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I Série -Número 32

Quarta-feira, 12 de Janeiro de 1983

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE JANEIRO DE 1983

Presidente: Ex. mo Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida

Secretários: Ex. mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Mário Tomé referiu-se às conclusões da última reunião do Conselho Nacional da UDP, tendo respondido no fim a pedidos de esclarecimento e protestos das Sr.as Deputadas Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e Natália Correia (Independente).
O Sr. Deputado Carlos Robalo (CDS) respondeu a um protesto do Sr. Deputado Veiga de Oliveira (PCP) relativo a um seu pedido de esclarecimento, feito na última sessão, ao Sr. Deputado Carlos Lage (PS).
O Sr. Deputado Duarte Chagas (PSD) teceu várias considerações acerca da impugnação das eleições autárquicas no concelho de Ourique.
O Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP) reclamou solução urgente para problemas no campo da saúde em vários concelhos, particularmente no de Portel.
O Sr. Deputado José Niza (PS), fez um balanço da situação da saúde no nosso país, criticando a política dos Governos da AD.
O Sr. Deputado Guerreiro Norte (PSD) apelou para a construção de um Palácio da Justiça na vila de Albufeira.

Ordem do dia - Foram aprovados vários pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos sobre pedidos de autorização para que vários Srs. Deputados prestem declarações ou deponham como testemunhas.
O Sr. Deputado Lino Lima (PCP) justificou o pedido de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as causas que deram origem à não divulgação à Assembleia da República e à opinião pública do teor integral do relatório do 1.º de Maio elaborado pela Procuradoria Geral da República.
Sobre o mesmo assunto, intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Silva Marques (PSD), Américo de Sá (CDS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Lopes Cardoso (UEDS), Jorge Sampaio (PS), Sousa Tavares (PSD), Borges de Carvalho (PPM), Martins Canaverde (CDS), António Vitorino (UEDS), Veiga de Oliveira, Manuel Gomes, Carlos Brito e Manuel Lopes (PCP).
Entretanto, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PSD, do PS e do CDS.
Após ter anunciado a entrada na Mesa do projecto de lei n. º 393/II, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Armando Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.

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João Bernardo Ferreira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes da Costa.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
João Evangelista Rocha Almeida.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Vargas Bulcão.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS):

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Jorge Gois Mendonça.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Rodrigues Masseno.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vitor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Pedro Silva Lourenço.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Carlos Martins Robalo.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João José M. Pulido de Almeida.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
Joaquim Miguel R. de Seabra Ferreira.
José Alberto Faria Xerez.
José Luís Cruz Vilaça.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Luís Carlos Carneiros V. Sampaio.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Rocha Ferreira.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.

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Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM):

António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Independentes

José Eduardo Sanches Osório.
Natália de Oliveira Correia.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tilman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.

União Democrática Popular (UDP):

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 22, 23 e 24 do Diário.

Pausa.

Como não há objecções, consideram-se aprovados.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, o Diário da República de hoje, dia 11 de Janeiro, insere o Decreto-Lei n.º 3/83, que corresponde a uma lei-formulário. Porém, acontece que estava depositado na Mesa um projecto de lei de uma lei-formulário, da iniciativa deste grupo parlamentar precisamente, que foi agendado mas que não pôde ser discutido porque faltava o parecer das regiões autónomas e numa reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, presidida por V. Ex.ª, os 2 membros do Governo presentes garantiram-me que o Governo não ultrapassaria a Assembleia da República e não elaboraria nenhum diploma legal sobre uma matéria pendente nesta Assembleia.
Como tal, o que pediria a V. Ex.ª era o favor de providenciar para que o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares pudesse vir a esta Assembleia para nos dar explicações sobre este comportamento do Governo, que me abstenho de classificar, e que V. Ex.ª - com base no seu próprio conhecimento de que o Governo dos Açores e a Assembleia Regional dos Açores não estavam em condições de emitir parecer até 25 de Janeiro, motivo pelo qual o nosso projecto de lei não pode ser agendado- subscreva connosco o pedido de declaração de inconstitucionalidade deste decreto-lei.
Assim, peço que a sessão seja interrompida por 30 minutos para que o Governo possa estar presente e dar-nos as explicações a que nos sentimos com direito.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, antes de mais há um requerimento formulado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota pedindo a interrupção da sessão, que, por ser regimental, independentemente de qualquer fundamento ou motivo, tem que ser deferido, a não ser que antes de interrompermos a sessão o Sr. Deputado Magalhães Mota permita que alguém use da palavra.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, não tenho dúvidas em permitir que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira use da palavra, tanto mais que ele já se estava a inscrever quando eu ainda estava a usar dela.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, suponho que este pedido de interrupção da sessão está condicionado à própria interpelação; esta não é uma interrupção que, segundo o Regimento, qualquer grupo parlamentar pode pedir e que nesse caso poderá ir até 30 minutos, sendo automática a sua concessão e não tendo que ser justificada.
Neste caso, tanto quanto entendi, a suspensão é condicionada a uma interpelação e, uma vez que ela é condicionada, também quero fazer uma interpelação à Mesa no seguinte sentido: o meu grupo parlamentar concorda com a estranheza e com o repúdio que desde logo foram

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adiantados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota em relação à eventual publicação de um decreto-lei formulário que entendemos que não faz sentido, não só por haver uma iniciativa na Assembleia, mas também porque essa iniciativa não foi discutida nem votada por faltar a opinião expressa de uma das regiões autónomas. Porém, se a Constituição exige que para a Assembleia legislar sobre esta matéria ouça as regiões autónomas naturalmente que essa exigência é reforçada se se tratar de um decreto-lei do Governo.
Ora, a Assembleia da República só não legislou porque a Assembleia Regional dos Açores não podia manifestar-se em tempo oportuno e não acreditamos que o tenha feito por telefone em relação ao Governo. Daí que toda a questão colocada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota tenha pertinência.
No entanto, o meu grupo parlamentar não aceita que o Governo venha aqui enquanto estiver demitido. O Governo informa como quiser, por escrito ou por telefone, é criticado ou não, mas não toma lugar no Parlamento enquanto estiver demitido.
É, pois, neste sentido que gostaria de colocar à Mesa a seguinte questão: o nosso grupo parlamentar não aceita que um Governo que está demitido se sente no Plenário da Assembleia e possa aqui manifestar-se seja pelo que for. Naturalmente que se o Governo for inquirido por requerimento ou por qualquer outra via deve responder, ou não, se assim o entender, mas nesta Sala não entra enquanto estiver demitido.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro problema que se me levanta é o de saber se a interpelação que o Sr. Deputado Magalhães Mota acaba de fazer tem cabimento, no plano formal e regimental, no período de antes da ordem do dia.
Nos termos do artigo 81.º do Regimento, o período de antes da ordem do dia será destinado à leitura pela Mesa do expediente, bem como dos anúncios que o Regimento impuser, ao tratamento pelos Deputados de assuntos de interesse político relevante -o que não quer dizer que não possa ser tratado por V. Ex.ª, ainda que me pareça que não pode ser objecto de uma votação nos termos que V. Ex.ª pretende, designadamente, o reconhecimento de inconstitucionalidade - e depois à emissão de votos.
Afigura-se que o problema não é de tal modo urgente que não possa vir a ser considerado que a Câmara tome conhecimento dele e que possa vir a ser ponderado, em conferência dos líderes dos grupos parlamentares, que reunirá amanhã, qual o caminho que esta Câmara deve tomar face à prioridade que o Sr. Deputado defende - e quanto a mim bem - para o projecto de lei que estava condicionado ao parecer dos Açores e que só a partir do dia 25, se podia prever que seria prestado a esta Câmara.
Esta é, pois, a deliberação que a Mesa toma, pelo que proponho que consideremos o problema amanhã.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, aceito que a reunião se faça, mas hoje. Creio que durante o intervalo teremos ocasião de fazer uma reunião dos líderes dos grupos parlamentares e o Governo, por intermédio da Mesa, poderá ser avisado para nos dar as explicações a que - repito - nos sentimos com direito, visto que nos foi dada uma informação diferente daquela que correspondeu à sua actuação. Portanto, penso que teria toda a vantagem que a reunião pudesse ser efectuada hoje para nos permitir tomar as medidas adequadas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Resta saber se o Governo pode ir à conferência dos líderes. Como é que o Governo pode ir à conferência dos líderes se não pode vir aqui?!

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Veiga de Oliveira há pouco referiu, parece que, em deliberação anterior, a Câmara considerou que um Governo demitido e que neste momento se encontra apenas em exercício de funções decorrentes de negócios de Estado, ao qual não se reconheceu legitimidade para estar presente na Câmara, também não a terá para estar numa reunião dos líderes dos grupos parlamentares.
Em todo o caso, isso é um facto para vir a ser ponderado em conferência dos líderes dos grupos parlamentares.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não interpreto da mesma forma que V. Ex.ª o facto de o Governo não ter estado presente na última sessão. Não entendemos que o Governo não tenha legitimidade para estar aqui presente, pois o que se entendeu, por unanimidade com o próprio Governo, foi que não havia razões para ele estar aqui presente, embora tivesse toda a legitimidade para tal se o tivesse querido fazer ou se a Câmara assim o tivesse entendido. O que ficou acordado, por consenso, foi que não se justificava a sua presença, o que é algo diferente de não reconhecer legitimidade ao Governo para estar aqui.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não foi essa a posição do Deputado do PCP!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª acabou por dar a versão que formou sobre o ocorrido na Câmara. Assim, para que se não perca mais tempo sobre este assunto, convoco uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares para as 17 horas e 30 minutos, que reunirá com o fim exclusivo de se pronunciar sobre o problema suscitado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado se mantém o requerimento de suspensão dos trabalhos, o que considero regimental.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, vamos proceder à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposições

De Álvaro Augusto Marinho, residente na Rua da Bela Vista à Lapa, em Lisboa, sobre o despedimento de que foi vítima um seu filho, da Empresa Pública Correios e Telecomunicações de Portugal.

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De Augusto Mendes Santos, residente em Torres Novas, focando a situação degradante em que funciona o «Canil» pertencente à Câmara Municipal, e consequentes maus tratos aos animais.

Cartas

De Manuel Eduardo Ferreira Gomes, residente na Calçada da Estrela, em Lisboa, tecendo várias considerações sobre a degradação das condições que se verificam, quer para os trabalhadores quer para o contribuinte, na Repartição de Finanças e Tesouraria da Fazenda Pública, do 8.º Bairro Fiscal, situado bem próximo desta Assembleia.
Da Secção do Partido Socialista de Vila Nova de Poiares, remetendo fotocópias de várias propostas de moções de censura ao executivo local e solicitando a intervenção desta Assembleia.
Da comissão de trabalhadores da Gel-Mar, anexando um relatório em que se analisa a actual situação na empresa, suas causas e perspectivas.

Ofícios

Da Câmara Municipal de Trancoso, anexando certidão de parte da acta da reunião efectuada naquele corpo administrativo, na sessão realizada no passado dia 25 de Novembro do ano findo.
Da Associação Comercial e Industrial de Vila Real, remetendo o texto de uma moção aprovada em reunião de assembleia geral, sobre a problemática dos «arrendamentos comerciais».
Da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional, dando conta da sua posição quanto aos pedidos de ratificação dos Decretos-Leis n.ºs 464/82, de 2 de Dezembro, e 463-A/82, de 30 de Novembro.
Do Secretariado da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Química e Farmacêutica de Portugal, solicitando informações sobre a petição entregue nesta Assembleia pelos trabalhadores da Petrogal.
Da Assembleia Municipal de Coruche e Câmara Municipal de Alcácer do Sal, capeando Moções em que são exigidas a demissão do Governo e a dissolução desta Assembleia.

Telegrama

Em nome de 30 jornalistas presentes em Vizela, protestando pela agressão de que foi vítima o seu companheiro de trabalho Afonso Camões, do Primeiro de Janeiro.

«Telex»

Do Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas na Europa, com sede em Paris, protestando por terem sido efectuadas várias nomeações sem concurso, e denunciando o atraso do Ministério dos Negócios Estrangeiros na elaboração do Estatuto Profissional.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos: a diversos Ministérios, no total de 5, formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios do Comércio e Turismo e da Educação e Universidades, formulados pelo Sr. Deputado Manuel Matos; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelos Srs. Deputados Pinto da Silva e Sousa Lara, respectivamente.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, na última reunião ficaram inscritos vários deputados, para protestar -o que é o meu caso-, ou ao abrigo de outras figuras regimentais, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage. Assim, gostaria de saber se V. Ex.ª dá seguimento a esses pedidos de palavra na sessão de hoje.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. No entanto, e como é praxe parlamentar, as inscrições para declarações políticas têm prioridade sobre outros assuntos.
Nestas circunstâncias, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé para uma declaração política e depois retomaremos as inscrições que estão em aberto da sessão anterior.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho Nacional da UDP reunido no último fim de semana, debruçou-se aprofundadamente sobre a situação política que hoje se vive no nosso país, ratificou as posições já assumidas quer pelo secretariado quer pela comissão política e, ao mesmo tempo que lançou uma proclamação ao Povo Português na base da exigência de «nem mais um Governo AD», apresentou uma plataforma de unidade para a acção, para a luta, por forma a alterar, de facto, a correlação de forças no sentido de colocar a política independente dos operários e dos trabalhadores a ter peso determinante na resolução da crise.
Enquanto liberais e pequeno-burgueses se unem num crocitar comum - «salvemos o regime, salvemos a democracia, salvemos a dignidade nacional, ajude-nos Sr. Presidente que nós continuamos a acreditar em V. Ex.ª e sentimos mais do que ninguém a sua solidão magestática, as suas dúvidas dilacerantes, a sua angústia lancinante» -, num triste cortejo de pusilanimidade e de sabujice enjoativa, Eanes e a AD preparam o governo possível, mas necessário, que continue a política de terra queimada contra os trabalhadores e permita assentar, atempadamente, com os americanos os acordos que transformem Portugal numa grande base militar americana e desenvolver os contactos prospectivos -já que a CEE tarda e já pouco promete - para a concretização de uma «Comissão Luso-Americana para o Desenvolvimento», que se encarregará de aplicar em Portugal receitas do tipo daquelas que foram usadas para a Formosa e Coreia do Sul, o que só por si é um indicador valioso para percebermos quais são os planos futuros para o nosso país.
De facto, constatamos que a grande burguesia e Eanes, convergem nitidamente na submissão à estratégia americana e na opinião de que é preciso resolver a crise à custa dos trabalhadores.
Por isso Eanes não demitiu o Governo Balsemão apesar da sua política antinacional e antipopular, ultra--reaccionária e terrorista contra os interesses dos operários e demais trabalhadores; por isso Eanes não

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dissolve a Assembleia enquanto o Governo demitido continua a tomar medidas mais e mais brutais contra o nível de vida dos trabalhadores e a liquidar milhares e milhares de postos de trabalho, enquanto se mostrar incapaz de assumir uma atitude minimamente nacional, honesta e eficaz na questão do diferendo das pescas com a Espanha, como exigem os pescadores e os próprios armadores que fazem parte da base social de apoio da própria AD.
Por isso Eanes quer impossar um Governo AD que negoceie um verdadeiro plano Marshall -já ventilado há anos e agora de novo agitado e requerido-, que a burguesia vê como a sua bóia de salvação no mar encapelado da crise mundial e perante a ameaça da revolta popular, que irá colocar Portugal definitivamente nas mãos dos agiotas internacionais liderados pelo FMI e pelo Banco Mundial, e poderá ter como consequência, a médio prazo, uma qualquer solução «à turca» quando as democracias ocidentais acharem que a luta totalitária dos operários pelo pão, pela liberdade, pela independência, põe em causa o cândido desfrutar das primícias da vida democrática europeia aos seus amigos portugueses.
A NATO e as bases americanas, que vão crescer e multiplicar-se, serão a garantia de que os estados de sítio, os tribunais especiais, as rusgas, as prisões, os despedimentos em massa, a censura, os espancamentos e até as torturas, não ultrapassarão as tabelas em uso nos países membros da NATO e numa primeira fase - e só se passará para uma segunda fase no caso de não haver a compreensão necessária e a aceitação requerida para as medidas legítimas de garantia da ordem, da paz é da democracia- incidirão apenas sobre os extremistas como revolucionários, comunistas, subversivos a saldo do estrangeiro, operários que incitem à indisciplina, à revolta e às greves políticas e desestabilizadoras, ou seus colaboradores conscientes que não cumpram o dever cívico de comunicar às autoridades os actos graves de que tenham conhecimento.
E por terem consciência disso que decerto os nossos heróicos intelectuais, desde Natália Correia, Cardoso Pires, Paço Bandeira, Rui Veloso, Carlos do Carmo entre outros, em vez de irem para junto dos operários - que já passam fome e não vêem emprego para amanhã- cantarem a revolta dos humilhados e ofendidos e incitá-los à unidade e à luta (o que poderia provocar instabilidade social que só aproveita aos inimigos do regime) ergueram as suas súplicas e as suas preces ao nosso General, angustiado e terrivelmente só, rodeado de epígonos que só o aconselham mal, como diz Miguel Urbano Rodrigues, para que se salve a dignidade nacional e o regime.
Porque, quem sabe, o Governo poderá não ser suficientemente sólido para conter a revolta operária e então poderá vir a ser derrubado, quem o diria, pela própria direita!
É por isso que as direcções do PS e do PCP enquanto exigem eleições antecipadas se mantêm paralisadas, cúmplices, à espera de Eanes, dando a entender e mostrando que já começa a ser escandaloso o apoio do Presidente da República à AD mas depois, se ele dissolver a Assembleia, não haverá forma de continuar a aldrabar os operários sobre o seu atávico e acrisolado amor à democracia, garantindo o bom comportamento dos trabalhadores através da UGT e da CGTP para defender o regime, para não dar argumentos à direita.
É por isso que todos se mexem e falam enquanto os operários são mantidos cautelosamente de mãos amarradas, estupidifiçados a olharem para Belém e agora para os queridos intelectuais que vêm dar a cara, corajosos, juntando a sua voz ao apelo berrado do rebanho do Senhor, e demonstrando assim que os operários podem sempre contar com pessoas cultas e educadas para dirigirem os destinos do país, desde que não se revoltem e não queiram tomar conta do poder, coisa que as democracias ocidentais não gostam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a séria ameaça que impende sobre os trabalhadores e sobre o nosso país, a cumplicidade e a passividade são verdadeiros crimes, tão graves quanto os daqueles que jogam impunemente com a vida e a liberdade do nosso povo aproveitando as suas ilusões no chamado «regime democrático».

O Conselho Nacional da UDP considera que não podemos ficar à espera, não podemos ficar na expectativa e muito menos podemos dar tréguas aos inimigos do nosso povo. Por isso se dirige aos trabalhadores, aos antifascistas amantes da liberdade e da independência nacional, aos intelectuais, às mulheres, aos jovens, aos militantes do PS e do PCP, à CGTP e ao movimento sindical.
A hora é de unidade em torno dos interesses fundamentais e imediatos do nosso povo, mas fundamentalmente na defesa das reivindicações operárias.
Vamos sair à rua numa imensa manifestação unitária e popular contra o anunciado governo Vítor Crespo, numa manifestação que proclame a exigência de «nem mais um Governo AD» e de «eleições gerais antecipadas».
Eanes não é solução. É preciso luta mais radical. Vamos também para uma nova greve geral!
Vamos, trabalhadores e operários, unificar todas as lutas, desde a indústria naval e metalúrgica - Siderurgia, Lisnave, Setenave, Messa, Parry & Son, etc. - às pescas, SNAPA e CPP, aos têxteis, aos mineiros, aos transportes, ao sector vidreiro, onde a crise alastra enquanto se refazem os monopólios privados, enquanto se liquidam os postos de trabalho aos milhares e se lança a miséria e o desespero nos lares dos operários. Vamos fortalecer as lutas, unificá-las a caminho de uma nova greve geral para travar a escalada reaccionária que se mantém com ou sem governo, para partirmos os dentes à CIP e à CAP, que impõem os critérios de actuação do novo governo, para que todo o nosso povo veja parar o criminoso assalto à sua bolsa, possa respirar fundo para refazer as forças e perca as ilusões derrotando a direita na rua e faça das eleições uma grande uma para enterrar a AD.
A UDP apresenta a todos os trabalhadores democratas e antifascistas uma plataforma de unidade que sirva, de facto, a luta independente dos trabalhadores contra a reacção, a direita, o capitalismo e o imperialismo, na defesa das liberdades, do pão e da independência nacional.
Exijamos a dissolução da polícia de choque e lutemos contra a GNR nas empresas e nas povoações, contra o pacote laborai e a nova Lei de Delimitação de Sectores. Vamos à luta firme e unida para pôr fim à ofensiva contra as nacionalizadas e acabar com os leilões das cooperativas; para impedir um único despedimento que seja contra o desemprego; para impedir que sejam pagas as indemnizações aos bandidos que sugaram e sugam o suor e o sangue do nosso povo; para impor a baixa de preços nos bens essenciais e das rendas de casa para que

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os trabalhadores possam comer e habitar; vamos impor um contrato agrícola para os rurais e preços justos para a produção camponesa.
Vamos criar um movimento grandioso e imparável contra a renovação dos acordos das bases com os americanos; pela saída da NATO e contra qualquer embarque de tropas para o estrangeiro. Recusemo-nos a ser carne para canhão da NATO e recusemos que os nossos soldados morram no Líbano. Lutemos, assim, pela paz!
É esta a plataforma capaz de unir os operários, os trabalhadores, os democratas, os antifascistas e todo o povo pobre e explorado do nosso país, para responder às suas necessidades fundamentais, ao seu sentimento de revolta, para mudar a situação a favor de quem tudo produz.
É este o único caminho de esperança para derrotar a direita, para impor a força do povo, o caminho que já foi aberto pela luta popular e que o 25 de Novembro fechou.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E o Enver Hoxa, o que é que ele pensa disso?!

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, suponho que para pedir esclarecimentos, as Sr.ªs Deputadas Helena Cidade Moura e Natália Correia.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Mário Tomé, merece-me respeito a maneira frontal como o Sr. Deputado traz aqui à Assembleia da República a linguagem do seu próprio partido.
Em todo o caso, em Portugal, há uma tradição que penso não estar alterada, de que os intelectuais fazem parte do povo. O Sr. Deputado sabe, melhor do que eu, que desde Fernão Lopes, Sá de Miranda, todos os iluministas e por aí adiante, para já não falar nos actuais intelectuais, têm feito, como em nenhum país, o curso ao lado do povo e têm sido uma grande força da independência nacional e da identidade nacional.
Eu não assinei o manifesto/carta ao Sr. Presidente da República -não tinha necessidade disso, pois tenho outras formas de me expressar através do meu partido-, mas, em todo o caso, parece-me que é demasiado injusto e perigoso, neste momento, estar a atacar toda uma classe, a pôr de lado uma força grande do país, numa análise que me parece demasiado conjuntural e, poderia dizer, demasiado superficial.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (Indep.): - Verifico com agrado que o Sr. Deputado Mário Tomé está muito empenhado em opinar em matéria intelectual, desde que aqui o vi citar Camus.
Por isso mesmo devia saber que os intelectuais e artistas, como acabou de dizer a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, sempre tiveram uma palavra importante e decisiva a dizer quando as sociedades são abaladas por crises, como acontece neste momento.
Foi este o caso que levou um grupo de intelectuais e artistas a solicitar ao Presidente da República a dissolução da Assembleia, para promover uma nova consulta ao país, em nome da dignidade nacional e da defesa do regime, o que muito agastou o Sr. Deputado. Será que o Sr. Deputado não subscreve a defesa do regime democrático? Acaso prefere uma solução «à turca», isto para me servir das suas palavras?
Acho que o Sr. Deputado está a fazer uma perigosa confusão, muito estranhável em que revela tanto empenho no mundo intelectual, entre regime e sistema.
Quando os intelectuais defendem o regime democrático, estão implicitamente a defender os interesses do povo, porque estão, a defender a liberdade de todos os portugueses.
Sr. Deputado, foi este, apenas, o teor desse documento que tanto o alarmou.
De resto, penso que foi muito pouco elegante e pouco oportuno enfeitar com as penas dos corvos os deputados, emprestando um soturno crocitar à sua voz.
Sr. Deputado, no dia em que eles não defenderem o regime democrático, então não mais ouvirá crocitar intelectuais. Não lhe desejo esse destino, nem a si nem aos portugueses.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder. Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção suscitou da parte de 2 Sr.ªs Deputadas um protesto que não considero justificado
Não ataquei os intelectuais - é preciso que isso fique bem claro. Exactamente por eu compreender, perceber e reconhecer o papel fundamental e importantíssimo dos intelectuais em toda a história do nosso país, nomeadamente na história da democracia e da luta pela liberdade do nosso povo, é que tenho o direito de ser tão exigente para com os intelectuais. E foi por isso que fiz esta intervenção.
Os intelectuais têm um papel importante, como tiveram na preparação do próprio 25 de Abril, na luta do nosso povo. Mas esse papel não pode ser o de mendigar a um homem, que já demonstrou estar de mãos dadas com o imperialismo, com a reacção, com a direita, com a AD, que dissolva a Assembleia. O papel dos intelectuais é, como disse na minha intervenção, irem para junto dos operários e dos trabalhadores, que já passam fome, e cantar com eles a revolta do povo, a revolta dos operários, incitá-los à luta e incitá-los também, se for preciso, à revolta.
E esse o papel dos intelectuais, que as Sr.ªs Deputadas sabem e compreendem tão bem como eu.
Isto é o que se passa hoje no nosso país. No outro dia disse - possivelmente não ouviram com atenção - que os intelectuais progressistas, na sua generalização, vão também eles reduzindo as suas verrinas, que são tão importantes a uma certa bajulação crítica dos pilares do regime, trocando o rasgar de caminhos do futuro pela estilização dos horizontes negros e sem saída do 25 de Novembro. E é o que se está a passar.
Os nossos intelectuais estão a demitir-se da sua função de rasgar novos horizontes, de se juntarem com os operários e com o povo pobre e explorado, para se conciliarem com a burguesia liberal e com a pequena burguesia. Quem hoje está a passar fome são os operários, e isso não é de um regime democrático. Não basta defender a democracia em abstracto, aqui no Parlamento ou em qualquer outro sítio, para dizer que se defende a liberdade do povo. Que liberdade têm os operários da

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Lisnave, da Messa ou da Setenave que amanhã vão ser despedidos? Que liberdade têm eles? Que liberdade têm aqueles trabalhadores que aqui estiveram da Companhia Portuguesa de Pescas que não puderam, sequer, celebrar a consoada? E como é que os senhores intelectuais os estão a defender? Defendamo-nos ao nível que lhes compete, incitem-nos, ajudem-nos a ir para a luta, porque a luta é deles e tem de ser dirigida pelos operários, não pode ser dirigida pelos intelectuais!
No fundo, este apelo, este aparecimento dos intelectuais é feito enquanto os operários permanecem quietos, inertes, inactivos, postos assim pelas suas organizações de classe, em vez de estarem a aproveitar a crise para avançarem na luta, liquidarem de vez a AD e esmagarem a direita e a reacção. Estão na expectativa, estão exactamente à espera disso que vos puseram a fazer: é que apareçam os intelectuais, que apareçam os democratas institucionais e parlamentares a dizer aos operários «nós resolvemos as coisas por vocês».
Mas os operários sabem historicamente e politicamente que isso nunca será verdade. É por isso que eles se levantarão e terão consigo intelectuais e todos aqueles que o queiram, pois aqueles que não o quiserem ficarão de fora.
A luta é deles, a revolta é deles. A razão da revolta é deles e eles imporão essa revolta em toda a parte por este país. Será esse o caminho que, de facto, resolverá a crise: é o caminho da independência nacional, é o caminho de pôr os ricos a pagar a crise, é o caminho de que serão os operários e os trabalhadores a mandarem no seu próprio país e não estarem a mando dos americanos ou dos alemães ou a mando daqueles a quem os intermediários - que são aqueles que governam este país - vendem o nosso país, vendem os interesses do povo e dos operários.
É isto que os intelectuais sabem, é isto que os intelectuais percebem e é por isso que a sua posição dúbia e pouco clara em relação à luta que hoje se trava no nosso país os torna tão altamente responsáveis e comprometidos com a política dos partidos reformistas.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): Intelectuais para a guerrilha, já!

O Sr. Silva Marques (PSD): - E onde é que esteve no fim-de-semana?!...

A Sr.ª Natália Correia (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr.» Deputada Natália Correia, tenho imensa pena mas não posso dar-lhe a palavra.
A Sr.ª Deputada pediu a palavra para fazer um protesto...

A Sr.ª Natália Correia (Indep.): - E continuo a protestar, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Mário Tomé está a desonrar a classe intelectual, aqui nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Ainda não lhe dei a palavra, Sr.ª Deputada. Não usará da palavra sem eu lhe a dar.
A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pediu a palavra para um esclarecimento, foi-lhe dada para esse efeito e abriu assim a possibilidade de pedir ainda a palavra para um protesto.
Mas a Sr.ª Deputada Natália Correia pediu, desde logo, a palavra para um protesto.
Poderá, talvez, ser-lhe sugerida alguma figura regimental que a Sr.ª Deputada ainda possa usar. Se a anunciar à Mesa, esta poderá, eventualmente, dar-lhe a palavra, mas a título de novo protesto não o pode fazer.
Tem a palavra, entretanto, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, que a pediu para um protesto.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, talvez a Sr.ª Deputada Natália Correia queira usar o direito de defesa e, nesse caso, usarei da palavra em segundo lugar.
Risos.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Natália Correia aceita a sugestão de pedir a palavra para usar o direito de defesa?

A Sr.ª Natália Correia (Indep.): - Exactamente, Sr. Presidente. Era isso que lhe ia dizer.

O Sr. Presidente: - Então, tem V. Ex.ª a palavra para se defender.

A Sr.ª Natália Correia (Indep): - Primeiramente, quero dizer que os intelectuais portugueses não têm que receber lições do Sr. Deputado Mário Tomé.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mais: os operários não se defendem com cacetes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Os operários defendem-se com a prática de um ideal vivo, que é permanentemente defendido pelos intelectuais. Foi defendido por Camões, foi defendido pelos iluministas, foi defendido pelos liberais e é defendido pelos progressistas de hoje, sejam eles mais ou menos à esquerda, mas homens do progresso.
Intimo o Sr. Deputado Mário Tomé a citar desse documento que foi entregue ao Sr. Presidente da República qualquer palavra que denote o intuito de mendigar. Esse documento destina-se, pura e simplesmente, a responsabilizar o Sr. Presidente da Republica, numa situação em que ele é árbitro e em que tem de tomar as responsabilidades de defender o regime.

O Sr. Presidente: - Para um protesto tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Mário Tomé, é evidente que cada um tem as suas posições, mas em todo o caso terei que protestar por aquilo que disse, isto é, sobre a forma como se referiu à ligação entre intelectuais e trabalhadores.
É pior ouvir dizer «Sr.as Deputadas ajudem os trabalhadores, intelectuais ajudem os trabalhadores» do que ver os intelectuais reclamarem do Sr. Presidente da República que dissolva esta Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Os trabalhadores marcam os caminhos da revolução, os intelectuais são aliados dos traba-

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lhadores. Parece-me que isto é uma verdade histórica e é, neste momento, uma verdade nacional.
Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, dispõe V. Ex.ª de 4 minutos para responder.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria dizer à Sr.ª Deputada Natália Correia que já recebi lições de muitos intelectuais.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E o Enver Hoxa?!...

O Orador: - Não me importo nada com isso. Mas tenho todo o direito de dizer aos intelectuais ou a determinados intelectuais aquilo que acho que estão a fazer de forma incorrecta. Ir apelar para Eanes, repito, em vez de irem cantar para junto dos operários - cantar no sentido lato, obviamente- a sua revolta, incitá-los à revolta e estar com eles nessa revolta, é para mim trair a luta dos operários, hoje e neste país.
Diz que os operários não se defendem com cacetes. Pergunto-lhe: como é que eles têm sido atacados? Não é, realmente, com cacetes, mas é com G-3 e outras armas das polícias de choque e das polícias ao serviço da direita! Os operários precisam de se defender, precisam da luta dura e firme e os intelectuais não os podem castrar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A culpada é a CGTP e o seu revisionismo e pacifismo!...

O Orador: - Em relação à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, lamento dizer-lhe, apesar das palmas que teve, que não concordo consigo.
Os intelectuais têm também como missão ajudar os trabalhadores. É para isso que eles servem. Os intelectuais progressistas servem para ajudar os trabalhadores, porque indo pelas palavras da Sr.ª Deputada caíamos naquela posição de que os trabalhadores sabem sempre o que querem, sabem sempre o que precisam, do espontaneísmo, que, aliás, já revolucionários de alto coturno condenaram, há já muitos anos, como oportunismo, condenaram como reformismo.
De facto, Sr.ª Deputada, os intelectuais devem marchar com os trabalhadores e devem marchar debaixo da direcção da vanguarda desses trabalhadores, mas têm que os ajudar e devem-nos ajudar. E quando não os ajudarem, no sentido de reforçar a sua unidade e a sua luta, e se antes pelo contrário contribuírem para que eles baixem as mãos, para lhes criar ilusões, para os pôr debaixo da burguesia liberal, os intelectuais estão a trair o seu papel. Isto, Sr.ª Deputada, é que é a verdade.
É por isso que a UDP e eu próprio, hoje e aqui, nos atiramos claramente contra esta situação, porque achamos que é preciso que os intelectuais progressistas, aqueles que de facto querem estar com o seu povo, denunciem o regime, Sr.ª Deputada Natália Correia. Este regime não é democrático, porque é o regime dos atentados à democracia, porque é o regime que se levantou contra o 25 de Abril, porque é o regime do 25 de Novembro.
Esse é o papel dos intelectuais progressistas e não o de conciliarem com tal regime, dando-lhe cores democráticas, quando sabem que o regime tem afundado, tem espezinhado e tem tentado liquidar, de uma vez por todas, a democracia no nosso país.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação a uma intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage feita em sessão anterior havia vários pedidos de palavra, mas tanto quanto a Mesa pode verificar o Sr. Deputado Carlos Lage não se encontra presente.
Portanto, parece inoportuno estar a dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram e que, tendo já pedido esclarecimentos a que o Sr. Deputado Carlos Lage tinha respondido, tenham eventualmente pedido a palavra para protestos. Era o caso dos Srs. Deputados Silva Marques, Veiga de Oliveira e Carlos Robalo, que acabou de anunciar que prescindia da palavra.
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira tinha, em todo o caso, pedido a palavra durante uma intervenção do Sr. Deputado Carlos Robalo para protestar.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de saber da Mesa quanto tempo falta para o fim do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Faltam 13 minutos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, e quem é que está inscrito a seguir para uso da palavra?

O Sr. Presidente: - É o Sr. Deputado Duarte Chagas do PSD.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, muito brevemente faria um pequeno protesto, porque o tempo tudo apaga, até as ofensas, mesmo quando elas não são consentidas e os dias que decorreram no fim-de-semana contribuíram, claramente, para tomar menos importante o protesto que faço.
Em todo o caso, o Sr. Deputado Carlos Robalo permitiu-se, num processo conhecido de julgamento de intenções, atribuir à defesa que nós fazemos da autonomia local não sei que intenções não confessadas ou inconfessáveis, não sei que propósitos diabólicos ou ínvios.
O Sr. Deputado Carlos Robalo, naturalmente, poderá ter dos comunistas, do Partido Comunista e do Grupo Parlamentar do Partido Comunista as ideias que entender e deve tê-las. Tudo o que se lhe pede é que se assuma como é.
O Sr. Deputado Carlos Robalo, como nenhum outro deputado, e porque é deputado, deve permitir-se fazer julgamentos de intenções, deve permitir-se atribuir, seja a quem for, não sei que pensamentos. Deve julgar, pura e simplesmente, de acordo com a prática de cada um e não só com as palavras.
Ora, a prática do PCP, a prática dos comunistas, em relação ao poder local, está à vista. Essa prática tem sido julgada pelo voto popular e tem sido bem julgada. Até prova em contrário, Sr. Deputado, não deve permitir-se atribuir-nos intenções, não se sabe que intenções, por muito que lhe desgoste a política dos comunistas, por muito que lhe desgoste a presença dos comunistas na Assembleia, por muito que lhe desgoste que mais de l milhão de portugueses votem no Partido Comunista. O Sr. Deputado deve ater-se às suas ideias, à sua política, mas não julgar intenções nem atribuir intenções a ninguém.
Isso não é tolerável e é neste sentido o nosso protesto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, surpreende-me e simultaneamente agrada-me o protesto que fez. Naturalmente que não foi minha intenção fazer um processo de intenções, mas sim uma análise política da ideologia do Partido Comunista.
Espero bem que a partir deste momento V. Ex.ª e o grupo parlamentar onde está inserido deixem de fazer um processo de intenções em relação à democracia, aos democratas...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado conhece-me e sabe que eu não faço processo de intenções quando os acuso de isto ou daquilo -e não vou aqui dizer palavras porque seria uma forma incorrecta fazer acusações - face a uma prática política, face à defesa desta ou daquela posição. O que lhe peço é isto: assuma-se como é!
Não gosta de nós, pois não goste; ataca-nos, pois ataque-nos. O que não pode e não deve - pois isso não é democrático - é atribuir intenções e depois julgar nessa base. Isso é que não pode ser!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, agora ainda me surpreende mais. Eu não estava a falar para o Engenheiro Veiga de Oliveira, mas para o Deputado do Partido Comunista, Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Exacto!

O Orador: - E surpreende-me muito a posição do Deputado do Partido Comunista, Veiga de Oliveira, pois tenho-o visto fazer, até em declarações políticas, da tribuna...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Deixe-me terminar, Sr. Deputado.
Como ia dizendo, tenho-o visto fazer, até em declarações políticas, da tribuna, processo de intenções. Desde a subversão da democracia à destruição de um país, tenho ouvido tudo de V. Ex.ª e da sua bancada!
V. Ex.ª estranha que eu traga para esta Câmara a ideologia do Partido Comunista, que ë uma ideologia com uma prática totalmente centralizadora, referindo que faz o aproveitamento da autarquia local enquanto não pode centralizar.
Ofendido, V. Ex.ª chama a isto um processo de intenções!
Sr. Engenheiro Veiga de Oliveira, gostaria de o ver pensar um pouco para dentro. E mais: gostaria de o ver deixar um pouco esse ar paternalista. Devo dizer-lhe que aceito conselhos e sugestões de todos e assumo a minha ideologia, ideologia que combate claramente a ideologia comunista. Assumo-me como tal, sem subterfúgios, claro e frontalmente.
Mas o que posso dizer, Sr. Deputado Veiga de Oliveira, é que não defendo ideologias que levem a afastar de um Parlamento qualquer grupo parlamentar. Também poderá chamar a isto um processo de intenções, mas, Sr. Engenheiro Veiga de Oliveira, gostaria de referir pelo menos um facto: é que não conheço nenhum país no mundo onde a ideologia comunista seja poder que exista no Parlamento outro grupos parlamentares.
Eu não defendo esse tipo de democracia a que claramente chamo ditadura; defendo o tipo de democracia ocidental. De todos os males, é o menor, porque tanto a ditadura de esquerda como a de direita são para mim totalmente intoleráveis.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. José Niza (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Niza (PS): - É para, em termos de interpelação à Mesa, fazer, em nome do meu grupo parlamentar, uma declaração em relação à questão da ausência do Sr. Deputado Carlos Lage.
Como é conhecido de todos os Srs. Deputados, o Deputado Carlos Lage é, desde 1975 a esta parte, dos deputados mais assíduos nesta Assembleia. Neste momento não se encontra presente possivelmente por razões de transporte.
Nestes termos, agradecia aos Srs. Deputados que se inscreveram para protestar contra uma intervenção que ele aqui proferiu que aguardassem a sua presença na Sala e formulassem depois os protestos, ainda hoje se for possível, ou na sessão de quinta-feira, porque tenho a certeza absoluta -e a tal me comprometo- que o Deputado Carlos Lage terá todo o prazer não só em assistir e ouvir os protestos como, eventualmente, em contraprotestar em relação aos mesmos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por muito respeitável que seja a razão da ausência do Sr. Deputado Carlos Lage, hoje, cuja assiduidade todos temos tido ocasião de verificar, penso que não é muito regimental estar a deixar para a sessão seguinte os protestos. Em todo o caso e porque se trata de um requerimento, subscrito pela bancada de um grupo parlamentar, pergunto se há alguma oposição a que os protestos que os Srs. Deputados Silva Marques e Veiga de Oliveira pretendem dirigir ao Sr. Deputado Carlos Lage sejam formulados na próxima sessão, visto estarmos a 5 minutos do termo do presente período de antes da ordem do dia e o Sr. Deputado Carlos Lage ainda não se encontrar presente.

Pausa.

Não havendo oposição, entendo que a Câmara votou favoravelmente o requerimento, pelo que os protestos serão produzidos no próximo período de antes da ordem do dia.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, se me permite, queria agradecer à Mesa e aos Srs. Deputados Silva Marques e Veiga de Oliveira a condescendência e a compreensão que tiveram em relação a esta situação.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Duarte Chagas, vamos

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votar um requerimento, subscrito por Srs. Deputados do PCP, pedindo o prorrogamento do período de antes da ordem do dia.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Duarte Chagas.

Porém, antes de o Sr. Deputado Duarte Chagas usar da palavra, devo informar que cada grupo parlamentar disporá dos 5 minutos regimentais em período de prorrogamento de antes da ordem do dia.
Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foi a curiosidade manifestada pelo Partido Comunista, na passada quinta-feira, nem sequer a sua falsa generosidade em conceder-me, digamos assim, autorização para que eu aqui hoje participasse, na Assembleia da República, que me fez hoje intervir, porque, como se diz na gíria popular alentejana, o Partido Comunista Português «só dá o chouriço a quem lhe der um porco gordo».
O que me fez intervir foi, isso sim, a necessidade de esclarecer esta Câmara e o povo português acerca das irregularidades que existiram nas eleições autárquicas para as freguesias de Santana da Serra e Ourique, no concelho de Ourique.
Posto isto, a minha intervenção, ainda que de improviso, vai ser muito sintética e abordará, única e exclusivamente, três pontos para que a realidade nua e crua venha à tona de água, como se costuma dizer.
Primeiro ponto: admirou-me extraordinariamente a Deputada Odete, do PC...

O Sr. Sousa Marques (PCP): - ... que...! Risos do PCP

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - A Deputada Odete Santos!

O Orador: - ... que o PSD tivesse impugnado as eleições nas autarquias do concelho de Ourique e foi de opinião que as falsas irregularidades existentes nos cadernos eleitorais eram da exclusiva responsabilidade dos presidentes das juntas de Santana da Serra e Ourique e da Câmara Municipal de Ourique.
Ora, como todos sabemos, isto é redondamente falso porque a elaboração dos cadernos eleitorais não é da responsabilidade nem dos presidentes das juntas de freguesia, nem do Presidente da Câmara Municipal de Ourique.
Os cadernos eleitorais foram elaborados, estiveram à reclamação de todos os partidos, fossem eles quais fossem, e, inclusivamente, estiveram à reclamação de todo e qualquer cidadão.
As tramitações legais foram cumpridas pelo que é falso que se impute qualquer irregularidade única e exclusivamente aos presidentes das juntas de freguesia de Santana da Serra e de Ourique e ao Presidente da Câmara de Ourique, assim como é falso imputar-se qualquer irregularidade ao Presidente da Comissão de Recenseamento no concernente ao apuramento final. É que as pessoas não têm uma responsabilidade individual...

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Ah!...

O Orador: - ..., a responsabilidade é de uma comissão, a responsabilidade é, ao fim e ao cabo, colectiva: é de um órgão colegial, é de uma comissão.
Eu próprio já fiz parte de comissões de recenseamento ao lado de outros indivíduos que nem sequer pertenciam a qualquer partido.
São, pois, redondamente falsas afirmações aqui proferidas pela Deputada Odete, do PC.
O que é que aconteceu na realidade? O que aconteceu na realidade foi que para as eleições foram utilizados os cadernos eleitorais de 1979 e a esses cadernos não foram «abatidos» alguns mortos...

Risos do PCP.

..., assim como também não foram levados em linha de conta alguns transferidos, o que na prática deu origem e possibilitou que alguém votasse duas vezes.
Assim, não há uma responsabilidade individual; há, sim, uma responsabilidade colectiva.

Risos do PCP.

Segundo ponto: a mesma Deputada admirou-se, de uma maneira extraordinária, que as eleições tivessem sido impugnadas. Costuma-se dizer que «quem tem telhados de vidro não pode atirar pedradas».

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque seria então que a mesma Deputada, que o PC não se admirou de ele próprio, Partido Comunista, ter impugnado as eleições autárquicas no Fundão?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque é que não se admirou que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra tivesse sido a seu favor? Porque é que impugnaram essas eleições?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Alguém da bancada do PSD ou alguém dos partidos que constituem a Aliança Democrática levantou aqui qualquer obstáculo e admiração no concernente à impugnação dessas eleições?
Não, meus amigos! Contudo, entre nós há uma profunda divergência: é que nós aceitamos e respeitamos a independência e a soberania de todos os órgãos de soberania, muito particularmente dos tribunais.

Aplausos de alguns deputados do PSD e protestos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vocês só respeitam os tribunais que vos convêm. Nós respeitamos tudo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Chagas, pedia-lhe o favor de abreviar, visto já ter esgotado o tempo.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente, vou terminar.
Terceiro ponto: o Tribunal da Relação de Évora julgou em última instância, o que significa que é insusceptível de recurso o acórdão que proferiu. Por esse motivo é

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demagogia baratíssima os senhores andarem a falar em interpor recurso para o Supremo Tribunal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Para 2 efeitos, Sr. Presidente.
Primeiro para comunicar à Mesa que me inscrevo para pedir esclarecimento e simultaneamente, embora em separado, protestar contra a intervenção do Sr. Deputado Duarte Chagas, isto na próxima sessão visto que neste momento estamos no período de prolongamento de antes da ordem do dia em que cada grupo parlamentar tem direito a usar da palavra por 5 minutos para fazer uma intervenção, o que não dá lugar para o habitual sistema de pedidos de esclarecimento e protestos...

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado, a Mesa sabe isso e é essa a orientação que segue. Não há, portanto, lugar a pedidos de esclarecimento ou a protestos; há apenas lugar a inscrições para esse efeito.
O Sr. Deputado fica inscrito para pedir esclarecimentos e, simultaneamente, para protestar no próximo período de antes da ordem do dia.
Em relação ao requerimento de prorrogação do período de antes da ordem do dia, o seu partido tem direito a fazer uma intervenção de 5 minutos. É V. Ex.ª que a fará?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, há pouco pedi a palavra para 2 efeitos. O primeiro está exposto, o segundo é uma interpelação à Mesa.
Em resposta ao Sr. Presidente, devo dizer-lhe, desde já, que o PCP inscreve, para uso da palavra nos 5 minutos que lhe cabem, o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
Por outro lado, a interpelação à Mesa é a seguinte: o Sr. Deputado Duarte Chagas, e eu não conheço outros nomes que tenha -e não me atrevo a chamar-lhe Duarte, nem Duartinho-, por várias vezes chamou à minha camarada Odete Santos a Sr.ª Deputada Odete. Suponho que o Sr. Deputado Duarte Chagas não andou com ela na escola e que não deve admitir-se...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, V. Ex.ª está, afinal de contas, a fazer um protesto sob a forma de uma interpelação à Mesa.

O Orador: - Não, Sr. Presidente, eu estou a interpelar a Mesa...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa é uma utilização abusiva de uma figura regimental.

O Orador: - ... e vou perguntar-lhe se não acha que, neste caso, devia ter feito um reparo.
Porém, antes de interpelar a Mesa, tenho que recordar os factos para que o Sr. Presidente me possa responder.
E os factos são estes: o Sr. Deputado Duarte Chagas, por várias vezes, referiu-se à minha camarada Odete Santos como a Sr.ª Deputada Odete. Suponho -e o Sr. Deputado poderá confirmar ao Sr. Presidente se este o interpelar nesse sentido - que ele não andou com ela na escola, nem a conhece de nenhum lado, a não ser da Assembleia da República, e suponho também que não é hábito tratar-se aqui ninguém pelo nome próprio, mas sim pelo nome completo.
Por outro lado, gostaria também de saber se o Sr. Presidente acha bem que se use a sigla de um partido sincopada e, além disso, que se designe um deputado simplesmente pelo nome próprio, ou se devo passar a chamar o Sr. Deputado Duarte Chagas, que suponho que é veterinário, por Sr. Duarte, veterinário, deputado.

Risos do PCP.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não lhe dou a palavra, Sr. Deputado, porque, em relação a uma interpelação à Mesa, V. Ex.ª não pode responder!
Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a Mesa entende que VV. Ex.as...

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou a responder a uma interpelação e não lhe posso dar a palavra. Tenho muita pena, mas não tem direito ao uso da palavra.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não lhe dou a palavra, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a Mesa pensa, e não sente sequer a necessidade de o dizer, que VV. Ex.as devem efectivamente, sempre que cada um Sr. Deputado se refere a qualquer outro, fazê-lo com a urbanidade que a simples circunstância de estarmos numa Câmara desta natureza aconselha.
Quando o Sr. Deputado Duarte Chagas se referiu à Sr.ª Deputada Odete Santos pela forma como o fez, embora seja pouco curial na medida em que se tratava de uma designação pelo nome próprio, a Mesa não podia aferir, pois não tinha elementos que o permitissem fazer, que circunstâncias podiam levar o Sr. Deputado a usar aquela expressão.
Só por essa razão a Mesa não interveio e, como é evidente, espera, como na grande maioria dos casos tem acontecido, que para o futuro essa urbanidade que referi seja o timbre do trato entre todos VV. Ex.as, não devendo, no entanto, ser dada às minhas palavras o valor de uma recomendação mas apenas de uma verificação, porque me parece que essa recomendação, só pelo simples facto de o ser, não devia ser dirigida a VV. Ex.as.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Para fazer uma interpelação à Mesa, se V. Ex.ª me dá licença.

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O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Presidente, quero perguntar à Mesa o seguinte: ao abrigo de que disposição regimental é que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira - até já tenho receio de não me lembrar dos nomes completos dos Srs. Deputados, embora a isso não seja obrigado - usou da palavra?
Sinto-me profundamente ofendido pela intervenção do Sr. Deputado Veiga de Oliveira e, por esse motivo, pergunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se é legítimo numa interpelação acontecerem essas ocorrências.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fui correcto, não sou obrigado a saber o nome de todos os deputados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tratei a deputada por «Sr.ª Deputada Odete» e ninguém me ofende, absolutamente ninguém, se me tratar por «Sr. Deputado Chagas».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se tivesse havido infracção na ordem regimental ter-lhe-ia de dizer que era a mesma que V. Ex.ª agora utilizou.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Ah, pois, pois!

O Sr. Presidente: - Ambos VV. Ex.as se serviram da figura da «interpelação regimental» e mais uma vez nesta Câmara, o Regimento serviu para tudo, em cada uma das suas figuras, menos para aquilo a que é destinado e para que VV. Ex.as acabassem por formular um protesto e um contraprotesto. Foi isto que aconteceu!
A Mesa pensa, embora tenha esperanças que a situação se altere dentro em breve em conferência dos presidentes dos grupos parlamentares e no momento da revisão do Regimento, que estas circunstâncias devem ser ultrapassadas.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, era só para lembrar que dizer «Chagas» ou «Oliveira» é falar do nome de família...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o assunto está esclarecido, não se fala mais nisso.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - ... e falar de «Odete» não é a mesma coisa...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe dou a palavra para discutir o assunto visto que ele está esclarecido.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Importo-me lá alguma coisa que me chame «António»!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, neste período suplementar do período de antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como os Srs. Deputados sabem fui eleito pelo círculo eleitoral de Évora e sou o Delegado de Saúde do Concelho de Portel.
Acabo de chegar vindo de Portei onde assisti a factos que me levaram a pedir tempo ao meu grupo parlamentar para dar conhecimento a esta Câmara do que lá se passa no que respeita à organização e funcionamento dos Serviços de Saúde.
Nesta altura o concelho de Portel pode servir de exemplo em relação ao caos existente na organização e funcionamento dos serviços relativos aos cuidados primários de saúde ao nível dos concelhos, vilas e freguesias do país. É o caos do qual este Governo e esta AD são responsáveis porque nesta data, com a extinção do Serviço Médico à Periferia e com a não nomeação daqueles milhares e milhares de médicos que chegou a ser anunciada por este Governo, não se encontram médicos a prestar serviço às populações nas zonas rurais.
Vou fazer um pouco de história para que os Srs. Deputados e esta Câmara possam ter conhecimento do que eram os Serviços Médicos no concelho de Portel, que é constituído pela vila de Portel e por 7 freguesias rurais, faz agora 2 anos, ou seja, antes desta AD ir para o Governo, antes de existir esta maioria parlamentar.
Os serviços funcionavam nos centros de saúde da vila, em postos de saúde nas aldeias e no hospital concelhio que funcionava como unidade de internamento; na vila havia consultas diárias de saúde infantil, de saúde materna, de planeamento familiar e de cuidados médicos de base; fazia-se saúde escolar, os médicos iam rastrear todas as crianças que frequentavam as escolas do concelho; havia consultas de oftalmologia, de odontologia, etc. Ensinava-se a população, rastreavam-se doenças, havia, pelo menos 3 vezes por semana, consultas nas aldeias, havia uma consulta semanal de puericultura em cada uma das freguesias e o hospital concelhio funcionava, para além do internamento, com análises, raio x, electrocardiograma e um serviço de emergência durante 24 horas em todos os dias do mês. Isto originou que no concelho de Portei, por exemplo, no que diz respeito, à mortalidade materna a taxa fosse zero durante muitos anos, à mortalidade infantil a taxa fosse 0/1000 5 anos consecutivos, e originou que a população fosse tratada com médicos e com serviços a funcionar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com a chegada da AD ao poder, com a instituição desta burla relacionada com a nova organização dos serviços de saúde, assistiu-se ao seguinte: ao pagamento dos serviços de saúde; ao facto de não haver médicos - isto verifica-se nesta altura no concelho - e quem está doente numa aldeia tem de chamar um táxi e ir à vila indo depois para uma bicha interminável à espera de arranjar um «papelinho» para ter consulta no médico da vila, normalmente não o arranja e, por isso, tem de recorrer à clínica privada; o hospital concelhio não tem médicos porque os 4 clínicos gerais - para os 7 dias da semana - que lá estão colocados não conseguem assegurar os serviços de urgência; aos sábados e domingos não há um único médico no concelho.
Eu estive lá este fim-de-semana - não vivo própria-

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mente na vila, mas sim numa freguesia - e chegaram a ir ambulâncias de propósito de Portei parar à minha porta para eu ver doentes. Ontem sentei-me às 15 horas no posto de atendimento da freguesia e saí de lá às 20 horas e 10 minutos, sempre a ver doentes.
Esta é uma situação que se estende um pouco por todo o país. Recebemos cartas no nosso grupo parlamentar - os Srs. Deputados dos diversos grupos parlamentares também as recebem - do Hospital do Fundão, do Hospital da Chamusca, etc, a relatarem situações semelhantes e, por isso, é necessário que isto tenha um termo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ouvimos aqui os governantes deste país prometerem mundos e fundos no campo da saúde. Decretaram taxas moderadas para melhorarem os serviços de saúde e eu pergunto: onde estão essas melhoras, Srs. Deputados? Qual dos Srs. Deputados desconhece esta situação?
O povo português não pode por mais tempo estar sujeito a tal governo e a tal política. É necessário tomar medidas de emergência... mas rápidas, esta semana, hoje, amanhã! É necessário acabar com este escândalo. É necessário que os médicos, que deixaram de ser colocados através do Serviço Médico à Periferia, voltem a trabalhar de modo a que as populações tenham, tal como a Constituição e a lei estabelecem, direito à saúde.
Este é um problema que preocupa de sobremaneira as populações e é um direito constitucional e legal que não está a ser cumprido. Pergunto: será que este moribundo Governo AD vai resolver o problema? Penso que não e por isso é que eu trouxe aqui este assunto para que todos os Srs. Deputados -todos juntos - , rapidamente, tomem medidas urgentes para acabar com este caos.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado José Niza(PS).

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, igualmente para uma intervenção, o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou proferir uma intervenção, aproveitando o prolongamento do período de antes da ordem do dia, que me foi sugerida pelas palavras do Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Deputado Vidigal Amaro chamou aqui a atenção da Câmara para um problema de grande acuidade nacional e de grande gravidade e eu pretendia não só apoiar a intervenção que ele acabou de fazer como continuá-la um pouco e ilustrá-la melhor, na medida em que 5 minutos não dão para esgotar o problema nem pela parte dele nem pela minha parte.
Portugal, neste momento, tem cerca de 23000 médicos e sensivelmente o mesmo número de enfermeiros. Sabemos, tem aqui sido dito nesta Assembleia e é do conhecimento do país e dos deputados, que a maior parte dos técnicos de saúde estão localizados nas zonas do Porto, de Lisboa e Coimbra, onde, em relação a clínicos gerais, se situam 80% dos médicos do país, e onde, em relação a especialistas, a percentagem cresce para 90%.
Todo o país sabe, designadamente os deputados, que ao nível de Lisboa e do Porto as estruturas de assistência estão completamente saturadas. O último hospital que se construiu em Lisboa foi o Hospital de Santa Maria e já lá vão muitos anos; prevê-se a construção de 2 novos hospitais, que neste momento já são necessários, e há o afunilamento de doentes provenientes de toda a província, e inclusivamente, das regiões autónomas, para os hospitais de Lisboa, designadamente para o Hospital de S. José. Tudo isto está a originar uma situação gravíssima.
Em paralelo, simultaneamente com esta situação e em tempo oportuno, designadamente durante os anos de gestão de governos de responsabilidade do Partido Socialista, foi decidida a construção de alguns hospitais distritais de grande importância, quer em dimensão, quer em localização. Cito, por exemplo, os casos do Hospital de Chaves - que, quer do ponto de vista tecnológico, quer do ponto de vista de dimensão, quer até do ponto de vista arquitectónico, é um modelo - do Hospital de Abrantes e do Hospital de Santarém, como 3 casos de novos e grandes hospitais que neste momento estão prontos, acabados e fechados!
Poderia recuar um pouco mais e citar outros casos como, por exemplo, os hospitais de Viana do Castelo, Castelo Branco, Faro e Portalegre, etc, que são hospitais distritais de grande dimensão e que nunca conseguiram funcionar em pleno, isto é, nunca os seus quadros foram preenchidos a níveis superiores aos 45%, como acontece em Portalegre.
Significam estas duas situações que existe em Portugal, em relação à cobertura médico/sanitária, uma grande assimetria entre as regiões do litoral e as regiões do interior e entre os grandes centros urbanos e a província.
Temos em Portugal, como disse há pouco, 23 000 médicos, o que, em termos europeus e em termos dos números apontados pela Organização Mundial de Saúde, daria uma cobertura médica de cerca de 400 habitantes para l médico. São números que dignificariam um país como Portugal e que apontariam para aquilo que Portugal pretende ser no futuro; simplesmente, a estatística, neste aspecto, é enganadora porque a grande concentração de técnicos nos centros urbanos altera completamente estes dados.
Temos neste momento, num momento em que o país tem dificuldades económicas, necessidade em aproveitar os nossos recursos e, por isso, é perfeitamente escandaloso que num país como Portugal, que gastou nos últimos anos muitos milhões de contos na construção de novos hospitais -hospitais, por exemplo, como o de Santarém ou o de Abrantes, que têm grande dimensão, que têm 500 camas e que tiveram um custo, não só para o Governo, como para as autarquias locais dessas 2 cidades, que talvez tenha ultrapassado os 2 milhões de contos por hospital-, haja hospitais fechados e que, pior ainda, não se deslumbre nenhuma garantia de colocação de técnicos para que eles possam abrir imediatamente.
Ora, este problema tem que ver com a gestão do pessoal e da tecnologia que temos em Portugal e que nem sequer precisamos de importar. Somos um país que tem dificuldades em relação à balança de pagamentos, que pede empréstimos para pagar empréstimos, mas no caso da saúde não precisamos de importar técnicos nem conhecimentos, na medida em que os temos a nível europeu. Aquilo que era necessário fazer e que este Governo ao fim de 3 anos não conseguiu - foi pena que não o tivesse feito na medida em que o Partido Socialista através do Serviço...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acabou o seu tempo, se abreviar...

O Sr. António Arnaut (PS): - Acabou o som quando se falava de Serviço Nacional de Saúde!

O Orador: - Vou abreviar, Sr. Presidente.
Dizia eu que foi pena que o Governo da AD em 3 anos não tivesse continuado aquilo que o Partido Socialista tinha começado quando delineou o Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nós apresentámos uma proposta, que foi aprovada e que não foi revogada por esta Assembleia, que não está a ser cumprida e que visava o preenchimento destes objectivos.
Há uma questão que ninguém discute em Portugal neste momento, penso mesmo que ela não se coloca em relação a nenhum deputado, e que é a seguinte: há uma necessidade urgente de dar uma cobertura eficaz em termos médico/sanitários a todo o país. Temos os hospitais, temos as estruturas, temos os equipamentos, temos os médicos, temos os enfermeiros, temos os técnicos, trata-se apenas de descentralizar todo este pessoal e todos estes meios para fazer uma cobertura racional daquilo que deve ser e é um direito de todos os portugueses.
E neste sentido que eu me associo à intervenção do meu colega e Deputado Vidigal Amaro quanto ao seu veemente protesto contra aquilo que não se promoveu durante os últimos 3 anos, independentemente das promessas que foram feitas ao povo português em matéria de saúde.
Termino aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e é pena que não tenha mais tempo visto que este é um assunto que tem toda a importância. Ficará para uma outra oportunidade.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Durante a intervenção do Sr. Deputado José Niza pediu a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Anacleto Batista. Como neste período não há lugar a pedidos de esclarecimento, fica inscrito para os formular na próxima sessão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproveitando este prolongamento do período de antes da ordem do dia queria, através da Assembleia da República, manifestar o meu apelo - que já fiz aqui várias vezes - ao Ministério da Justiça e às entidades governamentais para a construção de um Palácio de Justiça na vila de Albufeira.
Todos sabem da importância económica e turística no contexto do Algarve que tem a vila e o concelho de Albufeira. Neste momento várias repartições públicas do concelho de Albufeira estão instalados em prédios manifestamente tacanhos e em condições inadequadas ao bom funcionamento dessas mesmas repartições. Posso referir, por exemplo, a Conservatória do Registo Predial de Albufeira, que tem um volume de serviço bastante substancial e emolumentos também substanciais em receitas que manda para os cofres do Estado, a Conservatória do Registo Civil, o Notariado e, fundamentalmente, o Tribunal Judicial de Albufeira, que funciona num pequeno prédio onde nos corredores se acumulam os funcionários e utentes de um modo nada dignificante, quer para os funcionários, quer para o próprio Estado democrático.
Mais do que uma vez já manifestei aqui a necessidade e a urgência da construção do Palácio de Justiça de Albufeira para, de uma vez para sempre, se poder dar uma cabal concretização às necessidades imperiosas daquelas repartições públicas e para, mais uma vez, manifestar o nosso apoio àquela população algarvia.
Repito: mais uma vez manifesto a este órgão de soberania o apelo que as gentes de Albufeira têm feito para a edificação do seu Palácio da Justiça.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e do Sr. Deputado António Arnaut (PS).

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Passamos agora à ordem do dia, mas, antes de entrarmos na sua 1.ª parte, informo que se encontram na Mesa vários pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, que, se os Srs. Deputados não vissem nisso inconveniente, seriam lidos e votados conjuntamente.
São os seguintes: parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Lemos Damião a depor num processo que decorre na 4.ª secção da Directoria da Polícia Judiciária de Lisboa; parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Manuel Ribeiro Arruda a depor como testemunha no Processo n.º 758/81, do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada; parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Lopes Cardoso a depor como testemunha no 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa - Processo n.º 1388/82; parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Mário Dias Lopes a depor como testemunha no Processo n.º 46/74, do 2.º Juízo de Vila Franca de Xira; finalmente, um parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Correia Lopes a prestar declarações no Processo n.º 854, do 2.º Juízo Correccional do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa.
Se nenhum dos Srs. Deputados requer votação separada, votaremos estes pareceres em conjunto.

Pausa.

Vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência da UDP.

O Sr. Presidente: - Da primeira parte da ordem do dia consta, portanto, a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, requerida pelo PCP, sobre as causas que deram origem à não divulgação à Assembleia da República e à opinião pública do teor integral do relatório do 1.º de Maio elaborado pela Procuradoria-Geral da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos se lembram que os sangrentos acontecimentos ocorridos no Porto, na noite de 30 de Abril para l de Maio de 1982, causaram um grande alarme na opinião pública. O povo português interrogou-se sobre

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como e porquê nessa noite houve dezenas de feridos e duas mortes na baixa portuense; sobre como e porquê houve então no Porto uma noite de terror, com espancamentos brutais e tiroteio; sobre como e porquê a Polícia de Segurança Pública do Porto e o Corpo de Intervenção, sedeado em Lisboa, actuaram na ocasião; sobre como e porquê as comemorações do Dia Internacional do Trabalhador se transformaram num luto neste Portugal saído do 25 de Abril, onde as liberdades dos cidadãos têm de ser respeitadas e o direito à vida é um valor legal e, antes de tudo, um valor moral inscrito na consciência dos portugueses.
Como e porquê foram possíveis acontecimentos de tal gravidade? Perante estas perguntas - que punham em causa o próprio Governo e particularmente o Ministro da Administração Interna, responsável pela ordem e tranquilidade públicas, perante versões contraditórias, que delas logo surgiram, e notícias e boatos diversos, impunha-se que os factos fossem averiguados. E esta averiguação era tanto mais necessária quanto é certo que o Ministro da Administração Interna, que era parte no conflito e, portanto, suspeito, não se coibiu de apresentar logo uma versão dos acontecimentos tendenciosa, que aliás mais tarde teve de reconhecer como falsa, como assente em «informações deficientes», segundo as suas próprias palavras.
Perante esta necessidade de averiguações objectivas, unanimemente sentida e reclamada quer pelos cidadãos quer pelos órgãos de soberania com responsabilidades políticas, o Governo pediu à Procuradoria-Geral da República que procedesse a um inquérito. Com isto se deu uma primeira satisfação ao País: - uma autoridade isenta iria averiguar os factos e esclarecer as responsabilidades daqueles que directamente estiveram neles envolvidos.
Havia, porém, outras responsabilidades a esclarecer. Era necessário esclarecer as responsabilidades políticas que, porventura, tivessem determinado, propiciado, facilitado os acontecimentos sangrentos do Porto. Qual a responsabilidade política do Governo e, em especial, do Ministro da Administração Interna naquilo que se passara? Qual a responsabilidade do Governador Civil do Porto? Que ordens foram dadas à polícia para aquela ocasião? Que orientações são dadas à polícia para garantir a ordem pública? Como são recrutados e instruídos os agentes policiais para defenderem a tranquilidade pública com respeito pelas liberdades e direitos dos cidadãos e os demais valores de um Estado democrático?
Aquilo que se passara no Porto e outros factos que já anteriormente tinham alarmado a população e que indiciavam graves vícios e lacunas na actuação e preparação das forças policiais justificavam plenamente que a Assembleia da República, no uso dos seus poderes e competências de fiscalização dos actos do Governo e da administração, se tivesse determinado, em face dos gravíssimos acontecimentos do Porto, a efectuar um inquérito parlamentar susceptível de esclarecer toda a magna questão política da ordem pública e do modo de a defender num regime democrático.
Infelizmente, a maioria recusou-o, quando então foi requerido, na sequência das violências e assassínios cometidos na «baixa» portuense. E recusou-o, como estamos lembrados, com o falso argumento de que, estando a Procuradoria-Geral da República encarregada de um inquérito, não só se não devia fazer outro que dizia ser paralelo, como ainda de que, feito este, tudo se esclareceria perante os órgãos de soberania e o povo português - pois os seus resultados seriam imediatamente divulgados.
Recordo as palavras que aqui proferiu o Ministro da Administração Interna, em 21 de Maio passado, sobre a divulgação do inquérito da Procuradoria-Geral da República: «Não só o inquérito será divulgado... quando estiver concluído, como as questões que eventualmente aí possam ser explicitadas e que envolvam questões de natureza disciplinar ou criminal serão accionadas em concorrência. Essa é a minha responsabilidade política perante o Parlamento, perante, o próprio Governo, perante a opinião pública». Porém, terminado o inquérito, o que se passou?
Como toda a gente sabe, o inquérito terminou há muitos meses e as suas conclusões não foram divulgadas, pois ninguém pode, razoavelmente, considerar que a «nota oficiosa», publicada em 21 de Agosto, possa considerar-se como uma divulgação fidedigna dessas conclusões. Pelo contrário, se tivermos em conta aquilo que, sem desmentido do Governo ou da Procuradoria-Geral da República, diversos órgãos de informação têm dito serem as verdadeiras conclusões do inquérito, essa «nota oficiosa» não foi senão um artifício destinado precisamente a esconder as conclusões do inquérito, a enganar a opinião pública quanto ao que se passou na noite de 30 de Abril para l de Maio, encobrindo e desviando a atenção dos seus responsáveis e sugerindo até que eles são outros. Mas não só. Essa «nota oficiosa» foi também um artifício preparado e destinado a justificar posteriores atitudes de desrespeito a esta Assembleia, aos seus poderes e às suas competências, atitudes que se têm concretizado na recusa de lhe dar a conhecer o teor do inquérito efectuado pela Procuradoria-Geral da República.
É disse exemplo claro, além do mais, o que se passou na sessão de perguntas ao Governo, efectuada em 19 de Novembro passado, na qual o Ministro da Administração Interna, respondendo a questões que lhe foram postas por deputados do PCP e da UEDS, se negou uma vez mais a divulgar o relatório e declarou já ter tornado público, através dessa «nota oficiosa», o que lhe era possível dar a conhecer do seu teor, atentos os pareceres sobre o chamado «segredo da Justiça» emitidos pela Procuradoria-Geral da República.
Por estes caminhos ínvios, a actual maioria e o Governo tentam bloquear o exercício da competência de fiscalização dos actos do governo por esta Assembleia. Primeiro recusam-lhe a constituição de uma Comissão de Inquérito aos acontecimentos do 1.º de Maio porque já havia sido cometida à Procuradoria-Geral da República a incumbência de o fazer. Depois, feito este, o seu teor não lhe é dado a conhecer porque isso poria em causa o segredo de justiça em que se encontram as investigações criminais da Polícia Judiciária e os processos disciplinares ordenados pelo Comando-Geral da PSP, em consequência de tais acontecimentos.
À Assembleia da República e à opinião pública, o Ministro da Administração Interna fornece-lhes somente a «nota oficiosa» que elaborou, escondendo factos e responsabilidades, sugerindo culpados ao arrepio das conclusões divulgadas pela imprensa, escamoteando afirmações gravíssimas vindas já a lume como as de que existem fortes indícios que o calibre 7,65 (das balas que provocaram as duas mortes) era exclusivamente usado pelos graduados, comandantes de pelotão e de secção, do Corpo de Intervenção, com fortes suspeitas de num caso o seu autor pertencer ao 1.º pelotão; que o comandante

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do Corpo de Intervenção desobedeceu a ordens do comando de operações, ultrapassou os elos normais da cadeia de comando e até mentiu ao comandante das forças em operações; que as operações do Corpo de Intervenção foram desencadeadas quando a situação estava completamente controlada pela PSP do Porto; que essa acção foi brutal, desnecessária e ilegal e atingiu, de forma selvática, dezenas de cidadãos, incluindo meros transeuntes e que dela resultaram dois assassinatos e dezenas de feridos; que é um perigo para os cidadãos a existência de um Corpo de Intervenção com a actual composição, formas de recrutamento, preparação e intervenção.
Tudo isto tem sido revelado pela imprensa sem desmentido. Tudo isto foi ocultado na nota oficiosa. Tudo isto se pretende esconder a esta Assembleia com o maior desplante, chegando-se ao cúmulo do desrespeito por ela quando, por exemplo, em 30 de Novembro passado, o Ministério da Administração Interna responde a deputados do Partido Socialista, que em 18 de Maio, o tinham inquirido, por requerimento, acerca de várias questões relacionadas com os acontecimentos do Porto, desta maneira inqualificável e terminante: «os relatórios da PSP (Porto) e Corpo de Intervenção são de âmbito interno».
Aqui não havia, com certeza, segredo de Justiça. Havia outros segredos, se calhar, e todos servem a este ministro para sonegar elementos aos deputados e a esta Assembleia que permitam fiscalizar os seus actos. Um tal ministro não é o que, depois de ter raiado o 25 de Abril, passou a designar-se de Ministro da Administração Interna. E o ministro dos segredos, dos «segredos de justiça», dos segredos sem justiça, dos segredos contra a justiça, que -tal como os seus antecessores do antigamente - quer tudo escondido e esconde tudo quanto pode.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A fiscalização irrita-o, a opinião pública atemoriza-o, a luz perturba-o. É um morcego no regime democrático.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para ocultar o que se passou no Porto, para impedir que esta Assembleia actue de harmonia com as suas competências e, nomeadamente, se debruce com conhecimentos concretos sobre o problema da defesa da ordem pública e do modo como é assegurada ou posta em risco pelas forças policiais, para esconder da opinião pública a gravidade dos factos que enlutaram as comemorações do Dia Mundial dos Trabalhadores, o Ministro da Administração Interna invoca 2 pareceres da Procuradoria-Geral da República, um de Julho de 1981, sobre o segredo de justiça em processo criminal, outro de 20 de Outubro passado, sobre o caso concreto da divulgação do relatório dos acontecimentos do Porto.
Sucede, porém que, antes de ter pedido este último, o Ministro da Administração Interna ouviu a Auditoria Jurídica do seu próprio Ministério. E esta pronunciou-se no sentido de que a divulgação das conclusões do inquérito do Porto não ofenderia normas legais desde que dos seus artigos 34.º, 45.º a 48.º, 89.º e 97.º, fossem omitidos os nomes dos ofendidos e arguidos e de grande parte artigo 75.º, por nele se fazer referência às dificuldades para a identificação do autor do crime mais grave que se procurou averiguar no processo. Esta solução da Auditoria Jurídica do próprio Ministério da Administração Interna parece razoável e seria suficiente para tranquilizar e apoiar um qualquer ministro que, querendo respeitar as leis, quisesse ao mesmo tempo esclarecer a opinião pública, isto é, quisesse concretizar a primeira finalidade do inquérito, que era exactamente a de esclarecer a opinião pública. Porém esta solução razoável da Auditoria Jurídica do seu Ministério vinha ao arrepio daquilo que o Ministro pretendia, e que não era outra coisa senão ocultar ao país e a esta Assembleia a verdade apurada no inquérito. Eis porque pediu à Procuradoria-Geral da República outro parecer.
Partindo do princípio discutível de que o inquérito feito tinha a natureza de «um processo administrativo gracioso de tipo potencialmente sancionador», a Procuradoria concluiu, aliás com votos de vencidos de vários dos membros do seu Conselho Consultivo, no sentido de se ir mais longe na divulgação, que, no caso concreto «a divulgação de informações deve evitar a possibilidade de identificação, pelo público, dos arguidos dos processos disciplinares e criminais instaurados com base nos factos apurados no inquérito, assim como juízos opiniativos sobre a eventual responsabilidade dos agentes das infracções e do comportamento das vítimas e deve ser feita em termos de evitar que tais informações possam suscitar estados de opinião susceptíveis de influenciar a apreciação pelos órgãos competentes, o que pressupõe uma rigorosa objectividade na descrição dos mesmos factos».
Ora, a «nota oficiosa» do Ministro da Administração Interna, de 21 de Agosto, não corresponde minimamente às recomendações deste parecer. Pode dizer-se que esta nota, prima pela não objectividade e não passa, como já dissemos, de um artifício destinado a esconder e, mais do que isso, a adulterar as conclusões do inquérito. O parecer da Procuradoria serviu e tem servido ao Ministro da Administração Interna para justificar o ter urdido uma mentira indecorosa sobre os acontecimentos do 1.º de Maio, enganando a opinião pública e enganando esta Assembleia perante a qual assumiu expressamente a obrigação de revelar as conclusões do inquérito.
É que o inquérito efectuado pela Procuradoria tinha a finalidade de esclarecer a opinião pública, tendo-se entendido até aqui na Assembleia, como já recordámos, que ele substituiria o «inquérito parlamentar» então pretendido pelos deputados da oposição.
O inquérito não visava, portanto, uma investigação de tipo disciplinar mas, como foi oportunamente referido, um procedimento mais vasto dirigido a uma globalidade de factos e situações que envolviam não só a polícia mas também forças sindicais e a população em geral. A circunstância de o inquérito ter dado origem a processo disciplinar não modifica nem a sua natureza nem os seus objectivos.
Pela sua natureza e pelos seus objectivos, o inquérito ordenado era um inquérito atípico destinado a esclarecer a opinião pública e os órgãos de soberania. Sujeitá-lo às regras do «segredo de justiça» válidas para o processo criminal é deturpar-lhe a finalidade e a natureza, é tornar secreto aquilo que exactamente foi feito para ser tornado público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nega-se assim aos cidadãos o direito constitucionalmente estabelecido de serem informados e

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viola-se a obrigação, também constitucionalmente estabelecida, de o Estado informar os cidadãos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nega-se ainda a possibilidade de a Assembleia da República exercer o seu poder de fiscalização sobre o Governo e a administração pois sonegam-se-lhe meios indispensáveis para o seu exercício, podendo até, no arbítrio da administração, fornecer-lhos ou não. E, pior ainda, fornecer-lhes truncados ou adulterados, de harmonia com conveniências pessoais ou políticas, sem qualquer possibilidade de a Assembleia poder verificar da verdade e objectividade dos dados que lhe são fornecidos.
Aliás, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República fez questão de acentuar que «não é possível dar uma resposta concreta, com o rigor exigido à consulta que nos é formulada, mas apenas apontar critérios de decisão. Nem caberia na competência deste Conselho, que é um órgão de Consulta Jurídica, emitir parecer sobre o que, em concreto, deve ou não ser divulgado».
Quer dizer, a Procuradoria diz claramente ao Ministro que a questão é no fundamental, política e não jurídica, responde-lhe à questão jurídica e remete-lhe a responsabilidade política da divulgação.

Aplausos do PCP.

O Ministro da Administração Interna, porém, -com a irresponsabilidade de atitudes que o caracteriza - esquece este aviso da Procuradoria e pendura-se sem vergonha no parecer, afirmando que não divulga o inquérito porque a Procuradoria-Geral da República não o permite.
Como vemos, não é assim, e o Ministro não tem sequer este arrimo para se justificar da sua inqualificável atitude. E manipula um parecer da Procuradoria-Geral da República para justificar a recusa de revelar o conteúdo das conclusões do inquérito aos acontecimentos do 1º de Maio, recusa que assume assim, além do mais, uma forma de encobrimento político de crimes que o país tem o direito de conhecer e de iludir as suas próprias responsabilidades nesses crimes. Mas mais ainda: essa recusa, sem fundamento legal ou político, revela uma forma de encobrir ao país e a esta Assembleia que, como já foi dito e não desmentido em órgãos de informação, no inquérito da Procuradoria-Geral da República se conclui também que a actual composição, forma de recrutamento, preparação e formas de intervenção do Corpo de Intervenção da Polícia de Segurança Pública são perigosas para a democracia e para a segurança dos cidadãos.
Bastaria esta última conclusão do inquérito para que um governo minimamente digno desse conhecimento à Assembleia da República e à opinião pública do teor do relatório sobre o 1.º de Maio. Porque o não fez até agora e porque o Ministro da Administração Interna declara que o não fará e ainda recentemente o afirmou de novo em entrevista dada ao jornal O País, em 10 de Dezembro, torna-se necessário que esta Assembleia promova um inquérito parlamentar sobre as causas que deram origem a essa não divulgação, e que foi requerido por deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português em 19 de Novembro findo.
O Ministro Angelo Correia está demitido, o Governo Balsemão está de malas aviadas e tudo isso se deve também às malfeitorias, ilegalidades e vícios de uma gestão ruinosa. Entre as peças da herança que deixam ao país está a obstrução ao exercício das competências da Assembleia no tocante aos acontecimentos sangrentos do 1.º de Maio. Essa obstrução continua e por isso daqui reclamamos de novo a imediata comunicação à Assembleia da República e à opinião pública do teor do relatório elaborado pela Procuradoria-Geral da República.
Quanto ao inquérito que propomos, ele visa um objectivo não menos importante e de profundo alcance democrático. É que não podem ficar na sombra, envoltos para sempre em mistério, os factos que permitiram que, ao longo destes meses, fossem sonegadas, inconstitucionalmente, à Assembleia da República, informações essenciais para o exercício das suas competências. E sem responsabilização dos actos do poder não há verdadeira democracia. Por isso não podem ficar por desvendar as formas através das quais um membro do governo ousou e ousa encobrir responsabilidades próprias e de terceiros em matéria da mais alta gravidade. Ao votar este inquérito, a Assembleia da República vai ser chamada a decidir se prevalece a responsabilização, isto é, a justiça e a transparência, ou a irresponsabilidade, o segredo antidemocrático e o crime.

Aplausos do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado que acaba de intervir, os Srs. Deputados Silva Marques e Américo de Sá.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para além da roupagem com que o Sr. Deputado vestiu a sua intervenção, há, de qualquer modo, uma lógica de raciocínio que levaria a que a vossa atitude relativamente a esta questão fosse a de requerer a remessa do inquérito e de, inclusivamente, requerer uma informação sobre os actos consecutivos do Governo.
A minha pergunta é, pois, precisamente esta: porque é que VV. Ex.as não se socorrem desse meio legal ao vosso dispor? Então sim, em função do exercício desse instrumento legal, poderia ter algum cabimento a proposta da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Antes disso, em minha opinião, não tem sentido.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, tão preocupado como anda sempre com aquilo que se passa na Polónia, na França, na Itália, etc., no Pólo Norte e no Pólo Sul, não repara nas coisas mais comezinhas que se passam aqui neste Parlamento.
E não reparou, por exemplo, além do mais, que, na última sessão de perguntas ao Governo, a questão da publicação do relatório era motivo de uma pergunta nossa -não só nossa, mas também da UEDS-, que aqui foi feita, tendo o Sr. Ministro da Administração Interna dito que não fornecia o teor do relatório pelas razões que eu já referi variadíssimas vezes, inclusive, como cito na minha intervenção, em entrevista por mim concedida ao jornal O País, em Dezembro passado. Portanto, o inquérito é pedido e formulado exactamente porque o Sr. Ministro se recusa a fornecê-lo tendo a nosso pedido dito que não o fornece.
E como o Sr. Deputado Silva Marques é da bancada do partido a que o Sr. Ministro pertence, fazia-lhe um

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apelo no sentido de que usasse a sua reconhecida influência.

Risos.

Para fazer com que o Sr. Ministro enviasse o relatório à Assembleia da República.
Se o Sr. Deputado Silva Marques conseguisse isso, devo dizer-lhe que se redimia de muitos dos pecados que aqui comete nesta Assembleia.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Américo de Sá.

O Sr. Américo de Sá (CDS): - Sr. Deputado Lino Lima, nós pensamos que os acontecimentos do 1.º de Maio ocorridos no Porto envolvem, como aliás o Sr. Deputado o reconheceu, 2 tipos de responsabilidades: a responsabilidade política e a responsabilidade criminal.
A responsabilidade criminal estaria em saber quem matou, quem feriu, quem deu tiros, quem ficou ferido, em que medida ficou ferido e tudo o mais que esta responsabilidade envolve.
A responsabilidade política, como de alguma forma também o Sr. Deputado Lino Lima definiu, estaria em saber quem deu ordens para dar tiros, quem deu ordens de forma a originar-se a situação que se conhece, qual a forma de recrutamento e de instrução do pessoal que faz parte do corpo de intervenção e tudo o mais que está ligado a toda esta problemática.
Por nosso lado, julgamos que a matéria de responsabilidade criminal não tem nada, ou tem muito pouco, a ver com a Assembleia da República. Essa será uma responsabilidade a ser oportunamente apurada judicialmente. Não vejo porque é que se haveria de comunicar à Assembleia da República o que é que se apurou em termos de responsabilidade criminal sobre os factos do 1.º de Maio no Porto, pela mesma razão, porque se não revela à Assembleia qualquer crime que se comete no país.
Já entenderíamos melhor que o problema da responsabilidade política fosse matéria da competência desta Assembleia, na medida em que ela pode fiscalizar os actos do Governo.
A verdade é que, mal ou bem, ao negar a extensão à Assembleia do inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República, naturalmente que a esta ficou vedada a possibilidade de averiguar essa tal responsabilidade política; quem deu ordens, como é que se recrutou pessoal do corpo de intervenção, qual a instrução que recebeu, quais as ordens que lhe foram dadas, etc.
Não vemos por isso porque é que este relatório tem tanto interesse para a Assembleia da República na medida em que não trata o único problema que esta tinha competência e inteira legitimidade de tratar.
Este o primeiro ponto que queria abordar.
O segundo ponto é este: evidentemente que a Assembleia da República não é propriedade do Sr. Ministro da Administração Interna. O relatório foi feito pela Procuradoria-Geral da República, depende do Sr. Ministro da Justiça. Não vejo, pois, porque é que se não faz, no uso das competências da Assembleia, o pedido de entrega desse inquérito ao Sr. Ministro da Justiça que, naturalmente, tem toda a competência para ordenar à Procuradoria-Geral da República no sentido
de o fazer chegar à Assembleia da República, - deixemo-nos de brincadeiras- não é propriedade do Sr. Ministro da Administração Interna.
O relatório foi feito por uma entidade que depende do Sr. Ministro da Justiça, a quem a Assembleia da República pode requisitar a sua entrega. No meu ponto de vista, ele não trará grande novidade mas, de qualquer forma, a Assembleia pode ter interesse em conhecê-lo.
O nosso voto será, portanto, no sentido de fazer essa requisição ao Sr. Ministro da Justiça que, naturalmente, deferirá a pretensão da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado Américo de Sá, naturalmente que nós estamos interessados em que se conheça a verdade, em que se conheça o relatório da Procuradoria-Geral da República. Por isso ficaríamos muito satisfeitos se o CDS tomasse essa iniciativa junto do Sr. Ministro da Justiça e obtivesse um bom resultado.
Efectivamente, o que nós pretendemos é uma coisa muito clara, que temos dito e redito: é preciso dar satisfação à opinião pública sobre os factos que se passaram no Porto e foi por isso que, desde logo, foi pedido à Procuradoria-Geral da República que fizesse o inquérito - e repito- em primeiro lugar para dar satisfação à opinião pública e em segundo lugar para que esta Assembleia da República, no conhecimento desse relatório, pudesse exercer os seus direitos de fiscalização dos actos do Governo e da Administração.
As considerações que o Sr. Deputado Américo de Sá faz quanto às razões criminais e às razões políticas, parece-me que em nada contrariam a necessidade de se conhecer o relatório. Se porventura dele se vier a verificar...

O Sr. Américo de Sá (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Américo de Sá (CDS): - Sr. Deputado, é apenas para dizer que nós não nos opomos a que o relatório seja conhecido. Pensamos é que o relatório não vai dar as respostas que o Sr. Deputado Lino Lima pretende, porque vai apenas averiguar da responsabilidade criminal, com que nós temos muito pouco a ver, e não vai averiguar das responsabilidades políticas. Todavia, repito, nós não nos opomos à revelação do relatório. Queremo-lo e desejámo-lo.

O Orador: - O Sr. Deputado Américo de Sá faz afirmações das quais parece poder concluir-se que conhece o relatório. Ora, a verdade é que nós não o conhecemos.

O Sr. Américo de Sá (CDS): - Ó Sr. Deputado, desculpe-me mas V. Ex.ª é que citou frases do relatório. Eu não conheço relatório nenhum. V. Ex.ª é que parece conhecê-lo!

O Orador: - Sr. Deputado, eu citei frases que têm vindo nos órgãos de informação, que são atribuídas ao relatório e que nem o Ministro da Administração Interna, que o recebeu, nem a Procuradoria-Geral, que o fez, as desmentiram.

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Voltando à questão, nós desejamos conhecer o relatório como membros desta Assembleia e entendemos que além disso a opinião pública também o deve conhecer.
Achamos muito interessante a posição agora revelada pelo CDS, mas ao mesmo tempo achamo-la estranha, por tardia, uma vez que há meses que reclamamos
- não só nós mas muitas pessoas e entidades o fazem - reclamamos, dizia, a publicação do relatório, o que até à data não foi feito. E as razões que têm sido apontadas para que tal não tenha acontecido, são as que eu já referi e que foram dadas pelo Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Deputado faz parte de um partido do Governo e aquilo que eu sei acerca da actividade do seu grupo parlamentar quanto a esta questão é, pura e simplesmente, a de que votou contra a realização de um inquérito parlamentar que aqui foi requerido para averiguar dos acontecimentos do 1.º de Maio. De então para cá os senhores têm estado serenos, sossegados e mudos. Admito que não queiram continuar nessa situação - oxalá!- e nesse caso ficamos muito satisfeitos se derem um contributo sério para que efectivamente esta pouca vergonha que representa a não publicação do relatório acabe de uma vez por todas para sossego e tranquilidade da opinião pública, para que esta Assembleia possa saber o que deve fazer, se é que deve fazer alguma coisa, em consequência daquilo que se diz no relatório.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Lino Lima, neste momento a minha questão, em forma de protesto, é esta: se V. Ex.ª, pelos vistos, está particularmente indignado com a situação, o que, todavia, não lhe permite tirar qualquer conclusão acerca da existência ou não de indignação relativamente a outros deputados ou cidadãos, porque razão é que V. Ex.ª não utilizou até este momento o poder que lhe confere o artigo 16.º, alínea i) do Regimento? Isto numa primeira fase.
Se por acaso a utilização desses instrumentos legais que a lei põe à vossa disposição não surtissem efeito, ou lhe dessem motivo para uma segunda iniciativa, então, sim, haveria lugar a uma proposta a esta Assembleia nos termos do artigo 165.º, alínea a), da Constituição.
VV. Ex.as até este momento não fizeram nada disto e, portanto, de certo modo é suspeito -e agora desculpe mais um pecadilho meu - de estar a fazer, fundamentalmente, uma actuação de agitação política. Isto para, digamos, cometer mais um daqueles pecadilhos a que V. Ex.ª se referia a meu respeito, mas pode estar descansado de que eu tentarei redimir-me dos meus pecadilhos, embora não com a vossa «água benta»!...
Portanto, V. Ex.ª deveria, para melhor convencimento dos deputados presentes, demonstrar que utilizou todos os instrumentos legais que o quadro vigente coloca à sua disposição para que não houvesse quaisquer dúvidas de que estava de forma sã e exclusiva a tentar que a lei fosse cumprida, como o refere a Constituição, e que a responsabilidade política fosse assumida sem qualquer confusão relativamente à responsabilidade criminal.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, em resumo e conclusão, devo dizer-lhe que da parte da minha bancada já foram feitos pelo menos 2 requerimentos dirigidos ao Governo pedindo a publicação do relatório.
Mas, Sr. Deputado, como é que depois de passarem tantos meses sobre esta questão, V. Ex.ª vem levantar os problemas que ora levanta?
A questão é esta: há muitos meses que o relatório foi entregue, mas não foi publicado. E se o Sr. Deputado está, como parece querer insinuar, empenhado em que esse relatório seja divulgado, só tem uma coisa a fazer: é votar a favor deste nosso pedido de inquérito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para procedermos ao intervalo regimental suspendemos agora os nossos trabalhos, que recomeçarão às 18 horas e 10 minutos.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Américo de Sá.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Continuando a apreciação da matéria já em debate, concedo agora a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O resultado do Inquérito do 1.º de Maio, diz respeito a todos os portugueses, todos eles são parte do processo.

odos os portugueses foram atingidos pelos acontecimentos do 1.º de Maio.
Todos os portugueses devem saber por que se matam homens pelo facto de exercerem livremente o direito de manifestação, direito que conquistaram ao longo de uma luta heróica que deveria merecer o respeito de qualquer governo democrático.
As coordenadas anti-históricas, anti-culturais e anti-democráticas dos governos AD em tudo se manifestam.
A AD é muito mais feliz quando se governa a si própria, sem este obstáculo intransponível que é o povo. Um povo que teima em demonstrar que deu à AD mandato para governar e não para o destruir, para o afrontar e para o envergonhar.
As páginas do Diário da Assembleia da República, que perpetuam a vinda do Ministro Angelo Correia a esta Assembleia, para além de serem páginas de grande humorismo literário, são páginas negras da nossa vida pública. O Ministro Angelo Correia junta uma verbosidade acaciana à lógica esquisóide de qualquer Torquemada de segunda ordem.
Falta ao Ministro Angelo Correia o fogo que queimou Roma, Sodoma ou destruiu Cartago, mas projecta-se nele a ânsia de tais factos.
A clareza e o equilíbrio em democracia são incompatíveis com a governação AD. O desgaste social provocado pelos 3 governos AD é larga prova disso mesmo, sem

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falar já do desgaste provocado pela tentativa de formação do IV Governo.
A AD vive da confusão e alimenta-se do obscurantismo.
Só isto pode explicar que perante acontecimentos que enlutaram não uma família, mas um país, e perante acontecimentos que não se passaram na intimidade do indivíduo, mas pisaram e esfacelaram a vida colectiva, alguém queira esconder factos tão graves, em vez de os explicar com honestidade e de uma forma simples e correcta, acessível a todos os portugueses.
Se esse alguém que pretende esconder é o próprio governo «democrático», eleito pelo povo, o facto toma proporções só compatíveis com as ditaduras que recusámos e contra as quais lutamos.
A insegurança política da AD, as suas contradições, não só de processo mas de objecto, geram um clima espiritualmente repressivo.
É nesta malha que todos vemos esgotar-se a nossa democracia.
Srs. Deputados neste momento será lógico esperar que a maioria desta Câmara assuma perante um governo que se demitiu e face a um povo que se não demite, uma atitude que marque o carácter democrático da Assembleia da República.
A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a melhor companheira.
E é sempre tempo de a pôr ao nosso lado.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP e do deputado António Arnaut (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de conceder a palavra ao próximo orador inscrito, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para que proceda à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Azevedo e Vasconcelos): Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 11 de Janeiro de 1983, pelas 14 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de Deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

Mário Júlio Montalvão Machado (círculo eleitoral do Porto) por Carlos Bessa Morais Alão (esta substituição é pedida para os dias lia 14 de Janeiro corrente, inclusive);
Fernando Alfredo Gil Moutinho Garcez (círculo eleitoral de Castelo Branco) por João Bernardo Ferreira (esta substituição é pedida para os dias 11 a 21 de Janeiro corrente, inclusive);
João Vasco da Luz Botelho Paiva (círculo eleitoral dos Açores) por António Manuel Goulart Lemos de Menezes (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do passado dia l de Janeiro inclusive).

2) Solicitada pelo Partido Socialista: Guilherme Gomes dos Santos (círculo eleitoral de Leiria) por Hermínio Martins de Oliveira (esta substituição é pedida por um período não superior a l ano, a partir do dia 11 de Janeiro corrente, inclusive).

3) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena (círculo eleitoral de Setúbal) por Henrique Augusto Rocha Ferreira (esta substituição é pedida por um período não superior a l mês, a partir do dia 11 de Janeiro corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos Partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do Deputado da União Democrática Popular.

A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva (PSD) - Jorge Fernando Branco de Sampaio (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Herberto de Castro Goulart da Silva (MDP/CDE) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este relatório e parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da UDP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-nos deliberar hoje sobre um pedido de inquérito formulado pelo Partido Comunista Português às causas que determinaram a não divulgação do inquérito aos acontecimentos do 1.º de Maio último no Porto, isto é, no fundo, um inquérito ao comportamento do Governo e do Sr. Ministro da Administração Interna, Angelo Correia. Tratando-se de um Governo demitido, tratando-se de um Ministro demitido, há talvez quem, com certa legitimidade, se pergunte se não será gastar demasiada cera com ruins defuntos...
Nós pensamos, no entanto, que não, porque cremos

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que este caso é exemplar - é duplamente exemplar! O comportamento do Sr. Ministro da Administração Interna é o exemplo do que não deve ser o comportamento de um ministro num regime democrático, e aquilo que for o comportamento desta Assembleia face a este pedido de inquérito será também ele algo de exemplar.
Ao longo deste interminável ano em que o Sr. Ministro da Administração Interna esteve à frente do seu pelouro, fomo-nos habituando à utilização, pela sua parte, de todos os subterfúgios, de todas as mentiras, de todas as calúnias, como instrumentos fundamentais no seu relacionamento com o povo português, com a opinião pública e com esta Assembleia.
De todos os subterfúgios, dizia eu, e dos mais fantasmagóricos! Basta lembrar a construção delirante feita em torno da inventona do dia 12 de Fevereiro -cujos presumíveis criminosos envolvidos nessa frustrada intentona se encontram hoje em liberdade; a mentira pura e simples - basta recordar a desfaçatez com que daquela bancada o Sr. Ministro Angelo Correia negou a presença em Portugal, a seu convite e por essas alturas, de um alto responsável da polícia espanhola; o não respeito pela sua própria palavra perante o compromisso que aqui assumiu, face a todos os deputados, como justificativo para defender a não realização do inquérito na altura solicitado pela minha bancada aos acontecimentos do 1.º de Maio; o compromisso que assumiu de tornar público o inquérito que tinha solicitado à Procuradoria-Geral da República e o modo como, posteriormente, veio dar o dito por não dito e recusar essa publicação. À calúnia pura e simples também não vai muito tempo, e todos nós recordamos a desfaçatez com que o Sr. Ministro Angelo Correia daquela bancada teve a ousadia de caluniar um trabalhador da Cometna, lançando sobre ele, enfim, todas as infâmias que na altura lhe ocorreram.
Perante este comportamento, nós temos assistido à sucessiva demissão da maioria desta Assembleia, cobrindo com o seu apoio cúmplice as actividades do governo e muito em particular as actividades do Sr. Ministro Angelo Correia.
O problema que hoje se põe aqui é o de saber se, mais uma vez, a maioria vai ser cúmplice, e assumir a sua quota de responsabilidade, no comportamento do Ministro da Administração Interna, ou se, finalmente, consciente de que importa dignificar as instituições democráticas, consciente de que importa dignificar esta Assembleia, consciente do papel que lhe cabe no quadro das instituições democráticas aceitará o inquérito que agora nos é proposto.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, e porque o que está aqui realmente em causa é a dignidade das instituições, a dignidade de um Governo e a dignidade da própria Assembleia, não negaremos o nosso voto ao pedido de inquérito formulado pelo Partido Comunista Português.

Aplausos da UEDS, do PCP e do Deputado António Arnaut (PS).

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, qual é o tempo de que disponho para esta intervenção?

O Sr. Presidente: - Dispõe de 20 minutos, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que não se pode, ou pelo menos não se deve, discutir esta matéria sem deliberar sobre ela sem que esta Assembleia tenha pelo menos em conta o que já foram os vários debates em torno dos mesmos acontecimentos, nomeadamente em torno do inquérito que foi já pedido, o inquérito parlamentar, e de outros inquéritos vários. Penso também que ajudará à percepção da validade do que hoje é requerido se esta Câmara tiver em conta precisamente aquilo que foi afirmado por vários grupos parlamentares, nomeadamente na sessão de 21 de Maio de 1982, Diário da Assembleia da República, l.ª série, n.º 90.
Como estarão recordados, não só se discutiu nessa altura o pedido de inquérito formulado pela UEDS como também o Sr. Ministro da Administração Interna teve que responder a algumas perguntas que foram feitas nesta Câmara.
Em primeiro lugar, apenas para citar, quando o Partido Socialista requereu ao Sr. Ministro da Administração Interna a informação sobre se havia outros relatórios além daqueles que tinha sido solicitado, em termos de inquérito à Procuradoria-Geral da República, o Sr. Ministro -conforme se pode ler a p. 3751, desse mesmo Diário - diz que «continuamos a pensar que é mais útil que o inquérito possa ser requerido e possa ser examinada a sua utilidade depois de termos os resultados obtidos pela Procuradoria-Geral da República que devem estar para breve».
E continua nessa altura o Sr. Ministro a dizer que «não se nega a fornecer, logo que tenha disso conhecimento, à mesma Câmara os outros inquéritos que o Partido Socialista solicitou que fossem desde logo enviados a esta Assembleia».
O Sr. Ministro diz, a p. 3757, que os elementos de que dispõe são 2 e nenhum deles será escamoteado à Assembleia da República, ou seja -frase aliás que o Sr. Ministro dirige muitas vezes-, «quando em termos regimentais a questão me for colocada, como aliás é costume em relação a todos os pedidos, perguntas ou requerimentos, a resposta será imediata». Isto dizia o Sr. Ministro em 21 de Maio, e repare-se que ele próprio considerava que há 2 inquéritos que fornecerá logo que requeridos - e o Partido Socialista requereu-os de imediato. Mas passados praticamente 6 meses, ou seja, em 30 de Novembro de 1982, na resposta publicada no Diário da Assembleia da República, II série, de 17 de Dezembro de 1981, além das várias respostas sobre vários pedidos de esclarecimento que o Partido Socialista tinha formulado, pode-se anotar esta resposta verdadeiramente espantosa, ou seja (para usar a expressão do Sr. Ministro), «relativamente a outras questões solicitadas informa-se que:

a) Os relatórios da Polícia de Segurança Pública, Porto, e Corpo de Intervenção são de âmbito interno;
b) Não existe qualquer relatório do Sr. Governador Civil do Porto quanto aos acontecimentos».

Quer dizer, em Maio o Sr. Ministro diz nesta Assembleia que há 2 relatórios que, logo que sejam requeridos, entregará a esta Câmara e em Novembro diz que há de facto esses 2 relatórios mas que são de âmbito interno.
Como é que o Sr. Ministro pode em Maio dizer que,

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uma vez requeridos, entregará esses relatórios e em Novembro dizer que eles são de âmbito interno?
Por outro lado, aquando do requerimento de inquérito apresentado pela UEDS, processou-se nesta Câmara um debate, com um mínimo de interesse, precisamente sobre quais as funções da Assembleia da República no quadro constitucional, quais as possibilidades que ela teria de fiscalizar os actos do Governo em toda a sua extensão e ainda qual a distinção que deveria fazer-se entre um inquérito de natureza política -da competência desta Câmara- e aquilo que estava, digamos assim, cometido à Procuradoria-Geral da República.
Nesse debate, o Partido Socialista tomou uma posição clara, que foi a de não tomar partido sobre os acontecimentos, mas antes tomar partido, veemente e peremptório, sobre aquilo que seria e deveria ser entendido como a competência constitucional normal da Assembleia da República e a impossibilidade de esta ser posta à margem daquilo que era facto de manifesta importância na vida democrática em Portugal, a relação entre os cidadãos e a polícia, e sobre a questão muitíssimo grave e importante da ordem pública, entendida no seu sentido mais amplo.
Nessa altura, depois de o debate se ter processado, apraz-me registar não só as intervenções no debate do Sr. Deputado Sousa Tavares - e que VV. Ex.as poderão reler no Diário da Assembleia da República, n.º 90, de 21 de Maio de 1982-, mas sobretudo a declaração de voto do PSD, formulada também pelo mesmo Sr. Deputado. E aí claramente se diz aquilo que me parecia da maior importância para o dia de hoje - e que me dispenso de ler, pois está a p. 3760, daquele mesmo Diário-, e que era a disponibilidade do PSD para se pronunciar politicamente sobre a validade de um inquérito desse tipo, uma vez concluído o relatório da Procuradoria-Geral da República. Está no Diário e é uma posição que, embora dela discordássemos na altura, pudemos perceber em tudo aquilo que não poderia eventualmente representar: uma diminuição das prerrogativas desta Assembleia. Por outro lado, tratava-se de uma afirmação clara e peremptória de disponibilidade do PSD -pelo seu porta-voz que fez a declaração de voto- para a deliberação sobre o inquérito, uma vez concluída a tarefa da Procuradoria-Geral da República.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos confrontados com esta coisa verdadeiramente espantosa: em termos de puro funcionamento democrático das instituições - e não é por acaso que isto volta a repetir-se-, o assunto tem, para além do estrito problema dos acontecimentos do 1.º de Maio, uma importância extremamente grave.
Temos o Ministro da Administração Interna que diz que dará à Assembleia os relatórios que tem, logo que requeridos. Foi requerido o envio desses elementos e os relatórios passaram a ser internos.
Temos a disponibilidade do principal partido da maioria, se é que ainda existe - a maioria claro, pois o partido existe, com certeza! -, no sentido da abertura que, a meu ver, e lidas essas declarações, é total para uma deliberação política relativamente a esse inquérito potencial, uma vez terminado o relatório da Procuradoria-Geral da República.
Terceiro e último ponto: temos esse relatório e defrontamo-nos com este caso verdadeiramente ímpar - e não vejo que isto fosse possível em qualquer outro regime democrático, em qualquer outro país da tradição democrática ocidental- qual seja o de haver um relatório que é feito por uma entidade acima de toda e qualquer suspeita, como foi consenso unânime nesta Câmara, e, logo a seguir à sua conclusão, o ter-se dado o facto verdadeiramente espantoso de o Sr. Ministro da Administração Interna fazer glosa pública de partes desse relatório sem ter tido a ombridade de o pôr à discussão pública. Aliás, se o não pudesse fazer, pelo menos deveria tê-lo enviado, nem que fosse sob a qualificação de secreto, aos grupos parlamentares desta Assembleia ou, pelo menos, ao seu Presidente, pois a isso se comprometeu.
Todas as intervenções aqui feitas foram no sentido de dar a liberdade possível, sem qualquer ingerência, ao trabalho da Procuradoria-Geral da República. Porém, não houve a intenção de dizer que esta Assembleia é, afinal, a Câmara política de representação nacional, que tem que estar necessária e completamente afastada de tudo o que são decisões, de tudo o que são as grandes questões - não só relativas aos acontecimentos em causa que já de si eram graves e importantes, mas de tudo aquilo que se pode pôr em torno desses mesmos acontecimentos e que releva da importante e decisiva matéria da ordem democrática.
E, Sr. Presidente, não estou disposto -e penso que ninguém o estará ou deverá estar- a pactuar com aquilo a que chamo a degradação sucessiva da Assembleia da República. Não podemos assistir impávida e serenamente a 2 discursos, a 2 opções: a de considerar-se que esta Assembleia é um conjunto agradável e simpático de 250 deputados, onde de uma vez se diz uma coisa, depois se diz outra, sendo a impunidade governamental total nesta matéria - e isto qualquer que seja o governo, qualquer que seja a maioria que esteja no poder. Não é possível, em termos de dignificação das instituições democráticas, que esta Assembleia seja posta a ridículo em matéria de tal importância, sobretudo quando se espera da instituição parlamentar uma resposta coerente, hábil e directa no ataque à crise que a todos deve responsabilizar.
Neste sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é absolutamente indispensável que, de uma vez por todas, o Partido Social Democrata -que teve a atitude que todos conhecemos e que eu já elogiei, interpretando esse elogio em termos hábeis, na sessão de 21 de Maio de 1982, - diga a esta Câmara se, para além da discussão meramente formal sobre o parágrafo final da proposta de resolução do Partido Comunista Português, está ou não está disposto a inquirir, uma vez terminado o relatório da Procuradoria-Geral da República, tudo quanto diga respeito à dignificação democrática e à ordem pública neste país, e se, portanto, está ou não disposto, a associar-se àquilo que é, naturalmente, uma investigação, um inquérito parlamentar importante, sem qualquer demagogia, como necessidade democrática que se põe a todos nós. Esta é uma resposta fundamental.
Nesse sentido, penso que já vai sendo altura de não perdermos o nosso tempo, o do país e o do orçamento em torno de questões formais sobre propostas de requerimento ou de resolução. E se, de facto, consideramos este assunto como entendo que o devemos fazer, como questão de grande importância, qualquer que seja o futuro aproveitamento que dele se possa fazer, não discutamos, então, a questão formal do tipo A ou do tipo B da resolução. Converjamos no sentido de encontrar a resolução possível para restabelecer o prestígio desta Assembleia e a sua necessária função de fisca-

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lização sobre a forma como se exerce e se respeita a ordem pública em Portugal.
Em suma, se estamos ou não dispostos a responsabilizar-nos democraticamente pela vivificação e eficiência democrática deste país é a questão que está em jogo.
Pela nossa parte, para além de votarmos aquilo que está aqui proposto entendemos que os termos deveriam ser ainda mais amplos para se atingir o âmago do problema. Foi esse o sentido da nossa intervenção em 21 de Maio de 1982, e não há nenhumas circunstâncias para que dela nos afastemos agora. Pelo contrário, só as há para a reforçarmos.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e da Sr.ª Deputada Natália Correia (Independente).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sousa Tavares, para que efeito pretende usar da palavra?

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Para pedir um esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor!

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de concordar com as palavras do Sr. Deputado Jorge Sampaio. Naquilo que me diz respeito, agi com a maior boa fé em 21 de Maio de 1982 e, como deputado social democrata, continuo inteiramente aberto a uma discussão franca e leal, agora já com os resultados do inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República.
Quanto às razões de esse inquérito não ter sido publicitado junto dos deputados desta Assembleia, ignoro-as. Quando muito, no aspecto pessoal, posso lamentá-las.
Estive afastado desta Câmara 3 ou 4 meses por razões de saúde, pelo que só posso concordar com as palavras do Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, pretende responder já?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Não tenho qualquer resposta a dar, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Estão ainda inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Borges de Carvalho e Silva Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, V. Ex.ª disse que tinha feito um requerimento a pedir o relatório. Como não tenho conhecimento desse requerimento - e admito que seja falha da minha parte - gostaria que me esclarecesse se o requerimento visava o relatório da Procuradoria-Geral da República ou quaisquer outros relatórios.
Gostaria ainda que me facultasse esse mesmo requerimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, responde já, ou pretende ouvir antes o Sr. Deputado Silva Marques?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Com todo o gosto, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, o meu pedido de esclarecimento segue na esteira do anterior, até porque não creio que estejamos perante um caso específico de neutralismo político-partidário relativamente a uma questão que poderíamos classificar de regime, se bem que se possa admitir que tal pudesse acontecer.
De outra fornia, pergunto -e este é também um segundo pedido de esclarecimento- porque é que não foi utilizado nessa altura o dispositivo constitucional da constituição automática da comissão de inquérito parlamentar?
Não estamos, portanto, Sr. Deputado, como aparentemente quis classificar...

Vozes da UEDS: - Ainda não havia esse recurso, Sr. Deputado!

O Orador: - Perdão, estou a referir-me a este momento!
Não excluo que possamos encontrar casos que inequivocamente possam ser classificados como tal. Este, contudo, e até este momento, não revela aspectos de neutralismo político-partidário, o que não quer dizer que não venha a acontecer.
V. Ex.ª classificou, a meu ver de fornia excessivamente benevolente, este caso com que estamos agora confrontados como de neutralismo político-partidário. Isto é, estaríamos perante um caso em que devíamos pôr de lado aspectos político-partidários de confronto político por se tratar de um puro caso de preocupação pela legalidade democrática.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Relativamente ao Sr. Deputado Borges de Carvalho, se me permite, Sr. Deputado, remetê-lo-ia, com todo o gosto, para o Diário da Assembleia da República, I série, n.º 87, de 11 de Maio de 1982. E como V. Ex.ª quererá naturalmente tomar alguma nota, ditarei devagarinho.
Usando da palavra o Sr. Deputado Carlos Lage, aí se solicitam ao Sr. Primeiro-Ministro, vários elementos, p. 3609. Esses elementos foram depois formulados em requerimento e, se dúvidas houvesse, V. Ex.ª retiraria a resposta do próprio Sr. Ministro da Administração Interna, tal como consta do Diário da Assembleia da República, II série, n.º 30, de 10 de Dezembro de 1982, p. 439.
Nessa altura, como sabe, não se estava a requerer nenhum inquérito parlamentar. Essa discussão, de resto, foi formulada em torno...

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Desculpe-me, Sr. Deputado, mas poderia dizer-me se foi, de facto, requerido pelo Partido Socialista -porque a questão não é anódina- que fosse facultado à Assembleia da

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República o relatório da Procuradoria-Geral da República?
Neste momento, e para a formulação da nossa posição neste debate, era importante que o Sr. Deputado me respondesse a esta pergunta.

O Orador: - Não, Sr. Deputado Borges de Carvalho. Em Maio de 1982 nós formulámos, de facto, requerimentos que, se não diziam respeito ao relatório da Procuradoria-Geral da República foi porque este se encontrava ainda em curso nesse momento. Depois disso, porém, e como foi referido, salvo erro pelo Sr. Deputado Lino Lima - e V. Ex.ª verá isso em vários Diários da Assembleia da República, como o de 20 de Julho, entre outros posteriores -, foi solicitado que esse relatório fosse enviado a esta Câmara.
Mas o que eu estou a dizer - e o Sr. Deputado Sousa Tavares compreendeu-o inteiramente - é que a propósito do debate aqui realizado em 21 de Maio de 1982, em torno do inquérito parlamentar requerido, salvo erro, pela UEDS, o que foi dito foi que esse inquérito não era oportuno nessa altura e que talvez houvesse necessidade de ponderar, dando-se a maior abertura à possibilidade de um pronunciamento em termos de resposta política, uma vez terminado esse relatório da Procuradoria-Geral da República. Foi isto apenas o que quis dizer.
Além disto, pretendi dizer também - e já agora aproveito o ensejo que o Sr. Deputado Borges de Carvalho me fornece - que, em termos gerais de política, em termos gerais de funcionamento desta Câmara que, pelo menos enquanto aqui estiver, me interessa prestigiar, é completamente inconcebível a atitude do Sr. Ministro da Administração Interna, face aos acontecimentos do 1.º Maio do Porto.
E já agora solicito ao Sr. Deputado Borges de Carvalho, que releia a minha intervenção de 21 de Maio - e com isto estou já a responder ao Sr. Deputado Silva Marques. É que essa minha intervenção não foi de neutralismo político; foi, sim, a colocação da questão independentemente de qualquer aproveitamento partidário, no sentido de que era necessário averiguar os factos até ao fundo, em termos de prestígio das instituições democráticas, da eficácia desta Câmara e do respeito que a ordem pública e a forma como ela funciona nos deve motivar.
Foi isso que eu disse, em termos a que eu quase chamaria de não partidários, em 21 de Maio de 1982, e é isso que repito hoje mesmo.
E por isso, Sr. Deputado Silva Marques, eu não falei benevolentemente sobre os aproveitamentos políticos. O que eu digo claramente, é isto: se o Sr. Deputado Silva Marques tem receio dos aproveitamentos políticos, a única maneira de acabar com eles -com eventuais e hipotéticos aproveitamentos políticos, entenda-se- é haver transparência em tudo isto. Não há nada pior do que esconder.
Veja-se, por exemplo, o caso no Parlamento inglês. O Ministro da Administração Interna manda fazer um relatório à Câmara dos Lordes; posteriormente, ele é, digamos, apresentado numa comissão real; o Home Office, porém, guarda esse relatório no bolso, não o levando à Câmara, onde lê apenas umas passagens. Por fim, vem dizer que ele é secreto!
Isto é impossível, é impensável e, enquanto funcionarmos desta maneira, não vamos a lado nenhum!
Por isso mesmo, Sr. Deputado Silva Marques, o que é importante é que este assunto seja transparente perante as realidades e perante o relatório. Pois se W. Ex.as acabam de pedir, como toda a gente sabe, os elementos relativos a outro inquérito parlamentar neste momento em curso nesta Assembleia, porque é que não hão-de os mesmos deputados pedir, sob reserva da confidencialidade, os elementos do inquérito da Procuradoria-Geral da República relativos aos acontecimentos do 1.º de Maio?

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da Sr.ª Deputada Natália Correia (Independente).

Eu, por mim, não faço quaisquer juízos de valor sobre esses acontecimentos. Ò que faço apenas é manifestar, como deputado eleito pelo país, a necessidade de esta Câmara ser prestigiada, tendo um trabalho eficaz, do qual se possam tirar conclusões sem qualquer reserva mental, seja de que natureza for. É isso que é indispensável fazer-se.
E depois, perante as realidades, perante os textos, cada um que faça o aproveitamento que quiser.
Agora, quando os textos são dados a conhecer consoante as teses em curso, guardando-se metade na gaveta e distribuindo-se em pílulas na televisão alguns excertos, toda a especulação é possível. É com ela que eu desejo terminar.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da Sr.ª Deputada Natália Correia (Independente).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, para que efeito pretende usar da palavra?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Fica inscrito.

Sr. Deputado Jorge Sampaio, o Sr. Deputado Martins Canaverde pediu a palavra para pedir esclarecimentos. Não o fez, contudo, dentro das regras, pois não o fez imediatamente no fim da intervenção do Sr. Deputado. Porém, se o Sr. Deputado aceitar este pedido de esclarecimento, darei a palavra àquele Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Com certeza, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Martins Canaverde.

O Sr. Martins Canaverde (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente e Sr. Deputado Jorge Sampaio.
Embora estejamos numa Câmara política, creio que não podemos deixar de lado, num Estado de Direito democrático, umas tantas regras de Direito, sobre as quais gostaria de ouvir a douta opinião do Sr. Deputado Jorge Sampaio.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se o Sr. Deputado Jorge Sampaio considera ou não que o pedido de inquérito, formulado através da Procuradoria-Geral da República por qualquer ministro é ou não um acto discricionário desse mesmo ministro. E se, sendo um acto discricionário quanto ao pedido, será ou não também discricionária a divulgação do relatório em

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causa e que, como todos sabemos, contém as conclusões desse inquérito
Por outro lado, está legislado, relativamente aos processos disciplinares e ao processo penal, o carácter secreto das averiguações até determinadas fases e em certas circunstâncias. E as regras do processo disciplinar aplicam-se, por analogia, ao processo de inquérito.
Posto isto, e partindo do princípio que o Sr. Deputado considera não ter havido eventual desvio de poder, caso que teria que concretizar - e isto ainda relativamente ao acto discricionário -, sendo os relatórios feitos por uma entidade isenta e imparcial, ponto em que creio que todos concordamos, como a Procuradoria-Geral da República, fidedignos, o que é, então, um relatório de um processo de inquérito? Ele tem que concluir por uma de quatro hipóteses: ou que há infracções disciplinares; ou que não há; ou porque há matéria crime; ou porque não há matéria alguma que justifique o prosseguimento do processo que, nesse caso, ficará arquivado ou aguardará a produção de melhor prova. Não há outras conclusões a tirar de um relatório de um processo de inquérito, sejam quais forem os factos sobre que se debruce.
Por outro lado, é sabido que é das funções, atribuições e competência do delegado do Ministério Público nomeado pelo Sr. Procurador-Geral da República para proceder ao inquérito, e caso detecte matéria crime - no caso de crimes públicos-, agir, quer o ministro que usou de um poder discricionário e solicitou esse inquérito queira ou não. O delegado do Ministério Público tem, no caso referido, que denunciar sempre os factos às entidades competentes.
Sendo assim, e não havendo notícia de qualquer processo crime, parece que o Sr. Inquiridor não detectou nenhuma matéria crime.
Se há processo disciplinar ou não, ignoro teria que propor isso. E tinha mecanismos para accionar, independentemente da vontade da entidade que pediu o inquérito.
Qual é, então, a desconfiança que está na base do pedido?

O Sr. Martins Canaverde (CDS): - Portanto, qual é, na prática, a desconfiança que está na base do pedido de publicação do relatório que é a meu ver e na base, um acto discricionário e que tem o condicionalismo legal que me dispenso de enumerar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sousa Tavares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Martins Canaverde, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então terá de aguardar, Sr. Deputado, pois primeiro vai responder o Sr. Deputado Jorge Sampaio, que tem a palavra.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, talvez contribuísse para o debate o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Sousa Tavares. Se V. Ex.ª não vê inconveniente, por mim tenho todo o gosto, e o Sr. Deputado Martins Canaverde certamente também o terá, em responder um pouco mais tarde,

O Sr. Presidente: - Está muito bem, Sr. Deputado. Então tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Deputado Martins Canaverde, ouvi com a maior atenção a sua exposição, aliás juridicamente brilhante, com a qual não podemos deixar de estar de acordo. Em todo o caso, queria perguntar-lhe o seguinte: é verdade ou não que foi pedido, aqui na Assembleia da República, um inquérito parlamentar aos acontecimentos do Porto, que foi então usado como argumento, aliás quanto a mim inteiramente válido, que esse inquérito era totalmente deslocado porque haveria já um inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República a pedido do Sr. Ministro da Administração Interna, garantindo-se ao mesmo tempo aos Deputados o conhecimento dos resultados desse inquérito?
Admito perfeitamente que razões de justiça justifiquem o segredo que ainda impende sobre esse relatório e até o próprio tamanho dele. Mas gostaria de saber do Sr. Deputado Martins Canaverde, como jurista que é, se considera válido que sejam reveladas apenas algumas partes desse relatório, sem se revelar todo o relatório?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Martins Canaverde deseja responder ao Sr. Deputado Sousa Tavares antes de ouvir a resposta ao seu pedido de esclarecimento pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio?

O Sr. Martins Canaverde (CDS): - Sim, Sr. Presidente, pois penso que não contribui para o que estávamos a tratar e, por isso, posso responder desde já ao Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra, Sr. Deputado Martins Canaverde.

O Sr. Martins Canaverde (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. É evidente, Sr. Deputado Sousa Tavares, que não concordo com a publicação parcial do inquérito em relação ao qual não há, que eu saiba, ainda doutrina que infirme a minha primeira intervenção. Se realmente aqui foi permitido publicar ou entregar o inquérito, é uma questão diferente daquela que eu estava a pôr ao Sr. Deputado Jorge Sampaio. Essa era na base, digamos, de que o assunto nunca tivesse sido discutido e para que a Câmara pudesse, sobre esta matéria, tomar uma posição de fundo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Penso que este diálogo, entre o Sr. Deputado Martins Canaverde e o Sr. Deputado Sousa Tavares, foi importante para o esclarecimento da questão e, portanto, agradeço ao Sr. Presidente o facto de o ter autorizado. Às vezes a questão material é mais importante que a questão puramente formal.
Em relação àquilo que o Sr. Deputado Martins Canaverde formulou penso que há uma questão fundamental. Pela minha parte - e sou de certeza acompanhado nisto pela minha bancada que não tive ocasião de consultar - penso que não pode haver em regime parlamentar quaisquer documentos secretos em relação à Assembleia da República. Não pode haver. Apenas o que se poderá discutir é, digamos assim, a forma de utilização desses documentos. Conceber-se, desde as questões de segurança até todas as outras questões, que a Assembleia da República é arredada do conhecimento dos negócios

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públicos por causa de uma certa confidencialidade é inverter o mecanismo de fiscalização democrática que a esta Assembleia compete.
Portanto, não me pronunciei, se bem me lembro, sobre a necessidade de divulgação do inquérito, muito embora V. Ex.ª fosse até o primeiro a dizer que esta coisa de revelar parte dele - porventura a mais conveniente - e não revelar a outra parte é, já de si, um mecanismo defeituoso. Agora o que me parece é que depois de ter havido aqui numerosas solicitações para que esse inquérito viesse para esta Assembleia e debates variados - que tive a ocasião de citar- no sentido de que a Assembleia da República, para poder decidir sobre um determinado inquérito, deveria, ao menos tomar conhecimento dele uma vez que aceitou, por votação maioritária, que se realizasse um independente pela Procuradoria-Geral da República. O que estive a criticar não foi a possível violação da confidencialidade, porque para esta Câmara, em meu entender, tal violação não pode existir, mas sim o que poderíamos discutir depois acerca daquilo que seria e como seria de facto apresentado a esta Assembleia.
Por isso mesmo, Sr. Deputado Martins Canaverde, não posso conceber que, em termos de Constituição da República, haja a possibilidade de o Sr. Ministro da Administração Interna escolher o que deve mandar ou não mandar à Assembleia da República. Porque a ser assim, então o Parlamento seria o Sr. Ministro Angelo Correia e eu seria o Ministro da Administração Interna. É rigorosamente o contrário.

Vozes do PS e PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro da Administração Interna recolhe a sua legitimidade a partir desta Câmara, não sou eu que recolho a legitimidade a partir do Sr. Ministro Angelo Correia. Esta é que é para mim a questão.
Portanto, agradeço-lhe o facto de ter colocado o problema, o que me deu oportunidade para o esclarecer.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Seguidamente, encontra-se inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se houvesse a «figura da proposta» talvez estivesse agora a usar da palavra ao abrigo dessa figura e não sob a forma de intervenção.
De facto, creio que este debate, malgrado o elevado nível e qualidade de que se tem revestido - pelo menos na parte a que tive a honra de assistir - está a desviar-se um pouco do fundo da questão. Julgo, pois, que o fundamental será o desejo da Assembleia da República de conhecer a matéria contida no inquérito da Procuradoria-Geral da República.
Se é isto, de facto, que está em causa, por outro lado, e embora politicamente tenha sido solicitado em várias ocasiões esse conhecimento, também temos de reconhecer que, formalmente, a sua divulgação ainda não foi requerida -era esta a razão da questão que pus há pouco ao Sr. Deputado Jorge Sampaio.
Portanto, a minha proposta, em nome do meu grupo parlamentar, iria neste sentido: estamos na disposição de, conjuntamente com outros grupos parlamentares que o queiram, fazer hoje e aqui um requerimento ao Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa, ou melhor ainda, ao Governo, para que seja dado conhecimento à Assembleia da República do relatório da Procuradoria-Geral da República, dando a esse requerimento tanto quanto possível um vasto leque de assinaturas. Da nossa parte, estamos inteiramente abertos a esta proposta.
Depois, quanto à divulgação pública, cuja necessidade parece inferir-se do preâmbulo da proposta do Partido Comunista Português que hoje aqui discutimos, ela ficaria à consideração dos Srs. Deputados e dos grupos parlamentares que, depois de lerem o relatório, decidiriam se deveriam ou não assumir a responsabilidade da sua divulgação pública.
Fica aqui, portanto, esta proposta que julgo ser construtiva em relação ao fundo da questão que aqui nos traz, deixando, desde já, um apelo para que possa vir a ser considerada pelos diversos grupos parlamentares.

Aplausos do PPM.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino Lima pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lino Lima (PCP): - Para fazer um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino Lima (PCP): - O Sr. Deputado Borges de Carvalho dá-me a oportunidade de lhe dizer que, em 28 de Julho de 1982, o meu grupo parlamentar enviou um requerimento dirigido ao Presidente da Assembleia da República no sentido de ele requisitar o relatório, isto é, que o Governo transmitisse a esta Assembleia o teor do relatório elaborado pela Procuradoria-Geral da República. Posso facultar-lhe depois todo o conteúdo do nosso requerimento, mas o terminus é o seguinte: «[...] Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis os Deputados abaixo assinados requerem ao Primeiro-Ministro que, de imediato, transmita à Assembleia da República a divulgação, junto da opinião pública, do relatório que, sobre os acontecimentos do Porto, foi apresentado pela Procuradoria-Geral da República». Informo ainda que este requerimento foi dirigido ao Primeiro-Ministro.
Um outro do mesmo teor foi enviado em 14 de Setembro de 1982. Dizia expressamente:
Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis se requer o conhecimento do teor integral do inquérito realizado pela Procuradoria-Geral da República sobre os acontecimentos ocorridos, no Porto, na noite de 30 de Abril para l de Maio.
Não tenho neste momento comigo, mas sei que um camarada da minha bancada subscreveu também, individualmente, um outro requerimento dirigido ao Governo, no mesmo sentido.
Portanto, passa assim o Sr. Deputado a saber que há pelo menos 3 requerimentos dirigidos ao Governo, a fim de que desse conhecimento à Assembleia da República do teor do relatório apresentado pela Procuradoria-Geral da República sobre os acontecimentos do l.º de Maio.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Borges de Carvalho deseja responder, tem a palavra.

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O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lino Lima: V. Ex.ª quis mais dar-me um esclarecimento do que pedir-me um esclarecimento e nessa medida o agradeço. De qualquer forma, uma vez que tenho a oportunidade de lhe responder, dir-lhe-ei que o primeiro requerimento de que V. Ex.ª fala pede a divulgação pública do relatório. Em minha opinião e na opinião do meu grupo parlamentar, ao Governo é inteiramente legítimo não fazer a sua divulgação pública. Já o mesmo não se porá em relação à questão de entregar ou não o relatório, para consulta, à Assembleia da República.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Muito obrigado por me ter retribuído a oportunidade.
Lamento não me ter lembrado, e com isto esclareço a Câmara, que, de facto, o Partido Socialista solicitou esse mesmo inquérito. Já não me lembrava disto, foi até uma pergunta que eu próprio formulei para a sessão de perguntas ao Governo, onde o Sr. Ministro da Administração Interna, como se recordarão, sobre 3 perguntas relativas à mesma matéria, escolheu responder ao PCP e à UEDS e não respondeu ao Partido Socialista. Nessa pergunta, para além de alguns considerandos - W. Ex.as estarão com certeza lembrados de quando foi essa última sessão de perguntas ao Governo - perguntava ao Governo, e portanto ao Sr. Ministro da Administração Interna, isto:

a) Pensa o Governo enviar à Assembleia da República o relatório completo elaborado quanto aos acontecimentos do 1.º de Maio no Porto?

b) Se sim, quando?

O Sr. Ministro não me respondeu, mas fê-lo quanto aos outros grupos parlamentares.
Penso que, da minha parte, faltava dar este elemento ao Sr. Deputado Borges de Carvalho. Agradeço-lhe a oportunidade que me deu.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Jorge Sampaio, de qualquer forma o seu esclarecimento, ou informação, não faz infirmar de qualquer erro aquilo que eu há pouco tinha dito.
Quanto ao Sr. Deputado Lino Lima, e continuando a resposta, queria dizer-lhe que a minha proposta se mantém. De facto, se for necessário, estamos à disposição da Câmara para subscrever um novo requerimento e, em conformidade, podermos depois actuar.
Portanto a proposta mantém-se. Caso o vosso partido a queira aceitar ficaremos muito honrados, caso não queira paciência. Não vemos é que o teor do inquérito pedido leve, de alguma forma, a resolver o problema de fundo, que é o de a Assembleia conhecer ou não a matéria constante do inquérito da Procuradoria-Geral da República.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seremos os últimos a não ter sensibilidade sobre tudo aquilo que se passa no nosso país e, em particular, sobre acontecimentos tão importantes como aqueles que ocorrem no 1.º de Maio.
Também seremos os últimos a aceitar ou permitir que, de qualquer forma, esses mesmos acontecimentos sejam eventualmente apresentados à opinião pública de forma parcelar, senão escamoteados.
Mantemos ainda hoje, em termos de apreciação política, e independentemente de qualquer apreciação formal dos acontecimentos, que se há outros responsáveis, que não excluímos a priori, há decerto um responsável político fundamental nos acontecimentos: o comportamento prévio aos mesmos -para não dizer mais, porque disso não tenho seguras provas mas, pelo menos, prévio aos acontecimentos - do PCP, da CGTP e das forças que com ele, naquele momento, convergiram.
E uma posição que mantivemos, mantemos e manteremos, sem que isto signifique que da nossa parte haja a preocupação de pretender escamotear a existência de outros responsáveis, a saber, de natureza disciplinar, criminal e, sobretudo, de natureza política, que é aquilo que a nós, deputados, mais diz respeito.
Inclusivamente, não temos a menor dúvida de aceitar que, eventualmente, possa existir, ou vir a existir, um problema de posicionamento político entre a minha bancada e, hipoteticamente, de um membro do Governo. Não estou a dizer que é essa a situação neste momento, estou a esplanar princípios de orientação política da minha bancada aos quais procuramos e temos procurado ser fiéis. Mas, para além desses princípios que nos guiam, há um outro princípio também importante de orientação da nossa conduta política, que é o de não aceitarmos que, a pretexto de outras preocupações, se escamoteie a responsabilidade política de certos acontecimentos.
Dito isto, estaremos de acordo quando o Sr. Deputado Jorge Sampaio diz que o sistema político-jurídico existente de relacionamento entre o Governo e o Parlamento não é o melhor - não temos a menor dúvida em aceitá-lo - mas também nos recusaremos que, a pretexto de um caso particular, se tente aperfeiçoar esse sistema político-jurídico de relacionamento entre o Governo e a Assembleia da República. E também nos recusaremos que, a pretexto de um caso particular, se tente fazer uma coisa que, no fundo, acabaríamos por não fazer.
Quer queiramos, quer não, estamos neste momento num debate que tem um cariz de claro efeito político-partidário. Doutra forma o Partido Comunista Português, que é o autor desta iniciativa que estamos a discutir, teria utilizado o mecanismo constitucional, entretanto, entrado em vigor, que conduziria automaticamente à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou, pelo menos, encetaria diligências nesse sentido. Não foi o caso.
Em segundo lugar, nas motivações da proposta de inquérito que nos apresentou, não há uma única referência a atrasos considerados inaceitáveis, ou que se propõe à Assembleia da República serem considerados como tal, na resposta ou satisfação por parte do Governo do pedido de remessa do inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República. Não há a mínima referência. Se houvesse, isso sim, estaríamos já numa tentativa de

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colocar o problema no estrito terreno dos mecanismos regimentais da Assembleia da República e dos instrumentos do Estado para que se averigue do cumprimento das leis e da responsabilidade política, ou eventualmente também, criminal e disciplinar.
Não estamos, por isso, perante um debate provocado nesses termos. E, no decurso desse debate, não iríamos pôr preocupações de outra natureza, preocupações essas que se nos afiguram importantes, mas que de qualquer forma não deveriam ser situadas neste debate de fundo. Não faremos qualquer concessão política a um objectivo do PCP que é o de criar ou o pressuposto de que o principal responsável dos acontecimentos do 1.º de Maio, no Porto, foi, eventualmente, o Governo -para não dizer exclusivamente -, e não o Partido Comunista.
Há aqui um enquadramento político do problema de que não abdicamos. No entanto, simultaneamente, também não abdicamos dos nossos princípios de sermos a sede da responsabilização política e isso estamos dispostos a demonstrá-lo na prática.
É necessário, todavia, que essa nossa actuação não tenha qualquer possibilidade de confusionismo relativamente à responsabilização política geral dos acontecimentos no Porto. A saber: primeiro, houve um requerimento formal no sentido de que fosse transmitido à Assembleia da República o relatório da Procuradoria-Geral da República; segundo, considera-se, no caso de não ter havido invocação de objecções tidas como aceitáveis, que o atraso nessa remessa passou a ser inaceitável.
Na medida em que este debate foi provocado em condições que nada têm a ver com uma estrita apreciação do cumprimento das leis e da responsabilidade política do Governo, não votaremos a favor da proposta do Partido Comunista.
No entanto, isso não significa que amanhã, reconsiderada a situação, não venhamos, à luz dos princípios que acabei de enunciar, a tomar aqui uma outra posição, enquanto grupo parlamentar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Vitorino, Veiga de Oliveira e Manuel Lopes.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 12 de Novembro do ano passado, o meu grupo parlamentar, numa sessão de perguntas ao Governo, considerando que o inquérito oficial da Procuradoria-Geral da República estava concluído, pediu ao Sr. Ministro da Administração Interna que referisse à Câmara quais as conclusões do inquérito e quais as razões que levaram o Ministério da Administração Interna a não tornar público o relatório resultante daquele inquérito e, em particular, a não o dar a conhecer à Assembleia da República. O Sr. Ministro da Administração Interna nessa altura não respondeu cabalmente à pergunta que fizemos.
Desde 12 de Novembro de 1982, que o inquérito está concluído. Já lá vão mais de 2 meses. Não sei se isto é suficiente, em matéria de atrasos, para o Sr. Deputado Silva Marques.
Seja como for, não é essa a questão que nos preocupa neste momento. Na realidade, o Sr. Deputado Silva Marques, na intervenção que acabou de fazer, entendeu dever pôr o ênfase da atitude do seu grupo parlamentar nos antecedentes dos acontecimentos do 1.º de Maio.
Para mim é claro e inequívoco que no relatório da Procuradoria-Geral da República se tem que fazer referência aos próprios antecedentes do 1.º de Maio, tal como se tem de fazer referência aos acontecimentos ocorridos durante o sucedido e aos consequentes.
O que o meu grupo parlamentar pretende conhecer não são apenas os acontecimentos e os consequentes mas também, e naturalmente Sr. Deputado Silva Marques, a opinião da Procuradoria-Geral da República sobre os antecedentes.
Que atitude mais clara e transparente, em termos do funcionamento do Estado democrático, pode ser exigida a um partido como o nosso que não seja a de exigir a divulgação total do relatório onde venham as referências aos antecedentes, aos acontecimentos e aos consequentes?
Dentro desta lógica clara e cristalina, perguntaria ao Sr. Deputado Silva Marques se não resulta à sua inteligência perfeitamente plausível a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho, no sentido dê uma iniciativa pluripartidária desta Câmara junto do Ministério da Administração Interna e da Procuradoria-Geral da República, para a divulgação ao Parlamento das conclusões do inquérito da Procuradoria-Geral da República.
Pergunto se, de facto, não é esta a forma mais clara e linear de nos relacionarmos entre órgãos de soberania e de resultar acrescidamente esclarecida perante a opinião pública a verdade dos factos que envolveram os acontecimentos do 1.º de Maio, sem cedências políticas a ninguém, sem chicana partidária e apenas tendo por objectivo o preito que é devido à verdade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos a uma intervenção do Sr. Deputado Silva Marques que considero, a todos os títulos, lamentável.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado usando da sua responsabilidade como deputado, produziu uma série de acusações sem fundamento e pretendeu que seriam o Partido Comunista e a Intersindical os verdadeiros responsáveis do que ocorreu no 1.º de Maio.
Trata-se de uma acusação que fica bem na sua boca mas que dá nota do nível com que responde à questão que está a ser posta. Ora, Sr. Deputado, a questão é esta: é ou não verdade que o Sr. Ministro da Administração Interna e a maioria prometeram dar a conhecer à Assembleia da República os resultados do inquérito a que mandaram proceder por intermédio da Procuradoria-Geral da República?
É ou não verdade que o Governo e os seus membros foram já instados várias vezes para que dessem à Assembleia da República conhecimento desse inquérito?
E ou não inadmissível que o Governo mantenha um inquérito no completo segredo em relação à Assembleia da República?
Como entende o Sr. Deputado que se possa perceber o regime democrático constitucional português se o Governo ou um dos seus membros pode reservar aquilo que entender perante a Assembleia da República? Repare que são 2 coisas distintas que têm de se tratar: uma, dar publicidade a um qualquer relatório; outra,

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dar conhecimento ao órgão que tem competência para conhecer todos os actos do Governo e, designadamente, todos os actos que o Governo manda praticar, conforme a Constituição estipula, tudo isto, naturalmente, em formas que permitam salvaguardar, se for o caso, o interesse nacional.
Isto não põe em causa rigorosamente nada, nem daquilo que tinha sido prometido, nem das razões invocadas para não se fazer o inquérito, nem justifica de forma nenhuma a atitude, que parece ser a vossa, de mais uma vez, votar contra o inquérito.
Finalmente, o Sr. Deputado Silva Marques argumentou que, se não fossem «s intenções maléficas, obscuras e não confessadas do Partido Comunista, teríamos desencadeado o mecanismo automático da formação do inquérito parlamentar.
Lembrarei a esse respeito duas coisas. Uma, é que o Partido Comunista e o seu grupo parlamentar não dispõem, por si sós, de um número suficiente de deputados para desencadear essa criação de uma comissão de inquérito parlamentar automaticamente e, portanto, devem sempre passar por esta fase antes de tentarem, se for o caso, o apoio de outros deputados para que se desencadeie a criação da comissão parlamentar de inquérito.
Em segundo lugar, lembrarei que esse mesmo facto que o Sr. Deputado invoca é uma prova de que a vossa posição não tem nenhuma defesa, não tem «pés» para andar. De facto, se é verdade que uma minoria da Assembleia da República - concretamente 50 deputados - pode desencadear automaticamente a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, à qual depois terão de responder, como perante uma instância judicial, todos aqueles que sejam chamados a responder, se isto é verdade, pergunto porque é que os Srs. Deputados não fazem o único acto que democraticamente seria compreensível e aceitável, que era o de votarem a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, uma vez que o Governo se recusa (formalmente já o recusou) a fazer aquilo que prometeu fazer, isto é, a comunicar à Assembleia os resultados do inquérito mandado instaurar pelo próprio Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques: Mesmo estando numa Assembleia política, pretender utilizar aqui a mentira como uma verdade evidente não é justo e é uma atitude que não se coaduna com a Casa onde estamos.
Em qualquer dos casos, Sr. Deputado, há na sua intervenção bastantes afirmações que pretendem desviar o problema.
Que fique claro e se diga desde já que quem convocou o 1.º de Maio do Porto, foi de facto a CGTP - Intersindical Nacional, e não outra qualquer organização. Esta questão deve ficar clara na mente do Sr. Deputado.
Para além disso, se o Sr. Ministro entende que houve algum procedimento menos claro, da parte da organização que convocou a manifestação, já devia ter tomado a atitude devida, para que tem poderes, no campo jurídico, no campo dos tribunais. Que eu saiba, até ao momento não o fez.
Em qualquer dos casos, não vale a pena desviarmos a atenção do problema real que foi hoje aqui colocado.
Este respeita a um inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República a pedido do Sr. Ministro da Administração Interna, o qual não foi ainda divulgado e de que nós queremos ter conhecimento.
Foi aqui garantido várias vezes, quer pelo Sr. Ministro da Administração Interna aquando de um pedido de inquérito parlamentar aos acontecimentos do 1.º de Maio, no Porto, quer pelos Srs. Deputados da maioria, do PSD e do CDS, que se não houvesse inquérito eles seriam os primeiros a facilitarem-no, mas como o Governo ia proceder a um inquérito, eles aguardavam-no.
A grande realidade, Sr. Deputado, é que até ao momento, uma vez que esse inquérito foi feito, o Sr. Ministro da Administração Interna negou-se a torná-lo público. E só o fez no que respeita às partes de que, eventualmente, pretendeu retirar algum proveito político.
É natural que a partir daqui -já que o inquérito continua a ser escamoteado quer à Assembleia, quer ao país-, tenhamos as dúvidas suficientes sobre se, de facto, o Sr. Ministro da Administração Interna está ou não comprometido e é ou não responsável. Temos uma posição clara mas esperamos que o inquérito o diga.
Pergunto se o Sr. Deputado Silva Marques, desdiz as afirmações da sua bancada, nomeadamente do Sr. Deputado Sousa Tavares, quando aqui afirmou que a sua bancada se comprometia a proceder a um inquérito parlamentar caso o Governo o não fizesse ou não o tornasse público.
O Sr. Deputado Silva Marques pretende continuar a esconder ao país factos tão graves como a morte de trabalhadores, como a morte de pessoas a partir de uma ordem do Sr. Ministro da Administração Interna? Que se qualifique, Sr. Deputado!
Pela nossa parte, não temos qualquer receio em que se tornem as coisas claras e evidentes para o país. Há é que assacar responsabilidades a quem efectivamente as tem.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, relativamente ao último Sr. Deputado, devo dizer que não desdisse, antes pelo contrário, julgo que afirmei as mesmas preocupações de princípio não só do meu colega Sousa Tavares, como também da minha bancada.
Julgo que afirmei as mesmas posições de princípio, quer relativamente ao enquadramento político geral dos acontecimentos do 1.º de Maio, quer relativamente à nossa visão, preocupação e pretensão quanto ao sistema político-jurídico de responsabilização política de um governo e também, eventualmente, de responsabilização criminal ou disciplinar, nos casos em que tal tenha lugar.
Afirmei também, no entanto, uma outra coisa que provoca, evidentemente, a repulsa do Sr. Deputado mas que decorre da nossa diferente posição política, para já não dizer das nossas diferentes filosofias relativamente à vida.
V. Ex.ª, decerto, considera que é bom tudo aquilo que é promovido pela sua organização e considera que é mau tudo aquilo que entrava ou prejudica as iniciativas dessa mesma sua organização.

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Não é essa a minha visão das coisas nem é a da minha bancada. Nesse domínio somos inequivocamente adeptos de uma concepção de Estado de Direito segundo a qual, para além dos objectivos e das actuações político-partidários dentro do sistema, há uma sujeição ao respeito das normas gerais que a todos disciplina.
Como V. Ex.ª não aceita esta visão das coisas diz que o responsável pelos acontecimentos do 1.º de Maio, no Porto, foi sobretudo o Governo, para além de outros eventuais responsáveis.
Digo-lhe, sem excluir outros eventuais responsáveis, que pelo menos um responsável foi a CGTP e -aí também sem abuso da minha parte - o Partido Comunista. Porquê? Porque tal decorre não só dos testemunhos directos mas também dos testemunhos jornalísticos. A CGTP, pelo menos nesse ponto e de forma muito visível, embora não só aí, apoiada pelo Partido Comunista, incitou pública, reiterada, insistente e largamente à insubordinação e ao desrespeito da autoridade legítima.
VV. Ex.as acham que essa actuação foi correcta porque a vossa causa justifica, evidentemente, que se desrespeite a lei quando isso interessa à causa, e justifica que se respeite essa mesma lei também quando tal interessa à vossa causa. Daí que neste momento estejam tão preocupados com a lei democrática.
Ora, VV. Ex.as, a vossa bancada e, sobretudo, neste caso concreto, a CGTP, foram sem dúvida - repito, sem excluirmos outros responsáveis -, um dos grandes responsáveis, para não dizer os grandes responsáveis - estou-lhes a dar o benefício da dúvida-, dos acontecimentos do l.º de Maio, no Porto.
Creio que a nossa é uma posição divergente da do Sr. Deputado por razões que são óbvias e evidentes. Não há nada de diferente a esperar.
Quanto ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, devo dizer que se é verdade que o Sr. Ministro da Administração Interna prometeu isso -não vou desmentir nem vou confirmar, mas vou pegar no seu raciocínio-, se é inadmissível que se mantenha o secretismo do relatório e se se verificam todas as condições justificativas da vossa iniciativa, pergunto então porque não exerceram VV. Ex.as a iniciativa legal, que têm ao vosso alcance, de obter aquilo que pretendem pela via de um voto aqui no Plenário da Assembleia da República. Repito, VV. Ex.as requereram a remessa do relatório à Assembleia da República ou aos deputados signatários. Se o fizeram e se VV. Ex.as consideram o atraso inaceitável, porque é que que não há a menor referência a esse aspecto na vossa exposição de motivos. Naturalmente porque VV. Ex.as promoveram este debate com vista a um objectivo político-partidário muito visível e evidente. Não esperem, pois, da nossa parte, uma colaboração político-partidária para esse objectivo, também político-partidário, muito preciso e muito evidente. Não estamos de acordo com a posição de dizer que os responsáveis do 1.º de Maio, no Porto, foram apenas «A» ou «B». Quanto ao enquadramento da responsabilidade política do 1.º de Maio, no Porto, estamos entendidos.
Por outro lado, quanto a esta iniciativa concreta, VV. Ex.as...

O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quero só dizer-lhe que um requerimento assinado por mim e dirigido ao Sr. Primeiro-Ministro, com data de 14 de Setembro de 1982, termina assim «... nestes termos o Grupo Parlamentar do PCP requer, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o conhecimento do teor integral do inquérito realizado pela Procuradoria-Geral da República...». Portanto, não pedimos outra coisa senão isso.
Mas perguntas que se fizeram ao Sr. Ministro, na sessão de perguntas ao Governo em Novembro, uma das coisas que se requeria ao Ministro da Administração Interna era o conhecimento das conclusões do relatório.

O Orador: - Sr. Deputado, não estou a negar que tivessem feito isso. Estou a dizer que não há a menor referência a essa razão na vossa exposição de motivos. A vossa exposição de motivos é, toda ela, virada em sentido contrário. É no sentido de que o Governo não está a aplicar o imperativo constitucional de dar publicidade aos actos governativos, de não haver transparência na actuação governativa. Eu estou a referir-me a esta vossa iniciativa parlamentar, concreta. Se VV. Ex.as estão a tentar -no decurso do debate- corrigir, rectificar, a vossa iniciativa, então devem pedir a suspensão do debate, anular este agendamento e promover um outro. Estou a referir-me concretamente a esta vossa iniciativa, que está aqui devidamente motivada e proposta. E relativamente a esta que nos opomos e votaremos contra. Nada mais do que isto e só isto.
E os Srs. Deputados que a partir desta nossa posição...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, não sei se o Sr. Deputado estava presente nessa altura - se estava na primeira fila da sua bancada, se nas filas de trás...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Essa é fraca!!

O Orador: - Nós variamos! Nós somos diferentes dos senhores, temos maior mobilidade!...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Portanto, dizia eu, não sei se estava na primeira fila e se estava presente, mas o nosso pedido de inquérito foi apresentado no seguimento de perguntas feitas ao Sr. Ministro da Administração Interna e as perguntas incidiam sobre esta questão: porque é que o Sr. Ministro, ao contrário do que tinha prometido à Assembleia da República, não dava conhecimento à Assembleia e ao país, do teor das conclusões do relatório. Foi esse o objecto das perguntas que fizemos ao Governo e é em face da negativa do Sr. Ministro da Administração Interna que apresentámos na mesma sessão, logo a seguir às alegações negativas do Sr. Ministro da Administração Interna, o pedido de inquérito. E a certa altura diz-se expressamente: «...As explicações hoje aduzidas pelo Ministro da Administração Interna só suscitam, porém, novas interrogações sobre o comportamento governamental. Importa esclarecê-las. A Assembleia da República não pode aceitar

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passivamente que membros do Governo produzam, perante o Plenário, afirmações desprovidas de veracidade quando não mesmo deliberadamente tergiversadores das conclusões constantes de documentos cujo conhecimento é, do mesmo passo, recusado por quem tem o dever de os divulgar».
Bem, e toda a justificação de motivos está ligada à recusa do Sr. Ministro da Administração Interna em fornecer à Assembleia da República o teor das conclusões do relatório e em dar conhecimento ao país conhecimento ao país desse mesmo relatório.

O Orador: - Sr. Deputado, pois pode ter sido esse o espírito do redactor mas ele, através da letra, alterou ou traiu completamente o espírito da vossa iniciativa. Ela tem uma argumentação diversa.

O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Sr. Deputado, repare, diz-se logo no segundo parágrafo: «O Governo transmitiu o relatório a diversos órgãos de soberania, deles excluiu porém deliberada e inconstitucionalmente a Assembleia da República». Bem, e é a partir daqui que se constrói toda a argumentação. É em relação também ao facto de o Sr. Ministro não ter dado conhecimento das conclusões do relatório à Assembleia da República. Está aqui, logo no segundo parágrafo.

O Orador: - Sr. Deputado, o que acabou de referir - na minha interpretação, evidentemente - só justifica ainda mais a nossa posição. Não há nenhum dispositivo legal que obrigue o Governo a remeter todos os relatórios que possua, à Assembleia da República. E também não há nenhum dispositivo legal que diga que se o Governo remete um relatório a uma entidade soberana, tem que o remeter igualmente a todas as outras entidades.
V. Ex.ª pode discordar, eventualmente, do critério do Governo, mas acusar o Governo de, por isso, estar a cometer uma infracção aos imperativos legais, inclusivamente constitucionais, não é exacto. E, quando V. Ex.ª aponta esse aspecto, encontro aí uma confirmação da nossa posição. VV. Ex.as hão-de desculpar-me a baixeza da minha argumentação e eu aceito a alteza das vossas atitudes, simplesmente a actuação moral, concreta, de cada cidadão e de cada deputado, felizmente, ainda não está dependente das vossas classificações. Está dependente da moralidade dos cidadãos e, em matéria política, do voto do eleitorado português. De maneira que VV. Ex.as não impressionaram com os vossos -não direi insultos- implícitos insultos em algumas das vossas referências. Não me incomodam e continuo a manter a minha permanente preocupação de não ser ofensivo, em termos morais -embora discordando politicamente, sem dúvida. VV. Ex.as dizem que me conhecem e isso é de facto verdade. Em matéria política não há a menor dúvida de que me encontro numa posição contrária. Moralmente continuarei a ter a preocupação de -admito que por precipitação, eventualmente, de V. Ex.a- não cair no mesmo tipo de observações.
Quanto à questão política, a nossa posição é bem clara. A nossa bancada não aceitará que alguma vez se admita que -se há outros responsáveis relativamente aos acontecimentos no Porto- um dos responsáveis, senão o principal, não seja o Intersindical e o Partido Comunista. Este é um ponto fundamental. Sempre que VV. Ex.as trouxerem aqui o assunto, nós traremos a nossa apreciação sobre ele.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente a este caso concreto, não estamos, pois, convencidos da vossa argumentação para poder votar a favor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, ao que parece para protestar, os Srs. Deputados Manuel Lopes, Veiga de Oliveira e António Vitorino. Entretanto, o Sr. Deputado Borges de Carvalho também está inscrito para um protesto em relação à anterior intervenção do Sr. Deputado Manuel Lopes. Há ainda um pedido de palavra, para intervenção, do Sr. Deputado Magalhães Mota. Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de o período da primeira parte da ordem do dia ter a duração de 2 horas, que terminam dentro de 2 minutos e que a sessão termina às 20 horas, pelo que faltam só 7 minutos. Posto isto, não é de crer que este requerimento do PCP possa ser votado hoje.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que se põe uma questão regimental, quero lembrar que, no nosso entendimento do Regimento, o que se passa é que terminadas as 2 horas destinadas à primeira parte da ordem do dia, sem se ter chegado ainda à votação da nossa proposta, tudo o que se fará é passar à segunda parte e continuar o debate em curso na primeira parte da ordem do dia da próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Naturalmente, Sr. Deputado. O que digo é que já não vale a pena passar à segunda parte, visto estarmos sobre as 20 horas. No entanto, enquanto não chegamos a essa hora, vamos exceder em 5 minutos a primeira parte da ordem do dia.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Queria protestar em relação à resposta ao pedido de esclarecimento que fiz ao Sr. Deputado Silva Marques, acerca do nosso pedido para que sejam divulgados os dados sobre o inquérito realizado aos acontecimentos do Porto. Naturalmente que há uma coisa com a qual estou de acordo com o Sr. Deputado Silva Marques: é que o que é bom para nós é mau para o Sr. Deputado e vice-versa. Se assim não fosse, não estaríamos em bancadas diferentes. Mas há uma coisa que numa Câmara política ou em qualquer outra parte devemos clarificar que é o facto de se tratar de esclarecer a verdade.
O Sr. Deputado faz afirmações de ordem política, dizendo que os culpados dos acontecimentos do Porto são fulanos, beltranos e sicranos. Nós também temos a nossa opinião, mas aquilo que estamos aqui a pretender é esclarecer uma situação. Repare, Sr. Deputado, não fomos nós que fizemos o inquérito nem tão pouco o pedimos, foi o Sr. Ministro. Aquilo que queremos é que esta Câmara tome conhecimento das conclusões a que chegou a entidade a quem o Sr. Ministro da Administração Interna pediu o inquérito sobre os acontecimentos do Porto. E, na medida em que o Sr. Ministro da Administração Interna não as pretende tornar públicas - e o seu

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partido, pelo que o Sr. Deputado já aqui disse, vai votar contra o pedido de que o Sr. Ministro torne público, à Assembleia, o inquérito realizado pela Procuradoria--Geral da República-, naturalmente que isso reforçará muito mais a nossa convicção de que por detrás dos acontecimentos do Porto, está não só uma intenção antecedente como está efectivamente, da parte do Sr. Ministro, uma responsabilidade directa nos factos, nomeadamente na morte dos trabalhadores do Porto, nas imensas pessoas que foram feridas, em tudo aquilo que se passou.
O que se passa, Sr. Deputado, é que na verdade quem tem estado contra a democracia, quem tem posto em causa as instituições, a Constituição e tudo aquilo que depois do 25 de Abril se fez de bom, são os senhores, é a maioria, são os seus Ministros, são os seus Governos. E é isto que os senhores não querem denunciar, é isto que os senhores não querem tornar público, é isto que os senhores não querem demonstrar ao país!
Tornem-se claros, mostrem a verdade! Nós não temos medo, não temos coisas escondidas, não temos arcas escondidas! Os senhores têm, e por isso vêm para aqui, com argumentos falaciosos, pretender esconder à Assembleia um inquérito que é da autoria, inclusivamente, do Ministro da Administração Interna. Ora, isso é faltar à verdade, isso é falta de responsabilidade, isso não é dignificar este Parlamento.
O senhor, com essa atitude, está a falsear a verdade, está a proporcionar a corrupção, está a proporcionar que Ministros como o Sr. Ministro Angelo Correia, continuem a existir nesta terra, falseando todas as leis democráticas e todos os princípios democráticos que o Sr. Deputado tantas vez para aí vem apregoar, fazendo a sua chicana. É contra isto, seja qual for a vossa posição, que protestamos e continuamos a exigir a verdade a esta Casa. Continuamos a exigir a verdade ao país, continuamos a exigir a verdade ao Sr. Ministro e ao Governo, seja em que circunstâncias for, porque a verdade, ou agora ou mais tarde, há-de vir a claro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, os textos - nós já lemos várias partes e suponho que o Sr. Deputado pode dedicar a noite a ler o resto do texto dos nossos requerimentos e a nossa argumentação - refutam completamente a sua argumentação.
De facto, o que está em causa -como eu disse há pouco- são duas questões. Uma é a promessa a que o Sr. Ministro e esta maioria faltou, isto é, a de dar conhecimento à Assembleia da República dos resultados do inquérito a que o Ministro da Administração Interna mandou proceder. A outra, é que depende da própria Assembleia e do conhecimento do inquérito o tornar público os resultados do inquérito.
Mas o Sr. Deputado revela, na sua argumentação, duas coisas. A obsessão daquilo a que o Sr. Deputado chama a questão política que está resolvida ab initio, para si. O Sr. Deputado acaba de nos dizer que, quaisquer que sejam os factos, considera que os culpados são aqueles que o senhor erigiu como tal.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Isto é uma obsessão e contra obsessões não dispomos de nenhum remédio. Em segundo lugar, revela também uma total falta de sensibilidade, em relação ao funcionamento da ordem democrática constitucional.
O Sr. Deputado ainda não percebeu a gravidade, enormidade do facto que representa um Governo, ou um qualquer Ministro de um Governo, recusar à Assembleia da República o conhecimento de actos que desencadeou, que são da responsabilidade do Governo e que é obrigatório que a Assembleia da República passe a conhecer. O Sr. Deputado ainda não percebeu que está aqui mesmo a essência da democracia e, como não percebeu, desisto de o fazer entender.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, fiz um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Silva Marques e referi que apelava à sua inteligência para saber da plausibilidade da proposta do Sr. Deputado Borges de Carvalho. Espero que, naturalmente, o silêncio do Sr. Deputado Silva Marques não seja devido ao facto da sua inteligência nada lhe dizer sobre a plausibilidade da referida proposta.
Por isso, agora em protesto, apelo apenas ao aparelho auditivo do Sr. Deputado Silva Marques para me responder ao pedido de esclarecimento, pois há pouco utilizou os meus 3 minutos para responder apenas aos. Deputados do Partido Comunista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Vitorino, há pouco estive prestes a pedir licença ao Sr. Presidente para usar da palavra, apenas para lhe pedir desculpa pois verifiquei que não lhe tinha respondido, embora, de qualquer modo, o que lhe queria dizer estivesse implícito na minha argumentação anterior. Mas, concretamente, a resposta era esta: nós, o Grupo Parlamentar do PSD, no contexto concreto desta iniciativa do Partido Comunista -e não podemos desconhecer que estamos num debate que decorre de uma iniciativa, de um enquadramento e de um contexto concreto de iniciativa do Partido Comunista, cujos objectivos pretendi explicitar na nossa interpretação- não vamos subscrever a iniciativa do Sr. Deputado Borges de Carvalho mas assumimos a posição de princípio de - e, há pouco disse-o, em condições que nos pareçam aceitáveis - reconsiderar a nossa posição no que diz respeito às conclusões a tirar quanto à responsabilidade dos acontecimentos do 1.º de Maio. Até a este momento, a nossa conclusão política é esta: responsável foi a CGTP e o Partido Comunista, não excluindo que haja outros. Agora, o que não aceitamos é que se retirem conclusões precipitadas e que se entre em iniciativas parlamentares cujo contexto concreto, no nosso entendimento, criaria uma posição equívoca, do ponto de vista político, para a nossa bancada. Isto é muito claro, portanto estou a responder-lhe concretamente à sua questão.
O Sr. Deputado Manuel Lopes diz que a verdade há-de vir ao de cima. Também acreditamos nisso. A verdade sobre os acontecimentos do 1.º de Maio, relativamente ao responsável que já referi ou a outros, há-de vir ao de cima. Agora o que pode ter é a certeza de uma coisa: o Sr. Deputado é suspeito de acreditar nesse prin-

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cípio da verdade porque se não fosse assim condenava os regimes de censura que o Sr. Deputado apoia.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Só falta essa! Sabe tão pouco!!... Vote o inquérito!

O Orador: - Sr. Deputado tem que ter paciência! Temos posições divergentes e seria estranho que as tivéssemos convergentes.
Quanto à vossa proposta, e sobretudo em resposta, repito, ao Sr. Deputado António Vitorino, dizemos que, neste contexto concreto, não votaremos a proposta do Partido Comunista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão é no dia 13, às 15 horas, com a ordem do dia que está programada e com quaisquer alterações que, amanhã na reunião de leaders, possam ser decididas.
Entretanto anuncio a entrada, na Mesa, do projecto de lei n.º 393/11, de iniciativa do Partido Social-Democrata, sobre a criação da freguesia das Bairradas no concelho de Figueiró dos Vinhos.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão, os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa Saldida.
António Manuel L. de Menezes.
António Vilar Ribeiro.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Morais Alves.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
João Afonso Gonçalves.
José Luís Figueiredo Lopes.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques Antunes.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Hermínio Martins Oliveira.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adalberto Neiva de Oliveira.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.

Faltaram à sessão, os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
António José Cardoso e Cunha.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
José Mário de Lemos Damião.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Nicolau Gregório de Freitas.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Bento Elísio de Azevedo.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Mário Alberto Lopes Soares.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):

Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Emílio Leitão Paulo.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
Narana Sinai Coissoró.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Goergete de Oliveira Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.

Rectificação ao n.º 28, de 22/12/82:

No Sumário, imediatamente antes da referência à intervenção do Sr. Deputado Oliveira e Sousa (CDS), deve acrescentar-se o seguinte parágrafo:
Em declaração política, o Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) comentou a demissão do Primeiro-Ministro Pinto Balsemão.

As REDACTORAS: Maria Amélia Martins - Cacilda Nordeste.

PREÇO DESTE NÚMERO 64$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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