subsidiava-se com dinheiros públicos uma empresa privada, criada pelo próprio Governo para propaganda da AD e do seu projecto político.
Esta operação fracassou, a ANOP resistiu e foi o Governo que ficou pelo caminho, tendo agora de responder pelos abusos de poder, de corrupção e ilegalidades em que se envolveu ao longo de todo o processo.
Neste começo de ano novo a ANOP continua, o Governo demitido e em mera gestão corrente tem não só de assegurar à agência as verbas necessárias ao seu funcionamento, como pôr fim às tentativas de concretizar o despedimento colectivo de trabalhadores da agência rejeitado pelo próprio Ministério do Trabalho.
Mas se em relação à ANOP se passou isto, na RTP/1982, o cenário não foi melhor. Ao longo de todo o ano transacto agudizou-se o rol de ilegalidades, de abusos do poder, de compadrios e de manipulações que vinham sendo praticados pelas administrações AD na RTP. Houve de tudo. Desde o tristemente célebre escândalo Topo Gigio do Sr. Rui Guedes, passando pelo chamado Jornal de Economia, pelos programas contratados a associações da AD sobre o processo de revisão constitucional... Tudo foi tentado para pôr a televisão pública ao serviço do Governo e dos seus interesses. Foi a sistemática marginalização dos partidos da oposição, a destruição do programa Informação/2, a transformação completa do Telejornal em Boletim de Notícias da AD e da propaganda imperialista, a imposição apressada (apesar da própria crise energética) de mais manipulação durante o período da manhã em vésperas de eleições autárquicas, a violação do código da publicidade e o recurso sistemático à publicidade oculta, o compadrio na contratação de serviços a empresas privadas para a produção de programas, mais promoções de amigos, acabando com o triste e medíocre espectáculo da noite das eleições autárquicas - que é em si mesmo a vergonha de qualquer estação emissora de TV e um monumento à incompetência.
Quanto à imprensa escrita continuaram por resolver os graves problemas sentidos pelos profissionais da informação e pelas empresas do sector, não foi respeitado o estatuto dos jornalistas, registaram-se graves agressões policiais a profissionais da comunicação social no exercício das suas funções, não foram solucionados os problemas da imprensa regional, nem tão pouco se registou qualquer simulacro de apoio aos órgãos de informação das comunidades de emigrantes. As tiragens continuam por controlar, as garantias de apoio não discriminatório estão por concretizar, a fiscalização dos meios de financiamento e da titularidade do capital social das empresas jornalísticas é inexistente, movem-se na sombra poderosos interesses económicos apostados na reconstrução dos empórios informativos que, conjuntamente com a censura, limitavam a liberdade de imprensa antes do 25 de Abril.
O ano de 1982, como já havia sucedido com anos anteriores de governação AD, deixa-nos uma triste herança cujas consequências é preciso enfrentar e resolver no ano que agora começa. O projecto do PCP é para isso mesmo um contributo significativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actividade das empresas de radiodifusão não escapou de igual modo ao quadro negro que descrevi muito brevemente. Pode mesmo dizer-se que o ano de 1982 ficou marcado pela ausência de qualquer iniciativa governamental que visasse pôr fim à indefinição do quadro jurídico em que, ano após ano, se vêm exercendo as actividades de radiodifusão.
A indefinição pesa, desde logo, fortemente na vida da empresa pública de radiodifusão e dos que nela trabalham.
São periodicamente reactivadas as tentativas de subtrair à RDP algumas das frequências que desde há muito vem utilizando. A empresa tem vindo a funcionar com estruturas provisórias cuja mutação frequente não tem obedecido a uma orientação clara e plenamente legitimada sobre os respectivos fins, objectivos e orgânica.
Na gestão corrente, desenvolvem-se, sem cobertura legal, projectos de reestruturação assentes numa abusiva distinção entre o carácter «público» do serviço prestado por certos canais e o carácter «comercial» do serviço prestado por outros igualmente pertencentes à empresa pública. No funcionamento dos serviços de informação reflecte-se inevitavelmente a indefinição legal e mantêm-se, ainda, muitas das sequelas vividas na empresa a partir de 1979. O direito de antena específico dos partidos de oposição, o direito de réplica política, bem como o direito de resposta dos cidadãos através da radiodifusão ainda não estão assegurados.
Em matéria de publicidade, atingido que foi um ponto de indiscritível acumulação de ilegalidades e situações obscuras, está-se ainda longe da reposição da legalidade, designadamente por falta de instrumentos legais ou pela não aplicação das existentes.
Quanto aos trabalhadores da empresa verifica-se o incumprimento das disposições legais que garantem os seus direitos e os das suas organizações representativas, mantém-se diversidade de regimes e vínculos contratuais, factor que se vem revelando fortemente lesivo dos direitos dos trabalhadores e tem surgido como mais um elemento impeditivo da elaboração do respectivo acordo colectivo de trabalho.
A situação económica e financeira da RDP e outro dos aspectos que se ressente fortemente da actual indefinição legal e estatutária. Continuam por estabelecer critérios

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seguros, objectivos e claros sobre questões tão importantes como as receitas próprias da empresa (designadamente as indemnizações compensatórias a que tem direito por parte do Estado), os precisos contornos da obrigação de prestação do serviço de radiodifusão, o regime das actividades complementares que a empresa pode e deve desenvolver, as relações internacionais que, com vantagem e economia de custos, deve promover.
Consciente desta indefinição legal e estatutária e dos prejuízos dela decorrentes para a RDP, o conselho de informação respectivo aprovou recentemente uma deliberação com recomendação no sentido da rápida alteração da situação actual, o que implica, designadamente, a aprovação no mais curto espaço de tempo de uma lei da radiodifusão.
Mas se tudo isto se passa no sector público, Srs. Deputados, não é menos preocupante o que se vem registando em relação ao exercício de actividades de radiodifusão por entidades privadas.
Ressalvado o caso conhecido da Rádio Renascença, está por assegurar a divulgação da propriedade e dos meios de financiamento de certas estações emissoras, pesando mesmo dúvidas nalguns casos sobre a legalidade das condições e moldes em que o respectivo funcionamento actualmente se processa. Continuam por esclarecer as exactas responsabilidades governamentais na evolução verificada no sector, designadamente os aumentos de potência dos centros emissores e o alargamento das redes. De igual modo se encontra por garantir a possibilidade de exercício dos direitos dos partidos políticos, das organizações sindicais e profissionais e dos próprios cidadãos perante as actuais estações emissoras não pertencentes ao sector público. Finalmente ignoram-se totalmente os resultados a que chegaram as comissões que o Governo encarregou de estudar "um programa de distribuição de frequências", sabendo-se, como se sabe, que há entidades que há muito tempo requereram a prestação de tais informações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consciente da necessidade de pôr cobro à indefinição reinante e de dar cumprimento às disposições constitucionais pertinentes, o Grupo Parlamentar do meu Partido apresentou há 2 anos, no início do ano de 1981, o projecto de Lei n.º 169/II.
Visava-se, já então, definir o quadro normativo para as actividades de radiodifusão no nosso país, partindo das disposições constitucionais aplicáveis, harmonizando as suas normas com o regime geral constante da Lei de Imprensa e tendo em linha de conta o trabalho realizado pela Assembleia da República, tentando dar corpo de lei a soluções obtidas por consenso no texto aqui aprovado em 1979, mas não promulgado. Os votos da maioria governamental não deixaram, porém, que o projecto fosse aprovado. Como dissemos na altura, as objecções de substância então aduzidas pelos partidos e deputados da AD justificariam, quando muito, um par de alterações na especialidade, para cuja consideração oportunamente manifestámos a nossa total disponibilidade. Mas «a questão fundamental» para as bancadas da maioria não era essa. Na altura o projecto foi considerado «inoportuno politicamente» dizia, então, o Sr. Deputado Nandim de Carvalho do PSD -actual Secretário de Estado do Turismo demitido- que e passo a citar «o Governo da Aliança Democrática acha-se a ultimar uma proposta de lei sobre a radiodifusão que certamente dará entrada no parlamento já no próximo mês de Maio. E como Governo responsável que é acha-se a elaborar uma proposta através de um processo amplo de consultas em que intervêm os vários interessados através de um grupo de trabalho» (p. 2210 do Diário da Assembleia da República, 1.ª série, de 2 de Maio de 1981).
Tais trabalhos de ultimação do tal Governo responsável, não vieram, porém, a ver a luz do dia, nem no decorrer do mês de Maio, Junho ou Julho, ou qualquer mês de 1981, nem no ano de 1982, e hoje passados que são 20 meses sobre a promessa então realizada continuamos sem ter qualquer proposta governamental sobre a matéria.
Outras iniciativas, designadamente do Partido Socialista, jazem nas gavetas dos serviços da Assembleia da República e revelam hoje desactualização decorrente do facto de não terem sofrido as adaptações tornadas necessárias pela Lei da Revisão Constitucional. Estamos certos de que não deixarão de ser trazidas à colação aquando do debate parlamentar do projecto de lei agora apresentado pelo PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabei de aludir à revisão constitucional e às suas indelicações. E, na verdade, se outras razões não houvesse as novas disposições constitucionais bastariam para tornar absolutamente inadiável a aprovação de uma lei da radiodifusão.
O artigo 38.º, n.º 8, da Constituição, passou a determinar que «as estações emissoras de radiodifusão só podem funcionar mediante licença a conferir nos termos da lei». Por outro lado o artigo 40.º, n.º 2, estabelece agora que «os partidos políticos representados na Assembleia da República e que não façam parte do Governo, têm direito, nos termos da lei, a [...] tempo de antena da radiodifusão [...] a ratear de acordo com a sua representatividade, de dimensão e duração e em tudo mais iguais aos concedidos ao Governo, bem como o direito de resposta, nos mesmos órgãos, às declarações políticas do Governo.
Acresce que a regulamentação do direito de antena nas estações emissoras privadas não sofreu qualquer alteração, tendo sido rejeitadas as propostas tendentes a isentá-las das correspondentes obrigações. Igualmente foram plenamente confirmados os princípios constitucionais fundamentais respeitantes à natureza do serviço público que caracteriza a radiodifusão no nosso ordenamento jurídico.
Urge, pois, Srs. Deputados, dar corpo legal a tais comandos constitucionais. E embora seja inquestionável que as disposições da lei fundamental referentes aos direitos dos partidos da oposição, designadamente o direito de réplica política e o direito de antena específico da oposição, são de aplicação directa e imediata, podendo ser livremente exercidos desde a entrada em vigor da lei da revisão constitucional, importa contribuir através da lei ordinária para que sejam mais rapidamente ultrapassadas quaisquer dificuldades na aplicação do novo regime constitucional.
Idêntica iniciativa tomámos em relação à televisão pelo que mesmo hoje vamos entregar na Mesa da Assembleia da República o correspondente Projecto de Lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na elaboração do articulado que agora se apresenta procurou-se acolher as principais sugestões e críticas formuladas no decorrer dos debates realizados em 1981, com excepção, obviamente, daqueles que, se aceites, se traduziriam em soluções sem cobertura constitucional ou contrárias às disposições resultantes da revisão da lei fundamental. Assim, Srs. Deputados:

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a) A radiodifusão surge definida como serviço público. Tal solução decorre da Constituição e representa uma importante garantia institucional da liberdade de informação e do pluralismo;
O projecto de lei da o devido relevo ao sector público da radiodifusão e prevê que o exercício das actividades de radiodifusão por parte de empresas não pertencentes ao sector público se efectue mediante licenças, em termos a definir por lei da Assembleia da República;
Visando delimitar o quadro em que deve processar-se a futura definição do regime de licenciamento e a programação da distribuição de frequências, o projecto consagra desde já os princípios da não discriminação e da igualdade de acesso, determinando que a futura lei especial deverá assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião;
b) São estabelecidos, por outro lado, os fins da radiodifusão, sendo de realçar o manifesto subaproveitamento a que tem estado sujeita para os efeitos educativos, estando por concretizar projectos de há muito anunciados de ensino à distância e de educação permanente através da radiodifusão;
Visa-se dar cumprimento às disposições constitucionais que determinam que cabe ao Estado, na realização da política de ensino, «garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo», bem como garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística» [artigo 74.º, n.º 3, alíneas c) e d), da Constituição!. De igual modo se pretende dar cumprimento à disposição constitucional que, com vista à democratização da cultura, obriga o Estado a incentivar e assegurar «o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, com a colaboração dos órgãos da comunicação social, colectividades de cultura e recreio, associações de defesa do património cultural, organizações populares de base e outros agentes culturais (artigo 73.º, n.º 3);
c) Quanto à fiscalização das actividades de radiodifusão, ela surge, nos termos constitucionais, distribuída por vários órgãos: a Assembleia da República, o Governo (em condições cuja delimitação rigorosa dependerá de lei especial), os tribunais, o Conselho da Comunicação Social e o Conselho de Imprensa;
d) Especial atenção foi dedicada à garantia da liberdade de expressão e informação, princípio que vale obviamente para todas as estações emissoras. Prevêem-se igualmente disposições tendentes à defesa da língua portuguesa e à produção de programas nacionais, bem como à divulgação de música de autores portugueses ou em língua portuguesa, domínio em que já existe legislação específica;
e) As disposições relativas à publicidade na radiodifusão visam pôr termo à situação de indefinição e de lei da selva actualmente existente. Definem-se tempos máximos de publicidade por horas de emissão e por canal exigindo-se que seja sempre assinalada através de indicativo inequívoco e estabelece-se que na empresa pública de radiodifusão não será transmitida publicidade em dois canais diferenciados de cobertura nacional, como unanimemente recomendou o Conselho de Informação para a RDP;
f) No que se refere à informação, procurou-se adequar à realidade específica da radiodifusão as normas constantes da lei de Imprensa e demais disposições legais que protegem os direitos dos jornalistas, hoje consagrados na Constituição, na sequência do respectivo processo de revisão;
g) Como se compreenderá, Srs. Deputados, não poderiam ser excessivamente minuciosas as normas relativas aos princípios de organização das empresas de radiodifusão. O quadro legal a aprovar destina-se tanto à RDP, E.P., como a empresas não pertencentes ao sector público pelo que o Projecto se circunscreve à delimitação das competências das direcções de programas e, aspecto inovador embora com paralelo em outros sectores, reconhece-se aos trabalhadores da empresa pública o direito de recusa de por algum modo participar em trabalhos que atentem contra a sua consciência profissional, ética ou religiosa;
h) Consagra-se, Srs. Deputados, o direito de antena para os partidos políticos e organizações sindicais e profissionais, bem como o direito dos cidadãos de resposta através da rádio. Na fixação dos tempos teve-se em conta a especificidade do meio radiodifusivo. O regime do direito de resposta é objecto de aperfeiçoamentos tendentes a conceder meios de apoios técnicos e garantias acrescidas aos cidadãos, designadamente em caso de recusa não justificada da emissão de resposta. Aproveitou-se, a experiência de aplicação do normativo similar constante da Lei de Televisão, não se deixando o acesso aos tribunais dependentes na prática do cumprimento ou incumprimento pelos conselhos competentes dos deveres que a lei lhes atribui como instância de primeiro recurso. Dá-se, ainda, cumprimento à disposição constitucional que consagrou, inovadoramente o direito de rectificação;
i) É estatuído nos termos que hoje decorrem da Constituição o direito de antena e o direito de réplica política dos partidos de oposição, com vista a que lhes seja devidamente atribuído em todas as empresas de radiodifusão, tempo de emissão idêntico ao que seja concedido ao Governo. Distingue-se como determina a lei fundamental, entre o direito de antena propriamente dito e os tempos de emissão a título de réplica, cuja emissão só terá fundamentos face a concretas declarações políticas do Governo, cuja noção se precisa, estabelecendo-se critérios para o rateio de tempo, mas deixando-se larga liberdade para a sua

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utilização separada, conjunta, simultânea, cumulada, por acordo entre os interessados;
k) São definidas as formas de responsabilidade e consagram-se regras penais e processuais que visam responder aos abusos e ao desrespeito das disposições consagradas na lei;
l) De igual modo, Srs. Deputados, se procurou garantir a instituição de instrumentos objectivos de avaliação dos níveis de audiência das estações de radiodifusão que permitam tornar transparentes as dimensões e repercussões da sua actividade, pondo fim à manipulação de habituais sondagens;
m) São criados o Museu Nacional da Rádio e a Fonoteca Nacional com o objectivo de conservar os registos sonoros de interesse nacional. A situação existente neste domínio tem vindo a constituir um atentado contra o património nacional do povo português e exige medidas prontas e eficazes de modo a preservar registos essenciais à elaboração da história recente do povo português como parte de um património de interesse universal. O interesse que os profissionais da rádio têm manifestado em relação a este problema faz supor que será possível congregar esforços rapidamente, inventariar, recolher e tornar acessíveis importantes peças hoje dispersas;
n) Especial atenção nos mereceu a definição de um conjunto de normas relativas aos trabalhadores da empresa pública de radiodifusão que visam permitir o desbloqueamento de impasses criados em torno da indefinição estatutária no tocante ao regime do pessoal da Radiodifusão Portuguesa, E.P.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que ora apresentamos deve ser entendido como uma base de trabalho para a elaboração de uma lei da radiodifusão. E bem importará que o trabalho para tal necessário comece desde já. Pela nossa parte manifestamos a nossa total disponibilidade para a consideração de propostas e sugestões das bancadas que se disponham a contribuir para que finalmente no nosso País haja uma lei da radiodifusão.
É que, aprovada a lei, por esta ou por uma nova Assembleia da República saída de eleições gerais antecipadas, haverá que regulamentá-la em aspectos essenciais, como sejam o regime de licenciamento do serviço público de radiodifusão, o exercício da actividade publicitária, o regime do ensino à distância, o regime de fiscalização da actividade de radiodifusão e o estatuto da RDP/EP.
Com a apresentação deste nosso projecto de lei da radiodifusão estamos certos de ter lançado um importante alerta e ter dado uma útil contribuição para a futura e urgente definição do conjunto dos normativos democráticos que devem reger as actividades da comunicação social no nosso País, para plena garantia da liberdade de expressão e dos direitos dos cidadãos.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns Srs. Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Ouvi com muita atenção a sua intervenção e li também interessado o projecto de lei que o Sr. Deputado acaba de apresentar. Penso que um dos méritos desse projecto é o poder adaptar-se ao preceituado constitucionalmente sobre a actividade da radiodifusão. E não me custa dizer, mesmo, que, nalguns casos, o projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista contém alguns aperfeiçoamentos importantes em relação ao projecto de lei já apresentado nesta Assembleia sobre a mesma matéria e da autoria do Partido Socialista.
No entanto, penso que o vosso projecto de lei não aborda directamente alguns pontos que neste momento me parecem mais importantes em relação ao exercício da actividade da radiodifusão, nomeadamente o problema da atribuição das licenças para o exercício da actividade de radiodifusão e o estatuto das empresas públicas de radiodifusão. Remete-se esse assunto para legislação posterior, embora eu considere isso suficientemente importante para já fazer parte da lei-quadro da actividade da radiodifusão. Por isso, dirijo ao Sr. Deputado Jorge Lemos algumas perguntas sobre essas matérias.
Para além dos critérios que apontou, genericamente, que outros devem existir para a atribuição das licenças de radiodifusão? A quem devem ser atribuídas essas licenças? Devem, por exemplo, ser atribuídas para o exercício de radiodifusão em onda média, ou apenas em frequência modulada? Deveremos caminhar para a liberalização das rádios locais, a exemplo do que existe hoje na Itália, França e na generalidade dos países da Europa?
Em relação ao estatuto das empresas públicas: não deverá a legislação básica, em matéria de radiodifusão, estipular o quadro geral das empresas públicas, democratizando as suas estruturas e garantindo a independência dessas mesmas empresas perante o Governo e a Administração Pública?
No meu entender, a lei da radiodifusão devia conter resposta para estas perguntas.
Assim, o Partido Socialista irá apresentar dentro de alguns dias uma alteração ao seu próprio projecto de lei da rádio contendo já algumas propostas para estas questões.
Em todo o caso, penso que é um debate que deveria começar imediatamente e, nesse contexto, pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lemos se o seu partido já estudou e encontrou resposta para este problema.

O Sr. Luís Patrão (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Em primeiro lugar, queria agradecer ao Sr. Deputado Arons de Carvalho as palavras que dirigiu ao meu grupo parlamentar, relativamente à nossa iniciativa quanto à lei da radiodifusão.
Como tive oportunidade de dizer na minha intervenção, a existência de um conjunto de normas que permitissem definir e enquadrar a actividade da radiodifusão não poderia ser aguardada por mais tempo.
Sabemos dos prejuízos, unanimemente reconhecidos, que têm resultado desta indefinição legal e tentámos, chamemos-lhe assim, dar o pontapé de saída para a resolução do problema.

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O Sr. Deputado Árons de Carvalho coloca-me, fundamentalmente, duas questões, sendo a primeira relativa aos critérios para a atribuição de licenças de radiodifusão, perguntando porquê o grupo parlamentar do PCP não teria ido mais longe na definição desses mesmos critérios.
Sr. Deputado Árons de Carvalho, entendemos que para a elaboração de uma lei sobre esta matéria são necessários dados e um debate bastante alargado para termos a noção exacta de todas as implicações do problema. Dai, o facto de termos entendido que se deveriam fixar, apenas, condições e garantias para que não houvesse qualquer tipo de discriminação na concessão de licenças de radiodifusão e fossem tidos em conta os princípios constitucionais relativos à comunicação social e à informação, como sejam o de garantir e assegurar o confronto das diversas correntes de opinião.
Quanto às licenças para onda média, o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, que o quadro existente está praticamente superlotado. Quanto a FM ou rádios locais, creio que isso merecerá um debate posterior. Nós próprios estamos, também, a considerar o problema e com as soluções que o Partido Socialista, eventualmente, venha a adiantar certamente será possível conseguirmos chegar a uma base de entendimento e a um consenso.
Relativamente ao estatuto da RDP, ou se quiser, relativamente às normas legais respeitantes às empresas públicas de radiodifusão - no caso vertente apenas existe uma, e eu referi-me sempre ao estatuto da Radiodifusão Portuguesa - nós entendemos que é um diploma que não será difícil de aprovar. Temos, aliás, a experiência de nesta Assembleia se ter já aprovado um estatuto da RDP.
Acontece que, em nosso entendimento, esse diploma deve ser autónomo. Daí, o facto de nós termos consagrado neste projecto de lei disposições genéricas relativas à Empresa Pública da Radiodifusão - creio que teve oportunidade de as considerar -, mas de nos termos reservado para um diploma especial, que poderá resultar de iniciativa governamental ou dos deputados. Nós próprios estamos a considerar a hipótese de apresentarmos depois um projecto de lei sobre o estatuto da RDP.
No caso de o Partido Socialista entender avançar com uma tal iniciativa legislativa, pois, terá o nosso apoio e a nossa contribuição para serem encontradas as melhores soluções..

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado, ouvi atentamente a apresentação do projecto de lei com o qual, na generalidade, estamos de acordo.
V. Ex.ª traçou um quadro bem negro da situação da comunicação social, a qual todos os dias tem uma novidade. Hoje, por exemplo, temos a nomeação do Sr. Engenheiro Macedo Cunha para presidente da Radiotelevisão Portuguesa. Isso seria uma coisa normal no Governo da AD. Acontece, porém - e é para recordar, Sr. Deputado - que o Sr. Engenheiro Macedo Cunha é, apenas, o homem forte da destruição da ANOP, ou seja, o homem de quem José Alfaia se serviu para destruir completamente a ANOP.
Pergunto que garantias iremos ter com a substituição de Proença de Carvalho, de triste memória, por uma outra personalidade que, à partida, nos traz um curriculum desta natureza.
Em relação ao projecto de lei que V. Ex.ª apresentou, tenho algumas dúvidas, as quais se centram principalmente na concessão de frequências.
Tenho dúvidas de que a concessão de frequência de onda média esteja superlotada. No entanto, gostava de saber como é que considera a concessão de frequências a cooperativas de trabalhadores, ou seja, jornalistas e técnicos. Sabemos que há pedidos de cooperativas que aguardam há anos autorização, enquanto que, por exemplo, a Rádio Renascença está agora a montar 10 novas frequências em todo o país e um poderoso posto emissor em Muge com 100 Kws que até já criou problemas internacionais, sobretudo, no Norte da Europa.
Também gostaria que me dissesse a sua opinião sobre certos casos absurdos, para não chamar irregularidades, como o que se passou com a ex-Rádio Polo Norte, actual Rádio Centro, que pediu o alargamento da sua frequência de 0,5 Kws para 3 frequências de 5 Kws. Com essa autorização, tem a possibilidade de colocar 3 novos postos: 1 no Caramulo, onde já tem 1, possivelmente outro em Lisboa e outro, ainda, aonde a entidade privada proprietária dessa rádio entender ser localização útil, em termos eleitorais e políticos.
Resta acrescentar, Srs. Deputados, que o presidente da assembleia geral dessa Rádio Polo Norte é o Sr. Dr. Freitas do Amaral, ex-Presidente do CDS.
Enquanto havia dezenas de pedidos formulados por cooperativas de trabalhadores e por outras entidades interessadas em frequências, facilitavam 10 novos postos à Rádio Renascença e este posto à Rádio Polo Norte. A lei invocada para solicitar essas autorizações é a mesma que as cooperativas de trabalhadores invocaram, que é a de 1969, e, no entanto, dá-se prioridade a este tipo de situações em detrimento de outras.
V. Ex.ª diz que futuramente se criará uma nova lei para regulamentar esta concessão. Creio que isso é um pouco vago. Gostaria que V. Ex.ª me desse uma explicação mais concreta sobre este assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, gostava de dizer, em primeiro lugar, que subscrevo por completo as palavras proferidas pelo Sr. Deputado do MDP/CDE, Corregedor da Fonseca.
Gostaria de chamar à atenção, já que o problema foi chamado à colação, de curiosamente ter sido nomeado para presidente do conselho de gerência da RTP precisamente a pessoa que mais se mexeu para a criação da nova agência noticiosa NP, e que foi o presidente da comissão instaladora dessa mesma agência.
Certamente que não é por acaso que ele vai para a televisão, já que não tendo ainda o visto do Tribunal de Contas, quem está a pagar as receitas da NP e quem lhe está a ceder as instalações é a Radiotelevisão. Assim, o mesmo homem despacha o dinheiro num sentido e no outro.
Quanto à questão das frequências, Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, estou também de acordo com o que V. Ex.ª acaba de referir. Simplesmente, como compreende, há dados que estão pedidos ao Governo pelo meu grupo parlamentar há mais de dois anos e sobre os quais o Governo ainda nada nos disse. Dados fundamentais precisamente para se poder elaborar uma

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lei que contemple os pedidos actualmente existentes e os eventuais futuros pedidos. Esses esclarecimentos são fundamentais.
Também achamos estranho que apenas estações de rádio conotadas ou dirigidas por personalidades da actual maioria sejam autorizadas a aumentar a potência ou a instalar novos emissores.
Aproveitava, já agora, para lhe referir também o caso da Rádio Altitude que, juntamente com os casos que referiu, é de igual modo um escândalo a que o CDS também se não pode furtar em matéria de radiodifusão.
Portanto, Sr. Deputado Corregedor da Fonseca queria dizer-lhe que estamos a tempo de, em conjunto, completar o actual projecto de lei do Partido Comunista Português com as normas relativas à concessão de frequências. Aliás, estamos obrigados a isso pelo próprio texto constitucional.
Na minha intervenção, manifestei a disponibilidade do meu grupo parlamentar em, conjuntamente com outros partidos - e bom seria, inclusivamente, que pudesse ser um projecto conjunto -, se debruçar sobre esta matéria.
De momento, é o que posso dizer-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, passamos agora à segunda parte da nossa ordem de trabalhos de hoje, cujo primeiro ponto diz respeito às ratificações n.ºs 224/II (PCP) e 226/II (PS) relativas ao Decreto-Lei n.º 463-A/82, que revogou disposições do Decreto-Lei n.º 724/74, de 13 de Dezembro, estatuindo que os montantes dos subsídios de Natal atribuíveis aos pensionistas de invalidez, velhice e sobrevivência dos regimes contributivos da segurança social serão estabelecidos nos diplomas de actualização das pensões respectivas para o período em que se aplicam.
Srs. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ratificação que hoje vamos discutir é sem dúvida uma das mais originais alguma vez debatida nesta Assembleia. Que me lembre, nunca até agora qualquer grupo parlamentar fora forçado a redigir um requerimento de sujeição a ratificação para fiscalizar um decreto-lei publicado sob 2 números diferentes em datas diferentes e distribuído em datas também distintas. Estranho requerimento!
A Mesa da Assembleia da República imediatamente despachou atribuindo não 2 números mas um só número a esta ratificação de 2 decretos-lei. Agindo assim, a Mesa da Assembleia da República procedeu com acerto regimental. É caso para perguntar como foi possível esta estranha situação.
Para impedir que os reformados recebessem o subsídio de Natal de montante idêntico ao da pensão de Dezembro (e logo com o pequeno aumento este ano fixado), o Governo não hesitou em recorrer a processos e expedientes jurídicos claramente fraudulentos.
Desde o 25 de Abril que os reformados e pensionistas conquistaram o direito ao subsídio de Natal e a que esse subsídio fosse de montante idêntico ao da reforma do mês de Dezembro.
O subsídio de Natal dos reformados foi criado em 1974, através do Decreto-Lei n.º 724/74, de 13 de Dezembro, que estabeleceu expressamente que o subsídio a conceder aos reformados em Dezembro é de valor igual à pensão mensal a que tinham direito em 1 desse mês. Ninguém ousara até agora pôr em causa este princípio!
No entanto, no dia 30 de Novembro, através de um mero decreto regulamentar e em violação flagrante da lei em vigor, o Governo de Pinto Balsemão estabeleceu que em 1982, o 13.º mês dos reformados seria de montante idêntico não ao da pensão do mês de Dezembro, mas à do mês de Novembro, isto é: sem aumento.
A ilegalidade é patente: o Governo vinha em 30 de Novembro, alterar por decreto regulamentar uma disposição legal contida num decreto-lei.
Num claro reconhecimento da ilegalidade, 2 dias depois, era publicado um decreto-lei com o n.º 464/82, revogando neste ponto o diploma de 1974 que garantia os direitos dos reformados.

Uma voz do PCP: - Que escândalo!

A Oradora: - A emenda era, porém, tardia e ineficaz. Um decreto-lei publicado a 2 de Dezembro, não podia obviamente sanar a ilegalidade de um decreto regulamentar de 2 dias antes, pois não tinha efeitos retroactivos.
Acontece então o mais espantoso: para encobrir a ilegalidade, o Governo resolveu manipular o Diário da República. Assim, no dia 7 de Dezembro, faz distribuir um suplemento ao Diário da República, de 30 de Novembro, com essa data, em que sob o n.º 463-A/82, sublinho 463-A, reproduz exactamente o conteúdo do diploma que publicara em 2 de Dezembro, sob o n.º 464/82. É uma pura e simples falsificação.
No entanto, é também uma falsificação profundamente incompetente, bem à altura do Governo demitido da AD. Como é sabido depende da efectiva distribuição do Diário da República, a produção de efeitos dos diplomas que aí devem ser insertos. Ora a distribuição do suplemento referido fez-se a 7 de Dezembro, não tendo ficado sanada, pois, a ilegalidade de que enfermava e continua a enfermar o Decreto Regulamentar n.º 92/82.
Aliás, poucos dias depois na entrega na Assembleia da República do pedido de ratificação apresentado pelo PCP, nas condições estranhas que acabei de referir, surgia nas páginas do Diário da República, um pequeno aviso a que muitos não terão prestado atenção. Nele se advertia que ficava anulado e sem efeito o diploma publicado em 2 de Dezembro, sob o n.º 464/82.
Foi assim, portanto, que o próprio Partido Socialista foi levado a sujeitar a ratificação um decreto-lei anulado e sob cujo número figura actualmente no Diário da República, não o 13.º mês dos reformados mas sim o Estatuto do Gestor Público (que aliás o PS também sujeitou a ratificação).
É óbvio que o PS pretendeu sujeitar a ratificação o Decreto-Lei n.º 463-A/82, que estatui que os montantes dos subsídios de Natal atribuíveis aos pensionistas de invalidez, velhice e sobrevivência dos regimes contributivos de segurança social que serão estabelecidos nos diplomas de actualização das pensões respectivas para o período a que se aplica.
Este facto, todavia, só sublinha ainda mais o carácter aberrante da situação gerada pelo procedimento governamental.
É claro que toda esta manipulação do Diário da República por parte do Governo AD, além de ser um escândalo no regime democrático-constitucional em que

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nos inserimos, é ineficaz e deixa por sanar a ilegalidade cometida.
Os subsídios de Natal, no cumprimento estrito da lei, deviam ter sido pagos com montante idêntico ao do mês de Dezembro, isto é, com o respectivo aumento.
Se o recurso a manigâncias ilegais inqualificáveis é só por si ilustrativo dos métodos e da natureza da AD no Governo, é importante que aqui apreciemos os porquês dos factos que denunciamos. Tudo isto foi feito, pura e simplesmente, para o Governo roubar ao 13.º mês dos reformados o pequeno aumento decretado no passado mês de Dezembro, isto é, na véspera das eleições.
Se centenas de escudos retirados a cada reformado podem parecer coisa insignificante aos Srs. Deputados da AD (mais 500, menos 500$!), face às miseráveis pensões de reforma da esmagadora maioria dos pensionistas, isso traduz-se num duro golpe em condições de vida extremamente difíceis.
As ilegalidades cometidas pelo demitido Governo AD seriam suficiente razão para o PCP tomar a iniciativa desta ratificação, mas a injustiça profunda que ela significa para mais de 1 600 000 reformados é a razão fundamental que nos moveu. Não podemos aceitar e seria sobremaneira grave que esta Assembleia e a sua precária maioria aceitassem a injustiça decorrente da trapaça jurídica que acabamos de denunciar.
Vale a pena, aliás, examinar mais profundamente a política seguida neste campo pelo Governo demitido, Governo da AD, face aos reformados portugueses. É que a atitude que um Governo assume perante o sector idoso da população (que é sem dúvida um dos sectores mais carenciados) é bem significativa para avaliarmos ao serviço de que interesses se encontra esse Governo.
A crise política que o país hoje atravessa não é apenas resultado da incompetência e da inépcia de uns tantos governantes, mas sim consequência da política que vem sendo imposta pela AD. O que hoje aqui estamos a apreciar é disso mesmo um claro exemplo.
O Governo da AD, em vésperas de eleições, publica o Decreto Regulamentar n.º 92/82, que exactamente consagra aumentos das pensões de reforma, aumentos esses na propaganda veiculada através dos órgãos de comunicação social da AD seria de 17%. No entanto, a realidade é que os aumentos vão de 15 a 19% e que mais de 60% das pensões de reforma (isto é, todas as de mais baixo valor) são aumentadas em apenas 15%. Aí está o que se chama manipulação estatística: faz-se a média das percentagens de aumentos desiguais e escamoteia-se a realidade do número de pensionistas abrangidos pelos diversos tipos de aumentos.
Mas ainda mais grave é que as percentagens dos aumentos, sejam de 15% ou 19%, fica muito longe da taxa oficial de inflação, que foi de 23% e mais ainda da inflação real. Todos nos lembramos que uma das promessas eleitorais que a AD fez aos reformados e que constam do seu programa do Governo é a anualidade da actualização das pensões de reforma, de acordo com a taxa de inflação. Mas, não só não o fez, e com isso os reformados perdem poder de compra - se é que de poder de compra se pode falar a propósito dos reformados - como são as pensões mais baixas que recebem os aumentos mais baixos. Como há dias me dizia amargamente um reformado: «não se fazem compras com percentagens!». E cada vez estas pensões de reforma dão menos para assegurar níveis elementares de sobrevivência dos pensionistas...
Mas os princípios em que assenta a política governamental neste domínio, e que tem sido largamente propagandeados pelos respectivos Ministro e Secretário de Estado do Governo demitido, representam um retrocesso, o regresso às concepções de previdência que vigoraram sob o fascismo, em violação dos princípios de segurança social, constitucionalmente consagrados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É assim que o Ministro e o Secretário de Estado falam cada vez mais em fazer depender as pensões de reforma do respectivo valor contributivo e estão completamente à margem da sua orientação os princípios de solidariedade social, que constam da Constituição da República. Tal política seria em si mesma sempre geradora de grandes injustiças sociais, mas no caso português é-o muito mais. Milhões de portugueses nunca descontaram para a Previdência ou só o vieram a fazer recentemente, porque não existiam regimes que os abrangessem antes do 25 de Abril.
É pois escandaloso que o valor da pensão mínima não tenha sido mexida em 1982 - o que contraria os princípios estabelecidos pela OIT - e tenha sido mantido em 4500$. Mas não fica por aqui o decreto de aumento das pensões de reforma. Ao contrário do que sempre sucedeu, o Governo excluiu do aumento todos os reformados que se reformaram a partir de l de Janeiro de 1982. Para estes a pensão de reforma ficará com o mesmo quantitativo em 1983, vigorando pois, em muitos casos, durante 2 anos, se entretanto a AD não for corrida do Governo.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

A Oradora: - Também pela primeira vez desde a respectiva instituição, não foi aumentado o subsídio de grande inválido, que depois de ter estado durante anos indexado ao salário mínimo nacional, passou a ser, pela mão da AD, indexado ao valor das pensões de reforma. E agora, Srs. Deputados, que vai suceder aos grandes inválidos, uma vez que o Governo Balsemão não só não aumentou o valor do subsídio a que têm direito os actuais beneficiários como está a bloquear o processamento dos novos pedidos de subsídio, retirando mesmo o subsídio a alguns grandes inválidos que por direito já o tinham e mandando-os repor os quantitativos que entretanto receberam?
O Decreto Regulamentar n.º 92/82, gera porém outras profundas injustiças que chegariam a assumir os foros do ridículo, se não fossem extremamente graves. Por exemplo, a pensão de sobrevivência vê o seu valor reduzido, em vez de aumentado. As pensões de sobrevivência são, como muitos os Srs. Deputados sabem, as pensões recebidas fundamentalmente pelas viúvas. Desde o Governo de Maria de Lurdes Pintasilgo que a pensão mínima de sobrevivência, isto é de viuvez, dos rurais era igual à pensão de invalidez e velhice. Em 1981, a AD fez a primeira diferenciação lesiva dos direitos das viúvas: aumentou o regime transitório, isto é, não contributivo, para 2800$ e o regime regulamentar, o contributivo, para 2900$. Entre um e outro uma diferença, pois, de 100$ mensais. Foi assim quebrado o princípio da pensão de sobrevivência ser igual à pensão de invalidez. Mas em 1982 a AD vai mais longe e baixa o seu valor. O Decreto Regulamentar n.º 92/82, estabelece que a pensão de viuvez passa a ser apenas de 60% da pensão

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do falecido, isto é 1980$, em vez dos 2040$ decorrentes desse princípio da igualdade.
E tudo isto, toda esta injustiça em relação aos mais desprotegidos de todos, tudo isto para quê?! Para poupar porventura alguns milhões de contos necessários para boas obras? Não, Srs. Deputados! Somando uma a uma as quantias retiradas às mulheres que enviuvaram durante 1982, são estas as mais atingidas, o Governo arrecadará no máximo 18 000 contos. E isto é tanto mais chocante quanto o país pôde assistir, nas vésperas das eleições, à divulgação através da televisão e dos jornais, por toda a parte de caríssimos anúncios, propagandeando o minguado aumento das pensões de reforma.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - Quantos milhares de contos gastou o Governo nesses anúncios que não beneficiaram ninguém, que foram pura e simples propaganda eleitoral da AD, paga com os dinheiros públicos?!

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP e de alguns Srs. Deputados do PS.

E como qualificar se não como ilegítimo, imoral e ilegal, o procedimento de um Governo que gasta milhares de contos em anúncios de aumentos que são processados automaticamente pelos serviços - sem que seja preciso que os beneficiários os requeiram por isso é pura e simples propaganda eleitoral - e nada faz para dar a conhecer aos cidadãos os seus direitos, naqueles casos em que precisamente só podem vê-los garantidos se o requererem pela forma legal que tantas vezes ignoram e dentro de prazos que demasiadas vezes decorrem sem que disso os interessados tenham conhecimento! Só que nestes casos, como as pessoas não conhecem os seus direitos, não se ganham nem se perdem votos e o Governo defrauda correndo poucos riscos. O outro caso é propaganda eleitoral partidária, financiada pelos dinheiros da segurança social...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Regressemos porém ao objecto central do nosso debate de hoje - o 13.º mês dos reformados. Ao atribuir aos reformados um 13.º mês sem aumento, o Governo vibrou um escandaloso golpe nos seus direitos. Isto é absolutamente inegável. Mas com isso que fundos deixaram de sair dos cofres da segurança social? O total não andará longe de 1 200 000 contos. Que poupança num Governo que se propôs oferecer de mão beijada, a título de indemnização por conta das nacionalizações, mais de 200 milhões de contos aos responsáveis pela mais extrema exploração dos trabalhadores portugueses!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É a política de classe!

A Oradora: - No regime dos rurais - o chamado regime especial dos rurais - que tiveram 500$ de aumento - e são cerca de seiscentos mil - as economias governamentais atingirão os 370 000 contos. Na pensão social, cujo aumento é também de 500$, o Governo terá arrecadado cerca de 40 000 contos. Na pensão de sobrevivência do regime geral, cerca de 120 000 contos e na dos rurais, as das viúvas dos rurais, o Governo conseguiu não pagar cerca de 3800 contos. Nas reformas do regime geral a verba arrecadada cifra-se em cerca de 700 000 contos.
É pois profundamente injusta a situação criada pelo Governo e está nas mãos da Assembleia da República repor não direi a justiça para os reformados - que essa com a AD aqui em maioria não é possível - mas, pelo menos, não consagrar a ilegalidade, não premiar a fraude grosseira através da qual foi consumado o roubo do 13.º mês dos reformados portugueses. E por isso o Grupo Parlamentar do PCP sujeitou a ratificação o diploma governamental e pronuncia-se pela recusa de ratificação. Nos termos constitucionais, dessa recusa de ratificação não decorre qualquer vazio legal, mas a reposição do Decreto-Lei n.º 724/74, de 13 de Dezembro, isto é a reafirmação da obrigação de pagamento aos reformados de um 13.º mês, de montante idêntico ao do mês de Dezembro. A Secretaria de Estado da Segurança Social deverá então mandar processar os quantitativos agora indevidamente retidos, saldando o débito que tem para com os reformados portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Esta é quanto a nós a única atitude justa que a Assembleia da República pode e deve tomar. Por isso a propomos, por isso a defenderemos através de todos os meios constitucionais e regimentais.
Mais uma vez por iniciativa do PCP os reformados verão aqui discutidos os seus problemas. Poderão julgar de quem os defende e quem dá cobertura aos atentados contra os seus direitos.
Em 1982 - ano internacionalmente consagrado aos idosos e em que se multiplicaram as iniciativas internacionais e em numerosos estados democráticos no sentido de assegurar aos idosos os seus direitos, uma vida digna - em Portugal, com a AD no Governo não só nada de positivo foi feito em qualquer domínio - inclusive no da sensibilização da população - como ainda toda a política do Governo demitido foi no sentido de restringir os magros direitos que os idosos conquistaram.
É preciso que 1983 seja, também para os reformados, um ano novo, de mudança e de esperança.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e do Sr. Deputado António Arnaut (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há pedidos de esclarecimento relativos à intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra, dou a palavra ao Sr. Deputado António Arnaut, também para uma intervenção.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas duas breves palavras para marcar a posição do Partido Socialista sobre esta matéria que, se não fosse dramática, seria hilariante, a fazer lembrar Chicago dos anos 30 ou uma qualquer república das bananas.
Como os Srs. Deputados sabem, o subsídio de Natal para os reformados, foi criado pela primeira vez por um decreto de 1974, o Decreto n.º 724/74, de 13 de Dezembro, da autoria da então Ministro dos Assuntos Sociais, Engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo. Nos termos daquele diploma, o subsídio de Natal devia ser concedido em Dezembro, e por valor igual à pensão mensal a que os reformados tivessem direito no dia 1 de Dezembro. E sempre os Governos cumpriram este preceito.

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Porém, o actual Governo, através do Decreto Regulamentar n.º 92/82, de 30 de Dezembro, alterou aquela situação estabelecendo uma norma transitória, o artigo 15.º, que diz assim: «o 13.º mês será, em 1982, de valor correspondente às pensões atribuídas até 30 de Novembro daquele ano». Como as pensões são actualizadas em Dezembro, conclui-se que o Governo da AD quis retirar aos reformados um direito social conquistado em 1974. Isto é, em vez de pagar aos reformados o subsidio de Natal já actualizado, pagaria apenas o montante em vigor no mês anterior, subtraindo, portanto, o montante da actualização.
Trata-se, como os Srs. Deputados compreenderão, de uma medida injusta que diminui consideravelmente as regalias sociais já obtidas e, até, a legítima expectativa criada aos reformados pelo diploma de 1974. E isto é, sem dúvida, uma defraudação inadmissível.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - Mas para além de esta medida ser injusta, ela é, também, ilegal como os Srs. Deputados facilmente compreenderão. É que, um decreto regulamentar não pode revogar disposições da lei geral.
A norma transitória do decreto regulamentar que citei, viola, por isso, frontalmente, o Decreto-Lei n.º 724/74. Foi, certamente, por se ter apercebido desta grosseira ilegalidade, deste verdadeiro escândalo, que o Governo fez publicar em 2 de Dezembro, o Decreto-Lei n.º 464/82, que estabelece no seu artigo único que o montante do subsídio de Natal não será inferior às pensões em vigor «antes do inicio da vigência de cada diploma de actualização de pensões». Quer dizer, o Governo veio com este decreto revogar a norma do diploma de 1974, que obrigava a que o subsídio de Natal fosse igual à pensão vencida em 1 de Dezembro. Só que, Srs. Deputados, a ilegalidade manteve-se pois, um decreto de 2 de Dezembro, não pode aplicar-se a situações e a direitos imputados e consolidados em data anterior, visto que o subsídio de Natal se vencia em 1 de Dezembro.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, isto é, como sabem, o princípio da não retroactividade das leis que está consagrado no n.º 3 do artigo 18.º da Constituição.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas o escândalo não ficou por aqui. Continuando a chafurdar nas águas turvas da ilegalidade e reconhecendo, porventura, o beco sem saída em que se tinha metido, o Governo lança mão de um artifício bacoco, anulando - como disse a Sr.ª Deputada Zita Seabra - através de um aviso, o Decreto-Lei n.º 464/82, e fazendo publicar uma segunda via desse decreto que é, ipsis ver bis, o Decreto n.º 464/82. E assim aparece o suplemento ao Diário da República, de 30 de Novembro, publicando o Decreto n.º 463-A/82, que é, como disse, uma segunda via do Decreto-Lei n.º 464/82.
Só que, Srs. Deputados, uma vez mais o Governo estatelou-se ao comprido nas ruas da vergonha ou da desvergonha.
E que o mencionado decreto, o mencionado suplemento do Diário da República, foi distribuído apenas em 7 de Dezembro. E, como se sabe, uma das formalidades
essenciais para a entrada em vigor das leis, é a sua publicação, ou seja, a distribuição do Diário da República. Por isso, a norma do decreto regulamentar da Engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo continua em vigor. E por isso, esta disposição do Governo, continua ilegal. E, sendo assim, é também ilegal o abono do subsídio de Natal pago por montante inferior à pensão vencida em 1 de Dezembro. Isto é absolutamente incontestável e certamente os Srs. Deputados da maioria, que estão a prestar atenção às minhas modestas alegações, compreenderão o fundamento das nossas razões ao requerermos a ratificação destes diplomas.
O inqualificável e irresponsável procedimento do Governo, de um Estado que se quer de direito, lesou os reformados; isto é, lesou cerca de 1 700 000 portugueses, em montante que se calcula em cerca de 1 milhão e meio de contos.
Não está em causa apenas o crédito ou o prestígio do Governo - porque seria o menos -, pois o Governo já não tem crédito, já não tem o menor prestígio. Mas o que está em causa é o prestígio do Estado democrático e do funcionamento do Estado democrático e da própria legalidade democrática.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi por isso que o Partido Socialista requereu a ratificação do diploma em causa e solicita instantemente aos Srs. Deputados da maioria que em nome dos mais elementares princípios da legalidade democrática, do decoro democrático, votem connosco pela não concessão da ratificação aos diplomas em apreço. Será a única forma de repormos a legalidade e a justiça, tão irresponsavelmente atropelados pelo Governo da ÁD, pelo finado Governo da AD.
Para o caso de a maioria ser insensível a esta lógica irrefutável, a este imperativo de justiça, o meu partido apresentará uma proposta de alteração para a especialidade relativa ao artigo 2.º dos Decretos-Lei n.ºs 464/82 e 463-A/82, direi melhor, do Decreto-Lei n.º 463-A/82, visto que o anterior foi anulado, do seguinte teor:
Os subsídios de Natal referidos no n.º , serão de valor igual à pensão mensal a que tenham direito em 1 de Dezembro. E assim se retoma a expressão do decreto de 1974.
Srs. Deputados, o problema não é apenas de uma reposição da legalidade. Trata-se de um imperativo de justiça para com os reformados, uma reparação mínima que lhes é devida.
Se esta exigência política e moral não for compreendida pela maioria, o PS compromete-se, solenemente, a, quando for Governo...

Uma voz do PSD: - Daqui a muitos anos!

O Orador: - ...repor essa legalidade e restituir aos reformados os seus legítimos direitos e regalias sociais, que lhe foram espoliados pelo actual Governo.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, por isso, se esse decreto não for revogado neste momento pela Assembleia (como nós esperamos), será revogado por um próximo governo democrático e socialista.
Em todo o caso, Srs. Deputados da maioria, tenho

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ainda confiança no vosso bom senso, pois penso que esta Assembleia não é apenas um lugar de discussão política - no sentido de que cada partido mantém as suas posições -, mas que é, também, um lugar para reflexão. E eu penso que as palavras aqui proferidas pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e por mim próprio, terão, pelo menos, o mérito de ter alertado os Srs. Deputados para esta exigência ética e política. Por isso vos apelo para que a Assembleia não conceda a ratificação a este injusto e ilegal decreto-lei.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao termo da hora regimental. Ainda estão inscritos para intervenções sobre este assunto vários Srs. Deputados, pelo que a discussão continuará na próxima sessão do Plenário, marcada para terça-feira, dia 11.
A sessão terá início às 15 horas, sendo a primeira parte da ordem do dia preenchida com o inquérito ao 1.º de Maio, apresentado pelo Partido Comunista Português; na segunda parte do período da ordem do dia continuar-se-á a discutir a agenda de hoje.
Entretanto, foram entregues na Mesa vários projectos de lei: - O projecto de lei n.º 391/II, apresentado pelo. Partido Socialista, relativo à criação do Centro Histórico do Porto, renovações urbanas e recuperação das zonas degradadas, que foi admitido; -um pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 486/82, de 28 de Dezembro, que extingue a Federação dos Vinicultores da Região do Douro, e cria em sua substituição a Casa do Douro, apresentado pelo Partido Comunista Português e que foi também admitido.
Foram ainda apresentados na Mesa - e serão comunicados, de acordo com o Regimento, a sua admissão ou o fim que se lhes dá - um projecto de lei de garantia do direito de réplica política na televisão aos partidos da oposição, apresentado pelo Partido Comunista Português e o projecto de lei n.º 390/II, de actualização do salário mínimo nacional, apresentado igualmente pelo Partido Comunista Português.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Joaquim Gomes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Manuel da Mata de Cáceres.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS):

Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Carlos Alberto Rosa.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Miguel Rodrigues Ferreira.
José Augusto Gama.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.

Partido Comunista Português (PCP):

Jerónimo Carvalho de Sousa.
Manuel Correia Lopes.
Mariana Grou Lanita da Silva.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Américo Abreu Dias.
António José Cardoso e Cunha.
Armando Correia Costa.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Fernando José da Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques Antunes.
António Fernandes da Fonseca.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Torres Marinho.
Guilherme Gomes dos Santos.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
José Jorge Gois Mendonça.
José Luís Amaral Nunes.

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Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Pedro Silva Lourenço.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
João Lopes Porto.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Joaquim Gomes dos Santos.
João Carlos Abrantes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Octávio Rodrigues Pato.

Partido Popular Monárquico (PPM):

Augusto Ferreira do Amaral.

Independentes:

Natália de Oliveira Correia.

As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Noémia Malheiro.

PREÇO DESTE NÚMERO 44$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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