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I Série - Número 111
Quarta-feira, 23 da Maio da 1984
Diário da Assembleia da República
III LEGISLATURA 1.º SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE MAIO DE 1984
Presidente: Ex.º Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Ex.ºs Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira
SUMARIO - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão conjunta na generalidade do projecto de lei n.º 110/III, da ASDI -Defesa dos direitos do homem perante a informática -, da proposta de lei n.º 64/1 II - Tratamento automatizado de dados de carácter pessoal - e da proposta de resolução 13/III - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado dos Dados de Carácter Pessoal.
Intervieram no debate, a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete), os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), José Magalhães, José Manuel Mendes e Odete Santos (PCP), Manuel Queiró (CDS), Correia Afonso (PSD), António Taborda (MDP/CDE) e João Amaral (PCP).
Depois de anunciar a entrada na Mesa de alguns diplomas, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 48 minutos.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Henrique Nazaré Conceição.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Delmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
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SÉRIE - NÚMERO III
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul d "Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amadeu Vasconcelos Matias
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Anacleto da Silva Baptista.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Garcia dos Santos Marques Freitas.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro
Jorge Nélio Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto dos Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Manuel Pires Neves.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís António Pires Baptista.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Luís Fernando Gonçalves Riquito.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Lino Paz Paulo Bicho.
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23 DE MAIO DE 1984
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Paulo Simões Areosa Feio
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
David José Duarte Ribeiro.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias M. C. de Lencastre.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Vieira de Carvalho.
Luis Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Jorge Forte Góes.
Manuel Rodrigues Queiró.
Luís Afonso Rodrigues Queiró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Corregedor da Fonseca.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou anunciar a matéria constante do período da ordem do dia, que diz respeito ao projecto de lei n.º 110/III, da ASDI - Defesa dos direitos do homem perante a informática-, proposta de lei n.º 64/III -Tratamento automatizado de dados de carácter pessoal- e proposta de resolução n.º 13/111 -Aprova, para ratificação, a Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado dos Dados de Carácter Pessoal.
Está aberto o debate.
O Sr. Deputado Magalhães Mota está inscrito para fazer a apresentação do projecto de lei subscrito pela ASDI.
O Ir. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Presidente, é do nosso conhecimento que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foi convocada para o início desta tarde com vista à discussão e aprovação do relatório que precisamente diz respeito ao projecto de lei n.º 110/III, que vai começar a ser debatido.
A nossa pergunta é: a Mesa já tem em seu poder esse relatório? Não considera que seria preferível, nos termos regimentais, iniciarmos o debate ouvindo esse relatório?
Por outro lado, gostaríamos também de saber se a Mesa não considera necessário clarificar a metodologia e, designadamente, os tempos do debate, uma vez que estão em discussão, por força da marcação da ASDI, não apenas um projecto de lei mas também instrumentos de origem governamental, o que coloca problemas de compatibilização e de delimitação, designadamente das balizas temporais, etc.
Eram estas as duas questões que queríamos colocar, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tem conhecimento de que efectivamente a Comissão está reunida, mas ainda não possuímos o relatório.
Entretanto e para ganharmos tempo, se W. Ex.ª não virem nisso inconveniente, ouvíamos a apresentação feita pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Quanto à segunda questão, tenho aqui os tempos que foram destinados à discussão dos temas propostos e que são os seguintes:
Governo - 40 minutos;
PS - 40 minutos;
PSD -35 minutos;
PCP -35 minutos;
CDS - 30 minutos;
MDP/CDE - 20 minutos;
UEDS - 15 minutos;
ASDI - 40 minutos;
Deputado Independente - 5 minutos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, eu retomava as preocupações que já foram manifestadas pelo meu camarada José Magalhães. Em relação à intervenção que V. Ex.ª acabou de produzir, quero chamar a atenção de que o que consta em termos de tempos atribuídos aos diferentes partidos para intervenção
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neste debate não corresponde ao que foi definido em conferência dos grupos parlamentares.
Todos os partidos aceitaram os tempos que estão contidos nesta súmula, mas o Partido Comunista Português teve a oportunidade dê chamar a atenção para o facto de que, dado o grande número de matérias em debate e a complexidade das mesmas, não aceitaria qualquer limite que não fosse o limite constante do Regimento.
Nesse sentido, penso que V. Ex.ª, Sr. Presidente, deve rectificar, para informação dá Mesa, o papel que foi distribuído, dado que - repito - não houve qualquer acordo da nossa parte no sentido de uma limitação do tempo de intervenção da minha bancada a 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a informação que recebi foi a de que os 35 minutos que foram atribuídos ao PCP em resultado dessa conferência de líderes tinham sido tomados sob reserva. Portanto, entendi que todos os partidos consideram que estes tempos são de aceitar e que apenas o PCP ficaria com os 35 minutos sob reserva e por certo iria usar de mais tempo.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que temos de chamar as coisas pelos seus nomes. Ê que o Partido Comunista, em conferência de grupos parlamentares quanto a esta matéria, não usou a figura «reserva», mas sim a figura «oposição», a quaisquer limitações de tempos que não fossem as decorrentes do Regimento.
E eu digo que devem ser destrinçadas as figuras, porquanto em relação a outras matérias inscritas na ordem do dia para esta semana a posição foi diferente e, nesse caso, sim, houve reserva da nossa parte.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage, ao que julgo também para se pronunciar sobre este assunto.
O Sr. Carlos Lage (PS):- Exacto, Sr. Presidente.
Confirmo que houve uma reserva do Partido Comunista em relação à aceitação deste tempo para o debate dos diplomas que estão agendados. No entanto, também foi chamada a atenção do Partido Comunista Português para o facto de que, tratando-se de uma fixação da ordem de trabalhos, naturalmente que o partido que fixa a ordem de trabalhos tem direito regimental a requerer a respectiva votação antes das 20 horas, o que julgo que, de alguma maneira, envolve a necessidade de haver uma distribuição de tempos para que nenhum partido fique prejudicado no uso da palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que, com toda a lealdade, devemos colocar no início do debate a questão da metodologia.
Foi aqui invocado pelo Sr. Deputado Carlos Lage o n.º 4 do artigo 71º do Regimento, que permite ao partido que fez a marcação da ordem do dia requerer a votação antes das 20 horas.
Com toda a franqueza, Sr. Presidente, o que se poderá passar é o seguinte: antes das 20 horas votámos o projecto de lei subscrito pela ASDI, mas não podemos votar os diplomas apresentados pelo Governo. Isso por uma razão simples: é que em relação a esses diplomas não houve nenhuma marcação e porque em relação a eles têm que decorrer os termos regimentais para que o debate seja encerrado, o que nos leva a colocar desde o início, com toda a lealdade, a questão da organização do debate.
Nós entendemos que este debate, pelos temas e pelo conjunto de diplomas que estão incluídos na ordem do dia, merece a nossa análise cuidada.
Nós, pelo nosso lado, estamos dispostos -e dizemo-lo já claramente- aos necessários prolongamentos para que o debate seja realizado e concluído nos termos regimentais, mas o que se deve pedir já, em sede prévia, à Assembleia, ao partido apresentante e à Mesa é que as regras fiquem esclarecidas.
Por exemplo, elas poderão ser esclarecidas no sentido de, sem ser questionado o direito de o Agrupamento Parlamentar da ASDI requerer a votação hoje, isso envolver, da parte de todos os grupos, o obtermos a disponibilidade para um prolongamento que permita concluir o debate.
Da nossa parte, estamos completamente abertos a essa solução. Mas para que não seja às 19 horas que este incidente se levante, interrompendo o debate em termos que seriam negativos, era bom que ficasse desde já esclarecido como é que isto vai passar, para que todos possamos ter conhecimento das regras do jogo.
O Sr. Presidente: - Tem de novo a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - É só para mais um esclarecimento, Sr. Presidente.
É uma praxe parlamentar que quando um partido fixa uma ordem de trabalhos e há diplomas conexos se votem todos.
Naturalmente que o Sr. Deputado João Amaral não objecta a que assim se faça. Apenas pretenderá ter tempo suficiente para intervir.
Nós fizemos uma distribuição de tempos prolongando a sessão até às 20 horas e 30 minutos já com a previsão de que haverá alguma flexibilidade - é provável que até haja partidos que não usem o tempo que lhes foi distribuído. Portanto, vamos ao debate e depois logo veremos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP):- Sr. Presidente, se a Mesa concordar, eu interpreto as palavras do Sr. Deputado Carlos Lage neste sentido: vamos ao debate e logo veremos o que é óbvio. Se o debate se encerrar, passa-se às votações; se ainda houver inscrições, não se passa às votações, pelo menos das propostas do Governo, enquanto não forem feitas todas as intervenções nos termos regimentais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, sobre este assunto gostaria de dizer o seguinte: realmente vi o documento distribuído pela Mesa sobre a
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distribuição de tempos e pensei que havia um acordo da parte dos diferentes partidos, isso porque o total ultrapassaria o período normal de funcionamento e a hora em que é permitido ao partido que fez a agenda requerer a votação.
Pensei, portanto, que havia uma certa lógica nisso. Não sendo assim, nós próprios nos reservaremos para, no momento final, dizermos da nossa justiça. Entendemos que este debate é sério e que deve fazer-se não só em termos de se poder debater com profundidade esta matéria, mas também em termos de todos os grupos parlamentares poderem fazê-lo com o mínimo de seriedade e não só um grupo, por exemplo, aquele que não quer ter tempo e que pode querer impor uma lógica e uma dinâmica em que intervenham mais pessoas suas do que as que intervêm pelos outros grupos.
Portanto, sem prejuízo de estarmos abertos a algum prolongamento, desde já diremos que o direito regimental de quem agenda é o de fazer votar o diploma às 20 horas. Mas veremos então como é que as diferentes bancadas se comportam até lá.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em presença dos comentários que ouvimos, penso que devemos iniciar o debate e depois, certamente com a compreensão que todos os Srs. Deputados têm quanto à necessidade de que os trabalhos decorram com a normalidade e necessariamente também com a profundidade desejadas, haveremos de ir resolvendo os problemas à medida que eles surjam. Não poderá haver com certeza outro caminho.
Assim sendo, e enquanto não nos chega o relatório, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr, Presidente, se me dá licença, o procedimento que V. Ex.ª acaba de sugerir, embora seja compreensível, é um pouco invulgar.
É do nosso conhecimento, foi-nos transmitido há pouco pelo Sr. Deputado Luís Saias, que o relatório foi aprovado e enviado para a Mesa. Só por uma questão técnica superável, estamos certos, é que o mesmo ainda não chegou às mãos do Sr. Presidente.
Creio que seria possível providenciar no sentido de que ele chegasse, fosse lido nos termos normais e assim se encetasse o debate com o conhecimento pelo Plenário de todos os elementos com que, apesar de tudo, o projecto de lei está instruído - não são excessivos, mas são pelo menos os regimentais.
Era bom que se começasse por isso.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Ao que julgo, também para se pronunciar sobre este assunto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.
O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, de facto o relatório e parecer já foi aprovado e vai a caminho da Mesa.
De qualquer forma, posso facultar a V. Ex.ª a cópia de que disponho, com a garantia de que é cópia fiel do texto que há-de chegar aí.
O Sr. Presidente: - Se a Câmara entender que, para que possamos iniciar desde já os nossos trabalhos, bastará que se leia o relatório, eu pediria a V. Ex.ª, Sr. Deputado Luís Saias, o favor de proceder à leitura.
O Sr. Luís Saias (PS): - O Sr. Deputado José Leitão, relator da comissão, procederá à leitura, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - A Mesa agradece-lhe.
O Sr. José Leitão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º l IO/III (Defesa dos direitos do homem perante a informática) é do seguinte teor:
O presente projecto de lei pretende regulamentar a utilização da informática de modo a salvaguardar a defesa dos direitos do homem.
O artigo 35.º da Constituição define um conjunto de princípios fundamentais sobre a defesa dos direitos do homem perante a informática que necessitam de ser regulamentados.
O desenvolvimento que a utilização da informática tem tido nos últimos anos tem levado, em diversos países, à elaboração de diplomas legais, que, não colocando restrições desnecessárias a esse processo, têm, contudo, procurado assegurar o direito à privacidade dos cidadãos.
Entre nós, o único diploma legal com o objectivo de salvaguardar a privacidade até agora aprovado foi a Lei n.º 3/73, de 5 de Abril. Essa lei, aliás, seguiu-se à Lei n.º 2/73, de 10 de Fevereiro, que instituiu o chamado registo nacional de identificação, o qual foi regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 555/73, de 26 de Outubro. Esta lei representava um grave perigo para a defesa das liberdades dos cidadãos, na medida em que possibilitava, designadamente, a interligação entre o ficheiro central da população e os demais ficheiros sectoriais através do número individual. De acordo com essa lei, a cada pessoa física, bem como às pessoas colectivas e sociedades, era atribuído um número nacional exclusivo e invariável, formado por um conjunto de dígitos numéricos uniformes e significativos.
Este facto levou a que o projecto fosse suspenso pelo Ministro da Justiça, do Governo Provisório, Salgado Zenha até estar garantida nesta matéria, através de um diploma legal, a defesa das liberdades públicas e da privacidade. Ê importante recordá-lo, para compreender a proibição da atribuição de um número nacional único aos cidadãos, que consta do n.º 5 do artigo 35.º da Constituição.
A defesa dos direitos do homem face à utilização da informática não justifica, no entanto, como refere o preâmbulo deste projecto, a protecção de situações de evasão ou fraude fiscal ou uma atitude conservadora perante progresso científíco-técnico.
A jurisprudência constitucional tem tido esta preocupação, como o demonstrou o facto de a Comissão Constitucional não ter considerado como ferida de inconstitucionalidade a criação do número de contribuinte pelo Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de Novembro. Entre os motivos invocados pela Comissão Constitucional, contam-se: o carácter sequencial e não significativo do número de contribuinte e o facto de ele não coincidir com qualquer identificador utilizado como chave de pesquisa para acesso a outro ficheiro informativo.
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A ASDI, com vista à regulamentação da utilização da informática apresentou sucessivamente os projectos de lei n.ºs 214/1, 202/11 e 110/III.
O primeiro não chegou a ser discutido, o segundo foi aprovado na generalidade por unanimidade, não tendo, contudo, sido votado na especialidade. Foi este projecto retomado nesta Legislatura sob o n.º 110/III.
O facto de já ter sido objecto anteriormente de aprovação unânime nesta Assembleia poderia levar a pensar que a sua discussão estava simplificada.
Não podemos esquecer, no entanto, as mutações técnicas constitucionais e a nível do direito comparado entretanto verificadas.
O artigo 35.º da Constituição tem hoje uma nova redacção.
A utilização generalizada de pequenos sistemas de microprocessadores dotados de notável capacidade de memorização e de sistemas de microfilmagem modificou os pressupostos tecnológicos e técnicos em que assentavam os autores do projecto.
Paralelamente, tem-se assistido à revisão das legislações reguladoras desta matéria em diversos países, é, por exemplo, o caso das leis sueca, austríaca e alemã, e à tentativa de harmonização de legislações dos diferentes países.
A Convenção n.º 105 do Conselho da Europa, destinada à protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de carácter pessoal, e a Recomendação da OCDE sobre as «linhas directrizes reguladoras de protecção da vida privada e dos fluxos transfronteiras de dados de carácter pessoal» foram ambas subscritas por Portugal.
Ora, o projecto não foi revisto, sendo integralmente retomado, embora numa atitude de abertura «aos contributos úteis que fosse merecer».
Há que tê-lo presente ao considerar as questões fundamentais que levanta, das quais destacaremos as seguintes:
1.º A sujeição a apreciação e parecer fundamentado por parte da Comissão CCNIL de todo e qualquer projecto de aplicação e tratamento automático de informação, do sector público ou privado;
2.º A composição da Comissão;
3.º Os poderes da Comissão.
l.º Têm existido diferentes pontos de vista e orientações no que se refere à melhor forma de assegurar a protecção dos direitos do homem face à utilização da informática.
O projecto de lei em apreço inspira-se confessadamente no modelo da Lei de Protecção de Dados do Land do Hesse de 7 de Outubro de 1970, idêntica à lei sueca de 11 de Maio de 1973, de acordo com a qual se verifica a existência de uma autorização prévia de novos bancos de dados, a qual deve ser recusada no caso de o órgão com competência para efectivar o controle do sistema concluir que o mesmo não oferece garantias do ponto de vista das liberdades públicas ou de privacidade. Este sistema assenta na confiança nos organismos de controle administrativo (José António Barreiros, «Informática, liberdades e privacidade», in Estudos sobre a Constituição, vol. I, Lisboa, 1977, pp. 119 a 141).
A utilização que tende a generalizar-se de pequenos sistemas de microprocessadores dotados de notável capacidade de memorização e de outras técnicas, como, por exemplo, a microfilmagem, coloca-nos a interrogação de saber se será realista e eficaz o disposto na alínea h) do artigo 16.º (de facto, artigo 17.º, já que, por lapso, os subscritores do projecto deixaram por numerar um dos artigos anteriores).
Será que devemos abandonar a exigência de apreciação prévia e de parecer fundamentado sobre todo e qualquer projecto de aplicação de tratamento automático de informação, do sector público ou privado, que vise explorar os bancos de dados pessoais?
Será que essa apreciação e parecer fundamental deverá ser apenas exigível em certos casos, quando estiver em causa o processamento de dados «sensíveis», para usar a terminologia adoptada pela recomendação da OCDE? Nos outros casos, apenas deverá ser exigível a comunicação da existência de ficheiros de dados pessoais e de toda a informação necessária ao seu controle?
2.º A composição da Comissão suscita-nos também algumas dúvidas. Será esta a melhor composição para garantir a defesa dos direitos do homem face à informática. Terá de integrar um tão grande número de magistrados? Deverão os especialistas de informática dar apoio técnico à Comissão ou integrá-la? Poderão os especialistas de informática deliberar em matéria de julgado ao mesmo nível do presidente e dos magistrados que a compõem?
3.º Os poderes da Comissão afiguram-se também excessivos e, por vezes, mesmo discutíveis. Atribuem-se, por exemplo, à Comissão poderes para decidir, com força de caso julgado, matéria que se nos afigura dever caber a um tribunal.
Sousa Franco, o autor do projecto de lei, que esta iniciativa legislativa retomou, admitiu no debate do projecto de lei n.º 202/11 o recurso de actos concretos da Comissão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido colocada também a hipótese por outros deputados de o recurso ser interposto para o Supremo Tribunal Administrativo.
Será que deverá caber à Comissão a aprovação da designação dos responsáveis pela exploração de diferentes ficheiros e bancos de dados normativos, implementados nas aplicações em curso dos diversos serviços públicos e empresas do sector privado?
Não será excessivo e não haverá outros meios para assegurar a defesa dos direitos do homem face à informática?
Para além destas questões, e não mencionando os inúmeros lapsos materiais, facilmente detectáveis, que o texto do projecto de lei contém, há que referir a redacção do artigo 26.º (de facto 27.º).
Este artigo reproduz o artigo 28.º do projecto de lei n.º 202/11 (de facto o artigo 27.º, se não ignorarmos que o projecto saltava do artigo 14.º
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para o artigo 16.º, por lapso), apresentado em 28 de Abril de 1981, ignorando o disposto no artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82. Ora, o artigo 242.º dispõe nesta matéria que:
1 - Na data da entrada em vigor da presente lei de revisão, os arquivos da extinta PIDE/DGS e LP são confiados à guarda conjunta do Presidente e dos Vice-Presidentes da Assembleia da República e terão o destino que lhes for fixado por lei a aprovar pela Assembleia da República, por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.
2 - Na mesma data, os serviços da ex-PIDE/DGS e LP são colocados na dependência da Assembleia da República e terão o destino que lhes for fixado por lei a aprovar nos termos do número anterior.
Também quanto aos serviços de informação, cuja criação está em discussão na Assembleia, afigura-se ser outra a orientação que virá a ser adoptada.
Apesar das questões formuladas, consideramos que o projecto de lei n.º 110/111 representa um esforço sério de contribuir para assegurar a defesa dos direitos do homem face à informática, revestindo as condições legais e regimentais exigíveis para ser apreciado no Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 26 de Abril de 1984.- O Relator, José Leitão. - O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Luís Silvério Gonçalves Saias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feita a leitura, julgo que estamos em condições de iniciar o debate.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se quisesse de um modo um tanto ou quanto provocatório despertar a atenção da Assembleia da República para a importância deste problema, lembraria aos deputados que poderia haver um registo informático das suas presenças, dai pontualidade com que chegam às reuniões, da frequência com que se ausentam da Sala e até dos trabalhos que desenvolvem ao longo do seu mandato e que esse registo poderia ser comunicado aos seus eleitores. Creio que talvez este intróito desperte melhor as atenções para a importância e para o impacte de um problema como aquele que hoje vamos aqui abordar.
A informática não escapa à ambivalência que envolve todo o progresso técnico. Corresponde, ao mesmo tempo, à criação de novas formas de' libertação e servidão. Não escapa sequer a uma certa aura mitológica que sempre rodeia as aquisições do progresso. Para uns, é fonte de todas as virtudes; para outros, de todos os vícios. Nem escapa à religião de sacristães em que a transformam ou pretendem transformar alguns iniciados, para quem o reforço da nota de «ocultismo» é um processo de criarem e se reservarem um clube de admissão restrita.
Um debate político sobre a utilização informática começa por ser um pôr em causa a ideia de clube fechado, para lembrar que todo o conhecimento é, por direito próprio, adquirido por todos os homens.
Estamos inclusivamente naquilo que deveria ser um debate político prioritário e em que, se algo há para estranhar e assinalar, é o facto de Assembleia da República e Governo, apesar de modificações na sua composição, não terem ainda manifestado uma vontade política suficiente para legislar nesta matéria.
Com efeito, logo na I Legislatura da Assembleia da República, foi apresentado o projecto de lei n.º 214/1, cujo principal responsável, Sousa Franco, o retomou na II Legislatura (com o n.º 202/11), embora profundamente remodelado.
O projecto, embora tivesse sido aprovado na generalidade, não foi transformado em lei e, por isso, foi retomado na íntegra na actual Legislatura, apesar de nalguns pontos entretanto desactualizado, sendo, no entanto, necessário usar do direito de fixação de ordem do dia, para que a sua discussão seja possível.
Também os sucessivos governos só por arrastamento e tempos depois de apresentada uma outra iniciativa legislativa parecem ter-se preocupado com a questão, na provável ideia de que o amor que têm ao Parlamento se demonstra pelo ciúme.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Este é, no entanto, e como dizíamos, um debate político prioritário.
Não apenas por estar em causa um instrumento que, por atingir o campo e o domínio do pensar, pode em tudo deixar a sua marca e ser um factor essencial e original de transformação.
Mas, essencialmente, porque estamos no campo da informação, no sentido de «suporte do conhecimento e das comunicações humanas», que é, além do mais, um suporte do poder.
Na verdade, é preciso saber para agir. Há um encadeamento insofismável entre a informação, a decisão e a acção.
A história do poder político é também a de quem admite que não pode dispensar-se de estar informado mas que nem sempre aceita que outros o possam estar.
Acreditamos que a liberdade corresponde também à altura e solidez dos diques que formos capazes de erguer contra os excessos do poder.
Foi no campo da defesa dos direitos do homem que quisemos situar este debate. É aí que ele realmente se coloca.
Como disse o deputado Sousa Franco, o projecto «visa regulamentar o artigo 35.º da Constituição, estabelecendo as garantias fundamentais do respeito da informática pelos direitos do homem, designadamente pela dignidade e intimidade da pessoa humana. [...] Pretende dar uma resposta - certamente aperfeiçoável - cujos princípios gerais nos parecem ajustados a dois objectivos.
O primeiro é o de não entravar o progresso da informática e a contribuição que ele pode dar para a resolução dos problemas da sociedade; o segundo o de respeitar rigorosamente os direitos humanos fundamentais, designadamente a dignidade da personalidade e a sua intimidade».
Por isso, citando de novo Sousa Franco, «o presente projecto de lei não é um projecto conservador; é um projecto que resulta não do medo perante a infor-
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mática, mas da abertura às utilizações correctas da informática e do tratamento da informática».
E isto porque «a perversão das utilizações da informática é um dos riscos que mesmo nos Estados democráticos deve prevenir-se, pois a democracia há-de evitar fornecer armas a todos aqueles que dentro dela procuram construir formas de sociedade não democráticas».
É, de facto, a violação do respeito pela privaticidade - que a existência de ficheiros e de informação recolhida sobre os indivíduos e o seu modo de pensar sempre pôs em causa, que pode, pela informática, ampliar-se desmedidamente, que este projecto de lei pretende acautelar.
Em primeiro lugar, parece-nos importante assinalar que a proibição da possibilidade de interconexão, prevista no n.º 2 do artigo 35.º do texto constitucional, corresponde de igual modo, do nosso ponto de vista, a uma proibição da concentração de informações.
A interconexão não é mais do que uma forma de obter essa concentração ou o chamado ordenador central e não seria sequer lógico proibir o meio, permitindo a finalidade.
O que está em causa é a possibilidade de, no mesmo registo, se reunirem informações sobre a vida de um cidadão. O exemplo limite do ordenador global não precisa ser recordado.
Propositadamente, deixámos em aberto um tema que, por exemplo nos EUA, vem sendo objecto de particular atenção e que, desde já, deixamos colocado como tema para reflexão e debate. Tal é o de saber se, tal como os dados referentes à vida privada, também os dados referentes à vida pública de um cidadão não deverão ver limitada a sua possibilidade ide. concentração e, consequentemente, serem melhor defendidos.
É que é corripletamente diferente aceitar-se a divulgação de certas informações num contexto determinado, em tempo e lugar e por motivos diferentes prestados, ou vê-las reunidas noutro contexto e sentido.
O problema, particularmente discutido á propósito do registo de todas as votações e tomadas de posição dos senadores americanos, ganhou também entre nós actualidade, com uma tentativa infeliz de denúncia pública de votações de deputados por parte de quem parece entender que a melhor forma de defender direitos do homem é violar direitos doutros homens.
Outro é o problema do tratamento dos dados, quer ligando informações, quer por pesquisa operacional.
O primeiro é, no exemplo clássico, a possibilidade de deduzir o trajecto seguido na ligação casa-emprego e o meio de transporte utilizado, pela localização dos 2 pontos e o conhecimento do tempo médio do transporte.
Como é evidente, o exemplo não pretende mais do que revelar uma possibilidade, mas conhecer-se igualmente os modelos de previsão da população em que se calcula a probabilidade de ter um filho, morrer ou emigrar uma qualquer pessoa.
São igualmente conhecidas as possibilidades de desenhar perfis, integrando os dados disponíveis sobre um cidadão e prevendo-lhe o comportamento futuro com base no comportamento conhecido.
Proibimos tal possibilidade no artigo 2.º do projecto e admitimos que possa ser alargada a todas as hipóteses de pesquisa operacional.
Outra preocupação revelada no texto constitucional é a do acesso aos dados, que procurámos regular nos artigos 13.º e 14.º do projecto.
O acesso aos dados envolve vários problemas.
Em primeiro lugar, o problema do acesso por terceiros.
Há mais de 10 anos, Jean-Xavier Scieller citava - in Les protections techniques», L'informatique, Abril, 1971 - o presidente da IBM, Thomas Watson:
Nenhum construtor pode colocar um banco de dados ao abrigo da corrupção humana.
E Scieller analisava as razões pelas quais nem a cifra, nem a vigilância, nem o controle de acesso por palavras-senha poderiam representar barreiras definitivas contra a violação de um ordenador.
Tudo o que um espírito humano faz pode por outro ser desfeito.
A verdade é que o acesso, mesmo fraudulento, aos dados não deixa rasto.
E para os teóricos dos serviços de informações não é um risco desprezível, em termos de segurança, o transporte de alguns discos - isto é, o equivalente a milhões de fichas para outro país.
Mas esta questão não esgota o problema. Não é isento de riscos o próprio acesso aos dados pelos funcionários ou outras pessoas, por mais íntegras que sejam, a quem tal acesso é permitido.
Há um conjunto de cidadãos que, sem controle, deterão nas suas mãos um poder de importância antes desconhecida. Isto é, poderão existir «donos da sombra» que, estando ao abrigo do poder político, podem servir-se das «suas» informações para influenciar a política.
Não estou, obviamente, a citar um risco imaginado. Mas a pensar que o Herald Tribune, de 27 de Fevereiro de 1974, denunciava o modo «subtil, mas eficaz» como Edgar Hoover evitava críticas ao FBI, «revelando» a membros do Congresso a possibilidade de fugas de dados dos dossiers que sobre eles e suas famílias havia organizado.
Daí que apareça como particularmente importante a aprovação dos responsáveis pela exploração de ficheiros e bancos de dados normativos.
E se for o próprio poder político a usar informações?
Á possibilidade de acesso aos dados pelos próprios cidadãos aparece assim como garantia indispensável.
Estaremos longe, em termos de projecto, do Habeas data, isto é, da ideia de que também os dados imateriais respeitantes ao indivíduo, à sua vida privada e à sua reputação só a ele pertencem, e ninguém deles pode dispor sem o seu conhecimento.
A ideia do n.º 2 do artigo l.º do projecto não anda, porém, longe de que o coligir de dados para lesar a vida privada de um indivíduo se assemelha, pura e simplesmente, à difamação e, como tal, deve ser rigorosamente punida.
Em acréscimo, no artigo 3.º, estabelece-se o direito de as pessoas tomarem conhecimento das informações memorizadas a seu respeito e de exigirem a rectificação de dados e a sua actualização.
O risco do erro e das suas consequências, ampliadas e colocadas no âmbito dos direitos do homem, são evidentes.
Nos artigos 3.º, 14.º e 15.º do projecto proeurou regulamentar-se o n.º l do artigo 35.º da Constituição,
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enquanto no artigo 24.º se regula a penalização das infracções e violações dos princípios contidos no projecto.
A intervenção de uma comissão nacional de informática e liberdades, magistratura moral para acompanhamento da situação, é outro dos princípios fundamentais para concretização do artigo 35.º da Constituição.
Tal como o deputado Sousa Franco, autor do projecto, já havia admitido no debate do projecto de lei n.º 202/11, admitimos, em proposta de alteração já entregue na Mesa, o recurso das decisões da Comissão.
Na lógica em que nos colocamos, tal recurso caberá para o Supremo Tribunal de Justiça, solução já então aventada.
Repetindo a ideia de que, como, aliás, o justificaria a complexidade e melindre das questões envolvidas, este é necessariamente um projecto aberto «aos contributos úteis que possa merecer», caberá salientar algumas alterações por nós próprios propostas, para além das correcções das deficiências formais do projecto e da sua adequação ao artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82. As alterações introduzidas têm em vista a evolução recente dos componentes electrónicos, nomeadamente no que se refere à miniaturização a ao preço e às consequências da possibilidade de fabrico de ordenadores de pequenas dimensões, poderosos, pouco dispendiosos e ao alcance de agentes económicos médios.
Mas, de igual modo, proeurou considerar-se o crescente encaminhamento para as redes telemáticas e a consequente possibilidade de ligação directa entre os utentes e a junção de ficheiros, gerando cada vez menor necessidade de centros de tratamento próprios.
Daí uma maior atenção aos problemas dos fluxos de dados transfronteiras, à interconexão de ficheiros, ao alargamento do conceito constitucional de proibição de um número nacional único, ao tempo de conservação dos dados e à obrigação de apagar alguns dados.
O direito ao esquecimento de condutas reprováveis é também um direito do homem. Não se duvida, no entanto, que, pela rigorosa delimitação do que sejam as informações que não podem figurar num banco de dados, o artigo 6.º do projecto constitui elemento essencial.
Por aí passa o entendimento que viermos a consagrar não apenas ao que é a vida privada num mundo como o nosso, mas a algo mais importante que isso.
Nos Estados Unidos, para utilizar um exemplo distante, punha-se em causa o puritanismo jacobino, que impediria Luís XIV, com os seus dentes estragados e as suas amantes, do acesso ao poder.
Não é apenas isso. Nem os riscos são apenas para alguns, não tendo os «vulgares cidadãos» nada a temer.
O que está em causa é a liberdade.
Perante um inquisidor que saiba tudo, a liberdade de nos defendermos termina. A mesma sociedade que proíbe as mutilações como forma de obter confissões, procura-as amputando aos homens o direito aos seus segredos e ao seu mistério.
Confrontado com um dossier completo, não se pode responder a não ser por sim ou não. Ou seja: o ordenador só admite a resposta em termos de ordenador.
Ê a escolha, própria de homens livres, que termina por que apenas resta repetir o programa assinalado.
No emprego ou nas deslocações. Como no humor amargo de Woody Allen:
A resposta é sim, mas diga-me qual foi a pergunta.
Um poder que tudo saiba, para além do mais, leva à autocensura, que é a pedra tumular da liberdade.
Não seria a este despotismo, que «degrada os homens sem os atormentar», que Stuart Mill se referia ao sublinhar que «há um limite na ingerência legítima da opinião colectiva sobre a independência individual»; e achar esse limite e mante-lo contra a usurpação é tão indispensável para o bom andamento dos negócios humanos como a protecção contra o despotismo político.
Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados José Magalhães, José Manuel Mendes, Odete Santos, Manuel Queiró, António Taborda e Correia Afonso.
Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado Magalhães Mota, partilhamos, sem dúvida, as preocupações daqueles que, como há pouco ouvimos, se pronunciam contra o exame das questões de informática na óptica do sacristão - sem ofensa - na óptica do clube fechado. Por isso, entendemos que este debate devia ser alargado e aprofundado e, porventura, mais preparado do que aquilo a que se arrisca a ser.
A questão é realmente importante e o exemplo que nos deu sobre a vida dos deputados é tocante e, porventura, muito actual. Mas para o cidadão comum e para os próprios deputados há outras questões relacionadas com a informática que não são menos preocupantes. Ê realmente possível saber que deputados é que faltam, como faltam e porque faltam, mas também é possível saber se este ou aquele deputado ou cidadão pagou a água e a luz ou há quanto tempo está atrasado, se tem sinais particulares, qual é a sua conta no banco, que movimentos é que fez nos últimos tempos, onde é que almoçou, quanto é que pagou usando o cartão de crédito ou um cheque, com quem é que viajou em tal ou tal avião no dia tal, onde é que pernoitou, que revistas é que assina, onde é que esteve, onde é que se deslocou e por aí adiante. A questão é obviamente muito importante, e não só para deputados.
Como o Sr. Deputado sabe, dá-se a circunstância histórica de o Governo pretender impulsionar, em condições lamentáveis, a criação de um serviço de informações, que tem, como um dos aspectos nucleares, a recolha de dados e o seu tratamento automatizado, isto é, a informatização acelerada da recolha de dados numa esfera altamente sensível. Isto torna este debate particularmente importante e delicado.
A nossa primeira pergunta é esta: porquê a insistência da ASDI em realizar este debate neste momento exacto, quando se sabe que está em preparação e se realiza -suponho- amanhã uma primeira grande reflexão, a nível nacional, sobre a questão da informática e das liberdades, em que participarão inclusivamente representantes governamentais bastante qualificados e ligados a este projecto, entidades relacionadas com o uso da informática em Portugal e até
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deputados da Assembleia que aceitaram o convite? Por outro lado, está anunciada para o mês de Junho uma reunião da IBI, onde se vai aprofundar a reflexão sobre esta matéria, designadamente os fluxos transfronteiras, e em Outubro realiza-se em Portugal uma conferência sobre a informática e o poder local. Isto é, está em curso um vastíssimo processo da reflexão sobre esta matéria.
A Assembleia da República, neste quadro, arrisca-se a fazer o papel não só de parente pobre como até - e é este o aspecto que gostava de sublinhar- um papel triste e lamentável, que é o de aprovar, a correr, uma, proposta que o Governo nos trás e que está eivada de defeitos, pechas e vícios premeditados, que se arriscam a transformar a colheita e o tratamento automatizado de dados numa verdadeira devassa da vida dos cidadãos.
Isto quer dizer então - e concluo - que, longe de contribuir para a realização dos objectivos que o Sr. Deputado proclamou na sua intervenção, a qual apreciámos devidamente e que, de resto, já conhecíamos a marcação da ASDI arrisca-se a ser um instrumento ou uma peça na aprovação célere de um instrumento que, longe de propiciar uma defesa acrescida dos dados pessoais, de carácter particularmente sensível, arriscar-se-ia a abrir caminho a instrumentos de devassa, numa operação cujas dimensões se arriscam a fazer da PIDE uma brincadeira ou, pelo menos, um instrumento artesanal. É por isso que encaramos este debate com preocupação e a marcação da ASDI com estranheza e que gostaríamos de ouvir o Sr. Deputado pronunciar-se sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, pretende responder já ao Sr. Deputado José Magalhães ou no fim, após terem sido formulados todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Respondo no fim. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, na intervenção que produziu teve V. Ex.ª oportunidade de salientar os graves riscos que resultam de uma ruptura no equilíbrio que terá de existir entre os legítimos vectores do avanço tecnológico e os não menos legítimos impulsos de defesa da pessoa face à informática, no nosso caso consagrados ampla e rigorosamente na Constituição da República, mas igualmente decorrentes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Considerando aquilo que lhe ouvi, ocorre-me interrogá-lo se, depois de ter lido a proposta de lei que nos é presente pelo Governo, lhe parece que ela se conforma, por um lado, com a Constituição da República, por outro, com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente com o seu artigo 8.º, e, finalmente, com a própria Convenção sobre a Protecção dos Dados, que hoje teremos que apreciar. Faço-lhe esta pergunta fundamentando-me, entre muitíssimos outros aspectos que a seu tempo serão chamados à colação, na circunstância de se permitir a invasão da esfera dos chamados dados sensíveis, designadamente através do instituto da derrogação, previsto no artigo 9.º, e também em função de quanto se relaciona com a largueza das excepções e restrições aí previstas, no que concerne à substância elementar da defesa da pessoa, cujos dados foram recolhidos noutro tempo e cuja protecção importa por todos os meios tutelar.
Uma das questões praticamente adquiridas no debate que aqui teve lugar em 1981, aquando da apresentação pela ASDI do mesmo projecto de lei que hoje renova, foi a de que uma comissão nacional de dados - chame-se-lhe o que se quiser nesta fase do debate - não deveria nunca ficar na dependência do Executivo, mas sim na dependência da Assembleia da República, solução essa que o vosso projecto mantém.
Pergunto-lhe, a Finalizar, como encara a solução que nos é trazida pela proposta governamental, segundo a qual uma comissão de dados ficaria não apenas na dependência orgânica do Ministério da Justiça, mas. sobretudo, claramente deformada, através da sua composição, por elementos da confiança do Ministério da Justiça, com tudo o que isso pode significar de entorse à democraticidade e à pluralidade das opções do Estado.
O Sr. José Magalhães (PCP):- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço-vos que me acompanhem numa saudação aos 50 alunos que vieram da Escola Secundária de Benavente até este Parlamento, em visita, para apreciarem os trabalhos desta sessão.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Srs. Deputados. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, eu gostava de lhe colocar algumas questões, a primeira das quais relativa à marcação deste debate e as outras relativas ao projecto de lei da ASDI e à proposta de lei do Governo.
Quanto à marcação da ordem do dia, gostava que V. Ex.ª esclarecesse se, tendo em conta que esta questão da protecção dos dados pessoais é uma questão sensível e que tem preocupado todos os peritos do mundo inteiro, acha que houve já um debate interno e aprofundado sobre esta matéria para que os deputados possam tomar as suas opções. Eu lembrar-lhe-ia que, por exemplo, na Itália, quando estava presente à Câmara de Deputados uma lei sobre esta matéria, a própria Câmara, em colaboração com o Conselho da Europa, realizou a Conferência de Roma de 1982, tendo, portanto, um cuidado muito diferente daquele que está posto, neste momento, na Assembleia da República.
Uma outra questão que gostava de formular diz respeito ao direito à informação dos cidadãos quanto à existência de bancos de dados. Eu vejo que tanto no projecto como na proposta não está garantido um direito à informação, que apenas se remete a existência dos bancos de dados para as páginas do Diário da Assembleia da República - que é muito pouco lido - e que, portanto, os cidadãos não têm garantido um verdadeiro direito à informação.
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Perguntava ainda a V. Ex.ª o que pensa acerca da possibilidade de haver uma notificação pessoal e o que pensa quanto à proposta de lei do Governo, que, praticamente, não põe limites à recolha de dados.
Quanto ao n.º 4 do artigo 27.º da proposta de lei do Governo -que diz: «consideram-se ainda informações públicas os dados que sejam tornados públicos por via oficial» -, queria dizer que estes dados podem ser, nos termos desta proposta, objecto de interconexões de ficheiros e que se podem referir, por exemplo, ao facto de uma pessoa pertencer a uma comissão de .trabalhadores ou a uma direcção sindical, pois que esses dados vêm publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, que é um jornal oficial. Eu pergunto a V. Ex.ª se não se estará aqui a fugir, precisamente, à proibição constitucional de tratar automaticamente dados relativos às actividades sindicais e se isto não é uma fonte de discriminação e de ameaças para os cidadãos.
Em relação ao direito à informação dos ficheiros policiais, queria dizer que V. Ex.ª, no vosso projecto, restringem esse direito, na medida em que as pessoas não são notificadas da finalidade daquele ficheiro. Queria recordar ao Sr. Deputado que, por exemplo, na aludida Conferência de Roma, a Dr.ª Solange defendia, mesmo em relação aos ficheiros policiais, a informação sistemática dos titulares dos registos, dadas as ameaças desses ficheiros.
Quanto aos custos do direito de acesso -questão já colocada no anterior debate-, não está resolvido no projecto da ASDI. Já o Dr. Seabra Lopes, especialista neste assunto, disse numa conferência internacional que em Portugal toda a gente está habituada a pagar taxas, que daí não vem o mal ao mundo, e, portanto, que também aqui se pague uma taxa para o direito de acesso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Rica filosofia!
A Oradora: - Eu queria que o Sr. Deputado explicitasse se a ASDI entende que devem ser postas restrições financeiras e que se deve, portanto, cercear o direito de acesso.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): -Sr. Deputado Magalhães Mota, queria começar por aplaudir, em nome da minha bancada, a iniciativa da ASDI - cujo mérito consideramos indiscutível - e por manifestar o nosso acordo em relação aos pressupostos fundamentais de ordem política e cultural com que V. Ex.ª
apresentou o projecto de lei do seu agrupamento parlamentar.
Em todo o caso, e sem prejuízo da intervenção que a minha bancada fará sobre os 2 diplomas, eu gostaria de lhe pôr algumas questões que me parecem mais prementes.
V. Ex.ª disse que a proibição de interconexão de ficheiros nominativos -que está consagrada constitucionalmente implica a proibição da concentração de informações desses mesmos ficheiros.
A primeira questão que punha a V. Ex.ª é a de saber até que ponto pretende o Sr. Deputado limitar essa concentração, se se refere a um banco central de dados, se é essa a questão que está a colocar ou se, por outro lado, ao não definir o grau de concentração que se pretende limitar, não estará já a ASDI um pouco atrás da realidade. É que é um facto que, em muitos serviços públicos, bancos de dados foram já transformados em base de dados, isto é, em programas de interconexão automática de dados de diferente natureza. Nesta matéria, estava V. Ex.ª a procurar acentuar a vertente da protecção da privacidade ou a acentuar a vertente da não limitação do progresso da informática e do progresso técnico em geral?
Outra questão que queria pôr a V. Ex.ª prende-se com o facto de determinadas autorizações que aparecem no projecto da ASDI implicarem a aprovação prévia da existência de todos os ficheiros nominativos, para além dos ficheiros normativos com dados de carácter pessoal existentes a nível de serviços públicos. Perguntava, assim, ao Sr. Deputado se considera isto viável. Não considera que, neste ponto, a ASDI está já um pouco atrás de realidade?
Será desejável a aprovação prévia de todos os ficheiros nominativos com dados de carácter pessoal, para além daqueles que existem nos serviços públicos e que podem ser interconexionados?
A última pergunta que fazia a V. Ex.ª prende-se com uma possibilidade que não está contemplada no projecto da ASDI, que é, para além do direito de acesso, o sistema de alerta: seria um sistema de alerta que possibilitasse o aviso a cada cidadão de quais ficheiros públicos em que estava integrado, para que efeito e que tipos de informação existem nesse ficheiro.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota: A iniciativa legislativa da ASDI parece-nos válida, mas surge num contexto complicado.
É do conhecimento de toda a Câmara que a evolução rápida da tecnologia e a velocidade crescente da potenciação dos computadores faz que, rapidamente, as legislações que têm saído para resolver o problema da defesa dos direitos do homem fiquem rapidamente desactualizados. É maior a velocidade da máquina do que a capacidade de produzir dos parlamentos.
A iniciativa da ASDI é, portanto, além de válida, também generosa, na medida em que ficará, rapidamente, desactualizada.
E falando em desactualização, formularia o meu pedido de esclarecimento. O projecto de lei da ASDI é, no fundo, a retoma do projecto de lei n.º 202/II, de 1981. Entre estes dois momentos inseriu-se a revisão constitucional e com ela veio uma profunda alteração do artigo 35.º da mesma.
Neste ponto, o projecto da ASDI está desactualizado, pelo menos na minha perspectiva. A minha pergunta prende-se, assim, com o n.º 2 do artigo 35.º da Constituição. De facto, com a revisão constitucional, inseriu-se a proibição dos fluxos de dados transfronteiras. Ora, o projecto de lei da ASDI parece não prever esta situação. Então, Sr. Deputado, não prevê o seu projecto tal situação ou está lá prevista de qualquer fornia que eu apreendi?
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
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O Sr. António Taborda (MDP/CDE):- Sr. Deputado Magalhães Mota: O MDP/CDE registou a homenagem que a ASDI quis fazer ao ex-deputado Sousa Franco, com a manutenção, ipsis verbis, do projecto por ele apresentado em 1981 e aqui aprovado, na generalidade, por unanimidade.
Para além deste registo, aparece a disposição, por parte da ASDI, de recolher todos os contributos válidos que aqui vierem a ser postos. Mas o primeiro problema que se me põe prende-se com o que V. Ex.ª disse acerca da liberdade, pois afirmou que «a liberdade fica à altura dos diques que quisermos construir». Ë um problema de diques, de facto, e o dique maior é o dique constítucional, exactamente o artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 242.º da Lei Constitucional n.º 1/82. Parece que deve haver aqui uma interconexão precisa - para falar em termos informáticos - entre o projecto de lei da ASDI e estes dispositivos constitucionais.
Desde logo se põe á seguinte questão. Ë óbvio que as potências informáticas do mundo pretendem colocar os seus produtos e utilizar aquilo que se chama, em gíria, os oásis informáticos (normalmente países subdesenvolvidos) para aí exercerem mais livremente a sua acção.
Portugal, até à aprovação da Constituição, era um desses países. Hoje ainda é um oásis informático, em termos de legislação ordinária.
O problema que punha, Sr. Deputado, prende-se com o facto de o artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa ter normas extremamente precisas quanto à utilização dos dados nominativos, remetendo para a lei a excepção a essa norma imperativa. Não lhe parece, Sr. Deputado, que a lei deve definir rigorosamente quais são esses dados da norma excepcional, e não, como vem neste projecto, remeter para uma comissão nacional de informática e liberdade não só o controle de utilização dos dados e da interconexão, mas também nos casos especificados na proposta de lei, a autorização para poder utilizar-se, em certos casos, esses dados nominativos e fazer, até, interconexões? Isto é, não devia ser a própria lei a definir rigorosamente quais os casos excepcionais e não uma comissão, por mais respeitável que ela seja?
Em vários artigos diz-se que as decisões desta comissão têm força de caso julgado, mas depois admite-se recurso para o Supremo Tribunal de Justiça: não haverá aqui uma contradição?
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): -Pela ordem dos pedidos de esclarecimento, começaria por responder ao Sr. Deputado José Magalhães.
Eu diria que, em nossa opinião -e isso procurámos exprimir logo de entrada - este debate já tem algum atraso e já deveria ter tido lugar. O texto constitucional - que sofreu modificações em 1982, mas que vem de 1976- deveria ter sido regulamentado há muito mais tempo.
Quanto ao aprofundamento do debate, penso que este nunca será - até porque é um debate em que a mutação da própria vida e dos conhecimentos técnicos que vão sendo adquiridos é muito grande- um debate encerrado e, portanto, todos os aprofundamentos e todas as contribuições serão úteis em qualquer momento e, naturalmente, teremos de correr o risco e assumir a modéstia de sermos ultrapassados pelos progressos que vão sendo adquiridos.
Mas o que eu creio é que este é um momento e talvez não seja um momento particularmente desajustado para traçarmos um quadro geral que terá necessariamente aperfeiçoamentos, mas que estabelecerá algumas balizas e algumas regras de enquadramento e de regulamentação do texto constitucional.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Quanto à oportunidade da marcação, recordaria que esta marcação tem um antecedente extremamente importante e que revela que ele não é um instrumento mas, pelo contrário, que é um meio de esta Assembleia fazer este debate.
Se o Sr. Deputado estiver recordado -e estará, com certeza - lembrar-se-á que o Governo tinha apresentado aqui uma proposta de lei de autorização legislativa para legislar sobre esta matéria - a proposta de lei n.º 57/111. Se esta marcação não tivesse sido feita, provavelmente estaríamos a debater uma autorização legislativa e não uma proposta de lei. Portanto, estamos a confrontar textos legislativos e estamos a ter esta oportunidade de debate, em boa parte, por causa de uma marcação. Creio que se a marcação não estivesse feita o debate da autorização legislativa seria, com certeza, muito mais acelerado, ainda muito menos aprofundado do que este e não saberíamos exactamente - porque essa é a tradição, infelizmente! - qual o conteúdo que sairia da autorização que acabaria por ser concedida.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A autorização foi retirada!
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, devo dizer que as suas questões têm fundamentalmente a ver com a proposta do Governo e, como é óbvio, quando as soluções são diferentes entre o projecto de lei e a proposta, nós temos naturalmente preferência pela nossa própria solução. E num caso muito concreto, que é o da comissão, eu diria claramente que nos parece que essa comissão deve ser constituída na dependência da Assembleia da República, sob fiscalização do Parlamento e não sob a dependência do Executivo, nem constituída por funcionários.
Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à Sr.ª Deputada Odete Santos, dir-lhe-ia que, relativamente ao aprofundamento do debate havido na Itália, também nós nos aproveitamos - e essa é uma das vantagens de sermos, de algum modo, cidadãos do Mundo também dos debates alheios e também direi que é pena que o debate em Portugal não seja mais aprofundado.
Em relação a problemas como os que colocou sobre a notificação pessoal, a possibilidade do direito à informação generalizado e as vias desse direito à informação, creio que é uma matéria importante. Penso que, provavelmente no debate na especialidade deveremos ocupar-nos desse ponto muito concretamente e encontrar as melhores fórmulas possíveis para conseguir
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dois aspectos que assinalou e que também para nós são importantes, quais sejam, o da possibilidade real de acesso - porque só há acesso verdadeiro aos dados e só há direito de acesso aos dados se ele for em condições acessíveis pois, de outra maneira, não há senão um direito teórico que não poderá ser exercido pelos cidadãos- e o de uma informação da existência de ficheiros.
Ao Sr. Deputado Manuel Queiró, agradeço-lhe as palavras que quis ter a gentileza de dirigir à intervenção que fiz.
Quanto ao problema concreto da interconexão e da concentração, o sentido que eu atribuía era o de dizer que, quando se está a proibir a interconexão se procura no fundo fugir à tese do ordenador universal. Portanto, era nesse sentido que eu equiparava a proibição da interconexão à proibição da concentração.
Quanto ao problema da aprovação prévia e da sua viabilidade, devo dizer que se trata, naturalmente, de um problema de extremo melindre. Em todo o caso, diria que não seria tão céptico quanto às possibilidades. Direi que é uma das tais questões que teremos de ponderar com rigor, mas não é, com certeza, o mesmo tipo de aprovação, nem a mesma dificuldade de aprovação que é revestida por todos os dados ou por todos os sistemas de recolhas de dados. E o sistema da autorização tem duas vantagens extremamente importantes: por um lado, a possibilidade do conhecimento da existência de quem recolhe o quê e para que finalidades - sem esse conhecimento é muito difícil que haja uma verdadeira disciplina numa matéria tão sensível como esta -, por outro, é o único processo que permite responsabilizar os gestores da recolha de dados.
Como tive ocasião de salientar, colocar algumas pessoas na possibilidade de acesso a elementos desta natureza e deste melindre sem, sobre elas, ter qualquer espécie de juízo ou de controle é um risco para qualquer sociedade e para todos os cidadãos.
Quanto ao sistema de alerta aviso, penso que ele seria útil. É também uma questão, no entanto, que envolve alguns custos e, como tal, também necessitará de ser ponderada. Mas seria uma matéria sobre a qual estaríamos francamente abertos para a discussão na especialidade.
Quanto ao Sr. Deputado Correia Afonso, devo dizer-lhe que, de algum modo, já respondi ao problema da desactualização. É de facto um risco, mas esse é um risco da própria vida, uma vida que à nossa volta, cada vez mais, nos pressiona e cada vez mais nos suscita problemas novos. Só que o nosso entendimento é o de que não devemos desistir perante essa velocidade que a própria vida adquire. Pelo contrário, temos obrigação de, com os meios ao nosso alcance e com as nossas possibilidades, tentar disciplinar alguma coisa que reconhecemos importante e sério.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao projecto de lei e à revisão constítucional, penso que há de facto modificações que lhe resultam da nova redacção dada ao artigo 35.º da Constituição. Como tivemos ocasião de salientar, procurámos mostrar que este projecto era um diploma que repetíamos depois de uma aprovação na generalidade. Houve efectivamente modificações que lhe foram introduzidas e essas modificações procuraram ter em conta, quer o problema do artigo 35.º da Constituição, quer o problema do artigo 242.º da Lei n.º 1/82.
Ao Sr. Deputado António Taborda, diria que para nós há duas questões fundamentais. Creio que - e a experiência alheia tem demonstrado isso- quanto mais se procura regulamentar e regulamentar em pormenor, mais facilmente se chega a desactualizações e a sucessivas alterações e a prática aí escapa através do controle que se pretende criar.
Pela nossa parte, por isso, não desdenharíamos da solução, que é com certeza mais elástica, de entregar algumas soluções concretas a uma comissão. Cremos que isso é mais adaptado à evolução de uma realidade que todos conhecemos como extremamente mutável, do que estar a tentar fixar essa realidade num quadro normativo que provavelmente seria muito rapidamente extravasado por essa mesma realidade.
Quanto ao problema de definição das decisões da comissão, como foi, aliás, sustentado logo no próprio debate de apresentação, já havia uma previsão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nalguns casos, e foi agora por nós alargada numa proposta de alteração entregue na Mesa a todas as decisões da comissão em que estão em causa decisões individuais. Na altura do debate discutia-se entre duas soluções. Foi aqui aventada a solução também de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo e pareceu-nos mais correcta a solução de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, já que não estão em causa outra coisa senão direitos das pessoas.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para protestar, inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães, Odete Santos e António Taborda.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, continuo com as perplexidades com que iniciei este debate e que exprimi na minha pergunta e creio que a resposta que me deu fundamenta dúvidas e perplexidades ulteriores.
Nós já devíamos ter regulamentado esta disposição da Constituição? Ë a interrogação que pôs. E afirmou peremptoriamente:
Sim, senhor. Estamos atrasados. Correr, é preciso correr.
O Sr. Deputado sabe -melhor do que eu, provavelmente- que estes gritos do «correr, correr», ou do «ter, ter», que já deram um belo resultado na história portuguesa, são sempre dignos de reflexão ulterior. Correr para onde? Correr porquê? Correr para quê? Para onde é que vamos a correr? Com quem é que estamos a correr?
Sucede que neste momento histórico e concreto, ao contrário do que acontecia em 1981 com o projecto de lei que a ASDI viu aprovado na generalidade - com muitas reticências, dúvidas, críticas, algumas das quais reflectidas na sua própria intervenção de agora-, a perspectiva que hoje se suscita pesadamente é a de que a legislação que daqui saia seja um instrumento que só ingenuamente se podia julgar desinserido do processo governamental de aprovação dos serviços de informações e da lei de segurança interna. Designadamente, uma lei deste
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tipo virá dar corpo, e estatuto em parte, aos bancos de dados dos serviços de informações, para já não dizer das forças policiais..., e há indícios de que isso se fará em termos muito preocupantes. Correr então para quê?
Segunda componente deste protesto: neste quadro a marcação da ASDI é meritória, Sr. Deputado Magalhães Mota? Permita-me que lhe diga que é, sem dúvida. Tudo depende do ponto de vista.
Realmente o Governo foi poupado a um debate de um pedido de urgência que tinha solicitado em relação à proposta de lei que temos presente e que retirou, com mais ou menos habilidade - talvez não com tanta como julga! - em dada altura, substituindo-o por um outro sobre ilícitos criminais.
O Governo beneficiará virtualmente do facto de a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias não poder examinar aprofunda-damente esta matéria, designadamente esta proposta, chamando alguns dos membros do gabinete ministerial que nela trabalharam e que têm larga experiência, que já vem de muito longe - de muito, muito longe mesmo-, e que poderiam dar informações muito interessantes sobre o conteúdo da proposta governamental.
É este o mérito, porventura maior, da marcação da ASDI: o precipitar aquilo que bem carecia de não ser precipitado. Nesse sentido, permita-me que lhe diga que, para além de se realizar nas vésperas de acontecimentos de utilidade, que todos nós certamente podemos aproveitar para carrear reflexão útil, para além de se realizar antes de Portugal fazer várias démarches - e seria útil sabermos quais são -, esta marcação do projecto de lei da ASDI tem, afinal de contas, um efeito simétrico daquele mérito que a ASDI lhe atribuía, e isso naturalmente não merece o nosso regozijo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, como há mais oradores inscritos, pergunto-lhe se pretende contraprotestar já ou no fim.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr." Odete Santos (PCP): -Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª disse -e o meu camarada José Magalhães já se referiu a isso, mas no entanto eu não queria deixar de focar esta questão- que este não é um momento particularmente desajustado e vincou a oportunidade desta marcação.
Em forma de protesto, dir-lhe-ia que este é, na verdade, um momento particularmente desajustado. É-o porque está em discussão, na especialidade, a lei dos serviços de informações; é-o porque a proposta de lei do Governo permite amplamente aos serviços de informações recolher todos os dados sobre os cidadãos, inclusivamente de actividades sindicais através da interconexão de ficheiros, permitindo assim a devassa completa da vida privada dos cidadãos.
O momento é também particularmente desajustado porque está em preparação a lei da segurança interna e há um anteprojecto do Código de Processo Penal que contem coisas aberrantes, segundo já ouvimos, como, por exemplo, o facto de a confissão em audiência ser prova bastante ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Um escândalo!
A Oradora: - ... para julgar e condenar o réu, sendo as testemunhas mandadas embora. Ê, portanto, um momento em que há um ataque feroz às liberdades dos cidadãos e por isso é que este é um momento desajustado.
Aliás, recordo-lhe que na imprensa vem referido, em Março deste ano, que o primeiro diploma sobre serviços de informações incluía disposições sobre o centro de dados para recolha de dados pessoais dos cidadãos.
V. Ex.ª não respondeu a algumas das questões que lhe coloquei, questões essas que para mim são importantes serem respondidas, mesmo para uma apreciação na generalidade. É necessária uma resposta sobre o que se pretende ou sobre se é possível, legal e constitucionalmente, fazer a interconexão de ficheiros - que é aquilo que o Governo pretende - sobre se não há defesa nenhuma para os cidadãos em relação a ficheiros policiais que contêm dados recolhidos dos «bufos», dados conjecturais especulativos, etc, etc. São importantes estas respostas para se chegar à conclusão de que este debate vai ser, afinal, um debate encerrado, mas encerrado na cara dos cidadãos e contra as suas próprias liberdades.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): -Sr. Deputado Magalhães Mota, em jeito de protesto, queria só pôr-lhe o seguinte problema: V. Ex.ª disse que a se disser isto, com toda a clareza e com toda a ASDI, tinha sido posta no sentido de, dada a rapidez com que evolui toda a técnica da informática, poder haver um instrumento que, em cada momento, pudesse dar resposta a essa rapidez.
Sr. Deputado, continuo a pôr-lhe o seguinte problema: por exemplo, o n.º 2 do artigo 35.º da Constituição diz que:
São proibidos o acesso de terceiros a ficheiros com dados pessoais e a respectiva interconexão, bem como os fluxos de dados transfronteiras, salvo em casos excepcionais previstos na lei.
Não é a lei ordinária, como pretende transformar-se esta proposta de lei, que deve dizer concreta, específica, clara e transparentemente quais são esses casos excepcionais em que é permitida esta interconexão e este acesso de terceiros a dados? É que se não se disser isto, com toda a clareza e com toda a transparência, temos o problema, por exemplo, de qualquer serviço de informações poder fazer a interconexão ou poder ter acesso como terceiro a estes dados. Remeter uma questão tão grave para a comissão nacional de informática e liberdades, ou outro qualquer nome que tenha, é delegar numa comissão, por mais respeitável que ela seja, a liberdade de cada um, ao fim e ao cabo, de todos nós.
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O Sr. Presidente: - Se desejar contraprotestar, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Vou responder conjuntamente aos Srs. Deputados José Magalhães e Odete Santos, porque me parece que levantaram a mesma questão, e em termos que, para utilizar uma expressão do Sr. Deputado José Magalhães, me causam alguma perplexidade pela perspectiva catastrófica em que ambos os Srs. Deputados se colocam: para eles é melhor não haver lei do que haver lei.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ê melhor do que haver uma lei má!
O Orador: - Se, pelo contrário, existe lei, ela desencadeará, não sei por que milagre, uma lei sobre segurança interna com variadas calamidades, e tudo isso desabará sobre as nossas cabeças!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tenha dúvida!
O Orador: - Pergunto: isso é por causa desta discussão? Ê por causa deste debate que a lei de segurança interna terá este ou aquele formalismo? É por causa deste debate que a lei do serviço nacional de informações terá este ou aquele dispositivo legal? Ou, pelo contrário, será que esses dispositivos já existiam e, então, este debate poderá ajudar a reflectir sobre o seu enquadramento e a defesa dos direitos do homem perante a utilização da informática em geral e, portanto, também esses casos particulares terão de sujeitar-se à disciplina mais geral que nesta lei formos capazes de traçar?
Penso que deverá ser este o nosso objectivo e esse o interesse deste debate. Estaremos aqui para lutar para que assim seja.
Quanto ao Sr. Deputado António Taborda, creio que a questão que levantou tem alguns aspectos que me parecem extremamente simples. O que acontece é que, por força do n.º 2 do artigo 35.º da Constituição, as excepções têm que constar da lei. Apenas a sua aplicação em concreto é que poderá ser reservada à apreciação da comissão. Ora, uma comissão é, naturalmente, mais maleável para actuar dentro do quadro que legislativamente lhe for traçado, o que será preferível a tentarmos aqui o ensaio, que eu creio condenado ao fracasso, de prever todas as eventualidades possíveis em que determinados dados podem ser utilizados.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Dá-me licença. Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Gostava de dizer, para que ficasse claro, que não sou contra a comissão como órgão de controle, mas sim como órgão de autorização de acesso ou de interconexão de dados.
O Orador: - O seguinte exemplo talvez resolva o nossa questão: um dado cidadão é assinante de uma revista de determinada editora e concede a essa editora a possibilidade de registar informaticamente dados constituídos pelo seu nome e a sua morada para poder receber essa revista.
Creio que a comissão poderá facilmente, desde que essa excepção esteja consagrada na lei, permitir que a mesma editora utilize os mesmos dados para a assinatura de outra revista. Segundo entendo, esse problema não põe de tal modo em causa direitos fundamentais que não possa ser resolvido por uma comissão, desde que a lei lhe trace este quadro genérico.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da justiça (Rui Machete): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, em palavras breves, fazer a apresentação da proposta de lei n.º 64/III -Lei da protecção de dados, proposta que lhe foi apresentada em 15 de Março à Assembleia da República, com pedido de urgência, e que não teve até hoje oportunidade de ser discutida, nem sequer o pedido de urgência, a não ser agora, a propósito da discussão do projecto de lei apresentado pela ASDI sobre o mesmo tema.
O Sr. Deputado Magalhães Mota já referiu, num discurso brilhante, a importância do tema e, repetindo aquilo que o Sr. Deputado teve oportunidade de referir, importa sublinhar que esta matéria assume hoje não só uma enorme relevância, como uma enorme urgência.
Em primeiro lugar, porque se Portugal não quiser ser definitivamente relegado para uma posição secundária na cauda dos países europeus, terá, necessariamente, de se dotar cada vez mais de meios informáticos e meios informáticos poderosos.
Em segundo lugar, porque é reconhecido que a informação é poder e, naturalmente, o poder envolve riscos: riscos para os direitos dos cidadãos que importa acautelar devidamente.
É por isso que estas matérias da protecção de dados assumem cada vez mais - e também entre nós - uma importância decisiva. Se a Constituição teve o bom senso de, no artigo 35.º, acautelar alguns aspectos da utilização da informática, não será através da comissão do legislador ordinário que, afinal, o preceito constitucional se cumpre.
Com efeito, a generalização dos computadores e a sua facilidade de tratar com enorme rapidez massas de informação cada vez maiores, concentradas em ficheiros automatizados, fáceis de interrelacionar, começaram, particularmente a partir do início da década de 70, a preocupar os países europeus e as organizações internacionais no sentido de proteger as pessoas em relação ao uso abusivo da informática no tratamento de dados de carácter pessoal.
Portugal não foi insensível a este movimento e foi até o primeiro país que deu estatuto constitucional a normativos de protecção de dados pessoais tratados por computador.
Entretanto, fruto do trabalho de sucessivas comissões de peritos internacionais, a OCDE aprovava em 23 de Setembro de 1980 as «Linhas directrizes regulamentadoras da protecção da vida privada e dos fluxos transfronteiras de dados de carácter pessoal» e o Conselho da Europa abria à assinatura dos Estados membros, em 28 de Janeiro de 1981, a Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, que também se encontra neste momento pendente na Assembleia para apreciação.
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No presente, praticamente todos os países membros do Conselho da Europa têm já leis de protecção de dados -expressão entretanto generalizada para significar a protecção dos dados de carácter pessoal face à informática ou têm projectos pendentes de apreciação nos respectivos parlamentos.
A revisão constitucional de 1982 remeteu para a lei ordinária a definição do conceito de dados pessoais e a disciplina do acesso de terceiros a ficheiros com dados pessoais, bem como ainda a interconexão de ficheiros e os fluxos transfronteiras de dados. Este facto imporia só por si a necessidade urgente de legislação nesta matéria, como urgente se torna clarificar o sentido da norma constitucional que frequentemente tem levantado dúvidas e embaraços na sua aplicação quotidiana.
Por outra parte, embora tenha assinado a Convenção do Conselho da Europa, Portugal não está ainda em condições de poder ratificá-la, uma vez que, nos termos do seu artigo 4.º da mesma Convenção, esta obriga as partes a incorporar no seu direito interno exposições de protecção de dados, o mais tardar até ao momento da entrada em vigor da Convenção no que lhe diz respeito. Esta uma outra razão para a urgência na aprovação da lei nesta matéria.
Tanto na Convenção do Conselho da Europa como nas linhas directrizes da OCDE são consideradas normas mínimas as decorrentes da aplicação dos seguintes 8 princípios:
a) O princípio da limitação da recolha - devem ser estabelecidos limites à recolha de dados de carácter pessoal, a sua obtenção deve verificar-se por meios lícitos e leais e, sendo caso disso, depois de informada a pessoa a quem esses dados se referem ou obtido o seu consentimento;
b) O princípio da qualidade dos dados - os dados de carácter pessoal devem ser pertinentes em relação às finalidades para que vão ser utilizados, exactos, completos e actualizados;
c) O princípio da especificação das finalidades - o mais tardar até ao momento da recolha dos dados, devem ser definidas as finalidades a que estes se destinam e tais dados só devem ser utilizados para a prossecução dessas finalidades ou de outras que com elas não sejam incompatíveis e que devem igualmente ser definidas logo que as primeiras sejam modificadas;
d) O princípio da limitação da utilização - os dados de carácter pessoal não devem ser divulgados, fornecidos ou utilizados para fins diferentes dos especificados ao abrigo do princípio referido na alínea anterior - o princípio da especificação das finalidades -, a não ser com o consentimento do titular do registo ou quando a lei concretamente o permita;
e) O princípio das garantias de segurança - os dados devem ser protegidos através de garantias adequadas de segurança contra riscos, tais como a sua perda, o acesso indevido, a sua destruição, bem como a sua utilização, modificação ou divulgação não autorizadas;
f) O princípio da transparência - deve ser fácil para os titulares de registos poderem obter informação sobre a existência e a natureza de dados de carácter pessoal que lhes digam respeito, sobre as finalidades principais da sua utilização, bem como sobre a identificação do responsável do ficheiro e a sede habitual das suas actividades;
g) O princípio da participação individual - qualquer cidadão deve ter o direito de obter, directa ou indirectamente, do responsável do ficheiro, confirmação de este ter ou não dados que lhe respeitem, de que tais dados lhe sejam comunicados em prazo razoável e eventualmente, mediante um pagamento moderado, sob uma forma escrita que lhe seja facilmente inteligível, bem como ainda ter o direito de ser informado dos motivos que possam levar à rejeição do seu pedido de informação ou de fazer alterar os dados que lhe respeitam, suprimindo-os, rectificando-os, completando-os ou corrigindo-os;
h) O princípio da responsabilidade - o responsável do ficheiro deverá assumir a responsabilidade pelo respeito das medidas destinadas a pôr em prática os princípios anteriormente anunciados.
A presente proposta de lei consagra os princípios acima referidos:
a) O princípio da limitação da recolha - artigos 3.º, 4.º e 6.º;
b) O princípio da qualidade dos dados - artigos 7.º e 8.º;
c) O princípio da especificação das finalidades - n.º 2 do artigo 7.º e artigo 10.º;
d) O princípio da limitação da utilização - artigos 10.º e 22.º;
e) O princípio das garantias de segurança - artigo 24.º;
f) O princípio da transparência - artigos 20.º e 29.º;
g) O princípio da participação individual - artigos 30.º a 33.º;
h) O princípio da responsabilidade - artigos 33.º e 34.º
Por outro lado, a proposta de lei respeita o dispositivo constítucional, interpretando-o e integrando-o de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, tal como prevê, aliás, o artigo 16.º da Constituição. Por exemplo, terá de interpretar-se o exercício do direito de acesso consagrado na Constituição como tendo por limites a segurança colectiva: de outra forma, qualquer agente estrangeiro ou delinquente poderia exigir das autoridades de segurança ou de polícia informação diária do que fosse sendo descoberto sobre as suas actividades. A experiência, de resto, tem-se encarregado de demonstrar que interpretações excessivamente literais do dispositivo constitucional acabam por, como se diz no preâmbulo da proposta de lei, criar no concreto situações verdadeiramente contrárias ao pensamento do legislador, desprotegendo, em lugar de acautelar, os direitos do cidadão.
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Tal como na generalidade dos países europeus, propõe-se também a criação de uma autoridade pública independente encarregada de controlar o tratamento automatizado dos dados de carácter pessoal. As opções propostas são as que decorrem das recomendações que u experiência dos países mais desenvolvidos nesta matéria tem trazido aos comités especializados do Conselho da Europa e da OCDE.
Como seria de esperar de instrumento tão poderoso como é a informática, a sua utilização com fins criminosos tem vindo a registar escalada que podemos dizer é preocupante, particularmente nos países mais industrializados e que necessariamente registam- os índices mais elevados de recurso aos tratamentos automatizados. Tem-se por isso vindo a assistir não só ao uso ilegítimo e em proveito próprio de computadores e de redes de dados e à penetração abusiva em bases de dados de carácter altamente reservado, como sobretudo à utilização de processos de tratamento informático com o propósito de enriquecimento ilegítimo próprio ou de terceiros.
Considera-se assim também oportuno prever sanções adequadas para a utilização abusiva dos computadores e das redes de dados, bem como da informação registada em suporte informático, de harmonia com a dosimetria utilizada pelo Código Penal para crimes de natureza semelhante.
Crê o Governo que com esta proposta de lei, a merecer a aprovação desta Assembleia, se dotará o ordenamento jurídico de um instrumento adequado a acautelar devidamente as liberdades dos cidadãos, sem, por outro lado, impedir o desenvolvimento e a generalização dos meios informáticos, os quais constituem um objectivo importante a atingir.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães, João Amaral, José Manuel Mendes, Odete Santos, António Taborda e Manuel Queiró.
Dado, porém, que estamos sobre a hora do intervalo, os pedidos de esclarecimento efectuar-se-ão após o reinicio dos trabalhos.
Entretanto, peço a todos os Srs. Deputados que integram a comissão eventual para a discussão e votação na especialidade da proposta de lei n.º 55/111 - serviços de informação - o favor de se deslocarem ao Salão Nobre para termos uma primeira reunião destinada não só à eleição da Mesa, mas também para definir a metodologia e o programa dos trabalhos.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Como há pouco referi, estão inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça os Srs. Deputados José Magalhães, João Amaral, José Manuel Mendes, Odete Santos, António Taborda e Manuel Queiró.
Entretanto, o Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra. Faz favor.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente, pensamos que seria aconselhável que a Mesa fizesse alguma insistência junto das bancadas, designadamente do PS e do PSD, quanto à presença de deputados.
Creio que este é um debate com grande importância e, digamos, que a imagem que é transmitida não é a mais dignificante, quer para a Assembleia, quer para o País.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem toda a razão, mas já foram feitas essas diligências e só me resta um caminho: suspender os trabalhos, porque também é intolerante estarmos aqui à espera, eternamente, sem saber qual o destino a dar.
Srs. Deputados, estão interrompidos os trabalhos por 15 minutos.
Eram 18 horas e 32 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fernando Condesso pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, permitia-me fazer uma sugestão.
Há comissões reunidas que estão a mobilizar muitos colegas nossos e, por isso, permitia-me pedir aos presidentes dessas comissões - conheço, por exemplo, o caso da comissão de inquérito à EPAC, onde eu devia estar e não estou - que suspendessem os trabalhos, para que se ultrapasse esta questão de quórum.
O Sr. Presidente: - Obrigado pelo alvitre, Sr. Deputado. Vai providenciar-se nesse sentido, mas segundo penso já existe quórum.
Tem então a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para um pedido de esclarecimento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Não consigo impedir-me de comentar que, realmente, são infinitas as maravilhas do «bloco central».
Um Ministro da Justiça, por cujas mãos passou um conjunto de espantosos projectos de criação de um superbanco de dados ao dispor do serviço de informações e um espantoso articulado sobre a lei de segurança interna, surge-nos aqui, em jeito manso, a reproduzir perante o Plenário da Assembleia da República aquilo que consta do Diário da Assembleia da República, 2.ª série, no preâmbulo da proposta de lei n.º 64/111.
É perfeitamente legítimo que isso tivesse acontecido, mas em todo o caso devo dizer que, pela nossa parte, esperávamos que o Sr. Ministro da Justiça aproveitasse esta circunstância - e não desesperamos disso - para informar a Câmara sobre coisas em relação às quais tem particulares responsabilidades.
O Ministério da Justiça é hoje responsável por um processo de informatização de departamentos fulcrais que trabalham em áreas sensíveis. Esperávamos que o
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Sr. Ministro da Justiça nos desse informações sobre os termos em que essa informatização funciona e a forma como se têm acautelado ou não os direitos e liberdades dos cidadãos, que hoje, precisamente, aqui , estamos a discutir.
Sabemos que está em curso - e de forma acelerada - a informatização nos serviços policiais, desde a PSP ao Serviço de Estrangeiros, sabemos que isso sucede, ainda, em relação a vários departamentos e registos dependentes do Ministério da Justiça, sabemos que isso tem aplicações a nível de segurança.
O que é que o Sr. Ministro da Justiça pode informar a Assembleia da República nesta matéria, uma vez que essa experiência é fulcral para, averiguarmos das necessidades que hoje existem em matéria de garantias dos direitos dos cidadãos, não perante á informática de que todos podemos falar, durante horas, em abstracto, mas a informática concreta que temos e que estamos cada vez a ter mais. Cremos que seria muito importante que a Câmara fosse informada sobre estas matérias.
Em segundo lugar, além de não ter trazido informação sobre estas matérias, o Sr. Ministro da Justiça defendeu a proposta governamental - como era suposto -, mas passou em claro algumas das questões mais graves que ela suscita. Irei debruçar-me, apenas, sobre uma delas, que é aquela que diz respeito ao facto de o Governo praticar, nesta matéria, uma inaceitável política de facto consumado.
Na verdade, uma das opções mais discutíveis da proposta governamental é a criação de uma comissão inteiramente governamentalizada, para supostamente controlar, mas na realidade viabilizar, toda a espécie de infracções àquilo que já propõe e que é débil em matéria de princípios. Sucede, entretanto, que a leitura do Diário da República, do passado dia 14 de Março, nos trouxe esta informação espantosa: no Ministério da Justiça, através do Despacho Normativo n.º 52/84, da exclusiva responsabilidade do Sr. Ministro da Justiça e não do Governo, foi já criada, ainda antes da Câmara se ter podido pronunciar sobre esta matéria, uma comissão encarregada de dar apoio à comissão governamentalizada, cuja criação nos é proposta, e que esperamos que nunca venha a ser consagrada. Essa comissão tem como funções -e com isto concluía, Sr. Presidente- prestar apoio técnico à comissão que aqui nos é proposta - e que esta Assembleia ainda não sagrou e que esperamos que nunca venha a sagrar -, em tudo o que diga respeito ao exercício das competências que o Governo lhe proponha.
A pergunta que fazemos ao Sr. Ministro da Justiça é esta: como é que é isto possível? Que métodos de tratamento da Assembleia da República é que são estes, que a colocam perante factos consumados, numa área que é precisamente a segunda das áreas fulcrais em que a questão da protecção dos dados se coloca? A Câmara arranca para este debate perante um facto consumado e quem criou esse facto não foi o Governo todo, mas o Sr. Ministro da Justiça, no exercício de uma competência que invoca no preâmbulo do diploma. Como é que é, pois, possível tratar a Assembleia da República desta forma e onde é que chegaremos por esta via?
Era a primeira questão, outras teremos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais pedidos de esclarecimento. Pretende responder já ou no fim?
O Sr. Ministro da Justiça: - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, quando aqui discutimos a proposta de lei n.º 55/III, sobre os serviços de informações, tive a oportunidade de colocar uma das mais graves questões que envolvia a apresentação dessa proposta.
Tratava-se da questão de saber quais eram as garantias dos cidadãos, nomeadamente no que toca ao tratamento informático das informações recolhidas. Na altura, o Sr. Ministro remeteu-me para a proposta de lei sobre protecção de dados. Aí estamos, então.
O Sr. Ministro talvez o tivesse feito por sua vontade e por achar melhor que a discussão das duas propostas fosse separada, porque o que o demonstra a leitura desta proposta é que o que temos aqui não é uma proposta de lei de protecção de dados, mas é sim uma proposta de lei de excepções que se traduz numa lei de desprotecção de dados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Senão vejamos alguns exemplos.
Afirma-se, abstractamente, o princípio da limitação da recolha para depois no n.º 3 do artigo 4.º se permitir que ele não seja cumprido; afirma-se a especificação de finalidades, para no artigo 10.º se permitir a utilização de ficheiros automatizados para outras finalidades; afirma-se a exactidão e a lealdade da recolha de informações e não se dá uma única garantia dessa exactidão e lealdade; proíbem-se. teoricamente, as interconexões, para depois se permitir que elas S£ façam no artigo 28.º; não se garante nada sobre o direito de acesso, mas pelo contrário dificulta-se e exprime-se concretamente que é preciso que não haja abusos; fala-se de controle, para depois se governamentalizar integralmente o controle; finalmente, admite-se que estas normas, em relação a ficheiros manuais, não tenham qualquer aplicação.
Sr. Ministro, isto é um escândalo - escarrapachadamente um escândalo. Devo, ainda, dizer-lhe que o objectivo de separar a discussão não tem nenhum cabimento. Ligue-se a discussão dos serviços de informação com a desta proposta de lei, e tem razão de ser e fundamento aquilo que tem sido veiculado pela imprensa de que alguém está a imaginar criar dentro dos serviços de informações um enorme superbanco de dados, onde se saiba tudo acerca de todos, sem limites e sem nenhumas garantias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, isto é um escândalo de tal ordem que podemos dizer que não se trata de uma proposta de lei de protecção de dados, mas sim de uma proposta de lei de desprotecção de dados, de garantia das violações dos direitos, liberdades e garantias para veicular e dar instrumentos a serviços cujo objectivo, afinal, parece aqui transparente e que é o da violação dos direitos, liberdades e garantias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Ministro, perante um escândalo como este, que outras malfeitorias nos preparam na proposta de lei de segurança interna?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Ministro afirmou, a dado passo da sua intervenção, que era urgente que no nosso país se aprovasse legislação sobre a protecção de dados. Isto porque a Convenção que hoje aqui temos também de discutir estabeleceria que assim fosse, uma vez que, se não tivéssemos aprovada qualquer legislação neste domínio, não poderíamos ratificá-la e, assim, não andaríamos depressa e a par com aquilo que se passa por essa Europa fora.
Suponho que o Sr. Ministro não ignora que a Convenção não só foi parcamente ratificada até agora - foi-o apenas pela Suécia e pela França, em Março de 1983-, como muitos países ainda não o fizeram, justamente porque grossas dúvidas se levantam, grandes conflitos se vêm travando, designadamente em torno do princípio do livre-cambismo em matéria de transacção de informações.
Sabendo-se que, de facto, tudo está em banho-maria, que a Convenção não só não entrou em vigor, como se não vislumbra no horizonte imediato quando isso possa acontecer, pergunto-lhe: a que luz entender as suas categóricas afirmações de há pouco, senão à de uma descarada demagogia perante a Câmara.
O Sr. Ministro disse, também, a dado momento, que a proposta governamental se conformava com o artigo 35.º da Constituição da República e que procurava, ate, dar-lhe uma consagração bastante rigorosa. Não é verdade. Já tivemos oportunidade de o demonstrar através dos pedidos de esclarecimento que formulámos ao Sr. Deputado Magalhães Mota, e, agora também, ao Sr. Ministro pela voz dos meus camaradas. Mas perguntava-lhe se, de facto, se pode falar nesses termos, sabendo-se - como sabemos - que a proposta de lei admite claras violações na esfera dos chamados dados sensíveis, francamente ao arrepio daquilo que estabelece o n.º 3 do artigo 35.º da Constituição da República, que não é por acaso que é extremamente limitativo nesse domínio.
Inquiria-o ainda sobre se, com todo o sistema criado de múltiplas excepções aos princípios formulados um pouco seraficamente, não estamos, ao cabo e ao resto, em sede do verdadeiro princípio da excepção, ou seja, em sede de se fechar a porta para abrir a janela ou, dada a gravidade dos problemas, de se fechar a janela para verdadeiramente abrir uma porta.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orados: - Finalmente, a célebre questão da comissão nacional de protecção de dados, assim designada pela proposta governamental, que me parece ser um dos aleijões mais graves de quantos nos aparecem aqui para apreciação.
A proposta do Executivo é de tal modo governamentalizadora da comissão que não pode deixar de causar perplexidade e preocupação aos Srs. Deputados, desde que olhem o problema de frente e com uma visão global da arquitectura do poder.
Interrogaria o Sr. Ministro da Justiça sobre se esta visão governamentalizadora que conforma a comissão nacional de protecção de dados tem ou não tem alguma coisa a ver com a política de facto consumado a que o meu camarada José Magalhães fez referência há momentos e que me abstenho agora de reproduzir, dado que a luz vermelha já me vai sinalizando a necessidade de concluir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr." Odete Santos (PCP): - O Sr. Ministro começou por fazer aqui um discurso teórico sobre poder e liberdade informática e poderíamos estar horas a falar sobre isso. Depois, enunciou os princípios que devem orientar as leis de protecção de dados pessoais, citou os artigos da proposta que consagrariam esses princípios mas esqueceu-se - e na minha opinião propositadamente- de referir, ainda que genericamente, o conteúdo de tais preceitos. Assim, algumas questões têm de ser colocadas quanto a esta matéria - algumas já o foram mesmo- para se chegar à conclusão de que, efectivamente, esta proposta de lei não respeita minimamente esses princípios.
Em relação ao princípio da recolha de dados - recolha que deve ser limitada ao mínimo, pois esse é um dos meios de garantir a protecção dos dados pessoais e a liberdade dos cidadãos - perguntava-lhe, Sr. Ministro, por que é que, sendo proibido constitucionalmente que se ponha em suporte informático a filiação sindical e, consequentemente, as actividades sindicais, o artigo 27.º da proposta vem a permiti-lo, nomeadamente através do seu n.º 4, que diz que é permitida a interconexão de ficheiros em relação a dados tornados públicos por via oficial?
Como o Sr. Ministro deve saber, os nomes das pessoas que são eleitas delegadas sindicais constam no Boletim do Trabalho e Emprego, o mesmo acontecendo com os nomes dos eleitos para as comissões de trabalhadores. Ora, o Boletim do Trabalho e Emprego é um boletim oficial e assim, por esta via ínvia, e ainda através do artigo 28.º, permite-se que a filiação sindical seja usada em ficheiros que, obviamente, podem ser os ficheiros da segurança, dos serviços de informação. Sr. Ministro, pergunto-lhe por que é que inclui isto na proposta de lei.
Ainda outra questão, Sr. Ministro: por que é que no artigo 13.º se consagra genericamente uma cláusula de ilicitude em relação a toda e qualquer violação da presente lei?
Em relação ao direito dos cidadãos à informação - questão que já foi aqui colocada por mim mas que eu gostaria de tornar a tocar-, percorrendo a proposta de lei verificamos que o direito dos cidadãos à informação não é verdadeiramente consagrado. E não o é porque não basta publicar no Diário da República um decreto-lei, uma lei ou um parecer da comissão autorizando a criação de um banco de dados, pois, na sua maioria, os cidadãos não lêem o Diário da República. Além disso, Sr. Ministro, esta violação do direito à informação consagrada na proposta vai contra todos os princípios que peritos internacionais nas matérias têm reconhecido ser obrigação do Estado -: ré-
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meto-o para as actas da Conferência de Roma, nomeadamente para as intervenções do alemão Simitis, Mas, Sr. Ministro, uma outra questão que eu não quero deixar de lhe colocar respeita aos ficheiros policiais e aos ficheiros de segurança. A proposta de lei impede em absoluto o acesso a estes ficheiros e eu gostaria de lhe perguntar se tem conhecimento do que internacionalmente tem sido orientação nesta matéria, nomeadamente, se tem conhecimento da lei francesa, da lei dinamarquesa e ainda do que a lei da República Federal da Alemanha dispõe neste capítulo, mesmo em relação a ficheiros desses serviços. Por que razão, Sr. Ministro, se desprotegem os cidadãos perante ficheiros que na sua maior parte contêm suspeições, contêm dados inexactos recolhidos de forma desleal e ilícita?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Em primeiro lugar, não queria deixar passar em branco o início da intervenção de V. Ex.ª quando apresentou, ao que suponho, uma queixa pessoal e como Ministro da Justiça pelo facto de o pedido de urgência, que teria dado entrada em Março nesta Assembleia, só agora estar a ser discutido.
Suponho que V. Ex.ª o fez exactamente como uma queixa, porque, se isso pretende ser uma crítica a esta Assembleia, suponho que os termos da questão estão invertidos, uma vez que é a esta que compete fiscalizar e criticar o Governo, e não o contrário.
A proposta de lei n.º 64/111, que V. Ex.ª apresentou chama-se sintomaticamente lei da protecção de dados e o projecto de lei apresentado pela ASDI tem por título aquilo que, em minha opinião, qualquer proposta de lei sobre esta matéria deveria ter e que é lei sobre a defesa dos direitos do homem perante a informática, porque, fundamentalmente, é disso que se trata, e não propriamente da protecção dos dados que existam nos ficheiros automatizados.
Mas, quanto a nós, isso revela toda uma filosofia e, como o tempo é pouco e ela está bem patente na proposta de lei do Governo, eu queria apenas fazer 2 pedidos de esclarecimento, referindo-se o primeiro à questão, tão debatida, da comissão.
Dando de barato a própria constituição da comissão - que na proposta de lei governamental fica praticamente na dependência nominal do Governo porque é ele, e designadamente o Ministro da Justiça, quem tem maior peso na designação dos seus membros, competindo à Assembleia da República apenas uma posição de ratificação dos nomes e a eleição do seu presidente por uma maioria de dois terços -, uma vez constituída a comissão, ela fica completamente dependurada, fica em suspenso em relação a qualquer órgão de soberania, pois na proposta de lei não há qualquer meio de controle. Pergunto se isso não vai contra o preceito constitucional que remete à Assembleia da República um dos seus poderes mais fundamentais, o de fiscalização de toda a actividade administrativa.
O segundo ponto, relativamente ao qual tenho alguma dificuldade de entendimento, é muito concreto.
Refiro-me ao artigo 4.º, n.º l, da proposta de lei, onde se fala da interdição de processamento automatizado de dados de carácter pessoal, dos antecedentes penais e da aplicação de medidas de segurança.
Suponho que há aqui um equívoco, pois qualquer destes dados resulta de situações públicas, de julgamentos ou de quaisquer outros processos do domínio público, não havendo aqui nenhum dever de privacidade. Os antecedentes penais de qualquer cidadão ou as medidas de segurança a que tenha sido condenado são do conhecimento público, e, portanto, não há que interditar o seu processamento automatizado.
Mas - e esta parece-me uma das coisas mais graves que aqui está -, na alínea d) do n.º l do artigo 17." diz-se que compete à referida comissão "autorizar, em caso excepcionais e sob rigoroso controle, a interconexão de ficheiros automatizados contendo dados de carácter pessoal em condições diversas das previstas no presente diploma". Sr. Ministro, isto é ou não a porta aberta para toda e qualquer interconexão de dados, para toda e qualquer devassa de todos e cada um dos cidadãos deste país?
O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Ministro da Justiça, foi com atenção e agrado que ouvimos a sua intervenção, ou melhor, a cuidada leitura que V. Ex.ª fez do preâmbulo com que o Governo apresenta esta proposta de lei.
No entanto, porque numa recontagem de tempo que fizemos durante o intervalo verificámos que a nossa intervenção irá porventura alongar-se mais do que o previsto e porque essa mesma intervenção já contempla a crítica das ideias gerais expostas no preâmbulo, prescindirei deste pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Para responder às interpelações que lhe foram dirigidas, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram-me formulados vários pedidos de esclarecimento, designadamente por parte dos Srs. Deputados do PCP, e a maioria deles, senão mesmo a totalidade, revela, curiosamente, que lhes está subjacente uma preocupação por um serviço de informações e por um serviço de segurança interna, o primeiro que se encontra em discussão nesta Assembleia, o segundo, lei de segurança interna, ainda não presente ao Parlamento.
Essa obsessão que o PCP tem vindo a revelar nesta matéria leva-o, naturalmente, a distorcer muitas das questões que formula, porque justamente existe essa preocupação dominante.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Poderá!
O Orador: - Pergunta-me o Sr. Deputado José Magalhães por que é que não são aqui dadas informações acerca de como funcionam os ficheiros informatizados da PSP e do Serviço de Estrangeiros.
Bom, a razão fundamental é muito simples: nós estamos a discutir de jure constituendo como é que as coisas devem fazer-se, não estamos a proceder a uma análise dos serviços que neste momento existem e,
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que aliás não pertencem, como sabe, ao Ministério da Justiça.
Tanto quanto fui informado, eles funcionam em termos que respeitam as normas que aqui se encontram consignadas, mas, evidentemente, esta não será a ocasião oportuna para estar a fazer uma explanação acerca do modo concreto como eles funcionam, nem tenho elementos a esse respeito para aqui vos apresentar.
No que respeita ao Ministério da Justiça, estes serviços cujo grau de informatização é muito diverso, funcionam efectivamente em termos que correspondem, também eles, como nos anteriores casos, e o que está previsto nestas normas que de jure constituendo aqui se encontram consagradas.
Referiu ainda o Sr. Deputado o problema de um despacho que pressupunha que esta legislação já se encontrava em vigor.
Tanto quanto me recordo, há dois despachos em matéria de informatização: um que preconiza a realização de um estudo sobre a informatização no Ministério da Justiça, estudo que aliás já está concluído - e há agora o prosseguimento desse trabalho com um pedido para a elaboração de um plano de informática do ministério e realização de estudos concretos de informatização dos tribunais e de conservatórias de registo predial -, e um outro despacho que se destina a regular o funcionamento da participação do Ministério da Justiça na comissão interministerial que trata dos problemas de informática que é, efectivamente, uma realidade existente já de há vários anos e não uma realidade deste Governo.
No entanto, é óbvio que não há nenhuma intenção de dar como facto consumado uma matéria que ainda não se encontra legislada.
Depois, o Sr, Deputado João Amaral fez várias considerações em que manifesta a sua discordância com o articulado. Eu compreendo, são posições diferentes, mas não creio que aqui se justifique estar a rebater a sua qualificação em relação àquilo que eu penso, pois tratam-se de qualificações subjectivas que não interessa estar a analisar muito em pormenor.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes considera que existe uma interpretação do artigo 35.º que não é constitucional. Trata-se de uma interpretação que o Sr. Deputado naturalmente haverá de manter ao longo da discussão, mas queria dizer-lhe que não é efectivamente essa a posição que o Governo sustenta.
Há um ponto que, todavia, me parece importante analisar e que diz respeito à questão da comissão, problema que, aliás, é objecto de comentários de vários outros Srs. Deputados.
No artigo 15.º da proposta prevê-se que a comissão nacional de protecção de dados seja composta por 7 membros, dos quais um, o seu presidente, é eleito pela. Assembleia da República por maioria de dois terços. 2 dos membros da comissão são designados pelo seu presidente, e 2 são magistrados, sendo um deles designado pelo Conselho Superior da Magistratura e outro pelo Conselho Superior do Ministério Público. Ora, o Conselho Superior da Magistratura obviamente que não se encontra subordinado ao Governo e o Conselho Superior do Ministério Público nas matérias respeitantes ao seu normal funcionamento também não se encontra, como é conhecido, sujeito a qualquer hierarquia em relação ao Ministério da Justiça e, por consequência, ao Executivo.
Desses sete elementos, apenas duas personalidades - os dois membros ainda não referidos - são designados pelo Ministro da Justiça "em virtude da sua especial competência". Não se percebe assim em que termos é que se pode sustentar a governamentalização desta comissão, como foi referido pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e depois, também, pela Sr.ª Deputada Odete Santos.
Aliás, tem interesse referir como é que noutros países a comissão de protecção de dados é organizada. Assim, no projecto italiano, o ufficio di controllo, depende da Presidência do Conselho de Ministros e é composto por l director, magistrado de um tribunal superior, e por 2 vice-directores, que podem ser magistrados de tribunais superiores, conselheiros de Estado ou juízes do Tribunal de Contas;
No projecto britânico, o Date Protection Tribunal, é composto por um presidente e um número indeterminado de vice-presidentes nomeados pelo Lord Chancelar, de entre juristas, e por um número igualmente indeterminado de vogais nomeados pelo Secretário de Estado de entre entidades com competência técnica em informática. Que conste, a Grã-Bretanha não é propriamente um país onde as liberdades fundamentais não sejam devidamente protegidas!
No projecto suíço, a Comissão Federal de Protecção de Dados é composta por l presidente e 12 membros nomeados pelo Conselho Federal, de quem dependem;
Na lei francesa, a Comissão Nacional de Informática e Liberdades é composta por 17 membros: 2 deputados, 2 senadores, 2 membros do Conselho Económico e Social, 2 membros representantes do Conselho de Estado, 2 membros representantes do Supremo Tribunal de Justiça, 2 membros representantes do Tribunal de Contas, 2 peritos informáticos nomeados um pelo presidente da Assembleia Nacional e outro pelo presidente do Senado e 3 pessoas designadas pelo Governo em virtude de sua autoridade e competência.
Finalmente, segundo os dados que aqui tenho, na lei alemã, o comissário federal para a protecção de dados é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo Federal, ficando na dependência do Ministério Federal do Interior, que lhe fornece o apoio técnico e administrativo necessário.
Vê-se assim que no direito comparado, quer naquele que já está em vigor, quer nas propostas mais recentes, aparecem modelos variados, mas não é possível indicar modelos únicos, nem modelos que apontem para uma exclusiva dependência em relação aos parlamentos.
A Sr.ª Deputada Odete Santos fez-me, entre outras, uma pergunta relativa ao artigo 13.º da presente proposta.
Bem, Sr.ª Deputada, a ideia básica é a de evitar que os chamados "efeitos perversos", isto é, evitar que nos casos em que se viesse a cominar uma sanção, justamente porque o cumprimento escrupuloso da lei assim o obriga, ela possa, afinal de contas, ter como consequência concreta prejudicar as pessoas que fundamentalmente visava proteger.
Trata-se de uma explicitação de um princípio geral que não é considerado fundamental, embora creia que isso decorre dos princípios gerais nesta matéria.
Quanto ao direito de acesso às informações - e mais uma vez vem o problema do serviço de informações- é óbvio que ele tem de ter algumas limitações resultantes da natureza dos serviços que são con-
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siderados. Não pode haver um acesso em relação a informações que se destinam à prevenção da criminalidade e à punição das infracções, e é isso que se encontra consagrado no artigo 29.º
Nada está referido, concretamente, em matéria de serviço de informações, pois ela deverá ser, posteriormente, objecto de uma análise a propósito desse serviço ou mesmo aqui. A questão, porém, é à de saber se é possível fazer funcionar um serviço de informações cujos ficheiros sejam abertos à informação das pessoas que são suas destinatárias!
O Sr. Deputado António Taborda começou por dizer que não se tratava propriamente de uma crítica mas de uma queixa. Â mim parece-me que não é uma coisa nem outra, mas tratou-se apenas da constatação de um facto e, naturalmente, cada um tirará as ilações que entender. Referiu depois, entre outras coisas, o n.º l do artigo 17." em relação ao problema da competência específica da comissão, achando que isso abre o caminho a todas as violações dos direitos. Em minha opinião, haverá aqui que reconhecer que o papel da comissão é o de ser uma intermediária entre as normas abstractas e as situações concretas, e para isso é que ela é rodeada de especiais cautelas, havendo também, dos seus actos, recurso para os tribunais.
A crítica feita pelo Sr. Deputado António Taborda, no sentido de a comissão ficar como que isolada e não dependente, contrasta com a ideia de governamentalização apresentada por outros Srs. Deputados. Na verdade, a ideia apresentada pelo projecto é que esta comissão é independente, apenas fiscalizada em termos de tribunais, não estando pois subordinada nem ao Executivo nem a uma orientação política por parte do Parlamento. É designada nestes termos, sendo o seu controle feito apenas pelos tribunais, constituindo, portanto, um controle de legalidade.
Não creio que isto se traduza, como não se tem traduzido, na experiência de outros países em que existem situações congéneres, em perigos para a liberdade dos cidadãos. Pelo contrário, em minha opinião o perigo para as suas liberdades fundamentais está em se permitir a manutenção actual do estado de coisas em que pela omissão do legislador e com a proliferação que existe de microprocessadores nos encontramos hoje, facilmente, em situações em que essas liberdades podem ser violadas.
Não espero, naturalmente, convencer o PCP dos pontos de vista que expendi, tanto mais parecendo-me que, mais que um problema de análise da protecção de dados, o PCP pretende renovar a sua discussão em matéria de serviço de informações.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - Por último, não percebi muito bem a intervenção do Sr. Deputado Manuel Queiró, que, afinal de contas, acabou por retirar a sua dúvida, não havendo pois que lhe dar qualquer resposta.
O Sr. Presidente: - Para a formulação de protestos estão inscritos os Srs. Deputados José Magalhães, João Amaral, José Manuel Mendes e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso protesto não resulta de nenhuma animadversão política ou de uma obsessão, ao contrário do que o Sr. Ministro afirmou no início das respostas copiosas que desta vez nos deu. Pedia-mos-lhe simplesmente um balanço do funcionamento da informática em serviços que actuem em áreas sensíveis da jurisdição do Ministério da Justiça ou não - é membro do Governo apesar de tudo- porque isso é útil para este debate. Reflectindo sobre o direito constituído, melhor veremos como trabalhar de jure condendo, como o Sr. Ministro afirmava.
Sucede que aquilo que está instituído tem sido mau. Lembro-lhe que essas normas têm sido instituídas por mero decreto-lei, tocando às vezes matérias da reserva exclusiva da Assembleia da República e, pura e simplesmente, não funcionam, a não ser que o Sr. Ministro traga à Câmara a informação inédita de que afinal há controle dos cidadãos sobre os ficheiros policiais, que era uma coisa que se ignorava até agora.
Como creio que isso não sucederá, o que há que perguntar é isto: qual o contributo que a proposta governamental trará ao status quo e se ela não irá piorar a situação que se vive.
A resposta do Sr. Ministro corrobora claramente tudo aquilo que tínhamos afirmado, isto é, que há um risco de se assistir a uma ofensiva de dimensão e qualidade sem precedentes de devassa da vida dos cidadãos. Alerto-o só para um aspecto, Sr.º Ministro, que não negou na sua intervenção: sabe, por exemplo, o que representaria copiar os ficheiros da ex-PIDE/DGS? Seriam milhares de horas de trabalho envolvendo dezenas ou centenas de pessoas. Seria moroso. O Sr. Ministro, sabe, no entanto, que através de uma simples interconexão é possível copiar um ficheiro inteiro com milhares e milhares de peças numa noite e levá-lo depois numa bobina debaixo do braço ou transmiti-lo para fora das fronteiras. A proposta do Governo não o impede -viabiliza-o até- e, espantosamente, no artigo que se refere aos fluxos das fronteiras a proposta governamental liberaliza esses fluxos quando o artigo 35.º da Constituição o vedo ou o torna superexcepcional. Isto é verdadeiramente espantoso!
Não se trata de uma questão de inimizade ou hostilidade política, é um facto. Basta atentar na pró posta governamental para verificar que é um simples passador que cumula excepções, aí, onde esta Câmara fixou regras.
Finalmente a questão da governamentalização. Sr. Ministro, já lhe ouvi lições de Direito Comparado mais rigorosas e precisas que esta em que mostrou projectos que só Deus sabe quando é que alguma vez serão consagrados em lei, com leis que, infelizmente, não nos verteu na sua integralidade. Limito-me a lembrar-lhe - uma camarada minha fará o ponto da situação nessa matéria- que a resolução do Parlamento Europeu sobre a protecção dos direitos das pessoas face ao desenvolvimento do progresso técnico no domínio da informática, de Maio de 11979, na alínea O, teve o cuidado de exprimir a convicção de que as instituições parlamentares, tanto nos estados membros como a nível comunitário, têm uma função de fiscalização fundamental a exercer neste domínio, tendo-se preconizado sempre a criação de autoridades emanadas de cada parlamento e tendo representantes por eles eleitos dispondo dos poderes necessários para realizar essa missão com o estatuto adequado que garante a sua total independência.
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A comissão governamental, além de assentar num facto consumado, inaceitável - o Sr. Ministro não negou, citei-lhe o despacho e cito-lhe outra vez se for necessário, é abusivo e bastante coactivo em relação a esta Assembleia, de que não conheço precedente-, é uma fórmula governamentalizada que não assegura, minimamente, a independência e a fidedignidade dos trabalhos de uma comissão que, ainda por cima, o Governo queria que tivesse poderes para autorizar tudo aquilo que "é regra é proibido" ou que não é exceptuado genericamente na proposta. Isto é totalmente inaceitável! Não há direito comparado que lhe valha, Sr. Ministro, ainda que fosse bem feito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP):- O Sr. Ministro não respondeu às questões que lhe coloquei, dizendo que se tratava de qualificações subjectivas, que também teria as suas e que, portanto, haveria pontos de vista diferentes. Devo dizer-lhe que a sensação que se tem neste debate é a de ele não ter sido feito na altura oportuna e não estar a decorrer nas melhores circunstâncias. Mas não há forma mais clara de o exprimir do que aquela que o Sr. Ministro empregou, dizendo que não havia debate a fazer, que temos pontos de vista diferentes. Logo, é tudo subjectivo, vamos para casa e telefonamos depois um ao outro para saber o resultado ...!
Só que, Sr. Ministro, não se trata de qualificações subjectivas. O que lhe fiz foram qualificações objectivas da proposta que aqui apresentou. Ê objectivo, e o Sr. Ministro não o negará, que os princípios que diz enformarem a proposta são excepcionados artigo a artigo. Falei, por exemplo, da limitação de vários princípios que são todos excepcionados, a própria proposta o prevê e isso é objectivo, como também é objectivo que esta questão se prende com o serviço de informações. Ê tão objectivo que alguma coisa justifica a pressa e a boleia de meter isto quando o serviço de informações ainda está em discussão e quando já vem também a Lei da Segurança Interna. Trata-se de um dado objectivo. Não diga o Sr. Ministro que somos obcecados pelo serviço de informações quando são V.Ex.ª os obcecados. A obsessão é vossa. Querem o serviço de informações, pelos vistos, à força e de qualquer maneira. A vossa obsessão existe e é perigosa!
O Sr. Ministro acrescentou agora, nas respostas, um factor de grande preocupação relativamente a toda esta problemática. Então agora confessa que em relação aos serviços de informações ainda vai haver mais excepções, outras normas mais permissivas? Que caminho se está a seguir, Sr. Ministro? Que serviços de informações vão ser? Ê isto, Sr. Ministro, que não pode deixar de ser objecto de claro protesto.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro, primeiro, para lhe lembrar que não respondeu a uma questão que levantei relativamente ao tempo de ratificação da Convenção e do quanto tudo isso está remetido para bem mais longe do que aquilo que, porventura, o Governo desejaria. Espero ouvi-lo agora, em réplica, a dizer o que se lhe oferecer sobre esta matéria.
Uma segunda questão, para voltar àquilo que referi como sendo um princípio orientador do Governo, isto é, o fazer da excepção a regra. Com efeito, a proposta de lei - e agora falo concretamente sobre ela - é de tal modo permissiva que, não obstante as formulações um pouco seráficas, deixa permanentemente em aberto o campo da devassa da vida dos cidadãos e da violação frontal dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, designadamente no que contende não só com as chamadas áreas dos dados sensíveis, mas também, como teremos oportunidade de ver, noutros domínios.
A terceira questão que gostaria de lhe colocar prende-se com a comissão nacional de protecção de dados. Pergunto ao Sr. Ministro se subscreve a conclusão da Conferência de Roma, que vou passar a ler:
Todo o controle eficaz pressupõe uma separação precisa entre o órgão de controle e a instituição controlada. Se a fronteira não é totalmente clara, os conflitos de interesses complicam as actividades de controle e conduzem a compromissos, fazendo com que se imponham as políticas de informação do titular do ficheiro.
Em face do que acabo de reproduzir, a instância que lhe faço - para além daquela que já formulei - é a seguinte: como é possível defender uma comissão como aquela que vem patente na proposta aduzir mais argumentos a sobrepor àquilo que foi dito pelo meu camarada na intervenção anterior -, e como é que se pode falar, depois disto, numa lei de protecção de dados que, do meu ponto de vista, não é senão uma lei com características cinegéticas, extremamente perigosa para os cidadãos e atentatória dos seus direitos elementares.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.º Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, o meu protesto vai limitar-se a citar opiniões de peritos na matéria, e faço-o propositadamente porque V. Ex.ª disse que estas eram as preocupações do PCP e vou demonstrar, com esta leitura, que não são as preocupações do PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O PCP é grande!
A Oradora: - Em relação ao artigo 13.º, o Sr. Ministro deu uma explicação que não nos convenceu, porque a norma é de tal maneira abstracta que eu, citando Simitis, lhe diria o seguinte:
Toda a regra abstracta apresenta um perigo considerável, porque tudo se torna, então, uma questão de interpretação.
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Relativamente aos ficheiros de segurança, vou citar o que foi dito por Joinet, na Conferência de Roma, a respeito do projecto de lei italiano que exclui da protecção os ficheiros de segurança:
Tratando-se de uma exclusão pura e simples dos ficheiros mais perigosos para as liberdades, não se pode deixar de ficar inquieto, a menos que a lei sobre segurança pública traga garantias específicas suficientes.
Antes de continuar, gostaria de dizer-lhe, Sr. Ministro, que não corresponde à verdade quando V. Ex.ª diz que a proposta de lei estabelece limitações ao acesso aos ficheiros policiais, porque a realidade é que ela veda todo o acesso.
Ainda na Conferência de Roma, Sieghart disse o seguinte sobre o sistema de informações na política:
Um grande número destes elementos serão especulativos conjunturais não verificados e apenas por ouvir dizer. A ameaça manifesta que comporta esta aplicação é a de que se pode acumular, em relação a cidadãos perfeitamente inocentes, um grande número de elementos de informação que nada servem para a polícia e que podem causar incómodos consideráveis a esses cidadãos se forem levados ao conhecimento de terceiros sob a forma: A é conhecido da polícia ou é suspeito.
Sobre este problema gostaria, ainda, de citar uma intervenção do Sr. Simitis nessa mesma Conferência de Roma, em que ele refere a experiência alemã:
No momento actual, a polícia alemã responde aos pedidos de informação em mais de três quartos dos casos. Ao mesmo tempo, tornou-se cada vez mais evidente que as regras destinadas ao tratamento dos dados pela polícia não podem ser automaticamente transferidos para não importa que outra actividade do Estado.
Nem isto esta proposta de lei respeita, porque permite a interconexão de ficheiros.
Sr. Ministro da Justiça, afinal não são apenas os receios do PCP!
O Sr. Ministro não referiu a lei francesa, que prevê o direito de acesso em relação aos tratamentos que interessem à segurança do Estado, à defesa e à. segurança pública, nem a lei alemã, que, no artigo 39.º, § 13.º, alínea 3), permite, também, informações sobre ficheiros policiais.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, tem V. Ex.ª a palavra para contraprotestar se assim o desejar.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de uma maneira muito sucinta e sob a forma de contraprotesto gostaria apenas de referir 2 pontos.
Em primeiro lugar, em relação ao problema dos ficheiros da PIDE/DGS, naturalmente que subsistem dúvidas quanto à utilização que lhes foi dada e bom seria se elas pudessem ser esclarecidas. No entanto, não conheço exactamente o que se passa nesse campo e, portanto, não sei se, eventualmente, poderá ser
dado algum esclarecimento adicional. Penso que esses ficheiros deveriam ter sido destruídos e foi pena que não o tivessem sido atempadamente.
O Sr. José Magalhães (PCP): -O que é que quer dizer com isso?
O Orador: - Quanto ao problema da ratificação da Convenção, é evidente que as convenções carecem que alguns Estados as ratifiquem para entrarem em vigor e, neste momento, há processos de ratificação em curso em vários países. Não penso que esse seja um argumento significativo para atrasarmos o nosso processo de ratificação, se a Convenção é, como parece ser, um bom texto de direito em termos internacionais.
Há um ponto que me parece ser extremamente importante, que foi levantado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e que diz respeito ao problema, citando a Convenção de Roma - como, aliás, o fez a Sr.ª Deputada Odete Santos -, "das garantias em relação aos membros da comissão".
Penso que, porventura, uma boa melhoria do texto seria no sentido de estabelecer incompatibilidades para os membros da comissão, porque, efectivamente, deve-se assegurar claramente - e é esse o espírito em que a proposta foi feita, embora pense que haverá vantagem em o desenvolver- que não haja nenhuma convergência de interesses entre os membros da comissão e as organizações que utilizem meios informáticos, quer do ponto de vista comercial, quer, por exemplo, por razões de ordem pública. Penso que esse é um ponto extremamente importante e julgo que seria útil que, no decorrer do debate na especialidade, esse aspecto pudesse vir a ser desenvolvido.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.º Odete Santos (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: São péssimas e inadequadas as condições em que se realiza o presente debate. Estranho é o momento escolhido. Inaceitáveis são também as balizas temporais, as limitações e entraves que procuraram impor-lhe.
Estamos perante a informática, que é uma matéria delicada como todos reconhecerão. Por outro lado, face à criação dos serviços de informações, e ao reforço do aparelho policial, o abuso da informática pode levar a sociedade portuguesa a níveis de devassa da vida dos cidadãos sem precedentes.
Nestas condições o Grupo Parlamentar do PCP não podia deixar de se opor às tentativas de fazer passar a galope pelo Plenário da Assembleia da República, de forma precipitada, e muito estranha quanto à data escolhida, uma matéria tão importante.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Acresce que numa operação de antecipação e pressão inaceitável o Ministro da Justiça aprovou um despacho normativo que cria estruturas de apoio a uma comissão de controle da informática que a Assembleia da República ainda não criou nem deve criar nos termos governamentalizados que o Governo quer.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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A Oradora: - Ao pretender aproveitar o exercício do direito de marcação da ASDI, para agendar com super urgência e dispensa de formalidades duas propostas governamentais inseridas numa política de facto consumado, os partidos do Governo adoptaram um procedimento que contrasta frontalmente com o que tem pautado por toda a parte projectos sobre esta matéria, que toda a gente conhece ser delicada.
Estará viva ainda na memória o debate que houve em França.
E na Itália a Câmara de Deputados chegou mesmo a realizar, em colaboração com o Conselho da Europa, uma conferência sobre a matéria, procedendo a elaboração da legislação ...
De onde vem esta pressa toda, Srs. Deputados? A proposta governamental nem sequer tem o parecer (e bem precisava!) da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que sobre a matéria não travou qualquer debate relevante e se limitou a aprovar na reunião desta tarde um parecer sobre o projecto da ASDI.
Na verdade esta é a terceira peça do pacote governamental contra as liberdades. A lei da desprotecção dos dados pessoais é um dos instrumentos com que o Governo conta para tornar os cidadãos indefesos perante a acção das estruturas de devassa da sua vida, criadas à sombra da lei dos serviços de informações e das leis de reforço das polícias.
Não se trata de uma suspeição infundada: o debate da lei dos serviços de informações confirmou os perigos referentes de criação de estruturas com poderes vastíssimos, sem controle, dirigidos à recolha de informações políticas, à inquisição das convicções, dos pormenores da vida privada. A informática desempenha um papel de destaque nesses planos. O tratamento automático de dados permite em moldes novos e perigosos a concentração, interconexão, tratamento e difusão dessas informações reservadas. Ë com isso que o Governo conta para poder levar por diante a sua política ...
Não é uma imputação sem fundamento. Segundo informações vindas a lume através da imprensa e não desmentidas chegou a ser preparado um articulado que o Governo acabaria por considerar melhor não revelar de imediato à Câmara.
Segundo o relato da imprensa "como ponto nevrálgico do serviço de informações está prevista a criação de um centro de dados, que terá como competência a recolha, classificação e conservação em registos magnéticos de todas as informações obtidas pelos serviços ...
O Sr. João Amaral (PCP): - É um escândalo!
A Oradora: - A definição das normas técnicas para o desempenho de toda aquela função será da responsabilidade de uma comissão técnica, presidida pelo responsável pelo centro de dados. Estas normas terão de ser aprovadas em Conselho de Ministros, estando ainda prevista a obrigatoriedade de as instituições de crédito fornecerem todas as informações sobre operações ou posições bancárias nos limites impostos pela legislação do processo criminal e sob mandato de autoridades judiciárias".
Segundo o mesmo relato:
A troca de informações com autoridades pertencentes aos Estados membros do Conselho da Europa, bem como com Governos com os quais existam tratados ou convenções nesse sentido também está prevista, desde que esses elementos não estejam cobertos pelo segredo de instrução criminal.
Os arquivos magnéticos privados também são alvo de um artigo específico que obriga todas as entidades que detenham informações sobre cidadãos a comunicarem a sua existência à autoridade nacional de segurança.
O Sr. João Amaral (PCP): -Um escândalo!
A Oradora: - 3 juízes do Supremo Tribunal de Justiça fiscalizariam a espantosa comissão!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Continuam a farsa!
A Oradora: - Srs. Deputados, isto é claramente a reactivação do plano sinistro de criar um grande banco de dados central, ao qual todas as entidades públicas e privadas com informações sobre os cidadãos seriam obrigadas a comunicar informações para ulterior concentração e tratamento por meios informáticos. A associação entre estes meios e as telecomunicações, a telemática, confere às entidades que os detenham poderes tais que em bom rigor deixará de poder falar-
-se em direitos dos cidadãos. A sua privacidade seria a que os responsáveis dos ficheiros quisessem, sem defesa nem controle.
Anuncia-se simultaneamente o reforço do uso da informática para fins de investigação criminal.
Em recente seminário promovido pela Procuradoria-Geral da República sobre investigação e instrução criminal, foi possível ouvir o director da Escola da Polícia judiciária citar como meio importante da investigação a informática, e, simultaneamente, as informações fornecidas pelos chamados "bufos".
Os perigos e as ameaças que para as liberdades advêm da colocação em suporte informático de dados falíveis, os dados "por ouvir dizer" fornecidos pelos informadores, o facto de o processamento automatizado desses dados se colocar, como é óbvio, fora de todas e quaisquer regras que presidem à protecção de dados sensíveis, deveria suscitar por parle da Assembleia da República um justo receio, uma ponderação aprofundada.
Pois que nesta matéria, a das liberdades, matéria da sua competência reservada, tem a Assembleia da República uma importante responsabilidade: é por aqui que em medida relevante passa a garantia ou não dos direitos dos cidadãos perante as ameaças reais que certos usos da tecnologia criaram não em abstracto mas em concreto.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Por isso, este debate hoje em Portugal não pode ser desviado para a consideração vaga das vantagens e de méritos da informática ou para teorizações que exorcizem em geral o poder informático.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - O debate deve ser centrado em torno dos perigos reais que hoje se perfilam na sociedade
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portuguesa face às perspectivas de uso da informática pelo Governo para fins de invasão da esfera da actuação livre dos cidadãos.
Aplausos do PCP.
Sobre o projecto da ASDI dissemos o que consta do Diário da Assembleia da República, de 7 de Maio de 1981, e aqui damos por reproduzido, com tanta mais razão quanto o projecto não foi actualizado e está em vários aspectos francamente desactualizado.
Quanto à proposta governamental (que surge sob a égide da "protecção da dados") representaria, a ser aprovada, nos termos em que se apresenta, uma peça à sombra da qual se desencadearia uma ofensiva sem precedentes de recolha, tratamento e difusão de dados pessoais contra o que a Constituição nesta matéria claramente dispõe no seu artigo 35.º com as precisões que lhe foram introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/82.
Invocando embora a obediência às determinações do Conselho da Europa e da OCDE em matéria da protecção da vida privada e dos fluxos transfronteiras, a proposta é no fundamental um enunciado de limitações, derrogações e excepções genéricas, autorizações de derrogações casuísticas em matéria de reserva absoluta da Assembleia da República. Não faltam sequer cláusulas que permitem excluir a ilicitude de violações por mais graves que sejam das normas de protecção dos cidadãos. É o caso do espantoso artigo 13.º da proposta!
O Sr. João Amaral (PCP): - É um escândalo!
A Oradora: - A proclamação de cada princípio transforma-se assim precisamente no seu contrário e bem se pode dizer que a protecção que daí decorre para os cidadãos é a mesma que a corda dá ao enforcado. Ora vejamos a questão mais detalhadamente, tendo em conta as duas componentes que sempre estão presentes em qualquer lei sobre protecção de dados pessoais: os princípios, ou as linhas directrizes reguladoras da protecção das liberdades perante a informática, e as estruturas e mecanismos de fiscalização do cumprimento da lei.
O primeiro princípio geralmente enunciado e em palavras consagrado pela proposta do Governo é o princípio da limitação da recolha, princípio que assume particular relevância, pois a questão da maior ou menor protecção das liberdades está na maior ou menor restrição à recolha de dados de carácter pessoal. E é a própria independência nacional que pode estar em perigo se as excepções à limitação da recolha vêm a propiciar, inclusivamente através da telemática, a transmissão de dados sensíveis para um ávido receptor, situado em país estrangeiro. É já nesta sede que se coloca a questão da protecção das liberdades perante os fluxos transfronteiras de dados. Internamente não faltam, porém, os serviços e estruturas interessados em proceder a recolhas desmedidas e virtualmente inconstitucionais.
Ora da proposta de lei resulta, tal como já atrás se disse, que as derrogações àquele princípio são tão numerosas que acabam por anular, na prática, os limites que a própria Constituição imperativamente impõe à recolha de dados pessoais. E é assim os n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º da proposta admitem com uma larga amplitude a recolha e transmissão por serviços públicos de dados relativos à origem racial, aos antecedentes penais, à aplicação de medidas de segurança, à suspeita de actividades criminosas, à saúde, à situação patrimonial e financeira, os hábitos e tendências sexuais, bem como todos e quaisquer dados cujo tratamento se manifeste atentatório da privacidade. E nem sequer se exige que tal permissão seja concedida em casos excepcionais.
Mas podem ainda serviços não públicos processar automaticamente dados de carácter pessoal relativos à saúde ou à situação patrimonial e financeira.
Resulta daqui o escancarar de portas à devassa informática da vida pública dos cidadãos que a Constituição terminantemente proíbe [...] Nem as convicções pessoais escapam!
esmo estando proibido em absoluto o processamento automatizado de dados de carácter pessoal referentes a convicções filosóficas ou políticas, a filiação partidária ou sindical, bem como a fé religiosa, a verdade é que a própria proposta de lei acaba por permitir tal processamento para além dos casos previstos no n.º 2 do artigo 3.º Basta para isso que os dados tenham sido "publicados por via oficial". Atente-se no escândalo: inviamente, e tentando fazer passar despercebida a violação constitucional, permite-se no artigo 27.º da proposta a interconexão de ficheiros automatizados que contenham exclusivamente informações "públicas". Ora o n.º 4 de tal artigo explicita que são informações públicas os dados que sejam tornados públicos "por via oficial".
Que mundo se abre aqui ao poder informático, aos serviços de informações em criação! Por exemplo, dados "tornados públicos por via oficial" são a filiação e a actividade sindical dos elementos eleitos para as direcções sindicais, para as comissões de trabalhadores cuja identificação é tornada pública através do Boletim de Trabalho e Emprego, Boletim Oficial do Ministério do Trabalho. Público é o que consta da l.ª, 2.ª e 3.ª série, do Diário da República e do Diário da Assembleia da Republica!
Aqui está como se foge à regra de que tais dados não podem ser objecto de recolha.
Aqui está como, por esta via, se permitiria que o Governo discriminasse e perseguisse!
Informações públicas podem ainda ser as sentenças dos tribunais que decretem interdições, que decretem falências. E ainda veremos com mais nitidez, como fica desprotegido o cidadão perante este alçapão que o Governo ousou propor.
O segundo princípio de protecção dos cidadãos proclamado na proposta é o princípio da qualidade dos dados. Os dados devem ser recolhidos de forma lícita e leal - eis o que não oferece dúvidas e por toda a parte é recomendado!
Mas há aqui que considerar a seguinte questão: será que toda a recolha de dados que o Governo pretende autorizar se vai processar de forma lícita e leal? Será que todos os dados recolhidos serão exactos e precisos?
E que protecção prevê o diploma contra os dados recolhidos de forma ilícita, desleal, contra os dados inexactos?
Que protecção tem o cidadão, por exemplo, contra o processamento automático dos dados ao serviço da investigação criminal ou dos serviços de informações recolhidos através dos chamados "bufos"?
Aplausos do PCP.
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Esta é uma questão a que voltaremos quando tratarmos dos princípios da transferência e da participação individual.
Também o princípio da especificação das finalidades sofre, no texto da proposta, uma derrogação importante, já que se admite (artigo 10.º) a utilização de dados de carácter pessoal para finalidades diferentes das que determinaram a recolha, não se exigindo sequer que haja conexão entre as finalidades, ao contrário do que se estabelece, por exemplo, nas directrizes da OCDE.
Por outro lado, a proposta mais não faz de que liberalizar a interconexão de ficheiros automatizados, e que resulta dos seus artigos 27.º e 28.º Assim se permitem todas as manipulações, incluindo a "definição de um perfil de comportamento formado pela sobreposição de dados", e como tal falível, aliás, contra o que proclama o artigo 11.º A este respeito não podemos deixar de lembrar as advertências feitas por Joinet na Conferência de Roma realizada em 1982, sobre interconexão de ficheiros que alertava certeiramente para os perigos dos "perfis de comportamento que, sob o pretexto de ajuda à decisão, decidem da sorte de pessoas a partir de um certo número de informações pessoais conformados a um esquema de referência".
Quanto ao princípio das garantias de segurança, a proposta de lei limita-se a enunciar proclamações gerais, não estabelecendo de facto nenhumas garantias viabilizando a maior insegurança.
Nomeadamente quanto aos ficheiros que contém suspeitas de actividades criminosas, contendo em parte dados sem credibilidade, nem sequer se estabelece quais as categorias de pessoas que têm directamente acesso às informações registadas. Dada a fiabilidade de tais ficheiros e as graves repercussões que os mesmos podem ter na liberdade do cidadão, a lei deveria estabelecer quais as pessoas que devem ter acesso aos dados registados.
Trataremos agora do princípio da transferência e do princípio da participação individual.
A proposta não garante nem um nem outro. Não garante o princípio da transparência porque não consagra um verdadeiro direito à informação sobre a existência e a natureza de dados de carácter pessoal. E quanto ao direito de participação individual verifica-se que a proposta não garante um verdadeiro direito de acesso, peça fundamenta] contra todas as violações.
O Sr. Jorge Lemos: (PCP): -Muito bem!
A Oradora: - Voltemos ao direito à informação. Seria suficiente a publicação no Diário da República das leis, decretos-leis ou autorizações da comissão de protecção de dados, tal como se prescreve na proposta? A solução já seria péssima na Suécia, mas em Portugal é desastrosa!
O Sr. Jorge Lemos: (PCP): -Muito bem!
A Oradora: - Temos de nos situar na sociedade que somos. E se assim o fizermos, como não faz o Governo, teremos razões acrescentadas para repudiar o sistema proposto, que noutras sociedades bem diferentes já foi repudiado por peritos com larga experiência na matéria e situados em diversos quadrantes.
Aplausos do PCP.
Na Conferência de Roma, que nunca é demais citar, pela larga soma de informações recolhidas, o Sr. Simitis dizia sobre a questão do direito à informação:
A experiência demonstra que não chega instituir um direito à informação. Um tal direito é puramente fictício se a lei não incitar o indivíduo a prevalecer-se desse direito, fazendo-lhe compreender a importância do tratamento dos dados e em consequência as hipóteses de acesso aos dados que lhe oferece.
E acrescenta:
A lei de protecção dos dados deve prever novos meios de comunicação. Nem o envio para publicações gerais nem uma informação limitada à constituição do ficheiro são aceitáveis.
De resto este mesmo autor, para demonstrar a necessidade de campanhas de informação junto dos cidadãos, revelou que na RAF, após a legislação de Land de Hesse, se tentou uma experiência que deu como resultados que numa comuna onde não foi levada a cabo uma campanha de informação e divulgação, apenas 2 % dos cidadãos exerceram o direito de acesso aos seus dados. Noutra comuna onde tal campanha foi realizada a percentagem subiu para 8 %.
É de lembrar, Srs. Deputados, que o Bill Inglês de 1969 e a lei dinamarquesa prevêm a notificação pessoal dos titulares do registo. E isto mesmo vem sendo defendido por peritos na matéria. Veja-se a tomada de posição da Dr.ª Solange Penaster, que defende a informação sistemática dos titulares do registo, "dos ficheiros de polícia e de todos aqueles cuja constituição poderá ter por fim uma exclusão do indivíduo ou restrições no exercício de um direito".
E o mesmo refere o Sr. Simitis reforçando a ideia com a afirmação que as próprias transferências de dados, permitidas pela proposta em análise, deveriam ser comunicadas aos titulares dos registos.
Não fica feita com esta intervenção toda a análise da proposta de lei governamental.
Inscrevermo-nos-emos para uma segunda intervenção, para a continuação desta análise.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela amostra já se vê a qualidade do pano.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para uma intervenção, o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem em 1950 -há pouco maio de 30 anos - tivesse dito que pouco tempo depois se iniciaria uma luta institucional contra os perigos da ditadura do computador, arriscar-se-ia então, em 1950, a causar a estupefacção geral.
Excluídos alguns, poucos, da área da ciência e da ficção, ninguém estava então em condições de produzir e compreender semelhante previsão.
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Só em 1951, com a comercialização do primeiro computador, passou o grande público a saber da sua existência.
E só a partir de então o artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que desde 1948 já defendia a privacidade e a intimidade, passou a ter significado na protecção do homem contra a informática.
Em escassos anos, foi tal a expansão do computador, que o homem viria a sentir a necessidade de defender os seus direitos e liberdades individuais face à informática que ele próprio inventara.
Aparece assim em 1969, uns escassos 18 anos depois, a primeira lei em Inglaterra, seguida em 1970 da Lei da Protecção de Dados do Estado de Hesse, na Alemanha.
Eram os primeiros grandes passos na luta legal contra a automatização dos bancos de dados.
O projecto de lei n.º 11O/III e a proposta de lei n.º 64/III, ambas agora em debate na generalidade, são mais um acto da legítima defesa do homem contra o computador.
Não creio que possa interessar-nos, nem que constitua grande contributo neste momento para o esclarecimento desta matéria, enunciar aqui a cronologia das leis que nos diversos países têm procurado defender as pessoas contra o tratamento automatizado de dados de carácter pessoal.
Mas tem sido generalizado o sentimento de que os direitos e liberdades das pessoas dependem de salvaguardas perante a informática, e que toda a legislação produzida e a produzir tem o carácter de transitório face à evolução rápida da tecnologia e ao aumento da potenciação dos computadores.
Sabemos que em 1973 a Suécia aprovou a sua lei. Em 1974, os Estados Unidos. Em 1977, coube a vez à Alemanha Federal. Sucederam-se depois a França, a Dinamarca, a Noruega, a Aústria, o Luxemburgo, a Islândia.
Não cabe, no entanto, neste debate na generalidade analisar um a um qualquer destes textos legais.
Mas importa constatar, na companhia de outros que analisaram antes e melhor o assunto, que essas leis comprovam neste domínio três grandes orientações: o modelo britânico, cuja filosofia assenta na ideia de auto-regulação.
A disciplina da matéria é confiada a simples regras, digamos, de boa conduta, que os responsáveis e utilizadores dos bancos de dados devem cumprir.
No modelo norte-americano a filosofia consiste na ideia de que os tribunais salvaguardam devidamente os direitos das pessoas. Existem regras padrão que os responsáveis e utilizadores têm de cumprir para acautelar os direitos individuais.
Finalmente, no modelo sueco-germânico, de que são exemplos a lei sueca de 11 de Maio de 1973 e a alemã do Land de Hesse de 7 de Outubro de 1970, a sua filosofia pressupõe a confiança dos organismos de controle. Impõe a existência de uma autorização prévia dos bancos de dados, e essa autorização deverá ser recusada se o órgão competente para controlar o sistema entender não existirem garantias suficientes para a defesa das liberdades ou da privacidade.
O projecto de lei n.º 11O/III, da ASDI, e a proposta de lei n.º 64/111, do Governo, aproximam-se da filosofia do modelo sueco-germânico, aliás no seguimento de uma tradição que já possuímos em Portugal.
Na verdade, estes não são os primeiros textos com vocação legislativa que aparecem no nosso país.
Para só referir os mais recentes, tivemos o projecto de lei n.º 214/I, apresentado em 1979 pela bancada do PSD.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Em 1981 a ASDI viu aprovado na generalidade o seu projecto de lei n.º 202/II, que é agora recuperado pelo projecto de lei n.º 11O/III.
Em 1982 o Governo apresentou a proposta de lei n.º 97/II.
odos esses textos trataram desta matéria, mas ficaram pelo caminho.
Entretanto, deu entrada na Assembleia da República, já em Maio, a proposta da resolução n.º 13/III, com vista à aprovação para ratificação da convenção para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de carácter pessoal, que, no âmbito do Conselho da Europa, abriu para assinatura em Estrasburgo em 28 de Janeiro de 1981.
No cumprimento do artigo 4.º dessa Convenção, Portugal deverá adoptar as medidas necessárias com vista à aplicação dos princípios básicos para a protecção de dados de carácter pessoal.
É assim que surge a iniciativa governamental através da proposta de lei n.º 64/III, que veio retirar uma anterior de autorização legislativa.
As regras mínimas aplicáveis no plano nacional estão enunciadas na convenção subscrita por países do Conselho da Europa, e foram introduzidas na proposta governamental.
Aliás, já constavam de uma recomendação anterior do Conselho da OCDE, tirada em 23 de Setembro de 1980.
O Sr. Ministro da Justiça já recordou há pouco esses princípios ou regras mínimas, que constam do preâmbulo da proposta de lei do Governo.
Dois pontos parecem de realçar:
1.º A proposta de lei define o conceito de "dados de carácter pessoal", o que é o ficheiro e tratamento automatizado e quais as condições de acesso aos dados - tudo em conformidade com o artigo 35.º da Constituição;
2.º A legislação para protecção de dados de carácter pessoal tem de conciliar dois valores aparentemente contraditórios: a protecção da vida privada e dos direitos e liberdades individuais e, por outro lado, a circulação de dados de carácter pessoal.
Na verdade, e sem entrarmos no mundo do Orwell ou do Koestler, o desenvolvimento da informática cria graves riscos de carácter persecutório ou policial.
Mas também tem activado a imaginação criminosa, que nesta área tem encontrado campo privilegiado. O processo de produção legislativa tem-se mostrado desadequado à aceleração da tecnologia e à potenciação do computador. Podemos dizer que até o próprio artigo 35.º da Constituição, revisto há pouco mais de l ano, ele mesmo já está desactualizado.
É a própria Comissão Interministerial da Informática que o sugere quando pergunta: Qual o conteúdo do conceito de fluxos de dados transfronteiras inserido no n.º 2 do artigo 35.º da Constituição? Qual a
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delimitação do conceito de interconexão de ficheiros com dados pessoais?
E acrescenta: a proibição da atribuição de um número nacional único não é já hoje salvaguarda da privacidade, pois existem algoritmos capazes de violar essa mesma privacidade.
Aliás, muitos outros problemas legais resultam do desenvolvimento da informática, além da protecção das liberdades públicas e da privacidade. Como exemplos, cito apenas os casos da relevância jurídico-probatória dos registos de computador, de responsabilidade civil e criminal decorrente da aplicação da informática.
Mas creio que não é o momento para, na generalidade, desenvolvermos essas questões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O homem só pode ser livre num Estado livre, afirmou Karel Vasak.
E acrescentou: desta afirmação banal resulta que os direitos do homem derivam directamente da ordenação das instituições políticas que regem os povos e, portanto, que dependem estreitamente do regime jurídico da sociedade encarada como um todo.
Vivemos num Estado de direito democrático e cabe-nos, portanto, definir o regime dos direitos do homem.
Situamo-nos então na área mais nobre do direito ao assegurarmos pela via legislativa uma realidade que nasce com cada um de nós.
A protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de carácter pessoal é um importante contributo para a liberdade do homem.
Quer a proposta de resolução n.º 13/III, quer a proposta de lei n.º 64/III, do Governo, quer o projecto de lei n.º 11O/III, da ASDI, são portanto, iniciativas válidas, que merecem todo o nosso apoio, embora este último projecto da ASDI se mostre ultrapassado pela dinâmica de legislação nacional e internacional.
No entanto, o Partido Social-Democrático aprovará na generalidade os dois textos para que desçam à 1.ª Comissão e aí sejam discutidos na generalidade.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pediram a palavra, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Magalhães, José Manuel Mendes e Hasse Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Correia Afonso, a extensa resenha de direito comparado que forneceu à Câmara, que é de manifesta utilidade, e a reflexão que produziu sobre a temática que nos ocupa, parece-nos merecer alguns comentários e perguntas.
Creio que o Sr. Deputado equacionou, entre outras questões, um importante problema. Só que esse problema é frequentemente mistificado demais. Esse problema é o problema da desactualização.
frequente ouvir, de vários quadrantes, a descrição disto, que é uma realidade e um facto: a informática, a telemática, a robótica, a borótica, as diversas manifestações de associação entre a informática e certos meios de conhecimento e de comunicação, correm e o direito funciona um pouco, aqui, como a tartaruga.
Isto, em certa medida, é verdade. Só que conduz em muitos casos a uma atitude de cepticismo ou de subestimação da importância que o direito tem na regulamentação de questões. A nossa Constituição veda-nos essa atitude de subestimação, porque foi a primeira a instituir uma regulamentação destas matérias a esse nível e com essa natureza, e é terminante e imperativa.
Ora, o problema que o Sr. Deputado não equacionou na sua intervenção é que a proposta governamental, escorada nos imperativos constitucionais e ainda não vigente na regulamentação internacional, que nos é aqui apresentada, longe de contribuir para tornar mais eficazes as directrizes constitucionais, subverte-as.
Por isso é que gostaria que o Sr. Deputado se pronunciasse sobre disposições que nesta proposta permitem, em primeiro lugar, o tratamento e até interconexão de dados sobre as convicções políticas, religiosas, sindicais, etc., através da famosa cláusula alçapão que, pela classificação como dados públicos ou publicitados por via oficial, os dispensa -o que já merece um ponto de exclamação - da proibição constitucional.
Segundo aspecto: como é que o Sr. Deputado concebe que se possa propor à Assembleia da República normas que, pura e simplesmente, proíbem todo e qualquer acesso à informação em múltiplas áreas sensíveis, inclusive essa, sensível entre as sensíveis, que é a relação dos cidadãos com a polícia e o direito a obter um quantum de informação?
O Governo rejeita essa posição, dizendo que a única solução é: toda a informatização para a polícia, nenhuma para o cidadão, porque era o que faltava darmos informações aos criminosos! ... Esta visão é perfeitamente simplista e não tem nada a ver com a maneira como a questão está a ser apreciada, hoje em dia, no direito comparado, citado aqui doutamente pelo Sr. Deputado, mas, infelizmente, não tão bem como seria desejável.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - A pergunta que lhe colocávamos era a seguinte: como é que o Sr. Deputado concilia estas exigências, que são constitucionais, com aquilo que nos é proposto aqui?
Concluiria com uma pergunta concreta sobre a questão dos fluxos transfronteiras que V. Ex.ª equacionou na sua intervenção: o Sr. Deputado sabe que a proposta governamental sobre esta matéria diz, tocantemente, apenas isto:
[...] aplicam-se aos fluxos transfronteiras as disposições dos artigos anteriores?
Isto é uma afirmação absolutamente destituída de sentido. Ê inteiramente gratuito dizer que se aplica isto, aquilo ou aqueloutro, quando a proposta governamental não estatui uma regra concreta sobre o controle dos fluxos transfronteiras.
O Sr. Deputado sabe melhor do que eu que, com um telefone, é possível ligar de Lisboa para praticamente qualquer ponto do mundo e transmitir por computadores, mediante o equipamento adequado, toda a espécie de informação.
O Governo, perante isto, diz-nos candidamente que são aplicáveis aos fluxos transfronteiras as disposições das normas anteriores.
Isto não é absolutamente nada. Até chega a ser um pouco acintoso.
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A pergunta final é esta: como é que o Sr. Presidente compatibiliza isto com as necessidades constitucionais que considerou necessário aplicar?
A nossa tese e a nossa observação é de que a proposta governamental não só não dá cabal execução à Constituição, como, pura e simplesmente, a subverte.
Gostaríamos de ver mais detalhados os pontos de vista do PSD sobre estas 3 questões e sobre a problemática geral que equacionámos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, também para um pedido de esclarecimento.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Correia Afonso, na sua intervenção manifestou respeitáveis preocupações face a quanto, no desenvolvimento tecnológico, pode ferir a esfera da privacidade, e mais lata e também mais profundamente, os direitos humanos, os direitos da pessoa e dos sujeitos dos dados.
Apreciou 2 dos diplomas com algum detalhe - o projecto de lei da ASDI e a proposta do Governo -, mas não fez qualquer menção à Convenção que também temos em debate. Gostaria de ouvi-lo em relação a essa Convenção quanto ao seguinte: pensa o Sr. Deputado Correia Afonso que tal qual ela está elaborada, e conjugada com a proposta de lei do Governo, designadamente permitindo o cumprimento, na ordem jurídica interna, da norma n.º 3 do artigo 35.º? Isto é, aquela em que se dá um particular e muito rigoroso assento à defesa de áreas que são consideradas pelos informatistas como sensíveis ou sensitivas, na linguagem de outros?
É que, Sr. Deputado Correia Afonso, fico com a ideia de que pode ocorrer o seguinte: considerar-se com a lei de protecção de dados que é proposta pelo Governo, com a grelha de articulado que nos é submetida à apreciação através da Convenção e também com as disposições constantes do projecto de lei da ASDI que temos armas bastantes para dar uma adequada e tempestiva resposta às violações que venham a surgir no domínio dos direitos mais expressivos. E pergunta-me se, baseando-se neste raciocínio e tendo em conta a fragilidade, por esta bancada já longamente demonstrada, desses diplomas, não acabará, na altura em que julgo ter nas suas mãos um bacamarte para responder à arma similar que do outro lado se lhe aponta, por verificar que ao cabo e ao resto tem rosas nas mãos ou pura e simplesmente espinhos ou mesmo nada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Uma última questão, Sr. Deputado Correia Afonso, para lhe perguntar qual é, do seu ponto de vista, a constitucionalidade e a legitimidade que existe, ou não, no modo como têm operado, até este momento, em Portugal, todos os processos e tramitações da rede swift.
Vem isto a propósito das referências que fez aos fluxos transfronteiras e ao que isso pode significar de violação clara daquilo que está previsto no artigo 35.º da Constituição da República. Esclareço: refiro-me à rede swift, ou seja, às transferências interbancárias de dados, para descodificar um pouco, e porque gostaria imenso de o ouvir sobre esta matéria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado Correia Afonso, irei ser extremamente sintético.
Ouvi com atenção a intervenção que V. Ex.ª proferiu. No entanto, para um melhor esclarecimento dos seus pontos de vista, que me parecem importantes numa matéria desta delicadeza, gostaria de lhe perguntar se faz suas as dúvidas que referiu existirem na Comissão Interministerial de Informática no que concerne, designadamente, à caracterização dos fluxos de dados transfronteiras e à interconexão de ficheiros que são referidos designadamente no artigo 35.º da nossa Constituição.
Gostaria ainda de lhe perguntar como é que equaciona o problema da existência de possibilidades de interconexão de ficheiros que ultrapassem prevenções eventualmente instituídas para qualquer tipo de medida legislativa a tomar por esta Assembleia.
Como é que o Sr. Deputado se posiciona face a este problema?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Magalhães Mota pede a palavra para que efeito?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, neste momento o relógio da sala aproxima-se das 20 horas e 30 minutos e eu gostaria de colocar aos grupos parlamentares a seguinte questão: temos consciência da importância desta matéria e sabemos que há oradores inscritos. Pela nossa parte, se houvesse consenso não pediríamos a votação, direito que nos é conferido pelo artigo 71.º do Regimento, e aceitaríamos que o debate se prolongasse, por exemplo amanhã, fazendo-se a votação no final das intervenções. Mas para usarmos, ou não, do nosso direito de ser requerida a votação, precisávamos de conhecer a opinião dos vários grupos parlamentares sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Importa trazer ao conhecimento do Sr. Deputado que amanhã há também uma marcação do MDP/CDE.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Efectivamente, por marcação e direito regimental, está agendado para amanhã o projecto de lei n.º 350/III, apresentado pelo MDP/CDE. Não quereríamos, de modo nenhum, obstruir a continuação da discussão sobre informática, mas no que respeita à sessão de amanhã, a partir da parte da tarde, pelas 15 horas, teríamos de entrar na discussão do nosso projecto de lei. Ou seja, a manhã ficaria reservada para a continuação da discussão do projecto de lei apresentado pela ASDI e da proposta de resolução apresentada pelo Governo, mas a partir das 15 horas não prescindimos da nossa marcação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, nós demos plena garantia ao Sr. Deputado Magalhães Mota que, se pretendesse votar hoje o projecto de lei apresentado pela ASDI, estaríamos de acordo. Mas como o Sr. Deputado Magalhães Mota sugeriu que se prós-
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seguisse amanhã a discussão desta matéria - visto que envolve também uma proposta de resolução do Governo e uma proposta de lei -, estamos de acordo, dada a sua importância e porque há ainda intervenções por fazer.
Damos também garantias ao MDP/CDE de que amanhã à tarde se poderá entrar na discussão do seu projecto de lei com o tempo que já estava calendarizado, fazendo-se a respectiva votação.
Parece que amanhã de manhã poderemos compatibilizar a conclusão desta discussão e a votação dos diplomas com o debate e a votação à tarde do diploma apresentado pelo MDP/CDE.
No entanto, depois de decidirmos quanto à calendarização dos diplomas hoje em discussão, queríamos pôr uma questão formal relativamente ao projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE amanhã à tarde, porque há questões formais que queremos colocar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - A nossa posição vai também no sentido de se continuar amanhã com o debate e ir até à votação do projecto de lei apresentado pela ASDI e da proposta de resolução sobre a Convenção e depois entrar-se na discussão do projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A nossa bancada está de acordo com a solução proposta pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Não nos opomos a que o requerimento da votação seja feito amanhã bem como se prossiga, também amanhã, a discussão deste tema - aliás, suponho que o próximo orador inscrito é da nossa bancada - e que de tarde se inicie a discussão do tema agendado pelo MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - É para darmos a nossa concordância às propostas apresentadas pelos Srs. Deputados Magalhães Mota e António Taborda.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Estamos de acordo que o debate prossiga, porque achamos que ele é importante. O facto de o debate passar para amanhã só pode ser admitido desde que o partido que fez a marcação esteja de acordo com isso. Ou seja, só podemos admitir que amanhã seja, de alguma maneira, alterada a marcação que estava feita, empurrada para a frente, desde que o MDP/CDE aceite isso. E parece que é o que se verifica. Entretanto, não devo deixar de acentuar que pode muito bem suceder que, com um atraso no início dos trabalhos, cheguemos às 13 horas sem ter sido esgotada a ordem de intervenções. Desde já, chamo a atenção para isso, porque, dessa forma, apontaria para se fazer hoje à noite uma sessão para ser possível esgotar as inscrições, podendo intervir todos os deputados que pretendem fazê-lo.
A não ser assim, teremos de flexibilizar suficientemente as duas matérias da parte da manhã, ou seja, a continuação deste debate e a sua conclusão, a marcação do MDP/CDE - em termos de garantir que o seu direito não seja impedido - e o debate da proposta do Governo.
O Sr. Presidente: - Pelas sensibilidades colhidas e em função da compreensão do MDP/CDE quanto à marcação de amanhã, parece que posso assentar que o debate desta matéria continua amanhã da parte da manhã.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, posso ter sido mal interpretado, mas coloquei uma questão concreta.
Da nossa parte, em relação ao debate da proposta do Governo, nos termos regimentais, achamos que ele só poderá ser encerrado quando não houver mais inscrições.
Fiz uma proposta concreta para viabilizar a votação amanhã da proposta do Governo, ou seja, que se prosseguisse hoje à noite o debate que está a decorrer, em termos de garantir todos os interesses.
A não ser assim, deixo uma reserva, que manhã teremos que considerar devidamente, quanto à evolução do debate e de se compatibilizarem os vários interesses em jogo.
Não defino neste momento, como não pode deixar de ser, um limite para o debate da proposta do Governo porque, regimentalmente, não se afigura possível, embora o seja em relação ao projecto de lei apresentado pela ASDI, se for discutido isoladamente, não sendo votada a proposta do Governo.
Espero que desta vez me tenha conseguido fazer entender.
O Sr. Presidente: - Com a reserva do PCP, devo chegar à conclusão que, fatalmente, não será possível discutir da parte da manhã todo o pacote da informática.
Portanto, fica prejudicada a pretensão do MDP/CDE.
Peço, portanto, o favor de os senhores líderes parlamentares se pronunciarem sobre a seguinte questão: ou fazemos hoje à noite uma sessão até que o debate esteja concluído ou não será possível prosseguir amanhã, porque o MDP/CDE consente na continuação dos trabalhos deste debate, mas com a garantia de que da parte da tarde a sua marcação será respeitada.
Tem palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Se é um facto que o PCP pode perfeitamente utilizar todos os direitos regimentais para o uso da palavra, também há limites no Regimento para o uso da palavra. E nós, amanhã, recorreremos, evidentemente, ao direito que o Regimento nos dá de pôr limite a esse uso da palavra, quando cumpridas determinadas formalidades.
Portanto, não vemos nenhum inconveniente em que se prossiga amanhã o debate. No fim da manhã logo veremos se será necessário recorrer a esses direitos, que também temos, de impor limites ao uso da palavra.
Não vale a pena o Sr. Presidente dizer que não se conseguirá fazer isso amanhã. Veremos amanhã, Sr. Presidente. Sejamos optimistas.
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O Sr. Presidente: - Eu não queria ser optimista, porque infelizmente a tradição estabelecida pela comparência dos Srs. Deputados no domínio da assiduidade e pontualidade não me permite, de modo nenhum, ser optimista e abonar, porventura, as razões do Sr. Deputado Carlos Lage. Mas se assim o entender e se os demais não levantarem dúvidas, não serei eu ...
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, sou uma pessoa de boa fé. Acho que os Srs. Deputados estarão aqui amanhã às 10 horas.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado, oxalá que assim seja.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, gostaria que a Mesa me informasse se será compatível o tempo ainda disponível com a realização da sessão de amanhã.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estão ainda inscritos para uma primeira intervenção, tendo ainda direito a uma segunda, os Srs. Deputados Manuel Queiró, José Leitão, António Gonzalez e José Manuel Mendes e para uma segunda intervenção os Srs. Deputados Odete Santos, António Taborda e Hasse Ferreira, o que me leva, portanto, a crer que, ainda que todos os Srs. Deputados estejam presentes às 10 horas, não será possível termos terminado o debate sobre esta matéria até às 13 horas.
Assim sendo, resta apenas...
O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, se acaso essa hipótese pessimista se verificar amanhã, poderemos prolongar ainda um pouco a sessão para a parte da tarde, e, se necessário, faremos sessão à noite para acabarmos a discussão do projecto apresentado pelo Sr. Deputado do MDP/CDE.
Acho mais lógico que se faça isso amanhã do que hoje, ou seja, talvez amanhã não venha a ser necessário o prolongamento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas o Sr. Deputado António Taborda inscreveu-se primeiro do que eu.
O Sr. Presidente: - E porque tem vantagem nisso, Sr. Deputado!
Eu tinha-o visto primeiro, Sr. Deputado José Vitorino, mas se tem vantagem nisso, dou primeiro a palavra ao Sr. Deputado António Taborda.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, suponho que estamos aqui a adiantar conjecturas.
Suponho, em primeiro lugar que a interpelação do Sr. Deputado Hasse Ferreira foi no sentido de saber quais os tempos marcados para o debate e quanto tempo de discussão restava ainda para cada partido poder intervir.
Em segundo lugar, entendemos que a nossa marcação deve começar, de qualquer maneira, às 3 horas da tarde e se houver necessidade de interromper às 13 horas, logo se verá! Pode decidir-se nessa altura se a continuação da discussão da proposta e dos projectos que hoje estamos a fazer se vai continuar na noite desse dia ou na quinta-feira.
Mas uma coisa é certa, Sr. Presidente, e era isso que eu queria lembrar e informar a V. Ex.ª e à Câmara: é que à noite, nós, MDP/CDE, estamos impedidos em trabalhos partidários.
Portanto, pela nossa parte, não é possível avançar a discussão - que marcámos - deste projecto de lei para a noite. De resto, suponho que a tarde chegará para a discussão e votação do nosso projecto de lei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento abstenho-me de comentar o comportamento do Partido Comunista sobre esta matéria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faz muito bem!
O Orador: - De qualquer forma, está coerente com a posição que tinham tomado de não aceitar a distribuição de tempos.
Protestos do PCP.
Escusam de bracejar, Srs. Deputados, porque o que é evidente está à vista.
Pela nossa parte, obviamente que não damos o nosso acordo ao prolongamento da sessão durante esta noite.
Em relação a amanhã, propomos que durante a manhã se faça uma reunião de líderes para então se tratar do eventual reordenamento do agendamento das matérias previstas, não só para amanhã mas para esta semana. O que parece é que hoje, aqui e agora, não chegaremos a nenhuma conclusão nesta discussão.
Sendo assim, faço esta proposta concreta: vamos suspender os trabalhos e amanhã de manhã faremos uma reunião de líderes para reordenarmos todo o agendamento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostava de lhe fazer a vontade mas não posso encerrar os trabalhos sem que antes tenha marcado a ordem do dia para amanhã.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Pode dizer-se que a intervenção do Sr. Deputado José Vitorino não veio ajudar nada. É um daqueles casos típicos em que o tom não dá com o som e, como de costume, estava fora e não adiantou absolutamente nada, pelo contrário.
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Quanto à questão concreta, suponho que já se chegou aqui a um entendimento suficiente, que é este: vamos prosseguir os trabalhos amanhã, até às 13 horas, e, nessa altura, faremos um ponto sério da situação. Veremos, então, se estamos em condições de encerrar o debate ou se temos de tomar alguma medida concreta, quer seja para o prolongamento, quer para a interrupção. Mas só nessa altura é que faremos o levantamento da situação.
Claro que, pela nossa parte, também acreditamos que será possível começarmos os trabalhos de amanhã relativamente cedo, pelas 10 horas ou 10 horas e pouco, por forma a estarmos em condições de terminar pela l hora da tarde.
Quanto ao resto, não vale a pena comentar nada, porque, realmente, já não há nada a comentar.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente Srs. Deputados, queria dizer, muito simplesmente, que a solução a que se chegou é suficiente para nós, visto que o que está em causa é o nosso direito a obter uma votação. Com o consenso dos grupos parlamentares, incluindo o do MDP/CDE - que tinha uma marcação amanhã -, poderemos concretizar esse objectivo durante a parte da manhã. E é só pela votação do nosso projecto que temos que nos bater.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, depois de adquirido esse esquema de trabalhos para a sessão de amanhã, quero fazer, no entanto, uma reserva de carácter formal quanto ao projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE.
Acontece que o MDP/CDE tinha apresentado um projecto com o n.º 258/III, sobre o qual nos iríamos pronunciar amanhã. Entretanto, na passada sexta-feira o MDP/CDE enviou um requerimento à Mesa, cujo teor era o seguinte: "solicitamos a retirada do projecto de lei n.º 258/III [...]", portanto, o projecto que tínhamos estudado e sobre o qual nos iríamos pronunciar amanhã, "[...], cujo debate está marcado para o dia 23 do corrente [...]. Mais se solicita que o texto do mesmo projecto de lei seja distribuído em folhas avulsas, nos termos do artigo 147.º do Regimento".
Ou seja, o MDP/CDE retirou o projecto de lei sobre o qual tinha exercido o seu direito de fixação de uma ordem de trabalhos, introduzindo um projecto diferente.
Ora, o nosso entendimento sobre esta questão é o de que este novo projecto não é mais do que uma nova redacção do projecto de lei anterior porque, de contrário, formalmente não o poderíamos discutir amanhã. Assim, estamos dispostos a discutir amanhã o projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE desde que
seja feita a correcção formal indispensável. De contrário, não o poderíamos fazer visto que o projecto de lei sobre o qual o MDP/CDE exerceu o direito de fixação da ordem do dia foi retirado, sendo este um novo projecto que não teríamos de discutir amanhã, ficando, deste modo, automaticamente esvaziada a sessão marcada pelo MDP/CDE.
No entanto, dado que pensamos que o que o MDP/CDE queria naturalmente fazer era uma nova redacção do projecto anterior e como não estamos, neste momento, interessados em levantar obstáculos a que se discuta este diploma, damos-lhe este entendimento, com o qual a ordem do dia da sessão de amanhã é susceptível de se manter.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, formalmente o Sr. Deputado Carlos Lage tem razão no que disse na primeira parte da sua intervenção. Efectivamente, houve um lapso técnico do gabinete uma vez que não se pretendia a retirada do projecto de lei n.º 258/III, mas sim dar-lhe uma nova redacção, designadamente acrescentar 2 novos artigos.
Nesse sentido e para efeitos de registo requeiro à Mesa que refira, no segundo parágrafo do ofício que foi enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que se trata de uma nova redacção do projecto de lei n.º 258/III e não da sua retirada com introdução de um novo.
Gostaria, ainda, de solicitar a V. Ex.ª que precisasse que a discussão deste projecto de lei começa às 15 horas de amanhã.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Taborda, o esclarecimento que prestou fica registado, mas a Mesa não pode, por enquanto, tomar posição.
Sr. Deputado Correia Afonso, V. Ex.ª responderá amanhã aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: voto de protesto, da iniciativa do PCP, contra a anunciada visita do Primeiro-Ministro da África do Sul à República Portuguesa, pronunciando-se pela adopção das diligências necessárias ao seu imediato cancelamento; voto de pesar, subscrito pelo Sr. Deputado Octávio Cunha, da UEDS e outros, do PCP, do PS e da ASDI, relativo ao falecimento do Professor Jacinto Prado Coelho; voto de protesto, da iniciativa do PCP, contra as recentes medidas do Governo que determinaram o aumento dos preços de bens essenciais, nomeadamente do pão, leite, cereais e oleaginosas, bem como contra o anunciado aumento dos transportes, designadamente dos passes sociais.
Deu ainda entrada na Mesa o projecto de lei n.º 351/III, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP, que estabelece prazo limite
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para a publicação do Plano Anual, que foi admitido e baixou à 5.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os nossos trabalhos prosseguirão amanhã, às 10 horas, com a mesma ordem do dia de hoje que não se esgotou.
Às 15 horas iniciaremos a discussão do projecto de lei n.º 258/III, do MDP/CDE, que diz respeito à garantia de preços e escoamento de produtos agrícolas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 48 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Agostinho Correia Branquinho.
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Centro Democrático Social (CDS):
Francisco António Lucas Pires.
João Lopes Porto.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
António Domingues de Azevedo.
Eurico Faustino Correia.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Alberto Santos Correia.
José Carlos Pinto Basto Torres.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tilo de Morais.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Nelson Pereira Ramos.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
João Luís Malato Correia.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Serafim Jesus Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
António da Silva Mota.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Maria Margarida Tengarrinha.
Centro Democrático Social (CDS):
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
João António de Morais Silva Leitão.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António de Morais Sarmento Moniz.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião realizada no dia 22 de Maio de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
1) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida (círculo eleitoral de Santarém) por Manuel José Marques Montargil (esta substituição é pedida para os dias 23 a 25 de Maio corrente, inclusive);
2) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
António José Tomás Gomes de Pinho (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís Afonso Cortez Rodrigues Oueiró (esta substituição é pedida para o dia 22 de Maio corrente).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Carlos Lage (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - António dos Santos Meira (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Manuel Araújo dos Santos (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
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Votos enviados à Mesa para publicação
Voto de protesto
A comunicação social tem vindo a anunciar que o Governo português se prepara para receber oficialmente o Primeiro-Ministro Sul-Africano, Sr. Pieter Botha.
Tal postura governamental ofende profundamente os sentimentos anti-racistas e anticolonialistas do povo português, entra em contradição com os princípios consagrados na Constituição da República e surge em frontal contraste com a atitude de outros governos europeus que, como o governo francês, se recusaram a receber o chefe do regime do apartheid, condenado pelas Nações Unidas como "crime contra a Humanidade".
Nestes termos, a Assembleia da República protesta contra a anunciada visita do Primeiro-Ministro da África do Sul à República Portuguesa e pronuncia-se pela adopção das diligências necessárias ao seu imediato cancelamento.
Assembleia da República, 21 de Maio de 1984,- Os Deputados do PCP: Jorge Lemos - José Magalhães - João Amaral.
Voto de pesar
Morreu, no pretérito dia 19, o Professor Jacinto do Prado Coelho. Verdadeiro renovador do ensaísmo literário e dos estudos em tomo da obra dos autores portugueses no meio universitário, o seu legado constitui um dos mais poderosos e lúcidos contributos para o desvendamento da nossa matriz cultural. O seu infatigável labor atingiu expressões imperecíveis na leitura de clássicos ou modernos escritores, desde trabalho de raro fôlego em torno da novela camiliana às análises da poética pessoana, passando por Eça, Camões, Garrett, Cesário ou, entre outros, Raúl Brandão.
A sua actividade docente caracterizou-se por uma diligente abertura ao renovo, pela busca inconformada de soluções justas, pelo rigor científico, o bom gosto e uma lhaneza de trato que sucessivas gerações de estudantes puderam testemunhar.
Cidadão preocupado, foi nos ideais democráticos que encontrou o nutriente fundamental para as suas aspirações a uma sociedade mais livre e fraterna, para cuja construção não recusou a sua participação qualificada e sincera.
O seu falecimento causou profunda consternação em quantos o conheceram,, no convívio pessoal, nas páginas dos livros que foi dando à estampa e nos empreendimentos que dirigiu, tais como o Dicionário de Literatura ou a revista Colóquio/Leiras.
Pelo que, a Assembleia da República expressa o seu veemente pesar, honrando a memória viva do grande homem de cultura que foi Jacinto do Prado Coelho.
Os Deputados: Octávio Cunha (UEDS) - José Manuel Mendes (PCP) - Maria do Céu Fernandes (PS) - Magalhães Mota (ASDI).
Voto de protesto
Considerando que nos últimos meses o índice de preços no consumidor vem registando taxas de aumento superiores a 30 %, degradando fortemente os rendimentos reais e as condições de vida da população, já em situação de extremo e doloroso agravamento, ao fim de l ano de Governo PS/PSD;
Considerando que os novos aumentos de preços anunciados no passado fim de semana incidem gravosamente sobre produtos essenciais, como o leite e o pão, e sobre produtos base, como os cereais e as oleaginosas, que irão impulsionar uma nova escalada altista da generalidade dos bens e produtos essenciais;
Considerando que o enorme agravamento dos preços é um factor de revoltante degradação da situação social a acrescer às situações de desemprego crescente e de salários em atraso;
Considerando que esta política de elevados níveis de inflação consubstancia uma espoliação da população portuguesa em proveito da reconstituição das grandes fortunas e do poder do grande capital sobre a economia portuguesa;
Considerando que o vertiginoso aumento de preços é um factor de ainda maior retracção do mercado interno, com a consequente restrição das actividades produtivas, e que só conduz à agudização dos problemas de fundo da economia nacional;
Considerando que com o recente aumento de preços, e os novos que já se anunciam, o Governo PS/PSD volta a confirmar brutalmente o seu completo desprezo pela angustiante situação de extremas dificuldades que a maioria das famílias portuguesas quotidianamente enfrenta:
Nestes termos: A Assembleia da República, reconhecendo a situação difícil em que vivem milhares de famílias portuguesas, protesta veementemente contra as recentes medidas do Governo que determinaram o aumento de preços de bens essenciais (nomeadamente do pão, leite, cereais e oleaginosas), bem como contra o anunciado aumento dos transportes, designadamente dos passes sociais.
Assembleia da República, 22 de Maio de 1984. - Os Deputados do PCP: Joaquim Miranda - Octávio Teixeira - Ilda Figueiredo.
Os Redactores: Carlos Pinto da Cruz - Ana Maria Marques da Cruz.
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