Página 1233
I Série - Numere 32
Sexta-feira, 21 de Dezembro de 1984
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE DEZEMBRO DE 1984
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral.
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas.
José Mário de Lemos Damião.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Foi deliberado a constituição de uma comissão eventual de inquérito (Inquérito Parlamentar n.º 15/III) a fim de apreciar os actos do Conselho de Gerência da RTP relacionados com a transmissão televisiva do debate da moção de censura apresentada pelo CDS.
Após leitura dos respectivos pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, iniciou-se o debate, na generalidade, das propostas de lei n.º 76/III - Estatuto dos Magistrados Judiciou, - e 89/III - Lei Orgânica do Ministério Público. Usaram da palavra, além do Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete), os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Correia Afonso (PSD), José Magalhães (PCP), Marques Mendes (PSD), Odete Santos, (PCP), Nogueira de Brito e Hernâni Moutinho (CDS), Raul de Castro (MDP/CDE), Ilda Figueiredo (PCP), Vilhena de Carvalho (ASDI), Lino Lima (PCP) e Roque Lino (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Filipe Gracias.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
Página 1234
1234 I SÉRIE - NÚMERO 32
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Ovídio Augusto Cordeiro.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Zulmira Helena Alves da Silva.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
aspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Teixeira Pinheiro.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Serafim de Jesus Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins,
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Página 1235
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1235
Alexandre Carvalho Reigoto.
António Filipe Neiva Correia.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Jorge Forte Góes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
João Paulo Oliveira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social Democrata Independente (ASDI):
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, estamos confrontados com uma situação à qual urge dar, de imediato, uma resposta clara.
O Plenário está convocado e em vésperas de funcionar, tem uma agenda naturalmente estabelecida, na qual se apreciará o inquérito à RTP - Radiotelevisão Portuguesa, E. P., e depois um conjunto de propostas de lei, apresentadas pelo Governo, relativamente ao Estatuto dos Magistrados e à Lei Orgânica do Ministério Público.
Paralelamente, foi também o Grupo Parlamentar do PCP convocado, na pessoa dos seus representantes da Comissão de Assuntos Constitucionais de Direitos, Liberdades e Garantias, para uma reunião à mesma hora do funcionamento do Plenário. A aludida reunião está, neste momento, a decorrer.
Do ponto de vista das instituições não é correcto que a Comissão esteja a funcionar paralelamente ao Plenário.
Importa que este debate - em torno das Magistraturas Judiciais, do seu Estatuto e da Lei Orgânica do Ministério Público- não seja mais enfraquecida do que o irá ser por um agendamento precipitado e irresponsável.
Importa que a Assembleia da República preserve a sua dignidade em toda esta matéria. E apelo ao Sr. Presidente, para que, tendo em conta as normas regimentais, designadamente o artigo 62.º, constate o não assentimento do PCP a uma solução que viabilizaria, por uma unanimidade que, portanto, não existe, a reunião dessa Comissão dos Assuntos Constitucionais de Direitos, Liberdades e Garantias, paralelamente ao funcionamento do Plenário.
A posição política do Partido Comunista Português é a de não participação no trabalho dessa Comissão, porque entendemos que ele prejudica um trabalho honesto e responsável no Plenário, em torno de uma questão que o não é de somenos. E, precisamente por isso, interpelava a Mesa, suscitando do Sr. Presidente a resposta regimental e institucional óbvia, que certamente não deixará de dar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou mandar chamar todos os Srs. Deputados que se encontram na reunião da Comissão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estranha a nossa bancada a intervenção que acaba de ser feita na justa medida em que a Comissão reuniu na segunda-feira, estando presentes os Srs. Deputados João Amaral e Joaquim Miranda, do Partido Comunista. E ou eu estava distraído ou os citados Srs. Deputados deram o seu acordo para que a Comissão prosseguisse os seus trabalhos hoje às 10 horas ou às 15 horas, consoante a hora em que acabassem os trabalhos de ontem do Plenário.
Se foi distração minha, peço desculpa.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - A sua distracção é outra!
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP):- Sr. Deputado António Capucho, o que acontece é que nessa altura não havia qualquer agenda marcada.
Protestos do PSD.
Partindo do princípio que não havia agenda, nós, em princípio, estávamos de acordo. Mas, era só em princípio e não, como é evidente, com uma agenda como aquela que agora temos.
O Orador: - De facto a agenda não estava formalmente marcada, mas era um dado adquirido nessa Comissão - e disso recordo-me perfeitamente - de
Página 1236
1236 I SÉRIE - NÚMERO 32
que íamos tratar hoje do Estatuto dos Magistrados Judiciais pelo que mantenho a minha estranheza em relação a esta afirmação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Presidente, muito rapidamente, e abstendo-me de quaisquer comentários ou juízos de valor sobre a posição deste ou daquele grupo parlamentar em relação a esta matéria concreta - para evitar que nos enredemos aqui num debate estéril que nos faça perder tempo - direi que, pela nossa parte, não vemos outra solução senão acatar o disposto no artigo 62.º do Regimento.
Este artigo do Regimento diz claramente que as comissões não podem funcionar em paralelo com o Plenário se não houver unanimidade dos membros dessa comissão.
Essa unanimidade não existe. Portanto, acho que devemos dar a questão como encerrada porque a Comissão não pode funcionar.
Faço um apelo para que não nos enredemos agora numa discussão longa em torno desta questão, pois não teríamos nisso qualquer vantagem.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, sem dúvida que essa discussão seria inútil, tanto mais que, em resposta à interpelação do Sr. Deputado José Manuel Mendes, eu disse, de imediato, em cumprimento do Regimento, que iria mandar chamar os Srs. Deputados que estivessem na Comissão. Nem pode haver outra solução, porque o Regimento é que comanda.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum para votação e vou submeter à vossa apreciação e votação o Inquérito Parlamentar n.º 15/III - (Apreciação dos actos do Conselho de Gerência da RTP relacionados com a transmissão televisiva do debate proveniente da moção de censura apresentada pelo CDS).
Numa adenda, esta proposta de constituição de inquérito teria a seguinte constituição: 2 Srs. Deputados do PS, 2 Srs. Deputados do PSD, 2 Srs. Deputados do PCP, 2 Srs. Deputados do CDS, 1 Sr. Deputado do MDP/CDE, 1 Sr. Deputado da UEDS e 1 Sr. Deputado da ASDI.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não sei se ouvi bem, mas creio que essa proposta não refere qualquer prazo para que a Comissão apresente o seu relatório.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, efectivamente assim é, e era bom que fosse fixado um prazo.
Se não houver objecções, eu propunha um prazo de 15 dias.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pela nossa parte estamos de acordo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo objecções esta comissão de inquéritos terá que apresentar as suas conclusões no prazo de 15 dias.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, gostaria de dar uma ajuda à Mesa.
Como vamos entrar num período de férias, sugeria que o prazo fosse de 15 dias úteis, pois menos do que isso não sei se será viável.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª desculpar-me-á, embora lhe agradeça a ajuda que pretendeu dar, mas foi criada a sensibilidade da necessidade de uma resposta urgente.
Se porventura não for possível à Comissão apresentar as conclusões no prazo de 15 dias, então certamente a própria Comissão pedirá a prorrogação desse prazo.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não queria prolongar esta situação, mas fui sensível à observação do Sr. Deputado Basílio Horta.
De facto, este período de férias não traz problemas só em relação aos deputados mas, sobretudo, em relação à audição das personalidades que entendermos que devem ser ouvidas. Nesta quadra deve ser difícil ouvi-las.
Assim, sugeria que marcássemos como termo dos trabalhos da Comissão o dia 15 de Janeiro de 1985. Creio que, assim, fixaríamos uma data que não é muito longínqua e que tem muito maior viabilidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver objecções entender-se-á que fica marcado o dia 15 de Janeiro de 1985 como prazo para a entrega do relatório da Comissão.
Srs. Deputados Basílio Horta e Lopes Cardoso, muito obrigado pela vossa Colaboração e ajuda.
Vamos então proceder à votação do Inquérito Parlamentar n.º 15/III.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos proceder à discussão conjunta da proposta de lei n.º
76/III - Estatuto dos Magistrados Judiciais e da proposta de lei n.º 89/III - Lei Orgânica do Ministério Público.
O Sr. Deputado Carlos Brito pede a palavra para que efeito?
Página 1237
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1237
O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra e aguardava que fosse feita alguma declaração de voto em relação ao ponto anterior.
Tinha já pedido a palavra e pretendia usar dela antes de entrarmos na discussão que o Sr. Presidente agora anunciou e para interpelar a Mesa,
O Sr. Prudente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem falámos muito da cobertura dos trabalhos parlamentares feita pela Televisão. Hoje tenho que chamar a atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e de VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, para a cobertura que a Rádio está a fazer do debate sobre a moção de censura que ontem terminou.
Ouvi há pouco o noticiário das 13 horas da Antena 1. Ê uma completa adulteração do que se passou aqui ontem, tanto nos comentários como na forma como foi organizada a antologia.
As razões que levaram o PCP a votar favoravelmente a moção de censura são completamente silenciadas, apesar de serem transmitidas declarações do Sr. Primeiro-Ministro, onde o PCP é directamente visado.
Na versão da Antena 1 da RDP, o debate da moção de censura só serviria para o Governo perder tempo e atrasar, ainda mais, a aprovação do Orçamento do Estado.
Vozes do PS e do PSD: - É a verdade!
O Orador: - Isto, Sr. Presidente, quando toda a gente sabe que só por culpa do Governo é que o Orçamento do Estado está atrasado mais de 2 meses. A RDP toma também como conclusões do debate que aqui se passou apenas as declarações do Sr. Primeiro-Ministro e nada mais ...
Ume voz do PS: - São as que têm importância.
O Orador: -.... como se nada mais se tivesse passado. Ora, como todos nós vimos, muito se passou para além disso.
Protestos do PS e do PSD.
Srs. Deputados, não compreendo o vosso nervosismo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, faça favor de terminar.
O Orador: - Sr. Presidente, vou já terminar e pedir a V. Ex.ª que tente serenar os ânimos da bancada do PS, que, digamos, é uma coisa intolerável, inconcebível, tanto mais dada a proposta que vou fazer.
Nestas circunstâncias, requeria que o Sr. Presidente tomasse as medidas necessárias para que a gravação do serviço noticioso das 13 horas da Antena l da RDP fosse requisitado ...
O Sr. Lacerda Queirós (PSD): - É a censura! É a censura.
O Orador: -.... de modo que a Assembleia da República possa proceder à sua audição através da Subcomissão de Comunicação Social, constituindo uma forma de todos os grupos e agrupamentos parlamentares poderem ajuizar objectivamente e a Assembleia poder tomar medidas adequadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que nós não podemos tolerar é que os trabalhos da Assembleia da República se transformem em pasto para a manipulação da informação, pelo menos na comunicação social estatizada.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra para interpelar a Mesa os Srs. Deputados Carlos Lage, Igrejas Caeiro e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me vou pronunciar, evidentemente, sobre o conteúdo da comunicação do Sr. Deputado Carlos Brito, visto que ignoro a transmissão da RDP, que é citada nessa comunicação. No entanto, permitia-me chamar a atenção do Sr. Presidente da Assembleia da República e dos restantes grupos parlamentares para a inconveniência de, permanentemente, dia a dia, discutirmos questões da ligação da Assembleia com a comunicação social.
Vozes do PCP: - Pois, pois!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Querem é ter rédea soltai
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, também não vale a pena agitarem-se agora porque senão caem na mesma atitude que o Sr. Deputado já reprovou aos deputados socialistas. Ainda não acabei de falar!
Atrevo-me, assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a sugerir que se faça uma reflexão na conferência de líderes parlamentares e que, eventualmente, no Plenário da Assembleia da República, se faça também uma reflexão, mas organizada, sobre as relações da Assembleia com a comunicação social.
O que me parece incorrecto é termos que, esporadicamente, entrar em debates que não são dignos para o Parlamento. Ontem estivemos duas horas paralisados durante um debate importante, com a presença de quase todos os Srs. Deputados e do Sr. Primeiro-Ministro. A Assembleia da República ficou numa situação de paralisia e de caos enquanto se discutia, na conferência de líderes parlamentares o problema da transmissão televisiva.
Sei que estes problemas são evidentemente importantes - não o ignoro - e a Assembleia da República não quer, com certeza, condicionar a liberdade de informação. Mas há também, naturalmente, um pluralismo na Assembleia que é necessário assegurar nas transmissões da comunicação social.
Sugiro, assim, que se faça uma reflexão aprofundada nesta matéria, que se encontrem alguns critérios e algum modo de funcionamento que nos evite estas situações sempre embaraçosas e delicadas, que se vão repetindo ao longo do tempo.
Página 1238
1238 I SÉRIE - NUMERO 32
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, sobre esta matéria quero salientar dois ou três pontos que me parecem fundamentais.
Em primeiro lugar, o interesse que se tem revelado nesta Câmara pelas transmissões televisivas tem apenas a ver com a circunstância de a transmissão televisiva ser um meio de repercutir para o País o que se passa nesta Câmara, e o que aqui se passa é o que de mais importante se passa no regime democrático português.
É nessa perspectiva que todos nos interessamos e que, infelizmente, todos os dias temos que trazer aqui questões relacionadas com as transmissões televisivas.
Depois, é neste exacto momento que devemos tratar o problema, e tratá-lo aqui, no Plenário, porque esta questão é uma questão exemplar. Pelos vistos a RTP e a RDP terão aproveitado a circunstância de haver transmissões especiais acerca do que aqui se passava para nos seus noticiários normais tratarem, de uma forma completamente abusiva, limitada e parcelar o que aqui se passou.
Não podemos deixar passar esta situação em claro. Temos de a tratar e de a reflectir aqui, para que todo o País saiba que reflectimos, que estamos preocupados com isto e com a perspectiva de querermos transmitir com verdade para o País o que se passa dentro deste Plenário.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): -Sr. Presidente, depois da intervenção do meu camarada Carlos Lage prescindo do uso da palavra porque me parece que a Mesa não deve deixar continuar que, fora da ordem do dia e sem período de antes da ordem do dia, se estejam a tratar destes assuntos que têm sede própria para serem tratados.
O Sr. José Gama (CDS): - É o garrote! É a lei da rolha!
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, vou-me limitar a interpelar a Mesa, embora pense que há assuntos que, pela sua importância, podem sobrepor-se a meras regras regimentais e processuais. E esses assuntos são, sem dúvida, os desta natureza.
Mas vou-me limitar a interpelar a Mesa porque, e sem cometer nenhuma inconfidência, o Sr. Presidente e os Srs. Deputados que têm participado nas reuniões sabem que por sugestão da minha bancada está prevista uma conferência de líderes para com o Sr. Presidente se poder reflectir sobre todas estas matérias.
Isto não impede, Sr. Presidente, pelo contrário poderá ser material útil a essa reflexão, que seja dada satisfação ao requerimento do Partido Comunista Português, no sentido de ser possível a audição do noticiário que foi aqui referido.
Não conheço o noticiário, pelo que não me pronuncio sobre as críticas a ele feitas, mas penso que deve ser uma regra desta Assembleia respeitar sempre a opinião de um grupo parlamentar que ache que a Assembleia deve ouvir determinado noticiário porque no seu entender ele infringiu as regras a que deve obedecer a comunicação social, em particular a comunicação estatizada que tem obrigações de objectividade e de independência muito particulares.
O princípio, para mim, será sempre o de que deve ser dada satisfação a esses requerimentos e, nesse sentido, queria-me pronunciar, em nome da minha bancada, favoravelmente em relação ao requerimento formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, este é um problema sério, que temos discutido aqui várias vezes. Por exemplo, tenho aqui o Jornal de Notícias, do Porto, que a toda a largura da 2.ª página diz: "Só a APU ao lado da moção do CDS", quando se sabe que não há APU na Assembleia da República, e isso nem sequer corresponde à verdade dos factos.
Acontece, contudo, Sr. Presidente, que também temos aqui, na Assembleia da República, uma comissão especializada onde também estes assuntos deveriam baixar obrigatoriamente. A Subcomissão da Comunicação Social deveria estudar estes problemas levantados pelos diversos grupos parlamentares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é claro que nem sempre podemos criticar os jornalistas que estão na bancada da Imprensa - pode ser, até, que o título que referi não seja da responsabilidade do jornalista que esteve cá ontem - e também todos os Srs. Deputados devem saber que muitas vezes os jornalistas que aqui estão a trabalhar, a acompanhar debates de horas, (como o de ontem), têm de, ao fim do dia, a pedido da chefia da redacção, tanto na Rádio como na Televisão, sintetizar em 20, 30 ou 40 segundos, o que se passou durante horas de debate.
É evidente que a tarefa dos jornalistas não é fácil, mas também isso não impede críticas, e pela nossa parte também as sabemos formular.
Portanto, Sr. Presidente, estamos de acordo com a proposta do Sr. Deputado Lopes Cardoso, embora este não seja um assunto fácil para debater uma reunião, e apoiamos também claramente o requerimento do Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, em princípio, achamos que todos os órgãos de comunicação social, nomeadamente os estatizados, devem fazer a cobertura dos trabalhos da Assembleia com um máximo de fidelidade, respeitando com pluralismo o que se passa nesta Câmara para o exterior, para toda a opinião pública.
Em relação a esta matéria, queria também expressar o nosso descontentamento por estarmos sistematicamente a enxertar fora da ordem de trabalhos estas
Página 1239
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1239
questões, quando os partidos podem levantar este problema quer na subcomissão especializada, quer mesmo em conferência de líderes.
Sendo assim, damos o nosso apoio à proposta avançada pela UEDS no sentido de este assunto ser discutido em conferência de líderes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, folgo em não haver mais interpelações à Mesa. Realmente perdemos 25 minutos com interpelações absolutamente desnecessárias.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Os portugueses também perdem imenso tempo ...!
O Sr. Presidente: - Concordo com o que foi requerido pelo Sr. Deputado Carlos Brito e o meu gabinete providenciará para que a gravação esteja aqui para servir de material de reflexão.
Quanto à hipótese avançada pelo Sr. Deputado Carlos Lage, ela já tinha sido pensada em conferência de líderes e, em ocasião que os líderes dos grupos e agrupamentos parlamentares venham a determinar - na linha de pensamentos também fixada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso -, terá lugar essa reflexão sobre os nossos méis de comunicação social.
Quanto ao mais, Srs. Deputados, presumo que foi apenas a confirmação daquilo que inicialmente se tinha proposto.
Vamos, então, iniciar a discussão das propostas de Lei n.ºs 76/III e 89/III, já por mim anunciadas.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes deseja usar da palavra?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, é para pedir à Mesa que providencie no sentido de ser lido o parecer relativo à proposta de lei n.º 76/III, e também, se existir, o parecer relativo à proposta de lei n.º 89/III, que está cumulativamente em discussão.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, o parecer vai ser lido de imediato.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer cobre a proposta de lei n.º 76/III Estatuto dos Magistrados Judiciais
1 - A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias designou, na sua reunião plenária de 7 de Novembro, uma Subcomissão para relatar e dar parecer sobre a proposta de lei n.º 76/III - Estatuto dos Magistrados Judiciais.
A Subcomissão foi integrada pelos deputados José Almeida Leitão (PS), Fernando Correia Afonso (PSD), José Magalhães (PCP), Hernâni Moutinho (CDS), Raul de Castro (MDP) e Vilhena de Carvalho (ASDI).
O deputado José Magalhães (PCP) foi substituído pelos deputados Odete Santos e Lino Lima.
O deputado Hernâni Moutinho (CDS) foi sucescessivamente substituído pelos deputados Azevedo Soares e Américo de Sá.
Coordenou os trabalhos o deputado Fernando Correia Afonso.
2 - A Subcomissão procedeu a uma análise da proposta de lei n.º 76/III, com vista ao relato e missão de parecer, tendo-se reunido em 15, 21 e 27 de Novembro corrente.
3 - A Subcomissão registou no texto da proposta o alargamento da possibilidade de ocupação de cargos políticos pelos magistrados judiciais (artigo 11.º, n.º 2), o regime das suas remunerações e participação emolumentar (artigos 22.º e 23.º), a criação de comarcas de acesso final (artigos 44.º e 45.º) e a omissão à referência expressa da prescrição do procedimento disciplinar.
Mereceram também a atenção da Subcomissão a compatibilização do exercício da Magistratura Judicial com funções directivas em organizações sindicais e a dispensa de serviço para esse efeito (artigos 10.º, n.º 3 e 13.º), a irresponsabilização dos Magistrados Judiciais e a efectivação da sua responsabilidade civil, bem como respectivos foro e processo (artigos 5.º e 16.º), o modo de provimento e a proporção do preenchimento das vagas de juiz nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, tendo presente o mérito, a antiguidade e a idade (artigos 47.º a 50.º), a eliminação do limite do número de comissões.
Foram ainda objecto de reflexão da Subcomissão a regulação da prisão preventiva dos Magistrados Judiciais (artigo 15.º), o regime da casa de habitação (artigos 29.º a 31.º), a classificação da inadequação ou inadaptação à função (artigo 34.º), a previsão sobre o tempo de serviço para efeitos de antiguidade e aposentação (artigo 74.º), alguns efeitos das penas em matéria disciplinar (artigos 105.º e 107.º), a nova composição do Conselho Superior da Magistratura e o seu funcionamento (artigos 137.º a 142.º).
Finalmente à Subcomissão pareceu-lhe necessária melhor aclaração relativamente ao conceito de domicílio necessário (artigo 8.º), regime de férias (artigo 28.º, n.º 2), definição de magistrado jubilado e respectivo estatuto (artigos 68.º e 69.º).
4 - Considerando o exposto, a Subcomissão deliberou emitir parecer no sentido de que a proposta de lei n.º 76/III, sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, não levanta objecções de ordem legal e está em condições de ser discutida no Plenário.
O presente relatório foi lido e aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, é para, nos termos regimentais, proferir uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os debates que na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias conduziram à elaboração do parecer que tempestivamente votámos, e que foi agora lido pelo Sr. Secretário, provaram, de modo insofismável, que todo o processo
Página 1240
1240 I SÉRIE - NÚMERO 32
que antecedeu a chegada à Câmara, hoje, para apreciação na generalidade, da proposta de lei n.º 76/III aparece inquinado de vícios graves.
Com efeito, foi realizado um trabalho de cotejo de opções, de recolha de material informativo, de tratamento e seriação de dados. Apesar de conter reticências, reservas e críticas, o texto final não reflecte o conteúdo real desse labor, nenhuma análise detalhada do articulado, da sua história, das suas consequências. E, no entanto, muito haveria a transmitir ao Plenário nesses domínios.
Na verdade, a iniciativa governamental, 15 meses atrasada em relação ao termo do prazo constitucional a que estava vinculada, é parcial, não exaustiva, surge de forma fragmentária e desenquadrada, revela-se eivada de erros e más soluções.
Proclamou o Governo, na esteira do seu predecessor, pretender uma revisão global das leis da organização judiciária, mas acaba por introduzir na Assembleia da República um espécime ameaçador da independência das magistraturas, que se conseguiu viesse acompanhado por um outro (respeitante ao Ministério Público), sem que previamente concluísse e apresentasse uma proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais.
Exigia-se que as normas agora em apreço estivessem conexionadas com mudanças profundas do aparelho de produção da justiça, ao cabo de uma ponderação sem expeditismos que o malbaratado tempo decorrido teria permitido, desde que se desejasse proceder a uma exegese responsável.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Reclamava-se a audição das estruturas profissionais e sindicais representativas das duas magistraturas, como era praxe fazer-se, e importava que o Executivo fornecesse aos deputados elementos úteis e uma iniciativa legislativa sobre a reorganização dos tribunais, mas, deliberadamente, não se quis ir por aí.
Tudo denuncia, nos articulados que examinamos, o insuficiente estudo, a dominante política governamentalizadora, a crónica incapacidade de diálogo da coligação.
Apesar de termos votado favoravelmente, entendemos que o parecer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, deveria enunciar as questões polémicas, insólitas ou aberrantes, à luz de uma preocupação clarificadora. Designadamente estas: a restauração das três classes de juízes; a redução indébita do poder de fiscalização pelo Ministério Público das entidades com competência de instrução criminal à Polícia Judiciária; a ausência dos anexos convenientemente depurados a comandos propostos em favor de múltiplas remissões para portarias cuja silhueta se ignora e que poderão adulterar as próprias indicações dos artigos remitentes; as sinuosas vias de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e às Relações, propiciadoras de uma completa desfiguração das prescrições constitucionais; um mecanismo subvertor da Constituição no que concerne à composição do Conselho Superior da Magistratura, consagrando uma maioria diferente no conselho permanente do órgão em relação àquela que deveria, de acordo cora as leis, existir; a inovação intolerável da figura dos magistrados ditos inaptos (inadequados para a função), sujeitos a regras prepotentes, arbitrárias, iníquas, accionadas administrativamente, tudo traduzindo
uma clara óptica de governamentalização das magistraturas e do poder judiciário no seu todo, regredindo a tempos que ficam para trás do 25 de Abril, o que é ousado e naturalmente escabroso.
O parecer passa ao lado da situação de ruptura dos tribunais portugueses de tudo o que se lhe refere quanto á instalações e equipamentos, omite a actual moldura decorrente da não revisão dos Códigos de Processo Civil e Processo Penal, bem como as raízes da morosidade processual, da insalubridade orgânica do funcionamento das peritagens médico-legais, da vergonha da assistência judiciária, esquece os métodos incontestáveis seguidos pelo ministério de tutela no atendimento das reivindicações remuneratórias e de natureza habitacional dos juízes portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, são temas relevantes mas ausentes deste parecer. Daí o nosso voto e a presente declaração de voto.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Correia Afonso pede a palavra para que efeito?
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa no sentido de saber a que título e que o Sr. Deputado José Manuel Mendes usou da palavra.
O Sr. Presidente: - Para fazer uma declaração de voto acerca do relatório que fora lido, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, u Sr. Secretário não procedeu à leitura de um parecer, que deveria acompanhar a subida a Plenário da Lei Orgânica do Ministério Público.
O Sr. Presidente: - Só que não existe, Sr. Deputado!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, então gostaria de
pronunciar-me sobre a inexistência desse parecer.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, suponho que, no mínimo, é lamentável a situação a que chegámos. Com efeito, foi realizada uma tentativa para que o parecer existisse, chegou a constituir-se uma subcomissão que reuniu e foi designado um relator. Acontece só que, dado o carácter precipitado com que chega a Plenário toda esta matéria, estamos perante uma quadro deveras insufragável, que é a da inexistência de um relatório que carreie informações, diga o mínimo que há a dizer relativamente à proposta de lei orgânica do Ministério Público.
Registamos o facto rejeitando-o e entendemos que isto não deve voltar a acontecer. Bom será, para prestígio da Comissão de Assuntos Constitucionais, de Direitos, Liberdades e Garantias, e desta Câmara, se altere profundamente esta prática e no futuro se cumpra aquilo que o Regimento estabeleça e se proceda à elaboração dos textos que é uso acompanharem as iniciativas legislativas e que são, ao cabo e ao resto,
Página 1241
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1241
fundamentais para a apreciação correcta e concreta dos temas que aqui nos reúnem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, eu e todos nós habituámo-nos a respeitar as ideias uns dos outros quando elas divergem e criámos, portanto, uma mentalidade que propicia ouvir, até às vezes, enormidades com base no respeito da ideia ou do pensamento alheio.
Há, no entanto, uma coisa que nós não podemos aceitar e - e quando digo nós não é um plural majestático, mas sim "nós, Assembleia" - que é a falta de ética, a violação dos princípios que devem nortear um debate numa Assembleia como esta.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes, para poder cobrir-se de uma formalidade aparente no aspecto ético, veio pronunciar-se sobre diplomas quando não esteve na comissão nem na subcomissão que sobre eles se pronunciou.
Veio referir que tudo aquilo que constava do parecer, que foi lido há pouco pela Mesa, era aquilo que ele entendia que deveria lá estar, na medida em que envolvia omissões importantes e graves. Mas o Sr. José Manuel Mendes não compareceu nessa subcomissão e lá o seu camarada José Magalhães deu o seu voto concordante porque o parecer foi aprovado por unanimidade. E agora chega ao ponto de vir protestar por não haver parecer sobre a proposta de lei relativa ao estatuto dos magistrados do Ministério Público quando foi o Partido Comunista que inviabilizou esse parecer, ao afirmar que não poderia aparecer na subcomissão porque, entretanto, decorria o debate em Plenário.
Não preciso de qualificar! Os Srs. Deputados tirarão os vossos juízos acerca deste comportamento político.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer algumas precisões em relação àquilo que o Sr. Deputado Correia Afonso acaba de afirmar, no tocante ao comportamento desta bancada. E brevissimamente porque creio que a coisa não merece mais!
A Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias constitui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma subcomissão à qual foi cometida a tarefa de elaborar um parecer, como é regimental, sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Essa subcomissão iniciou os seus trabalhos, a minha bancada foi inicialmente representada por mim próprio, e depois por outros meus camaradas, tivemos a ocasião de dar o contributo que podemos para esse trabalho - em que o Sr. Deputado Correia Afonso participou na qualidade de relator ...
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença? O Orador: - Faz favor.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Pedi a interrupção, e agradeço ao Sr. Deputado José Magalhães que ma tenha concedido, só para lhe solicitar que esclareça o seguinte:
Quando diz que, primeiro, a representação da sua bancada foi assegurada por seu intermédio e, depois, pelos seus dois camaradas, gostava que esclarecesse se entre esses seus dois camaradas estava o Sr. Deputado José Manuel Mendes, que acabou de fazer a declaração que ouvimos há pouco.
O Orador: - Esclareço-o prontamente, Sr. Deputado, embora a curiosidade seja um pouco insólita e não tenha precedente e, enfim, se possa filiar num espírito que creio não estar presente no do Sr. Deputado Correia Afonso. Espero ...
A minha bancada foi representada, respectivamente, pelos Srs. Deputados José Magalhães, Lino Lima e Odete Santos. São membros da Comissão de Direitos Liberdades e Garantias, como qualquer cidadão pode constatar, por parte do PCP, estes deputados e o deputado José Manuel Mendes.
É normal - entre nós, pelo menos - que os deputados que pertençam a uma mesma coligação se reúnam, troquem impressões e debatam, colectivamente, aquilo que tem de ulteriormente discutir nas comissões, onde representam o seu partido.
E acho verdadeiramente insólito que ao Sr. Deputado Correia Afonso ocorra questionar que a declaração de voto do meu grupo parlamentar, respeitante ao relatório que foi elaborado com participação sucessiva de diversos deputados deste grupo parlamentar, seja feito por outro deputado que, por acréscimo, tem assento, com o Sr. Deputado Correia Afonso, na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias.
Não temos realmente esse culto de personalidade em relação a este trabalho e creio que o Sr. Deputado Correia Afonso, pensando melhor, porventura retiraria algumas das expressões que quase poderiam figurar injuriosas, que utilizou durante as suas afirmações.
Em todo o caso não poderíamos deixar passar sem uma precisão uma das observações que fez. Diz respeito à normalidade de tratamento e à lisura de procedimentos que devem caracterizar o trabalho na Câmara e na qual seriamente, obviamente, nos empenhamos e em relação à qual não são admissíveis quaisquer suspeições.
É verdade que o Grupo Parlamentar do PCP entendeu que não deveria ter lugar uma das reuniões que tiveram previstas para apreciar o futuro parecer sobre a Lei Orgânica do Ministério Público. (Essa reunião foi marcada para decorrer durante a interpelação do PCP sobre educação.) Mas é também verdade que, depois disso, insistimos, e muito, junto de deputados de todas as bancadas para que a subcomissão reunisse e produzisse a tempo esse relatório. Ontem mesmo desencadeámos junto dos deputados de várias bancadas estes esforços sem êxito.
Creio que a questão não valeria sequer estes esclarecimentos se não tivesse sido produzida, por parte do Sr. Deputado Correia Afonso, porventura impensadamente, o conjunto de imputações que produziu, e que profundamente lamentamos que tivessem sido alguma vez produzidas nesta Câmara. Creio que depois disso, deveriam ser "reconduzidas às balizas em que certa-
Página 1242
1242 I SÉRIE - NÚMERO 32
mente teria falado", se tivesse ponderado devidamente as informações que agora trouxe ao conhecimento da Câmara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, queria deixar clara uma coisa que só os Srs. Deputados comunistas não entenderam.
Aceito perfeitamente - nem tenho que pronunciar-me - que qualquer deputado comunista seja portador da declaração de voto da vossa bancada. O que não aceito e não compreendo é que três deputados comunistas numa subcomissão aplaudam e concordem com um determinado parecer e outro apareça aqui precisamente a discordar e a insurgir-se contra esse parecer.
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de porem um ponto final neste diálogo, que presumo até em certa medida desnecessário.
Já perdemos muito tempo com este incidente, que poderia já estar ultrapassado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, da nossa parte o nosso ponto final é este: a declaração de voto que acabou de ser lida é subscrita pelos quatro deputados do PCP, foi discutida e lida em nome da bancada.
Nada há a acrescentar, pois, depois disto!
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, vamos entrar na discussão, na generalidade, das propostas de lei. Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a apresentação por parte do Governo das propostas de lei sobre o estatuto dos magistrados judiciais e a lei orgânica do Ministério Público dá-se início a uma nova fase de reorganização do poder judicial. Cumpre-se também, do mesmo passo, ainda que com atraso sobre o previsto, o consignado no artigo 240.º, n.º 1, dá Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, onde se preceitua que a "Assembleia da República procederá à revisão da legislação respeitante ao Conselho Superior da Magistratura, ao estatuto dos juízes dos tribunais judiciais e ao estatuto dos juízes dos restantes tribunais". Com a "proposta da lei orgânica dos tribunais judiciais" já praticamente terminada e a ser, em breve, submetida à Assembleia da República e com as leis do processo penal e civil já em adiantada fase de elaboração, completar-se-á esta nova fase de revisão e de aperfeiçoamento legislativo da orgânica judicial e do sistema processual português, esperando-se que os novos diplomas possam contribuir, por forma decisiva, para a modernização da justiça, a aceleração da sua prestação e para a dignificação dos magistrados judiciais e do Ministério Público e dos funcionários judiciais.
O estatuto de direito democrático não constitui uma realidade estática, acabada de um jacto pela decisão de um legislador constituinte. É antes uma construção dinâmica que se vai erguendo no esforço das opções quotidianas feitas pelos cidadãos e por todos os poderes do Estado. A concepção tradicional que reduziu os juízes à beca, que apenas diz o que quer a lei no caso concreto, está hoje definitivamente ultrapassada mesmo para os mais feros defensores do positivismo normativo. Se as teorias que circunscreviam o julgador a meras máquinas automáticas de subsumpção nunca foram verdadeiras, a complexidade e rápida mutação das relações sociais do nosso tempo veio evidenciar os limites naturais do legislador e a necessidade de que este seja complementado na sua tarefa de regulação pelo acto criador da interpretação e aplicação feita pelo julgador. O posicionamento do juiz muda assim radicalmente. De elemento colocado à margem e acima da conflitualidade social, cujo papel imparcial e superpartes lhe impõe uma ascética indiferença, passa a ser solicitada a sua intervenção activa para medicar o tecido social. Tal situação, que acentua o papel conformador do juiz, é particularmente patente em ramos mais imediatamente sensíveis ao dever social como o direito do trabalho ou o direito económico e o direito de família. Mas regista-se igualmente em todos os outros sectores da vida jurídica. Isso não significa que a lei deixe de ser o cânone reitor da actividade juridiscional; quer apenas dizer que não é o único, e que num fenómeno complexo, a personalidade, a cultura e os valores éticos por que se guia o julgador têm igualmente um lugar muito importante.
Vista a esta nova luz a missão de julgar, agudiza-se a tensão sempre existente entre a imparcialidade indispensável a quem não pode ser parte, sob pena de trair a sua missão, e a exigência de resolver as lides, intervindo e transformando os litígios.
Menciono aqui esta problemática para sublinhar que as dificuldades e a crise da justiça contemporânea nos países da Europa democrática não radicam apenas no aumento do número de processos e na escassez dos meios humanos e financeiros dos serviços judiciários. Têm causas mais profundas que requerem dos juízes mais do que simples competência profissional. A missão que lhes incumbe na sociedade dos nossos dias, exige-lhes que sejam cada vez mais homens íntegros, de elevada estatura moral, vivendo no meio da sociedade para poderem perceber e sentir o seu pulsar, mas capazes de se distanciarem suficientemente das preocupações corporativas e dos interesses meramente materiais para evitarem assim que os problemas sejam confundidos e descaracterizados na vasta temática das relações de trabalho dos servidores do Estado.
O que se diz quanto aos juízes é, mutatis mutandis, igualmente válido para o Ministério Público, cuja função de representar o Estado, exercer a acção penal e defender a legalidade democrática e os interesses dos mais fracos lhe exige iguais qualidades de aprumo moral, desinteresse e competência.
É com esta preocupação fundamental de dignificar a função judicial e do Ministério Público, nas difíceis circunstâncias sociais e políticas em que têm de exercer a sua função, sem esquecer por outro lado, o contexto das dificuldades económicas e financeiras em que vivemos, que o Governo, apresenta à Assembleia da República as duas propostas de lei agora em discussão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dando aqui por reproduzidas as exposições de motivos de ambas as propostas de lei, restringir-me-ei a mencionar os pontos que se me afiguram mais inovadores e relevantes no cotejo com os estatutos actualmente em vigor.
Página 1243
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1243
No que concerne ao estatuto dos magistrados judiciais houve a preocupação de privilegiar, na nomeação e colocação de magistrados, o mérito em relação à antiguidade.
Assim acontece no artigo 49.º da proposta, no que respeita ao provimento das vagas para as relações, e no artigo 53.º no que se refere à nomeação de juízes do Supremo Tribunal de Justiça.
Por outro lado, no que respeita ao Supremo Tribunal de Justiça, em cumprimento de preceitos constitucionais, dá-se acesso ao topo da hierarquia judicial a não magistrados judiciais, isto é, ao Ministério Público e a juristas de reconhecido mérito, na proporção de dois para cada cinco vagas.
Pretende-se, sem frustrar as expectativas da carreira da judicatura, abrir-se mais a cúpula da organização judiciária a elementos que são estranhos àquela, tendo em atenção o mérito demonstrado.
De nada vale, porém, consagrar o mérito se não houver possibilidades de o avaliar com justeza e atempadamente. Por isso se consagra que o mérito é determinado por classificações trianuais, com apreciação pelo Conselho Superior da Magistratura (artigo 37.º da proposta).
Outra modificação importante refere-se à abolição do instituto do sexénio, anteriormente previsto no artigo 7.º da Lei n.º 85/77, de 13 de Dezembro.
É conhecido que o instituto do sexénio se destina a criar condições para uma melhor garantia da imparcialidade e independência dos juízes. Percebe-se, aliás, que a sua importância é maior nas comarcas de pequena dimensão. Nas outras, a densidade urbana ou a extensão geográfica diminuem muito essa relevância. Acresce que a prática revelou que, nas comarcas com mais de um juiz, o sexénio se cumpria formalmente com a simples permuta de juízes, mantendo-se estes na mesma comarca.
Pareceu, assim, preferível estabelecer um sistema que mantivesse as vantagens apontadas ao sexénio para as pequenas comarcas e tivesse ainda em consideração a necessidade de estabelecer uma relação entre a experiência dos juízes, ao longo da sua carreira na primeira instância, e a complexidade dos problemas previsíveis que enfrentam nas comarcas de maior dimensão.
Propõe-se, deste modo, o desdobramento das comarcas nas categorias de ingresso, primeiro acesso e acesso final, estabelecendo-se prazos peremptórios quanto à permanência nas duas primeiras categorias (artigo 44.º da proposta).
Com esta medida espera-se conseguir uma formação contínua e gradual dos juízes já no exercício das suas funções, a qual se traduzirá numa melhoria da qualidade e do rendimento do seu trabalho.
O Conselho Superior da Magistratura, cuja composição e funções no nosso ordenamento dá à função judicial uma autonomia ímpar no conjunto dos ordenamentos jurídicos democráticos, que consagram, o autogoverno, como a Itália, a França e a Espanha, o autogoverno, é reestruturado, cumprindo assim os parâmetros constitucionais. Na sua composição, prevista no artigo 136.º da proposta, fazem-se intervir magistrados e entidades estranhas à magistratura, assim se prevenindo eventuais desviacionismos corporativos.
Mas o presidente deste Conselho é, e bem, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
O estatuto, reproduzindo o artigo 220.º, n.º 1, da Constituição, limita-se, neste ponto, aliás, desenvolver os princípios da lei fundamental. Foi dedicada cuidadosa atenção à regulamentação da responsabilidade disciplinar dos magistrados e à tramitação do respectivo processo, de modo a assegurar-se aos arguidos todas as garantias de defesa.
Na Lei Orgânica do Ministério Público, aparecem consignadas as mesmas ideias-força que pesidiram à elaboração do estatuto dos magistrados judiciais, procurando manter-se, assim, o paralelismo desejável entre as duas magistraturas, mas respeitando, todavia, a especificidade própria do Ministério Público, designadamente a sua estruturação hierárquica e a sua articulação necessária com o sistema mais vasto em que se integra.
É assim que se consagra no artigo 2.º a autonomia do Ministério Público, no artigo 3.º se refere qual a sua competência e, no artigo 60.º, se explicitam quais as competências que, no seu relacionamento com o Ministério Público cabem ao Governo, através do Ministro da Justiça.
Para não alongar esta exposição introdutória gostaria apenas de referir ainda dois pontos.
No artigo 105.º desta segunda proposta, propõe-se que a nomeação do Procurador-Geral da República seja feita por prazo de 5 anos. Procura-se, assim, esclarecer um ponto que não foi isento de controvérsias num passado recente dando-lhe uma solução consentânea com a natureza e importância do cargo.
Na verdade, seria inconveniente, do ponto de vista do ministério, que este cargo fosse vitalício ou que não tivesse uma duração suficientemente dilatada para que a função pudesse ser exercida com independência e eficácia.
A segunda questão concerne à composição do Conselho Superior do Ministério Público que é reestruturado de modo a dar-lhe uma maior operacionalidade. Passa por isso a fazer parte do Conselho, de acordo com a proposta, o
Vice-Procurador-Geral da República (artigo 14.º, n.º 2).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que a realidade se não muda apenas ou se quer prevalecentemente através de decretos ou leis. É uma ilusão em que não devemos cair mas, por outra parte, reconhecemos também que os mecanismos normativos podem ser muitas vezes, se convenientemente utilizados, desbloqueadores de situações, permitindo eliminar nós de estrangulamento. Exercem também, quando correctamente concebidos, uma função fundamental de orientação e pedagogia.
Com a contribuição que certamente esta Assembleia dará, no debate, às propostas ora apresentadas, esperamos que estas possam constituir, rapidamente, transformadas em lei, pedras fundamentais na reconstrução do edifício da justiça em Portugal.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Marques Mendes, José Magalhães, Odete Santos, José Manuel Mendes, Nogueira de Brito e Hernâni Moutinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Ministro da Justiça, ouvi atentamente a exposição que Tez de in-
Página 1244
1244 I SÉRIE - NÚMERO 32
trodução a este debate. Congratulo-me com o facto de anunciar para breve, dado ter referido a fase avançada em que se encontram, outros diplomas extremamente importantes para toda a justiça portuguesa, designadamente a nova lei orgânica e as leis processuais, designadamente o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal.
Quero, no entanto, pedir esclarecimentos que têm a ver com a exposição que acabou de produzir. Começo pela referência feita por V. Ex.ª ao problema do sexénio. Em circunstâncias de substituição, os magistrados não poderão manter-"e mais do que um certo tempo. Aludiu, a esse respeito, ao artigo 44.º da proposta de lei, no qual se diz os juízes poderem ser transferidos, etc... mas sempre "a seu pedido". Se bem entendi, na exposição que fez, V. Ex.ª referiu que essa transferência se processaria "obrigatoriamente". Se essas transferências se processam ao fim dos anos aqui referidos, isto é, 5, 8 anos, etc., consoante as circunstâncias da classificação das comarcas - ingresso, primeiro acesso e acesso final - a verdade é que a transferência "a seu pedido" não se coaduna com a obrigatoriedade que V. Ex.ª expôs. Este é um ponto que gostaria de ver esclarecido, se for possível.
Referiu também V. Ex.ª, Sr. Ministro, o problema das classificações que vêm reguladas neste diploma. Nele são criadas várias classificações, nomeadamente as de Medíocre, Suficiente, Bom, Bom com distinção e a de Muito bom. Num dos normativos do diploma refere-se as consequências de uma classificação de Medíocre. Para outros efeitos também são tradas as classificações de Bom, Bom com distinção e Muito bom. No entanto, quanto à classificação de Suficiente, do que resulta do texto da proposta de lei não lhe encontro qualquer consequência, se é que tem alguma. Ou será que ela servirá apenas para figurar na ficha do julgador? Ou será que porventura tem alguma coisa a ver com a inadaptação ou inadequação a que se refere o artigo 34.º, designadamente quando se verifica uma situação de duas classificações consecutivas de Suficiente.
Sr. Ministro, são estes dois aspectos que agradeço que me esclareça, na medida em que, tal como V. Ex.ª, perfilho totalmente o entendimento de que os magistrados judiciais são hoje mais do que nunca uma pedra importante em todo o nosso ordenamento, designadamente pelo seu relevo e papel fundamental na aplicação da justiça como um dos pilares do nosso Estado de direito democrático.
O Sr. Presidente: - Dado o Sr. Ministro da Justiça desejar responder aos pedidos de esclarecimento no seu conjunto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Ministro da Justiça, ao ouvi-lo falar quase que poderia alguém julgar não estarmos diante do mesmo ministro da Justiça que tem estado de mal com a magistratura - aliás, a magistratura de mal com o ministro da Justiça -, que tem sido autor de alguns gestos encarados como de administrativa e quase prepotente postura, que não tem sido capaz de desbloquear as negociações em curso com os sindicatos e associações sindicais em relação a matérias melindrosas que perturbam e preocupam os magistrados e que, além do mais, ainda há dias, creio que no dia 12, confessava, perante uma assembleia com representantes estrangeiros e portugueses, que havia em Portugal uma crise judicial profunda. Ao ouvi-lo falar agora quase poderia julgar - mal - que em Portugal as coisas vão bem e que o Governo acaba de colocar uma pedra gigantesca e excelente para a dignificação do poder judicial, como acabou de referir na sua intervenção. Infelizmente, não é assim e creio que este debate o comprovará!
Em todo o caso, as perguntas que lhe quero colocar referem-se à oportunidade e eficácia deste debate.
Esta revisão surge atrasada, todos o sabemos. A proposta do Governo não é verdadeiramente global embora o pareça. Introduz 7 ou 8 alterações fulcrais, algumas em cumprimento da revisão constitucional, outras não. Deixa de lado questões fundamentais para a resolução dos problemas da judicatura. Surge sob o signo da urgência por duas questões, segundo o Sr. Ministro revelou perante a comissão parlamentar competente, o que não é segredo: primeiro, a necessidade de abolir o sexénio para permitir ao Conselho Superior da Magistratura certos movimentos de magistrados, por outro lado alterar a composição do próprio Conselho em função daquilo que determina a revisão constitucional.
O debate de hoje é um mero debate na generalidade do qual não resulta nenhuma alteração da ordem jurídica, sabemos também que o Conselho Superior da Magistratura teve que não fazer alguns movimentos de magistrados que caiem sob a alçada do sexénio, precisamente porque não está aprovada esta lei - e aprovada nos termos próprios, isto é, em votação final global, promulgada e publicada. Pela nossa parle, têm sido feito alguns esforços para que se produzisse uma disposição que, avulsamente, e sem prejuízo da aprovação ulterior deste diploma no seu todo, abolisse o sexénio, suprimindo um dos obstáculos ao normal exercício das competências do Conselho Superior da Magistratura nesta matéria. O que pergunto é: porque não fazê-lo e como é que se encara este debate nesta óptica de eficácia?
Segundo aspecto: todos lemos no acordo entre o PS e o PSD que se prevê a aprovação até Março de 1985 da nova Lei Orgânica dos Tribunais e os novos estatutos dos magistrados, a entrada em funcionamento, até Abril de 1985, do Conselho Superior da Magistratura na sua nova composição, a criação até Maio de 1985 dos tribunais arbitrais necessários e a revisão, em 1985, do Código Penal, do Processo Penal e do Código do Processo Civil.
Assim, este debate, realizado nestas condições, no bojo de uma moção de censura, não é o quadro mais adequado para debater estas questões que, porventura, exigiam da Assembleia da República uma outra atenção e uma outra profundidade. Em todo o caso, pergunto ao Sr. Ministro da Justiça o que se lhe oferece dizer sobre a oportunidade e a eficácia de um debate em que o Governo deixa por resolver o que é urgente e pressupõe como normal - ate o admite por escrito - que este que aqui estamos a fazer só venha a ter consequências porventura em Março de 1985. É um pouco bizarro. Ou não, Sr. Ministro?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
Página 1245
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1245
A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Sr. Ministro da Justiça, o debate irá demonstrar que estas propostas de lei não irão, de facto, contribuir para a resolução da crise da justiça e, antes, poderão provocar estrangulamentos - seguramente os provocarão - nomeadamente quanto à restauração das três classes de comarcas.
De facto, haverá muito a fazer em termos da resolução desta crise, mas essa resolução passa pela consideração de outros problemas e de outras questões que tardam a chegar.
Infelizmente, não temos aqui hoje, como deveríamos ter, uma proposta sobre organização judiciária. Penso que se justificava a sua discussão conjunta, porque diz respeito à morosidade nos tribunais. É sabido o quanto, no plano internacional, a justiça portuguesa é considerada como morosa. Desejo, pois, perguntar a V. Ex.ª, porque penso que dará como certo que há falta de juízes e de tribunais, nomeadamente de tribunais de trabalho, quantos tribunais calcula o Ministério que sejam precisos para nos aproximarmos, pelo menos dos dados europeus que existem sobre o assunto. Quantos tribunais pensa o Ministério da Justiça criar? Quantos juízes pensa que são de facto precisos? Quando entrarão em funcionamento efectivo aqueles tribunais já criados há anos por decreto-lei, como o de Sesimbra, que só existe no papel?
Outra questão que desejo colocar ao Sr. Ministro da justiça diz respeito à Lei Orgânica do Ministério Público. Não consta da proposta da Lei Orgânica para o Ministério Público a competência em dirigir a investigação criminal e não se fala de poderes de fiscalização do Ministério Público em relação a agentes policiais. Gostava de saber porque não foram atribuídos no Ministério poderes de fiscalizar a PSP e a GNR, uma vez que só se atribui poderes para fiscalizar a Polícia judiciária, sabendo nós como todas aquelas entidades dirigem ao Ministério Público os factos que apuram, fazem uma actividade de investigação criminal e, em defesa da legalidade democrática a que a própria polícia está sujeita nos termos constitucionais, deve o Ministério Público intervir e poder controlar se, de facto, essa legalidade democrática está a ser respeitada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, suponho que a intervenção com que introduziu o debate na Câmara peca por escassa e passou à margem de muitos problemas que deveriam ter sido atendidos. Penso que importaria levar a análise tão longe quanto possível para que melhor nos situássemos no debate e nele pudéssemos activamente contribuir para a solução dos problemas que existem e que são múltiplos.
O Sr. Ministro da Justiça não fez nenhum balanço sobre as reformas judiciárias de 1977-1978, nada disse, com elementar profundidade, sobre a situação dos tribunais. Inclusivamente, sobre a candentíssima questão do acesso ao CEJ -Centro de Estudos Judiciários -, ficou-se pelo silêncio.
Começo por questioná-lo relativamente a isto: sabe-se que tem suscitado muitas inquietações e uma justa indignação a decisão governamental de permitir o acesso ao CEJ a licenciados saídos das faculdades de Direito com nota igual ou superior a 14 valores. Porquê? Porque há catorzes e catorzes, há discrepâncias nos critérios classificativos das diferentes faculdades, há situações óbvias de injustiça geradas a partir deste quadro que naturalmente não ignora.
Na devida altura chamámos a atenção do Sr. Ministro, em sede de Comissão - espero que o Sr. Deputado Correia Afonso não venha com epítetos como aqueles que há pouco lastimavelmente proferiu pelo facto de eu revelar coisas que se passaram na Comissão sem ter estado presente, mas obviamente - tenho conhecimento do que lá se passou. Nessa altura o Sr. Ministro disse que, se efectivamente se viesse a provar que as consequências geradas eram injustas, deveria proceder-se à abolição do sistema entretanto introduzido. Já temos números, o Sr. Ministro também os tem com certeza, que provam à saciedade a profunda irrazoabilidade, o profundo erro da regra em apreço. Vejamos, por exemplo, que os alunos saídos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa com nota igual ou superior a 14 valores rondaram os 7,94 % nos últimos dois anos, e em igual período de tempo foram de 26,6 % os alunos saídos com aquela mesma média da Faculdade de Direito da Universidade Católica.
Outro tanto se poderá dizer dos testes realizados para a aptidão, no CEJ, que comprovam claramente as discrepâncias e o que está incorrecto em tudo isto. É óbvia a pergunta, Sr. Ministro da Justiça. Depois do que afirmou em Comissão, irá em Plenário dizer-nos que vai abolir esta norma, que além do mais é inconstitucional, como bem sabe, porque derroga o princípio do concurso para acesso a cargos da função pública?
Finalmente, uma última questão relacionada com o Conselho Superior da Magistratura: Inquiro o Sr. Ministro sobre a veracidade de que com as normas prescritas na proposta de lei governamental se adultera o que se quis em sede da revisão constitucional e que hoje está estatuído na Constituição da República Portuguesa, ou seja, uma concreta maioria de composição do Conselho Superior da Magistratura, ao criar no conselho permanente uma solução claramente diferente e que posterga muito do que era adquirido como progressista e inovador em toda esta matéria desde o 25 de Abril no nosso país.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Justiça, como V. Ex.ª sabe, tem havido alguma especulação sobre eventuais responsabilidades da Assembleia da República no atraso da aprovação desta legislação referente ao estatuto dos magistrados judiciais e do Ministério Público. Pretendia saber de V. Ex.ª se o Governo não assume as suas responsabilidades nesta matéria do atraso, e aproveitava para recordar alguma cronologia dos acontecimentos.
Nos termos da Lei de Revisão Constitucional n.º 1/82, a aprovação desta matéria referente ao estatuto dos juízes dos tribunais judiciais e dos juízes dos restantes tribunais deveria ter sido feita, se não estou em erro, até ao mês de Março de 1983. Vicissitudes
Página 1246
1246 I SÉRIE - NÚMERO 32
várias, que se compreendem, ligadas à situação do anterior governo, impediram obviamente que este prazo fosse cumprido.
No entanto, este projecto dos magistrados judiciais deu entrada aqui na Câmara em 25 de Julho de 1984 - estando nós ainda em funcionamento, é certo, mas depois de ultrapassada já a data para o período normal da sessão - e pergunto ao Sr. Ministro o que é que poderá ter explicado um tão grande atraso. Na óptica do Sr. Ministro, terá sido o facto de terem sido introduzidas alterações significativas nos - projectos que haviam entretanto já sido publicados e preparados no Ministério da Justiça? Ou terá sido a circunstância de se ter pretendido aguardar pela Lei Orgânica dos Tribunais, questão que o meu colega de bancada Hernâni Moutinho vai pôr mais detalhadamente?
Ficaria grato ao Sr. Ministro se nos pudesse dar um esclarecimento sobre estas interrogações, que seria útil não só para a Câmara como também para o País e até - atrevo-me a dizê-lo - para as instituições, porque existe com efeito alguma confusão nesta matéria que convinha desvanecer,
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho.
O Sr. Hernâni Moutinho (CDS):- Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª conhece e reconhece, visto que o refere claramente na exposição de motivos de ambas as propostas que estão em debate, que há de facto uma estreita interdependência entre estas propostas, ou seja, o estatuto dos juízes, o estatuto do Ministério Público e a lei de organização judiciária. Ponderada esta questão, não reconhece V. Ex.ª que seria importante que o debate que aqui se está a travar ocorresse simultaneamente também com o debate da lei de organização judiciária? V. Ex.ª não entende que, não o fazendo, isso se traduz realmente num aspecto negativo e prejudica, quiçá irremediavelmente, a necessária articulação dos três diplomas? Ficamos a saber mais ou menos que juízes teremos, mas não sabemos que tribunais temos. Sr. Ministro da Justiça, em relação ao sexénio, por exemplo, qual a expectativa que poderão ter os actuais juízes colocados em comarcas de acesso, uma vez que é feito o desdobramento destas em comarcas de primeiro acesso e de acesso final, sendo certo que só em relação a estas últimas o sexénio operará, de certo modo, em plenitude? Eram estas as questões que queria colocar a V. Ex.ª e às quais com certeza responderá.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.
O Sr. Raul de Casto (MDP/CDE): - O Sr. Ministro da justiça afirmou na sua intervenção que se tratava de uma nova fase na organização judicial. Creio, contudo, que não pode merecer dúvidas a ninguém a estreita ligação entre o estatuto dos magistrados judiciais e a lei orgânica do Ministério Público e os outros diplomas a que o Sr. Ministro se referiu, nomeadamente a lei orgânica dos tribunais, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal. Estes três diplomas foram há muito anunciados pelo Governo, mas o que e certo é que nenhum deles deu entrada ainda na Assembleia da República.
Pergunto ao Sr. Ministro que vantagens considera o Governo existir na apresentação e apreciação isolada destes dois primeiros diplomas e não na apresentação simultânea deles e dos outros três textos legais, que se prendem estreitamente com a actividade dos magistrados e dos elementos do Ministério Público.
Em segundo lugar, referiu o Sr. Ministro que seria propósito destes dois diplomas governamentais dignificar a função judicial sem esquecer as dificuldades dos magistrados e agentes do Ministério Público. Pergunto ao Sr. Ministro se, quando se refere às dificuldades, tem em vista as dificuldades materiais. É que, se não for assim, torna-se difícil de compreender a afirmação do Sr. Ministro, com propostas concretas metidas no estatuto dos magistrados, nomeadamente quanto à retirada de regalias que os juízes aposentados possuíam e, ainda, quanto à obrigatoriedade criada por aquele estatuto de uma contraprestação em relação à habitação por parte dos juízes. Serão estas as medidas que o Governo contempla para ir ao encontro das dificuldades materiais dos magistrados?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - O Sr. Deputado Marques Mendes colocou-me duas questões, a primeira das quais relativa à obrigatoriedade de transferência, em relação ao sexénio, e à compreensão do artigo que regulamenta essa matéria.
Dir-lhe-ei, basicamente, que a ideia que se procura traduzir no texto, e que suponho que o está, é a de que nas comarcas de ingresso e nas de primeiro acesso haja um número de anos obrigatórios de permanência. Uma vez que estas comarcas têm menos interesse do ponto de vista profissional, condições menos boas quanto ao desenvolvimento da educação dos filhos, etc., existe naturalmente um desejo, que a experiência tem revelado verificar-se, de transferência para comarcas com outro equipamento urbano. É essa, portanto, a linha lógica do desenvolvimento da carreira. A ideia está internamente relacionada com o facto de os juízes, uma vez que se operou a divisão entre a carreira judicial e a carreira do Ministério Público, saírem do CEJ sem experiência ainda da actividade judicial ou, pelo menos, com uma experiência extremamente curta e realizada em moldes escolares e de estágio escolar e também com o facto de não ser conveniente, como a experiência tem vindo a revelar, que esses juízes enfrentem, desde logo, a complexidade dos processos que normalmente encontram nas comarcas de maior movimento e complexidade processual.
Foi este o esquema que se gizou para garantir que haja um certo desenrolar da carreira. Por outro lado, o objectivo essencial do sexénio faz-se sentir nas comarcas pequenas, nas quais naturalmente o juiz se vai sentir a pouco e pouco inserido, criando-lhe esse facto, como é óbvio, algumas dificuldades para o desenvolvimento da sua actividade. O que se pretende é que o juiz se sinta livre para poder ser inteiramente imparcial no julgamento das causas, criando-lhe essa inserção no meio maiores dificuldades, que naturalmente terá de vencer.
O instituto do sexénio foi criado justamente para prevenir essas situações mais difíceis, que se registam precisamente nas comarcas menores, mais pequenas, em que as comunidades têm uma dimensão mais redu-
Página 1247
20 DE DEZEMBRO DE 1984 1247
zida, podendo portanto as ligações ser mais íntimas.. Essa a razão por que, a nosso ver, é importante que a sua permanência não exceda um determinado prazo.
Quanto ao problema da classificação que pôs a propósito do Suficiente,
dir-lhe-ei que um Suficiente é um Suficiente. Não e nem Bom nem Medíocre. É isso mesmo que pretende dizer e, portanto, não tem obviamente nenhumas consequências no que respeita ao artigo 34.º É claro que, numa carreira que vai ser em parte desenvolvida em função do mérito, naturalmente que a pessoa que tenha essa classificação se vai situar, de um ponto de vista relativo, numa posição dê inferioridade em relação àqueles que têm Bom ou Muito bom. Aliás, se analisarmos as classificações dos nossos magistrados, verificará - e isso está porventura subjacente à sua pergunta - que o número de Suficientes é raro. Penso, no entanto, que não se deve dar uma inflação dos valores, devendo os Suficientes ser classificados como Suficientes. Isso não é nenhuma injúria nem nenhuma classificação desprimorosa. É todavia necessário que se seja minimamente rigoroso na apreciação das pessoas para que as classificações tenham algum significado.
O Sr. Deputado José Magalhães começou por fazer considerações dizendo que eu me encontrava de mal com a magistratura. Não penso que isso seja exacto, porque não estou de mal com a magistratura, em concreto. Só que existe, na verdade, uma divergência em matéria da contrapartida em relação às casas de função que os magistrados ocupam, que é conhecida e que consiste no seguinte: eu entendo que o Ministério precisa continuar a desenvolver a sua política de aquisição de casas, e tem-no feito - este ano compraram-se mais casas do que no ano passado e naquele mais do que no anterior. Não parece no entanto justo que em relação a vencimentos, que embora sendo modestos em termos absolutos (em Portugal, todos os vencimentos dos servidores do Estado são modestos) são razoáveis em termos relativos, as coisas se passem de outra maneira. Portanto, um juiz que aufere como vencimento 70, 80 ou 90 contos, consoante as categorias e contando já com os vencimentos emolumentares, não é justo que considere inadmissível pagar 2200, 2400, 3400 e 4200 escudos por casas de função mobiladas. Penso que neste capítulo há um problema de justiça distributiva que devemos manter e é isso que tenciono fazer.
Refere depois que estas normas não resolvem os problemas da crise de justiça e aponta vagamente, porque não concretiza, lacunas. Dir-lhe-ei que se trata de elementos para uma renovação das normas que regulam o poder judicial em Portugal. São um contributo, mas não resolverão só por si o problema, como aliás nenhuma lei só por si o poderia fazer, porque não é apenas com leis que as questões se resolvem. Foi isto que tentei dizer numa passagem da minha intervenção. Há, todavia, alguns pontos importantes que são desbloqueados. Cumpre, aliás, dar seguimento a um preceito constitucional que foi aqui invocado, tendo sido essa a principal razão da urgência da apresentação da proposta de lei em relação aos magistrados judiciais. Devo dizer-lhes que, de contrário, não teria sido apresentada senão em conjunto com os restantes diplomas legais. Mas já agora - e assim aproveito para responder a vários Srs. Deputados que puseram o problema - direi que não penso que a discussão isolada seja um problema que prejudique a profundidade desse debate.
Não prejudica porque, em primeiro lugar, a preocupação que houve foi, no fundo, de apresentar soluções que não funcionem em termos de pré-juizar sobre soluções que estão neste momento ainda em aberto e que estão a ser aprofundadas quanto à lei orgânica dos tribunais, quanto ao processo penal e quanto ao 'processo civil. Em última análise, os problemas básicos que se debatem e que não têm uma incidência no estatuto dos juízes são os problemas relacionados com o grau de competência, o âmbito de aplicação dos colectivos e dos juízes singulares e com a existência ou não de tribunais de grande instância. Esses dois aspectos são, sem dúvida, verdadeiramente importantes, mas não tem repercussão no que respeita ao estatuto dos magistrados.
Quanto ao Conselho Superior da Magistratura e ao sexénio, também produziu considerações negativas, mas não lhe descortinei qual foi o fundamento.
Quanto ao sexénio, já tive ocasião de explicar, a propósito da questão apresentada pelo Sr. Deputado Marques Mendes, quais são as razões da apresentação da proposta. Ela, aliás, corresponde a um sentir que foi veiculado por muitos juízes, por muitos magistrados e, inclusive, pela Associação dos Magistrados Portugueses, merecendo igualmente a concordância do Conselho Superior da Magistratura. Daí que não perceba bem porque há essa discordância por parte do PCP, pensando veicular uma corrente de pensamento no seio dos magistrados.
Quanto à segunda questão, relativa ao Conselho Superior da Magistratura, direi que não penso que tenha havido nenhuma...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro, creio que quanto ao sexénio há um equívoco. Ê que nós formulámos uma proposta ou objecção que o Sr. Ministro - certamente por lapso - não teve em conta, daí o imputar-nos uma coisa que está corripletamente fora do nosso espírito e do nosso pensamento, como, aliás, é óbvio.
A objecção que deduzi, se me permite, foi esta: diz-se que é urgente aprovar esta lei, porque é preciso abolir o sexénio. Quanto a isso estamos de acordo, pois nós próprios o propusemos. O que lhe pergunto é porque não se vai abolir o sexénio já, ainda que por lei avulsa, sendo certo que, como o Sr. Ministro sabe, estão pendentes, no Conselho Superior da Magistratura, movimentos que não terão resposta positiva pelo facto de hoje aqui fazermos uma votação.
Esta é que é a questão que nós colocámos, e isso ë que nos parece importante.
O Orador: - Tanto quanto sei em relação ao movimento, o de Dezembro já foi efectuado, deixando de remissa os problemas do sexénio, na medida em que não tem sentido estar a fazer uma aplicação quando se pensa que a lei vai ser discutida, e nesta matéria vai ser aprovada rapidamente.
Por outro lado, a abolição do sexénio isoladamente, retirando-a do contexto em que se encontra inserida na lei, não nos parece conveniente, designadamente
Página 1248
1248 I SÉRIE - NÚMERO 32
porque ela está intimamente articulada com a ideia do desdobramento das comarcas em comarcas de ingressos - primeiro acesso e acesso final,
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Ministro, só vai ser introduzida em Março de 1985!
O Orador: - Não, Sr. Deputado, vai ser introduzida quando for aprovado este diploma.
A Sr.ª Deputada Odete Santos apresentou algumas críticas no que respeita à questão da murosidade nos tribunais, à falta de juízes, à crise que existe na justiça e perguntou-me mesmo quantos juízes serão precisos para resolver o problema, quantos tribunais serão necessários, quando é que o tribunal de Sesimbra vai funcionar, etc.
Penso, Sr.ª Deputada, que não é isso exactamente que estamos aqui a debater, mas dir-lhe-ei que o problema da murosidade da justiça não se pôs, infelizmente, só a este Governo. É resultante de uma cumulação de atrasos sucessivos ao longo de 'anos, e, aliás, já se registava antes do 25 de Abril, como sabe. Neste momento, posso dizer-lhe que há uma recuperação que e pequena, infelizmente, mas que se espera venha a acentuar-se, pois as próprias estatísticas vêm-no evidenciando. Mas o problema da murosidade dos tribunais não poderá resolver-se exclusiva ou basicamente apenas com mais juízes.
Se nós cotejarmos o número de juízes que existiam em 1974, nos tribunais de 1.ª instância, com o número de juízes que existem agora, nos mesmos tribunais, verificamos que o número triplicou. Isto é, havia trezentos e tal juízes - poso depois dar os números exactos - em 1974 e hoje há cerca de 900.
Verifica-se que, apesar disso, a murosidade nos processos se mantém por um conjunto de razões que não são apenas derivadas do número de juízes, pois tem a ver com problemas de organização dos tribunais, problemas de processo - quer penal, quer civil -, e tem a ver com a própria questão da preparação dos juízes. É que não podemos esquecer que, anteriormente, os juízes já tinham uma experiência judicial elevada, visto que tinham feito a sua carreira no Ministério Público e hoje isso não acontece. Não é aceitável, nem é razoável exigir de um juiz que saia do Centro de Estudos Judiciários com o mesmo grau de preparação, experiência e rendimento de alguém que já está nos tribunais há um número bastante vasto de anos.
Tudo isto são fenómenos que, obviamente, pesam nesta matéria. Tem sido feito um esforço grande e penso que as reformas processuais que estão neste momento em fase adiantada de preparação, a reorganização dos tribunais e, naturalmente, o aumento do número de juízes, a informação também de certos processos judiciais, permitirá um prazo de tempo, que não será infelizmente curto, mas digamos, no horizonte temporal de 2 ou 3 anos, encontrar soluções satisfatórias. Contudo, esse é ainda um problema que por algum tempo nos vai afligir.
Devo, aliás, dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que se tem feito um esforço neste Governo - como nos anteriores, aliás - no sentido de dotar sobretudo a Grande Lisboa e o Grande Porto de um número maior de tribunais. Assim, como sabe, foram inaugurados tribunais de trabalho, designadamente onde a situação era complicada, e neste momento, por exemplo, no Porto, a perspectiva é francamente melhor. Foram também criados tribunais em Vila Nova de Gaia, em Valongo, em Maia, em Matosinhos, como aqui foram criados em Loures e em Vila Franca de Xira.
Quanto ao tribunal de Sesimbra, ele entrará em funcionamento no 1.º trimestre do próximo ano, segundo espero.
Em suma, tudo isso, apesar de ser muito e de ter um custo financeiro extremamente elevado, naturalmente que só se reflecte a pouco e pouco na situação verdadeiramente difícil que estamos a enfrentar nessa matéria.
Quanto ao problema que me põe a Sr.ª Deputada em matéria do papel do Ministério Público, a propósito da instrução criminal, digo-lhe que tem limitações constitucionais, como conhece, e ser-lhe-á oportunamente remetido o projecto do código de processo penal, onde verificará que algumas, suponho, das ideias que defende aparecem consignadas, embora provavelmente não todas.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes pôs-me o problema do acesso do Centro de Estudos Judiciários, pela circunstância de haver uma dispensa - e é apenas isso - no concurso de entrada em relação aos licenciados com 14 valores. Diz o Sr. Deputado que essa circunstância tem dado azo a protestos e injustiças.
Devo dizer-lhe, em primeiro lugar, que o curso no Centro de Estudos Judiciários tem vindo a corrigir alguns erros de apreciação inicial resultantes de se aceitarem as notas dadas pelas universidades como boas. Aliás, não só apenas aqueles que têm 14 valores, e não só às universidade que referiu. Mas a> verdade é que esse problema da discrepância das notas não é um problema do Ministério da justiça, não nos diz directamente respeito. Por outro lado, e este é um problema que pode pôr-se a outros níveis, como ao nível da própria licenciatura, quando a universidade tem legitimidade para conferir um grau de licenciado naturalmente que o Centro de Estudos Judiciários não vai indagar se lhe foi bem ou mal conferido. Era este o caminho a que levaria a lógica da sua argumentação; todavia, nós reputamos que o ponto não é suficientemente importante para gerar fricções como as que se têm verificado, nós encontramo-nos - como tive ocasião de dizer na conversa que a esse propósito tivemos na comissão - dispostos a revogar essa norma.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, no que respeita ao Conselho Superior da Magistratura e à ideia de que haja um conselho permanente, não pensamos que isso seja atraiçoar o espírito da Constituição, pelo contrário, é desenvolver, em termos eficazes, aquilo que é o autogoverno. Se, efectivamente, o Conselho Superior da Magistratura, com as importantíssimas atribuições que lhe são conferidas, com a competência que tem, não pode fazê-lo de uma forma eficaz, isso significaria, em última análise, a falência do sistema de autogoverno.
Tive oportunidade de recentemente fazer uma análise daquilo que se passa em matéria de autogoverno na Itália, na França, na Espanha e em Portugal, e verificar que são cometidas responsabilidades extremamente importantes, mais importantes que noutros países ao Conselho Superior da Magistratura. Contudo, é fundamental que ele esteja à altura de poder desempenhar cabalmente a sua missão, e este "estar à altura" não
Página 1249
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1249
resulta apenas da competência e da dedicação das pessoas - essa é inquestionável -, resulta também das estruturas organizatórias permitirem um alto rendimento do seu trabalho. Assim, o Conselho Permanente é uma forma, esperamos, de lhe dar essa possibilidade.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito referiu-se ao problema da morosidade na elaboração da lei. É verdade que as leis em Portugal são hoje elaboradas com maior morosidade do que o eram antes do 25 de Abril, e uma das razões, não a única, resulta da circunstância de no seu processo de elaboração haver uma audição muito mais pormenorizada em relação aos eventuais destinatários, daí que os prazos sejam muito mais prolongados, como sabe.
Por outro lado, houve igualmente necessidade de, para justamente não prejudicar opções que se pretendia virem a fazer-se na Lei Orgânica dos tribunais, no processo penal e no processo civil, fazer comparações e encarar o leque de opções que estariam abertas nesses diplomas. Ë por isso que eu há pouco tive oportunidade de dizer que esta discussão não prejudica, dentro dos parâmetros em que foi estabelecida e que parece razoável, porque é um problema de estatuto que estamos a discutir, as opções que venham a ser feitas em matéria de Lei Orgânica dos tribunais, nem em matéria de processo penal ou de processo civil.
Esta foi uma das razões, antes de chegarmos a essa conclusão e antes de conhecermos basicamente os desenvolvimentos no processo civil e no processo penal, que tornou conveniente e prudente não avançar com soluções que eventualmente pudessem prejudicar essas opções.
É claro que poder-se-ia dizer que é preferível então discutir tudo em conjunto, mas aí é a própria Constituição que nos aponta para a urgência de resolvermos a questão do Estatuto dos Magistrados com a possível urgência. Aliás, em última análise, diga-se de passagem que, de uma maneira puramente formal, não está dito nesse preceito da lei de revisão constitucional que coubesse ao Governo, exclusivamente, a apresentação da proposta de lei.
Passando agora a responder ao Sr. Deputado Hernâni Moutinho, tive ocasião de, a propósito das considerações que fiz quanto ao sexénio e agora a propósito do enquadramento sistemático destes dois diplomas com o projecto de lei orgânica dos tribunais, do processo penal e processo civil, de lhe dar a resposta que º me solicitou.
O Sr. Deputado Raul de Castro também falou em problemas relativos à nova fase da organização judicial e à apresentação isolada dos diplomas; sobre isso já lhe respondi.
À ideia de uma nova fase é uma ideia, ao contrário do que me pareceu depreender das suas palavras, de modéstia, no sentido de que isto é um processo cumulativo em que não se inova totalmente e não se faz tábua rasa daquilo que estava no passado.
Por outro lado, quando eu referi as dificuldades das circunstâncias presentes em matéria económica e financeira, referia-me às dificuldades globais do País. E isto porque os magistrados judiciais e do Ministério Público obviamente não podem ser vistos de uma maneira isolada e como se não vivessem na sociedade portuguesa, não vivessem em Portugal e não estivessem sujeitos às mesmas restrições económicas e financeiras que todos nós atravessamos. Isso seria, naturalmente, algo de errado e seria, inclusivamente, fazer-lhes uma injúria pensar assim. Por isso mesmo é que a dignificação, a meu ver, do Ministério Público e dos magistrados judiciais não passa, exclusiva ou prevalecentemente por uma questão de um pagamento pecuniário. Foi isso que pretendi, com a possível clareza, dizer na minha introdução. Muito pelo contrário, há coisas bem mais importantes e valores bem mais relevantes que, naturalmente, lhes cumpre acautelar e prosseguir, o que, aliás, fazem muito dignamente.
Por outro lado, quanto ao problema que referiu em matéria de habitação dos juízes, já tive oportunidade de, a propósito de uma outra resposta, dar um esclarecimento, e de resto terei muito prazer em fornecer à Câmara, e em particular ao Sr. Deputado, os números exactos, não só das habitações que neste momento são habitações/função como, por outra parte, das despesas que o Estado tem tido com a aquisição das habitações e do mobiliário, com as suas despesas de conservação e a relação que existe em termos percentuais entre aquilo que é a contrapartida que os magistrados pagam e aquilo que são os seus vencimentos.
Para finalizar, queria só acrescentar uma coisa que é importante. Ë que isto não se trata de uma inovação, trata-se de algo que estava previsto na legislação anterior, e nunca o Governo foi até ao limite da percentagem - que é, salvo erro, de 10 % do vencimento mais os emolumentos -,"ficou sempre bastante aquém. V. Ex.ª reparará que, para quem tenha um vencimento da ordem dos 94 ou 95 contos, pagar 4 contos e tal não é pagar 10 %.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Uso esta figura regimental, embora não seja propriamente um protesto o que quero fazer.
No entanto, quereria ainda reforçar algumas posições que V. Ex.ª aqui avançou nas respostas aos pedidos de esclarecimento que eu formulei.
A propósito das classificações, não ignoro que o Suficiente é um suficiente, só que me parece que esse Suficiente se é continuado, dado que as classificações têm também implicações, como se colhe do artigo 45.º, para efeitos de promoções, vai fazer com que o magistrado que tem essa classificação tenha extrema dificuldade em ser, digamos, colocado, transferido, etc. Tenho a impressão de que, talvez em sede de especialidade, este assunto pudesse ser devidamente ponderado.
Sr. Ministro, quanto ao problema do sexénio, do artigo 44.º, é que eu fico ainda um pouco na dúvida. V. Ex.º referiu - e era aquilo que eu talvez admitisse - que a obrigatoriedade, como já tinha aludido na sua intervenção inicial, se referia a uma obrigatoriedade no sentido de o juiz, o magistrado, não poder pedir a sua transferência antes dos prazos que V. Ex.ª referiu.
Claro que no n.º 1 do artigo 44.º se fala em transferência quando decorridos 2 anos ou 1 ano sobre a data da posse no cargo anterior, consoante a presente colocação tenha ou não sido a pedido do magistrado. Portanto, aqui admite uma transferência a pedido ou a não pedido.
Claro que eu estou a presumir que esta transferência só pode ser - dado o restante articulado - dentro da mesma categoria, comarca de ingresso ou lugar de in-
Página 1250
1250 I SÉRIE - NÚMERO 32
gresso, primeiro acesso ou acesso final, porque senão não terá grande sentido referir-se "pedido". Isto é o que me parece.
Claro que concordo e sempre defendi nesta Câmara, designadamente aquando da discussão da lei anterior e na sessão de 7 de Outubro, em nome da minha bancada - e estava bem acompanhado nesse aspecto - que 3 categorias de comarcas, pelas razões que tive ocasião de expor, seriam realmente uma vantagem para a própria justiça e para o magistrado.
Mas, Sr. Ministro, será bom que também não se criem, por vezes, condições bloqueadoras. V. Ex.ª referiu o aspecto de, às vezes, em determinadas comarcas, o juiz ter, lógica e humanamente, necessidade e anseio de procurar outra comarca com maior motivação, designadamente no exercício da sua função. Portanto, que se lhe não criem condições de o obrigar a estar, forçosamente, imensos anos numa comarca onde não se sente motivado, porque já se sente suficientemente preparado para alcançar outras comarcas. Era isto que me parecia ser de apreciar, e creio que V. Ex.ª estará disponível - a comissão especializada também estará - para, em sede de especialidade, se poder realmente fazer uma revisão, de forma que esta matéria possa ficar mais clara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Ministro da Justiça, nas respostas que deu, um tanto subtilmente - e talvez por isso tenha passado despercebido - fez a defesa do regime que anteriormente existia em relação às carreiras de magistrado do Ministério Público e de juiz. Depois afirmou que nessa altura os juízes estavam melhor preparados que os que saem agora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Recordo aqui que esta questão já foi debatida pelo governo anterior e que, então, o hoje ministro da Justiça afirmou claramente que a questão da independência das magistraturas era uma questão para continuar e que estava posto de parte voltar a qualquer outro sistema do passado.
Na verdade, pensamos que é necessário melhorar o funcionamento do CEJ e dar condições aos magistrados formadores para que possam exercer a sua actividade de formação em relação aos estagiários, mas pensamos que é inconcebível fazer-se uma defesa do retorno ao antigo sistema das magistraturas, porque são magistraturas bem definidas, com objectivos diferentes uma da outra, e os juízes que dantes saíam do Ministério Público vinham com uma perspectiva e uma visão do Ministério Público que é diferente da perspectiva do juiz.
A última parte do meu protesto foca o aspecto de V. Ex.ª não ter respondido à questão que coloquei quanto à fiscalização, por parte do Ministério Público, dos agentes policiais. V. Ex.ª seguramente não desconhece que a esse respeito instâncias internacionais, como a Assembleia Geral das Nações Unidas e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, já se pronunciaram no sentido de o Ministério Público ter poderes de inspecção e de fiscalização em relação aos agentes policiais no que toca ao exercício da investigação criminal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É só para referir 2 questões, Sr. Ministro, passando por cima dessa história bizarra da urgência do Governo - 15 meses após terminado o prazo constitucional para apresentação das leis que agora submete ao Plenário.
Uma das questões é sobre o que toca à informática. É claro que o Governo acena com a informatização dos tribunais sempre que nós falamos das insuficiências a todos os níveis - equipamentos, instalações, inexistência de tribunais, necessidade de revisão de códigos, adopção de medidas que levem a uma melhoria e a uma celeridade da justiça.
O Governo, quando falamos de lodaçal, aponta com essa coisa rósea e mirrífica que é a informatização de todos os percursos. Aqui fica uma pergunta, e apenas uma, porque muitas haveria a indagar: tem o Sr. Ministro, em sede de Orçamento do Estado, dinheiro para fazer qualquer espécie de informatização significativa dos tribunais, não apenas uma coisa de panaceia com aspectos exteriores e sem qualquer eficácia real interna?
Uma outra questão prende-se com o Conselho Superior do Ministério Público.
Gostaria de saber se o Sr. Ministro continua a defender a solução propugnada na proposta de lei orgânica que nos foi entregue, segundo a qual se reduzem ainda mais os membros electivos no Conselho Superior do Ministério Público. Enfim, já não se advoga hoje, generalizadamente, o regresso à situação posterior a 1976, mas, pelo menos, aquilo que ficou vigente a partir da Lei n.º 39/78, de 5 de Julho, que consagrava, embora com uma maioria, uma presença maior dos membros não eleitos sobre os membros eleitos.
Que significado terá isto se não, claramente, uma diminuição da componente democrática no topo do Conselho Superior do Ministério Público?
Que medidas pensa o Sr. Ministro adoptar relativamente a esta matéria? Manter o que está na sua proposta de lei, e que é mau, ou alterar, como há pouco anunciou que faria na questão relativa ao CEJ e que nós tivemos a oportunidade de, em parte, dizer que se trata, de facto, de um dos raros aspectos positivos da actuação do Governo nestes domínios?
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Eu disse "raros", mas devia ter dito "muitíssimo raros"!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): -Sr. Presidente, passam cerca de 15 minutos da hora regimental do intervalo ...
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a sessão começou às 16 horas.
A Oradora: - Mas, Sr. Presidente, ontem ficou acordado que haveria intervalo regimental e que os trabalhos seriam prolongados até às 21 horas...
O Sr. Presidente: - E vai haver intervalo, Sr.ª Deputada, é apenas para não interromper o ritmo dos protestos agora apresentados.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Ministro da justiça pode vir dizer à Câmara, solenemente - é
Página 1251
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1251
óbvio que tem direito de o fazer -, que o Ministério da Justiça actual tem uma explêndida relação com todas as magistraturas em todas as circunstâncias. Mas a verdade é que nos têm chegado, e muito lamentamos, informações, protestos e críticas veiculadas por quem de direito - e desde logo pelos próprios magistrados e suas associações representativas -, que vão no sentido contrário em relação a muitas questões, e questões muito concretas, as quais não serão, porventura, irrelevantes. E chegámos até a receber, o que já é mais grave, porque responsabiliza a própria Assembleia da República, um ofício do Conselho Superior da Magistratura dirigido ao Presidente da Assembleia da República, em que se diz, pura e simplesmente: "Tenho a honra de solicitar a V. Ex.ª que se digne transmitir que este Conselho, reunido em sessão plenária, tendo considerado a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 10 do corrente, condenou Portugal por violação do artigo 6.º da respectiva convenção (...)" - demora na administração da justiça - "(...) deliberou salientar junto da Assembleia da República a urgência que há na aprovação da reforma de jurisdição e processuais, elaboração que permite uma normalização do funcionamento das instituições judiciárias." Ê o próprio Conselho da Magistratura que suscita nestes termos a questão, e creio que com alguma, ou muita, razão, porque ninguém de boa fé poderá duvidar da profunda crise das instituições judiciárias em Portugal e ninguém ousará dizer que o Governo é lesto e célebre na adopção das providências necessárias e na sua apresentação à Assembleia da República. Mas, a Assembleia da República acaba por ser responsabilizada por isso, e isso é particularmente grave.
Por outro lado, é inegável que cresce o mal estar naqueles que são responsabilizados, também, nos tribunais por esta situação. E os magistrados dirigem-se-nos pedindo providências porque é a eles a quem os cidadãos se dirigem, em primeira análise, protestando pela situação que se vive, que é de real descalabro.
Isto, Sr. Ministro, para já não falar da situação prisional, que representa um gravíssimo entrave - pela explosão que ameaça rebentar de um dia para outro - à própria liberdade de judicatura dos magistrados, os quais pensam bem, antes das suas decisões, sobre as consequências de instalar no universo prisional, tormentoso, num cidadão condenado, nas circunstâncias em que o terá de ser presentemente.
Há, portanto, problema reais. E face a isto o Sr. Ministro vem-nos dizer: "Bom, está aqui esta proposta." Proposta, ou propostas, que governamentalizam o Ministério Público, o que é gravíssimo e ameaça a independência dos juízes, deixando irresolvidos os problemas, alguns de carácter material, com que aqueles se enfrentam.
E o Sr. Ministro é responsável por um despacho onde se manda cobrar, automaticamente, as próprias assinaturas do Boletim do Ministério da Justiça, o que é um gesto administrativo sem prendentes. Deduzir! Agora está na moda deduzir. Deduz-se dos salários dos magistrados... Isto não tem precedentes, mas é símbolo de uma atitude em relação à magistratura.
Mas o Sr. Ministro vem dizer-nos que estas propostas resolvem o que quer que seja. Estas propostas no que têm de novo não são boas e no que não têm de péssimo não são para já! Creio que isto é o pior que se poderia dizer da obra legislativa do Governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da rústica.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado Marques Mendes, quanto ao artigo 44.º, aquando da discussão na especialidade teremos ocasião de nos debruçarmos mais em pormenor sobre ele. Creio, pois, que a redacção de tal artigo é correcta, mas, se for caso para tal, ele poderá vir a ser modificado.
No que respeita ao problema dos suficientes na classificação dos magistrados, devo dizer que em Portugal se tem vindo a registar, em muitos sectores, uma inflação incerta nas qualificações, porventura uma fórmula encapotada do desenvolvimento de um corporativismo que queríamos ver banido.
Ora, o que penso em relação a tal matéria é que quem é "suficiente" não tem motivo para ser excluído da carreira terá que sofrer as consequências de ser "bom" e, portanto; ser preterido nas promoções. Creio, pois, que isto é claro!
Porém, não posso aceitar que nos dados estatísticos em relação ao universo haja "bons" e "muitos bons" e os "suficientes" sejam apenas dois ou três. Algo está errado nessa matéria, que creio tratar-se da perspectiva da inflação em matéria de classificações. Por isso, Sr. Deputado, as observações que V. Ex.ª fez são extremamente importantes porque suscitam um ponto muitíssimo relevante.
Quero agradecer à Sr. Deputada Odete Santos pelo facto de me ter qualificado de subtil na defesa de uma integração das magistraturas. Se a Sr. Deputada estivesse atenta àquilo que referi na introdução do meu discurso, verificaria que apenas sublinhei que se deve manter o paralelismo das magistraturas, embora continue a haver - tal como no passado - interligações, sobretudo nos órgãos superiores, a propósito do Supremo Tribunal de Justiça, o que creio dever
manter-se.
A Sr.ª Deputada também falou na necessidade de reformular o CEJ. Neste momento está em curso uma proposta de reformulação, mas penso que o Centro de Estudos Judiciários tem desempenhado um bom trabalho. Contudo, há sempre defeitos e a nossa insatisfação tem sempre motivos para se alimentar - é próprio da nossa natureza a imperfeição e o desejo de caminharmos e alcançarmos a perfeição.
Quanto ao problema que colocou em matéria de fiscalização do Ministério Público, creio que esta é a sede para se discutir tal questão em profundidade. No entanto, devo dizer que o Ministério Público tem poderes de fiscalização quanto à investigação criminal, mas não os tem quanto à Polícia Judiciária e à Guarda Nacional Republicana que, na realidade, não tem que os ter. Quanto àquilo que diz respeito à investigação criminal estão consignados, quer no Estatuto da Polícia Judiciária, quer nas leis do Processo - e não será diferente no novo Código do Processo Penal -, os poderes de fiscalização do Ministério Público.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes fez uma acusação em relação à informática e disse que eu aceno com a informática como uma panaceia para todos os males. Essa é uma acusação injusta e infundamentada.
Página 1252
1252 I SÉRIE - NÚMERO 32
O que referi na minha intervenção foi que creio que também devemos lançar mão da informática como um meio que está ao alcance das administrações modernas e da administração da justiça para resolver um determinado tipo de problemas. Há dificuldades de mentalidade, de ordem financeira, da própria aplicação do meio técnico, e isso tem sido sucessiva e devidamente sublinhado. Contudo, não devemos atrasar-nos nos esforços no sentido de utilizar este meio.
O Sr. Deputado deve saber que nos tribunais civis de Lisboa está a decorrer uma experiência piloto a fim de avaliar até onde é que é possível utilizar este meio. Também numa recente deslocação numa missão a França foram analisadas com muito pormenor as experiências extremamente promissoras - e não são apenas experiências, pois já se encontram em desenvolvimento e com bons resultados em vários tribunais franceses - de tratamentos de textos e de informatização de determinados aspectos da actividade judicial. No entanto, não é uma solução miraculosa, pois não permite resolver tudo, mas é apenas um contributo para a resolução de um problema complexo.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - E a questão das verbas?
O Orador: - No que diz respeito às verbas, devo dizer que até este momento estão reservadas algumas verbas do Cofre dos Tribunais para fazer face às despesas que este ano ainda não serão grandes porque não se podem comprar aparelhos enquanto não se souber bem o que é que se vai fazer e como.
Quanto à questão de reduzir o número de membros electivos do Conselho Superior do Ministério Público, devo dizer que mantenho integralmente a proposta apresentada e creio ser essa uma boa solução. O Ministério Público é uma estrutura que, como se sabe, é hierarquizada, não é uma estrutura para funcionar numa perspectiva basista. Portanto, creio que nesse capítulo não nos vamos entender.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - Também compreendo - e está de algum modo em conexão com o comentário do Sr. Deputado José Manuel Mendes - aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães diz acerca das relações entre a magistratura e o Ministério Público. Haverá certamente alguns magistrados que estão em desacordo comigo - aliás, isso é normal e aceitável -, também haverá magistrados que têm divergências políticas e que, de algum modo, são coincidentes com o PCP ou vice-versa. Porém, isso faz parte da vida e o que é bom é que nos entendamos quanto ao seu exacto significado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Serão os juízes aposentados do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Deputado?
O Orador: - Não, Sr. Deputado, os juízes não são aposentados.
Quanto aos juízes aposentados do Supremo Tribunal de Justiça, creio ser extremamente importante que em sentido amplo a Administração Pública seja justa em relação àqueles que serviram condignamente o Estado. No entanto, há pontos sobre os quais teremos que meditar. Um deles é este: há determinadas vantagens ou regalias que se justificam ou que foram solicitadas e dadas em atenção à função concreta que as pessoas exercem, como é o exemplo dos passes para deslocação. Se as funções já não são exercidas põe-se o problema de saber se essas regalias podem ser mantidas e, sobretudo, se essas soluções são generalizadas a todos os servidores do Estado. Se elas forem compatíveis do ponto de vista financeiro, tal facto compreende-se. Porém, se o não forem terá de se encontrar uma justificação séria - para além da simpatia que me merecem os jubilados e que, naturalmente, são credores dela - para se perceber por que é que se dá a uns e não se pode dar a outros.
Esse é o problema que temos que enfrentar e discutir seriamente - é um problema desagradável, mas que existe.
O Sr. Deputado José Magalhães referiu-se a um ofício do Conselho Superior da Magistratura, que fazia referência a decisões do Tribunal de Estrasburgo em matéria de atrasos na justiça.
Mais uma vez gostaria de referir que o problema dos atrasos na justiça é falso, demagógico e até talvez seja politicamente rentável para um público desatento imputar a este Governo ou a esta magistratura a culpa por esses atrasos. No entanto, devo dizer que esses atrasos resultam de vários factores, alguns dos quais decorreram, inclusivamente, da situação de se ter tido uma revolução no 25 de Abril que gera consequências em matéria de conflitualidade social que são inevitáveis e que se registam por todo o lado.
Os casos em que Portugal foi condenado foram de 10 e 12 anos; não são casos que tivessem nascido com este Governo ou, inclusivamente, com o 25 de Abril. São, pois, casos que se protelaram. Devo dizer que num deles até há responsabilidades por incúria de um magistrado.
Na verdade, este é um problema complexo, mas será bom que não se faça uma política demagógica quanto a essa matéria, pois isso não ajudará a resolver o problema.
A ideia muitas vezes aqui explicitada, também de uma forma demagógica e infundamentada quanto à governamentalização, é inteiramente infundada e carece de qualquer razão de ser no que diz respeito aos magistrados judiciais. Como os Srs. Deputados sabem, em relação aos tribunais administrativos e fiscais deu-se já com este Governo um passo extremamente importante, em que este abriu mão de um certo conjunto de competências que ainda tinha para consignar a autonomia da magistratura nesse capítulo.
No que se refere ao Ministério Público, há que não confundir duas coisas: a autonomia própria do Ministério Público com uma situação de uma magistratura hierarquizada e que, necessariamente, tem que estar articulada com o Executivo. Confundir isto é gerar uma situação que não serve ao Ministério Público, não serve ao Governo nem ao País.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Isso levado às últimas consequências, onde é que vai parar a autonomia do Ministério Público?
Página 1253
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1253
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao intervalo regimental. Está suspensa a sessão.
Eram 18 horas.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, vamos aguardar alguns minutos para que os Srs. Deputados do CDS possam comparecer na respectiva bancada.
Pausa.
O Sr. José Magalhães (PCP): Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª sabe, o meu grupo parlamentar referiu que dificilmente estariam reunidas as condições necessárias para que este debate decorresse bem depois de ter sido agendado da forma que foi.
No entanto, uma vez que foi agendado, cremos que ele deverá ser completado e que deverão ser tomadas medidas para que todos os grupos parlamentares se encontrem presentes nas respectivas bancadas, a fim de prosseguirmos os nossos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Aliás, verifico que o Sr. Deputado Nogueira de Brito já se encontra presente no hemiciclo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Nogueira de Brito: Nos termos do n.º 1 do artigo 240.º da Lei Constitucional n.º 1/82, foi cometida à Assembleia da República, além do mais, a revisão da legislação respeitante ao Conselho Superior da Magistratura e ao estatuto dos juízes dos tribunais judiciais, num prazo que, de há muito, se encontra ultrapassado.
Se o lembramos, é apenas para anotar a urgência de que se reveste a apreciação da proposta de lei n.º 76/III. O facto de nem sempre serem cumpridos nos tribunais - aliás, atulhados de processos- os prazos judiciais, não legitima os nossos atrasos, antes nos concita a rejeitar doutrina que já vimos por aí sustentada e segundo a qual os prazos políticos podem ser lidos com lentes de aumentar ...
Naturalmente que pode e talvez deva colocar-se a questão de saber se é curial legislar em matéria de estatuto dos magistrados judiciais sem que se tenham presentes ao menos as grandes linhas de orientação em matéria de organização judiciária. Embora o estatuto dos juízes possa ser formulado autonomamente, até porque nele se hão-de desenvolver, obrigatoriamente, os comandos constitucionais que lhe respeitam, a verdade é que havendo, como há, em muitos aspectos da actividade dos juízes, uma certa interdependência com a organização dos tribunais, são visíveis os riscos de legislar, nas presentes circunstâncias, apenas em relação àquele estatuto.
Apesar desses riscos serem evidentes, aceitamos que será preferível corrê-los, do que adiar por mais tempo a elaboração de um novo estatuto dos magistrados judiciais.
Reclama-se a proposta apresentada, antes e além do mais, do facto de inserir os novos princípios introduzidos pela lei de revisão da Constituição, como sejam os que estabelecem o concurso curricular no acesso às Relações e ao Supremo Tribunal de Justiça e os que se referem à composição do Conselho Superior da Magistratura.
Julgamos que a aplicação daqueles princípios constitucionais tem pleníssima razão de ser.
A prevalência do mérito sobre a antiguidade como critério de acesso dos juízes aos tribunais de 2.ª instância e ao Supremo Tribunal de Justiça só pelos
insuficientes ou pelos acomodados a um trabalho de rotina poderia ser temida ou criticada.
Sempre atendemos que a antiguidade, se dá experiência, não permite que confundamos esta com a competência. Postergar a competência como critério de valorização pessoal equivaleria a esquecermo-nos da transcendente missão que o poder judicial é chamado a desempenhar em cada hora de tornar efectivo o direito, missão essa em relação à qual se deve ser tanto mais exigente quanto mais alta for a instância em que o poder de julgar é exercido.
Não têm os juízes que temer a apreciação que lhes cabe fazer sobre os seus pares, nem que preferir o refúgio no cómodo critério de os promover em função da simples antiguidade, já que é próprio da sua função nunca denegar a justiça.
E a justiça, no caso concreto, só a haverá quando feita na base da apreciação do mérito de cada concorrente aos tribunais superiores: em atenção à pessoa de cada concorrente, para prestígio do poder judicial e como garantia, em suma, de uma magistratura renovada que poderá não ser tão vetusta mas será, com certeza, mais competente.
Também como decorrência do texto constitucional revisto estabelece-se uma nova composição do Conselho Superior da Magistratura.
Quanto à forma dessa composição, só foi deixada ao legislador ordinário a liberdade de inclusão, no corpo daquele Conselho, de funcionários de justiça eleitos pelos seus pares, mas a sua competência pode ser objecto de uma mais lata fixação e parece-nos saudável que tenham sido alargados os poderes do mesmo Conselho, através de normativos consagradores de formas de desconcentração orgânica e de reapetrechamento de serviços, que lhe permitirão uma actuação de maior prestígio e eficácia.
Se as alterações a que nos vimos referindo em relação à legislação vigente resultam de imposições constitucionais, já as demais alterações se proporão, ao que nos parece numa leitura na generalidade, com um tríplice objectivo: dignificação da magistratura judicial, resposta a exigências institucionais aconse-
Página 1254
1254 I SÉRIE - NÚMERO 32
lháveis pela experiência adquirida nos últimos anos e, finalmente, satisfação de umas tantas reivindicações de classe.
Se esses objectivos foram ou não alcançados ou sempre alcançados, são questões que esta Assembleia terá de sopesar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, inscrevem-se na Constituição diversas garantias ao exercício da função dos magistrados judiciais. E, assim, os juízes são independentes, no sentido de que julgam apenas segundo a Constituição e a lei: são inamovíveis, e daí que não possam ser transferidos, suspensos, promovidos, aposentados ou demitidos senão nos casos e termos previstos no estatuto que lhes é próprio e, finalmente, são irresponsáveis pelas suas decisões, apenas podendo ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar nos casos especialmente previstos na lei.
Nesta matéria da responsabilidade dos juízes é introduzida uma importante alteração à lei vigente, alteração essa nem sequer prevista na proposta de lei que chegou a ser formulada e ainda a dar entrada nesta Assembleia por apresentação do último governo da AD.
De facto, preconiza-se que a responsabilidade civil dos juízes apenas possa efectivar-se mediante acção de regresso do Estado quando em face de um procedimento com doto.
E nós julgamos que bem. Um juiz não pode, na sua actuação diária, ver acrescido à sua habitual sobrecarga de trabalho e ao desgaste físico, psíquico e psicológico a que a missão de julgar o sujeita o peso do receio de, por mera e desculpável negligência, vir a responder civilmente por erros e danos involuntariamente cometidos.
O juiz não pode deixar de ser tratado como o suporte institucional de um dos poderes mais importantes do Estado, como seja o de livre e irresponsavelmente julgar os seus concidadãos, com a lógica correspondência de ao Estado caber a responsabilidade dos actos involuntariamente lesivos de outrem, cometidos por parte de quem tão alto o serve.
Mas outra alteração que logo sobressai a uma primeira leitura da proposta é a introdução das figuras da inadequação ou inadaptação ao cargo, como possíveis de determinar, por parte do Conselho Superior da Magistratura, procedimentos disciplinares de diversa natureza em relação a um juiz sujeito a processo de inspecção e no qual tenham sido apurados factos dos quais resultem a conclusão de que se encontra numa ou em ambas daquelas situações.
Mas o que virá a ser a inadequação ou inadaptação ao cargo?
À míngua de explicitação dos respectivos conceitos e do carácter dúbio, incerto e até contraditório das consequências que a sua aplicação pode acarretar, julgamos menos próprio que se legisle em termos genéricos, por aquela forma, para dar cobertura a um qualquer caso isolado que a mens legislatoris tenha menos sadiamente concebido.
Um outro instituto que também nos parece carecido de ser melhorado é o da jubilação dos magistrados judiciais que se aposentem por motivo de natureza não disciplinar.
Jubilar um juiz não pode confinar-se a permitir-se-lhe a assistência em cerimónias oficiais envergando o seu trajo profissional. Ou se lhe dá um conteúdo compatível com o respeito que é devido à alta função desempenhada ou então patente ficaria que o Estado só tem consideração por quem tão altamente o serve, enquanto o serve. A nós isso repugna-nos e não deixaremos de, no momento próprio, subscrever propostas que dêem real conteúdo à situação de jubilado de um magistrado judicial que tenha administrado a justiça por um tempo tido por conveniente para a referida jubilação.
Vozes da ASDI: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reformular o Estatuto dos Magistrados sem uma devida ponderação dos direitos de natureza social que lhes devem ser especialmente reconhecidos, como o da habitação e os de natureza económica, como o da sua justa remuneração profissional, constituiria gravíssima desatenção por parte desta Assembleia.
Apesar da situação de crise financeira e económica de todos bem conhecida, não pode alhear-se o Estado da circunstância de aos juízes ser exigida uma doação total e exclusiva da sua vida à função que escolheram exercer.
A uma tal exigência soma-se a natureza de uma função que é simultaneamente árdua e de máxima relevância social, moral, humana e cultural. Sem cair no exagero de Calamandrei, que dizia "depois de Deus, os juízes", consideramos a função dos juízes a um nível dos mais importantes de um ponto de vista do Estado de direito democrático.
Só é possível aferir da justiça de uma lei a partir da sua aplicação na prática e essa tarefa cabe, afinal, aos juízes.
Do pouco que fica dito e da consideração de que não pode exigir-se de um juiz que seja independente se lhe não forem criadas as condições económicas para que verdadeiramente o seja, deduzimos do nosso ponto de vista que é preciso remunerar a magistratura judicial em termos convenientes.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Para nós é secundária a questão por vezes suscitada de que um tal problema devesse ter sede própria em lei que trate de idêntica matéria em relação aos titulares dos demais órgãos de soberania.
Importam-nos mais os princípios e tratamento que em substância seja dado ao problema do que a forma de que se revista.
Uma vez aceites os princípios, singela e sucintamente enunciados, estaremos então aptos a passar a números, a solução a adoptar em concreto e que, em sede de especialidade, não será difícil de encontrar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Destacamos, da proposta de lei n.º 76/III, apenas alguns pontos de entre muitos outros que, naturalmente, merecem ser aprofundados. A verdade, porém, é que não faltará ocasião, no processo legislativo em curso, para melhor reflectir sobre as soluções que nos são propostas. Ao Governo não deve ser negado, contudo, o mérito
Página 1255
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1255
de se ter esforçado por ter apresentado uma proposta a que, na generalidade, iremos dar o nosso apoio e o nosso voto favorável.
Aplausos da ASDI e do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, os Srs. Deputados Lino Lima, José Manuel Mendes e Nogueira de Brito.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, V. Ex.ª referiu-se a este artigo 34.º, sobre o problema da inadequação ou inadaptação à função e penso que, na realidade, ele merece que esta Câmara atente com muito cuidado numa disposição deste género.
Aliás, esta disposição fez-me até lembrar um facto passado na minha vida e que lhes refiro num instante: um dia, um juiz que julgava numa comarca próxima daquela em que eu exercia a minha profissão, viu-se sujeito a um inquérito porque andava muito com senhoras e havia uma senhora loura que o ia esperar muitas vezes ao átrio do tribunal. Esse juiz apresentou-me como testemunha de defesa e eu fui ouvido por um senhor desembargador, que era o inquiridor, e que tinha um ar assim - desculpem-me a expressão, que não é ofensiva - muito "misseiro" que me pôs o problema: Respondi-lhe: Oh! Sr. Desembargador, com franqueza! Se o Sr. Juiz, que é um homem novo e viúvo (risos) andasse com homens e viesse um louro esperá-lo aqui ao átrio do tribunal é que me parecia que, porventura, o Conselho se devia importar e vir inquirir. Mas, tratando-se de um homem novo, viúvo, que anda com senhoras, o que é que os senhores têm a ver com isso?!
Quer-me parecer que ainda hoje toda a gente estará de acordo comigo e que, na realidade, o que se passava com aquele juiz era o normal. Apesar disso, o juiz foi transferido de comarca por causa da loura.
Ora, é para coisas destas que se está a prever o artigo 34.º? É para impedir que os juízes novos e viúvos andem com louras (risos) ou é para coisas muito piores?! O que é que está por detrás disto?
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Uma morena!
O Orador: - Quem é que se lembrou de uma disposição destas e para que efeito? Quem se lembrou de que uma disposição destas tinha, na realidade, alguma coisa no pensamento que não verteu para aqui. Gostaria que o Sr. Deputado, com a sua experiência, comentasse um pouco mais esta disposição e me dissesse se não pensa que é muito esquisito que alguém tenha pensado numa disposição destas e, mais esquisito ainda, que a tenha vertido para esta proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, pretende responder já ou só no final?
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mandes(PCP): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, umas breves questões depois de ouvir a sua intervenção.
Começo por lhe perguntar se entende que esta revisão fragmentária e desintegrada das leis da organização judiciária, tal como está a ser feita, pode conduzir a alguns resultados positivos, uma vez que se inconsidera um conjunto de elementos que não poderá deixar de ter por essenciais, como tudo o que se conexiona com a própria situação judiciária, a situação dos tribunais e uma série de elementos que temos tido oportunidade de referir ao longo deste debate.
Outro problema prende-se com uma afirmação sua, segundo a qual havia lugar, na presente proposta de lei, ao cumprimento do estabelecido na revisão constitucional em quanto concerne a esta matéria, designadamente, no que toca à prevalência do critério do mérito sobre o da antiguidade.
Ora, uma vez que efectivamente não há nenhum concurso curricular - até porque não há a apreciação por um júri do currículo dos diversos candidatos, que, nomeadamente, deveria apreciar os estudos e trabalhos científicos de cada um dos magistrados -, pergunto se se pode falar de prevalência do critério de mérito ou se, pelo contrário, não estamos apenas perante uma seriação de juízes feita em função de classificação - que é outra coisa - e da antiguidade?
A terceira questão que gostaria de suscitar prende-se com a aprovação na generalidade da presente proposta de lei e com o problema candente do sexénio.
Entende o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho que, tal como as coisas neste momento se vão ensejando, podemos conceber que estamos diante das melhores soluções?
Não lhe parece que poderíamos, por exemplo, aprovar, desde já, a abolição de regra do sexénio, uma vez que sobre ela se gerou uma unanimidade prática sem prejuízo da aprovação na generalidade da proposta de lei - com o nosso voto contra, é bom dizer desde já -, a fim de podermos ulteriormente aperfeiçoar e, detidamente, analisar questões que são de extrema delicadeza e que já puderam ser sinalizadas por camaradas meus noutros momentos e por mim próprio em intervenções anteriores?
O Sr. Presidente: - Para um rápido pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª classificou o meu pedido de esclarecimento de rápido e, realmente, vou dar-lhe razão.
Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, agradeço muito a sua referência e quero
dizer-lhe que ouço sempre com muito gosto e muito proveito as suas intervenções nesta Câmara. Que não fosse por mais, viria a correr só para o ouvir.
Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, V. Ex.ª fez algumas críticas ao instituto da jubilação - chamar-lhe-ei assim - e prometeu-nos para a discussão na especialidade algumas achegas mais que, para além da possibilidade da assistência dos juízes devidamente torgados a actos públicos, dessem conteúdo a este instituto.
No entanto, suponho que seria útil, mesmo em sede de discussão na generalidade, que V. Ex.ª avan-
Página 1256
1256 I SÉRIE - NÚMERO 32
casse alguma coisa sobre o assunto. Se concorda comigo, agradecia que o fizesse.
Por outro lado, suponho que não falou sobre a classificação das comarcas, que se opera, por esta via em comarcas de ingresso, primeiro acesso e acesso final.
Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, achava útil que se detivesse um bocado sobre este assunto - se entendesse conveniente- e nos expusesse a sua ideia sobre se a forma como ele aparece regulamentado neste diploma terá, realmente, os efeitos pretendidos, isto é, sem reflexo efectivo no estatuto propriamente dito e, designadamente, no estatuto remuneratório, será que este regresso à classificação das comarcas, embora por uma via um pouco sinuosa, terá, realmente, os efeitos que seriam os desejáveis em matéria de melhoria da administração da justiça, que suponho que não será, propriamente, o benefício que se pretende para o próprio Estatuto dos Magistrados.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Começando por responder ao Sr. Deputado Lino Lima, que apelou para que eu falasse da minha experiência profissional - que não é tão longa como a sua, mas já lá vão três dezenas de anos a lidar com as questões do foro e, portanto, a lidar com os problemas a que, neste momento, estamos atentos - direi que, neste tempo todo, não tenho nenhuma história para lhe contar.
Registo a sua história e pelo facto de o Sr. Deputado ter uma história e de eu não ter nenhuma, interrogo-me sobre a necessidade de se introduzir, de facto, um instituto desta natureza nesta lei, porque acho que será muito "coxo" estar a legislar nesta matéria desta forma e na base de uma qualquer história, de uma qualquer loura, como o Sr. Deputado acabou de nos narrar.
É possível que haja outras histórias mas eu faria a seguinte pergunta: será que isso e justificação suficiente para introduzir no Estatuto dos Magistrados Judiciais a figura da inadequação ao cargo, nomeadamente nos termos em que é feito, sem se precisarem os conceitos, sem sabermos qual é o alcance destas expressões e, mais grave ainda, podendo essa norma vir a ter aplicação em casos diversos daqueles que, porventura, foram as histórias conhecidas ou imaginadas pela mente do proponente?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a resposta que se me oferece à sua questão.
Em relação ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, que se sente preocupado com a interdependência desta proposta de lei e com outras matérias que serão objecto de lei a fazer, devo dizer que discordo um pouco do Sr. Deputado, pois, embora reconheça a existência de alguns casos de interdependência, por si só, isso não me parece suficiente para não atentarmos na circunstância de que esta proposta de lei está atrasada no tempo para que se transforme em lei e, de facto, prefiro que tenhamos esta lei, ainda que correndo os riscos que sei que se correm, do que estarmos mais tempo à espera - não sabemos quanto - para que possa ser feita uma discussão desta matéria em conjunto com outras leis. que também importa discutir e aprovar.
Relativamente à questão que me colocou do sexénio, digo-lhe, Sr. Deputado, sem ironia, o seguinte: se aquilo que o Partido Comunista Português pensa acerca do sexénio é que é urgente e indispensável que saia de imediato uma lei sobre esta matéria, estando esta proposta de lei aqui há uns meses e sendo ela do conhecimento do Partido Comunista - e faço-lhes a justiça de que estão permanentemente informados -, pergunto-lhe porque é que ainda não avançaram com uma iniciativa legislativa dessa natureza.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Fizemo-lo!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Fizemo-lo na anterior legislatura!
O Orador: - Mas ainda a esse respeito penso que os receios patenteados são facilmente ultrapassáveis e julgo saber que o Conselho Superior da Magistratura não tem tido em conta o que na lei vigente se inclui acerca desta matéria e está a proceder na expectativa de um preceito, preceito esse que o Conselho Superior da Magistratura tem fortes razões para pensar que obterá um assentimento unânime desta Câmara.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é isso!
O Orador: - Esta é a resposta que tenho para lhe dar e é a informação que me chegou ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Errada!
O Orador: - ... sobre a actuação do Conselho Superior da Magistratura. Não posso dar garantias de que isto é assim, mas é a informação que me chegou.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Errada!
O Orador: - Relativamente a uma outra questão que me colocou, quanto à prevalência do critério do mérito e, portanto, da apreciação curricular do juiz devo dizer que, naturalmente, isso decorre da Constituição e consta também da proposta. Pode insatisfazer o Sr. Deputado a forma como a apreciação curricular do juiz vem regulamentada na proposta, mas, Sr. Deputado, essa é uma questão muito fácil de resolver: é encontrarmos, em sede de especialidade, a melhor maneira de dar o desenvolvimento necessário àquilo que, em sede de revisão da Constituição, os constituintes - ou esta Assembleia - entenderam acerca desta matéria.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, respondendo ao seu convite para apontar algum conteúdo ao instituto da jubilação, direi que não o fiz propositadamente porque, sabendo o Sr. Deputado - aliás como suponho que o sabem os deputados de todas as bancadas - que se trata de uma pretensão que nos foi exposta pelos interessados tratando-se de uma pretensão que, segundo me consta, foi em geral reconhecida como justa, não queria tomar a atitude de aparecer isoladamente a propor fosse o que fosse nessa matéria. Queria ser, pelo menos, suficientemente elegante para
Página 1257
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1257
pedir aos colegas das outras bancadas, que foram solicitados para o mesmo efeito, para, em conjunto, se apresentar a expressão da reivindicação de alguns juízes que estão já nessa situação de poderem beneficiar do instituto de juízes jubilados. Mas sempre adiantarei dois pontos e fá-lo-ei em virtude de uma referencia feita aqui, acerca de um deles, pelo Sr. Ministro da Justiça.
Referiu-se o Sr. Ministro da Justiça, muito ao de leve, ao assunto e disse que não lhe parecia razoável que os juízes jubilados pudessem continuar a usar do direito ao passe gratuito na medida em que isso correspondia a uma preocupação de justiça relativa. Isto é, foi dito pelo Sr. Ministro da Justiça que se os outros funcionários gozassem de igual direito, quando o Estado tivesse condições de o satisfazer, não repugnaria ao Sr. Ministro a solução de lhes reconhecer esse direito.
Em todo o caso, gostaria de dizer que não me parece tratar-se de uma injustiça relativa em relação aos funcionários dos outros quadros porque não me consta que, por exemplo, os notários ou os conservadores do Registo Civil tenham o direito ao passe. O que acontece é que os juízes no activo gozam desse direito. Então, porque é que hão-de passar para uma situação de perda desse direito só porque atingiram o limite de idade ou se aposentaram nas condições previstas na lei? Portanto, os termos de comparação para esta situação não devem ser, no meu ponto de vista, outros funcionários mas, sim, os juízes no activo.
Outro ponto que gostava de abordar vem a propósito dos encargos para o Estado decorrentes do reconhecimento de certos direitos. Pergunto, por exemplo, se resultava algum encargo para o Estado do facto de os juízes jubilados poderem continuar a ter direito de uso e porte de arma.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Claro que isto não constitui qualquer encargo para o Estado! Está, portanto, afastada aquela consideração de ordem financeira que nos foi apresentada pelo Sr. Ministro da justiça.
E isto de um juiz passar a sua vida gozando desse direito e quando chega aos 70 anos deixar de se ter confiança nele e dizer-lhe: "agora, dá cá a arma, deixaste de ter direito ao uso e porte de arma", não é dignificar quem mereceu ao longo de toda uma vida a consideração que é devida aos juízes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, na medida em que esgotei o tempo de que dispunha, termino lamentando não responder à outra pergunta, que fica para a discussão na especialidade. De qualquer modo, devo dizer que, em parte, estou de acordo com V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - Para protestar relativamente a algumas das declarações do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino de Lima (PCP): - Sr. Deputado, duas notas muito rápidas.
A primeira para dizer que mal me ficaria, como membro do Conselho e depois de o Sr. Deputado sugerir que o Conselho não estava a respeitar a lei, esperando que a nova entrasse em vigor, não lhe dizer que não é isso que se passa. Na realidade, o que se passa é que o Conselho não se tem movimentado - e não o tem feito como ofensa à lei do sexénio -, o que tem é bloqueado movimentos por causa dessa situação.
Desculpem fazer esta invocação mas todos compreenderão que mal parecia não dar esta explicação.
Relativamente à questão do sexénio, lembro ao Sr. Deputado que, na anterior legislatura, apresentámos um projecto de lei no sentido de o sexénio ser abolido e já nesta legislatura várias vezes, em reunião de líderes, nos temos mostrado receptivos à ideia de apresentarmos uma proposta de lei nesse sentido. Simplesmente, o que não temos é encontrado disponibilidade por parte dos outros grupos parlamentares. Portanto, não adiantámos mais nada. Não digo isto para embandeirarmos em arco mas para dar uma resposta ao que o Sr. Deputado acabou de dizer.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Quero agradecer a informação que acaba de me ser dada pelo Sr. Deputado Lino Lima, mas quero também fazer-lhe uma observação. Não ignorava que, na anterior legislatura, o PCP tinha apresentado um projecto de lei sobre a matéria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Apresentámos!
O Orador: - Mas na anterior legislatura, não nesta. O projecto de lei não foi reposto!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas foi proposto agora!
O Sr. João Amaral (PCP): - Podemos apresentá-lo amanhã, se for necessário!
O Orador: - Não me consta que, no projecto inicial, o PCP tivesse solicitado fosse o que fosse aos restantes grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, penso que aquilo que o meu camarada Lino Lima disse sobre a matéria dispensa reforço; agora, aquilo que o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho afirmou exige uma precisão. E devo dá-la à Câmara, uma vez que tive, juntamente com outros camaradas meus, intervenção directa nessa matéria.
Quando se verificou, em primeiro lugar, que a proposta governamental não poderia ser aprovada em tempo de ser votada na especialidade, promulgada e publicada e, em segundo lugar, que o Conselho Superior da Magistratura, como aqui foi dito, estava bloqueando movimentos - dado que está vinculado,
Página 1258
1258 I SÉRIE -NÚMERO 32
como não podia deixar de ser, pela lei em vigor quanto ao sexénio-, levámos .a questão a uma conferência de líderes (aliás, o Governo foi confrontado diversas vezes com esta questão) e aventámos a hipótese de a Assembleia da República, sem prejuízo desta discussão e desta votação que estão a ter lugar, aprovar um projecto de lei, eventualmente subscrito por diversos grupos parlamentares.
Não queríamos reivindicar o mérito de sermos nós a apresentar um projecto de lei -que teria sido fácil- ou que poderíamos até fazer agora aqui. £ não nos reivindicámos desse mérito tal como a ASDI também não se reivindicou de aprovar as reivindicações dos juizes jubilados. Ê uma questão de ética e de porte e não o fizemos.
Alertámos várias vezes as diversas bancadas nesse sentido, inclusive a sua. Não tivemos grande acolhimento para esta ideia, nem da parte do Governo, nem da parte de nenhuma bancada. Nesse sentido, manifestámos ainda há pouco ao Sr. Ministro da Justiça, outra vez, a nossa preocupação e ouvimos, da sua boca, que também não está grandemente preocupado com isso. Portanto, o Sr. Ministro acha normalíssimo que o Conselho Superior de Magistratura vá bloqueando movimentos à espera que a Assembleia da República aprove na especialidade e em votação final global e seja promulgada e publicada esta lei que vem abolir o sexénio, entre outras alterações. É uma tomada de posição. Cada qual assume as suas responsabilidades. As nossas são assumidas nestes termos, mas só nestes termos.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sra. Odete Santos (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Passados que vão cerca de 7 anos sobre a entrada em vigor das leis de reorganização judiciária aprovadas nesta Assembleia, devia ser este o momento de fazer uma reflexão em torno do tema justiça e dá sua representação social. Essa reflexão não poderá, no entanto, ser feita nas melhores condições num debate apressado que, trazendo atrás de si um considerável atraso no tempo, nem por isso adquiriu profundidade, como bem se denota nas propostas em discussão e na fundamentação sumária que delas fez o Sr. Ministro da Justiça.
Os magistrados são protagonistas e acabam por ser responsabilizados pela profunda crise da justiça.
Para os cidadãos, a imagem da justiça é mais a da espada que a da balança -mais a lentidão que a eficácia- mais a obscuridade que a transparência. A injustiça vê-se a olho nu, a justiça tarda e falta. Os cidadãos queixam-se com razão e os magistrados também. Um recente seminário realizado em Lisboa veio corroborar isto mesmo com base num interessante estudo prospectivo.
E o que de mais interessante há nesse estudo é talvez a associação de ideias feita pêlos próprios magistrados judiciais em resposta à palavra «justiça».
Fará, na verdade, pensar que algumas das palavras mais relembradas na altura foram frustração, esforço, dificuldade.
E que, em relação aos profissionais de justiça inquiridos; seja claramente negativa a imagem que têm do aparelho jurídico, como se diz a fl. 50 do citado estudo.
Porque a verdade é que se a posição crítica aparece isso resulta da renovação na magistratura tornada possível pelo 25 de Abril, que, de resto, veio ao encontro de aspirações profundas de uma independência finalmente conquistada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
A Oradora: - Renovação que, se é bem patente na nova dimensão do magistrado, que a lei agora situa no seu tempo e no espaço em que decide, administrando a justiça em nome do povo, não pode fazer esquecer o peso dos novos magistrados, ascendendo agora à função em idades ainda jovens, mercê da separação das magistraturas, e beneficianda da preparação do Centro de Estudos Judiciários.
Não houve, no entanto, resposta a esta renovação e ao desafio da nova magistratura.
A máquina judicial continuou a ser uma estrutura pesada.
A ruptura dos tribunais é bem presente.
O Sr. José Magalhães (PCP): --Sem dúvida. Muito bem!
A Oradora: - Como foi revelado há pouco tempo pelo director-geral dos Serviços Judiciários, o número de processos entrados nos tribunais passou, entre 1973 e 1982, de 196409 para 685216. E enquanto na Itália o número de habitantes por juiz é de 11 363 e na RFA é de 5649, em Portugal é de 27 027.
Face a este quadro, já era destituída de fundamento a afirmação feita pelo anterior Ministro da Justiça de que nos fins do ano de 1982 haveria juizes excedentários.
Hoje, é ainda mais evidente que o número de juizes é insuficiente (com especial destaque para os tribunais de trabalho).
Em tribunais, por vezes a atingir os limites da degradação, onde se acotovelam magistrados formados e magistrados estagiários, onde sobram processos por funcionário, por juiz e por delegado, exige-se aos trabalhadores judiciais um esforço insano, cria-se-lhes a insatisfação de, mau grado a sua vontante, saberem não poder responder à necessidade de uma justiça célere.
Têm ficado sem resposta as exigências de criação de novos tribunais. Por vezes, assiste-se até à caricata situação de ser criado um tribunal por decreto-lei sem que lhe corresponda, na prática, a sua existência.
Tardam também as reformas necessárias quanto à legislação processual, cuja urgência não é de mais reafirmar.
De facto, detentores de um Código de Processo Civil caduco, um Código que, objectivando-se numa verdade formal, se redobra em alçapões que se abrem, repentinamente, amarrando o julgador e as partes a um dixit que redunda quantas vezes numa verdadeira injustiça social.
Um Código que diversifica as formas processuais, , sem qualquer razão, que diversifica prazos, articulados,
Página 1259
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1259
formas várias de recurso, sempre na mira de ver morrer a justiça às mãos de um formalismo que o cidadão comum, nomeadamente o que recorre à assistência judiciária, não entende.
Não admira, por isso, que a representação social da justiça, no plano interno, seja claramente vincada nos aspectos negativos apontados pelos cidadãos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Nem admira que, a nível internacional, a nossa justiça tenha já sido caracterizada como morosa e por isso mesmo condenada. E que, consciente da urgência na alteração desta imagem, o Conselho Superior da Magistratura, por ofício datado de 24 de Julho do corrente ano e dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, tivesse salientado a urgência na aprovação das reformas processuais com vista à normalização do funcionamento das instituições judiciárias.
Mas a Assembleia desconhece o que o Governo prepara em relação à organização judiciária e está arredada da preparação das reformas processuais.
Hoje, o que tão-somente se discute são diplomas que, embora importantes, representam apenas uma parte de uma questão complexa. Salientando-se que não faz sentido a discussão de 2 diplomas tão intimamente ligados à organização judiciária sem que esta seja também discutida.
Assim que estamos hoje a discutir, numa revisão atrasada das leis em vigor, apenas uma parcela do problema e que para mais só aparentemente poderá apresentar-se como resposta aos imperativos constitucionais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - E como revisão fragmentária que é, não dá resposta às justas inquietações dos magistrados, sobre os quais se pode querer fazer recair o labéu de uma justiça insuficiente e imperfeita, quando, como se viu, disso não podem ser responsabilizados.
Por outro lado, como resposta afrontando os princípios constitucionais, traz em si soluções inadmissíveis.
A proposta de lei relativa ao estatuto dos magistrados judiciais comporta, em si, restrições à independência dos magistrados e introduz novos elementos da instabilidade. Referimo-nos, concretamente, ao artigo 34.º da proposta.
Segundo este dispositivo, um juiz, ainda que competente profissionalmente, pode ser considerado inadequado ou inadaptado para a exercer em determinado tribunal. E, a ser assim, é convidado a pedir a transferência ou então arrostará com um processo que, como se adivinha, conduzirá a essa transferência.
Não haverá quem entenda inadequado um juiz que tenha, por exemplo, absolvido trabalhadores da reforma agrária ou que tenha absolvido dirigentes sindicais presos à porta do Sr. Primeiro-Ministro?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Bem perguntado!
A Oradora: - Esse juiz não correrá, pelo menos, o grave risco de ser considerado inadequado para exercer a função de magistrado naquele tribunal, e ei-lo de abalada até local onde não haja cheiro de reforma agrária ou de activistas sindicais?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Boa pergunta!
A Oradora: - Onde está, Srs. Deputados, a independência dos juízes? Aliás, a proposta não se fica por aí e, mesmo nos critérios para a classificação dos magistrados, introduz elementos de sentido dúbio, como a idoneidade cívica, cuja maleabilidade se presta a discriminações mesmo de cariz político. Ou, pelo menos, constitui uma ameaça à independência nas convicções.
Este não é um quadro adequado à magistratura renovada que temos.
Será o quadro adequado a este Governo, que não se coíbe de amarrar juízes de instrução à própria organização da segurança contra o denominado inimigo interno.
Mas não é, seguramente, o quadro adequado ao poder judicial num sistema democrático fixado na Constituição.
Constituição que o Governo também aqui não respeita, nomeadamente quanto ao acesso aos tribunais da relação e ao Supremo Tribunal de Justiça. Nomeadamente porque, estabelecendo a Constituição, para o acesso a estes tribunais, um concurso curricular com prevalência do critério do mérito, a proposta acaba por defraudar este princípio.
De facto, do concurso curricular, com a aprovação da proposta, apenas restará o nome.
Não há apreciação por um júri do currículo dos candidatos.
Para os candidatos ao acesso do tribunal da relação, há uma mera seriação administrativa segundo a classificação de serviço e a antiguidade. Acresce que uma em cada duas vagas é preenchida pelo juiz de direito mais antigo!
Aqui está como se defrauda um princípio constitucional.
O mesmo acontece no acesso ao STJ. O estabelecimento de quotas de preenchimento leva ao afastamento do critério da prevalência do mérito, fixado na lei fundamental.
Mais ainda: no confronto com a Constituição, tem de atentar-se que esta estabelece quanto aos vogais do CSM uma minoria de juízes. A proposta consegue defraudar este princípio, criando um conselho permanente, ao qual atribui uma grande parte das funções que a Constituição atribuiu ao Conselho Superior da Magistratura e atribuindo o cargo de vogais a uma maioria diferente da que a Constituição prevê.
Não terminaremos a breve análise das tropelias da proposta (e muitas ficam ainda por relatar) sem referirmos (mesmo sem termos presente a anunciada proposta sobre organização judiciária) que se podem dar como certos novos estrangulamentos no funcionamento dos tribunais.
E isso resulta para já, e de uma forma clara, da restauração de três classes de comarcas, contra o sistema actualmente vigente das comarcas de ingresso e de acesso.
Agora, acrescenta-se mais uma categoria: a comarca de acesso final.
Mas já se pensou como isto irá dificultar o preenchimento de vagas, dificultar a gestão do quadro (já tão parco) de juízes existentes?
Página 1260
1260 I SÉRIE - NUMERO 32
Isto é tão evidente que parece curial perguntar-se: será que, de facto, este Governo pretende normalizar o funcionamento das instituições judiciárias?
Normal não foi, de facto, o tratamento que o Governo deu à proposta e às reivindicações dos juizes.
Primeiro, prometeu-se aos magistrados um aumento de remuneração, promessa logo gorada. Depois, um aceno da sua inclusão no Estatuto Remuneratório dos Titulares dos Cargos Públicos. Gorado também! Por último, a promessa de elevação da participação emolumentar.
São sabidas as dificuldades financeiras do País. Mas este método de tratamento com os magistrados é inaceitável, embora não surpreenda vindo de um governo que deixa alastrar a praga dos salários em atraso e impõe aos trabalhadores um decréscimo de 13 % nos salários reais.
A Sr.ª lida Figueiredo (PCP):-Muito bem!
A Oradora: - Como é inconcebível que, em relação ao problema das rendas de casa, o Governo tenha quebrado as negociações em curso, resolvendo o problema por via administrativa.
E o problema fica, de facto, por resolver.
Ê que há magistrados que continuam a viver em casas em préssimas condições, por vezes verdadeiras enxovias. Outros há que, por vezes, recorrem aos préstimos da câmara municipal.
E há ainda outros que, descontando no vencimento a compensação que o Governo entendeu fixar e que no mínimo é de 2200$, sabem que o Governo paga pela renda da sua casa ao senhorio muito menos que aquela importância.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aí está!
A Oradora: - Isto é, procede-se ao invés. Ê o magistrado que subsidia o Governo, em vez de ser este a resolver o problema da habitação daquele.
Assim, pode dizer-se que esta proposta apenas resolverá o problema do sexénio. Mas nem isso se operará de imediato, ficando entravado o movimento em curso no Conselho Superior da Magistratura neste mês de Dezembro.
Ficam ainda por resolver, agravando-se as múltiplas insatisfações e queixas dos que, em nome do povo, administram a justiça.
Melhor tratamento não tiveram os magistrados do Ministério Público.
Nota-se na proposta de lei uma clara intenção de governamentalizar o Ministério Público. Também, em paralelo com o que se pretende fazer na proposta de lei de segurança interna, onde, de defensor da legalidade democrática que deve ser, o Ministério Público passaria a defensor da política do Governo, contra o interesse público, contra os interesses do País.
A proposta deixa em aberto a possibilidade de o procurador-geral da República ser reconduzido, o que resulta claramente numa debilitação do seu estatuto. É indesejável e perigoso que ao procurador -qualquer que seja a sua idoneidade- possa colocar-se a questão de «manter o lugar». E sabe-se como o Executivo não hesita em procurar impor obediências que amarram na sua esteira toda a hierarquia do Ministério Público através de directivas e instruções recebidas do Governo.
Ê patente que para este Governo é incómodo um Ministério Público autónomo, que se rege por princípios de estrita legalidade e não de oportunidade política, e por isso pretende assegurar-se da sua obediência ao Executivo, alterando profunda e significativamente a composição do Conselho Superior do Ministério Público e da sua secção disciplinar.
Que interesse tem o Governo em diminuir nestes dois órgãos o peso dos elementos eleitos pela classe, que são a sua componente democrática? (E logo após a revisão constitucional que veio consagrar isto mesmo.)
De facto, o Conselho Superior do Ministério Público são 8 os elementos não eleitos e 7 os eleitos. Ora, se esta proposta for aprovada sem alterações, os membros eleitos passam a ser 6 em 15!
E quanto à secção disciplinar, enquanto actualmente se verifica um equilíbrio entre os membros eleitos e não eleitos (4+4), segundo a proposta passarão a ser 3 os membros eleitos e 5 os membros não eleitos.
Não se coíbe o Sr. Ministro da Justiça de designar, ele mesmo, um membro para a secção disciplinar, ficando assim mais clara a situação de dependência, relativamente ao poder executivo, a que se pretende relegar o Ministério Público.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ê para evitar o basismo?
A Oradora: - Também aqui não falta uma disposição correspondente ao artigo 34.° do estatuto dos magistrados judiciais. Aqui responde pela designação de artigo 88.° Mas o conteúdo é igual e os objectivos são óbvios.
Delegado ou procurador, ainda que competentes profissionalmente, que não sejam considerados adequados para o desempenho do lugar em determinado tribunal, lá serão transferidos, ou a seu requerimento obtido por coacção, ou durante o processo que apreciará de uma forma arbitrária comportamentos que ao Executivo possam parecer menos oportunos.
E recordamos, a propósito, aqueles delegados que em alegações pediram absolvições de réus (ainda e sempre o caso da reforma agrária) e que em recursos de sentenças de absolvição, ditaram para a acta que o faziam apenas por obediência a instruções recebidas.
É, pois assim que o Governo pretende o Ministério Público: moldado às suas exigências, instrumento de uma política que ofende a legalidade democrática, tudo menos o Ministério Público autónomo, como o é à face da Constituição e como o é em países bem vizinhos como a Espanha.
E nem falta a manutenção de disposições (que já envergonharam a lei existente) que conferem ao Ministro da Justiça a iniciativa da acção disciplinar e o poder de requisitar directamente a qualquer magistrado ou agente do Ministério Público relatórios e informações de serviços.
Não estando o Ministério da Justiça no topo da hierarquia dó Ministério Público, é óbvio que a manutenção de disposições como as referidas são ainda uma clara violação do princípio da autonomia tão caro ao Ministério Público e a qualquer regime democrático.
De tudo isto, decorre com uma clara linearidade que nestes anos de vivência da autonomia do Ministério Público sempre em contínuo alerta contra abusos
Página 1261
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1261
do poder os governos entenderam que o figurino lhes não serve e que melhor seria transformá-lo num "grande meio de intervenção do poder". E, embora não o possa fazer, condiciona toda a actuação do Ministério, tentando mesmo transformá-lo, quanto ao exercício da acção penal, num mero instrumento dos ditames que o Governo dirige aos organismos policiais com intervenção na área da investigação criminal. Senão vejamos.
Nas competências do Ministério Público, o Governo omitiu a direcção da investigação criminal e continua a não lhe conferir poderes para fiscalizar a actuação das polícias na investigação criminal (à excepção da Polícia Judiciária).
Contra tudo o que é exigível; contra recomendações e declarações internacionais, como a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas na Sessão Plenária realizada em 17 de Dezembro de 1979 e ai Declaração sobre Polícia da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 8 de Maio de 1979. Tais instâncias internacionais pronunciaram-se claramente pelo alargamento, a todos os organismos policiais com funções de prevenção e investigação, da competência fiscalizadora e inspectiva do Ministério Público.
Aplausos do PCP.
À polícia, nos termos da Constituição, cabe também defender a legalidade democrática, não podendo, no entanto, socorrer-se de medidas previstas na lei, para além do estritamente necessário.
Se atentarmos, porém, na actuação do Governo, podemos afirmar que não foram tomadas medidas para conformar a actuação dos agentes policiais à Constituição e que, bem pelo contrário, eles continuam a receber instruções do Executivo, impondo-lhes actuações claramente violadoras dos direitos, liberdades e garantias da Constituição e, portanto, da legalidade democrática.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Por esta forma, podem ser participados ao Ministério Público factos que o Governo entendeu deverem ser perseguidos criminalmente com base em meros critérios de oportunidade política, participações assentes, quantas vezes, em violações de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
A Oradora: - O Ministério Público vê-se então confrontado com exigências relativamente ao exercício da acção penal, contra a legalidade democrática. Ele, Ministério Público, cuja razão última assenta na defesa da mesma legalidade.
Fica, assim, bem claro que o Governo não pretende que o Ministério Público exerça sobre organismos policiais, como a GNR e a PSP, qualquer competência fiscalizadora e inspectiva, com a evidente intenção de continuar a sobrepor aos critérios de estrita legalidade, que orientam a actuação daquele, os critérios de oportunidade do Poder, que assim intervém na função jurisdicional.
E isto é instrumentalizar o Ministério Público.
E isto contraria a Constituição.
Aprovadas que fossem nestes termos estas propostas, os problemas com que se debate a justiça portuguesa não só ficariam por resolver como se agravariam.
Há um vazio legislativo em relação a reformas importantes.
Continua por reformular a administração popular da justiça.
Os julgados de paz, apesar de previstos na lei, não existem por falta de diploma regulamentador.
O júri, instituição que muitos cidadãos ainda conhecem apenas dos filmes made in USA, rege-se ainda por fórmulas que impedem muitas vezes o funcionamento adequado.
E o mesmo se diga em relação aos juízes sociais.
Inexiste ainda uma adequada protecção às vítimas do crime, abandonadas à sua sorte.
A tabela das custas judiciais continua a ser obstáculo ao acesso aos tribunais e ao direito.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma vergonha!
A Oradora: - E o acesso ao direito continua a ser uma meta que não se inscreve no programa deste Governo.
Continuam inexistentes, em suma, as medidas necessárias para aproximar a justiça dos cidadãos. Aquelas que contribuiriam para um quadro positivo na representação social da justiça.
E se a situação é esta, isso se deve ao facto de o Governo ter dedicado o seu tempo de governação ao estudo das medidas legislativas e outras que afrontassem os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A proposta de lei de segurança interna, a lei dos serviços de informações! E outras medidas, que tem em carteira, contra os direitos dos trabalhadores. - Fica, pois, medianamente claro que o Governo não pretende resolver os graves problemas com que se defronta a justiça em Portugal. Que as magistraturas lhe tem sido, por vezes (e não poucas), incómodas.
E por isso responde a aspirações, reivindicações e queixas com duas propostas que, com largo atraso, se resolveu a apresentar.
Duas propostas que não têm o aplauso de quem serve a justiça.
E que se farão sentir, por forma bem pesada, no quotidiano dos tribunais e por isso também naqueles que, a eles recorrendo, pedem o cumprimento de um direito conforme às novas realidade sociais - esperam justiça!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Está em debate, na generalidade, a proposta de lei n.º 76/III, que se propõe substituir o anterior estatuto dos magistrados judiciais, aprovado pela Lei n.º 85/77, de 13 de Dezembro.
O próprio relatório da proposta governamental esclarece que esta iniciativa do Governo, tomada no cumprimento de um imperativo constitucional, se in-
Página 1262
1262 I SÉRIE - NÚMERO 32
sere no propósito de revisão da legislação respeitante ao Conselho Superior da Magistratura, ao estatuto dos juízes dos tribunais judiciais e ao estatuto dos juízes dos restantes tribunais.
Pareceria, talvez, que bastaria evidenciar neste momento essa circunstância e, adicionalmente, apontar alguns preceitos susceptíveis de merecer melhor atenção ou reflexão, como aliás foi feito pelos Srs. Deputados que me antecederam. Isto, em sintonia com o parecer - emitido sobre a proposta pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Não creio, porém, que esta Câmara, órgão de soberania mais representativo, possa deixar passar, sem especial relevo, uma proposta de estatuto dos magistrados judiciais, que será sempre por natureza o suporte e a medida da dignidade, independência e eficácia dos tribunais.
O estatuto dos magistrados judiciais 6 uma matéria que, muito justamente, constitui objecto da competência exclusiva desta Assembleia, até porque constitui sempre uma resposta a uma pergunta fundamental que tem sido repetidamente formulada: que tipo de sociedade queremos?
Numa democracia moderna, tal como - a entendemos na civilização ocidental, os tribunais assumem-se como guardiões do seu mais valioso património, onde estão também os direitos, liberdades e garantias.
Quando Montesquieu, no seu L'Esprit des Lois, publicado em 1748, avança com a divisão tripartida dos poderes do Estado, os tribunais iniciaram então a sua histórica caminhada como órgãos de soberania.
Em Portugal, a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial inicia-se com a Constituição de 1822, declarando-se ali expressamente, no seu artigo 30.º, que esses poderes são independentes.
Hoje é já uma tradição, na história constitucional portuguesa, a independência dos tribunais.
Mas sempre que enfrentamos um novo estatuto do magistrado judicial, que é, no fundo, o verdadeiro suporte humano dos tribunais, devemos ter presente que a independência destes, prevista no artigo 208.º da Constituição, depende e resulta da independência dos juízes.
Por isso, a pergunta que fiz: Que tipo de sociedade queremos?, envolve sempre esta outra: Que género de juízes precisamos?
As respostas, directa e indirectamente, têm sido dadas repetidas vezes pelo povo português, mas há sempre que confirmá-las e evidenciá-las.
Não queremos ser uma das autoproclamadas democracias populares, não queremos portanto um poder judicial ao serviço do Governo, o qual, por sua vez, nessas repúblicas está às ordens do partido único e se confunde com ele.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não queremos juízes que estejam sempre sujeitos, na sua dependência, à destituição ou ao afastamento.
Somos, e queremos ser, um Estado de direito democrático em que o primado da lei se impõe a todos os poderes instituídos e em que, na estrutura do Estado, existe a separação de poderes, sendo o poder judicial independente.
Mas esta independência real dos tribunais não pode resultar apenas da separação do poder judicial. Vive também da independência dos juízes, numa autonomia que se traduz, ao nível institucional, na existência de órgãos próprios, como é o caso do Conselho Superior da Magistratura, previsto no artigo 223.º da Constituição.
No entanto, essa nova composição do Conselho Superior da Magistratura, que tem o seu reflexo na proposta governamental, embora mais equilibrada do que a anterior, por reduzir o número de membros natos, está ainda, em meu entender, longe de satisfazer. Mas foi cumprido o artigo 223.º da Constituição.
Quanto à independência dos juízes, expressamente prevista na proposta, não pode limitar-se à mera formulação do princípio da sua obediência apenas à lei, fortalecida pela irresponsabilidade e inamovibilidade.
Devemos caminhar no sentido de nos consciencializarmos de que o magistrado judicial não é apenas mais um funcionário público - isto, independentemente do muito respeito que nos merecem os funcionários públicos e a função pública.
Mas a garantia da independência, da irresponsabilidade e da inamovibilidade dos magistrados judiciais é o próprio reconhecimento da sua diferenciação, é a consciência da distância que separa o mundo da função pública do universo da judicatura. Os magistrados judiciais são titulares de órgãos de soberania e não só temos de o reconhecer como há que fazer reflectir essa qualidade na própria legislação que se lhes destina.
Há, portanto, que avançar no sentido de acolher a ideia de que a independência real dos magistrados judiciais, no aspecto económico e político, envolve necessariamente o seu acesso a escalões próprios de retribuição.
Apesar de seguir de perto o estatuto em vigor, o novo texto da proposta governamental possui inovações mesmo assim verdadeiramente positivas, não obstante o facto de muitas delas poderem e deverem ser melhoradas.
Cito, como inovação positiva, segundo a minha perspectiva, a criação das comarcas de acesso final, a jubilação, a efectivação da responsabilidade civil dos magistrados, a abolição do sexénio e a fixação dos critérios de progressão na carreira. Estas, entre outras, são inovações que merecem uma referência especial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num debate na generalidade como este que travamos, creio não haver lugar para dizer mais do que aquilo que agora vos deixei aqui.
Penso, no entanto, que seria indispensável que alguém deixasse a esta Assembleia a nota da importância da proposta que está a ser debatida na generalidade e não apenas a referência da importância de pormenor, designadamente no que concerne à estabilidade do regime democrático que procuramos edificar.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino Lima pretende usar da palavra para que efeito?
O Sr. Lino Lima (PCP): - Para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Correia Afonso, Sr. Presidente.
Página 1263
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1263
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lino Lima (PCP): - O Sr. Deputado Correia Afonso acaba de considerar como uma inovação favorável do diploma que estamos a discutir a jubilação e eu gostaria de lhe perguntar porquê, no sentido de saber o que é que isso traz de interesse, de útil, de realidade e de autenticidade aos magistrados.
Compreenderia a jubilação como uma inovação favorável se ela trouxesse aos magistrados mais alguma coisa do que a de se poderem sentar fardados nas mesa das presidências, mas a verdade é que ela não traz mais nada. Creio até que foi uma péssima ideia do Sr. Ministro. Pois, se tem deixado estar tudo isto muito quietinho como estava dantes, não falava na jubilação e não se levantava toda uma série de problemas como os que acabaram por se levantar.
Isto faz-me lembrar algumas reformas do tempo da "outra senhora", em que a reforma estava contida só no nome, isto é, criava-se um nome, e isso era apregoado como uma grande reforma, ou então mudava-se o nome de uma coisa já existente, dando-se-lhe um outro nome, e considerava-se isso muito importante.
Gostava que o Sr. Deputado comentasse isso, porque, segundo o meu parecer, dado aquilo que traz a jubilação - que para os Srs. Magistrados não é nada -, e tendo em conta que ela veio levantar toda uma série de problemas, continuo a pensar que mais valia não terem mexido ou "inventado" isto, só por estas razões que lhe digo.
Mas como o Sr. Deputado entendeu que se tratava de uma inovação favorável e importante deste diploma, eu gostaria que me dissesse agora porquê.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Correia Afonso pretende responder já ou no fim dos outros pedidos de esclarecimento que lhe são dirigidos?
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Prefiro responder já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Lino Lima, V. Ex.ª tem uma experiência longa e julgo que também tem uma sensibilidade penetrante, pelo que me admiro com o facto de o Sr. Deputado não ter reparado no decurso da sua carreira que relativamente aos magistrados se passa aquilo que o poeta referia: "Todo o homem, seja rei, seja mendigo, há um momento em que está só: é o momento da sua morte."
Ora, o magistrado é aquele que no decurso da sua vida está formalmente só, é um homem solitário, sem recursos ou influência, é ele sozinho que decide.
A jubilação é, no fundo, o reconhecimento da sua dignidade social, do sacrifício que ele, ao longo dos anos, foi deixando nas comarcas por onde passou - é, afinal, uma consagração.
A jubilação, para mim, é um benefício desta proposta, mas deve ser objecto de melhorias. Indico-lhe já duas, Sr. Deputado: a jubilação não pode beneficiar qualquer magistrado, pois tem de ser o fruto do fim de uma carreira e não apenas de uma aposentação acidental que durante a carreira eventualmente ocorra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - A jubilação, por outro lado, tem de manter algumas das regalias que o magistrado tinha durante a sua carreira profissional.
Estas são algumas das melhorias que, segundo julgo, devem ser introduzidas, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino Lima pretende protestar?
O Sr. Lino Lima (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Bom, Sr. Deputado Correia Afonso, felicito-me por lhe ter feito a pergunta que fiz porque, efectivamente, a sua resposta veio no sentido daquilo que penso e que era, afinal, a razão por que o estava a inquirir.
É que, na realidade, dizer a um magistrado quando chega ao fim da sua carreira que "o senhor agora pode dizer que é jubilado" e não lhe dar mais nada, deixando-o ficar só - na mesma só! - com um título que não lhe serve para coisa nenhuma, é uma tristeza e é um pouco gozar com a sua solidão.
Precisamos, então, de "encher" este conceito e o Sr. Deputado veio-nos dizei aqui que esse conceito deve ser "cheio" com alguma coisa de positivo e de concreto, que ajude a vencer e a viver essa solidão final da vida de um homem.
Estou de acordo consigo e muito obrigado pela sua resposta, Sr. Deputado Correia Afonso.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Correia Afonso, algumas questões concretas. Em primeiro lugar, queria confrontá-lo com a seguinte interrogação: é verdade ou não que a morosidade processual nos tribunais pode conduzir a que os juízes acabem por purgar penas que não são suas, pode degradar a própria imagem da justiça em Portugal, constituindo, em geral e em concreto, um verdadeiro cancro do nosso sistema judiciário?
Agora, queria que respondesse em concreto às seguintes questões: o que é que pensa o Sr. Deputado Correia Afonso dos problemas das rendas de casa para os magistrados; da. sua estabilidade nas carreiras; das suas remunerações; do artigo 34.º do estatuto dos magistrados judiciais, a que não fez qualquer referência ao longo da sua oração; da reforma dos Códigos do Processo Civil e do Processo Penal; dos poderes atribuídos ao Ministério da Justiça em relação ao Ministério Público, e embora não tenha feito também qualquer alusão à lei orgânica do mesmo, seria fundamental que nos dissesse qual é o ponto de vista da bancada do PSD nesta matéria.
Página 1264
1264 I SÉRIE - NÚMERO 32
Sr. Deputado Correia Afonso, importante era também que revelasse perante a Câmara o ponto de vista do seu partido e o seu próprio -que admito serem coincidentes - no tocante ao cumprimento ou incumprimento do estabelecido constitucional relativamente ao Conselho Superior da Magistratura e à prevalência do critério do mérito conjugado com o de antiguidade face aos dispositivos do presente estatuto dos magistrados designadamente ao seu artigo 47.º e 50.º. É tudo para já.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso não há mais pedidos de esclarecimento; se quiser prestar esclarecimentos ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, dou-lhe a palavra.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Manuel Mendes: Creio que, e embora o tempo não seja muito, antes de responder às suas perguntas devo fazer uma certa história desde o princípio. E quando falo na história desde o princípio, tranquilizo-o já que não vou começar no dilúvio universal nem sequer no século XVIII, vou começar mais recentemente.
Nós temos que ter a noção de que a administração da justiça no mundo está agrupada, digamos, em três grandes sectores. Temos os países em vias de desenvolvimento, fundamentalmente talvez as antigas colónias de África e da Ásia, que têm esquemas próprios de administração de justiça e que vacilam entre a proximidade do 'modelo europeu e a proximidade da antiga justiça tribal. Estou a excluir os casos dos Estados árabes em que, como sabem, normalmente a justiça é administrada por um juiz único, que é o Cadhi, e que tem, efectivamente, problemas diferentes.
Depois temos, e não desenvolvo mais que o tempo não deixa, a justiça dos países socialistas. Aí o juiz, como sabe, era eleito pelo povo mas, a partir de 1945, concretamente na União Soviética que é o caso que conheço melhor, o juiz passou a ser eleito de entre certas listas - e isto, por hipótese, no Tribunal Supremo da União Soviética, no tribunal mais elevado - elaboradas previamente, pelo que se reconheceu a necessidade de uma capacidade técnica.
Simplesmente, estes juízes estão sujeitos a um prazo de 5 anos e a não serem reincluídos nas listas, não havendo portanto uma carreira e, assim, existe sempre uma falta de independência, pela qual lutamos aqui.
Além disso, na União Soviética acontece ainda uma outra coisa, que é importante e que é a seguinte: o Estado é o maior detentor de todos os meios de produção, o que faz com que ele seja o grande patrão, e quando se é o grande patrão, é - se o principal violador dos direitos, ou pelo menos o maior violador potencial dos direitos.
Ora, se os juízes estão dependentes do Estado e não têm uma independência em relação a ele, cria-se efectivamente um esquema de dificuldade. Não estou a qualificar, estou apenas a descrever os diversos esquemas que existem.
Em Portugal, pretende-se - e temos lutado por isso - uma magistratura independente.
Ora, não basta dizer que o juiz só está sujeito à lei, é preciso acrescentar - como, aliás, vem na lei, que é inamovível - outros atributos, que estão também na lei, e é necessário ainda que ele tenha independência em termos económicos, reais, concretos. Por isso entendo que esta proposta deve ser melhorada em termos de retribuição.
Mas, entrando concretamente - porque vejo que o tempo que me escapa- no que o Sr. Deputado perguntou, dou-lhe toda a razão no sentido de que a morosidade processual pode conduzir à degradação da justiça. Concordo consigo, partilho da sua preocupação.
Quanto às rendas de casa, discordo do seu receio e considero mesmo que esse é um argumento abusivamente utilizado. No momento em que um dos grandes dramas do nosso país são as rendas de casa, ser arvorado pelo Partido Comunista o argumento de que os juízes são vítimas de uma violência por se lhes exigir uma renda de 2 contos e pouco, Sr. Deputado, julgo que não devo perder o tempo que se esgota e vou passar ao argumento seguinte.
Quanto à estabilidade de carreira, com certeza que das palavras que acabei de proferir resulta sempre uma preocupação nesse sentido.
Relativamente à remuneração, já falei dela ao falar do artigo 34.º
Partilho das suas preocupações, discordo dos seus receios e julgo que o artigo 34.º deve ser olhado, não como uma forma possível de perseguição aos juízes, mas como uma forma certa de recuperar aqueles que têm aptidão profissional mas não têm adequação nem adaptação.
Este preceito aparece mais como um preceito protector do que como um preceito perseguidor; há, no entanto, um aspecto, um ponto, em que concordo consigo: o preceito precisa de ser melhorado introduzindo-se-lhe certos critérios de objectividade que retirem ao máximo o subjectivismo que parece lá estar incluído.
Quanto à reforma do Código do Processo Civil e do Código do Processo Penal, com certeza cia é indispensável e quanto mais depressa melhor. De qualquer modo, julgo que não é agora o momento oportuno de falar dela, porque estamos a falar do magistrado judicial e o tempo é curto para abordar esta matéria que, em profundidade, é demorada.
Quanto aos poderes do Ministério Público, lamento também não ter tempo para falar sobre o assunto; aliás, abordei intencionalmente o estatuto do Ministério Público de uma forma geral, pois não esgotei ainda as minhas intervenções.
Quanto ao critério de mérito conjugado com o de antiguidade, discordo totalmente dos pontos que o Sr. Deputado sucintamente referiu. Julgo que o preceito constitucional está cumprido e quanto a mim a proposta de lei vai longe de mais, pois satisfaz mesmo as minhas preocupações.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Deputado Correia Afonso começou por nos fazer um excurso de direito comparado deveras interessante e que lamento não ter sido, por exemplo, uma das peças de um relatório qualificado pelo qual, uma vez mais vou pugnar, já que entendo que seria um mate-
Página 1265
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1265
rial indispensável, inclusivamente, para os Srs. Deputados poderem pensar estas coisas com alguma profundidade e com algum esteio.
De qualquer modo, o Sr. Deputado Correia Afonso não disse uma palavra sobre a incompletude da arquitectura jurídica, sobre a terrível insuficiência do aparelho judiciário, sobre o conjunto das dificuldades com que deparamos e as causas que geraram a autêntica situação de vespeiro em que vivemos. E como se isso não bastasse, deu respostas demasiadamente sumárias às perguntas que lhe fiz - desculpará que lhe diga -, não esclarecedoras, e deixou por responder algumas que considero absolutamente essenciais como, por exemplo, a do arbítrio em relação ao artigo 34.º Registo que também tem preocupações quanto à sua formulação mas penso que o erro congénito é mais grave do que aquilo que as suas preocupações admitem; e no que toca aos poderes discricionários e aberrantes do Ministério da justiça relativamente ao Ministério Público, penso que se trata de uma questão central em relação à qual o Sr. Deputado Correia Afonso terá que manifestar-se, uma vez que aqui está o nó górdio de todo o problema da governamentalização das magistraturas pelo Executivo que nós não poderemos aceitar e que não pode aceitar-se em função da defesa de independência dos juízes e da independência do poder judiciário, que referiu na sua intervenção e que, em termos pelo menos abstractos, tem sido um dos pontos de unanimidade desta Câmara.
Espero que, com o tempo que agora se lhe torna possível depois do meu protesto, possa dar resposta às questões que lhe coloquei e eu não fique na dúvida sobre o seu pensamento relativamente aos problemas que acabo de reassumir.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, há pouco referi que o juiz não é um funcionário público, não por menor apreço pelo funcionário público mas por maior consideração para com o juiz. Aliás, esta tem sido a preocupação não apenas de Portugal mas de todos os países e, sendo mais ou menos bem sucedida, ela é uma preocupação constante.
O juiz precisa de idoneidade moral, capacidade técnica e independência; mas a independência fundamental do juiz não é aquela que vem de fora para dentro, é, sim, aquela que é emanente do próprio homem.
A lei pode criar todos os mecanismos de independência, mas se o juiz for um subalterno e um dependente, ele nunca será um magistrado com a independência que nós queremos.
Isto veio a propósito de que este artigo 34.º, apesar de todos os condicionalismos que a lei cria de forma a favorecer a independência do juiz, é indispensável, é, no fundo, o escape do motor, é por onde sairão aqueles que, não obstante todas as precauções e todos os auxílios, podem ter uma vocação, ou melhor, uma aptidão profissional, mas podem ter uma inadequação e uma inadaptação àquela função de magistrado judicial, que em si mesma é especial.
É isto que julgo dever dizer acerca do artigo 34.º Reconheço que ele tem que ser melhorado e comungo das suas preocupações acerca da melhoria deste preceito mas julgo que ele não deve ser de forma nenhuma eliminado.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.
O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Queria fazer uma declaração prévia exactamente porque as propostas de lei em discussão são extremamente complexas e de natureza assaz dissemelhante, o que levou a que por ora apenas se discuta aqui a proposta de lei referente ao estatuto dos magistrados judiciais, embora num ou noutro ponto desta minha intervenção eu possa fazer referência também à Lei Orgânica do Ministério Público.
Longe estava o legislador constituinte de 1982 de imaginar que o texto então revisto só viesse a ser corporizado em lei ordinária, no que respeita às matérias agora discutidas, apenas dois anos depois. E se é certo que mais vale tarde que nunca, não é menos certo que o artigo 240.º da Lei Constitucional n.º 1/82 acabou por dar ao legislador ordinário o énus da responsabilidade do vácuo legislativo, pelo menos no que toca a algumas alterações fundamentais do estatuto dos juízes e do Conselho Superior da Magistratura. Estamos a pensar se, por exemplo, o instituto do sexénio não terá caducado logo após o decurso de 150 dias da publicação da lei constitucional, e ainda se o funcionamento do Conselho Superior terá sido regular, atenta a alteração que entretanto se deu na sua composição e a necessidade da designação dos respectivos membros até 180 dias após a data da entrada em vigor da Constituição revista.
Mas talvez não importe agora recordar os tratos por que passou o estatuto dos magistrados, dependente como esteve dos tratos da vida política e da vida parlamentar. Referimo-nos, como é óbvio, à dissolução da anterior Assembleia da República, à demora da organização de novo acto eleitoral, à data da entrada em funções do actual governo constitucional e à preocupação que esta Assembleia teve na discussão longa e monótona do seu novo regimento.
De facto, quem não pode, a mais não é obrigado. E mesmo assim o IX Governo Constitucional enviou a esta Assembleia logo em 15 de Junho de 1984 a proposta de lei n.º 76/III com o pedido de prioridade e urgência. E se só agora nos é possível discuti-la, temos que assumir todos, Governo e Parlamento, a responsabilidade da sua discussão tardia.
Mas não tenhamos dúvidas que nunca estivemos tão perto de ver desencadeada uma greve na história da magistratura. É que, se foi derrotada uma moção nesse sentido apresentada na assembleia geral dos magistrados judiciais que teve lugar em Coimbra em 27 de Outubro último, perpassou pela assembleia e ressalta de outras moções apresentadas e votadas na mesma data que os magistrados portugueses encararam essa possibilidade num futuro próximo. Tira-se a lição de que os magistrados portugueses fizeram jus ao seu sentido de equilíbrio e de bom-senso e que a sua paciência e bem a paciência de pessoas pacíficas, laboriosas e que antepõem à pressa dos mais impa-
Página 1266
1266 I SÉRIE - NÚMERO 32
cientes a necessidade do diálogo institucional. Foi isso que fizeram, ao fazerem petições e terem-se representado perante os vários grupos e agrupamentos parlamentares desta Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enunciado assim a traços largos o atribulado percurso da proposta de lei que hoje discutimos, há que apreciar algumas questões que se nos afiguram fundamentais e que se prendem com os pontos que passamos a explanar.
A administração da justiça em Portugal aperfeiçoa-se decisivamente com a aprovação destas propostas de lei? O estatuto dos magistrados conforma-se com os princípios consignados na última revisão constitucional? O aparente paralelismo das duas propostas de lei virá dar às duas magistraturas a dignidade própria de cada uma ou tenderá a subsumi-las em carreiras profissionais que desmotivarão uma e tornarão mais atractiva a outra? Estas e outras questões, por certo complexas e delicadas, não poderão ser aqui abordadas em profundidade, como desejaríamos, mas esperamos que a baixa dos diplomas à comissão, para aí serem aprofundados e melhor aperfeiçoados na especialidade, venha colmatar algumas das dúvidas e inquietações da minha bancada.
Desde logo podemos afirmar que a justiça só será bem administrada quando tiver sido aprovado um conjunto de medidas legislativas que constituirão a arquitectura da organização judiciária: referimo-nos aos diplomas que estão agora a ser discutidos, mas ainda à revisão da lei orgânica dos tribunais. E esta, por seu lado, não pode ser separada de problemas tão importantes como são a revisão das leis de processo civil e penal, sabido como a estrutura pesada das leis adjectivas constitui um obstáculo de tomo a uma justiça que se quer célere, eficaz e abrangente de todos os cidadãos. Célere para não cairmos no banco dos réus da corte de Estrasburgo. Eficaz para se alcançar uma justiça real, atempada e não apenas formal. Abrangente para que o direito constitucional do acesso ao direito por todos os portugueses seja uma vertente da nova ordem democrática.
Mas não bastará ainda isso. Sem um esforço financeiro orçamental que, adequadamente, venha criar os instrumentos técnicos, humanos e materiais tendentes à prossecução daqueles objectivos, continuaremos situados no terreno das boas, mas utópicas, intenções. Não é possível exigir a um tribunal e a um magistrado, por exemplo, o esforço impossível de julgar bem se não forem fixadas contingentações de processos e se o abnegado funcionalismo judicial não for reforçado e preparado profissionalmente em condições minimamente exigíveis para o crescimento desmesurado dos conflitos de toda a ordem que caem, em catadupas, nas secretarias judiciais, a clamar por composição judicial. Se todo este esforço não for empreendido, arriscamo-nos a ficar a meio caminho, teremos talvez satisfeito reclamações essenciais de magistrados, mas não teremos dado à justiça portuguesa a oportunidade de se libertar do arcaísmo, do peso da burocracia, das mil pechas que a tornam em instrumento pesado e ineficaz ao serviço de fórmulas institucionais que se esgotarão em si mesmas.
Não nos iludamos, pois. A aprovação destes estatutos será um passo apenas dado na direcção do aperfeiçoamento de um órgão de soberania que tem um papel fundamental num Estado democrático. Sc o esforço legislador parasse aqui - e não pára porque sabemos que as comissões designadas pelo Ministro da Justiça estão a aprontar as propostas de revisão das leis de processo civil e do Código de Processo Penal -, teríamos então que reequacionar toda a problemática relativa à organização judiciária.
Já quanto à conformação do estatuto dos magistrados judiciais nos parece que, no essencial, foram cumpridas as novas normas do direito constitucional, tendentes ao reforço das condições de independência e operacionalidade de exercício da função jurisdicional e a correcção de soluções que a experiência mostra deverem ser procuradas. Atente-se na estafada questão dos sexénios, na melhoria introduzida na carreira dos magistrados pela verticalização de uma carreira na 1.ª instância que passa pelo crivo das comarcas de acesso e acesso final, embora aqui nos pareça excessivo o tempo de permanência nestes escalões da carreira (5 e 3 anos respectivamente). E atente-se ainda no reforço da garantia de independência económica, quer pelo sistema integrado de vencimentos e emolumentos, agora melhorados, quer pelo esforço manifestado no que toca à atribuição de casa mobilada ou, onde isso se mostre difícil, à fixação de uma compensação adequada, embora esta compensação deva ser criteriosamente fixada de forma objectiva.
Mas para além de alguns daqueles aspectos, outros há que merecerão a nossa concordância, consoante a discussão que venha a ser feita em sede de Comissão. Referimo-nos, obviamente, à questão das promoções, agora melhorada por um critério misto que torna prevalente o mérito sobre a antiguidade, em ordem a evitar a degradação da qualidade dos magistrados, mas sem esquecer que uma longa carreira de devoção e abnegação também deve ser protegida. Nesse sentido, diremos que concordamos com o critério fixado.
Mas já parece passível de melhoria a norma proposta no artigo 34.º do estatuto dos magistrados, onde se consagra ou se pretende ver consagrado um tipo de penalidades identificado com a sua adequação ou inadaptação à função, conceito que uma simples leitura do texto não permite identificar com a inaptidão profissional do magistrado. Desejaríamos que um tal conceito fosse rigorosamente delimitado por critérios objectivos, por forma a não se abrir mão, porventura, de uma caça às bruxas, fundada em critérios não estritamente profissionais. Lembro que disposição anterior já havia sido objecto da Resolução n.º 189-A/82, que a declarou inconstitucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas eram as considerações que aqui queria deixar alinhavadas e que constituem o cerne das nossas preocupações, bem como das preocupações da própria magistratura judicial. A proposta de lei contém os princípios básicos que, a nosso ver, merecem ser aprovados na generalidade. Mas entendemos que a melhor formulação de algumas regras e o aperfeiçoamento de alguns institutos só poder ser alcançado se discutido na especialidade na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Requeremos essa baixa à Comissão, no seguimento desta nossa declaração. E agora ficamos à espera do conjunto de diplomas que, como referi aqui, se torna imprescindível para a melhoria da administração da justiça em Portugal. O Governo comprometeu-se a fazê-lo, esta Assembleia
Página 1267
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1267
aguarda o cumprimento desse compromisso, os cidadãos reclamam a rápida melhoria dos serviços prestados pelos tribunais.
É fim de ano, e tempo de reflexão, é tempo de renovação de actos e vontades. Que esse tempo de reflexão torne possível a concretização dos objectivos que fundem, como primeiro passo, a renovada esperança numa justiça melhor.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para interpelar o Sr. Deputado Roque Lino, o Sr. Deputado José Magalhães.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Roque Lino, V. Ex.ª subiu à tribuna para exprimir preocupações, que são reais na magistratura portuguesa de hoje, e que devem ser tidas em conta, efectivamente, nesta Câmara. Pela nossa parte, procurámos também dar-lhes eco e reflectir sobre elas.
O Sr. Deputado exprimiu também dúvidas e inquietações que nos parecem inteiramente justas. Contudo, a certa altura, afirmou que teríamos que assumir todos a responsabilidade desta discussão tardia. Eis onde começou a nossa discordância, porque, sendo certo que a apresentação tardia desta proposta não é da exclusiva responsabilidade do Governo, uma vez que outros governos anteriores tinham incumprido o prazo fixado na lei de revisão constitucional, e sendo dúbia e irregular a situação em que se encontrava o Conselho Superior de Magistratura, como sublinhou, não sei se poderíamos ir tão longe como admitiu. De qualquer modo, a verdade é que estamos aqui, hoje, e a esta hora, pela mão deste Governo e dos partidos da coligação, e certamente não por nossa responsabilidade. Mais ainda, foram recusadas certas diligências que de imediato poderiam resolver questões que são urgentes, inclusivamente a do sexénio.
Só que, tendo apelado à reflexão, V. Ex.ª não reflectiu, como talvez fosse desejável, sobre esta questão. Como e que foi possível ter-se chegado aqui?
Apelou ao diálogo institucional e eu pergunto como e que é possível que não tenha havido diálogo institucional, para lhe chamar assim, em relação a questões tão importantes como aquelas que aqui foram trazidas à colação, tanto as que dizem respeito ao estatuto remuneratório dos magistrados, como em relação à magna questão das rendas de casa que por vezes tem sido tão distorcida. Aliás, devo dizer que aquilo que nós aqui criticámos fortemente foram os métodos administrativos e a persistência de situações aberrantes de instalação de magistrados.
O que e que se vai fazer para atalhar esse mal? vai-se alterar alguma coisa?
Como é que nesta matéria e possível tomar medidas administrativas, que tem sido classificadas pelos magistrados de prepotentes?
Como é que é possível tentar responsabilizar os magistrados pelos males de um sistema que padece, designadamente, de medidas legislativas -que esta Câmara não toma e que o Governo não propõe -, ao mesmo tempo que há uma comissão de revisão do código disto, daquilo ou daqueloutro, sobre a qual, como o Sr. Deputado certamente saberá, a Assembleia da República não tem informação nenhuma?
Todas as propostas que fizemos em comissão, no sentido de que a Assembleia fosse informada sobre esta matéria, chocaram-se com a mais espantosa passividade. As comissões fazem relatórios sobre as grandes opções de reforma - como, por exemplo, sobre a revisão do Código de Processo Penal - e nem essas foram transmitidas formalmente à Assembleia da República e o Sr. Ministro entende mesmo que isso não e preciso. Aliás, o mesmo se passa noutros domínios!
Sumariso e concluo: as leis em vigor foram aprovadas em 1977 e 1978, por um governo da responsabilidade do PS, e procuraram dar expressão àquilo que eram os resultados consagrados na Constituição. O que se anuncia agora, Sr. Deputado Roque Lino, não e um avanço -e muito me surpreende que tenha omitido completamento isso -, é um recuo em relação a essa legislação, e designadamente quanto ao Ministério Público em que se pretende não só não corrigir aquilo que eram os aspectos de intervenção abusiva do Governo e do Ministro da Justiça no funcionamento da magistratura do Ministério Público, como até acrescentar elementos novos, que permitem ao Sr. Ministro chegar directamente ao Procurador, porventura dar instruções concretas e simultaneamente destruir ou diminuir a base electiva do Conselho Superior do Ministério Público, precisamente na altura em que a revisão constitucional que os senhores aprovaram consagrou a existência de elementos electivos do referido Conselho. Já é ironia!
Por outro lado, e finalmente, pergunto-lhe se considera cumprido o legado da revisão constitucional quando este diploma escamoteia completamente o princípio da prevalência do mérito sobre a antiguidade no acesso ao Supremo Tribunal e ao Tribunal da Relação e quando inverte completamento a regra constitucional em relação ao Conselho Superior da Magistratura. É difícil imaginar coisa mais invertida do que aquilo que aqui aparece proposto. Repetindo, pergunto-lhe se considera cumprido o legado da revisão constitucional quanto ao Conselho Superior da Magistratura quando o Governo atribui a um conselho restrito os poderes que a Constituição prevê que o conselho pleno tenha. Ora, como sabe, nesse conselho não há uma maioria de juízes e pergunto se não será uma forma demasiado exagerada de não cumprir o legado constitucional.
Neste sentido, como é que é possível que o Sr. Deputado exprima confiança no cumprimento das normas constitucionais e neste edifício, incompleto, insuficiente e fragmentário? Será que ele serve de alguma coisa para melhorar a tal justiça que é distante, cara, morosa, e pessimamente reputada - e muito bem - junto dos portugueses?
São estas as perguntas que lhe deixo, porque a sua bancada tem particulares responsabilidades na reforma judiciária, que agora vai ser, em parte, escavacada!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições, para responder, se o desejar fazer, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.
Página 1268
12658 I SÉRIE - NÚMERO 32
O Sr. Roque Lino (PS): - Obviamente, tenho muito gosto em responder ao Sr. Deputado José Magalhães se tiver capacidade para o fazer. De qualquer modo, vou tentar.
Procurei apontar e enunciar as questões que me colocou e vou tentar, de facto, responder a todas elas.
Assim, a primeira questão que me colocou prende-se com o facto de V. Ex.ª ter dito que a sua bancada não se sente minimamente responsável por este pacote de medidas legislativas ter vindo tarde e a más horas. Refere - e repito-o - que a sua bancada não se sente responsável, na medida em que o prazo constitucional fixado - que algumas pessoas denominavam prazo político - deveria ter sido cumprido.
É evidente que quando aqui afirmei que quer o Parlamento quer o Governo devem assumir esta responsabilidade, disse-o obviamente, numa perspectiva puramente institucional. Não está em causa atribuir mais ou menos responsabilidade a esta ou àquela bancada, mas penso que, efectivamente, todos nós temos que saber - de uma forma modesta, mas ao mesmo tempo verdadeira - assumir as nossas responsabilidades pois fazemos parte de um corpo legislativo, que é um órgão de soberania.
Poderíamos, eventualmente, ter obviado a esta lacuna, a esta deficiência do Executivo, na medida em que a proposta não chegou mais rapidamente, mas também é verdade que - e pessoalmente tive ocasião de falar nisso - andámos nestes últimos 2 anos ou, pelo menos, na fase seguinte à aprovação da revisão constitucional, um bocado aos trambolhões.
Nestas condições, não era possível ao Executivo avançar concretamente com medidas legislativas, que estavam efectivamente previstas na Constituição - isto é, no artigo 240.º da Lei n.º 1/82 - mas que, por essas razões e por outras, não chegaram aqui mais rapidamente.
Ora, quando este Executivo tomou posse no ano passado, recaíram sobre ele tremendas dificuldades e responsabilidades que não pôde -e nós compreendemos isso- resolver de um dia para o outro e elas tinham também a ver com a apresentação destas propostas de lei. O que acabei de dizer é um facto!
Mencionei também na minha intervenção que a proposta tinha chegado aqui a esta Assembleia em Junho e afirmei igualmente - e é bom repeti-lo- que nós somos também responsáveis, na medida em que não fomos capazes de superar as nossas dificuldades para, por exemplo, de uma fornia mais eficaz e rápida, discutirmos o nosso Regimento. Para além da falta de tempo, essa foi, entre outras, uma das razões por que a Assembleia da República não discutiu anteriormente propostas legislativas que têm verdadeiramente muita urgência e que, num caso como este, são de uma importância fundamental.
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Do pedido de esclarecimento que o Sr. Deputado Tose Magalhães me colocou V. Ex.ª referiu a questão do sexénio e o facto de algumas diligências lerem sido recusadas. Creio que foi essa a questão formulada.
Sabemos que têm insistido neste ponto de vista, mas penso que ainda há bocado o nosso colega deputado Vilhena de Carvalho colocou aqui o assunto de uma forma extremamente correcta - segundo o meu entendimento - e nos seguintes termos:
Neste momento nós não podemos estar a defender uma (proposta de lei que venha a abrir o sexénio, quando já temos aqui uma outra proposta de lei que está em curso legislativo, tendo esta reunido as condições para abolir rapidamente esse mesmo sexénio.
Sr. Deputado José Magalhães, a informação que lhe foi prestada é verdadeira. Nós sabemos, mediante informações directas do Conselho Superior da Magistratura, que enquanto este diploma não entrar em vigor, estão bloqueados os movimentos de juízes, a fim de obviar ao facto extremamente injusto de se ter que aplicar agora o sexénio e, daqui a dois ou três meses, porventura, outro juiz, que teve a sorte de ainda não ter sido abrangido por esse mesmo prazo, continuar no mesmo local de trabalho.
Sr. Deputado, lamento profundamente que o tempo para lhe responder seja escasso, mas talvez amanhã, no decurso do debate, continuemos a ter a oportunidade de abordar outras questões. Para já, fico por aqui, porque não posso abusar da paciência do Sr. Presidente e dos Srs. Deputados nem das próprias normas regimentais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se é para um protesto, tem a palavra Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Roque Lino, com a sua alocução, talvez não tenhamos perdido de todo a ocasião de ouvir a opinião da bancada do PS sobre a situação que está criada - e que ate este momento não obteve resposta - na sequência daquilo que acabou de afirmar à Câmara.
Aquilo que disse soou um pouco como um pedido de desculpas à magistratura e esse mesmo pedido - é bom que se diga - é devido, porque afirma-se que a Assembleia não tinha ainda discutido este assunto (que está a ser discutido nestas condições que me abstenho de comentar) por causa do debate do Regimento é um pouco insólito. Na verdade, um debate destes poderia ter sido incluído numa tarde de um qualquer dia, durante o qual foi debatido o Regimento, porventura com mais proveito do que o debate em questão.
Por outro lado, não pode deixar-se de sublinhar as responsabilidades de cada um. Neste momento, a situação que está criada é de uma certa gravidade: a magistratura sente, como os cidadãos em geral, que o sistema em que está inserida não funciona e não vê perspectivas nenhumas de resolução das questões que, aliás, V. Ex.ª anunciou na sua intervenção, ou seja, das questões relacionadas com as leis objectivas, em que se marca passo gigantescamente, estando a Assembleia da República alheada corripletamente do processo - e, por sua vez, o Sr. Ministro perfeitamente calmo e contente- e ainda mais do esforço financeiro que é necessário, como o Sr. Deputado sublinhou. Não há o mínimo sinal desse esforço financeiro e os cofres dos tribunais, dos registos, notários e conservadores estão exauridos, por força de uma certa gestão.
Página 1269
21 DE DEZEMBRO DE 1984 1269
Por outro lado há uma surdez completa às reclamações dos magistrados, que são responsabilizados por aquilo que não tem culpa, ao mesmo tempo que certas questões se mantêm estranguladas.
Entretanto, a Assembleia da República é confrontada com propostas em que se admite que os magistrados possam ser convocados por conselhos (a pretexto da segurança interna e não sei que mais) e em que se admite que o seu estatuto possa ser debilitado por artigos como o 34.º - que V. Ex.ª criticou e muito bem -, quando, por exemplo, continuam irresolvidas as questões de que dependem as suas condições de trabalho.
Sr. Deputado Roque Lino, não e possível escamotear estas questões nem este debate correspondente àquilo que seria necessário para enfrentar a situação hoje criada.
Quanto a estas propostas, devo dizer que em vez de resolverem a questões, marcam uma involução em relação à reforma do estatuto que os Srs. Deputados aprovaram em 1977, regredindo-o fortemente tanto em relação aos magistrados do Ministério Público como aos magistrados judiciais.
Quanto ao legado da revisão constitucional, sobre o qual V. Ex.ª não disse palavra, esta proposta vem invertê-lo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Roque Lino, V. Ex.ª deseja contraprotestar.
O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, em princípio não teria que contraprotestar, mas pelo respeito que me merecem todos os Srs. Deputados desta Assembleia, não poderei deixar de o fazer, não vá o Sr. Deputado José Magalhães sentir-se ofendido por não lhe dar resposta.
Em síntese e em relação às grandes questões que estão aqui a ser debatidas, direi que nada está a ser escamoteado. Tive a preocupação de falar nas questões em termos de generalidade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não de generalidades, pois não, Sr. Deputado?
O Orador: - Exacto! E é da discussão na generalidade que se trata, pois estamos a discutir o problema na generalidade e não na especialidade!
Por outro lado, afirmei também que iremos requerer - e penso que todas as bancadas estarão de acordo quanto a esta questão - a baixa à comissão desta proposta para aí ser discutido este estatuto na especialidade.
Na verdade, esta Assembleia a funcionar em Plenário não tem reunidas as condições, quer técnicas quer outras, para poder elaborar um estatuto que seja jurídico e tecnicamente suficiente e apto para preencher esta lacuna da justiça portuguesa.
Quanto aos esforços financeiros, devo dizer que "sem ovos não se fazem omeletas" e o Estado infelizmente está na situação por nós conhecida, em que o dinheiro não abunda. Tem dificuldades diárias de toda a ordem, isto é, a crise está instalada no nosso quotidiano. Reconhecemos as dificuldades do Executivo no que loca à implementação de meios materiais, humanos e técnicos para colocar a máquina judiciária a funcionar melhor, mas, enfim, a esperança deve ser a última coisa a morrer e, por enquanto, continuo a ler esperança.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, são 21 horas. A nossa sessão está a finalizar e resta apenas indicar a ordem de trabalhos para amanhã.
A sessão de amanhã terá início às 10 horas, como e habitual às sextas-feiras, e terminará às 13 horas. Haverá período de antes da ordem do dia e o período da ordem do dia será preenchido com a continuação deste debate, tendo ficado inscritos, para produzirem intervenções, os Srs. Deputados Raúl de Castro e Hernâni Moutinho.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 21 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
José Luís do Amaral Nunes.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Amadeu Vasconcelos Matias.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Domingos Duarte Lima.
João Evangelista Rocha de Almeida.
José Bento Gonçalves.
José Pereira Lopes.
Mário Martins Adegas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
José Manuel Santos Magalhães.
Mariana Grou Lanita.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
António Gomes de Pinho.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel Tengarrinha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Rúben José de Almeida Raposo.
Página 1270
1270 I SÉRIE - NÚMERO 32
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Bento Elísio de Azevedo.
Eurico Faustino Correia.
José Barbosa Mota.
Maria de Jesus Barroso.
Maria Luísa Modas Daniel.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
José Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Octaviano Geraldo Cabral Mota.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Luísa Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
Francisco António Lucas Pires.
João Lopes Porto.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz Maria Amélia Martins.-
PREÇO DESTE NÚMERO 95$00
NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.