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I Série - Número 37 Sexta-feira, 21 de Janeiro de 1983

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE JANEIRO DE 1983

Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
Ercília Carreira Talhadas

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) saudou o 1.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, referindo-se também à jornada de solidariedade para com El Salvador e a América Latina. Respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) pediu solução urgente para o estado de degradação em que se encontra o Hotel de Santa Luzia, em Viana do Castelo, reclamando dos organismos competentes o incremento do turismo em Portugal.
O Sr. Deputado Manuel Matos (PCP) chamou a atenção da Câmara para a situação criada pelo encerramento da carreira fluvial entre São Jacinto e Aveiro, responsabilizando também o Governo pela sua inoperância.
O Sr. Deputado Lino Lima (PCP) anunciou a apresentação, pelo seu grupo parlamentar, de um novo projecto de lei com o objectivo da criação da Faculdade de Direito na Universidade do Porto. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Carlos Lage (PS) e Oliveira e Sousa (CDS).
A Sra. Deputada Ilda Figueiredo (PCP) teceu várias considerações sobre a grave situação em que se encontram milhares de trabalhadores de empresas do sector têxtil, referindo-se em especial à CIFA.
O Sr. Deputado Carlos Lage (PS) associou-se à intervenção da Sra. Deputada Ilda Figueiredo (PCP), tendo-se ainda referido ao desastre ferroviário na linha entre Lisboa e Porto.
O Sr. Deputado Lemos Damião (PSD) chamou a atenção para os problemas que afectam o sector têxtil na região de Guimarães.
O Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI) saudou o 1.º Congresso dos Jornalistas Portugueses.
O Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) analisou a situação da Fábrica-Escola Irmãos Stefan - FÉIS, criticando a actuação do Governo.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, das ratificações n.ºs 113/II (PCP) e 116/II (PS), sobre o Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, que estabelece o novo regime de actualização de rendas nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou profissões liberais, e também da ratificação n.º 204/II (PCP), sobre o Decreto-Lei n. º 392/82, de 18 de Setembro, que altera o referido regime, e que foram concedidas.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Ferreira de Campos (PSD), João Porto (CDS), Fernando Cardote (PSD), Luís Filipe Madeira (PS), Veiga de Oliveira (PCP), Cunha Dias (PSD), Magalhães Mota (ASDI), Oliveira e Sousa (CDS), Borges de Carvalho (PPM), Mário Tomé (UDP), Zita Seabra (PCP), Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Sousa Gomes e Aquilino Ribeiro Machado (PS), Duarte Chagas (PSD) e António Vitorino e Lopes Cardoso (UEDS).
Foi aprovado um requerimento do PSD, do CDS e do PPM para baixa dos decretos-leis ratificados à comissão competente pelo prazo de 30 dias, tendo sido rejeitadas 2 propostas de resolução, uma do PCP e outra da UEDS, propondo a suspensão da execução dos referidos decretos-leis até à entrada em vigor da lei de ratificação que vier a aprovar as alterações aos mesmos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 22 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 50 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.

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Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António José Cardoso e Cunha.
António Manuel Lemos de Menezes.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Armando Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Cunha Dias.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
João Afonso Gonçalves.
João Bernardo Ferreira.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho de Sã Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Octávio Pereira Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS):

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Hermínio Martins de Oliveira.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Jorge Gois Mendonça.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Rodrigues Masseno.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS):

Alberto Henriques Coimbra.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
António Paulo Rolo.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquina Rosa da Costa.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Manuel Ferreira Andrade.
Maria José Paulo Sampaio.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.

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Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM):

António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
João Corregedor da Fonseca.

União Democrática Popular (UDP):

Mário António Baptista Tomé.

Independentes:

José Eduardo Sanches Osório.
Natália de Oliveira Correia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura da relação dos requerimentos formulados ao Governo, para o que tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes:
Na reunião do dia 18 de Janeiro de 1983: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelos Srs. Deputados Gaspar Martins, Teixeira de Carvalho e lida Figueiredo; ao Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; aos Ministérios da Habitação, Obras Públicas e Transportes, da Justiça e do Trabalho, formulado pelo Sr. Deputado Teixeira de Carvalho; ao Ministério da Indústria, Energia e Exportação, formulado pelo Sr. Deputado Gomes dos Santos, e à Câmara Municipal de Vagos, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Matos.
Na reunião do dia 19 de Janeiro de 1983: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Dorilo Seruca; ao Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro e outros, e ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Lacerda de Queiroz e Cecília Catarino e José Manuel Mendes e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por saudar o 1.º Congresso dos Jornalistas Portugueses que ontem teve a sua sessão de abertura. Que dele saiam conclusões que permitam à classe servir as causas da paz, da liberdade e da luta dos explorados e oprimidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Amanhã, dia 21 de Janeiro, pelas 21 horas e 30 minutos realiza-se no Coliseu dos Recreios uma jornada de solidariedade para com El Salvador e a América Latina.
Esta Assembleia da República tem sido palco e fez-se eco de várias posições em relação à luta de povos latino-americanos, em especial do povo salvadorenho.
E essas posições variaram, como é natural, entre o apoio descarado à ingerência norte-americana nos assuntos internos dos povos até à defesa desassombrada e intransigente da luta armada como única solução democrática para, naquelas condições, esclarecer posições e impor a vontade popular.
Um facto, entretanto, houve que fez estremecer de gozo democrático aqueles dos nossos parlamentaristas que do Parlamento fazem trincheira para destilar a sua propaganda retrógrada, obscura, belicista e ainda por cima totalmente invertebrada no seu entreguismo nacional! Esse facto foi a realização, em Março, de eleições sob os altos auspícios dos Estados Unidos da América, dos países da CEE, entre outros, e do Governo Português saído da AD, hoje desfeita, mas persistentemente reaccionária. Contra essas eleições se manifestaram a Frente Democrática Revolucionária-Farabundo Marti Libertação Nacional, os povos amantes da liberdade e da paz e aqui, entre outros, a UDP.
Iam realizar-se eleições em estado de guerra civil, sob uma das mais violentas ditaduras de que há memória, sob a acção dos esquadrões da morte, que praticam autênticos genocídios contra as populações civis, esquadrões esses comandados por um dos mais destacados candidatos, e depois pelo efectivo presidente da Assem-

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bleia Constituinte, líder dos esquadrões da morte e do partido fascista ARENA.
Eleições ideais para os Americanos, para os fascistas salvadorenhos e para os nossos democratas de pacotilha, sabujos indefectíveis dos ianques, adoradores de A Balada de Hill Street e de Strike Force, como formas civilizadas e exploratórias dos esquadrões da morte das forças especiais e antiterroristas que Angelo Correia jurou não morrer antes de ter formado.
E, de facto, assim fez, numa encenação grotesca, mostrando ao povo português verdadeiros terroristas encapuçados que é a que eles são. Como a UDP sempre disse, o terrorismo de Estado afirma-se e reforça-se pela mão canhestra do Sr. Angelo Correia, com o apoio, ou pelo menos com o silêncio cúmplice, da democracia institucional e dos partidos do regime.
Para os nossos reaccionários, o mundo está ainda dividido em duas grandes categorias: o Terceiro Mundo - árabes, índios, pretos e amarelos, o mundo das guerrilhas, das revoluções, das experiências das armas mortíferas e sofisticadas e dos esquadrões de morte, e o Mundo Ocidental, civilizado, dos brancos, onde há forças antiterroristas, strike forces, e uma convivência democrática garantida pelo domínio incontestado da ideologia oitocentista, com as adaptações históricas, técnicas e científicas indispensáveis.
Os velhos e novos impérios têm, pois, de pôr ordem no Terceiro Mundo; e, já agora, sacar 5 dólares por cada dólar lá investido em ajudas generosas e tantas vezes incompreendidas.
Quanto à velha Europa, especificamente, nada de revoluções! Isso é para gente atrasada! Quando muito, uma guerra nuclear limitada para deixar os Estados Unidos da América mais aliviados para tratarem da América Latina.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As eleições em El Salvador foram, não só um desaire total, com uma verdadeira fraude, como, aliás, não podia deixar de ser. Só para os nossos «democratas» do PSD e do CDS, lambendo as pegadas dos seus amigos americanos, para os mesmos senhores que clamam estar a democracia em perigo quando há uma manifestação mais expressiva ou até violenta da parte do povo, é que umas eleições, sob a mira das armas dos militares fascistas e dos assassinatos dos esquadrões da morte, podiam ser democráticas! «Democráticas», porque serviam os seus intentos de tentar desacreditar e desmobilizar a luta heróica do povo salvadorenho.
Vejamos então: foram anunciados ao mundo 1551687 votos. No entanto, um estudo profundo e detalhado realizado pela Universidade Centro Americana de São Salvador (UCA) e dirigido pelos Jesuítas revela o seguinte: antes de se realizarem as eleições e dada a inexistência de censo eleitoral, as próprias autoridades falavam de 1,2 milhões de votantes possíveis! Mas o elevado número de refugiados e a situação interna de guerra levaram essas mesmas autoridades, o pró-cônsul norte-americano Dean Hilton e fontes autorizadas de Washington, a afirmarem que 500000 ou 600000 votantes já seriam uma grande vitória.
Segundo o estudo da UCA, se as 4021 umas espalhadas pelo país tivessem funcionado durante 12 horas e cada votante tivesse demorado 2,5 minutos, o máximo de votantes possível seria de 1,1 milhões.
No entanto, o próprio conselho eleitoral afirmou que 3 minutos seria o tempo mínimo de votação.
Por outro lado, os locais de voto funcionaram 8 horas e houve zonas inteiras, controladas pelo FDR/FMLN, onde não funcionaram. Ou seja, na melhor das hipóteses, o máximo de votos possíveis era de 643000! Em face da situação, o chefe, o cônsul Dean Hilton, reuniu os lideres dos partidos em 29 de Março, e acordaram os resultados finais sob a condição de não serem contestados por nenhum deles.
Foi o conhecido «pacto de 29 de Março» que pretendeu encobrir a introdução de 700000 votos adicionais nas umas - uma grande chapelada que só a AD seria capaz de fazer. Pacto para dar credibilidade e legitimar a fraude que impôs um governo controlado pelos sectores mais reaccionárias da oligarquia salvadorenha, nomeadamente através de Roberto d'Aubuisson.
Como resultado natural, as forças totalitárias e antidemocráticas - no entender dos deputados Silva Marques e não sei qual hei-de escolher em representação do CDS - continuaram a luta, apoiados pela generosidade do povo salvadorenho, que sofre, nas zonas não libertadas, as mais cruéis e bárbaras represálias por apoiar os combatentes da liberdade.
Apesar das vitórias cada vez mais claras da FDR//FMLN sobre as tropas do Governo Fascista, ajudadas pelas armas, conselheiros e combatentes americanos e pelo exército hondurenho - gendarme especial dos Americanos para a região -, os dirigentes da FDR propuseram aos chefões do Governo ilegítimo e fraudulento conversações sem condições, para suturar a ferida e tentar encontrar uma solução que garantisse a liberdade e o bem estar para o povo.
Quem respondeu em primeiro lugar não foram os salvadorenhos, foi o governo imperialista americano, que exigiu a prévia rendição das forças democráticas e revolucionárias salvadorenhas.
D'Aubuisson, fascista responsável pela morte do Monsenhor Romero, considera o diálogo como a «mais vil traição e o absurdo mais inqualificável», dizendo que na luta contra a guerrilha há que recorrer ao Napalm, pois todas essas formas de extermínio são mais do que legitimadas.
Ministros e chefes do Governo reiteraram a posição de que diálogo só com a rendição incondicional das forças de guerrilha.
Todas estas respostas são absurdas no momento em que cresce a força da guerrilha e do movimento internacional de solidariedade que no nosso país tem sido coordenado pelo GSAL e tem amanhã no Coliseu uma das suas manifestações.
Todas as atitudes dos dirigentes do Governo Salvadorenho estão de acordo com a estratégia provocatória, belicista e imperialista americana, que, para além de não querer ver instaurar-se mais um regime democrático - que, certamente lhe não seria submisso -, pretende manter o estado de guerra para garantir as condições de cerco à Nicarágua, onde continua a querer intervir por acções exteriores e interiores.
E é interessante notar o papel que aí desempenham as Honduras, que de 1981 para 1982 viram crescer a ajuda militar americana para o dobro em venda de armas, ou seja, de 5 para 10 milhões de dólares, prevendo-se para 1983 uma ajuda de 15,3 milhões de dólares. Honduras que, para além de serem uma base de acção contra a Nicarágua e Salvador - quer com os próprios elementos do exército, quer como base para os elementos somozistas rugidos à justiça popular-, é também um território base para os aviões americanos.

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No próximo dia 1 de Fevereiro lá vamos nós ter manobras conjuntas entre os Estados Unidos da América e as Honduras na fronteira da Nicarágua, envolvendo 5000 homens hondurenhos e 1600 americanos, numa manobra provocatória contra a Nicarágua!
Não é de desprezar uma referência interessante que tem que ver com o papel atribuído pelos Estados Unidos da América às Honduras. As Honduras são consideradas pedra-chave para a estratégia norte-americana na região e são o terceiro país da América Latina a receber a maior ajuda militar dos Estados Unidos da América.
Também em terceiro lugar -pelas mesmas razões, mas noutra região do globo - está Portugal, na hierarquia das prioridades de auxilio americano, depois do Egipto e de Israel.
O papel que os Estados Unidos da América atribuem a Portugal, aceite e reivindicado pela AD e pelo general Eanes, tem a ver com a penetração dos Estados Unidos da América em África, em especial na África Austral, no seu confronto com o imperialismo soviético. A este propósito está a abater-se uma espessa cortina de fumo e de silêncio sobre a possibilidade da ida de tropas portuguesas para o Líbano, havendo movimentações claras nesse sentido, quer .políticas, quer militares, assim como nada se diz sobre as afirmações da possibilidade já aventada da ida de tropas portuguesas para Angola e Namíbia.
É necessário esclarecer esta questão e a UDP vai fazer um requerimento nesse sentido.
É dever de todos os democratas e patriotas, de todos os lutadores pela paz, oporem-se às manobras e movimentações deste tipo e exigirem uma clara e inequívoca posição pública das autoridades, exigindo-se, sem ambiguidades, que essa posição sirva os interesses da paz e do nosso povo.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os interesses da paz não são decerto salvaguardados no desenvolvimento da estratégia imperialista americana na qual se insere, sem rebuço nem pudor, a nossa política externa ao mais elevado nível - e refiro-me também, para além do governo AD, ao papel do general Eanes.
A paz e a liberdade dos povos está longe; está no campo oposto ao das negociatas das superpotências. Está na luta revolucionária e consequente dos povos.
É esse o caminho que seguem hoje os povos da América Latina, onde tantos exemplos existem dos falhanços das «transições pacíficas para o socialismo» e não nos esqueçamos da tragédia do Chile e da experiência militar «progressista» peruana falhada; só os oportunistas aceitam a mudança do carácter reaccionário dos militares, das burguesias e oligarquias, como na Argentina ou na Bolívia, e só os traidores entregam as armas para se integrarem na «ordem pacífica», a mando dos exploradores, esquecendo os exemplos trágicos que abundam.
A coexistência pacífica entre estados é desejável, mas não deve impedir a luta democrática e revolucionária dos povos para se libertarem, não só das garras do imperialismo, mas também da exploração do homem pelo homem.
É por isso que saudamos na luta heróica do povo de El Salvador, dirigido pelo FDR/FMLN, a luta de todos os povos do mundo, em especial a do povo Maubere e da FRETILIN, que persiste gloriosamente, apesar de todas as tentativas brutais ou pseudo democráticas de a silenciarem.
Amanhã, no Coliseu, a solidariedade não será uma palavra vã.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Nunca o foi!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Mário Tomé, segui com atenção a sua intervenção, nomeadamente a referência que fez ao Congresso dos Jornalistas, a qual me agradou muito particularmente.
Na realidade, o Congresso dos Jornalistas é um momento oportuno para reflexão e balanço de todos os jornalistas portugueses, principalmente numa altura em que a imprensa, nomeadamente todos os jornalistas, sofrem as investidas deste governo, como está a acontecer no Jornal de Notícias, do Porto.
Gostaria também de relembrar ao Sr. Deputado que não é de estranhar o facto de ontem, na sessão inaugural do Congresso dos Jornalistas, não terem estado presentes o Sr. Dr. Pinto Balsemão nem o Secretário de Estado Alfaia. Porém, aconteceu que a comissão organizadora do Congresso dos Jornalistas decidiu não convidar nem um nem outro, por os considerar os maiores inimigos da classe actualmente existente no País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mais concretamente, Sr. Deputado, gostaria de lhe fazer uma pergunta, em relação à qual responderá, se assim o entender: qual acha que deve ser a posição de Portugal face aos países não alinhados - os chamados países do Terceiro Mundo -, sabendo-se da submissão total dos governos da AD, amarrados aos mercados tradicionais norte-americanos, alemães e ingleses, em detrimento das nossas relações - que deviam ser privilegiados- com os países africanos de língua portuguesa?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Corregedor da Fonseca: Antes de mais, agradeço-lhe a referência à minha intervenção.
Quero dizer-lhe também, já que referiu a questão do Congresso e de quem não foi convidado, que, em minha opinião, o Congresso dos Jornalistas não devia ter convidado nenhum representante do poder.

O Sr. António Arnaut (PS): - Não há poder, Sr. Deputado!

O Orador: - Quanto à questão que me põe relativa à posição do nosso país perante os países do Terceiro Mundo - ou seja, ao que eles sofrem por culpa do imperialismo -, devo dizer que considero que a nossa posição deve ser a de maior cooperação e ligação no campo das trocas, sem sujeição política de qualquer das partes - igualdade de situações, portanto. Porém, considero tais objectivos impossíveis neste momento.
De facto, quer o Governo, quer os Órgãos de Soberania do nosso país -nomeadamente o Presidente da República -, são intérpretes, não de uma política de

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independência nacional e de ligação franca e aberta com esses povos, mas de uma política que está no seguimento da política dos Estados Unidos da América e que è de submissão, por interpostas pessoas, dos povos sul-africanos. São formas diferentes de colonialismo; são os vários avatares do imperialismo. Infelizmente, no nosso país, e apesar de o 25 de Abril ter aberto as portas a uma franca, bela e magnífica cooperação com os povos das ex-colónias, nós não temos hoje essas condições, o que é lamentável.
Será a luta do nosso povo que criará as condições para que, acabando com o governo AD e com os partidos da direita no Governo e libertando a nossa política da submissão ao imperialismo americano, as nossas relações com os povos dos outros países nomeadamente aqueles que integram ex-colónias portuguesas - sejam de facto abertas, francas, de diálogo, de cooperação profunda, relações que tenham como resultado o bem-estar, a liberdade e a paz para todos os povos do mundo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém duvida que o incremento do turismo é uma das prioridades do País, quer pelas condições naturais de que dispomos, quer pelos muitos e variados aspectos da paisagem ou da monumentalidade nacionais, quer, sobretudo, pela entrada de divisas que a indústria turística nos pode proporcionar.
Em Viana do Castelo e no seu distrito, ou, melhor dizendo, em toda a área correspondente à região do turismo do Alto Minho, se nota uma preocupação de preparar um conjunto de equipamentos que abram novos horizontes e fixem correntes turísticas cada vez maiores e mais diversificadas, sendo justo destacar a acção dinâmica da respectiva Comissão Regional de Turismo e do seu presidente, bem como das câmaras municipais e entidades privadas, que, numa actuação consertada, têm dado corpo a realizações que projectam a região no mercado turístico nacional e internacional.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o turismo não se compadece com improvisos, com desleixos, com abandonos... E tudo isso se verifica hoje com o «monumental» Hotel de Santa Luzia, no cimo do monte que lhe dá o nome!... Fechado há mais de um ano para obras, ali ficou, esperando que algum milagre lhe transformasse a face.
As entidades e os órgãos locais têm batido a todas as portas; a imprensa regional e nacional tem feito eco do escandaloso espectáculo que já hoje representa o estado de abandono do Hotel de Santa Luzia, sem que ninguém pareça ter ouvidos ou sensibilidade para tomar as decisões que se impõem!...
O Hotel de Santa Luzia, em Viana do Castelo, que foi um dos expoentes máximos da hotelaria no Norte do País, enquadrado num dos mais belos recantos que a natureza poderá proporcionar, está entregue à ENATUR para exploração. Com a afirmação fácil de que se aguarda a revisão do projecto de remodelação, com a sempre via-sacra do papel abaixo, papel acima, com a distância que nos separa dos centros de decisão, vamos assistindo à degradação de tão importante imóvel e da própria estância de lazer e repouso que é o Monte de Santa Luzia. Fala-se na cidade que já terá desaparecido uma parte do recheio do Hotel, o que virá aumentar em muitos milhares de contos a despesa a efectuar com o
restauro que, de qualquer modo, é imperioso efectuar; e quanto mais tempo passar, maiores serão as dificuldades e as verbas a investir.
A mudança que buscamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tem de alicerçar-se na competência, na dedicação, no trabalho, no discernimento das prioridades que em cada momento se colocam. Em Viana do Castelo, como já disse, uma das prioridades é o turismo; e já quando, 20 anos atrás, se lançavam as bases para o desenvolvimento turístico de outras regiões do Pais, algumas vozes, timidamente, se ergueram, fazendo ver as riquezas e potencialidades no nosso distrito. Porém, muito tempo passou até que fôssemos ouvidos. E é quando o horizonte de Viana do Castelo se abre à Europa e ao mundo que deixamos «apodrecer» o primeiro e talvez ainda mais «renomado» símbolo da hotelaria local. Diríamos que se aposta em travar a promoção do Alto Minho e das suas gentes, porque é incompreensível que durante l ano, com o Hotel de Santa Luzia fechado, nada se tenha feito para a sua recuperação e nada se saiba de como nem quando se iniciarão os trabalhos.
Há verbas provenientes da exploração de salas de jogo; há a concessão recente da exploração do jogo do bingo, em cujo contrato se poderia ter aditado a obrigação dos concessionários colaborarem neste empreendimento; há empresas estabelecidas na região a quem compete investir - temos a ENATUR como entidade exploradora, a quem foi conferida a propriedade do Hotel em 21 de Junho passado; apesar de tudo isso, parece faltar a capacidade e a vontade de dar à cidade e à região aquilo que de direito lhe pertence.
Ao Governo, através dos organismos competentes, aqui deixamos a nossa posição, que, para além de ser um alerta no sentido de não permitir que a bela estância de Santa Luzia se transforme num qualquer refúgio de marginais, é também um lamento e um protesto pela incúria que alguns cometem contra a população do distrito e contra a economia do País, pois, para além da deterioração resultante da não utilização das instalações, como referimos, acresce ainda o facto de não haver sequer um guarda que assegure a protecção do recheio, encarregando-se o tempo de destruir o restante.
No momento em que o parque hoteleiro da região estagnou, no momento em que aparecem interessados em criar infra-estruturas recreativas, desportivas e até culturais que nos permitam oferecer melhores serviços, é urgente recuperar e melhorar a cadeia hoteleira, nomeadamente aquela que tem qualidade, e por isso as obras no Hotel de Santa Luzia são uma exigência premente e uma necessidade imperiosa, para bem da região do turismo do Alto Minho, para bem do distrito de Viana do Castelo e para bem do turismo em Portugal.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Matos.

O Sr. Manuel Matos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De 2 para 3 de Janeiro do ano em curso a população de São Jacinto, do concelho de Aveiro, tomou desta vez a sério a sentença popular: «Ano Novo - Vida Nova!»
Farta da vida velha, anos e anos a fio - que é como quem diz, da situação de abandono e indiferença a que tem vindo a ser sujeita por parte das entidades respon-

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sáveis -, uma última gota de água faltava para fazer transbordar a taça.
A administração dos Estaleiros de São Jacinto, entidade que há 35 anos vinha assegurando a ligação com Aveiro através de uma carreira de lanchas -inicialmente prevista para transporte dos seus trabalhadores, mas de que se vinha servindo desde sempre a população em geral -, fez cair essa gota de água, suspendendo a carreira a partir de 1 de Janeiro, invocando para tanto o estado de decadência das lanchas e o carácter não obrigatório do serviço prestado.
A ir por diante esta decisão da administração dos Estaleiros, de que modo transportariam os pescadores o peixe pescado para a lota de Aveiro, de que modo chegariam da cidade os géneros - carne, leite, legumes frescos - à população de São Jacinto, por que meio os estudantes e trabalhadores residentes em São Jacinto alcançariam as aulas e postos de trabalho na cidade?
A resignação, essa tão celebrada madre de virtudes de que os piedosos governantes actuais gostam de lançar mão quando ainda não se recomenda o recurso à polícia -, deixou de morar em São Jacinto.
Aliás, a resignação mora cada vez menos em Portugal. E as razões nenhum de nós as ignora. Os problemas agravam-se por todo o lado, na proporção directa da incapacidade do Governo e das forças que o apoiam. Em muitos casos vivem-se situações de verdadeira ruptura, pondo em jogo interesses vitais de populações inteiras.
Foi isso o que se passou em São Jacinto.
E, em boa verdade, quem, de entre nós, pode ignorar a justeza da sua luta?
Ferida na sua dignidade e ameaçada de estrangulamento, a população de São Jacinto resolveu tomar em suas mãos o seu próprio destino. E fê-lo de forma exemplar: organizada, pacífica e solidariamente, com a consciência clara de que esse era o último recurso, tomou o cais e, concentrando-se junto à saída da estrada que liga São Jacinto com Ovar, impediu o movimento de veículos.
Aí, nesses 2 pontos, se jogava, se joga, de facto, a sobrevivência deste povo. Por aí circula toda a seiva que o anima. Isso mesmo compreenderam as muitas dezenas de camionistas retidos e trabalhadores dos Estaleiros, que foram os primeiros a dar o seu apoio a esta forma de luta porque eles sofrem também as consequências directas deste estado de coisas, particularmente os utentes da estrada que atingiu o ponto da deterioração absoluta.
Assinale-se, desde já, que a reparação da estrada e a sua ampliação são reivindicações antigas da população e, pelo menos de há 6 anos a esta parte, têm sido feitas promessas sucessivas nesse sentido pelas respectivas autoridades.
Durante toda a noite e todo o dia, ao longo de 19 horas, se manteve a população inabalável nas duas frentes de luta, nunca cedendo ou hesitando; bem pelo contrário, reforçando a solidariedade e a entreajuda, como é timbre das gentes marinheiras quando a razão lhe assiste, mas tarda em ser-lhes reconhecida.
E saíram reforçados dessa luta os habitantes de São Jacinto, porque os objectivos que tinham em vista acabaram por ser reconhecidos pelas entidades responsáveis que se sentaram à mesa das negociações.
Efectivamente, a administração dos Estaleiros de São Jacinto repôs a carreira das lanchas com ligações até Aveiro e não apenas até ao Forte da Barra, como era seu intento.
Ficou, entretanto, entendido que esta não é a solução definitiva. Essa será encontrada quando o transporte pela ria, entre Aveiro e São Jacinto, for assegurado por um serviço público, naturalmente a cargo da Câmara Municipal de Aveiro, solução essa tanto mais urgente quanto a frota dos Estaleiros, demasiado envelhecida, oferece alguns riscos de segurança e cumulativamente péssimas condições de conforto, pese embora o lenitivo que a paisagem constitui para quem passeia - situação que não é, obviamente, a dos utentes ordinários das lanchas.
Quanto ao segundo objectivo - alargamento e reparação da estrada de São Jacinto, cuja urgência só está em condições de compreender quem por lá tenha passado recentemente -, há um compromisso tomado pelo presidente da Direcção de Estradas do Distrito de Aveiro, que participou nas negociações, no sentido de acelerar o lançamento do velho projecto em estudo há 6 anos.
Com esse propósito, foi marcada, no âmbito das negociações com representantes da população, uma reunião em Lisboa com o Presidente da Junta Autónoma de Estradas, a qual estaria agendada para a semana passada, mas que não se realizou -o que é já de mau agoiro-, transitando para a semana em curso.
Veremos se as promessas feitas são finalmente cumpridas. Uma certeza devem, porém, guardar os responsáveis: a população de São Jacinto, fortemente mobilizada e alicerçada em boas e decisivas razões, cumpre o que promete. E o que promete é aprofundar a luta se se sentir traída de novo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a luta do povo de São Jacinto merece a nossa inteira solidariedade porque é uma luta, afinal, por condições mínimas de sobrevivência; é uma luta pelo pão, pelo peixe, pela escola e pela dignidade, também; não se retira impunemente um barco a um povo isolado quando esse barco é a condição de sobrevivência, Srs. Deputados!
Gestos como este têm um nome: chamam-se provocações. E quem os assume deve merecer a mais firme condenação pública. É isso o que hoje aqui fazemos com a maior veemência.
Procedimentos como este - abusos do poder, atropelos, desrespeito absoluto pelos direitos das populações e dos trabalhadores - são hoje moeda corrente no distrito de Aveiro, como, de resto, em todo o País, em consequência directa da política antinacional e criminosa que o governo AD vem executando e, apesar de tudo, prosseguindo. Basta olhar para o interior de grande número de empresas do distrito, como a Paula Dias, a Metalomecânica, a Metalurgia Casal, a Joinal, a Handy e tantas outras, para nos apercebermos de como o grande patronato aproveita até ao último momento o apoio incondicional que lhe dá este governo em benefício exclusivo dos seus interesses.
Desde o não pagamento de salários em tempo útil até ao não reconhecimento dos direitos sindicais, passando pelo desconto dos dias de doença e pelo controle das idas aos sanitários, pelos castigos aos trabalhadores que se recusam à prestação de trabalho extraordinário, tudo serve para cevar a gula exploradora do patronato AD.
De resto, os Srs. Deputados devem ter recebido oportunamente um comunicado da União dos Sindicatos de Aveiro, onde um rol extensíssimo de atropelos vem registado. Desse comunicado salienta-se a discriminação sobre trabalhadores que participam em plenários - como é o caso, por exemplo, na Corticeira Amorim, na Amorim e Irmãos, na Enacor, na Adiço; salientam-se

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os impedimentos de entrada de dirigentes sindicais nas empresas; os insultos, ameaças e agressões a dirigentes sindicais quando estes intervêm em defesa de trabalhadores que têm os direitos e regalias ameaçadas; por fim, aponta-se uma serie de empresas onde esses atropelos são diariamente registados. E já agora - e porque me dispenso de ler ponto por ponto esse comunicado -, fazia um convite aos Srs. Deputados no sentido de avivarem a memória para que fizessem uma ideia de como o patronato reaccionário de Aveiro, com o apoio do Governo, vem, meticulosamente, dirigindo as piores formas de repressão contra o povo trabalhador do distrito.
Mas uma coisa é certa, Sr. Presidente, Srs. Deputados, por detrás desta onda de repressão maciça um grande movimento de resistência se desenha e na consciência dos trabalhadores e das populações, como agora aconteceu em São Jacinto, vai-se tornando cada vez mais claro que há uma contradição dia-a-dia mais funda entre os interesses do povo português e o projecto político da AD, quer ela se apresente nesta forma ou noutra qualquer.

Aplausos do PCP e do Deputado do PS Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Deputado Manuel Matos, quero dizer-lhe que me associo completamente às palavras que o Sr. Deputado aqui pronunciou quanto ao problema que as gentes de São Jacinto sofreram e que o senhor também viu e compreendeu, tal como nós.
Porém, não pode passar sem uma palavra de reparo a afirmação feita pelo Sr. Deputado de que, da parte do poder ou de quem pudesse ter intervenção no assunto, houve um conselho de resignação dado à população de São Jacinto.
Há bem pouco tempo saímos de eleições autárquicas em que o Sr. Deputado foi a cabeça de lista pela APU no conselho de Aveiro. E o Sr. Deputado conheceu, por certo, o programa dos candidatos do PSD no mesmo concelho. Aí nós referíamos exactamente aquilo a que o senhor chamou solução definitiva: é que tem que ser estabelecido um serviço público - talvez, como referiu, através da Câmara Municipal de Aveiro -, de forma a que se não deixe gente isolada porque uma empresa retira o barco.
Portanto, Sr. Deputado, nós PSD, não aconselhamos resignação à população; nós sentimos o seu problema. Eu próprio tive ocasião de, por meio de um pedido de esclarecimento, expressar aqui a preocupação da minha bancada quanto ao problema de São Jacinto e a intenção de resolução desse mesmo problema.
Assim, Sr. Deputado, a resignação não é nosso hábito quando vemos problemas sociais que necessitam de ser resolvidos.
Quero ainda congratular-me por o Sr. Deputado, neste caso concreto, ter deixado a política de parte, tendo falado apenas como aveirense que sente toda a questão.
Em minha opinião, porém, o Sr. Deputado trouxe aqui o problema um pouco tarde: é que nós já fomos junto da administração da empresa de São Jacinto, numa tentativa de solucionar o problema. O Sr. Deputado veio aqui congratular-se, mas também nós estamos satisfeitos por ter sido dada solução a uma injustiça que estava a ser feita a São Jacinto.
E nesta ocasião, juntamente consigo, a minha bancada quer expressar a sua solidariedade para com a população de São Jacinto, estando nós abertos - e convidamo-lo também, como deputado pelo distrito de Aveiro a uma conjugação de esforços para que não só em São Jacinto, mas em muitas e muitas terras do distrito, possam ser reparadas outras injustiças que, como esta, vão surgindo.
É este o convite que lhe faço e são estas as palavras que o Sr. Deputado mereceu ouvir pelas referências que aqui trouxe ao problema de São Jacinto.
Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Matos.

O Sr. Manuel Matos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apraz-me muito registar que o Sr. Deputado Rocha de Almeida tenha sublinhado com o entusiasmo com que o fez a necessidade de resolver em termos definitivos os problemas mais urgentes da população de São Jacinto.
E é também com todo o prazer que registo o facto de a sua declaração ter ido mais longe, já que das suas palavras se deduz um apoio a conceder a todas as lutas, pelo menos no âmbito do distrito, que visam resolver problemas importantes para as populações.
Mas quando aqui trago as questões que afectam a população de São Jacinto - e gostaria de deixar isto bem claro - não assumo uma posição de indiferença política; não me remeto a uma região onde a política não tenha cabimento. Pelo contrário, penso que também aqui se está em face de um problema eminentemente político. E penso que o partido que o Sr. Deputado representa, como elemento integrante do poder, tem especiais responsabilidades nessa matéria. É que não é com o aproveitamento de uma denúncia quanto a essa questão, não é sublinhando ou apoiando aquelas palavras, que o problema se resolve. O problema resolve-se, sim, com medidas concretas, com actos, com uma política de fundo que não tem sido definida.
Por outro lado, gostaria também de aclarar o conceito de aveirismo ou contribuir, pelo menos, para o seu esclarecimento: é que ele representa, fundamentalmente, uma arte mágica para resolver os problemas das populações! Pelo contrário, torna-se cada vez mais claro que o aveirismo é um compromisso com os povos da região que têm problemas e não é uma forma ambígua e equívoca de adormecer as populações com base na utilização de certos fetiches vazios de qualquer sentido.
A liberdade que o povo de Aveiro se reclama é uma liberdade que necessita de começar a ter conteúdo e substância; não se percam em jogos de palavras as nossas energias!
Era neste sentido que queria dar a minha achega ao esclarecimento do conceito de aveirismo.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza!

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado.

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Sr. Deputado Manuel Matos, eu não falei em aveirismo; falei, sim, como aveirense.
Entendo o que o Sr. Deputado pretende dizer, mas não foi essa a expressão que utilizei.

O Orador: - Agradeço-lhe o esclarecimento. Contudo, quando o Sr. Deputado contrapõe o facto de eu ter falado aqui em problemas concretos sem me emiscutir em política, referindo, ao mesmo tempo, que eu falava enquanto aveirense, isso pressupõe um conceito de fundo que é exactamente o aveirismo, forma mágica de envolver as coisas sem resolver nada.
E em meu entender, se o aveirismo tem algum significado, ele provém fundamentalmente de uma luta pelo progresso, pela dignidade e pela liberdade que vem desde José Estevão, passando por Mário Sacramento e Sebastião de Magalhães Lima, vultos que se esforçaram por dar conteúdo e assumir um compromisso político pela melhoria das condições de vida das populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pela ordem das inscrições, teria agora a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira. Visto este Sr. Deputado não estar presente e não se ter feito substituir, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervenho neste momento para lhes anunciar que deputados do Grupo Parlamentar do PCP vão apresentar na Mesa um novo projecto de lei com o objectivo da criação da Faculdade de Direito na Universidade do Porto. Creio que os Srs. Deputados que assistiram e intervieram no debate que aqui se travou, em 13 de Maio de 1980, sobre o projecto de lei n.º 439/1, da iniciativa desta bancada, não ficarão surpreendidos com tal apresentação. E pensamos até -se calhar com alguma ingenuidade... - que os Srs. Deputados que unanimemente votaram, em 29 desse mesmo mês, uma resolução recomendando ao Governo «a adopção das providências legislativas e técnicas tendentes à criação, no mais curto prazo» - repito, «no mais curto prazo» -, «na Universidade do Porto, das escolas que permitam, entre outras, a licenciatura em Direito», irão ficar muito agradados com este nosso acto. Isto porque, ciosos das prerrogativas desta Assembleia - que não considerarão meros verbos de encher -, por certo já por várias vezes disseram com os seus botões: mas, afinal, o Governo não ligou nenhuma à nossa recomendação! E, ao dizê-lo, não estavam a ser justos, valha a verdade!
E que, conhecedor dessa resolução, o Governo solicitou à Universidade do Porto um parecer sobre a matéria, que efectivamente foi dado pelo Prof. Batista Machado, parecer que - sublinhe-se - teve a concordância, na generalidade, do conselho científico da Universidade do Porto, na sua reunião de 8 de Junho de 1981, guardando-se para decisão ulterior se se deveria criar uma Faculdade autónoma de Direito ou se se deveria criar um curso de Direito na Faculdade de Economia, questão acerca da qual o conselho científico ficou de ouvir os órgãos de gestão da Faculdade de Economia. De então para cá - e já lá vai mais de l ano - não é do nosso conhecimento que se tenham dado outros quaisquer passos no sentido de concretizar a resolução desta Assembleia, que recomendava ao Governo urgência na criação de uma escola na Universidade do Porto que permitisse a licenciatura em Direito. E o Governo nem sequer respondeu aos requerimentos que sobre o assunto lhe foram dirigidos por vários deputados. Concluímos, portanto, que a resolução proposta pelo PCP e que todos os Srs. Deputados, incluindo os da maioria, abraçaram com tanto júbilo - como se conclui das declarações que então aqui produziram, e por isso mesmo aprovaram -, tinha encalhado em alguma gaveta, se não sumido em algum buraco. E como o Partido Comunista Português não tem um braço tão comprido que lhe permita ir lá arrancá-la, resolveu nesta bancada renovar - melhorando-a a iniciativa legislativa de 26 de Março de 1980, que ficou a constituir o já referido projecto de lei que os partidos da AD reprovaram.
Renovámo-lo, aliás, com a convicção da sua justeza, reforçada pelo parecer do Prof. Batista Machado, aprovado, na generalidade, pelo conselho científico da Universidade do Porto, como já dissemos. É que, muito embora cauteloso, o parecer começa logo por afirmar a conveniência de criar na Universidade do Porto uma Faculdade ou departamento de Ciências-Jurídico-Políticas, com o argumento da integração institucional da Universidade do Porto, argumento que os deputados desta bancada também puseram logo em primeiro lugar quando justificaram o nosso projecto no debate aqui travado a seu respeito. Por outro lado, no parecer afirma-se, desde que sejam respeitados certos requisitos, «ser possível, senão a curto, a médio prazo, instituir na Universidade do Porto um curso de licenciatura em Direito com nível superior». Relembre-se que tal era dito em Junho de 1981.
Isto é, a Universidade do Porto necessita desse curso e é possível criá-lo. Eis a conclusão do parecer. Hoje, portanto, não poderá voltar a reprovar-se a nossa iniciativa com os argumentos nem de que não se sabe qual a opinião da própria Universidade do Porto sobre o assunto, nem de que o projecto não tem viabilidade. Posto isto, os requisitos apontados no parecer como necessários para o funcionamento dessa escola de Direito de nível universitário -aliás, cautelosamente empolados, em nossa opinião - não dependem senão da vontade política de pôr o projecto em marcha e da atribuição dos meios e poderes necessários à respectiva comissão instaladora. E nesse sentido que, relativamente ao anterior, melhoramos o projecto que agora vamos apresentar à Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, torna-se imperioso não perder mais tempo a dar satisfação a esta aspiração justa do povo do Porto e do Norte do País, que há muito reclama uma Faculdade de Direito e que continua a reclamá-la, mesmo depois da ciência jurídica ser ministrada na cidade em 2 outras escolas que, dadas as suas características, não podem responder às necessidades, nomeadamente em relação aos trabalhadores-estudantes. Torna-se necessário descentralizar o estudo do Direito das Faculdades de Lisboa e Coimbra, tendo presente que nesta estão matriculados cerca de l milhar de estudantes das regiões a norte do Vouga que no Porto poderiam fazer os seus estudos mais próximos das suas famílias e com menores custos. Torna-se preciso que o Estado cumpra as suas obrigações constitucionais nesta matéria, nomeadamente pondo ao dispor dos cidadãos um ensino livre de Direito numa cidade que é o centro de uma região onde vive uma operosa e numerosa população a quem deve ser facilitado o acesso ao ensino universitário.
Estas são razões mais do que suficientes para renovarmos uma iniciativa legislativa transparente e que, por

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isso mesmo, não permitiremos que seja adulterada nos seus propósitos claros. Vamos ver como agora se portarão os partidos da AD, que há quase 2 anos rejeitaram dar satisfação aos anseios da Universidade do Porto e do povo do Norte.

Aplausos do PCP e de alguns Srs. Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sistema de ensino no distrito do Porto tem enormes carências. E a inexistência de uma Faculdade de Direito é precisamente uma delas - e outras existem, como, por exemplo, a necessidade de reestruturação do Conservatório, estando ultimamente a remediar-se uma outra, com a criação da Faculdade de Belas-Artes.
Com efeito, a carência de uma Faculdade de Direito é sentida na região, tendo havido reclamações das mais diversas proveniências nesse sentido. De facto, neste momento há centenas de estudantes em Coimbra, cursando Direito, cujas famílias, do Porto ou do Norte, gostariam de ter uma Faculdade de Direito situada naquela zona.
O curso de Direito da Universidade Católica não responde às necessidades, na medida em que esta Faculdade está superlotada e rebenta pelas costuras. E não se argumente que, em termos económicos, o curso de Direito da Universidade Católica seria prejudicado. Isto, para além do facto de o pagamento mensal de cada aluno
- 3500$ - ser demasiado elevado, tornando-se incomportável.
Neste sentido, a iniciativa do Partido Comunista Português é oportuna e deve merecer o apoio desta Câmara, até porque o Governo teve já a oportunidade e tempo suficiente para concretizar a promessa feita de que o assunto seria estudado e executado.

Na verdade, o Prof. Vítor Crespo, actual Primeiro-Ministro indigitado,...

O Sr. António Arnaut (PS): - Indigitado, não!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Pode-se considerar indigitado.

O Orador: - ... ou melhor, apontado pela AD como candidato a Primeiro-Ministro, nada fez no sentido de satisfazer essa promessa e essa aspiração.
O Partido Socialista não tomou a iniciativa de apresentar aqui um projecto de lei sobre a criação da Faculdade de Direito no Porto embora gostasse de o fazer porque respeita a iniciativa do Partido Comunista, que tem, naturalmente, a prioridade na apresentação desse projecto. No momento em que o Partido Comunista o apresenta, nós queremos manifestar o nosso apoio a esse projecto e dizer que estaremos dispostos não só a votar favoravelmente, mas também a contribuir para que ele seja discutido e aprovado o mais rapidamente possível nesta Câmara.
Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas com muitas alterações na especialidade!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Oliveira e Sonsa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lino Lima: É evidente que, quer como representante eleito de uma área que está polarizada para o Porto e para a sua Universidade, quer como docente de uma das escolas dessa instituição, me são particularmente sensíveis todos os problemas que tocam à melhoria do funcionamento da Universidade do Porto.
Por isso me alegrei nos últimos dias com a tomada de posse da comissão instaladora da Faculdade de Arquitectura, que vem consubstanciar uma medida muito justa de integração da formação de arquitectos dentro da Universidade, acompanhando, aliás, o que tem vindo a ser seguido em muitos outros países. E por isso também ouvi com atenção e interesse a exposição que o Sr. Deputado fez sobre o retomar do projecto de criação de uma Faculdade de Direito na Universidade do Porto. Eu não era membro desta Câmara na altura, e, como tal, não participei da discussão de 1980 do projecto então apresentado. Recordo, porém, que todos os partidos, como o Sr. Deputado acentuou, foram unânimes na recomendação de que dentro da cidade do Porto se concluísse o leque das matérias de formação leccionadas na Universidade com os estudos jurídicos.
No entanto, foi também referido nessa altura - e foi até parecer maioritário desta Câmara - que a criação de faculdades dentro de uma Universidade já existente era algo que tocava directamente a autonomia dessa mesma Universidade. É o que me parece estar agora a pretender fazer-se, se bem que não conheça ainda o texto do projecto de lei anunciado pelo Sr. Deputado. Ou seja, mais uma vez se pretende, através de uma deliberação de um órgão central de soberania - ainda que se trate do órgão máximo deliberativo, como é esta Câmara -, impor a criação de uma escola a uma Universidade existente.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É melhor impor o Reitor!

O Orador: - Referiu o Sr. Deputado que existe um parecer apresentado a nível do concelho científico universitário. Tanto quanto entendi, porém, trata-se de um parecer aprovado na generalidade, sem ter havido ainda uma iniciativa de proposta específica da Universidade do Porto com vista à criação dessa Faculdade de estudos jurídicos, não tendo também sido feitos, a nível de Universidade e dentro da autonomia universitária que nós defendemos e que os senhores dizem também defender, os estudos para a viabilização e realização dessa escola superior ou desse departamento de estudos jurídicos dentro de uma Universidade já existente.
Por isso eu pergunto, Sr. Deputado, se não será de maior interesse recomendar e usar dos nossos esforços e diligências pessoais para que a Universidade do Porto complete esses estudos e apresente a proposta de criação de um curso de estudos jurídicos, para então se proceder à sua concretização.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima. No entanto, agradecia-lhe que fosse breve, pois estamos a atingir o limite de tempo destinado ao período de antes da ordem do dia.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Depu-

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tados: Em relação ao Sr. Deputado Oliveira e Sousa devo dizer-lhe que penso que o projecto do CDS sobre autonomia universitária não coincide inteiramente com a doutrina que o Sr. Deputado agora defendeu.
Mas deixemos isso e passemos a esta situação muito concreta: o Sr. Deputado Oliveira e Sousa parece estar de acordo que, efectivamente, a Universidade do Porto necessita de uma Faculdade de Direito. Toda a Câmara, na altura da votação da resolução, manifestou essa mesma opinião, votando-a unanimemente. Sabe-se que o Governo deu início a esse processo e que o conselho científico da Universidade do Porto aprovou, na generalidade, um parecer que aponta para a criação dessa Faculdade, entendendo-a necessária. Depois disso todo este processo encalhou, e encalhou até ao ponto de o Governo não ter dado resposta a requerimentos que deputados de várias bancadas lhe têm dirigido, solicitando o esclarecimento da situação em que se encontra esse projecto. Assim, temos todo o direito de concluir que o projecto encalhou. Onde? Por culpa de quem? Não sabemos.
Contudo, o que parece evidente é que se estamos de acordo em que a população do Porto reclame a criação de uma Faculdade de Direito naquela cidade e essa reclamação não é só do povo do Porto, mas de todo o povo do Norte quando sabemos que há cerca de 1 milhar de estudantes que vivem a norte do Vouga e que estão deslocados na Universidade de Coimbra por não terem a possibilidade de se formarem em Ciências Jurídicas no Porto, então, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se acha que a esta Câmara restaria, simplesmente, ficar quieta e calada, como se não tivesse já discutido este assunto, como se não tivesse já votado uma resolução. Penso que não. Penso que nos compete impulsionar novamente este processo e, portanto, é nesse sentido que apresentámos o nosso projecto de lei.
O Sr. Deputado pergunta se não seria melhor fazermos outras diligências. Ora, o Sr. Deputado Oliveira e Sousa pertence a um partido que está na área do poder e, portanto, parece-lhe, assim como aos seus colegas da maioria, que lhes teria competido já há muito tomar iniciativas nesse sentido. No entanto, não as tomaram e por isso não se podem queixar que as tomemos nós, tanto mais quanto agora estamos apoiados num parecer que, embora votado, na generalidade, pelo conselho científico da Universidade do Porto, aponta para a necessidade e possibilidade da criação dessa Faculdade de Direito.
Relativamente ao Sr. Deputado Carlos Lage, agradeço-lhe as suas palavras e a solidariedade que, em nome da sua bancada, dá ao nosso projecto de lei e os dados concretos que aqui adiantou acerca da situação da Faculdade de Direito da Universidade Católica. Esses dados que o Sr. Deputado referiu são, para nós, muito importantes porque ajudam a pôr com toda a clareza perante esta Câmara a transparência do nosso projecto de lei e a demonstrar que não visamos mais nada - repito, mais nada - senão a criação de uma Faculdade que dê satisfação às necessidade dos estudantes de Direito do Porto e da sua região.
É isso que visamos e nada mais queremos. Por isso nos batemos e é essa a razão por que apresentámos, de novo, o projecto para a criação da Faculdade de Direito na Universidade do Porto.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na Mesa um requerimento do Partido Comunista Português, requerendo a prorrogação do período de antes da ordem do dia por 30 minutos. Há alguma objecção?

Pausa.

Não havendo objecções, está aprovado. Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É grave a situação em que se encontram largos milhares de trabalhadores de empresas do sector têxtil. Já não são apenas os trabalhadores de pequenas e médias empresas que estão com os salários em atraso ou ameaçados de desemprego. Neste momento, nalgumas das maiores empresas do sector, e apesar dos baixos salários que aí se praticam, os trabalhadores estão sem receber o 13.º mês e, nalguns casos, l ou mais meses de salários.
Em varíadíssimas empresas o desemprego é a ameaça constante e, quase semanalmente, vão chegando a esta Assembleia da República documentos das organizações de trabalhadores dando conta das lutas que se travam contra a paralisação e o encerramento de grandes e médias empresas.
Desde a zona da Covilhã até à de Guimarães, de Braga e do Porto, é todo um conjunto de fábricas que se encontra mergulhado em profundas crises, de que as principais vítimas são os trabalhadores. Por exemplo, no concelho de Guimarães cerca de 1400 trabalhadores do grupo têxtil Lopes Correia, Lda., alerta para a ameaça de desemprego, numa região de monoindústria, se não forem rapidamente resolvidos os graves problemas das empresas do referido grupo. No distrito do Porto, largos milhares de trabalhadores de grandes empresas, como a CIFA, o grupo Mondego - ligadas, neste momento, ao chamado grupo dos Mellos - e o grupo Wanschneider, vivem a incerteza do amanhã, e, nalguns casos, como na CIFA, a fome deixou de ser uma palavra distante para se tornar a realidade de hoje. De facto, nesta empresa cerca de 1700 trabalhadores estão sem receber os salários de 3 meses. E, apesar de toda a luta que têm desenvolvido contra o encerramento da empresa e pela sua recuperação financeira e reestruturação técnica, a verdade é que a actual administração «Mellos» tem demonstrado o maior desprezo pelos direitos mais elementares dos trabalhadores. Isto numa fábrica que é a maior empresa do concelho de Valongo. O que ali se tem passado é um autêntico escândalo. Sendo uma das maiores empresas de fibras artificiais e sintéticas para a indústria têxtil, a CIFA chegou a estar intervencionada depois do 25 de Abril, para, em finais de 1979 e inícios de 1980, com apoio do conselho de gestão do BPA, ser entregue à administração do chamado grupo dos Mellos.
Nas gavetas ficaram projectos de reestruturação da fábrica e desde então foi o agravamento da repressão, as arbitrariedades e ilegalidades e a gestão ruinosa de centenas de milhares de contos que o Governo lhes foi entregando. É assim que cerca de 350 trabalhadores estão com processos disciplinares, mais de 600 foram obrigados a alterar o horário de trabalho, enquanto os salários deixaram de ser pagos desde Outubro do ano passado. Mas, não satisfeitos com isto, na semana passada, enquanto os trabalhadores se reuniam em plenário nas instalações da fábrica, a administração chamou um contingente da GNR que, com mais de 30 carros e cerca de 200 elementos armados de metralhadoras, bastões e

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viseiras, ocuparam as estradas e rodearam a fábrica numa enorme provocação aos trabalhadores e às populações do concelho de V alongo, em luta contra a fome e a miséria que já se vive em centenas de famílias.

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

É assim que, na sequência de um requerimento que já apresentei na Mesa da Assembleia da República no passado dia 13 deste mês, deixo aqui, de novo, as seguintes questões: Quais as medidas que foram tomadas pela Secretaria de Estado do Emprego com o objectivo de garantir o emprego, os salários e outros direitos sociais dos trabalhadores da CIFA? Que medidas foram tomadas pelos Ministérios da Indústria e das Finanças e do Plano para garantir a laboração normal da CIFA e uma gestão eficiente? Quais as razões da intervenção das forças da GNR, num conflito laborai resultante do não pagamento de 3 meses de salários a cerca de 1700 trabalhadores, e quem ordenou a sua intervenção?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se dúvidas houvesse, está provado que os graves problemas que atingem duramente milhares de trabalhadores do sector têxtil não se resolvem nem com a repressão, nem com a entrega da gestão das empresas aos antigos monopolistas, nem com a aplicação do chamado plano Werner ou a proposta de lei quadro para o sector têxtil.
A reestruturação que se impõe só pode ser implementada no quadro de um plano nacional de médio prazo, que não existe no País, que tenha em conta os problemas regionais e sectoriais e a defesa dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente o emprego e os salários.
Esperemos que em breve, com a AD fora da área do poder, seja finalmente possível levar por diante uma reestruturação do sector têxtil que respeite os direitos dos trabalhadores e os interesses da economia e do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para igualmente usar dos 5 minutos a que temos direito neste prolongamento do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para dirigir um pedido de esclarecimento à Sr.» Deputada lida Figueiredo. Se nenhum outro colega da minha bancada quiser utilizar os 5 minutos de que dispomos, eu utilizá-los-ia para fazer esse pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lemos Damião pode fazer o pedido de esclarecimento, mas acontece que a Sr.ª Deputada lida Figueiredo não dispõe de tempo para lhe responder.
Entretanto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero referir-me a um dos problemas levantados na intervenção da Sr.ª Deputada lida Figueiredo, e que tem a ver com a situação da CIFA, empresa industrial localizada em Valongo - mais concretamente em Sobrado, freguesia do concelho de Valongo, no distrito do Porto -, que tem, neste momento, problemas tremendos e de difícil solução.
Há aproximadamente 3 semanas levantei aqui o problema da CIFA, aliás, sem qualquer comentário, quer dos Srs. Deputados, quer das bancadas da maioria, quer do Governo. Assim, não posso deixar de mostrar a minha perplexidade perante a indiferença com que algumas questões muito importantes da vida do nosso país são acolhidas, não recebendo o mais pequeno comentário, referência ou atenção quer da maioria, quer do Governo demissionário. E um mau sistema, que temos de modificar neste Parlamento.
Nessa altura, evidenciei a situação dramática em que se encontram quase 2000 trabalhadores que não recebem os seus salários desde Novembro e que neste momento já não dispõem de rendimentos mínimos para ocorrer às suas necessidades familiares.
Essa situação não pode ser ignorada pelo Governo, não pode ser ignorada pelas entidades responsáveis, e a nossa democracia tem que dar resposta a semelhantes questões. Não pode cruzar os braços deixando os trabalhadores entregues ao seu desespero e até condenados ao despedimento e desemprego.
A segunda questão que queria levantar tem a ver com o desastre ferroviário que se verificou recentemente na linha de comboio Lisboa-Porto e que está presente na memória de todos. Não posso deixar de manifestar a mais viva preocupação pela repetição de acidentes de todo o tipo na linha férrea Lisboa-Porto, pela frequência assustadora com que eles se vêm verificando. Algo está mal no sistema ferroviário Lisboa-Porto e tem de ser imediatamente averiguado e corrigido. As centenas de milhar de passageiros que utilizam esta linha de comboio não podem estar sujeitos a riscos tão graves, a perderem as suas vidas ou a sofrerem acidentes preocupantes.
Creio que o nosso sistema ferroviário, todo ele, precisa de uma profunda remodelação e de uma reestruturação total. Porém, não é esta a altura de estar aqui a fazer uma intervenção nesse sentido. As minhas palavras visam mais ser um alerta e um protesto contra o que se está a passar nessa linha de caminho de ferro, que leva as pessoas a evitarem tomar o comboio Porto-Lisboa.
Os senhores deputados de todas as bancadas que têm de fazer semanalmente a viagem, como eu a faço - e são muitas dezenas -, não podem também deixar de considerar que se as suas vidas podem correr riscos há dezenas de milhar de outros cidadães que também os correm. Portanto, isto não pode continuar assim!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não são conhecidos os inquéritos que já foram feitos ou, pelo menos, não são conhecidas em profundidade as suas conclusões -, não são tomadas nenhumas medidas, e o Governo está apenas a acorrer à CP com a cobertura dos défices de exploração que, aliás, atingem cifras astronómicas, segundo li nos jornais - 11 milhões de contos no ano de 1982. No entanto, não são feitos investimentos na remodelação do material da CP e na modificação do perfil das linhas.
O sistema de sinalização na linha do norte começa a falhar, e falha demasiadas vezes; a deterioração do material é evidente porque é super utilizado, e não podemos deixar de assinalar a gravidade desta situação. A Assembleia da República, oportunamente, deve tomar qualquer iniciativa neste sentido, quer exigindo que seja feito um inquérito e um estudo rigoroso sobre a situação das linhas de caminho de ferro, quer forçando e obrigando os executivos a tomarem medidas de fundo.

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Não se pode continuar a fazer remendos, a encontrar apenas soluções provisórias, tentando acorrer às carências imediatas, mas há que reestruturar profundamente o sistema ferroviário em Portugal, que estou convencido ainda ser o melhor meio de transporte e o meio de transporte do futuro.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção da Sr.ª Deputada lida Figueiredo levantou uma questão que nos preocupa também a nós, Partido Social-Democrata, e que é o problema dos têxteis. Os têxteis, como sabemos, são indústrias pobres, e podemos mesmo dizer, indústrias dos países subdesenvolvidos...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Tem graça que são os que andam mais mal vestidos! Porque será?

O Orador: - Tenha maneiras, Sr. Deputado. O senhor tem que tomar os remédios porque anda mal.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Foi só um aparte. Não se podem fazer apartes?

O Orador: - A Sr.ª Deputada referiu-se à empresa Lopes Correia, que tem 1400 trabalhadores. Ora, se na zona de Guimarães só estivesse em crise a têxtil Lopes Correia ainda podíamos estar mais ou menos tranquilos. Reconhecemos que, de facto, grassam grandes dificuldades no sector têxtil, e não só na empresa Lopes Correia, que, por intermédio da sua administração e gerência, tem feito um esforço sobre-humano para garantir os postos de trabalho. Temos até de dizer que gestores e administradores daquela estirpe não são comuns nos nossos dias, arriscando os seus bens pessoais e tudo aquilo que têm para poderem dar à empresa um mínimo de estabilidade e para garantirem aos trabalhadores os parcos vencimentos que auferem.
No entanto, na zona de Guimarães - apesar de ameaçada por uma altura cíclica em que, neste sector, há grandes dificuldades - verificamos, com grande entusiasmo e satisfação, o esforço que os empresários e industriais do concelho e da região estão a fazer, procurando arranjar meios para que os seus trabalhadores se reciclem, apetrechem, adquirindo os conhecimentos necessários para quando entrarmos na CEE eles poderem estar à altura dos concorrentes.

Protestos do PCP.

É isso que se verifica quando os viajantes pracistas se reúnem todos os anos - e este ano fizeram-no uma vez mais -, num esforço notável e notório de aperfeiçoamento profissional, substituindo, por vezes, os organismos oficiais e os principais responsáveis, procurando apontar para a formação profissional que a escola ainda não dá na região. E um alerta que daqui dirijo às instâncias governativas é no sentido de que a Universidade do Minho procure, cada vez mais, estar atenta e responder aos desejos que os industriais da região tanto buscam e às carências que os próprios trabalhadores, reconhecem, reconhecem.
Sendo Guimarães uma região potencialmente rica, verificamos que as infra-estruturas são, de facto, muito
carenciadas - faltam-nos estradas, nomeadamente para um grande pólo de desenvolvimento industrial, que é o Pevidém. Por mais caricato que possa ser, aconteceu que ainda há bem pouco tempo veio um transporte com máquinas para uma das empresas da zona e a estrada não tinha dimensões suficientes para que esse camião pudesse chegar ao seu destino. Assim, teve que fazer o percurso de marcha atrás, facto esse que levou os industriais da região a dizer que ali o progresso anda ao contrário da Europa. Portanto, em vez de avançarmos estamos a recuar!
Queria ainda realçar o facto de a linha férrea de Guimarães que passa por Vizela estar há longos dias ou há longos meses cortada. Ora, tal facto vem, sobremaneira, afectar a situação económica das empresas, na medida em que, para enviarem os seus produtos através do caminho de ferro, têm que fazer 6 km ou 7 km até à estação de caminhos de ferro do Lordelo, o que tem reflexos económicos negativos.
No entanto, apesar de tudo isso, os industriais de Guimarães e os trabalhadores estão optimistas, porque pensam que este mau momento que a indústria têxtil está a passar terá, no futuro, compensação para as muitas carências que sentem, quer porque a administração local procurará dar-lhes respostas, quer também porque o Poder Central está atento a todas as suas dificuldades e procurará minorá-las através da Secretaria de Estado do Emprego, e através dos Ministérios da Indústria e do Comércio.
Portanto, apesar de não serem risonhas as perspectivas para as gentes da nossa região, trabalhadores e industriais, como português que sou, confio e estou certo que levaremos a «bom porto» todas as dificuldades para que Guimarães, toda a região e, nomeadamente, o sector têxtil, possa continuar a dar a este país o contributo que na balança de pagamentos é bastante significativo.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República, fazendo, como faz, parte essencial da vida portuguesa, não poderá, no momento em que as intervenções sobre o período de antes da ordem do dia são dedicadas a factos da actualidade, deixar passar sem uma palavra um facto da mais relevante importância ontem ocorrido e iniciado. Refiro-me ao 1.º Congresso dos Jornalistas que ontem pôde iniciar os seus trabalhos e que os vai prolongar ao longo de vários dias.
A democracia representativa veio chamar a atenção para alguma coisa que merece reflexão por parte desta Câmara. É que o cidadão, tornado eleitor e soberano no momento em que vai depositar o seu voto nas umas, para ser efectivamente cidadão e soberano precisa de ser autenticamente cidadão no período que medeia entre os actos eleitorais a que é chamado a participar. Ou seja, só há um acto eleitoral livre e consciente quando os cidadãos conhecem com exactidão os problemas, podem sobre eles ajuizar, são capazes de sobre eles reflectir, são capazes de emitir o seu juízo com independência, com vontade, com liberdade e responsabilidade. E isso só é possível também com cidadãos informados. Daí que o papel da comunicação social seja essencial à democracia. Só cidadãos informados são cidadãos livres; só cidadãos informados são cidadãos responsáveis; só cidadãos infor-

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mados são capazes de decidir do futuro dos seus e da sua Pátria.
Creio, portanto, que seria essencial que a Assembleia da República (e se o faz pela minha voz não será isso o mais importante) não deixasse passar no silêncio este acontecimento, o qual, por ser o primeiro e por ser a primeira reunião dos jornalistas portugueses em congresso, mereceria uma palavra de saudação que daqui quero dirigir.

Vozes da ASDI e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Direi ainda, neste momento, que a realização desse congresso e desse reflectir sobre uma actividade reveste também um segundo grau de importância, dado que se situa no meio de uma crise que, por ser uma crise política, económica e social, também ela pressupõe o papel da informação, no sentido de elucidar as razões dessa crise, de esclarecer dos seus fundamentos e das suas motivações, de acompanhar a procura de soluções e de alicerçar, portanto, a busca de caminhos para o futuro. Creio que, também aqui, o papel de consciencialização dos cidadãos se torna indispensável não só para que eles possam escolher e optar, como também para que possam, em consciência e em liberdade, evitar ser perturbados por acontecimentos superficiais ou golpes de teatro, mas, ao invés, a verificarem a realidade das coisas, a transparência das atitudes, ou a sua falta de transparência, o assumir de responsabilidades ou a fuga a elas.
Se tratei de um tema sério e com toda a seriedade, seja-me permitido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que termine dizendo que há uma sabedoria popular evidente que acompanha todas as crises e todas as circunstâncias, mas que não é suficiente, embora seja útil, embora seja boa. Hoje, por exemplo, quando vinha a caminho desta Assembleia encontrei um meu colega de escola, agricultor em Almeirim, que me dizia: «nisto do governo que se vai formar há uma coisa que é preciso esclarecer - é que há melões que não é preciso abrir, há coisas que são parecidas com melões, mas que toda a gente sabe que são abóboras!»

Risos e aplausos da ASDI, do PS, do PCP, da UEDS e da UDP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar queria dizer ao Sr. Deputado Lemos Damião que não tenho nenhuma má vontade contra ele.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Pode ter!

O Orador: - Quando há bocado fiz um aparte foi só para o ajudar. Se tivesse tido em consideração esse aparte não iria dizer a asneira que disse, ou seja, que os nossos têxteis estariam «safos» com a entrada para a CEE. O meu aparte foi, exactamente, para sublinhar a sua afirmação de que os têxteis são uma indústria que, normalmente, existe nos países menos desenvolvidos. O que lhe disse foi só que, por sinal, eles são os que mais mal vestidos andam...

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Mas o senhor anda bem vestidinho!

O Orador: - ... e isso dir-lhe-á alguma coisa acerca da nossa possível entrada para a CEE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, aproveitando estes breve minutos, queria fazer uma referência à FÉIS - Fábrica-Escola Irmãos Stefan -, que é uma fábrica antiga, fundada em 1769, e que já é centenária sobre, digamos assim, a direcção do Estado. É uma fábrica que tem formado dos mais magníficos artistas na indústria do vidro, que tem sido um exemplo e uma escola para a indústria vidreira e de onde têm saído centenas, senão milhares, de grandes artistas do vidro. Ora, esta fábrica encontra-se numa situação de pré-falência, de possível encerramento e de despedimento dos cerca de cinco centenas e meia de trabalhadores. E tudo isto perante a passividade, diria, do Governo e da AD, porque já desde 1980 que os trabalhadores alertam as entidades competentes, o Ministério da Indústria, o Secretário de Estado de então, Baião Horta, para aquilo que se tem estado a passar, para a degradação sucessiva e permanente da Fábrica Irmãos Stefan.
Eu disse «perante a passividade do Governo», mas isto não corresponde à verdade, porque o Governo não tem estado passivo. O Governo tem estado activo, mas essa actividade tem sido exactamente no sentido que não interessa aos trabalhadores, nem à escola, nem à fábrica, nem à indústria do vidro, nem ao País, nem a ninguém, é uma actividade permanente e buliçosa para liquidar tudo aquilo que não está nas mãos dos monopólios, tudo aquilo que não está nas mãos das famílias que dirigem, ou que querem dirigir, a economia. E isto da mesma forma que se pretende liquidar a Messa, etc, empresas de grande capacidade tecnológica e técnica, com grandes capacidades de encomendas do estrangeiro. O Governo tem levado a cabo, sistematicamente, uma política de liquidação dessas empresas. E é o que se passa também com a Fábrica Irmãos Stefan. Má gerência, dir-se-á! Só há má gerência quando se põem lá maus gestores. Mas não há só má gerência, há também corrupção nessa gerência, e o Governo nada quis saber. Foi posto um computador na Fábrica Irmãos Stefan e para o utilizar não foi preparado nenhum dos trabalhadores pertencentes à fábrica. O gestor que lá pôs esse computador, algum tempo depois tinha um computador em sua casa, deixando a gerência da fábrica. E agora, com esse computador, que é da mesma marca do que foi para a fábrica (e que está a trabalhar a 5% ou 10% da sua capacidade), está em casa a fazer trabalhos, possivelmente (não o posso garantir, mas é quase certo) para a pobre fábrica.
Esta é uma situação intolerável. Os próprios trabalhadores, para conseguirem falar com o Secretário de Estado, tiveram quase que acampar no Ministério e, assim, impor a sua presença. E depois os Srs. Deputados gritam: «ai da democracia», queixando-se que os trabalhadores tomam determinadas atitudes. Mas são as únicas que eles podem tomar e que lhes permitem, já não digo impor a sua vontade, mas apenas ter acesso aos órgãos longínquos e sobranceiros do poder e do Governo. Claro que ouviram a promessa de que tudo iria ser reposto e de que tudo se iria tentar! Há uma coisa que este Governo e a AD têm feito que é ir «enfiando bochechos» financeiros para dentro das empresas para as ir aguentando, para ir pagando os salários até aqui e até ali (sempre abaixo daquilo que devem pagar, deixando passar 1 mês, o 13.º mês, etc.), quando, com muito menos dinheiro que fosse investido na devida altura, teriam provocado o saneamento económico das empresas.

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Isto passou-se com a Messa, passou-se com muitas outras empresas, nomeadamente com esta Fábrica-Escola Irmãos Stefan. Por isso, as promessas que o Ministro fez aos trabalhadores são, no meu entender, promessas que não devem ser tidas em conta, não só porque são promessas que vêm de onde vêm (o Ministro também vai ser demitido e talvez seja essa alguma da sorte dos trabalhadores!), mas porque a sua luta deve ser bastante mais eficaz, porque tem de implicar a luta de todo o sector vidreiro. E isto porque há uma família que pretende ficar com esse sector, que pretende apossar-se dele, comprando «por tu ta e meia» empresas desta elevada qualidade, que têm contratos com o estrangeiro, mas que, neste momento, apesar da alta qualificação técnica dos seus operários, dos seus artistas (porque são verdadeiros artistas e só quem não os viu trabalhar é que não os classifica como artistas), a produção fica aproveitável em cerca de 10% a 15%, exactamente por deficiências na composição da matéria-prima do vidro. Tudo isto é consequência da incompetência, da incapacidade, senão da actuação dolosa de quem lá está não para garantir o desenvolvimento da empresa, os postos de trabalho dos operários e o bom nome que tem a indústria vidreira da Marinha Grande, mas, sim, para levar a empresa a uma situação que permita ser depois abocanhada, «por tuta e meia», por uma grande família.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Então é o gestor que vai prepara a matéria-prima?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, é só para dizer que estamos a meia hora do período normal de interrupção para o almoço. Ora, como vamos entrar num terna extremamente importante, que toca a milhares de cidadãos, e como nem sei se, neste momento, teremos quorum para funcionamento, penso que, nestas condições, talvez fosse mais justo caso todos os grupos parlamentares estivessem de acordo - suspender a sessão para a recomeçarmos à hora normal de abertura da sessão, entrando então no período da ordem do dia já com o Plenário sem o ar com que está neste momento. Dizem-me aqui do lado que está com um certo ar de dissolução ou de pré-dissolução. Creio que é isso, pois, na realidade, está com esse ar de pré-dissolução, e nem sei se alguns dos Srs. Deputados até já foram arrumar as malas!
De qualquer forma, penso que não é legítimo nem justo começarmos um tema tão importante estando a Assembleia com tão poucos deputados.

O Sr. Presidente: - Ha alguma oposição à sugestão apresentada pela Sr.ª Deputada Zita Seabra?

Pausa.

Não havendo, suspendo a sessão até às 15 horas. Eram 12 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Entramos no período da ordem do dia, que consta da discussão conjunta e votação das ratificações n.05 113/II, apresentada pelo PCP, e 116/II, apresentada pelo PS, ao Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, que estabelece o novo regime de actualização de rendas nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou profissões liberais, e da ratificação n.º 204/II, apresentada pelo PCP, ao Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, que altera o regime de actualização das rendas nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou profissões liberais.
Para fazer a apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, para evitar que se comece a discutir um assunto de tão grande importância com a Sala quase vazia, peço, ao abrigo das disposições regimentais, a interrupção da sessão por 30 minutos.
Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - É regimental. Está concedido. Está interrompida a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 16 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, a Assembleia da República vai hoje debater e decidir sobre o futuro dos Decretos-Leis n.ºs 330/81, de 4 de Dezembro, e 392/82, de 18 de Setembro, que estabelecem a avaliação extraordinária das rendas não habitacionais de acordo, fundamentalmente, com o chamado «valor de mercado» actual, e o aumento anual dessas mesmas rendas pela aplicação de um coeficiente determinado em função da variação do índice de preços no consumidor.
É uma questão que interessa e afecta cerca de 200000 comerciantes, muitos milhares de pequenos industriais e artesãos, centenas de colectividades de cultura e recreio, profissões liberais, estabelecimentos de ensino particulares, clubes populares, sindicatos e associações profissionais e de consumidores, associações de benemerência, creches, infantários e lares de terceira idade, associações de deficientes e de reformados e idosos. Questão que interessa e afecta, até, igrejas de todos os credos religiosos. Foi a esta realidade tão diversa que o governo AD quis aplicar um mesmo regime, tratando de forma idêntica situações radicalmente distintas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Sendo tão numerosos os cidadãos afectados e tão amplo o leque de organizações e associações atingidas, a Assembleia da República não poderia alhear-se do problema, não lhe seria lícito sobre a questão lavar as mãos como Pilatos.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tanto mais quanto è certo que o Governo cortou já todo o diálogo com as organizações representativas que exigem a revisão dos diplomas legais em causa.
O Partido Comunista Português, que sujeitou a ratificação os Decretos-Leis n.ºs 330/81 e 392/82, tomou por isso mesmo a iniciativa de trazer a Plenário o debate que agora iniciamos.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a publicação do Decreto-lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, foi, antes do mais, uma brutalidade legislativa do Governo AD! Desde logo pelo efeito surpresa de que se revestiu. Nenhumas declarações ou documentos governamentais anteriores o anunciavam. Foi feita de supetão. Mas foi-o também pela radical alteração que introduziu no regime que estava em vigor.
Na verdade, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 330/81, a actualização das rendas de prédios destinados ao exercício do comércio, indústria e profissões liberais seguia um regime que permitia a actualização das rendas de 5 em 5 anos, ou mais concretamente, decorridos 5 anos sobre a última avaliação, fixação ou alteração contratual da renda, e ainda no caso de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial, ou por cessão do arrendamento para exercício de profissão liberal, desde que tivesse decorrido um ano sobre aqueles factos. É evidente que estas limitações não impediam que as partes, por mútuo acordo e em qualquer momento, alterassem o montante das rendas.
Por outro lado, no que respeita aos critérios a observar nas avaliações para actualização das rendas, deveria ser tido em conta, segundo as instruções aplicáveis:
A área do prédio, tipo de construção, localização e demais factores que possam concorrer para a fixação do seu justo valor;
Quaisquer obras, melhoramentos ou benfeitorias realizadas, exceptuando-se o aumento do valor locativo resultante da clientela obtida pelo arrendatário ou de obras não feitas nem pagas pelo senhorio;
Não seriam tomadas em conta as avaliações que resultassem de circunstâncias anormais ou de factores meramente especulativos.
Acresce que, para além destas normas, a Direcção-Geral de Contribuição e Impostos chegou a recomendar expressamente aos avaliadores do uso «da maior ponderação na realização das avaliações por forma a não se criarem situações injustas ou acentuadas perturbações» na conjuntura económica e, bem assim, a não consideração «em regra, para comparação, do valor das rendas estabelecidas em regime de liberdade contratual».
É indesmentível que este regime, que vigorou até ao final de 1981, sujeitava os inquilinos, de 5 em 5 anos, a uma avaliação feita sem que tivessem qualquer representante nas comissões de avaliação, ao passo que os senhorios, aí, estavam indirectamente representados pela Administração Pública, parte interessada no aumento das rendas por óbvias razões fiscais.
Mas não é menos certo que as regras a observar nas avaliações temperavam parcialmente a ganância e que aquele regime vigorou ao longo dos anos sem levantar excessivas polémicas entre senhorios e arrendatários.
A regulamentação do sistema de actualização de rendas não habitacionais, a ter lugar, deveria ser orientada em ordem a ficarem justamente protegidos os interesses legítimos dos inquilinos, designadamente estipulando normas limitativas na fixação de renda e garantindo-lhes eficazes meios de protecção e defesa. De qualquer modo, essa regulamentação da legislação exigiria sempre a audição e participação dos inquilinos e dos próprios senhorios, através das suas organizações representativas.
Não foi, porém, essa Sr. Presidente e Srs. Deputados, a via trilhada pelo Governo agora demitido. Como não foi a defesa dos interesses dos pequenos e médios comerciantes e de outros inquilinos a orientação imprimida pelo Governo às alterações introduzidas na legislação que publicara em Dezembro de 1981.
Bem pelo contrário. O decreto-lei, em questão, é uma produção do Ministério Viana Baptista, publicado breves dias após as drásticas restrições do crédito à habitação e no quadro da proclamada «viragem» da política do sector empreendida após a saída do Ministro Luís Barbosa. É mais uma pedra de uma política tendente ao aumento de todas as rendas, à revelia da vontade dos interessados.
Na verdade, não só na elaboração daquele decreto-lei não participaram nem foram ouvidas quaisquer organizações representativas dos inquilinos, como tal diploma veio substituir o regime de actualização quinquenal das rendas pelo da actualização anual, constituindo-o em direito automático do senhorio, e permitiu a avaliação extraordinária das rendas até à data da aplicação desse mesmo regime de actualização anual.
Os protestos que desde logo aquele diploma suscitou por todo o País e os requerimentos tendentes à sua sujeição a ratificação pela Assembleia da República apresentados pelo PCP e posteriormente pelo PS teriam levado qualquer Governo minimamente atento aos interesses do povo português a repensar, a travar e fazer marcha atrás. Mas não. O governo da AD optou pela fuga para a frente. E a aberrante escalada legislativa acelerou-se. Em Maio fez publicar o Despacho Normativo n.º 75/82, tendo em vista resolver as «dúvidas» (na expressão do Governo) suscitadas pelo decreto-lei anterior. Que dúvidas? Não certamente as dos arrendatários! É o Governo que o confessa, ao escrever no n.º 3 do diploma que «nas avaliações fiscais extraordinárias deverá ter-se em conta unicamente o valor locativo dos imóveis resultante do livre funcionamento do mercado, sendo irrelevante a renda praticada à data do pedido»! Não se pode ser mais claro quanto aos interesses assim protegidos!
E pior ainda. Dias depois, em 17 de Maio, o Decreto-Lei n.º 189/82 veio permitir a actualização anual da renda, com base no coeficiente de 17% entretanto definido pelo Governo, até ser possível ao senhorio o seu aumento por efeito da avaliação extraordinária, e autorizar aos que já tinham aplicado o coeficiente anual a requererem a avaliação fiscal no prazo de 90 dias. Simultaneamente, o Governo aproveitou o ensejo para fixar que o novo regime se aplicava não apenas aos arrendatários destinados a comércio, indústria e profissões libe-

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rais, mas também «a todos os arrendamentos urbanos com finalidade diferente da habitação». Segundo o Governo, tratava-se de «uniformizar situações que, pela sua semelhança, não devem merecer tutela diferente».
Mas qual é a semelhança, Srs. Deputados, entre um luxuoso estabelecimento de produtos importados e a sede de uma associação de consumidores, entre uma retrosaria de bairro e os armazéns de vários andares, entre as instalações de um sindicato e a sede de uma empresa que factura milhões, entre um infantário, uma casa de abrigo à terceira idade, uma casa para o apoio à deficiência e os estabelecimentos de comércio e indústria...? Como tratar como coisas iguais uma igreja e uma boíte?
Que olhos podem ver semelhança e tratar da mesma forma realidades tão diferentes?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O governo AD pôde fazê-lo, está visto! Raciocinou exclusivamente em termos de lucros! Na óptica dos inquilinos não há qualquer semelhança entre os que se dedicam a actividades lucrativas e os que têm por fim a prestação de qualquer serviço não remunerado.
Perante tão brutal panóplia de diplomas, completamente desenquadrados da realidade nacional e cada vez mais claros nos seus objectivos e nos efeitos nefastos deles decorrentes, o protesto dos interessados recrudesceu e alargou-se a todo o País. Mesmo organizações como a Confederação do Comércio Português, que até então se tinham quedado mudas, se viram na necessidade de vir a público, ainda que de fornia tímida e dúbia, chamar a atenção do Governo para os efeitos da sua legislação. E o Governo recuou... para manter o essencial e a mesma injusta perspectiva.
O fruto desse recuo é o Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, cuja ratificação se debate igualmente hoje. Para efeitos de avaliações fiscais extraordinárias - diz o diploma -, o critério do «valor locativo dos imóveis» em função do «livre funcionamento do mercado» passa de exclusivo a fundamental, deixando a sorte dos arrendatários à hipotética razoabilidade das comissões de avaliação, em que não estão representados.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - Ficaram anuladas as avaliações já feitas e suspenderam-se novas avaliações pelo prazo de l mês. Mas o Governo garantia, a partir de 1 de Novembro, a realização de novas avaliações extraordinárias «sem mais encargos para as partes», isto é, para os senhorios. Essas avaliações estão já em curso. Aos inquilinos garante-se apenas que os brutais e incomparáveis aumentos de rendas resultantes das avaliações não serão aplicados de uma só vez.
Mas a aceitação de este decreto-lei e a sua ratificação por esta Assembleia, que consequências teria Srs. Deputados? Teria, como efeito, sujeitar de imediato os arrendatários e, designadamente, os pequenos e médios comerciantes, pois são eles a grande maioria dos atingidos, à duplicação da renda no primeiro ano após a avaliação e à aplicação do dobro do coeficiente anual de actualização (neste momento 34%). É certo que aos que poderem resta recorrer da avaliação, no prazo de 30 dias, pela via judicial. Mas ao inundarem os tribunais com dezenas de milhar de processos, os arrendatários bloqueariam a própria capacidade de resposta dos tribunais e, entretanto, pagariam as novas rendas na base das avaliações que contestaram! É esta a ideia que os governos AD têm de um «regime justo»!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - E é também um exemplo da mais completa irresponsabilidade. Fez o Governo qualquer cálculo sobre os efeitos inflacionários desta medida? Sobre o grau de repercussão nos preços, sobre o inevitável agravamento da carga que impende sobre os consumidores? Acaso o Governo ponderou os efeitos económicos sobre os pequenos comerciantes e sobre as associações de fins não lucrativos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A acção dos governos AD neste como em tantos outros campos (em que estão em causa interesses sociais relevantes), tem sido caracterizada não só pela injustiça, como pela forma cega e indiscriminada como as medidas são adoptadas e impostas, sem que prévia e atempadamente sejam ponderadas as suas consequências e acautelados os respectivos inconvenientes. Ao serviço dos interesses de alguns, os governos da AD fizeram leis como quem dispara às cegas no Metro à hora de ponta.
E quando lhe pedem contas, respondem que não sabem quem atingiram. Acaba de dizê-lo, em relação a um requerimento parlamentar em que se perguntava quais as consequências de uma outra desastrosa medida do pacote do Ministro Viana Baptista, o decreto-lei sobre as rendas condicionadas. Posto perante as graves consequências sociais da medida, o Governo responde que, como acabou com a obrigação de registo municipal dos contratos, não tem elementos, não está montado o esquema necessário. O Ministério da Habitação Obras Públicas e Transportes fez uma sondagem restrita, precária e inconclusiva respeitante a Lisboa; mas considera impossível obter elementos sobre as restantes cidades...
E a mais sobranceira indiferença perante as consequências de uma política desastrosa. E a mesma atitude que se verificou no campo do arrendamento não habitacional.
Alguns exemplos de resultados já conhecidos, sobre propostas de alteração das rendas anuais, são esclarecedores: a um pequeno comerciante de Queluz, com renda de 9600$, foi pedida uma nova renda de 264000$; a uma tinturaria em Benfica, de uma renda de 48000$ pretende passar-se para 576000$; a uma tabacaria de Algés, de 7200$ para 144000$; a um talho de C amar ate, de 72$ para 360 000$;...

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

O Orador: - ...ª um comerciante de Aveiro, de 480000$ para 6000000$; a uma oficina de calçado em Lisboa, de 28080$ para 240000$; e a outra, de 16800$ para iguais 240000$; a uma drogaria, de 15600$ para 768000$; a uma sapataria na Amadora, de 20400$ para 420000$; a um infantário de uma comissão de moradores em Lisboa, de 24000$ para 720000$; enfim, a uma igreja, à capela do Restelo, de 48000$ para 480000$.

Vozes do PCP: - É uma vergonha! Que escândalo!

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O Orador: - E o comportamento efectivo das comissões de avaliações extraordinárias (e ainda agora a procissão vai no adro) não permite esperar que os ímpetos especulativos de senhorios gananciosos sejam travados: a uma pequena mercearia em Odivelas, com uma renda de 14040$, a quem o senhorio pedia 84000$, foi atribuído o valor dos 84000$ pedidos; uma oficina de motorizadas em Sacavém, com a renda de 35100$, foi avaliada em 168000$. Ficou feita a prova de que uma comissão de avaliação pode ser (e é) mais papista que o Papa: em Aveiro, para uma renda actual de 24000$, e que o senhorio pedia fosse alterada para 600000$, a comissão de avaliação decidiu-se pela fixação da renda em 696000$; para uma outra, cujo valor actual era de 192000$, o senhorio pediu 720000$ e a comissão estabeleceu 1080000$! Que faz correr tais comissões? Como deixar de responsabilizar pelo facto, um governo que permite tais situações? Que partidos do Governo são estes que permitem e legalizam a mais descarada especulação e incentivam a mais despudorada corrupção?

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de algum público presente nas galerias.

O Sr. Presidente: - O público presente nas galerias não pode manifestar-se.
O Orador: - Uma coisa è certa: ficariam claros aos olhos do País os objectivos prosseguidos por quaisquer deputados que eventualmente viessem, pela via da ratificação pura e simples dos decretos-leis em discussão, a caucionar todas estas actuações escandalosas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: À brutalidade das situações encontradas pela AD e seu governo para as rendas não habitacionais tem merecido a rejeição unânime de todos os sectores atingidos e inclusivamente de deputados do partido maioritário da coligação ainda no poder. Nenhuma voz até hoje se ergueu, publicamente, para defender a legislação publicada, à excepção do seu responsável directo, o Ministro da Habitação e dos Transportes. Quem afinal apoia esta política de rendas?
Não são certamente as associações de inquilinos, pois, e por exemplo, a Associação de Inquilinos Lisbonense desde a primeira hora manifestou a sua discordância pública.
Não a apoia igualmente a Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio. É repudiada pelo Movimento dos Pequenos e Médios Comerciantes e Industriais através de numerosas tomadas de posição públicas, desde comunicados, conferências de imprensa e moções aprovadas em reuniões com numerosa participação de associados.
Tal se pronunciaram contra os cerca de 2000 comerciantes, que, reunidos em 28 de Novembro passado, em Rio Maior, ameaçaram poder ir «até ao extremo da contestação» caso não venha a ser anulada a legislação sobre arrendamentos, e os mais de 500 reunidos no Teatro Villaret, em Lisboa, no passado dia 24 de Outubro. E no mesmo sentido se manifestam igualmente os cerca de 6000 comerciantes que subscreveram um abaixo-assinado, já entregue aos Órgãos de Soberania.
Como não a aceitam as uniões de associações comerciais dos distritos de Lisboa e do Porto, a União das Associações do Comércio Retalhista do Distrito de Santarém, as Associações Comerciais e Industriais da Figueira da Foz, de Peso da Régua, de Santa Marta de Penaguião e Mesão Frio e muitas outras associações e uniões de todo o País. Até a Confederação do Comércio Português e as federações do comércio retalhista e grossista português clara e publicamente apoiantes eleitorais da AD, exigem do Governo «a anulação dos resultados das avaliações fiscais extraordinários efectuadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 392/82».
Mais uma vez: quem apoia os diplomas hoje em discussão? Serão apenas os senhorios? E apetece perguntar: serão mesmo todos os senhorios? E que senhorios? E quem pode apoiar critérios que em nome do «mercado livre» conduzem a que sejam apenas alguns a tirar benefício de circunstâncias anormais, de melhoramentos de interesse público para os quais em nada contribuíram, ou até mesmo de factores claramente especulativos?! Quem, Srs. Deputados, vai nesta Assembleia assumir a responsabilidade de manter em vigor legislação tão ampla e energicamente repudiada por centenas de milhar de portugueses?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta brutal acção de Governo no âmbito das rendas não habitacionais insere-se objectiva e expressamente na desgraçada política de habitação da AD.
Primeiro foi a política demagógica de véspera de eleições, que prometia a resolução do problema habitacional pela concessão de crédito à aquisição de habitação própria. Os resultados estão à vista: rapidamente se esgotaram os recursos creditícios que a banca pôs à disposição dos interessados e os preços de venda das habitações atingiram níveis especulativos impressionantes, perante a serena e comprometedora complacência do Governo.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - 3 anos depois, sob a responsabilidade directa de Viana Baptista, nem há crédito, nem casas. O Fundo de Fomento da Habitação foi extinto escandalosamente, sem alternativa, o cooperativismo habitacional sofreu rudes golpes, o centralismo burocrático açaima, em matéria urbanística, as autarquias defraudadas pelo incumprimento da Lei de Finanças Locais, os inquilinos têm visto os seus direitos sucessivamente restringidos, continua a haver casas devolutas ao lado de barracas e falta de casas para milhões de portugueses.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

O Ministro Viana Baptista não hesitou em declarar publicamente, num almoço da Associação Industrial Portuguesa, que «a promessa de uma casa para cada português pode ser bonita, mas não é realista», e que o princípio fundamental para fazer face às carências habitacionais devia ser a actualização das rendas.
É nessa política que se insere a legislação que a Assembleia da República hoje aprecia e que Viana Baptista e a AD pretendiam alargar às rendas habitacionais. O próprio Ministro o confessou em entrevista à revista Empresas e Empregados. Aí afirmou considerar «evidente» que o pais deveria caminhar «para um sistema que mais cedo ou mais tarde [...] permita as revisões anuais dos arrendamentos» (e o Ministro logo acrescentou que isso deveria acontecer «mais cedo do que mais tarde»). E mais à frente prometia apresentar ao Conselho de Ministros a legislação necessária ainda em 1982. Provavelmente tê-la-á apresentado. Mas os protestos entretanto desencadeados pelos pequenos e médios comerciantes, a

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proximidade das eleições autárquicas, a derrota eleitoral de 12 de Dezembro e a subsequente demissão do Governo terão impedido, para já, a decisão de aumentos anuais das rendas habitacionais. Aliás, as próprias críticas da Confederação do Comércio Português, tornadas inevitáveis pelo generalizado movimento dos pequenos e médios comerciantes, trazem no seu bojo esse objectivo. Ao exigir «a suspensão das avaliações em curso até que entrem em vigor os diplomas de actualização das rendas habitacionais», a confederação dos barões do comércio está, afinal, a pressionar a rápida publicação do restante do desastroso pacote legislativo AD sobre as rendas habitacionais. A luta que os pequenos e médios comerciantes vêm travando em torno dos Decretos-Leis n.º 330/81 e 392/82 não só defende os seus interesses directos, como é uma luta importante para evitar que o objectivo de liberalização das rendas habitacionais prosseguido pela AD e pela CCP seja atingido.
Como de grande importância se reveste, nesse mesmo sentido, o debate que aqui se vai travar e a decisão que a Assembleia da República hoje vai tomar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A posição do PCP a esse respeito é muito clara e frontal e ficou bem expressa quando tomámos a iniciativa de promover um debate nesta Assembleia sobre política de habitação. A liberalização das rendas não só não resolve as carências habitacionais, como é totalmente inaceitável no contexto de uma situação em que a procura, isto é, as necessidades, excedem em cerca de l milhão o número de habitações existentes. Situação deficitária que igualmente se verifica em relação aos imóveis com fins não habitacionais. E também hoje aqui deixamos claro que a solução que venha a ser encontrada para as rendas não habitacionais e, designadamente, para as rendas comerciais, por mais justas que sejam, não podem de forma alguma servir de modelo para as rendas habitacionais. São duas realidades radicalmente distintas que sempre foram objecto de tratamento diferenciado no direito português e, como tal, deverão ser encaradas e solucionadas hoje.

Aplausos do PCP da UEDS e da UDP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, porque brutais nas soluções encontradas, desfasados da realidade económica e social do País, elaborados à revelia da opinião e propostas dos directamente interessados, incentivadores da especulação e da corrupção e objecto do mais vivo repúdio por organizações representativas de centenas de milhar de portugueses, os Decretos-Leis n.ºs 330/81 e 392/82 manifesta e decididamente não servem.
Por isso o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, fazendo uso dos seus direitos regimentais, colocou a Assembleia da República perante a necessidade de rever aquelas medidas governamentais, a fim de evitar a criação e proliferação de situações de facto lesivas dos interesses dos pequenos empresários, das colectividades populares, das associações de solidariedade social.
Só com a não ratificação da presente legislação a Assembleia da República poderá fazer reiniciar em bases novas um processo que começou mal e não tem emenda na perspectiva que o tem enquadrado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É essa a nossa proposta.
A pergunta que dirigimos a cada um dos Srs. Deputados é esta: Quem assume a responsabilidade de deixar em vigor as medidas governamentais?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República vai hoje escolher entre reiniciar, em bases sãs, com a participação dos interessados, um processo de revisão de um regime jurídico complexo ou deixar intacto um regime que cria todos os dias mais injustiças.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A escolha do Partido Comunista Português está feita desde a primeira hora. Voltaremos pela defesa dos pequenos e médios comerciantes, pelo tratamento diferenciado dos arrendamentos não comerciais, por um processo de revisão participado, amplo, que conduza a resultados justos.
Donde o nosso voto contra os decretos-leis em ratificação!

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da Sr.ª Deputada Natália Correia (Indep. e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Recordo ao público que está a assistir à sessão que não pode manifestar-se, seja de que maneira for, e que tem de prestar o devido respeito a este Órgão de Soberania.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, ouvi com toda a atenção a sua intervenção e devo dizer-lhe que o Partido Social-Democrata também está preocupado com os resultados de algumas...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso está nas vossas mãos!

Vozes do PCP: - Votem, então, contra os decretos-leis!

O Orador: - Como estava a dizer, o Partido Social-Democrata está também preocupado com os resultados de algumas das avaliações que, através de uma forma informal, chegam ao nosso conhecimento. Neste momento, temos dados objectivos dos resultados dessas avaliações; todavia, temos conhecimento das mesmas através de diversos órgãos de comunicação social.
Constatei que o Sr. Deputado centrou grande parte da sua intervenção num ataque cerrado à actuação dessas comissões de avaliação, pondo em causa a actuação das mesmas.
Porque essas comissões de avaliação têm a mesma composição desde, salvo erro, 1948 e, que se saiba, nunca o Partido Comunista ou qualquer força política ou económica neste país pôs em causa tal actuação, tenho uma pergunta a fazer-lhe: se porventura não fossem ratificados os diplomas em apreço, o Partido Comunista propugnaria pela eliminação, pura e simples, das avaliações, digamos, ordinárias, tal como se vinha processando até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 330/81, de

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4 de Dezembro? É que da economia do seu discurso fica-se com a clara impressão de que V. Ex.ª é, pura e simplesmente, pela eliminação de tais comissões.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Está a entortar o bico ao prego!

O Orador: - O Sr. Deputado disse também que os resultados dessas avaliações, feitas extraordinariamente, estão, pura e simplesmente, dependentes da razoabilidade do critério dessas comissões. Assim surge-me a seguinte pergunta: Qual era o critério que esperava dessas comissões antes de a elas ser atribuída a função de avaliarem extraordinariamente as rendas? Concretamente, os critérios não eram, até este momento, razoáveis?
Não acha positiva a introdução, no mercado do arrendamento, do princípio da indexação das rendas? Tratando-se de um factor que diz respeito a agentes económicos vez não a rendas habitacionais e, portanto, não estando predominantemente em causa o direito à habitação, não acha positiva a introdução do princípio da indexação?
Falou também V. Ex.ª em efeitos inflacionários. Nesses termos - e para terminar, porque o tempo de que disponho está a esgotar-se -, queria saber se na sua óptica estes efeitos são causa ou efeito. Isto é, não acha que uma inflação - que é um dado adquirido na nossa vida e, desde há alguns anos vem sendo acentuada - não deverá ter como consequência um reajustamento do preço do nível dos agentes económicos que estão dependentes dessa mesma inflação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, há mais inscrições para pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.
O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, tinha a colocar-lhe algumas questões que já foram postas pelo Sr. Deputado Ferreira de Campos. Em todo o caso, creio que a sua intervenção foi de tal maneira veemente que me deixou dúvidas sobre se temos ou não base para um diálogo. Isto é, se a sua interpretação da realidade tem o mínimo de coincidência com aquela que nós próprios fazemos da mesma realidade.

Vozes do PCP: - Não tem, não!

O Orador: - Daí desculpar-me-á que lhe faça algumas perguntas que são porventura demasiado evidentes.
Á primeira é a de saber se conhece ou não que uma renda paga numa determinada data a partir de um contrato estabelecido, mantendo-se fixa ao longo do tempo, perde valor nos anos subsequentes.
Á segunda, que é, de certo modo, corolário da primeira, é a de saber se reconhece ou não que uma mesma renda que tenha sido fixada, por hipótese -e com justiça -, numa determinada data se vai tornando
progressivamente injusta à medida que os anos vão passando.
Á terceira, e como conclusão de tudo isto, é a de saber se aceita ou não o princípio da actualização das rendas comerciais para fazer face à depreciação do valor da moeda resultante da inflação.
Atrevia-me a perguntar ainda, no meio de tanta critica, de tal maneira veemente que dirigiu à actual legislação e não apresentando soluções -e devo sublinhar que o CDS não considera que essa legislação seja perfeita e, por conseguinte, está aberto a introduzir nela as melhorias que possam ser introduzidas-, qual é a solução do PCP para a situação das rendas comerciais. Ou será que o PCP desconhece a existência de um fenómeno que não é só português, mas praticamente mundial, e que se chama inflação?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Coitadinha da inflação!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardote.

O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, a sua intervenção não me suscita, pessoal e objectivamente, uma posição de antagonismo frontal e total. Também subscrevo com V. Ex.« muitas das críticas que fez, porque considero que a lei é injusta, é anti-social, foi apressadamente feita e não teve em conta todos os interesses em causa, nem ponderou todas as suas consequências.
Mas, já sob o ponto de vista subjectivo, causa-me alguma perplexidade que V. Ex.a, deputado comunista, se arvore em paladino da defesa dos pequenos e médios comerciantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que, Sr. Deputado, a prática comunista nos países onde o vosso regime impõe não contempla a simples existência de comerciantes, sejam eles pequenos ou médios.
Embora isso seja assunto já muito gasto, não vem a despropósito recordá-lo, porque a minha pergunta é feita sob o ponto de vista subjectivo e nós sabemos perfeitamente qual é a situação nos países onde a vossa doutrina é implementada.
Protestos do PCP.
Aí nem sequer há lugar à existência de pequenos e médios comerciantes.
Poderá V. Ex.ª confirmar-nos ou infirmar-nos esta nossa asserção? Será que desconhece o que se passou nesses países?
A talho de foice, poderei dizer o que me contou um médio empresário português, que no tempo do gonçalvismo, inquieto com o que se poderia passar à sua empresa, decidiu perguntar a um amigo checoslovaco - com o qual tinha relações comerciais o que é que poderia acontecer, face à sua experiência, à sua média empresa portuguesa.

O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Não seja medíocre!

O Orador: - E ele contou-lhe aquilo que se tinha passado com um seu vizinho que tinha uma pequena

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oficina de chapelaria com 6 operários, um negócio de família de tradição. Poderei contar a história porque ela é pequena e por isso serei rápido.
Quando o regime comunista se começou a implantar na Checoslováquia -contou-lhe o amigo- falou-se da nacionalização dos grandes latifúndios, dos grandes monopólios, etc e tal... e o amigo chapeleiro não estava nada, mesmo nada, preocupado.
Passado pouco tempo, nacionalizaram-se as empresas com mais de 400 operários ... e o amigo chapeleiro continuou pouco preocupado.
Depois nacionalizaram-se as empresas com mais de 50 operários ... e, aí, o amigo chapeleiro começou a ter alguma inquietação.
Passado algum tempo - isto para encurtar razões -, os 2 amigos encontraram-se e o amigo chapeleiro estava muito acabrunhado e triste.
«Então o que é que te aconteceu? Os negócios correm-te mal?» - perguntou o checoslovaco.
«Negócios? Eu quero lá saber dos negócios!... Eu já não tenho negócios. Imagina tu que até me estatizaram a minha pequena oficina, com seis empregados e hoje já não sou comerciante, mas meramente um empregado. Perdi aquilo que a minha família, ao longo de muitos anos, tinha construído com o seu trabalho» - disse o amigo chapeleiro.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Estudou essa história nas Selecções!...

O Orador: - Esta é que é a realidade.
O que me espanta é como é que neste país ainda há pequenos e médios comerciantes, industriais e agricultores que se deixam arregimentar em organizações de inspiração comunista para a defesa dos seus interesses quando os seus interesses são totalmente postos em causa se, amanhã, um tal regime viesse implantar-se em Portugal.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.

Essas pessoas, Sr. Deputado Octávio Teixeira, na sua ingenuidade, são aquilo a que Lenine chamava «os idiotas úteis» e a que o social-democrata alemão Mosser chamava: «os burros de Tróia».
A minha pergunta é a seguinte: Há alguma sinceridade, há alguma honestidade política na sua tão veemente e tão intransigente defesa dos pequenos e médios comerciantes?

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Este faz parte da Mafia da mediocridade.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, esta pergunta devia ter sido feita por si!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Ferreira de Campos, julgo que V. Ex.ª não ouviu a minha intervenção ou então ouviu-a muito mal: é que ela não foi um ataque cerrado às comissões de avaliação, mas um ataque cerrado aos governos da AD, à legislação publicada pela AD.

Aplausos do PCP e do deputado da UEDS Lopes Cardoso.

O Sr. Deputado está enganado, a não ser que misture os elementos da Administração Pública com o Governo.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Nós percebemos!

O Orador: - O que referi foram alguns casos concretos de comissões de avaliação onde o próprio valor pedido pelo senhorio foi ultrapassado.
Perguntou o Sr. Deputado por que é que eu estou agora contra as comissões de avaliação e dantes não estava, sendo elas regidas pelas mesmas pessoas. É lógico e evidente: é que a lei veio alterar tudo. É evidente que, se as regras foram alteradas, para as cumprirem, tiveram que avançar com valores deste género.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É tão simples!

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Acabemos com a lei.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A questão não está esclarecida!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado João Porto, gostaria de começar por dizer que tenho por hábito defender aquilo em que acredito com toda a veemência. Nunca a veemência poderá significar falta de capacidade de interesse pelo diálogo. Uma coisa nada tem a ver com a outra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Pelo contrário!

O Orador: - Mesmo no próprio diálogo eu defendi as minhas posições com veemência, o que não quer dizer que não possa haver diálogo e, eventualmente, em alguns casos, acordos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pergunta-me ainda o Sr. Deputado João Porto se aceito ou não o princípio da actualização anual das rendas comerciais. Se ao referir as rendas comerciais, quis exclusivamente referir-se a elas, dir-lhe-ei que nós, como princípio, não o lançamos fora. Simplesmente, há que ver em que condições e como. É isso, ao fim e ao cabo, o que propomos.
Os diplomas não servem e julgo que esta opinião é generalizada.
Não podemos, por conseguinte, conceder as ratificações, porque elas nem como base servem para se tentar alterar qualquer coisa.
Por conseguinte, propomos a não ratificação destes decretos-leis em discussão, que se mantenha em vigor a lei que estava até 1981 e que se inicie uma elaboração de diplomas legais com a audição pública de todos os interessados' - dos inquilinos aos senhorios - para que possamos chegar a um consenso mínimo, a fim de que se consiga elaborar um diploma melhor do que o de 1948,

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mas ainda muito melhor do que aquele que agora estamos a discutir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Fernando Cardote, gostaria apenas de lhe dizer duas palavras: congratulo-me sinceramente com o facto de considerar que estas leis são injustas, anti-sociais, apressadas, imponderadas.... e todos os adjectivos que colocou.
Todos nós estamos de acordo com isso. Espero que o seu voto seja em consonância com essa sua posição.

Aplausos do PCP e da UEDS.

Relativamente à história que nos contou, julgo que podemos contar histórias um ao outro fora desta Assembleia para não fazermos gastar tempo, pois estamos a discutir coisas sérias.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, queria lavrar um pequeno protesto...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Então lavre!

O Orador: - ...que ao mesmo tempo só poderá ser suficientemente respondido com um outro esclarecimento.
Mas V. Ex.ª contraprotestará da forma que entender.
V. Ex.ª afirma que o que está em causa são os factores.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - As leis!

O Orador: - Ora, queria lembrar-lhe embora V. Ex.ª o saiba certamente, e não acredito que não saiba, simplesmente como não os mencionou pode-se supor que não sabe- que os factores que antes do Decreto-Lei n.º 392/82 eram tidos em consideração, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 37021, eram os seguintes: a área do prédio; o tipo de construção; a localização e demais factores que devam concorrer para a fixação do justo valor; quaisquer obras, melhoramentos ou benfeitorias, exceptuando-se o aumento do valor lucrativo resultante da clientela obtida pelo arrendatário ou de obras não feitas pelo senhorio; não serão também tomadas em conta as valorizações que resultarem de circunstâncias anormais ou de factores puramente especulativos.
E queria lembrar-lhe também que na nova redacção do artigo 4.º esses factores são os seguintes: o livre funcionamento do mercado definido, ou seja, esse livre funcionamento do mercado é definido pela localização; a área do prédio; o tipo de construção; o estado de conservação; as obras, melhoramentos ou benfeitorias que se hajam integrado no prédio sem direito a indemnização do arrendatário e os valores praticados na zona, não sendo ainda de deixar de ponderar -e devo dizer que este factor foi introduzido a pedido dos próprios comerciantes - a renda antiga e o ramo de actividade.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Continue a ler! Leia, leia!

O Orador: - Se me permite, continuarei o meu protesto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Liberdade de expressão!

O Orador: - Sim, liberdade de expressão.
Mas Sr. Deputado Octávio Teixeira, continuando a minha intervenção sob a figura de protesto, pergunto-lhe muito concretamente quais são os novos factores que V. Ex.ª entende que permitem esse exagero das novas avaliações e quais aqueles que, eventualmente, não permitem um aumento tão grande.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A questões concretas, respostas concretas! Se forem capazes...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª pretende responder já ou no fim?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.
O Sr. João Porto (CUS): - O meu protesto é, se assim se pode dizer, meramente operacional, porque, efectivamente, o Sr. Deputado Octávio Teixeira não respondeu à minha última questão, para já não falar nas outras, visto que não disse qual era a solução proposta pelo PCP.
V. Ex.ª reconheceu -e eu fico muito satisfeito por isso - aceitar como princípio a actualização das rendas comerciais; em todo caso, fê-lo com uma reserva tal que fiquei na dúvida sobre se é um princípio ou se é uma mera táctica de momento. Mas, sobretudo, V. Ex.ª limitou-se a propor uma metodologia que, desculpe, Sr. Deputado, não é o que está em causa neste momento.

Vozes do PCP: - É, é!

O Orador: - O que está em causa neste momento é avaliar a possibilidade ou não de esta lei poder servir de base para alterações e eu até aceito a sua metodologia para lhe introduzirmos, em comissão, as alterações que vierem a ser propostas.
Aceito que a comissão competente institua um debate público e uma audição geral de todos os interessados nesta matéria para melhorarmos o diploma, mas continuo sem saber qual é a tese defendida pelo PCP. Ou será que a tese defendida pelo PCP neste momento é apenas a tese da agitação, por razões políticas gerais que nada têm a ver com as rendas comerciais?

Aplausos do CDS, do PPM e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Ferreira de Campos, sinceramente, pensei que tinha

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ouvido mal quando o Sr. Deputado me pôs essa questão pela primeira vez, porque as diferenças entre as regras são tão grandes, como da noite para o dia, que pensei que tinha ouvido mal.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Diga quais!

O Orador: - E vou dizer-lhe mais: o Sr. Deputado, por acaso, teve dificuldade em ler algumas coisas e a primeira coisa em que teve dificuldade foi quanto ao livre funcionamento do mercado definido, etc.
Sr. Deputado, o meu Diário da República onde vem publicado o decreto deve ser diferente do seu porque dele não consta a palavra definido, que altera bastante, não tudo, mas bastante, o sentido daquilo que aqui está.
No meu Diário da República diz-se «tendo essencialmente por base», e não «definido».

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - É o mesmo!

Vozes do PCP: - Não é, não!

O Orador: - Por outro lado, pergunto-lhe, Sr. Deputado, onde está no Decreto-Lei n.º 392/82 o seguinte: «exceptua-se o aumento do valor lucrativo resultante da clientela obtida pelo arrendatário»? Onde é que isso está excluído no actual decreto-lei?
Pergunto também onde é que no actual decreto-lei se diz que não serão de tomar em conta as avaliações que resultem de circunstâncias anormais ou de factores meramente especulativos? Onde é que isso está? Não está, tiraram tudo isto, o que significa que para a fixação de rendas é de atender aos factores especulativos, aos factores anormais.
Sr. Deputado, isto são ou não diferenças abissais?
Mas, mais do que isso, para além da lei, aquilo que estava em prática era no sentido de se conhecer as instruções do Ministério das Finanças e da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sobre o assunto. Como referi na minha intervenção, e repito muito rapidamente, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos recomendava a maior ponderação na realização das avaliações, por forma a não se criarem situações injustas ou acentuadas perturbações na conjuntura económica, e a não consideração, em regra, para comparação, do valor das rendas estabelecidas em regime de liberdade contratual.
Ora este princípio, que era excluído pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, é um princípio fundamental da actual lei, o que demonstra que a diferença entre o actual diploma e o anterior é, de facto, como da noite para o dia.
Em relação ao Sr. Deputado João Porto, devo dizer que a tese da agitação de certeza que não é nossa, possivelmente será do CDS.

Risos do CDS.

Mas, Sr. Deputado, em relação à questão da metodologia, direi que ela é fundamental neste processo, pois se nós atacamos e possivelmente o Sr. Deputado também é capaz de dizer que não está de acordo - o facto de se ter elaborado uma lei com tanto interesse e com tanto impacto em termos da população portuguesa sem ouvir os interessados, como é que o Sr. Deputado quer que nós vamos cometer o mesmo erro, vamos cair naquilo em que caiu o Governo e que nós atacamos? É impossível!
Sr. Deputado, se V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar não estiverem dispostos a não ratificar o decreto-lei, então, têm uma solução, que é dar a ratificação ao decreto-lei, fazê-lo baixar à comissão competente, suspendendo-o entretanto, para depois, na comissão, ouvirmos publicamente - como referi logo no início - os interessados e, em diálogo com eles e em diálogo entre nós, podermos fazer qualquer coisa.
Julgo que, deste modo, não faremos tudo o que seria possível fazer se iniciássemos um novo processo e nós continuamos a defender que se inicie um novo processo. Mas se o Sr. Deputado e a sua bancada não querem e não têm coragem de proceder à não ratificação destes decretos-leis, ao menos que eles baixem à comissão competente por vossa iniciativa e, aí, apresentem as propostas necessárias e peçam a suspensão destes decretos-leis porque o que não se pode admitir é que eles continuem a ser aplicados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista requereu a ratificação do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, porque, efectivamente, ele merece a nossa discordância.
Posteriormente, com o Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, o Governo introduziu alterações, ou melhor, tentou aclarar o sentido do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81.
Em nossa opinião, as coisas ficaram na mesma. Na verdade, o deputado Fernando Cardote, do PSD, na primeira parte da sua intervenção, definiu exemplarmente estas leis: trata-se de leis injustas, apressadas e anti-sociais. Como ele é insuspeito, não fica mal que nós, sem pagarmos direitos de autor, lhe façamos a nossa vénia, fazendo nossas as suas palavras.
Efectivamente, esta legislação é injusta, anti-social e apressada. O Governo não trabalhou quando devia trabalhar e quando pensou que era urgente tomar qualquer iniciativa nesta matéria meteu-se por atalhos, e, como sempre, quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos...
O Governo - que se meteu em atalhos por preguiça, por incapacidade de avaliar na devida altura os problemas- não fez o inventário das questões que se impõem, não examinou com ponderação os problemas sociais que esta questão grave levanta, fez tudo à pressa e, não ouvindo quem devia, fechando-se nos gabinetes, pôs cá fora uma lei que, de facto, não honra o Governo e é a sua vergonha, como há pouco disse um deputado de uma bancada que, formalmente, ainda apoia este Governo.
O Partido Socialista é um partido responsável e, nessa medida, sem qualquer escamoteamento das situações e sem qualquer complexo de um tipo ou de outro, nós reconhecemos que a questão das rendas de casa é uma questão que merece ser revista.
As rendas de casa, sejam elas para habitação ou para comércio, indústria, profissões liberais ou outras, são questões complexas, em que não há um tipo único, pois que, evidentemente, há diferença entre as rendas de casa para habitação e os contratos de arrendamento para diferentes tipos de actividade. Mas, mesmo em relação

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às rendas de casa para habitação, não se pode confundir num só tipo coisas que são muito diferentes e também aqui o Governo misturou coisas que são muito diferentes. É possível legislar para o geral, mas, nesse caso, há que ponderar muito bem o que é o geral.
O Governo, a nosso ver mal, partiu do princípio de que estava a legislar só para rendas comerciais, industriais e de profissões liberais, e agiu mal, imponderada, injusta e anti-socialmente, repetindo e sufragando mais uma vez a expressão feliz do deputado da bancada social-democrata.
Mas ainda que, porventura, admitíssemos que esta legislação era adequada às necessidades e às questões que se põem aos arrendamentos para o comércio, indústria e profissões liberais, o Governo esqueceu um outro sector muito importante, que não salvaguardou: é que ao mesmo regime, por força da lei, do Código Civil, estão sujeitos, por exemplo, os arrendamentos que se destinam a actividades não lucrativas, de tipo ideal e cultural, como sejam as sociedades recreativas, as sociedades culturais filarmónicas ou outras-, as sociedades desportivas, religiosas, etc.
É evidente que só isto já justificava uma cautela, que devia estar patente. O Governo não a manifestou.
Estamos, portanto, em desacordo com a totalidade deste decreto-lei.
Bem sei que à bancada da maioria seria mais agradável que nós - em nome do respeito, da deferência, do temor reverenciai perante um diploma que correu a liturgia da legislação- votássemos a ratificação e depois propuséssemos alterações. Sucede que em matéria de leis não somos religiosos e este decreto-lei não nos merece esse respeito. Este decreto-lei reduz-se, de facto, a l ou 2 dispositivos importantes e tudo o resto não passa de moldura, não tem dignidade para que nós modifiquemos esses 2 artigos importantes, mantendo-o formalmente.
O Governo não merece isso porque foi imprudente e incompetente e nós não temos nenhuma obrigação de respeitar sequer a numeração deste decreto-lei. Daí que nós, Partido Socialista, vamos votar contra a sua ratificação.
Se a maioria entender, mais uma vez e mal, pôr-se numa posição de reverência,...

O Sr. Pinto da Silva (PS): - De cócoras!

O Orador: - ... de cócoras, perante um Governo que devia vigiar e controlar, porque ela é que é responsável pelo bem e pelo mal que este Governo faz, repito, se esta maioria ficar de cócoras como disseram da minha bancada, aliás, muito a propósito- perante este Governo que nos desgoverna, pois a maioria assumirá as suas responsabilidades como nós assumimos as nossas.
Se a maioria, no uso do seu legítimo poder de fazer valer a sua força nesta Assembleia, impuser a ratificação do diploma para depois lhe introduzir alterações, nós colaboraremos de bom grado nessas alterações de modo a dar a esta legislação o mínimo de aceitação, o mínimo de sentido social, o mínimo de resposta às questões que ela hoje nos põe.
Porém, preferiríamos que a maioria, pura e simplesmente, não ratificasse este decreto-lei e que - se assim o entendesse, senão nós tomaríamos esse compromisso - apresentasse imediatamente um projecto de lei à Assembleia da República para preencher este vazio.
Reconhecemos que, efectivamente, a questão, tal como é tratada nas leis anteriores, merece ser revista porque a situação hoje é muito diferente da situação das décadas de 40 ou 50. Concordamos com isso, mas também concordamos em que o assunto é grave, afecta a vida económica do país, afecta a justiça social, e por isso deve merecer da nossa parte uma ponderação e ouvindo-se os interessados, que o Governo não teve em tempo útil e que devia ter tido.
Todavia, repetimos, se a maioria entender que este decreto-lei deve ser respeitado em nome de um respeito que não é devido a um governo que se comportou desta forma -, pois, pela nossa parte, colaboraremos com todo o gosto na melhoria destes diplomas.

Aplausos do PS.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo começar por sublinhar a minha satisfação por constatar que o Partido Socialista, ao contrário do Partido Comunista, revelou já um certo sentido da forma como encarar o problema, sentido que, pelo menos de acordo com a interpretação que consegui fazer do discurso de V. Ex.ª, não é tão diferente como isso do sentido da filosofia da legislação existente.
É certo que V. Ex.ª apresentou algumas objecções que, aliás, nós estamos dispostos a acolher, porque é evidente que não colocamos no mesmo saco as associações culturais ou religiosas ou as actividades das quais resultam ganhos económicos, assim como, eventualmente, estaremos de acordo em relação a outras rectificações. No entanto, parece-nos que essas são, efectivamente, pequenas rectificações que podem ser introduzidas numa legislação já existente.
De modo que perguntaria ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira se V. Ex.ª é capaz de sublinhar em traços mais fortes as diferenças substanciais de filosofia que possam justificar, da parte do Partido Socialista, uma rejeição da legislação existente, em vez de se limitar a colaborar - e registo com satisfação que o fazem com gosto- na melhoria da lei actual.
Creio, aliás, que o Sr. Deputado, no seu discurso, teve mais a preocupação de seduzir a maioria através do procedimento, isto é, de nos convencer a não ratificar para poder certamente obter efeitos políticos e desculpará que o diga -, do que propriamente em nos convencer que o âmago, a substância da legislação, está efectivamente errada.
De modo que é evidente que nós, pelo menos da minha bancada, não nos vamos deixar impressionar demasiadamente com isto, porque se estamos de acordo -e é com esse espírito que aqui estamos - em analisar seriamente o fundamento e a substância do diploma, é evidente que não estamos dispostos a ser manobrados pela oposição em substituição, no dizer do Sr. Deputado, de sermos manobrados pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, deseja responder imediatamente ou no final de todos os pedidos de esclarecimentos?

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - No final, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, igualmente para pedir esclarecimentos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, apraz-me registar que a sua intervenção, ao contrário do que parece querer concluir o Sr. Deputado João Porto, vai substancialmente no sentido de considerar que esta espécie de diplomas gerados por este Governo - se é que ele gera alguma coisa além da infelicidade do País- não merecem qualquer espécie de modificação. E diz o Sr. Deputado, e muito bem, que o que restava de essencial era uma moldura que não justifica que a Assembleia da República a mantenha.
Ora, apraz-nos muito constatar isto porque, em nossa própria opinião, estes diplomas deveriam ser, pura e simplesmente, revogados e aí a Assembleia da República, na falta da iniciativa do Governo que já não existe porque está demitido,...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... tomaria a seu cargo alterar o regime de acordo com as novas circunstâncias que impõem que ele seja alterado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas impõe-se que ele seja alterado naturalmente, ouvindo as associações dos interessados e tendo em conta a situação real do País, bem como questões de macro-economia, que não foram, de forma nenhuma, tidas em conta por este Governo.
E gostaria de aproveitar esta ocasião para dizer que os fundamentos da acção do Governo são, pura e simplesmente, inconfessáveis e que é melhor não discutirmos esse aspecto porque então talvez encontrássemos razões de todo em todo inaceitáveis.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Razões essas de mero egoísmo pessoal e de grupinho, que nada têm a ver com os interesses do País,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ...nem dos senhorios, nem dos inquilinos.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

Mas a pergunta que queria fazer é substancialmente a seguinte: em certa altura, o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira falou na questão da habitação e nas rendas de habitação. Ora, quanto a esse aspecto, gostaria que precisasse uma ideia. Todos nós sabemos que o problema da habitação não pode, não deve, nem nunca foi visto, à luz do direito português, como sendo o mesmo problema que se põe em relação às rendas para efeitos comerciais ou industriais. Porque isto é assim e porque nesta altura estamos confrontados com uma situação em que, quer num caso, quer noutro, há um completo desequilíbrio no mercado, isto é, a oferta é muitíssimo inferior à procura, o que eu gostaria de saber é se confirma a seguinte ideia: a de que, primeiro, em nenhum caso os dois problemas devem ser tratados paralelamente; segundo, que o problema da habitação deverá sempre ser visto tendo apenas, e só, em conta que sem a oferta a equilibrar a procura nunca se poderá resolver o problema.
Por outras palavras, e usando um aforismo popular, «casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão», pelo que não adianta transferir rendas de um lado para o outro porque o problema subsiste: não há habitações nem em número nem em condições suficientes para os Portugueses.
Mais, a questão da habitação tem de ver com um direito que é um direito primário de cada família, de cada pessoa, pelo que não pode, em nenhum caso, ser colocada paralelamente - como este Governo pretendeu e, aliás, escreveu em preâmbulos dos seus decretos-leis - ao problema de uma renda comercial ou industrial.

Aplausos de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Dias.

O Sr. Cunha Dias (PSD): - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, ouvi a sua intervenção com a qual estou de acordo em alguns pontos. Não tive a oportunidade de ouvir a intervenção do meu colega de bancada Fernando Cardote, mas por aquilo que ouvi e pelas referências que o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira fez à intervenção dele, quero dizer que comungo em grande parte das preocupações que V. Ex.ª manifestou e de que o meu colega de bancada também comunga.
O problema em questão é muito sério, é muito grave e temos de o analisar com muito cuidado. Assim, e, tal como disse o meu colega do CDS, gostaria que o Partido Socialista avançasse algumas das propostas que tem a fazer para nós as podermos estudar. Por outro lado, confesso publicamente que tenho as minhas dúvidas quanto à eficiência deste decreto-lei. Há milhares de pequenos comerciantes neste país que vão à falência.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Ah é!?...

O Orador: - Há milhares de pequenos comerciantes neste país que vivem abaixo do ordenado mínimo nacional e nós temos de tomar consciência deste facto.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Ah é!?...

O Orador: - Temos que pensar na justiça social para esses pequenos comerciantes.
E neste sentido quero dizer ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira que há deputados da maioria que não estão de cócoras. Por isso lhe pedi este esclarecimento.
Aplausos do PSD, de alguns deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, para responder, se assim o entender.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Deputado João Porto, V. Ex.ª interpretou por um lado bem e por outro lado mal a minha intervenção. É que eu não quis dizer que havia pequenas diferenças. A verdade é que há grandes diferenças entre o ponto de vista do Partido Socialista e a presente lei.

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O Sr. João Porto (CDS): - Quais?

O Orador: - Quais? Eu já anunciei algumas. No entanto, e nomeadamente, o fundamental da nossa discordância está em que estes diplomas legais não fixam qualquer critério objectivo, a menos que se estejam a cometer uma série de ilegalidades por este país fora. Os resultados práticos destes diplomas estão à vista, foram já enunciados pelo Partido Comunista e eu próprio tenho-os também aqui, na minha frente. Esta é uma prática geral no País.
Aliás, o Governo não publicou apenas estes dois diplomas, publicou também mais um decreto-lei e umas quantas portarias, cada vez aumentando mais a confusão das entidades que têm de avaliar. O Governo não forneceu um mínimo de critério objectivo para quem quer que seja poder avaliar.
Ora, o que é preciso é que uma lei seja entendível, seja cognoscível, seja clara e directa para que o intérprete o faça sem ter de adivinhar o que é que o legislador quer. Por exemplo, há casos de comissões de avaliação que, no meu entender e admito que haja quem discorde-, têm fixado rendas superiores aos pedidos dos senhorios, e tem-se entendido que legalmente. Isto não pode ser! Tenho, aliás, aqui comigo os dados de uma caso concreto de um senhorio que pede uma actualização de renda de 2000$ para 50000$, o que representa um aumento de 25 vezes, e a comissão de avaliação fixou a renda em 58000$, nos termos destas leis. Porquê?
Bem, de facto, se isto não é bastante para o Sr. Deputado João Porto reconhecer que é preciso pôr cobro a isto, então não sei o que será necessário para arrancar de V. Ex.ª um ah! de admiração ou um soco na mesa de protesto. Nós julgamos que é suficiente.
Quanto ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, quero dizer que V. Ex.» interpretou bem - e quero confirmá-lo com todo o gosto - o sentido da intervenção que fiz em nome da minha bancada. Nós estamos em total e completo desacordo com estes diplomas legais.
Agora, quando falei nas rendas de habitação foi por reconhecermos que também aí haverá que trabalhar, embora com mais cautelas porque são realidades diferentes. Aproveitava, todavia, para lhe dizer que não é verdade que as rendas de habitação tenham sido sempre rendas congeladas. Têm-no sido há algumas décadas em Lisboa e Porto, mas no resto do País o regime era rigorosamente igual ao das rendas comerciais, isto é, as rendas eram revistas de 5 em 5 anos. O que aconteceu foi que com o 25 de Abril, por razões de ordem social que se desejam excepcionais, o Governo legislou no sentido de as congelar. Admite-se que seja necessário alterar a situação...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Agradeço o que disse, mas gostaria de pôr a seguinte reflexão: a razão da grande alteração que houve e da diferença que havia, aliás, entre Lisboa e Porto e o resto do País já na altura em que o regime vigorava, como disse - e é exacto o que disse - era justamente a questão da oferta e da procura. E que não se pode permitir que funcione o chamado mercado livre quando para um bem que por acréscimo é uma necessidade primeira da vida humana, que é o tecto, a habitação, se verifica que a oferta é muito inferior à procura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Quem pensar que pode estabelecer um mercado de renda livre está ou a sonhar ou, pura e simplesmente, a defender interesses incomparáveis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estou de acordo, Sr. Deputado Veiga de Oliveira. Agora, o que lhe queria dizer a esse respeito - que, aliás, não está aqui hoje em discussão, embora tenha de vir à colação porque são assuntos que se relacionam - é que para legislar sobre rendas de habitação não basta fazer uma lei, é, sim, necessária toda uma política social, toda uma política de habitação, porque o Governo não pode ficar de fora desse mercado. Só o Governo - e falo do Governo e outras entidades públicas -, com os meios adequados, é que pode, de facto, estabelecer uma legislação comprável e respeitável. Senão, como o Sr. Deputado Veiga de Oliveira salientou, devido à disparidade que é conhecida entre a oferta e a procura, não é possível estabelecer um mercado transparente, um mercado claro em que ambas as partes procurem a oferta e se arranje um equilíbrio razoável.
Portanto, quanto a este aspecto estamos de acordo.
Quanto ao Sr. Deputado Cunha Dias, devo dizer que tive muito gosto em ouvi-lo. Só é pena que não se tivesse feito sentir há mais tempo por parte dessas bancadas esses assomos de independência e de dignidade parlamentar que, repito, há muito tempo se deveriam ter verificado. Espero que não seja por o Governo estar nesta agonia de moribundo que VV. Ex.ªs agora despertam, e espero que, no futuro, seja qual for a maioria que nesta Câmara exista, a independência dos deputados em relação ao Executivo seja um facto.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para protestar em relação a determinadas insinuações que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira fez há pouco, não de cunho político mas pessoal.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Político, político!

O Orador: - Não posso manifestamente admirar-me de que a oposição critique o Governo em termos políticos, mas não posso deixar de protestar, serena mas firmemente, contra insinuações que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira fez acerca do comportamento de pessoas que eu desconheço por completo e que, por um lado, me parecem descabidas,...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Parecem, parecem!...

O Orador: - ...e que, por outro lado, me parecem pouco justas e pouco apropriadas até porque não é por sua livre vontade que o Governo não se encontra aqui presente. Se o Governo estivesse aqui presente para poder responder, eu não teria feito protesto porque,

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naturalmente, esperaria que fosse ele próprio a defender-se.
Julgo que se mantivermos esta discussão no plano político teremos possibilidade de estabelecer um diálogo construtivo. O Sr. Deputado Veiga de Oliveira até teve o cuidado de dizer que não queria avançar por esse campo. Pois se não queria avançar para esse campo, mais valia que não tivesse dito nenhuma palavra nesse sentido.

Aplausos do CDS, do PPM e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para responder, se assim o desejar.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sim, Sr. Presidente. Aliás, todas as observações têm sempre direito a uma resposta.

Ô Sr. Deputado João Porto disse que fiz insinuações. Devo dizer primeiro que não fiz insinuações, mas sim afirmações.

O Sr. João Porto (CDS): - Pior!

O Orador: - Não é pior não, Sr. Deputado. É bem melhor!
Afirmei que havia grupos de pressão na origem desta legislação e isso é verdade; o Sr. Deputado sabe bem que há. E trata-se de grupos de pressão que, como eu disse, não são propriamente de classes, nem de inquilinos, nem de senhorios. Disse-o e mantenho. Mais, o Sr. Deputado sabe que muitas vezes se tem falado, com fundamento, de fumos de corrupção. É uma coisa que não é novidade para ninguém. E isto não é carapuça para nenhuma cabeça, excepto para a cabeça que enfiar a carapuça.

Risos de alguns deputados do PCP.

Mas o que é certo também é que com este motivo se poderia aqui solicitar, por exemplo, a formação de uma comissão de inquérito para averiguar como esta legislação foi gerada. Só que isso não vale a pena. Nós, por um lado, enfrentamos o voto contrário para a criação de comissões de inquérito, e, por outro, verificamos que, uma vez criadas, elas são sabotadas, existem e não funcionam, e não funcionam naturalmente porque a, maioria não quer. Refiro-me aos casos já conhecidos* como, por exemplo, a comissão da EPAC, que existe há mais de 2 anos e não funciona, a comissão de investigação da legalidade dos actos do MAP, que não funciona, e quantas ilegalidades vão pelo MAP, a comissão sobre o Prates Canelas e tantas outras. Não vou citar mais, pois são tantas as comissões, são dezenas, que não funcionam por vossa vontade.
Agora, uma coisa é certa, Sr. Deputado. Fiz afirmações e não insinuações e estou certo de que após novas eleições, e sem necessidade de nenhuma comissão de inquérito, a verdade, em muitos casos, virá à tona.
Aplausos do PCP e do deputado da UEDS Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cunha Dias inscreveu-se para que efeito?
O Sr. Cunha Dias (PSD): - É para utilizar a figura de protesto relativamente ao meu amigo Luís Filipe Madeira.

O Sr. Presidente: - Então tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Cunha Dias (PSD): - O Sr. Deputado Luís Filipe Madeira disse que a independência manifestada nesta bancada se devia ao facto de o Governo estar demissionário. Devo dizer-lhe que não. Eu, como deputado, continuo a apoiar o Governo e a Aliança Democrática, continuo a apoiar este Governo, ou outro que há-de chegar, se chegar...

Risos do PCP.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Naturalmente!

O Orador: - E quero dizer ainda que considero que a independência dos deputados desta bancada perante o Governo é precisamente idêntica à independência que os deputados do Partido Socialista manifestaram perante o governo do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atingimos a hora do intervalo, mas o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira vai, com certeza, ser muito breve.
Tenha a bondade Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sim Sr. Presidente, irei ser breve.
E apenas para, num tom amigável e de sincera estima que tenho pelo meu colega Cunha Dias, dizer que o PS sempre manifestou, aqui nestas bancadas, independência em relação ao Governo. E posso inclusivamente citar-lhe casos concretos de diplomas legislativos propostos pelo Governo que a bancada socialista fez soçobrar.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Qual?

O Orador: - O Sr. Deputado é muito novo nesta Assembleia e, portanto, tenho muito gosto em ensinar-lhe.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Ensinar não, informar!

O Orador: - Em ensinar, pois quem não sabe merece ser ensinado.
Risos gerais.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Informar, e é se quiser!

O Orador: - Dou-lhe como exemplo um diploma sobre a repressão da prostituição, proposto pelo Ministro da Justiça de então, que a bancada do PS fez soçobrar aqui.
Quanto ao Sr. Deputado Cunha Dias, quero dizer que lhe ficam muito bem esses propósitos de lançar uma bóia a este Governo moribundo e a esta maioria. Se conseguir salvá-la bem merece uma medalha de ouro por socorros a náufragos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegamos à hora do nosso intervalo regimental, pelo que suspendo a sessão, que reabrirá às 18 horas e 5 minutos.
Eram 17 horas e 35 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Amândio de Azevedo.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Presidente, em nome do Grupo Parlamentar do PSD peço uma interrupção dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está concedida a interrupção. A sessão reabrirá às 18 e 45 minutos.
A sessão foi interrompida.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras dirigem-se directamente a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Mesa em exercício.
Por motivo de uma decisão parlamentar, que na altura própria criticámos, formou-se o Tribunal Constitucional, que ainda não está no exercício das suas funções.
O controle da constitucionalidade ê assim assegurado por forma particularmente difícil. Isso implica que em relação ao conjunto reduzido de pessoas que têm o poder e o dever de suscitar o controle da constitucionalidade, esse poder-dever deva ser exercido com particular rigor, com particular acuidade.
Ora, compete ao Presidente da Assembleia da República, seja ele um Vice-Presidente em exercício, seja o Presidente eleito por esta Casa, ser também ele a desempenhar uma actividade de controle da constitucionalidade.
É por isso que me dirijo a V. Ex.ª para que no decurso desta sessão levante o problema da constitucionalidade dos diplomas que estamos a apreciar. Direi sucintamente porquê.
O Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, veio dar nova redacção ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro. Ora, esse Decreto-Lei n.º 330/81 veio alterar - e alterar profundamente - o regime geral do arrendamento urbano.
Por força da revisão da Constituição, nos termos do artigo 168.º, alínea h), o regime geral do arrendamento rural e urbano é da exclusiva competência da Assembleia da República. É a ela que compete, em exclusivo, legislar sobre estas matérias.
Portanto, quando o Governo, por um diploma de 1982, que entra em vigor no dia 1 de Novembro de 1982, ou seja, já depois da entrada em vigor da Constituição da República na sua forma após a revisão, legisla sobre matéria de arrendamento está a invadir necessariamente competência que é exclusiva desta Assembleia da República.
Há, assim, de acordo com esta posição, uma alteração nos termos da qual pelo menos o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 392/82 - e ele tornaria todo o decreto inconstitucional- é organicamente inconstitucional e o Governo é, por essa inconstitucionalidade, politicamente
responsável. Dado que possuía poderes para suster a validade do diploma, devia ter requerido ao Parlamento, pelo menos, uma autorização legislativa, mas não o fez.
Esta interpretação, que, aliás, nos foi sugerida por um distinto advogado portuense, o Dr. Teles de Sousa, merece do meu ponto de vista toda a relevância e para ela chamo a atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente em exercício. Compete-lhe suscitar o problema do controle da constitucionalidade e estando em causa a competência desta Assembleia, porque o Presidente da Mesa representa, em primeira linha, esta Assembleia da República e compete-lhe assegurar os seus direitos de representatividade, é a V. Ex.ª, em primeiro lugar, que caberá suscitar a questão que agora acabo de colocar.
Mas para além deste problema de direito Constitucional, os decretos-leis ora sujeitos a ratificação por esta Câmara e sujeitos à nossa apreciação não têm, obviamente, o voto favorável da minha bancada. Direi, rapidamente, porquê.
Em primeiro lugar, porque os decretos-leis sujeitos a ratificação traduzem medidas não só erradas, como inadequadas e injustas, incoerentes dentro da própria política governamental, e, ainda por cima, com a agravante de algumas delas terem sido mascaradas, de modo que as poderíamos comentar depreciativamente, na medida em que se procurou por ínvios caminhos corrigir situações e não houve pejo de em Novembro se fazerem cessar as avaliações, de modo a que o eleitorado chamado às umas em Dezembro não tivesse resultados de avaliações contra que protestar.
Creio que esta medida é tão directa e descarada que não merece comentários, mas não poderá passar sem o nosso reparo e a nossa reprovação.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que esta medida é errada, porque não corresponde aos problemas com que pretendia defrontar-se. Esta medida não resolve os problemas da habitação, não torna o investimento na construção mais atractivo. Pelo contrário, é uma medida que agrava distorções, em matéria de construção, em matéria de política de habitação e em matéria de urbanismo, e todas elas extremamente graves.
Não resolve o problema da habitação, antes o complica, porque, tornando mais atractivo o investimento na construção para utilização no comércio ou na indústria, não faz necessariamente que o problema da habitação seja resolvido, mas, pelo contrário, faz com que o investimento na construção civil seja desviado, exclusivamente, para a construção de escritórios, lojas ou edifícios capazes de aplicações comerciais ou industriais.
Não resolve, antes agrava, o problema do urbanismo, porque faz com que uma grande concentração de serviços se verifique nas mesmas áreas das regiões urbanas, transformando-as em zonas desabitadas e, como tal, em zonas que levantam não só problemas de tráfego urbano e de circulação de transportes, como até problemas de segurança - e todos sabemos como numa grande cidade, por exemplo, uma zona desabitada» a partir de determinada hora da noite, se transforma numa zona insegura.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta medida agrava, portanto, pró-

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blemas de habitação, agrava problemas de urbanismo e não resolve nenhuma espécie de problemas. É ainda um caso típico de medida ilógica, dentro daquilo que poderíamos esperar que fosse uma lógica de economia de mercado por parte do Governo e da maioria que o apoia.
Na verdade, diria até que este tipo de medidas e este tipo de situação são a demonstração clara dos defeitos de uma economia de mercado levada às últimas consequências.
Em que é que se traduz, aplicada à habitação, a economia de mercado? Traduz-se em que os mais pobres, os mais desfavorecidos, não vêem resolvido o seu problema da habitação; traduz-se em que os melhores empreendimentos, os melhores locais, são destinados àqueles que têm maior poder económico; traduz-se em tratar em pé de igualdade e como se fossem coisas iguais realidades tão diferentes, como empreendimentos comerciais e industriais com associações recreativas ou culturais ou outros empreendimentos também de natureza não económica - afere-os a todos pela mesma bitola económica e mesmo dentro das unidades comerciais e industriais trata do mesmo modo, como se fossem realidades idênticas, o pequeno estabelecimento e a grande unidade, a unidade particularmente lucrativa e cheia de bons resultados com aquela que mal dá para sobreviver a quem a ocupa e aí desenvolve a sua actividade.
É, portanto, a tradução concreta e no terreno do que é a injustiça social, de quem se afere exclusivamente por critérios económicos, que abandona os mais fortes à sua liberdade de actuação e deixa os mais fracos sofrerem os efeitos dessa mesma liberdade de actuação.
Á economia de mercado, sob a fornia e a falsa capa dessa liberdade, traduz-se, afinal, numa forma hipócrita de ocultar que as pessoas não estão realmente nas mesmas posições, nem nas mesmas situações, que há fortes e fracos e que a vontade e a liberdade do mais fraco não são iguais à vontade e à liberdade do mais forte.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - É por tudo isto que esta medida injusta socialmente, errada em termos de política de habitação, errada em termos de política de urbanismo, também não tem coerência nem lógica interna. Quer dizer, se VV. Ex.ªs pretendiam resolver o problema de a inflação ter diminuído rendimentos dos proprietários de imóveis, então a que título é que vêm fazer este género de discriminação? Ou seja, a vossa inflação só atingiu os senhorios? Os inquilinos, sejam eles simples cidadãos, ou sejam eles comerciantes ou industriais, não foram, do mesmo modo e no mesmo grau, atingidos pela mesma inflação que os proprietários?
Aplausos da ASDI e da UDP.
Pergunto ainda: e então essa inflação, que tanto os impressionou e que os obrigou a corrigir esta situação, não é a mesma inflação que também se verifica em relação ao poder de compra da população? Com que justiça, então, com que moralidade e com que direito controlam, por exemplo, os salários? Com que direito, com que justiça, com que moral, são aplicadas duas medidas, duas bitolas, para a mesma situação de inflação?
Creio que também aqui a lógica - que é a lógica da injustiça de quem protege os mais fortes e poderosos - é entre aquilo que é lucrativo e aquilo que não é, deixa de fora, deixa entregues à sua sorte e deixa que, portanto, sejam eliminados por aquilo que se chamam as regras do livre jogo da economia - triste livre jogo e triste economia que isso permite!...- os mais fracos, os mais pobres, os deficientes. Não há inflação só para alguns e, portanto, a medida que aqui temos é, de todo o modo, socialmente injusta.
Mas há mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
A incoerência da medida é de tal modo grande que o sector em que se foi pegar foi precisamente aquele em que as rendas se encontrariam mais actualizadas.
Como todos sabem, de 5 em 5 anos havia actualizações nos arrendamentos comerciais e industriais, esse regime vigorou até 1981 e, por isso, temos de convir que onde as rendas se encontrariam mais actualizadas seria precisamente em relação aos arrendamentos comerciais e industriais. A vossa medida continua a ser uma medida incoerente, uma medida injusta e, por isso, estamos contra ela.
Ainda mais, no entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados: a vossa medida é tão injusta e é de tal modo contraproducente que nem sequer teve em atenção aquelas situações em que a hipótese de lucrar à custa alheia é mais evidente. Se estivessem realmente preocupados com a resolução de problemas de mais-valias, de lucros excessivos, resultantes de situações em que alguém se aproveita da situação de outrem, então com certeza teriam resolvido - e não resolveram - as questões em que uma renda baixa se transforma no valor essencial de um trespasse. Ou seja, teriam atendido, em primeiro lugar e em primeira situação, porque queriam corrigir injustiças, àquelas situações em que é um negócio que está em causa e não a exploração e a manutenção de uma actividade que muitas vezes é praticada com sacrifícios. Também a isso não atenderam, facto que é uma revelação clara de quais eram os interesses que os moveram.
Creio ainda que, para além de todas estas situações de injustiça, de imoralidade, de erro e de inadequação de uma medida, importa acentuar que na própria lógica em que foi sustentada ela volta a ser incoerente. Já o disse em relação à inflação, mas refiro-me agora a outro aspecto da economia de mercado.
Ouvi dizer, e esse argumento foi utilizado com alguma frequência, que os comerciantes viram as suas fontes de rendimento crescer e que seria justo que a renda que pagassem sofresse um aumento na proporção dos benefícios da evolução da situação económica. Há aqui a consideração da renda como um factor produtivo e, sendo assim, a renda entraria na pura lógica de uma situação visto que os comerciantes beneficiariam dessa mesma situação.
Só que a lógica volta a ser distorcida!
Já salientei anteriormente que em relação aos salários não havia liberdade de actuação, liberdade que também não existe em relação aos preços. Como sabem a maior parte dos produtos são objecto de medidas administrativas, de medidas de política económica disciplinar e, portanto, o vosso mercado continua a ser distorcido. Quer isto dizer que a vossa lógica só seria correcta, admitindo que ela pudesse ser objecto de alguma correcção, melhor dizendo, a vossa lógica só seria lógica - passe o turismo - se VV. Ex.ªs permitissem ao mesmo tempo a liberalização dos salários e a liberalização dos preços. Só assim é que o vosso mercado seria totalmente livre, mas como o não é não poderão argumentar que a renda é um

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factor de produção livre e que os comerciantes devem pagar uma renda muito alta devido a terem lucros muito altos resultantes da situação. Os lucros são controlados porque os preços também o são!
Não se diga sequer que o regime de preços em que vivemos só afecta determinadas empresas. Também não é verdade! Se analisarmos, por exemplo, um regime típico, que é o regime de preços declarados, ainda que se diga que o regime de preços declarados só atinge empresas de certa dimensão, a verdade é que não é possível, pela própria lógica do mercado, a nenhum produtor ou comerciante praticar preços mais altos do que aqueles que o Governo impôs. Era evidente que nessas ocasiões não venderia o seu produto se na loja ao lado, por força de uma obrigação governamental, esse produto fosse vendido a um preço mais baixo. Ou seja, quando se estabelece um regime de preços declarados ele não é apenas para as empresas obrigadas a esse regime, mas é um regime tornado obrigatório, por força da própria concorrência e do próprio mercado, que se alarga a todos os produtores e comerciantes que vendem esse produto. Não há, por isso, que fugir à realidade, visto que a realidade se baseia num controle de preços no mercado. Também aqui, onde os mecanismos de concorrência e os mecanismos de mercado estão distorcidos, não se pode invocar a lógica onde a lógica não existe.
Por todas estas razões, creio que perfeitamente objectivas, perfeitamente claras e que não têm nenhum contexto - pelo menos procurei que não tivessem - que pudessem ser entendido como um ataque político (é-o porque a medida é injusta, é-o porque a medida é incoerente, é-o porque a medida é inadequada, mas não é mais do que isso, nem procura ser mais do que isso), votaremos contra a ratificação dos diplomas que o Governo elaborou e que não merecem a nossa aprovação e o nosso respeito.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Votaremos contra estas disposições e pensamos que a maioria se honraria se conseguisse uma de duas coisas: discutir no plano dos argumentos, para além dos pedidos de esclarecimento, das perguntas, dos intervalos que vai suscitando, de modo a encontrar uma argumentação que possa ser válida e que nos possa convencer que não temos razão, ou, pelo contrário, dizer que temos razão e juntar a sua voz à nossa voz e acabar com uma medida errada, inadequada, injusta e incapaz.

Aplausos da ASDI, do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, durante a intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Ferreira de Campos, Oliveira e Sousa, Veiga de Oliveira, Borges de Carvalho e Mário Tomé.
Antes de conceder a palavra aos Srs. Deputados que a solicitaram, queria esclarecer o Sr. Deputado Magalhães Mota que não me considero no exercício das funções de Presidente da Assembleia da República, mas, tão-só, a substituir o Sr. Presidente da Assembleia da República que está em exercício na presidência desta reunião. Penso, portanto, que não me compete, nesta qualidade, desencadear o mecanismo de apreciação de inconstitucionalidade de qualquer norma previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição. O resultado
prático, todavia, pode conseguir-se, na medida em que peço aos Serviços de Apoio ao Plenário que me proporcionem uma fotocópia da primeira parte da intervenção de V. Ex.» para que o Sr. Presidente da Assembleia da República dela tenha conhecimento e se o entender conveniente, no uso da competência que a Constituição lhe confere, requerer a apreciação da inconstitucionalidade das normas por V. Ex.ªs citadas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, devo dizer-lhe que não deixei de o ouvir com uma certa surpresa, baseada no facto de eu esperar que V. Ex.ª fizesse incidir a sua intervenção no problema das avaliações extraordinárias. Constato, todavia, que toda a sua intervenção se centrou no problema, pura e simples, da actualização das rendas comerciais.
V. Ex.ª, de facto, não disse uma palavra sobre esse outro problema que a nós -conforme eu já referi - também nos preocupa. V. Ex.ª fez incidir as suas críticas sobre problemas que as avaliações fiscais, no regime estabelecido pelos decretos agora em apreço, provocam nas rendas de habitação e no urbanismo. V. Ex.ª falou e confrontou o problema da avaliação das rendas com o problema do controle dos salários, dizendo até que se deveria aplicar a mesma bitola, V. Ex.ª falou em inflação para alguns, falou em possíveis problemas decorrentes do sistema de preços declarados e da interferência que o regime de actualização poderia provocar nesse sistema. Ora, a pergunta que me surge com toda a naturalidade e faço-a com o mesmo sentido daquela que fiz ao Sr. Deputado Octávio Teixeira- e é a seguinte: mas então, Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª é contra as avaliações fiscais dos prédios destinados a fins não habitacionais? Nomeadamente, é contra a actualização da renda dos prédios destinados a comércio, indústria e profissões liberais?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pareceu-me que o sentido da sua intervenção era frontalmente contra qualquer tipo de actualização e não me consta que a sua bancada, ou mesmo qualquer grupo parlamentar nesta Assembleia, alguma vez tinha solicitado a suspensão das avaliações fiscais nos contratos para arrendamento não habitacional. Era este o sentido da minha pergunta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Certamente que o Sr. Deputado Magalhães Mota prefere responder no fim, visto que o seu grupo parlamentar já só dispõe de 4 minutos.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Exactamente, Sr. Presidente. Respondo no fim a todos os pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.
O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, pese o repto que fez na parte final da sua intervenção, porque a minha bancada se reserva o direito de entrar na discussão dos problemas de fundo no

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momento que entender conveniente, vou apenas colocar-lhe algumas dúvidas decorrentes da sua intervenção.
O Sr. Deputado tentou entrar no problema da habitação confundindo-o e misturando-o com a questão agora em apreço, ou seja as rendas de não habitação, e depois adiantou que este decreto-lei teria graves problemas urbanísticos. Ora eu pergunto-lhe como é que antes da vigência deste decreto-lei, que é de 1981 e cuja aplicação foi suspensa posteriormente, as Baixas de Lisboa e do Porto, as baixas das cidades, se viram cheias de actividades terciárias, ...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Foi com o terramoto!

O Orador: - ... relegando, inclusivamente, o pequeno comércio?
Não foi naturalmente por efeito deste decreto-lei e por isso não me parece correcto que o Sr. Deputado venha descarregar sobre ele consequências que dele não advêm.
Disse o Sr. Deputado Magalhães Mota que se pretendia uma igualdade de tratamento em relação a actividades que não eram iguais. Pergunto: como é que entende o facto de o decreto-lei em ratificação dizer claramente que as avaliações terão em conta o ramo de actividade? Não será que isso pressupõe que não serão tratados da mesma forma actividades altamente lucrativas e a pequena mercearia de bairro, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado, com uma certa ligeireza, pretendeu fazer crer a esta Câmara?
Finalmente, referiu o Sr. Deputado que este decreto-lei trazia consigo a liberalização dos arrendamentos comerciais. Acerca deste aspecto podia colocar-lhe, desde já, dois problemas. Primeiro: o arrendamento comercial, a renda de uma actividade lucrativa, é um factor de produção equivalente ao trabalho, aos salários, ao preço das matérias-primas e ao preço do capital e por isso o seu tratamento diferenciado é que parece ser algo de injusto. Segundo: este decreto-lei não permite de forma alguma a liberalização dos arrendamentos comerciais, na medida em que aponta para a indexação, para a fixação, dos aumentos possíveis dos arrendamentos comerciais a taxas que são claramente inferiores em vários pontos ao índice de inflação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, basicamente estamos de acordo com o seu voto contrário à permanência destes decretos-leis. Eles são de tal forma uma enormidade no plano económico, social e político que não merecem outro voto.
Entretanto, gostaria de lhe colocar algumas perguntas porque o Sr. Deputado dissertou - em alguma medida com o nosso acordo, noutra não - a respeito da necessidade de considerar todos os intervenientes nesta matéria para elaborar um regime justo. Até aí de acordo!
Depois comparou a liberdade de rendas com a liberdade de preços e até com a liberdade de salários. E aí começa uma pergunta que lhe quero colocar: é ou não verdade, Sr. Deputado Magalhães Mota, que sempre terá de se distinguir, nestas diversas situações, os factos que são inegáveis?
Neste caso há uma superoferta de trabalho, há, na prática, uma oferta ilimitada de produtos, e, quanto aos locais, essa oferta é limitada e neste momento até é altamente deficitária.
É ou não verdade, Sr. Deputado, que, por exemplo, quer em relação à habitação - e muito mais em relação à habitação porque é um direito -, quer em relação aos arrendamentos comerciais, sempre terá de se ter em conta que se me aumentam o preço do azeite eu posso pôr menos azeite na salada? Que se me aumentarem o preço das batatas eu posso comer menos batatas? Em resumo, que se me aumentam o preço dos artigos de que eu necessito para a minha vida posso apertar o cinto, mas que se me aumentam a renda da casa não posso viver em menos casa? Que se me aumentam a renda do estabelecimento comercial não posso ter outro mais reduzido?
É ou não verdade que estamos perante questões completamente diversas que nada têm a ver, no caso das rendas de casa, com o simples uso de um bem de produção e que também nada têm a ver com o simples factor de produção, mesmo quando se trata de arrendamentos de locais destinados ao comércio, à indústria ou ao exercício de profissões liberais?
Há ou não uma distinção fundamental entre preços de salários e arrendamento?
Há ou não uma distinção fundamental que faz com que não se possa considerar, de forma nenhuma, a inflação, num caso e noutro, ao mesmo título?
O Sr. Presidente: Borges de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito rapidamente, farei 3 perguntas ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
Em primeiro lugar, queria pedir-lhe que me esclareça sobre o que entende por regime geral do arrendamento rural e urbano.
Segundo, gostaria de saber se considera, como parece poder inferir-se da sua intervenção, que o regime proposto pelos decretos-leis ratificandos, nomeadamente o segundo, é um regime de liberalização de rendas ou se não é antes um regime comparável ao regime de preços de que V. Ex.ª falava.
Por último, partindo do princípio e da hipótese de os decretos ratificandos serem ratificados, mas ser também votada a sua suspensão, perguntava se V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar se disporiam a subscrever uma proposta de resolução suspendendo por igual período o direito de trespasse.

O Sr. Presidente: - Finalmente, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Si. Deputado Magalhães Mota, em primeiro lugar queria dizer que a UDP já aqui afirmou neste parlamento que para ser possível um governo elaborar tal legislação ou era constituído por gente com um raciocínio e um sentir monstruoso ou havia, de facto, uma outra razão bastante lógica, mas também ela monstruosa.
É por isso que eu quero dizer a V. Ex.ª o seguinte: não estou de acordo que não haja toda uma lógica muito clara e muito evidente nestes 2 decretos-leis. Eu penso que eles têm, de cima a baixo, uma grandessíssima lógica.
E essa lógica tem a ver com o seguinte: é que, de facto

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- e neste ponto também estou um bocado em desacordo com o que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira acabou de dizer -, a casa, local onde se exerce a actividade comercial, deve ser considerada um factor de produção. E a questão é essa, é que o pequeno e médio comerciante, para hipoteticamente poder suportar o aumento da renda que vai ser imposto de forma tão gravosa e tão intolerável, vai ser obrigado, para não morrer, para não deixar morrer a sua família, para não se atirar a um poço, a levantar os preços dos próprios artigos que tem em venda.
E é aqui que entra a grande lógica: a lógica do monopólio, a lógica do grande comerciante, a lógica da CCP, a lógica daqueles que fazem grandes supermercados
- que dão cabo da própria urbanização da nossa terra-, a lógica daqueles que destroem prédios criminosamente para aí erguerem grandes edifícios e grandes torres para os grandes escritórios das grandes empresas e das grandes multinacionais.
É esta a lógica intrínseca a estes 2 decretos-leis. É isso que leva os Srs. Deputados do CDS e do PSD, aqueles que ainda são capazes de defender esta legislação, a estar com ela, que os leva a estar em conluio directo com os interesses do grande comércio, dos grandes especuladores imobiliários.
Mas mais: o Governo sabe perfeitamente que do próprio aumento do valor da habitação e da renda comercial ou da destruição de determinada casa comercial e a sua substituição, a colocação de um grande supermercado ou de uma grande empresa comercial, o próprio Governo vai ganhar com isso directamente, em termos de impostos.
São estas as questões fundamentais, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Deputado Magalhães Mota, que estão em jogo com esses decretos-leis e que nos devem levar a batermo-nos, aqui dentro e lá fora, para que o movimento dos pequenos e médios comerciantes e industriais não permitem que decretos intoleráveis como estes passem.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota. Informo-o de que dispõe de 4 minutos.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Em primeiro lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria agradecer ao Grupo Parlamentar da UEDS que me cede algum do seu tempo para que eu possa dar uma resposta, quanto possível completa, a todos estes pedidos de esclarecimento.
Dirigindo-me a V. Ex.ª, Sr. Presidente, creio que tem razão na interpretação que formulou e, como tal, aproveitaria a sua sugestão e dirigiria um ofício ao Sr. Presidente da Assembleia da República pedindo-lhe para suscitar o problema da inconstitucionalidade e, portanto, até poderia, mais largamente, fundamentar a argumentação que oralmente tive ocasião de expor.
Quanto ao Sr. Deputado Ferreira de Campos, gostaria de lhe dizer que já há pouco, no seu pedido de esclarecimento, pareceu existir uma confusão entre 2 conceitos de avaliação fiscal. Uma coisa é a avaliação fiscal ordinária, que se verificava em 5 anos e que tinha uns critérios de avaliação, outra coisa é a avaliação fiscal extraordinária, que agora é resolvida pelos diplomas a ratificar e que têm critérios que, inclusivamente, são retroactivos porque partem de situações que se foram desenvolvendo ao longo do tempo e que antes não tinham sido considerados em termos do processo normal de avaliações.
Creio que se fizer essa distinção não lhe será difícil compreender a justeza dos raciocínios que são contra os diplomas sujeitos a ratificação.
O Sr. Deputado Oliveira e Sousa disse-me, em primeiro lugar, que as rendas comerciais não têm nada a ver com a habitação. Ora a verdade, Sr. Deputado, é que, como certamente não ignora, o que este diploma fez foi equiparar a arrendamentos comerciais todos os arrendamentos que não eram para habitação. E foi por isso que se fizeram avaliações em relação a associações de moradores, em relação a associações recreativas e culturais, em relação, até, a capelas e associações religiosas.
Quer isto dizer, portanto, que foram os diplomas cuja ratificação estamos a discutir que equipararam a arrendamentos comerciais e que consideraram valores sempre lucrativos e sempre valores comerciais em todos os arrendamentos, mesmo naqueles que obviamente não têm nenhum interesse lucrativo nem comercial.
Quanto à situação na Baixa de Lisboa e do Porto - e nas baixas de outras cidades -, certamente que o Sr. Deputado não ignora que foi precisamente o mesmo tipo de política, o mesmo tipo de lógica, que leva a privilegiar, em termos de situação do proprietário do imóvel, o arrendamento comercial, que leva à desertificação dos espaços centrais, que leva à eliminação das pessoas com menores recursos desses centros e que - já agora que estamos a falar de uma política de habitação em geral - leva também para a periferia das grandes cidades as pessoas de menores recursos.
Relativamente ao tratamento igual de actividades diversas, já lhe respondi. O que procurei demonstrar foi que na vossa própria lógica, ou seja, dentro da lógica que poderia estar subjacente a uma medida destas, se quiserem considerar a renda como factor de produção, então teriam de considerar do mesmo modo e no mesmo pé de igualdade as outras situações e então não poderiam nem deveriam controlar os preços nem controlar os salários e outros factores de rendimento.
Ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira diria que a nossa discordância é em relação a alguns pontos concretos. Direi, no entanto, que considero tão essencial como a habitação os preços de alguns produtos essenciais, em que também - porque são essenciais - não há a mesma disponibilidade nem a mesma possibilidade de encontrar alternativas que o Sr. Deputado focava e que também em relação aos salários essa mesma situação se verifica.
É por isso que estas situações não se resolvem dentro de uma lógica de pura economia de mercado. É por isso que estas situações só se resolvem tendo em consideração não princípios puramente economicistas, mas princípios que tenham em conta a liberdade dos homens, a sua dignidade e a justiça que lhes devemos.
Quanto ao Sr. Deputado Borges de Carvalho, creio que será fácil verificar que disposições que tornam possível a actualização de rendas nos arrendamentos destinados a comércio, indústria, etc., através de índices anualmente pré-fixados em portarias, que, portanto, estabelecem um regime geral de actualização de rendas e que revogam, portanto, disposições legais anteriormente existentes sobre a matéria só pelo número de alterações e de inovações que contêm, são de facto alterações que contendem com o regime geral do arrendamento urbano.

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Creio que isto é perfeitamente evidente e é por isso que este diploma contende com a nossa reserva legislativa desta Assembleia na matéria do regime geral do arrendamento urbano e rural.
Em relação ao regime de os diplomas ratificados ser um regime de liberalização ou de controle, direi que, por falta de coragem política, os sucessivos diplomas foram introduzindo sucessivas correcções e não são neste momento uma coisa nem outra. A sua ambiguidade é também, precisamente, um dos factores que eu critico.
Quanto a se estou disposto a subscrever uma medida de suspensão do direito de trespasse, não é propriamente este direito que está em causa. O que eu estaria, por exemplo, disposto a subscrever seria uma medida semelhante àquela que existe noutras legislações, em que o proprietário do imóvel trespassado tem o direito de considerar que o novo inquilino começou uma situação nova e, portanto, a sua renda deve ser resultante de uma avaliação.
Esse tipo de medidas estaria, com certeza, disposto a subscrever.
Em relação ao Sr. Deputado Mário Tomé, penso que também procurei demonstrar que, apesar da sua ilogicidade, havia dentro deste tipo de medidas uma lógica própria - é com certeza a da economia de mercado, é com certeza a de economicismo - e creio que também ela acaba por ser, afinal, a imposição de uma série de medidas injustas, ainda por cima pretendendo ser feita sob a capa da boa consciência, visto que invoca a liberdade do parceiro.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado gastou todo o tempo da ASDI e 3 minutos da UEDS.

Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Deputado, faria o meu protesto contra uma utilização que me parece abusiva das suas palavras ao classificar o regime que se pretende instituir para os arrendamentos comerciais. Isto porque o que temos, claramente, nestas leis - e elas podem ter sido sucessivas, mas neste momento constituem um todo- é um regime de indexação, inclusivamente no sistema de aproximação que elas possam ter, de uma renda inicial até uma renda que se considerasse aceitável, em termos do decreto-lei. Portanto isso, para mim, é exactamente o contrário da liberalização.
Referindo-se às palavras do Sr. Deputado Borges de Carvalho, o Sr. Deputado Magalhães Mota disse que, ^afinal, o sistema não era nem uma coisa nem outra, mas 'quando se referiu ao meu pedido de esclarecimento deu a entender claramente que estava num regime de liberalização que era totalmente diferente do dos preços condicionados ou dos tectos salariais. Ora o que se verifica é que, de acordo com os diplomas agora em ratificação, temos um controle muito mais apertado da alteração das rendas comerciais do que o sistema de controle dos preços ou dos salários.
Um outro aspecto deste meu protesto refere-se à sua alusão a que estes diplomas agora em ratificação equiparam -o que, aliás, é uma tradição do direito português - as actividades comerciais, industriais ou de profissão liberal, ou seja, as actividades não residenciais
lucrativas, com actividades não residenciais não lucrativas.
É um facto -admito que seja passível de contestação-, mas é um facto, e do que me admiro é que o decreto-lei que fixou precisamente esse regime, e que foi o Decreto-Lei n.º 189/82, de 17 de Março, seja o único a não ter sido objecto de pedido de ratificação de entre este conjunto de 3 decretos-leis que regulam o sistema de arrendamentos comerciais, donde se conclui que essa ideia de equiparar arrendamentos de fins lucrativos com arrendamentos de fins não lucrativos foi aquela que não mereceu outras objecções da parte de nenhum dos grupos parlamentares que requereram outras ratificações, o que estranho bastante.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Deputado, creio que o que está em causa é que estas medidas se foram traduzindo num contexto de avanços e recuos e, neste momento, continuo a dizer que elas não são nem uma coisa nem outra. Mas enquanto o regime de preços é de facto um regime muito próximo do controle total, o regime das rendas comerciais é muito mais próximo da liberdade total. V. Ex.ª o que não encontra é uma possibilidade de os mesmos comerciantes, que sofrem este tipo de aumentos de rendas, aumentarem os produtos que vendem na mesma proporção. Eu direi que ainda bem, mas direi também que a lógica é só uma e, portanto, implicaria que ela fosse levada até às suas últimas consequências.
Já agora aproveitaria para responder ainda a uma outra questão que há pouco me formulou e a que, por lapso, não respondi.
Quando o Sr. Deputado me diz que só estão em causa medidas de avaliação e não está em causa uma política de habitação, devo dizer-lhe que creio que o que está em causa é, precisamente, uma política de habitação. E então, se estas medidas não tivessem em vista sequer uma política de habitação,...

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Não é uma política de habitação, poderá ser uma política da construção em geral.

O Orador: - Mas a construção visa uma política de habitação...

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Também!

O Orador: - ... e se estas medidas, que são erradas e inadequadas, repito aquilo que disse, não tivessem em vista ao menos uma política de habitação, então o Sr. Deputado estaria a confessar, e não lhe faço essa injustiça, que essas medidas eram, pura e simplesmente, uma forma de perseguição em relação aos comerciantes. Não creio que seja isso.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, é para fazer um protesto em relação às afirmações do Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quero prestar um breve esclarecimento. É que é abusivo da parte do Sr. Deputado dizer que o não se ter chamado à ratificação os decretos-leis posteriores ao Decreto-Lei n.º 330/81 implica que se está de acordo com esses mesmos decretos-leis, nomeadamente com o Decreto-Lei n.º 189/81.
Sr. Deputado, é evidente que ao chamar-se a ratificação, e, portanto, a pretender-se a sua alteração, o Decreto-Lei n.º 330/81, como fez o meu grupo parlamentar, isso implica que os outros decretos-leis, inclusivamente aquele que o Sr. Deputado referiu, sejam alterados por arrastamento. Daí, o Grupo Parlamentar do PCP não ter sentido necessidade de ter chamado a ratificação o segundo decreto-lei, que se relaciona com este, mas unicamente este, porque, ao fazê-lo, isso evidentemente implica a alteração de toda a legislação. Isto é lógico e entra pelos olhos dentro, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Ele não sabe! Não percebe!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa, para responder ao protesto.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, da prática que tenho nesta Câmara não sou tão ignorante em matéria de leis que não verifique que se, por exemplo, não fosse concedida ratificação ao Decreto-Lei n.º 330/81 e, portanto, ele desaparecesse, desapareceriam aqueles que remetem para ele. Simplesmente, se por acaso for concedida essa ratificação com alterações não se altera nem é possível alterar, de modo algum, o princípio contido no Decreto-Lei n.º 189/82 de extensão a todas as actividades não residenciais.

Vozes do PCP: - É, é!

O Orador: - E finalmente, se por acaso os seus argumentos fossem tão límpidos, porque é que a sua bancada chamou a ratificação o Decreto-Lei n.º 382/82, que também remete para o Decreto-Lei n.º 330/81? Parece que, afinal, o processo não é tão líquido como a Sr.ª Deputada queria dizer e, afinal, não entra tanto pelos olhos dentro!

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.
Se eu pedisse à Mesa a palavra para um protesto em relação aquilo que o Sr. Deputado Oliveira e Sousa acaba de dizer, obviamente que me não seria dado esse direito e haveria toda a razão para isso.
O mesmo não se passou, porém, em relação à Sr.ª Deputada Zita Seabra, que fez um protesto em relação a um contraprotesto do Sr. Deputado Oliveira e Sousa. Evidentemente que não contesto a generosidade de V. Ex.ª, nem seria por falta de consenso da minha parte que a Sr.ª Deputada deixaria de usar da palavra. No entanto, como o Regimento foi ultrapassado, não quero deixar de assinalar o facto, para o caso de eu próprio me ter que valer dos mesmos direitos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Foi um privilégio!...

O Sr. Presidente: - Entendo que o Sr. Deputado tem toda a razão. Já tinha intenção de pedir aos Srs. Deputados para não utilizarem figuras regimentais que, depois na prática, se revelam não justificadas.
Quem está a presidir à reunião não pode saber a priori, se o deputado que pede a palavra para um protesto vai ou não fazê-lo. Só no fim é que pode fazer esse juízo. Às vezes é preferível não chamar a atenção para esse facto, mas tem-se verificado, nesta reunião, que figuras regimentais são abusivamente invocadas.
Peço, pois, aos Srs. Deputados que, no seu próprio interesse, não invoquem o Regimento a não ser quando efectivamente pretendam usar da palavra de acordo com esse mesmo Regimento.
Srs. Deputados, está inscrito em seguida, para usar da palavra, o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca. Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O arrendamento dos estabelecimentos destinados a comércio, indústria ou profissões liberais não pode ser dissociado de todo um contexto criado em consequência da degradação acelerada da situação do País devido à submissão dos governos AD aos grandes interesses dos grupos de pressão económica.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Faça-lhe bom proveito!
Em todos os sectores da vida portuguesa existem profundas preocupações provocadas pela inoperância de que a AD e os seus governos deram provas nestes últimos e penosos 3 anos.
Tornou-se já um perigoso lugar comum citar os elevados ritmos inflacionários -os mais altos da Europa - e referir-se o constante agravamento do custo de vida dos Portugueses. Já entrou nos hábitos da população verem-se os responsáveis governamentais, na TV, na rádio, na imprensa, referirem os défices orçamentais e as dívidas ao estrangeiro como se isso constituísse uma fatalidade à qual nos temos de habituar.
A verdade, porém, é bem diferente: o custo de vida agravado, a inflação imparável, os défices das nossas transacções e os défices do Orçamento ficam a dever-se a uma prática governativa que não tem considerado os interesses nacionais. Seria fácil escalpelizar, aqui, os actos dos governos AD, mas a exiguidade do tempo atribuído ao meu partido não o permite.
No entanto, e como já o dissemos, temos de inserir o arrendamento das casas comerciais e as razões que o determinaram numa problemática mais alargada.
Quando os senhores governantes referem como razão principal para todos os males a conjuntura económica internacional e citam as quebras do dólar até para justi-

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ficar os aumentos nas cenouras e nas alfaces, bom é recordar como os governos da AD têm concorrido para a paralisação dos centros motores da nossa economia.
Srs. Deputados, tentar isolar o problema causado pelos arrendamentos dos estabelecimentos comerciais de todo o contexto sectorial em que se insere é um errado exercício que nos recusamos a aceitar.
Ao pôr em prática decretos-leis incorrectos, arbitrários, como os que hoje aqui debatemos, o Governo, na sua ligeireza e mediocridade legislativa, concorre uma vez mais e decisivamente para o agravamento de um sector já duramente atingido pelas circunstâncias que rodeiam o pequeno comércio.
Parece plausível admitir que ao aumento exagerado das rendas, como está acontecer, sucederá um aumento da globalidade dos produtos comercializados, principalmente dos bens de consumo imediato. Bastaria analisar superficialmente os altos custos da aplicação destas leis para que imediatamente se lhe colocasse um travão. E quem, se não esta Câmara, Srs. Deputados, está em melhor posição para emendar o que nasceu torto e torto permanece?
Srs. Deputados, antes de nos embrenharmos na teia da legislação do inquilinato comercial talvez convenha recordar o que tem sido a política habitacional, a política de solos, a política de crédito e a política de investimentos levada a efeito pelos tristonhos governos da AD, que nos invadiram com decretos-leis, portarias, despachos normativos, enfim, numa prática legislativa que nos faz recordar idênticos processos anteriores ao 25 de Abril.
Todos se recordam das promessas eleitoralistas da AD no tocante à habitação. Para a conquista de votos não se hesitou em salientar que o problema habitacional constituiria a prioridade das prioridades.
Pois bem: desde que a AD atingiu a governação, o que fez de concreto?
Paga as promessas devidas ao povo português? Nada disso. O que aconteceu e o que acontece, foi a opção de lançar sobre a iniciativa privada a responsabilidade fundamental da produção da habitação no País, desincentivando a produção via estatal e não apoiando completamente a via cooperativa. Por outro lado, resolveu há mais de l ano desmantelar o Fundo de Fomento de Habitação, único organismo estatal capaz de promover o desenvolvimento habitacional do País.
Esta opção relegou para plano secundário o caminho que deveria ser seguido: a construção de casas promovida principalmente pelo Estado e pelas cooperativas como garantia de se obterem anualmente mais habitações, sem lucros especulativos para os promotores.
Paralelamente à errada política da promoção de habitações, os governos AD adoptaram também uma política incorrecta de crédito, inacessível à esmagadora maioria da população.
Outro aspecto que se interliga com a aplicação dos decretos-leis hoje chamados a ratificação é o dos terrenos, ou seja, a política de solos, que favorece inteiramente a utilização especulativa dos solos urbanos.
Esta medida reveste-se de particular gravidade, uma vez que se deixou de considerar que os solos urbanos deveriam ser excluídos do processo especulativo e ficarem na posse da Administração Pública, embora pudessem ser utilizados por entidades privadas em regime de direito de superfície.
O que actualmente acontece com os terrenos atinge as raias do inacreditável. Em Lisboa, por exemplo, em
certas zonas o metro quadrado de terreno chega a ser mais caro do que os preços praticados em muitos países altamente industrializados e muito mais ricos do que o nosso.
Logo que o solo é reconhecido como próprio para urbanizar, cedo os meios especulativos e intermediários fazem subir os preços vertiginosamente de forma incomportável e injustificada. Permite-se a venda de terrenos municipais em posse plena. Quanto ao crédito, todos sabem as extremas dificuldades para se obter empréstimos destinados à construção ou para a aquisição de habitação própria.
No domínio da política de rendas tem-se favorecido ainda os senhorios, com manifesto e sistemático prejuízo dos inquilinos. Como exemplo dessa acção pode citar-se legislação sobre o arrendamento de novas casas e o novo arrendamento destinado a comércio, indústria ou profissões liberais e ainda o decreto sobre novas disposições relativas a transmissão do regime de preferências dos contratos de arrendamento urbano por morte do arrendatário.
Srs. Deputados, o rápido quadro que apresentei faz parte do pesadelo que os governos da AD fizeram recair sobre os Portugueses. Esse quadro serve para melhor se compreender o alarme que atingiu os cerca de 220000 pequenos comerciantes existentes em Portugal.
Esse alarme é justificado, tanto mais que, segundo o Movimento dos Pequenos e Médios Comerciantes e Industriais, «se verifica, neste momento, uma escalada por parte de senhorios sem escrúpulos, que se aproveitam das facilidades que as novas leis proporcionam».
Não se julgue, contudo, que os comerciantes estão contra a revisão, dentro dos limites do razoável, dos arrendamentos em vigor. O que pretendem, e nós damos-lhes inteira razão, é a definição clara dos critérios a adoptar e não deixar ao livre arbítrio de comissões de avaliação o quantitativo das rendas a pagar.
A confusão na legislação é patente e dela se servem senhorios que não têm pejo em pedirem aumentos nos arrendamentos que atingem verbas proibitivas, aliás, aumentos que são fomentados pelo próprio Ministério das Obras Públicas, que fez publicar anúncios na imprensa nesse sentido.
A preocupação no meio dos comerciantes é evidente e tem-se manifestado de variadas formas. Essa preocupação expressa-se principalmente pela constatação do cada vez mais baixo poder aquisitivo por parte da população e pelas margens de comercialização, que não chegam para pagar aos senhorios as rendas que ora exigem.
Como é do conhecimento geral, o panorama comercial português, nomeadamente dos pequenos comerciantes, não é brilhante. Não há uma ordenação do sector capaz de equilibrar as distorções existentes. Aí podemos encontrar uma das principais razões para a grave situação, quase de ruptura, que existe. Situação essa agravada por outros factores de peso, como os exagerados preços dos produtos a comercializar e pela inglória luta travada contra um circuito de distribuição onde predomina intermediários bem protegidos pelos governos AD, para os quais só o lucro fácil importa.
Mesmo assim, porém, os comerciantes estão de acordo em que as rendas devem ser revistas, mas receberam com grande apreensão as leis ora em debate no pedido de ratificação a que foram sujeitos.
Srs. Deputados, os decretos-leis sobre arrendamentos

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comerciais são lesivos e ao porem-se em prática concorre-se decisivamente para o agravamento da especulação desenfreada e também para o aumento do índice inflacionário.
A inexistência de critérios claros a adoptar pelas comissões de avaliação está a provocar por todo o País situações pouco normais, a necessitarem de reflexão e, talvez, de rápidos inquéritos para esclarecimento público sobre o comportamento dessas comissões.
Estas palavras vêm a propósito de factos já apontados, como os que dizem respeito à atribuição de rendas exorbitantes e, em alguns casos, bastante superiores ao pedido pelos próprios senhorios.
É evidente que não seremos nós que recusaremos razões a muitos dos senhorios que lutam, eles também, com sérias dificuldades. Achamos que deve existir um regime de arrendamento justo que contemple todos os interesses.
Por certo, Srs. Deputados, que todos estaremos de acordo perante a estranheza que causam alguns pedidos formulados por senhorios e alguns exemplos já foram apontados aqui. Cito, a propósito, uma declaração escrita pela Confederação Geral do Comércio, que aponta pedidos de rendas superiores a 2000% a 3000%.
O que não aceitamos, isso nunca, é o mero jogo especulativo, só possível pela cobertura dada por governos como os dos últimos 3 anos.
Srs. Deputados, já não há sentido das realidades. Certos senhorios aproveitam-se das lacunas das leis para avançarem com exigências especulativas a que tem de se pôr travão imediato.
Mais estranheza causa o papel desempenhado pelas comissões de avaliação, entregues a si próprias, sem qualquer parâmetro que determine a sua actuação. Assim, tem-se verificado uma acção pelo menos controversa, geradora de conflitos e de profundas preocupações. Não são de aceitar posições como aquelas que já foram citadas e que posso reforçar com mais um apontamento, como é aquele do comerciante que, pagando 16 contos mensais, viu o senhorio exigir-lhe 60000$, para a comissão de avaliação lhe entregar 90 contos mensais. À luz de que critério, Srs. Deputados, estas verbas são encontradas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que se passa é o arbítrio completo.
Não há um critério seguro baseado em elementos concretos, uma vez que estes foram substituídos por elementos subjectivos.
Perante esta situação, que se deve fazer para minorar os problemas já criados?
A solução única que encontramos para o problema provocado pela irresponsabilidade governamental seria a não ratificação, ou seja, a revogação pura e simples, dos Decretos-Leis n.º 330/81 e 392/82, mantendo-se em vigor a anterior legislação. Posteriormente, elaborar-se-ia sobre a matéria nova lei mais consentânea com as realidades, sem alçapões, límpida e impeditiva de especulações.
Na elaboração da lei deveriam ser tomadas em consideração as posições das 3 partes interessadas: comerciantes, senhorios e Estado.
Só assim se poderá legislar com consciência, e não como o governo AD procedeu, em defesa apenas de interesses de minorias que colidem com os interesses de centenas de milhares de comerciantes de todo o País.

Aplausos do MDP/CDE, do PS e do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, o relógio da Assembleia da República, que está manifestamente adiantado, indica que estamos a chegar ao termo do período regimental. Eu chamava a atenção do Sr. Presidente para a circunstância de nós termos apresentado na Mesa um requerimento em que, no uso dos direitos regimentais do nosso Grupo Parlamentar, pedimos que se proceda à votação antes do termo da sessão.
Portanto, como já são 8 horas, teríamos que discutir agora qual é o termo da sessão: se terminamos às 20 horas ou se continuamos até se esgotarem todos os tempos ou até poder intervir um orador de cada um dos partidos que ainda não usaram da palavra. A nossa sugestão era que continuássemos até poderem usar da palavra os oradores dos partidos que ainda o não fizeram e que depois terminássemos a sessão. E então pedíamos também ao Sr. Presidente e aos grupos parlamentares que nos garantissem o direito de exercermos a reclamação da votação logo que terminasse o uso da palavra pelos oradores dos partidos que ainda o não fizeram.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, eu ia exactamente levantar o problema que acaba de referir. Há, efectivamente, um requerimento na Mesa, assinado por deputados do PCP, a requerer a votação no final desta sessão e verificamos que estão inscritos neste momento os Srs. Deputados Ferreira de Campos, Mário Tomé, Borges de Carvalho, Aquilino Ribeiro Machado, Sousa Gomes e António Vitorino.
A Mesa gostaria de saber se todas as inscrições se mantêm e se há ainda mais inscrições, porque, sendo, assim, é evidente que, para respeitar o plano estabelecido, consideramos mais conveniente que a sessão seja interrompida e que continue depois de jantar.
A sessão poderá, todavia, continuar até ao fim se os grupos parlamentares se entenderem no sentido de reduzir o número ou o tempo das intervenções por forma a que a sessão possa acabar no máximo até às 9 horas e poucos minutos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, dá-me a impressão que, considerando o número de inscritos, o ideal seria que se fizesse um acordo no sentido de prolongar a sessão ata às oito e meia, visto que a minha bancada pretendia, efectivamente, exprimir-se - e iremos ocupar aproximadamente S minutos. Admitindo que os outros inscritos se demorarão um pouco mais, penso que, se houver consenso, o termo às oito e meia seria suficiente, com a condição de que se faria a votação nessa altura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se todos estivessem de acordo com uma prorrogação imediata até às oito e meia e se nessa meia hora os representantes dos grupos parlamentares se entendessem numa plataforma que pudesse resolver definitivamente as nossas questões, penso que isso seria mais conveniente do que estarmos a

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resolver questões processuais através de um debate em plenário.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com efeito, o nosso grupo parlamentar, dispondo de 45 minutos, tinha inscrito os Srs. Deputados Aquilino Ribeiro Machado e Sousa Gomes para fazerem ainda intervenções. Mas na medida em que o Grupo Parlamentar do PCP tem direito a que se faça, ainda hoje e até ao final desta sessão, a votação da ratificação - assim como nós, pois somos também autores de um pedido semelhante -, nós prescindiremos das nossas 2 intervenções se se seguir o seguinte critério: os grupos parlamentares que ainda não usaram da palavra fá-lo-iam uma só vez e os grupos parlamentares que já utilizaram a palavra prescindiriam de inscrever novos oradores.
Nestas condições penso que é possível terminar a sessão ainda antes das 21 horas e votar o pedido de ratificação.
Nestas circunstâncias não me parece muito correcto estarmos a dizer que temos que terminar às oito e meia porque não temos a certeza se isto levará mais algum tempo. Portanto, utilizaríamos critérios objectivos e não privaríamos nenhum grupo parlamentar de dar o seu ponto de vista. O que não haveria era uma segunda inscrição, além de poder haver, inevitavelmente, pedidos de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sucedem-se as inscrições e confesso que este não é um método que me agrade muito. Preferia, em princípio, interromper a sessão para que se realizasse o acordo noutras circunstâncias, mas, já que assim se está a proceder, não me resta outra alternativa.
Estão inscritos os Srs. Deputados Borges de Carvalho e Lopes Cardoso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para nós o problema é este: há tempos atribuídos e, dado o número de oradores inscritos, por mais economia de tempo que seja feita por cada um deles não chegamos, com certeza, às oito e meia com todas as intervenções feitas.
Nesta conformidade, e uma vez que não há, segundo parece, consenso para prolongar a sessão para além das oito e meia, teríamos que votar imediatamente. Não creio que possa haver outra solução.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu não queria reeditar aqui uma discussão que já se travou em torno deste mesmo problema quando discutimos aqui o problema de elevação de Vizela a concelho e em que acentou neste princípio, que tinha sido assente na reunião dos grupos parlamentares: a fixação de tempos pressupunha que, sem prejuízo do direito do partido que fixou a ordem de trabalhos, cada grupo parlamentar
pudesse usar o tempo de que dispunha. Senão deixa de fazer qualquer sentido a marcação de tempos.
Não obstante, há um ponto em que eu dou razão ao Sr. Deputado Borges de Carvalho. Eu também não acredito que até às oito e meia, mesmo por muito parcos que sejam os oradores que estão inscritos, se conclua a sessão.
Pela nossa parte estamos abertos, sem prejuízo do direito que cabe ao Partido Comunista e ao Partido Socialista, como responsáveis que são pelo agendamento desta matéria, a prosseguir na discussão sem interrupção ou interrompendo. Pela nossa parte não contribuiremos para prolongar demasiadamente o debate.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, como fui eu que falei no prazo das oito e meia retiro essa proposta e proponho que se continue o debate com os oradores que estão inscritos, mas que, de qualquer modo, se vote logo que esses oradores terminem as suas intervenções.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há propriamente uma posição unívoca dos grupos parlamentares. Penso que poderia fazer a seguinte proposta, que talvez se situe o mais possível dentro das opiniões que foram manifestadas: há 5 grupos parlamentares que ainda não se manifestaram e se houver acordo no sentido de que cada um desses grupos parlamentares fale por um tempo máximo de 10 minutos -o que somará 50 minutos-, com a eventualidade de poder haver algumas perguntas e respostas que eu pedia que fossem evitadas ao máximo, nós poderíamos terminar a reunião às nove e meia. Assim valeria a pena não fazer interrupção para o jantar e a sessão terminaria exactamente a essa hora.
É esta a proposta que faço. Se todos estiverem de acordo darei a palavra sucessivamente a cada um dos partidos que ainda não falaram e no final proceder-se-á à votação.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pela nossa parte damos o nosso acordo, mas isto para nós não constitui precedente porque não estamos dispostos a ver prejudicados os tempos que nos foram atribuídos por interrupções que outros grupos provocaram, no exercício de um direito legítimo, ao funcionamento desta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa é uma questão que talvez tenha cabimento na próxima conferência dos grupos parlamentares em que forem marcados os tempos dos debates.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, eu queria declarar o nosso acordo à parte da sugestão apresentada por V. Ex.ª. Em todo o caso não poderíamos renunciar a fazer pedidos de esclarecimentos nem protestos. Naturalmente que nos vamos coibir de os fazer e só o faremos nos casos em que tal se justifique, mas pensamos que não podemos prescindir desses direitos regimentais.
Por outro lado, queria também esclarecer que o agendamento é só do PCP. Os pedidos de ratificação são, de facto, do PCP e do PS, mas o agendamento da sessão de hoje é só do PCP e só nós é que temos o direito de exigir a votação.
Concluindo, nós aceitamos um limite para o termo dos trabalhos, muito embora tenhamos em conta as condições feitas pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, mas não podemos aceitar que se eliminem os direitos de pedidos de esclarecimento e de protesto, que são a vida do debate parlamentar.

O Sr. Presidente: - Sr.. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª está exactamente de acordo comigo. Eu não pedi que se cortassem esses pedidos de esclarecimento, mas, sim, que os limitassem ao indispensável.
E podemos então continuar o debate com a intervenção do Sr. Deputado que primeiro está inscrito e que è o Sr. Deputado Ferreira de Campos.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A indexação do aumento de rendas nos arrendamentos para comércio e indústria é já uma velha aspiração, não só dos senhorios e dos arrendatários, como de todos os profissionais do povo mais ligados aos problemas de arrendamento.
Havia um sentimento generalizado de autêntica frustração sempre que chegava o momento em que legalmente as rendas comerciais e industriais ou para o exercício de profissões liberais podiam ser aumentadas e as partes interessadas, senhorios e inquilinos, se viam confrontados com a necessidade de se socorrerem dos critérios previstos no Decreto n.º 37 031, de 21 de Agosto de 1948, e que eram fundamentalmente os seguintes: a área e prédios, o tipo de construção, a localização, quaisquer obras de melhoramentos ou benfeitorias, exceptuando-se o aumento do valor lucrativo resultante da clientela obtida pelo arrendatário ou de obras não feitas, nem pagas, pelo senhorio, e, finalmente, os demais factores que devessem concorrer para a fixação do justo valor.
Como se verifica, esses critérios não tinham natureza matemática e colocavam nas mãos dos elementos da respectiva comissão de avaliação um poder praticamente incontrolável, pois fundamentava-se em juízos de natureza predominantemente subjectiva.
Por isso mesmo já então se admitia recurso da decisão para uma comissão de recurso que funcionava como de 2.ª instância e que, em obediência aos mesmos critérios, julgava definitivamente o pedido de avaliação.
Até 1973, todavia, e como é sabido, verificou-se que na prática a conjugação daqueles factores, nomeadamente os de maior estabilidade, como a área, a localização e o tipo de construção, conduzia quase que invariavelmente a um aumento de renda de cerca de 20% num período mínimo de S anos -salvo o caso de trespasse -, que mediava entre 2 avaliações, percentagem essa que, por outro lado, correspondia sensivelmente ao índice de inflação ocorrido nesse período.
Este aumento nunca levantou grandes objecções por
parte dos arrendatários, que, assim, mostraram compreender a razoabilidade de um acréscimo de rendas que correspondia sensivelmente ao índice de aumento de preços.
E tanto assim era que depois de 1973, e com o salto inflacionário ocorrido a partir de então, as comissões de avaliação fiscal previstas no Decreto n.º 37021 passaram a atribuir às avaliações fiscais entretanto requeridas para correcção das rendas dos últimos S anos aumentos da ordem dos 100%, percentagem que correspondia sensivelmente ao índice de inflação do respectivo período.
Acontecia simplesmente que tais aumentos resultavam de um «prática usual» das ditas comissões e os inquilinos e senhorios continuavam a não saber, de ciência certa, com o que podiam contar quando uma avaliação era requerida.
Ò PSD pensa, pois, que é possível o princípio inovador do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, que possibilitou a actualização anual das rendas, através de índices fixados anualmente em portarias nos contratos de arrendamentos para comércio, indústria e exercício de profissões liberais celebrados a partir dessa data.
Assim, e em relação aos contratos de arrendamento celebrados a partir dessa data, ao mesmo tempo que se fixam critérios puramente matemáticos, e portanto perfeitamente clarificadores de aumento de rendas, que, aliás, na prática pouco diferem nos parâmetros a que as comissões e avaliação já nos vinham habituando, estabelece-se uma medida legislativa que, como se diz no preâmbulo do aludido decreto-lei, visa incentivar o investimento imobiliário. Além disso, parece de inegável justiça não permitir que uma grande parte dos rendimentos obtidos no comércio, na indústria e nas profissões liberais tenha uma acentuada correspondência na degradação ou desajustamento das rendas.
Era necessário, todavia, contemplar a possibilidade de aplicação deste novo diploma aos contratos de arrendamento que já vigoravam quando ele entrou em vigor, sob pena de se criarem desigualdades indesejáveis.
Assente o princípio de que, em relação a esses contratos, não de deveria possibilitar a aplicabilidade imediata do diploma, antes seria justo aguardar um período de 5 anos sobre a última avaliação, fixação ou alteração contratual da renda - salvo o caso de trespasse ou de cessão do direito ao arrendamento, hipóteses em que bastaria o decurso de 1 ano -, haveria então que prever uma avaliação fiscal extraordinária para corrigir a degradação do rendimento do prédio entretanto ocorrido nesse período, pois nenhum princípio moral ou jurídico justificava que a indexação anual de renda partisse já de uma renda degradada pelo facto de ela não ter sido actualizada nos moldes e termos em que até então tal actualização se vinha processando.
Eram esses, claramente, o espírito e a letra do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, e por isso bem se compreende a surpresa que causou, na maior parte das pessoas interessadas e atentas a este problema, o disposto no n.º 3 do Despacho Normativo n.º 75/82, de 22 de Abril, publicado no Diário da República, de 11 de Maio, quando aí se procurou fixar doutrina no sentido de que «nas avaliações fiscais extraordinárias deverá ter-se em conta unicamente o valor lucrativo dos imóveis resultantes do livre funcionamento do mercado, sendo irrelevante a renda praticada à data do pedido».
O Partido Social-Democrata verificou, pois, com agrado a clarificação do problema das avaliações fiscais

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extraordinárias trazido pelas alterações que o Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, introduziu ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, alterações em que também se empenhou profundamente.
Essas alterações representam um salutar retorno à pureza dos princípios que justificavam a avaliação fiscal extraordinária e nelas se vinculam as comissões de avaliação àqueles antigos critérios e parâmetros do Decreto-Lei n.º 37021, aos quais se acrescentam agora mais dois: a renda antiga e o ramo de actividade.
Extremamente positiva se considera também a possibilidade de se diluírem consideravelmente no tempo aumentos de renda superiores ao dobro da renda anterior, por um mecanismo mais maleável e mais favorável ao arrendatário do que aquele que era previsto na Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É só facilidades!

O Orador: - O Partido Social-Democrata quer deixar aqui muito claramente expresso que, no seu entender, a avaliação fiscal extraordinária prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, na redacção que lhe deu o Decreto-Lei n.º 392/82, e respeitante aos arrendamentos não habitacionais já existentes antes da sua entrada em vigor, visa exclusivamente corrigir a degradação das rendas nos últimos 5 anos, ou no último ano, no caso de trespasse, sofridas pelo seu desajustamento aos factores correctivos previstos no actual n.º 3 do seu artigo 4.º daquele primeiro diploma, ou seja, a localização, a área do prédio, o tipo de construção e estado de conservação, as obras, melhoramentos e benfeitorias que se hajam integrado no prédio sem direito a indemnização do arrendatário, os valores praticados na zona, a renda antiga e o ramo de actividade.
A avaliação fiscal extraordinária não pode, pois, funcionar, como processo ínvio e ilegítimo de fazer equiparar, pura e simplesmente, as rendas antigas às rendas dos prédios que pela primeira vez vai sendo lançado no mercado livre de arrendamento. Assim não é permitido, quer pelo claro espírito que esteve na base do Decreto-Lei n.º 330/81, quer pela clara letra deste Decreto-Lei n.º 392/82.
Pensa, pois, o Partido Social-Democrata que os casos que vêm sendo veiculados pelos órgãos de comunicação social e pelas diversas associações de comerciantes, de avaliação de rendas não habitacionais com aumentos aparentemente exagerados, além de ainda não terem sido objecto de reapreciação pela comissão de recurso, não terão tido na devida conta os limites legais a que a respectiva comissão de avaliação deve obediência.
Tratar-se-á, assim, não de inadequação da lei para atingir os fins a que se propõe, mas antes de indevida actuação daqueles a quem se incumbe a série e sagrada tarefa de a fazer cumprir.
Não obstante assim pensar, o Partido Social-Democrata está evidentemente aberto a considerar a eventualidade de, em sede de comissões especializadas, e se esta Câmara entender que a ela devem baixar os diplomas em apreço, lhes introduzir as alterações necessárias a melhor explicitar o entendimento que deles temos e eventualmente melhor garantir que não sejam objecto de distorções indesejáveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem em primeiro lugar, a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado Ferreira de Campos começou por dizer que esses decretos-leis foram recebidos com uma grande alegria no País. A partir de agora, os inquilinos que andavam a reivindicar por amor de Deus que lhes aumentassem as rendas ficaram contentíssimos...

Risos do PS.

... porque, finalmente, o governo da AD foi de encontro aos seus anseios e aumentou-lhes as rendas.
Mais: para mostrar a alegria que isso motivou no País ainda veio com um segundo argumento, ainda disse que daqui para o futuro os inquilinos passavam a saber quanto é que eram aumentados. Era um alívio!

Risos do PS.

Um camarada da minha bancada contou esta história que eu acho que se aplica inteiramente a este caso: «é um alívio igual ao daquela pessoa que está presa e que tem a certeza da pena: é condenada à morte». É um alívio, Sr. Deputado, pois, ao menos, já sabe com que conta - cadeira eléctrica.

Risos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, não é nada disso!

A Oradora: - Creio que as situações se equiparam, pois foi mais ou menos com essa alegria que estes decretos-leis foram recebidos no País.
Mas, pelo menos, o Sr. Deputado teve uma vantagem. À pergunta que o PCP tinha feito sobre quem reivindicava estes decretos-leis, sobre quem terá ficado satisfeito com a saída de legislação tão lesiva dos interesses de tantos, foi respondido pela intervenção do Sr. Deputado Ferreira de Campos. Pelo menos o Sr. Deputado e o PSD estão satisfeitos com a defesa dos senhorios e com a lesão séria dos interesses do pequeno e médio comércio, que é brutalmente atingido por estes decretos-leis.
Mas passo a fazer-lhe agora duas perguntas muito concretas. Estes decretos-leis, no seu conjunto, atingem os interesses do pequeno e médio comércio e dos outros sectores que neles estão abrangidos de duas formas - pela avaliação extraordinária e pelo aumento das rendas da respectiva casa, de acordo com uma portaria que anualmente será publicada. É, pois, de duas formas que lhes vão aumentar as rendas: pela avaliação extraordinária e pela portaria que anualmente fixará o quantitativo da renda.
Eu pergunto-lhe: já que o Sr. Deputado afirma que esta avaliação extraordinária tem critérios objectivos, onde é que eles estão, Sr. Deputado? Como é que garante e como é que é capaz de garantir que os critérios que aqui estão não estão inteiramente sujeitos à decisão da comissão de avaliação, onde os inquilinos não têm representação? Como garante que, por exemplo, uma comissão de avaliação do Porto ou uma comissão de avaliação de Lisboa ou de Alcains segue exactamente os mesmos princípios e os mesmos critérios, isto é, chega a conclusões idênticas?
É evidente que para qualquer comissão de avaliação o que aqui está não são critérios objectivos, mas meros

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indicativos, que deixam inteiramente ao critério da comissão de avaliação (onde, repito, os inquilinos não estão representados) a definição desse mesmo quantitativo.
Mas há mais. O decreto-lei é extremamente hipócrita, porque ainda estipula, no n.º 4, que se o inquilino - que tem normalmente muito menos poder de informação - não recorrer e não comunicar num prazo extremamente curto que não está de acordo com isso, paga inteiramente e de uma vez esse mesmo aumento. Com efeito, o que está previsto na lei -a concessão de um prazo de 30 dias - ainda obriga o inquilino a ir junto do senhorio dizer que não pode pagar esse aumento. E o mesmo se estabelece em relação ao recurso.
É por tudo isto, Sr. Deputado, que lhe pergunto quais são os critérios objectivos que estão determinados para estabelecer essa avaliação e se isto não coloca inteiramente nas mãos da comissão de avaliação a definição desses mesmos critérios. Eram estas as perguntas que gostaria de lhe colocar.

O Sr. Presidente: - Pediram também a palavra, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Sousa Gomes e Aquilino Ribeiro Machado.
Sr. Deputado Ferreira de Campos, deseja responder já ou apenas no final destes pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Respondo no final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Gomes.

O Sr. Sousa Gomes (PS): - Sr. Deputado Ferreira de Campos, queria fazer-lhe uma pergunta sobre a possível aceitação de este diploma poder baixar à Comissão e merecer aí alguns aperfeiçoamentos. É que a sua intervenção deixou-me algumas dúvidas.
Em primeiro lugar, deu a entender que, afinal, do lado do Governo, do lado AD, só havia boas intenções e que tudo estaria, ao fim e ao cabo, bem intencionado, sem ter tido a coragem - e eu julgo que isso era necessário - de reconhecer, já pelos exemplos hoje aqui citados, que este diploma foi, de facto, qualquer coisa de inaceitável, de intolerável, no nosso meio, que é o meio que existe, com a situação social e económica que é conhecida. A nosso ver é importante que esse ponto seja esclarecido.
A segunda questão que eu queria colocar-lhe é a seguinte: da sua justificação de baixa à Comissão interpretei, bem ou não, que o Sr. Deputado considera que, de facto, os problemas de fundo levantados por estes decretos-leis, designadamente dois -o problema da actualização periódica e o problema da avaliação extraordinária-, estão neles equacionados de forma que não merece o apoio incondicional à sua continuação? Ou seja, reconhece ou não o Sr. Deputado que no estabelecimento de critérios de actualização periódica há que ter em conta um certo conjunto de outros indicadores macro-económicos que permitam, por exemplo, que a política de actualização de rendas não contradiga uma política de rendimentos e preços? Ou seja, não seria de aceitar que a actualização tivesse factores de ponderação que permitissem que a evolução dos arrendamentos não fosse acelerada em relação à evolução dos próprios rendimentos?
Mesmo tendo em conta que é um factor de produção para os arrendamentos comerciais, esta problemática não pode ser ignorada.
E também em relação à avaliação extraordinária, considera ou não o Sr. Deputado que, de facto, a porta aberta de forma discricionária, total e abusiva que a presente redacção do decreto-lei permite tem ou não que ser totalmente revista?
Nós aceitamos e queríamos que ficasse muito clara a necessidade da revisão e da actualização periódica de rendas. Aceitamos que em casos concretos seja necessária uma avaliação. Proporemos até, em devido tempo, o recurso aos tribunais arbitrais instituídos pela revisão constitucional, mas pensamos que também esta Assembleia não se pode furtar a estabelecer critérios objectivos, claros e precisos que vão regular a matéria dessa decisão, digamos, de avaliação periódica extraordinária. Portanto, são estas as questões que ponho à sua consideração para nos ajudar a formular um juízo de fundo mais concreto e definitivo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.
O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Deputado Ferreira de Campos, V. Ex.ª exautorou de algum modo o despacho normativo que entendeu pouco ajustado a resolver situações deste tipo e congratulou-se com a nova redacção dada ao n.º 3 do artigo 4.º que, de algum modo, salvaguardava as dúvidas que o despacho normativo deixava em aberto. Todavia, nós verificamos que no n.º 3 do artigo 4.º se diz novamente que na avaliação se deverá atender ao livre funcionamento do mercado, que se entra em linha de conta com os valores praticados na zona. Isto pode, de algum modo, ser considerado uma redundância, mas uma redundância que neste caso significa uma reafirmação do princípio da sujeição ao livre funcionamento do mercado.
Diz-se também que se deverá tomar em linha de conta a localização - factor demasiadamente contestável sem uma quantificação adequada, dado que a valorização introduzida num estabelecimento por efeito da sua localização depende de melhorias, não apenas resultantes da actividade do locatário, mas também das melhorias introduzidas pela comunidade, na medida em que a área onde o edifício em que se situa o estabelecimento disso o beneficiar. Por conseguinte, o que aqui está, dito por outras palavras, não é mais do que o que já constava no despacho normativo e deixa uma margem significativa e extremamente vasta para a subjectividade. Daí, não nos merecer qualquer espécie de confiança.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferreira de Campos tem a palavra, para responder.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Só quem, como eu, e por virtude da profissão que exerço, teve várias vezes de declarar a sua incapacidade em esclarecer, quer senhorios quer arrendatários, sobre os critérios a que ambos estavam sujeitos quando alguma avaliação de rendas era requerida, é que pode compreender o sentido das minhas palavras. Mantenho, pois, que é sempre preferível para as partes (e isto em relação aos novos arrendamentos), saberem qual o índice com que podem contar numa avaliação de rendas do que, pura e simplesmente, estarem na dependência de critérios que têm uma componente objectiva, mas que também têm,

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certamente, uma componente subjectiva. E, por isso, repito, por isso, mantenho o que disse. Foi este o sentido da minha intervenção, e quando falei em satisfação queria referir-me e disse-o expressamente ao critério de indexação válido, naturalmente, para os novos arrendamentos. Só neste contexto é que seria legítimo à Sr.ª Deputada fazer ou pedir o esclarecimento que pediu.
É, de facto, um avanço, tanto mais que o índice de actualização é legalmente 7 pontos abaixo do índice de inflação. Posso garantir à Sr.ª Deputada - e isso é do conhecimento, julgo que geral, de pessoas ligadas a estas situações -, e repetindo, que nos últimos anos já as comissões de avaliação, sem indexação e socorrendo-se apenas dos antigos critérios, atribuíam aumentos de renda que eram de 100%, e às vezes mais, num período de 5 anos.
E nessa altura nunca ninguém pôs em causa esses critérios.
Todavia, faço notar-lhe que, por hipótese, 17% em 5 anos correspondem a 85%, valor inferior aos 100% que era vulgar serem consagrados nas avaliações. Portanto, julgo que este critério de indexação - 7 pontos abaixo do índice de inflação - é mais favorável do que o resultado a que conduzia a aplicação dos anteriores critérios. É neste sentido, e só neste sentido, que eu considero que a indexação é, de facto, um progresso.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E a avaliação?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - E a avaliação extraordinária?

O Orador: - Quanto ao problema das avaliações extraordinárias e da actuação das comissões, já declarei muito claramente que, do ponto de vista do Partido Social-Democrata os resultados que as comissões de avaliação estão a atingir não são justificáveis pelo uso dos novos critérios fixados no Decreto-Lei n.º 330/81. Não são, mas, apesar disso, e por isso mesmo, tendo eu já declarado...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Então como é que o Sr. Deputado explica que se cheguem a esses resultados?

O Orador: - Pura e simplesmente por uma aplicação indevida dos critérios legais, e eu disse-o na minha intervenção.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - O Sr. Ministro não intervém?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Então, os avaliadores são um bando de incompetentes, para não lhes chamar um bando de corruptos que utilizam indevidamente esses critérios?!

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Vão para a cadeia?

O Orador: - Julgo que não temos o direito e nem me passa pela cabeça falar em corrupção. Julgo, sim, que há uma actuação que não é legalmente justificada e, por isso mesmo, nós estamos abertos a introduzir alterações nos diplomas em ratificação. Apresentámos já uma proposta no sentido de que das comissões de avaliação façam parte representantes dos proprietários e dos arrendatários. Julgamos que esta situação deverá ser clarificada através de um despacho conjunto dos Secretários de Estado e Ministros responsáveis por esta matéria, no sentido de ficar bem clarificado que estes novos critérios não podem representar, pura e simplesmente, uma equiparação das rendas antigas às rendas modernas.
Julgo que isso é desejável e por isso daremos todo o nosso apoio a uma iniciativa desse género.
O Sr. Deputado Sousa Gomes perguntou-me que factores se devem, então, introduzir. Sr. Deputado, penso que o Partido Social-Democrata está aberto à consideração e à formulação de quaisquer factores e está principalmente aberto a uma clarificação definitiva no sentido de que a aplicação dos novos factores não possa, de modo nenhum, traduzir-se numa total equiparação das rendas modernas às rendas antigas.
Ao Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado queria dizer que tem razão. Tem razão quando se insurge contra o Despacho Normativo n.º 85/82, se não estou em erro.
Todavia, quero dizer-lhe que, em meu entender, e julgo que isso será a interpretação mais correcta da actual redacção do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, a expressão «livre funcionamento do mercado» terá um significado meramente indiciador que, eventualmente, significará ou deverá funcionar como limite de qualquer pretensão de actualização de renda, mas que os verdadeiros factores a ter em conta são, precisamente, aqueles que vêm a seguir.
Chamo a sua atenção para o facto de ter sido a pedido das associações de comerciantes e, aliás, numa redacção tecnicamente imperfeita que se acrescentou uma nova expressão aos índices anteriores com o teor: «não sendo ainda de deixar de ponderar a renda antiga e o ramo de actividade». Esta alusão à renda antiga é, claramente, um travão a quaisquer veleidades de tentar equiparar as rendas dos arrendamentos já vigentes às rendas dos prédios postos pela primeira vez no mercado livre do arrendamento.
Uma vez que não disponho de mais tempo, são estas as explicações.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra para protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.» a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado mistura as coisas: quando lhe convém, põe; quando não lhe convém, retira. Isto é, acaba de dizer que é óptimo para os inquilinos porque eles passam a saber com que contam, há critérios seguros, a taxa está indexada, mas eles não sabem de quanto é porque a taxa é fixada anualmente por portaria.
Mas, além disso, Sr. Deputado, e quanto aos critérios da avaliação extraordinária, os inquilinos não sabem em quanto é que vai ser avaliada e, deste modo, os inquilinos comerciantes vão apanhar um golpe pelas duas vias, isto é, apesar dos critérios objectivos, a tal taxa é anualmente fixada e devido à inteira discriminação das comissões de

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avaliação com a tal avaliação extraordinária para a qual não há critérios objectivos fixados na lei.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz que a taxa de indexação que é fixada anualmente é de 17%, isto é, 7 pontos abaixo da taxa de inflação. Isto não é assim. Os 17% foram fixados porque o Governo previa para o ano de 1982-1983 uma taxa de inflação de 17%. Assim, a taxa de indexação é de 100% em relação à taxa oficial de inflação! Porém, não há nenhum ponto na lei onde se diga que a taxa de indexação é 7 pontos abaixo da taxa oficial de inflação! Mais: o Sr. Deputado diz que é entre os dois terços e os 100!
Mas, porque o tempo é muito curto, quero apenas acrescentar que as suas contas estão erradas. Olhe que se faz assim as contas na sua profissão, isso deve andar muito mal!
O Sr. Deputado disse, por exemplo, que em 5 anos uma taxa de 17% perfaz um aumento de 85%. Francamente, Sr. Deputado, não sabe fazer contas! Então não vê que acumula?! São 119% de aumento ao fim de 5 anos!
Sr. Deputado, olhe que assim não sei como é que se safa no seu negócio, francamente! Se calhar tem um bom contabilista na empresa que lhe faz estas contas. Peça-lhe que lhas faça, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - O Sr. Deputado obriga-me a protestar porque fez uma afirmação que não pode passar em claro e o reparo que na altura o Sr. Deputado Lopes Cardoso fez parece-me insuficiente.
Disse V. Ex.« que as situações condenáveis e desajustadas que se têm verificado são por culpa de avaliações indevidas, mas a verdade é que o Governo não interveio ainda para as corrigir e em despacho normativo de 11 de Maio de 1982 ele indicou quais os critérios, dizendo, no n.º 3 desse despacho, que «nas avaliações fiscais extraordinárias deverá ter-se em conta unicamente o valor lucrativo dos imóveis resultante do livre funcionamento do mercado, sendo irrelevante a renda praticada à data do pedido».
É o próprio Governo que diz: ignorem quanto é que se paga, perguntem ao vizinho quanto é que ele paga e apliquem-lhe essa tabela!
E mais: no Decreto-Lei n.º 189/82, que não está aqui a ser apreciado, o Governo, com medo de que os senhorios se esquecessem de que poderiam requerer a avaliação extraordinária, vem dizer, no n.º 2 do artigo 1.º, que, tratando-se de contratos de arrendamento referidos no n.º 1 do artigo 4.º comércio, indústria e profissões liberais-, em que os senhorios já tenham exigido a actualização da renda com base no coeficiente estabelecido na Portaria n.º 62/82, poderá ainda ser requerida a avaliação fiscal extraordinária.
Quer dizer, é o Governo que, nesta série de diplomas, estimula as comissões de avaliação a carregarem forte que o burro é grande!

Risos do PS, do PCP e da UEDS.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado do Partido Socialista que acabou agora de falar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, os pedidos de esclarecimento só podem ter lugar na sequência de intervenções e o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira acabou de fazer um protesto que terá, naturalmente, resposta num contraprotesto do Sr. Deputado Ferreira de Campos. Lamento, mas não lhe posso conceder a palavra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos, para responder aos dois protestos formulados, se assim o desejar.

O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, começarei por lhe responder dando a minha versão, que julgo que é correcta, do disposto no n.º 2 do Decreto-Lei n.º 189/82.
Comecei por declarar, muito claramente, na minha intervenção, que não estou de acordo com esse despacho normativo e quero lembrar ao Sr. Deputado que este n.º 2 contempla precisamente os casos em que, tendo decorrido um prazo de 5 anos sem essa avaliação extraordinária ter sido feita e na hipótese...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Não, não!

O Orador: - Não pode ser de outra maneira, Sr. Deputado. Vou continuar o meu raciocínio e digo-lhe já porquê.
A hipótese que aqui está considerada é apenas a hipótese de ter sido aplicado um índice de actualização de 17% a arrendamentos que não eram actualizados há mais de 5 anos. E não pode ser de outra maneira, visto que o Decreto-Lei n.º 189/82 não pode revogar aquilo que tão claramente se afirma no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, segundo o qual uma avaliação extraordinária só pode ter lugar 5 anos após a alteração da renda.
Sr.ª Deputada Zita Seabra, peço-lhe, muito honestamente, para não introduzir neste debate problemas de carácter pessoal e profissional. Á minha profissão é para mim uma coisa muito sagrada, exerço-a com a dignidade de que sou capaz e posso afiançar-lhe que sou capaz de muita dignidade. Dou boa conta do recado. Por acaso não sou comerciante, mas podia ser.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Eles são é malcriados!

O Sr. Martins Canaverde (CDS): - Isso é habitual!

O Orador: - Não é por esse caminho que nós lá vamos. Pode ter havido um lapso, mas repito que não é por esse caminho que vamos adiantar alguma coisa, Sr." Deputada.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Quanto ao seu verdadeiro protesto, quero dizer que a avaliação extraordinária é uma avaliação que se faz por uma só vez e trata-se evidentemente de um caso excepcional.

Risos da Deputada do PCP Zita Seabra.

Não sei onde está a graça, Sr.ª Deputada Zita Seabra. Vê-se que está bem disposta. Eu também estou, mas julgo que a resposta que lhe estou a dar merece...

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O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Ela é que não merece a resposta!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Não neste momento, Sr.ª Deputada.
O que lhe quero dizer é que contraprotestaria fazendo-lhe uma pergunta a que a Sr.» Deputada naturalmente não poderá responder: V. Ex.ª diz que não se deveria fazer a avaliação extraordinária. Então a Sr.ª Deputada pensa que era mais justo que só fosse possível a aplicação aos arrendamentos já vigentes do coeficiente de 17% ao fim de 5 anos, deixando por corrigir o desajustamento da renda decorrente de um período de 5 anos? Se é assim, não tenho realmente qualquer resposta a dar-lhe. E se conseguir sustentar essa opinião terá certamente o aplauso de alguns comerciantes, mas talvez não tenha o aplauso de outros comerciantes que eventualmente também sejam proprietários.

Risos do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permito-me lembrar que o Sr. Deputado Ferreira de Campos, com a sua intervenção e as respostas a pedidos de esclarecimentos e a protestos, gastou 40 minutos. Não compete naturalmente à Mesa fazer mais do que lembrar aos Srs. Deputados que façam o que estiver ao seu alcance para que o plano pré-estabelecido possa ser cumprido.

Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que a UDP não pediu a ratificação destes decretos-leis porque não pôde fazê-lo e não está nas suas atribuições dentro deste Parlamento porque não lhe foi concedido esse direito.
Por outro lado, é preciso de facto existir um governo/AD para a UDP estar aqui a defender uma legislação de 1948, portanto, de antes do 25 de Abril. É de facto necessário ter aparecido um governo/AD para que isto possa acontecer!

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Isso é demagogia!

O Orador: - Chame-lhe o que quiser, Sr. Deputado. É a verdade!

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É a sua!

O Orador: - Estes decretos-leis são um atentado não só contra os interesses dos pequenos e médios comerciantes, mas também contra os interesses do povo em geral, daquelas pessoas que geralmente se servem dos serviços dos pequenos e médios comerciantes. E o problema desta legislação começa, de facto, e fundamentalmente, na avaliação extraordinária, porque é aí que a comissão avaliadora dá a grande machadada, podendo aumentar 1, 2, 3, 4, 5, 100, 1000 vezes por cento dentro dos tais critérios que os Srs. Deputados chamam de objectivos, mas que são critérios essencialmente especulativos. Aliás, a própria ordem por que estão apresentados demonstra o carácter altamente especulativo desta legislação, como sejam o do funcionamento do mercado e o da localização, que são critérios altamente especulativos em termos da habitação urbana.
Na nossa opinião, a comissão avaliadora é parcial, e digo isto sem querer chamar nomes aos funcionários que a compõem. E por que é que é parcial? Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo é parcial. E nós estamos a ver que o Governo pode determinar imediatamente um tecto, pode dizer às comissões avaliadoras «vocês vão começar a partir de tantos por cento». O Governo pode fazer isso porque está ao serviço dos grandes empreiteiros, dos grandes senhorios, dos grandes comerciantes, que vão beneficiar com a falência, com o desespero e com a desgraça dos pequenos e médios comerciantes e industriais.
Esta é a questão fundamental porque o Governo - em especial este governo emanado desta maioria - é a parte interessada, como há pouco eu próprio disse, por representar interesses, não só através desta via, mas também porque vai directamente beneficiar em termos de impostos e taxas que depois vai cobrar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o próprio Ministro justifica-se, dizendo que o prédio para o comércio ou indústria é um factor de produção. Como disse há pouco, eu até estou de acordo com isso, é realmente um factor de produção. Mas quando o Ministro diz isto tem a consciência clara das consequências brutais que vão resultar desta legislação, tem a consciência do aumento dos preços em cadeia que vão desencadear, tem a consciência da situação em que vai colocar os pequenos e médios comerciantes, entre a barreira da burla, da especulação e do crime e a barreira da falência, do desaparecimento total.
É o próprio Governo que vai originar essa situação e o Ministro demonstra reconhecê-lo claramente. O Governo vai, nomeadamente, pôr, numa situação de crise que se agudiza cada vez mais, as populações laboriosas contra os próprios comerciantes. Esta é outra razão fundamental que não pode ser esquecida, Sr. Presidente e Srs. Deputados. E isto tudo para quê? Para favorecer a altíssima especulação, aquela que não se nota de imediato, aquela que é favorecida e está apoiada pelos próprios instrumentos legais, pela própria Administração, pelo próprio Governo e até aqui dentro, nesta Assembleia, está representada a alta especulação, a especulação dos grandes monopólios que nós vemos a ocupar a cidade inteira com os seus supermercados, liquidando e destruindo os pequenos e médios comerciantes.
Falou-se ainda aqui do grande problema da inflação. Até parece que a inflação é um bicho que aparece, quer dizer, as pessoas normais que vão comprar estão sujeitas à inflação, os pequenos e médios comerciantes têm que aumentar porque estão sujeitos à inflação, as rendas aumentam porque estão sujeitas à inflação, aumenta tudo devido à inflação, os transportes aumentam por causa da inflação, mas os salários ficam sempre abaixo da inflação.
Agora, é caso para perguntar: o que é que provoca essa inflação? O que é que provoca, de facto, essa inflação senão os mesmos que estão a fazer, através desta maioria, legislação deste cariz, legislação que é atentatória dos direitos mais elementares do povo, dos trabalhadores, dos pequenos e médios comerciantes e industriais?
O que é que provoca a inflação? Basta ler os próprios relatórios do Banco de Portugal, em que se vê quais são os factores que influenciam a inflação e quais são aqueles

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que têm mais peso. Não são as importações, embora elas tenham realmente um peso na inflação, são, sim, os grandes lucros dos capitalistas, dos especuladores, dos grandes empresários, dos grandes patrões imobiliários, dos grandes empreiteiros e construtores civis, dos grandes industriais e monopolistas. São estes que, por um lado, destroem para obter monopólios, e, por outro lado, provocam a inflação, através dos seus lucros imensos e monstruosos.
Esta é a razão do tal bicho da inflação que eles provocam e ao qual se agarram para justificarem a sua política de degradação da vida dos trabalhadores e do povo em geral, de liquidação de todos aqueles que fazem do trabalho, do seu labor honesto e sério, a razão da sua vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dizerem que com esta legislação se pretende beneficiar os pequenos senhorios é, de facto, uma grande aldrabice. Os pequenos senhorios não vão ser beneficiados com esta legislação porque ela vai ter, fundamentalmente, acção nas zonas de grande poder locativo, de onde já há muito tempo os pequenos senhorios foram afastados.
Ó que esta legislação vai fazer crescer é os grandes supermercados, os grandes centros comerciais, que vão liquidar a própria relação humana, vão liquidar a vida do bairro, aquilo que dá vida à cidade. Como o Sr. Deputado Magalhães Mota aqui muito bem disse há pouco, vão transformar isto numa «megalópolis», vão transformar os bairros em zonas desabitadas, atirando com os trabalhadores para fora da cidade, quando não para bairros de lata, e vão existir grandes zonas cheias de grandes escritórios, de grandes torres e de grandes centros comerciais, que cortam completamente a relação humana e até a relação afectiva que existe entre o pequeno comerciante no bairro, aqui e acolá, com o próprio habitante, com a pessoa que vive nessa zona e que vai aqui e acolá comprar.
Esta é a lógica do capitalismo monopolista, é a lógica da liquidação pela falência do pequeno e médio produtor, do pequeno e médio comerciante industrial, esta é a lógica da exploração sem freio e estes diplomas apontam no sentido dessa lógica.
É interessante verificar que tudo aquilo em que este Governo toca, tudo aquilo em que esta maioria toca, apodrece e serve para liquidar e destruir a vida das pessoas e dos trabalhadores. Mas quando é que a maioria, que se está a desagregar, aparece e ressurge com um mínimo de coesão?

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Quando acabar a inflação!

O Orador: - Só para aprovar e tomar decisões contra os trabalhadores e contra o povo. Há muito tempo que não ouvíamos a maioria, há muito tempo que não a ouvíamos aqui a discutir, há muito tempo que não a víamos aqui a empenhar-se nos debates, visto que está destroçada e está em liquidação. No entanto, quando foi para impedir a elevação a concelho da vila de Vizela esteve aqui em força, contra o povo.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Tanto disparate!

O Orador: - Para fazer passar esta legislação ela vai estar aqui a votar para impor a sua vontade contra a vontade do povo.
Tudo aquilo que é resultado da actividade desta maioria e deste Governo serve para destruir, serve para liquidar, serve para levar ao desespero, à miséria, ao desemprego e à fome tanta gente deste país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou acabar a minha intervenção dizendo que a UDP vai votar contra a não concessão destas duas ratificações porque considera que nelas não existe a mínima substância à qual se possa agarrar para levar em atenção os mais débeis protestos que tem havido contra esta legislação, para já não falar nos fortes protestos dos comerciantes, pequenos comerciantes e industriais e suas associações e organizações.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimento ao Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Deputado Mário Tomé, havendo imensas rendas irrisórias por Portugal inteiro, em que os comerciantes pagam 15S, 20S, 30S por mês, gostaria de lhe colocar a seguinte pergunta e para a qual pedia uma resposta concreta. Na sua opinião e perante o decreto-lei agora em discussão, qual é o sistema preferível: a avaliação extraordinária que podia ser requerida por um senhorio, que ao longo de 30 anos não tocou na sua renda, podendo-o fazer de 5 em 5 anos, antes da entrada em vigor desta legislação, ou a avaliação extraordinária agora estabelecida? Qual é a mais gravosa?
Gostaria ainda de lhe colocar a seguinte questão: como é que o Sr. Deputado Mário Tomé -não o ouvi aqui emitir qualquer opinião acerca deste assunto - vai resolver o problema dos trespasses? Acha lógico, acha humano, acha legítimo, que um locatário, um inquilino, um comerciante, trespasse por milhares e milhares de contos o seu comércio, depois de ter pago uma renda irrisória, e o senhorio não beneficie nessa transacção de um centavo?
Aguardo as suas respostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, se assim o entender, o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Duarte Chagas, em primeiro lugar, essas rendas de «20 paus»...

Risos.

... não me parece que haja assim muitas por ai.

Risos.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Não me admira que o Sr. Deputado não tenha conhecimento dessas rendas, que eu saiba o Sr. Deputado é major, a sua vida são as armas...

O Orador: - Não sou senhorio!

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Eu também não sou! Como advogado...

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O Sr. Sousa Marques (PCP): - Advogado! Não pode ser!

Risos.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - ... conheço centenas e centenas de casos e se o Sr. Deputado ou Câmara quiserem eu trago-lhe os recibos dessas pessoas.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Se o Duarte Chagas fosse para Primeiro-Ministro estava tudo resolvido!

O Orador: - Sr. Deputado, se há rendas muito abaixo do mínimo aceitável não é esta a forma de resolver esses problemas. Mas deixe-me dizer-lhe mais o seguinte: na sociedade pela qual luto, a actividade de ter uma habitação não deve ser lucrativa. No entanto, admitindo que há muita gente que vive dessas rendas e que necessita de um mínimo de subsistência, é necessário apreciar a questão de uma fornia objectiva, mas por gente, que nunca os senhores. Por isso há que, em primeiro lugar, atirar com esta AD para fora do poder, criando assim condições que permitam encontrar critérios justos e populares de avaliação directamente com os interessados, ou seja, através das organizações populares de base, onde o povo tem voz e onde o povo tem possibilidade de saber o que se passa.
Em relação às perguntas que me colocou e que são fruto de grandes contradições sociais, penso que é um problema vosso, decorrente do vosso sistema. Não sou eu que estou metido nele e muito menos sou eu que vou apontar medidas para o resolver. No meu sistema, que vai transformar esse, cada um que trabalha tem aquilo a que tem direito, não há actividade especulativa, não há actividade à custa de quem quer trabalhar, não há o lucro imenso para a vida do luxo e do fausto obtido à custa de quem vive na miséria. Portanto, Sr. Deputado, esses problemas não serão resolvidos, nem por esta lei nem por nenhuma outra lei que esteja dentro do seu sistema.
É preciso tirá-los para fora do Governo, é preciso mudar tudo isto, é preciso mudar tudo isto pela base, no caminho que o 25 de Abril apontou, no caminho de todos aqueles que estão interessados em construir um futuro de bem-estar para si e para os seus filhos, sem andarem a espezinhar e a explorar os outros.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A legislação sobre rendas que os decretos ratificados vêm alterar, data, como dizia o Sr. Deputado Mário Tomé, do tempo da ditadura.
Essa legislação constituía um dos grandes pilares da «política social» do salazarismo.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Olhe que a vossa é pior!

O Orador: - De facto, num regime como aquele onde de política social só se pode falar entre aspas, esta legislação era algo que diferia da generalidade da legislação vigente à época.
Mas diga-se, apesar de tudo, que, nessa altura, tal legislação continha em si alguma lógica. As pressões inflacionárias eram muito inferiores e a actualização de 5 em 5 anos tinha, de facto, alguma lógica à época.
Toda a gente sabe, porém, que já nessa altura, e com o efeito de multiplicador que após o 25 de Abril circunstâncias internas e externas trouxeram, essa legislação trazia inúmeros inconvenientes: o imobilismo do mercado da construção; a injustiça social e a concorrência desleal de comerciantes e industriais, sujeitas a custos muito diferenciados no que se refere a instalações; a degradação do património construído, que é visível para toda a gente; a contribuição para a indigência do erário público, através da não actuação da contribuição predial.
Hoje, em Portugal, quando os impostos são gravosos para todos e cada um dos cidadãos, não se compreende que se continue a ir buscar dinheiro aos rendimentos pessoais de cada um dos cidadãos e não a outras contribuições, como a contribuição predial.
De facto, o Sr. Deputado Mário Tomé teve a coragem de confessar que estava a defender uma lei de 1948. Os outros partidos da oposição não tiveram essa coragem, mas é o que estão a fazer.
Não defendem o status quo, mas é sabido que se a Assembleia da República cedesse hoje, aqui, e não ratificasse os decretos, o que se passaria é que as manobras dilatórias da oposição levariam a que nunca mais se resolvesse o problema. Assumem, portanto, por outra via, a defesa daquilo que, confessadamente, o Sr. Deputado Mário Tomé também defende. E fazem-no por vezes com uma carga demagógica que tem de ser denunciada.
Ouvimos aqui esgrimir com avaliações de 3000%, de 20 para 600 contos e outras coisas no género. No entanto, esquece-se a outra face da medalha.
Evidentemente que quando se fala no aumento de 20 para 600 contos qualquer pessoa se sentirá arrepiada. Mas para que esse arrepio se mantenha é preciso esconder e é o que foi feito o reverso da medalha, que não tem nada a ver com o aumento de 20 para 600 contos.
Na base dessa avaliação que aqui foi esgrimida fiz, pois, algumas projecções que talvez não seja mau referir.
Hoje, uma renda de 20 contos que é sujeita a uma avaliação de 600 pelos valores actuais corresponde, antes de mais, à renda de um comerciante ou de um industrial cujo vizinho paga, efectivamente, pela mesma área, no mesmo sítio e eventualmente no mesmo ramo de negócio, 600 contos.
No primeiro ano essa mesma renda só pode ser aumentada para o dobro. Ao fim de 10 anos ainda o inquilino que hoje sofreu essa terrível e clamorosa avaliação estará a pagar quatro vezes e meia menos do que o outro que, com o mesmo ramo de negócio, com a mesma área e no mesmo local, começou com 600.
Portanto, quando se diz alguma coisa é preciso dizê-lo até ao fim e não deixar, pela parte mais facilmente utilizável, demagogicamente, esconder o resto.
Esquecem-se as argumentações da oposição dos problemas da rentabilidade das pequenas empresas. Ou seja, fala-se dos problemas de rentabilidade das pequenas empresas, mas não se fala da concorrência que fazem às outras, que têm custos menores de instalação, instalação.
Esquece-se aquilo que também já aqui foi referido, ou seja, o verdadeiro escândalo dos trespasses, que não são trespasses de negócios, mas trespasses de rendas. E pior: esquece-se o escândalo das cessões de quotas, que toda a gente sabe existir, mas que a oposição também obnubilar,

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não falando nisso para poder esgrimir argumentos até meio e não os levar até ao fim.
Esquece-se que o pequeno comércio é o que melhor se adapta às flutuações de preços; esquece-se ou não se aceita a renda como uma componente dos custos, embora se aceitem todas as outras componentes, e passa-se por cima de uma verdade muito simples: é que os comerciantes que agora reivindicam algo para si, o que reivindicam, no fundo, são as vantagens de uma economia de mercado e para outros os agravamentos de uma economia estatizante e imobilista.
Á modificação da realidade económica tornou absoluta a actualização de rendas de 5 em 5 anos.
Não é admissível, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as mais-valias de uns sejam obtidas à custa da degradação forçada do património de outros, que não é só o património dos senhorios, é património das cidades, é o património das vilas, é o património das aldeias.
Esta actualização era de facto imprescindível e era-o não nas terras em que - reconhecemos - foi feita pelo primeiro decreto, mas o facto de ter sido tornada não brusca, mas progressiva, através do decreto seguinte conduziu a que seja possível que alguma justiça venha a surgir de tudo isto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos de opinião que há correcções importantes a fazer nos decretos. Temos em estudo uma proposta concreta para novas avaliações. No entanto, não podemos deixar de dizer que a legislação hoje aqui ratificanda é uma pedrada no charco, no imobilismo e na cobardia legislativa que, a este respeito, tem vigorado em Portugal de há muitos anos para cá.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mário Tomé, Lopes Cardoso, Aquilino Ribeiro Machado, Luís Filipe Madeira e Octávio Teixeira.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, eu disse que estava aqui a defender uma lei de 1948 porque era obrigado a isso pela lei da AD, que é muito pior, e não por uma questão de imobilismo.
Toda a corrupção que o Sr. Deputado assinala, e que de facto existe, é consequência da tal economia de mercado que os senhores gostam tanto de aqui exaltar. E quem, de facto, utiliza a demagogia é o Sr. Deputado - e daí talvez a pressa da legislação-, que não ouviu sequer os interessados e as organizações que os representam. Á demagogia é vossa quando pretendem falar em nome da lisura de processos, em nome dos pequenos comerciantes, quando no fundo foram pressionados, e muito, pelos grandes comerciantes, pelos grandes senhorios, isto é, pelos monopolistas, que são os que vão lucrar com o desenvolvimento da livre economia de mercado de que os senhores gostam.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, uma primeira questão, que não é a mais importante, é a de que o Sr. Deputado justificou a necessidade de ratificação destes decretos-leis porque senão correr-se-ia o risco de se criar um vazio que não seria preenchivel pelas manobras dilatórias da oposição. Gostaria de saber quando e como, no decurso desta sessão legislativa, as manobras dilatórias da oposição
impediram que a maioria aprovasse aquilo que desejava aprovar. Mas há uma outra questão: o Sr. Deputado anunciou-nos que teriam em estudo um projecto de novas avaliações, o que me leva a pressupor que entende que as actuais e o actual esquema não é o correcto, é injusto. Isto exigiria da parte da sua bancada, penso eu, pelo menos, a coerência de suspender a vigência do actual sistema de avaliações, sob pena de se criar então uma situação duplamente injusta: a daqueles que, porventura, sejam alvo do sistema actualmente em vigor, enquanto ele se mantiver, e a daqueles que viriam, por hipótese, a beneficiar do sistema mais justo decorrente da sua proposta que, do seu ponto de vista pelo menos, seria a mais justa.
Penso que o mínimo que poderia exigir-se seria, pelo menos, a suspensão da injustiça.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, V. Ex.ª referiu-se às actualizações que incidirão sobre o valor resultante das avaliações e aceitou o princípio da actualização permanente, em função do coeficiente estabelecido com base no índice de preços. É, no fundo, o critério que preside a esta lei.
Pergunto ao Sr. Deputado Borges de Carvalho se entende que este princípio, em si mesmo e na sua aplicação absoluta, é um critério que à partida se assevera como justo. Há ou não, no entender do Sr. Deputado, outros factores que ao longo do tempo podem incidir sobre o valor resultante da renda, tal como sejam, por exemplo, a degradação do edifício, a perda de qualidade do local, etc., etc.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, o principal da nossa discussão incide sobre o problema das avaliações extraordinárias. Quanto às actualizações automáticas que não são automáticas -, pensamos que é uma solução razoável, só haveria que definir um critério fixo para os coeficientes. Mas quanto às avaliações extraordinárias, diz V. Ex.ª que se trata de um acto de justiça social. Pensamos que sim. Simplesmente, numa sociedade, deve haver solidariedade social entre todos os seus membros e a primeira entidade a dar o exemplo de justiça social deve ser o Estado.
O Sr. Deputado pertence à maioria, poderá informar a Câmara se o Governo da República está a prever actualizar - com base nos critérios que presidem às avaliações extraordinárias - as reformas, as pensões, etc., que estão desactualizadíssimas,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Outra vez?!

O Orador: - ...e se V. Ex.ª vai defender aqui que o Governo da República, começando o Estado por dar o exemplo, vai actualizar essas pensões e essas reformas, para então sobre essa actualização recair o coeficiente

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anual de actualização, ou se pensa que os proprietários dos prédios urbanos são mais carecidos de protecção e de apoio do que os velhos, os deficientes e os reformados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não misture as questões, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, gostaria de pôr-lhe uma questão e aproveitaria a oportunidade para desmistificar o que aqui tem sido dito sobre trespasses porque tem sido uma autêntica mistificação aquilo que os senhores da AD têm estado a dizer sobre os trespasses.
A questão do trespasse, a mais-valia que o trespasse representa, resulta de quê? É capaz de me dizer, se resulta do trabalho, da clientela, como se costuma dizer, que os comerciantes trouxeram ao seu estabelecimento, ou se resulta do facto de, pura e simplesmente, ter sido construído o edifício, de terem sido feitas obras infra-estruturais, por parte do Governo ou das câmaras municipais, que tenham levado a valorizar essa zona? Resulta do facto de ter sido construído, por exemplo, um bairro naquela zona que aumentou o valor, em termos de comércio, do estabelecimento?
Então vamos distribuir isso por quem? Apenas pelos senhorios, como os senhores pretendem? Mas mais do que isso: para além dos senhores pretenderem que o trespasse seja distribuído apenas aos senhorios, o próprio imposto de mais-valia que existe no caso do trespasse realizado deixa de reverter a favor do Estado. Não há mais-valia no caso da reavaliação. Mas ainda mais do que isso: os senhores pretendem, com essas avaliações extraordinárias, ir buscar todos os valores de trespasses potências antes de realizados. Na medida em que só há uma avaliação extraordinária, não pode haver mais, os senhores dessa avaliação extraordinária como vão anular o valor do trespasse - vão buscar todos os valores de trespasses potenciais que existem neste país. E o Sr. Deputado, se isso for avante, não pode ter a mínima noção de quantas dezenas ou centenas de milhões de contos isso poderá representar.
Desmistificado o problema do trespasse, gostaria de pôr-lhe uma questão muito concreta. Quando os senhores falam tanto no trespasse e o mistificam tanto, será para explicar a razão por que o retiraram de entre os critérios de avaliação - para efeito de avaliações fiscais - e concretamente deste: «não serão tomadas em conta as valorizações que resultarem de circunstâncias anormais ou de factores meramente especulativos»? Foi essa a razão que os levou a retirar isto da legislação anterior e a não a colocar na vossa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho, para responder a todos os pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Srs. Deputados, dentro das limitações de tempo a que estou sujeito, vou tentar rapidamente dar alguma atenção a todas as perguntas que me foram feitas.
O Sr. Deputado Mário Tomé sente a necessidade de se justificar porque vem defender uma lei do fascismo, que tanto ataca. Compreendo-o, pois V. Ex.ª não pode sujeitar-se a ter problemas no seu partido por fazer a defesa de uma lei destas.
Quanto ao diálogo de que V. Ex.ª fala, devo dizer-lhe que tive acesso a alguns documentos trocados entre o Governo e Associações de Comerciantes e julgo que, se não houve mais diálogo, a culpa não foi do Governo.
Ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, quando fala em manobras dilatórias, digo que faço os juízos políticos que entendo. Penso que neste caso, a tentativa de não ratificação destes decretos-leis é uma maneira de iniciar manobras dilatórias. Faço o juízo político que entendo e V. Ex.ª, com certeza, permiti-lo-á sem grandes objecções.
Quanto ao esquema em estudo - e aqui respondo também a um outro senhor deputado que não recordo quem foi -, direi que terá em atenção a idade dos imóveis e refere-se a critérios de avaliação, evidentemente. Mas essa proposta é tendente a melhorar não uma coisa que consideremos completamente injusta, porque senão votaríamos contra a concessão das ratificações, mas algo que pode ser melhorado.
O Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado perguntou-me se estava de acordo com a indexação pelo índice de preços.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Não disse isso!

O Orador: - Achamos, de facto, que a indexação deve ter por base fundamental o índice de preços! Evidentemente, como diz o Sr. Deputado, a experiência e o tempo poderão impor correcções, mas a base terá que ser essa.
O Sr. Deputado Luís Filipe Madeira procurou trazer aqui uma pequena girândola política e trazer à colação outras coisas que não tinham nada a ver com o assunto. Só lhe havia de lembrar que se está tão preocupado com as pensões de reforma com que esgrimiu, aliás, de forma que desculpe que lhe diga tenho que considerar demagógica, também deve considerar que o aumento da contribuição predial contribuiria por certo para que o Governo pudesse dar mais algum dinheiro para as pensões de reforma. E aí V. Ex.ª, com certeza, não tem razão.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Deixa-me rir, que chorar não posso!

O Orador: - A intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira é talvez a mais interessante deste debate. V. Ex.ª há pouco foi violento, virulento e demagógico na sua apreciação das avaliações. Tão violento quanto agora é angelical...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Isso de angelical é com o Angelo Correia!

O Orador: - ...em relação aos trespasses, V. Ex.ª parece que desceu do céu, caiu nesta Câmara e veio desmistificar os trespasses que tinham sido mistificados por mim.

Ó, Sr. Deputado, por amor de Deus!... Sabe perfeita-

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mente que não há nada melhor do que uma boa falência no Chiado para se arranjar um belo trespasse!

Vozes do PCP: - Sabe disso!...

O Orador: - Sabe muito bem como é que se fazem os trespasses e cessões de quotas para mudar de ramo e para não haver aumentos de rendas, para o contrato ser exactamente o mesmo. Sabe perfeitamente que é essa a prática e que hoje os trespasses são trespasses de renda, o que se trespassa não é o negócio, não é a mais-valia, não é a clientela. O que se trespassa é uma renda baixa e essa é que tem valor.

V. Ex.ª é que está a mistificar, e não eu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, gostaria de lhe dizer que o exemplo que deu é exemplo muito claro. Os senhores agora não precisam de declarar a falência para conseguirem o valor do trespasse. O senhorio agora obtém esse valor sem declaração de falência apenas para avaliação extraordinária. Essa é que è a questão. Aí é que está o busais. É isso que o Sr. Deputado tenta escamotear, é isso que está a tentar esconder desta Câmara e da opinião pública, porque é isso que V. Ex.ª quer quando diz que está quase totalmente de acordo com o Decreto-Lei n.º 392/82. Foi por isso que o Sr. Deputado não respondeu à questão muito concreta que eu lhe coloquei e que é esta: porque motivo é que não consideram as mais-valia geradas por razões especulativas para efeitos de avaliação?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Borges de Carvalho deseja responder ao protesto?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não há contraprotesto, Sr. Presidente. As afirmações do Sr. Deputado Octávio Teixeira são de tal maneira destituídas de sentido e ridículas que não merecem contraprotesto.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É para usar o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sente-se realmente ofendido?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sinto-me ofendido sim, Sr. Presidente.
Quando me chamam ridículo eu sinto-me ofendido. Não sei se com o Sr. Presidente sucede o mesmo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que interpretei as palavras e as qualificações não para a sua pessoa, mas para as palavras que proferiu.

Risos do PS e do PCP.

Isso é relativamente vulgar nesta Assembleia, mas se o Sr. Deputado tem outro critério eu dou-lhe a palavra. Faça favor.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - A gente tem é que ir jantar!

Risos do PSD, do PS e do CDS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, o ridículo funcionou como um boomerang. Foi-lhe bater em cheio.
É ridículo o Sr. Deputado vir com essa argumentação porque mostra desconhecer totalmente que as rendas comerciais podiam ser avaliadas de 5 em 5 anos.
Por conseguinte, é ridículo aquilo que referiu.

O Sr. Presidente: - O último orador inscrito é o Sr. Deputado António Vitorino, a quem concedo a palavra.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar da UEDS não dará o seu voto à ratificação dos Decretos-leis n.ºs 330/81 e 392/82, que definem o novo regime de actualização de rendas nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou profissões liberais, pelas razões que procurarei sucintamente expor.
Este decreto-lei apresenta-se, para nós, inaceitável em duas vertentes fundamentais: em primeiro lugar, porque é um diploma legislativo da República e do Portugal de Abril que dá acolhimento a um critério manifestamente arbitrário para definição da liberalização dos arrendamentos comerciais. O recurso ao livre funcionamento do mercado, aos valores praticados na zona e à localização são factores hiper-subjectivos que, em nosso entender, não perfiguram o princípio da segurança e da garantia jurídica dos cidadãos que deve estar na base de qualquer Estado de direito democrático.
É um critério improcedente face ao que refutaríamos uma política consertada de urbanismo e de integração das unidades comerciais e industriais no quadro global de um plano urbanístico adequado ao desenvolvimento do nosso país.
É um critério iníquo pelo próprio recurso a um princípio de liberalismo absoluto e de livre fixação de preços dos arrendamentos no mercado, quando tal critério parece manifestamente deslocado em função do conjunto da política governamental que tem incidência no exercício da actividade comercial.
Com efeito, parece-nos ser incompatível que um governo defenda a fixação de uma norma geral salarial e um tipo de controle administrativo dos preços particularmente asfixiante, e em grande parte herdado do período anterior ao 25 de Abril, aspectos estes que são particularmente sensíveis para o exercício da actividade económica e industrial com a defesa outrance de um princípio de liberalização absoluta e desregrado da fixação dos preços, dos aumentos dos arrendamentos comerciais e industriais por mero recurso às leis de mercado.
É porque um país onde as leis do mercado só funcionam em sectores delimitados e não funcionam no conjunto global da economia com iguais condições de procedência é naturalmente um país onde existe um equivoco sobre o próprio funcionamento do mercado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, já foi aqui reconhecido, mesmo por deputados da maioria, que as avaliações extraordinárias dão lugar a distorções na concre-

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tização dos critérios que a lei contém. Á lei seria boa, os critérios seriam bons, mas a sua concretização estaria incorrecta.
Só que um legislador responsável não pode ignorar que quando os critérios da lei são vagos e imprecisos, permitindo as distorções que a sua concretização actualmente regista, é porque a lei não é, obviamente, tão boa quanto o legislador supõe. Estes critérios são, em nosso entender ainda, arbitrários em função das características específicas das unidades de produção a que se vão aplicar os dispositivos dos decretos-leis ora em apreciação, na medida em que é abissal a diferença de circunstancialismo envolvente entre a pequena mercearia de bairro e as grandes unidades comerciais, como os supermercados, e tais subtilezas escapam ao critério vago e impreciso que a lei contém.
Na realidade, o que esta lei virá admitir é que a relação entre os pequenos e médios comerciantes, por um lado, e os grandes comerciantes, por outro, é uma relação que é exterior à dimensão económica das unidades de produção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não se pode estar sempre a fazer apelos, mas as condições do hemiciclo são pouco propícias a que o orador se faça ouvir e que aqueles que o pretendem ouvir possam fazê-lo em boas condições.
Uma vez mais peço o favor de atenderem a esta recomendação.
Pode continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Na realidade este critério permitirá, ao arrepio do que dispõe o n.º 1 do artigo 85.º da Constituição da República, onde se integra como incumbência do Estado o apoio às pequenas e médias empresas, que se consagre por via indirecta um fenómeno de concentração de poder económico ao nível comercial através dos aumentos dos arrendamentos que serão suportáveis pelas grandes unidades de produção e que serão incompatíveis pelos pequenos e médios comerciantes, que não terão outra alternativa senão abandonar a sua presença no mercado.
E é assim que se diz que se defende a lei da oferta e da procura.
Em segundo lugar, a nossa rejeição destes decretos-leis põe em causa, naturalmente, o próprio princípio da liberalização dos arrendamentos, atendendo à actual situação económica e social global do País, por razões que são também político-ideológicas de fundo e que têm a ver com o entendimento que fazemos da justiça social, mas também por razões de equanimidade.
Na realidade, o livre jogo das forças de mercado é plenamente aceite e consentido nas rendas, na formação dos aumentos dos arrendamentos, mas ele é arredado do tabelamento dos preços e da contenção salarial utilizados pela política económica e social deste Governo.
Há, pois, assim, um uso discriminatório das benesses da lei da oferta e da procura. Isto é, ao nível do sector da construção não há lei da oferta e da procura. Aí, as distorções são mais que evidentes: as especulações, os trespasses chorudos e sem controle, fazem a sua lei.
Mas é apenas ao nível dos antigos arrendamentos que vai vigorar esse apego tão descarado ao princípio da oferta e da procura. Porém, isso não pode fazer ignorar que aquele comerciante que se vir afectado pela entrada em vigor destas disposições legislativas não encontra, ao nível do sector da construção e ao nível do sector da oferta de novos edifícios da sua actividade comercial, aquele funcionamento da lei da oferta e da procura de que esse mesmo comerciante foi vítima em relação ao seu antigo arrendamento e que se viu obrigado a abandonar.
Em nosso entender, estes decretos-leis, ao fim e ao cabo, pretendiam ser a bandeira liberalizadora do governo Balsemão. Começou este governo por dizer que ia liberalizar tudo. Ao cabo e ao resto liberalizou apenas as rendas e escolheu os comerciantes para vítimas para apenas fazer o gosto ao dedo de certos pruridos ideológicos.
Um senhor deputado da maioria chegou mesmo a descobrir hoje, neste debate, que os aumentos das rendas eram uma velha aspiração de senhorios e arrendatários. Na realidade é uma descoberta que deve figurar num museu das ciências à escala internacional.

Risos da UEDS, do PS e do PCP.

E teremos que ter a compaixão de espírito pela falta de compreensão dos comerciantes pela suas próprias raízes históricas. Afinal os comerciantes estão equivocados, pois não têm nenhuma razão para estar contra esta lei porque ela é a dura conquista que o governo Balsemão lhes confere em função das suas aspirações históricas.

Risos da UEDS, do PS e do PCP.

Antes assim.
Naturalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nós não estamos aqui a defender as rendas de 30$ que foram trazidas ao debate pelo meu colega e ilustre causídico Dr. Duarte Chagas.

Risos da UEDS, do PS e do PCP.

Na realidade nós esperamos bem que os proprietários dos prédios das rendas de 30S não sejam seus clientes, porque se o são, e com o sistema de avaliação de 5 em 5 anos, as rendas de 30$ só se explicariam por inépcia do seu representante legal.

Risos da UEDS, do PS, do PCP e da ASDI.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, estes decretos-leis são apenas o exemplo modelar do que foi o processo de legislar deste último e derradeiro governo Balsemão: desastrado e desastroso; inábil e incongruente; incapaz de procurar consensos.
Garantiu a hostilização dos comerciantes e provocou, aliás, dissensões na própria maioria parlamentar, dissensões e vozes discordantes na bancada do PSD e, sobretudo, um «ternurento» silêncio do CDS.
Parece, aliás, pelas bandas do CDS, depois de alguns trinados e gorjeios desafinados sobre o governo Vítor Crespo, que o silêncio vai sendo a regra de ouro.
Pela nossa parte entendemos que se esta maioria vier a dar, talvez a título póstumo, a ratificação a estes decretos-leis não hesitaremos em propor imediatamente a suspensão da sua vigência por razões de justiça social.
Para nós a solução é simples. Recusar a ratificação é apenas um acto de coerência. É que estaremos, assim, a rejeitar mais uma vez a política de lei cega, surda e muda dos governos Balsemão. A esses governos, pois bem, que descansem em paz.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

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O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Ouvi V. Ex.ª anunciar, julgo que em nome da sua bancada, que não iria conceder a ratificação aos decretos-leis em apreciação. No entanto, tanto V. Ex.» como, aliás, vários outros representantes de bancadas da oposição, disseram claramente que reconheciam a necessidade de um sistema de actualização dos arrendamentos, dada a taxa de inflação existente e, portanto, a progressiva degradação do valor dessas rendas.
Pergunto-lhe, pois, Sr. Deputado, se não lhe parece que o mais lógico será procurar corrigir aquilo que lhe suscita alguma dúvida e que, eventualmente, suscita dúvidas à minha bancada e a mim próprio.
Que fique bem claro que ninguém nem nenhum grupo parlamentar pretende a ruína dos comerciantes e dos industriais, porque a riqueza de uma nação é o somatório da riqueza de todos os seus membros, de todos os seus cidadãos, e não, como às vezes os senhores têm na ideia - e compreende-se, dada a vossa tendência socializante -, apenas a riqueza do Estado. Agora o que é necessário garantir é que, efectivamente, não seja prejudicada gravemente nenhuma das classes envolvidas, nem a classe dos inquilinos (pequenos, médios ou grandes comerciantes e industriais), nem a classe dos senhorios (pequenos e a grande maioria são pequenos senhorios -, médios ou grandes).

O Sr. Mário Tomé (UDP): - O senhorio não é nenhuma classe!

O Orador: - Não lhe parece, pois, que o mais lógico seria ratificar estes decretos agora em apreciação, introduzindo-lhes na especialidade uma garantia maior de equanimidade quanto às decisões das comissões de avaliação.
Posso dizer que, da parte das bancadas da Aliança Democrática, avançamos desde já com uma proposta de aditamento de um novo número, de tal forma que os interessados, tanto senhorios como inquilinos, estejam representados nas comissões de avaliação, de tal maneira que nas decisões que elas vierem a proferir seja garantida a justiça para ambas as partes. Não acha que é mais lógica uma decisão destas, de alterar garantindo a possibilidade de indexação e de fixação de novas rendas, do que pura e simplesmente rejeitar e voltar à lei de 1948?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Chagas está a pedir a palavra. É também para um pedido de esclarecimento?

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Pedi a palavra para perguntar ao ilustríssimo deputado Dr. António Vitorino onde é que me ouviu proferir que as pessoas que eu conheço, nomeadamente os senhorios que têm rendas irrisórias, estão nesse condicionalismo, por um péssimo parecer jurídico da minha parte?

Risos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, para responder às questões que lhe foram formuladas.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Oliveira e Sousa, para nós, a divergência em relação a este decreto-lei situa-se em duas grandes vertentes, como tive ocasião de dizer.
A primeira, é uma vertente de filosofia política que enforma o conjunto do decreto-lei; a segunda, é o critério utilizado para a concretização dessa filosofia política, que tem dado origem a distorções de verdadeira e gritante injustiça. Portanto, não se trata, apenas, de corrigir o critério deixando viva a filosofia global do diploma, que nós globalmente rejeitamos. Ratificar este decreto-lei não era, apenas, admitir que o critério pudesse ser alterado na discussão na especialidade, mas era, ao fim e ao cabo, admitir que é correcto e justo o princípio de que a actualização dos arrendamentos deverá ser feita através do recurso à liberalização pura e simples, que é o que o decreto-lei consagra.
Nós, Sr. Deputado Oliveira e Sousa, não defendemos a tese ou a máxima ou o slogan «sempre, sempre, contra os aumentos». Não é esse o princípio que defendemos. Mais a mais se temos essas apetências com que o Sr. Deputado nos quis identificar de enriquecer o Estado, de entesourar o Estado à custa das pobres e efémeras criaturas que são os cidadãos à sua mercê, naturalmente que nunca poderíamos ser contra os aumentos, deveríamos ser era a favor de aumentos desenfreadíssimos em favor do Estado.
Mas não é isso que está aqui em causa. O que está aqui em causa é uma rejeição, por um lado, de filosofia política global do diploma, e, por outro lado, do próprio critério.
O que os senhores estão dispostos a aceitar é corrigir alguns aspectos aberrantes, gritantes, contidos nesse critério, contra os quais não têm, aliás, argumentos. Mas não estão dispostos a assumir o ónus de corrigir, isto é, substituir o próprio critério global ou a própria filosofia política do diploma. Aí, não estaremos juntos. Iremos votar de maneira diferente.
Quanto ao meu dilecto colega Duarte Chagas, ou colega ao quadrado, porque é colega de profissão e é colega de exercício do mandato de deputado...

Risos.

... eu direi: longe de mim fazer essa injúria de pensar que o Sr. Deputado Duarte Chagas poderia dar pareceres erróneos aos seus clientes. Eu não afirmei isso. Longe de mim tal ideia.
O que eu afirmei foi que «se» - que é uma proposição condicional -,...

Risos.

... eventualmente, esses casos subsumissem clientes de V. Ex.ª, eles teriam razão de queixa. Teriam, condicional,...

Risos.

... razão de queixa da actuação do seu representante legal.
Naturalmente que eu não cometeria a injúria de pensar que V. Ex.ª, alardeando, aliás, os vastíssimos conhecimentos jurídicos que já alardeou nos sucessivos debates desta Assembleia,...

Risos.

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... poderia ter cometido semelhante ignominia. Muito obrigado.

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para protestar em relação à intervenção do Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Primeiro, começo por explicar ao Sr. Deputado Oliveira e Sousa, se V. Ex.ª mo permite, Sr. Presidente, que uso a forma de protesto porque o CDS entendeu não nos brindar com uma exposição em que definisse qual a sua atitude perante os decretos em ratificação, impossibilitando-nos de pedir qualquer esclarecimento. No fundo, o que pretendo é pedir ao Sr. Deputado um esclarecimento.
O Sr. Deputado afirmou que já enviaram para a Mesa uma proposta de alteração que vai garantir a justiça, o que significa que, actualmente, ela não está garantida.
Então, Sr. Deputado, ou se vota, pelo menos, a suspensão dos decretos, ou se vota para que a justiça continue a não ser garantida não sei até quando.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, isso não é, realmente, um protesto. O Sr. Deputado costuma ser tão cioso do cumprimento das regras que, talvez por isso mesmo, deva haver uma especial tolerância da Mesa, na medida em que não é esse o seu hábito.
O Sr. Deputado Oliveira e Sousa deseja responder, apesar de neste momento, e em princípio, não dever fazê-lo, pois já não há direito a pedidos de esclarecimento? Se deseja fazê-lo, dou-lhe a palavra.

O Sr. Oliveira e Sousa (PSD): - Sr. Presidente, pretendo cumprir o Regimento e, por isso, não responderei.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Viva o Regimento!

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, declaro encerrado o debate.

Pausa.

Srs. Deputados, o artigo 172.º da Constituição diz-nos que podem ser submetidos à apreciação da Assembleia da República, para efeitos de alteração ou de recusa de ratificação, os decretos-leis, etc. Portanto, em primeiro lugar, somos chamados a dizer, pelo voto, se recusamos ou não a ratificação de decretos-leis.
Acontece que os requerimentos do Partido Comunista e do Partido Socialista relativos ao Decreto-Lei n.º 330/81 são perfeitamente idênticos no seu conteúdo.
Sendo assim, não haveria que fazer duas votações separadas e, se não houver oposição, faremos só uma votação, respeitante às ratificações do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro.

Pausa.

Não havendo oposição, vamos passar à votação conjunta dos pedidos de recusa das ratificações n.ºs 113/II (PCP) e 116/II (PS).
Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão na Mesa propostas de alteração a este decreto-lei, pelo que tem sentido um requerimento apresentado de baixa à Comissão competente, e que será votado apenas no final, pois refere-se aos dois decretos-leis em ratificação.
Vamos, pois, votar em seguida, o pedido de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, a requerimento do Partido Comunista Português (ratificação n.º 204/II).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Vamos votar agora o requerimento de baixa à Comissão dos decretos-leis, cuja recusa de ratificação acaba de ser rejeitada, para discussão e aprovação das respectivas propostas de alteração, pelo prazo de 30 dias, de acordo com uma proposta subscrita por vários senhores deputados do CDS, do PSD e do PPM. Ou melhor, usando a ordem tradicional, do PSD, do CDS e do PPM.
Risos.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da UEDS e do MDP/CDE e as abstenções da ASDI e da UDP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou explicar rapidamente as razões do nosso voto favorável à proposta de baixa à Comissão.
Nós temos também propostas que, aliás, consistem na eliminação daquilo que é mais gravoso nestas leis. Em todo o caso, teríamos nós próprios apresentado um requerimento de baixa à Comissão se nenhum outro partido o tivesse feito. E porque entendemos que é preciso que baixe à Comissão para que seja votada a suspensão dos decretos-leis, votámos favoravelmente a baixa à Comissão. Foram esses dois motivos que determinaram o nosso voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pelo que vejo, estamos a proceder a declarações de voto. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, só quero justificar rapidamente o nosso voto, já que tivemos algumas hesitações em relação a ele. Apesar de estarmos dispostos, como anunciámos durante os debates, a participar em eventuais alterações que melhorem o decreto-lei, consideramos que 30 dias é um prazo insuficiente para introduzir alterações sérias e idóneas neste decreto-lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão na Mesa três propostas de resolução. Duas delas pretendem a

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suspensão dos Decretos-Leis n.ºs 330/81, de 4 de Dezembro, e 392/82, de 18 de Setembro, nos termos do n.º 2 do artigo 172.º da Constituição. Estas propostas de resolução foram apresentadas pela UEDS e pelo PCP e têm conteúdo idêntico.
Uma outra proposta de resolução, apresentada pelo Partido Socialista, pretende a suspensão destes decretos-leis, mas apenas em tudo o que respeite à avaliação extraordinária.
Em resumo, as 2 primeiras propostas são mais amplas, pois pedem a suspensão de todas as normas contidas nestes decretos-leis, enquanto a segunda pede apenas a suspensão das normas que têm a ver com a avaliação extraordinária.
Vamos, pois, proceder à votação destas propostas. Em primeiro lugar, serão votadas, conjuntamente, as propostas de resolução apresentadas pela UEDS e pelo PCP.
Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM, votos a favor do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS e abstenções dos restantes deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de resolução apresentada pelo PS, que pretende a suspensão dos Decretos-Leis n.ºs 330/81, de 4 de Dezembro, e 392/82, de 18 de Setembro, em tudo o que diz respeito à avaliação extraordinária.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e dos deputados do PSD Sousa Tavares e Fernando Cardote.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, resta-nos anunciar que deu entrada na Mesa uma proposta de resolução...
Neste momento alguns senhores deputados abandonam a Sala.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não estão reunidas as condições acústicas para que eu continue a fazer o anúncio dos diplomas que deram entrada na Mesa, aguardo uns momentos para que os senhores deputados que queiram saiam da Sala.

Pausa.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pretende a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para anunciar que apresentaremos a nossa declaração de voto à Mesa.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Anuncio agora que deu entrada na Mesa um projecto de resolução com o n.º 12/II, apresentado pelo Partido Comunista Português, no sentido de serem aprovadas providências urgentes com vista a dar resposta à situação criada pela entrada em vigor do Código Penal no passado dia l de Janeiro de 1983.
Esta proposta de resolução já foi distribuída e presume-se conhecida.
Srs. Deputados, a reunião plenária de amanhã está marcada para as 10 horas, com a ordem de trabalhos conhecida.
Está encerrada a sessão.
Eram 22 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Vilar Ribeiro.
Bernardino da Costa Pereira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Francisco Mendes da Costa.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Joaquim Pinto.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques Antunes.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernandes Marques R. Reis.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Jacinto Martins Canaverde.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Martins Robalo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João José M. Pulido de Almeida.
Joaquim Miguel Rodrigues S. Ferreira.
José Alberto Faria Xerez.

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José Luís Cruz Vilaça.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
Domingos Abrantes Ferreira.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Octávio Rodrigues Pato.

Partido Popular Monárquico (PPM):

Augusto Ferreira do Amaral.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Manuel C. Ferreira Vitorino.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.

Faltaram à Sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Américo Abreu Dias.
Fernando José da Costa.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Emílio Teixeira Lopes.
José Gomes Fernandes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Centro Democrático Social (CDS):

Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Emílio Leitão Paulo.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel da C. Carreira Marques.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Os REDACTORES: Anita Paramés Pinto da Cruz Maria Leonor Caxaria Ferreira.

Declaração de voto do Grupo Parlamentar do PCP.

O Grupo Parlamentar do PCP chamou à ratificação e votou contra os Decretos-Leis n.ºs 330/81 e 392/82 pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, porque da sua aplicação resultará uma situação intolerável para centenas de milhares de portugueses, que serão confrontados, a curto prazo, com a impossibilidade de pagar as rendas das instalações que ocupam actualmente;
Em segundo lugar, porque o Governo ao legislar de forma tão brutal, não teve sequer em conta realidades diversas e aplicou critérios iguais a cerca de 200000 comerciantes, milhares de pequenos industriais e artesãos, centenas e centenas de colectividades de cultura popular e recreio, profissões liberais, estabelecimentos de ensino particular, clubes, sindicatos e associações profissionais, associações de benemerência, creches, infantários, lares para idosos e centros de dia, associações de deficientes, reformados, e até a instalações religiosas de todos os credos;
Em terceiro lugar, porque os decretos que acabámos de votar e que foram viabilizados com os votos do PSD e do CDS e do PPM não protegem minimamente os interesses dos inquilinos, designadamente não estipulando normas limitativas na fixação da renda por forma a garantir-lhes meios eficazes de protecção e defesa;
Em quarto lugar, porque os decretos em apreço e que acabámos de votar foram publicados brutalmente pelo governo AD, sem prévia audição dos interessados - que são centenas e centenas de milhares de portugueses-, através das suas diversas organizações representativas, apanhando-os, inclusive, de surpresa, o que, aliás, tem provocado e continua a provocar enérgicos e fortes protestos, particularmente por parte dos pequenos e médios comerciantes, que representam a grande maioria dos atingidos;
Em quinto lugar, porque, até no tocante às comissões de avaliações extraordinárias, a prática já demonstrou que elas não são capazes de conter o furor especulativo que estes decretos geraram, como ficou bem demonstrado e com toda a clareza durante o debate, através de exemplos concretos revelados pela minha bancada e por outros partidos;
Em sexto lugar, porque a aplicação destes decretos conduzirá milhares de pequenos e médios comerciantes e industriais, de acordo com afirmações de todas as associações e confederações que se pronunciaram sobre este grave assunto e mesmo de deputados dos partidos do governo demitido, à falência, com todas as gravíssimas consequências sociais, políticas e económicas;
Em sétimo lugar, porque estas medidas integram-se numa ofensiva mais geral, já por nós denunciada várias vezes de se procurar liberalizar integralmente todos os arrendamentos, inclusive os habitacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os deputados da AD comportaram-se mais uma vez como meras correias de transmissão de um governo demitido, ao serviço dos desígnios e objectivos de uma AD em agonia. Mas até mesmo em agonia continuam a fazer mal ao nosso povo, ao nosso país. Só nesta semana votaram contra os interesses autonômicos do povo de Vizela, votaram contra 1 milhão de reformados que não viram o seu 13.º mês aumentado e acabam de votar contra centenas e centenas de milhares de pequenos e médios comerciantes e industriais, colectividades, clubes populares, estabelecimentos de ensino particular, sindicatos, associações profissionais e de benemerência, creches, infantários, lares para idosos, profissões liberais e até igrejas. Mais uma vez a hipocrisia dos deputados da AD ficou a céu aberto. Deputados houve que afirmaram serem estes decretos injustos, anti-sociais, apressados e imponderados. É ver-

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dade. São isso tudo e muito mais, mas mesmo assim os deputados da AD votaram a favor.
A AD está em coma, putrefacta. É como um monstro, ferido de morte, que se mantém vivo ligado a uma máquina e que no seu estertor continua a sua política destruidora do País.
É urgente desligar a máquina!
O debate terminou com a votação de três propostas de resolução tendo em vista a suspensão dos dois decretos em discussão. Duas (do PCP e da UEDS), visavam apenas a suspensão total. A terceira, do PS, visava apenas a suspensão das avaliações fiscais extraordinárias.
O Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente as três propostas. Os partidos da AD, confirmando plenamente a sua hipocrisia e farisaísmo e revelando um total desprezo pelos interesses de centenas de milhares de comerciantes e industriais, votaram contra. Confirmam aquilo que já sabíamos.
Já a votação do PS se revelou estranha e contraditória, tendo votado pela não ratificação dos dois decretos, quando os mais elementares princípios de lógica e de coerência deveriam naturalmente tê-lo levado a votar favoravelmente a suspensão total dos decretos. Mas não fez. Ficou-se por uma ambígua abstenção.
O PCP manteve-se coerente em todo o debate e nas votações: primeiro, votámos contra a ratificação dos decretos; depois, votámos pela suspensão total dos mesmos diplomas e, finalmente, votámos a suspensão das avaliações fiscais extraordinárias.
Declaração de voto do deputado Mário Raposo, nos termos do n.º 3 do artigo 100.º do Regimento da Assembleia da República.
l - A actualização periódica das rendas dos prédios urbanos, seja qual for o fim a que eles se destinam, é postulada por razões de equilíbrio social; acresce que apenas assim se viabilizará a afectação das pequenas ou médias poupanças ao investimento imobiliário.
Referi a este propósito, em Fevereiro de 1977: «Afigura-se-me de estabelecer um justo balancear entre a eventual carência de meios dos inquilinos e a não menos possível carência de meios dos senhorios. Estes não serão (necessariamente) pessoas de maior capacidade económica do que aqueles. [...] Não há uma classe caracterizável como a dos senhorios e outra como a dos inquilinos. Tais posições são intermutáveis e, em muitos casos, cumuláveis. A sociedade de hoje já não obedece à compartimentação figurável no século XIX e se fosse feito um rastreio das situações de carência talvez se encontrasse um maior número delas nos pequenos senhorios do que nos inquilinos. A poupança e o consequente investimento - funciona ainda em Portugal como uma segurança social supletiva para grande número de pessoas, dessa indefinida mancha populacional que é a classe média. [...] O momento decisivo da pequena ou média propriedade privada não é ela, em si mesma, como fonte de sucessão e de perpetuação de riqueza (o leque dos sucessíveis, em caso de morte, deverá ser restringido, numa perspectiva saudavelmente socializante), mas a segurança no futuro que representa. [...] O direito à habitação deve ser encarado como um consumo social, por via de iniciativas a cargo do Estado, e pela promoção equilibrada e sensata da aplicação das poupanças privadas na construção, tendencialmente em regime de propriedade horizontal.» (Revista da Ordem
dos Advogados, ano 37.º, p. 237.) Sublinhei então que o que assim ponderava não o era «para defender os inquilinos ou para defender os senhorios, o que é a moeda corrente nas argumentações usualmente expendidas, mas para ajudar a construir um país possível e normalizado, com responsabilidades assumidas e projectos definidos». Viria depois a explicitar que outras soluções, que não a do congelamento das rendas, «serão encontráveis no sentido de possibilitar que seja o Estado a suprir as carências das áreas humanas realmente mais desfavorecidas, através de mecanismos que corrijam, gradual, mas firmemente, as assimetrias injustificadas na detenção de bens patrimoniais» (cit. Revista, p. 240).
Penso agora como pensava e creio que terá de existir a vontade e a capacidade política para promover o equilíbrio entre todos os protagonistas da vida social. Isto muito embora no que respeita à actualização das rendas eles tendam para um tratamento diversificado: os arrendamentos para habitação e os arrendamentos para outros fins não poderão estar sujeitos a um sistema uniforme, atentos os condicionalismos socioeconómicos subjacentes.
2 - Quanto aos arrendamentos comerciais (em sentido amplo, ou seja, para outros fins que não a habitação), consigna o Decreto-Lei n.º 330/81, no preâmbulo, uma regra inteiramente acertada: a de que o recurso a avaliações fiscais, morosas e aleatórias, deve ceder o passo a uma actualização objectiva, através de índices anualmente fixados. Com efeito, as avaliações fiscais serão sempre fonte de situações de injustiça relativa, de insegurança para os agentes económicos envolvidos e de uma indesejável sobrecarga burocrática.
Entretanto, prevenindo-se o caso de rendas antigas desactualizadas à data em que o arrendamento passe a estar abrangido pela actualização tabelada anual, faculta-se uma avaliação fiscal extraordinária. Ora foi precisamente aqui que o regime proposto abriu flanco a uma maior contestação, por via do critério estabelecido no Despacho Normativo n.º 75/82, de 22 de Abril, oriundo do Ministro da Justiça e do Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes. E não resta dúvida que o seu n.º 3 («nas avaliações fiscais extraordinárias deveria ter-se em conta unicamente o valor locativo dos imóveis resultante do livre funcionamento do mercado, sendo irrelevante a renda praticada à data do pedido») conduziria, virtualmente, a resultados justificativos de reparo.
No sentido de obviar a tais situações, viria depois a ser publicado o Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro, que refreou os excessos latentes no regime do despacho normativo. A questão será a de saber se os actuais n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/81, na redacção daquele Decreto-Lei n.º 392/82, atingiram, realmente, o proposto objectivo. Estou em crer que sim, pelo menos até certo ponto. Mas também penso que o n.º 4 deveria ter fixado um limite para o aumento resultante da avaliação, como dispositivo de segurança para o arrendatário. A redacção desse n.º 4 é, aliás, confusa; e, num caso destes, a lei, que sempre deverá ser clara e unívoca, devê-lo-ia ser muito especialmente.
O problema é o de que as rendas agora estipuladas em mercado livre tendem a ser especulativas; o legislador deveria ter acautelado que, pelo canal dos mecanismos de actualização, esse pendor especulativo se propagasse às rendas já em vigor, até porque elas nunca deixaram de poder ser quinzenalmente actualizadas, nos termos da legislação anterior.

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Acontece ainda que o regime de actualização das rendas permite, no seu todo, uma certa fluidez interpretativa; isto não obstante alguns preceitos serem de aplaudir, como, por exemplo, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17 de Maio (aplicabilidade do regime «a todos os arrendamentos urbanos destinados a fins diferentes de habitação»).
3 - Foi já salientado que o «pacote locatício» constituído pelos Decretos-Leis n.ºs 328/81, 329/81 e 330/81, de 4 de Dezembro, promanou, todo ele, do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes; quis-se, com isso, visivelmente, reprovar o não terem sido participados pelo Ministério da Justiça (Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 2.» ed., adenda, p. 810). A observação terá certa pertinência, sobretudo no que toca ao primeiro desses diplomas, que directamente alterou disposições do Código Civil. Mas tem de ser entendida numa adequada perspectiva.
É que, realmente, na área dos grandes institutos de direito privado (a área dos chamados «grandes códigos») o Ministério da Justiça deverá ser especialmente responsável pelas actuações de reforma legislativa. E isto por várias razões, a principal das quais será a de ser nele que se concentram os meios de trabalho mais especificamente vocacionados para o efeito. Mas o pensar-se assim não poderá levar ao ponto de reclamar para o Ministério da Justiça o exclusivo da preparação legislativa, como, por exemplo, pretendeu, em França, o então Ministro Alain Peyreffite - o Ministério da Justiça como lê ministère de la loi. O tema viria a ser glosado por Bruno Oppetit («La décodification du droit commercial français», em Études Offertes à René Rodière, 1981, maxime, p. 201), a partir de casos próximos do agora em exame.
A questão será relevante, mas não essencial. O que fundamentalmente importa é que o Governo, no seu todo, funcione solidária e coerentemente; como sublinhou Cavaco Silva, em Outubro de 1981: «O Governo não pode ser um somatório desarticulado e desunido de Ministros e Secretários de Estado, com liderança frouxa, nem pode ser ambíguo, hesitante ou oscilante na sua acção.» (em A Política Económica do Governo de Sá Carneiro, 1982, p. 67). É óbvio que o Prof. Cavaco Silva não se referia ao Governo de que foi um dos elementos basilares; o vi Governo Constitucional é, na realidade, lembrado como uma marcante expressão de coerência, de articulação e de solidariedade, ao serviço de um projecto de Estado e de sociedade e sob uma clara e inesquecível liderança.
Aliás, como eu próprio acentuei então, as acções de reforma legislativa mais directamente a cargo do Ministério da Justiça deveriam ser vistas, quando fosse caso disso, numa perspectiva interdisciplinar e interministerial e sempre integradas «na política geral do Governo» (Boletim do Ministério da Justiça, 300, p. 7).
4 - Aliás, o que estará em causa será a forma como se exerce a função legislativa. A forma e o ânimo. Nenhuma reforma legislativa poderá partir de impulsos de momento e o ser oriunda do Ministério da Justiça não lhe outorgará uma especial autoridade ou dignidade institucional, se as não contiver em si mesma.
Foi por isso que se tivesse ontem podido estar presente no debate sobre o Decreto-Lei n.º 224/82 não deixaria de, em declaração de voto, registar a minha inconformidade quanto ao modo como o processo legislativo surgiu e se desenrolou. O que não me teria impedido de votar no sentido que prevaleceu, dado que as alterações introduzidas em sede parlamentar tiveram o inquestionável mérito
de comedir as arestas negativamente mais vivas do diploma.
Considero útil deixar aqui reproduzida tal declaração de voto, que, repito, só por razões de imprevista impossibilidade não foi tempestivamente apresentada. É que ela, para além do caso concreto e específico das alterações aos Códigos de Processo Civil e das Custas Judiciais, esboça uma problemática que terá aplicação à atitude de base perante qualquer reforma legislativa.
5 - Passo, pois, a reproduzir essa declaração de voto:
Creio que o percurso legislativo encetado pelo Decreto-Lei n.º 224/82 e que agora teve, nesta Assembleia, o seu remate, não foi dos mais felizes e não deverá servir de padrão aos vindouros. Perante o coro de reacções que se abateram sobre o diploma do Governo, deveria ter sido melhor reflectida a reforma que nele se propunha, até porque grande parte dessas críticas eram pertinentes.
A opção de prudência não foi assumida pelo Governo. Entretanto, e não obstante a rejeição prevalente que nesta Assembleia visivelmente se formou quanto às soluções de base do diploma, relutou-se em encarar frontalmente todo ele e ingressou-se numa solução compromissória que, com o muito respeito que merecem todos os juristas envolvidos no árduo labor legiferante, nem ficou a ser «carne nem peixe».
Ora é tempo de reconhecer que as reformas legislativas terão de ser pensadas e prosseguidas em ordem a beneficiar o sistema jurídico e a sua unidade, e não a dar vazão a arroubos doutrinários de circunstância. Assim, como as coisas se passaram, está-se a criar uma situação como a que no editorial do ano 51.º (1918-1919) já a Revista de Legislação e de Jurisprudência lamentava: «[...] a lei, só depois de publicada na folha oficial é que constitui verdadeiramente um projecto de lei, porque é sobre ela que se clama, protesta e representa e depois se fazem novas publicações da lei e, quando já ninguém a compreende, começa-se de novo - é então revogada a lei [...]».
Tudo isto é dito com a noção bem clara de que melhor foi aprovar as alterações introduzidas ao Decreto-Lei n.º 224/82 em sede parlamentar do que deixar incólume a traça inicial deste.
Parto ainda do princípio de que preocupações de celeridade e simplificação processual deverão determinar um eficaz repensar da estrutura do processo civil português. Mas não será, por certo, através de pequenas reformas sectoriais e extravagantes (no sentido técnico-jurídico, escusado seria precisar, de avulsar) que tão decisivo objectivo se alcançará.
E nem se argumente que, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 457/80, transgrediu tão inarredável regra. É que os seus propósitos nem se inseriam na reforma global que então se programava nem com ele mais se visou do que dar resposta imediata a manifestas deficiências, geralmente reconhecidas, de alguns preceitos do Código. Foi um diploma inteiramente desprovido de ambições; a mais firme das audácias é, às vezes, a de se saber ser intelectualmente humilde, numa acepção dignificada da expressão.
A problemática sumariamente posta suscita uma segunda ordem de considerações, também necessariamente breves. Têm elas a ver com o exercício efectivo da função legislativa, por vezes encarado com demasiada

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ligeireza pelos protagonistas do Poder - dos vários poderes do Estado.
Pressupondo, embora, que o centro último da «soberania legislativa» é esta Assembleia, não creio que ela esteja vocacionada para preparar reformas legislativas na área dos «grandes códigos» nem para emendar, com rentabilidade técnica, aquelas sobre que exerça o seu inderrogável dever de censura sobre os actos e impulsos do Governo. Ás coisas são como são, em Portugal e em toda a parte. Ora é ponto incontroverso que os Parlamentos têm limitações de carácter material quanto aos apoios logísticos com que deveriam contar e daí que, como decorrência, os Governos se tenham tornado o principal actor do processo legislativo (assim, por exemplo, Françoise Mendel, «La compétence legislative dês parlements. Étude compare», na Revue Internationale de Droit Compare, 1978, pp. 947 e segs., e Pierïe Avril, «Le parlement lédislateur», na Revue Française de Sciense Politique, Fevereiro de 1981, pp. 15 e segs.).
Por isso eu diria que, no caso concreto em apreço, esta Assembleia deveria ter funcionado mais como órgão de cassação do que como instância de revista. E digo isto sem prejuízo de registar o esforço desenvolvido na 2.ª Comissão e, dentro das premissas de que partiu para a sua intervenção, os aplaudíveis resultados alcançados.
Expressão significativa das limitações práticas da Assembleia da República em matéria legislativa será, entre outras, a do desenvolvimento da Lei n.º 29/81, sobre a defesa do consumidor. Constituindo predominantemente, e pela sua própria natureza, uma lei de bases, a sua aplicabilidade real advirá, em drástica medida, da vontade política do Governo em lhe dar execução. Não creio que falte essa vontade política; mas o certo é que, pelo menos até ao momento, não surgiu a sua concretização, não obstante nalguns aspectos para esta ter sido definido um prazo (assim, n.º 4 do artigo 15.º da Lei e, sobretudo, artigo 18.º). Daí a grande dificuldade em enfrentar reparos como os que faz Carlos Ferreira de Almeida em Os Direitos dos Consumidores, 1982, maxime, p. 43): «Sob a capa de uma lei exigente quanto à sua latitude e razoavelmente evoluída
no conteúdo, pode vir a acontecer, de acordo com o ritmo e a valia efectiva dos diplomas de regulamentação, que se venham a frustrar na prática as legítimas expectativas que a lei veio despertar.»
Estará neste caso, exactamente no plano dos chamados «grandes códigos», a disciplina legal dos contratos de adesão e, mais amplamente, a urgente reformulação do direito dos contratos, acolhendo a significativa evolução que nos últimos 15 anos nele se verificou.
Regressando, especificamente, ao tema que hoje ocupou esta Assembleia, sublinharei que aspectos há da nossa legislação processual a carecer de substancial reforma. Assim os que se apontam no relatório da 2.ª Comissão. E se é certo que as inovações de fundo a introduzir em áreas como os procedimentos cautelares tenderão, na linha do que expusemos, a ser integrados numa perspectiva global do sistema do Código, outros consentirão um mais imediato tratamento, como é o caso de alguns processos especiais, precisamente porque especiais. Entre eles sobressairá o processo de falência. Tive, acerca dele, ocasião de salientar, em Novembro de 1980: «Tal como entre nós está figurado, o instituto falimentar é uma forma expedita e quase fatal de destruir empresas (mesmo aquelas que merecessem ser conservadas, vencida que fosse a sua situação de crise), de prejudicar os credores, a começar pelos próprios empregados, e de afectar o correcto funcionamento do mercado e o interesse geral da economia.» (Boletim do Ministério da Justiça, 300, p. 9.)
Restará, de novo, insistir na subalternização que ocorre na adopção de mecanismos de arbitragem, quer, como se diz em Itália, de arbitragem «ritual» (ou seja, jurisdicional), quer de arbitragem «irritual» (ou seja, contratual). Neste aspecto, como em muitos outros, não emergimos ainda do ciclo napoleónico, desperdiçando o contributo científico que poderia ser prestado, na fase genética do processo legislativo, pelos notáveis mestres de direito com que contamos.»
O deputado do PSD, Mário Raposo.

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