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I Série - Número 131
Sábado, 30 de Junho de 1984
III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE JUNHO DE 1984
Presidente: Exm.º Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Socretários: Exm.ºs Srs.
Luis Abílio da Conceição Cacito
Leonel Santo Rita Pires
José Manuel Maia Nunes do Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 5 minutos.
Foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação global a proposta de lei n.º 68/III, que autoriza o Governo a contrair empréstimo junto do Kredintanstalt für Wideranjban (KfW) até ao montante de 80 milhões de marcos ao abrigo do acordo de cooperação financeira com a República Federal da Alemanha.
Intervieram, a diverso titulo (incluindo declarações de voto), além do Sr. Secretário de Estado do Tesouro (António Almeida), os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Hasse Ferreira (UEDS), Portugal da Fonseca (PSD), Luís Beiroco (CDS), João Salgueiro (PSD), Basílio Horta (CDS) e Almerindo Marques (PS).
Foi ainda aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global a proposta de lei n.º 67/III, que autoriza o Governo a contrair junto do Banco Internacional de Desenvolvimento três empréstimos externos até ao montante global equivalente a 84700000 de dólares dos Estados Unidos da América, cujo produto será aplicado no financiamento de um projecto de reestruturação têxtil, de um projecto de assistência técnica à agricultura e de um projecto de formação profissional.
Intervieram no debate, a diverso título (incluindo declarações de voto), além dos Srs. Secretários de Estado do Tesouro (António Almeida) e da Indústria (Carvalho Carreira), os Srs. Deputados Carlos Carvalhas (PCP), Hasse Ferreira (UEDS), Basílio Horta (CDS), Rogério de Brito e Ilda Figueiredo (PCP) e Almerindo Marques (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 40 minutos. _______
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 11 horas e 5 minutos.
Encontravam-se presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Tesus Domingues. Alberto Manuel Avelino.
Alexandre Monteiro António.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Joaquim Gomes.
João Luis Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
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José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Fernando Gonçalves Riquito.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Cardoso Silva.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo, de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Costa Campos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Henriques Meireles Barros.
José Luís Nogueira de Brito.
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Luís Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro António Pestana de Vasconcelos.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Corregedor da Fonseca.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Da ordem de trabalhos para hoje constam os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 68/III; proposta de lei n.º 67/III; e a continuação do debate sobre as alterações ao Regimento.
Está em discussão a proposta de lei n.º 68/III.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro (António de Almeida): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a proposta de lei agora em discussão pretende-se habilitar o Governo a celebrar um acordo bilateral de cooperação financeira com a República Federal da Alemanha que inclui facilidades de crédito do Kreditanstalt far Wiederaufbau (KFW).
No âmbito de apoios daquele tipo foram até agora concedidos a Portugal auxílios no montante de 580 milhões de marcos, destinados, nomeadamente, aos seguintes projectos: Bacia do Mondego, Cova da Beira, Porto de Olhão, Porto da Figueira da Foz, Radiotelevisão Portuguesa, Banco de Fomento Nacional, para pequenas e médias empresas e à EDP.
O montante a incluir no novo acordo a celebrar - 80 milhões de marcos - adiciona-se aos 580 milhões já contratados e parcialmente utilizados.
Após a celebração do acordo, seguir-se-á a fase de discussão dos projectos que se repartirão por 4 grandes áreas, sendo a primeira a da conservação de energia a que estão destinados para investimento 30 milhões de marcos a fim de se criar uma linha de crédito para pequenas e médias empresas.
A segunda área é a das indústrias agro-industriais a que estão reservados 15 milhões de marcos também pela criação de uma linha de crédito.
A terceira área versa sobre pequenos aproveitamentos hidroeléctricos que serão destinados à EDP.
A quarta área traduz-se no programa agro-pecuário do Pico, para o qual serão reservados cerca de 8 milhões de marcos, através do Governo da Região Autónoma dos Açores.
Este empréstimo terá as seguintes condições: o montante é, como referi, de 80 milhões de marcos; a taxa de juro será de 4,5 % ao ano e é uma taxa de juro fixa; o prazo é de 15 anos, com um período de carência de 5 anos; os tomadores serão as entidades referidas -em princípio para a primeira linha de crédito será a Caixa Geral de Depósitos, a EDP e o Governo Regional dos Açores, e o Estado cobrirá o risco de câmbio desta operação.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Secretário de Estado, tem sido hábito do Governo apresentar pontualmente pedidos de financiamento externo, não se notando a preocupação de tentar enquadrar estes pedidos que vão sendo apresentados à Assembleia da República numa perspectiva de evolução global da dívida externa, o que nos parece incorrecto.
Nessa óptica solicitaria ao Sr. Secretário de Estado que nos desse, em primeiro lugar, uma informação, ainda que breve, sobre a evolução da dívida externa, designadamente acerca da sua situação neste momento e, em segundo lugar, se tivesse à mão e se possível, referisse e desse informação à Assembleia da República acerca da distribuição, em termos de valores e pelas grandes áreas que foram indicadas pelo Sr. Secretário de Estado, dos 580 milhões de marcos já obtidos junto do Kreditanstalt.
O Sr. Presidente: - Visto que o Sr. Secretário de Estado pretende responder a todos os pedidos de esclarecimento no fim da respectiva formulação, dou a palavra ao Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS: - Sr. Secretário de Estado, pretendia apenas solicitar a V. Ex.ª que desse mais informação sobre a aplicação da parte do empréstimo que referiu relativa ao sector agro-industrial.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para, se assim o desejar, responder aos pedidos de esclarecimento.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro: - Relativamente às primeiras perguntas que me foram feitas, gostaria de dizer que estes empréstimos estão incluídos na programação da dívida externa; temos previsto, até ao final do ano de 1984, nos termos da Carta do Fundo Monetário Internacional, que a dívida externa terá uma evolução até cerca de 15 biliões de dólares e, portanto, estes empréstimos estão incluídos na cobertura dessa dívida.
Quanto à utilização dos 580 milhões de dólares, poderei referi-la em números totais ou projecto por projecto. Até este momento foram utilizados cerca de 200 milhões, portanto cerca de 37 % do montante contratado. Não sei se deseja uma informação sobre cada projecto, informação essa que neste momento não lha posso dar, mas pelo menos a informação global está facultada.
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Quanto à pergunta que me foi feita, no sentido de concretizar os projectos agro-industriais, eu lembro que se trata de um pedido de autorização para celebrar um acordo de cooperação financeira e só depois de ter lugar a sua assinatura é que serão discutidos os projectos concretos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A apresentação da proposta de lei n.º 68/III, oferece-nos oportunidade para fazer duas muito breves reflexões relacionadas com esta problemática.
Volta e meia aqui nos aparece o Governo a solicitar ou, melhor se diria, a sacar da Assembleia da República uma autorização para a obtenção de empréstimos externos. E fá-lo sempre como se de mera questão de lana-caprina se tratasse. Dir-se-ia que para o Governo o problema do endividamento externo só assume carácter de gravidade quando se trata de, com base nele, impor à economia uma política de gravosa recessão, quando se trata de sujeitar os portugueses a uma política de miséria crescente, quando se trata de colocar o País na mais indigna dependência dos interesses e ditames dos banqueiros internacionais, do FMI, do imperialismo.
Mas quando se trata de cumprir o que para o Governo é o aborrecido, o -permita-se a expressão - «chato» dever de pedir autorização à Assembleia da República para a obtenção de empréstimos externos, de pedir autorizações para aumentar a dívida externa, apresenta-se aqui com todo o ar de quem cumpre displicentemente uma mera formalidade.
O Governo não sente o dever de enquadrar os seus pedidos à Assembleia da República no contexto da gestão da dívida externa ou de informar este órgão de soberania da própria evolução desta dívida.
Ainda agora, em resposta à minha solicitação, o Sr. Secretário de Estado referiu que isto está enquadrado na meta dos 15 mil milhões de dólares para o final de 1984, constante do acordo com o Fundo Monetário Internacional. Eu queria dizer ao Sr. Secretário de Estado que até admito que esse limite se mantenha, mas houve agora uma revisão e mais uma vez o Governo se esqueceu pura e simplesmente de dar informação à Assembleia da República. Uma revisão do acordo com o FMI não tem interesse nenhum para a Assembleia da República.
Eu não sei se nessa revisão foi ou não alterado esse limite. Nem eu nem, a nível oficial, nenhum dos Srs. Deputados presentes, e aqui surge o primeiro ponto de reflexão. O desrespeito e desconsideração do Governo pela Assembleia da República manifesta-se todos os dias, por todos os meios, em todos os campos.
São múltiplos os exemplos que se poderiam apresentar e que são do conhecimento dos Srs. Deputados, mesmo dos mais distraídos.
Mas valerá a pena recordar alguns que mais directamente se prendem com a matéria dos empréstimos e da dívida. O n.º 6 do artigo 3.º da Lei n.º 32/83 - lei que aprovou o Orçamento de Estado para 1984- obriga o Governo a informar «trimestralmente a Assembleia da República acerca do montante, condições, entidades financiadoras e utilização de todos os empréstimos» que, na ordem interna e externa, o Governo venha a contrair.
Passados que são 6 meses, isto é, 2 trimestres, o Governo não prestou a esta Câmara qualquer informação sobre a matéria. Não porque não tenha havido a colocação de empréstimos que a imprensa e o próprio Diário da República vão noticiando, mas porque este órgão de soberania, a Assembleia da República, não merece ao Governo a mínima consideração e respeito e, fundamentalmente, porque o Governo se posiciona acima das leis da Assembleia da República e, ilegalmente, se recusa a cumpri-las.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O mesmo se passa, aliás, com a informação, ainda aqui trimestral, que o Governo deve à Assembleia da República nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da mesma lei, relativa à concessão de empréstimos e outras operações activas por parte do Governo.
De acordo com o n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 40/83 - Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado- «o Governo deve apresentar os orçamentos cambiais do sector público administrativo e do sector público empresarial até 31 de Março do ano económico a que dizem respeito». Ora, 3 meses são passados sobre essa data limite fixada por lei e aprovada por esta Assembleia e os referidos orçamentos cambiais, directamente ligados à problemática da dívida externa estão no segredo dos gabinetes governamentais, são certamente do conhecimento do FMI e do Banco Mundial, quiçá das entidades americanas, mas são totalmente escamoteados à Assembleia da República Portuguesa e aos portugueses. Trata-se, sem dúvida, de mais uma situação concreta de manifesta ilegalidade em que o Governo frequente e inadmissivelmente incorre.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): -Muito bem!
O Orador: - Mas é também um exemplo significativo da escala de prioridades que, em matéria de informação e não só, o actual Governo perfilha.
Aliás, se utilizássemos a filosofia do Sr. Deputado Montalvão Machado que há 2 dias teve oportunidade de dizer nesta Câmara que recusa quaisquer direitos a quem infrige a lei, seria ocasião para que o Sr. Deputado Montalvão Machado recusasse qualquer direito a este Governo, tantas são as ilegalidades e, digamos mesmo, lhe recusasse o próprio direito de existir em termos políticos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em 9 de Setembro de 1983 o Governo enviou ao FMI uma carta de intenções condicionando a política económica e financeira do País até Fevereiro de 1985. Dessa carta de intenções, desse autêntico programa de actividade económica, financeira e social do Governo para um período de 18 meses, a Assembleia da República, e até hoje, decorridos que são 10 meses, não tem qualquer informação governamental oficial; desse acordo a Assembleia da República apenas tem o conhecimento que lhe foi facultado pelos órgãos de comunicação social.
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Mais recentemente, no passado dia 20 e ao que consta, após 4 meses de laboriosas, eventualmente difíceis, mas inegavelmente desconhecidas negociações com delegações do omnipresente FMI, o Governo terá formalizado alterações diversas à Carta de Intenções de Setembro do ano passado.
Mais uma vez, e de novo com a mais gritante passividade e indiferença dos deputados da maioria governamental, a Assembleia da República tem conhecimento de algumas, poucas, e em certos casos confusas, das referidas alterações, através da leitura dos jornais. E, no entanto, não se trata de matéria de somenos importância. É a revisão do programa governamental para os próximos 8 meses, se até lá o Governo durar.
O Plano anual a que o Governo se encontra constitucionalmente obrigado não é publicado. Mas o objectivo da taxa de inflação que integrou as grandes opções do Plano aprovadas pela maioria, é alterado por acordo entre o Governo e o FMI, sem que à Assembleia da República seja dada a mais ínfima das explicações. O Governo e o FMI acordam em «reforçar em 5 milhões de contos o Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central» - alegadamente para tentar minorar a situação de profunda crise em que lançaram o sector da construção civil - e acordam ainda em «aumentar em 23,5 milhões de contos as despesas em activos financeiros e em aumentar o défice orçamental de 7 % para 8,5 % do PIB», etc., etc.
Entretanto, o PIDDAC ainda não foi apresentado; entretanto o Governo pretende esquecer que tais alterações orçamentais são da exclusiva e indelegável responsabilidade da Assembleia da República.
Srs. Deputados, isto é indesculpável, isto é inadmissível!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A dignidade do órgão de soberania que é a Assembleia da República exige que esta ilegal actuação do Governo seja forte e claramente condenada. Por nós, repudiamo-la. Tal como merece ser repudiado o despudor com que o Governo faz publicar no Diário da República, despachos com dotações orçamentais por conta do primeiro orçamento suplementar para 1984», sem que a Assembleia da República tenha conhecimento, e muito menos tenha aprovado, de qualquer revisão do Orçamento do Estado para 1984!
Vozes do PCP: - É um escândalo!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O segundo ponto de reflexão relaciona-se com a problemática da dívida externa. Esta problemática é demasiado séria e perigosa para que, quando da dívida externa tratam os seus pedidos de autorização, o Governo continue a usar para com esta Assembleia da mesma ligeireza e irresponsabilidade que até agora tem sido seu apanágio.
Os problemas de dívida externa constituem hoje um problema em discussão em todo o mundo. E não é caso para menos: o peso da dívida é tal que está a sufocar não só as possibilidades de crescimento económico mas também as possibilidades de assegurar sequer os baixos níveis de consumo característicos da maioria dos países altamente dependentes das importações e altamente individados. A actual crise monetário-financeira põe em perigo a existência do próprio sistema financeiro internacional, cativo de poderosos interesses, antagonismos internos e mecanismos especulativos. É um sistema em bancarrota, o que exige profundas transformações.
Portugal não pode alhear-se da discussão e das próprias acções que a problemática da dívida externa vem desencadeando. É conveniente não esquecer que o nosso país é detentor da segunda maior dívida externa per capita, logo a seguir a Israel.
É necessário acabar com os sofismas e reconhecer de uma vez por todas que a redução das necessidades dos financiamentos externos e a própria capacidade para pagar os encargos com a dívida existente, não são possíveis com a redução da capacidade produtiva e da produção. Bem pelo contrário, só a dinamização da economia, o aproveitamento dos recursos nacionais e o aumento da riqueza produzida poderão permitir aqueles objectivos.
É imprescindível que a negociação de financiamentos externos seja feita com a defesa dos interesses nacionais, e que haja a dignidade de não aceitar sensivelmente as gravosas condições do FMI e de outros organismos financeiros internacionais, coisa que até ao momento não tem sucedido.
É preciso que pontualmente se reconheça que os chamados planos de austeridade impostos pelo FMI só agravam os males nacionais que eufemisticamente dizem pretender combater. Vai sendo tempo de juntarmos a nossa voz à de outros países e dizer claramente à administração dos Estados Unidos da América e aos banqueiros credores que os países endividados não podem nem deve continuar a pagar os défices orçamentais e os orçamentos belicistas do Sr. Reagan e companhia.
Urge que se diga publicamente como outros países o têm feito, que a dívida do nosso país não poderá ser paga à custa da fome dos portugueses. E se este Governo não tem a coragem e a dignidade suficientes para o fazer, é bom que mais cedo que tarde arrume as malas e dê lugar a outro que defenda realmente os interesses do País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É que os portugueses não se conformam em ver o seu futuro estrangulado e a sua independência sufocada por um dívida externa contraída por governos que aos seus planos de classe sacrificam o futuro e a independência do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O necessário rigor na gestão da dívida externa não é compatível com a apresentação a esta Assembleia de propostos soltas e apressadas, sem qualquer enquadramento na evolução global da dívida externa. Nem a dignidade desta Câmara permite que se continue a pactuar com a forma como o Governo tem vindo a comportar-se para com a Assembleia da República.
No que respeita à proposta de lei n.º 68/III, que autoriza o Governo a contrair um empréstimo de 80 milhões de marcos junto do Kreditanstalt da RFA, não estão em causa as condições de prazos e de taxas de juro apresentadas. Mas está em causa, por exemplo, o deixar ao Ministro das Finanças e do Plano
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a aprovação das condições dos empréstimos referidos no seu artigo 2.º, como está em causa a aprovação do artigo 4.º, que, como a prática amplamente demonstra, carece de qualquer significado real, pois o Governo continuará a não cumprir o seu dever de informação trimestral à Assembleia da República.
Aprová-lo seria pactuar com a fraude e com a ilegalidade. Está ainda em causa, fundamentalmente, o cumprimento global do Governo em matéria de dívida externa, como em matéria de política económica e social que, com o argumento daquela, vem prosseguindo. Por isso o Grupo Parlamentar do PCP votará contra a proposta de lei n.º 68/III.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Portugal da Fonseca e Luís Beiroco.
Tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Fonseca.
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, ao ouvir a sua intervenção mais me pareceu estar V. Ex.ª numa interpelação ao Governo sobre política financeira, do que propriamente numa discussão sobre um projecto específico de um pedido de autorização para um empréstimo externo, no valor de 80 milhões de marcos, para fins específicos e devidamente discriminados na presente proposta de lei. De tal maneira que o Sr. Secretário de Estado até nos deu o prazer de explicar pormenorizadamente a sua aplicação. Perante este facto, eu não estranho que do PCP venham essas intervenções, que não quero chamar demagógicas mas de aproveitamento oportunista, no sentido de fazer desta Assembleia da República uma tribuna comicieira da política partidária.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, não é nesse sentido, de maneira nenhuma, que nós, Partido Social-Democrático, entendemos esta Câmara. Não há dúvida nenhuma que o País tem muitas dificuldades, que o povo português está a sentir na carne algumas políticas vindas de há 10 anos a esta parte, que fizeram redistribuições demagógicas e que nos levaram à situação, que hoje estamos a viver, de apertar o cinto que com certeza teremos de continuar a apertar.
Vozes do PCP: - Não foi o Afonso Henriques?!... Vozes do PSD: - Não, não, ele tem razão!
O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, também queria lamentar as presunções que V. Ex.ª -e isso não é seu hábito -e- faz relativamente ao artigo 4.º Está aqui expresso, na proposta de lei, que o Governo se comprometerá trimestralmente a explicar as condições em que os empréstimos serão feitos. Nada é mau, a não ser que se prove, e o Sr. Deputado estará a querer provar antes de os factos acontecerem. Mas as perguntas que lhe queria fazer são as seguintes: está este empréstimo enquadrado no Programa do Governo e no Orçamento e grandes opções do Plano que nós aprovámos em Dezembro do ano passado? Está ou não está? A gestão da dívida externa está ou não está dentro dos limites do acordo com o Fundo Monetário Internacional?
Vozes do PCP: - A gente é que conhece?!...
O Orador: - ... Eram estas perguntas e dentro do âmbito desta proposta de lei que eu gostaria de obter respostas concretas também de V. Ex.ª, porque em matéria económica e financeira parece-me que, neste momento, não devemos fazer demasiada demagogia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pretende responder desde já, ou depois de ouvir o pedido formulado pelo Sr. Deputado Luis Beiroco?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Depois, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Beiroco, tem a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, ouvi a sua intervenção com atenção e vou deixar de lado a parte que representa uma crítica geral à política financeira do Governo e em particular à gestão da dívida externa referindo-me, antes, a um outro assunto importante que abordou na sua intervenção.
Esse tem a ver com a fiscalização da execução do Orçamento pela Assembleia da República e com as relações que devem existir entre o Governo e a Assembleia, em matéria orçamental, após a revisão constitucional e após a nova Lei do Enquadramento do Orçamento. Era no sentido que o Sr. Deputado referiu de que o Governo não tem cumprido com várias obrigações e que, nos termos dessa lei e nos do próprio Orçamento, lhe incumbe prestar informações à Assembleia da República, que eu lhe ia fazer uma proposta muito concreta: estando nós num período de certo modo ainda experimental, pois estamos todos a aprender como se deve processar e como devem ser aprofundadas e melhoradas as relações entre Governo e Parlamento nesta matéria, eu perguntar-lhe-ia se a Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano tem feito convites ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Secretário de Estado da equipa das Finanças para virem periodicamente à Comissão prestar um certo número de informações. Quer-me parecer que essa seria a maneira mais operacional e mais útil para todas as partes de ir processando as relações entre o Governo e a Assembleia da República, em matéria de execução orçamental.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Deputado Portugal da Fonseca, afinal foi V. Ex.ª que veio tentar fazer aqui demagogia, afinal foi o Sr. Deputado que veio tentar fazer uma intervenção tipo comicieiro e ...
Risos do PSD.
... e tão demagógica, tão comicieira, que não lhe faltou aquilo que é normal em intervenções de comício do seu partido para enganar e mistificar o que se passa na realidade. O Sr. Deputado devia tentar levantar
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novamente a questão das responsabilidades de há 10 anos a esta parte, da economia, da situação económica e financeira, das políticas seguidas, etc. Então o Sr. Deputado quer-nos fazer esquecer, a nós nesta Assembleia, que o seu partido é o partido que mais tempo esteve no governo nestes últimos 10 anos?
Vozes do PCP: - Muito bem. Foram 7 anos!
O Orador: - Então, por essa ordem de ideias, não é ele o principal responsável? Não tem ele assumido responsabilidades directas nas áreas económicas, incluindo a área do Ministério das Finanças? Isso de facto é comicieiro, isto é tentar enganar quem o ouve.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas também ao fugir para esse campo verificou-se que o Sr. Deputado enfiou completamento a carapuça das responsabilidades, e enfiou-a muito bem. diga-se de passagem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado referiu a concretização desta proposta de lei, os fins específicos, a amabilidade que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro teve para inclusivamente referir quais são os valores concretos para cada uma das finalidades previstas na proposta de lei. Então V. Ex.ª não acabou de ouvir o Sr. Secretário de Estado dizer que dos 500 milhões de marcos já contratados com o mesmo Banco e que foram sempre contratados com pedidos como este que hoje nos é presente - e que se diz ser para isto e para aquilo - só foram ainda utilizados 37 %? Foi o Sr. Secretário de Estado que referiu!
Sr. Deputado, qual é a sua urgência, então, em aprovar esta lei? Qual é, mais do que a urgência, a credibilidade que pode merecer em termo? efectivos e reais de aplicação concreta das verbas aqui referidas para as finalidades aqui apontadas? E quando? Daqui a 5, 10 anos? Possivelmente nessa altura, daqui a 5 anos, as taxas de juros no mercado internacional até poderão ser hipoteticamente inferiores aos 4,5 %. Porque é que o Sr. Deputado vai aprovar agora uma taxa de 4,5 % quando esta verba não vai ser utilizada nos anos mais próximos?
O Sr. Deputado fez algumas afirmações que eu vou passar por cima, mas gostaria de lhe dizer que quando o Sr. Deputado assume a posição que assumiu aqui em Plenário está, ao fim e ao cabo, a dar-me razão quando eu há pouco chamei a atenção dos Srs. Deputados da maioria para a vossa passividade. Está a dar-me razão e, mais do que isso, está a dizer-me que passividade é capaz de ser pouco. Não é apenas passividade, Srs. Deputados da maioria governamental; é subserviência em relação a tudo o que o Governo apresenta e isso é que não é aceitável e não pode, pois, ser aceite por esta Câmara.
Refere-me depois o Sr. Deputado o artigo 4.º, mas esse artigo foi o objecto da minha primeira reflexão, da maior reflexão em termos temporais que aqui eu fiz e o Sr. Deputado escondeu-a, não falando nela, ou melhor falou apenas na última parte, na parte da problemática da dívida externa esquecendo a outra.
O artigo 4.º diz o seguinte: «Trimestralmente o Governo comunicará à Assembleia da República as condições dos financiamentos que venham a ser contratados ao abrigo da autorização conferida pela presente lei.» Nesse sentido pergunto: onde é que estão as outras informações trimestrais? Eu referi aqui algumas e podia referir muitas mais. Sr. Deputado, leia o Diário da República, leia as leis desta Assembleia da República e encontrará dezenas de leis, dezenas de decretos em que vem expressa esta afirmação. E, apesar disso, diga-me: oficialmente quantas informações deste tipo tem do Governo - oficialmente, porque particularmente não me interessa?
Se os membros do Governo as dão particularmente aos deputados da maioria é um problema que não me interessa nem interessa à Assembleia da República. Digo oficialmente, porque é à Assembleia da República que ele deve informar. Dir-lhe-ei - para que não haja lapsos - que até este momento foi dada pelo Governo uma, apenas uma, informação.
Depois põe-me o Sr. Deputado esta questão: estará ou não enquadrada no Orçamento Geral do Estado? Não está, Sr. Depurado. Ê que não está. Este império está completamente arredado do Orçamento Geral do Estado.
O equivalente a 600 milhões de dólares -se não me falha a memória - da dívida externa que foi autorizado pela Assembleia da República em termos do Orçamento do Estado, não enquadra esta operação, porque senão ela não teria de vir à Assembleia da República. Por isso não está enquadrada no Orçamento do Estado.
Sr. Deputado Luís Beiroco, é evidente que e um problema grave - e julgo que a Assembleia terá de o ponderar mais aprofundadamente- o de saber como pode a Assembleia, digamos, obrigar, o Governo a prestar as informações, como pode a Assembleia efectivamente fiscalizar a acção e a actividade do Governo.
O Sr. Deputado põe a questão de eventualmente poder ser a Comissão de Economia, Finanças e Plano. Sr. Deputado, respondendo concretamente à sua questão, dir-lhe-ia que, com o meu conhecimento, se não me falha a memória, nunca nenhum Sr. Ministro ou Sr. Secretário de Estado apareceu na Assembleia da República depois da discussão do Orçamento, para, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, dar quaisquer explicações ou dar conhecimento do que se está passando em matéria económica financeira.
Diga-se de ...
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado.
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Bom, o Governo não apareceu, mas também é preciso saber se a Comissão manifestou interesse nisso, o que é outra questão.
O Orador: - Era precisamente o meu «diga-se». . Vozes da PSD e do CDS: - Ah!...
O Orador: - Diga-se de passagem que também a Comissão não tomou essa iniciativa. A Comissão não tomou essa iniciativa, mas será fácil adivinhar porquê: o Sr. Deputado sabe que as comissões têm maiorias relativas idênticas às do Plenário e se as maiorias não
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querem as informações no Plenário também não as querem nas comissões.
Além do mais, como vai sendo hábito em diversas comissões, também esta Comissão, não pode ser elogiada pela frequência com que reúne. E já agora, Sr. Deputado, permita-me que entre parênteses lhe diga que também nesse campo o partido do Sr. Deputado, o CDS, não está isento de responsabilidades. Isto porque, se não me falha a memória, os seus representantes na Comissão desde a última reunião que houve para discussão do Orçamento ainda não voltaram à Comissão. Têm-se esquecido certamente!
Vozes do CDS: - Que irónico!
O Orador: - Mas isto era apenas um mero parênteses e eu terminaria respondendo ainda a outra questão. Trata-se da questão da dívida externa acordada com o Fundo Monetário Internacional de 15 mil milhões de dólares -e respondo ao Sr. Secretário de Estado e ao Sr. Deputado Portugal da Fonseca. Eu estou a pensar fazer qualquer dia, aqui, uma distribuição da legislação portuguesa que existe sobre o assunto porque não se trata de 15 biliões, mas de 15 mil milhões, o que é uma diferença bastante grande.
De qualquer modo, passando por cima disso, dir-lhe-ia que não são 15 mil milhões o que está acordado na carta de intenções, que já foi revista e não sei se esse limite foi revisto e o Sr. Deputado eventualmente não saberá, pelo menos, oficialmente não o sabe.
Não está previsto que a dívida externa tenha um limite de 15 mil milhões; trata-se da dívida externa com um limite de 15 mil milhões excluídas as responsabilidades do Banco de Portugal e excluídas as responsabilidades de curto prazo das outras instituições monetárias. Por conseguinte, eu não sei, mesmo à face da carta de intenções do Fundo Monetário Internacional, quais são os limites para a dívida externa no nosso país. Isto porque o Governo não quis informar esta Assembleia, nem durante a discussão do Orçamento nem durante a discussão das grandes opções do Plano, como também a maioria parlamentar não quis atender às nossas propostas, em termos da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, para obrigar o Governo a prestar essas informações e para permitir que a Assembleia fizesse na realidade uma fiscalização efectiva da acção do Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Fonseca.
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - O Sr. Deputado Octávio Teixeira continua a responder de uma maneira que eu não quero novamente chamar demagógica, mas que roça a demagogia. Vem de novo com o problema de o PSD ter estado muito tempo no Governo. Sr. Deputado, é contra isso que eu quero protestar em nome da minha bancada.
Há medidas -e o Sr. Deputado sabe-o perfeitamente, e muito melhor do que eu - que tomadas numa noite exercem influência muito mais nefasta do que 10, 15 ou 20 anos de política séria, de reordenamento, de trabalho profícuo.
O Orador: - E V. Ex.ª sabe que isso aconteceu entre nós.
Eu referi a distribuição demagógica que se fez, os altos consumos que o povo português teve além das suas possibilidades durante muitos anos e, no entanto, apesar de V. Ex.ª saber que é assim, continua a exigir que se continue a praticar essa política levando o País para o charco, para que do nada VV. Ex.ªs, com outros intuitos, possam reconstruir aquilo que o povo português não quer.
É contra isso que eu quero forçosamente protestar em nome da minha bancada e com toda a veemência que a autoridade democrática desta Câmara me dá.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Deputado Portugal da Fonseca vem mais uma vez com sofismas, os sofismas das causas da situação, das causas da crise. Já estamos fartos - perdoe-me a expressão - de demonstrar que são meros sofismas e nada mais do que isso.
As responsabilidades são outras completamente diferentes, temos dito e repetido imensas vezes que tais responsabilidades são fruto da política que tem sido prosseguida pelos últimos governos nos últimos anos, designadamente sempre que o PSD esteve no Governo: Essas sim são as responsabilidades reais e concretas da situação que temos, e é ainda essa política que vai agravando essa situação; não está a melhorá-la, mas a agravá-la dia-a-dia. Este é um facto real incontestável.
Assim não venha com esses sofismas nem recordar aquilo que se fez ou se faz numa noite. Todos nós sabemos onde o Sr. Deputado quer chegar, embora já comece a ter algum pudor em o referir. De qualquer modo eu pergunto-lhe se isso não faz recordar nada? Isto é, quando refere isso, não sente uma campainha qualquer cá dentro, não se recorda por exemplo que Salazar, mesmo ao fim de 50 anos de Governo, dizia que a situação da pobreza e de atraso do País continuava a ser da responsabilidade dos desmandos da 1.ª República. Mesmo ao fim de 50 anos continuava a dizer isto e o PSD, se se mantivesse mais uma série de anos no Governo, no fim desse tempo continuaria a dizer que houve uma noite em que destruíram tudo e nós durante tantos e tantos anos, embora sejamos bons, competentes, com força, com maioria, etc., não conseguimos alterar nada.
Aplausos do PCP.
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Peço a palavra para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, penso que não foi intencionalmente que fez a ligação entre Salazar, a minha bancada e a minha pessoa. Penso que não foi, e já uma vez disse aqui nesta Câmara que não recebo nenhumas lições da bancada de V. Ex.ª nesse sentido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - A campainha só!
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O Orador: - A campainha reflecte as agruras sentidas no corpo e no espírito de tudo aquilo que se passou ao longo de muitos anos. E é com essa autoridade que digo que as medidas, sejam elas de um lado ou de outro, quando roçam os extremos levam sempre às consequências que levou o regime que V. Ex.ª referiu, e que eu me inibo de referir.
Peço que nos lembremos o que foi 1975, para quem trabalhava nas empresas, no campo real da produção ...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E os salários em atraso!?
O Orador: - ... que nos lembremos daqueles que queriam trabalhar e não tinham condições nenhumas para tal. Eu estava lá, Sr. Deputado, vivi e senti no corpo tal situação, e é contra isso que eu protesto veementemente, para que V. Ex." medite um pouco e veja a quem se refere com determinadas palavras.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, tem a palavra para dar algumas explicações.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Deputado Portugal da Fonseca, a referência que diz, fi-la apenas querendo dizer aquilo que disse e no momento era só isso que queria dizer e foi só isso que disse, e não vale a pena tentar fazer especulações acerca daquilo que referi.
O problema é este: o da identidade -e era no momento o que estava a referir- de desculpas que Salazar utilizou durante 50 anos e a identidade de desculpas que os senhores que pertencem ao partido com mais responsabilidades nos governos dos últimos 10 anos vêm mantendo ao longo desses anos. Ê essa pura e simplesmente a questão.
Sobre as restantes referências que o Sr. Deputado fez, não diga a sério o que disse porque lhe uca mal. Se alguma vez os trabalhadores portugueses tiveram uma melhoria nas suas condições de vida, em todos os aspectos e não apenas no aspecto material, foi precisamente em 1975 e não agora. Não é agora, que têm salários em atraso, que existem mais de 500000 desempregados, que se verifica o decréscimo constante do salário real 12 % num trimestre não é demasiado, Sr. Deputado? Não é agora que eles vivam bem, pelo contrário estão agora a viver mal e cada vez pior.
Por conseguinte, Sr. Deputado, não venha fazer, em termos das condições de vida dos portugueses e dos trabalhadores, comparações entre 1975 e qualquer ano posterior, muito menos com o ano de 1984, porque eles sabem e sentem na carne quando viveram bem, quando viveram melhor e que agora estão a viver cada vez pior.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Salgueiro pediu a palavra para que efeito?
O Sr. João Salgueiro (PSD): - Para um esclarecimento ao Sr. Deputado Luis Beiroco, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Pode fazê-lo através de uma intervenção, Sr. Deputado.
O Sr. João Salgueiro (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. A minha intervenção dirige-se ao Sr. Deputado Luís Beiroco e, como ele não se encontra presente, pedia aos Srs. Deputados da bancada do CDS a amabilidade de lhe transmitirem este esclarecimento.
Tive a oportunidade de, em fins de Maio, convidar o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Secretário de Estado do Orçamento para uma sessão da Comissão de Economia, Finanças e Plano sobre o andamento da política financeira e da execução do Orçamento. O Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado entenderam que seria melhor realizar essa sessão em princípios de Julho, uma vez que nesse altura existiriam mais elementos sobre a execução orçamental que na altura não estavam ainda disponíveis. Tenho a esperança que a bancada do CDS possa participar com tanto empenho e proveito no acompanhamento do Orçamento, como participou aquando da discussão e aprovação do mesmo Orçamento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Até não tencionava intervir neste debate, mas como se mudou de campo, quero dizer qualquer coisa, para que fiquem claras as nossas posições.
Em primeiro lugar, pode ficar a ideia de que a votação deste empréstimo, num sentido ou noutro, significará o avalizar ou o condenar a política económica e financeira governamental, dada a forma como se tem processado recentemente o debate. Não é esse o caso. Da nossa parte não significa a avaliazação da forma como está a ser gerida a dívida externa e o votar este empréstimo não significa que estejamos de acordo com a política económica e financeira que o Governo tem seguido.
O problema é efectivamente diferente. O montante deste empréstimo, o enquadramento em que se insere, as condições obtidas quanto a prazo e taxas de juro e as finalidades que são apresentadas levam-nos a certa maneira a considerar este empréstimo autonomamente. Ou seja, partilhando embora algumas das críticas que foram feitas quanto à forma como tem sido gerida a dívida externa, não pensamos que tenham sido até agora formuladas com clareza críticas que permitam dizer que este empréstimo é dispensável ou que é efectivamente nocivo. Isto quanto ao assunto que estava em discussão na ordem do dia.
Quanto às questões envolventes, é evidente que não somos daqueles que pensamos que foi o facto de ter havido, numa série de sectores, subidas elevadas dos salários reais, em 1974 e 1975, que lançou o País na crise em que está; pensamos sim que seria melhor que tivessem havido políticas seguidas e continuadas durante os anos anteriores.
No entanto, elas foram interrompidas por decisão do Sr. Presidente da República Ramalho Eanes quando o Dr. Mário Soares liderava o II Governo Constitucional; voltaram a ser interrompidas novamente por decisão do Sr. Presidente da República Ramalho Eanes quando em 1979 convocou, em meu entender indevidamente, eleições, a pedido do Dr. Sá Carneiro e, quando se esperava uma certa coerência de governos, fomos surpreendidos por vários governos da Aliança
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Democrática - que, se noutros domínios tiveram coerência, no domínio da política económica e financeira não tiveram, sem me pronunciar por qual dos ministros terá tido a política mais adequada - e por variações sucessivas de política, que o próprio Ministro Ernâni Lopes, com a delicadeza que a posição neste governo de coligação o obriga a ter, caracterizou por inflexões sucessivas de política.
Se não tem havido de facto uma política coerente, seja ela qual for, desde há anos para cá, isso deve-se nos primeiros anos, como sabemos, a uma situação revolucionária, perfeitamente compreensível e justificável depois de 50 anos de opressão, e deve-se ao facto de o PSD, quando esteve no Governo- e não estou a responsabilizar ninguém, poderei estar a responsabilizar o facto de as políticas adoptadas pelo PSD no Governo serem sucessivamente diferenciadas -, não ter tido efectivamente qualquer capacidade de imprimir uma política coerente.
Neste momento, assiste-se a uma política coerente, que não é a nossa, com a qual não estamos de acordo e que nem sequer seria provavelmente a política do PS se estivesse sozinho no Governo. Não sei ainda se seria a política do PSD se estivesse sozinho no Governo, mas ela dependeria provavelmente de qual fosse o ministro do PSD, porque também, em termos de instabilidade, se é certo que há actuações instáveis por parte de partidos políticos considerados enquanto tal e que visam a instabilização do Governo, da parte do PSD a situação é mais confusa. Por exemplo, um factor de instabilidade psicológica é a cada momento o Sr. Vice-Primeiro-Ministro dizer que é contra os juros à cabeça, dizer semanas depois que afinal é a favor dos juros à cabeça, interrogar-se dias depois se uma parte dos juros não pode ser à cabeça e outra parte ser nos pés ou no ventre.
Efectivamente é uma confusão bastante grande. As actuações no plano económico do Sr. Vice-Primeiro-Ministro são um facto de instabilidade social, retiram credibilidade a este governo e não criam qualquer clima de confiança aos investidores nacionais e estrangeiros e muito menos às classes trabalhadoras.
Diferente é de facto, por discordâncias que tenhamos, a actuação do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, porque, quanto ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento, estamos conversados, ele está ausente mas quando está presente temos dito o que pensamos da sua actuação.
Factores de instabilidade tem havido muitos. Não queria entrar hoje por esta conversa e muito menos num debate que será efectivamente desagradável, mas queria chamar a atenção para a responsabilidade que as altas figuras do Estado devem ter e que alguns governantes não têm quando nos dão conta das suas perplexidades em público -e não é na Assembleia da República, mas em jantares aqui ou além, em sessões partidárias, em deslocações ao estrangeiro.
Há aqui coisas demasiado sérias e, antes de o sector empresarial do Estado ser atacado ou criticado e de serem tomadas posições primárias face às empresas públicas - nós sabemos que há muita gente em Portugal que conhece o sector público e Lisboa até foi escolhida para estar a ser, neste momento, a sede do X Congresso do Centro Europeu da Empresa Pública -, é conveniente que altas figuras do Estado não tomem posições irresponsáveis. Abre-se um dia o jornal e vê-se um Sr. Membro do Governo dizer que o turismo é o principal inimigo da qualidade de vida; dias depois pode ver-se, na sequência de políticas seguidas, um outro membro do Governo dizer, e bem, que precisamos do turismo para efeitos de reequilíbrio da balança de pagamentos.
Isto não contribui para o tal clima de confiança em nenhuma classe social nem em termos de investidores nacionais e estrangeiros. Chamo a atenção para isto, que tem a ver com a instabilidade efectivamente vivida neste momento.
Para além das divergências que temos em relação a esta política, não é possível uma política ser minimamente credível quando isto acontece, para não falar, nestes domínios, nas coisas graves que aqui há dias foram afirmadas, em termos de segurança nacional, e nos boatos que foram espalhados quanto à eventual detenção de oficiais das Forças Armadas, que merecem todo o nosso respeito. É tempo de parar com esta irresponsabilidade.
Mas não vamos misturar isto neste momento - aliás, fiz estas referências dado o diálogo que houve entre o Sr. Deputado Octávio Teixeira e o Sr. Deputado Portugal da Fonseca - com a análise pontual deste empréstimo. Admitimos que este empréstimo devia vir enquadrado por uma melhor informação sobre a gestão da dívida externa. E aqui quero estranhar que os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Luís Beiroco tenham falado disto, porque eles têm representantes na Comissão de Economia, Finanças e Plano e o Sr. Deputado Octávio Teixeira ate é membro da Mesa da Comissão. Sobre o que Sr. Deputado João Salgueiro aqui informou, a Comissão também está informada. A Comissão tem representantes de todos os partidos e, portanto, estranhei este diálogo aqui no Plenário da Assembleia, apesar de a Comissão ultimamente não ter efectuado reuniões com o ritmo habitual, isto foi efectivamente tratado em reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Portanto, estranho um pouco que um problema destes seja levantado aqui.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Para terminar, não vamos continuar a debater hoje a quem e que incumbe as razões essenciais do atraso português. Para mim, para além de factores que referi e das razões por que em 1974 estávamos já na cauda da Europa e nos mantemos nela, apesar de Fontainebleau - podemos entrar para a CEE, mas na cauda da CEE -, incumbe essencialmente às políticas seguidas durante os anos de 1950 e 1960. Isto para sermos claros.
É evidente que a partir daí há uma série de erros, mas esses erros consistem em manter-se Portugal na cauda da Europa. E, nesse sentido, temos críticas a fazer à política deste governo, como temos a fazer à de governos anteriores porque é de facto, nesses anos que o atraso da estrutura produtiva portuguesa se mantém e se consolida.
Obviamente que políticas coerentes seguidas nos 10 anos posteriores ao 25 de Abril podiam ter tirado o país desta situação, mas também não quero hoje, ir mais longe na repartição das culpas ou na forma como nós vemos a repartição dessas culpas.
Pontualmente sobre este empréstimo, na situação em que está o debate, não vemos grandes objecções a colocar-lhe.
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Não nos parece que podemos criticar o facto de o Governo não apresentar a esta Assembleia dados mais concretos sobre o referido empréstimo, pois ouvi que o Ministério das Finanças e do Plano, irá apresentá-los.
Podemos, portanto, aprovar a proposta e depois, caso o Governo não cumpra, poderemos criticá-lo. Mas não vamos é votar contra a proposta, dizendo que noutros casos o Governo não tem apresentado quaisquer dados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Queria-lhe colocar uma questão a propósito da última afirmação que o Sr. Deputado fez, independentemente da posição de voto que cada partido ou agrupamento parlamentar venha a tomar.
É que o Sr. Deputado referiu-se concretamente à matéria do artigo 4º, acerca da informação trimestral do Governo, que pode ou não ser fornecida a esta Assembleia, sobre os empréstimos em geral e sobre este em particular, conforme forem sendo contratados e disse que depois se discutirá se o Governo cumpriu ou não.
Admito que se dê o benefício da dúvida. Se umas vezes se cumprir -e outras vezes não se cumprir - admito que se possa dar esse benefício, embora nas vezes em que não for cumprido isso possa vir a ser objecto de crítica.
Mas o nosso problema é o seguinte: em todos os decretos, em todas as leis em que existe uma posição nestes termos, em qual deles é que a resposta foi dada a esta Assembleia? E se, como penso, não foi dada nunca, como é que nós poderemos dar o benefício da dúvida ao Governo, neste caso específico e concreto, isto já para não falar no resto das questões.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira, caso pretenda responder.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS):- O Sr. Deputado Octávio Teixeira fez-me lembrar aquela história, que certamente conhece, do quaker americano que passava pela esquina de uma rua e cumprimentava sempre um vendedor ambulante que aí estava e que nunca lhe respondia. Um dia, um amigo pergunta-lhe: «Porque é que cumprimentas sempre o homem?», ao que ele responde: «Pode ser que um dia ele passe a ser educado.» Ora, o problema em relação a isto é o seguinte: eu penso que a proposta deve ser efectivamente aprovada. Agora, se pensamos que o Governo não cumpre -e é verdade que não tem cumprido em relação a outros textos aprovados por esta Câmara- então devemos accionar os mecanismos que o obriguem a cumprir, excepto meter o Governo na cadeia o que é efectivamente desagradável além de que não temos poderes para o fazer. Devemos empregar todos os mecanismos legais e constitucionais, mas não podemos, em meu entender, é tirar daí argumentos para não aprovar este tipo de mecanismo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou-me apenas referir e tentar cingir à proposta de lei n.º 68/III que está em análise.
E, se me é permitido, gostaria de tecer uma consideração genérica sobre o que tem sido a política não apenas deste Governo, mas dos diversos governos em relação a empréstimos externos desta natureza.
Em linhas gerais podemos dizer que empréstimos que têm como escopo fundamental o investimento, a criação de riqueza e se são bem contratados em termos externos, são em princípio empréstimos úteis em termos nacionais.
No entanto, o que a experiência nos tem demonstrado é que nem sempre isto, que parece claro, é verdadeiro. Tem acontecido frequentemente que empréstimos externos, que são bem contratados nos mercados externos, depois, em termos internos, têm as maiores dificuldades de utilização e acabam por ser altamente prejudiciais ao próprio país. E isto por 2 ordens de razões.
Primeiro, porque há linhas de crédito financiadas externamente que não são utilizadas - e o Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção, deu um exemplo e poderia ter dado vários outros eventualmente até mais chocantes do que aquele que deu. E não são utilizados porque os empréstimos foram contratados tendo em vista condições favoráveis especiais da taxa de financiamento sem se cuidar das operações de remutuação a que esses empréstimos são adjudicados e depois passa-se o tempo sem que haja pedidos de financiamento, pagam-se as comissões de imobilização, vão-se pagando encargos e acaba por ser uma frustração e um peso excessivo na dívida externa nacional.
O segundo aspecto - que é talvez o mais importante- é que, para esta Assembleia e para os deputados poderem decidir em consciência sobre se devem ou não dar esta autorização legislativa, mais importante do que o Governo vir dizer quais são as condições de financiamento externo, é saber e conhecermos cada um de nós quais são as condições que vão presidir à remutuação e quais as taxas de juro a que este dinheiro vai ser emprestado.
Temos bem o exemplo das PME, em que linhas de crédito externas são emprestadas internamente à taxa de juro normal, o que significa que não há propriamente um empréstimo externo para investimento; o que há é canalizar para crédito poupanças externas em vez do recurso à banca nacionalizada e aí as dúvidas são bastante grandes, mas talvez não seja este o momento oportuno de as colocar.
De qualquer forma, já não se tem em conta uma linha de crédito ou empréstimos adjudicados a um fim específico, mas apenas uma transferência de recursos e assim conseguir margens de liquidez da banca eventualmente maiores, no caso dela necessitar, o que suponho não ser o caso na actual situação, embora o Sr. Secretário de Estado o possa dizer melhor do que ninguém.
Portanto, o importante seria - tão importante como estar aqui o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e o Sr. Secretário de Estado da indústria- estarem também aqui outros membros do Governo que nos pudessem dizer como contam utilizar estes fundos mutuados, que taxa de juro vai ser praticada, que prazo de carência vai existir, a que prazo estes empréstimos
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vão ser feitos, que programas e projectos concretos existem desde já para .que este dinheiro não fique parado e tenha a utilização nacional que merece.
É esta a questão que este em causa sem ela estar resolvida penso que não há condições, neste momento, de saber se esta é uma boa operação para a economia nacional ou não.
Quero também dizer que faço esta intervenção, não em relação a este Governo, pois podia fazer esta intervenção em relação a governos em que participei. Não é uma intervenção específica para este Governo, é realmente o fruto de uma certa experiência.
Penso que é altura de verificarmos todas as linhas de crédito existentes, ver bem quais são àquelas que são utilizadas e aquelas que o não foram, o porquê de o não terem sido e depois, de uma forma global integrada, renegociar linhas de crédito, começar pelo princípio, e não continuar neste caminho altamente nocivo. E o momento, em meu entender, não pode ser mais adequado: estamos a aproximarmo-nos da Comunidade Económica Europeia, temos de estar preparados com projectos para podermos utilizar os fundos comunitários, toda a mecânica de acesso aos fundos de financiamento externo é diferente daquele que tem vindo a ser seguido e consequentemente, Srs. Secretários de Estado, suponho que era realmente altura de não continuar desta forma desgarrada, arrepiar caminho, reanalisar todas as linhas de crédito, apresentar e reformular tudo aquilo que existe e que não foi utilizado e, a partir daí, pelo menos, com a consciência de que vai haver iniciativas -que já existem - que vão ser imediatamente aplicadas, então sim o País endividar-se, porque esse é um endividamento útil porque não se destina ao consumo, é endividamento para o investimento.
Mas, sem que esse trabalho prévio seja feito, continuamos a autorizar empréstimos destes, sem saber como vão ser aplicados, em que condições, que projectos visam satisfazer, o que, penso, é mau para todos e é um procedimento que vai acabar por custar muito caro.
Há facilidades que se pagam, ou seja, contratar empréstimos externos a uma baixa taxa de juro pode ser altamente motivante e até útil para os mutuantes, porque nós sabemos como o Banco Mundial e outras entidades desejam e andam por esse mundo fora a tentar emprestar dinheiro, uma vez que há uma recessão no investimento e pode ser útil esse dinheiro fácil. Mas se ele não é utilizado, em vez de ser um elemento de dinamização da nosso economia e de contribuição para a nossa independência nacional, pode ser um elemento altamente prejudicial.
Por isso, neste momento, o meu grupo parlamentar não se sente autorizado a ter uma opinião clara sem que o Governo, pela boca do Sr. Secretário de Estado ou por quem entender, nos esclareça a que taxa de juro, em que prazo, em que projectos concretos, em suma, como é que isto vai ser utilizado e, enfim, o que pensam sobre toda a política de empréstimos externos que até agora tem vindo a ser seguida.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Deputado Basílio Horta, acho que seria interessante que o Governo, entre outras informações que deveria prestar a esta Câmara sobre a problemática da dívida externa - que é, de facto, grave - nos pudesse dizer, em qualquer momento e, se possível, hoje mesmo, pode acontecer que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro tenha essa informação -, por exemplo, quanto é que se tem gasto nos últimos anos com comissões de imobilização. É que seria interessantíssimo saber os valores que isso atinge e o sofisma -como, aliás, o Sr. Deputado referiu - das baixas taxas de juros, das óptimas condições de prazos, etc., que enquadra toda esta problemática.
Mas gostaria de lhe colocar uma questão muito concreta relativamente à segunda parte da sua intervenção.
O Sr. Deputado referiu-se ao problema das condições em que são depois mutuados os recursos - transformados em escudos, logicamente- para os diversos sectores, empresas, etc. A questão concreta que lhe ponho acerca disto é a seguinte: será que posso depreender das suas palavras que, eventualmente em Outubro -mais coisa menos coisa-, poderemos ter a possibilidade de fazer uma revisão da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado? Será que posso depreender das suas afirmações que nessa altura e, contrariamente ao que sucedeu o ano passado, o CDS vai estar com a nossa proposta de obrigar que esses empréstimos - operações activas do Governo - sejam também aprovadas pela Assembleia da República?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, se pretender responder ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, tem a palavra.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, em relação à primeira parte do seu pedido de esclarecimento digo-lhe que não foi propriamente um pedido de esclarecimento mas quase o corroborar daquilo que eu disse.
Se me é permitido, gostava de dar um exemplo muito claro daquilo que acabei de formular. Na altura não o dei, mas agora apetece-me dá-lo, até porque o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, com a competência que o caracteriza certamente está atento a este tipo de problemática.
O exemplo é o de uma linha de crédito especial .- o projecto de crédito agrícola para o Alentejo - que é o caso típico de uma situação completamente frustrante.
Conhecemos as carências agrícolas do Alentejo, sabemos da necessidade de investir em tecnologia, em formação, em investigação, em novas sementes e em novas formas de produção. Pois esta linha de crédito esteve anos a fio sem ser utilizada.
Suponho que durante muitos anos não foi feita uma única operação, o que até se compreendia, porque a taxa de juro para esse tipo de investimento era exactamente igual à taxa de juro corrente. Isto aconteceu porque não houve nenhum esforço nem nenhuma concatenação da política sectorial com a política de crédito, por forma a que essas linhas correspondessem a políticas sectoriais subjacentes, bastante bem definidas, prontas e aptas a serem executadas num curto espaço de tempo. Este é, realmente, o problema.
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O caso que apontei é um caso concreto mas podemos apresentar muitos outros, como o problema da Cova da Beira, onde podemos ver barragens construídas que estão paradas, sem qualquer utilização, em que a água não é utilizada nem para rega nem sequer para saneamento básico.
Enfim, é toda esta forma de gerir mal os interesses nacionais que está em causa e é sobre isso que o CDS apela ao Governo, no sentido de que haja uma mudança profunda nesta atitude e para que este empréstimo já obedeça a esse novo requisito.
Quanto ao problema concreto colocado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, e de acordo com o novo preceito constitucional, suponho que para esta Assembleia poder decidir em concreto, é útil essa análise e esse conhecimento das operações activas. Penso que isso é útil e suponho que, em Outubro, aquando da discussão dessa matéria, o CDS estará cá, ponderará e, a seu tempo, assumirá a posição que lhe compete e que em sua opinião pensa que será a mais adequada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos votar a proposta de lei n.º 68/III, cuja discussão acabou de terminar.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e as abstenções do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha declaração de voto pretende apenas pontificar 2 ou 3 questões essenciais.
A primeira delas é a de que o silêncio do meu grupo parlamentar neste debate não quer, de modo nenhum, dizer que concordamos com tudo quanto aqui se disse, nomeadamente, não fará sentido que para se discutir a autorização para um empréstimo externo cujas vantagens mas também cujos inconvenientes já todos conhecemos, porque já foram aqui sucessivamente referidos,- se volte a fazer aqui, e mais uma vez, uma longa discussão que quase nos pareceria ou uma discussão de um Plano ou de um Orçamento anual, ou de um documento anual do Governo ou mesmo de um Programa do Governo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP):- Não seja demagógico!
O Orador: - Sinceramente, Srs. Deputados, isto é exagero!
Mas o Grupo Parlamentar do PS está de acordo com algumas das coisas que aqui foram referidas. E é preciso que, de facto, se reconheça que o Governo não tem cumprido - como já tive oportunidade de aqui referir, noutra circunstância e noutra altura- os prazos que por si mesmo assume para informar esta Câmara.
Mas também é verdade que nenhum dos grupos parlamentares solicitou, nos termos em que o poderia ter feito -para além do que foi referido na intervenção do Sr. Deputado João Salgueiro -, a informação que acabam de dizer estar em falta.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Isso não é verdade!
O Orador: - Refiro, em especial, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista só teria razão para concluir que a constituição da Comissão de Economia, Finanças e Plano tem a constituição proporcional representada no Plenário se, na realidade, alguma vez tivesse apresentado à Comissão este pedido e se o pedido, por votação, não tivesse tido aprovação.
Só assim é que era legítima a invocação feita.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por último, e para esclarecer de vez a posição do Partido Socialista, direi o seguinte: é óbvio que concordamos com os empréstimos, é óbvio que desejamos que os empréstimos tenham o bom destino que devem ter e, sobretudo, é óbvio que carece de informação sobre o destino dos empréstimos e da gestão da dívida pública.
Mas também é óbvio que não era este -hoje e aqui- o momento adequado para se documentar sobre esta matéria.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo-vos de que o Sr. Presidente da Assembleia da República, determinou que a próxima segunda feira será dia para trabalho de comissões.
Por isso, os Srs. Deputados presidentes dessas comissões devem providenciar para que sejam marcados os respectivos trabalhos.
Para uma declaração de voto, tem agora a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As razões do nosso voto contra foram explicitadas durante a minha intervenção.
No entanto, gostaríamos de deixar aqui mais uma vez claro que não podemos estar a alimentar as repetidas ilegalidades que o Governo comete para com esta Assembleia. Quando se aprova um princípio que, a priori, todos os Srs. Deputados sabem que não vai ser cumprido, estamos a alimentar a ilegalidade do Governo.
Gostaria ainda de, em termos de declaração de voto, referir que não são correctas as informações aqui trazidas por parte da bancada do Partido Socialista. Aliás, nos últimos dias, a bancada do Partido Socialista tem-nos habituado ao facto de só falar em termos de declaração de voto para que não haja possibilidade de pedidos de esclarecimento, etc. Pelos vistos, não quer diálogo; só quer declarações de voto e mais nada.
Não é verdade nem correcto que nenhum dos diversos partidos tenha pedido essas informações.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, através de requerimentos, fez muitas solicitações ao Governo, para que este preste as informações a que está legalmente obrigado. Repare-se que não seria necessário pedi-las, pois ele está legalmente obrigado a fazê-lo. Mesmo assim, o Partido Comunista tem apresentado requerimentos, diversos e muitos. Posso referir que nesta área - e porque o Sr. Secretário de Estado
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está presente não tenho qualquer pejo em o referir -, relacionada com a parte do Tesouro, até este momento, e já lá vai um ano de vigência deste Governo, não tive, pessoalmente, uma única resposta a qualquer um dos meus requerimentos à Secretaria de Estado, incluindo os pedidos que se reportam a matérias sobre as quais o Governo se encontra legalmente obrigado a informar esta Assembleia. Ora, isto não é admissível.
Terminaria a minha declaração de voto, referindo que o Partido Comunista Português começa também já a ter dúvidas sobre se deve apresentar pedidos nas comissões, na medida em que, de facto, é uma realidade que nas comissões existe uma maioria relativa idêntica à do Plenário.
E por vir a talhe de foice, para se ver a não consistência de algumas «acusações» que nos foram feitas na declaração de voto do Partido Socialista, podemos recordar, por exemplo, que a Comissão de Economia Finanças e Plano deliberou, há uns tempos atrás, pedir uma reunião conjunta com o Sr. Ministro das Finanças e com o Sr. Secretário de Estado do Orçamento e, se não me falha a memória, também com o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, para analisarmos o problema dos benefícios a conceder aos comerciantes e aos industriais sujeitos aos rigores da cheia do final do ano.
Foi este o consenso formado na Comissão, foram feitas as cartas a pedir essa reunião e, para o nosso espanto, passados alguns dias, o Governo que não apareceu na comissão, publicou legislação com base em propostas concretas que, para essa reunião, a comissão havia apresentado.
De facto, não é assim que as comissões cumprem o seu papel.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - O Grupo Parlamentar do CDS absteve-se nesta votação, o que significa, apenas, que não tínhamos os elementos necessários para apreciar, em toda a sua dimensão, o empréstimo que o Governo solicita. E não se' diga que não era este o momento para o fazer: era precisamente este o momento para o fazer, sob pena desta autorização ser um simples pró-forma e, então, mais valia que a Constituição fosse mudada e esta autorização não tivesse que vir aqui ser apreciada, pois o nosso voto é o nosso compromisso e a nossa co-responsabilização. Não entendo como é que nós nos podemos co-responsabilizar numa matéria que não sabemos, sequer, como vai ser aplicada nos mais Ínfimos pormenores: nem taxa de juro, nem entidades mutuárias, nem prazo de reembolso, nem projectos. Que responsabilização é esta?
Por isto o CDS não tinha outra posição senão abster-se.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao ponto n.º 2 da ordem dos trabalhos, isto é, a discussão da proposta de lei n.º 67/III.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, falta a votação na especialidade.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão. Sr. Deputado, pelo que agradeço a sua colaboração.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Agora a maioria tem que nos agradecer, pois tínhamos que cá voltar na terça-feira e votar isto!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então passar à discussão, na especialidade, da proposta cuja votação, na generalidade, acabou de ser realizada e que respeita à proposta de lei n.º 68/III.
Vai ser lido o artigo 1.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 1.º
Fica o Governo autorizado, através do Ministro das Finanças e do Plano, com a faculdade de delegar, a celebrar um acordo de cooperação financeira com a República Federal da Alemanha (RFA), envolvendo empréstimos do Kreditanstalt fur Wiederaufbau no montante de 80 milhões de marcos alemães, destinados ao financiamento de projectos de conservação de energia, de apoio a pequenas e médias empresas, de fomento agro-pecuário e de financiamento de infra-estruturas agrícolas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e as abstenções do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 2.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 2.º
1 - Os empréstimos concedidos ao abrigo da cooperação financeira com a RFA vencerão juros à taxa anual de 4,5 % e serão amortizados no prazo de 15 anos, iniciando-se a amortização 5 anos após a entrada em vigor dos respectivos contratos de empréstimos.
2 - Os empréstimos poderão ser contraídos pelo Estado ou pelas entidades a quem for incumbida a execução dos projectos, competindo ao Ministro das Finanças e do Plano, neste último caso, designar os mutuários.
3 - Com vista a pôr à disposição das entidades executoras dos projectos os fundos dos empréstimos contraídos pelo Estado, ao abrigo do acordo de cooperação financeira, fica o Governo autorizado através do Ministro das Finanças e do Plano, com a faculdade de delegar, a celebrar os respectivos contratos de empréstimo na ordem interna com aquelas entidades.
4 - Compete ao Ministro das Finanças e do Plano aprovar as condições dos empréstimos referidos neste artigo.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e as abstenções do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 3.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 3.º
l - O Governo fica ainda autorizado, ao abrigo da alínea/) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, a isentar o Kreditanstalt far Wiederaufbau, de Francoforte do Meno, de todos os impostos e demais encargos a que possa estar sujeito em Portugal por ocasião ou durante a execução dos contratos.
3 - A autorização referida no número anterior deverá ser utilizada até 31 de Dezembro de 1984, sem prejuízo da sua eventual prorrogação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e as abstenções do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 4.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 4.º
Trimestralmente, o Governo comunicará à Assembleia da República as condições dos financiamentos que venham a ser contratados ao abrigo da autorização conferida pela presente lei.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão. Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do CDS, da UEDS e da ASDI, e a abstenção do MDP/CDE.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É para uma declaração de voto Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, votámos a favor o artigo 4.º, não porque tenhamos esperança que o Governo um dia venha a ser bem
educado com a Assembleia, na terminologia do Sr. Deputado Hasse Ferreira, mas porque julgamos que vale a pena continuar a pôr no lado do débito da conta do Governo mais outra ilegalidade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - É para uma declaração de voto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -A terminologia de boa educação não era minha, Sr. Deputado, pois era incapaz de dizer isso face a este tão ilustre Governo: era do tal americano. Na nossa terminologia, votámos a favor porque achamos que esta deve ser a norma que deve ser cumprida. Caso o Governo não a cumpra, procuraremos accionar os mecanismos que o possam obrigar ou levar a cumprir este tipo de normas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 68/III.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e as abstenções do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então entrar no ponto n.º 2 da ordem de trabalhos que consiste na discussão e votação da proposta de lei n.º 67/III.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se VV. Ex.ªs me permitissem, antes de fazer a apresentação da proposta de lei, gostaria de referir que gerir a dívida pública compreende, nomeadamente, 3 grandes áreas: a definição de objectivos, a fixação de políticas e a negociação de instrumentos.
A programação da evolução da dívida externa, ou melhor, do défice suportável pelo País, está fixado e é conhecido da população portuguesa: 1,2 mil milhões de dólares para 1984.
As políticas, para se alcançarem as metas fixadas, estão consignadas na política monetária estabelecida pelo Governo e uma análise do êxito ou do inêxito das políticas deverá ser feita a posteriori, em função de se conseguirem ou não alcançar os objectivos previamente fixados.
O terceiro campo, que é o da negociação dos instrumentos para cobertura do défice abrange várias áreas, como a negociação de empréstimos para a República, de empréstimos do Banco Mundial, do Banco Europeu de Investimentos, do Fond de Reétablissement, do KFW, empréstimos de empresas públicas que
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se apresentam em condições de contrair esse tipo de endividamento, empréstimo a instituições bancárias e financeiras, empréstimos obrigacionistas e, em último caso, ainda há a possibilidade de venda das reservas de ouro.
O que está em contradição com os conhecimentos actuais da ciência económica e com a situação do País é defender-se, simultaneamente, uma melhoria das condições de vida do povo português, do desenvolvimento económico e uma redução do endividamento externo.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - A contradição só existe na sua cabeça!
O Orador: - Com a proposta de lei em análise pretende-se habilitar o Governo a contrair um empréstimo junto do Banco Mundial até ao montante de 84,7 milhões de dólares, admitindo-se contudo, face às últimas estimativas feitas, que esse montante não excederá os 73 milhões de dólares.
O empréstimo irá ter a seguinte aplicação: para a reestruturação do sector têxtil, 34,7 milhões de dólares; para formação profissional, 40 milhões de dólares; e para assistência técnica à agricultura, 10 milhões de dólares.
Relativamente à reestrutura do sector têxtil, no âmbito da reestruturação da indústria portuguesa, serão aplicados 34,7 milhões de dólares deste empréstimo, sendo o custo do projecto de cerca de 70 milhões de dólares, assim repartidos: investimentos para a reestrutura, 66 milhões; assistência técnica, 2,9 milhões; e formação 600 000.
O financiamento de 34,7 milhões de dólares terá a seguinte aplicação: para a linha de crédito, 33 milhões; assistência técnica, l milhão; formação, 600 000; não afecto, 100 000 dólares. O prazo deste empréstimo será de 15 anos, com um período de carência de 3 anos. Como é habitual nos empréstimos do Banco Mundial, a taxa de juro é variável e neste momento situa-se em 10,08 %. O período de utilização será até 30 de Setembro de 1989, com um primeiro saque de 3 760 000 dólares logo após a entrada em efectividade do contrato de empréstimo.
Os beneficiários deste apoio serão empresas do sector através do crédito bancário, de sociedades de investimento e do próprio Ministério da Indústria e da Energia.
Poderão beneficiar destes empréstimos empresas que apresentem projectos que sejam financeira e economicamente viáveis, com uma taxa de rentabilidade de 12 %. Os projectos de investimento têm que respeitar a actividade prioritária do sector, ou seja, a produção de malhas e confecções e não poderão envolver aumentos de capacidade das secções de fiação e tecelagem.
Por outro lado, metade da linha de crédito tem de ser reservada ao financiamento de projectos de investigação com um custo por posto de trabalho criado não superior a 10 000 dólares.
A maioria dos produtos a fabricar nos empreendimentos a financiar com esta linha de crédito, o preço à porta da fábrica deve ser, quando muito, igual ao preço de fronteira na CEE.
Os fundos próprios das empresas que queiram beneficiar deste empréstimo não poderão ser inferiores a 30 % do custo de investimento.
Os projectos de investimento a levar a cabo por novas empresas devem apresentar níveis de produtividade da mão-de-obra e do equipamento compatíveis com os que se verificam hoje na Comunidade Económica Europeia.
A segunda aplicação deste empréstimo destina-se, como já referi, à formação profissional, tendo como finalidade a modernização e aperfeiçoamento da mão-de-obra nos sectores de gestão do turismo, da indústria e da formação técnica.
O custo global deste projecto será de 80 milhões de dólares, sendo financiados cerca de metade pelo Banco Mundial. A aplicação deste empréstimo será a seguinte: para construção civil, 9,3 milhões; para mobiliário, 1,2 milhões; equipamento, 12,6 milhões; consultadoria, 2,9 milhões; e para não especificados, 4,5 milhões.
Serão beneficiados deste empréstimo o INA, o Instituto de Emprego e Formação Profissional e o Instituto de Formação Turística e Hoteleira.
As condições financeiras do empréstimo são idênticas às que referi para a reestruturação do sector têxtil.
Espera-se com este projecto ter a possibilidade de, durante cada ano, formar 2000 trabalhadores especializados do sector industrial; 1200 quadros e cientistas também no sector industrial; 2400 quadros da função pública; e cerca de 1400 trabalhadores especializados da indústria turística e hoteleira.
A terceira aplicação deste empréstimo destina-se à assistência técnica à agricultura e abrange áreas como a investigação agrícola, a extensão agrícola, a irrigação, o crédito agrícola, sementes e plantações.
O montante total deste projecto são cerca de 12 milhões de dólares, que serão escalonados desde 1985 a 1988, sendo cerca de 10 milhões de dólares financiados pelo Banco Mundial nas mesmas condições financeiras dos 2 empréstimos anteriormente referidos.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Carvalhas, Ilda Figueiredo, Hasse Ferreira, Basílio Horta e Rogério de Brito.
Portanto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Secretário de Estado do Tesouro, ouvi a explanação feita por V. Ex.ª sobre a ciência económica, colocando-nos uma interrogação no sentido de saber como é que nós queríamos aumentar ou melhorar o nível de vida da população portuguesa, se simultaneamente não queríamos que houvesse endividamento externo. V. Ex.ª chamou à colação neste Plenário a ciência económica. Boa ciência económica, Sr. Secretário de Estado do Tesouro!!!
Certamente que V. Ex.ª estará de acordo comigo em que nestes últimos 3 anos e meio a dívida externa quase triplicou. Porém, o nível de vida do povo português não aumentou. Ou será que cada vez que o Sr. Secretário de Estado vem aqui pedir empréstimos externos o nível de vida do povo aumenta ou melhora? Na realidade, V. Ex.ª ainda há-de vir aqui este ano, mais vezes, pedir empréstimos externos, porque esta é a política de desastre deste Governo. Será que V. Ex.ª poderá dizer a este Plenário que o nível de vida do povo português vai melhorar?
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A política económica não lhe ensina que os empréstimos terão que ser aplicados em investimentos produtivos e que o nível de vida da esmagadora maioria do povo tem que ver com a apropriação colectiva daquilo a que se chama mais-valia?
Ora, vir falar em ciências económicas, dizer que para gerir a dívida pública é necessário definir os objectivos, os instrumentos e as políticas é o mesmo que se dizer que para se pregar uma tábua é necessário a tábua, a madeira, o martelo e pregos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim a todos em conjunto?
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro: - Em relação a este pedido de esclarecimento prefiro responder já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Secretário, de Estado.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, a contradição que referi é a de não ser possível uma redução do endividamento externo com um aumento do consumo privado. Não apresentei como contradição o aumento da dívida pública com uma redução do consumo privado.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP):- Sr. Secretário de Estado, de uma forma bastante vaga e imprecisa, V. Ex.ª tentou justificar a utilização destes empréstimos. No entanto, gostaria de lhe colocar algumas questões exactamente porque essa explicação foi demasiado vaga e imprecisa.
Quer na exposição de motivos da proposta de lei, quer depois no seu próprio conteúdo, é referido que se pretende apoiar um projecto de reestruturação do sector têxtil. Desconheço até este momento qual é o projecto de reestruturação do sector têxtil deste Governo, embora várias vezes tenha ouvido referências a isso nos jornais. Mas a verdade é que aqui, na Assembleia da República, nunca foi dito nem apresentado por parte do Governo - por parte do Ministério da Indústria e Energia ou de quem quer que fosse- qualquer projecto de reestruturação do sector têxtil, quer nas grandes linhas, quer mesmo no pormenor.
E mais: aquilo que o Sr. Secretário de Estado anunciou um pouco mais em pormenor é preocupante. Será que só se vai financiar alguns grupos económicos que estejam interessados em enveredar pelo sector das malhas e confecções e que toda a fiação e tecelagem fica de parte? Será que a indústria laneira, situada em geral num sector de mono-indústria, vai ficar por apoiar?
Por outro lado, tendo em conta as condições que disse serem exigidas para as empresas poderem vir a beneficiar do empréstimo referido, constatamos que só um número muito restrito de empresas têxteis poderá ter acesso a este tipo de apoio e de investimento.
Em relação ao projecto de formação profissional, queria dizer que se trata, igualmente, de um sector que esta Assembleia conhece muito pouco. Sobre esta formação existe, apenas, aquilo que foi dito pelo Secretário de Estado da Formação Profissional e Emprego na altura do debate do Orçamento do Estado. Nessa ocasião, foi referido que apenas estariam em construção dez centros e que iria haver durante este ano, um apoio das ajudas de pré-adesão da CEE no valor de 12 milhões de unidades de conta, para o avanço destes centros de formação profissional.
Por aquilo que foi dito pelo Sr. Secretário de Estado não ficou claro quem são as entidades que vão beneficiar destes 40 milhões de dólares e como vai ser feita essa formação profissional -se por parte do Secretário de Estado do Emprego, se por parte de entidades privadas. Era bom que esta situação também fosse esclarecia.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Secretário de Estado, o meu primeiro pedido era no sentido de saber se V. Ex.ª poderia fornecer o valor do montante dos empréstimos totais existentes neste momento junto do BIRD.
A segunda questão prende-se com problemas levantados ainda agora pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Todos sabemos que o sector têxtil, que é um sector essencial da economia nacional, tem sido objecto por várias vezes de projectos e planos de reestruturação. Penso que nenhum deles foi levado até ao fim e que não tem sido claro, até agora, se existem escolhas estratégicas essenciais por parte do Governo quanto a este sector. Se há, por exemplo, subsectores que se decidem apoiar, se há outros em que se decidiu desinvestir, etc.
Aquilo que me parece é que existem algumas acções correctoras, mas não há de facto uma política suficientemente firme, dizendo em que sentido se deve caminhar e que clarifique, perante os próprios industriais, o próprio organismo exportador e os sindicatos, qual é, efectivamente, o quadro de referência previsível para os próximos anos.
Isto é tanto mais difícil de compreender quando sabemos que as negociações, em relação ao sector têxtil, visando a adesão de Portugal à CEE, são efectivamente importantes. É que certos segmentos daquele sector, se levantam preocupações quanto a um eventual desemprego nalguns subsectores, ameaçam, por outro lado, empresas de países da comunidade noutros sectores.
Trata-se de uma área útil para o desenvolvimento futuro de economia portuguesa, em que uma estratégia aplicada atempadamente poderia ter um impacto importantíssimo em termos de emprego, exportação, etc.
O problema é, por conseguinte, este: em que tipo de estratégia de reestruturação do sector têxtil se insere este dinheiro? É que, se bem entendi, 33 dos 34,7 milhões de dólares seriam aplicados em ajudas. Ora que tipo de critérios serão utilizados na aplicação dessas ajudas?
O que neste momento nos faz falta, segundo penso, é um quadro claro de referência que ultrapasse as
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generalidades em que temos estado a viver em relação ao sector têxtil.
A outra questão que queria colocar prende-se com a formação profissional. Estranho um pouco que se recorra ao BIRD para apoiar a formação profissional visando a integração na CEE.
Por outro lado, o problema que queria focar relaciona-se com outro já aqui também levantado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo. Isto é, existe alguma articulação entre estes projectos de formação profissional e os projectos em que tem estado empenhado o Ministério do Trabalho - os quais em meu entender podem constituir um programa positivo -, no que respeita à construção dos centros de formação profissional? É que se o quadro também aqui não for claro podemos vir a cometer erros semelhantes aos da energia.
Nas análises económicas chama-se sempre a atenção para o facto de em Portugal se gastar, comparativamente, pouco dinheiro na formação profissional. Mas não é passando a gastar mais dinheiro que nos desenvolvemos, se ele não for aplicado. É uma situação idêntica à da energia. Passámos a gastar mais nesta, mas como não e melhor utilizada, isso não se traduz necessariamente em desenvolvimento.
Penso que neste caso de formação profissional se pode estar a entrar por essa via.
Para terminar, queria dizer que as condições deste empréstimo são significativamente diferentes em relação ao que votámos anteriormente. Aqui o prazo de carência é bastante menor e os juros são bastante mais elevados.
Gostaria até de solicitar ao Sr. Secretário de Estado uma estimativa do valor aproximado deste juro traduzido em escudos, tendo em conta a correcção cambial destes 10,08 % em dólares, que podem variar ao longo do tempo. Peço-lhe apenas uma estimativa, uma vez que sei que é impossível neste momento um cálculo exacto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais o Grupo Parlamentar do CDS congratula-se pela explicação pormenorizada e correcta que o Sr. Secretário de Estado do Tesouro fez desta operação.
Também nos congratulamos com a presença do Sr. Secretário de Estado da Indústria, o que significa que a parte de reestrutura do sector têxtil está suficientemente representada.
Lamentamos não ver os Srs. Secretários de Estado do Emprego e da Agricultura, porque, na linha do que foi a minha intervenção no outro pedido, era útil que alguns esclarecimentos também pudessem ser prestados nessas áreas.
Gostaria agora, Sr. Secretário de Estado, de lhe colocar algumas questões concretas.
Primeiro ponto: as 3 fatias em que este grande empréstimo se divide vão corresponder a linhas de crédito autónomas e vão ter esse regime ou, pelo contrário, vão entrar no bolo global, indo depois ser geridas de uma maneira indiscriminada?
Na especialidade, e no que toca à reestrutura do sector têxtil, partilho bastante, em alguns aspectos, da intervenção do Sr. Deputado Hasse Ferreira e,
designadamente, quanto ao facto de ser utilíssimo que pudéssemos aqui ter, ainda que de uma forma provisória, a taxa de juro para que se aponta em relação a este empréstimo.
Isto porque consideramos a reestrutura do sector têxtil excepcionalmente importante, sendo uma matéria da qual se tem vindo a falar há muito tempo. Queremos acreditar que desta vez vamos ter, de facto, essa reestrutura e vamos conhecê-la para nos podermos pronunciar sobre as opções que o Governo entendeu formular.
Estranhamos, no entanto, que sobre esta matéria, entre as diversas aplicações, não venha referência nenhuma em relação à mão-de-obra do próprio sector têxtil. Presumo que vai haver redução de mão-de-obra e necessidades de reconversão. Mas não ouvi nada no sentido de que alguma verba destas contemplasse esse efeito necessário da reestruturação do sector têxtil.
Um segundo aspecto, ainda neste domínio, tem a ver com aquilo que me parece ter ouvido o Sr. Secretário de Estado dizer, no sentido de que ficariam excluídos da beneficiação deste empréstimo o aumento de capacidade do têxtil e da tecelagem.
Compreende-se perfeitamente esta posição de princípio, mas só pergunto se este ponto também se aplica em relação às unidades completas, ou seja, unidades que foram levadas, por governos anteriores, a verticalizarem-se e que querem aumentar a sua produção na confecção e nas malhas.
Quanto ao problema do sector têxtil, em termos globais, não é este o momento de o analisar em detalhe.
Quanto à segunda tranche, congratulamo-nos com o facto do sector do turismo ter sido beneficiado em termos de mão-de-obra e pensamos que essa orientação e correctíssima Esse sector é fundamental e sabemos que o desenvolvimento turístico passa por uma preparação profissional que nós, infelizmente, ainda não temos, não obstante os esforços que se têm desenvolvido nesse sector.
No que toca ao sector agrícola, e este seria o aspecto mais interessante de detalhar, formularia uma pergunta muito concreta: que linhas de crédito estrangeiras e que empréstimos estrangeiros já cobriram, exactamente, os objectivos que o Sr. Secretário de Estado aqui nos trouxe - investigação, extensão e sementes, que no fim de contas é uma forma de investigação? Já houve, ou não, empréstimos externos que cobriram estas zonas? Em caso afirmativo gostaria de saber qual foi a sua utilização.
Finalmente, perguntaria quais vão ser os beneficiários desta linha. Vão ser apenas entidades públicas? No caso da investigação, parece que sim, porque a linha de orientação política de fazer concorrência na investigação, em termos de empresas privadas que pudessem concorrer com o sector público, não foi para a frente. Assim, pergunta-se quem são os beneficiários desta linha e, se possível, quais as taxas de juro. No entanto, em relação a esta matéria, era útil saber se houve ou não empréstimos externos anteriores, cobrindo estas áreas e, em caso afirmativo, qual o grau da sua utilização.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
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O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado, sobre os têxteis houve, pelo menos, um certo esforço de pormenorização, por parte do Governo.
Sobre a agricultura, para lá do enunciado das grandes áreas pelas quais se distribuiria este financiamento, mais nada foi dito.
Na primeira rubrica, sobre a aplicação dos créditos, surge algo que, pelo menos, se terá de entender como extremamente dúbio. O que é que o Governo entende por contribuição para uma formulação de uma política geral para o sector agrícola? Seria conveniente que isto fosse pormenorizado. Formular o quê?
Por outro lado, refere-se a execução de programas bem determinados - e é curioso que o Governo aqui explicita programas bem determinados. Então, se são bem determinados, julgo que será legítimo que esta Assembleia solicite ao Governo e explicitação de quais são os programas em matéria de extensão rural. O que se pretende com isto? Por que extensão rural é muito vago. Que áreas são, que acções e em que regiões? Nada disto é explicitado.
Quando fala em investigação agrária, o Governo diz que é a aplicada. Então, se é a aplicada, ela é precisa e dirige-se a um determinado contexto real da economia agrícola. Pergunto, pois, qual é a área de investigação aplicada para que se pretende este financiamento.
Depois, fala-se em comercialização. Mas isto é tão vago ... Diz-se financiar programas bem determinados na comercialização. Mas a que níveis? Nos sectores cooperativo, público, privado, ou em todos eles em simultâneo? E em que áreas de comercialização?
Refere-se também o melhoramento de sementes. Claro que isto tem que ver com a investigação, mas seria útil que se pormenorizasse qual o tipo de sementes que se pretende melhorar e enquadrá-lo na perspectiva global de desenvolvimento.
Fala-se em irrigação, mas isso e outra coisa extremamente vaga. Financiar a irrigação onde e para quê? Porque irrigação não diz nada ... Serão barragens, drenagens ou construções de condutas de rega? Serão pequenas ou grandes obras? A que se destina este financiamento?
No que respeita ao crédito, pretendemos saber em que condições é concedido e a quem, porque nada é explicitado.
Apetecia-me dizer ao Sr. Secretário de Estado que isto é como se eu fosse a um banco e dissesse que queria um empréstimo para programas bem determinados de irrigação, investigação e comercialização, e o banco dir-me-ia que aquilo não era nada. Teria de apresentar e explicitar um programa e só depois me seria concedido o empréstimo.
Mas o Governo vem a esta Assembleia solicitar que ela confira a autorização para obter um empréstimo, sem a informar a que é que ele destina.
O que aqui é mencionado não é nada; é fazer - tal como Governos anteriores - com que a Assembleia tenha um papel meramente formal e que, no fim de contas, se lhe retirem iodos os seus direitos, que são legítimos, até na defesa dos interesse do País e da nossa economia. O que aqui se diz não é nada.
Portanto, seria útil que o Sr. Secretário de Estado pudesse precisar isto minimamente. E é grave que o Sr. Secretário de Estado, o Sr. Ministro, ou qualquer entidade governamental da área da agricultura, não esteja aqui presente. Isso é grave!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento, assinado por Srs. Deputados do PS e do PSD, que vai ser lido.
O Sr. Secretário (Luís Cacito): - «Os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento da sessão até à votação final global da proposta de lei n.º 67/III, caso a sua discussão se prolongue para além das 13 horas.»
O Sr. Presidente: - Vamos votar o requerimento. Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente:- Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O Sr. Secretário de Estado do Tesouro anunciou a esta Câmara mais uma nova lei económica, que eu registo: não é possível aumentar o consumo interno sem aumentar o endividamento externo. Então, Sr. Secretário de Estado, e se aumentar a produção e a produtividade?
Aliás, a questão que colocámos nem sequer foi a da diminuição da dívida externa, mas antes não continuar a aumentá-la a este ritmo, pois assim o país caminha para o desastre, sem qualquer sentido nem perspectivas. Não basta andar a acenar com a luz ao fundo do túnel, porque não há túnel nem luz, mas só sombra e cada vez mais escura.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Indústria.
O Sr. Secretário de Estado da Indústria (Carvalho Carreira): - Srs. Deputados, vou procurar esclarecer, em conjunto, as dúvidas que foram postas relativamente ao sector têxtil.
Para começar, referiria que esta quota-parte do empréstimo do Banco Mundial, destinada ao sector têxtil, se situa bem dentro dos volumes de investimento anuais deste sector.
O sector têxtil tem investido, tradicionalmente, de uma forma intensiva nos últimos anos. Em termos de valores de 1984, em escudos, existe uma extrapolação dos investimentos dos passados cinco anos. Situaria o investimento nos próximos 5 anos em cerca de 190 milhões de contos, o que significa cerca de 40 milhões de contos por ano.
Estamos, portanto, a falar de um financiamento do Banco Mundial, através de linhas de crédito para um período de quatro anos no valor de 5 milhões de contos.
Parecia-me que seria útil dizer isto para situar o significado deste empréstimo do Banco Mundial, face ao investimento tradicional no sector têxtil. Ë esse investimento tradicional que o Governo entende que deve ser modificado, porque gastar 190 milhões de contos sem orientação no sector pode ser gastar muito dinheiro. Pode-se, inclusivamente, beneficiar significativamente um sector, investindo menos dinheiro do que aquilo que seria a extrapolação do passado.
O trabalho que está em curso por parte este Governo, sobre a reestruturação do sector têxtil, resulta
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de trabalhos elaborados por anteriores governos, muito concretamente desde 1979.
O Governo, neste momento, tem preparada uma segunda versão de um programa de reestruturação e modernização do sector têxtil. Digo uma segunda versão, porque a primeira foi preparada em 1981/82, a qual foi submetida à apreciação dos parceiros sociais - associações têxteis e sindicatos - e o volume de críticas foi de tal maneira significativo que a absorção de parte dessas críticas deu origem, digamos, à reformulação do trabalho que estava feito e à apresentação do segundo programa, o qual, neste momento, está pronto, tendo-se iniciado há dias um novo round de consultas aos parceiros sociais.
Quais são, então, as linhas mestras deste plano? O país assentou, no passado, a sua indústria têxtil nas actividades ligadas à fiação e à tecelagem. A fiação era, obviamente, muito facilitada pelo acesso aos algodões que nos vinham das ex-colónias, a mão-de-obra era extremamente barata e o desenvolvimento tecnológico, na altura, não era ainda significativo.
Mais recentemente, a indústria têxtil, que foi sentindo os problemas criados pelo tipo de desenvolvimento industrial, deslocou ou proeurou deslocar a sua actividade para jusante, ou seja, para os acabamentos, para a confecção. Efectivamente, terá que ser esta uma das linhas de orientação. Não podemos continuar a ter uma indústria têxtil baseada em actividades a montante. Não temos matérias-primas, e mão-de-obra nestas actividades conta hoje muito pouco.
A fiação e uma actividade de capital intensivo para que se possam obter produtos de qualidade e a preços competitivos.
Não vale a pena insistir, portanto, em instalar no País fiações tradicionais como, por exemplo, as de fio cardado que constituem actualmente o maior volume de fiações no País. Temos que entrar em fiações de fio penteado e nas fiações designadas pelo termo técnico open-end que, efectivamente, correspondem a desenvolvimentos tecnológicos altamente significativos, cora automatismos extremamente importantes, que vêm deslocar e tornam obsoleta a utilização das fiações tradicionais.
O mesmo acontece no sector da tecelagem. Com efeito, o nosso equipamento também aí está obsoleto, quer em idade, quer em características e, portanto, é também necessário fazer a sua reformulação.
Por outro lado, os sectores de tecelagem também hoje são sectores de capital intensivo, sendo necessário um número pequeno de operários para tomar conta de uma secção de tecelagem. Consequentemente, as vantagens comparativas que este país ainda apresenta, situadas numa mão-de-obra apesar de tudo barata, não são, nem podem ser, compensadoras da falta de modernização dos equipamentos.
Portanto, o caminhar de montante para jusante é uma das indicações. O País tem uma carência muito grande em acabamentos tanto em quantidade como em qualidade e, portanto, o completar certas unidades industriais, fazendo a integração vertical de algumas delas, e indispensável.
Por outro lado, algumas empresas, sobretudo as empresas a montante que desenvolvem actividades de capital intensivo, tem que se encaminhar no sentido da concentração. Efectivamente, não podem existir neste sector pequenas unidades com aquelas que existem a jusante, na área da confecção, que são bem dimensionadas e bem geridas.
Finalmente, na área da qualidade e do design, é fundamental que o País aposte na qualidade dos seus produtos têxteis. Aliás, quem visitar uma exposição como a Portex facilmente se apercebe de que o industrial aposta hoje na qualidade e no design dos seus produtos - embora muitas vezes importante o design mas o faça e venda como produto português - e também na produtividade.
Relativamente à pergunta feita pelo Sr. Deputado Basílio Horta sobre a mão-de-obra, diria que, embora no projecto do Banco Mundial isso não esteja evidentemente contemplado, no programa de reestruturação do sector têxtil essa é uma das grandes preocupações, porque o sector têxtil ocupa neste momento cerca de 200 mil pessoas. Por outro lado, a modernização do sector têxtil poderá, eventualmente, gerar excedentes de pessoal mas, como é evidente, a situação seria muito pior se nada fosse feito.
Em termos de unidades verticais que se queiram modernizar - e algumas delas ler-se-ão que modernizar em actividades a montante, portanto, na fiação-, obviamente que o plano não pode impedir essa modernização. O que o plano tem que procurar é que não haja expansão nessa área, sacrificando, tanto quanto possível, unidades de dimensão antieconómica e com equipamento obsoleto a favor de unidades que tenham condições para se equipar em termos de modernização tecnológica das suas secções.
Julgo com isto ter respondido sucintamente às perguntas que me foram feitas.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para protestarem, os Srs. Deputados Hasse Ferreira, Basílio Horta, Ilda Figueiredo e Rogério de Brito.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Não é propriamente um protesto o que eu quero fazer mas, dado que não tenho outra, é a figura regimental do protesto que vou utilizar.
Mas, em primeiro lugar, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de dizer que, em relação às questões que formulei ao Sr. Secretário de Estado do Tesouro, continuo a guardar resposta, embora me tenha respondido a parte delas o Sr. Secretário de Estado da Energia. Portanto, considerando que ele teria feito uma intervenção, iria pedir esclarecimentos mas parece-me que não o posso fazer sob a forma de protesto.
Acontece que, para mim, não ficou claro um ou outro ponto e creio que talvez fosse importante aproveitar esta oportunidade - embora sejam quase horas de almoço - para tentar aclará-los, dada a importância do sector têxtil.
Quanto ao primeiro ponto, penso que a questão levantada pelo Sr. Deputado Basílio Horta a respeito das unidades verticais é uma questão essencial. Salvo erro, o Sr. Secretário de Estado referiu, a esse respeito, que não se pode impedir a reconversão dessas unidades. Ora, permita-me que lhe diga, Sr. Secretário de Estado, que aí a estratégia deveria ser diferente.
O problema e o seguinte: se a aposta é em desinvestir em certos sectores e investir noutros, facilitando e encorajando as transferências de pessoal intersubsectores dentro do sector têxtil, são essas unidades verticais que estão preferencialmente em condições de
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poder proceder, internamente à própria empresa, a esse tipo de transferências de investimentos e de pessoal. Portanto, essas unidades deveriam merecer, em meu entender, uma atenção muito especial porque é muito mais fácil, se houver uma formação profissional adequada — e aí, sim, a formação pode ser muito importante —, proceder a transferência internas de pessoal, ou seja, de sectores da mesma empresa para outros que se pensa serem muito mais competitivos em termos europeus, do que fazer essas transferências interem-presas, lançando trabalhadores no desemprego, para amanhã se candidatarem ao emprego junto de outras empresas.
Queria ainda levantar aqui um outro problema. Penso que, em relação aos sectores da fiação e da tecelagem, há ainda muita coisa a fazer. Concretamente, lembrava que recentemente um investigador do Laboratório Nacional de Energia e Tecnologia Industrial (LNETI) e um outro do Instituto Universitário da Beira Interior (IUBI) fizeram uma descoberta que patentearam e apresentaram internacionalmente, o que corresponde a um esforço, embora um pouco isolado, no sentido da inovação tecnológica, e que diz respeito à aplicação do laser na indústria têxtil. Em termos europeus, e até mundiais, não tenho dúvida de que foi uma inovação extraordinária.
Ora bem, a minha dúvida é esta: não será este um sector onde existe uma capacidade de conhecimento e uma mão-de-obra que nos deve encaminhar, não tanto para um certo desinteresse e para dizermos: «Vamos apostar é no outro», para a reconversão de outras unidades existentes, uma vez que ele nos põe problemas concretos e sérios nesse sentido?
Alguma coisa há que fazer àquelas unidades e há que clarificar, perante as organizações sindicais, o que é que se vai fazer? Vão-se deixar morrer? Ê que, nalguns casos — e aqui o Sr. Deputado Guido Rodrigues saberá mais alguma coisa do que eu sobre os pormenores dessas fusões, porque o IAPMEI teve um papel nisso —, promover alterações de dimensão só por si, sem uma política muito clara, pode não conduzir a lado algum — o que aconteceu em regiões de mono-in-dústria, designadamente na Covilhã, num caso ou noutro, não será, efectivamente, exemplar.
A minha preocupação ia, portanto, no sentido de que, sim senhor, apoiem-sc sectores que possam ser importantes no futuro, mas tenha-se em atenção o que é que se vai fazer às empresas existentes, porque algumas das empresas tradicionais de várias zonas do País, concretamente da própria zona da Covilhã — e falo da Covilhã porque é talvez a zona onde, em (ermos sociais, os problemas se poderão pôr de forma mais grave numa eventual reconversão da indústria têxtil—, tiveram, efectivamente, capacidade de se reconverter. Julgo que é preciso ver se não haverá mais empresas que possam ser ajudadas na sua eventual reconversão, ao invés do Estado dizer «vamos só apoiar aquelas que têm capacidade de se modernizarem, as da confecção, as dos acabamentos, etc., e as outras deixá-las cair por si». Creio que este procedimento por ser um bocado perigoso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): —Sr. Secretário de Estado, muito brevemente gostaria de lhe fazer algumas
perguntas concretas em relação àquilo que V. Ex." disse. Peço desculpa à Assembleia de o fazer a esta hora mas acontece que a sua intervenção foi realmente estimulante.
Para além de muitas outras coisas que se poderiam dizer em relação a esta matéria, há, no entanto, dois pontos que gostaria que o Sr. Secretário de Estado tivesse a gentileza de me esclarecer.
Em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado disse que a reconversão vai dar origem a um excesso de mão-dc-obra. E o que pergunto é o seguinte: o que é que, concretamente, se vai fazer em relação a esse excesso de mão-de-obra?
Creio que este é um problema fundamental, porque não é impunemente que se diz que há 200 mil trabalhadores na indústria têxtil e que, no fim da reconversão, esse número pode vir a ser reduzido a metade. Não sei se este valor é correcto ou não, mas vamos imaginar que seja reduzido em 50 000 ou mesmo 20 000 trabalhadores. O que é que se vai fazer a esses traba-balhadores,, em face da situação de mercado de emprego em que nos encontramos? Que tipo de reconversão é que se vai fazer? E aí o Sr. Deputado Hasse Ferreira tem toda a razão quando diz que, em relação às empresas verticais, essas deveriam ser o manancial óptimo e explêndido para que se fizesse uma reconversão interempresas.
E isto toca com o segundo ponto que o Sr. Secretário de Estado focou. Estou perfeitamente de acordo consigo em relação à necessidade de modernização tecnológica da fiação. Mas, Sr. Secretário de Estado, não pense apenas no futuro, pense também no passado recente. Houve empresas que desde 1977, altura em que foi esboçada essa política, seguiram rigorosamente isso que o Sr. Secretário de Estado acabou de referir, e que em 1979-1980 fizeram, em unidades integradas grandes investimentos tecnológicos na fiação, tendo a maior parte desses investimentos sido feitos com recurso ao crédito externo, porque a própria banca empurrou os investidores para o crédito externo. Porém, essas empresas, embora sejam economicamente rentáveis e pujantes, porque diminuíram a mão-de-obra, e tenham altas taxas de produtividade, financeiramente estão falidas devido à desvalorização. E porquê? Porque quase todos os empréstimos foram feitos em francos suíços, em dólares e uma pequena parte em libras. Então, o que é que se vai fazer a essas empresas?
Finalmente, um último apontamento, Sr. Secretário de Estado. Peço-lhc que não confunda os 200 milhões de contos de investimento anual do sector têxtil com esses 5 milhões de contos. Penso que estes 5 milhões de contos são para efeitos muito específicos, para acções muito individualizadas e concretas. Daí a necessidade de se saber quais são essas acções e que tipo de opção se toma para que esses 5 milhões de contos valham alguma coisa. É que, se fossem tratados como um investimento normal e corrente do sector, mais valia, então, que este empréstimo não se fizesse.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr." Ilda Figueiredo (PCP):—Sr. Secretário de Estado da Indústria, V. Ex." acabou de nos trazer aqui alguma informação e julgo que seria interessante que ela fosse discutida por esta Câmara muito mais
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profundamente e, também, que fosse conhecida muito mais em pormenor.
O programa de reestruturação para o sector têxtil que era conhecido em 1981 -aquele famoso plano da Werner, feito em colaboração com o Banco Mundial -, era muito grave para o sector e, por isso, como o Sr. Secretário de Estado disse, teve críticas de todos os lados e o Governo viu-se obrigado a ter que o rever.
É que está em causa um sector importantíssimo da economia portuguesa, estão em causa 200 mil postos de trabalho -e, como sabe, o plano de Werner apontava para mais de 60 mil despedimentos-, estão em causa mais de 2 mil empresas - e também, como sabe, o plano de Werner apontava para o encerramento de cerca de 70 % dessas empresas -, e vir aqui dizer, hoje, que foi feita uma segunda versão do programa de reestruturação e reorganização do sector têxtil, mas não fornecer a esta Assembleia nada sobre quais os aspectos em que foi revisto e qual é o seu conteúdo exacto neste momento, é muito pouco.
Daí que lamente que apenas agora tenha dito isto e que não se possa debater um pouco mais esta questão. No entanto, espero que o Ministério da indústria e Energia forneça urgentemente aos deputados desta Assembleia da República uma cópia dessa segunda versão e que o Sr. Ministro da Indústria e Energia ou o Sr. Secretário de Estado da Indústria possa vir, também a curto prazo, debatê-la aqui com os deputados, porque isso e importantíssimo e impõem-se para um melhor esclarecimento desta Assembleia sobre quais os planos do Governo para aquele que é ainda neste momento um dos sectores fundamentais da indústria portuguesa.
De qualquer modo, e atendendo apenas a alguns pormenores que o Sr. Secretário de Estado referiu, gostaria de lhe dizer que apontou claramente para o desinvestimento no campo da fiação e no campo da tecelagem, e apontou para uma insistência de que a concorrência de Portugal nos mercados internacionais se baseasse na nossa mão-de-obra barata. Parece-me, Sr. Secretário de Estado, que essa é uma posição bastante criticável. De qualquer modo, neste momento, mais não queria dizer sem conhecer mais em pormenor o programa que o Governo tem em relação a esta questão.
Agora lastimo que o Sr. Secretário de Estado não tenha aqui dito nada sobre a indústria laneira, quando se conhecem os graves problemas em que estão mergulhadas algumas zonas do nosso país, nomeadamente a Covilhã, que dependem essencialmente desta indústria. Também não disse nada sobre as fibras para o sector têxtil, e isso era importante, na medida em que alguns milhares de trabalhadores do nosso país estão neste momento sem salários e sem trabalho há longos meses, visto trabalharem em fábricas deste sector das fibras artificiais e sintéticas para o sector têxtil.
Portanto, fica aqui apenas um conjunto de preocupações, de problemas e de questões em relação ao que aqui foi dito pelo Sr. Secretário de Estado e também em relação à utilização deste empréstimo. Afinal, para que e que vai ser utilizado e para onde vão ser canalizados estes 5 milhões de contos de que, agora, Portugal vai poder beneficiar através deste empréstimo? Vão ser canalizados para a resolução de alguns destes problemas que acabo de referir? Para que empresas, para que grupos económicos? Era importantíssimo que esta Assembleia fosse esclarecida sobre isso.
O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições. O Sr. Secretário de Estado pretende responder?
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, pareceu-me que na ausência de outras inscrições, eventualmente, o Sr. Presidente fosse passar à fase de votação. Logo eu pedia para intervir, dado que em questões relativas a aspectos do empréstimo para o sector agrícola o Sr. Secretário de Estado não deu, ainda, qualquer resposta.
O Sr. Presidente: - Então, para responder, tem a agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Energia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou procurar responder às perguntas que foram formuladas e que são mais detalhadas do que as anteriores, o que origina que seja mais difícil esclarecer exaustivamente esta Assembleia.
Estou de acordo que um dos instrumentos que pode ser utilizado, no sentido de fazer uma transição menos onerosa de montante para jusante, seja precisamente a utilização das empresas integradas verticalmente, isto e, as que têm fiação, tecelagem e confecção, ou que se não têm acabamentos e confecção podem vir a tê-los no sentido de reconverter mão-de-obra. Mas eu não neguei essa hipótese, e até lhe posso dizer, Sr. Deputado, que existem empresas de integração vertical, onde até se podem admitir aumentos de capacidade de fiação ligados a melhoria dos processos de desenvolvimento tecnológico, porque tem condições para o fazer. Existem, contudo, outras que por má gestão não têm quaisquer condições para o fazer, e nisso temos de ser claros.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - É só para fazer uma pergunta. E essas empresas, nessas condições, podem beneficiar deste empréstimo ou não? É que isso é contraditório com o que disse o Sr. Secretário de Estado do Tesouro.
O Orador: - Em relação à sua pergunta, Sr. Deputado Basílio Horta, queria-lhe dizer que este empréstimo do Banco Mundial contém, como de resto o programa de reestruturação, critérios de exigibilidade rigorosos e eu diria que, para já, os critérios de empréstimo do Banco Mundial são ainda mais rigorosos do que os do programa.
O programa não tem ainda desenhado os esquemas de incentivo ao investimento. Existe o programa, mas o esquema de incentivos não está ainda concluído e, eventualmente, será o esquema de incentivos que terá essas condições financeiras de exigibilidade dos projectos.
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Ora, o projecto do Banco Mundial e o empréstimo são extremamente rigorosos, em termos de rentabilidade e de participação de capitais próprios, para além do cumprimento dos créditos de exigibilidade que estão contidos no próprio programa.
Portanto, os 5 milhões de contos não vão ser utilizados dentro do mesmo princípio dos 140 ou 190 milhões de que falei na minha primeira intervenção. Estes vão ser utilizados com critérios rigorosos de exigibilidade. São linhas de crédito na banca e esta terá como responsabilidade apreciar os critérios de exigibilidade e chamo a atenção para o facto de que os apreciará isoladamente, sem qualquer intervenção do Governo, até ao montante de 1 250 000 dólares. Para investimentos acima de 1250 000 dólares, terá que haver uma intervenção específica e a priori do Governo, no sentido de aprovar esses investimentos.
Quanto ao problema da mão-de-obra, também gostaria de chamar a atenção para o facto de que o deslocar dos investimentos ou das actividades de montante para jusante vai rigorosamente no sentido de absorver a mão-de-obra, porque a actividade a jusante - isto é, a confecção - é uma actividade que absorve muita mão-de-obra. Essa é uma das razões por que se pretende deslocar de montante para jusante.
Julgo que isto responde ao essencial das perguntas que foram feitas.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rogério de Brito mantém o pedido de palavra?
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, se o Sr. Secretário de Estado não adiantar, para já, nada em relação às questões colocadas, pretenderia fazer uma pequena intervenção.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado do Tesouro pretende responder a alguma das perguntas que foram feitas?
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro (António de Almeida): - Pretendo sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rogério de Brito, queira ter a bondade de aguardar.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro: - Sr. Deputado Rogério de Brito, relativamente à questão que colocou, tenho duas alternativas: ou facultar-lhe o texto que tenho aqui, ou lê-lo. Se quiser, posso facultar-lhe o texto das aplicações ...
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado do Tesouro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado do Tesouro, facultar o texto já me parece ser positivo, embora me pareça que esse texto deveria ter sido facultado antes de se ter feito a discussão deste pedido do Governo.
O Orador: - Então, se V. Ex.ª prefere, posso ler ...
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado do Tesouro, é que, de qualquer modo, seremos sempre condicionados a votar uma coisa que desconhecemos.
O Orador: - Relativamente à aplicação do empréstimo ao sector agrícola, cia é destinada à investigação agrícola, que tem como finalidade:
a) Levar a cabo estudos para apoiar o desenvolvimento de um plano global de investigação agrícola;
b) Estabelecer vários programas de investigação de acordo com a estratégia de investigação agrícola nacional;
c) Formação técnica de investigadores e acções de divulgação.
A segunda aplicação refere-se à extensão agrícola, que terá como finalidade levar a cabo um programa de acção para apoiar a reorganização e reforço dos serviços de extensão em 7 zonas agrárias mais representativas.
A terceira área e a da irrigação: revisão das propostas existentes de desenvolvimento das irrigações - acelerar o plano do Algarve; estabelecer prioridades de investimento na área do Vale do Tejo; examinar e estabelecer as prioridades de investimentos nos sistemas tradicionais ou na criação de novos sistemas.
A quarta área é a do crédito agrícola: acções de apoio à FENACAM no domínio de formação e de institucionalização do Banco Central Cooperativo.
A última área é a das sementes e plantações: levar a cabo estudos no domínio da indústria de sementes em Portugal e no estabelecimento de empresas privadas no sector de produção de sementes.
Estas são as aplicações do empréstimo relativamente ao sector agrícola.
Relativamente à formação profissional, os elementos de que disponho para responder à Sr. Deputada Ilda Figueiredo são os seguintes: destinam-se ao alargamento de instalações do Instituto Nacional de Administração, à construção de 5 centros de formação profissional do Instituto de Formação Profissional e Emprego, à construção da Escola de Hotelaria do Estoril e à renovação do Centro de Formação Audiovisual de Lisboa do LNETI.
Relativamente à pergunta que me foi feita pelo Sr. Deputado Hasse Ferreira, de facto não tenho aqui o número exacto dos empréstimos do Banco Mundial, mas é ligeiramente inferior a 300 milhões de dólares, devem ser 280 milhões, e a percentagem de utilização é também muito baixa relativamente aos empréstimos do Banco Mundial, Temos um problema semelhante ao que foi, há bocado, referido pelo Sr. Deputado Basílio Horta, que se arrasta desde 1977 e para o qual ainda ninguém foi capaz de encontrar solução. Está relacionado, em grande medida, com a maneira como são negociados empréstimos deste tipo: têm de estar em fila de espera durante algum tempo e têm, portanto, de ser negociados com uma grande antecipação. Não há a possibilidade - como acontece no automóvel em que se carrega no acelerador- de se desejar o empréstimo amanhã, ir ao Banco Mundial e conseguir-se o empréstimo uma semana depois. Isto não e possível!
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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Depende do automóvel!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP):- Pretendia muito rapidamente fazer um pequeno protesto.
É que me parece não ser possível que esta Assembleia assuma conscientemente uma posição, com um mínimo de rigor, em relação à solicitação do Governo, designadamente nesta matéria do sector agrícola, nestas condições. Trata-se de uma situação que atenta contra a própria dignidade desta Assembleia. É uma manipulação dos deputados da maioria, a que a oposição, certamente, não se deixará submeter. E se a maioria se submete é por responsabilidade sua!
Aliás, não deixa de ser curioso que a maioria tenha estado silenciada ao longo de todo este debate, como se não tivesse quaisquer preocupações, quaisquer dúvidas, como se tudo tivesse esclarecido.
O Sr. Secretário de Estado fez uma leitura de uma eventual área de aplicação deste financiamento, não respondeu a nada, pois, no fim de contas, é a repetição do que está formulado no próprio pedido de autorização, que não nos diz nada, que não responde a nada. Temos experiências passadas - ainda recentemente houve aqui um pedido de autorização de um empréstimo para o plano de desenvolvimento integrado de Trás-os-Montes cujos resultados estão à vista, pois nada se tem feito. Há empréstimos sucessivos que são feitos para o sector agrícola e que não são, pura e simplesmente, utilizados.
Isto não tem, realmente, um mínimo de senso. Não se pode, em consciência, numa situação destas, dar um voto favorável - diríamos mesmo que nem de abstenção, porque isso seria já conferir ao Governo um benefício de dúvida que, nas circunstâncias actuais, se não pode conceder-lhe.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS):- Dirijo-me em especial ao Sr. Deputado Rogério de Brito para lhe pedir apenas, que leia a declaração de voto do meu grupo parlamentar, feita em relação à proposta de lei anterior, para compreender qual é a posição que temos sobre os pedidos de autorização que aqui estão a ser discutidos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Basílio Horta pretende a palavra para que efeito?
O Sr. Basílio Horta (CDS):- Sr. Presidente, pretendo fazer uma curtíssima intervenção, mas dirigida, em forma de pergunta ao Sr. Secretário de Estado do Tesouro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - O Sr. Secretário de Estado, há pouco, esqueceu-se certamente de responder ao seguinte: quais as linhas de crédito, já firmados com o exterior, que abrangiam no sector agrícola, precisamente, as mesmas áreas que agora V. Ex.ª aqui anunciou? Há ou não, e em caso afirmativo, que grau de utilização é que têm?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro: - Gostaria de poder responder ao Sr. Deputado, mas de facto, de cor, não sei.
Posso obter esses elementos, mas não tenho, agora, possibilidade de lhe dizer quais são as linhas de crédito que existem com a mesma finalidade e qual o seu grau de utilização.
A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Que belos dossiers!
O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, vamos proceder à votação na generalidade da proposta de lei n.º 67/III.
Submetida à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS do PSD do CDS e da ASDI, votos contra do PCP e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS votou favoravelmente esta proposta, apenas em função da reestrutura do sector têxtil, ou seja, se a reestrutura do sector têxtil não tivesse sido aqui apresentada e não tivesse sido detalhada como o foi, teríamos tido em relação a esta proposta, exactamente a mesma posição de abstenção que tivemos em relação às propostas anteriores.
Com efeito, em relação às outras duas matérias, quer da mão-de-obra, quer do sector agrícola, esta proposta não vem suficientemente explicada e em relação a elas o Grupo Parlamentar do CDS tem as mais fundas e justificadas dúvidas.
Não queria, no entanto, o meu grupo parlamentar, com a sua posição, deixar de demonstrar, claramente, a importância que tem a reestrutura do sector têxtil e, consequentemente, manifestar com este voto a confiança no Governo, para que essa reestrutura possa ser feita, bem e em tempo útil.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.º Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra a presente proposta de lei por considerarmos que, apesar das explicações que aqui foram dadas, não ficou devidamente clarificada a utilização destes 3 empréstimos.
Por outro lado, num dos artigos desta proposta de lei é admitida a delegação de competência do Ministro das Finanças e do Plano em qualquer entidade que venha a ser incumbida da execução dos projectos financiados pelo BIRD, em ordem a pôr à sua disposição os juros mutuados directamente ao Estado por aquela instituição financeira, não ficando aqui claro quem vão ser essas entidades, como vai ser uti-
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lizado esse dinheiro e, sobretudo, quem vai beneficiar de tais empréstimos.
Em relação à reestruturação do sector têxtil, queria ainda aqui dizer nesta declaração de voto, que lamento que só hoje, em plena discussão, se tenha dito que está em fase de discussão uma segunda versão do plano de reestruturação e que aquilo que foi dito sobre essa segunda versão não nos possibilite ter uma ideia clara sobre qual o volume de desemprego que irá criar tal plano de reestruturação, qual o número de empresas que vão ser encerradas por tal plano de reestruturação, já que o Sr. Secretário de Estado admitiu que isso vai acontecer.
Essa também uma das razões do nosso voto contra.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abstivemo-nos na votação deste empréstimo, por um lado, porque, como já aqui foi dito, pensamos que há áreas de relativa clareza quanto à utilização deste empréstimo, mas, porque, por outro lado, há áreas em que não ficou completamento clara a sua forma de utilização.
Além disso, quer as condições do juro, quer o prazo de carência do empréstimo, de maneira nenhuma são semelhantes ao anterior, como foi evidenciado, quer pela proposta, quer pelo debate aqui feito. Daí a nossa posição de abstenção face a este empréstimo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos entrar na discussão e votação na especialidade da proposta que acabou de ser aprovada na generalidade.
Vai ser lido o artigo 1.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 1.º
1 - Fica o Governo autorizado, através do Ministro das Finanças e do Plano, e com a faculdade de delegar, a contrair junto do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) três empréstimos externos até ao montante global equivalente a 84 milhões e 700 mil dólares dos Estados Unidos da América.
2 - O produto dos empréstimos será aplicado no financiamento de um projecto de reestruturação têxtil, até ao montante de US$ 34 700 000, de um projecto de assistência técnica à agricultura, até ao montante de US$ 10 000 000 e de um projecto de formação profissional, até ao 'montante de US$ 40 000 000.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o artigo 1.º da proposta de lei. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, votos contra do PCP e do deputado independente António Gonzalez, e a abstenção da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 2.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 2.º
Os empréstimos referidos no artigo anterior tem uma duração de 15 anos, sendo amortizáveis em prestações semestrais, as primeiras das quais se vencerão 36 meses após a celebração dos contratos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, votos contra do PCP e a abstenção da UEDS e do deputado independente António Gonzalez, registando-se a ausência do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 3.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 3.º
As operações referidas nos artigos anteriores obedecerão às condições habitualmente praticadas pelo BIRD.
O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados. Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e voto contra do PCP e a abstenção da UEDS e do deputado independente António Gonzalez, registando-se a 'ausência do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 4.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 4.º
1 - Fica o Governo, de igual modo, autorizado, nos termos da alínea h) 'do artigo 164." da Constituição, através do Ministro das Finanças e do Plano, que poderá 'delegar a sua competência, a celebrar contratos de empréstimo com entidades que venham a ser incumbidas da execução dos projectos financiados pelo BIRD, em ordem a pôr à sua disposição os fundos mutuados directamente ao Estado por aquela instituição financeira.
2- Compete ao Ministro das Finanças e do Plano, com a faculdade de delegação, aprovai as condições dos empréstimos a que se refere a presente lei.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, votos contra do PCP e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção da UEDS, registando-se a ausência do MDP/CDE.
O Sr Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 5.º
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 5.º
O Governo comunicará à Assembleia da República as condições concretas de cada financiamento aprovado ao abrigo das autorizações constantes da presente lei.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Srs. Deputados, como não há inscrições, vamos votar.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então proceder à votação final global da proposta de lei n.º 67/III.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, votos contra do PCP e a abstenção da UEDS e do deputado independente António Gonzalez, registando-se a ausência do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o expediente que deu entrada na Mesa durante a sessão.
O Sr. Secretário (Luís Cacito):- Deram entrada na Mesa os seguintes pedidos de ratificação: ratificação n.º 106/III, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Espadinha e outros, do Decreto-Lei n.º 195/84, de 11 de Junho, que «determina que os armadores de embarcações de pesca nacionais qualificadas para exercerem actividades de captura em pesqueiros exteriores e não contíguos às áreas marítimas sob jurisdição portuguesa poderão ser autorizados a adquirir, para transporte e descarga em portos nacionais, pescado processado, com excepção do bacalhau salgado seco, ou para processamento a bordo, desde que tenham as suas actividades de captura restringidas quantitativamente no quadro de acordos ou convenções internacionais de que Portugal faz parte. Revoga o Decreto-Lei n.º 1/81, de 7 de Janeiro»; ratificação n.º 107/III, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Espadinha e outros, do Decreto-Lei n.º 193/84, de 11 de Junho, que «define empresa comum de pesca».
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os trabalhos prosseguem na próxima terça-feira, dia 3, pelas 10 horas, com período de antes da ordem do dia.
A ordem do dia é a seguinte: relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos; projecto de lei n.º 177/III, do PSD, votação final global; pacote autárquico-ratificações n.ºs 80.º/III, 83.º/III, 85.º/III e 95.º/III do PCP, e n.ºs 90.º/III e 92.º/III do CDS e o projecto de lei n.º 264/III, do PSD.
A Comissão de Segurança Social e Saúde reúne na próxima segunda-feira, às 15 horas.
Srs. Deputados, bom fim-de-semana e até à próxima terça-feira.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Almerindo da Silva Marques.
António Gonçalves Janeiro.
Armando António Martins Vara.
Eurico Faustino Correia.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Lacão Costa.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José Manuel Torres Couto.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
Manuel Maria Moreira.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
António Anselmo Aníbal.
Maria Margarida Tengarrinha.
Centro Democrático Social (CDS):
Manuel Jorge Forte Góes.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
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Bento Elísio de Azevedo.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Alves Figueiredo.
Francisco Antunes da Silva.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Jorge Nélio Ferraz Mendonça.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Pereira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Santana Lopes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Odete Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
António José de Castro Bagão Félix.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Lopes Porto.
José Vieira de Carvalho.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Rectificação ao «Diário» n.º 119, de 7 de Junho de 1984 Intervenção da deputada do PCP Ilda Figueiredo
Na p. 5097, col. 1.ª, 1. 1 f., onde se lê «40 000» deve ler-se «50 000».
Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - José Diogo.
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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA