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I Série - Número 39
Quarta-feira, 26 de Janeiro de 1983
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE JANEIRO DE 1983
Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Manuel Rodrigues Masseno
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 25 a 28 do Diário.
Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Presidente informou a Câmara do procedimento que a conferência dos grupos parlamentares decidiu adoptar de imediato, na sequência da decisão do Sr. Presidente da República de dissolver a Assembleia.
Em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Condesso (PSD) manifestou a discordância do seu partido face a essa decisão, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Lopes Cardoso (UEDS), Magalhães Mota (ASDI), Carlos Brito (PCP), Borges de Carvalho (PPM), Sanches Osório (Indep.) - que respondeu também a um protesto do Sr. Deputado Borges de Carvalho (PPM) - e Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Igualmente em declaração política, os Srs. Deputados Carlos Brito (PCP) e Helena Cidade Moura (MDP/CDE) deram o seu apoio à referida decisão do Sr. Presidente da República.
Ordem do dia. - Depois de lido um ofício do Gabinete do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, comunicando à Câmara ter o Governo já aprovado um diploma sobre a matéria agendada para a sessão parlamentar de hoje - e tendo-se pronunciado sobre este assunto os Srs. Deputados Silva Marques (PSD) e Veiga de Oliveira (PCP)-, procedeu-se à discussão e votação, na generalidade, do projecto de lei n. º 390/II, do PCP, sobre a actualização do salário mínimo nacional, que foi rejeitado.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Manuel Lopes (PCP), Silva Marques (PSD), Cavaleiro Brandão (CDS) e Cipriano Martins (PSD).
Entretanto, foi lido pelo Sr. Deputado Alfredo Pinto da Silva (PS) um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PSD e do PS, que foi aprovado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Anacleto Silva Baptista.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José Cardoso e Cunha.
António Manuel Lemos de Menezes.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Armando Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcêz.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
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Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes da Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José Vargas Bulcão.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS):
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Hermínio Martins Oliveira.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Rodrigues Masseno.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L.V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João António Morais Leitão.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Miguel Rodrigues S. Ferreira.
José Alberto Faria Xerez.
José Luís Cruz Vilaça.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Mário Gaioso Henrique.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
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Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM):
António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Helena Cidade Moura.
João Corregedor da Fonseca.
União Democrática Popular (UDP):
Mário António Baptista Tomé.
Independentes:
José Eduardo Sanches Osório.
Natália de Oliveira Correia.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 25, 26, 27 e 28 do Diário.
Pausa.
Como não há pedidos de palavra, considero-os aprovados.
O sr. Secretário Reinaldo Gomes vai agora proceder à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Da Assembleia Municipal de Monchique, enviando o texto de uma moção aprovada na reunião que se efectuou no passado dia 14 do corrente, sobre o estabelecimento termal das Caldas de Monchique.
Da Câmara Municipal de Gondomar, enviando fotocópia de uma deliberação tomada naquela autarquia na sessão efectuada no passado dia 17 do corrente, manifestando a pretensão de que não sejam extintos os notariados privativos das Câmaras Municipais.
Da Câmara Municipal de Penamacor, remetendo cópia de um outro enviado ao Sr. Director da Rodoviária Nacional, em Lisboa, acerca do serviço combinado de transportes com a CP, e solicitando a intervenção desta Assembleia no sentido do apoio às pretensões daquela Câmara Municipal.
Do Sindicato dos Pescadores do ex-Distrito da Horta, com sede na Horta, Açores, enviando um comunicado sobre a sua posição relativamente ao incumprimento de um despacho conjunto do Estado-Maior da Armada e da Secretaria de Estado do Emprego, que concede aos pescadores regalias através do Fundo de Desemprego.
Da Associação Lisbonense de Proprietários, enviando documentação relacionada com as avaliações fiscais efectuadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro.
Da Assembleia Municipal de Mora, enviando cópia de uma moção aprovada em sessão realizada no passado dia 14 do corrente, repudiando o concurso público à terra da UCP Agro-Pecuária Terra Livre, de Cabeção.
Da comissão de trabalhadores da Electricidade de Portugal, E.P., enviando moção aprovada em reunião da referida comissão, realizada no passado dia 13 do corrente, de repúdio pelos recentes aumentos que vêm agravar o custo de vida.
Telegramas
Em número de 8, de pequenos e médios comerciantes e de várias associações de comerciantes e de retalhistas, protestando contra os aumentos previstos para as rendas de estabelecimentos comerciais e pedindo a revogação dos decretos-leis respectivos.
i)
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Da família Reis Pereira, de Vila do Conde, testemunhando a sua gratidão pela homenagem prestada por esta Assembleia ao poeta Júlio Reis Pereira, que usava o pseudónimo de Saul Dias, no passado dia 18 do corrente, no decurso do Plenário.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Nas últimas reuniões plenárias foram apresentadas na Mesa os seguintes requerimentos:
Dia 20 de Janeiro de 1983: Ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Armando Costa; aos Ministérios da Educação e da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios da Administração Interna e da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Gaspar Martins e Ilda Figueiredo; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelos Srs. Deputados Custódio Gingão e Alda Nogueira; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Gomes dos Santos e Jerónimo de Sousa; à Câmara Municipal da Feira, formulado pelos Srs. Deputados Manuel Matos e João Abrantes, e à Empresa Satã, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Tílman.
Dia 21 de Janeiro de 1983: Ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Anselmo Aníbal e Jorge Lemos.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Cacito, na sessão de 11 de Maio; Fernando Reis Luís, na sessão de 27 de Maio; Álvaro Brasileiro, na sessão de 1 de Junho; César Oliveira, na sessão de 23 de Julho; Magalhães Mota, nas sessões de 27 de Julho, 21 e 28 de Outubro e 3, 9, 10 e 18 de Novembro; Manuel Tavares, na sessão de 29 de Julho; Rogério Brito e Joaquim Miranda, na sessão de 12 de Agosto; Ercília Talhadas, nas sessões de 12 de Agosto e 23 de Novembro; Jorge Lemos, nas sessões de 26 de Outubro e 11 de Novembro; Silva Graça, na sessão de 26 de Outubro; Ilda Figueiredo, nas sessões de 21 de Outubro e 5 de Novembro; e Vilhena de Carvalho, na sessão de 23 de Novembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de conceder a palavra aos oradores inscritos para declarações políticas, cumpre-me informar a Câmara, na sequência do facto de todos conhecido e anunciado ao País na noite de domingo por S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, do seu propósito de, em curto prazo, dissolver esta Assembleia.
Em encontro pessoal que tive com o Sr. Presidente da República - e esta é a informação que hoje, em reunião de líderes dos grupos parlamentares, ficou por consenso estabelecido que eu prestaria à Câmara - assentou-se em que esta Assembleia debateria e votaria, nos termos constitucionais adequados, as medidas urgentes e indispensáveis à condução dos negócios e da vida pública nos próximos meses, até ao empossamento de um novo governo em plenitude de funções, e também que, em conferência de grupos parlamentares, se definiriam quais os processos legislativos que concretamente se consideram urgentes e de vantagem serem discutidos e votados antes da publicação do decreto de dissolução da Assembleia da República.
Para listagem do primeiro grupo de medidas, que correspondem, necessariamente, e como já disse, àquelas que pela sua urgência e indispensabilidade merecerão
uma particular atenção desta Assembleia, é indispensável a informação que o Governo venha a prestar. Nessas circunstâncias, espero ter já em meu poder amanhã elementos suficientes para prestar essa informação na conferência de grupos parlamentares, já convocada para as 17 horas.
Quanto às restantes medidas, elas serão também objecto de consideração nessa mesma reunião a realizar amanhã.
Eis, pois, o que de momento cumpria à Mesa comunicar à Câmara.
Neste momento, passo a conceder a palavra ao primeiro deputado inscrito para declaração política, e que é o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acaba o Sr. Presidente da República de anunciar, em declaração feita ao País, que irá dissolver a Assembleia da República, pondo assim fim à experiência governativa da AD.
Com que fundamento? Com que legitimidade?
No fundo, a sua atitude teria que ver com a crise de governo, vivida recentemente e, aliás, superada na cimeira da AD de 13 de Janeiro.
Vejamos os factos.
O Primeiro-Ministro pediu a demissão do cargo, mantendo-se no exercício das funções de presidente do PSD, partido que em tempo razoável, aliás, sugerido pelo Presidente da República, indicou um novo candidato a Primeiro-Ministro, o presidente do meu grupo parlamentar, Prof. Vítor Crespo, e os restantes membros do Governo.
Por parte do CDS, o seu presidente, que já no ano passado havia declarado querer sair do Governo, pede a demissão da chefia do partido. Há dificuldades na aceitação do nome proposto pelo PSD para formar Governo e aparece mesmo no sector do CDS quem pretenda acabar com a AD.
Mas na véspera de cessar o referido prazo sugerido pelo Presidente da República para apresentação do Governo faz-se uma cimeira da AD e constata-se que PSD, CDS e PPM mantêm a vontade de continuar a executar o programa da AD, mantêm o compromisso de apoio parlamentar ao futuro Governo, aceitando, desde logo, apoiar o nome do Prof. Vítor Crespo para Primeiro-Ministro e, de imediato, indicá-lo ao Presidente da República.
No entanto, o Presidente da República, que havia aceite a demissão do Primeiro-Ministro, mostrando-se pronto a nomear, como era constitucional, o novo nome a indicar pela AD, resolve dissolver o Parlamento. Isto no preciso momento em que a AD estava a meio do seu mandato, naquele momento que seria decisivo para levar avante as mais difíceis medidas preconizadas no seu programa.
A Sr.ª Josefina Andrade (PCP): - Essa tem muita graça!
O Orador: - Os 2 anos passados foram os anos das alterações fundamentais no plano do regime, que se traduziram na revisão da Constituição, que só os partidos da AD unidos tiveram capacidade para negociar em força com as outras forças parlamentares, da extinção do Conselho da Revolução, da subordinação da instituição militar ao poder civil.
Os próximos 2 anos seriam anos em que a AD, apesar
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das dificuldades previsíveis por razões de ordem internacional, iria, em verdade, implementar o seu programa, fazendo, desde logo - como já havia sido declarado -, uma nova lei de delimitação de sectores e tudo fazendo para, como era visível propósito do OGE proposto a esta Câmara, tentar sanear as finanças públicas.
Mas o Sr. Presidente da República resolveu, por razões que a sua mensagem não diz, dado que as que aponta não são compreensíveis, pôr fim a esta experiência inacabada.
Nas razões invocadas confunde permanentemente crise na execução do programa do governo da AD, crise da maioria parlamentar - que no fundo, a existir, seria, essa sim, a crise da AD, como tal -, crise do Governo e crise dos partidos constitutivos de uma coligação, neste caso da AD.
É sabido que tem havido dificuldades na execução do programa de governação apresentado pela AD aos Portugueses, cujas razões são conhecidas, mas só aos partidos constitutivos dessa aliança é que competia decidir não se manterem no Governo, se entendessem que as causas dessas dificuldades não seriam ultrapassáveis por si sós.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!
O Orador: - Não foi o que aconteceu. Pelo contrário, todos declaravam que viam com esperança a metade do mandato que ainda faltava exercer.
Houve crise do Governo, porque se desenvolveu um processo de substituição de figuras da AD na governação, mas qualquer crise deste género é normal em democracia, sobretudo em governos de coligação, crise que, aliás, como já disse no início, já estava superada.
Há crise institucionalizada num partido da AD, que a breve trecho terá de escolher um novo presidente, mas isso é uma questão interna desse partido que S. Ex.ª não tinha que evocar desde que ela não implicasse uma quebra da maioria parlamentar, o que realmente não aconteceu.
Não havia, pois, qualquer razão para a dissolução.
O líder do PSD aquando das eleições legislativas, Francisco Sá Carneiro, morreu em 1980 e o Presidente da República aceitou os outros governos da AD com outro Primeiro-Ministro.
O Presidente do CDS não quis estar no 2.º governo da AD, conforme, aliás, havia afirmado durante a campanha eleitoral, e isso não levou o Presidente da República a não aceitar mais esse e outros governos da AD.
O presidente do PSD não seria o próximo Primeiro-Ministro - e todos terão presente situações similares no estrangeiro, designadamente na Alemanha até ao Verão passado, em que não era o presidente do SPD que chefiava o Governo -, sendo certo que o Presidente da República se propôs aceitar um novo governo AD quando aceitou demitir o actual Primeiro-Ministro.
É a própria Constituição que diz que o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República tendo em conta os resultados eleitorais, não apontando, portanto, desde logo, para nenhuma figura determinada.
A consistência política do seu governo nada tem que ver com os acontecimentos internos dos partidos, designadamente com lideranças, mas apenas com a existência ou não de apoio parlamentar.
Q Presidente da República não pode, pelo facto de lhe competir nomear os membros do Governo, tirar a conclusão de que nenhuma solução governativa dispensa o seu juízo sobre a mesma. O facto de poder recusar nomes propostos é muito diferente de poder recusar um governo. Nomes pode recusar, mas não pode recusar-se a empossar um governo quando tem o apoio parlamentar assegurado e só pode demitir um governo em funções quando esteja em causa o funcionamento das instituições.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Aliás, não seria lógico que fosse de outro modo. É porque se no actual contexto jurídico-constitucional não pode demitir governos em função por razões de falta de confiança política, por maioria de razão, tratando-se de acto mais grave, não deve dissolver a Assembleia da República por simples razões de desconfiança política.
Neste caso só é admissível - e isto caracteriza o regime semipresidencial em face do regime parlamentarista - que um Presidente da República recém-eleito por uma maioria diferente da que governa o País dissolva o Parlamento para colocar no poder a sua maioria que, presumivelmente, crê, sairá vitoriosa. Foi o que aconteceu em França, mas não é este o nosso caso.
O Presidente da República candidatou-se afirmando que nunca poria em causa esta maioria parlamentar e foi apoiado, aliás, por partidos, como o PS e o PCP, que não querem fazer Governo, mesmo que, coligados, fizessem maioria.
Aliás, esta situação limite, aceitável em regime semipresidencialista, tem contrapartidas - à faculdade corresponde responsabilidade-, que no fundo terão de ser sempre estas: quando um Presidente da República desfaz uma maioria e ela-se mantém, ou cria uma situação de falta de maioria, a seguir deve demitir-se.
Que fez o Presidente da República?
Acaba com uma maioria sem ter a certeza de que poderá aparecer outra maioria, indo, aliás, contra aquilo que recentemente proclamara ao declarar que considerava inoportuna e ilegítima a dissolução da Assembleia da República enquanto não se prefigurassem no horizonte político soluções consubstanciadoras de novas maiorias pós-eleitorais.
O Presidente da República destrói arbitrariamente uma maioria sem garantias de que os Portugueses possam vir a ter outra maioria; pretende institucionalizar a instabilidade política existente antes da existência da AD.
Em 1979 dissolveu a Assembleia da República, com parecer favorável do Conselho da Revolução, por falta de uma maioria parlamentar capaz de apoiar um governo e sabendo que se havia constituído uma solução possível de criar uma maioria.
Agora, embora com menos poderes constitucionais, como afirma, faz precisamente o contrário, aliás, contra parecer do Conselho de Estado, e tenta destruir uma maioria parlamentar que, como tal, não está em crise, e isso apenas porque houve uma crise de sucessão do Governo conhecida do público, como é normal em regime democrático onde há liberdade de imprensa, criando condições para pulverizar o Parlamento entre forças políticas incapazes de por si sós governarem.
Se o facto de se constituir uma coligação ante-eleitoral - como nós fizemos - não significa nada para o Presidente da República, em face do apoio que a mesma obteve, então não há mais interesse em fazê-lo.
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O meu grupo parlamentar não pode deixar de declarar que considera ilegítima a posição do Presidente da República, cujas razões são obscuras e nada têm que ver com os interesses dos Portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A decisão está tomada. Condenamo-la, mas estamos prontos para o novo repto que nos lançam.
Nos, sociais-democratas, iremos propor-nos para as próximas eleições. Concorreremos com aquilo que somos, apresentando-nos como somos perante o nosso próprio eleitorado.
Os Portugueses farão justiça de compreender que, no meio de tantas dificuldades que de todos os lados nos quiseram criar, fomos, até ao último minuto, o eixo da procura incessante da estabilidade política.
Aos Portugueses competirá o julgamento das nossas acções.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Magalhães Mota, Carlos Brito, Borges de Carvalho, Sanches Osório e Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, eu não diria que o cepticismo manifestado pelo Sr. Deputado em relação à Aliança Democrática seja motivo de perplexidade, mas o que talvez seja um pouco motivo de espanto é a transparência e a clareza com que o faz, embora tenha o mérito, sem dúvida, da sinceridade.
O Sr. Deputado disse que o Sr. Presidente da República pôs fim à experiência AD. Dir-lhe-ia, Sr. Deputado, que o Sr. Presidente da República não pôs fim a essa experiência. O Sr. Presidente da República deu oportunidade - ou dará oportunidade - ao povo português de dizer se quer ou não que essa experiência continue. E se a Aliança Democrática corresponde, realmente, aos interesses do Pais, se corresponde ao sentimento do eleitorado, se corresponde a uma experiência válida, seguramente que o eleitorado a confirmará!
Mas o Sr. Deputado foi mais longe. O Sr. Deputado acabou, pelas suas últimas palavras, por legitimar a atitude do Sr. Presidente da República. Ao anunciar que o Partido Social-Democrata concorreria isolado às novas eleições, veio publicamente dizer que a Aliança Democrática já não responde àquilo que são as necessidades do País, do próprio ponto de vista do Partido Social-Democrata!
Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.
Acabou assim, por dar razão ao Sr. Presidente da República.
Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Ouvindo a intervenção do Sr. Deputado Fernando Condesso, algumas dúvidas se me colocaram. E a primeira delas tem algo que ver com a realidade portuguesa, com aquilo que todos conhecemos e que, afinal, parece ter sido ignorado na intervenção.
É ou não verdade que o Primeiro-Ministro se demitiu em 19 de Dezembro de 1982? É ou não verdade que foi este facto que gerou a crise política e que provocou todas as circunstâncias que conhecemos? Esse facto pode ser escamoteado? V. Ex.ª entende que é a esse facto que deve atribuir, e em primeira mão, algumas circunstâncias, tais como a destruição da maioria?
Quando o Sr. Deputado Fernando Condesso fala na destruição da maioria e no pôr fim à maioria por acto do Sr. Presidente da República, está a dizer-nos que, de facto, a AD já se dissolveu, que o Sr. Deputado Fernando Condesso não está disposto a subscrever novo acordo AD, ou, pelo contrário, que está disposto a submeter-se à decisão do Sr. Presidente da República, a pôr termo à AD, e com ela concorda, ao fim e ao cabo?
Quanto ao parecer do Conselho de Estado, conhece V. Ex.ª o teor de tal parecer, que só será tornado público juntamente com a decisão? Ou V. Ex.ª tem apenas uma informação dos jornais? Devo dizer que me custa a crer, na informação que foi estabelecida. E isto porque suponho que perante afirmações tão peremptórias como aquelas que foram proferidas por pessoas como o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira ou outros, essas posições foram mantidas no Conselho de Estado, tendo-se pronunciado a favor da dissolução da Assembleia da República. Até ver, aguardarei esta confirmação.
Por último, queria saber se a apresentação que V. Ex.ª anunciou, por parte do PSD, significa de facto aquilo que entendemos, ou seja, que também V. Ex.ª, e por esta declaração política - que é feita em nome de um partido -, pôs termo à Aliança Democrática.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, ouvi com toda a atenção a sua declaração política e não sou eu que negarei uma certa novidade que ela comporta. Agora o Sr. Deputado - que foi à tribuna, ao que parece para criticar a decisão do Sr. Presidente da República ao dissolver a Assembleia e convocar eleições gerais - pareceu-me apostado em fazer a demonstração contraria. Isto é, que a decisão do Presidente da República é perfeitamente justificada, adequada à própria situação existente naquilo a que o Sr. Deputado ainda chamou, durante a sua intervenção, maioria parlamentar. Em todo o caso, queria colocar-lhe algumas questões.
O Sr. Deputado pretendeu demonstrar que tudo foi natural neste processo: foi natural a demissão do Sr. Primeiro-Ministro - aliás, pela segunda vez num curto período e depois de outras ameaças intermitentes, também de demissão-, foi natural a demissão do presidente do CDS, de alguma maneira a figura tutelar da AD depois da morte do Dr. Sá Carneiro, natural foi, também, a demissão do presidente interino do CDS, do presidente da comissão directiva do CDS, Dr. Basílio Horta, que depois considerou a sua decisão, mas fez declarações do género da que, por exemplo, vou citar quando da entrevista concedida à RTP:
Vítor Crespo não tem condições mínimas para formar um governo forte e duradouro, em que os
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Portugueses possam acreditar, com autoridade suficiente para dar uma esperança renovada e uma eficácia que se esperava dar à AD.
No seu próprio partido, figuras importantes, como por exemplo, o Dr. Meneres Pimentel, chamava à solução governativa uma solução de gargalhada nacional; o Dr. Cavaco e Silva dizia que era a pior das soluções possíveis; e até um importante dirigente sindical, que foi já aqui deputado da Assembleia da República, o Sr. Cabecinha, dizia que - independentemente da amizade que o ligasse ao Dr. Vítor Crespo - considerava que ele não tinha as mínimas condições para encabeçar um governo.
Então, depois de tudo isto - e para não citar mais, porque podia continuar, tenho aqui um dossier largo a respeito da vossa polémica - o Sr. Deputado sente-se à vontade para vir aqui, à Assembleia da República, afirmar que um tal governo, este fantasmagórico governo do Prof. Vítor Crespo, tinha um mínimo de credibilidade? E isto para já não falar nas hostes comedidas da juventude centrista, da juventude social-democrata, que naturalmente se levantariam em pé de guerra contra esse governo!
Bem, o Sr. Deputado diz, a certa altura, que o CDS tem que escolher presidente, e eu pergunto-lhe: e o PSD não tem que escolher presidente?
isos do PCP.
A fragilidade é só do CDS?
Finalmente, quero dizer que o Sr. Deputado parece não ter assistido aos debates da revisão constitucional, quando procura condicionar a competência do Presidente da República para dissolver a Assembleia da República.
Não é correcto o que o Sr. Deputado disse. O que aqui se garantiu, aquando do debate da revisão constitucional, é que a competência da dissolução da Assembleia da República deveria ser livre. E por isso mesmo, Sr. Deputado, é que o direito de demissão do Governo era condicionado. Ora o Sr. Deputado, agora, confunde tudo e procura retirar do condicionamento do poder de demissão do Governo o espírito da lei, o espírito da Constituição, para aplicar esse condicionamento à dissolução da Assembleia da República. Não é, desculpe que lhe diga, jurídica e politicamente honesto. Não é honesto e o Sr. Deputado deve fazer essa rectificação porque foi esse o entendimento da revisão constitucional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado Fernando Condesso, V. Ex.ª concordará comigo se afirmar que estamos hoje aqui numa situação deveras bizarra. De facto, o Sr. Presidente dissolve o Parlamento, um Parlamento em dissolução, ou um soluto de Parlamento, que seremos hoje aqui.
A esse Parlamento são atribuídos poderes para tomar medidas fundamentais para o País, estando em solvência, ou em insolvência, ou em solução, ou em dissolução, ou estando dissolutos, ou solutos ou como VV. Ex.ªs ou o Sr. Presidente queiram considerar. Dada a bizarria da situação, o Sr. Presidente da República, além de anunciar essa sua decisão a prazo, ainda comanda ao Parlamento que tome determinadas medidas. Quer dizer, o Parlamento em dissolução não só tem poderes para tomar medidas fundamentais como ainda receberá de S. Ex.ª o Presidente da República as ordens necessárias para cumprir com determinadas disposições que S. Ex.ª considere fundamentais.
Queria perguntar a V. Ex.ª, Sr. Deputado, o que é que isso lhe faz lembrar.
Referiu-se V. Ex.ª à dissolução do Parlamento em 1979 e focou a diferença fundamental entre as duas situações. Mas esqueceu - e isso é grave - que em 1979 o Sr. Presidente da República começou por escorraçar do Governo o Partido Socialista sem lhe dar qualquer espécie de oportunidade de procurar outra maioria, como era devido. O Partido Socialista tinha oportunidade nessa altura, pelo menos, de, com outros dois partidos -um próximo à esquerda e outro próximo à direita -, constituir uma maioria. E foi depois da experiência dos governos presidenciais que o Sr. Presidente da República deliberou dissolver a Assembleia da República. Portanto, são situações diversas e gostaria que V. Ex.ª comentasse isto em temos de regime.
O Sr. António Arnaut (PS): - Não vale a pena!...
O Orador: - Por último, e sabido que o regime que defendemos, tanto eu como V. Ex.ª, se baseia em determinados valores, tem regras de funcionamento sem as quais não funciona, queria perguntar o que é que pensa da decisão do Sr. Presidente da República, em termos de regime democrático, em termos do funcionamento do sistema parlamentar, em termos de futuro para a democracia portuguesa.
Queria perguntar-lhe, ainda, o que é que no meio disto tudo V. Ex.ª e o seu partido têm a dizer do regime semipresidencialista que defenderam na revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sanches Osório.
O Sr. Sanches Osório (Indep.): - Sr. Deputado Fernando Condesso, fiquei surpreendido e cheio de dúvidas ao ouvir algumas passagens da sua douta intervenção. Parte das perguntas que ela me suscitou foram já levantadas. Todavia, parece-me que devo repetir uma delas e fazer outra. A que vou repetir é esta: considera V. Ex.ª que a crise foi aberta ou não pelo pedido de demissão do Sr. Primeiro-Ministro?
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - Considero que um esclarecimento a esta questão é extremamente importante.
A outra questão é esta: que eu saiba - e V. Ex.ª me ajudará se não souber bem ou estiver errado -, a Constituição não faz depender o estabelecimento de coligações de qualquer opinião ou de qualquer autorização que o Sr. Presidente da República possa ter sobre elas. Porque julgo que isto é assim, pergunto ao Sr. Deputado se a AD acaba por que os partidos que integravam esta coligação estão dispostos a nela não permanecer, a não lhe dar vida, ou se há outra qualquer razão obscura.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Queria fazer um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Sanches Osório.
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O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, mas primeiro vou dar a palavra ao Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Fernando Condesso, ouvi atentamente o seu queixume fúnebre.
Enquanto o ouvia, aquela tribuna pareceu-me mais um muro de lamentações do que uma tribuna de um Parlamento. Sr. Deputado Fernando Condesso, creio que está esquecido de que a situação é completamente diferente daquela a que nos tenta aqui induzir. V. Ex.ª tenta demonstrar-nos que a AD está forte, está reforçada, que podia governar.
V. Ex.ª esqueceu-se de referir que o Dr. Pinto Balsemão se demitiu alegando questões internas, nomeadamente traições com o seu grupo parlamentar, deixando o País em crise e sem Orçamento Geral do Estado.
Protestos do PSD.
O Orador: - É verdade, Sr. Deputado, e não foi desmentido por VV. Ex.ªs!
Vozes do PSD: - É mentira!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Que mau jornalista! Péssimo jornalista!
O Orador: - Queria, pois, perguntar ao Sr. Deputado se é ou não verdade que o seu secretário-geral, Dr. António Capucho, declarou - isso não foi desmentido, está publicado e foi transmitido na rADio e na televisão - que esta já não é a mesma AD constituída e que tinha formado Governo.
É ou não verdade que o Sr. Dr. Freitas do Amaral, quando se demitiu de presidente do CDS, declarou que esta já não é a AD que se formou e que constituiu o Governo? É ou não verdade que o Sr. Dr. Basílio Horta disse o mesmo e, mais, solicitou-o até por carta.
Portanto, Sr. Deputado Fernando Condesso, que legitimidade teria a AD para se manter no Governo perante declarações deste tipo, proferidas pelos dirigentes dos principais partidos que constituíram a AD?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por me referir ao Sr. Deputado Lopes Cardoso - que, aliás, levanta uma questão que outros Srs. Deputados também levantaram - e à sua afirmação de que eu teria dito que o Presidente da República pôs fim à experiência da AD. Eu referi, de facto, a expressão «pôs fim à experiência da AD»; outras vezes disse até «destruiu uma maioria». Estas expressões, porém, estão ligadas e devem ser interpretadas em conjunto.
Neste momento, em face da constituição da AD, há neste Parlamento a maioria que o povo português lhe deu. Esse é um facto. Ora, o Sr. Presidente destruiu essa maioria.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Que pena...!
O Orador: - Ela poderá vir a refazer-se, esta ou outra maioria. Isto não significa que, caso o PSD venha a ter a maioria de votos juntamente com o CDS, se não possa vir novamente a coligar com ele. Ou até a fazer qualquer outro tipo de coligação. Neste momento, porém, esta maioria e esta experiência da AD foram destruídas.
Quanto à questão de concorrer, ou não, isolado, esta é uma problemática que o meu partido decidirá em tempo oportuno. Não é, contudo, desconhecido que, quer o anterior presidente do CDS, quer o presidente ainda em funções do meu partido - e não sei mesmo se o anterior presidente, o Dr. Sá Carneiro -, tinham admitido que o problema de se concorrer em listas conjuntas era, em princípio, um fenómeno excepcional; o normal seria fazerem-se as coligações depois do acto eleitoral. Porém, é sabido que em 1979 e em 1980 se concorreu em coligação; isso não significa, contudo, que nas próximas eleições não possamos ou devamos ir isolados.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Com certeza.
VO Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Gostava de lhe perguntar, Sr. Deputado, se a sua intervenção foi feita a título pessoal ou em nome do seu grupo parlamentar e se a posição deste será ou não concordante com a do seu partido.
O Sr. Deputado diz agora que a questão de o PSD ir sozinho ou coligado é uma questão que terá de ser analisada e debatida. Mas há minutos o Sr. Deputado disse, de forma peremptória, a esta Assembleia que iriam às eleições sós, com a vossa cara, com o vosso programa.
Em nome de quem falou há bocado e em nome de quem está a falar agora?
O Orador: - Sr. Deputado, a afirmação feita, independentemente de, sob o aspecto formal, estar mais ou menos correcta, nada tem que ver com a perspectiva de coligação futura nem com a possibilidade de o PSD e o CDS se poderem coligar depois das eleições - e isso depende do resultado eleitoral.
Quanto à questão levantada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota acerca da crise...
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado, apenas queria fazer-lhe uma pergunta: V. Ex.ª diz que o Presidente da República terminou com a Aliança Democrática. Tendo em conta que eu estava convencido...
O Orador: - Terminou com esta experiência da Aliança Democrática!
Risos do PS e do PCP.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Como eu entendo que o Sr. Presidente da República não tem poderes para acabar com um projecto como o da Aliança Democrática nem com uma maioria existente no Parlamento, assumiu, na realidade, um outro tipo de atitude. E, de facto, não conheço ainda nem a ruptura nem o terminar da Aliança Democrática...
E como V. Ex.ª o referiu, queria perguntar-lhe, Sr. Deputado, se isso é uma assunção dessa ruptura ou
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do fim da Aliança Democrática em termos do partido de V. Ex.ª
Risos do PS, do PCP, da ASDI, da VEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Robalo, como estava a dizer, parece-me evidente que o Sr. Presidente da República, ao dissolver a Assembleia, acaba - e na minha perspectiva isso é feito ilegitimamente - com esta experiência da Aliança Democrática.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A Aliança Democrática poderá manter-se no futuro; mas isto se o eleitorado, antecipadamente - e as nossas expectativas apontariam para mais 2 anos, aos quais tínhamos constitucionalmente direito, pois a legislatura é de 4 anos -, nos voltar a dar a possibilidade de nos coligarmos e formarmos um governo de maioria. É que nós sempre dissemos que nunca faríamos qualquer governo, mesmo que fosse com uma maioria relativa, sós ou coligados.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Desculpe-me novamente, mas dá-me licença que volte a interrompê-lo?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Gostaria de lhe fazer outra pergunta, na esperança de que me esclareça.
Está V. Ex.ª a assumir claramente a ida a eleições, não da Aliança Democrática, mas do Partido Social-Democrata independentemente dos partidos componentes da Aliança Democrática?
Será esse o entendimento que eu posso fazer da afirmação de V. Ex.ª, ao referir o voto, até porque o voto é dado a partidos ou à Aliança Democrática?
E penso que è importante saber, em termos de uma maioria que eu continuo a considerar como tal e de um projecto que eu continuo a considerar que existe, se V. Ex.ª estará a anunciar e a assumir a responsabilidade da própria ruptura, dizendo que o Partido Social-Democrata se assume em toda a sua dimensão nas próximas eleições quando as mesmas se realizarem.
Era este esclarecimento que pretendia, pois me parece importante.
E quanto à posição do Presidente da República, continuo a dizer que ele não tem poderes para acabar com nenhuma maioria. Ele teve o poder de não aceitar o Governo, como teve também o poder de dissolver constitucionalmente a Assembleia da República.
Não estou a defender nem a atacar a posição do Presidente da República; estou única e simplesmente a pretender um esclarecimento da posição que V. Ex.ª expandiu neste Parlamento.
O Orador: - Concluindo, Sr. Deputado, aquilo que eu disse tem o significado que tem: nem mais, nem menos.
Risos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente da República acabou com esta experiência da Aliança Democrática, experiência de governo que pressupõe uma maioria e o funcionamento do Parlamento com essa maioria. Ao dissolver a Assembleia, acabou com ela. Se se vai ou não manter, não depende do Sr. Presidente da República; depende dos partidos que a constituem e do resultado global do voto popular: se for maioritário, poderá continuar; se o não for, é evidente que não iremos para um governo minoritário, mesmo que seja com outros partidos.
Aplausos do PSD.
Em relação à questão posta pelos Srs. Deputados Magalhães Mota e Corregedor da Fonseca - quem é que abriu a crise?; Balsemão abriu a crise; Balsemão é a causa de tudo -, Srs. Deputados, o presidente do meu partido demitiu-se. Abriu uma crise de governo. Não o nego. Outros primeiros-ministros e presidentes de partidos se demitiram. Abriram uma crise de governo? Não se pode negar.
Vozes do PS: - Quais?
O Orador: - O próprio presidente do meu partido se demitiu. Creio que o Governo Constitucional, do Dr. Mário Soares, também se terá demitido - não tenho bem presente.
Protestos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
Eu corrigiria em relação ao 1 Governo Constitucional, pois tratou-se de uma moção de desconfiança ou censura, creio.
Mas aqui, como noutros países, é frequente que um primeiro-ministro se demita. E às vezes é reconduzido. Ou então o seu partido ou a sua coligação indicam outro primeiro-ministro, que vem normalmente a ser nomeado e empossado.
Isso não é algo que possa explicar uma dissolução da Assembleia da República, nem pode, de modo algum, ser aqui invocado. Tanto mais que quando o presidente do meu partido comunicou ao Sr. Presidente da República que se iria demitir, é sabido que ele desde logo lhe marcou um prazo para que a coligação indicasse o futuro governo. O Presidente da República criou, portanto, uma perspectiva que acabou por falsear, e que era a perspectiva de que não poria em causa a manutenção desta maioria e deste Parlamento.
Quanto à questão do parecer do Conselho de Estado, Sr. Deputado Magalhães Mota, aquilo que eu sei do Conselho de Estado pela comunicação social é um pouco como aquilo que eu sei da dissolução da Assembleia da República pela comunicação feita anteontem ao País: nem num caso há parecer escrito, nem no outro há decreto!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito pergunta se eu considero natural a demissão do Primeiro-Ministro e presidente de um partido e outras tomadas de posição dentro do CDS e do meu próprio partido, como certas afirmações críticas em relação ao Prof. Vítor Crespo.
Sr. Deputado Carlos Brito, aonde é que fora - e até dentro - dos partidos que apoiam uma dada coligação não aparecem 1, 2, 3, 10 vozes, criticando uma certa solução, seja o ministro X, seja o primeiro-ministro y? O que é que isso pode significar em termos institucionais?
Estamos a falar em termos de instituições, Sr. Deputado, não estamos a brincar à política!
O que está em causa não é a demissão de um presi-
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dente de um partido; o que está em causa è saber se a Aliança Democrática se mantinha à volta daquilo que iria ser o seu futuro governo - e sabemos que na cimeira de 13 de Janeiro foi afirmada a solidariedade para com o futuro governo -, é saber se os partidos que constituem a Aliança Democrática se mantinham na disposição de, parlamentarmente, apoiarem esse futuro governo.
E isso acontecia, Sr. Deputado! Foi isso que eu aqui pretendi significar.
O Sr. Deputado Borges de Carvalho considerou bizarra a atitude do Sr. Presidente da República declarar que dissolvia esta Assembleia - mas sem dissolver -, dizendo, por outro lado, que havia medidas importantes que se impunham fossem tomadas - e era essa a causa da não imediata dissolução.
Sinceramente, eu não compreendo esta atitude do Presidente da República, embora não tenha querido estar a criar polémica sobre isso: se efectivamente achava que antes de dissolver a Assembleia um governo deveria tomar medidas importantes, não dissolvia o Governo. Porque um governo demitido apenas tem poderes para praticar actos estritamente necessários à gestão das coisas do Estado. Não sei, portanto, o que é que o Presidente da República pretende, em concreto, ao dizer que é necessário pôr certos mecanismos a funcionar; quando ele o explicar, o Parlamento e esta maioria, enquanto estiver em funções, dirá se considera ou não isso viável e constitucional.
O Sr. Deputado Sanches Osório voltou a colocar o problema da crise aberta pelo Primeiro-Ministro.
Sr. Deputado, na minha intervenção referi que há vários tipos de crise: uma coisa é a crise do Governo, outra as crises de partidos e outra ainda as crises de maioria. É preciso saber distinguir para não confundir tudo, pois então a democracia não consegue viver nos melhores moldes; anda sempre em permanente instabilidade.
Quanto a outras perguntas que fez, as respostas estarão já implícitas naquilo que eu disse.
O Sr. Deputado Corregedor da Fonseca frisou a questão do Orçamento Geral do Estado. Quanto a isso, eu repetiria um pouco aquilo que já disse: se o Presidente da República queria dissolver a Assembleia e entendia que o Orçamento era imprescindível - e nós consideramos que ele é, de facto, importante -, então não demitia o Governo.
Protestos do PS.
Ora o Governo demitiu-se na perspectiva confessada de que o Presidente da República aceitaria outro governo; tal não veio a acontecer, sendo esta Assembleia dissolvida. Que responsabilidade pode ser atribuída ao meu partido ou ao seu presidente? Nenhuma.
Referiu V. Ex.ª que o Primeiro-Ministro se teria demitido por alegadas traições. Bom, cada um toma as posições que quer, pelas razões que entende. E aqui estarão, efectivamente, as razões que estão. Mas lembrar-lhe-ia, Sr. Deputado, que em todas as tomadas de posição das pessoas - e dos políticos também, enquanto homens e enquanto políticos, sobretudo -, todos os factores são ponderáveis. Willy Brandt, há uns anos atrás, demitiu-se de Chanceler da Alemanha, alegando traição de um colaborador, que seria mesmo um espião encoberto. Demitiu-se, Sr. Deputado, e passou a ser o n.º 2 do partido, a chefiar a coligação durante muitos anos, até há relativamente pouco tempo.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Niza (PS): - Você não sabe nada de Portugal, quanto mais da Alemanha!...
O Sr. Presidente: - Para protestar, relativamente à intervenção do Sr. Deputado Fernando Condesso, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, o Sr. Deputado não respondeu às questões que lhe coloquei, embora as tivesse aflorado.
A certa altura do seu discurso, o Sr. Deputado disse que o que era importante saber-se era se a AD se mantinha em volta do seu futuro governo. Ora eu creio que é aqui que está o busílis, pois ficou aqui bem demonstrado que a AD é incapaz de se manter em volta do seu projecto. Manter-se-ia ou não em volta do seu governo, porque, no fundo, a ânsia do poder era o único cimento.
E se alguma dúvida havia quanto às razões políticas
- não à legitimidade, que essa ninguém poderá pôr em causa - da atitude do Sr. Presidente, o diálogo aqui travado entre as bancadas da ex-Aliança Democrática
— permitam-me que utilize a expressão - foi a prova provada de que o Sr. Presidente tinha carradas de razão, passe o plebeismo da expressão!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Isto aqui não é a FRS, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Nada tenho a contraprotestar, Sr. Presidente. Aquilo que resulta da minha intervenção, lida com atenção, e das minhas respostas creio que é concludente.
O Sr. Presidente: - Para protestar, em relação à intervenção do Sr. Deputado Sanches Osório, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, iniciei o meu pedido de esclarecimento de há pouco ao Sr. Deputado Fernando Condesso sob o signo da bizarria.
É, de facto, bizarro que o Sr. Presidente da República dissolva, sem dissolver, e dê ainda por cima ordens ao Parlamento! É bizarro que o poder «Presidente da República» esteja na oposição em relação ao poder «maioria da Assembleia da República»! É bizarro que a maioria esteja neste momento na oposição e que eu, pela primeira vez, tenha a oportunidade de ser um deputado da oposição!
O Sr. José Niza (PS): - Já?! Tenha calma!...
O Orador: - É bizarro ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, estando nós a discutir aqui a crise aberta pelo Sr. Presidente da República ao dissolver esta Assembleia, se continue a falar na crise que foi aberta - e foi fechada - pela Aliança Democrática!
O Sr. António Arnaut (PS): - Que falta de pudor!
O Orador: - E é bizarro ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e essa é a mais triste de todas as bizarrias deste debate - que o Sr. Deputado Sanches Osório,
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eleito nas listas da Aliança Democrática por um dos seus partidos e que nunca levantou a voz para defender a Aliança Democrática ou o partido que o elegeu, seja capaz de erguer a sua voz numa altura em que è para atacar a Aliança Democrática, ao serviço de alguém que não tem representação nesta Câmara!
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS. Risos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Sanches Osório.
O Sr. Sanches Osório (Ind.): - Em primeiro lugar, gostaria de manifestar a minha estranheza, pois não estou aqui ao serviço de ninguém...
Protestos do PSD.
Se algum dos senhores deputados pretender intervir, não me importo nada de autorizar a interrupção!
Pausa.
São apenas vozes, ao que parece. Passo por cima delas!
Uma voz do PS: - As tais que não chegam ao Céu!
Não estou, portanto, ao serviço de ninguém a não ser dos meus eleitores.
Por outro lado, acho extremamente bizarro - isso sim! - que perante uma crise tão grave e perante uma questão de prestígio desta Casa venha o Sr. Deputado Borges de Carvalho, com um pretenso humor e com a intenção óbvia da ironia, que, aliás, não conseguiu...
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado, dá-me licença?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não houve a mais pequena intenção irónica nas minhas palavras, Sr. Deputado. Falei o mais sério possível.
O Orador: - Fico muito satisfeito.
Retiro, portanto, as minhas considerações de crítica.
ico é chocado por o Sr. Deputado me ter acusado nos termos em que o fez. Parece-me que nunca dei a V. Ex.ª - nem a nenhum dos meus colegas deputados - razões para que V. Ex.ª me atacasse como atacou.
Enfim, a resposta está dada.
No prosseguimento deste contraprotesto, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que fique à espera da teoria da crise que, por certo, o Sr. Deputado Fernando Condesso vai escrever, justificando e caracterizando bem todo o enunciado de crises distintas que há pouco, em resposta ao meu pedido de esclarecimento, aqui enunciou.
Risos do PCP.
para as quais ainda há inscrições, e quaisquer protestos e pedidos de esclarecimento ficarão igualmente para o próximo período de antes da ordem do dia.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, para o que dispõe de 10 minutos.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dissolução desta Assembleia está decidida por quem para tal tem competência, isto é, pelo Sr. Presidente da República.
E uma decisão do maior significado político, que corresponde a um vasto consenso que se formou no País e constituía, desde há tempo, a única saída válida para a crise do Governo e para a crise política que a irresponsabilidade, o manobrismo, a incompetência e o golpismo da AD instalaram na vida política nacional.
Aplausos do PCP.
Trata-se de uma grande vitória da democracia portuguesa e, sobretudo, do movimento dos trabalhadores, que em grandiosas lutas ao longo dos 2 últimos anos, compreendendo manifestações, concentrações, greves, greves gerais, nunca desanimou na sua resistência, nem deu tréguas à AD, e persistiu sempre nos objectivos que acabam de ser alcançados.
Trata-se de uma derrota monumental da AD, dos partidos que a constituíram e de todas as forças reaccionárias, bem como de todos aqueles que não olharam a meios para impedir ou adiar uma tal decisão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo, os que ainda não há muito proclamavam a robustez da finada coligação governamental, a sua pretensa legitimidade para governar durante a legislatura e para exercer o poder até 1984, esfregam agora os olhos de espanto no momento em que se tornam patentes as fragilidades insanáveis, as contradições agudas e os antagonismos insolúveis de um projecto político que se fez para contrariar as promessas e as esperanças do 25 de Abril, para frustrar as aspirações do nosso povo, para instaurar o regresso ao passado e reinstalar os privilégios das classes dominantes durante a ditadura fascista.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Faz rir que, depois de anunciada a decisão do Presidente da República,...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, queira ter a bondade de me deixar interrompê-lo.
Srs. Deputados, volto a pedir mais uma vez a VV. Ex.ªs que mantenham na Sala o mínimo de condições para que possa ser produzida e ouvida, com o mínimo de dignidade a que tem direito, toda e qualquer intervenção que aqui for proferida, venha de quem vier.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.
Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são exactamente
O Orador: - Bem, Sr. Presidente, quero protestar em 16 horas e 44 minutos, estando ultrapassado em relação às suas palavras finais: «venha de quem vier»... 1 minuto o tempo normal do período de antes da ordem do dia. Assim, as inscrições para pedidos de esclarecimento e protestos ficam registadas para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª não pode são. Seguir-se-ão, como é usual, as declarações políticas, protestar contra a minha intervenção, pois ela não teve
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senão a finalidade de afirmar a isenção e a imparcialidade com que a Mesa faz estas observações.
Sr. Deputado, tenha a bondade de continuar porque eu procurei assegurar-lhe, com toda a dignidade, o direito de ser ouvido e de modo nenhum a Mesa merece qualquer reparo à intervenção que fez.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Sr. Presidente, está lavrado o meu protesto, que fica aqui para o futuro, e prossigo a minha intervenção.
Aplausos do PCP e da UDP.
O Sr. Presidente: - É exactamente isso que V. Ex.ª deve fazer!
O Orador: - Faz rir que, depois de anunciada a decisão do Sr. Presidente da República, a aturdida comissão directiva do CDS lançasse, ainda ontem, um angustiado apelo ao Presidente da República no sentido de este clarificar «se dissolveu ou não dissolveu o Parlamento». Este estado de dúvida só se compreende vindo de um partido que está aterrorizado com a ideia de enfrentar, a curto prazo, o veredicto do eleitorado e, naturalmente, de todos aqueles que se encontram no mesmo estado de espírito.
Mas a ninguém é permitido ter qualquer dúvida. A dissolução está decidida.
A dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições no prazo constitucional, tal e qual como a demissão de Pinto Balsemão, de Freitas do Amaral, o espectáculo da desagregação da AD - de que o processo de formação do abortado governo Crespo ficaram como testemunho e símbolo -, têm causas comuns e objectivas. São o resultado da grandiosa luta popular ao longo dos últimos 2 anos; do agravamento de todos os problemas nacionais, resultante da política interna e externa da AD; são consequência do funcionamento das instituições (apesar da utilização pela AD da provocação e da guerrilha institucional); da redução da base de apoio social, política eleitoral de que a derrota da AD nas eleições autárquicas de 12 de Dezembro constitui claro testemunho.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A consequência imediata mais retumbante desta série de fracassos e desaires da AD registados ao longo do último mês e meio é a derrota do seu plano de subversão do regime democrático, gizado em torno da revisão da Constituição e respectivas leis complementares (especialmente a Lei de Defesa Nacional). Este plano tinha dois traços característicos fundamentais: a governamentalização e a partidarização pela AD das Forças Armadas; a profunda alteração da organização económica do Estado, com a violação da Constituição (mesmo depois de revista), visando a abertura da banca e dos seguros ao grande capital e a transferência para este das empresas e dos sectores mais rentáveis da economia, a destruição completa do sector público e da Reforma Agrária.
Este plano foi por água abaixo. Pode vir a ser adiante retomado pelas mesmas forças que o concederam e tentaram concretizar. Mas, por agora, foi por água abaixo!
A forma frouxa como os partidos da coligação governamental cessante reagiram à decisão de dissolução e convocação de eleições gerais constitui, por si mesma, uma confissão de como a AD se encontra derrotada e exaurida de forças.
A circunstância de não serem capazes de chamar em sua defesa senão alguns, como ouvimos há pouco, falaciosos argumentos formais traduz a consciência que têm do espectáculo que alardearam perante o País de deserção dos lugares públicos, de fuga às dificuldades por eles próprios criadas, de infantilismo e de irresponsabilidade.
Aplausos do PCP.
Se admitíssemos, por absurdo, que o fracassado governo Vítor Crespo tivesse sido empossado, alguém podia garantir que no espaço de poucos meses ou até de algumas semanas, face à luta popular e às questiúnculas intestinas da coligação, o novo Primeiro-Ministro (tal como o seu predecessor) não viesse a pedir a demissão, coisa em que se mostrou useiro e vezeiro em face da luta dos estudantes e professores quando teve a responsabilidade do Ministério da Educação?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O facto de esta hipótese se poder configurar com todo o rigor testemunha qual o crédito que se pode atribuir à AD no desempenho de funções de Estado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A mesma irresponsabilidade caracteriza as atitudes que têm vindo a ser assumidas pelo Governo demitido e pelos partidos da AD após a decisão do Presidente da República.
É assim que o Primeiro-Ministro proclama que o PSD quer repartir as responsabilidades, até com a oposição; que uma voz autorizada do PPM arguia que «agora a oposição é que é Governo e por isso deve tomar as iniciativas urgentes»; e que um porta-voz do CDS argumentava que «a maioria não quer ser sozinha a pagar os custos das medidas impopulares», isto é, das medidas engendradas pelo desastre que provocou.
Fazendo uma notória prova de esperteza saloia, alguns dirigentes da AD têm recorrido mesmo ao expediente de querer impressionar o País com a advertência grave: «então dissolve-se a Assembleia sem estar aprovado o OGE?!!!...». Como se a inteira e completa responsabilidade da não aprovação do OGE não fosse da AD e do governo Balsemão/Freitas do Amaral,...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ...que, apesar das repetidas advertências dos partidos e deputados da oposição, desrespeitaram todos os prazos constitucionais e legais para apresentação da sua proposta à Assembleia da República e que logo a seguir a terem entregue uma proposta extremamente lesiva dos interesses do povo e do País desertaram dos seus postos, um demitindo-se do cargo de Primeiro-Ministro e o outro renunciando a todos os cargos políticos e de Estado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quem ousará negar razão ao Presidente da República quando afirma que nada garante que o
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eventual adiamento da dissolução da Assembleia da República viesse finalmente a permitir, agora, o que não se quis ou não se pôde fazer em condições mais favoráveis?»
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A tentativa fraudolenta de transferir para o Presidente da República as responsabilidades pela grave situação em que o País se encontra cai assim pela base, não tem ponta de credibilidade.
Às forças democráticas devem estar, porém, prevenidas, como alertava ontem a comissão política do PCP, para tentativa da parte da AD no sentido de prejudicar a convocação de eleições através de manobras dilatórias, campanhas de desinformação, conflitos institucionais e abusos e usurpações do poder.
É preciso dizer que todas as questões até agora suscitadas com este objectivo pela AD têm resposta constitucional ou legal perfeitamente aplicável.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Pela nossa parte, devemos dizer que estamos disponíveis para considerar, caso a caso e concretamente, eventuais e indispensáveis medidas para a resolução de questões urgentes que possam vir a surgir.
Entretanto, entendemos que a concretização da dissolução não pode tardar, por forma a que se dê a palavra ao povo o mais rapidamente possível.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Entendemos, por outro lado, que o governo da AD não pode permanecer até às eleições, não só porque isso lhe permitiria continuar durante alguns meses a sua política desastrosa, mas porque comprometeria seriamente a democraticidade das próximas eleições.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo o PCP insiste, como ainda ontem fez através da sua comissão política, na «necessidade de formação de um governo de gestão isento, que respeite integralmente a Constituição, a legalidade democrática, os limites da sua competência e o efectivo pluralismo na comunicação social, designadamente na RTP e na RDP!». Dispomo-nos, por isso mesmo, a considerar, com as demais forças políticas, as diferentes modalidades constitucionais que permitam formar um governo com estas características e com estes objectivos.
Insistimos, finalmente, que o governo demitido da AD, enquanto não for exonerado e se mantiver em funções, deve ser obrigado a não exceder os limites das suas competências, a cessar a monopolização da RTP, da RDP e de outros meios de comunicação social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta legislatura vai terminar por força da dissolução. A Assembleia da República com esta composição tem à sua frente uns escassos dias de vida. Diremos (e connosco, estamos certos, grande parte dos deputados) que não deixa nenhumas saudades!
A maioria que aqui imperou durante duas sessões legislativas e meia apenas se empenhou em retirar da Assembleia aquilo que servia a realização do seu plano de subversão legislativa do regime democrático.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenha a bondade de abreviar, pois terminou o seu tempo.
O Orador: - Sim, Sr. Presidente, vou abreviar. O essencial está dito, propunha-me ainda fazer uma breve análise da actividade da Assembleia, mas isso poderá constar da acta e, portanto, vou abreviar.
O Sr. Presidente: - Queria ter a bondade de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actuação da AD na Assembleia da República é uma ilustração absolutamente clara de que a existência de uma maioria parlamentar de apoio a uma determinada solução governativa não é em si mesma uma garantia de estabilidade e segurança governativa e pode em certas circunstâncias levar a limites extremos a acção desastrosa de um governo.
A experiência destes 2 anos de vida política nacional e de actividade parlamentar traz à superfície uma questão fundamental: a necessidade, a urgência de mudar de política.
À política da AD, visando a reconstituição de poderes e privilégios dos antigos grupos monopolistas, subordinando a este objectivo toda a orientação económica, tem que ser substituída por uma política que aproveite, utilize e mobilize todos os recursos e energias nacionais, que interesse e empenhe os trabalhadores, tendo em vista o aumento da produção agrícola e industrial, a satisfação numa larga medida de muitas necessidades nacionais, hoje cobertas por dispendiosas importações, a redução dos défices externos em alimentos e energia e a redução, tanto quanto possível, da dependência externa do nosso País.
A experiência destes últimos 2 anos de vida nacional confirma o que o PCP sempre afirmou, isto é, que a maior força da AD residia no exercício do poder e no facto de ter ao seu dispor o aparelho de Estado.
É preciso retirar daqui todas as conclusões: os que, por omissão ou acção, ajudaram a AD a manter-se no Governo também têm as suas responsabilidades na situação a que se chegou. Podiam-se ter poupado muitos males do nosso país, podiam-se ter evitado muitos sacrifícios ao nosso povo.
Esperamos que estas conclusões sejam tomadas em conta para o futuro. É fácil reconhecer o papel dos trabalhadores e do PCP no desmascaramento e no desastre da AD. É agora necessário que se reconheça que uma mudança de política e uma solução governativa estável, capaz de a levar à prática, só é possível com os trabalhadores e com o PCP.
Esta é a condição de uma concretização real de uma viragem democrática na vida política do País!
É por esta viragem que o PCP se baterá antes e nas eleições antecipadas, que trarão a esta Assembleia uma maioria democrática capaz de servir de suporte a um governo democrático que se disponha a realizar plenamente os ideais libertadores do 25 de Abril.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - A Mesa anotou os pedidos de palavra dos Srs. Deputados Silva Marques, Borges de Carvalho e Américo de Sá, penso que para pedirem esclarecimentos.
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O Sr. Américo de Sá (CDS): - Não, Sr. Deputado, pela nossa parte não é.
Solicitámos a palavra para, nos termos regimentais, pedirmos a interrupção da sessão por meia hora.
O Sr. Presidente: - É regimental, Sr. Deputado.
Os Srs. Deputados Silva Marques e Borges de Carvalho ficam inscritos para pedir esclarecimentos na próxima sessão e a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura produzirá a sua declaração política imediatamente a seguir à interrupção da sessão.
Os trabalhos estão suspensos por 30 minutos.
Eram 17 horas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 47 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto que neste momento não temos sequer quorum para funcionar e porque me foi solicitado por alguns deputados, penso que será preferível fazermos agora o nosso intervalo regimental, retomando os nossos trabalhos dentro de 30 minutos.
Não havendo oposição, vamos fazer de seguida o intervalo, após o que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura produzirá a declaração política para que está inscrita.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dissolução da Assembleia da República è expressão do funcionamento democrático, é prova da vitalidade das instituições e da flexibilidade da nossa vida política. O MDP/CDE confia que deste acto necessário nasça uma maior esperança e um mais largo espaço democrático.
Os partidos que compõem a AD apresentaram ao País, num acto voluntarista, uma proposta de mudança que, em breve, se revelou corresponder muito mais à vontade política de um grupo de divisão do que aos valores sociais que constituem a ossatura do 25 de Abril. A luta surda logo se estabeleceu e a rejeição do candidato Soares Carneiro é o primeiro sintoma dessa consciência colectiva que começava a emergir do mar de promessas, propaganda, operações de marketing montadas pela AD.
Quando o corpo de uma sociedade tem em si reservas suficientes para aculturar o que com ela se identifica e rejeitar aquilo que para ela é nocivo, isto quer dizer que se mantém viva a chama da transformação social e permanece a dinâmica do progresso. O País rejeitou, logo que o sentiu, esse esquema não real, não flexível, individualista e cegamente determinado, que a breve trecho se mostrou mais um suporte dos partidos que o tinham inventado do que base de um Estado democrático posto ao serviço de Portugal.
A verdade, porém, é que os partidos não se podem afastar, sob pena de morte, nem dos objectivos políticos, nem da coerência da acção. E essa acção e essa coerência só se entende, em democracia, se honesta, se fiel, se representativa, se diariamente testada pelo povo que somos.
Não há esquemas suprapolíticos, há acções políticas correctas, ligadas ao País real. Este não foi, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o cenário da AD.
Por sentirem, desde logo, o chão fugir-lhes debaixo dos pés, os partidos governamentais entraram num sorvedouro de contradições. E a sua luta contra a realidade, que não conseguiram alterar, revestiu formas tais que muitos dos seus militantes não a suportaram. As condições criadas nesse hemiciclo, por exemplo, pela cega obediência aos vários governos, tornou para todos nós muitas vezes o ar irrespirável e as palavras ridículas. O exemplo mais recente foi o lapso de um deputado da maioria que afirmou: «nós, o Governo».
Para além do mau uso das instituições, a AD traiu pela indiferença do seu poder arbitrário e subverteu os valores sociais que lhe cumpria defender. Numa autêntica corrida em bola de neve, aquele movimento político a que chamaram Aliança Democrática, tornou-se num autêntico grupo de pressão, colado e alicerçado por interesses individuais que tinham em comum apenas a manutenção do poder. A AD foi incapaz, ao longo do seu mandato, que revestiu várias formas e reflectiu várias experiências de transpor para a vida do Estado qualquer objectivo colectivo. As afirmações com que se ia iludindo ou com os quais queria ir iludindo transformaram-se num machado sobre a sua própria cabeça.
A AD dizia defender a dignidade da sociedade civilista que ultrajou: não só pondo em risco a sua liberdade, ao encobrir por exemplo resultados de um inquérito que dizia respeito a acontecimentos colectivos, como ainda fez perigar a própria segurança das populações, usando contra elas a polícia de forma descontrolada e com efeitos imprevisíveis.
A AD era o arauto da alta missão do Estado que estrondosamente se abateu, mais baixo que nunca, perante jogos partidários: querelas internas manipuladas por pequenos grupos envolvidos numa luta de morte; querelas interpartidárias que faziam abalar os alicerces do Governo, perante o olhar atónito do cidadão comum.
A AD criou mesmo o Ministério da Qualidade de Vida, e o que trouxe? A habitação impossível, a escola difícil, o direito, não ao trabalho, mas ao desemprego, o direito à doença e não à saúde.
A AD pretendeu representar a estabilidade política: extinto o Conselho da Revolução, feita a revisão constitucional, acabado o período de transição, encontraríamos, finalmente, ao longo desta caminhada, que a AD olhava com susto e arrepiada com tanto pecado a democracia plena. Só que a estabilidade política da AD era curiosamente feita de crises sucessivas causadas não por motivos nacionais respeitáveis, mas geradas pelo próprio Primeiro-Ministro, através de relações adolescentes com o seu partido. Mas a estabilidade da AD continha ainda, para maior espanto, a grandiosa retirada dos seus chefes máximos em direcção às agrestes muralhas dos seus sombrios castelos do poder partidário. Aí, de janelas cerradas, à luz do colectivo e em lugares donde se não enxergue a Pátria nos seus recortes verdadeiros e nos seus problemas autênticos. Nesse retiro se dispunham a construir, eventualmente, nova hipótese teórica, que tapasse os buracos abertos, enquanto, um
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grupo «sem craques, mas com homens de trabalho», segundo foi explicado ao País, se destinava à secundaríssima tarefa de governar.
Graças a esta política do caos, de que a própria AD já não tinha forças para se libertar, uma opção se pôs com evidência: ou se dissolve o povo português, ou se dissolve a Assembleia da República e se dá a voz ao povo.
Todos estaremos de acordo, passado o clima emocional que naturalmente se vive, que a solução era só uma. Todos também lamentamos que a situação política, económica e social tenha chegado aos limites do inadmissível, não só pela fragilidade das relações democráticas que se criam em climas de tensão social, como também pelos largos custos materiais a que nos levou uma política negativa.
O MDP/CDE presta, no entanto, homenagem ao esforço de coesão, ao espírito de luta dos trabalhadores portugueses, à sua coerente acção pacificadora e à sua exemplar defesa da democracia. Difícil, será, porém, Srs. Deputados, esquecer algum dia os gritos e fome e de apelo ao trabalho que ressoaram e ficaram gravados nas paredes deste hemiciclo.
O MDP/CDE regozija-se ainda com o amplo consenso democrático que a luta contra a AD tornou actuante, esperando que igual empenhamento na construção da democracia obrigue os democratas de vários sectores ideológicos a reflectirem e a congregarem-se em torno cie pontos essenciais.
Não é a diluição dos partidos que o MDP/CDE preconiza; pensamos, pelo contrário, e ficou isto mesmo definido no nosso último congresso, que é na clarificação, na democraticidade e na criatividade que se gera a força de um partido. Diremos ainda, que a tolerância é a expressão dessa força.
Só numa democracia muito insipiente os partidos podem ser medidos pelo seu sectarismo ideológico e pelas suas posições inflexíveis. O homem livre, no uso dos seus direitos democráticos, terá de encontrar nos partidos formas de colectivamente se expressar e de colectivamente receber. Só muito longe de uma situação democrática os partidos se podem tornar coletes de força que obriguem já não só o comportamento formal do indivíduo, mas violentem mesmo o seu mundo intelectual e até afectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a criação de um reino ideal que orienta a acção do MDP/CDE, é, tão-só, a certeza de que a verdade é tão benéfica ao homem como à sociedade e que cumpre a todos nós o esforço de a atingir. Será na consciência dos grandes problemas nacionais, que se reflectem vivamente na vida de cada um, que os democratas portugueses hão-de encontrar a base de entendimento para soluções políticas necessárias. Será na consciência do clima anticultural e muitas vezes antidemocrático que os democratas portugueses hão-de encontrar o laço das relações interpessoais e a força de uma vontade colectiva. Será na consciência do poço profundo em que mergulhou a nossa economia que trabalhadores, operários, comerciantes, industriais, consumidores, hão-de encontrar formas de respeito mútuo que gerem criatividade, dinâmica social e congregação de esforços.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos que a caminhada para a democracia é lenta, cheia de altos e baixos, de recuos e de avanços, mas também todos os que se identificam com a revolução de Abril sabem que vale a pena percorrê-la.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP, da UEDS e da Sr.ª Deputada Independente Natália Correia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o período de antes da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está agendada para a nossa ordem de trabalhos, por marcação do Partido Comunista Português, a discussão do projecto de lei n.º 390/II - Actualização do salário mínimo nacional. Em todo o caso devo comunicar à Câmara a recepção de um ofício do Gabinete do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, que vai ser lido pelo Secretário Sr. Deputado Reinaldo Gomes e distribuído por todos os grupos parlamentares.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - É do seguinte teor:
Estando agendada para a sessão parlamentar de hoje a discussão e votação do projecto de lei n.º 390/II - Actualização do salário mínimo nacional -, encarrega-me Sua Excia. o Ministro para os Assuntos Parlamentares de solicitar a V. Ex.ª se digne transmitir a Sua Excia. o Presidente da Assembleia da República que o Governo aprovou oportunamente um diploma sobre aquela matéria.
De facto, na reunião do Conselho de Ministros de 6 de Janeiro próximo passado foi aprovado o projecto de decreto-lei que actualiza o salário mínimo nacional, o qual foi promulgado em 22 do corrente por Sua Excia. o Presidente da República, aguardando publicação no Diário da República.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, isto significa que já foi aprovado um diploma relativo à matéria que integra a nossa ordem do dia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós consideramos, dada a comunicação que acabou de ser feita, que deixa de ser útil a agenda que para hoje está fixada.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O teor do ofício que acaba de ser lido pela Mesa dá-nos conhecimento daquilo que já tinha sido transmitido hoje de manhã à reunião dos grupos parlamentares a respeito desta matéria. No entanto, temos de assinalar uma precisão que é a seguinte: na reunião dos grupos parlamentares o exemplar que nos foi apresentado do decreto-lei aprovado pelo Governo vinha datado, à mão, de 16 de Dezembro, em vez de 6 de Janeiro, como agora é referido no ofício do Gabinete do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares.
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Sucede, entretanto, que esse decreto-lei que nos foi exibido não preenche, quanto a nós, nem aquilo que é estabelecido pela Constituição em relação a esta matéria, nem aquilo que é estabelecido pela lei, designadamente no cumprimento da anualidade. Na verdade, este decreto-lei do Governo prevê que os efeitos só se façam repercutir a partir de 1 de Janeiro, sendo, assim, subtraídos três meses de novos vencimentos às muitas centenas de milhares de trabalhadores que vivem do salário mínimo. Por outro lado, nesse diploma não são respeitadas as normas relativas à actualização salarial tendo em conta a taxa de inflação que decorreu entretanto.
Por estes motivos, o nosso projecto de lei tem toda a actualidade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para além disso, a competência do Governo e da Assembleia é concorrencial, isto é, quer o Governo, quer a Assembleia, pelo que a Constituição estabelece, podem legislar acerca desta matéria.
O Governo, de uma forma sub-reptícia - já que ninguém o sabia e só hoje nos foi comunicado -, trabalhou furtivamente e, às escondidas, fez um decreto-lei que foi promulgado pelo Sr. Presidente da República com data de 22 de Janeiro, mas isso não invalida que o projecto de lei do PCP tenha conteúdo, na medida em que é substancialmente diferente do decreto-lei do Governo, nem invalida uma iniciativa deste género, já que relativamente a esta matéria a Assembleia da República tem competência concorrencial com o Governo, nem invalida, ainda, que o PCP tenha feito uma marcação da ordem do dia e que a ela tenha direito.
O nosso projecto de lei tem substância mesmo depois da existência da publicação do decreto-lei do Governo e, nestas circunstâncias, naturalmente, valerá aquele que, de entre os dois, for promulgado e publicado em último lugar, ou seja, neste caso seria a lei da Assembleia da República.
Por estes motivos mantemos o nosso projecto de lei, mantemos a nossa marcação e quem entender que deve votar contra deve fazê-lo. Não vemos, por isso, nenhum motivo para retirar o nosso projecto de lei.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para perfeito esclarecimento da Assembleia queria apenas dizer o seguinte: na intervenção que acaba de fazer V. Ex.ª referiu a exibição de um exemplar do decreto-lei na conferência dos líderes dos grupos parlamentares realizada esta manhã. Eu queria dizer, e penso que tenho a concordância de VV. Ex.ªs, que não houve uma exibição formal do texto do decreto-lei. Penso, sim, que foi mostrado a V. Ex.ª um papel que conteria esse texto sem que ele, contudo, tivesse chegado à mão do Presidente ou dos outros senhores deputados presentes. Creio que foi nestes precisos termos que as coisas se passaram e apraz-me registar a concordância de VV. Ex.ªs
Mais algum senhor deputado deseja pronunciar-se sobre este assunto?
Pausa.
Não havendo mais inscrições, e antes de iniciarmos o debate, cumpre à Mesa informar que, por consenso estabelecido entre todos os grupos parlamentares e também com o Sr. Deputado da UDP, as comissões funcionarão
amanhã de manhã, pelo que - e caso assim o desejem - os senhores presidentes dessas comissões deverão proceder à respectiva convocação.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Está a pedir a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pretendia rectificar uma informação que, certamente, não foi devidamente prestada a V. Ex.ª.
Nós fomos procurados por um representante do Grupo Parlamentar do PSD no sentido de saber se daríamos ou não consenso a que amanhã se reunissem as comissões. Ora nós mantemos as posições que hoje expressámos na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, ou seja, entendemos que não há motivo para as comissões reunirem. Manifestámo-nos, pois, no sentido de a convocação dessas comissões competir aos respectivos presidentes, se assim o entenderem, mas não demos consenso - e transmitimos na altura a nossa opinião - porque entendemos não haver razões para que as comissões reunam amanhã.
O Sr. Presidente: - Portanto, parece que o consenso estabelecido é no sentido de os Srs. presidentes das comissões poderem ou não convocá-las, conforme entenderem.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É do Regimento!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto da Silva, para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandados.
O Sr. Pinto da Silva (PS): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandados é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 25 de Janeiro de 1983, pelas 14H30, foram observadas as seguintes substituições de Deputados:
1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Carlos Manuel Pereira Pinho (círculo eleitoral de Braga) por Octávio Pereira Machado (esta substituição é pedida por mais 15 dias, a partir do passado dia 22 de Janeiro corrente, inclusive);
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por Adriano Silva Pinto (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do passado dia 24 de Janeiro corrente, inclusive);
2) Solicitada pelo Partido Socialista:
Mário Alberto Nobre Lopes Soares (circulo eleitoral de Lisboa) por Edmundo Pedro (esta substituição é pedida para os dias 25 de Janeiro corrente a 7 de Fevereiro próximo, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos
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que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Lino Carvalho de Lima (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do relatório e parecer que acaba de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e a abstenção da UDP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não se estabelece consenso sobre o problema que possa resultar do anúncio da promulgação de um decreto-lei com o mesmo objecto do projecto de lei em questão, a Mesa tem de prosseguir com a ordem do dia tal como está estabelecida.
Está, pois, em debate o projecto de lei n.º 390/II, apresentado pelo PCP.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel Lopes.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 390/11, sobre a actualização do salário mínimo nacional, foi entregue na Mesa da Assembleia da República no passado dia 7 de Janeiro. No dia 14 de Janeiro o meu camarada de bancada Jerónimo de Sousa fez a sua apresentação perante o Plenário, através de uma fundamentada intervenção; e, há mais de 2 semanas, o Grupo Parlamentar do PCP, usando os direitos regimentais que lhe assistem, fixou a ordem do dia de hoje, dia 25 de Janeiro, para a sua discussão e votação.
As razões que nos levaram à entrega na Mesa, à apresentação em Plenário e à fixação da ordem do dia de hoje para discussão e votação deste projecto de lei são sobejamente conhecidas e resumem-se nisto: o governo da AD, desrespeitando obrigações constitucionais e imperativos legais, omitiu o seu dever de actualizar o salário mínimo nacional em Outubro de 1982, e, assim os valores do salário mínimo permaneciam (e permanecem!) nos quantitativos fixados há 16 meses, em Outubro de 1981! Tudo isto quando, como é do conhecimento público, o aumento médio de preços foi, durante esse período de 16 meses, à volta de 30%! Tudo isto quando o que se trata, no caso do salário mínimo nacional, é da reposição do poder de compra das camadas mais desprotegidas da população! Tudo isto quando, do que se tratava e trata, é de atender e dar resposta aos interesses de largas camadas da população que são os mais afectados com a inflação. Este era, portanto, Srs. Deputados, o sentido do projecto de lei hoje em discussão e a justificação para o facto de termos procedido ao seu agenciamento.
O anúncio da dissolução da Assembleia da República, no passado domingo, torna ainda mais urgente a discussão e aprovação deste projecto de lei. No circunstancialismo criado, em que a esta Assembleia se põem as questões inadiáveis do processo de gestão dos negócios públicos, a actualização do salário mínimo nacional aparece como um imperativo imediato de resolução possível, não só por esta ser a ordem do dia já fixada e não haver outra matéria mais urgente, mas também por, no quadro político global, estarem assim criadas as condições para que esta Assembleia possa fazer - correctamente - aquilo que o governo AD não fez em devido tempo e por sua inteira responsabilidade.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esta é a questão que hoje se coloca a esta Assembleia: vão os Srs. Deputados aprovar, na generalidade e na especialidade, o projecto de lei n.º 390/II ou vão assumir a responsabilidade pessoal e político-partidária de impedir que esta justa reclamação dos que mais precisam seja atendida de imediato?
No meu entender nenhum interesse partidário, nem qualquer argumento do governo demitido da AD, podem ser factores de desculpa que justifiquem o facto de o salário mínimo nacional não ter sido actualizado desde há mais de 16 meses. Não se trata de um projecto de lei que vise atingir alguém, nem industriais, nem comerciantes, nem agricultores, nem simples donas de casa, mas antes de uma proposta que visa corrigir, cumprindo um preceito constitucional, as gravosas condições de vida e de subsistência de largas camadas das mais desprotegidas do nosso povo. Trata-se, pois, de colmatar uma falta intencional do último governo da AD e de, assim, procurar minorar-se as graves condições de subsistência em que vivem muitos milhares de trabalhadores que de outro modo não têm forma, nem meios imediatos, de verem repostos os seus magros salários e minimizadas as suas gravosas condições, se não mesmo miseráveis condições de vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é por demais reafirmar a importância da actualização do salário mínimo nacional, não só pelo número de trabalhadores que atinge directamente, como por aqueles que, indirectamente, são beneficiados pela justa actualização que, nos termos legais, se deveria ter realizado em 1 de Outubro do ano passado. Assim, directamente estão a ser prejudicados todos os trabalhadores que naquela data (1 de Outubro) continuaram com salários inferiores aos mínimos que o projecto de lei do PCP prevê, de acordo, aliás, com as reivindicações da CGTP-IN. Ora, calcula-se que mais de 400000 trabalhadores estariam nessa situação, já que em Janeiro de 1982 a percentagem de trabalhadores da actividade não agrícola ganhava
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abaixo dos 16,9%, sendo 8,9% entre os homens e 40% entre as mulheres. Por outro lado, estão a ser igualmente prejudicados os trabalhadores desempregados que se encontram a receber subsídio de desemprego e outras prestações sociais, cuja base de cálculo é o salário mínimo nacional. Podemos, pois, dizer que mais de 500 000 portugueses estão a ser altamente lesados pela não actualização das remunerações mínimas.
A legislação portuguesa sobre a actualização dos níveis salariais mínimos prevê, de acordo, aliás, com os critérios específicos que resultam da Convenção n.º 131, da OIT, que sejam tidos em conta, nomeadamente, o custo de vida e suas flutuações e o nível geral de salários no País. Ora, em geral, os indicadores mais utilizados para rever o salário mínimo nacional são os índices de preços no consumidor e os índices de evolução dos salários médios. E a verdade é que, comparando a evolução do crescimento dos preços com a evolução do salário mínimo, verifica-se que, desde 1975, em geral, os preços têm crescido mais do que as remunerações mínimas garantidas. Igualmente a evolução do salário mínimo foi, geralmente, inferior à dos salários médios.
Isto significa que para as centenas de milhar de trabalhadores dependentes da actualização do salário mínimo tem havido um agravamento das suas condições de vida e um cada vez maior distanciamento em relação ao salário médio, já de si também bastante baixo. Mas toda esta situação assume aspectos escandalosos quando se constata que há quase 16 meses que se mantém em vigor as actuais remunerações mínimas, período durante o qual a taxa de inflação ultrapassou os 30%, enquanto a subida verificada nos bens alimentares é superior a 34%.
É, pois, não só mais do que justo, como, sobretudo, se impõe que a actualização das remunerações salariais mínimas pelo menos sirva para repor o poder de compra perdido pelas camadas mais carenciadas da população.
A proposta que apresentamos visa, tão-só, repor esse poder de compra entretanto perdido e tornar possível a subsistência de centenas de milhar de famílias cujas condições de vida estão gravemente degradadas com os constantes e contínuos aumentos de preços de bens de primeira necessidade, desde os transportes à electricidade, passando pelo pão, carne e peixe. São, sobretudo, as mulheres e os jovens as grandes vítimas da não actualização do salário mínimo nacional, já que os sectores de actividade mais atingidos pela falta desta medida são, na indústria, o vestuário, os curtumes e couro, o calçado, a madeira e cortiça e o mobiliário, e, nos serviços, o comércio a retalho, os restaurantes e hotéis, os serviços de saneamento e limpeza e os serviços pessoais.
É a partir destes pressupostos que aqui trouxemos os valores reivindicados pelas organizações sindicais representativas, que são de 13 500$ para a indústria, comércio e serviços, de 11400$ para a agricultura, pecuária e silvicultura e de 9100$ para o serviço doméstico, o que corresponde aos dados indicados pelo índice de preços no consumidor do INE. Por isso é uma proposta séria e realista!
Naturalmente que esta Assembleia não os poderá achar exagerados, tanto mais se os compararmos com os já aqui reivindicados pelos deputados da AD e de outros que dizem não chegar os vencimentos mensais de deputados para os almoços.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na conferência de presidentes, realizada hoje de manhã, foi dito - não pelo Governo, mas informalmente por um senhor deputado do CDS - que haveria um decreto do Governo sobre a matéria. Mais, foi dito que esse decreto actualizaria o salário mínimo com efeitos a partir de Janeiro.
Ora a apresentação do projecto de lei do PCP foi pública, a sua marcação para hoje foi também pública, e o facto é que o Governo nada disse sobre a matéria e não informou disso a Assembleia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É inacreditável a fornia como tudo se passou. Tão pouco recordamos na nossa experiência um acto governativo de tal monta. Ao manter o secretismo, sabe-se lá até onde chegaram as disposições tomadas, o governo AD assume o ar furtivo e subterrâneo de quem teme o País, principalmente os trabalhadores, pelas consequências que os seus actos podem despoletar.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Confirmado que existe decreto do Governo sobre a matéria, então estaremos perante mais uma insuportável e insultuosa atitude do governo AD contra a instituição parlamentar e assim contra a ordem democrática resultante do 25 de Abril.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Que o governo AD tenha ao longo destes anos feito gato sapato da maioria parlamentar em que se baseava, não temos nada a ver com isso. Quando muito, isso dava certificado público da sua falta de democraticidade no processo. Mas que desrespeite gravemente - como mais uma vez fez- as instituições democráticas, aí estão demonstradas, afinal, as razões que levaram o País a dizer basta e agora conduziram a que o próprio funcionamento normal das instituições dissesse também «basta»! Até por isto o governo AD teve o fim que mereceu.
Mas vejamos mais de perto o que é, afinal, o decreto do Governo (a serem correctas as informações que possuímos). Então, alguns pontos importa ressaltar: em primeiro lugar, a feitura de tal decreto por parte do Governo assinalava a importância da iniciativa do PCP, ao colocar na ordem do dia a urgência da resolução da questão da actualização do salário mínimo nacional; em segundo lugar, permanece sempre a questão de saber o que é que, afinal, o Governo se propõe fazer.
Não conhecemos o decreto-lei do Governo, mas a ser verdade o papel que o deputado do CDS nos mostrou, sejamos claros quanto a este acto do Governo: o que o Governo propõe é a actualização desde 1 de Janeiro (com 3 meses de atraso, mais o 13.º mês); o que o Governo propõe é, assim, o desrespeito do princípio da anualidade, que é, por um lado, imperativo legal, e, por outro, promessa eleitoral e compromisso programático que a AD assumiu publicamente e nesta Assembleia; o que o Governo propõe é uma actualização de cerca de 20% para 15 meses de vigência (quando a inflação foi de cerca de 30%). Estamos assim, face a valores e critérios inadmissíveis, que não têm em conta as graves dificuldades com que se debatem aqueles que mais precisam.
Tudo fica, portanto, claro: esta Assembleia não pode, nas circunstâncias de urgência em que se encontra, adiar a solução de problemas como o que lhe é colocado por
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esta iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP. Não pode, muito menos, deixar de tomar as medidas necessárias quando, ainda por cima, as escassas informações existentes apontam para soluções inadmissíveis e que não dão justa resolução aos problemas postos!
Mantemos o nosso projecto de lei. Colocamos aos Srs. Deputados a necessidade e urgência da sua aprovação, porque temos por certo que só com transparência, com a que esta discussão permite, poderá ser garantida a resolução justa desta matéria, ou seja, só assim poderá ser actualizado o salário mínimo com os valores e com a retroactividade que se impõem!
A urgência da apresentação deste diploma levou a que não fossem feitas alterações de monta ao articulado do Decreto-Lei n.º 440/79, de 6 de Novembro, no nosso entender justificáveis, salvo no que se refere ao artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 440/79, que, pelo seu absurdo, se propõe seja de imediato revogado. O que se propõe no fundamental è a actualização dos valores e a definição do efeito retroactivo do salário mínimo.
Não são também razoáveis as dúvidas sobre a constitucionalidade aqui suscitada pelo Sr. Deputado Carlos Lage quando sustentou não estar nos limites dos poderes da Assembleia aprovar diploma sobre tal matéria, invocando para o efeito o artigo 170.º, n.º 2, da Constituição. Basta ler o referido artigo para rapidamente se concluir que não é aplicável à matéria objecto desta iniciativa legislativa, isto é, ao projecto de lei sobre o salário mínimo nacional. Da nossa parte, o que se impõe é a aprovação do projecto, precisamente porque assim é ' que se dará cumprimento aos preceitos constitucionais, relativos aos direitos e interesses dos trabalhadores.
Consequência da luta antifascista, o salário mínimo nacional é, não só o resultado de uma importante reivindicação dos trabalhadores, mas também do seu movimento sindical. Sendo uma das primeiras leis laborais consagradas depois do 25 de Abril (mais precisamente em Maio de 1974), fruto da luta de vários sectores, é hoje também um direito social e económico que a Constituição da República consagra.
São estes preceitos constitucionais, Srs. Deputados, que representam hoje e continuarão a representar no futuro o valor - emblemático e real - do que foi o 25 de Abril e de como ele se traduziu no plano das conquistas sociais das massas trabalhadoras, que aqui neste projecto de lei queremos levar à prática.
Mas se as razões históricas e constitucionais lhe conferem completo direito de cidadania, embora por vezes ignorado pelos sucessivos governos formados após a aprovação da Constituição, o importante será que aqui, e neste momento, ninguém, a não ser por negação dos valores que nos regem e do respeito que ao povo deve, possa pretender esconder ou esquecer quão justo, necessário e urgente se torna a aprovação deste diploma.
Disse.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, não vou agora discutir a questão de fundo, mas queria colocar-lhe algumas questões.
O Sr. Deputado disse que o Governo não tinha dado cumprimento a imperativos constitucionais. Gostava de saber quais?
Já quanto à vossa iniciativa, é que é muito provável que se possa sustentar a tese de que ela está ferida de inconstitucionalidade, na medida em que, pelo menos, nada prova que a vossa iniciativa legislativa, a ser aprovada, não provoque um aumento das despesas públicas.
No entanto, desejava colocar-lhe outra questão. A iniciativa de VV. Ex.ªs neste momento é um acto de desconfiança no Presidente da República? É, eventualmente, um acto de oposição ao Presidente da República?
Concretizo melhor a minha questão. A partir do momento em que o Presidente da República anunciou a sua intenção de dissolver esta Assembleia da República, direi que cessou a legitimidade política para esta Assembleia da República deliberar seja o que for, susceptível de ter a oposição do Sr. Presidente da República, pois que só com a sua promulgação é que nós, de certa forma, podemos defender a legitimidade das nossas decisões.
Ora o Sr. Presidente da República, no sábado, dia 22, promulga o diploma do salário mínimo nacional, quando no dia seguinte vinha anunciar a sua intenção de dissolver a Assembleia da República. Será que o Sr. Presidente da República mudou de intenções ou decidiu-se pela dissolução da Assembleia da República de sábado para domingo? Ou VV. Ex.ªs estão a tomar uma iniciativa política que significa, agora, «nós somos oposição ao Presidente da República».
Vozes do PCP: - Que tristeza!
O Sr. Presidente: - Deseja responder já ou após os outros pedidos de esclarecimento, Sr. Deputado Manuel Lopes?
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então tem agora a palavra o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão, igualmente para pedir esclarecimentos.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Deputado Manuel Lopes, em primeiro lugar, cumpre-me exprimir o meu reconhecimento pelo facto de ter recordado à Câmara e, simultaneamente, ao País uma promessa que é essencial no programa que iluminou a acção da Aliança Democrática. Isto é, a promessa de salvaguardar, na medida do possível, de garantir e, se possível, melhorar o poder de compra dos mais desfavorecidos.
Agradeço-lhe, ainda, o ter recordado que a actualização anual do salário mínimo é uma promessa essencial. Por isso, V. Ex.ª fez simultaneamente presente que também tem conhecimento que este Governo - o Governo nesta altura demissionário ou demitido - vem trabalhando desde algum tempo, porque tem sido público que tem feito parte das suas agendas de trabalho, a revisão desse mesmo salário mínimo. V. Ex.ª, portanto, não ignora que se trata de uma preocupação instante a de também aí, e nessa medida, dar cumprimento ao programa, que é o da Aliança Democrática.
Apesar disso, tratando-se de um instrumento essencial de intervenção na vida económica e dadas certas ambiguidades, digamos, do panorama político e económico da vida portuguesa, penso que mesmo o Partido Comunista não terá dificuldade em reconhecer a dificuldade de qualquer definição nesta matéria e de que, por isso, um
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certo atraso nesta altura verificado tem razões plausíveis e perfeitamente perceptíveis para todo o agente político e, em particular, para a generalidade dos portugueses. Aliás, V. Ex.ª sabe que não é a primeira vez que estes atrasos se verificam e este será mesmo, porventura, o mais pequeno dos atrasos verificados até hoje. Recordo a V. Ex.ª que, numa altura em que o Partido Comunista Português tinha papel decisivo no panorama e na vida política e económica portuguesa, mediaram cerca de 2 anos entre o Decreto-Lei n.º 292/75 e o Decreto-Lei n.º 49-B/77, que abordavam e definiam esta mesma matéria.
Penso, por isso, que, para além de saber já que o Governo deliberou e S. Ex.ª o Sr. Presidente da República já promulgou, decisão que lhe competia nesta matéria, dando cumprimento, com um pequeno atraso, àquilo que é o programa da Aliança Democrática, V. Ex.ª carece de razão, em primeiro lugar, por legitimidade em relação ao passado do seu partido, e, depois, porque, em face da situação, não teria dificuldade em reconhecer que havia justificação plausível para este atraso.
Por outro lado, queria colocar ao Sr. Deputado Manuel Lopes uma questão muito concreta. Da proposta de V. Ex.ª resultaria, se porventura fosse aprovada, um aumento de 33,8% para o salário mínimo do serviço doméstico, um aumento de 27,4% para os trabalhadores dos sectores da agricultura, da silvicultura e da pecuária e um aumento de 26,1 % para os restantes trabalhadores. Há aqui uma diferença que vai de 7,8% em relação às variações e à actualização do salário de uns para outros trabalhadores. V. Ex.ª não avançou perante a Câmara nenhuma explicação que justifique a diferença de critérios, a diferença de valores que estarão por detrás do privilégio que oferecem a alguns trabalhadores em detrimento de outros, e, por isso, das opções, sempre para nós difíceis de perceber, que se escondem por trás da proposta de VV. Ex.ªs
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes, para responder.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Silva Marques continua a pretender confundir gato por lebre e a tentar sempre misturar as coisas que aqui são ditas. Por outro lado, tenta sempre desviar as atenções para questões secundárias e para questões menos importantes.
Na verdade, Sr. Deputado, o Governo - e aproveito também para responder ao Sr. Deputado Cavaleiro Brandão - não correspondeu nem aos imperativos constitucionais, nem aos imperativos legais. Os Srs. Deputados sabem que a Constituição manda que o salário mínimo seja actualizado periodicamente, sem estipular prazos. Mas, por outro lado, o Decreto-Lei n.º 440/79 aponta que esse prazo deve ser expressamente 1 ano e, inclusivamente, um decreto já da autoria de um governo da AD, que é o Decreto-Lei n.º 292/81, aponta, no seu preâmbulo, que respeitará essa anualidade. Também os programas do VII e do VIII Governos se referiam expressamente a essa situação.
O que aqui dissemos, Srs. Deputados, é que, na verdade, a AD faltou aos compromissos e falseou a legislação existente, que fossem quais fossem os motivos devia ter levado a que no mês de Outubro, o mais tardar,
os salários mínimos fossem de facto alterados. Independentemente dos valores e dos critérios que aqui se poderiam - e não vou questionar sobre os valores apontados -, era importante saber se aqueles valores correspondiam à subida do nível de vida, pois é importante verificar que neste caso concreto do salário mínimo a questão do índice dos preços no consumidor nem é sequer a medida mais justa. Isto porque é importante verificar que em salários de baixos rendimentos uma medida que se impõe é a actualização pela subida dos preços da alimentação, pois que os salários mais baixos são os mais atingidos pelos produtos essenciais e a alimentação é essencial, porque sem ela as pessoas não passam - e os Srs. Deputados sabem que esses valores são superiores aos valores reivindicados pelo movimento sindical. Esta questão pretendem os senhores ignorar.
Dizer agora que razões de ordem política se puseram para a não actualização atempada do salário mínimo, é, na verdade, um desvio extemporâneo desta realidade.
Primeiro, porque não faltou tempo ao Governo para actualizar os seus próprios vencimentos e as suas ajudas de custo - e isso fê-lo no devido tempo e no devido momento.
Segundo, porque o Governo demitiu-se já em finais de Dezembro e o salário mínimo devia ter sido actualizado no mês de Outubro, para cumprir os preceitos legais existentes.
Esta realidade, Srs. Deputados, querem os senhores escamotear.
Mas vamos mais longe: O Governo, nesta altura, tem o desplante de sobre matéria tão importante não ter, segundo o nosso conhecimento, dito qualquer coisa às organizações sociais e sindicais interessadas, à Assembleia da República, de esconder, inclusivamente, da opinião pública - e isto é um acto inqualificável, Srs. Deputados - que tinha um projecto de decreto-lei aprovado, não sabemos de quando, isto é, se depois da apresentação do nosso projecto de lei aqui, se de outra data qualquer. Pensamos que talvez tenha sido depois da apresentação do projecto de lei aqui e que, espicaçados por isso e sem cara para aparecer, foram então a correr fazer um decreto com um salário mínimo qualquer, que não corresponde à subida do custo de vida deste período, que não responde aos imperativos constitucionais e legais, tentando iludir as aparências, dizendo «aqui está um salário mínimo».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Nós não pretendemos um salário mínimo qualquer. Queremos, de facto, a justiça que é devida para os trabalhadores e para as camadas da população mais mal pagas, que não podem suportar as subidas que os preços têm tido.
Para subir os preços, Srs. Deputados, o Governo foi célere, mesmo em crise, mas para subir o salário mínimo só no dia em que aqui se começa a discutir o projecto de lei do PCP é que nos é dito, pela porta do cavalo, digamos de passagem, e só agora aqui no início da discussão pelo Sr. Presidente da Assembleia, que existiria, eventualmente, um decreto-lei que não conhecemos, a não ser pelo papel do Sr. Deputado do CDS, que visava colmatar o salário mínimo. Isto não é o processo, isto é jogo sujo. Uma maioria que assim joga tem aquilo que merece: foi demitida, foi posta na rua.
Srs. Deputados, não pensem que o povo se engana de qualquer forma. O povo não é tonto nem é parvo. Os
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senhores é que têm tentado fazer «gato sapato» do povo. Mas o povo sabe o que é justo, sabe o que lhe interessa e por isso não dará credibilidade àquilo que os senhores pretendem fazer, a processos de actuação como os que agora fazem para iludir quer a Assembleia, quer a população e o País inteiro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Manuel Lopes, vamos rapidamente ver quem é que pretende confundir, desviar as atenções e, sobretudo, pôr questões secundárias. Resta saber se V. Ex.ª considera questões secundárias questões de regime, questões de legitimidade.
O meu raciocínio de há pouco foi este: O Sr. Presidente da República -instância competente que ninguém contesta quanto ao exercício desses poderes sob o ponto de vista legal - decidiu anunciar a sua intenção de dissolver a Assembleia da República. Face a isto, eu disse que, a partir deste momento, a legitimidade política da Assembleia da República está em dúvida, isto é, há a pressuposição anunciada por quem de direito de que ela não corresponde à vontade da Nação. A partir daqui, em rigor, a Assembleia da República não pode produzir qualquer acto, a não ser que a mesma instância o considere necessário em nome da Pátria.
O Sr. Presidente da República disse que dissolvia politicamente a Assembleia da República, embora não a dissolvesse legalmente porque havia tarefas urgentes a aprovar.
Ora bem, ele não disse quais eram as tarefas urgentes. Porém, no dia anterior à declaração da dissolução da Assembleia promulgou o decreto-lei sobre o salário mínimo nacional. Pressuponho, com alguma legitimidade, que o Presidente da República considerou que essa não era tarefa urgente porque, de outro modo, não a tinha promulgado.
A minha questão - e volto a colocá-la - é pertinente: a sustentação da vossa iniciativa - e eu fui a pessoa que colocou inicialmente a questão, que depois foi considerada deslocada por parte do líder da sua bancada - é um acto de oposição expressa ao Sr. Presidente da República, visto VV. Ex.ªs estarem a considerar como tarefas urgentes aquilo que o Presidente da República, aparentemente, não considerou como tal, pois, de outra forma, a não teria promulgado no dia anterior o decreto-lei sobre o salário mínimo nacional?
Aplausos de alguns deputados do PSD.
Ou então, Sr. Deputado, para utilizar a sua terminologia, eu digo que tem desplante é a sua bancada. Ou melhor, a sua bancada não tem propriamente desplante, o que a sua bancada não tem é limites para utilizar, da forma que muito bem entende, mas que os outros aceitarão se tomarem uma atitude passiva relativamente às vossas actuações, os instrumentos da democracia, a fim de VV. Ex.ªs procederem às vossas agitações mais ou menos comicieiras.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, tanto quanto sei o senhor é talvez a pessoa menos oportuna ou das menos qualificadas desta Assembleia para aqui poder expressar o pensamento do Sr. Presidente da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Vocês é que são!...
O Orador: - Daí o facto da inoportunidade - e continuo a insistir - e do desplante com que aqui tenta inverter as situações.
Na verdade, o Presidente da República - e o Sr. Deputado sabe-o - não tem poderes legislativos.
É um acto do Governo, através de decretos-leis, e um acto desta Assembleia legislar sobre qualquer matéria neste país. Assim manda o texto constitucional.
Naturalmente que o Sr. Presidente, não havendo inconstitucionalidades formais aparentes, promulgará, ou não, as leis que a Assembleia ou o Governo lhe apresentar.
Mas não é essa a questão que aqui estamos a discutir. O que aqui dissemos é que determinados preceitos legais não foram cumpridos, que o espírito da Constituição relativamente ao salário mínimo nacional não foi cumprido, que os valores que agora o Governo - que pretendia emendar à mão - estipula para o salário mínimo nacional são manifestamente injustos, porque são inferiores à subida do custo de vida e muito inferiores à subida dos preços no campo da alimentação, que, como aqui referi, é uma questão essencial para as pessoas mais carecias.
Por isso, Sr. Deputado, não desviemos as atenções. É plenamente justo e tem justificação plena o que aqui estamos a discutir, ou seja, o salário mínimo nacional, que tem valores diferentes daquele que, tanto quanto sabemos, o diploma do Governo estipula. E mais: os valores que propomos têm retroactividade a partir do mês de Outubro, de acordo com aquilo que as leis em vigor mandam e de acordo com aquilo que o Governo devia ter feito e não quis fazer, não porque não tivesse tempo, mas porque intencional e politicamente, servindo os seus mentores - aqueles que de facto o sustenta -, pretendeu ignorar as pretensões do povo mais carecido e desprotegido deste país. Esta é que é a realidade, Sr. Deputado Silva Marques e Srs. Deputados.
Mistificar esta realidade, desviar a atenção desta realidade, é pretender enganar o País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa comummente conhecido.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sentiu-se ofendido com alguma expressão empregue?
O Sr. Silva Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Manuel Lopes atribuiu-me a pretensão de falar em nome do Sr. Presidente da República.
Ora, eu, sob pena de faltar à dignidade da minha função, jamais me pus na situação de pretender falar em nome do Sr. Presidente da República. Julgo que nunca
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tive qualquer gesto que pudesse ser entendido em sentido contrário.
De qualquer forma, afirmo que reconheço que só tem autoridade para falar em nome do Sr. Presidente da República - isto quando não é ele próprio a falar- o seu porta-voz, Joaquim Letria. Longe de mim assumir esse papel e julgo que a minha intervenção, de forma nenhuma, podia ser interpretada nesse sentido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que aqui fiz foi, no uso não só do meu direito, mas também do meu dever, como deputado - porque a Câmara neste momento deve reflectir sobre qual é o grau e o limite da sua legitimidade-, exprimir uma reflexão relativamente à nossa legitimidade.
O que eu disse foi que, se o Sr. Presidente da República, em nome de tarefas urgentes, não dissolveu, legalmente, a Assembleia da República, se no dia anterior à sua declaração promulgou o decreto-lei sobre o salário mínimo salarial, depreendo que ele não considera esta matéria incluída nas tarefas urgentes.
Foi isto que eu aqui, na minha qualidade de deputado, disse e mantenho, em termos de reflexão, que não é neste momento apenas um direito, mas uma obrigação de toda esta Câmara.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Manuel Lopes quer dar explicações no seguimento do uso do direito de defesa que o Sr. Deputado Silva Marques fez, dispõe para isso de 2 minutos.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, abdicamos dessa possibilidade. De facto, como o que o Sr. Deputado Silva Marques quer é «música», não lhe dou resposta.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A AD prometeu que actualizaria o salário mínimo nacional e cumpriu inteiramente a promessa.
Com efeito, o Governo discutiu e aprovou, no passado dia 6 de Janeiro de 1983, os novos valores do salário mínimo nacional, antes, portanto, da iniciativa legislativa do PCP, com o intuito demagógico - que é a sua prática coerente -, tomou posteriormente.
Risos do PCP.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Essa é boa!
O Orador: - Sr. Deputado, não se agite porque a agitação é totalitária!
Risos do PCP, do MDP/CDE e da UDP. Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Assim, o referido diploma legal aprovado em Conselho de Ministros contém as previsões que passo a ler: 8300$ para os trabalhadores do serviço doméstico; 10 900$ para os trabalhadores dos sectores da agricultura, pecuária e silvicultura, e 13 000$ para os restantes trabalhadores.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É uma fartura. É a barriga cheia a partir de agora!
O Orador: - O seu secretário-geral vive com isto! Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este facto, aliás, foi amplamente publicitado, na ocasião, pelos meios de comunicação social, através do habitual comunicado oficial e final.
Assenta, pois, numa premissa falsa e numa mistificação a actuação do Partido Comunista Português nesta matéria.
No entanto, nem o contínuo esclarecimento das evidências - no caso concreto a distinção de uma medida legislativa do Governo que o PCP nega -, nem o persistente calcorrear pelas veredas do erro, da distorção e da dobrez, é capaz de lhe devolver o sentido ético, torna apetecível a senda - porventura incómoda, mas sem dúvida gratificante e digna -, luminosa da verdade.
O Governo - que esta maioria inequivocamente sempre apoiou e continua a apoiar, ao contrário do que pretendem as pitonisas da desgraça e da distorção, acantonadas no partido apresentante do projecto de lei n.º 390/II - não deixou de, cumprindo o que lhe foi dado pela maioria do povo português, criteriosamente, se ocupar da situação dos trabalhadores. Aliás, a solicitação do Governo houveram, a este propósito, os contributos, sempre importantes, dos organismos de defesa de classe ou de representação profissional.
Ao legislar nos termos atrás expostos, o Governo fê-lo de uma forma cuidada, prudente e realista.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Fê-lo tendo em conta que o que interessava era, de uma forma efectiva, conseguir uma melhoria da situação real dos trabalhadores nos escalões económicos mais desfavorecidos.
É evidente que aqui, como em todos os casos em que se parte de uma economia em crise, o legislador teve que situar-se, claramente, aquém do que lhe ditavam a sua vontade concreta, os seus horizontes políticos e morais e aquém do que legitimava, havemos de convir, a objectiva e concreta situação dos trabalhadores, reconhecidamente deficiente e carente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é por pura magia, por um simples toque de prestidigitação ou através de um seco diktat que de um momento para o outro se pode modificar a situação de um país, de uma classe social ou de um número apreciável de trabalhadores.
Sem embargo da necessidade de uma vontade política firmada e renovada no propósito sólido de garantir novos estádios de progresso económico e de justiça social dos cidadãos, há limitações que a realidade impõem ao voluntarismo mais nobre e às necessidades sociais mais incontestáveis.
Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Há, com efeito, condicionantes e pressupostos económicos a atentar, há capacidades a detectar e a reconhecer, e só depois, conhecido o terreno e garantida a sua solidez, se pode caminhar com segurança, concretizando a marcha económica e o progresso social.
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Jamais se poderá perder de vista esta verdade simples, comezinha e elementar: é de que não é possível distribuir-se aquilo que não se produz.
O Governo trava uma batalha, antes de mais, de reconstrução da economia, do combate à recessão, na firme defesa do emprego e dos postos de trabalho. Postos de trabalho e emprego esses que deseja consolidar, aumentar e melhorar.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Ena, tanta coisa!
O Orador: - O Governo diz claramente não a teses maximalistas que, a pretexto ou jogando com necessidades reais dos trabalhadores, não hesitam em os lançar para os ghetos do desemprego e da miséria, reserva de desesperados onde forças permanentemente apostadas na subversão e na demolição das sociedades democráticas vão beber as suas energias motoras.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E oportuno é referenciar aquilo que, em termos de princípio e de prática, nos distingue, nos separa, irrefragavelmente, do PCP.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Partido Comunista Português, autor da iniciativa legislativa ora em debate, é um pretenso campeão e arauto das liberdades e dos direitos dos trabalhadores. Mas só o é, só se apresenta como tal, curiosamente, a exemplo dos seus congéneres, nas sociedades democráticas do Ocidente - as únicas verdadeiramente democráticas, naquelas onde a liberdade é a regra e onde o povo é chamado a escolher, através de voto livre, directo e secreto, os seus dirigentes e os respectivos programas de governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aí não há possível carência, não há real ou presumida limitação económica, não há suposta ou criada situação de injustiça, que o Partido Comunista Português não agarre como bandeira para mobilizar os trabalhadores e os cidadãos e para consubstanciar a sua ideia de revolução social, atacando e denegrindo o Governo e solapando os alicerces do sistema.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Feito, porém, poder - e não há exemplo dos partidos comunistas o terem alguma vez sido pela vontade popular livremente expressa -, logo esqueceu as promessas da véspera, o sonho luminoso da liberdade e a mensagem fascinante de justiça.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É o reino do silêncio que chega, o domínio das verdades oficiais, a violência das razões de Estado. E é mais: o império das divergências caladas, os juízos que não se formulam por temor à opressão e que degradam o espírito público, seja convertendo os cidadãos em indiferentes, seja convertendo-os em revoltados.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Risos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Vocês já há muito tempo que não ouviam 3 palavras seguidas e por isso ficaram todos contentes!
Vozes do PSD: - Esteja calado!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, VV. Ex.ªs terão a possibilidade, terminada que for a presente intervenção, de pedirem os esclarecimentos e de fazerem os protestos que entenderem a esse respeito.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, isto é sinal de que o tema está a ser ouvido com interesse e está, como diriam os franceses, a «tocar» - toucher!
Risos.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Como dizíamos, a greve, antes um primeiro princípio, um direito fundamental dos trabalhadores, não passa, então, de uma perigosa maquinação imperialista e contra-revolucionária.
Os sindicatos, com a liberdade organizativa e de acção que o Ocidente democrático lhes reconhece, não serão mais que meras correias de transmissão de poder político que imediatamente se silenciam quando, em manifestação de coragem e patriotismo dos seus membros, se arrogam a expressão da vontade própria dos trabalhadores.
E os dirigentes destes, em lugar de reconhecimento público do papel que desenvolvem na sociedade, são metidos no cárcere, engradando-se, com isso, a consciência de todos os trabalhadores e afrontando-se a personalidade dos homens livres.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM. O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Isso, força!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, fundamental que, aqui e agora, nos inteiremos de quem nos ataca, dos seus objectivos, do seu carácter, da sua prática e da sua ética.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Chamem o 115!
O Orador: - Por outro lado, com o PCP, com a versatilidade táctica (para não dizer de princípios) que o caracteriza, corre-se o risco de ser preso por ter cão e preso por não ter.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Com vocês tem de ser assim!
O Orador: - Se o Governo emitisse o decreto-lei de salários mínimos durante o período de campanha eleitoral, ou seja, em Outubro passado, logo seria acusado de pretender instrumentalizar os trabalhadores, de desonesta caça ao voto e de levar a cabo acções de carácter demagógico.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Não o tendo feito, por óbvias razões de natureza ética, vê-se na mesma confrontado com acusações de indiferença e de virar as costas aos mais desvalidos e desfavorecidos, isto é, quer numa hipótese, quer
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noutra, seria sempre atacado e acusado de igual maneira.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Só dizem isso agora, que estão dissolvidos!
O Orador: - Pelas razões acabadas de explicitar, votaremos contra, enjeitando e rejeitando a iniciativa legislativa apresentada pelo PCP, à qual coube o n.º 390/II, ora em análise.
Ao partido apresentante restará, pois, oportunamente, lançar mão do instituto do pedido de ratificação.
Por essa forma não ficará, assim, cerceado o seu justo direito de ver discutidos os princípios e as razões que informaram e enformaram o decreto-lei do Governo há pouco referido, que corrigiu os montantes das remunerações mínimas mensais garantidas em bases sérias, credíveis, exequíveis e viáveis.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Restará dizer que o decreto-lei referenciado, actualizador de salário mínimo nacional, foi já promulgado por S. Ex.ª o Presidente da República, com data de 22 do mês em curso, tendo já seguido para a Imprensa Nacional, a fim de ser publicado, como acabamos de ser informados.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrou na Mesa, no decurso da intervenção que acaba de ser feita, um requerimento do seguinte teor:
Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo do disposto no artigo 71.º do Regimento, requerem a votação do projecto de lei n.º 390/II, sobre a actualização do salário mínimo nacional, na sessão plenária do dia 25 de Janeiro de 1983.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como já passou a hora regimental de encerramento e não houve pedido de prorrogação dos trabalhos, vamos proceder à votação requerida pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Vamos votar na generalidade, o projecto de lei n.º 390/II, do PCP.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM. votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da UDP e as abstenções do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Quero informar os Srs. Deputados que pediram a palavra para fazer declarações de voto de que ficam inscritos para a próxima sessão.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, nós não tivemos oportunidade de expor os nossos pontos de vista durante a discussão.
Acabamos de dar um voto e queremos dar uma explicação das razões desse voto. Pedimos assim à Câmara que permaneça mais uns instantes para que possamos ler a nossa declaração de voto, que é muito rápida.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é perfeitamente legítima a sua pretensão, mas ela não foi requerida e V. Ex.ª teve a possibilidade de pedir, a tempo, a prorrogação dos trabalhos.
Se desse a palavra a V. Ex.ª para fazer uma declaração de voto ia abrir um precedente e teria que dar a todos os deputados o mesmo direito. E, pese embora o gosto pessoal que tinha em lhe dar a palavra e a legitimidade que tem a sua pretensão, porque não pôde pronunciar-se durante a discussão, a verdade é que a Mesa não pode, a partir deste momento, dar a palavra a ninguém. A Mesa regista inscrições e será dada a palavra para declarações de voto na próxima sessão que tenha período da ordem do dia.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, essa solução não é a mesma coisa e eu na altura não fiz qualquer objecção ao requerimento do PCP sobre a passagem à votação por entendermos que é um direito que o PCP tem o de ver o seu projecto votado, mas estávamos convencidos de que íamos poder explicar as razões do nosso voto.
Julgo que é um mau sistema nesta Câmara os grupos parlamentares votarem a seco, sem dar uma explicação dos motivos do seu voto. Julgo que não nos devemos agarrar a formalismos, pois até já temos aqui produzido declarações de voto às tantas da madrugada, com meia dúzia de deputados no Parlamento, e devíamos permitir que os deputados fizessem agora as suas declarações de voto.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage sabe que é anti-regimental tudo quanto acaba de requerer.
Volto a repetir-lhe o gosto que pessoalmente teria em deferir um requerimento seu, mas é impossível, neste caso, fazê-lo. Fica V. Ex.ª inscrito, tal como outros deputados, para produzir a sua declaração de voto na próxima sessão.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, nós vamos entregar a nossa declaração de voto na Mesa para ser distribuída à imprensa porque preferimos que ela siga para a imprensa por esse processo do que guardá-la para a próxima quinta-feira.
Consideramos, todavia, que este método, do qual também nos penitenciamos na medida em que não alegámos a tempo a nossa discordância, é um mau método para esta Câmara.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se V. Ex.ª se tivesse inscrito a tempo para fazer uma intervenção, ou tivesse requerido a tempo a prorrogação da sessão, não estaria com um problema que não pode agora ser resol-
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vido pela forma que pretende. Foi V. Ex.ª que não usou das faculdades regimentais que tem ao seu dispor e não é a Mesa, agora, que tem que sugerir, com comportamentos não regimentais, um certo tipo de falta de ponderação oportuna das circunstâncias.
E não vamos continuar o diálogo, Sr. Deputado.
Aceito que envie para a Mesa a sua declaração, mas não posso também admitir que estejamos os dois aqui a discutir a bondade de uma decisão da Mesa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, acho estranho que se utilizem estes rigores quando a Assembleia já está ferida de dissolução!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Por amor de Deus!
O Sr. Presidente: - Agradeço, Sr. Deputado Carlos Lage, o último argumento que me fornece.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, era só para requerer à Mesa que lesse o nome das pessoas que estão inscritas para fazerem declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Perfeitamente, Sr.ª Deputada.
Da lista dos Srs. Deputados inscritos constam, por ordem de inscrição, os seguintes: António Vitorino, Alfredo Pinto da Silva, Mário Tomé, Corregedor da Fonseca, Jorge Patrício e Magalhães Mota.
Srs. Deputados, a nossa próxima sessão será na quinta-feira, dia 27, às 15 horas, com agenda já fixada pela conferência dos grupos parlamentares, a menos que, evidentemente, venha a ser alterada na conferência dos grupos parlamentares que mantenho convocada para amanhã, às 17 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Fernando José da Costa.
Octávio Pereira Machado.
Partido Socialista (PS):
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Alberto Henrique Coimbra.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Henrique José Pereira de Moraes.
José Augusto Gama.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adriano Silva Pinto.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Vilar Ribeiro.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
Joaquim Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Joaquim Gomes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Jorge Gois Mendonça.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS):
Adalberto Neiva de Oliveira.
João Lopes Porto.
Maria José Paulo Sampaio.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Octávio Rodrigues Pato.
As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Cacilda Nordeste.
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