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1 Serie - Número 28

Sexta-feira, 14 de Dezembro de 1984

Diário da Assembleia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENARIA DE 13 DE DEZEMBRO DE 1984

Presidente: Exmo.

Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e foram aprovados os n.ºs 10 o 18 do Diário, respeitantes às sessões de 6, 8, 9, 13, 15, 16, 20, 22 e 23 de Novembro.
O Sr. Deputado Octávio Cunha (UEDS),considerando que a crítica é um direito irrecusável a qualquer cidadão português, seja qual for a sua condição, teceu breves considerações criticas a algumas intervenções públicas, as quais considerou inquietantes, produzidas pelos Srs. Generais Silva Cardoso e Lemos Ferreira, pelos industriais Miguel Cadilhe e Nogueira Simões e pelo Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa.
O Sr. Jaime Ramos (PSD), a propósito da Lei n. º 4/83 - controle público do riqueza dos titulares dos cargos políticos ou equiparados -, considerou existirem dificuldades no execução efectiva da lei, a qual inicialmente encarada como dignificadora do sistema político passou, pelo segredo que protege os faltosos, o verdadeiro teste da capacidade de transparência e de autoridade do Estado, tendo terminado por requerer ao Sr. Presidente da Assembleia da República a publicação na 2. º série do Diário da Assembleia da República da lista nominal e respectivas funções de todos aqueles que cumpriram os prazos iniciais estipulados por lei para entrega das respectivas declarações.
A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) considerou verdadeiramente drástica a situação que o sector da indústria automóvel atravessa, nomeadamente no que se refere ao desemprego, à redução dos salários e aumento dos ritmos de produtividade, acusando o Governo de nada fazer para pôr cobro a esta situação.
O Sr. Deputado Mota Torres (PS), a propósito de um comunicado da Comissão Política Regional da Madeira do PSD e da situação económica e financeira que a Região Autónoma da Madeira atravessa, refutou qualquer responsabilidade do PS que considerou tudo ter feito no sentido de dignificar o regime autonómico.

Ordem do dia. - Foram discutidos e aprovados 4 relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos, 3 dos quais autorizando vários Srs. Deputados a deporem como testemunhas em processos judiciais e um negando autorização para esse mesmo efeito.
Continuou o debate sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Intervieram no debate, a diverso título, atém do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Mota Pinto), os Srs. Deputados César Oliveira (UEDS), Cardoso

Ferreira (PSD), Magalhães Mota (ASDI), Ângelo Correia (PSD), João Amaral (PCP), José Lelo, José Luís Nunes e Acácio Barreiros (PS), Raul de Castro (MDP/CDE), Nogueira de Brito e Morais Barbosa (CDS) e António Meira (PS).
Entretanto, procedeu-se à eleição de um juiz para o Tribunal Constitucional, cujos resultados não foram anunciados. O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs, Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto. Acácia Manuel de Frias Barreiros. Agostinho de Jesus Domingues. Américo Albino da Silva Salteiro. António Cândido Miranda Macedo. António da Costa. António Domingues Azevedo. António Frederico Víeíra de Moura. António José Santos Meira. António Manuel Azevedo Gomes. Avelino Feliciano Martins Rodrigues. Beatriz Almeida Cal Brandão. Bento Gonçalves da Cruz. Carlos Augusto Coelho Pires. Edmundo Pedro. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Fradinho Lopes. Francisco Igrejas Caeiro. Francisco Lima Monteiro. Francisco Manuel Marcelo Curto.

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Frederico Augusto Handel de Oliveira. Gaspar Miranda Teixeira. Gil da Conceição Palmeiro Romão. Henrique Aureliano Vieira Gomes. Hermínio Martins de Oliveira. João de Almeida Eliseu. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Luís Duarte Fernandes. João do Nascimento Gama Guerra. Joaquim Manuel Ribeiro Arenga. Joel Maria da Silva Ferro. Jorge Alberto Santos Correia. Jorge Lacão Costa. Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda. José de Almeida Valente. José António Borja dos Reis Borges. José Augusto Fillol Guimarães. José Barbosa Mota. José Carlos Pinto Basto Torres. José da Cunha e Sá. José Luís Diogo Preza. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Manuel Niza Antunes Mendes. José Manuel Nunes Ambrósio. José Martins Pires. Juvenal Baptista Ribeiro. Leonel de Sousa Fadigas. Litério da Cruz Monteiro. Luís Silvério Gonçalves Saias. Manuel Fontes Orvalho. Maria Ângela Duarte Correia. Maria do Céu Sousa Fernandes. Maria da Conceição Pinto Quintas. Maria Helena Valente Rosa. Maria Luísa Modas Daniel. Maria Margarida Ferreira Marques. Nelson Pereira Ramos. Nuno Álvaro Freitas Alpoim. Ovídio Augusto Cordeiro. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Raul Fernando Sousela da Costa Brito. Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo. Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz. Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves. Rui Monteiro Picciochi. Silvino Manuel Gomes Sequeira. Teófilo Carvalho dos Santos. Victor Hugo Sequeira. Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.

Arménio dos Santos.

Cecília Pita Catarino.

Daniel Abílio Ferreira Bastos.

Domingos Duarte Lima. Fernando José Alves Figueiredo. Fernando Manuel Cardoso Ferreira.

Fernando Monteiro Amaral. Fernando dos Reis Condesso. Francisco Jardim Ramos. Guido Orlando Freitas Rodrigues. Jaime Adalberto Simões Ramos. João Evangelista Rocha de Almeida. João Maria Ferreira Teixeira. João Maurício Fernando Salgueiro. João Pedro de Barros. Joaquim Eduardo Gomes. José Adriano Gago Vitorino. José de Almeida Cesário. José António Valério do Couto. José Augusto Ferreira de Campos. José Augusto Santos Silva Marques. José Luís Figueiredo Lopes. José Mário de Lemos Damião. José Silva Domingos. Leonel Santa Rita Pires. Luís António Martins. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Mário Júlio Montalvão Machado. Mário de Oliveira Mendes dos Santos. Pedro Paulo Carvalho Silva. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal. António Guilherme Branco Gonzalez. António José Monteiro Vidigal Amaro. António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alberto Gomes Carvalhas. Carlos Alfredo de Brito. Custódio Jacinto Gingão. Francisco Manuel Costa Fernandes. Francisco Miguel Duarte. Jerónimo Carvalho de Sousa. João Alberto Ribeiro Rodrigues. João António Gonçalves do Amaral. João Carlos Abrantes. Jorge Manuel Abreu de Lemos. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães. José Rodrigues Vitoriano. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Maria Alda Barbosa Nogueira. Maria Ilda Costa Figueiredo. Maria Odete Santos. Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre Carvalho Reigoto. Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca. Francisco Manuel de Menezes Falcão. Henrique Manuel Soares Cruz. Hernâni Torres Moutinho. Jorge Manuel Barbosa.

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Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca. José Manuel Tengarrinha. Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira. Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota. Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho. Ruben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder ã leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Da Câmara Municipal de Sintra reivindicando a rápida adopção de medidas que permitam vencer a situação de crise vivida, nomeadamente na área do seu concelho, além de permitirem o relançamento da economia, no interesse do País e do povo português; da Associação dos Deficientes 'das Forças Armadas a remeter um comunicado no qual defende a resolução da problemática dos deficientes que consideram, pela sua extensão e complexidade, como um problema nacional; da Câmara Municipal de Posto de Mós a enviar uma moção reclamando ao Governo e ao Ministério da Educação que faça cumprir a lei da escolaridade obrigatória, utilizando meios eficazes, de forma a evitar o absentismo escolar que tem vindo a aumentar de forma alarmante; do Conselho de Comunicação Social a remeter um voto de congratulação pela recomendação do Conselho da Europa, na qual se defende "a igualdade entre as mulheres e os homens nos media e a imagem de mulheres veículadas pelos media, nos programas de informação, recreativas de outros e, ainda, na publicidade"; da Associação dos Secretários Municipais transcrevendo uma moção na qual consigna um voto de muito apreço e reconhecimento, por o Decreto-Lei n.º 116/84 ter acolhido quase na totalidade as sugestões apresentadas pela mesma Associação.

«Telex»

Do presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz manifestando a sua preocupação pelo encerramento da empresa Abridex, que considera tratar-se de um sector que gerou um número razoável de postos de trabalho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.º` 10, 11, 12 13, 14, 15, 16, 17 e 18 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 6, 8, 9, 13, 15, 16, 20, 22 e 23 de Novembro.

Pausa.

Como não há oposição, consideram-se aprovadas.
Para intervenções no período antes da ordem do dia estão inscritos os seguintes Srs. Deputados: Octávio Cunha, Jaime Ramos, Odete Santos, Mota Torres e Agostinho de Moniz.
Tem, portanto, a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passaram-se alguns factos políticos, nestas últimas semanas, que nos levam a fazer uma breve declaração política que podemos intitular de "Generais, industriais, cardeais e outros que tais".

Risos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A crítica é um direito irrecusável a qualquer cidadão português, seja qual for a sua condição.
É algo que faz parte do nosso património de liberdade, liberdade conquistada contra muitos daqueles que, ontem, utilizando a força e o medo, ou, muito simplesmente, o silêncio cúmplice nos impediam de o praticar sem riscos.
É, pois, legítimo que, hoje, generais, industriais e cardeais exerçam esse legítimo direito. O direito de participação responsável na construção do Estado democrático cabe a todos. Mas criticar é também propor. Não é apenas um exercício mais ou menos demagógico facilitado pelas circunstâncias e praticado com o único objectivo de colher apoios fáceis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos os primeiros a admitir que o País atravessa uma crise política, económica e ética profunda. Sabemos também - e a história dos homens, renovando-se, não deixa de se repetir - que é nestas alturas que surgem as grandes declarações de patriotismo vazio que mais não são que fórmulas conhecidas com objectivos destabilizadores que, aproveitando e explorando o legítimo descontentamento das populações, nos deixa dúvidas quanto às suas motivações profundas.
A propósito do que acabo de dizer, não deixam para o observador comum de ser inquietantes as declarações públicas produzidas ultimamente - sabemos lá se concertadas - dos Srs. Generais Silva Cardoso e Lemos Ferreira, dos Srs. Industriais Miguel Cadilhe e Nogueira Simões e do Sr. Cardeal de Lisboa.
Vamos analisá-las rapidamente. Durante muitos dos anos que antecederam a instalação do actual regime democrático, convenhamos que foram, de um modo ou outro estas entidades, ou aquilo que representavam, os principais suportes técnicos e ideológicos de um estado de coisas a que eram alheios os direitos e liberdades fundamentais do homem português.

Vozes da UEDS e de alguns Srs. Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Durante os anos que antecederam a instalação do regime democrático, não temos memória de ouvir estas pessoas preocuparem-se muito com as condições de vida do nosso povo, impostas pelo regime de então.
Como não posso pretender ouvir tudo e para não ser injusto, deixarei para alguns o benefício da dúvida.
Mas vejamos mais de perto algumas das recentes tomadas de posição das entidades citadas.

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Sobre os Srs. Generais:
No Instituto dos Altos Estudos da Força Aérea, o Sr. General Silva Cardoso considerou «não se vislumbrar, nos grupos sociais ou nas pessoas, a capacidade não só para controlar mas, pura e simplesmente, conseguir a eliminação da crise». Logo de seguida afirmou «que o importante nesta altura é impedir a desagregação das forças armadas e da parte do corpo social não corrompido pelo gosto do poder».
Quase simultaneamente afirma o Sr. General Lemos Ferreira que: «Não podemos desdizer hoje o que ontem afirmámos; não podemos distorcer amanhã aquilo que hoje nos propusemos assumir.»
Estamos de acordo consigo, Sr. General. Somos dos que não acreditam que V. Ex.ª tenha mudado tanto que venha hoje desdizer o que ontem praticava e dizia o Sr. Coronel Lemos Ferreira.
Só que, Srs. Generais - deixem-me também dizer-lhes - tudo seria hoje mais fácil para o povo português se tivessem tido a coragem de assumir ontem as atitudes que hoje, num quadro de liberdade que não foi conquistado por VV. Ex.as, assumem com tanta facilidade.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas nós perguntamo-nos se o que se pretende não será criar no espírito do sector do povo português ainda permeável a certas incursões autoritaristas a ideia de que os militares são os únicos garantes da moral, defensores dos valores ocidentais e de grandeza da nação e que esta história do regime democrático não passa de um brinquedo de meia dúzia de intelectuais utópicos que só deve ser mantida enquanto for mais barata que um qualquer regime ditatorial.

Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.

Desejo-lhes, pois, Srs. Generais, que passem muito bem nos vossos quartéis, que comandem o que têm a comandar, que tenham o bom senso de admitir que a liberdade em Portugal foi conquistada mais por capitães do que por generais, e, sobretudo, não se arroguem o direito de se autoproclamarem a defesa moral da nação.

Vozes da UEDS e de alguns Srs. Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre os industriais: Não sou daqueles que acham que os industriais são uma classe a eliminar. Pelo contrário que isto fique desde já bem claro.
Diz o Sr. Engenheiro Nogueira Simões que: «Nós estamos convencidos de que, com uma constituição como esta, com umas leis laborais como as que temos, com o controle do crédito pelo Estado, os problemas da indústria não têm solução.» E diz mais: «É, preciso intervir e eu procurarei construir lobley político que obrigue o Governo a governar» (Primeiro de Janeiro, de 9 de Dezembro de 1984).
Fica assim entendido, Sr. Primeiro-Ministro - já que o recado é para si -, que a partir de agora a Assembleia da República livremente eleita pela maioria do povo português não será mais o órgão legítimo para

intervir e fiscalizar os actos da governação. O Sr. Engenheiro e o seu lobley político assumem essa responsabilidade!

O Sr. (Lopes Cardoso (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - O nosso espanto ainda é maior se completarmos estas afirmações com as proferidas pela AIP, que em carta aberta diz a certa altura: « A nós, AIP, e aos empresários que representamos, não nos compete fazer política.»
Fica assim clarinho que, tal como os Srs. Generais, os Srs. Industriais também não fazem política.
O silêncio dos Srs. Industriais sobre as dívidas ao Estado das empresas privadas, os salários que não se pagam, a subfacturação desenfreada, a exportação ilícita de capitais para o estrangeiro leva-nos a pensar que tudo isto não passa, afinal, de um pesadelo transitório.

O Sr. César Oliveira: - Muito bem!

O Orador: - Deverão ser problemas menores e nem o facto da insuspeitíssima organização que é o FMI se escandalizar com o estado da economia paralela parece ser assunto que mereça reflexão e solução apropriadas por parte da AIP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre os Srs. Cardeais: É claro, meus senhores, que tudo o que de mal acontece no nosso país acontece porque a crise moral é profunda e falta-nos a bênção do Sr. Cardeal de Lisboa.
O Sr. Cardeal é uma pessoa muito discreta. Também não faz, nem nunca fez, política. Nunca teve tempo para isso. Antes de 1974, andava ocupadíssimo entre a contemplação e a bênção dos barcos que partiam para a guerra colonial. Era uma altura privilegiada para o País. Não havia miséria espiritual, nem existia nenhum bairro de lata. 15to é tão verdade que nunca o Sr. Cardeal se viu obrigado a intervir e a criticar o governo de então.
Mas agora, sim, agora anda preocupado e muito ocupado com a crise na construção civil, a falta de habitação social e a habitação degradada.
Nunca é tarde, Sr. Cardeal, mas permita-me que lhe lembre como foram tristes e penosos esses tempos em que a sua Igreja, que não era seguramente a dos cristãos do Rato e a de tantos outros, servia de pilar à «política totalitária e de ofensa dos direitos humanos, ao arrepio das encíclicas papais e dos ensinamentos ecuménicos da própria Igreja».

Aplausos da UEDS, de alguns Srs. Deputados do PS e da ASDI.

Porque atentados diários ao espírito e ao corpo havia-os aos montes nesse tempo, tempo em que gostaríamos de ter visto a mesma virulência no Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa a condenar a guerra colonial, estigmatizada já na encíclica Mater et Magistra e, sobretudo, neste documento admirável que foi a Pacem in Terris. Não lhe pesou a mão, Sr. Cardeal, para nessa altura censurar a Pacem in Terris. E já agora, lembre-se, Sr. Cardeal, que foram os socialistas que permitiram que o exercício livre do magistério da Igreja Católica portuguesa se mantivesse intacto nos últimos 10 anos.

Vozes do PS: - Muito bem!

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" O Orador: - E, já agora, Sr. Cardeal, siga com mais atenção o exemplo, que nós muito admiramos, do Sr. Bispo de Setúbal, que sem alardes eleitoralistas - como faz o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa, por exemplo - constrói em silêncio a casa que talvez não tenha nem pedras nem telhado, mas que nem por isso deixa de abrigar quem não tem onde dormir.
Aplausos da UEDS e do PS.

É que são casas feitas de dignidade e de coragem, vividas e alimentadas de um quotidiano real que nós não negamos nem escamoteamos.
Sr. Cardeal, não seja daqueles que, batendo no peito, dizem piedosamente: «A crise esteja connosco.»
Aplausos da UEDS, de alguns Srs. Deputados do PS e da ASDI

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, quando o Sr. Presidente deu a palavra ao Sr. Deputado Jaime Ramos, pensei que ele ia intervir, em nome da minha bancada, no sentido de pedir alguns esclarecimentos relativamente à intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha. Não me apercebi que ia fazer uma intervenção e por isso não me inscrevi imediatamente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não será possível a formulação de pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Octávio Teixeira porque ele não dispõe de tempo para poder responder.
Ficou determinado na conferência de líderes que, hoje, as intervenções no período antes da ordem do dia, teriam apenas 10 minutos.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Nesse caso, agradecia que o Sr. Presidente registasse o meu pedido - talvez pudesse usar a figura de protesto -, e se não é possível fazê-lo hoje, ficava para outro dia.

O Sr. Presidente: - Poderá, porventura, ficar para uma próxima oportunidade. Mas devo dizer-lhes, Srs. Deputados, que infelizmente há dezenas de pedidos de esclarecimento de sessões anteriores. A Mesa não tem possibilidade de controlar esses pedidos. Ficam - é certo - com a palavra reservada, mas isto é um voto pio da Mesa porque não tem possibilidade de lhes dar cumprimento.
Ainda recentemente o Sr. Deputado Roleira Marinho tem vindo a insistir relativamente a um pedido de esclarecimento que fizera ao Sr. Deputado Carlos Lage. Ora, não sei quando é que isso será possível, pois estão pendentes dezenas deles.
Mas, entretanto, numa próxima oportunidade, V. Exa. tem certamente lugar para lavrar o protesto que julgar conveniente.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Então, se o Sr. Presidente mo permite, agradecia que ficasse registado que eu, em nome da minha bancada, queria protestar em relação a algumas afirmações feitas pelo Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Presidente: - Ficará registado, Sr.ª Deputada.
Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pretendia que a Mesa me informasse se o meu camarada Octávio Cunha esgotou o seu tempo.

O Sr. Presidente: - Esgotou sim, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. É que, se não o tivesse esgotado, teríamos muito gosto em que fosse concedida a palavra à Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Eu já tinha dito isso, Sr. Deputado.

O Orador: - Então, peço desculpa, Sr. Presidente, pois foi uma falta de atenção da minha parte.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sob a forma de interpelação à Mesa, queria que ficasse registado no Diário o facto de eu querer formular perguntas ao Sr. Deputado Octávio Cunha. Só não o fiz porque fui informado pela minha camarada que tinha sido combinado na conferência de líderes que, hoje, os grupos parlamentares apenas dispunham de 10 minutos. Assim, além de o Sr. Deputado Octávio Cunha não dispor de tempo para nos responder, nós também não o dispomos, pois vamos usá-lo para fazer uma intervenção.
De qualquer modo, creio que uma determinação tão rígida como esta prejudica seriamente o debate parlamentar e penso que, para além dos 10 minutos, deveríamos dispor de mais tempo.

O Sr. Presidente: - A sua interpelação poderá ser considerada como uma recomendação aos Srs. Líderes que, de algum modo, condicionam o trabalho dessa reunião e as deliberações a que chegou por consenso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Imediatamente após o 25 de Abril, quando a democracia ainda só era a esperança prometida pelos militares, recordo ter ouvido um jovem estudante afirmar - numa singular e curiosa reedição de S. Tomé - que só acreditaria na liberalização ideológica do novo regime quando pudesse ser exibido o filme O Último Tango em Paris.
Os puritanos ortodoxos da ciência política encararão esta opinião com um sorriso . .. Admito que, subjacente à ideia expressa, estivesse um conceito tão juvenil como libertino de democracia onde certamente não faltava um pouco da desconfiança secular pelas boas intenções dos golpes militares. Mas certamente ninguém

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negará que existe uma concordância entre a democracia e a liberalização dos costumes, das culturas e da moral.
O que o jovem exigia, para poder acreditar, era um primeiro sinal traduzido na exibição de uma película moralmente escandalosa.
Vivia-se o nascimento da democracia. Para ele, a prova da vitalidade da nova vida dependia de um filme, que era um choque nos costumes, o fim da venda da censura no voyeurisme da sociedade, a liberdade de erupção de novas ideias mesmo que em oposição à moralidade mantida pelo anterior regime.
A exemplo desse meu jovem amigo, a opinião pública poderá ser tentada hoje a só acreditar no sistema político se a classe política, de que todos fazemos parte, for bem sucedida no exame que me permito enunciar.
Em 2 de Abril de 1983, a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 4/83, sobre o controle público da riqueza dos titulares dos cargos políticos ou equiparados.
Com a aprovação desta lei, ninguém deixou de vivamente aplaudir o exemplo que os deputados - nós aqui - deram à sociedade ao criarem um sistema para o seu próprio controle e permitindo o devassamento da sua intimidade económica.
Segundo o texto legislativo então aprovado, os titulares de cargos políticos devem apresentar, no início e no fim do exercício das funções para que foram eleitos, ou nomeados, declarações de património e rendimento.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - O Presidente da República, os deputados, os membros do governo, os eleitos para as câmara municipais, gestores públicos, entre outros, são abrangidos por esta obrigatoriedade.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - E são muito bem!

O Orador: - Como fundamento, a ideia de que a classe política deve ser controlada pela opinião pública, não porque exista a dúvida sistemática sobre a sua seriedade, mas porque, a eficaz existência de mecanismos de controle e de transparência, os coloca acima de qualquer suspeita. No aspecto preventivo, a certeza de que, a aparecerem situações de excepção à regra da seriedade, a sociedade estaria habilitada a facilmente detectar esses casos e a poder aplicar o tratamento purificador, impedindo qualquer epidemia por contágio de permissividade.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - A não apresentação culposa das declarações ou a sua inexactidão indesculpável determinam a pena de demissão do cargo e a inibição do exercício de qualquer outra função de natureza idêntica pelo período de um a cinco anos.
Posteriormente nova legislação veio a regulamentar a matéria e a marcar a data limite para a apresentação das declarações por parte dos actuais detentores das funções abrangidas.
Embora sem a intenção de comentar este quadro legal, não posso deixar de referir que se detectam muitas lacunas a dar um aspecto de pouca eficácia. A lei

parece ser quase só uma intenção piedosa. Esperemos que sejamos capazes, todos, de vir a melhorar o enquadramento legislativo tornando-o mais actuante. Porque acreditamos na capacidade da classe política se autocontrolar, apresentámos - eu e os Srs. Deputados Portugal da Fonseca, Agostinho Branquinho e Luís Monteiro - um projecto de lei contendo alterações à Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, relativa ao controle público da riqueza dos titulares dos cargos políticos.
Pese o teor e o alcance da legislação complementar aprovada, o Decreto Regulamentar n.º 74/83, a verdade é que têm surgido dificuldades na execução efectiva da lei, quer pelas dúvidas suscitadas quanto às entidades a quem compete a responsabilidade de fiscalização do seu cumprimento, quer pelas lacunas existentes no próprio processo de fiscalização.
Entendemos, assim, como necessário propormos que se deve onerar um pouco mais o Tribunal Constitucional, o qual deverá passar a manter uma lista actualizada de todos os titulares de cargos políticos sujeitos ao dever de apresentação da declaração de património e rendimentos, bem como deverá comunicar à Procuradoria Geral da República todos os casos em que o dever de apresentação não for cumprido.
Por outro lado, com o objectivo de viabilizar e facilitar a função que, segundo a nossa proposta, será cometida ao Tribunal Constitucional, passará a Assembleia da República e as câmaras municipais e demais órgãos abrangidos pela Lei n.º 4/83, a ter obrigação de informar, regular e tempestivamente, aquele Tribunal de todas as alterações que, no seu próprio âmbito, se verifiquem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A entrega das declarações pelas principais figuras da hierarquia do Estado, em Dezembro de 1984, dado o simbolismo do acto, teve ampla cobertura noticiosa na generalidade da comunicação social.
Notícias que nos garantiam uma grande seriedade de princípios traduzindo-se, em termos de opinião pública, numa mensagem publicitária da dignidade do regime e da idoneidade da classe política.
O tempo foi passando e progressivamente esta imagem foi sendo esbatida por novas notícias...
O escândalo começou a ganhar contornos: noticiava-se que cerca de dois terços dos políticos não teriam apresentado as suas declarações dentro do prazo legal. Muitos meses decorridos, dizia-se que, pouco mais de metade dos abrangidos pela exigência legal teriam, embora fora do prazo, cumprido as suas obrigações.
Escândalo tanto mais grave quanto é certo que a melhoria verificada nas percentagens de «cumpridores» se devia à denúncia pela imprensa desta estranha situação.
E a este propósito importará referir que a generalidade dos deputados, salvo raras excepções, entregou as suas declarações dentro do prazo, bem como a quase totalidade dos membros do Governo. As excepções no Governo não atingem a dezena, o que só acontece se englobarmos os Srs. Governadores Civis.
É no âmbito do poder local e no dos gestores públicos que mais faltas percentuais terão existido.
Nos autarcas unicamente cerca de 250 terão entregue no prazo legal, tendo cerca de 1600 entregue já depois do prazo.
Nos gestores cerca de 250 fizeram-no dentro do prazo, contra idêntico número fora do prazo.
Penso que ninguém faz a mínima ideia de quantos entregaram, ou deixaram de entregar, nos casos em que

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cessaram as suas funções. Desconhecimento que não deixa de ser, no mínimo, caricato.

. Se exceptuarmos a tentativa, legítima e louvável, que alguma imprensa tem desencadeado para romper a cortina da discrição, todo o processo continua a ser tratado sob rigorosa confidencial idade.

Eu próprio, juntamente com os deputados da minha bancada, Portugal da Fonseca, Luís Monteiro e Agostinho Branquinho, desde Fevereiro que, por sucessivos requerimentos dirigidos ao Tribunal Constitucional, temos tentado obter informações globais e correctas.

Não o fizemos com intuitos persecutórios ou, muito menos, «pidescos».

O nosso objectivo era, por este meio, contribuirmos para a correcta clarificação deste assunto não só junto desta Câmara mas mesmo junto da opinião pública.

Os sucessivos atrasos pareceram, a determinada altura, assumir-se como organizada muralha de silêncio.

No passado dia 6, não era sem tempo, o Tribunal Constitucional enviou-nos um envelope, classificado de reservado, contendo a lista de todos aqueles que, dentro do prazo, entregaram as suas declarações.

Em simultâneo, era-nos dado conhecimento dos detentores das declarações que entraram até ao fim do mês de Novembro.

Somos de opinião de que os detentores de cargos políticos não devem ser igualmente penalizados pela opinião pública independentemente de terem ou não cumprido a lei e os prazos.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por esta razão vamos requerer ao Sr. Presidente da Assembleia da República que publique no Diário da Assembleia da República, na 2.1 série, a resposta enviada pelo Tribunal Constitucional, contendo a lista nominal e respectivas funções de todos aqueles que cumpriram os prazos iniciais estipulados por lei.

Aplausos do PSD, do PS, da UEDS e da ASDI.

A lei, inicialmente encarada como dignificadora do sistema político, passou, pelo segredo que protege os faltosos, a verdadeiro teste da capacidade de transparência e de autoridade do Estado. Com esta situação não desejamos pactuar.
Se a lei era uma forma de colocar os homens públicos acima de qualquer suspeita, o seu desrespeito potencia especulações de descrédito nas instituições, que, pelo silêncio, se assumem como coniventes.

A actual confidencialidade e a lentidão do processo já é preocupante. Uma eventual não aplicação das sanções levará a que o Estado se assuma como fraco ou como pactuante com o incumprimento ostensivo da lei.

Aplausos do PSD, do PS, da UEDS e da ASDI.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um teste público à seriedade e à transparência do sistema político.

Tal como o jovem estudante, a opinião pública aguarda o tratamento de choque aos autores e actores políticos. Hoje, em nome da não permissividade, pelos bons costumes, que não se devem perder!

Aplausos do PSD, do PS, da UEDS e da ASDI.

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O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Nós não aplaudimos o Sr. Deputado Jaime Ramos porque entendemos que a intervenção dele não o merece. Mas queremos dizer que estamos plenamente de acordo...

Risos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI

O Orador: -... que se faça a publicação no Diário da Assembleia da República, tal e qual como foi a sua sugestão. Portanto, subscrevemos essa parte da sua intervenção. Quanto ao resto, não nos parece que mereça aplausos.

O Sr. Presidente: - A interpelação à Mesa é apenas um pretexto que V. Ex.ª usou para fazer uma declaração.

O Orador: - Pareceu-me uma forma capaz de dar a conhecer antecipadamente a nossa posição na medida em que vai ser apresentado ao Sr. Presidente um requerimento em relação a este assunto.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, teria oportunidade de se pronunciar na altura própria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito obriga-me a fazer uma curtíssima interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Queira ter a bondade de o fazer. Mas peço-lhes o favor de não abusarem dessa figura, porque estamos, de algum modo, a deturpar o seu sentido.

O Orador: - Pergunto à Mesa se não compreende que o facto de a minha intervenção não merecer aplausos por parte da bancada do PCP não funciona, de alguma maneira, em relação ao posicionamento social-democrático, como um elogio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo Sousa (PCP): - Foi fraco!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 30 de Agosto de 1979, um decreto-lei, que tem como primeiro subscritor o actual vice-primeiro-ministro, tomava medidas para o sector da indústria automóvel. Medidas que se anunciavam de transição para que em 1985 Portugal dispusesse de uma indústria desenvolvida.
E acrescentava-se em linhas de circunstância: «Uma transformação deste tipo não deve ser feita à custa do desemprego, mesmo que conjuntural... »
Estamos quase a atingir o ano de 1985.
E, no sector da indústria automóvel, a situação é idêntica à que se abate sobre todo o mundo laboral. O desemprego grassa, reduzem-se os salários reais, há atrasos no pagamento de salários, aumentam, até níveis brutais, os ritmos de produtividade.

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Vejamos o que, de concreto, se passa no concelho de Setúbal, exemplo bem significativo, já que as várias empresas aí existentes empregavam em 1974, 2775 trabalhadores. Em Outubro de 1984 (excluindo-se a Renault) aquele número foi reduzido para 857. E, ainda que se tenha em conta o quadro de pessoal da Renault, verificamos que, naquele mesmo mês de 1984, o número destes trabalhadores era ainda inferior em cerca de 1000 ao número referente a 1974.
Por detrás desta situação estão atropelos à legislação laboral, estão pressões e chantagens sobre os trabalhadores, está a luta, o sofrimento, o desespero. A consciência de que, no jogo de interesses das empresas que comercializam automóveis, das multinacionais, os interesses e os direitos dos trabalhadores são escolhos que a avidez daqueles esmaga, usando e abusando da protecção de governos que os apadrinham.
Por detrás desta situação de desemprego estão os trabalhadores com reformas antecipadas.
Estão os trabalhadores que, como na IMA e na Movauto, as administrações mandaram para casa, com pagamento de ordenado, aguardando que a inércia e o temor os conduzisse à aceitação da esmola de uma indemnização de poucas centenas de contos por rescisão de contrato.
Estão as rescisões de contratos, ditas por mútuo acordo, que mais não são do que uma forma encapotada de despedimentos sem justa causa, já que o acordo na rescisão, para ser válido, tem de ser livre num grau de liberdade tanto mais exigente quanto é certo que à parte mais fraca na relação laboral - o trabalhador deve a lei, no seu cumprimento cabal, garantir as condições para o seu exercício.
E de que liberdade goza um trabalhador que se vê com salários em atraso, que vê rejeitados planos para reconversão do sector, que vê as montagens de automóveis reduzirem-se de dia para dia, que assiste à não renovação de contratos a prazo, que sabe que aos seus patrões interessa mais a importação de veículos montados no estrangeiro do que o aproveitamento dos recursos nacionais?

De que liberdade pode gozar um trabalhador da IMA que, relativamente ao ano de 1978 vê o seu salário real decrescer 40 %, tal como acontece na IMPEREX? Ou um trabalhador da MOVAUTO que em relação ao mesmo período vê o salário decrescer em 28 %? Ou mesmo um trabalhador da Renault que, relativamente ao ano de 1980, vê já o seu salário real decrescer em 17% ?

Nesta situação dramática, não podemos deixar de mencionar que os trabalhadores da IMPEREX têm um ano de salários em atraso, que na IMA há cerca de 2 anos que os salários são pagos sem fixação de datas e valores, a bel-prazer da administração, que os trabalhadores da Companhia de Motores e Camiões viram a sua empresa levada à falência apesar das propostas dos representantes dos trabalhadores para reconversão daquela. Utiliza-se já o aluguer de mão-de-obra de umas empresas a outras, de que são exemplos a 1MPEREX, que coloca trabalhadores de aluguer (cerca de 13 %) na PROVAL-EVICAR, e a Batista Russo em relação à SOMAVE.

E enquanto isto, os trabalhadores que ainda conservam os postos de trabalho, sofrem cortes nas regalias sociais e a imposição de ritmos de produtividade inadmissíveis por forma a ser cumprida mais rapidamente a contingentação que permita às empresas comerciais

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a importação mais célere de veículos automóveis já montados, no estado CBU e a obtenção mais rápida de cifrões e cifrões.
Porque, Srs. Deputados, ao contrário das intenções proclamadas no Decreto-Lei n.º 351/79, de 30 de Agosto, a verdade é que a política dos sucessivos governos foi no sentido de permitir a ruína da indústria automóvel com acumulação de lucros por parte do capital nacional e internacional.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - Todas elas ligadas a grupos capitalistas, as empresas de montagem de automóveis têm como detentores do capital social empresas que se dedicam à comercialização de automóveis e interessadas na obtenção de lucros fáceis nessa esfera.
Por isso aproveitam o período de protecção à indústria automóvel para levar à falência as linhas de montagem por forma a que, finda aquela protecção, possam encerrar calmamente as suas portas.
O caminho para o caos que desejam tem passado por uma inadequada política de preços, pelo reduzido ou mesmo nulo investimento dos accionistas, pela redução drástica da carteira de encomendas, pela dependência tecnológica em relação ao estrangeiro, pelo reduzido investimento em bens de equipamento.
A inadequada política de preços cifra-se na reduzida percentagem que os custos de montagem representam no preço da venda (10 % nos automóveis, 7 % nos veículos comerciais ligeiros e 3 % nos pesados). Por esta via, ao mesmo tempo que descapitalizam as empresas de montagem de que são sócios, as empresas comerciais transferem para si mesmas a riqueza criada pelos trabalhadores.
Pela redução da carteira de encomendas passam também os desígnios daqueles para quem interessa mais a importação de veículos estrangeiros já montados, e a quem a montagem no País interessa apenas e na medida em que estão dependentes desta para obtenção de importação de veículo no estado CBU.
Os dados revelam-nos que, em relação aos veículos comerciais ligeiros, a percentagem dos montados no País em 1983 é de 45,3 % relativamente ao ano de 1981, sendo 52,3 % a percentagem relativa aos comerciais pesados.
Entretanto, importaram-se em 1982 mais 12 006 automóveis de passageiros e mais 2545 veículos comerciais.
Assiste-se também a uma redução na montagem nacional para exportação.
É bem evidente, Srs. Deputados, que toda esta política contribui para a estagnação e decrepitude da economia nacional.
E a verdade é que o governo PS/PSD nada fez para pôr cobro a esta situação altamente lesiva dos interesses nacionais.
O Decreto-Lei n.º 351/79 apontava para a reconversão das empresas mas, mesmo assim, sem carácter obrigatório. Os trabalhadores, através dos seus organismos representativos estudaram e apresentaram planos para essa reconversão.
Mas a verdade é que as empresas ou os ignoraram ou apresentaram projectos que, encapotadamente, serviam apenas para obter mais importações de veículos, sendo por isso projectos simulados que lançaram trabalhadores no desemprego, Foi o que aconteceu na

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-IMA, que tendo apresentado um plano de reconversão veio a reduzir o número de trabalhadores de 650 para 257. O exemplo da MOVAUTO é também significativo. Depois de criada uma linha de frio, altamente rentável, assiste-se à venda dessa linha à FRISADO, agora nas mãos do capital estrangeiro, enquanto aquela empresa procedia a despedimentos e anuncia neste momento ainda mais 100 despedimentos.
É ainda de salientar o facto de o projecto Renault, desarticulado de um programa de reconversão total do sector automóvel, ser bem o exemplo de como o interesse nacional não esteve presente nem na sua elaboração nem na sua execução.
A Renault não atingiu, bem longe disso, as metas de produção e de exportação a que se comprometeu nem a taxa de incorporação nacional a que se obrigou.
Os trabalhadores, já em 1976 integrados no GEPA, estudaram os planos de reconversão do sector.
Reconversão que passa pela incrementação da produção de veículos de transporte público e de carga, pelo desenvolvimento da indústria de componentes, pelo aumento da exportação nacional, pela regra da suspensão da importação de veículos já montados, pela implementação de uma política de formação profissional de acordo com as novas tecnologias, enfim, pela vontade política de desenvolver o País.
Anunciava-se para 1985 uma indústria desenvolvida no sector automóvel. Ela está na ruína!
É por isso que acenos e promessas do género dos incluídos no Decreto-Lei n.º 351/79, mesmo que de novo reiterados, não convencem ninguém.
E muito menos os trabalhadores no desemprego, e todos aqueles que se defrontam com ataques diários aos seus direitos e que afirmam que este Governo não serve de facto à democracia que somos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, pretende a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não, Sr. Presidente, queria fazer um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Não pode fazê-lo neste momento, Sr. Deputado. V. Ex.ª ficará inscrito para o fazer na altura oportuna.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.

O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 4, a comunicação social regional da Madeira divulgou um comunicado da comissão política regional do PSD, no qual, a dado passo, se pode ler:

A Comissão Política Regional da Madeira do Partido Social-Democrata encara corri bastante preocupação um novo contencioso grave que tende a reacender-se entre a região autónoma e o Governo Central, tal como aconteceu entre 1976 e 1978.

Embora não seja sobre este aspecto que me queira deter, devo referir que a redacção utilizada enferma, a meu ver, de um erro traduzível no facto de, por um lado, se colocar a Região Autónoma da Madeira no seu todo e, por outro, o Governo Central. Os Governos da Madeira e da República é que seriam partes no hipotético contencioso. Não é de bom tom pretender que os governos em causa têm legitimidades diferentes, já que ambos resultam da vontade popular livremente expressa e, se um, o da República, tem a incumbência de governar Portugal, o outro, o da Madeira, deve, beneficiando das vantagens de descentralização, orientar as respectivas populações na senda do progresso, da estabilidade e da justiça social, fim último da autonomia regional.

De facto, não foi a omissão referida que me levou a reproduzir o texto citado. Se o fiz, foi por entender que, para além das palavras em si mesmas inofensivas, é um parágrafo que encerra uma ameaça inadmissível. Lembram-se todos do que aconteceu na Madeira durante o período de 1976 a 1978 - e não vou abusar da paciência dos Srs. Deputados recordando-o. Em democracia as relações institucionais devem pautar-se por princípios e excluir todas as formas de intimidação e de pressão, sob pena de se não estar a contribuir para a dignificação do regime, transformando a democracia numa caricatura mal conseguida e desinteressante.

O comunicado da comissão Política Regional da Madeira do PSD, como outros que se lhe seguiram, com o mesmo tipo de linguagem e de acusações ao Partido Socialista - maior partido a nível nacional e maior partido da oposição na Região Autónoma da Madeira - têm merecido da parte da federação regional do meu partido as tomadas públicas de posição que se impõem para a correcta compreensão do que se vem passando e que, como é sabido, se prendem com as dificuldades financeiras que a região vem enfrentando, cuja gravidade não é escamoteável. Pelo contrário, merece todo o nosso empenhamento para que, num clima de estabilidade e são relacionamento, se encontrem as soluções mais equilibradas para a sua superação efectiva, evitando que os Madeirenses sofram de forma violenta os efeitos desastrosos do degradar acelerado da crise financeira da região, de que em última análise não têm qualquer responsabilidade.

Há já cerca de 3 anos tem vindo o Partido Socialista, através da sua federação regional na Madeira, a tecer críticas e comentários ao modo como vinha sendo exercida a política económica e financeira e os perigos que se apresentavam à região por esse motivo. Nomeadamente: consideramos excessivos os volumes de endividamento regional; defendemos a contenção do défice orçamental; pugnamos pela definição de critérios para a atribuição de verbas às autarquias locais; insistimos na necessidade de racionalizar os gastos, mesmo os de investimento; levantamos a necessidade de ser revista a política de subsídios.
Enfim, estas constituem, entre outras, as nossas tentativas de contribuir de forma responsável, no âmbito do nosso papel do partido de oposição na Região Autónoma da Madeira, para que o futuro não viesse a demonstrar a razão das nossas previsões naquilo que elas tinham de mais pessimista e assustador.
Em verdade, nunca nenhuma das nossas críticas foi aceite como boa. Os resultados estão à vista e a notícia da eventual ruptura financeira da região cai, como um balde de água fria, nas legítimas e acalentadas esperanças dos Madeirenses e Porto-Santenses, confrontados agora com a possibilidade de dificuldades acrescidas.
Logo, com um sentido de antecipação notável, o PSD enjeita as responsabilidades pela situação criada

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e procura alijar as culpas para cima do Partido Socialista, utilizando para o efeito frases como esta: « É à porta do PS que devem ser exigidas satisfações pelos prejuízos que estão a ser causados à Madeira.»
A estupefacção não tem limites!
Que espécie de culpa poderá ter o PS em tudo isto? Será que o PS, sem o saber, já teve responsabilidades governativas na Madeira?
É preciso que fique claro. O Partido Socialista, ao contrário do que se pretende fazer crer, sempre, com sobriedade e serenidade, chamou a atenção para a política que vinha sendo desenvolvida por um governo que lhe não pertence e de que não faz parte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho pela autonomia regional o maior respeito. Não só por profundas convicções pessoais de que a descentralização e a regionalização constituem preciosos instrumentos de desenvolvimento e de progresso, mas ainda porque, no caso concreto da Região Autónoma da Madeira, a autonomia é uma realidade sentida e querida pelas respectivas populações, cujo sentimento é traduzido, de forma clara e precisa, no n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa.
Há cerca de um ano, nesta Câmara, numa intervenção então proferida, eu próprio fiz questão de salientar, a par de críticas que na oportunidade formulei, que a autonomia para o ser de corpo inteiro necessitava de dispor de meios financeiros capazes, Disse-o e reafirmo-o, não sendo por acaso que em inúmeras oportunidades tenha dado o meu apoio a iniciativas tendentes a dotar a Madeira de recursos financeiros suficientes.
Devo testemunhar aqui o empenhamento do PS, na Madeira, para através da sua acção contribuir para desbloquear esta ou aquela situação mais melindrosa e o seu esforço feito no sentido de que, na Assembleia Regional da Madeira, fosse aprovado o estatuto político-administrativo que, qual texto constitucional da região autónoma, estabelecesse com clareza quais as obrigações do Estado face à Região Autónoma da Madeira.
Não me atingem a mim, pessoalmente, nem à estrutura partidária a que me orgulho de pertencer, as acusações gratuitas e infundamentadas de «antiautonomistas» ou «adversários da autonomia» ou ainda, procurando reforçar a carga antipática de tais epítetos, de «colonialistas». Não sendo natural da Madeira, nutro pelas suas gentes, pela sua cultura e pela sua vida própria o respeito que a sensibilidade me habituou a ter por tudo o que resulta do esforço e do trabalho do homem, sentindo-me ali, onde resido há 9 anos, como se da minha terra natal se tratasse.
Em todas minha circunstâncias, farei o meu melhor. Estou certo que, em todas as circunstâncias, o meu partido fará o que tem feito, ou seja, contribuir para dignificar o regime autonómico pelo seu aprofundamento, perspectivado pela necessidade de desenvolvimento equilibrado e de progresso. As gentes da Madeira e do Porto Santo merecem-no e têm-lhe inteiro jus.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É perante este quadro que aparece publicado num semanário nacional o texto de um protocolo celebrado entre o Sr. Ministro das Finanças Ernâni Lopes, o Sr. Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira, Lino Miguel, e o Sr. Presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, em relação ao qual, me

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dispenso, por agora, de qualquer comentário, não podendo, no entanto, deixar de afirmar que a sua existêncía era conhecida publicamente já que, depois de celebrado, motivou da parte do Sr. Presidente do Governo Regional o comentário de que a situação financeira da Madeira estava resolvida e não causaria mais problemas.
Os termos exactos do acordo? Esses não! Apenas o ponto que respeita à consolidação dos empréstimos até aí contraídos.
Mas, existindo o acordo, ele deveria ter sido cumprido, e não o foi, sendo certo que o mais grave é o facto de na altura em que foi celebrado uma das partes o ter subscrito, sabendo de antemão não o poder cumprir integralmente, designadamente no que ao défice de 9 milhões de contos respeita, a julgar pelo menos por um excerto do último comunicado do Secretariado Regional da Madeira do PSD que refere: «[...] já o défice orçamental não ultrapassar os 9 milhões de contos revelava-se impossível.»
Cabe perguntar como é possível subscrever um acordo com que se não concorda ou que se sabe não ser exequível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, os dados estão lançados: E como o acaso - diria, circunstâncias - não permitiu uma mão-cheia de ases, são as empresas - e não só as de construção civil - os trabalhadores e os madeirenses em geral que podem ver o seu quotidiano afectado de forma drástica. Penso ser de toda a conveniência encontrar as soluções que a situação exige e, num clima de estabilidade social necessária, ultrapassar o que é ultrapassável e repensar o que o não é. Cada vez mais, a Madeira exige bom senso, serenidade e futuro!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de alongar esta minha declaração. Não posso, porém, terminar sem deixar bem vincado que, nesta como noutras circunstâncias, não me subtrairei às responsabilidades que me incumbem no exercício das funções de deputado, procurando contribuir para o prestígio do regime autonómico que, não sendo um fim em si mesmo, municia os homens para a batalha do progresso. Será sempre num clima de diálogo e de abertura, com recusa inabalável de sectarismos estéreis, que combateremos a inacção e enfrentaremos com confiança o futuro.

Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interpelo a Mesa apenas para manifestar o meu lamento pela circunstância de, nesta oportunidade, não ser possível responder, pedir esclarecimentos e protestar pela intervenção do Sr. Deputado Mota Torres.
Fica, no entanto, feita a nossa inscrição para oportunamente o fazermos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, queria propor, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, a realização urgente de uma conferência de presidentes.
Entendemos, Sr. Presidente, face à situação de rotura financeira em que se encontra a Região Autónoma

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-da Madeira, e não tendo o Governo produzido até ao momento - salvo informação em contrário de V. Ex.ª - as informações que lhe tinham sido solicitadas com carácter urgente pela minha bancada e pelo PSD na passada segunda-feira (coisa que muito estranhamos), que se impõe a reunião da conferência a fim de tomar as providências necessárias para que o Governo forneça atempadamente os elementos de que necessitamos para podermos exercer, em tempo, as nossas competências. A não ser que se pretenda excluir a Assembleia da República da intervenção nesta questão de interesse nacional e regional ...
Nesse sentido, exprimiria ao Sr. Presidente o interesse desta bancada em que convoque o mais urgentemente possível uma conferência de presidentes para podermos apurar as medidas que caibam e que são certamente urgentes.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. Entretanto, o Sr. Deputado Secretário irá consultar as respectivas bancadas para julgarem da pertinência e oportunidade dessa reunião de líderes.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos no período da ordem do dia.
O Sr. Deputado Secretário vai ler os relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos sobre pedidos de autorização para que alguns Srs. Deputados deponham como testemunhas.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, o primeiro relatório da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 1148, processo n.º 449/84, 1.º secção, do 17.º Juízo do Tribunal da Comarca de Lisboa, datado de 15 de Novembro corrente, enviado à Sr.º Secretária-Geral da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Edmundo Pedro, comunico a V. Ex. ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário, queira ter a bondade de ler o seguinte relatório.

O Sr. Secretário (Lemos Damião):

De acordo com o solicitado no ofício n.º 305, processo n.º 650, l.º Secção, do 6.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, datado de 22 de Novembro corrente, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca dos Srs. Deputados Narana Coissoró e Luís Eduardo da Silva Barbosa, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão

Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os referidos Srs. Deputados a deporem como testemunhas no processo em referência.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como não há inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário, queira ter a bondade de ler o relatório seguinte.

O Sr. Secretário (Lemos Damião):

De acordo com o solicitado no ofício n.º 1377, processo n.º 4189, 3.º Secção, do 5.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, datado de 14 de Novembro corrente, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Ovídio Augusto Cordeiro, comunico a V. Ex. ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Queira ter a bondade de ler o seguinte, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Lemos Damião):

De acordo com o solicitado no ofício n.º 3162, processo n.º 1748/84, 2.º Secção, do 1.º Juízo Criminal de Lisboa, datado de 13 de Novembro corrente, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado António Cândido Miranda Macedo, comunico a V. Ex.ª
que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de não autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em referência.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação, Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do relatório da Comissão de Regimento e Mandatos que acaba de ser lido.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, estou em condições de poder informar V. Ex. ª que não será possível promover a reunião dos presidentes dos grupos parlamentares da parte da manhã porque os Srs. Vice-Presidentes estão reunidos em conselho ad-

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ministrativo. À tarde, tomar-se-ão as providências para que não tenhamos de interromper a ordem do dia e far-me-ei substituir para promover essa reunião.
'rem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, face à interpelação do Sr. Deputado José Magalhães, pensei - e, se calhar, entendi-o mal - que o Sr. Presidente iria consultar as bancadas dos restantes partidos acerca da proposta do Sr. Deputado.
Ora, não sei se esse entendimento é correcto ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenciono consultar depois de ter condições de substituição. Como ela não se pode verificar, visto que os Srs. Vice-Presidentes estão em reunião de conselho administrativo, não fiz a segunda etapa.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, se me dá licença, pensei que ia neste momento consultar todas as bancadas e, se me fosse permitido, dava já a opinião do meu partido em relação a esta questão.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, é a todos os títulos louvável o interesse do Sr. Deputado José Magalhães, que não será seguramente maior do que aquele que tem o Partido Social-Democrata, em resolver esta questão.
Entendemos, contudo, que não se justifica uma conferência de líderes para resolver esta questão, na medida em que o problema se nos afigura ser da competência do Governo, sem prejuízo da capacidade que esta Assembleia tem de fiscalizar todos os actos do Executivo.
Nesse sentido, porque temos informações de que o problema está em vias de ser resolvido, sugerimos ao Sr. Deputado José Magalhães que utilize os direitos e disposições regimentais que lhe permitem mecanismos de intervenção nesta questão.
Mas, sinceramente, não se afigura necessário fazer a conferência de líderes especificadamente para resolver esta questão.
Em síntese, Sr. Presidente, não vemos qualquer interesse, em que contribua positivamente para a solução do problema. É ao Governo que pertence, exclusivamente, resolver esta questão. O Partido Social-Democrata tem a certeza de que o Governo não deixará de cuidar dos interesses que estão em causa neste momento em relação às populações da Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, neste momento não devo e nem tenho de pronunciar-me sobre esta matéria, mas sim na conferência de líderes, que espero que o Sr. Presidente convocará, a solicitação da bancada do Partido Comunista Português.
Queria interpelar a Mesa apenas no sentido de dizer que sempre foi da praxe nesta Casa - e espanto-me com a interpelação do Sr. Deputado Cardoso Ferreira - que quando um grupo ou agrupamento parlamentar solicita ao Presidente a convocação de uma reunião de presidentes, essa reunião tenha lugar. E aí,

nessa sede, cada um dirá o que entender sobre a matéria ou até sobre o facto da necessidade de realização da mesma.
É uma praxe que nunca foi posta em causa e não vejo que hajam motivos para que o seja agora, e neste momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, peço imensa desculpa, mas ainda sob a forma de interpelação terei de muito rapidamente responder ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Não nos opusemos, como, aliás, não nos podíamos opor. Há realmente essa praxe de, quando solicitada uma conferência de líderes, nos integrarmos e tentarmos resolver os problemas que são suscitados. O que emitimos aqui foi a opinião de que, aliás, a solicitação do Sr. Presidente, não víamos interesse e não se nos afigurava que essa reunião contribuísse positivamente para a resolução do problema. Foi apenas isto que dissemos e não nos opusemos de forma alguma. Temos, porventura, o maior interesse de todos os partidos desta Câmara em que o problema seja resolvido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar por terminado este incidente, pois na reunião de lideres irão ter oportunidade de melhor aprofundarem as posições de cada um dos partidos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, agradeço as informações que acaba de prestar e que vêm ao encontro daquilo que nós propúnhamos.
Queríamos apenas que ficasse registado em acta - um direito que nos assiste - a nossa estranheza pela posição da bancada do PSD, dada a natureza da questão que está em debate, uma vez que este partido ignora as informações que nós queremos solicitar na conferência e o exacto âmbito das questões que ai, certamente, vão ser colocadas - nos termos que o Sr. Presidente acaba de asseverar à Câmara que serão colocadas e que nós consideramos positivos e necessários.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na segunda parte da ordem do dia, ou seja, a continuação do debate sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional: Estamos a analisar um texto que constitui ou passará a constituir um conjunto de grandes opções ou princípios que deverão nortear todas as acções e definições no quadro da política de defesa nacional.
A primeira consideração que gostaria de fazer era a seguinte: considero que uma tal definição, dos grandes princípios e das grandes opções, deverá tender a obter o consenso, o mais largo possível, dos cidadãos portugueses, das instituições e daqueles que legitimamente representam os Portugueses. Mas este consenso não deverá ser tão largo que prejudique, no desiderato de o alcançar, a clareza, o rigor e a profundidade das

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opções a tomar. Ou seja, o texto em concreto, em 90 % dos casos, dado o seu grau de abstracção e generalidade, leva a que sejamos forçados a concordar com ele. Mas, por ser assim, há ambiguidades, lacunas que, a não serem preenchidas, invalidam o rigor e a clareza, inclusivamente do próprio consenso que ele poderia obter.
É evidente que este texto surge na Assembleia da República com um ano de atraso. Estamos hoje, aqui, a debater as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e tais opções, que deveriam já ter sido materializadas no Orçamento do Estado para 1984, só irão reflectir-se certamente no Orçamento do Estado para 1986, já que não é crível que possamos reconhecer traços das conclusões que deverão tirar-se deste debate no Orçamento do Estado para 1985. E, tendo sido aprovada há 3 anos a Lei de Defesa Nacional, a primeira e fundamental questão que se coloca a propósito deste debate - e à qual gostaria que o Sr. Ministro da Defesa Nacional respondesse ao longo de uma intervenção que certamente irá fazer no decurso deste debate - é a seguinte: este debate não tem conclusão em termos de votação da Assembleia da República, mas importa saber se ele não é mais que um mero ritual previsto na Lei de Defesa ou se, pelo contrário, podemos esperar deste debate alguma coisa que venha contribuir com rigor, clareza e eficácia para articulação das nossas forças armadas e os seus diversos ramos, com as grandes opções que deveriam resultar deste mesmo debate.
Era muito importante que o Sr. Ministro nos dissesse qual o grau de abertura com que se propõe participar neste debate, como é que o Governo o encara, já que, como sabe, ele não termina por nenhuma votação.
O texto que nos é proposto é um texto pobre quanto ao rigor, à clareza e precisão dos princípios e opções nele assumidos. O seu conteúdo essencial é constituído por um conjunto de generalidades, onde podem caber todas as conclusões, mas onde não cabe, seguramente, uma vontade política firme que seja o enunciado de uma escolha entre as várias opções possíveis no quadro da definição do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
O carácter genérico do texto e o seu conteúdo ambíguo levam-me, para já, a formular algumas interrogações e exemplos no sentido de precisar algumas das suas afirmações.
Do carácter ambíguo e genérico citarei apenas 4 exemplos:

1) Entre um dos objectivos, e cito o texto, que decorrem de definição constitucional há que destacar um deles: a «independência nacional no seu sentido mais amplo e profundo». O que quer isto dizer? Como se materializa num sentido amplo e profundo a independência nacional? Era importante que o Sr. Ministro o precisasse.

2) Diz o texto ainda: «A Nação é o valor estratégico fundamental, o que determina o reforço da coesão interna e o desenvolvimento dos valores éticos, morais e culturais que historicamente a formam e lhe dão razão de ser.»

15to tem a ver com o reconhecimento natural da ameaça de que o Sr. Ministro aqui falou, obviamente de uma forma indirecta, anteontem. Por isso, era importante que se aprofundasse mais quais esses valores éticos, morais e culturais. Têm esses valores um carácter imutável ou sofrem a evolução correspondente à noção de devir, que é o cerne da própria história da humanidade?
3) Por outro lado, o Sr. Ministro disse-nos aqui que os objectivos e os interesses que materializam o primado dos interesses nacionais constam da Lei de Defesa Nacional. Parece-me que haveria que acrescentar mais alguma coisa, pois os interesses nacionais alteram-se, muitas vezes em função da correlação de forças no plano mundial e em relação às conjunturas que se vão sucedendo à escala planetária. Era importante que se aprofundasse mais quais são os interesses próprios que devem ser afirmados no quadro das relações externas do Estado Português?
4) Uma última ambiguidade que era importante esclarecer é a seguinte: o que é que se entende por organizar a «indispensável capacidade dissuasora» em termos de distinguir esta capacidade do esforço para «assegurar uma capacidade militar própria» e tendo em conta as condicionantes económico-financeiras do País e as limitações humanas, materiais e económicas que temos?
Era importante esclarecer em que é que se distingue a organização de uma capacidade militar própria da indispensável capacidade dissuasora. Para mim não é claro e talvez haja uma coincidência que importa esclarecer.
No texto, e coexistindo com o carácter ambíguo de muitas afirmações das quais apenas dei poucos exemplos, podem detectar-se ainda algumas lacunas graves que importa preencher. Refiro-me, entre outras, a duas essenciais: à projecção marítima do nosso país reforçada pela adopção de uma vasta zona económica exclusiva, com larga incidência em opções de estratégia de defesa nacional. Não existe no texto uma clara referência a isto. É uma lacuna que tem de ser preenchida.
Por outro lado, como há dias o reconheceu o Sr. Primeiro-Ministro na sua comunicação televisiva, Portugal hoje não tem quaisquer problemas de fronteira a dirimir, não tem conflitos internos baseados em minorias nacionais, não existe, como ocorre com outras nações, um inimigo externo próximo - e sublinho próximo - que ameaça a integridade do território nacional e a nossa independência. E esta consideração está completamente ausente do texto. Aliás, não é por acaso que assim acontece visto que no outro dia, numa alocução no Instituto de Defesa Nacional - e se a memória não me falha -, o Sr. Ministro da Defesa Nacional referiu-se, mais uma vez, às ameaças e que havia que graduar as mesmas.
Porquê o carácter genérico e ambíguo do texto que nos é proposto? Porquê as lacunas que referi?
Julgo que a resposta a estas duas interrogações decorre de uma postura de fundo do Sr. Ministro da Defesa Nacional e que se resume na manutenção do status quo, o que de facto evita ao Sr. Ministro a definição de opções essenciais e, por outro lado, lhe permite jogar com as reivindicações dos distintos ramos das forças armadas, arbitrando consoante as suas próprias opções e a conjuntura política. Não irei ser tão maldoso que extraia daqui ilaçaes para o que se já discute tão abertamente, que é a famosa questão das eleições presidenciais.

Por outro lado, a manutenção do status quo impede que um dos princípios essenciais da revisão da Constituição e da Lei de Defesa Nacional seja plenamente assumida nas Grandes Opções do Conceito Estratégico

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de Defesa Nacional: a subordinação da esfera militar ao poder político legitimamente constituído. De facto, a ambiguidade e generalidade existente no texto permite que não seja assumida frontalmente esta subordinação por parte do poder político em relação ao militar.
Na verdade, com as opções que nos são propostas neste texto, nesta matéria e neste domínio tudo pode continuar exactissimamente na mesma, tala generalidade e ambiguidade das suas formulações. E como o poder político não precisou com rigor a clareza das suas opções, será a própria dinâmica das forças armadas determinada pelo status quo existente, a concretizar escolhas que o poder político não soube ou não quis fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal não tem ínimigos externos que possam constituir uma ameaça próxima e imediata à nossa integridade territoríal e às fronteiras que delimitam o espaço físico do exercício da nossa plena soberania. Portugal está integrado num bloco político-militar onde conta mais a sua posição geo-estratégica do que o seu potencial militar. E isto resolve alguns dos problemas da ameaça de que falava o Sr. Ministro na terça-feira.

A posição geo-estratégica de Portugal, na minha opinião, é inseparável da sua projecção marítima, delimitada pela potencialidade das costas continentais (defronte das mais importantes das rotas marítimas intercontinentais) e pelos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
Estas três considerações de facto, que julgo incontroversas, terão forçosamente de constituir vectores determinantes no plano das opções da estratégia de defesa nacional, nomeadamente no plano político-militar interno, que constitui um subcapítulo no texto que me foi proposto.
E, porque concordamos que Portugal deve assegurar uma capacidade militar própria, necessariamente baseada em opções fundamentais, julgamos indispensável que a projecção marítima de Portugal, que tem a ver também com a protecção, defesa e exploração eficaz da nossa ZEE, terá de ser concretizada nas Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. E é por estas razões que, na nossa opinião, se deveriam hierarquizar, em articulação com uma revalorização dos ramos das nossas forças armadas, as nossas opções estratégicas de defesa nacional, de modo a serem devidamente programados os investimentos, a formação dos recursos humanos, as etapas de valorização, mesmo no quadro da OTAN, das potencialidades da nossa posição geo-estratégica. Ou seja, não recuso nem renego uma consideração que me parece basilar e que é a seguinte: Portugal é um país europeu, mas a nossa posição na Europa será tanto mais valorizada, tanto mais eficaz, consoante tenhamos capacidade de assegurar os meios que materializem a projecção marítima de Portugal, nomeadamente no triângulo Madeira-Açores-costas continentais. 15to não está claro nas Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Obviamente que, nesta perspectiva, a marinha de guerra deveria constituir o pólo fulcral por onde passam as nossas opções estratégicas fundamentais e a Força Aérea deveria vocacionar-se em termos da projecção marítima do território português.

15to são opções muito concretas! Num outro plano que, porventura, não tem de aqui estar formulado, mas

cujos condicionamentos têm que estar claramente assumidos nos grandes conceitos, nas grandes opções da estratégia nacional. Ou seja, há que fazer escolhas, há que hierarquizar, há que dar prioridade às nossas opções e isso não fica claro com este texto.
Espero que o debate que estamos a travar - e voltava à primeira questão que tinha formulado - sirva para alguma coisa. Como isto não é objecto de votação, não sabemos qual a disponibilidade do Sr. Ministro para acolher alguma das considerações construtivas que julgo ter feito com a minha intervenção.
Estas opções, que aqui enunciei muito sistematicamente - e se calhar não é este o quadro adequado para aprofundá-las dadas as limitações de tempo de que dispomos -, ou outras diferentes, tal como estão formuladas as expressões e conceitos, não cabem neste texto. Era fundamental, na nossa óptica, que se fizesse um esforço no sentido de dotar o texto das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional com o rigor, a clareza e a profundidade que este não tem, preenchendo as lacunas que há que preencher e dando clareza, em lugar da ambiguidade, precisão e concretização em lugar da generalidade de muitas das formulações do texto.

Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Escutei atentamente a intervenção do Sr. Deputado César Oliveira que faz considerações que não partilho de forma alguma quando qualifica o texto apresentado das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional como sendo um texto pobre.
Queria, contudo, salientar que me parece que um texto como este tem, naturalmente, de ser genérico. De facto, o que se propõe hoje aqui e o que está em debate, Sr. Deputado, tem de ser um texto suficientemente amplo para poder beneficiar dos contributos que todos nós possamos dar, porque, como V. Ex.ª sabe, depois de acolhidas as sugestões aqui formuladas, o Governo apresentará então o conceito estratégico de defesa nacional.
Mas nas suas considerações o Sr. Deputado trouxe a esta Câmara uma questão fundamental que deve ser clarificada: a das ameaças.
Sendo o conceito de defesa nacional que partilhamos um conceito global, que se refere, portanto, a uma pluralidade de disciplinas ou de matérias em que a componente militar é uma e só uma - e não vou qualificar se é a mais ou a menos importante -, não colhe, em minha opinião, que o texto como o que hoje é aqui apresentado devesse consignar com rigor o que devem ser as ameaças.
Entendo, ao invés, que o conceito estratégico de defesa nacional a formular pelo Governo poderá e deverá dar apenas indicações nesse sentido a apontar os caminhos que permitam posteriormente à componente militar da defesa nacional definir, no âmbito do conceito estratégico militar, quais as ameaças e adequar-se em conformidade.
Queria saber, por conseguinte, se não entende que o texto que é aqui proposto como uma base ampla de debate na perspectiva da solicitação dos apports que possamos dar não deve consignar a este nível específico a questão das ameaças, antes remetendo para o

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conceito estratégico de defesa nacional a indicação dos caminhos para que seja possível na instância própria - a componente militar de defesa nacional - a definição clara dessas ameaças.

O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, queria agradecer-lhe a questão que me colocou, pois que me vai permitir uma discussão numa matéria que é fundamental.
Concordo com uma afirmação do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional feita aqui na última terça-feira, segundo a qual as ameaças de hoje podem não constituir ameaças daqui a 2, 30 ou 40 anos e que os amigos de hoje podem ser ameaças daqui a 10 anos. Estou de acordo em como não deve ser dada uma precisão ao conceito de ameaça. Mas, Sr. Deputado, nunca me coloquei nessa perspectiva. O que sempre disse foi que não havia uma ameaça imediata sobre as fronteiras portugueses - e reforço agora que não há uma ameaça imediata sobre as fronteiras terrestres portuguesas.
Ora, isto vai determinar opções fundamentais na formulação das prioridades e dos investimentos dos diversos ramos das forças armadas. E esta é uma questão fundamental.
Dir-me-á que o Pacto de Varsóvia é uma ameaça ao sistema onde nós estamos integrados, o Pacto do Atlântico Norte. Mas, mesmo nessa óptica, Portugal conta mais com o potencial da sua posição geo-estratégica do que como força militar própria para combater essa ameaça. Se, pelo contrário, perfilhar a ideia de que há uma ameaça imediata sobre a nossa fronteira, tenho que adoptar uma óptica diferente da que possuo em relação - e tenha isto só como exemplo - à prioridade dos investimentos do Exército e ao sentido opcional da direcção fundamental das prioridades que faço relativamente à Força Aérea. Eu entendo que a força Aérea portuguesa deve ter uma vocação predominantemente marítima e articulada com a nossa Marinha de guerra, facto este que constitui uma opção distinta da de se considerar que a Força Aérea deve ser dotada no sentido da protecção de fronteiras, para o ataque ar/solo, etc. O mesmo se passa em relação ao Exército.
Portanto, quando falo nas ameaças, pretendo referir-me a esta clarificação fundamental: a de saber se Portugal sofre ou não de ameaças externas imediatas nas suas fronteiras, nomeadamente as terrestres.
Esta opção é, pois, importante para determinar a prioridade dos investimentos, na medida em que, como V. Ex.ª reconhecerá, não temos capacidade nem disponibilidade económica e financeira para investir por igual nos diversos ramos das forças armadas.
Quando V. Ex.ª e - legitimamente, aliás, porque cada um tem legitimidade para defender aquilo que muito bem entende - faz propostas no sentido da redução da despesa pública, devo responder com o seguinte exemplo: ontem ou anteontem, para conter as despesas públicas, foram passados à reserva 1500 oficiais na República Federal da Alemanha.
Ora, é possível também que o peso do custo do pessoal no Exército, por exemplo, seja incomportável com uma política adequada e correcta de investimentos nas forças armadas.

Estas são questões que decorrem da formulação das Grandes Opções do Conceito Estratégico da Defesa Nacional, cuja clarificação é exigida pelas razões específicas que acabei de expor.
Julgo ter explicado a minha posição nesta matéria, mas...

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado, julgo que não me terei feito entender na pergunta que lhe formulei, razão pela qual vou repeti-la.
Esclareci o Sr. Deputado que, sendo a defesa nacional no conceito global que é perfilhado um conjunto de disciplinas e que uma delas é a referente às forças armadas, há vários tipos de ameaças: há ameaças na ordem económica, na ordem cultural, etc.
O Sr. Deputado, por seu turno, centrou a sua questão nas ameaças do ponto de vista militar. Ora, foi exactamente sobre essa matéria que lhe perguntei se não entendia que essa disciplina específica componente do conjunto das questões de defesa nacional o problema das ameaças nesse sector específico que propôs deveria ser deixado a cargo, na sua precisão e no seu rigor, da instituição militar aquando do estabelecimento do conceito estratégico militar.

O Orador: - Sr. Deputado, rotundamente lhe digo que a precisão rigorosa e o detalhe devem ser deixados ao conceito estratégico militar. No entanto, nem aqueles que foram eleitos legitimamente pelo povo português nem o Governo se devem eximir à definição da formulação geral da principiologia de onde decorre essa precisão rigorosa e detalhada.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, vou já terminar. De qualquer maneira, julgo que não perderemos muito tempo se o utilizarmos para aprofundar estes problemas.
O Sr. Deputado falou sobre a ameaça cultural e económica. Obviamente que considero - e, aliás, V. Ex.ª e lembra-se que eu estava presente na Comissão de Defesa quando se discutiu a Lei de Defesa Nacional que a defesa nacional é uma questão interdisciplinar e multidisciplinar. Simplesmente, temos que ter um grande cuidado quando nos pomos a discorrer sobre as distintas formas de ameaça, porque se o fizermos demasiadamente depressa e imponderadamente, podemos chegar a um ponto que recuso frontal e peremptoriamente: a questão da ameaça interna.
Tomemos o exemplo da ameaça cultural, por exemplo. É uma ameaça interna e, portanto, deve ser combatido pelas forças armadas no quadro da defesa nacional que por exemplo, defenda posições menos internacionalistas de um modo expresso?
Veja, Sr. Deputado, a perigosidade da sua concepção ou da ilacção que eu poderia tirar da sua concepção, ao considerar que há uma ameaça cultural ou económica que se reflecte internamente e que, por isso, deveria ser combatida no plano interno pelas forças ar-

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madas. 15to era «sul-americanizar» um bocado as nossas forças armadas, era ...

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não foi isso que eu disse!

O Orador: - Eu não disse que V. Ex. e tinha dito isso. O que eu disse foi que o raciocínio sobre algumas das suas premissas, se levado ao extremo, pode dar origem a essa conclusão. 15so é um perigo que nós devemos combater e prevenir no próprio Conceito Estratégico de Defesa Nacional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso ser esta a primeira vez que o fulcro de um debate parlamentar que travamos incide sobre conceitos e é um puro debate, não se destinando a apurar qualquer maioria. É, provavelmente, uma forma de sublinharmos que são as ideias de hoje que serão o objecto da política de amanhã.
É certo que o filósofo é raramente rei. Às vezes, dir-se-ia mesmo que isto é evidenciado de forma... forte de mais.
Mas também penso que não é má esta «separação de funções»; é ela que permite a regeneração de uma realidade em crise pela cultura de forças novas.
Não posso, porém, deixar de sublinhar que uma vez mais parecemos defrontados com uma, com mais uma oportunidade falhada. Em vez de um debate sério e aprofundado, capaz de constituir uma orientação política definida no debate de ideias entre as várias bancadas, não terá o Governo querido, e apenas, enviar-nos este texto porque a lei de defesa a tal o obriga, assim a modos como que uma «confissão para a desarrisca», da terminologia popular?
É que o texto que nos foi apresentado e o discurso que o introduziu permitem duas leituras, mas nenhuma lisonjeira para quem os subscreve.
Será «isto» tudo quanto o Governo foi capaz de pensar e nos propor? Este texto, que parece recolhido, agora que o Diário de Notícias faz 120 anos, de um editorial dos anos 50, em que se individualiza e se distingue de um similar que pudesse aparecer noutro país (muito embora a ideia de que os membros da Aliança Atlântica têm um só inimigo externo pudesse ter sido, anos atrás, rica de consequências na Grécia e na Turquia ... )?
Que estudo da situação estratégica lhe está subjacente? Pressupõe uma acção estratégica exclusivamente defensiva? E então contra quê, contra quem e como? Que raciocínios foram feitos relativamente ao comportamento de terceiros Estados?
Uma vez que se introduz a ideia de dissuassão, que meios se consideram adequados para dissuadir o inimigo?
E, uma vez que se trata de opções, quais foram as alternativas que eliminamos não optando por elas?
É que um conceito estratégico de defesa nacional só é útil quando, porque pressupõe a eventualidade de um conflito armado, inclui linhas de acção para confrontação directa ou indirecta, isto é, atacando pontos sensíveis do adversário ou defendendo os nossos próprios pontos sensíveis e levando terceiros Estados a reagir contra os nossos adversários, não actuando contra nós e, pelo contrário, apoiando-nos.

Só nestes termos, do conceito poderão retirar-se directivas quanto às estratégias gerais que o planeamento, por sua vez, considerará.
Ora, havemos de convir que as grandes opções que nos são presentes só poderão permitir alguma destas coisas a verificar-se a tese da física medieval do «horror ao vazio».
A segunda hipótese de leitura é a de que o Governo, sabendo mais, transfere para outro nível e patamar a autêntica discussão das grandes opções do conceito.
Tal como noutras grandes questões, a Assembleia da República começa por confrontar-se com factos consumados. Compraram-se os A-7, negoceia-se agora a aquisição de novas fragatas.
Não é apenas o «pequeno» problema de saber das prioridades nacionais. E também o problema de saber se o conceito estratégico da defesa nacional não fica, e à partida, condicionado por decisões tomadas como se esta discussão não tivesse lugar, ou a sua realização seja indiferente.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - E como o Sr. Ministro da Defesa Nacional e Vice-Primeiro-Ministro é, ao mesmo tempo, o principal responsável por tais decisões e por este debate, o mínimo que deve ao País, mais do que a todos e a cada um de nós, é o dizer da importância que ao Parlamento e aos seus debates confere.
Por nós não temos muito que estranhar, habituados como vamos estando a ver exercida a função própria do Parlamento em sucessivos conselhos nacionais ou cimeiras interpartidárias.
Mas, já agora, estou certo que gostaria o País de conhecer que instância substitui a Assembleia da República neste debate e que, por certo, não serão as forças armadas, sabido como é ter sido V. Ex. a um executor fiel da ideia da subordinação destas ao poder político.
Uma e outra leituras não são, pois, boas. Porque ou o Governo não sabe ou sabe pouco do que está a falar ou voluntariamente escamoteia um debate essencial à Assembleia da República.
Um Parlamento vale, e é dignificado e respeitado, quando se lhe reconhece a função de mediatizar a vontade popular. Por isso, todas as tendências de opinião deverão ter acesso ao debate, todas são dados do problema. Mas não há debate, mas a sua negação ou caricatura, quando elementos essenciais, são escamoteados e é a aparência e o ritual da formação da vontade que se pretende, mais do que auscultar interrogações e aspirações legítimas.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Quando um parlamento é usado como, para alguns, uma televisão, isto é, como um mecanismo de distracção e de adesão, mais do que de confronto, de discussão e de diálogo, estamos, no fundo e na realidade das coisas, a negar o direito de todos e de cada um a participar no devir social que é a essência mesma da democracia.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Há poucos anos, o padre Dr. Manuel Antunes, fazia do «estado moral da Nação» um retrato, que eu direi que, infelizmente, permanece actual.

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Cito de Repensar Portugal, e quase na íntegra:

É o descrédito - terrivelmente perigoso - de uma classe política, pouco preparada, que rapidamente ascendeu e, não menos rapidamente, está a declinar a olhos vistos, devido à incompetência, ao oportunismo, ao demagogismo e à excessiva partidarização dos seus quadros. É o desencanto ante o muito que se prometeu, no concernente à saúde, à educação, aos transportes, às assimetrias regionais, à habitação, ao nível e estilo de vida, à justiça social para todos, o muito que se prometeu e o muito pouco que se realizou em todos esses domínios. [.. .] É o sentimento de impotência para modificar um estado de coisas - em tantos aspectos deplorável! -, estado de coisas que um espirito crítico desperto e vigilante [...] mas desgraçadamente incapaz de ser acompanhado de igual espirito criador e que a tal desfasamento se tornou consciente, aumentando assim a inércia, a impotência e o consequente não-te-rales. É a sensação da incapacidade de parar, menos ainda de transformar, a entropia da desordem, o domínio do oportunismo campeador, a indefinição de realidades concretas cuja clarificação não se compadece com delongas,

Poderia prosseguir a citação. Com ela se identifica muito do que é o desencanto da minha própria geração face ao nosso quotidiano.
Mas, essencialmente, o que me importa é chamar a atenção da Assembleia da República para que, neste contexto, há um sentimento nacional a refazer. Necessária e urgentemente. .
É o sentido actual da nossa presença no mundo, o papel histórico que será o nosso, a visão prospectiva da nossa independência, que estão em causa.
Porque não há defesa nacional sem consciência nacional.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A defesa é, acima de tudo e antes de tudo, manifestação da vontade nacional.
É por assim ser que os esquemas de segurança colectiva não anulam nem esgotam as necessidades de uma defesa nacional que, pelo contrário, só completam, na medida em que a servem.
Sem a consciência de que temos um património digno de ser conservado, sem desenvolver a memória colectiva do que como povo nos uniu e fez viver séculos, sem a aposta assumida por inteiro de que vale a pena continuar em conjunto a viver a aventura do futuro, não será de esperar muito.
E importa ter em conta que a crise tão falada, até como álibi, e as suas consequências, se traduzem para uns no limiar da sobrevivência que os impede de olhar mais alto e para outros não é mais que o campo privilegiado da forma, apesar de tudo a menos nobre, do «salve-se quem puder» que é o oportunismo e o clientelismo subserviente e situacionista.
Sem raízes para a esperança, sem desenvolvimento, sem que a solidariedade nacional não seja apenas um slogan, qualquer conceito estratégico de defesa nacional se arrisca aficar esvaziado do factor humano que é a sua própria razão de ser.
É possível hoje e aqui falar-se num conceito estratégico de defesa nacional ignorando o peso crescente da

nossa divida externa, que, por exemplo, se traduz no sacrifício anual de quase 15 % do que produzimos para pagar encargos da divida?
Ou, por exemplo, termos de exportar fundamentalmente para pagar o que importamos, o que implica o ciclo das desvalorizações para podermos continuar?
Que capacidade de decisão dos nossos próprios projectos de futuro conservamos nesta situação?

E é esta situação que se pretende defender ou, pelo contrário, a defesa nacional pressupõe que esta situação seja enfrentada e resolvida?
Depois, porque somos, hoje de novo o espaço que fomos, valerá a pena pensar-se em termos de integridade territorial que não é apenas espaço abstracto mas local onde vive um povo e se enraíza uma cultura. Defende-se prioritariamente o território ou a população, em caso de incompatibilidade das defesas? Admite-se a «finlandização» para salvaguardar a vida das populações ou as formas mitigadas de «finlandização» que correspondem ao acumular incontrolado de factores de dependência externa?
Até que ponto foi considerada a problemática da defesa não militar da sociedade que há quem considere consequência da defesa em profundidade dos valores e instituições constitutivas da sociedade? 15to é, se o fundamento da dissuasão é o «terror» ocasionado pelas armas do adversário, o da segurança pela defesa nacional é a perspectiva da «ingovernabilidade» de uma sociedade militarmente vencida e ocupada. Tal é o campo, que um dos seus teorizadores, o dinamarquês Galtung, chama de transarmamento, porque «desarmar é deixar uma sociedade sem defesa; transarmar, é passar de um tipo de defesa para outro».
Até que ponto as Grandes Opçôes do Conceito Estratégico de Defesa Nacional correspondem à definição constitucional daquela confinada às agressões ou ameaças externas?
E que ameaças? Apenas as que respeitam ao campo militar?
Até que ponto poderá um conceito estratégico de defesa nacional ignorar que a nossa fronteira terrestre tem um único vizinho? Certo que se deixa entender que a viabilidade geo-estratégica do País depende em larga medida da integração do continente e das regiões autónomas e do mar que as liga.
Mas não é o facto de ser nesse espaço que se cruzam rotas vitais que nos confere a possibilidade de uma influência nem sempre bem usada ou nos confere vulnerabilidades maiores? Até quando será possível os EUA compatibilizarem uma aliança militar com uma política económica que nos arruina e nada tem a ver com a solidariedade noutros locais exigida?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em que medida as preocupações da coesão interterritorial que passam pelos problemas dos transportes e comunicações poderão deixar de incluir a possibilidade autónoma de os assegurar em todas as circunstâncias?
E, consequentemente, a necessidade de renovar a frota e dar trabalho aos estaleiros de construção naval?
Até que ponto o desejo de Portugal integrar a União Europeia Ocidental pode ficar arredado deste debate? E poderá o Governo deixar de nos esclarecer das razões que explicam ou justificam que uma vez mais uma candidatura portuguesa pareça insuficientemente pre-

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parada de modo a traduzir-se na recusa dos eventuais parceiros que pretenderíamos?
As opções NATO e CEE, e não apenas a primeira, não terão a ver com o conceito, assegurando a segunda a base de desenvolvimento indispensável? E caso a integração se não verifique? Há alternativas? Quais? E até lá?
Deixarei, por ora, de lado outro vector essencial do conceito que o debate deverá permitir clarificar. Defende-se contra quê e contra quem?
No último caso, se colocará a delicadeza das nossas relações com a Espanha, que, como é sabido, não é problema afastado nos contributos para um pensamento nacional de defesa.
Porque o tempo escasseia, limitar-me-ei a abordar um último aspecto: o da ideia de segurança presente num conceito estratégico de defesa nacional.
A questão da segurança é vista em termos de antropologia cultural como não oferecendo muitas alternativas, excluída a solução radical que consistiu em suprimir a relação pela supressão de um dos seus termos pelo genocídio ou pela redução à servidão completa ou pelo êxodo para outro lugar onde a vida isolada de um povo fosse possível.
Costuma dizer-se que a paz militar, fundada sobre a derrota de uma das partes, mesmo quando de longa duração, é essencialmente frágil, enquanto a paz diplomática, saída de uma negociação regulando uma situação concreta, é necessariamente transitória.
Que caminho se pensa desejável para Portugal?
Estamos, possivelmente, naquela encruzilhada do tempo em que é preciso substituir a coragem da história pela coragem do futuro.
Aqui ficam, fundamentalmente, algumas interrogações. É uma resposta colectiva a que importa.

Aplausos da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ângelo Correia pede a palavra também para formular pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Não, Sr. Presidente, é para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Porque o protesto tem prioridade sobre o pedido de esclarecimento, dou a palavra ao Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - A intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota não justifica pedidos de esclarecimentos porque, como ele próprio referiu, apenas fez interrogações.
Na sede do debate parlamentar o Sr. Deputado Magalhães Mota escamoteia a sua própria opinião, não diz o que quer, se é que quer alguma coisa, não diz o que pensa o seu partido, se é que o seu partido pensa alguma coisa. Faz interrogações! E diz ao mesmo tempo que o debate não é sério, que tem falta de condições de seriedade. Mas, independentemente do mérito ou demérito da exposição e da postura do Governo, elas existem. E num debate onde seria lógica a crítica, surge a interrogação; num debate onde seria claro e justificável a autopostura do proponente o que surge é a interrogação.
Se há porventura falta de seriedade neste debate, essa é de quem não afirma com clareza o que quer, o que sente e o que pensa, mas apenas especula, talvez em torno das suas próprias frustrações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Deputado Ângelo Correia, aceito como confissão útil que, quando não se afirmam claramente as nossas posições, se está a falsear um debate. Foi disso mesmo que acusei a proposta para debate que aqui nos foi apresentada.
Por isso, Sr. Deputado Ângelo Correia, através das interrogações que formulei procurei demonstrar que variadíssimos problemas que são essenciais para que este debate se trave - e se trave com a profundidade que ele merece - não podem ser escamoteados nem transferidos de sede. É aqui o lugar em que devem ser debatidos, é aqui que temos que os enfrentar, é aqui que temos que os formular.
E se o Sr. Deputado Angelo Correia me quer fazer alguma acusação, então diga-me - e aí sim, o seu protesto terá razão de ser - que alguma, várias ou todas as minhas interrogações não têm pertinência em relação a esse debate.

Vozes das ASDI e do Sr. Deputado Carlos Brito

(PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Angelo Correia pede a palavra para que efeito?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Para exercer o direito de defesa em meu nome, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - O Sr. Deputado Magalhães Mota teve uma afirmação correctíssima, mas invalidada logo a seguir por si próprio quando disse que era preciso prestigiar o Parlamento e torná-lo responsável.
Ora, não há mais responsável para um Parlamento - e por isso para um dos seus deputados - do que a afirmação daquilo que está contido no pensamento desse mesmo deputado.
Quando legitimamente o Sr. Deputado Magalhães Mota - na sua perspectiva e não na minha - diz que o debate não está a ser sério porque há falta de dados, então a forma ideal, correcta e única de responder, para prestígio do próprio deputado em questão e da instituição a que ele pertence, é fazê-lo numa moeda diferente daquilo que ele próprio acusou.
Por isso, Sr. Deputado Magalhães Mota, aquilo que é criticável em si não é a interrogação: é apenas a falta de exposição de ideias e de defesa do prestígio do próprio Parlamento.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

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O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, não quero vogar, navegar ou voar nas águas ou nos ares que me precederam, pelo que vou ao concreto das questões.
Qualquer que seja a política de defesa nacional, ela passa sempre pela organização da capacidade militar própria, tal como se afirma nas Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que acrescenta a necessidade de se «organizar a indispensável capacidade dissuasora».
Esta é uma questão fundamental, porque é importante que saibamos se se verificam condições para haver estas duas capacidades organizadas com um sentido de autonomia relativa ou se, pelo contrário, não há uma coincidência - eu diria quase absoluta - entre a nossa capacidade militar própria e a própria capacidade dissuasora. .
A primeira questão é, pois, a seguinte: o Sr. Deputado prevê ou propõe que a nossa capacidade dissuasora possa ultrapassar, ainda que minimamente, a nossa capacidade militar própria?
A segunda questão é aquela que julgo essencial, que não tem sido aprofundada e a que espero que o Sr. Ministro venha a dar resposta: a da projecção marítima ou atlântica (não tenho medo das palavras) de Portugal, que é um factor de revalorização da nossa potencialidade estratégica, de revalorização da nossa posição na Europa e de revalorização da nossa posição em relação aos países da Comunidade Económica Europeia.
Ora, se nós optarmos por vias que tenham em conta essa projecção marítima de Portugal, podemos estar a matar dois coelhos com a mesma cajadada, isto é, estamos também a dar um sentido útil às forças armadas portuguesas para que, em tempo de paz, possam assegurar as condições de vigilância e segurança, permitindo uma exploração eficaz, atenta e profunda da nossa zona económica exclusiva.
A questão que lhe coloco é esta: concebe V. Ex. e umas forças armadas portuguesas, que têm de ser dotadas de eficiência e de eficácia, que não tenham um sentido útil na sua actuação em tempo de paz, paz que espero que seja permanente durante a minha vida, a dos meus filhos e a dos meus netos (se eu os vier a ter)?
Esta questão é essencial, porque julgo não fazer sentido num país como Portugal pagar às forças armadas - e espero que as forças armadas não se ofendam com a terminologia frontal que muitas vezes uso e que constitui o meu estilo próprio -, a milhares e milhares de homens, gastar em equipamento sem fim, para depois estarem nos quartéis à espera do dia de amanhã, sem um sentido útil em tempo de paz.
Estas grandes opções ou estes princípios fundamentais da política de defesa nacional não deverão permitir opções fundamentais sobre a hierarquia, os investimentos e a programação em cada um dos ramos das forças armadas, em que, na minha concepção - e digo-o frontalmente -, o prejudicado terá de ser o Exército?
Gostava de saber qual a sua opinião sobre estes dois problemas que, não sendo muito concretos, são o suficiente para que fiquem mais bem elucidadas as grandes opções e os princípios que nós perfilhamos em matéria de defesa nacional.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Não faço parte do conjunto de deputados que se sentem ofendidos quando são interrogados ou quando são colocadas interrogações perante a própria Assembleia da República. Por isso, respondo com muito gosto ao Sr. Deputado César Oliveira.
Penso que há uma distinção entre a capacidade dissuasora de um país e a sua capacidade militar e que essa capacidade vem da própria interiorização do sentimento de defesa.
Se um povo inteiro participa desse sentimento de defesa, não está separado das suas forças armadas. Pelo contrário, está disposto a resistir, essa capacidade dissuasora é necessariamente maior do que a sua própria capacidade militar.
Quanto à questão da posição atlântica « versus» Comunidade Económica Europeia, penso que existem diversas questões importantes que teria interesse colocar neste debate.
Em primeiro lugar, porque, por exemplo, quando surgiu a Aliança Atlântica, ela tinha, inclusivamente, uma componente económica e essa componente económica está neste momento a ficar um pouco esquecida.
Penso que numa concepção global de defesa importa considerar vários vectores. Ora, numa das minhas próprias interrogações o que colocava era se não deveria igualmente ser considerado no vector de defesa nacional a própria adesão à CEE, podendo essa adesão significar um factor de desenvolvimento e, como tal; também um factor de defesa nacional - isto num conceito.
Penso que isto é contraditório com o vector atlântico e que, em termos de conceito estratégico-militar e de defesa nacional - sem ser em aspecto amplo -, a dimensão atlântica e a dimensão geo-estratégica de Portugal conferida pela posição no continente e nas ilhas adjacentes - o mar que separa este território é de facto essencial - deve assumir um valor privilegiado nesta definição.
Quanto à última das questões que o Sr. Deputado colocou, penso que este conceito estratégico que aqui nos é proposto é demasiado vago e pouco rigoroso para que nos possamos pronunciar sobre ele. Claro que nele se poderá dizer que cabe tudo. Pois cabe, mas é preciso que haja algumas precisões para que o conceito possa revelar-se útil e para que dele decorra, necessariamente, um conceito estratégico-militar, um conceito de planeamento, e para que não se possa dizer que o conceito surgido da discussão no seio do governo é, ele sim, rigoroso e definido, enquanto o conceito proposto à Assembleia da República foi propositamente impreciso, vago e ambíguo.

Vozes da ASDI!: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - O Sr. Deputado Magalhães Mota compreenderá que estou interessado em prosseguir até ao limite regimental este debate e que, portanto, tive de recorrer a esta figura do protesto.
Concordo com tudo o que o Sr. Deputado disse quanto ao carácter rigoroso e à clareza que as grandes opções e os princípios fundamentais da defesa nacional devem ter.
Duvido, porém, que a ambiguidade e a generalidade que aqui estão propostas não existam também no Go-

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verno e na definição do Governo. Se calhar existem e é por isso que na minha intervenção disse que o carácter ambíguo e demasiado genérico destas questões era perigoso, porque deixava as forças armadas entregues a si próprias, entregues à sua própria dinâmica, sem que o poder político tenha optado, frontalmente, sobre essas questões.
Mas deixemos isto e passemos a um ponto mais concreto. O que V. Ex.ª entendeu por «organização da capacidade dissuasora» tem uma dimensão estritamente política e cultural. Gostaria de recolocar esta questão ao Sr. Ministro da Defesa, para ver se nos entendemos quanto a esta matéria.
No texto há uma grande ambiguidade e, baseado nele, posso pensar que esta capacidade dissuasora é com mísseis Cruise, Pershing e Intercontinentais... O texto permite isso.
Se o que se entende por capacidade dissuasora é o que o Sr. Deputado Magalhães Mota afirmou, ou seja, a capacidade dissuasora decorre da consciência nacional e da disposição dos Portugueses se defenderem, quer no plano político, quer no plano militar, quer no plano cultural, estou de acordo que esse conceito aqui fique. Mas, então, deveríamos ser mais rigorosos nesta formulação, porque o que aqui está permite, inclusivamente, deturpações, especulações que poderão meter a ridículo o Ministério da Defesa Nacional, a Assembleia da República e até Portugal. Na verdade, não sei, nos termos em que esse conceito aqui está expresso, o que é que o Governo entende e o que é que possamos entender por organização da nossa capacidade dissuasora.
Se há um nível político e cultural global, estou de acordo com o Sr. Deputado Magalhães Mota. Contudo, é preciso que o Governo esclareça o que quer isto dizer, porque em termos militares não penso que a nossa capacidade dissuasora possa exceder a nossa capacidade militar própria.
Era este o sentido da minha pergunta que V. Ex.ª, involuntariamente, iludiu.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Deputado César Oliveira, estou no essencial de acordo com o que V, Ex.ª acaba de dizer,
Penso, no entanto, que é indispensável - repito e essencial a este debate que várias das opções que aqui estão colocadas sejam redigidas e formuladas em termos que não permitam o seu carácter de ambiguidade e generalidade, sob pena de termos um grande saco em que, sob a aparência do entendimento, existam todas as formas de desentendimento possíveis, todos os entendimentos imagináveis, enfim, todas as possibilidades. Há definições que, pretendendo ser demasiado completas, se revelam completamente impossíveis.
Já agora, se é possível introduzir uma nota de humor e alterar um pouco o sentido dessa intervenção, diria que houve algumas definições que me fizeram recordar uma outra, célebre, que era difundida nos meus tempos de estudante pelos nossos colegas da Escola Naval de então, que era a definição de zona de perigo. Dizia: «Zona de perigo é a zona dentro da qual os navios que estão fora dela não correm perigo algum.»

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, atendendo à proximidade do intervalo para almoçar,

queira ter a bondade de me informar se a sua intervenção demora mais que 15 minutos.

O Sr. Soão Amaral (PCP): - Demora um pouco mais, Sr. Presidente. Além disso, suponho que o intervalo para almoçar cortaria o debate subsequente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, penso que será de toda a conveniência que os trabalhos sejam suspensos e recomecem da parte da tarde, às 15 horas.
Entretanto, queria informar os Srs. Deputados que há uma reunião de líderes, pelo que convido desde já os representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares a comparecerem no meu gabinete, às 15 horas e que das 15 horas às 18 horas decorrerá o processo eleitoral para a eleição de um Sr. Juiz para o Tribunal Constitucional.
Está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 45 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão vai prosseguir com a continuação do debate sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, para o que está inscrito o Sr. Deputado João Amaral.
No entanto, está também previsto que se inicie a votação para eleição de um juiz para o Tribunal Constitucional, simultaneamente com o debate. Peço, portanto, aos Srs. Vice-Secretários (ou quem os substitua) para prepararem o acto eleitoral, e que sejam distribuídos os boletins de voto.
A votação encerra às 18 horas e a Mesa vai votar, em primeiro lugar, pelo que interrompo momentaneamente a sessão. .

Pausa.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de se esclarecer a votação que estamos a efectuar. Tanto quanto me foi dado ver, o boletim de voto que foi distribuído apenas contém um quadrado, pelo que pergunto como é que se distinguem os votos contrários e os votos de abstenção. Desta forma dá-me ideia que o quadrado apenas permite distinguir os votos sim e os votos nulos (a que corresponderá riscar a lista).
Creio que sendo esta uma votação que exige uma determinada maioria qualificada, os termos em que está feito o boletim de voto pode, posteriormente, pôr em sérias dúvidas a interpretação da Assembleia sobre se um determinado candidato foi ou não eleito.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Para evitar essa situação, sempre desagradável, penso que seria melhor, antes de a eleição se processar, clarificar todas estas questões.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, interrompo a votação.
Sr. Deputado Luís Beiroco, como sabe, assumi há
pouco a presidência da Mesa e não tinha observado o boletim de voto e analisado a lei aplicável neste caso.
Creio que há um equívoco na elaboração dos boletins de voto. O artigo 16. º da Lei n.º 28/82 que define a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional diz o seguinte:

ARTIGO 16. º

(Votação)

1 - Os boletins de voto contêm, por ordem alfabética, os nomes de todos os candidatos, com identificação dos que são juízes dos restantes tribunais.
2 - À frente de cada nome figura um quadrado em branco destinado a ser assinalado com a escolha do eleitor.

Foi este n.º 2 que conduziu à elaboração dos boletins de voto, que apenas têm um quadrado e não permitem assim a expressão completa da vontade dos Srs. Deputados quando votam.
Estou de acordo com a interpelação do Sr. Deputado Luís Beiroco acerca deste problema, pelo que serão elaborados, no mais curto espaço possível, novos boletins de voto que permitam a expressão correcta da vontados dos Srs. Deputados.
Nestas circunstâncias, vamos retomar o debate sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional dando a palavra para uma intervenção ao Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma primeira nota a lembrar a ausência do Sr. Ministro da Defesa Nacional ...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem! Falta o ministro da Defesa!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional acaba de me dizer que já foi explicada a ausência do Sr. Ministro da Defesa Nacional. É que devido a um compromisso anterior o Sr. Ministro não pode estar, neste momento, presente, mas virá aproximadamente, dentro de 60 minutos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, continuo a sublinhar a ausência do Sr. Ministro da Defesa Nacional. Este debate não é conclusivo, ou seja, não tem uma votação e o que importaria neste quadro era que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional pudesse participar neste debate, em termos de ouvir o que aqui é dito e esclarecer o que é importante que seja esclarecido da sua parte.

Vozes do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado da UEDS, César Oliveira: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A primeira observação que levanta o documento que o Governo aqui apresenta,

é que, em vez de suscitar um debate, parece marcado pelo objectivo de frustrar o que aqui deveria ser feito, isto é, uma verdadeira análise das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. 15so já foi abundantemente sublinhado em intervenções anteriores.
Como se demonstrará, o Governo aparece aqui, lamentavelmente, preocupado apenas pelo objectivo de pôr a Assembleia da República a dar cobertura a opções e práticas que manifestamente infringem as determinações constitucionais sobre a matéria de defesa nacional. A intervenção do Sr. Ministro da Defesa Nacional foi esclarecedora, a esse respeito !
Convém, entretanto, definir o que é este debate, o que visa e que relevância tem para o País.
Srs. Deputados, o artigo 8.º, n.º 2, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro) entende por conceito estratégico de defesa nacional a «definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional».
Referindo-se a estes (objectivos da política de defesa nacional), o artigo 5. º da mesma lei, sob a epígrafe «Carácter nacional e objectivos permanentes da política de defesa», diz o seguinte:

O carácter nacional da política de defesa perante qualquer agressão ou ameaça externas decorre dos seguintes objectivos permanentes:

a) Garantir a independência nacional;
b) Assegurar a integridade do território;
c) Salvaguardar a liberdade e a segurança das populações, bem como a protecção dos seus bens e do património nacional;
d) Garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberanias, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado;
e) Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, de modo que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados a qualquer agressão ou ameaça externas; e,
f) Assegurar a manutenção ou o estabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais.

O quadro legal de objectivos da política de defesa nacional (a atingir através de uma estratégia global do Estado, configurada no conceito estratégico de defesa nacional), decorre, por sua vez, da própria definição constitucional de defesa nacional, inscrita no artigo 273.º da Constituição que se transcreve:

ARTIGO 273.º

(Defesa nacional)

1 - É obrigação do Estado assegurar a defesa nacional.
2 - A defesa nacional tem por objectivos garantir, no respeito das instituições democráticas, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.

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A mais, há a acrescentar que a Lei da Defesa Nacional configura a política de defesa nacional com carácter permanente, natureza global e âmbito interministerial. E que a Constituição da República define que às forças armadas < incumbe a defesa militar da República» (artigo 275.º, n.º 1), reservando a sua composição exclusivamente a cidadãos portugueses, baseando a sua organização (única para todo o território nacional) no serviço militar obrigatório, colocando-as ao serviço exclusivo do povo português e reservando para a lei de regulamentação dos estados de sítio e de emergência a definição das condições de emprego das forças armadas quando se verifiquem aquelas situações.
Finalmente, sublinhe-se que nem na Constituição, nem na Lei de Defesa Nacional, os compromissos internacionais constituem elementos estruturais da definição da actividade de defesa nacional. A Lei de Defesa Nacional separa-os expressamente, remetendo-os para outro artigo (3.º).
Srs. Deputados, a definição do conceito estratégico da defesa nacional é entretanto precedida do debate que ora decorre na Assembleia da República.
De facto, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas «as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional serão objecto de debate da Assembleia da República [...] previamente à sua adopção [...]».
O debate que aqui decorre é, assim, inegavelmente importante. Se ele precede a definição do conceito estratégico de defesa nacional, precede logicamente tudo o que desse conceito decorre e que não é pouco - é ao fim e ao cabo tudo o que será a actividade de defesa nacional.
Concretamente, este debate precede a definição do seguinte:

a) Do conceito estratégico de defesa nacional, que define «os aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional» (artigo 8,º, n.º 2, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas), cuja aprovação é da competência do conselho de ministros, mediante proposta conjunta do primeiro-ministro e do ministro da Defesa Nacional, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior e precedendo apreciação do Conselho Superior de Defesa Nacional (artigo 8.º, n.º 2, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas);
b) Do conceito estratégico militar, cuja elaboração compete ao Conselho de Chefes de Estado-Maior e que deverá ser aprovado pelo ministro da Defesa Nacional e confirmado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional (artigo 23.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas);
c) Das missões específicas das forças armadas e da manobra militar estratégica, definidas pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, mediante proposta do ministro da Defesa Nacional, elaborada sob projecto do Conselho de Chefes de Estado-Maior (artigo 24.º, n.º 2, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas);
d) Do sistema de forças necessárias ao cumprimento das missões das forças armadas, cuja definição compete ao Conselho Superior de

Defesa Nacional, mediante proposta do ministro da Defesa Nacional, elaborada sobre projecto do Conselho de Chefes de Estado-Maior (artigo 25. º , n.º 1, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas);
e) Do dispositivo dos sistemas de forças, aprovados pelo ministro da Defesa Nacional sob proposta do Conselho de Chefes do Estado-Maior;
f) Dos projectos de propostas de leis de programação militar adequados ao planeamento a médio prazo destinado ao reequipamento das forças armadas e as infra-estruturas de defesa e dos projectos de orçamento anual do Ministério da Defesa Nacional, incluindo o das forças armadas, cuja elaboração compete ao Conselho Superior Militar e que são apresentadas à Assembleia da República pelo governo.

É correcto, neste momento, sublinhar que a intervenção da Assembleia da Republica se processa em diferentes momentos e circunstâncias, muitos deles fortemente condicionadores da aplicação do conceito estratégico da defesa nacional e do conceito estratégico militar que dele decorre.
Assim, compete à Assembleia da República, designadamente, o seguinte:

a) Aprovar o Orçamento do Estado, que condiciona o volume de despesas afectadas ao Ministério da Defesa Nacional e às forças armadas;
b) Aprovar as leis de programação militar, que definem os programas de reequipamento das forças armadas e de infra-estruturas de defesa;
c) Aprovar a Lei do Serviço Militar Obrigatório, que condiciona a própria organização, capacidade e efectivos das forças armadas;
d) Aprovar as lei de mobilização e de requisição; e) Aprovar os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, paz e de defesa, os respeitantes a assuntos militares, bem como (além dos que o Governo entenda submeter-lhe), todos os tratados que versem matéria da sua competência legislativa reservada (incluindo, entre outras matérias, as seguintes: definição dos limites das águas territoriais, da zona económica exclusiva e dos direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos; a definição da cidadania portuguesa; a rectificação de fronteiras).

É precisamente neste quadro de competências da Assembleia da República que o debate em curso assume toda a sua relevância.
Se é a Assembleia da República que aprova o Orçamento do Estado, as leis de programação militar, a lei do serviço militar, as leis de mobilização e requisição e os tratados fundamentais, então sem a aprovação da Assembleia não poderão ser inscritas as verbas ou assumidos os compromissos necessários ao dispositivo e sistema de forças considerados necessários. O que significa, Srs. Deputados, ao fim e ao cabo, que as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional devem ser suficientemente explícitas para enquadrar

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e justificar as verbas e compromissos que, por outra via, sempre terão de ser submetidas à Assembleia.
Que se esperaria, então, que contivessem as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional? Que se esperaria, designadamente no quadro dos objectivos traçados para a política de defesa nacional?
De forma directa, esperar-se-ia o seguinte:

a) Que descrevesse com rigor e verdade a situação do País nos contextos regional e mundial;
b) Que analisasse a evolução possível ou previsível desses contextos, graus de potencialidade e incidência no País;
c) Que traçasse um quadro sucinto da forma ou formas de intervenção do País na evolução desses contextos regional e mundial;
d) Que, face à análise anterior, definisse (mesmo que referencialmente), as ameaças, elementos constituintes e suas possibilidades (credíveis), identificando-as no quadro das evoluções possíveis ou previsíveis;
e) Que pesasse e analisasse as vulnerabilidades e potencialidades;
f) Que, nesse quadro, equacionasse e definisse as grandes opções da estratégia geral a seguir, referenciando-as a princípios e objectivos claros e precisos, que possibilitassem a subsequente elaboração dos conceitos que dela decorrem, nomeadamente, conceito estratégico de defesa nacional, conceito estratégico militar, missão específica das forças armadas, manobra militar estratégica, sistema de forças e dispositivo.

Este enunciado (necessariamente incompleto) do que se esperaria que fosse aqui trazido como Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional está obviamente enquadrado:
Em primeiro lugar, no carácter nacional da política de defesa nacional, cuja actividade se destina a prevenir ou combater qualquer agressão ou ameaça externas; em segundo lugar, nos objectivos da defesa nacional, que tal como se encontram constitucionalmente definidos são os da garantia da independência nacional, da integridade do território, da liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas.
Enquadrado desta forma, o enunciado de questões que este debate envolve deveria conter também a referência e análise de condicionantes significativas, entre outras, situação financeira e restrições, as sujeições logísticas, designadamente na zona das dependências externas, etc.
Srs. Deputados, o que se pode dizer do documento que o Governo apresentou a esta Assembleia é, por um lado, que não contempla o fundamental das questões, procurando sonegar aquilo que aqui deveria ser discutido; e por outro lado, que envolve Portugal num sistema político-militar que compromete o País e a adopção de uma real política de defesa nacional.

Os Srs. Carlos Brito e Ilda Figueiredo (PCP): Muito bem!

O Orador: - O documento diz pouco ou nada, sobre toda a matéria que lhe deveria estar pressuposta. Nada sobre a situação do País, nada sobre a evolução

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possível ou previsível dessa situação, nada sobre os meios de intervenção adequados à defesa dos interesses nacionais no quadro da evolução possível ou previsível, nada sobre o quadro referencial das ameaças (credíveis) definidas nesse contexto, nada sobre vulnerabilidades e potencialidades.
Mas, se diz pouco ou nada sobre tudo aquilo que deveria dizer, e que é esta matéria, o documento já diz muito sobre o quadro do desenvolvimento do País em compromissos exteriores.
Desde logo, o Governo, no primeiro parágrafo do texto, condiciona a política de defesa nacional (contra o que está definido na Constituição) ao quadro dos compromissos internacionais assumidos! 15to é: não são os compromissos internacionais (e a sua escolha) que resultam da política de defesa nacional, nacionalmente definida. É o contrário, Srs. Deputados. O que sobra como política de defesa nacional é uma estreita margem de manobra que, no essencial, é o que resulta .e sobra do que exteriormente está e for fixado e imposto ao País pelos dirigentes da NATO e dos Estados Unidos da América!
Aliás, a colocação em segundo plano de dois dos objectivos traçados constitucionalmente para a defesa nacional (os objectivos de garantir a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas) é, neste quadro, particularmente significativa. A consideração pelo Governo da «independência nacional» aparece, assim, num quadro redutor, viciada na base pelos compromissos internacionais e descomprometida da defesa directa da integridade do território e da liberdade e segurança das populações.
Assim e por força do documento do Governo este debate torna-se simultaneamente viciado - por não corresponder às exigências da definição nacional de uma política de defesa nacional; e denunciador - dos objectivos prosseguidos e dos compromissos assumidos pelo Governo perante as instâncias da NATO e dos EUA, que redundam em comprometer e inviabilizar uma definição nacional de uma política de defesa nacional.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - São vários, neste quadro, os planos de análise:
Em primeiro lugar, importa analisar os elementos conhecidos da política governamental de enfeudamento à NATO e aos EUA. Em segundo lugar, importa referir o que é conhecido acerca dos planos globais da NATO e dos EUA acerca do nosso país.

Em terceiro lugar, importa equacionar os vectores reais que devem presidir à definição nacional de uma política de defesa nacional e, em quarto lugar, importa abordar o essencial do que deveriam efectivamente ser as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Vamos analisar cada uma das questões.
Quanto d política governamental, salientam-se alguns pontos:

1.º Renovação do tratado - sublinho tratado! das Lajes, com concessão de novas facilidades militares às forças armadas norte-americanas (à margem das competências próprias da Assembleia!).

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I SÉRIE - NÚMERO 28

Entre parênteses, devo dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, que ainda hoje a imprensa traz, para conhecimento público, o escândalo que é o regime laboral dos trabalhadores portugueses em serviço na base das Lajes. O Governo não trouxe aqui, minimamente, o que é o conteúdo desse acordo laboral e a verdade é que o conteúdo desse acordo laboral com trabalhadores portugueses, está à margem das leis portuguesas, e coloca-os num regime especial que contraria a Constituição da República - desde logo, a segurança no emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa. É um escândalo que não podemos deixar de aqui registar.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

2.º A autorização para a instalação em território nacional de uma estação de rastreio de mísseis - parece que em Almodôvar - (com implicações eventualmente mais graves, nó quadro de denominada «guerra das estrelas»;
3.º O projecto (claramente anunciado pelo vice-primeiro-ministro Mota Pinto) da utilização da base de Beja pela força rápida de intervenção norte-americana;
4. º A permissão para utilização da base das Lajes para trânsito de armas nucleares;

5. º A utilização cada vez mais frequente do porto de Lisboa por navios e submarinos atómicos e portadores de mísseis nucleares;
6. º A renovação do acordo luso-francês respeitante à estação de rastreio de mísseis na ilha das Flores;

7. º O prosseguimento, por parte do Governo, de negociações com vista ao crescente envolvimento da ilha de Porto Santo na manobra estratégica dos EUA;
8. º O anúncio (não formalmente negado) da construção de uma base naval no estuário do Tejo.

Estes 8 pontos não esgotam as acusações neste domínio a fazer ao Governo. Todos eles envolvem novas e crescentes concessões à NATO e aos Estados Unidos da América que, comprometendo cada vez mais, o território nacional, numa rede de instalações militares servindo directa ou indirectamente forças armadas estrangeiras e que fazendo-o a níveis cada vez mais sofisticados do aparelho militar, se tornam de forma manifestamente grave em factores acrescentados de perigo para a segurança nacional.
Entretanto, Srs. Deputados, importa expressar aqui de forma particularmente incisiva que neste quadro, é também perigoso para a segurança nacional e inadmissível do ponto de vista da definição nacional de uma política de defesa a aceitação de directrizes, ingerências ou decisões estrangeiras em relevantes sectores de defesa nacional, incluindo nas condições de promoção e no ensino da doutrina militar.
É o que se passa também - e deve aqui sublinhá-lo - quanto ao privilegiamento da 1.ª Brigada Mista Independente (que, como é do conhecimento geral, tem, em caso de conflito, missão estratégica definida para fora do País); à secundarização dos meios operacionais adequados à garantia da integridade do território; à definição de missões para a Força Aérea e para a Marinha ligadas ao patrulhamento global do Atlântico

Norte; à secundarização do controle da zona económica exclusiva portuguesa e das rotas marítimas e aéreas de ligação de parcelas do território nacional; à admissibilidade da intervenção no todo ou em parte do território nacional de forças armadas estrangeiras - tudo isso representando formas directas ou indirectas de alienar a definição nacional de uma política de defesa nacional e significando admitir que as componentes de defesa resultantes de compromissos externos se podem sobrepor aos interesses nacionais e à estrutura própria de uma política de defesa nacional.
Srs. Deputados, a ligação entre esta actividade governamental e os factos mais salientes da política externa do Governo é evidente.
Basta pensar em factos como: o apoio à corrida aos armamentos (de que é exemplo: apoio à instalação de novos mísseis norte-americanos na Europa); o apoio às ingerências, intervenções, agressões e guerras não declaradas conduzidas pelos Estados Unidos da América ou sob sua inspiração ou direcção (como é o caso de Granada, Nicarágua, Palestina, Líbano, África Austral); o apoio à política de agressão e apartheid do regime racista sul-africano; o apoio a actividades contra-revolucionárias (de que é exemplo a Unita) e a ditaduras reaccionárias (de que é exemplo a Coreia do Sul), e a política provocatória em relação a países socialistas.
Uma tal política externa torna-se obviamente instrumento de estratégica agressiva norte-americana.

Sem o mínimo de dignidade e brio nacionais, uma política externa como esta condiciona e compromete a definição nacional de uma política de defesa e acaba por inserir-se, sem nenhuma mediação, na exacta formulação que a NATO e os Estados Unidos da América fazem do território nacional e do País no seu conjunto.
Sobre esta matéria (que é o segundo ponto a abordar), muito se tem dito e escrito - e muito mais se tem deixado de desvendar ou entrever por formas incidentais às vezes desconexas... Vale a pena citar algumas referências recentes.
Num artigo traduzido há poucos meses em Portugal, e de autoria de um especialista estrangeiro, resume-se de forma crua a função tripla de Portugal (e de Espanha) no sistema de defesa dos Estados Unidos. A tripla função seria a seguinte: por um lado, «a da plataforma aeronaval para as operações desencadeadas na Europa, no Mediterrâneo e no Atlântico oriental; por outro lado, a de porto de escala no quadro de uma ponte aérea air lift e de uma ponte marítima sea lift, dirigidas para a Europa central; e em terceiro lugar, a de um reduto defensivo ou base avançada dos EUA, caso de este país decidir preparar ou desenvolver uma contra-ofensiva em direcção ao continente europeu».
Prosseguindo, o mesmo autor esclarece que «desde 1943 os Açores estão integrados no sistema americano de defesa avançada», tornando-se numa «escala obrigatória para o reabastecimento em carburante dos aviões de intersecção e de ataque americanos enviados para a Europa do Sul e central» e numa «base de apoio logístico para a II Esquadra americana», exercendo ainda - e cito - «no contexto da NATO, as funções de apoio à estratégia marítima do SACLANT». Quanto à Madeira, e ainda segundo o mesmo autor «o aeroporto de Porto Santo encontra-se equipado segundo as normas da NATO de forma a receber os aviões de reconhecimento americano», e, - continuo a citar -

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«em caso de crise, o porto do Funchal poderá abrigar diversos navios de grande tonelagem».
Passando a enunciar as perspectivas mais recentes dos Estados Unidos da América relativas a toda a situação da Península, o autor diz o seguinte, sem nenhum pudor: o significado do «Tratado de Amizade e Cooperação» celebrado entre a Espanha e os Estados Unidos (renovado em 24 de Fevereiro de 1983) e que define uma «zona de interesse comum» (ZIC), compreendendo designadamente «uma grande parte do Atlântico», do que resulta que « os dois países (a Espanha e os Estados Unidos) terão que se mover [... ] num contexto em que o espaço peninsular aparecerá unificado e essencialmente controlado pelos Americanos». Acrescenta o autor do artigo, para que tudo fique claro: «A unificação estratégica da Península implica: novas facilidades para as forças armadas americanas, reorganização dos aparelhos militares português e espanhol, e reorganização dos comandos da NATO, com acesso da Espanha ao Tratado do Atlântico Norte.» E mais: implica também a definição da zona peninsular como «ponto de apoio» para uma nova «força de intervenção rápida» dos Estados Unidos da América.
É neste quadro que o mesmo especialista coloca a renovação do acordo luso-americano, assinado em 13 de Dezembro de 1983. Afirmando que «do ponto de vista dos militares americanos, Portugal está vocacionado para se tornar num porta-aviões», enuncia e clarifica as pretensões dos Estados Unidos:
1) Modernizar a base das Lajes de forma a poder utilizá-la como ponto de reabastecimento da «força de intervenção rápida»;
2) Construir uma base de submarinos em Porto Santo;
3) Utilizar em regime permanente as bases continentais.

Passando por alto um ponto o que é incidental e que é a escandalosa ingerência contida na afirmação de que os Estados Unidos e a NATO «multiplicam as pressões no sentido de serem afastados dos postos de responsabilidade todos os oficiais do antigo Movimento das Forças Armadas», o autor termina com a crucial questão de reorganização da estrutura de comando, pondo duas hipóteses: na primeira, seria criado um comando de forças terrestres aliadas na Península Ibérica (sediado em Madrid e que integraria a 1. º Brigada Mista, que como é sabido, é integrada por forças militares portuguesas) e a Espanha participaria no COMIBERLANT, criando-se um comando subordinado nas Canárias; na segunda hipótese, ainda muito mais grave (e que seria, segundo o articulista, o «cenário recomendado pelos Estados Unidos»), criar-se-ia um «comando aliado da Península Ibérica», de resto, na lógica, acrescenta, do Tratado Hispano-Americano de 1976, que engloba a totalidade do COMIBERLANT, nomeadamente as águas territoriais portuguesas e a zona da Madeira».
Srs. Deputados, isto é um escândalo, porque está escrito e está ao conhecimento de todos os portugueses.
Tudo visto, trata-se neste artigo de um dos mais explícitos resumos da forma como os Estados Unidos da América e a NATO configuram o território nacional e o nosso país. Não vale a pena assim referir, desenvolver, pesquisar e aprofundar outras formulações como as que se encontram por detrás de conceitos

como «potências peninsulares», «controle possível de pontos de apoio avançados e de pontos fulcrais de navegação» ou outros conceitos, como o que resulta do eventual envolvimento do País na doutrina americana conhecida como Airland Battle ...
Não vale a pena, fazer essa análise, porque o que perpassa em toda a filosofia estratégica dos Estados Unidos e da NATO é que o País, o território e o povo português são usados em funções de interesses externos e que ausente, completamente ausente, está qualquer nível de interesse nacional na definição dos conceitos, princípios e objectivos.
Na definição de ameaças e na determinação dos objectivos, a NATO vê o Pais de fora, toma-o como um teatro de operações em que a independência nacional, a integridade do território e a liberdade de segurança das populações passam para segundo plano.
Por isso mesmo, o crescente envolvimento do Pais, do território nacional e dos meios próprios das forças armadas portuguesas, a manobra estratégica da NATO (mesmo que feita à sombra de uma aparentemente racional repartição do trabalho estratégico, entregando à NATO a chamada «defesa avançada»), acaba por traduzir-se numa acrescentada vulnerabilidade, criando novas e perigosas dependências, muito para além do circulo das que potencialmente pudessem existir.
É neste quadro que transparece de forma evidente o carácter antinacional da política externa e da defesa seguida pelo Governo e a hipocrisia congénita que está subjacente a todo o documento aqui presente.
De facto, como é que se pode garantir a independência nacional no quadro de uma política de crescente enfeudamento e submissão aos interesses dos Estados Unidos da América e da NATO, uma política que aliena parcelas do território nacional a operações militares estrangeiras e cria ao País os perigos que ontem não tinha?
Como se pode apelar à coesão interna quando deliberadamente o Governo pratica uma política geradora de insustentáveis injustiças sociais, de antidemocráticas discriminações ideológicas, de perseguição às forças políticas e sociais identificadas com os trabalhadores e de limitação e mesmo liquidação das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos em geral?
Como se pode falar no fortalecimento do Pais se simultaneamente o Governo deixa degradar o aparelho produtivo, contraí deliberadamente o investimento, ataca o sector público da economica, desapoia a agricultura e a reforma agrária e põe como direcção a diminuição do PIB?
Como se pode falar do primado do interesse nacional nas relações externas se é o Governo que faz o escandaloso acordo com o Fundo Monetário Internacional em que aceita condicionar toda a vida económica, e se é o Governo que afunila as nossas relações externas (hostilizando países que poderiam constituir novas direcções de comércio externo)?
Como pode o Governo falar em capacidade militar virada para os interesses nacionais se aceita que a parte operacional do exército esteja afectada a missões estranhas à defesa do território nacional (1.8 Brigada Mista) e se zonas do reequipamento projectado ou em execução para a Força Aérea e para a Marinha têm objectivos, não de defesa nacional, mas de patrulhamento do Atlântico Norte em subordinação aos interesses e definições estratégicas da NATO?

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Como pode o Governo falar em unidade do Estado quando admite que o território nacional se reparta em diferentes comandos da NATO - o continente e a Madeira no IBERLANT e os Açores no WESTLAND, com sede no Norfolque, nos Estados Unidos da América?
A consideração do terceiro ponto em análise, Srs. Deputados - equacionação dos vectores reais que devem presidir à definição nacional de uma política de defesa nacional -, parte, portanto, de um pressuposto: uma política de defesa nacional não se define nem se encontra no quadro do crescente envolvimento na estratégica da NATO. Pelo contrário. Desde logo, porque a NATO não considera a situação concreta do País e não resolve nem atenua os conflitos regionais que possam surgir (basta referir, como exemplo, o que se passou entre a Grécia e a Turquia); depois, porque a definição do inimigo feita pela NATO ultrapassa a situação concreta do País, envolvendo-o em sistemas de forças e dispositivos que, em vez de o protegerem, o tornam um alvo por arrastamento, em caso de conflito.
A política de defesa nacional do Governo assenta assim num grosseiro determinismo geográfico e num deliberado determinismo político-militar que a vida e a história moderna desmentem a todo o passo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O quadro de inserção na NATO não obriga os países a despirem-se da sua dignidade e brio nacionais. Como exemplos, a Noruega não consente tropas estrangeiras no seu território. Há países da NATO que não participam no seu aparelho militar e há mesmo países da chamada Europa «Ocidental» que não pertencem à NATO.
O Governo pode - e tem-no demonstrado - estar interessado no agravamento das tensões internacionais, pode estar empenhado em contribuir para esse agravamento e pode pensar em recolher benefícios internos dessa política e dessa situação.
Mas o País é que não beneficia nem dessa política, nem dessa situação.
O País beneficiará sim se as suas relações internacionais se processarem no quadro traçado pelo artigo 7. º da Constituição, que vale a pena referir:

1 - Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência dos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
2 - Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

Pergunta-se, Srs. Deputados: Que tem feito o Governo, nomeadamente no seio das estruturas da NATO, para apoiar os esforços mundiais para o desanuviamento e a paz?

Um exemplo concreto: que resposta deu o Governo Português no quadro da soberania e no quadro da sua inserção nos órgãos de direcção da NATO às propostas apresentadas pela União Soviética com vista a definir um tratado adequado à proibição do uso de armas nucleares contra países militarmente desnuclearizados e à afirmação da vontade política de não ser «o primeiro a disparar» armas nucleares? Não considera o Governo, não consideram os Srs. Deputados que estas propostas vantajosas são para o País e para a humanidade no seu conjunto?

Vozes do PS e do PSD: - Não, não!

O Orador: - Outro exemplo: como tem o Governo contribuído para a execução das resoluções aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas - e muitas haveria a citar neste campo?
As Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional deveriam reflectir um real empenhamento na segurança externa do País, garantindo a independência, a soberania e a integridade do território.
O imperativo da garantia da integridade do território (da denominada «base terrestre») só surge com base numa postura própria, autónoma, endógena, de afirmação da soberania. Esta é a única perspectiva que garante o que à partida é um dos elementos fundamentais da soberania nacional - território próprio. É bom sublinhar isto!
Neste quadro, existem múltiplas vulnerabilidades e potencialidades.

Vozes do PSD: - Chega, chega!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, peço que interrompa a sua exposição, visto que há alguns protestos relativos à continuação da sua intervenção. Penso que tudo se resolverá se o Sr. Deputado usar os 10 minutos de que dispõe, de outra intervenção, a que tem direito.

O Orador: - Estou de acordo, Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País é composto de 3 parcelas territoriais, geograficamente descontínuas. A economia vai mal, e a independência nacional (disse-o até o próprio secretário de Estado da Defesa, aqui presente!) também se perde com a degradação da economia, A teia de dependências económicas, políticas, diplomáticas e militares acentua-se com a política do Governo. Multiplicam-se as ingerências. Estreita-se o leque dos países de que dependemos em importações e exportações. Os compromissos político-militares vertem no País material obsoleto e inadequado para as missões das forças armadas portuguesas.
Ao mesmo tempo a cobiça paira sobre os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Estes, os Açores, são vistos pelos Estados Unidos como base aeronaval própria. A zona da Madeira entra na esfera de compromissos e tratados entre a Espanha e os Estados Unidos da América.
O território português é visto como ponto de apoio dos Estados Unidos, para passagem da força de intervenção rápida, para acostagem de navios nucleares e equipados com mísseis nucleares. Até o estuário do Tejo é abertamente cobiçado.
Srs. Deputados, é isto uma política de defesa nacional? Não é!

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- Sem ser exaustivo, sem enunciar todos os pontos, procurando apenas acentuar os pontos fundamentais que deveriam integrar a explicitação nacional da política da defesa nacional, impõe-se enunciar que um conceito estratégico de defesa que se queira nacional deveria conter, pelo menos, os seguintes princípios e objectivos:

a) A defesa privilegiada do território nacional, nas suas 3 parcelas (continente, Madeira e Açores);
b) A defesa das águas territoriais, zona económica exclusiva e fundos marinhos contíguos, bem como dos corredores de ligações aéreas e marítimas interterritoriais;
c) A atribuição dessas missões em exclusivo às forças armadas portuguesas, dotadas de capacidade autónoma, o que forçosamente tem de compreender o fornecimento dos meios operacionais adequados;
á) A resposta adequada às vulnerabilidades resultantes da inserção geográfica da zona continental no quadro da Península Ibérica;

e) A afirmação da responsabilidade da soberania nacional e do sistema de defesa nacional em relação aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, sem interferências, venham de onde vierem, ou sejam a que titulo for;

f) A prioridade para o desenvolvimento económico e para uma política de diversificação das relações externas;

g) A preparação contínua e atempada e o enquadramento adequado das populações, com vista à sua passagem, à resistência activa e passiva em caso de conflito incidindo no território nacional;

h) A definição do comando único e nacional para as forças armadas, nas zonas operacionais envolvendo áreas territoriais, marítimas ou afeas da soberania nacional ou de interesse económico exclusivo nacional;
i) A resposta às vulnerabilidades resultantes do afunilamento das fontes de financiamento e de aquisição dos equipamentos necessários para as forças armadas;
J) A afirmação explícita da exclusividade das missões das forças armadas tal como se encontram definidas no artigo 275. º da Constituição, assegurando-lhes os meios de garantirem a defesa militar da República e repudiando qualquer intervenção em missões de segurança interna, o que, sobre ser inconstitucional, conduziria a diminuir-lhes o prestígio e o respeito que lhes é devido por todo o povo português, e dessa forma, a amputá-las de eficácia e operacionalidade;
l) O reequacionamento dos compromissos externos, em termos de só deverem subsistir os que sirvam os interesses nacionais e os princípios e objectivos da política de defesa nacional tal como resultam das alíneas anteriores, desde que não acrescentem factores de instabilidade ou perigo para a segurança nacional e desde que não impliquem formas de ingerência ou limitações da soberania.

Subjacente, está a afirmação política (tal como foi feita no X Congresso do PCP) de que é orientação fundamental desejável para uma política externa democrática e nacional - e cito - a «recusa de instalação de
novas bases estrangeiras em território português, do
alargamento de facilidades nas bases já existentes, da
sua utilização para actos de hostilidade e operações de
agressão», bem como a rejeição da «instalação, estacionamento e trânsito de armas nucleares por território, águas ou espaço aéreo português e do agravamento
das obrigações militares e financeiras para com a
NATO». -
Srs. Deputados, a Constituição da República faz impender sobre o Estado a obrigação de assegurar a defesa nacional.
É uma resposta directa aos que especulam com o que denominam crise de identidade nacional para atacarem 0 25 de Abril e o regime democrático-constitucional.
Os saudosos do império colonial fazem-se hoje, contra o que a constituição dispõe, defensores de um Portugal colonizado, devassado, vulnerável e comprometido.
As grandes opções que aí estão integram-se numa política que em muitos aspectos representa - podemos dizê-lo - uma verdadeira capitulação nacional.
As grandes opções, por isso mesmo, não servem.
Mas acima deste documento governamental, está a vontade soberana do povo português e estão os mecanismos e instituições constitucionais, moldados na Revolução de Abril.
E, Srs. Deputados, é deles a última palavra. Com confiança, o afirmamos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado João Amaral, inscreveram-se os Srs. Deputados César Oliveira, José Lello, José Luís Nunes e Acácio Barreiros.
No entanto, uma vez que os boletins de voto já foram distribuídos e para não atrasar o processo eleitoral, sugiro que se interrompa a sessão por alguns minutos para que possam votar os membros da Mesa e os Srs. Deputados que fazem parte da Comissão de Inquérito à EPAC, que neste momento está em funcionamento. Em seguida, retomaríamos o debate, usando da palavra para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados que já referi. Ou será que os Srs. Deputados preferem interpelar já de seguida o Sr. Deputado João Amaral?
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, o que me parece mais lógico é que os pedidos de esclarecimento sejam imediatamente formulados e então, depois, interromper-se-á a sessão para se proceder à votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o único receio que tenho é que este processo de pedidos de esclarecimento e respostas seja bastante longo e que depois nos reste pouco tempo para a realização do acto eleitoral.
Contudo, se a Câmara estiver de acordo, poderemos alterar numa hora a contagem dos votos que estava estipulada para as 18 horas e passaremos, de imediato, aos pedidos de esclarecimento e respostas. Depois, então, iniciaremos a votação para a eleição de um juiz para o Tribunal Constitucional.

Pausa.

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Visto não haver oposição, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar, gostaria de lhe dizer que a longa exposição que fez se tornou menos clara exactamente por ser longa. Tal facto causou-me alguns problemas, visto que me encontro cansado e, por isso, tive algumas dificuldades em acompanhar a parte final da sua intervenção. .
Contudo, daquilo que ouvi, devo dizer que divido a sua intervenção em duas partes - a interpretação é minha, como é óbvio!: uma primeira parte em que V. Ex.ª faz como que um parecer de um assessor jurídico sobre esta matéria; e uma segunda parte em que faz uma crítica contundente - segundo a sua posição e a do seu partido - à política externa do Governo.
Ora, a determinada altura, receei que V. Ex.ª não se referisse - e, aliás, pouco se referiu - à posição do Partido Comunista Português em relação às Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. É, pois, no sentido de precisar as ideias do PCP em relação a esta matéria que gostaria de lhe colocar algumas questões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César Oliveira, peço desculpa de o interromper, mas estou a verificar que muitos Srs. Deputados não compreenderam qual tinha sido a indicação dada pela Mesa para se iniciar o acto eleitoral. Porém, visto já muitos Srs. Deputados se estarem a preparar para votar, vou dar início ao acto eleitoral.
Faça favor de continuar a formular o seu pedido de esclarecimento, Sr. Deputado César Oliveira.

O Orador: - Defendo o diálogo com todas as forças políticas e estou muito interessado no debate e no diálogo com o PCP, sobretudo para, com as perguntas que vou colocar, tentar contribuir para tornar claras algumas questões que, de facto, o não são.
Assim, gostaria que o Sr. Deputado João Amaral me respondesse a uma questão que já aflorei na minha intervenção e que é a de saber se V. Ex. e perfilha, cabal e completamente e com todas as suas consequências, a subordinação do poder militar ao poder político.
Em relação à questão das ameaças - que foi uma questão muito discutida aqui neste Hemiciclo -, qual é a posição do PCP?
Um outro assunto que também foi muito discutido diz respeito ao vector continental e ao vector marítimo da posição portuguesa. O que é que o PCP tem a dizer em relação a esta articulação, a esta dicotomia ou a esta harmonízação?
Ontem tivemos conhecimento da posição do CDS - é uma opção com a qual poderemos ou não concordar -, também foram manifestadas as posições da UEDS, da ASDI, do Governo e gostaria que o Sr. Deputado João Amaral respondesse às questões que lhe estou a colocar, pois elas clarificam a posição do PCP.
Tenho procurado seguir com alguma atenção a produção teórica do PCP - o Sr. Deputado far-me-á essa justiça. Na qualidade de convidado assisti - e irei assistir sempre que me convidarem - aos Congressos do PCP. Assim, no primeiro Congresso realizado na legalidade e realizado em Outubro de 1974, o PCP não colocou a questão da saída de Portugal da NATO.

Portanto, é necessário que a bancada do PCP deposite na Mesa da Assembleia da República uma proposta de resolução para que Portugal deixe de pertencer à Organização do Tratado do Atlântico Norte. Independentemente da posição da UEDS sobre essa proposta de resolução, creio que é lógico que VV. Ex." assim procedam! Podemos esperar que o PCP apresente na Assembleia da República uma proposta de resolução no sentido de que Portugal se retire da Organização do Tratado do Atlântico Norte?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª deseja responder já a este pedido de esclarecimento, ou prefere responder a todos eles em conjunto?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não pretendo responder nem um a um, nem globalmente a todos os pedidos de esclarecimento. Porém, neste momento, prefiro responder desde já às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. Presidente: - Então faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado César Oliveira, compreendo que V. Ex. e tivesse ficado cansado ao ouvir a minha intervenção, e é natural que estivesse com mais atenção em outras situações, visto que disse que gostava de assistir aos Congressos do PCP. Porém, verifico que nem quando assiste aos nossos congressos está com suficiente atenção - está tão desatento numa situação como na outra!
O Sr. Deputado disse que não tinha ouvido a parte final da minha intervenção, porque tinha ficado cansado. Essa é uma situação própria e talvez não lhe convenha esta postura . , .

Uma Voz do PCP: - É uma vulnerabilidade!

O Orador: - Diz um Sr. Deputado da minha bancada que é uma vulnerabilidade que o Sr. Deputado tem ... fica cansado! Porém, essa é uma questão que se lhe coloca e eu não tenho nada que ver com isso, Sr. Deputado César Oliveira!
A questão da NATO não tem nada de especial no quadro ocidental, tal como o Sr. Deputado a entende. A Espanha está a discutir agora essa questão. Como o Sr. Deputado costuma estar muito atento às nossas posições, devo lembrar-lhe que já definimos muito claramente esta questão: definimo-la no X Congresso e eu acabei de as reproduzir aqui na intervenção que fiz. Não queremos mais envolvimentos, nem acrescentos nem agravamentos em relação à NATO.
Se o Sr. Deputado entende que o agrupamento parlamentar de que faz parte tem de propor alguma coisa em relação à NATO, façam-no. Do nosso ponto de vista consideramos que o que neste momento é essencial é que não haja nenhum agravamento do envolvimento das forças nacionais e do território nacional na manobra global da NATO.
Quanto à questão que me colocou da subordinação do poder militar ao poder político, devo dizer que realmente há fases de desatenção que são excessivas. Na altura da revisão constitucional e da discussão da Lei de Defesa Nacional tivemos aqui um longo debate em torno desta questão, e se o Sr. Deputado não estivesse cansado deveria conhecer tudo o que foi dito por nós aquando dessa discussão. Não só votámos contra os

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artigos que implicavam a desautorização e o ataque à autonomia própria e justa das forças armadas no quadro da revisão constitucional, como votámos contra as decorrências que no quadro da Lei de Defesa Nacional foram estabelecidas quanto a essa mesma matéria. Portanto, não compreendo a questão que V. Ex. ª me colocou! Estava desatento, estava cansado?
Quanto à questão das ameaças, referi claramente que é preciso equacionar, nem que seja referencial mente, esse problema. Somos o Pais que somos! Citando um especialista - não sei se bem, se mal -, o Sr. Deputado disse há pouco que Portugal é um país que estava cercado de Espanha por todos os lados, excepto por um sitio.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Não fui eu que disse isso!

O Orador: - Portanto, devo dizer que nem valerá a pena sonegar a questão das ameaças. O Sr. Ministro da Defesa pode estar incomodado em considerar essa questão mesmo no quadro referencial! Quanto a nós, entendemos que esse é um ponto central porque fizemos uma opção!
Sr. Deputado, não se trata de definir o vector marítimo e o vector continental da posição portuguesa, mas sim aquilo que no quadro da defesa nacional é essencial em termos de garantir a independência nacional, a integridade do território contra as agressões e ameaças externas. Nesse quadro, a questão da integridade territorial face ao nosso condicionamento geográfico peninsular é óbvio e evidente, e só uma avestruz é que seria capaz de meter a cabeça dentro da areia e dizer que isso não existe porque fica com o corpo de fora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado João Amaral, cada um tem a vulnerabilidade que quer. Umas pessoas são vulneráveis, outras são protegidas pelos «escudos invisíveis», cada um tem os escudos e a vulnerabilidade que tem, pelo que não vou entrar nessa discussão.
O Sr. Deputado acusa-me de desatento e depois atribui-me uma frase que eu não disse neste debate que é a de que «Portugal está cercado de Espanha por todos os lados menos por um». Portanto, parece que a desatenção se generaliza à bancada do PCP e em particular ao Sr. Deputado.
Registo que, apesar da diatribe - não digo «diabrite», como disse o Sr. Deputado José Vitorino - que o Sr. Deputado João Amaral fez em relação à NATO, aos Estados Unidos, etc., não põe em causa a presença de Portugal na NATO. 15so é curioso de registar! V. Ex.ª acusa os Estados Unidos e a NATO de tornarem Portugal num porta-aviões, mas não põe em causa a presença de Portugal na NATO. Portanto, um mínimo de coerência deveria implicar que V. Ex. ª depositasse na Mesa da Assembleia da República uma proposta de resolução para que Portugal se retirasse da NATO.

A verdade é que o PCP nunca pôs em causa a presença de Portugal na NATO. VV. Ex.as dizem «não mais envolvimento, não agravamento das despesas militares, não implementação da nossa presença na NATO». O que quero sublinhar é que VV. Ex.as não põem em causa a presença de Portugal na NATO!

Vozes do PCP: - 15so é falso!

O Orador: - Se é falso apresentem a proposta da resolução, pois, caso contrário, ficaremos mais uma vez na presença de discursos simulados e, com posições políticas de fingimento que não me cansarei de denunciar na Assembleia da República.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado César Oliveira, devo dizer que de fingimentos temos bastante abundância da sua parte!
Fizemos a critica directa e frontal do envolvimento do Pais em manobras estratégicas da NATO. Fizemos essa denúncia, exigimos e reclamamos que isso não se passe. Dizemos de uma forma clara que estamos com a Constituição, quando ela reclama uma política externa activa em ordem à dissolução dos blocos político-militares ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ..., estamos com a Constituição quando dizemos que, na sequência e em execução desse comando constitucional, Portugal não deve assumir os compromissos que está a assumir e deve regeitá-los no quadro do envolvimento da manobra estratégica da NATO. Tudo o que deve ser considerado no quadro da defesa nacional são os interesses nacionais de protecção e garantia da independência nacional e integridade do território.
Sr. Deputado, uma consideração realista do que referi leva à seguinte conclusão: não é no quadro da NATO e do envolvimento com a NATO na sua manobra estratégica que garantimos a defesa nacional. 15so foi dito por mim preto no branco e é agora reafirmado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Deputado João Amaral, é óbvio que o PCP não quer que Portugal saia da NATO - é a estratégia da «cama de água»: carregando num lado sobe no outro e, portanto, o melhor é mantê-la em repouso. O que o PCP deve querer é que Portugal constitua o «cavalo de Tróia» na NATO!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Bem pensado! ...

O Orador: - Muito obrigado pelo cumprimento, Sr. Deputado!
Na sua intervenção o Sr. Deputado João Amaral referiu-se à Noruega, estranhando a não presença permanente de efectivos internacionais da NATO em território norueguês. Certamente que V. Ex.ª não desco-

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nhece o valor estratégico da Noruega e a ameaça que a dimensão dos efectivos soviéticos representa na Península de Kola e a sua base de Murmansk.
A solidariedade da NATO é visível quando das manobras conjuntas de forças multinacionais, sem nenhum constrangimento das estruturas nacionais, nenhuma violentarão das legitimidades e vitalidades próprias e da soberania, em exercícios feitos sob a planificação de oficiais da diversidade dos países. A NATO não é um bloco granítico que esteja sujeito às directivas dimanadas de um qualquer país.

Risos do PCP.

Se não há presença de tropas isso é salutar porque se garantem as vontades nacionais. Se há um país que não participa nas estruturas militares, tal facto é igualmente salutar porque significa que ele tem potencialidades de defesa própria, mas participa solidariamente nas restantes estruturas da NATO.
O Sr. Deputado João Amaral considera que essa situação da não presença permanente de tropas internacionais na Noruega é um caso negativo para a Aliança e representa um enfraquecimento da mesma? Se assim pensa V. Ex. ª defenderia como salutar uma escalada dos efectivos da NATO, no sentido de justamente se equipararem aos efectivos do Pacto de Varsóvia que, como deve saber, têm uma disparidade terrível em relação ao que se passa com as forças convencionais da NATO?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado João Amaral, de tudo o que V. Ex.ª disse acerca desta questão não há nada que não tenha sido ouvido e que não seja conhecido como posição do PCP.
No entanto, gostaria que o Sr. Deputado explicasse à Assembleia o sentido de uma frase que disse no final da sua intervenção que - se bem a transcrevi é a seguinte: «reavaliação dos compromissos exteriores em ordem à defesa dos interesses nacionais». O que é que V. Ex.ª quis dizer com esta frase? Pensa V. Ex.ª que, depois do que disse sobre a Aliança Atlântica, esta reavaliação dos compromissos exteriores o leva a pôr em causa a simples presença na Aliança Atlântica? Em relação a esta pergunta já respondeu que não ao Sr. Deputado César Oliveira.
Portanto, e sendo assim, que compromissos exteriores pretende ver reavaliados?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - O Sr. Deputado João Amaral fez uma análise de compromissos existentes no seio da NATO mas, em minha opinião, o Sr. Deputado não analisou - e devia tê-lo feito - que todo esse quadro de compromissos resulta de um sistema defensivo em relação a outro bloco. 15to é, o quadro de eventuais movimentações de tropas, de bases de apoio para a deslocação de forças de intervenção americanas está previsto, tendo em conta uma intervenção ou agressão de um outro bloco. Portanto, era nesse

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quadro que, no meu entender, o Sr. Deputado devia ter analisado a questão.
O Sr. Deputado referiu-se, também, - o que aliás é uma preocupação que está nos princípios propostos pelo Governo - ao aumento da nossa capacidade autónoma, e nisso estou de acordo. Mas será que o Sr. Deputado entende ser possível essa modernização e esse aumento da capacidade autónoma, sem o apoio precioso que tem sido dado por países aliados e amigos.
Ainda em relação à posição do Sr. Deputado em relação à NATO, ela não está de facto muito clara, porque o sr. Deputado não questiona a presença de Portugal na NATO. Ora, é natural que o País no seio dessa organização assuma compromissos de acordo com objectivos de defesa que aí são definidos, os quais obviamente podem ser discutidos, mas é natural que os assuma. Mas se não assume os referidos compromissos ou se - como o Sr. Deputado defendeu - não deve assumir mais nenhum compromisso, pergunto ao Sr. Deputado se, no quadro dos dois blocos, que existem de facto, não considera que o não assumir mais quaisquer compromissos, inclusivamente anular os que tem neste momento devido à situação geo-estratégica do território nacional, não iria contribuir para o enfraquecimento de um dos blocos em relação ao outro. Ou seja, ao opormo-nos ao auxílio americano à defesa europeia, no caso de uma agressão do bloco adversário, considera o Sr. Deputado que isso não correspondia de facto - não estamos agora a discutir questões ideológicas - a um desequilíbrio na correlação de forças entre os dois blocos?
Finalmente, e muito em concreto, no caso dos cerca de 20 000 tanques pertencentes ao Pacto de Varsóvia e estacionados junto à fronteira da República Federal da Alemanha entrarem nesse país, Portugal deve ou não assumir os seus compromissos de defesa no seio da NATO e possibilitar - como única maneira de viabilizar a defesa europeia - que os efectivos de defesa da Europa sejam reforçados pela transferência rápida de forças americanas para o referido continente?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Srs. Deputados, devo dizer que há aspectos das perguntas formuladas que me fazem alguma confusão. 15to porque ficou completamente claro para quem leu a minha intervenção - admitindo que os Srs. Deputados tenham ficado cansados de a ouvir - que do nosso ponto de vista é uma direcção política fundamental, em matéria de política externa, contribuir para a dissolução dos blocos político-militares - de acordo de resto com o que diz a Constituição da República.
A grande questão que se coloca é a forma de dissolver os referidos blocos. Do nosso ponto de vista e no do País, essa forma corresponde a um empenhamento concreto nas acções desenvolvidas a nível mundial e regional, em ordem ao estabelecimento da paz. Não pode corresponder nunca a uma acção positiva para a dissolução dos blocos, aumentar o nível de capacidade de agressão: não pode corresponder nunca a essa política de dissolução dos blocos, envolver o território nacional em novas aventuras belicistas que hoje não existem, nomeadamente em relação ao território nacional.
Do ponto de vista, o envolvimento do País na NATO tem de ter um limite adequado à consideração do que

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são os interesses nacionais. Se o tiver - agora respondendo directamente ao Sr. Deputado José Luís Nunes -, então é de reconsiderar tudo, nomeadamente, Sr. Deputado José Luís Nunes, as bases estrangeiras que aqui existem, as facilidades que são concedidas, a nossa inserção no quadro global da NATO, etc. Nós não pomos limites. Nós estamos ou não aqui a discutir o Conceito Estratégico de Defesa Nacional? Se o estamos a discutir e se estamos a discutir isso com franqueza, com lealdade e até ao fim, então temos de reconsiderar tudo. E uma das direcções fundamentais é a de, em função do que for definido como Conceito Estratégico de Defesa Nacional, reequacionarmos todos os compromissos externos, mas todos ou, então, não somos inteligentes ou, então, não temos uma política de defesa nacional ou, então, não temos um conceito estratégico de defesa nacional.
Em suma, temos de reconsiderar todos estes conceitos à luz daquilo que definimos como conceito estratégico de defesa nacional.
Do nosso ponto de vista, um conceito estratégico de defesa nacional implica e envolve...

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - O Sr. Deputado considera que qualquer país, de qualquer bloco, que dê facilidades a aliados, diminui a sua capacidade intervencional?

O Orador: - Sr. Deputado, fica registada no Diário a sua pergunta ...
Não se trata de diminuir ou acrescentar facilidades, trata-se de reequacionar, no quadro da defesa nacional, os nossos próprios interesses. E ainda bem que fez essa pergunta, Sr. Deputado, porque o mal do que está contido no documento que foi aqui apresentado e o mal que está nas formulações que fazem é que os Srs. Deputados consideram o mundo e o universo, consideram os biliões de cidadãos que pelo mundo existem, divididos em duas zonas: a dos maus e a dos bons. Sendo mesmo incapazes de considerar que, para além de tudo o que está de um lado e de outro, está um forte movimento pela paz; está o interesse empenhado na paz de muitos países não alinhados; está o interesse empenhado de zonas que estão fora dos conflitos, de forma que nas próprias zonas de conflito concebam e definam um sistema adequado de garantia da paz; está a própria definição nacional e interna daqueles que estão a favor da paz e daqueles que estão contra ela.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS): - 15so é paleio!

O Orador: - Devo dizer ainda ao Sr. Deputado Ãngelo Correia, a propósito da sua observação, que do nosso ponto de vista e de tudo o que disse aqui, o que é fundamental é, considerando a nossa postura no mundo, com múltiplas contradições - não é uma única - e considerando as dificuldades que temos para afirmarmos a nossa soberania, definirmos uma linha coerente de ligações que corresponda à afirmação de que queremos esforçar-nos pela paz, de que queremos

umas forças armadas para a paz, de que queremos umas forças armadas dissuasoras no campo regional e que não queremos envolver-nos em conflitos que não nos dizem respeito. Esta é que é a questão central, Sr. Deputado. É que nós não devemos - como País que somos, com as vulnerabilidades graves que temos - acrescentar vulnerabilidades às que já são próprias, em resultado até das dificuldades territoriais e de outras que temos. Não vamos fazê-lo, Sr. Deputado, não devíamos fazê-lo, devíamos, sim, definir, no contexto mundial e europeu, uma posição independente, uma posição que tivesse, por um lado, uma filosofia de defesa nacional própria e, por outro lado, uma política agressiva a favor da paz.
Em suma, uma política que construísse um país, que dissesse permanentemente aos outros povos do mundo que a melhor forma de garantir a defesa nacional, a melhor forma de garantir a independência nacional e a melhor forma de garantir a integridade do território - a nossa e a dos outros países - é contribuirmos em conjunto para a paz. É esse, Srs. Deputados, o desafio que está aqui lançado a todos. E a esse desafio o Governo responde com um envolvimento crescente do Pais na manobra estratégica do NATO, que não serve os interesses nacionais, mas que serve o crescente envolvimento do País em guerras que lhe são exteriores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Sob o titulo pomposo de Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, apresenta o Governo a proposta de resolução n.º 14/III, a qual parece inculcar que o Sr. Ministro da Defesa e Vice-Primeiro-Ministro leva tão longe a sua devoção pelos assuntos militares que até se propõe organizar o plano das operações militares, como resulta do significado restrito da palavra estratégia...
Trata-se, porém, de uma resolução de conteúdo restauracionista, elaborada com desprezo e violação de princípios constitucionais, de costas voltadas para a situação económica do País e com o recurso a frequentes incursões pelo «antigamente».
Com efeito, não basta para se elaborar o conceito de defesa nacional invocar, sem o citar, o artigo 273.º da Constituição, como se faz na resolução; era indispensável ter em conta os princípios consagrados no artigo 7.º da Constituição, nomeadamente, de que Portugal se rege pelo princípio da solução pacífica dos conflitos internacionais, que preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
E tais princípios não só estão ausentes da proposta de resolução, como nela foram substituídos por princípios opostos, como o «princípio do alinhamento ocidental», da «defesa do ocidente», ou da «opção atlântica».
Por outro lado, a resolução apoia-se em pressupostos nacionais que constituem uma reconhecida fantasia, como, cito, «o desenvolvimento das forças produtivas

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e criadoras», «o desenvolvimento económico em termos de justiça social e de qualidade de vida» ou «o desenvolvimento da ciência, da educação e do ensino».
Efectivamente, é inconcebível que uma situação de desastre económico, de degradação do poder de compra, da ausência de política científica e do caos do ensino, por obra e graça deste Governo e da política por ele seguida, se possam ainda invocar tais falaciosos pressupostos!
Mas a resolução não fica por aqui: tal como no «antigamente» usam-se expressões como «consciência nacional» e «Nação», que faziam parte não só de um vocabulatório anterior ao 25 de Abril, como representam a lógica de um sistema que quis sempre ocultar as suas características de Estado.
Ora, como observa Zippelius (Teoria Geral do Estado, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, p. 471), no significado verbal do conceito de nação (no qual se esconde a palavra «nasci» de nascer) está um aspecto natural, biológico. «Constitui porém uma deformação grosseira atribuir ao factor biológico o significado mais importante ou único para a compreensão de um povo.»
E salienta o mesmo professor da Universidade de Erlam-Nuremberg, a página 45, «o poder estadual é sempre autoridade sobre pessoas: não é o poder de dispor de um território; é antes a autoridade sobre a população que nele habita. Em atenção a isto o povo é um elemento imprescindível da soberania e do Estado».
E nota ainda o mesmo Prof. Zippelius (e isto a propósito da expressão usada na resolução consciência nacional), que «o fenómeno da comunidade não pode ser reduzido aos processos psíquicos dos indivíduos» (p. 32).
Sr, Presidente, Srs. Deputados, Srs, Membros do Governo: Não aceitar esta proposta de resolução é imperativo que o MDP/CDE não recusará.
Disso só o Governo, e o respectivo ministro, são os responsáveis.
A defesa nacional e as forças armadas que a devem executar, mereciam outra resolução.
Esta não terá a nossa aceitação.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debatemos aqui, hoje, questões de uma importância capital para o futuro do nosso país.
O documento apresentado pelo Governo, não é um produto acabado e creio que muito terá a ganhar com as introduções e as modificações a fazer, em resultado do debate desta Assembleia, já que ele ganharia bastante em ser mais desenvolvido e em conter mais precisões. Dito isto, nós damos ao Governo a nossa opinião. .
Ao contrário do orador que me antecedeu, não vamos votar na Assembleia da República o que quer que seja em relação a este Governo, porque a lei e a Constituição tal não permitem. Limitamo-nos, somente, a dar a nossa opinião, que é globalmente positiva.
Neste momento, importa fazer uma distinção - para que se saiba do que se está a tratar - entre conceito estratégico de defesa nacional e Grandes Opções do Conceito Estratégico e Defesa Nacional. Ora, o que estamos a tratar aqui são as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, nos termos do

n.º 4 do artigo 8. º da Lei da Defesa Nacional. A competência para tanto é do Governo, proposta do primeiro-ministro e ministro da Defesa Nacional, ouvido o Conselho de Chefes de Estado Maior e após prévia apreciação do Conselho Superior de Defesa Nacional. Assim, repito, que só as Grandes Opções são objecto deste debate da Assembleia da República.
Vejamos, agora, como define a Lei de Defesa Nacional esta questão. O n.º 2 do artigo 8. º diz-nos que o conceito de defesa nacional é a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional. Note-se que este não é ainda um conceito de defesa nacional lato, mas de um conceito já suficientemente largo para que se tenha em consideração que existem aspectos da actividade política nacional que têm de ser considerados para consecução dos objectivos da política de defesa nacional. Estes, que se encontram enumerados na lei, são permanentes e emergem, de três características que eu passo a sublinhar: a permanência, porque a defesa exerce-se em qualquer tempo e qualquer lugar; a globalidade, que abrange componentes militares, e não militares; e o âmbito interministerial. Como digo, isto tudo anda próximo já de um conceito lato de defesa, na sua forma mitigada, isto é, na forma de que todas as actividades humanas têm uma ideia de defesa, que é uma forma mitigada e correcta, mas que obviamente compete a cada sector ou a cada parte da actividade do Estado desencadear, 'tios limites restritos da mesma, as medidas de defesa que se impuserem.
No que diz respeito, por exemplo, à espionagem industrial, ainda há pouco tempo em França, 40 elementos da missão comercial soviética e da embaixada foram postos fora do País, por se dedicarem à espionagem industrial. 15to significa que é necessária uma definição correcta daqueles elementos da nossa indústria que constituem segredos importantes, não só para nos aproveitarmos da nossa própria investigação industrial, mas também por termos sido depositários de importantes transferências tecnológicas. Assim, se essa definição não for feita por via de lei, a cooperação tecnológica com os países do bloco ocidental estará muito comprometida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta ideia de conceito lato de defesa, é oriunda também da aplicação, a todos os níveis do Estado e sobre a direcção de todos os órgãos de Estado, de uma ideia de defesa no âmbito da sua competência. E é por isso que no documento em causa se faz referência a uma das nossas principais vulnerabilidades, que é a inexistência de reservas estratégicas, nomeadamente do trigo, que é um elemento estratégico de primeiríssima ordem. De facto, em relação a esse elemento e a outros o nosso país não tem uma política de definição de reservas estratégicas, em ordem à assunção dos compromissos que nos podem ser criados pelo sistema de alianças e peia política externa que prosseguimos.
Define-se, também, como elemento fundamental a Nação e o reforço da coesão interna. Felizmente, que o reforço da coesão interna da Nação portuguesa não é um grande problema para Portugal. Somos um Estado unitário, no qual existem obviamente regiões dotadas de ampla autonomia administrativa, mas somos

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um Estado unitário; não temos no nosso País minorias de orientação rácica ou de orientação religiosa que .não se integrem como tais no Estado português. Não temos no nosso país contradições nacionais, como, por exemplo, aquelas que fazem sofrer a nossa vizinha Espanha. A garantia de um quadro de alianças adequado é neste momento, ou foi durante muitos anos, uma das componentes essenciais da política externa do nosso país. Importa dizer-se que a existência de um sistema de alianças não esgota a acção da nossa política externa. Possuímos interesses naturais em Angola, Guiné, Moçambique e em todos aqueles países - aos quais acrescento S. Tomé e Príncipe - que constituíam as antigas colónias portuguesas e que são hoje Estados de expressão portuguesa. Obviamente, que a defesa dos nossos interesses naturais e da cooperação com esses países não passa ou não cai no Âmbito da Aliança Atlântica.
Enfim, sublinha-se a necessidade de uma vontade e de uma determinação política fortes. Sobre isto não é de mais insistir, pois, como dizia Napoleão Bonaparte, «as armas não são senão sucata, se não houver vontade política de as usar». E, desgraçadamente temos assistido à queda de impérios armados até aos dentes e dominados pelas insurreições ou pela quebra clara da tessitura social e nacional. Portanto, o problema da defesa da entidade nacional não é só um problema de armas, nem é sequer, e principalmente, um problema de armas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Define-se, também, fortalecimento da autoridade democrática do Estado. Aliás, compreendo que aqui se refira a autoridade democrática do Estado, pois temos 10 anos de democracia e a reafirmação do princípio da autoridade do Estado, sem acrescentar o democrático, podia chocar certos ouvidos que desconhecem que não há autoridade do Estado que não seja autoridade democrática - o que pode haver é imposição unilateral ou autoritarismo.
A participação equilibrada de todo o espaço português nos grandes objectivos nacionais, é também um dos pontos essenciais e justos do documento que estamos a apreciar. É fundamental que se diga que a referência a espaço português é correcta, mas que existe um espaço político que vai para além do espaço geográfico português. É que hoje a primeira linha de defesa de Portugal é, nada mais nada menos, que a linha do Reno.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Interrogamo-nos sobre qual a problemática de tudo isto, no sentido que lhe dá Claude Raffenstin, quando define problemática, como o método que consiste em determinar, antes de qualquer análise, «o estatuto de intelígíbilidade capaz de formar compreensível um sistema».
Desde logo afigura-se merecedor de alguma crítica o sistema exposto.
Na realidade, não há qualquer possibilidade de desenvolver e fortalecer a consciência da identidade nacional sem a existência de uma prévia autoridade democrática do Estado. Aliás, sobre esta expressão já se disse o que entendemos dela, ou seja, que não há autoridade do Estado que não seja democrática. Também

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não há identidade nacional desenvolvida a partir de fora, pois ela é a resultante das políticas governamentais em todos os sectores da vida nacional, e como tal a entendemos.
Enfim, importa ter consciência da diferença entre espaço e território, porque como diz Claude Raffenstin «território é um espaço no qual se projecta trabalho ou energia ou informação e que, por consequência, revela relações bem marcadas pelo poder. O espaço é a prisão original, o território é a prisão de que os homens dão de si próprios».
Qual o espaço português? O espaço português, como território nacional, está constitucionalmente definido. Mas há um outro espaço português excepcional, que é o definido pelas fronteiras onde se projecta a língua portuguesa; espaço esse que não é só o da emigração, mas também um espaço de cultura e, sobretudo, um espaço da história.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador: - Hoje existem parcelas do Mundo onde não existem emigrantes portugueses e onde se fala a língua portuguesa, não a de há 20 ou 30 anos, mas a língua portuguesa de há 500 ou 600 anos, como as velhas colónias portuguesas da Turquia ou as da Malásia.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É este o espaço territorial ou espaço natural que importa também trazer aqui e sublinhar. O espaço natural ou territorial integra, de qualquer forma - e da forma mais intensa o espaço territorial - a ideia do espaço marítimo. Este é essencialmente um espaço de ligação entre os povos. Em termos estratégicos diríamos que o mar é hoje um conjunto importantíssimo e cada vez mais significativo de linhas de comunicação. É por isso que o valor que é dado no documento em questão - e bem! - ao espaço marítimo, terá que Ter consequências importantes nas opções estratégicas que fizermos num espaço de tempo muito próximo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O plano económico e social é também um elemento importante das opções de defesa. É importante manter a coesão interna, pelo que a agudização interna de uma luta de classes, a divisão da sociedade em estratos que se degladiam, a criação aos portugueses de situações económicas injustas, não contribuem de forma nenhuma, para essa coesão interna que devemos ver nas expressões concretas e não no simples «céu» dos conceitos.
A paz não é só a paz entre as nações, é também a paz interna, a paz das classes. Essa só pode ser conseguida não por meras quimeras do domínio de uma classe sobre a outra, mas pelo bem estar para todos.
Quanto ao sistema de alianças - como tive ocasião de sublinhar - direi que Ter uma política externa, não é ter, necessariamente, um sistema de alianças. Nós temos uma política externa e um sistema de aliança, e esse sistema tem uma palavra que é a Aliança Atlântica.
Assumimos, ao subscrever o Tratado de Washington, um espaço estratégico que começa em Berlim e continua na linha do Reno.
O segredo da vitória das democracias sobre os impérios totalitários foi, na 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais, a aliança entre as democracias europeias e os dois grandes países do outro lado do Atlântico: a aliança entre a Europa democrática e os Estados Unidos e o Canadá.

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São estes dois pilares, são estes dois elementos, que estão na base da Aliança Atlântica. E são estes dois pilares e estes dois elementos que constituem a barreira indestrutível às intenções expansionistas da União Soviética.
No entanto, importa dizer que não podemos - e não pode a Europa - continuar a ser o aliado privilegiado dos Estados Unidos da América e do Canadá, no plano da política de defesa, e entrar numa concorrência económica absolutamente indiferenciada com estes países.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há demasiado ruído na Câmara para o Sr. Deputado José Luís Nunes possa fazer a sua intervenção.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente!
É absolutamente essencial que se entenda, de uma vez para sempre, que não podemos ser aliados na defesa contra o expansionismo soviético e ser inimigos na economia.
Não podemos, de forma nenhuma, construir uma eficaz e sólida defesa assente nas nações aliadas, se não se impuser um princípio de solidariedade económica. E esse princípio tem estado ausente nas últimas políticas que se têm desenvolvido.
Daí a ideia que se impõe, cada vez com mais força, da criação de uma estrutura europeia, de um concerto das nações europeias que não sirva, de forma nenhuma, de vertente deslizante para um neutralismo, que ninguém professa, mas que permita criar no campo da defesa a entidade europeia, que possa negociar os aspectos essenciais com os nossos aliados poderosos da outra margem do Atlântico.
Nós temos que ter - e o documento que apoio sublinha-o - um capacidade militar autónoma em defesa dos nossos interesses naturais.
Como aqui foi citado - mas mal! - em tempo de paz as forças armadas destinam-se a defender os interesses nacionais contra os nossos amigos. Em tempo de guerra, as forças armadas destinam-se a defender as fronteira nacionais contra os nossos inimigos.
Simplesmente, desenvolvimentos recentes da política mundial, dos quais dois exemplos aparecem com nitidez muito clara, demonstraram a possibilidade da existência de conflitos regionais.
Um deles foi o provocado pela invasão argentina do arquipélago das ilhas Falklands e da guerra que aí se desenvolveu. O outro, bem, o outro vê-se hoje à nossa porta na Nova Caledónia.
Nós deveremos estar preparados para poder apoiar e desenvolver uma política de defesa em relação a áreas dos nossos interesses e que estão fora do âmbito da Aliança Atlântica.
Uma crença demasiada nas capacidades da Aliança Atlântica, contribuiria para tornar ineficaz o esforço que vimos desenvolvendo noutros pontos do globo.
O sentido deste debate é o de compreender a necessidade de defender uma política de meios militares.
É necessário que se tenha em boa conta o que aqui foi dito em termos de elaboração final do documento.
Ouvir a Assembleia da República é ouvi-la na sua globalidade.
Não haverá resolução, mas espera-se que o debate venha a ser ouvido e plasmado num documento que, sem ser exaustivo, possa ser uma efectiva e leal linha de orientação para a actividade do Governo.

O documento que vai ser aprovado pelo Governo não é um documento eterno. Os documentos mudam-se á medida que a experiência da vida aconselha a que sejam mudados. Mas, será tanto mais eficaz, tanto de mais de linha de orientação e tanto mais perene no tempo, quanto se basear nos dois princípios que eu considero essenciais. São eles: mergulhar bem fundo nas raízes na nossa História, e ter em consideração a opinião daqueles que, no plano político, interpretam a história do nosso tempo presente e que são os parlamentares de Portugal.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento inscreveram-se os Srs. Deputados Raul de Castro e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Nunes: Em primeiro lugar, V. Ex.ª fez uma afirmação de que ao contrário do orador que o antecedeu - que como é evidente fui eu - V. Ex.ª não iria, propriamente, votar essa proposta de resolução.
Ora, a afirmação do Sr. Deputado - e este é o meu primeiro pedido de esclarecimento - só se pode justificar ou por lapso de memória ou por um lapsus linguae. 15to por que, na realidade, na minha intervenção eu não disse, de forma alguma, que votava contra a resolução.
O que eu disse é que era de esperar uma outra proposta de resolução, que não esta, para a defesa nacional e para as forças armadas.
O Sr. Deputado afirmou, e este é o segundo pedido de esclarecimento, que os diplomatas soviéticos foram expulsos por causa de espionagem industrial.
Julgo que é a primeira vez que esta revelação é feita ao País porque, na realidade, na altura da expulsão não foram anunciadas as razões da sua expulsão.
De qualquer forma, visto que a União Soviética é - em juízo de toda a gente - uma grande potência mundial e, naturalmente, uma grande potência industrial, pediria ao Sr. Deputado que me esclarecesse quais os ramos da indústria portuguesa em que a União Soviética pretendia exercer espionagem. 15to porque, com certeza, V. Ex.ª não se está a referir nem a espionagem do artesanato nem a espionagem na preparação do vinho do Porto...

Uma voz do PSD: - Nunca se sabe! Falsificavam o vinho.

O Orador: - ... ou do queijo da serra da Estrela.
Por último, quando o Sr. Deputado disse que se preconiza a harmonização das classes através da elevação do seu bem-estar, gostaria de lhe perguntar como é que concilia este conceito - aliás integrante do finado corporativismo - como disposto no artigo 1.º da Constituição, que, ao contrário, estabelece que a República Portuguesa se deve transformar numa sociedade sem classes.

Uma voz do PSD: - 15so é que era bom!

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para responder.

0 Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado, não
cometi nenhum lapsus linguae nem nenhum lapso de
memória. O Sr. Deputado é que não ouviu ou não quis
ouvir o que eu estive a dizer.
Quando me referi aos diplomatas soviéticos, não falei
dos diplomatas que teriam sido expulsos daqui. Referi-me aos diplomatas soviéticos expulsos de França, por
que andavam a fazer espionagem industrial. 15so ficou
bem claro: andavam a fazer espionagem industrial.
Aliás, são conhecidos - para quem lê os jornais
franceses, não sei se o Sr. Deputado os lê, eu leio-os -
até variadíssimos casos que vão, agora, ser submetidos
a julgamento. Trata-se de jornalistas franceses ou de
simples cidadãos, que, muitas vezes até, sem se aperceberem do que faziam, deram informações importantes para esse tipo de espionagem.

Quanto ao lapso de memória ou lapsus linguae, o
que o ouvi dizer na sua última intervenção - e se isso

não estiver lá, desde já me penitencio - foi o seguinte:
O MDP/CDE não apoiará esta resolução. Foi como
o Sr. Deputado terminou: O MDP/CDE não apoiará
este documento ou esta proposta. Foi assim, Sr. Deputado: não apoiará.
O que tive ocasião de dizer é que esta proposta não
tem que ser apoiada aqui ou desapoiada pelo seguinte
motivo: esta proposta não é um documento definitivo,
ainda é um projecto, estando a Assembleia a ser ou
vida. Fiz até um apelo ao Governo para que, na pluralidade das opções aqui manifestadas, procurasse ter
em atenção o que aqui foi dito.
Quanto à harmonização das classes, o que disse é
que as frentes internas se destroem através de uma agudização da luta de classe e que, pura e simplesmente,
desejamos que isso não se verifique no nosso país. Que
remos, sim, que haja bem-estar para todos.
15so, obviamente, não se confunde com a predominância de uma classe sobre a outra, pois tal é absolutamente condenável.
Portanto, não tenho dúvidas nenhumas em aderir à
fórmula da constituição de uma sociedade sem classes,

de acordo com o estabelecido na constituição.
Mas lembrarei que em todos os sítios, em todas as

sociedades, que se declararam sociedades sem classes,
o que apareceu foi um conjunto de sátrapas da pior
espécie, de homens de nomenclaturas, de torcionários,
de sujeitos que viviam à custa do povo

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e que criaram uma classe própria
para viverem eles próprios melhor, absolutamente indiferentes à miséria, à fome e ao sofrimento dos seus
concidadãos. Para isso, instituíram sistemas de partido
único, onde nenhuma liberdade era reconhecida.

Aplausos PS e do PSD.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Nunes:
Em relação ao primeiro esclarecimento, Sr. Deputado,
efectivamente, não usei a expressão; o MDP/CDE não
aprovará. Disse, sim, que o MDP/CDE não aceita este
documento, o que é bastante diferente.

Relativamente à espionagem industrial, ficámos agora a saber V. Ex.ª não o tinha referido expressamente - ...

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Referi-o expressamente.

O Orador: - ..., que quando se estão a discutir os princípios da defesa nacional do nosso Pais, o Sr. Deputado, afinal, vai buscar a França o exemplo da espionagem industrial e não o nosso pais.

Ficámos agora a saber isso.

Relativamente a uma sociedade sem classes, concluo que V. Ex.ª apoia, claramente, o que consta do artigo 1.º da Constituição, contanto que não venha a haver nenhuma sociedade sem classes.

Risos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Raul de Castro, quanto à diferença entre não aceitação ou não aprovação, diga-se que essa diferença é subtil. Portanto, deixo ao cuidado da Câmara verificar em que medida é que eu cometi um lapsos linguae ou um lapso de memória ou se foi V. Ex.ª que os cometeu. É indiferente, mas a Câmara apreciará e também não creio que seja importante que a Câmara aprecie.

Quanto ao problema da espionagem soviética em França - não se passa só em França - não se diga que por estarmos a discutir o problema da Lei das Bases Gerais da Defesa Nacional, não se devem indicar exemplos estrangeiros. 15to porque ainda há pouco 0 Sr. Deputado João Amaral se referiu aos malefícios da política americana em diversas partes do mundo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Em Portugal!

O Orador: - Exacto! Não só em Portugal! Lembro-me perfeitamente, que se referiu à Nicarágua, à Ilha de Granada, no apoio ao apartheid.

O Sr. João Amaral (PCP): - Disse no apoio da política portuguesa.

O Orador: - Pois, é isso tudo. Falou desses assuntos todos.
Ora, sendo assim tenho todo o direito de trazer à colação este assunto de França, até porque tem de haver uma lei de protecção dos segredos industriais, pois de contrário estaremos em dificuldades para assinarmos acordos de transferência tecnológica. 15to é que é fundamental!
Quanto a dizer que eu sou a favor de uma sociedade sem classes desde que ela não exista, bom, a única coisa que eu disse é que quando aprecem sociedades sem classes, pelo menos, que são conhecidas, dão os resultados que a gente conhece.
Obviamente que sou contra qualquer sistema igual aos que tive ocasião de descrever há pouco.
E é por essas e por outras - e a intervenção do Sr. Deputado tem toda a razão de ser - que nós estamos na NATO.

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O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimentos ao Sr. Deputado José Luís Nunes, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Nunes: Em primeiro lugar, queria dizer-lhe que V. Ex. g nos tinha prometido, desde a sessão passada, críticas à proposta do Governo e, afinal, limitou-se a glosar o texto da proposta do Governo.
Mas, Sr. Deputado José Luís Nunes, queria congratular-me com o facto de V. Ex.ª, nas grandes opções para a definição do conceito estratégico, ter aludido ao espaço português. Espaço português, que no entender de V. Ex. e não se identificaria como definido pelo território do Estado português. E, a propósito, aludiu V. Ex. e à existência de comunidades que falam a língua portuguesa. Concretamente, só lhe chegou, porém, a falar numa comunidade quinhentista de língua portuguesa na turquia.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Na Malásia!

O Orador: - Mais tarde, Sr. Deputado, aludiu V. Ex. e - e aí se centrou, verdadeiramente, a opção em matéria de conceito estratégico - à necessidade de estarmos dotados com independência dos meios de defesa, para defender os interesses portugueses onde quer que eles estejam presentes.
Sr. Deputado, a minha pergunta é esta: está a pensar na comunidade portuguesa quinhentista da Turquia ou nas antigas colónias portuguesas? Era bom que o dissesse perante esta Câmara.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para responder!
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, a sua intervenção dá-me a oportunidade de esclarecer e desenvolver alguns temas que, por estar limitado pelo tempo, não pude fazer.
É evidente que há um espaço português, e esse espaço português é muito antigo. É oriundo de dois acontecimentos: um, dos descobrimentos portugueses; outro, da diáspora de que fomos culpados ao lançarmos no resto da Europa e no Mundo as minorias judaicas por nós expulsas. Dei conta de dois factos: um, na Turquia, que é um caso oriundo das minorias judaicas; outro, na Malásia, que é um caso oriundo da expansão dos descobrimentos portugueses.
Podia ter falado mais cedo e em casos mais recentes e podia ter dito quanto nos sentimos honrados pela existência de um espaço na União Indiana onde se fala português: Goa, Damão, Dadra e Nagar-Aveli. Ou, mais recentemente ainda, dizer quanto nos sentimos honrados por se falar português em Angola, na Guiné, em Moçambique, em São Tomé e Príncipe e em Cabo Verde.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Disse-o ali, mas poderia dizer mais. Poderia dizer que esse português não é só nosso, esse português foi construído por nós e por todos esses povos. E uma língua que nos é comum, que é nossa e deles.

Poderia dizer, ainda quanto nos sentimos honrados pelo Brasil. Não nesse tipo de discussões académicas em que se fazia o elogio ao Brasil e que tinham muito pouco a ver com a soberania portuguesa e mais a ver com o discurso do conselheiro Acácio. Mas, concretamente, tem a ver com o Brasil que é o único grande espaço geopolítico da América do Sul em que a língua evitou a fragmentação. Os estados de língua espanhola ficaram fragmentados e os Estados de língua portuguesa constituem um estado unitário. Podia terminar, dizendo que esse grande espaço político esteve em riscos de ser posto em causa pela política do colonialismo que em determinados momentos da nossa história prosseguimos.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Ó Nogueira de Brito, procuravas lã e saíste tosquiado!
Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos regimentais, vamos proceder ao intervalo habitual. Os nossos trabalhos recomeçarão às 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, as umas da votação que se está a realizar irão encerrar às 19 horas.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para intervir os Srs. Deputados Ângelo Correia e José Lello.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ãngelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa, Sr. Secretário de Estado: O debate que o Governo nos propõe acerca das bases gerais das grandes opções sobre a defesa nacional teve, por assim dizer, nesta Câmara, duas fases distintas, uma das quais é a fase dos grandes princípios enunciados pelo Governo e que, rapidamente, se transformou num debate decorrente do primeiro, mas que não podia nem devia ter a sua sede hoje aqui.
Com efeito, algumas das intervenções que ouvimos, sobretudo, esta tarde, não são realmente alocuções sobre as bases gerais do conceito estratégico de defesa nacional, sendo antes intervenções sobre a política de defesa nacional. Ambas são questões distintas e sequenciais no tempo, mas não se confundem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que hoje fazemos é novo e velho; é de inovação e de conservação; é um daqueles em que, perante elementos permanentes e imanentes da sociedade portuguesa, da Nação e do Estado, se justapõem ou confluem elementos novos; é, por isso, de interacção permanente entre o que de velho - no sentido de necessário - existe e entre o que de novo é aportável a esse mesmo debate.
Mas é um debate inovatório numa óptica. 15so distingue este, que decorre hoje, daquele que se poderia traçar há alguns anos atrás. Talvez decorra daí a surpresa manifestada nas perguntas que o Sr. Deputado Carlos Brito ontem formulava ao Sr. Ministro da Defesa, quando tocava o problema em termos demasiadamente globais e amplos, contrários a uma óptica de defesa exclusivamente militar.

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O debate que se fazia há alguns anos sobre a defesa era militar. Hoje, aquele que se faz sobre a defesa militar não tem eminentemente esse carácter. Pelo contrário, é um debate de um projecto global de sociedade e por isso é um debate de inovação, mas também de reafirmação de alguns valores. Deste modo, denota-se alguma estranheza na recordatória dos mesmos. No fundo, é um debate de reafirmação.
Creio que - para tornar o debate mais explícito e perspectivar a opinião do meu partido - valerá a pena ter em conta os 5 elementos ou postulados de partida que nós consideramos essenciais em termos de referencial de análise: o primeiro, é o Estado multissecular; o segundo, é a existência da Nação como a temos hoje; o terceiro, é a que resulta de correlação de forças no âmbito mundial; o quarto, é a nossa geografia; o quinto, e último, são alguns factores novos trazidos pela democracia portuguesa nos últimos 10 anos.
Um debate desta natureza transcende no tempo a opção de um governo e a vigência de uma geração, pois configura aspectos que estão para além da política de um governo e que permanecem independentemente de uns e daqueles que se lhes seguem. Por essa razão, é também um debate de imanências.
Portugal assenta num Estado multissecular e hoje também numa Nação que tem contornos diferentes daqueles que teve há alguns anos. Aliás, é importante a prefiguração, a visão da evolução da Nação nos últimos séculos, bem como a de um Estado que, actualmente, é bastante mais reduzido em relação àquele que tivemos até, diria, há cerca de 10 anos.
Encontramos hoje uma nação suficientemente mais forte e mais ampla e que não corresponde à própria territorialidade genérica do Estado português ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... de um Estado amplo e multifacetado que, hoje, é truncado face à emergência da descolonização. Portugal deixou, todavia, pululantes pelo mundo um conjunto de comunidades, que fazem actualmente da Nação portuguesa mais uma noção de povo do que de próprio território.
A dimensão territorial inframuros da Nação portuguesa é demasiado restritiva para a visão dessa mesma Nação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí, da existência desse Estado multissecular e dessa Nação que é hoje uma comunidade espalhada pelo mundo, têm-se implicações directas no âmbito das relações externas do Estado português.
O terceiro dado de partida neste debate é a correlação de forças mundial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos num mundo bipolar. Custa muito ouvir esta realidade, porque se no âmbito meramente político-diplomático ela é multipolar, se na área meramente diplomática ela se exerce, todavia tal realidade não tem tradução efectiva no seio das relações de Estado, a não ser numa óptica bipolar.
A multipolaridade mundial é diplomática, não é efectora. Em termos de meios efectores o mundo reduz-se hoje - queiramos ou não - a uma realidade bipolar.
Portugal não mergulha a sua acção nessa realidade bipolar, já que ela é consubstanciada e traduzida na direcção de duas superpotências, mas Portugal coexiste

e vive num mundo de relação entres essas duas superpotências. Por isso, a realidade bipolar implica que só sejam verdadeiros pólos quem detém meios estratégicos de primeiro e segundo ataque (retaliação).
A diferença entre a generalidade das potências do clube nuclear e as potências classificadas como < superpotências» está em estas últimas deterem meios estratégicos de primeiro e segundo ataque. _ Daí a realidade decorrente do mundo bipolar em termos de capacidades efectoras. É nessa correlação de forças que Portugal se insere.

Quarto aspecto, Portugal insere-se geograficamente como uma inevitabilidade da qual decorrem consequências muito ricas e muito vulnerabilizantes para o País. A nossa força é a nossa geografia, mas a nossa debilidade é essa mesma geografia.
Teórica e geograficamente, isto é, numa linguagem de mera geografia e não de geopolítica, Portugal é uma zona periférica da Europa, mas essa periferia é falsa. Portugal está num centro de acção e de inter-relação de superpotências.
Portugal, apesar de estar na periferia geográfica da Europa e de ser um triângulo geográfico - Açores, Madeira e continente --, que se reporta a essa realidade, não assume a sua posição da periferia geográfica na Europa mas antes, uma característica de placa giratória. Diríamos mais: sendo a realidade mundial militar e política tridimensional, Portugal não é uma placa giratória, é acima de tudo um cilindro giratório. E é-o nas várias feições que assume a realidade da correlação de forças no mundo bipolar.
Em primeiro lugar, é-o porque a disputa no mundo bipolar faz-se em sede de duas realidades: a primeira, é o controle ou a neutralização das zonas de reservas de matérias-primas, energéticas ou não; o segundo, nas zonas onde existem recursos humanos, científicos e tecnológicos. Por isso, hoje, os conflitos são numa primeira fase periféricos e só numa segunda fase centrais. A Europa é a última moeda de troca, mas será sempre nessa ordem de ideias o primeiro alvo.
É ainda nesse sentido que Portugal está na zona de passagem dos abastecimentos das matérias-primas, de importações e exportações por via marítima ou terrestre, do e para os países do terceiro-mundo e da Europa. Num segundo sentido, Portugal é ainda geograficamente considerado na zona que privilegia uma confluência de interesses para intervenções potenciais em áreas exteriores ao interesse nacional e à dimensão da soberania portuguesa mas que não são exteriores aos interesses das duas superpotências.
Queiramos ou não Portugal está, em termos geográficos, não numa periferia mas num centro e o nosso triângulo estratégico é de importância maior do que aquela que representa a mera dimensão territorial.
O quinto elemento a ter em conta como referencial na análise é o problema duma vontade política nacional. Há 10 anos que temos um regime democrático e embora não seja um dado extremamente importante para a análise do Conceito Estratégico de Defesa Nacional é, todavia, um elemento referencial importante que valoriza a opção portuguesa, porque é inerente à abertura de Portugal ao mundo e lhe dá uma perspectiva de convivência mundial mais forte.
Sendo estes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os pontos de referência nesta análise, convém elucidarmos as três questões práticas que, naturalmente, um parlamento quer discutir sobre as grandes opções do Con-

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ceito Estratégico de Defesa Nacional: primeira, de quem nos defendemos? Segunda, o que defendemos? Terceira, como defendemos?

Começaria, por comodidade metodológica, pela segunda questão: o que é que defendemos? A defesa nacional, como está articulada em termos constitucionais e legais, determina uma defesa de soberania, de território, de independência, de cultura, de modo de vida, de opção de vida, de regime. Por isso, é uma realidade que significa uma defesa multivariável, multidisciplinar e esta última é de múltiplas valências, desde um território, a uma cultura, a uma forma de estar e de se relacionar interna e externamente. Deste modo, o que defendemos é muito mais que um território, é acima de tudo um modo de vivermos e de querermos ser portugueses.

Daí decorre a segunda questão: de quem nos defendemos? A resposta é óbvia, Sr. Presidente e Srs. Deputados: defendemo-nos daqueles que têm capacidade efectiva e não meramente teórica, sejam eles pessoas, grupos ou Estados, que procurem pela força, pela persuasão ou pela acção directa ou indirecta, alterar o regime, a soberania, limitar a independência, minar a capacidade nacional, introduzir-se no território nacional e ocupá-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como tal, defendemo-nos teoricamente de todos aqueles que, em qualquer sede e instância, têm capacidade de actuar nestes cinco domínios. Quererá isto dizer que a resposta inevitável à questão «como nos defendemos» é limitada e meramente militar? Não devemos sequer pensar nisso, pois essa seria a resposta há 20 ou 30 anos, quando a noção de defesa nacional era a de uma defesa restrita. Actualmente a grande defesa nacional não se projecta apenas nem sequer exclusivamente nos aparelhos militares, radica-se mais na consciência e na capacidade de uma nação ser livre e de se afirmar como tal. Por isso, hoje, o problema da defesa nacional é eminentemente político e cultural. Aí, a resposta mais normal e simples a dar era aquela que se consubstanciava na defesa militar em todos os azimutes. No entanto, essa resposta é inconsequente no plano financeiro e no das capacidades reais do Estado. De onde, teremos de a procurar noutras sedes, que no nosso ponto de vista recolhem parte daquilo que ë dito no documento do Governo.

Em primeiro lugar, defendemos um desenvolvimento duma forte consciência nacional. Só se defende alguém que tem algo para defender e só há alguém para defender alguma coisa no plano da identidade nacional quando se é portador desta última e ela existe. Logo, a primeira grande política em termos de conceito estratégico de defesa nacional é o desenvolvimento de uma ideia nacional, de um espírito, de uma cultura portuguesa, de uma integração cultural forte que ultrapassa as fronteiras territoriais portuguesas e se espalha em todos os domínios onde temos comunidades fortes.

Daí decorre naturalmente um princípio de política externa, ou seja, o princípio da relação capaz, sólida e cooperante, com todos os países de acolhimento, onde Portugal tem comunidades fortes: Brasil, Venezuela, Canadá, Estados Unidos da América, Angola, Moçambique, outros países de língua portuguesa, França, Alemanha, África do Sul, Austrália. São os primeiros vectores de uma política externa consequente com a própria noção de nação.

Mas, também num segundo plano, deve atender-se a todas as formas que preservem que as segundas gerações de emigrantes tenham a mínima capacidade de manutenção de uma culturalidade portuguesa, ou seja, não falando tanto das primeiras gerações de emigração, que essas têm sempre a noção do retorno à pátria, o grande problema político que se coloca como defesa nacional no sentido de defesa da Nação é o das segundas gerações, cujos aculturamentos são já feitos em termos mais fortes e mais determinantes pela própria zona de acolhimento e não pela zona de emissão inicial. Daí, uma política capaz que tenha, como suporte inevitável, a aplicação de fortes recursos financeiros nesse domínio.
Daí, também uma terceira consequência, isto é, à necessidade da preservação de valores e direitos políticos às comunidades de emigrantes, porque só isso traduz na prática o empenho da nação como uma nação global e não amputada de parte dos seus cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí a legitimação do voto político dos emigrantes portugueses, porque só isso consubstância na prática a sua inserção no todo nacional como portugueses de parte inteira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento da ideia nacional requer uma política de progresso económico. Dizia o Professor Alain Tourraine, insuspeito teórico francês do socialismo democrático, que a pior alienação de uma sociedade é a do não desenvolvimento. Este traduz na prática a desintegração, a anomia social, a disfuncionalidade, a erosão, o acabrunhamento nacional.
Uma nação, um Estado que não reserve o mínimo de capacidade de desenvolvimento nacional é um Estado que se destrói a si próprio, tal como também se destrói a si próprio o Estado que não consiga centriptar, atenuar, isto é, que consiga inserir no quadro das relações de convivência social as tensões naturais da própria sociedade.
O método democrático é por essa razão o melhor método de preservação e de capacidade que oferece para ultrapassar as dificuldades que se colocam a uma nação enquanto sobrevivência própria. Um dos méridos do sistema democrático é justamente esse, é o de permitir uma melhor integração de todos os cidadãos no complexo nacional, numa comunidade nacional portadora de valores comuns a todos os mesmos cidadãos.
Se o primeiro vector da política que corporiza o «como se defender» é o desenvolvimento de uma ideia nacional e o seu fortalecimento, o segundo princípio reporta-se ao factor humano. Sem cidadãos preparados profissionalmente Portugal não tem viabilidade. Desta forma, o segundo vector fundamental de uma política de defesa nacional consiste na formação profissional e na educação. Sem isso, não há capacidade de qualquer cidadão poder render o máximo possível para si e para a comunidade, de modo a poder garantir a sobrevivência da mesma.
A terceira política é a da ciência e da tecnologia. Não há independência nacional sem tecnologia nacional e sem produção de ciência nacional.

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• Hoje, Portugal gasta cerca de 0,3 % do seu produto interno bruto em despesas de investigações e desenvolvimento, enquanto que a maior parte dos países europeus do nosso nível cultural e científico gastam 1 % ou 1,5 %.
Estamos com um valor 5 vezes inferior, em termos de ponderação, e, mesmo face àquilo que gastamos, o grau de improdutividade é assustador. Portugal e o Governo carecem, se quiserem ser consequentes com uma política de defesa nacional, de estudar, deliberar e apresentar uma política de ciência e tecnologia nacional. E essa é a responsabilidade do Estado, porque é a conjugação de interesses que sobretudo se perfilam no âmbito do próprio Estado, já que muitas dessas despesas são da sua própria competência e não podem ser assumidas por outrem, quer directa quer indirectamente.
Resta-nos falar das duas últimas políticas, que respeitam ao «como nos defendemos»; refiro-me à política externa e à política da defesa militar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal tem 3 fronteiras, fronteiras essas não só geográficas mas também históricas, políticas e culturais.
A nossa primeira fronteira é a Europa, a segunda é o Atlântico Norte e a terceira é a África. Não valorizo uma em detrimento de outras e por isso não as coloco por ordem cronológica de importância.
A fronteira europeia é uma fronteira à qual nós nunca ligámos muito. Nunca na história portuguesa a fronteira europeia foi importante, a não ser no período da consolidação da própria nacionalidade. Foi o primeiro período, em que tínhamos uma política de defesa, um conceito estratégico de defesa nacional, que, curiosamente, nos séculos XII e XIII, recebeu fortíssimas induções exteriores. É o período de as Cruzadas pararem em Portugal e povoarem o nosso país.

Da Europa, hoje, queremos partilhar o modelo cultural e de vida, mas temos de renegar e de destruir dois conceitos que porventura possam ocorrer no nosso seio sobre a Europa. O primeiro é o de que precisamos da Europa como uma álibi, isto é, de que precisamos da nossa inserção na Comunidade Económica Europeia para fazer aplicar em Portugal aquilo que o poder político não tem coragem, de er si e sem necessidade de recorrer à CEE, de aplicar. É uma necessidade que Portugal tem de, se quiser aderir, o fazer nos termos em que o deseja e não recorrendo à nossa eventual negociação com a CEE como pretexto para alterar regras internas de organização nacional.

A segunda ideia que temos de evitar em Portugal é a ideia de que a Europa vai ser o nosso tutor, isto é - perdoem-me se num debate tão elevado cito uma frase tão menor -, verifica-se quase a situação daquele filho que não trabalha, mas que, como é muito gastador, vai pedir ao pai que continue a financiar as suas extravagâncias e a sua incapacidade de produzir. Portugal não pode ter da Europa a ideia de um tutor que vai pagar a nossa incapacidade de nos organizarmos, de nos sustentarmos e de sermos maiores e adultos. A Europa é uma parceria e não uma tutoria, e recusar esta perspectiva é vital, porque no dia em que nos pusermos, eventualmente, em consonância total com esta pré-condição, estão criadas as condições em Portugal para o surgimento de anticorpos em relação a esta mesma postura. A primeira fronteira é necessária e desejável.
A segunda fronteira portuguesa é o Atlântico Norte. 0 parceiro mais sólido e mais importante na nossa

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fronteira do Atlântico Norte são os Estados Unidos da América do Norte. Portugal partilha com os Estados Unidos valores conjuntos, comuns, de solidariedade, de amizade e de cooperação. Os Estados Unidos receberam, recebem e receberão várias dezenas de milhar de emigrantes portugueses, mas temos, todavia, de ter uma precaução política mínima nesta relação atlântica.
Se nós tivermos as doutrinas Truman e as doutrinas Brejnev como aceitáveis do ponto de vista de cada uma das superpotências, mais, se as aceitarmos na perspectiva de que cada uma delas pode ver algumas regiões, como as suas defesas avançadas, Portugal não pode aceitar a perspectiva de a Região Autónoma dos Açores ser meramente concebida como zona avançada da defesa dos Estados Unidos da América. A Região Autónoma dos Açores faz parte do triângulo estratégico português, faz parte da afirmação da soberania nacional, provou-o no passado, no período mais difícil da nossa história - o filipino -, e o reconhecimento da nacionalidade e do interesse nacional obriga a que no plano político, e ao menos como visão simbólica e emblemática, os Açores figurem, em termos dos subcomandos do SACLANT, como parte do IBERLAND e não como parte do WEST-IBERLAND. 15to é o mínimo que é necessário pedir, de modo que não haja coincidências entre o nosso triângulo estratégico e a visão que da NATO se tem sobre ele. Ai de nós quando abdicarmos da nossa própria capacidade autonómica e soberana de afirmar um princípio nacional elementar na organização dos subcomandos do SACLANT.

A nossa terceira fronteira é a da África e do Atlântico Sul. Partilhámos no Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé, Guiné, Cabo Verde, muitos séculos de convivência com povos autóctones. Hoje, celebramos a sua independência e a sua autodeterminação, mas, naturalmente, isso não afasta a capacidade portuguesa de uma relação privilegiada com esses povos. Portugal tem obrigações éticas, políticas e humanas e até, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fortíssimas influências culturais, que de cá para lá e de lá para cá são mutuamente referenciáveis e visíveis.
Há uma osmose cultural nos últimos decénios da história portuguesa, de Portugal para África ou para a América do Sul, entretanto para o Brasil e deles para nós. Não assumimos nem podemos assumir papel paternalista ou neocolonialista, nem pode Portugal, no domínio da política externa, prefigurar-se como agente de transmissão ou correia de forças de outros interesses, sejam eles de quem forem, junto desses países. Esses países fazem parte da nossa relação primária política, no âmbito da autonomia do Estado e do reforço da sociedade portuguesa, e por isso não é legítimo nem coerente que nós nos afirmemos, da parte deles, como interlocutores privilegiados perante outrem. Se o formos, que sejam esses países a dizê-lo, e nunca nós a querermos afirmar-nos como tal. Só assim preservaremos, numa relação estável, normal e equilibrada, aquilo que corresponde a um mínimo de fundamento do nosso Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
No plano prático, Sr. Presidente e Srs. Deputados, era urgente que o Governo revisse as verbas afectas à cooperação com os países de língua portuguesa. Elas correspondem a uma necessidade vital da afirmação de Portugal e desses mesmos países, e por isso será fundamental, seria mesmo necessário em algumas áreas, que sacrificássemos algum consumo nacional a troco de uma relação privilegiada nesses domínios.

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É uma ajuda política necessária que corresponde ao nosso objectivo estratégico e ao objectivo estratégico desses países, sem cauções, sem contrapartidas, a não ser a dádiva normal e natural de solidariedade histórica e de solidariedade, em muitos caos, de consanguinidade e de culturalidade.
Permita-nos por último, Sr. Presidente, a referência ao vector da defesa militar da República. Portugal não se pode dar ao luxo de não ter forças armadas. Portugal não tem recursos suficientes para poder ser neutral. Podíamos ser neutrais, como a Suíça ou a Suécia, mas teríamos de gastar tanto dinheiro que não teríamos para isso. Quanto mais neutral é uma nação, mais poderosa militarmente ela é. Por isso, quando eu há pouco ouvi algumas formulações de uma aplicação de política militar do Sr. Deputado João Amaral, do PCP, rapidamente fiz um esboço, um cálculo analítico, e o seu valor, Sr. Deputado, correspondia a cerca de 430 milhões de contos, ou seja, cerca de 40 vezes aquilo que, por ano, o Orçamento do Estado consagra à verba de investimento nas forças armadas.
A sua posição é óptima, não é sequer platónica nem irrealista, é absoluta e totalmente incapaz de ser cumprida. Porque se o fosse, Sr. Deputado João Amaral, veríamos V. Ex.a, dessa bancada, ao mesmo tempo que pede este programa, que custa o que custa, falar em nome dos trabalhadores, e dizer como eles são desprivilegiados em Portugal. E teria razão! Por isto o seu discurso é contraditório.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem? Boa piada!

O Orador: - Portugal não pode dar-se ao luxo de ser neutral, não tem meios financeiros para isso, mas não pode prescindir de uma defesa autónoma da República em termos meramente militares, e essa defesa tem duas configurações. Tem de ter uma componente aeronaval em tudo aquilo que representa a chamada defesa à distância, ou defesa em profundidade, do triângulo estratégico português e tem, por outro lado, de ter uma defesa aeroterrestre no que respeita à defesa da própria plataforma. De onde poder dizer-se que os sistemas de forças decorrentes desta postura que o Governo nos apresenta são de duas matrizes: aeronaval, em termos de defesa à distância, defesa de profundidade, e aeroterrestre, em termos de defesa da chamada plataforma. Daí a legitimidade e a consideração da necessidade, cada vez maior, de uma inter-relação em termos de sistemas de forças combinadas e não meramente de ramos.
Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se desejarmos este perfil mínimo de Forças Armadas portuguesas, elas inserem-se num quadro que tem em vista um efeito de dissuasão - e aqui, Sr. Deputado Raul de Castro, V. Ex.ª hoje referiu-se à palavra «dissuasão», mas ela não é tão complicada como V. Ex.ª pensa dissuasão existe sempre numa relação entre duas pessoas, duas organizações, dois Estados, desde que haja interesses que sejam distintos. Uma dissuasão é a existência de algo que impede que outro possa exercer sobre si aquilo que o senhor não quer. Dissuasão militar não significa obrigatoriamente a existência de vectores nucleares - isso é uma complicação espiritual de V. Ex.a...

Risos do PSD.

... -, significa apenas a existência do mínimo credível, até só em termos convencionais, que permita que quando alguém eventualmente queira atacar Portugal saiba que há pelo menos uma resposta num primeiro momento que assegure um tempo político suficiente para que alguém venha em nosso socorro.
E aqui, Srs. Deputados do PCP, se insere uma resposta a VV. Ex.as Uma nação pequena e pobre, como nós somos, que não se pode dar ao luxo de ser neutral, não se pode também dar ao luxo de abdicar de ter Forças Armadas, porque não as ter significa delegar a sua soberania em outrem e com isso comprometer o número de graus de liberdade da sua própria soberania. Mas significa sim, Srs. Deputados, que, no momento em que eventualmente se exerça uma ameaça materializada, haja um tempo político para um aliado vir em nosso socorro. É essa a legitimidade da nossa postura e participação na Aliança Atlântica. Tão-só! É apenas tentar encontrar, ao abrigo do artigo 5.º do Tratado de Adesão ao Atlântico Norte, que se Portugal for ameaçado, e pode sê-lo porque está em posição geográfico-política para tal, nós tenhamos uma resposta credível num primeiro momento, para que, num segundo, alguém nos auxilie no quadro da nossa própria defesa. A nossa inserção na NATO não é ofensiva, não é para agredir ninguém, é para evitar que possamos ser agredidos por outrem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: as políticas que prefiguram a defesa nacional, nos vários âmbitos, nas várias sedes, são todas importantes. Todas elas carecem, todavia, de um elemento nuclear e básico. Sem vontade nacional, sem identidade nacional, sem a crença de que defendemos instintivamente algo que é nosso, que é nossa memória colectiva, que é nosso inconsciente colectivo e que se projecta para o futuro, sem isso, nada temos a defender. O regime democrático é, curiosamente, o melhor dos regimes, que pode, no presente, tornar viável o futuro e tornar sólido, credível e honroso o nosso passado.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para interpelar o Sr. Deputado Ângelo Correia os Srs. Deputados Morais Barbosa, César Oliveira, João Amaral, José Luís Nunes, António Meira e Raul de Castro. Vou dar a palavra pela mesma ordem e, portanto, ao Sr. Deputado Morais Barbosa.

O Sr. Morais Barbosa (CDS): - Sr. Deputado Ãngelo Correia, ouvi com toda a atenção e todo o interesse a sua exposição em que abordou muitos assuntos. Não vou naturalmente deter-me em todos, mas queria dizer-lhe que prestei particular atenção à sua preocupação com os emigrantes de segunda geração e também com a cooperação. Muito brevemente queria perguntar-lhe, por um lado, como para lá da cooperação, estabelecida como está, existem também emigrantes nos países que foram territórios portugueses, se entende que esses emigrantes têm sido suficiente e adequadamente contemplados pelo Governo Português.
Por outro lado, queria perguntar-lhe em relação aos emigrantes, em particular aos de segunda geração, qual seria o programa correcto que o Sr. Deputado Ângelo Correia consideraria dever ser implementado para a salvaguarda desses valores, extremamente importantes para a defesa nacional, na medida em que nesses emi-

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grantes de segunda geração podemos ter, através do Mundo, uma força enorme de pressão sobre os governos dos países onde se encontram emigrados na defesa dos interesses portugueses.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Ângelo Correia pretende responder globalmente no final, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente não ouvi a totalidade da intervenção do Sr. Deputado Ângelo Correia, daí que as minhas perguntas só se reportem à parte que ouvi. Entretanto se V. Ex. º respondeu a estas questões que lhe vou colocar na primeira parte da sua intervenção, antecipadamente peço desculpas por estar a formulá-las.
A primeira questão que gostaria de colocar-lhe, e que surgiu há pouco quando tomava uma bica com o Sr. Deputado Nogueira de Brito, é a seguinte: nós temos estado a discutir aqui a política de defesa nacional, escamoteando voluntária ou involuntariamente o acordo militar bilateral que existe entre o Estado espanhol e os Estados Unidos da América do Norte, e as projecções da defesa aérea e marítima da Península Ibérica, nesse quadro e nesse acordo, conferem, por parte desse nosso aliado na Aliança Atlântica, os EUA, um papel de menoridade a Portugal. O que tem, pois, V. Ex.ª a dizer sobre isto? O que é que julga que deveria ainda discutir-se neste debate tendo em atenção a existência deste acordo bilateral entre a Espanha e os EUA e que julgo estar ainda em vigor?

A segunda questão tem a ver com a troca de ideias que tive aqui com o Sr. Deputado João Amaral e é a seguinte: nós estamos a discutir a política de defesa nacional num mundo onde as zonas de influência e de partilha do mesmo, acordadas com a benção de Roosevelt, entre o Sr. Winston Churchill e o Sr. Joseph Vissarionovitch Stalin, em Ialta, já foram extravasadas. Melhor dizendo, nós estamos a discutir a política de defesa nacional num mundo onde a Europa funciona muitas vezes como moeda de troca em relação às duas superpotências e, mais, onde as zonas de influência estão de tal modo delimitadas que quando uma ou outra parte protesta contra o que acontece quer em Granada quer na Nicarágua, no Afeganistão, na Polónia, na Hungria, etc., não se passa disso, não se passa de protestos verbais, os que se fazem num e noutro campo, pois isso é uma aquisição de Ialta.

Portugal é, pois, um pequeno país que tem potencialidades que não temos sabido valorizar. Podemos nós valorizar as potencialidades da nossa posição geo-estratégica de modo a minorar esse mundo construído em Ialta? É porque, na minha opinião, essa é a razão por que o PCP não está interessado em propor que nós saiamos da NATO, porque a nossa saída da NATO seria a prova provada da recusa de Ialta. E podíamos ainda ir mais longe sobre esta discussão.

A terceira e última questão é a seguinte: falou V. Ex.ª da aliança e do socorro que temos que invocar sempre que a ameaça transcenda a nossa capacidade própria de resposta.

Julgo que muitas vezes nesta Assembleia se ignora - embora a culpa talvez não seja do Sr. Deputado a história de Portugal contemporâneo. As invasões napoleónicas aí estão, as ocorrências em África a propósito da partilha de Berlim idem, assim como a participação de Portugal na 1.ª Guerra Mundial no quadro global da aliança inglesa.

De facto, continuo a pensar -- e voltando à questão da nossa projecção atlântica e à existência da potencialidade da nossa posição geoestratégica - que não temos sabido valorizar suficientemente esta situação por forma a podermos extrair do próprio quadro das nossas alianças vantagens militares, económicas, financeiras e políticas que tal posição nos podia adregar.
Não se trata de um qualquer «negocismo» chantagista com base na potencialidade da nossa posição geoestratégica, mas, sim, de a sabermos valorizar de acordo com os interesses nacionais, que não podem ser outros que não sejam a sucessiva criação de condições para afirmarmos a nossa capacidade de decisão soberana.
É aqui que, em minha opinião, está o cerne do interesse nacional: a nossa capacidade de pleno exercício de decisão soberana nas várias circunstâncias que poderão concorrer.
Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional, gostaria que V. Ex.ª comentasse estas minhas afirmações.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Ângelo Correia, queria-lhe dizer que a sua critica em relação ao conteúdo da intervenção que produzi tem a resposta adequada na sua própria intervenção.
Devo sublinhar que o Sr. Deputado, nas considerações que fez, equacionou do seu ponto de vista os problemas globais do conceito estratégico de defesa nacional em termos que não foram feitos nem pelo Governo na sua intervenção inicial, nem no documento que aqui apresentou. Sublinho isso!
A questão que lhe queria colocar tem a ver com as contas que fez. V. Ex. e adiantou um número - naturalmente não teve tempo de fazer nenhumas contas acerca do que estava implícito nas propostas que apresentámos - e esse número é o que resulta de outras informações que o Sr. Deputado tem ou de contas que aqui ou fora daqui já teve oportunidade de fazer.
Entretanto a grande questão que se coloca é esta, Sr. Deputado: não vale a pena contrapor o sistema de forças e o dispositivo que for necessário para as forças armadas cumprirem as suas missões nacionais às componentes de dificuldades que podem atravessar os trabalhadores portugueses nos dias de hoje. E não vale a pena fazer isso porque o Estado Português tem de assumir, face a um comando constitucional, uma obrigação fundamental que é a de garantir a defesa nacional.
Toda a questão, afinal, está em saber como é que essa obrigação de defesa nacional pode ser assumida, nomeadamente pelas forças armadas.
Assim, uma questão não se contrapõe à outra, têm é de se combinar, nomeadamente, através da criação de condições concretas ao povo português para permitir o seu próprio empenhamento, ou, tal como o Sr. Deputado Magalhães Mota aqui já referiu, para permitir a «interiorização do sentimento de defesa nacional» em termos de podermos ser, no conjunto, um país decidido a defender-se.
Dizendo que «não nos podemos dar ao luxo de ter umas forças armadas improdutivas», o que é que o

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Sr. Deputado pretende dizer? Quererá dizer que nos
poderemos dar ao «luxo» de entregar a outros a nossa

defesa nacional? Quererá dizer que não temos de fazer o esforço orçamental necessário para garantirmos
nós próprios aquilo que racionalmente definirmos como

sendo os objectos da política de defesa nacional e como
o conteúdo de um conceito estratégico de defesa nacional?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador- - Sr. Deputado, esse esforço pode
custar-nos a todos um pouco, mas não se contraponha isso a nenhuma situação concreta.
As dificuldades concretas do povo português e os
problemas com que se defronta resultam da política seguida pelo Governo. Por isso, não se contraponha o
esforço de defesa nacional às necessidades do povo português, pois esse esforço de defesa nacional deve ser
complementar no quadro da satisfação dos interesses
do povo português.
Assim, deixo-lhe uma pergunta, Sr. Vice-Primeiro
-Ministro: não acha que essa é uma direcção política
fundamental?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Segue-se no uso da palavra o
Sr. Deputado José Luís Nunes, igualmente para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Ãn
gelo Correia.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, não foi possível trocarmos impressões sobre estes assuntos a propósito da intervenção que fiz
há pouco, mas não queria deixar de aproveitar a oportunidade para dialogar consigo sobre estas matérias
nesta ocasião.
Efectivamente e embora não tenha ouvido toda a sua
intervenção por motivos de afazeres prioritários, ouvi
uma parte substancial da exposição de V. Ex.ª e devo
dizer-lhe que estou obviamente de acordo com muitos
dos conceitos que formulou.
Há, no entanto, três questões que gostaria de formular.
A primeira prende-se com o facto de, em relação ao
neutralismo, o Sr. Deputado ter dito que nós não éramos suficientemente ricos para nos podermos dar a esse
«luxo».
Obivamente que uma potência neutral tem de ter
uma indústria própria e um esforço de guerra autónomo e creio que era nisto que o Sr. Deputado Ângelo Correia estava a pensar quando proferiu aquela
frase.
A política é uma lógica de convencimento, uma lógica tópica; portanto, essa sua afirmação tinha destinatários aqui dentro. E, acrescento, era correcta!
Mas não é só isso, pois hoje em dia as potências ditas neutras na Europa Ocidental - e, que me recorde,
com um estatuto de credibilidade, são apenas os casos
da Áustria, da Suécia e da Suíça - podem ser neutra
listas não só por razões de ordem económica, mas também, e sobretudo, por razões de ordem política.
A neutralidade austríaca advém, como sabe, do desmembramento do Império Austro-Húngaro e do tratado de paz que foi refeeito e subscrito pela União Soviética, tratado esse que chega aos limites de
pormenorização de incluir a obrigatoriedade da existência em Viena de um monumento ao soldado soviético heróico!

Risos.

Este é o caso da Áustria, mas as potências ocidentais assinaram também esse tratado como garantia de uma outra coisa: é que não voltaria a haver na História outro Anschluss.

O caso da Suíça é conhecido, mas é um caso diferente. Não deixa de ser curioso que a última comissão interaliada que funcionou até ao fim da guerra e onde havia representantes de todas as potências beligerantes funcionou em território suíço e era uma compensação de pagamentos bancários.
Voltaire dizia: «Quando virem um suíço atirar-se de uma janela abaixo, atirem-se a correr atrás dele, pois há de certeza algum dinheiro a ganhar.»

Risos.

A Suécia é um caso muito curioso e a sua neutralidade ressalta da própria vontade do povo sueco, que permitiu que um corpo do exército alemão atravessasse a Suécia para atacar a Noruega na operação de Narvik.
Simplesmente, como é que a União Soviética trata a Suécia neutral? Reconhece a União Soviética um estatuto de neutralidade à Suécia?
Não é exacto! Todos sabemos hoje em dia que os submarinos soviéticos violam constantemente as águas territoriais suecas para investigar e testar o aparelho de defesa sueco. Daí aquela ideia de que não basta querermos ser neutrais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É necessário que o sistema em que nos inserimos permita um estatuto de neutralidade e esse de que falamos não o permite.
Não nos podemos dar ao «luxo» de sermos neutrais, mas há um outro facto: nós também não queremos ser neutrais!
Esta é a realidade fundamental que é necessário sublinhar aqui.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Meira.

O Sr. António Meira (PS): - Sr. Deputados Ângelo Correia, ouvi com atenção a sua intervenção e no essencial estou de Gordo com o que nela produziu e defendeu.
Quero, no entanto, pôr-lhe uma questão que me parece fundamental.
Ontem o Sr. Deputado Adriano Moreira defendeu na sua coerente e importante intervenção a opção da inserção de Portugal no espaço atlantista. A proposta do Governo, por seu lado, defende - e na minha modesta opinião muito bem - o enquadramento de Portugal no espaço euro-atlântico.
Poderá V. Ex. a expor a esta Câmara qual a sua posição perante questão tão essencial na formulação das grandes opções do conceito estratégico da defesa nacional que estamos agora a discutir?

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O Sr. Presidente: - Por último, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Ângelo Correia, a ideia que me ficou depois da sua intervenção é a de que, efectivamente, V. Ex.ª apresentou aqui uma divulgação tão original sobre defesa nacional que até acabou por perder de vista o próprio texto apresentado pelo Governo e defendido pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional. Quer dizer, V. Ex. º acabou por não tomar uma posição clara relativamente ao texto que aqui está a ser apreciado dada a originalidade da sua divagação sobre defesa nacional.
No entanto, o Sr. Deputado certamente não deixa de ter uma opinião sobre o texto que foi aqui apresentado, só que nós não pudemos aperceber-nos dela.
Aliás, a divagação a que me estou a referir é tão original que o Sr. Deputado inseriu uma ideia tão ousada como esta: «Portugal é um cilindro giratório!»

Trata-se, realmente, de uma ideia que não fica ao alcance de todos...

Risos.

... e com certeza o Sr. Deputado terá de explicar um pouco melhor por que é que considera o nosso País «um cilindro giratório»!
Finalmente e em relação à resposta que deu à preocupação do MDP/CDE quanto às armas nucleares, dizendo que isso era uma preocupação de espírito que não partilhava, queria apenas perguntar-lhe se não sabe que milhares e milhares de pessoas na Europa - nomeadamente na República Federal da Alemanha - se têm manifestado contra a instalação de armas nucleares! É que, se efectivamente não partilha desta preocupação, o Sr. Deputado está isolado e quem não o está somos nós.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram dirigidos, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia, para o que dispõe de um tempo máximo de 18 minutos.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Começando por responder ao Sr. Deputado Morais Barbosa, gostaria de dizer que a política de emigração deste Governo não difere, segundo creio, daquela que foi seguida por todos os governos desde 1976. Há efectivamente um traço de permanência na política dos vários governos democráticos desde essa data que manifestam e reforçam a defesa da cultura portuguesa e das várias comunidades portuguesas em todo o mundo e de uma forma explícita.
Talvez não haja correspondência entre a ideia e a aplicação financeira que se tem verificado e, por isso, dou-lhe uma resposta inequívoca à pergunta que me faz, ou seja, qual a política a seguir no que respeita às comunidades da segunda geração? A resposta inevitável e lógica será, obviamente, que em primeiro lugar se promova o fomento da educação e cultura portuguesa próprias fornecidas pelo Estado ou pela

sociedade portuguesa nessas áreas; em segundo lugar, a promoção de uma política de transportes que privilegie uma relação mais fácil de proximidade e de estudo dessas segundas gerações em Portugal.
Simplesmente, estas duas políticas têm um custo financeiro elevado, donde o que talvez tenha variado ao longo do tempo tenha sido a capacidade do Governo português de face às restrições financeiras, poder aplicar uma matriz que, de per si, me parece clara existir em permanência em todos os governos - seja neste, seja no da Aliança Democrática ou naquele em que VV. Ex.º5 participaram com o Partido Socialista.
Não vejo, realmente, diferenças de fundo, mas poderá haver diferenças de aplicação financeira que o País foi atravessando.
Por seu lado, o Sr. Deputado César Oliveira colocou algumas importantes perguntas que demorariam bastante a responder, mas V. Ex.ª sabe que tenho de respeitar a limitação de tempo.
Comecei por dizer que estávamos a discutir bases gerais de um conceito estratégico de defesa e não uma política de defesa, o que de resto transpareceu em grande parte das intervenções aqui produzidas nesta tarde. Daí eu ter rebatido essa perspectiva e de me ter tentado recolocar na perspectiva inicial.
A esse propósito, o Sr. Deputado coloca uma questão de fundo: o problema da ZIC, a chamada Zona de Interesse Comum, em 1976 e ratificada em 1983.
Sr. Deputado, vamos ser muito claros: O Governo português desde 1977 que vem tendo uma posição sobre esse assunto e lembro-me, inclusivamente, de o ministro da Defesa do II Governo Constitucional, de maioria do Partido Socialista, ter dito claramente que a postura em relação a esse problema era inequivocamente contra.
Só que não vale a pena formular uma atitude política, pois o que deve ficar bem claro é que a responsabilidade de existir um acordo entre os EUA e Espanha celebrado em 1976 foi a debilidade excessiva em que Portugal caiu em 1975.
15to é: perante a emergência de um cenário em que a correlação de forças foi manifestamente infeliz é dificultosa para Portugal, os EUA celebraram um acordo com a Espanha, que, ao fim e ao cabo, obliterou Portugal, ultrapassou Portugal, projectando-se no nosso espaço, contra os nossos interesses!
A responsabilidade, Sr. Deputado, deve ser encontrada fundamentalmente na debilidade nacional encontrada em 1975. E isso provocou, infelizmente, uma situação que, estou seguro, o tempo se encarregará de repor em termos mais honrosos e dignos para Portugal,
Estas considerações, porém, implicam uma segunda questão: o relacionamento entre Portugal e Espanha no quadro futuro da Aliança Atlântica. Direi a título pessoal, embora essa questão não possa ser visível por enquanto, visto que a Espanha não aderiu à organização militar do Tratado do Atlântico Norte, que se um dia isso acontecer, Portugal deve ter três precauções: primeiro, Portugal é hoje apenas um comando afiliado do SACLANT não tendo inserção directa no SACEUR. Deve por isso, no futuro, preservar uma relação quase exclusiva da defesa em profundidade do nosso território uma área confinada ao IBERLANT, sob comando e controle exclusivo português.
Há um segundo vector, em que é possível e permissível pensar: uma outorga de subcomandos, uma na área do AFSOUTH, da área do SACEUR, portanto,

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Comando Nápoles, que abranja as Baleares, Gibraltar e as Canárias, uma área de inter-relação Reino Unido-Espanha (e, muito menos, Portugal); e um terceiro subcomando na área do chamado Comando do Canal, em que é possível perspectivar no caso de a França continuar a não fazer parte do Comando Militar da OTAN (como sabe, há um subcomando de Biscaia que está outorgado, ou seja, afecto ao chamado CINCHAM, Comando do Canal) e afectar à Espanha esse subcomando na área marítima atlântica, mas sem afectar a área do SACLANT à área do IBERLANT, que nos corresponde.
Penso que estes três vectores, estas três garantias, devem ser dados a Portugal.
Faça favor, Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Munes (PS): - Sr. Deputado Ãngelo Correia, estou a ouvir com muita atenção o que está a dizer e penso que era de plena justiça chamar a atenção para o facto de dois pontos daquilo que referiu se encontrarem com algum avanço.
Refiro-me à dependência em relação ao SACEUR da 1.1 Brigada Mista Independente para actuar no flanco sul e através do alto comando sito em Pinevizio, na Itália e na Turquia. E, sobretudo, a presença até há pouco tempo da presença de um oficial de ligação da nossa força aérea, com a patente de coronel, no AFSOUTH em Nápoles.
É muito importante a evolução que se tem dado nesta matéria e penso, louvando-me na importância da sua declaração, que era justo sublinhar este caminho, que tem sido seguido por todos os governos e que é, de certa maneira, património português.

O Orador: - Agradeço a interrupção e o parêntese que o Sr. Deputado José Luís Nunes introduziu. Era preciso, no entanto, completar ainda um pouco mais.
Como sabe, não há apenas uma entidade nacional que tem uma garantia de ligação ao SACEUR já que o corpo de tropas pára-quedistas também tem essa etiqueta, podendo igualmente participar nessa área.
Mas, voltando à questão do Sr. Deputado César Oliveira, dizia eu que é preciso garantir em relação à Espanha estes três desideratos estratégicos, de modo que a posição portuguesa não fique vulnerabilizada quando no plano militar...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Não queria que transparecesse das minhas palavras um sentimento que algumas pessoas, em Portugal, reputam de anti-espanhol.
Uma coisa é a defesa da soberania nacional e as precauções que devemos tomar no caso da entrada da Espanha na esfera militar do Pacto do Atlântico, outra é - e bem diferente - uma política de amizade, boa cooperação, aprofundamento de relações económicas bilaterais, etc., com o Estado espanhol. V. Ex.ª distinguirá, com certeza, esta questão.

O Orador: - Srs. Deputados, eu não sou antiespanhol. Acima de tudo sou é pró-português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E o que está em causa é a defesa do interesse português, no caso da expressão espanhola ter

expressão directa numa participação na organização militar da Aliança Atlântica.
O Sr. Deputado César Oliveira faz uma terceira pergunta no sentido de saber, face à questão do equilíbrio ou desequilíbrio entre as superpotências, como é que se verifica o problema da inserção de Portugal nesse quadro.
A resposta é óbvia e é dada pela matéria que defini e que respeita claramente aquilo que está postulado no texto do Governo. Portugal tem três fronteiras políticas, geográficas e culturais e é na ponderação e no equilíbrio delas que temos de matriciar e desenvolver a nossa própria autonomia e capacidade. Com isto respondo ao Sr. Deputado João Amaral.
A autonomia, Sr. Deputado, não é autarcia e não significa uma capacidade exclusiva e total de revolver o problema militar português. Ela significa uma possibilidade limitada de obter o objectivo máximo que se consegue e optimizá-lo com uma limitação de recursos. 15to é, não defendemos uma autarcia militar, que achamos ser impossível para Portugal. E nesse sentido, o Sr. Deputado José Luís Nunes fez bem quando corrigiu, há pouco, o sentido interpretativo da nossa eventual neutralidade, tendo o seu comentário sido pertinente e justo. Mas é impensável, incorrecta e injusta uma defesa feita somente por e para nós.
O Sr. Deputado João Amaral coloca ainda o problema do empenhamento do povo na interiorização no esforço de defesa. 15so é excelente, Sr. Deputado João Amaral! Aplique isso em todos os países; faça implantar um regime democrático em todos eles de modo a que a liberdade de expressão consiga transparecer e implantar essa mesma visão e esse mesmo desiderato.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ó Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado, não se choque por eu lhe pedir o desenvolvimento da democracia.
Pelo menos não mostre isso em público! Pode-o sentir, mas não mostre!

Risos do PSD.

Agora o que é necessário é criar condições mínimas para que tal se manifeste.
Pergunta-me o Sr. Deputado se estamos a defender a posição de não ter forças armadas e de delegar a nossa defesa em outrem. Com certeza que reparou que eu disse, há pouco, que não queria que isso acontecesse em Portugal. Não defendo que o nosso país seja a 15lândia ou o Líbano. Foi a destruição das Forças Armadas do Líbano e a interferência excessiva das políticas exteriores sem instrumento credível de discussão interna que levou ao estado em que o Líbano está.
A 15lândia não tem forças armadas e por isso teve de delegar a responsabilídade da sua própria defesa noutra potência. E isso que não quero para Portugal. Não quero nem a finlandelização nem a islândização do nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado José Luís Nunes expressou um ponto de vista extremamente importante, que não pude, há pouco, referir e que por isso lhe agradeço. Acrescenta alguma coisa que, por escassez de tempo, não pude dizer, mas que está legitimado até

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pela vontade política nacional da nossa afirmação autónoma e participante numa aliança defensiva. Estou portanto de acordo consigo, Sr. Deputado, em que a vontade política celebra e legitima essa mesma não neutralidade.
Por último, o Sr. Deputado António Meira referiu-se à relativa opção atlantista do Sr. Deputado Adriano Moreira e à visão euroatlantista do Governo, querendo saber qual seria a minha.
Eu não queria interpretar o pensamento de uma pessoa a quem respeito bastante e com quem aprendo muito que é o Sr. Deputado Prof. Adriano Moreira. Mas não penso - e por isso me permito fazer uma interpretação do seu pensamento - que o Sr. Deputado Adriano Moreira tenha colocado o problema meramente no atlantismo, sem uma defesa e uma inserção mínima na Europa. O que o Sr. Deputado Adriano Moreira disse ontem e todos ouvimos é que a opção atlântica pode preceder outra opção, mas não a antagoniza nem a exclui. Julgo que a interpretação que o Sr. Deputado Adriano Moreira fez ontem não conflitua com aquela que o Governo apresentou, nem eu próprio conflituei com o Governo. Apenas tentei desenvolver alguns pontos de natureza mais política e incisivamente, em relação àquilo que o Governo tinha colocado como ideia genérica e de fundo.
O Sr. Deputado Raul de Castro colocou três perguntas importantes, a que vou tentar responder. Em primeiro lugar, qualificou a intervenção como original. V. Ex.ª e talvez não se tenha apercebido do fluir da História nos últimos 20, 30 anos. É que a noção de defesa nessa altura, ou seja, há 20, 30 anos, era exclusivamente militar e hoje já o não é.
Aquilo que eu disse e digo não é original. O que acontece é que houve uma evolução no pensamento doutrinário mundial, em qualquer país, sistema e civilização. O problema não está na minha originalidade, mas na desactualização noutras sedes.
A segunda questão que o Sr. Deputado colocou foi no sentido de saber qual era afinal a minha opinião sobre o ponto de vista do Governo.
Pois bem, Sr. Deputado, estou de acordo com ela. É sintética, embora seja talvez um pouco seca, porque penso que estamos habituados a ter um desenvolvimento maior, noutras sedes. No entanto, as ideias estão lá todas e nada há de mais prático do que ter ideias certas! Podemos desenvolvê-las mais ou menos, podemos manifestar quadros de referência, mas o que importa sobretudo, repito, é que as ideias estão lá e são perfeitamente claras e aceitáveis, merecendo o nosso apoio.
O Sr. Deputado colocou ainda uma questão em termos de originalidade, que é o problema da consideração de Portugal como um cilindro giratório.
Sr. Deputado Raul de Castro, um território geográfico é sempre uma matriz territorial, que permite que nela se interchoquem, passem e perpassem interesses. Portugal é, num certo sentido, um cilindro giratório, visto que a noção de ameaça ou de defesa é tridimensional - terrestre, aérea e naval - e como tal, aqui neste triângulo estratégico onde estamos, passam navios, saem exportações, passam os abastecimentos de ramas de petróleo, etc. Passaram, por exemplo, em 1973, aquando da guerra do lonkippur, aviões norte-americanos, que pararam nas Lajes, tendo seguido depois, com o objectivo de dar apoio material a um dos contendores.

Quando ocorreu a crise do Shabba, no Zaire, em África, pararam no aeroporto de Porto Santo aviões belgas, com meios de equipamento e outros, nesse sentido.
Trata-se, Sr. Deputado, do sentido material e político da expressão «cilindro giratório» quando nos referimos a uma área, que é uma interfase, onde passam e perpassam interesses, que circulam para a Europa, para o Médio Oriente, para África e para o próprio território em si. Significa que o destinatário pode rodar em várias direcções, mas que se passa sempre pelo epicentro.
Digamos que é a junção de uma ideia geográfica e de uma ideia política.
A quem não entende isto, a única coisa que posso fazer é dar-lhe o livro de geometria da 4.ª classe!
Risos do PSD.

Por último, o Sr. Deputado Raul de Castro falou dos milhares de cidadãos alemães que eram a favor da paz.
Sr. Deputado Raul de Castro, seremos dois a favor da paz mas sê-lo-emos de maneiras diferentes! Só se negoceia a paz quando ambas as superpotências estão em condições de o desejar, de o crer e de o fazer e quando ambas têm as mesmas munições ideológicas e materiais. Agora quando uma tem uma postura de defesa e a outra não, quando uma tem uma visão inter- mundialista e hegemonista e a outra a tem, porventura, em menor grau, a détente e o equilíbrio não existem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Essa do menor grau é boa!

O Orador: - Eu sei que quando se toca alguns problemas neste Parlamento, VV. Ex.as reagem com outra sincronia. Mas nesse caso o problema não é meu!
Queria apenas dizer, Sr. Deputado Raul de Castro, que alguns cidadãos da Alemanha Ocidental protestaram e quiseram que no seu território não existissem mísseis. Compreendo-os! Qualquer nacionalista alemão actuaria dessa maneira. Gostaria, no entanto, que o nacionalista alemão ocidental, que pode fazer isso, tivesse um interlocutor, do lado da chamada República Democrática da Alemanha, que o pudesse também fazer e ter medo dos mísseis soviéticos que lá foram instalados!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como é que se pode falar de paz e de equilíbrio, quando o desiquilíbrio na Europa, em termos de ogivas e de vectores nucleares, é de 11 000 de um lado e de 3000 do outro? Como é que se pode falar de paz quando um está, à partida, em posição de maior disponibilidade de meios nucleares de teatro? Como é que se pode falar de paz, em suma, quando a situação está desiquilibrada? Quer-se paz? Então que não se abandonem as negociações de Genebra e que se aceite, ao menos, a «plataforma dos bosques», a plataforma negociada entre o Sr. Kvitsinsky e o embaixador Paul Nitze! Ao menos que se aceite isso!
Agora não se aceitar nada, sair-se pura e simplesmente do diálogo, da cadeira, porque alguém responde

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da mesma maneira àqueles que antes o tinham feito, é o mínimo de legítimo e de moral!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais, Sr. Deputado: desde 1977, que a Europa assiste a quase semanalmente se colocar um míssil SS-20 nas fronteiras da RDA, da Polónia ou da Checostováquia, em direcção ao Ocidente. É curioso como é que ao mesmo tempo que se fala em paz com uma mão, se implanta um míssil com a outra! Quando se fala em paz, Sr. Deputado, deve-se falar com as duas mãos e não só com uma. Por isso, partilharemos os dois os valores da paz e seremos a favor do desmantelamento de instrumentos e arsenais estratégicos! Se assim é, Sr. Deputado Raul de Castro, porque é que a União Soviética não aceitou a opção zero do Presidente Reagan, a qual colocou no zero total tudo aquilo que eram instrumentos nucleares de ataque intermédio?

Risos do PCP.

Claro que à minha pergunta, VV. Ex.as sorriem! Só que o sorriso para alguns não é a arma dos fortes mas a arma de quem é incapaz de responder à verdade!

Aplausos do PSD, do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: -- Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Ângelo Correia concluiu a sua intervenção com considerações que mereciam um debate autónomo, sério e profundo em torno de questões que nos tocam a todos, a cada um dos portugueses e a cada um dos cidadãos deste mundo, desta terra em que vivemos, e que mereciam uma consideração mais cuidada e talvez menos polémica. Mais cuidada porque as questões da paz - quando é certo que o problema que está colocado ao mundo é o de o barril de pólvora já não ter, de alguma forma, um comando seguro- se podem no fundo projectar numa questão simples, que é a de estarmos todos um pouco à mercê de contingências, conjunturas e decisões menos pensadas.
15so coloca com autonomia a questão da luta pela paz. Devo sublinhar, Sr. Deputado Ângelo Correia, que nas respostas que me deu proeurou dizer que eu teria considerado, na minha intervenção, o País como uma autarcia militar. Eu não o disse e rejeito isso, Sr. Deputado!
Portugal vive hoje num mundo complexo, de numerosas interdependências a diferentes níveis, económicos, sociais, ideológicos e também militares. Não se trata de questionar o que é evidente. Trata-se somente de perguntar se nesse mundo complexo, a esses diferentes níveis, não há uma zona para uma voz própria e para um sistema de defesa nacional próprio. É disso que se trata, Sr. Deputado Ãngelo Correia. Não se trata de negar realidades mas de saber encontrar, no conjunto complexo de interdependências que existem, o rumo próprio que projecte aquilo que nacionalmente queremos, do fundo da nossa História e do nosso futuro, e a que constitucionalmente estamos obrigados, que se traduz na descoberta de um sistema de defesa próprio,

que nos dê voz própria e que nos ponha ao abrigo de decisões que nos são estranhas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - O conceito regimental que tenho de utilizar é o do contraprotesto e, paradoxalmente, vou dizer que estou de acordo com muito do que o Sr. Deputado João Amaral disse. Simplesmente, quem levantou a questão da paz e do desarmamento foi a sua intervenção inicial. Depois, foi também a pergunta que o Sr. Deputado Raul de Castro me formulou e, nesse sentido, fui obrigado naturalmente a responder, na justa medida daquilo que tinha sido proposto. Direi, contudo, que ter capacidade de defesa própria é um objectivo natural inevitável. Concordo em falar de paz e promovê-la. Teremos, aliás, uma ocasião notável para o fazer: o debate que estivemos para realizar há meses e que o PCP ainda não agendou sobre o seu próprio projecto de lei relativo ao estacionamento, trânsito e instalação de armas nucleares! Ficarei à espera desse momento para se fazer o debate próprio na altura própria. A palavra neste caso é do PCP!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra para que feito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa no sentido de solicitar a V. Ex.ª que, nos termos regimentais e de acordo com a ordem de prioridades fixadas no Regimento, seja presente à conferência o facto notório de que o primeiro projecto de lei considerado pela Comissão de Defesa Nacional foi o projecto de lei que o Sr. Deputado Ângelo Correia referiu, ou seja, o projecto do PCP sobre proibição do estacionamento e armazenamento de armas nucleares em território nacional, que ele já devia ter sido agendado e que se o não foi isso não aconteceu por quaisquer razões que nos possam ser imputadas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Fica assinalado para apreciação em conferência de líderes parlamentares.
Srs. Deputados, estamos a atingir o limite da sessão...
Tem a palavra, Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que haveria toda a vantagem em terminar este debate na sessão de hoje, embora continuássemos amanhã a discussão dos outros aspectos militares que ainda estão por discutir.
O PSD pensa que este debate pode ficar concluído até às 20 horas e 30 minutos, visto que só falta uma intervenção do Sr. Deputado José Lello, do PS, outra do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa, que, pelo que sabemos, será relativamente curta. Por esse motivo, propunhamos o prolongamento da sessão até às 20 horas e 30 minutos, se não houver oposição dos restantes grupos e agrupamentos parlamentares.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Vitorino, informo-o de que, para além do Sr. Vice-Primeiro.-Ministro e do Sr. Deputado José Lello, há também a inscrição do Sr. Deputado António Gonzalez.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, do nosso ponto de vista teríamos todo o interesse em que o debate terminasse hoje.
Sucede, entretanto, que as três intervenções que estão programadas e os pedidos de esclarecimento que com certeza são feitos, principalmente na sequência da intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa, que sendo de balanço, vai suscitar algum debate, não vão possibilitar que se acabe os trabalhos às 20 horas e 30 minutos.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro faz-me sinal de que serão apenas 5 minutos, mas o problema é que ele não vai conseguir responder, em tempo útil, a todas as questões que depois lhe vão ser feitas.
Teríamos assim, como disse, todo o interesse em que os trabalhos fossem prolongados até às 20 horas e 30 minutos, mas naturalmente não é possível.
Acresce que temos uma reunião do grupo parlamentar marcada para esta noite, às 21 horas. Pensamos, por isso, que, não obstante todo o nosso interesse, não é possível prolongar a sessão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - É para dizer que o interesse é geral e que penso ser possível conciliar os interesses em jogo.
O essencial é, creio eu, que termine o debate na Assembleia. Não haverá nenhum inconveniente em que, encerrado o debate - e isso acontecerá quando se encerrarem as inscrições dos Srs. Deputados -, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro faça o seu discurso amanhã.
Portanto, se os Srs. Deputados estivessem de acordo, terminaríamos os trabalhos às 20 horas e 30 minutos, o debate seria encerrado e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro faria então o seu discurso final.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, a sugestão do Sr. Deputado José Luís Nunes, mais do que sugestão é uma proposta relativa à organização do debate que não tem nenhum fundamento regimental, nem em qualquer acordo em conferência de presidentes.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro fará a sua intervenção no decurso do debate. Não haverá oposição da nossa parte a que seja a última intervenção, mas ela insere-se dentro do debate e está sujeita, naturalmente, aos pedidos de esclarecimento e protestos que dela possam decorrer. É nesse quadro que a proposta do Sr. Deputado José Luís Nunes não é aceitável. Não se pode encerrar o debate para depois se seguir o discurso final do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Não estamos, portanto, de forma nenhuma disponíveis em relação a essa proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, verifica-se que não há consenso para prolongar a sessão até às 20 horas e 30 minutos. Nestas circunstâncias, apenas por requerimento formalmente apresentado na Mesa e votado poderá a sessão ser prolongada.
Pergunto aos Srs. Deputados José Luís Nunes e José Vitorino se estão dispostos a formalizar esse requerimento no sentido do prolongamento da sessão.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, houve uma reunião de líderes parlamentares à qual não estive presente, pelo que não tenho ideia dos consensos que lá se estabeleceram. Essa reunião ainda está a decorrer.
Dizem-me os Srs. Deputados do PCP que não têm tempo para que este assunto possa ser discutido ainda até ao termo do debate. Portanto, dentro destas circunstâncias, não sei se teremos condições para formular esse requerimento. É sobre isto que me interrogo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Amaral referiu que não há nenhuma norma regimental que estabeleça que a intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional dará este debate por encerrado. De qualquer forma, parece lógico que assim seja. 15to é, depois do debate que aqui se suscitou, o Sr. Ministro da Defesa Nacional fará uma curta intervenção de balanço, de 5 a 10 minutos - segundo ele próprio nos declarou -, e, naturalmente, julgo que nessas circunstâncias e nesse momento se dará o debate por encerrado.
Também queria dizer que o consenso inicial era de que este debate terminasse cerca das 17 horas e 30 minutos. Foi esse o consenso na reunião de líderes. Mas o que se passa é sempre o mesmo, isto é, o PCP fala na «boa vontade», mas depois não colabora na resolução prática das questões que se suscitam perante o Parlamento e para a eficácia do mesmo. Esta é que é a questão.
O Partido Social-Democrata entende, pois, que deverá apresentar um requerimento no sentido do prolongamento da sessão até às 20 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Vitorino anunciou que vai apresentar um requerimento pedindo o prolongamento da sessão. Nestas circunstâncias, a Mesa aguarda o requerimento do Sr. Deputado José Vitorino, devidamente preenchido.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, suponho que a interpelação feita à Mesa pelo Sr. Deputado José Vitorino contém um evidente exagero. Por um ,lado, porque já passam 10 minutos da hora regimental do termo da sessão, pelo que o requerimento não tem cabimento, além de que não há quórum para o votar. Por outro lado, estávamos aqui a tentar todos

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uma solução consensual adequada à resolução do problema.
O Sr. Deputado José Vitorino pode não ter percebido ainda, porque lhe escapou - e desculpe ser tão frontal consigo -, que o debate que aqui estamos a travar é da maior importância e que merecerá a atenção devida da Assembleia da República. Mereceu até que se prolongasse para além das 17 horas e 30 minutos, pelo próprio conteúdo do assunto que aqui se estava a discutir.
A questão que se coloca neste momento prende-se com a ideia de que não há, até às 20 horas e 30 minutos, materialmente tempo para os Srs. Deputados José Lello e António Gonzalez fazerem as suas intervenções, bem como para o Sr. Ministro da Defesa Nacional fazer a intervenção que lhe compete.
Neste quadro, a única solução é interrompermos sensatamente os trabalhos e recomeçá-los amanhã às 10 horas da manhã.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, considero que estamos a enveredar por uma polémica perfeitamente estéril e apenas me compete aguardar que o requerimento entre na Mesa, na medida em que não podem ser invocados os 10 minutos que passam das 20 horas. Naturalmente, que se tentou um consenso, que levou algum tempo a ser apreciado, pelo que não poderíamos inviabilizar a possibilidade de apresentação de um requerimento para prolongamento da sessão.
Em termos estritamente formais, à Mesa não compete outra atitude que não a de aguardar a entrada do requerimento ou o anúncio de que ele não entrará.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta baseia-se na ideia de que a sessão se prolongue até às 20 horas e 30 minutos, e, pelo que sabemos, o Partido Comunista dará o consenso a esta questão.
A intervenção do Sr. Deputado José Lello não demora mais de 10 minutos. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro também fala pouco, segundo disse.
Assim, às 20 horas e 30 minutos tiraremos as nossas conclusões e veremos então se o debate prossegue amanhã ou o que é que faremos. Aliás, perdemos já 10 minutos com todo este imbróglio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do Partido Comunista, dão consenso a que a sessão se prolongue até às 20 horas e 30 minutos?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, damos um consenso forçado a fim de que o debate prossiga até às 20 horas e 30 minutos, com a certeza de que - como o Sr. Presidente vai verificar - até às 20 horas e 30 minutos o debate não termina.

O Sr. Presidente: - Havendo consenso, vamos prosseguir o debate até às 20 horas e 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo o último orador do bolo cabe-me apenas e só a fava. Mas tenho igualmente o brinde de poder

juntar as minhas modestas considerações às que aqui expenderam os oradores que me precederam. Daí, que me vá debruçar mais sobre questões de carácter sectorial do que de cariz globalizante.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Concluído o ciclo do Império e dirimidos que foram os conflitos residuais decorrentes e característicos do período pós-revolucionário, a sociedade portuguesa e as suas instituições procuram agora encontrar os enquadramentos próprios que melhor se ajustem à nova realidade donde dimana o Portugal democrático renascido em 25 de Abril.
Neste espírito se insere o presente debate que, correspondendo a imperativos constitucionais e no espírito do preceituado na lei de defesa nacional, permitirá uma definição clara dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado português perante a defesa nacional.
Tratar-se-á assim de reflectir sobre as diferentes alternativas possíveis para, tendo como meta a consecuçào dos objectivos prioritários da defesa do País - dentro do quadro estrito do respeito pelas instituições democráticas - se encontrem as vias que permitam a salvaguarda da independência nacional, da integridade territorial e da liberdade e segurança das populações perante potenciais ameaças externas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os contornos duma estratégia de defesa terão que reflectir, não apenas os aspectos que se reportam às questões de natureza e âmbito militar, ou a meras implicações de carácter político-estratégico, mas também deverão conter as opiniões e experiências de outros sectores e integrar a nultiplicidade dos recursos e potencialidades disponíveis.
Passam-se assim a considerar outros parâmetros que não os de cariz predominamentemente militar, tendendo-se, portanto, a relevar os factores económicos, psicológicos, sociais, tecnológicos e culturais.
A percepção e a subsquente constatação das lacunas e carências reais que se verificam entre os interesses vitais de Portugal e os meios de, eficazmente, os defendermos, constitui pois uma tarefa instante, a aconselhar uma avaliação precisa e objectiva dos factores em causa. Uma avaliação que se centre na relação complexa existente entre os interesses da nossa segurança colectiva, as ameaças externas que impendem sobre esses interesses e a capacidade do País - na globalidade das suas potencialidades, na magnitude de todos os seus recursos e no âmbito da sua dimensão própria - de assegurar a defesa dos objectivos vitais da Nação soberana, cultural e politicamente individualizada que somos. Outros campos deverão reter igualmente a nossa atenção. O desenvolvimento de técnicas e de sofisticados meios tecnológicos que visam o condicionamento das opiniões e que permitem a manipulação dos próprios movimentos sociais, vieram sobrelevar preocupações legítimas quanto à premência de um maior empenhamento dos órgãos de soberania, em ordem à defesa da estabilidade psicológica e da preservação da vontade colectiva das populações perante a necessidade da defesa nacional e os deveres dela decorrentes.
Sublinhando assim alguma preocupação quanto à necessidade de se desenvolver uma vontade expressa de defesa, num quadro de solidariedade nacional e de assunção patriótica, julgo, igualmente, complementar a correcta avaliação dos recursos e carências, já que é patente a interligação entre as considerações de recorte económico e as de defesa nacional.

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Entroncam-se nestes os problemas da necessidade de se assegurarem as reservas estratégicas - um tema que o documento em apreço aborda de forma esquemática.

Um país tão determinantemente dependente do exterior em abastecimentos não poderá minimizar a importância estratégica de certos produtos, de cuja falta - num situação de penúria generalizada - decorreriam consequências extremamente gravosas e de sérias implicações em termos de defesa. É o caso do petróleo.

A nossa conhecida vulnerabilidade energética aconselha a que se considerem várias opções neste domínio: a diversificação das fontes de abastecimento, as energias alternativas, a inovação tecnológica, a investigação científica, as medidas de poupança, etc.

Sendo Portugal um país parco de recursos próprios, está, do mesmo modo, dependente em relação à maioria das matérias-primas, o que condiciona a sua indústria e, em particular, os sectores de relevância estratégica que têm uma estreita inter-relação com a subsistência da funcionalidade orgânica do País.

Nesta medida, deverão ser tidas em conta as debilidades estruturais do nosso sector produtivo, designadamente quanto ao abastecimento de matérias-primas e de equipamentos, para que, numa situação de conflito generalizado ou de condicionamento, mesmo que precário, das nossas rotas de abastecimento, o País possa superar essas limitações, especialmente quanto aos sectores de predominante importância como o alimentar, sanitário, farmacêutico, transportes e comunicações.

Ganha, assim, importância, pelas suas implicações estratégicas, a nossa actual dependência em termos de transportes, de e para o exterior, designadamente pela via marítima que representa uma opção em 90% das importações e exportações - onde a carência em graneleiros se revela uma condicionante de vulto.

Os vectores mais salientes a extrair do documento em apreço radicam de três princípios fundamentais: o da unidade do Estado, o da independência e o do alinhamento ocidental. Por outro lado, são definidos de forma esquemática os enquadramentos sectoriais em que se desenvolverão as acções que visem atingir os objectívos subjacentes aos princípios fundamentais em que assenta o Conceito de Estratégia da Defesa Nacional.

Em relação aos aspectos doutrinários não se vislumbram discordâncias de fundo, já que, mesmo em relação ao aspecto, potencialmente mais controverso, do alinhamento ocidental, não são perceptíveis quaisquer indícios, nem movimentos significativos, tendo em vista denegar a nossa inserção num amplo movimento de solidariedade euro-atlântica.
No entanto, sendo meritório quanto aos conceitos globais, o documento em debate é avaro quanto ao plano da abordagem de algumas questões que mereceriam uma mais profunda definição.
Nesta medida, após situar a minha intervenção no domínio de preocupações avulsas que, no documento, não são objecto de um tratamento aprofundado, seguirei, destacando aspectos de outro âmbito que são ignorados ou insuficientemente destacados, nas opções que nos são presentes.
Assim, mau grado uma menção sistemática da necessidade em se implementar uma capacidade de defesa autónoma e dissuasora, uma defesa real dos interesses nacionais e uma capacidade militar própria, não se refere a nossa vocação defensiva, no sentido lato, mas

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preciso da palavra defesa, excluindo, pois, quaisquer desvios de cunho belicista e intervencionista.
Por outro lado, apesar de se salientar a opção europeia e atlântica, designadamente quanto à salvaguarda dos nossos acordos internacionais e dos nossos compromissos para com a Aliança Atlântica, de se considerar que a política externa de defesa contará sempre com o carácter descontínuo do território, mencionando de forma eufemística o empenhamento nacional na defesa do triângulo estratégico continente-Madeira-Açores, o documento é avaro quanto a uma referência enfática a uma opção que é querida dos portugueses: a defesa e vigilância da nossa zona económica exclusiva.
O documento revela igualmente outro tipo de insuficiências, dado não referenciar com precisão o enquadramento geoestratégico de Portugal, nem abordar a sua inserção regional e internacional, não tipificando quais as ameaças potenciais. As áreas de previsível maior vulnerabilidade não são, também, devidamente destacadas nem hierarquizadas as prioridades em função dos nossos próprios objectivos em matéria de defesa nacional.
Finalmente, julgo que importaria salientar que a referida dignificação das forças armadas não se constituirá à custa de quaisquer outras instituições -também elas essenciais ao País -, mas através da adequação dos objectivos e missões às tarefas que visam o engrandecimento da pátria, no quadro das realidades emergentes do regime democrático, através do incentivo da modernização de equipamentos, da valorização dos objectívos, da estruturação das carreiras, da consideração generalizada do valor sublime do seu empenho na defesa de Portugal perante potenciais ameaças externas e através da sua própria independência e isenção política, inserindo-se no quadro constitucional vigente como vem acontecendo - de uma clara e inequívoca dependência face ao poder político legitimado pelo voto popular.
Estará, assim, na mão dos portugueses, através dos seus legítimos representantes, decidir sobre estes problemas: poderemos aumentar a nossa capacidade defensiva, diminuir a importância das nossas ameaças potenciais, ou restringir os nossos interesses específicos e esbater os nossos objectivos, o que não poderemos é minimizar a salvaguarda dos valores essenciais que consubstanciam a identidade própria da Nação portuguesa.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Neste momento está apenas inscrito um orador, ou seja, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional, Prof. Mota Pinto, a quem dou a palavra.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Mota Pinto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei ser breve no encerramento deste debate e, começando por significar o agradecimento do Governo à Câmara por, num debate que tem alguma atipicidade e algum carácter específico no conjunto do tipo de discussões que habitualmente aqui decorrem, ter, através de intervenções prolongadas, tensas e elevadas, contribuído para enriquecer o Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
As Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional são um documento esquemático, como aqui foi dito algumas vezes. Nem podia ser de outro

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modo, pois tinha como função ser um conjunto de tópicos e de grandes linhas formuladas, concisa e sinteticamente, paia que a partir delas e do texto da intervenção de apresentação em que as desenvolvi, bem como das intervenções de toda a Câmara se possa apresentar um Conceito Estratégico de Defesa Nacional, esse, sim, mais alargado, mais completo e contendo desenvolvimentos que aqui foram feitos. E digo «foram» às vezes, sem propriedade, imputados a deficiências das grandes opções.
As grandes opções, porque o são, são tópicos sintéticos, definidos, esquemáticos, e não devem ser mais do que isso. Mas viu-se que tiveram o mérito de, desde logo, despertar um largo debate.
Disseram-se várias coisas, entre as quais, por exemplo, que se deviam referir as nossas potencialidades e as nossas vulnerabilidades. Não foi esse o entendimento do Governo. Naturalmente não porque nós não saibamos quais são unias e outras, mas porque elas são uma permissa, um pressuposto, são uma questão prévia. As grandes opções são ilações que se tiram já a partir do conhecimento das potencialidades e das vulnerabilidades. Todos nós sabemos que temos potencialidades e vulnerabilidades e muitas vezes, até, as mesmas características nacionais são, para certo efeito, vulnerabilidades e, para outro efeito, potencialidades. Todos sabemos que somos um país geograficamente descontínuo. 15so é uma vulnerabilidade em certos aspectos, pelo que significa de dispersão de esforços, de acréscimo de gastos financeiros para maior eficácia de defesa, mas é uma potencialidade em termos de permitir, por exemplo, uma base que assegure uma resistência em caso de conflito. Todos sabemos que somos um país que tem uma vulnerabilidade traduzida no que toca à situação estratégica, na Europa, de um território com uma fraca profundidade, mas ao mesmo tempo um território que é prolongado em profundidade no Atlântico. Todos sabemos que temos uma zona económica exclusiva muito lata. É uma potencialidade pelo potencial que em si mesma encerra, mas é uma vulnerabilidade pela cobiça que esse potencial pode despertar por ser um foco de tensões.
Todos sabemos, por exemplo, que temos vulnerabilidades que resultam das nossas dependências externas em matérias económicas, que temos uma potencialidade no potencial humano do povo português, na sua idiosincracia de base, naquilo que existe de comum, para além das legítimas diferenças ideológicas que separam as várias famílias políticas e ideológicas do povo português, todos sabemos que temos uma potencialidade na existência de grandes comunidades de emigrantes noutros países, mas que ao mesmo tempo isso é uma vulnerabilidade porque implica sempre o risco, o espectro, do retorno macio ou a possibilidade de envolvimento em conflitos dos países onde estão essas comunidades. Todos sabemos que temos potencialidades na ligação aos países de expressão portuguesa. Todos sabemos que temos uma vulnerabilidade em termos de recursos exíguos, que, por exemplo, não nos permitem contrabater eficazmente toda a acção e toda a influência que a União Soviética procura desenvolver para que as relações de Portugal com os países africanos de expressão portuguesa não sejam melhores. Todos conhecemos, pois, as nossas potencialidades e as nossas vulnerabilidades.
Não estão referidas expressamente no documento porque são um pressuposto, são uma questão prévia.

O debate foi útil - agradeço aos Srs. Deputados que intervieram - e posso garantir-lhes que terá relevância na formulação definitiva do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que é da competência do Governo, e que será aprovado, naturalmente, pelo Conselho Superior de Defesa Nacional. E é evidente que, sempre no quadro do debate geral sobre política de defesa, a Câmara terá oportunidade de poder sobre ele pronunciar-se.
As grandes opções foram feitas como opções vitais destinadas a ter um máximo de consensualidade. Muitas questões que aqui foram postas têm mais a ver com uma política de defesa do que com um conceito estratégico ou, até, e menos ainda, com as grandes opções de um conceito estratégico de defesa.
Fizeram-se aqui observações que têm mais a ver com o desenvolvimento de uma política governamental de defesa, e isso é coisa diversa de um conceito estratégíco de defesa nacional ou das grandes opções do conceito Estratégico de Defesa Nacional. Quis-se ser o máximo consensual possível. Já se sabia à partida que havia um outro ponto onde o consenso não era possível. O ponto a que nos referimos, dentro do primado dos interesses nacionais, é o do alinhamento ocidental, é o da opção no domínio da defesa, pela integração livre na NATO, e é um ponto que à partida se poderia pensar que não seria consensual. Sabemos mesmo que, profundamente: se não houvesse reservas mentais não era consensual. Mas o que verificamos é que aqui, na Câmara, o próprio Partido Comunista, quando interpelado, não exprime abertamente aquilo que por vias ínvias...

O Sr. João Amaral (PCP): - Ó Sr. Ministro, deixe-nos descansados!

O Orador: - ... no fundo defende e que é a sua oposição, a sua posição de contraste à nossa pertinência à aliança ocidental.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pelos vistos, até nesse ponto, as grandes opções são consensuais, porque não há um ataque frontal a esse ponto, porque quando há uma interpelação concreta quanto à posição a tomar em relação a essa questão, há evasivas e não há uma resposta clara e frontal. Tanto melhor, pois assim vemos que até nesse ponto o documento é consensual.
Já não posso, contudo, admitir que quando o Governo, que é formado por socialistas e sociais-democratas mas que elabora com uma perspectiva de consensualidade as grandes opções, afirma o primado do interesse nacional se ponha isso em causa. e isto tem grande importância, como já foi explicitado ao longo do debate, pois no desenvolvimento deste conceito de defesa a afirmação de primado dos interesses nacionais sobre os interesses das alianças em que estamos integrados pode levar a acentuar aspectos que não o seriam se a defesa nacional portuguesa fosse vista de Bruxelas ou no quadro geral da OTAN. Avançou-se aqui - e bem! -, por exemplo, há pouco numa intervenção, a ideia de que nós não podemos aceitar que os Açores sejam a defesa avançada de outro país. Justamente porque defendemos o primado do interesse nacional resulta que, mesmo em matéria de quadrícula territorial e de responsabilidade pela defesa territorial

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das regiões autónomas, essa é uma responsabilidade nacional e não de outros, como eventualmente o poderia ser se isso fosse visto na perspectiva das alianças e não na perspectiva dos objectivos nacionais permanentes.
15to para mostrar a importância da acentuação do primado do interesse nacional, quando posto em ligação com a integração num quadro de alianças.
Não posso deixar passar em claro o que me parece ser um excesso de insinceridade e até de certo despudor. E quero referir-me ao texto produzido pela bancada do PCP, onde, a propósito da afirmação do primado do interesse nacional, se empregam expressões de uma grande violência para caracterizar a política do Governo e que não podem deixar de passar sem uma resposta.
Quando se denuncia o carácter «antinacional da política externa e de defesa, seguidas pelo Governo, e a hipocrisia congénita que está subjacente a todo o documento aqui presente»...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... não posso aceitar isso e repudio-o. É um despudor ilimitado quando isso vem de uma bancada que, se tivesse a possibilidade de definir a política de defesa nacional, nos aproximaria ou nos integraria em blocos onde vigora...

O Sr. João Amaral (PCP): - É falso!

O Orador: - ... não o primado do interesse nacional mas a doutrina Brejnev, a doutrina das soberanias limitadas...

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

Protestos do PCP.

As questões têm de ser colocadas com clareza, portanto...

O Sr. Gaspar Martins (PCP): - 15so é uma menoridade intelectual...

Vozes do PSD: - Não diga disparates!

Vozes do PCP : - O que é isso?

O Orador: - Existe uma doutrina Brejnev, que não foi inventada por nenhum político português, nem por nenhum político das alianças onde estamos integrados e onde livremente participamos, e onde, toda a gente sabe, há por vezes divergências entre os respectivos membros.
Há uma doutrina que sustenta que não há objectivos nacionais que possam prevalecer contra os interesses do monolitismo do bloco dominado pelos interesses da União Soviética.

Vozes do PSD: - Muito bem! '

O Orador: - 15to é uma realidade, é um facto, as coisas têm de se chamar pelo seu nome e refiro-me a elas porque o debate parlamentar teve acutilância mas neste aspecto ultrapassou-a e a imputação de hipocrisia vira-se contra quem a formulou.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, lembro-lhe que o ponteiro do relógio já ultrapassou as 20 horas e 30 minutos, são 20 horas e 35 minutos.

O Orador: - Vou terminar imediatamente, Sr. Presidente.
Tudo já aqui foi dito a este propósito. Não há nenhuma contradição em afirmar-se a necessidade de ter uma capacidade militar própria e uma capacidade dissuasora.
Quando se falou em capacidade militar própria, quer significar-se que não devemos passar «substabelecimentos» a ninguém para ter forças armadas. A história está cheia de exemplos de países que delegaram noutros a sua defesa e as consequências foram trágicas.
E nós, designadamente em relação às regiões autónomas, temos um caso frisante: não delegamos a ninguém, não «substabelecemos», não «passamos procuração», pois queremos ter uma capacidade militar própria.
Quanto ao acento tónico estar numa posição defensiva, isso resulta precisamente da afirmação de que se trata de uma «capacidade militar própria com uma finalidade dissuasora».
Vou terminar, Srs. Deputados, reiterando o meu agradecimento pela contribuição que a Câmara deu ao debate, permitindo o enriquecimento do documento a elaborar no desenvolvimento das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e queria dizer-vos, uma vez mais, que, sendo este documento produzido por um governo do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, as grandes opções resumem-se a uma opção e essa chama-se Portugal, país multi-secular - país com 800 anos - que hoje vive num regime democrático que nós queremos pujante, eficiente e perene!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional, tenho ideia de que este debate, de facto, não lhe serviu de muito, pois aprendeu pouco com ele.
Desde logo, não aprendeu aquilo que, de diferentes bancadas, lhe foi claramente dito, isto é, que este não era um debate de tópicos vazios mas de conceitos concretos e de opções definidas em torno daquilo que vai condicionar não só o conceito estratégico de defesa nacional como até aquilo que são as competências da Assembleia em múltiplas matérias - nomeadamente orçamento da Assembleia, leis de programação militar e Lei do Serviço Militar, entre outras.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E era isso que pedíamos ao Sr. Ministro.
V. Ex.ª, porém, fez um ensaio daquilo que lhe pedíamos - e digo ensaio porque, respondendo-me que

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existem vulnerabilidades e potencialidades, produziu uma listagem. Era isso que lhe pedíamos, Sr. Ministro!
Não distinga o conceito estratégico de defesa nacional da política de defesa nacional seguida. O primeiro serve a política de defesa nacional que é definida e o que se pressupunha aqui que o Sr. Ministro fizesse era que estabelecesse a política de defesa nacional, explicasse qual era a sua decorrência em termos de grandes opções.
V. Ex.ª não o fez, Sr. Ministro, e não o salva o facto de, empoladamente, dizer que não admite aquilo que na Câmara tem de ouvir.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Olá se admite.
Risos.
Protestos do PSD.

O Orador: - Tem de ouvir, Sr. Ministro! Tem que admitir e não tem outro remédio senão admitir certas verdades!

Protestos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas que rapaziada impaciente!

O Orador: - E, desde logo, uma verdade fundamental, Sr. Ministro: a de que a formulação que utilizar nas Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional implica que, à partida e antes da definição nacional desse conceito, aceite compromissos externos. 15to quando o que se pediria era exactamente o contrário, ou seja, que, definida nacionalmente a política de defesa - e disse-o aqui explicitamente para quem o quis ouvir -, se reequacionassem todos os compromissos externos que temos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, quero dizer-lhe que da nossa parte e em relação à questão NATO houve, ao contrário do que o Sr. Ministro disse, não uma resposta ambígua mas uma resposta clara e frontal.
Da nossa parte e desde logo rejeitamos e combatemos qualquer novo envolvimento e agravamento das decorrências com a aliança com a NATO.
Segundo ponto: pronunciámo-nos claramente pela dissolução dos blocos político-militares.
Nesse quadro entendemos que o nosso papel em matéria de política de defesa é o de contribuir activamente para que não seja a NATO a decidir por nós, mas que sejamos nós a decidir por nós próprios e pelo País que somos aqui, nos Açores e na Madeira.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, e uma vez que este debate não termina com qualquer deliberação, anuncio à Câmara que está esgotado este ponto da ordem de trabalhos.
Passo a dar a palavra ao Sr. Secretário da Mesa para que anuncie à Câmara os diplomas que deram entrada na Mesa.
Entretanto, o Sr. Deputado Acácio Barreiros pede a palavra para que efeito?

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, pretendia apenas saber se a Lei de Programação Militar ficou agendada para a sessão de amanhã de manhã.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Acácio Barreiros deve saber que depois de se anunciarem os diplomas que entraram na Mesa, procede-se ao anúncio da ordem de trabalhos da sessão seguinte.
Interpelar a Mesa é um direito, mas a Mesa também tem o direito e deve fazer pedagogia!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estava distraído! Como costuma sair mais cedo, não sabe! ...

Vozes do PCP: - Quando estava na UDP tinha melhor memória!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção para a leitura a que o Sr. Secretário da Mesa vai proceder, conforme há pouco anunciei.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Deu entrada na Mesa a ratificação n.º 128/III, da iniciativa do Sr. Deputado Custódio Gingão e outros, do PCP, que foi admitida e que é sobre o Decreto-Lei n.º 387/III, de 26 de Novembro, que altera a redacção do artigo 6. º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 373/80, de 12 de Setembro, que cria o Conselho das Comunidades Portuguesas.
Por outro lado, o Sr. Deputado Azevedo Gomes, do Partido Socialista, apresentou na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 413/III - Lei de bases do desenvolvimento florestal; n.º 414/III - Lei do arrendamento florestal; n.º 415/III - Lei das transacções fundiárias de terrenos de vocação florestal; n.º 416/III Lei da caça, e n.º 417/III - Lei de bases do sistema de promoção e apoio ao desenvolvimento florestal. Todos estes projectos de lei foram admitidos e baixaram à 6. º Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão de amanhã iniciar-se-á às 10 horas da manhã com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, no qual estão atribuídos 10 minutos para cada partido; período da ordem do dia, em que há que apreciar o pedido de prorrogação por 90 dias do prazo para a conclusão do trabalho da comissão eventual encarregada de proceder ao inquérito sobre o processo de liberalização do comércio de cereais, ramas e oleaginosas, proceder à apreciação e votação da proposta de lei n.º 90/III - Empréstimos junto do Banco Europeu de Investimos e, finalmente, apreciar e votar a proposta de lei n.º 62/III - Define o regime das leis de programação militar.
Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos por hoje, pelo que declaro encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 45 minutos.

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14 DE DEZEMBRO DE 1984

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino. António Gonçalves Janeiro. António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. Carlos Cardoso Lage. Carlos Justino Luís Cordeiro. José Luís do Amaral Nunes. José Maria Roque Lino. Luís Abílio da Conceição Cacito. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel Laranjeira Vaz. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Paulo Manuel Barros Barral. Ricardo Manuel Rodrigues de Barros. Rui Fernando Pereira Mateus. Zulmira Helena Alves da Silva.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Garpar Rodrigues. Carlos Miguel Almeida Coelho. Cristóvão Guerreiro Norte. Eleutério Manuel Alves. Fernando José da Costa. Fernando José Roque Correia Afonso. Francisco Antunes da Silva. João Luís Malato Correia. Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. José Ângelo Ferreira Correia. José Bento Gonçalves. José Vargas Bulcão. Licínio Moreira da Silva. Manuel Pereira Martins. Manuel Maria Moreira. Maria Margarida Salema Moura Ribeiro. Mariana Santos Calhau Perdigão. Marília Dulce Coelho Pires Raimundo. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Miguel Santana Lopes. Rogério da Conceição Serafim Martins. Rui Manuel de Oliveira Costa. Serafim de Jesus Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro. Domingos Abrantes Ferreira. Georgete de Oliveira Ferreira. João António Torrinhas Paulo. Joaquim Gomes dos Santos. José Manuel Lampreia Patrício. Lino Carvalho de Lima. Manuel Correia Lopes. Maria Margarida Tengarrinha. Mariana Grou Lanita. Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida. Adriano José Alves Moreira. Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António Bernardo Lobo Xavier. António Filipe Neiva Correia. António Gomes de Pinho. António José de Castro Bagão Félix.

Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Francisco António Lucas Pires. Horácio Alves Marçal. João Carlos Dias Coutinho Lencastre. João Lopes Porto. João Silva Mendes Morgado. José Luís Nogueira de Brito. José Miguel Anacoreta Correia. Luís Filipe Paes Beiroco. Manuel António Almeida Vasconcelos. Manuel Jorge Forte Goes.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Camboa. Almerindo da Silva Marques. Bento Elísio de Azevedo. Dinis Manuel Pedro Alves. Eurico Faustino Correia. Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues. João Joaquim Gomes. Joaquim José Gatanho de Menezes. José Manuel Torres Couto. Maria de Jesus Barroso.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Gaspar de Castro Pacheco. Joaquim dos Santos Pereira Costa. José Pereira Lopes. Manuel da Costa Andrade. Raul Gomes dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

Joaquim António Miranda da Silva. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Luísa Cachado. Paulo Areosa Feio. Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira. João Gomes de Abreu Lima. Joaquim Rocha dos Santos. José Vieira de Carvalho. Luís Eduardo da Silva Barbosa. Narana Sinai Coissoró.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 13 de Dezembro de 1984, pelas 12 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputados, solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró (círculo eleitoral de. Coimbra) por António Bernardo

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Aranha da Gama Lobo Xavier. Esta substituição é pedida para os dias 13 e 14 de Dezembro corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretários, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - António Nascimento Machado Lourenço (PSD) - José Augusto Santos Silva Marques (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) Jorge Manuel Abreu de Lermos (PCP) Francisco Menezes Falcão (CDS).

Os Redactores: Carlos Pinto da Cruz - José Diogo - Maria Leonor Ferreira.

PREÇO DESTE NÚMERO 135$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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