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DIÁRIO da Assembleia da República
I Série - Número 40
Quarta-feira, 23 de Janeiro de 1985
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JANEIRO DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
A Assembleia aprovou um voto de pesar pelo falecimento do professor da Faculdade de Letras de Lisboa, padre Manuel Antunes. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Sottomayor Cardia (PS), José Manuel Mendes (PCP), Adriano Moreira (CDS), Cardoso Ferreira (PSD), Magalhães Mota (ASDIJ e Raul Castro (MDP/CDE).
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), após leitura do parecer do Comissão de Regimento e Mandatos, foi autorizado a depor como testemunha em tribunal.
Foi aprovado o projecto de resolução n.º 41/III, tendo sido criada uma comissão eventual para analisar e dar parecer sobre o orçamento privativo da Assembleia do República.
Foram, depois, proclamados os resultados das eleições a que se procedeu na anterior sessão, relativamente à eleição de um juiz para o Tribunal Constitucional, à eleição dos representantes da Assembleia da República no Conselho de Imprensa e dos representantes (efectivos e suplentes) da Assembleia da República na Comissão de Apreciação dos Actos do MAP.
Após a leitura do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, sobre as propostas de lei n.º 94/III, que aprova as Grandes Opções do Plano para 1985, e n.º 95/III, que aprova o Orçamento do Estado para 1983, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes) fez a apresentação das referidas propostos de lei, tendo respondido, no final, a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Deputados Pinheiro Henriques (MDP/CDE), Carlos Brito, Carlos Carvalhas, Zita Seabra e Joaquim Miranda (PCP), Hasse Ferreira (UEDS), Octávio Teixeira, João Amaral e Ilda Figueiredo (PCP), João Lencastre e Bagão Félix (CDS), Raul Castro (MDP/CDE), Anselmo Aníbal, Jerónimo de Sousa e José Magalhães (PCP), Ângelo Correia (PSD), Almeríndo Marques (PS) e Pereira Lopes (PSD). Os Srs. Secretários de Estado do Planeamento (Mário Cristina) e do Orçamento (Alípio Dias) deram também, em complemento, resposta a alguns dos pedidos de esclarecimento formulados.
O debate prosseguiu com intervenções, a diverso título, além do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos), dos Srs. Deputados Raul Castro (MDP/CDE), João Salgueiro (PSD), Pinheiro Henriques (MDP/CDE), António Capucho (PSD), José Luís Nunes e Carlos Lage (PS), Hasse Ferreira (UEDS), Almerindo Marques e Jorge Lacão (PS) e Lucas Pires (CDS).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Nazaré Conceição.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Solteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Custódio das Neves Ramos.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Hãndel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeira Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
João de Almeida Eliseu.
João Luís Duarte Fernandes.
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João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Angela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Isabel Nunes Cabral.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Domingos Abreu Salgado.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Manuel Pires Neves.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
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Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro,
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Nogueira de Brito.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Goes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Pinheiro Henriques.
José Manuel Tengarrinha.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda
para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e segundo penso com a aquiescência de todos os grupos e agrupamentos parlamentares, o voto de pesar que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Considerando o enorme contributo dado pelo padre Manuel Antunes, recentemente falecido, para o enriquecimento da cultura portuguesa contemporânea.
Considerando designadamente que o ensino na Faculdade de Letras de Lisboa foi expressão de um saber que é solidariedade e esperança nos homens e um ponto de referência na Universidade portuguesa.
Considerando que proeurou, através do diálogo entre os diversos saberes - as ciências, a filosofia, a literatura e a história - a compreensão mais funda do sentido das correntes culturais que atravessam o mundo.
Considerando a sua dignidade de homem, de intelectual e cidadão aberto permanentemente ao diálogo e à procura da verdade, os deputados abaixo assinados propõem à Assembleia da República:
Um voto de pesar pelo falecimento do padre Manuel Antunes uma das grandes figuras da cultura portuguesa contemporânea, homem de uma notável estatura moral e um espírito permanentemente aberto ao diálogo e à procura da verdade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou proceder à sua votação.
Submetido a votação foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desapareceu uma grande figura intelectual, o padre Manuel Antunes. Era um homem de aspecto frágil, presença discreta, expressão sóbria, olhar vivíssimo.
Foi professor. Honrou a Faculdade de Letras e a Universidade. Durante mais de 15 anos sobrecarregaram-no com um serviço docente esmagador em disciplina não coincidente com o essencial dos seus interesses intelectuais. Era uma cadeira do 1.º ano, de frequência obrigatória para quase todos os alunos da Faculdade: um mundo de quase 1000 estudantes a que era preciso falar sem microfone e que era necessário examinar no fim do ano. Filósofo dos mais informados e vocacionados da cultura portuguesa deste século e pensador de fundamental inquietação filosófica, só pôde ensinar filosofia após a revolução de Abril.
Todavia apesar de esses e outros obstáculos com que dolorosamente houve de defrontar-se ao longo da vida, dedicou-se ao ensino com modéstia, com determinação, aparentemente com alegria.
As suas aulas eram um espectáculo de rigor, de informação, de ordem, de eloquência, de elegância. Mas constituíam, para além de isso, um desafio à curiosidade do espirito, um estímulo ao pensamento próprio, um convite à reflexão. Submeteu-se na prática ao lema que uma vez enunciou: tão difícil é a reflexão como fácil a informação e a erudição. Ouso admitir que muito poucos dos seus antigos alun8s o terão esquecido ou o poderão esquecer, mesmo entre quantos - e é a imensa maioria - se não interessem pelas matérias que leccionava.
Foi um grande escritor. Prosa límpida e rigorosa, fluente e disciplinada, ágil e cristalina, imaginativa e objectiva, intuitiva e racionalizada. Poucos portugueses conheci que tão bem dominassem a expressão oral e a expressão escrita.
Como foi aproximadamente o caso de António Sérgio, de quem era amigo, não nos deixou em rigor um livro. A amplitude de horizontes intelectuais, á solicitação de publicação periódica, certamente o desejo de intervir no dia-a-dia levaram-no a entregar-se à redacção de ensaios de média dimensão. Sobre filosofia, literatura, acontecimentos e problemas sociais, educação. Quantos deles, na aparente simplicidade e na real densidade, não pressupõem trabalho de informação sufi-
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ciente para compor livros! São sobretudo ensaios de interpretação crítica: interpretação dos grandes temas e dos grandes rumos da nossa contemporaneidade, interpretação de filósofos, de poetas, mais raramente de ficcionistas. Mas pôde ainda assim reunir, com o subtítulo "O pensamento e o reino", um significativo número de escritos expositivos de aspecto relevante do seu próprio pensamento doutrinário.
É impressionante a actualização da sua cultura, o conhecimento compreensivo de tantas e tão desencontradas formas de pensar. O que pôs à prova a sua coragem. Em Portugal era na verdade necessária muita coragem para que um jesuíta escrevesse sobre o marxismo com a abertura de espírito com que o fez pelo menos desde os anos 50.
Às páginas da Brotéria destinou a maior parte do que escreveu. Foi a militância intelectual do membro da Companhia de Jesus. Dirigiu a revista a partir de 1965. E como a renovou! Não apenas transformou em coisa viva - que antes pouco era - mas na melhor revista cultural portuguesa do tempo. Também por isso pagou. A censura oficial tornou-se atenta e interveniente e o director optou por ocultar-se sob múltiplos pseudónimos. O seu próprio nome teve de desaparecer do cabeçalho da revista nos 2 últimos anos do regime deposto em 25 de Abril.
Exemplo vivo de tolerância, era também um cidadão independente. Um amigo da liberdade, um democrata convicto. Chegou mesmo a ser, embora em sua casa, interrogado pela PIDE.
Serena e criticamente, viveu a democracia restaurada como cidadão activo e intelectual atento. Repensar Portugal evidencia o rigor e a riqueza do seu pensamento político.
Foi sem sombra de dúvida uma das maiores figuras da cultura portuguesa destas décadas. Um homem que, em qualquer parte do Mundo, teria sido alguém.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A figura do padre Manuel Antunes merece todo o respeito à bancada do Partido Comunista Português, por razões que bem se depreendem.
O seu labor, enquanto professor e intelectual, contribuiu, de forma poderosa, para o desenvolvimento da nossa cultura viva, em domínios tão distintos e tão conformes como os da história, da filosofia ou os da literatura.
Nas páginas da revista Brotéria, legou-nos, dispersos, muitos dos seus melhores escritos, justamente aqueles em que, do ângulo da reflexão, pôde abordar alguns dos mais candentes problemas da nossa cultura.
Deixou também, enquanto professor, junto dos seus alunos e daqueles que com ele privaram, a imagem de um espírito aberto, dialogante e fraternizador.
Tanto bastaria - até porque de pouco se não cura - para que honrássemos a sua memória através da votação a que acabámos de proceder.
Bom seria que a este acto, sem dúvida oportuno e justo, se seguissem outros que pudessem projectar para o futuro, no tempo e no espaço, a obra desse pensador que enriquece e honra a nossa cultura.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Associamo-nos, com a maior emoção, ao voto de pesar que acaba de ser votado pela Câmara, a propósito da perda nacional que constitui o falecimento do padre Manuel Antunes.
Gostaria de dizer que tive a honra de algumas vezes colaborar com ele na Faculdade de Filosofia de Braga, na Brotéria e na introdução em Portugal das primeiras meditações sobre o pensamento de Theillard Chardin. O professor Manuel Antunes não teve apenas aquela actividade esgotante e devotada de professor da Faculdade de Letras de Lisboa, pois já na instituição que hoje se chama Faculdade de Filosofia de Braga - e que, então, era juridicamente considerada uma Faculdade fechada -, desenvolvia uma intensíssima actividade extra-muros.
E foi, certamente, dos ministros da Igreja - católica, apostólica, romana - o primeiro que se inquietou ou que esteve na primeira linha dos que se inquietaram com a situação da Igreja no mundo. E podemos, talvez, dizer que foi um dos primeiros conciliares, antes do Concílio Vaticano II.
O País deve-lhe muito. Ele deixa uma herança que enriquece o nosso património.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo também, em nome da bancada do Partido Social-Democrata, associar-me ao voto proposto pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia, subscrevendo inteiramente todas as considerações que aqui foram feitas pelas diversas bancadas. 15to porque, seguramente, eu não o faria melhor.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Também nos associamos ao voto de pesar que esta Câmara acaba de formular pela perda
do padre Manuel Antunes.
Pensamos que sem cair no lugar-comum, se trata de facto de uma perda para a cultura portuguesa contemporânea.
Creio que se muita coisa já foi dita nesta Assembleia, importará que se acrescente o testemunho pessoal de quem com o padre Manuel Antunes aprendeu alguma, coisa. O testemunho de quem aprendeu, essencialmente com ele, a ser exigente consigo próprio, a ser exigente com o seu próprio sentido de generosidade e de apegamento, pensando que, tal como uma geração inteira, também deve ao padre Manuel Antunes alguma coisa de um ensino muito próprio que ele teve ao ensinar a amar Portugal.
Penso que essa faceta do ensino do padre Manuel Antunes não poderá ser esquecida nesta Assembleia da República.
Ele, de facto, ensinou a amar Portugal.
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Creio que o próprio titulo de um seu conjunto de ensaios Repensar Portugal tem nesse repensar muito do sentido profundo do que é um reencontrar um sentido, reencontrá-lo numa perspectiva e numa esperança, reencontrá-lo numa aposta muito serena, muito firme, muito generosa, muito aberta para o futuro.
Creio que todos nós estamos, hoje, de algum modo, mais pobres. Mas também creio que será o momento e o lugar apropriado para que nesta Assembleia façamos um apelo no sentido de que a cultura portuguesa seja capaz de, republicando a obra dispersa do padre Manuel Antunes, e especialmente estudando-a, tirar ainda proveito maior do seu ensino.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE associa-se à homenagem que acaba de ser prestada ao padre Manuel Antunes, salientando a sua figura destacada de professor, de humanista, que faz falta no panorama da cultura portuguesa. Por isso, nos associamos também ao voto que acaba de ser apresentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, sobre o pedido de autorização para que o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca deponha como testemunha.
Foi lido. É o seguinte:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 1576, processo n.º CP 509, 3.ª Secção do 14.º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, datado de 19 de Dezembro último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado João Cerveira Corregedor da Fonseca, comunica a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em referência.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou pôr à vossa apreciação o projecto de resolução n.º 42/III, para a criação de uma comissão eventual a fim de analisar e dar parecer sobre o orçamento privativo da Assembleia da República.
Foi lido. É o seguinte:
Nos termos do n.º 2, do artigo 12.º, da Lei n.º 32/77, de 25 de Maio, o orçamento privativo da Assembleia da República deve ser aprovado pelo respectivo Plenário.
Torna-se, portanto, necessário preparar a sua discussão, o que só poderá ser feito em sede de Comissão.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 181.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República e do artigo 48.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados propõem a constituição de uma comissão eventual, para no prazo de 5 (cinco) dias, analisar e dar parecer, sobre o orçamento privativo da Assembleia da República, com a seguinte composição: 5 deputados do Partido Socialista; 4 deputados do Partido Social-Democrata; 3 deputados do Partido Comunista Português; 2 deputados do Centro Democrático Social; 1 deputado do Movimento Democrático Português; 1 deputado da ASDI; 1 deputado da UEDS.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa vai proclamar os resultados das eleições a que se procedeu na última sessão.
Foram lidos. São os seguintes:
Aos 15 dias do mês de Janeiro de 1985 decorreram no Plenário da Assembleia da República as eleições cujos resultados a seguir se indicam:
Eleição para um juiz do Tribunal Constitucional
Foi candidato o juiz-conselheiro António Luís Correira da Costa Mesquita que obteve: votos a favor, 123; votos contra, 59; abstenções, 12; votos brancos, 1; votos nulos, 1.
O candidato não obteve dois terços dos votos registados, que foram 196, pelo que não foi eleito.
Eleição para Conselho de Imprensa
Foram candidatos: José Manuel Pereira dos Santos, indicado pelo PS, que obteve 146 votos a favor, 28 contra, 20 abstenções, e 2 votos nulos, pelo que foi eleito; José Silva Marques, indicado pelo PSD, que obteve 144 votos a favor, 32 contra, 13 abstenções, 5 votos brancos e 2 votos nulos, pelo que foi eleito; Vítor Manuel Caetano Dias, indicado pelo PCP, que obteve 89 votos a favor, 71 contra, 26 abstenções, 8 votos brancos, e 2 votos nulos, tendo sido eleito; Raul Hermenegildo Alves Luís Fernandes, indicado pelo CDS, que obteve 119 votos a favor, 36 contra, 35 abstenções, 4 votos brancos e 2 votos nulos, pelo que foi eleito.
Eleição dos representantes da Assembleia da República
na Comissão de Apreciação dos actos do MAP
Os candidatos constantes da lista anexa obtiveram os votos nela expressos sendo todos eleitos.
Membros efectivos: Luís Silvério Gonçalves Saias, indicado pelo PS, 163 votos a favor, 27 contra, 5 abstenções e 1 voto branco; João Almeida Eliseu, indicado pelo PS, 162 votos a favor, 22 contra, 11 abstenções e 1 voto branco; António Marques Mendes, indicado pelo PSD, 174 votos a favor, 18 contra, 1 abstenção e 3 votos brancos; Helena Bruto da Costa, indicada pelo PCP, 116 votos a favor, 49 contra, 27 abstenções e 4 votos brancos; Henrique Manuel Soares Cruz, indicado pelo CDS, 153 votos a favor, 19 contra, 23 abstenções e 1 voto branco. Membros suplentes: Zulmira Helena Alves da Silva, indicada pelo PS, 157 votos a favor, 24 contra, 12 abstenções e 3 votos em branco; Carlos Justino Luís Cordeiro, indicado pelo PS, 160 votos a favor, 23 contra, 10 abstenções e 3 votos em branco; Francisco Antunes da Silva, indicado pelo PSD, 159 votos
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a favor, 24 contra, 8 abstenções e 5 votos em branco; Manuel Rogério de Sousa Brito, indicado pelo PCP, 126 votos á favor, 44 contra, 18 abstenções e 8 votos em branco; Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira, indicado pelo CDS, 150 votos a favor, 23 contra, 18 abstenções e 5 votos em branco.
Os trabalhos tiveram como escrutinadores os deputados vice-secretários Luís Cacito e Roleiro Marinho.
Esta acta está assinada pelo Sr. Deputado Luís Cacito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na segunda parte da ordem do dia, para apreciação da proposta de lei n.º 94/III - que aprova as Grandes Opções do Plano para 1985 - e a proposta de lei n.º 95/III - que aprova o Orçamento do Estado para 1985.
Está aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço
palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tenha a bondade de aguardar.
Sr. Deputado Jorge Lemos, é alguma questão sobre o relatório?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É, sim, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Sucede apenas que tive conhecimento do relatório há pouco tempo. Mandei-o fotocopiar, mas presumo que seja difícil que as fotocópias sejam entregues com a rapidez necessária.
Assim, proponho que seguíssemos com os trabalhos. Sr. Deputado Jorge Lemos está de acordo?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, sugeríamos que o relator ou a Mesa procedessem à leitura do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano para que constasse do Diário. 15to, uma vez que não é possível fazer a sua distribuição em fotocópias.
O Sr. Presidente: - Agradeço que os serviços sejam mais diligentes e que apresentem na Mesa o original do parecer que aguardamos.
Pausa.
Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, pretendo saber se V. Ex.ª deseja indicar alguém para ler o relatório.
O Sr. João Salgueiro (PSD): - Sr. Presidente, se não puder ser lido pela Mesa, talvez o secretário da Comissão pudesse prestar esse favor.
O Sr. Presidente: - A Mesa não vê inconveniente em ler o relatório.
Foi lido. É o seguinte:
O relatório e parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano sobre a proposta de lei n.º 94/III - Grandes Opções do Plano para 1985 e proposta de lei n.º 95/III - Orçamento dó Estado para 1985 é do seguinte teor:
1 - Por despachos do Sr. Presidente da Assembleia da República de 10 de Janeiro de 1985, baixaram à Comissão de Economia, Finanças e Plano as propostas de lei n.ºs 94/III e 95/III, relativas às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento do Estado para 1985, respectivamente.
Foi recebido nesta data o parecer emitido pelo Conselho Nacional do Plano, para a Assembleia da República e relativo àquelas propostas.
Foram também recebidos, nesta Comissão, os pareceres das Comissão Especializadas de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de Saúde, Segurança Social e Família, de Trabalho, de Educação, Ciência e Cultura, de Agricultura e Mar, de Defesa Nacional, dos Negócios Estrangeiros e Emigração, de Administração Interna e Poder Local, da Condição Feminina e da Juventude, os quais se anexam ao presente relatório e parecer. Não foram recebidos pareceres das Comissões de Equipamento Social e Ambiente e Integração Europeia.
2 - Para a análise das propostas de lei em epígrafe, a Comissão entendeu solicitar a presença dos Srs. Ministros das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia. Foi possível reunir com o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, acompanhado pelos Srs. Secretários de Estado do Orçamento e do Planeamento, em 16 do corrente e de novo, com o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, no dia 21.
A reunião com o Sr. Ministro da Indústria e Energia, para o esclarecimento da distribuição das dotações orçamentais ao sector empresarial do Estado, não chegou a ter lugar por dificuldade de compatibilização de. datas em tempo útil.
3 - Foram solicitados ao Governo alguns documentos e informações adicionais que, na generalidade dos casos, foram fornecidos. Com vista à análise e discussão em sede de especialidade aguardam-se os seguintes elementos:
Conta de resultados do fundo de compensação;
Operações de tesouraria do Estado com empresas públicas e privadas;
Operações financeiras com as regiões autónomas;
Operações de dívida pública externa contratadas e ainda não utilizadas;
Dívida de Estado não titulada;
Orientações de austeridade transmitidas ao sector empresarial do Estado;
Relação de investimentos considerados improdutivos no sector empresarial de Estado;
Balanço e contas de IAPO, EPAC, AGA e EDP.
4 - A Comissão de Economia, Finanças e Plano constata que as propostas de lei das Grande Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1985 deram entrada na Assembleia da República com 3 meses de atraso em relação aos prazos legalmente estabelecidos.
5 - A Comissão salienta a melhoria registada nos documentos enviados pelo Governo, tendo em
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vista a satisfação das regras e procedimentos decorrentes da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, designadamente com a integração no Orçamento dos Programas e Projectos Plurianuais e com o envio dos orçamentos dos diversos ministérios e dos orçamentos privativos dos fundos e serviços autónomos.
6 - A Comissão entende igualmente salientar, e tendo ainda em vista o estipulado na Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, algumas deficiências que se registam na proposta de lei do Orçamento do Estado.
Assim:
a) São insuficientes o relatório justificativo das previsões de receitas e os relatórios sobre a divida pública e as contas do Tesouro;
b) São inexistentes o relatório sobre a situação da Segurança Social e dos fundos e serviços autónomos e o relatório sobre a dívida global das restantes entidades integradas no sector público.
7 - Dos relatórios e pareceres emitidos pelas diversas comissões especializadas e enviadas à Comissão de Economia, Finanças e Plano, salientam-se em síntese os seguintes aspectos:
a) Nenhuma das comissões levantou objecções de carácter formal à discussão das propostas de lei em Plenário;
b) São referidas insuficiências de verbas em relação aos objectivos pelas Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de Agricultura e Mar, de Defesa Nacional, de Educação, Ciência e Cultura, de Negócios Estrangeiros e Emigração, da Condição Feminina e da Juventude;
c) São emitidas considerações sobre a insuficiência de políticas sectoriais e sobre a justificação de algumas inscrições orçamentais pelas Comissões de Educação, Ciência e Cultura, de Agricultura e Mar, de Defesa Nacional e da Condição Feminina;
d) É manifestada apreensão quanto à incidência de impostos, designadamente o imposto de capitais sobre os depósitos de emigrantes pela Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração e o imposto de indústria agrícola pela Comissão de Agricultura e Mar.
8 - Como resultado dos trabalhos realizados, quer na análise conjunta das propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, quer na reunião com os membros do Governo da área do Ministério das Finanças e do Plano, a Comissão salienta ainda os seguintes pontos:
a) A ausência de enquadramento macro económico de médio prazo, e a necessidade de compatibilizar a evolução de algumas variáveis das propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, nomeadamente a evolução cambial, a distribuição do rendimento e a formação bruta de capital fixo;
b) A justificação insuficiente da evolução prevista para algumas verbas da receita orçamental, nomeadamente a relativa ao imposto profissional e de capitais, bem como de algumas despesas, nomeadamente as relativas ao Ministério da Educação, a pensões e reformas, e as transferências para as regiões autónomas;
c) A evolução do défice, que terá um crescimento real em consequência de um aumento em termos nominais de 60 % do défice corrente e de 4,5 % do défice de capital;
d) O aumento da dívida pública, bem como a cobertura financeira proposta, baseada fundamentalmente no recurso ao crédito bancário, e a consequente redução do volume do crédito a afectar às empresas;
e) Os efeitos decorrentes do agravamento do adicional ao imposto de capitais e da eliminação da isenção do imposto aos depósitos de emigrantes, bem como das questões emergentes do âmbito e da oportunidade da aplicação do imposto sobre o valor acrescentado;
f) A carência de elementos relativos à reestruturação do sector empresarial do Estado e ao PISEE e respectivas incidências financeiras.
9 - Esta Comissão entendeu reservar para a discussão e votação na especialidade das propostas de lei a ponderação de políticas específicas de ordem sectorial, incluindo as relativas ao Ministério da Indústria e Energia e ao Ministério do Comércio e Turismo.
10 - Por fim, a Comissão de Economia, Finanças e Plano concluiu também que as propostas de lei n.ºs 94/III e 95/III estão em condições de serem discutidas em Plenário.
Palácio de São Bento, em 21 de Janeiro de 1985. - O Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, João Maurício Fernandes Salgueiro.
O Sr. Presidente: - Foi lido o relatório. Penso que estão agora reunidas as condições para ouvirmos o Sr. Ministro das Finanças.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1985, cuja discussão hoje se inicia neste Plenário, consubstanciam as directrizes fundamentais da política económica que o Governo pretende pôr em prática, para assegurar uma saída prudente do período de estabilização financeira que agora se encerra.
Inicia-se, com estas propostas, uma fase transitória, particularmente complexa, que exige uma gestão permanentemente atenta e rigorosa, criando simultaneamente as condições para uma recuperação moderada do nível da actividade económica e o lançamento de medidas orientadas para a modernização estrutural.
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Uma análise serena da evolução económica em 1984, comparando objectivos e resultados, mostra que os esforços pedidos aos Portugueses não foram vãos.
O Programa de Gestão Conjuntural de Emergência, lançado no Verão de 1983, tornou possível, na verdade, combater com eficácia a degradação da situação dos pagamentos externos, que se perfilava, então, como o principal problema imediato na gestão da vida económica do País. Entre 1982 e 1984, o défice da balança de transacções correntes caiu para cerca de um quinto, passando de um valor superior a 3 200 milhões de dólares para um nível que ficará certamente abaixo dos 700 milhões; em consequência deste facto, a dívida externa, expressa em dólares, que tinha crescido a um ritmo de 23,5 % e 24,5 % em 1981 e 1982, subiu apenas 5,8 %o em 1983 e 5,2 % em 1984, permitindo recuperar o controle de uma evolução que estava a tornar-se extremamente preocupante.
Todos sabemos que o comportamento positivo das contas externas teve como contrapartida uma recessão económica significativa, com consequências relevantes no nível de vida da população. É preciso lembrar, contudo, que o Governo nunca escondeu esse reverso da medalha. Pelo contrário: assumiu desde a primeira hora, com uma clareza que chegou a ser criticada, os custos e os efeitos da política de austeridade, legitimada pelo Parlamento em perfeito conhecimento de causa, ao votar os instrumentos fundamentais que basearam a acção do Executivo.
Os que tão facilmente se insurgem hoje contra os aspectos negativos da recessão, contra a situação das finanças do Estado, contra o agravamento dos factores de dependência externa, empregariam o seu tempo de modo porventura mais útil se se dispusessem a reflectir sobre as origens profundas dos fenómenos que exorcisam, sobre as atitudes negligentes ou permissivas que tornaram possível, até agora, o seu encobrimento e reprodução.
É mais fácil contrair dívidas do que pagá-las; e é por certo mais atraente conduzir uma nação enquanto o crédito permite alimentar as reivindicações sociais do que promover a sua mobilização para sanear o que a desorganização financeira entretanto destruiu.
Não se pode razoavelmente aceitar que quem esteve na origem e ou no agravamento das dificuldades presentes apareça agora arvorado em rigoroso denunciante das doenças da nossa sociedade, passando uma esponja sobre a história dos últimos 10 anos da vida económica portuguesa, como se tudo tivesse nascido por encanto depois de 1983.
Vozes do PSD - Muito bem!
O Orador: - Há uma responsabilidade colectiva a assumir, se - como devemos - estivermos interessados em dar algum sentido útil ao debate sobre os problemas do País e o modo de os superar.
Trago aqui uma vez mais esta questão, porque me parece lamentável a forma como alguns responsáveis políticos procuram desvalorizar ou desprezar os resultados obtidos no âmbito dos pagamentos externos, minimizando a utilidade do esforço pedido à população e a disponibilidade do Governo para pôr em prática um ajustamento necessariamente impopular e doloroso.
Estão em causa, nesta matéria, problemas absolutamente vitais para o nosso futuro económico e para a estabilidade político-social do País.
Por duas vezes, em 5 anos, foram os Portugueses confrontados com situações de verdadeira emergência cambial, cujas consequências são de todos conhecidas; poderia pensar-se que a lição foi aprendida, mas, infelizmente, são ainda demasiadas as vozes com responsabilidade que se entretêm, por vezes, a alimentar quimeras delirantes.
Justifica-se, por isso, de novo, uma solene chamada de atenção para a necessidade de evitar o risco de mais uma derrapagem na vertente externa, com os custos que - espero bem - VV. Ex.ªs estarão em condições de avaliar.
A balança de pagamentos continuará a constituir, durante um período prolongado, a principal restrição ao crescimento económico em Portugal e ninguém estranhará, face aos princípios já afirmados pelo Governo, que aí se encontre a primeira condicionante da política económica formulada para o ano agora iniciado.
O défice previsto para 1985 não deverá ultrapassar os 1000 milhões de dólares, nível que consideramos susceptível de compatibilizar o controle da dívida externa com a prudente reanimação da procura interna, implícita no crescimento do PIB em cerca de 3 % - meta que integra, com a fixação da taxa de inflação média anual em 22%, o conjunto dos dois objectivos prioritários da política económica em 1985.
A prossecução de uma política de controle da inflação, que desacelerou claramente no período final do ano passado, ao contrário dos prognósticos catastrofistas da oposição, é encarada pelo Governo como um pressuposto fundamental para um ataque profundo aos problemas da esfera financeira.
Por outro lado, a segunda condicionante fundamental da política proposta no Orçamento e nas Grandes Opções do Plano para este ano está associada à absoluta necessidade de coordenação e controle das necessidades de financiamento do sector público alargado (SPAL), domínio onde se concentram os efeitos acumulados das patologias do nosso sistema financeiro.
Concentram-se, nesta área, 3 pontos decisivos para a reorganização financeira do Estado e a recuperação saudável da economia: a reestruturação do sector público empresarial, o controle dos fundos autónomos e a gestão da dívida pública - que reflecte, em última instância, as dificuldades do conjunto do sistema e a urgência da reforma administrativa do Estado, sem a qual não é possível aspirar a um movimento de modernização com suficiente profundidade.
Mas todo o esforço que se faça para a reforma administrativa do Estado e para o saneamento da sua situação financeira não será suficiente, se não actuarmos em maior profundidade, reconhecendo que o cerne e o motor da actividade económica e do progresso deve ser a iniciativa privada.
É que, quando o Estado invade indevidamente a esfera da actividade privada produtiva e obscurece as regras de jogo do sistema económico, está muito longe de assegurar a liberdade e a flexibilidade que uma economia moderna exige e entra inelutavelmente na senda do recurso a meios financeiros adicionais para compensar ineficiências e factores de rigidez.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Eis-nos, deste modo, chegados à questão crucial no debate deste Orçamento.
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Em 10 anos, isto é, no período 1973-1983, o montante da dívida pública directa, interna e externa, passou de 52 para 1302 milhões de contos.
Estamos, portanto, perante um acréscimo aproximado de 1280 milhões de contos, na verdade subestimado, uma vez que, em meados de 1980, se procedeu à "esterilização" de 168,7 milhões de contos de dívida com base na revalorização das reservas de ouro do Banco de Portugal.
Analisando os factores de crescimento da dívida no período considerado, verificamos que os juros, no montante de 430 milhões, explicam cerca de um terço dos resultados observados, seguindo-se, por ordem de importância, o apoio às empresas públicas em subsídios e aumentos de capital (211 milhões), as transferências para as autarquias, incluindo os investimentos intermunicipais (203,8 milhões), o Serviço Nacional de Saúde (201,8 milhões), as indemnizações (140,4 milhões), os encargos directos com a descolonização (70,4 milhões) e as transferências para as regiões autónomas (25 milhões).
Se acrescentarmos a este total a dívida garantida através de avales do Estado - que ascendia, no final de 1983, a 320,8 milhões de contos - e o conjunto das responsabilidades indirectas assumidas pelo Estado, através de entidades públicas, entre as quais os fundos autónomos, chegaremos a um valor global, provavelmente subavaliado, de 2051 milhões de contos; assim se exprime, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o saldo negativo das contas do Estado, incluindo encargos potenciais e indirectos calculados em Dezembro de 1983, último período para o qual se dispõe de elementos completos e comparáveis, embora seja possível afirmar, com segurança, que a situação global não melhorou, certamente, ao longo de 1984.
Mas há que considerar ainda o endividamento das empresas públicas, em relação ao qual não estão disponíveis dados seguros para os anos anteriores a 1979. Foi, todavia, nesse período que se geraram alguns dos principais desequilíbrios financeiros no sector, designadamente no que respeita aos aumentos excessivos dos encargos com pessoal e à maior parte dos grandes projectos de investimento.
No final de 1979, o endividamento das empresas públicas cifrava-se já em 380 milhões de contos, ultrapassando em 60 milhões o nível registado para o sector público administrativo.
É importante sublinhar, por outro lado, o facto de as empresas públicas se terem financiado predominantemente no exterior, em particular no período 1980-1982, durante o qual absorveram 5300 milhões de dólares, equivalentes a cerca de um terço da actual dívida externa do País; acompanhado por uma política de preços desajustada, muitas vezes imposta às empresas, este facto potenciou a continuação do crescimento da sua dívida em ritmo acelerado, projectando-se para um total de 1500 milhões de dólares em 1983.
Julgo bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, por uma vez, não é possível atribuir à presente gestão a perversa capacidade de gerar estes números em escasso ano e meio. Espero apenas que a invocação das contas, que, em alguns casos, nem sequer estavam feitas quando o Governo tomou posse, contribua para satisfazer a ânsia de verdade tantas vezes afirmada por esta Câmara e ajude a compreender, de forma quantificada, o sentido da responsabilidade colectiva a que há pouco me referi.
Ao discutirmos esta proposta de lei do Orçamento não poderemos ver apenas o que se refere a 1985; teremos de ter, consciente e friamente, a noção de que os valores nela contidos têm uma dimensão temporal que, em termos políticos reais, é tripla: por um lado, contêm e sintetizam os reflexos financeiros da história política e económica da última década; em seguida, constituem, na óptica do ano, o ponto possível de solução, dos múltiplos conflitos de interesse e do confronto entre recursos e utilizações, dentro das condições estruturais existentes; finalmente - e porventura mais importante - mostram à saciedade como é indispensável introduzir reformas de fundo no nosso sistema económico e na sua articulação com o sistema político.
A observação dos saldos de execução orçamental em anos recentes mostra-nos que o simples esforço de contenção da despesa - que tem, aliás, existido, de facto - não é já suficiente para superar os actuais desequilíbrios. Eliminando os juros da dívida pública, verifica-se, na verdade, que o défice de 1983 se situou em 36,2 milhões de contos contra 88,3 milhões de contos em 1980; e conclui-se que o saldo negativo proposto para 1985 atinge 58,7 milhões de contos, que representam um acréscimo de apenas 10 % sobre o valor registado no Orçamento revisto de 1984.
Na proposta para 1985, os encargos globais com a dívida crescem cerca de 34 %, atingindo um total de 405,8 milhões de contos, correspondentes a 55 % da receita total e a 33,7 % da despesa.
A parcela relativa aos juros da dívida quase duplicou entre 1981 e 1983, tendo registado, em 1984, uma subida de 40%. Em 1985, o montante afecto à cobertura dos juros sobe 37,5 % e cifra-se num total de 273 milhões de contos, que explicam, só por si, 91 % do crescimento do défice orçamental e correspondem a 40 % das receitas fiscais estimadas.
Se isolarmos o peso dos juros, o saldo negativo previsto para o presente exercício ficaria limitado a 1,8 % do PIB, dimensão equivalente à que havia sido atingida na versão final de 1984; e se deduzirmos os encargos com os juros, o aumento da despesa global em relação à posição revista do último ano situa-se em
22 %, o que equivale a uma contracção sensível em termos reais.
Gostaria que esta perspectiva de análise não fosse vista como um intuito de "retocar" a imagem global de um Orçamento que, em boa verdade, ninguém pode ter como agradável, considerando, sobretudo, a realidade que lhe é subjacente. A verdade é que só deste modo é possível formar uma ideia precisa sobre a natureza do défice apresentado e o seu impacte na esfera da economia real, pondo em causa interpretações precipitadas que pretendem ver no volume do saldo negativo - cerca de 335 milhões de contos - a expressão de uma política deliberada de cariz fortemente expansionista, obviamente irrealizável nestas condições.
Numa imagem simples, poderá dizer-se que estamos hoje, como de resto nos últimos anos, perante um Orçamento de "despesas feitas" e não de "despesas a fazer", de tal modo rígidos se apresentam os encargos predeterminados, responsáveis em conjunto, por mais de metade do valor global proposto para o presente exercício.
Chegados a este ponto, torna-se mais fácil concluir que o saneamento financeiro das contas do Estado não é um problema redutível à simples contracção das des-
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pesas públicas ou ao arranjo mais ou menos conseguido das suas aplicações.
Trata-se de reconsiderar a própria estrutura do Orçamento, num trabalho articulado com a reforma da administração, a reorganização do sector empresarial do Estado e a elaboração de uma programação financeira a médio prazo susceptível de fazer face aos problemas gerados pela reprodução da dívida.
E mais do que a simples estrutura do Orçamento, trata-se de reconsiderar as condições, nomeadamente políticas, de funcionamento do sistema económico.
Com efeito, demorou muito poucos anos a criação das condições políticas de destruição do sistema económico que levaram à degradação do sistema financeiro e às dificuldades acumuladas nestes últimos 10 anos; mas reconstruir e recuperar um sistema económico sadio e dinâmico e proceder ao saneamento em profundidade do sistema financeiro, designadamente do Estado, não pode ser tarefa de uma só legislatura.
Trata-se não apenas da responsabilidade dos que assumem funções executivas, mas em boa verdade da responsabilidade de toda uma classe dirigente que, no seu conjunto, saiba assumir o seu papel perante os Portugueses. Porque a crise financeira é hoje, em Portugal, um problema político de fundo, intimamente associado ao esgotamento da estrutura de um sistema incoerente, construído e alimentado através de permanentes soluções de recurso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria grosseiro pretender explicar a situação gerada no plano das finanças públicas exclusivamente através de actos de negligência ou má gestão. Na verdade, a crise financeira que começou a manifestar-se mais intensamente em 1983 não é mais do que a factura retardada do choque profundo a que a economia portuguesa foi sujeita na última década, através do cruzamento dos efeitos da crise internacional e das transformações revolucionárias internas que se seguiram ao 25 de Abril.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ainda agora!
O Orador: - Num escasso período de 5 anos, entre 1974 e 1979, concentraram-se num mesmo momento histórico os reflexos do esgotamento do padrão de crescimento dos anos 60, as consequências da descolonização, a interrupção abrupta dos fluxos migratórios mais significativos, os dois choques do petróleo e um processo político voluntarista, orientado para a radical transformação da estrutura económica e político-institucional do País.
A destruição da organização sistémica que suportou o Estado durante décadas e a consequente desagregação dos anteriores centros de coordenação e racionalidade económica, operada em particular através das nacionalizações e da desarticulação do capital financeiro, transformou os fundamentos das relações políticas, sociais e económicas, sem gerar, em paralelo, uma nova estrutura internamente coerente, com um núcleo de poder claro e estável. O confronto das estratégias que se cruzaram no desenvolvimento do processo revolucionário veio a exprimir-se num compromisso fluido e contraditório, definido pela negação, produzindo um sistema de poder híbrido e inconsistente em que nenhuma das forças políticas dominantes acabou por se reconhecer.
Esta evolução criou dificuldades duráveis à afirmação de hegemonias no conjunto do corpo social, surgindo, simultaneamente, como causa e efeito de uma instabilidade política endémica que abalou fortemente a unidade interna do Estado e transformou a sociedade civil numa congregação de poderes dispersos, estrategicamente indefinidos, perante os quais a administração central perdeu peso contratual e capacidade de arbitragem.
A crise instalou-se assim, progressivamente, nos próprios domínios organizacional e administrativo, afectando, com crescente profundidade, os instrumentos de regulação e intervenção e contribuindo, por essa via, para pôr cada vez mais em evidência o desajustamento do actual quadro institucional da vida económica e a inoperância dos mecanismos de produção das decisões da Administração.
O impacte do choque externo veio, entretanto, confrontar a economia portuguesa com um défice estrutural da balança de transacções correntes - uma realidade nova, hoje tida por duradoura e decisiva, mas infelizmente assimilada com excessiva lentidão na definição das políticas económicas globais. No contexto de indefinição estratégica que procurámos sintetizar, não surpreende que a balança de pagamentos e o agravamento dos factores de dependência externa acabassem, como acabaram, por desempenhar um papel determinante no movimento do ciclo político-eleitoral e na detonação da crise do sistema financeiro, que, perante a ausência de ajustamento da estrutura, foi obrigado a absorver, paulatinamente, o impacte do choque global que a sociedade portuguesa suportou a partir de meados da década passada, adiando a repercussão dos seus efeitos no aparelho, produtivo e no nível de vida da população.
A ilustração concreta desta imagem breve e necessariamente simplificada encontra-se concretizada na gestão da dívida externa ou na política de investimentos do sector público empresarial, administrado ao sabor das necessidades do momento, com uma permanente descoordenação entre as tutelas e num quadro de ausência de qualquer noção de planeamento estratégico. Para além dos factores de ineficiência que em si mesmas geraram, as empresas públicas - é justo reconhecê-lo - têm servido para esconder desemprego, para conter preços de forma artificial, para financiar, pela via mais fácil, o endividamento externo. É tempo de pensarmos nelas também como unidades empresariais e tirar dessa perspectiva todas as consequências, sob pena de desvirtuarmos por completo o debate importante e oportuno sobre a redução do papel do Estado na economia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começamos agora a conhecer, com algum rigor, a expressão financeira desta permanente fuga em frente alimentada a crédito, que tornou possível esconder incapacidades e fraquezas quanto ao ajustamento real do sistema económico.
O Orçamento que hoje procuramos começar a analisar é o espelho de 10 anos de dificuldades políticas e imobilismo estrutural. Se não houver entretanto a capacidade e a vontade de preparar a mudança que a gravidade das circunstâncias exige, podemos também dizer, desde já, que ele é o prenúncio de tempos particularmente difíceis. Por isso desejo repetir, perante esta Câmara, o que já tive ocasião de afirmar noutras circunstâncias: a proposta de lei do Orçamento para 1985 só faz sentido se a sua execução for acompanhada de reformas de fundo e só nesses termos foi apresentada.
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É este, sem dúvida, o exercício possível nas condições que o Governo enfrenta, mas na lógica da sua aceitação tem de caber, também, um solene compromisso de mudança que permita realizar com sucesso visível a passagem do diagnóstico à acção concreta.
Apesar de não estarem reunidas todas as condições para lançar, neste domínio, um programa de acção sistematizado e global, o Governo fará transparecer, na execução orçamental de 1985, um primeiro esforço de carácter organizado e orientado para o controle da despesa onde for possível actuar em termos imediatos.
Apesar de já terem sido divulgadas, parece-me importante referir, aqui, as seguintes medidas: redução dos encargos com a Saúde que recaem sobre o Orçamento do Estado, nomeadamente através de normas susceptíveis de desincentivar o sobreconsumo de medicamentos; revisão do sistema de financiamento do ensino público, envolvendo, entre outros pontos, o regime de propinas, bolsas e acção social; revisão do regime de segurança social dos trabalhadores rurais aproximando-o do regime geral; revisão do regime das prestações familiares, designadamente através da fixação de um limite de rendimento para a atribuição do abono de família; redução das despesas com o parque automóvel do Estado, aquisição de mobiliário, combustíveis, telefone de serviço e deslocações ao estrangeiro.
No plano da política fiscal, a inovação de maior significado diz respeito à introdução do imposto sobre o valor acrescentado, a partir de Julho.
Enquanto se aguardam as conclusões dos trabalhos em curso sobre a reforma da tributação do rendimento, o Governo propõe, ainda na perspectiva da modernização do sistema fiscal, um conjunto de alterações que pretendem favorecer o relançamento económico e a correcção de injustiças e iniquidades. Entre outras destacam-se, quanto à tributação dos indivíduos, a revisão das tabelas dos impostos profissional e complementar, no sentido de tornar mais equilibrados os regimes fiscais a que estão sujeitos os rendimentos do trabalho.
No âmbito da tributação das empresas, prevê-se a revisão dos grupos da contribuição industrial, do regime fiscal das provisões e dos critérios de valorimetria das existências, introduz-se a isenção do imposto de mais-valias para a incorporação de reservas no capital social e reduz-se de 15 % para 12 % a taxa do imposto de capitais sobre os lucros distribuídos, de modo a favorecer a aplicação de capitais próprios nas empresas.
No domínio dos benefícios fiscais, estão previstas, entre outras disposições, a revisão do sistema de incentivos integrados ao investimento - adaptando-o à modernização tecnológica -, a revisão do sistema de incentivos fiscais ao investimento nos sectores da construção civil, obras públicas e electricidade e a prorrogação dos incentivos à exportação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este conjunto de medidas representa um esforço do Governo para aperfeiçoar a política orçamental e responder, ainda que parcialmente, a reivindicações justas da sociedade quanto ao equilíbrio global do sistema fiscal e da política redistributiva.
Não se chega, todavia, a tocar no essencial. E o essencial traduz-se, em 1985, num programa de acção sustentado em 3 pontos, cujo conteúdo procurarei explicitar, nas suas linhas gerais.
O primeiro diz respeito à constituição de equipas destinadas a preparar as condições para o lançamento, em 1986, de orçamentos de base zero nos Ministérios da Saúde, Educação, Agricultura e Finanças. Trata-se de um trabalho de fundo verdadeiramente pioneiro e perspectivado em termos de médio prazo, tendo como objectivo primordial a redução dos gastos do Estado em bases duráveis e criteriosas, nomeadamente através da eliminação de departamentos e serviços cuja qualidade ou utilidade não venha a ser demonstrada.
Esta iniciativa está obviamente articulada com o propósito de melhorar os métodos de execução da gestão orçamental e integra-se no âmbito da elaboração de um programa sistemático para a reforma administrativa, que constitui o segundo ponto do conjunto de acções de fundo que enquadram a apresentação deste orçamento.
A base de partida dessa reforma assentará na Comissão Interministerial para a Reestruturação da Administração Pública, recentemente criada por Resolução do Conselho de Ministros, com um mandato que expira no final do ano.
Compete à Comissão, entre outras atribuições, a formulação de propostas de reestruturação orgânica da Administração e a sugestão de acções reformadoras no que se refere, nomeadamente, ao estatuto e à política de pessoal na função pública, à utilização da informática, à gestão dos edifícios públicos e ao regime jurídico das empreitadas, das obras públicas e da aquisição de móveis e imóveis, ao processo administrativo gracioso, à valorização do património do Estado e da sua utilização e à revisão do estatuto dos institutos públicos e dos fundos públicos não personalizados.
A primeira tarefa da Comissão consistirá, porém, na apresentação, a breve prazo, de uma proposta de eliminação, fusão ou reorganização de direcções-gerais, serviços ou institutos públicos que prossigam finalidades esgotadas ou sobrepostas, acompanhando as medidas preconizadas de soluções para a gestão dos excedentes de pessoal assim gerados.
O terceiro ponto deste programa concentra-se na reorganização do sector público empresarial que, nesta primeira fase, deverá basear-se na revisão do modelo de enquadramento institucional das EPS e na implementação de programas de reestruturação, envolvendo, de início, a Quimigal, a Rodoviária Nacional e a EDP, através de projectos de acção a médio prazo, que estão a ser negociados com o Banco Mundial.
A revisão do modelo de enquadramento institucional das empresas públicas tem por objectivo a criação de condições de coordenação global do sector, em particular no que diz respeito ao seu financiamento, implicando a revisão do sistema de tutela no sentido de melhorar a articulação entre as EPS e o Governo. Papel importante caberá ao CMAE, apoiado pelo secretariado permanente para as empresas públicas, cuja criação está dependente de acertos finais no seio do Governo.
Estão previstas ainda medidas orientadas para a reformulação do sistema de administração de empresas, incluindo contratos programa e contratos de gestão, aumentando a eficácia da fiscalização e alterando os critérios de composição dos órgãos de gestão, com o eventual reforço dos poderes dos conselhos de administração.
Num outro plano, e na perspectiva de um ataque coerente e integrado aos pontos fundamentais de blo-
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queio do sistema financeiro, está a ser preparada a revisão do sistema de preços administrados e a implementação de uma estratégia para a regularização das dívidas que o Fundo de Abastecimento e o Fundo de Garantia de Riscos Cambiais mantêm em relação às empresas públicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A orientação política contida neste programa de acção e o esforço de reforma progressiva do nosso sistema económico legitima a aprovação do Orçamento e das Grandes Opções do Plano solicitada pelo Governo ao Parlamento.
Espero ter deixado suficientemente esclarecido que as medidas descritas não são mais do que o ponto de partida de uma acção de médio e longo prazo, gradual e, porventura, sem resultados espectaculares no futuro próximo.
A estabilidade política e uma gestão macro-económica susceptível de assegurar simultaneamente o controle da inflação e do défice externo são os pressupostos do êxito desta aproximação gradualista aos desequilíbrios do sistema financeiro português.
Actuando com energia e determinação, criaremos as condições para a desmontagem dos "nós cegos" que foram sendo acumulados nas finanças do Estado e criaremos as condições para a geração de sinergias modernizadoras na estrutura económica. 1985 deverá constituir, mesmo tendo em conta as particularidades do calendário político, um momento importante na construção deste caminho que entendemos ser o caminho do futuro de Portugal.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Pinheiro Henriques, Carlos Brito, Carlos Carvalhas, Zita Seabra, Joaquim Miranda, Hasse Ferreira, Octávio Teixeira, João Amaral, Ilda Figueiredo, João Lencastre, Bagão Félix, Raul Castro, Anselmo Aníbal, Jerónimo de Sousa, José Magalhães, César Oliveira, Ângelo Correia e Almerindo Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças, segundo afirmou aqui em 24 de Fevereiro passado, o ano de 1984 era crucial não só porque com ele terminava o período de vigência do Programa de Gestão Conjuntural de Emergência, que visaria a estabilização financeira, como também se prometia que ainda nesse ano seriam dados a conhecer o Programa de Recuperação Financeira e Económica e o Programa de Modernização da Economia Portuguesa que, segundo disse, seriam "programas de actuação com profunda vocação operacional que, definindo o essencial da orientação do Governo, irão sendo progressivamente preparados e implementados".
É portanto lamentável, em nossa opinião, que não se tenha aproveitado a oportunidade destas Grandes Opções do Plano para fazer o balanço da aplicação da política de gestão conjuntural de emergência do Governo, incluindo aquilo que foi designado por "acções de relançamento prudente e selectivo da conjuntura", na viragem para o segundo semestre, e que foi anunciado na mesma oportunidade.
Viria, pois, a talhe de foice saber a justificação da afirmação constante da proposta de Orçamento do Estado para este ano, de que o balanço dos resultados
com a política de estabilização económica aplicada desde Junho de 1983 é, sem dúvida, positivo.
É oportuno perguntar, por exemplo, se foi deliberadamente ou por falta de capacidade de controle que se verificaram as diferenças nos valores acordados com o Fundo Monetário Internacional.
É que mesmo os valores que agora são apontados como paradigma da correcta aplicação da política conjuntural definida - a evolução da dívida externa e da balança de transacções correntes -, ao ultrapassarem as expectativas, reforçaram injustificadamente, a nosso ver, os sacrifícios exigidos aos Portugueses.
No que concerne às alterações de natureza estrutural, que o próprio Governo considera até mais importantes, não podemos deixar de sublinhar não ter também o Governo cumprido o compromisso que assumiu. De facto, se a primeira versão do Programa de Recuperação Financeira e Económica já viu a luz do dia, outro tanto não sucedeu com o Programa de Modernização da Economia Portuguesa. E mesmo quanto ao primeiro, não se vislumbra que esteja a ser adoptado, pois ainda não foram tomadas medidas significativas de recuperação financeira, como é o caso da modernização do sector bancário. Apesar de ter sido então anunciado, também, pelo Sr. Ministro, que até Outubro passado o Governo procederia aos ajustamentos estruturais necessários da banca nacionalizada.
Face ao divórcio existente entre o Orçamento do Estado, as Grandes Opções do Plano e o Programa de Recuperação Financeira e Económica e à inexistência do Plano de Modernização da Economia Portuguesa ou, sequer, de orientação para o investimento, como se processará o arranque de um desenvolvimento que se pretende sustentado - e não a fase expansiva de mais um ciclo a que se seguirá nova fase recessiva ainda muito mais gravosa e penalizante -, em que sectores assentará um tal arranque e que medidas serão tomadas para tal efeito?
A propósito da balança de pagamentos, confirma-se na proposta de Grande Opções do Plano para este ano que será ainda a condicionante externa a principal restrição ao crescimento económico durante o próximo ano. Pergunta-se como é possível elaborar as Grandes Opções desligadas de qualquer projecção macro-económica de médio e longo prazo, em que seja equacionada e definida a capacidade de endividamento do País.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª pretende responder desde já ou no fim dos pedidos de esclarecimento que foram formulados?
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, creio que, dado o elevado número de Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos, seria preferível ouvirmos as intervenções e, no final, procuraria responder.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, os diplomas governamentais em apreço, as propostas de lei do Orçamento de Estado e das Grandes Opções para 1985, bem como o discurso que o Sr. Ministro acaba de produzir, ilustram perfeitamente os resultados desastrosos de uma política para a qual o meu
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partido preveniu a opinião pública nacional e as demais forças democráticas. Só os membros do Governo, e provavelmente nem todos, repetirão com o Sr. Ministro a frase de que valeram a pena os sacrifícios.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - 15to está pior do que nunca - é o que se diz pelo País inteiro!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os 2 diplomas em discussão mostram, com toda a clareza, a recessão económica profunda em que o País foi mergulhado pela política governamental, a quase ruptura financeira, o afundamento das condições sociais do nosso povo, o prosseguimento da política de destruição das alterações democráticas que foram feitas depois do 25 de Abril, bem como o caminho para o estrangulamento pela divida externa.
Em todo o caso, o que temos à nossa frente é apenas uma parte da imagem do desregramento das contas da administração central. O Sr. Ministro falou numa política de verdade: não seria a altura de nos falar do ponto da situação dos fundos autónomos e da dívida acumulada desses mesmos fundos, designadamente do Fundo de Apoio Térmico, do Fundo de Risco Cambial e do Fundo de Abastecimento?
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Ministro diz que a responsabilidade não é toda deste Governo. Mas este Governo agravou a situação. Pode-nos fazer uma estimativa da dívida total da administração central, da divida às empresas nacionalizadas, da dívida à reforma agrária, da dívida às farmácias, da divida aos empreiteiros. A quanto monta? São 2000 milhões, são 2500 milhões? Era interessante ver qual foi o nível de agravamento com este Governo.
Falando-se de dívida, creio que tem toda a razão de ser que aqui lhe lembremos que, neste momento, a divida externa representa 90 % do PIB e o serviço da dívida externa representa 45 % das nossas exportações. Não entende, portanto, o Governo ser chegada a altura de considerarmos, e até porque internacionalmente a questão está colocada, a questão de renegociação da nossa dívida?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Poderemos abordar seriamente uma política de saída da recessão sem darmos esse passo decisivo?
Repare, Sr. Ministro, que o Governo se gaba de ter conseguido reduzir o défice da balança de transacções correntes. Mas ao estabelecer um certo objectivo expansionista - pequeno e provavelmente propagandístico - o Governo teve logo de admitir o agravamento do défice da balança de transacções correntes. Temos, então, toda a razão ao dizer que esta política é uma política de ciclo vicioso do qual não se pode sair, com as vossas medidas e com as vossas receitas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Falando da dependência externa, todos nós sabemos que se vão iniciar dentro em breve negociações com o Fundo Monetário Internacional. Sabemos, também, que estão em curso estudos e negociações com o Banco Mundial e que marcham as negociações, de sorte incerta, com a CEE. Perguntava-lhe, Sr. Ministro, de que é que valem estas opções que aqui estamos a discutir, face a essas negociações? Vai o Governo respeitá-las ou vai fazer como fez no passado: passar por cima delas com a maior ligeireza? Era uma resposta que conviria dar.
Passo adiante outras perguntas que aqui tinha, para lhe perguntar se não tira nenhuma conclusão desta circunstância? É que aqueles que votam a favor da política económica e financeira do Governo encontram-se cada vez em maiores dificuldades e em maiores embaraços.
Por outro lado, no que a nós respeita, podemos dizer com toda a firmeza e com toda a confiança que a política económica e financeira do Governo aqui trazida nestas Grandes Opções e nesta proposta do Orçamento dá mais razão à nossa oposição à política do Governo e à nossa luta para exigirmos a sua substituição a curto prazo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas para um pedido de esclarecimento.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: Se aqui estivesse o deputado José Luís Nunes, contar-lhe-ia uma história - a história do cavalo do inglês - a respeito da redução do défice da balança de transacções correntes e da recessão. Mas vamos aos factos.
Uma voz do PS: - Ele está cá!
O Orador: - O Governo diz que o produto interno bruto poderá crescer 3 % em 1985, contando para isso com o crescimento de 10 % no sector da energia e 4 % no sector da agricultura e pescas. Ora, isto não tem qualquer credibilidade, pois o Governo na comissão não conseguiu sequer explicar o crescimento da energia em 1984. O crescimento que se prevê de 10 %, só no que diz respeito à electricidade - o plano energético só prevê um aumento do consumo em 4 % e a EDP de 5 % - significaria que deixaríamos de importar energia, e até exportaríamos uns bons G.w/hora.
Quanto à agricultura e à produção agrícola, prever um aumento de 4 % sobre o aumento do ano passado, quando o Governo deixa este sector ao abandono, o descapitaliza e procura liquidar a reforma agrária, é pura demagogia. Aliás, a OCDE, como sabe, o que prevê para Portugal é a estagnação do PIB em 1 % e o decréscimo do investimento em 2 %. Como explica, pois, o Governo as suas projecções e a compatibilização destas para obter os 3 %?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O que as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado mostram, é que vai continuar a política de marasmo económico e de ataque às empresas públicas, Sr. Ministro.
E incrível que o Governo diminua o investimento (formação bruta de capital fixo), de 3 % para 2 %, depois de este ter diminuído 26 % em 2 anos com o ar-
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gumento de que a sua preocupação é a de evitar o peso do sector público do Estado.
É um espanto!
A preocupação do Governo não é o desenvolvimento, não é o melhoramento das condições de vida da população, mas evitar o peso do sector empresarial do Estado. E o Estado continua a dever às empresas públicas, qualquer coisa como 500 milhões de contos.
Mas a degradação não é só na economia, Sr. Ministro. É também financeira, externa e interna, atingindo o sistema financeiro. Na verdade, como é que o Governo explica que os rendimentos da propriedade passem de 58 milhões de contos no Orçamento do Estado inicial de 1984, para 12 milhões de contos em 1985? Não está aqui, também, a prova da degradação do sistema financeiro, do Banco de Portugal e da banca comercial, tendo inclusivamente esta de andar nos retoques contabilísticos para apresentar resultados - a venda de ouro ao Banco de Portugal, a venda de colecções de numismática, a contabilização de juros, do crédito mal parado sem provisões adequadas, etc.
Estamos perante um Governo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da degradação financeira do País e do Estado e o que o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano espelham é isso mesmo. É que, este Governo, depois de ter degradado a situação económica, degradou a situação financeira do Estado e a situação financeira da República, interna e externa, e isso é uma situação insustentável.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: É política a questão que lhe quero colocar. É na verdade estranho que tendo o Orçamento alguns meses de atraso...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Três meses!
O Orador: - ... o Sr. Ministro não tenha dito uma única palavra para explicar a razão de ser desse atraso. Abriu o debate, fez o seu discurso, e não explicou minimamente a que é que se deve o atraso. Na verdade, o Orçamento deveria ter entrado na Assembleia a 15 de Outubro e estamos a 22 de Janeiro.
Assim, pergunto-lhe muito concretamente qual a explicação para este atraso ou quais as razões dele. Só vemos 3 ordens de razões:
Por um lado ou o Sr. Ministro e a sua equipa e o Governo de que faz parte são incompetentes e não são capazes de, a tempo e horas, apresentar o Orçamento do Estado, como era seu dever, como é de lei e como resulta do texto constitucional. Desta forma, não entendo - e certamente o País também não entende como é que se pode manter à frente da pasta das finanças um ministro que nem sequer é capaz de apresentar, a tempo e horas, o Orçamento - e como é que uma tal incompetência vem ao de cima!...
A outra hipótese estará relacionada com razões de ordem política. 15to é, o Governo, artificialmente, e por razões de ordem política, atrasou a entrada do Orçamento na Assembleia da República. Que razões são essas, Sr. Ministro? Sobre isto podemos encontrar 2 tipos de explicações: ou o Governo, atendendo às dificuldades que o Orçamento revisto provocou, não só internas à coligação como no País, tornando claro o descalabro da política económica, tentou adiar o novo debate na opinião pública, no País e na Assembleia da República; ou há outro tipo de questões, como a tentativa de, por esta forma, o Governo prolongar artificialmente a sua vida e não criar condições para que sejam tomadas decisões. 15to é, no fundo, o sonho do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro colocando o País numa espécie de hibernação até Junho. Quer-se que tudo pare até Junho; os congressos dos partidos, o Orçamento do Estado, as várias decisões políticas, a escolha de candidatos à presidência, etc. Em Junho, aí, sim, as decisões serão tomadas. É isto Sr. Ministro?
Muito concretamente diga-me a que se deve este adiamento do Orçamento? Creio que se deve uma explicação à Assembleia e ao País. E que ela não seja uma resposta técnica, pois também gostava que nos dissesse que custos é que isto acarretou para o País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Que custos? Não se refugie, porém, nos custos, para fugir à resposta das questões políticas que justificam este atraso.
Mais ainda, Sr. Ministro, e uma vez que foi V. Ex.ª quem apresentou o Orçamento, pergunto-lhe: acha que se pode falar em normal funcionamento das instituições, quando o Governo é o primeiro a desrespeitar a Assembleia da República e a Constituição, num ponto tão importante como é o Orçamento do Estado?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: De acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º da proposta de lei do Orçamento do Estado que enviou a esta Câmara, a Assembleia da República deverá votar os programas e os projectos plurianuais. Porém, o Governo enviou a esta Câmara um estranho documento a que se chama "mapa VII".
É que tratando-se de um documento sobre projectos plurianuais ali encontramos projectos sem carácter plurianual e, por outro lado, também os projectos plurianuais com despesa inferior a 50 000 contos não estão discriminados. E incontestável que um tal documento não está em condições de ser votado pela Assembleia da República, já que viola a Lei do Enquadramento do Orçamento. Aliás, a aprovação de um tal documento, significaria, desde logo, a aprovação de, autênticos "sacos azuis". É que assim, porque não se, discriminando os projectos e as verbas respectivas, o Governo poderia, a seu bel-prazer, utilizar alguns milhões de contos, de forma indiscriminada, de forma arbitrária e de forma, naturalmente, ilegal.
Por outro lado, inclui-se nesse tal "mapa VII" uma lista de várias dezenas de projectos que não são financiados pelo Orçamento do Estado, incluindo-se também outros que só parcialmente o são. É o caso dos investimentos a serem financiados pelo recurso a emprésti-
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mos da banca ou a serem financiados pelos fundos de pré-adesão à CEE, o que é claramente ilegal.
15to não é mais do que - e sobre isso também gostaria de ouvir a opinião do Sr. Ministro - de tentar definir através deste mapa, implicitamente, os critérios de distribuição destas verbas de ajuda de pré-adesão, o que é também manifestamente inconcebível.
Por outro lado, esta lista que o Governo nos mandou - e que, tal como se nos apresenta, se revela em muitos aspectos bastante diferente dos compromissos já assumidos, nomeadamente pelo Ministério do Equipamento Social - tem verbas irrisórias para este ano. Além disso, inscreve verbas de milhões e milhões de contos, desinseridas de qualquer programa, de qualquer planeamento e com graves discriminações para certas regiões do nosso país.
É caso para dizer, e aqui concluiria, que se com esta listagem que nos foi enviada, se pretendia impressionar a Assembleia e os deputados, pois conseguiu-se mas por razões bem diferentes das que se pretendiam alcançar. Por isso mesmo, pensamos que este documento, esta listagem deve ser completamente reformulada.
Sobre isto, esperamos, pois, uma resposta clara de V. Ex.ª, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: Em primeiro lugar, queria salientar o facto de V. Ex.ª com a hombridade que o caracteriza, ter aqui relembrado que o Governo a que V. Ex.ª pertence, herdou uma situação extremamente difícil, quer no que respeita ao endividamento do Estado, quer no que concerne à deteriorização financeira que, nomeadamente no período de 1980 a 1982, foi politicamente provocada no sector empresarial do Estado. A pretensa virgindade política com que alguns hoje se querem apresentar, nomeadamente à direita, terá de ser desmascarada e V. Ex.ª, da forma sóbria que o caracteriza, veio relembrar as culpas de quem as teve.
Perguntaria, então, a V. Ex.ª se encara favoravelmente a divulgação pública e precisa dos dados relativos a incorrectos investimentos, endividamentos forçados e outros actos de gestão provocados por decisões políticas que conduziram diversas empresas públicas à situação difícil em que se encontram ou em que se agravaram dificuldades já existentes.
Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª referiu que, terminada a fase de estabilização financeira - e eu completaria de recessão económica - se entra numa fase de transição. Só que, como não está clarificado o modelo económico que subjaz ao crescimento que VV. Ex.ªs agora querem relançar, não é clara a direcção em relação à qual se dá a transição.
A segunda pergunta que formularia, então, a V. Ex.ª é a seguinte: vamos entrar numa fase de transição para onde? Se não está clarificado o modelo de crescimento em que se insere a política económica agora proposta, para onde é essa transição? Aliás, a própria Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano diplomaticamente salienta "a ausência de enquadramento macroeconómico de médio prazo", preocupação aliás largamente compartilhada até por deputados da própria maioria pró-governamental.
Sr. Ministro das Finanças, esta questão articula-se com esta outra. Já em Novembro de 1983, no quadro de preocupações manifestadas por vários parlamentares, o então deputado António Vitorino perguntava nesta Assembleia: "Quais são as perspectivas de elaboração de um plano a médio prazo da responsabilidade deste Governo que permita a utilização, dentro da sua lógica política, dos sacrifícios conjunturais que ora são exigidos à população?" Hoje, Janeiro de 1985, perguntaria o seguinte: se a reconhecida capacidade técnica dos nossos organismos de planeamento, poderá com alguma facilidade fornecer o suporte técnico-económico a um plano a médio prazo, qual será o bloqueamento político que no entender de V. Ex.ª impedirá a elaboração de tal plano, que corresponde não só a um imperativo constitucional como a uma necessidade de se fornecer um quadro claro aos agentes económicos e sociais?
Outras perguntas teria para fazer, mas no decorrer do debate irei fazê-las.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: O défice orçamental que o Sr. Ministro nos apresenta com o seu Orçamento é, certamente, bastante elevado - 336 milhões de contos, ou seja, 9,5 % do produto interno bruto. 15so é especialmente grave, por 3 ordens de razões.
Por um lado, assenta fundamentalmente no crescimento enorme, cerca de 60 % elo défice corrente. E isto não resulta, apenas, da questão dos juros, pois posso dar-lhe um outro exemplo, como a aquisição de serviços que aumenta 72 %. A austeridade convém, pois, que comece por dentro de casa e, nomeadamente, com a aquisição de serviços não especificados, que dá para tudo.
Por outro lado, esse défice está claramente subavaliado. É convicção firme de todos os deputados e de toda a gente que já leu a proposta de Orçamento que esse défice está muito subavaliado, podendo apontar-se, desde já, em termos de primeira ordem de grandeza, que essa subavaliação ronda os 100 milhões de contos. Recordo-lhe, apenas, a verba para bonificação de juros na área da habitação que não está cá contida, e a suportar este ano, que é da ordem dos 40 milhões de contos.
A terceira ordem de razões que torna extremamente grave este défice, é que ele se conjuga com o aumento da carga fiscal sobre os portugueses, concretamente sobre as famílias portuguesas, pois não há aligeiramento mas sim agravamento da carga fiscal, com redução de verbas em áreas importantes, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista económico.
Em relação à dívida, já extremamente elevada, o Sr. Ministro acabou de referir alguns números. Mas quando fez o cômputo da evolução da dívida durante os últimos anos esqueceu-se do 11.º ano, esqueceu-se de 1984. Se de facto a dívida aumentou em 10 anos 1 200 milhões, em 1984, só por si, aumentou 500 milhões - a comparação convém fazê-la. Ora sendo a dívida já extremamente elevada, neste Orçamento ainda se prevê para o próximo ano um aumento da ordem dos 30 % a 40 %. 15to significa que chegaremos ao final de 1985, se este Orçamento fosse para a frente, se
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este Governo se mantivesse, com uma dívida pública - incluindo aqui as dívidas dos fundos autónomos, porque é importante referir que esses fundos (os 3 principais) terão, neste momento, uma dívida acumulada da ordem dos 600 milhões de contos - muito aproximada ao produto interno bruto.
15to é uma situação financeira extremamente grave, Sr. Ministro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O problema da ânsia, da verdade, por parte dos deputados existe, mas é mais do que isso, é uma exigência que os deputados têm de fazer, porque esta situação é extremamente grave e tem de ser resolvida com medidas de fundo que se repercutam a médio e a longo prazo. É necessário que o Governo apresente a esta Câmara todas as contas financeiras do Estado - do Estado em termos de administração central -, de forma a que, depois de analisadas e ponderadas, possam ser apontadas as grandes linhas de resolução do problema.
A questão que gostaria de colocar nesta matéria é a seguinte: há um ano e meio que este Governo está no poder, há um ano e meio que vem denunciando a situação das finanças públicas, mas há também um ano e meio que este Governo continua a não apresentar a esta Assembleia propostas concretas para discussão da problemática de fundo, para discussão das soluções possíveis.
Aplausos do PCP.
Que razões levam o Governo e o Sr. Ministro, em particular, a adiar a tentativa de discussão e de resolução destes problemas. A quem aproveita continuar a obscuridade onde deveria haver a maior das claridades? Não é, certamente, Sr. Ministro, ao povo, ao País e ao regime democrático.
A quem aproveita esta obscuridade, Sr. Ministro?
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, as questões que lhe vou colocar referem-se aos trabalhadores da função pública, membros das forças armadas, das forças de segurança e trabalhadores do sector empresarial do Estado.
A primeira questão refere-se à ADSE. A despesa prevista no Orçamento aumenta cerca de 20 %, enquanto que a receita aumenta 33 %. 15to quando, ao mesmo tempo, se prevê que o pessoal contratado, em regime de prestação de serviços, tarefeiro ou avençado deixe de poder contribuir para a ADSE, o que é, desde logo, um escândalo, mas que, à partida, provoca uma diminuição da receita.
Ora, como é que é possível aumentar a receita desta forma, quando se prevêem aumentos para a função pública muito inferiores a 33 %! O Sr. Secretário de Estado afirmou em comissão que iria haver aumento da taxa para a ADSE em meio por cento. Será este o segredo, Sr. Ministro das Finanças? Dirá, eventualmente, que não vai haver aumento da taxa? Então, como é que justifica este aumento da receita?
A segunda questão refere-se a pensões e reformas. O aumento previsto é, escandalosamente, de 12,8 %. O Sr. Secretário de Estado afirmou em comissão que
haveria um aumento muito maior, a partir do aumento da taxa para a ADSE. Esclareça a questão, Sr. Ministro: o aumento está ou não previsto no Orçamento? Que razão invoca para que o aumento para pensões e reformas não seja igual à média do aumento dos trabalhadores da função pública? Ou confessa já que projecta fazer uma revisão do Orçamento, para este efeito, já perto da altura das eleições?
A terceira questão reporta-se aos denominados privilégios. O artigo 9.º da proposta de Orçamento fala da eliminação dos privilégios dos trabalhadores da função pública, incluindo membros das forças armadas, forças de segurança e trabalhadores do sector empresarial do Estado. Pergunto ao Sr. Ministro o seguinte: quer eliminar aos trabalhadores da função pública o privilégio de serem os únicos a descontar para a saúde? É que com o desconto para a ADSE, que como sabe não tem qualquer correspondência no regime geral, eles são actualmente os únicos trabalhadores que descontam para a saúde. Ou o Sr. Ministro quer eliminar os privilégios que os deputados da sua maioria - da maioria PS/PSD - acabaram de aprovar aqui na Assembleia da República? Quer eliminar esses privilégios?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A não ser assim, de que privilégios é que está a falar, Sr. Ministro? Ou há privilégios bons - os que são para os deputados - e maus aqueles que são para os trabalhadores da função pública, para os militares, etc.?
A quarta questão refere-se aos aumentos. Qual é afinal o aumento, Sr. Ministro? 18%, 20%, 21 %? Diz-se que se pretende um aumento da massa salarial idêntico ao da inflação prevista. Então por que é que para a função pública prevêem um aumento inferior? Ou confessa, desde já, que quer fazer pagar aos trabalhadores da função pública a vossa própria irresponsabilidade e incompetência?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, além disso, sabe ou não que os valores que está a apresentar são valores brutos e que se fossem feitas as contas em termos líquidos, contando com o aumento de encargos, de descontos, etc., os valores seriam muito inferiores e não ultrapassariam os 16%.
Finalmente, o Sr. Ministro fala muito da reforma administrativa. Então, por que é que o Orçamento que aqui apresenta tem para a Secretaria de Estado da Administração Pública e para sectores fundamentais de estudo e de implementação de medidas de reforma administrativa uma evolução negativa? Ou seja, por que é que se prevêem este ano menos verbas do que se previam no ano anterior?
Por que é que - em compensação, talvez! - para todo o sector das forças de segurança prevê um aumento superior a 30%? Qual é a lógica disto, Sr. Ministro das Finanças e do Plano?
Em resumo, o Sr. Ministro confessa ou não que, no fundo, em relação aos trabalhadores da função pública, a vossa perspectiva é pô-los à frente - bem à frente a pagarem a vossa própria irresponsabilidade em toda a gestão orçamental?
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças: É claro que um dos traços mais salientes do Orçamento do Estado para 1985 é o agravamento da injustiça fiscal. Os trabalhadores pagam mais, e os de menores rendimentos pagam mais do que os outros.
No conjunto, sabe-se que está previsto um agravamento da carga fiscal superior a 31%, o que é tanto mais escandaloso quando se verifica um aumento do conjunto das benesses, das isenções fiscais, dos benefícios para os grupos económicos, para as empresas exportadoras - as únicas que fizeram grandes lucros em 1984 -,...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É verdade!
A Oradora: - ... sem esquecer o escandaloso artigo 42.º, feito à medida do Sr. Santos Silva, da Sociedade Portuguesa de Investimentos, ...
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - ... que prevê benefícios fiscais para os bancos de investimentos.
Mas, Sr. Ministro, é particularmente polémica a criação de novos impostos, como o caso do imposto de capitais sobre juros de depósitos dos emigrantes e do IVA (imposto sobre o valor acrescentado).
O que importa, desde já, esclarecer sobre o IVA são as implicações decorrentes da sua aplicação e, assim, as suas consequências. Desde logo, há que sublinhar que o IVA vai sobrecarregar fiscalmente os mais baixos rendimentos em relação à situação actual. Sabe-se que se prevê a tributação de bens essenciais - isso está nos decretos-leis já publicados -, como os livros (incluindo os livros escolares), medicamentos, bens alimentares - como a manteiga, as conservas de peixe, os produtos de salsicharia, óleos, combustíveis, margarinas, vinhos comuns - e produtos como, por exemplo, os sabões, os detergentes, a electricidade que, neste momento, ainda, estão isentos de imposto de transacções. É assim que o Governo prevê, através desta forma de tributação, ir buscar uma grande parte da fatia dos 62 milhões de contos que quer arrecadar em apenas 4 meses.
Sr. Ministro, de qualquer modo, este Orçamento significa a continuação de um sistema fiscal injusto, caduco, propiciador das mais injustas formas de fraude e de evasão fiscal de todos os rendimentos, salvo dos rendimentos do trabalho - sobre esses o Governo está atento!
É esta situação que o Governo, com este Orçamento, pretende agravar, ao propor, ainda, que os ilícitos fiscais deixem de ser julgados em primeiro grau pelos tribunais fiscais. É um atentado à justiça fiscal, propiciadora das piores distorções, como já revelou o sucedido quanto ao contencioso aduaneiro, o contrabando de gado. Sabe-se que a medida foi objecto de pareceres favoráveis do Ministério da Justiça! Porquê, então, a insistência, Sr. Ministro? Porquê, então, a insistência num orçamento tão gravoso para as classes e camadas mais desfavorecidas da população?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.
O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Ministro, vou apenas cingir-me a duas questões técnicas, deixando os aspectos políticos para a minha intervenção: uma é sobre a inflação e a outra é sobre o sector empresarial do Estado.
Ora, a inflação, em 1984, parece ter sido de cerca de 29 % a 30 % e a massa monetária parece ter crescido 22%. Segundo julgo, prevê-se que a massa monetária de 1985 aumente 27%, passando, portanto, de 22 % para 27 % .
Gostaria que o Sr. Ministro pudesse confirmar este número e dizer-me como compatibiliza este grande aumento da massa monetária com a redução da inflação de 30 % para 22 % !
Em relação ao sector empresarial do Estado, o Sr. Ministro falou de que se usaram as empresas públicas - e julgo que assim foi - para financiar, da maneira mais fácil, o défice externo. Gostaria de perguntar ao Sr. Ministro quanto se prevê, em 1985, em empréstimos externos para o sector empresarial do Estado!
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros, Sr. Ministro das Finanças: As perguntas que vou fazer ao Sr. Ministro das Finanças poderiam, obviamente, fazer-se ao Governo em geral, porque, de facto, o Orçamento é um instrumento de política global do Governo e não sou daqueles que pensam que o Orçamento é da responsabilidade exclusiva de um ministro - neste caso, do Ministro das Finanças. Todos são responsáveis e não alinho também na ideia de que apenas as benesses se devem entender partidariamente e os males da governação se devem imputar, exclusivamente, ao senhor A ou B do Governo.
É nítida a diferença do discurso do Sr. Ministro e do Governo em geral, relativamente ao Orçamento de 1984. Há um ano e pouco mais atrás, o Sr. Ministro das Finanças veio aqui fazer o discurso da certeza, do rigor, da culpa só dos outros, da aparente unidade, da confiança e, diria mesmo, da arrogância.
Hoje, um ano e alguns meses depois, o Sr. Ministro vem fazer aqui o discurso da resignação, do conformismo, da incoerência e da divisão no seio do Governo, agora das culpas exclusivas não já só dos outros mas também das estruturas.
A primeira pergunta que faço ao Sr. Ministro é exactamente esta: como é que contabiliza, em termos fundamentais e de política económico-financeira do Governo, o seu primeiro discurso com este que agora acaba de realizar?
É que, de facto, este Orçamento é um mau e péssimo Orçamento. Em primeiro lugar, porque parte de uma base errada, isto é, dá como facto positivo a derrapagem verificada no final de 1984 e é sobre ela que calcula as suas novas previsões. Ignora-se, por exemplo, que o défice sobre o Orçamento que há um ano o Sr. Ministro aqui apresentou aumenta apenas 90%! Há um ano atrás era o discurso rigor! ... Que discurso é o de hoje, Sr. Ministro das Finanças e Srs. Membros do Governo?
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Este Orçamento é verdadeiramente o Orçamento da vitória da administração sobre o Governo, é o Orçamento da vitória dos ministros sectoriais sobre o Ministro das Finanças, é um Orçamento "base tudo contra a base zero".
Senhor ministro das Finanças, acredita ou não que vai haver um Orçamento suplementar, também em 1985? Tudo se parece encaminhar nesse sentido, desde os impostos, cuja previsão está nitidamente empolada - como o imposto profissional, que não pode crescer 37 %, quando os salários não crescem isso e quando houve o desagravamento do efeito fiscal nas tabelas -, às previsões de despesas, nitidamente erradas no capítulo de pensões e reformas dos funcionários públicos, do Ministério da Educação, do Ministério da Indústria e das empresas públicas. Acredita ou não, Sr. Ministro das Finanças, que consegue chegar ao final deste ano sem Orçamento suplementar?
Pela nossa parte estamos crentes que, infelizmente, isso não vai acontecer e que, para além deste Orçamento - que já é catastrófico, que já é financeiramente um descalabro, que já é economicamente um factor de empobrecimento do País -,irão ser acrescidos novos sacrifícios e uma mais pesada factura sobre os Portugueses.
Iria terminar, perguntando-lhe apenas isto. O Sr. Ministro falou, no seu discurso, em reestruturar os serviços, em reorganizar os serviços da administração pública. Que credibilidade podem ter as suas palavras, quando, por exemplo - e cito só este que, embora de pequena importância absoluta, é sintomático do desfasamento entre as palavras e aquilo que está efectivamente inscrito neste Orçamento -, um organismo que já está extinto por lei, o Conselho Superior de Acção Social, tem um crescimento, nas suas despesas de consumo corrente, no próximo ano, de 34 %? Que credibilidade pode, assim, ter um instrumento fundamental de política, como é o Orçamento, que o Governo aqui acaba de apresentar?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro, desejava fazer algumas perguntas, a primeira das quais se relaciona com a afirmação feita aqui no Plenário, pelo Sr. Ministro, de que a iniciativa privada deve constituir o cerne e o motor de desenvolvimento. Como é que o Sr. Ministro das Finanças compatibiliza esta sua afirmação com o ordenamento constitucional, com as disposições da Constituição e, em particular, com o estabelecido na alínea e) do artigo 80.º, em que se fala num dos princípios em que assenta o Regime português, de desenvolvimento da propriedade social, ou com a alínea c) do artigo 81.º, em que se diz que incumbe ao Estado zelar pela existência do sector público? E isto porque não creio que o Sr. Ministro se proponha zelar pela eficiência do sector público, pondo-o a reboque da iniciativa privada.
O Governo afirma nas Grandes Opções do Plano que não é desejável que os salários reais decresçam e que se deve evitar uma quebra dos salários reais. Na versão das Grandes Opções submetidas ao Conselho Nacional do Plano a versão é diferente, dizendo-se que a política de rendimentos deverá assegurar que os salários reais não decresçam significativamente. Que dados novos levaram o Governo a modificar a sua perspectiva, no intervalo entre as duas redacções das Grandes Opções do Plano?
Uma outra pergunta: porque reduziu o Governo, da primeira para a segunda versão das Grandes Opções do Plano, o crescimento da formação bruta de capital fixo no sector público, de 3,4% para 0,8%? Que razões levaram a esta alteração de posições?
Finalmente, nas Grandes Opções para 1984, o Sr. Ministro das Finanças, entre as políticas a accionar no ano de 1984, incluía políticas de transformação estrutural, com acções a empreender e programas a desenvolver em vários sectores da economia. E, mais adiante, acrescentava que se estava no limiar de profundas transformações estruturais.
Ora, que garantias existem de que se não trata, de novo, de mais um ciclo "do círculo vicioso de paragem e arranque", cuja eliminação o Sr. Ministro então classificou de "problema fundamental da economia portuguesa", erigindo-o em objectivo que considerou, face aos outros, "porventura mais importante, mais pesado... e sempre presente nas preocupações do Governo...?"
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.
O Sr. Anselmo Aniba1 (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Tem sido patente a incapacidade de dar sequência, com o mínimo de credibilidade, aos chamados programas integrados de desenvolvimento regional. Eles têm-se caracterizado pela penúria, pelo arrastamento no tempo, pelo esvaziamento sócio-económico e pela descoordenação das diversas acções.
Queria perguntar-lhe, Sr. Ministro, se é esta a verdadeira dimensão dos programas integrados de desenvolvimento regional, além dos valores nominais que são apontados, designadamente nas Grandes Opções do Plano, se tem indicadores da sua evolução e de quem é que se assegura formalmente da sua coordenação no Governo (já que entre a Secretaria de Estado do Planeamento e a Secretaria de Desenvolvimento Regional se cruzam as incompetências).
A segunda questão diz respeito aos investimentos intermunicipais. É uma área de 2 milhões de contos - 2,5 milhões em 1985 e 2 milhões em 1984 - e não sabemos se o Sr. Ministro tem ideia da falta de critérios que preside ao distribuir avulso e gratuito de verbas nos chamados investimentos intermunicipais. Dada essa falta de critérios, queríamos perguntar-lhe, Sr. Ministro, se essa verba de 2,5 milhões de contos tem a haver com alguma política de desenvolvimento regional, dada a irrazoabilidade das assimetrias regionais que certamente conhece.
Por fim, Sr. Ministro, a propósito do financiamento dos municípios, queria pôr-lhe a questão ligada a uma reivindicação global dos municípios portugueses, que aponta para um aumento nominal do fundo de equilíbrio financeiro na ordem dos 30%. Como se sabe, os valores que estão presentes na proposta de lei n.º 95/III adulteram profundamente esta reivindicação. E adulteram-na em vários sentidos: num sentido global, pois não são os 30% do valor nominal do fundo de equilíbrio financeiro que aparecem na proposta de lei n.º 95/III, como adulteram no sentido de alguns
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municípios se verem desmuniciados por valores da ordem dos 7,9% e outros em valores de mais de 40%.
São estas algumas das sinergias modernizadoras de que falou e se é este o tipo de desenvolvimento regional que o Sr. Ministro e a sua equipa apontam nestas propostas de lei!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Ministro, rigor, verdade, estabilidade, austeridade e esperança,
foram pilares das suas intervenções em grandes debates aqui efectuados quando estiveram em apreciação as grandes questões nacionais, nomeadamente nas áreas
económica e social.
Não tanto por mérito ou por demérito pessoal, apresentou-se hoje com um discurso desculpante: foi a vida a provar que as suas previsões falharam, por
que a política do seu Governo fracassou, desajustado e divorciado que está do País de Abril que temos.
Confrontados hoje com o Orçamento para 1985, as preocupações são mais densas, nomeadamente na área social.
Reclamando ainda assim de V. Ex.ª respostas rigorosas, e não insistindo nem repisando sequer no que significa a quebra brutal dos salários reais, dos salários em atraso, do magro aumento das pensões e reformas e do aumento do desemprego, mesmo disfarçado e amaciado pelo recurso ao expediente a modos de vida que permitem a subsistência, e quantas vezes a sobre
vivência, de milhares de trabalhadores, pergunto: é rigorosa ou é um desabafo de circunstância, ou apenas um palpite, a afirmação de que os trabalhadores
não vão ver degradados os seus salários reais em 1985, tendo em conta o nível de inflação anunciado pelo Governo e os valores que estão a ser alcançados na
contratação colectiva?
Por outro lado, o anúncio espectacular do chamado seguro de desemprego, propalado pelos megafones governamentais, esconde, ou pelo menos procura esconder, esta realidade: este Governo tem uma política parcial para o desemprego, mas este Orçamento do Estado não tem, de certeza, uma política de emprego capaz de garantir o futuro e de devolver a tal esperança que
centenas de milhares de jovens, de mulheres e de desempregados esperam.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não acredito que V. Ex.ª defenda a tese do ministro da área respectiva, segundo o qual em cada desempregado há um artesão!
Risos do PCP.
Talvez por má consciência, cria-se um seguro de desemprego que traz no bojo a ideia de que se vai agravar a situação. Mas as perguntas que gostaríamos de ver respondi das são as seguintes: quantos postos de trabalho vão ser criados? Como é que o Governo pensa poder, através do Orçamento do Estado e de uma política concreta e objectiva, travar e fazer diminuir o número de desempregados existentes?
Por último, na proposta de lei do Orçamento para 1985, p. 57, ou é erro de dactilografia ou o Governo, aqui, sim, rigoroso com os que menos têm, se prepara para golpear ainda mais as míseras reformas e pensões de mais de um milhão de portugueses.
De facto, diz-se na exposição de motivos que "para as pensões em geral admitiu-se que em Dezembro de 1985 serão aprovados aumentos iguais, em percentagem, aos que foram ultimamente efectuados". Contas são contas - e aí o Sr. Ministro é melhor do que eu!
No entanto, o Governo diz que a inflação rondará os 22 %, quando o aumento das reformas no ano passado foi da ordem dos 18 %.
Será esta a palavra de esperança, de verdade e de rigor para os reformados e pensionistas do Sr. Ministro do rigor?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como faltam apenas 4 Srs. Deputados formularem perguntas ao Sr. Ministro, sugiro que o intervalo regimental se processe logo após esses pedidos de esclarecimentos.
Pausa.
Não havendo oposição, dou a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, no seu discurso não dedicou uma só palavra às regiões autónomas. É sintomático, mas é simultaneamente preocupante e inaceitável. Pelos vistos, o Ministério das Finanças e do Plano está demasiado habituado à prática de protocolos secretos e pretende manter o secretismo na Assembleia da República. Mas isso é absolutamente incompatível com o debate orçamental - é altura de perceber isso!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Folheando as páginas da proposta de Orçamento, vê-se a olho nu que estão previstos 6 milhões de contos a distribuir desigualmente pelas regiões autónomas e cerca de 3 milhões de contos para efeitos de empréstimos, além de investimentos do Plano.
É um espanto, conhecida a situação das regiões. Mas é um espanto, sobretudo, dada a situação anómala que se vive no relacionamento institucional entre as regiões e a República. É, pois, para estes aspectos, que quero chamar a sua atenção.
Em primeiro lugar, constata-se, como aliás sublinhou o Conselho Nacional do Plano no seu parecer, que não há nenhuma articulação à escala nacional entre as orientações previstas nas Grandes Opções do Plano para o continente e para as regiões autónomas. 15to tem consequências, naturalmente, e a prática destes anos tem revelado isso: por um lado, as questões das regiões não são equacionadas nesta óptica de todo nacional e de solidariedade nacional; por outro lado, não são ponderadas as implicações de certas opções tomadas à escala nacional; por outro lado, ainda, são assumidos compromissos, designadamente na esfera internacional, sem a ponderação adequada dos direitos e dos interesses das regiões. 15to é particularmente grave.
Uma segunda anomalia é a de que a Assembleia da República, isto é, todos nós, desconhece o exacto nú-
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mero e natureza das operações financeiras, orçamentais e extra-orçamentais, incluindo as operações de aval, garantia, tesouraria, realizadas entre o Governo da República e os governos de cada uma das regiões autónomas.
15to é verdadeiramente espantoso, porque não há debate nenhum nem o da revisão orçamental nem os travados em comissão, em que a questão não seja suscitada perante o mutismo completo do Governo, que ainda não forneceu a lista pedida pela Comissão de Economia, Finanças e Plano no mês de Novembro - esses elementos não estão cá. Pergunto, porquê, Sr. Ministro. É impossível discutirmos seriamente este Orçamento, no tocante às regiões autónomas, sem termos esses elementos em cima da mesa.
Último aspecto: foram instituídos por protocolo secreto mecanismos de tutela, em matéria financeira, verdadeiramente bizarros, anómalos, doentios.
Ora, a Assembleia da República ainda não conhece, de viva voz, por parte do responsável pelas finanças, as razões pela qual isso foi possível, quais as implicações, quais as démarches e quais os actos praticados ao abrigo desse protocolo, que era secreto até ser denunciado na imprensa e trazido ao foro público, como era devido, aliás.
Quais são as explicações que o Sr. Ministro das Finanças tem a dar à Assembleia da República sobre esta matéria - e sem dúvida que tem o dever de as prestar?
Pergunto-lhe, pois, que informações pode neste momento dar à Assembleia da República sobre a situação financeira das regiões, em particular a situação das suas dívidas, e qual a posição assumida pelo Ministério das Finanças e do Plano nas negociações que estão em curso sobre os montantes a transferir, nos vários títulos possíveis, para as regiões autónomas.
Este esclarecimento é absolutamente imprescindível, Sr. Ministro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, algumas questões de natureza política são suscitadas pela sua intervenção.
A primeira prende-se com duas intervenções que fez, em que apontou a necessidade de compromisso de mudança deste Governo quanto ao novo Orçamento.
Disse o Sr. Ministro que um conjunto de medidas preconizadas representava um ponto de partida. Esta é a primeira questão política: está a fazer-se tábua rasa de quase 19 meses de governação? A política deste Governo, com este Orçamento, é um ponto de partida ou uma continuidade? Está a fazer-se tábua rasa de um passado ou, porventura, estão a lançar-se questões de novo, como se houvesse uma nova credibilidade, uma nova força política, um novo élan.
Aqui reside um segundo conjunto de questões.
No pressuposto de V. Ex.ª há um novo conjunto de circunstâncias políticas que favoreceriam um novo ponto de partida. Mas, curiosamente, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano di-lo negativamente, já que afirma não estarem reunidas todas as condições que levam a um programa de acção e que só é possível levar a cabo uma política dessa natureza por articulação com políticas no sector empresarial do Estado e da própria reforma e modernização da administração.
No entanto, é V. Ex.ª o primeiro a considerá-los como nós cegos - já os considerou há um ano e meio - mas a verdade é que só este ano, para eventualmente vir a ter frutos no final deste ano, é que o conjunto das acções no âmbito da administração pública e modernização das mesmas vão sentir os seus efeitos.
Sr. Ministro, há ou não um conjunto de novas circunstâncias políticas que permitem um novo élan? V. Ex.ª presume que sim, mas a seguir renega essa mesma postura, na medida em que diz não estarem criadas as condições, limitando-a através de condições a acontecer - que não acontecem - e que por isso impedem a prossecussão dessa política.
Daí seja levado a concluir que há aqui um certo equívoco genérico ou linguístico que convém esclarecer.
No âmbito orçamental, queria fazer duas perguntas a V. Ex.ª
A primeira é se vai haver revisão orçamental. Pergunto isto por uma razão simples: o Sr. Ministro da Indústria diz que as verbas não são suficientes e que carece de vários milhões de contos para encargos financeiros com o sector empresarial do Estado. Duvidamos, também, que o sector da educação possa ser contido nos estritos limites orçamentais que nos são propostos. E o mesmo se passa na saúde. Mais, Sr. Ministro: este Orçamento entrará em vigor porventura em Março e pelo menos um sexto do adicional de receitas a receber proveniente da entrada em vigor do Orçamento não é cobrado.
De onde, haver 3 razões, logo à partida, que me fazem perguntar a V. Ex.ª se os 335 milhões são para valer ou se vamos ter uma nova revisão orçamental.
Aliás, se compararmos o défice proposto em 1984 com o défice que hoje nos é proposto, muitas questões se colocariam, bastantes mais, mesmo. Mas isso ficará para outra altura.
A questão que com toda a franqueza lhe coloco, Sr. Ministro, é a seguinte: V. Ex.ª fez, em grande parte, um discurso de análise sobre os últimos anos da vida portuguesa, tendo dito que o estado das finanças da Nação é mau. Ora, independentemente do tom do discurso que V. Ex.ª introduziu, que é substancialmente diverso daquele com que nos contemplou com justiça, necessidade e crença há um ano atrás, pergunto se V. Ex.ª acredita que este Orçamento, com ou sem revisão, representa o ponto de viragem das finanças portuguesas, no sentido de regeneração da situação financeira. É este Orçamento uma onda sinergética de mudança que V. Ex.ª nos propõe?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Ministro, compreenderá V. Ex.ª que a preocupação da Assembleia não pode circunscrever-se ao simples Orçamento. Tivemos experiências recentes, pelo que a preocupação tem que ver com a execução do Orçamento.
Gostaria de lhe perguntar, tendo presente a experiência dos últimos meses nas áreas em que houve substanciais evoluções divergentes, isto é, desvios de execução orçamental, se V. Ex.ª pensa ter, neste momento, meios que permitam evitar no futuro situações semelhantes.
Naturalmente que a discussão que fazemos vai no sentido de esclarecer e de possibilitar exactamente a eli-
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minação de riscos de novas revisões orçamentais, já que, para além da circunstância financeira e económica implícita no Orçamento, está a leitura política de todo o processo de gestão das contas públicas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pereira Lopes.
O Sr. Pereira Lopes (PSD): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, no Orçamento de 1984, calculou o Governo uma taxa de inflação previsional de 24%. Agora, o Instituto Nacional de Estatística vem dizer-nos que, afinal, a taxa de inflação ronda os 30%.
Hoje, na proposta de Orçamento do Estado para 1985, apresenta o Governo uma taxa de inflação previsível de 22 %.
Diz, por outro lado, querer manter o poder de compra dos Portugueses para que não haja, por conseguinte, quebra de salários.
Falta, de certo modo, credibilidade ao Governo, e tal facto leva-nos a pensar que mais uma vez o poder de compra dos Portugueses, nomeadamente das classes trabalhadoras, descerá.
Se de facto o Governo pretende, como diz, manter o poder de compra dos Portugueses, pergunto-lhe, Sr. Ministro, no caso de se verificar uma derrapagem, e se a taxa previsível for ultrapassada, como foi em 1984, se o Governo estará disposto a aprovar uma norma salarial que possibilite o reajustamento dos salários e, por conseguinte, a manutenção do poder de compra dos Portugueses.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora suspender a sessão, a qual será reiniciada às 18 horas e 15 minutos, sendo de imediato dada a palavra ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano para responder aos pedidos de esclarecimento.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 43 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar início aos nossos trabalhos concedendo a palavra ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano para responder às perguntas que lhe formularam, se o desejar fazer.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Srs. Deputados, procurarei responder às perguntas que formularam e, porque, elas abrangem uma larga gama de matérias, procurarei, também, em alguns casos, para melhor esclarecimento dos Srs. Deputados que colocaram questões, pedir a contribuição de membros da equipa das Finanças, designadamente dos Srs. Secretários de Estado do Orçamento e do Planeamento.
Começarei pela questão colocada pelo Sr. Deputado Pinheiro Henriques, que suscitou um ponto em relação ao qual eu creio ter já dado uma resposta em termos anteriores, quando perguntava por um balanço da situação e evolução da política económica ao longo de 1984.
Tive já oportunidade nesta Câmara de apresentar o balanço dos resultados por ocasião da discussão da moção de censura do CDS, razão pela qual não introduzi isso na exposição inicial, isto é, pareceu-me não se justificar repetir tal. Em todo o caso, como o Sr. Deputado estará lembrado, tive oportunidade de apresentar - creio eu na intervenção que fiz no último dia da discussão da moção de censura apresentada pelo CDS - os objectivos, em termos de definição da política económica do Governo ao longo de 1984 no quadro da gestão conjuntural, isto é, apresentei-os segundo 3 grandes categorias. Assim, coloquei em evidência os "objectivos essenciais" que tinham sido plenamente cumpridos, designadamente no respeitante aos problemas da vertente externa da balança de transacções correntes e da divida externa, os "objectivos intermédios" que tinham sido atingidos, uma vez corrigidos ao longo do ano, nomeadamente em relação à evolução geral da actividade económica através da medida do desenvolvimento do produto interno bruto, ao crescimento do desemprego e da inflação e também os "objectivos de fundo" ainda não cumpridos - categoria que, aliás, está relacionada com a própria intervenção que fiz hoje - respeitantes aos problemas relacionados com as empresas públicas e com a administração pública.
Pareceu-me, ao preparar a intervenção que fiz há pouco, que não se justificava retomar este balanço sintético que tinha já apresentado na Câmara, razão pela qual pediria ao Sr. Deputado o favor de, no caso de assim o entender, tomar como uma base de trabalho a intervenção que fiz recentemente na Câmara sobre esta matéria.
Já o problema se coloca noutro quadro quando V. Ex.ª refere os problemas relacionados com o programa de recuperação financeira e económica e com as questões da modernização. Aí a situação é diferente e, como também creio que referiu ou um dos Srs. Deputados tinha já mencionado num pedido de esclarecimento anterior, houve uma versão preliminar do programa de recuperação que foi objecto de discussão no Conselho de Concertação Social, dando origem a uma versão revista que está ainda em processo de discussão no Conselho de Ministros. Ora, esta é a razão por que não estou em condições formais de trazer aqui esse documento a esta intervenção.
Do mesmo modo - pessoalmente gostaria também de explicar à Câmara e de dar essa informação - o quadro do programa de modernização está numa fase de preparação. e não segue o mesmo tipo de abordagem que seguiu o programa de recuperação. Tal será preparado no âmbito da intervenção activa dos parceiros sociais no quadro da concertação social e só então teremos uma primeira versão preliminar, que espero poder apresentar em conselho para depois ser tornado público.
Perguntou ainda o Sr. Deputado Pinheiro Henriques qual é a relação - aquilo que V. Ex. e chama o divórcio - entre quer o Orçamento do Estado quer as Grandes Opções do Plano e o programa de recuperação no que concerne à política para 1985. Julgo que V. Ex.ª nesta matéria está porventura a assumir uma ligação formal mais do que uma ligação em termos de substância, porque na verdade, a política apresentada no quadro das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, tais quais foram apresentados a esta Câmara para o conjunto deste ano de 1985, é aquela que o Governo entende corresponder à articulação não só entre estes dois documentos mas também entre a sua orientação geral, tal qual ela é conhecida.
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O Sr. Deputado Carlos Brito fez várias afirmações que não primam pela novidade, nomeadamente quando falou em resultados desastrosos desta política, na recessão económica profunda, no aprofundamento das condições sociais, no estrangulamento da dívida externa, etc. Julgo que são matérias em relação às quais já tive oportunidade de ouvir V. Ex.ª referir-se aqui com a minha presença no Plenário.
Todavia, fez uma referência que, pelo menos, comigo presente no Plenário e que me lembre, constitui uma matéria nova que merece, segundo penso, um esclarecimento claro e imediato.
Falou-me V. Ex.ª na renegociação da dívida externa, isto é, abordou um ponto directo a um dos problemas principais da vida económica do País. Ora, eu- queria deixar muito claro ao Sr. Deputado Carlos Brito e a toda a Câmara que Portugal, com o registo que tem em matéria de cumprimento das suas obrigações para com o exterior e as suas obrigações em matéria de dívida externa, não tem qualquer intenção de pedir aquilo que pedem os países que são incapazes de assumir os seus compromissos de dívida externa. Portugal tem um registo totalmente limpo em matéria de crédito externo e continuará a tê-lo; consequentemente, não há qualquer orientação no sentido da proposta ou da sugestão - julgo eu - que o Sr. Deputado Carlos Brito avançou. Gostaria ainda de dizer-lhe como informação adicional que temos feito e continuamos a fazer, dentro das possibilidades em termos de economia portuguesa, uma política de melhoria do perfil da dívida com a redução da "componente a curto prazo".
Referiu também as negociações com o Banco Mundial e a Comunidade Económica Europeia - aliás, às negociações com o Banco Mundial já eu me tinha referido na intervenção inicial que fiz. Nós estamos há largos meses em negociações, com o Banco Mundial no sentido da criação de um projecto chamado empréstimo para reestruturação de empresas públicas, conhecido pelas abreviações, em língua inglesa, de PERL, com o objectivo de se encontrar com o Banco Mundial uma base que permita apoiar financeiramente a reestruturaçâo, quer económica quer financeira, de empresas públicas.
Esperamos que essas negociações cheguem a bom resultado e que sirvam como elemento adicional na política do Governo de reestruturação do sector empresarial do Estado.
Referiu também as negociações com a CEE, mas creio que não será este o quadro directo para abordar uma temática de carácter tão geral, pelo que passo para as questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que, como aliás vários outros Srs. Deputados, fez perguntas que cabem melhor numa análise na especialidade. Em todo o caso, pedirei ao Sr. Secretário de Estado do Planeamento que aborde os pontos concretos que referiu, no que respeita às projecções para 1984-1985 das componentes do produto interno que o Governo tinha já apresentado na discussão em termos da Comissão de Economia e Finanças.
Depois, V. Ex.ª referiu um fenómeno que, julgo está completamente deslocado do quadro desta discussão, não tanto pelo conteúdo mas talvez pela oportunidade.
V. Ex.ª parece ter acusado o Governo de ser o autor da degradação financeira e económica, usando para isso alguns elementos adicionais e eu fiquei com a impressão, ao ouvir essa sua afirmação, de que V. Ex.ª não teria ouvido, porventura, a minha intervenção inicial.
Julgo que é um pouco excessivo, e talvez pouco oportuno, o cuidado que V. Ex.ª colocou na busca de atacar o Governo, em particular após a intervenção com que apresentei estes documentos que estamos a discutir.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra ressuscitou o problema da razão de ser do atraso na apresentação do Orçamento do Estado. Creio que a Sr.ª Deputada não está presente, mas ainda assim darei a resposta, que depois poderá encontrar no Diário.
Avançou várias ordens de razões possíveis que apresentou e teorizou na sua intervenção, mas a razão é muito mais simples e, porventura, até mais complexa simultaneamente do que aquelas que a Sr.ª Deputada Zita Seabra suscitou ou apresentou.
A elaboração do Orçamento do Estado, contra aquilo que tinha acontecido no ano anterior, em que nós o apresentámos dentro do tempo previsto, foi este ano mais demorada e tal resultou do cuidado colocado em encontrar a solução possível para a sua feitura. Resultou, pois, da dificuldade existente dentro do Governo, uma vez que o Orçamento foi discutido com todo o cuidado em toda a sua extensão, de modo a possibilitar precisamente a sua presença aqui.
A Sr.ª Deputada perguntou-me ainda, em último ponto, se o facto de o Orçamento do Estado não ter sido apresentado no momento previsto significava, de alguma forma, uma situação de incapacidade de normal funcionamento das instituições. Presumo que V. Ex.ª pretende uma resposta em termos constitucionais e de construção jurídico-político, no entanto, eu darei uma resposta muito mais simples: acontece que a própria Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado prevê esta situação e dá-lhe remédio a título imediato. Não houve sequer necessidade de fazer ajustamentos adicionais.
Portanto, julgo que V. Ex.ª poderia eventualmente encontrar uma base para uma discussão mais formal ou menos formal, mais política ou menos política, mas o facto é que essa situação, além do mais, está propriamente prevista na lei.
O Sr. Deputado Joaquim Miranda suscitou pedidos de esclarecimento quanto ao mapa vil, como aliás vários outros Srs. Deputados, que me parecem enquadrarem-se melhor na discussão na especialidade. Mas o Sr. Secretário de Estado do Planeamento, que está já aqui presente, poderá, a seguir, dar uma resposta às questões que V. Ex.ª suscitou.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira teve o cuidado de salientar alguns aspectos da intervenção inicial com que abri o debate por parte do Governo e levantou o problema da situação existente na economia portuguesa.
Sr. Deputado, julgo que para além de tudo aquilo que todos, de uma ou de outra forma, conhecemos e temos consciência, quer em termos de informação quer em termos políticos, parece-me que o essencial nesta matéria que V. Ex.ª refere quando diz que "o Governo herdou uma situação difícil", o essencial, dizia eu, é que, tanto ou mais que o Governo, nós devemos ter a consciência de que o que está em jogo é o conjunto do País e dos Portugueses. Foi isso que procurei deixar claro na intervenção inicial.
Nós encontramos hoje, ao procurarmos gerir e melhorar as condições da economia portuguesa, uma responsabilidade de conjunto, colectiva, de todos os portugueses. Não me parece, pois, que se resolvam os problemas fazendo uma abordagem do tipo de dizer
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"quem fez o quê?", "quem é o responsável de quê?" ou "quem vai fazer o quê?".
15so por várias razões: primeira, porque julgo que não será numa visão do passado que os problemas se resolvem, mas será uma visão construtiva e virada para o futuro; segunda, porque não há soluções imediatas para os problemas em termos da economia e das finanças portuguesas. Há soluções que vão exigir anos de trabalho, de continuidade e de esforço em termos de política económica e que vão exigir a mobilização de praticamente todas as forças activas e seriamente empenhadas no futuro de Portugal.
Eu não desejaria contribuir, pelo menos pela minha parte, para uma situação de, esquecendo os problemas, esvair forças num conflito menor que não tem nada a ver com o futuro de Portugal.
V. Ex.ª pergunta-me na segunda parte da sua intervenção como é que se coloca o problema do relançamento da economia portuguesa após o esforço de estabilização. Sobre isto, eu gostaria, antes de mais, de deixar ao Sr. Deputado, em termos muito claros, a ideia de que a estabilização foi implementada, foi feita e deu os resultados que devia dar. Essa estabilização teve custos e, naturalmente, implicou sacrifícios por parte dos Portugueses e, agora quando se coloca o problema do relançamento, toda a questão está em saber como é que vamos ter a possibilidade de assegurar que não vamos repetir a situação histórica que a economia portuguesa já viveu por duas vezes nos últimos 10 anos. 15to é, não vamos repetir a situação de, por causa de um crescimento relativamente excessivo ou desmesurado e pouco controlado da economia portuguesa, voltarmos a encontrar a situação de exigir novo programa de estabilização sobre a economia portuguesa.
É uma linha que o Governo não quer seguir e não a seguirá. Aliás, é uma linha que leva a colocar nos objectivos das Grandes Opções do Plano uma mudança importante em relação ao ano anterior no respeitante à incidência da vertente externa, que de objectivo prioritário passa a ser uma condicionante do comportamento da economia portuguesa, mas é uma condicionante fundamental. 15to significa, em termos práticos, que o Governo acompanhará a evolução dos pagamentos externos da economia portuguesa em termos estritamente cuidadosos e tão apertados quanto os recursos estatísticos de que dispomos nos permitem, no sentido de não possibilitar que haja uma situação de derrapagem em termos da vertente externa da economia. Ao primeiro sintoma de que haja essa situação, nós teremos de assumir o custo e adoptar as medidas correctivas necessárias. É neste sentido que se deve entender o quadro macroeconómico apresentado e constante das Grandes Opções do Plano relativamente ao objectivo dos 3 % de crescimento do produto interno bruto.
Finalmente, a última questão colocada pelo Sr. Deputado respeita ao planeamento a médio prazo da economia portuguesa.
Eu gostaria de dizer liminarmente Sr. Deputado, que não há qualquer bloqueamento político. Daí que quando me pergunta que tipo de planeamento existe a resposta única que lhe posso dar é de que não há qualquer bloqueamento político que impeça a elaboração de um plano de médio prazo. Na verdade, o que existe e de modo mais concreto é isto: consideramos que se não justifica fazer um plano a médio prazo só por ser uma questão de apresentar um documento ou um livro com alguns dados estatísticos incluídos e alguns elementos adicionais do comentário. É que nós entendemos que um plano a médio prazo deve ter uma base segura em termos de aderência à realidade e não ser apenas um exercício teórico.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu vários comentários sobre o montante do volume do défice, dizendo em especial - segundo o que pude assimilar da sua intervenção - a máxima de que "a austeridade deve começar em casa" e eu gostaria, a propósito deste primeiro aspecto, de dizer-lhe que precisamente essa é a nossa preocupação e esse foi um dos objectivos na elaboração do Orçamento do Estado. Não foi fácil encontrar a solução para a elaboração deste último documento para apresentar à Assembleia da República.
V. Ex.ª referiu depois o aumento em termos de carga fiscal. Suponho que teremos oportunidade de discutir este problema mais em pormenor em sede de comissão e poderá verificar então o esforço fiscal, sendo este inserido no quadro do sistema fiscal vigente e visando tornar mais equitativo e, consequentemente, bem equilibrado o esforço fiscal sobre as famílias portuguesas.
Mas o Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu também os problemas dos défices dos fundos que foram entregues à Comissão de Economia e Finanças, razão pela qual julgo que a resposta está já dada através da documentação que foi entregue pelo Governo na dita Comissão da Assembleia da República.
Coloca ainda uma questão, que é apresentada de uma forma indirecta, referente às soluções possíveis para as empresas públicas, e o Sr. Deputado pergunta a quem é que aproveita manter a obscuridade.
A resposta é muito simples: não aproveita a ninguém. Não há qualquer interesse, nem desejo, em manter obscuridade sobre as empresas públicas.
O Sr. Deputado João Amaral referiu várias matérias sobre pontos que não têm - julgo eu - propriamente uma base para serem tratados neste quadro. Por exemplo, quando fala em matérias como taxas de aumentos de pensões, de reformas ou de vencimentos, essas matérias não são discutidas neste quadro da Assembleia da República, porque estão precisamente a ser objecto de discussão e V. Ex.ª pode ficar certo de que o ministro das Finanças não irá abordá-las neste quadro, neste momento.
O Sr. Deputado João Amaral ainda abordou matéria referente à reforma administrativa, fazendo reparar que havia, do ponto de vista da sua intervenção, necessidade de aumentar as dotações para estudos e trabalhos no quadro da Secretaria de Estado da Administração Pública.
Julgo, Sr. Deputado, que não é, sobretudo, com mais estudos e com mais trabalhos, aumentando as dotações e o pessoal da Secretaria de Estado da Administração Pública que esse caminho é assegurado. Julgo que ele é muitíssimo melhor assegurado pela via que o Governo decidiu, e a que fiz referência na minha intervenção inicial, em termos de reforma administrativa.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo referiu também um tema, que há pouco já abordei, que respeita àquilo que chamou de "agravamento da injustiça fiscal", pelo que, julgo, não vale a pena repetir-me.
Referiu aspectos ligados com a tributação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e outros aspectos respeitantes ao que chamou "sistema fiscal caduco e injusto, que tributa os rendimentos do trabalho".
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Sobre alguns destes aspectos de mais pormenor, designadamente no que respeita aos bens essenciais mais concretos: livros, medicamentos, bens alimentares, etc., é a tributação do IVA, que é matéria que também podemos perfeitamente tratar em comissão, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento responderá às questões que suscitou e que, aliás, têm sido já repetidamente analisadas noutros quadros.
Quero apenas dizer à Sr.ª Deputada que a referência que faz ao sistema fiscal português, de "caduco" e "injusto", é uma afirmação que me parece corresponder aproximadamente à realidade e que é também a posição que o Governo tem publicamente defendido no sentido da reforma fiscal. Portanto, a Sr.ª Deputada coloca-se aqui num aspecto pontual de convergência porque esforçamo-nos precisamente por ir ao encontro deste tipo de situações e procurar resolvê-las, mas resolvê-las correctamente e não em termos de uma pura busca de efeitos espectaculares, utilizando, para tirar resultados de carácter meramente exterior, as reais dificuldades que há em matéria de sistema fiscal em Portugal.
O Sr. Deputado João Lencastre no seu pedido de esclarecimento também abordou aspectos ligados ao sector empresarial do Estado e ao comportamento, em termos de objectivo, da taxa de inflação na economia portuguesa.
No que respeita aos empréstimos do sector empresarial do Estado no mercado externo, como V. Ex.ª sabe, é uma situação que já existe e que, aliás, em princípio, é uma situação que, desde que adequadamente gerida, é correcta. As empresas públicas podem ter todo o interesse em se endividar no exterior, e o que gostava de dizer-lhe é que, por um lado, em relação a 1985 continuaremos a recorrer a crédito externo por via das empresas públicas mas para financiar apenas aquilo que é estritamente indispensável, designadamente o respectivo serviço em termos de dívida. Não tencionamos fazer um recurso adicional para outros efeitos de política económica, o que, aliás, não seria uma situação virgem na economia portuguesa.
No que respeita à questão que o Sr. Deputado João Lencastre pôs relativa aos comportamentos dos preços, gostaria de pôr em evidência que, quer no final de 1983 quer ao longo de 1984, os preços denotaram taxas de crescimento que foram, em boa medida, resultado de aumentos de preços administrativos, designadamente de decisões em termos de eliminar subsídios e de recuperar elementos de inflação contida que estavam inscritos na economia.
Daí que, em relação ao conjunto de objectivos para 1985, e após os ajustamentos que foram introduzidos recentemente, pensamos ser possível - e é nessa base que estamos a trabalhar - manter o índice de preços do consumidor, em termos médios para 1985, nos 22 % que apresentamos nas Grandes Opções do Plano.
Aliás, temos uma primeira indicação nesse sentido através do comportamento no segundo semestre de 1984, como tive oportunidade de referir aquando da minha intervenção por ocasião da moção de censura que recentemente o CDS fez ao Governo.
O Sr. Deputado Bagão Félix põe uma questão que julgo ser de política geral. É aquilo a que chamou compatibilização de dois discursos. Julgo, Sr. Deputado, que este problema das duas, uma: ou não se põe, ou está mal posto, porque devo dizer ao Sr. Deputado que não acho que haja diferença - e muito menos oposição - no comportamento em matéria financeira ao longo de pouco mais de ano e meio de existência do Governo. A questão é esta: para além do esforço que foi feito, e que continuará a ser feito em termos da gestão macroeconómica e financeira do País, esta proposta de lei de Orçamento que o Governo apresenta é a proposta de Orçamento que é possível fazer neste momento e que deve abrir caminho - como aliás deixei claro na minha intervenção inicial - para a introdução de reformas profundas na vida económica portuguesa, designadamente na vida financeira do Estado.
Julgo, Sr. Deputado Bagão Félix, que esta posição não é basicamente diferente da posição que assumi quando apresentei o Orçamento para 1984, há mais de um ano, e que se há algum elemento que assegure a compatibilidade dos dois discursos, ele é, em última análise, a simples e pura apresentação da proposta de lei do Orçamento do Estado.
Creio que é a forma mais clara de demonstrar que há continuidade na busca dessas soluções em termos da posição no Orçamento do Estado para 1984 e na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1985.
Há uma pergunta que o Sr. Deputado Bagão Félix também fez, e que julgo que foi repetida por vários outros Srs. Deputados, que é a de saber se eu acredito ou não que vai haver Orçamento suplementar em 1985. A única resposta que lhe posso dar, Sr. Deputado - e suponho que já a dei em ocasiões anteriores -, é a de que o Governo não prevê que haja Orçamento suplementar em 1985. Se o previsse teria avisado antes e teria alterado o seu Orçamento, porque se assim não fosse nada faria sentido.
O Sr. Deputado Raul Castro pôs uma questão inicial que julgo não ter própria e directamente uma razão de ser relativamente à minha afirmação, a qual gostaria de reiterar, de que o motor principal da actividade e da vida económica no País deve ser a actividade privada. Julgo, Sr. Deputado, que, é uma posição fundamental, e não vejo qualquer elemento de incompatibilidade.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Conhece a Constituição?!
O Orador: - O Sr. Deputado falou-me também no problema dos salários reais. Em termos daquilo que me parece ser a questão que V. Ex.ª pôs existe uma indicação, que já foi tornada pública pelo Governo e que gostaria também aqui de retomar em termos de resposta à questão que pôs, de que a orientação do Governo é no sentido de se esforçar para, no quadro da política económica ao longo de 1985, não haver uma quebra significativa dos salários reais e procurar aproximar os salários reais de uma evolução de zero, ou seja, de não crescimento. Portanto, manutenção dos salários reais. E é esta a redacção que V. Ex.ª encontra na versão das Grandes Opções do Plano em termos de salvaguarda dos salários reais.
Quanto ao ajustamento que foi feito na formação bruta de capital fixo do sector público, ela resulta da informação directa que entretanto foi recolhida nas empresas e que foi consequentemente reajustada no quadro da Secretaria de Estado do Planeamento.
Quanto à última questão que V. Ex.ª levantou, que respeita às garantias de que não se vai entrar de novo naquilo que já designamos como o ciclo vicioso de travagem-arranque, já tratei desse problema na resposta
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que dei, julgo, ao Sr. Deputado Pinheiro Henriques, razão pela qual não vejo motivo para me repetir neste momento.
O Sr. Deputado Anselmo Aníbal suscitou uma série de questões que estão directamente ligadas a problemas referentes à discussão em matéria de finanças locais, razão pela qual julgo preferível da parte do Governo não dar uma resposta desde já, mas transferi-la para o momento em que o problema seja debatido no quadro geral das finanças locais. Portanto, pediria ao Sr. Deputado que esta matéria fosse tratada na altura própria quando for, dentro de poucos dias, abordada em comissão.
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, fez também uma intervenção em que se refere de novo - tal e qual como já há pouco mencionei - o problema da evolução dos salários dos trabalhadores em termos dos seus rendimentos reais. Já respondi a esta questão. Ela, aliás, consta do próprio texto das Grandes Opções do Plano, razão pela qual não vejo também motivo para estar a avançar mais na exposição sobre este tema.
No que respeita ao que referiu sobre a evolução prevista para o aumento de reformas, também gostaria de dizer ao Sr. Deputado que esta matéria está a ser abordada noutro quadro e não irei neste momento tratá-la directamente. Julgo que V. Ex.ª terá informações sobre esta matéria noutro enquadramento.
O Sr. Deputado José Magalhães suscitou vários problemas relacionados com as regiões autónomas. Julgo que teremos oportunidade de abordar a problemática das regiões autónomas aos discutirmos a respectiva participação em termos de Orçamento, quando forem tratados os artigos correspondentes.
Gostaria, em todo o caso, de esclarecer desde já, e fazer uma indicação precisa nesta matéria, que os elementos que foram pedidos em termos de informação serão fornecidos, a curto prazo, pelo Governo, em particular a discriminação e o conteúdo das relações financeiras entre a administração central e as regiões autónomas.
Não estou aqui, neste momento, em condições de reproduzir de cor o conteúdo dessa informação, nem tenho aqui esses elementos disponíveis, pelo que julgo que a resposta mais correcta que poderei dar a V. Ex.ª é a garantia de que terá esses elementos a curto prazo.
O Sr. Deputado Ângelo Correia fez um pedido de esclarecimento que me pareceu mais orientado no sentido de uma intervenção de ordem de política geral, e a primeira pergunta que me fez foi se se está a fazer tábua rasa de 18 meses de Governo.
Bom, Sr. Deputado, não há efectivamente qualquer possibilidade, nem lógica nem sequer política, de fazer tábua rasa de 18 meses de Governo.
Julgo que é bom que tenhamos uma ideia clara da circunstância e das dificuldades em que o Orçamento foi elaborado e que tenhamos uma consciência clara a vários títulos: desde logo, a um nível elementar, a um título meramente financeiro; depois, a um nível um pouco mais complexo, já mais elaborado, as dificuldades, que também são reais, a nível económico; depois ainda, e porventura com um pouco mais de importância, o quadro político da elaboração e da apresentação das propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano.
Julgo, Sr. Deputado, que quando me pergunta se se faz tábua rasa de 18 meses de governo, devemos salientar que desde o plano mais elementar, o plano que quase diria meramente circunstancial de carácter financeiro, que é real e não é um exercício aritmético, desde esse plano meramente financeiro, passando ao plano económico já mais complexo, e passando, sobretudo, ao plano político, temos de ter a noção de quais são as circunstâncias e o enquadramento em que estas propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano são apresentadas.
E é também nesta linha que quando se diz - e V. Ex.ª quis ter o cuidado de o pôr em grande evidência - que o esforço da reforma administrativa é um ponto de partida, digo que não é um ponto de partida para o Governo mas, sim, um ponto de partida para começar, na prática, em termos efectivos, um esforço que, certamente, não está atrasado 18 meses. Se está atrasado em alguma coisa porventura é em mais de uma década. Mas certamente não tem atraso de 18 meses e nós estamos empenhados e interessados em fazer um ponto de partida nesse sentido, de dar passos efectivos.
Acresce, Sr. Deputado, que foi na mesma altura que o Governo tomou, em termos formais, a decisão de apresentar ao Parlamento a proposta de lei de Orçamento e a proposta de lei das Grandes Opções do Plano e de tomar, em Conselho de Ministros, as decisões no que respeita aos primeiros passos em matéria de reforma administrativa e também de um esforço em termos de reforma e de reestruturação do sector empresarial do Estado.
Por outro lado, pergunta também o Sr. Deputado Ângelo Correia se vai haver revisão orçamental. Já tratei dessa questão e a resposta que V. Ex.ª já ouviu dou-a como repetida aqui.
Perguntou-me ainda se este Orçamento representa um ponto de viragem das finanças portuguesas. Primeiro que tudo, representa a solução que foi possível encontrar para estar a ser discutida, neste momento e nesta Assembleia. Mas representa ainda mais: representa um ponto que julgo dever abrir um esforço para se sair do simples exercício financeiro e passar-se ao esforço de transformação, quer em termos da administração pública quer em termos do sector empresarial do Estado.
Se esse esforço for feito e for feito no quadro das 3 condições ou dos 3 níveis de discussão - que há pouco referi, quando iniciei a resposta à questão que me colocou, julgo que, progressivamente, será verdade aquilo que V. Ex.ª perguntou, isto é, se representa ou não um ponto de viragem. Mas, certamente, não será antes de o Orçamento ser executado que poderá ser dada a resposta a essa questão; essa resposta será dada pela execução do Orçamento e pelo acompanhamento que essa execução tiver em termos de transformações.
Sr. Deputado Almerindo Marques, a resposta à questão que me colocou sobre a execução do Orçamento articula-se quase directamente ou quase na sequência das últimas frases que referi, ainda em resposta ao Sr. Deputado Ângelo Correia. De facto, o Orçamento não é, em si, a execução: o Orçamento é um documento que baliza limites superiores de despesa e que define previsões de receita. É a perspectiva meramente financeira.
Mas o que também é facto é que o Orçamento é um documento - como vários Srs. Deputados já têm referido noutras ocasiões e que eu também gostaria de repescar - do conjunto do Governo e que é executado pelo conjunto do Governo.
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Nesse aspecto, estamos em condições de pôr a claro que a execução, em termos da importância do documento, é tanto ou mais importante que a própria elaboração do documento do Orçamento.
Sr. Deputado Almerindo Marques, é nesse sentido que pensamos que, progressivamente, estamos em condições de melhorar as condições de controle do Orçamento. Mas em nenhum quadro orçamental há substituto possível para o empenhamento e para a assunção de responsabilidades por todos e cada um dos membros do Governo responsáveis pela execução do próprio Orçamento do respectivo Ministério.
Vozes dar PS: - Muito bem!
O Orador: - Em todo o caso, não havendo nenhum substituto para esta exigência, o que é facto também é que há todo o interesse e vantagem em melhorar os meios técnicos de acompanhamento da execução orçamental.
Finalmente, o Sr. Deputado Pereira Lopes...
Vozes do PSD: - Não está presente, Sr. Ministro.
O Orador: - ... colocou-me também algumas questões a que responderei, embora esteja ausente da Sala.
Na primeira questão referiu um aspecto que eu já abordei aqui repetidas vezes, em resposta a perguntas de outros Srs. Deputados, respeitantes à evolução do nível dos salários reais.
Mas o Sr. Deputado colocou uma questão adicional, à qual julgo que importa responder desde já. Perguntou-me se o Governo estará disposto a aprovar uma norma salarial que permita a revisão dos salários ao longo do ano. A resposta directa a esta questão, formulada pelo Sr. Deputado Pereira Lopes, é negativa: o Governo não está disposto a enfrentar esta situação, nos termos directamente referidos pelo Sr. Deputado Pereira Lopes.
Sr. Presidente, agradeço-lhe ter-me concedido a palavra. Peço agora ao Sr. Secretário de Estado do Planeamento e do Orçamento o favor de abordarem os aspectos que ficaram de ser abordados por cada um deles.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Mário Cristina): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram colocadas duas questões a que, embora sejam de natureza marcadamente técnica, não deixarei de responder, se bem que - como já disse o Sr. Ministro - tais perguntas se situassem melhor em comissão especializada.
A primeira diz respeito às projecções que referi, em comissão especializada, relativamente aos anos de 1984 e 1985 para o sector energia e que, em relação a 1984, eram de cerca de 12%.
A explicação para esta estimativa - que é uma estimativa estritamente técnica - baseia-se no facto de, por um lado, a produção do sector ter aumentado em 1984 de 7,9% e de, em 1984, a componente hidráulica ter sido substancialmente maior do que foi em 1983, o que origina, como sabe, um valor acrescentado nacional muito maior do que no caso da componente térmica.
A explicação é esta e a explicação para uma projecção feita para 1985 é do mesmo tipo. De resto, o comportamento do ano hidrológico indica que estaremos nesse caminho.
Em relação à questão levantada sobre o mapa VII da proposta de Orçamento, que se refere a programas e projectos plurianuais, o esclarecimento que tenho para dar é o seguinte: este mapa é feito pela primeira vez - como sabe - e, por consequência, houve a tentativa de respeitar, tanto quanto possível, a letra e o espírito da Lei do Enquadramento Orçamental.
Portanto, em primeiro lugar, os programas e projectos que lá devem constar são apenas os de carácter plurianual. Logo, o facto de não aparecerem programas e projectos anuais está perfeitamente de acordo com a letra e com o espírito da lei.
Em segundo lugar, a apresentação exaustiva de todos os projectos de carácter plurianual exigiria uma lista, não direi interminável, mas extremamente longa e um documento de difícil manuseamento.
A opção técnica que se fez foi a de limitar a apresentação detalhada de programas e projectos, designadamente de projectos, àqueles que ultrapassem o montante de 50 000 contos, como pressuposto de que, assim, se aproximaria dos de carácter plurianual.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Como é sobre a agricultura?
O Orador: - No entanto, os elementos existem e estão disponíveis para consulta e serão fornecidos, se o Sr. Deputado os quiser ver.
Finalmente, assinalo-lhe que, o facto de aparecerem - como disse - projectos não financiados ou parcialmente financiados pelo Orçamento do Estado - e suponho que se refere à enumeração que surge nas Grandes Opções do Plano - não tem nada de ilegal: trata-se de projectos que não são financiados por receitas gerais ou crédito externo e que têm outras origens como sejam, por exemplo, donativos. 15to é uma questão, estritamente, de técnica orçamental...
Vozes do PCP: - Má técnica!
O Orador: - ... e que, portanto, não tem nada de ilegal.
Se quiser, poderei, depois, em comissão especializada, esclarecê-lo em pormenor sobre este assunto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E os 4 % sobre a agricultura. Ficaram no tinteiro?!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Alípio Dias): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em complemento das explicações já facultadas pelo Sr. Ministro das Finanças respeitantes à introdução do imposto sobre o valor acrescentado, gostaria de sublinhar que, no caso concreto dos medicamentos, esta introdução do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, não vai determinar, necessariamente, uma elevação do preço dos medicamentos do montante indicado. E explico porquê.
Mas, talvez valha a pena fazer primeiro um pouco a história da razão de os medicamentos terem surgido,
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realmente, tributados à taxa reduzida de 8%. De facto, a alternativa que se punha aquando da preparação do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado consistia, exactamente, em tentarmos consagrar taxas mais baixas. Obviamente que esta consagração de taxas mais baixas teria de implicar um alargamento da base tributável. Daí, ter-se procurado cindir a lista 1 das isenções do imposto de transacções em duas listas, uma "lista 1 " de bens tributados à taxa zero, isto é, isenção com reembolso dos impostos pagos a montante, a chamada isenção completa, e uma outra lista, a "lista 2", em que os bens são tributados a uma taxa reduzida.
Proeurou-se incluir na "lista 1" os bens alimentares - portanto, os bens essenciais - e na "lista 2" os bens que foram considerados menos essenciais, onde se incluem os medicamentos.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E os medicamentos não são bens essenciais?
O Orador: - Serão, porventura, menos essenciais que os alimentos.
Como quer que seja, o que importa sublinhar é o seguinte: se nós estimarmos que o valor acrescentado pela parte da indústria farmacêutica oscila entre 25 % a 30%, temos que a atribuição à taxa reduzida dará um agravamento de preços entre 2 % a 2,4 %. 15to é, de facto, o efeito máximo porque o facto de se introduzir o IVA permite que sejam deduzidos impostos pagos a montante, quer na fase da produção quer na fase de comercialização.
Importa sublinhar que será possível deduzir impostos pagos em bens - hoje há imposto de transacções e não há qualquer dedução - e que, a partir daí, poderá ser feita essa dedução.
Além disso, é também eliminado o imposto sobre as especialidades farmacêuticas, o que significa que, em termos práticos, o agravamento que poderá decorrer da aplicação do IVA será entre 1,5% a 2%.
Sinceramente, julgo que de modo nenhum se justifica todo este barulho que tem sido feito a propósito da aplicação do IVA aos medicamentos, a uma taxa reduzida.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - São os medicamentos, são os livros escolares, são as bolachas, é a salsicharia!...
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, ao que julgo para protestos, os Srs. Deputados Pinheiro Henriques, Carlos Brito, Hasse Ferreira e Bagão Félix.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço desculpa mas não está presente na Sala o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Pedi a palavra para informar o Sr. Deputado Pinheiro Henriques de que o Sr. Ministro das Finanças foi fazer uma ligeira gravação para a TV.
Não sei se o Sr. Deputado quer que sejam os Srs. Secretários de Estado a responderem às suas perguntas ou se quer que se interrompa a sessão por alguns momentos?
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Ministro, penso que, tratando-se de um protesto, justifica-se que o mesmo se faça perante o Sr. Ministro das Finanças...
Aliás, o Sr. Ministro das Finanças está a entrar novamente na Sala; pelo que farei já o protesto.
Sr. Ministro das Finanças, sob a forma de protesto, gostaria de começar por esclarecer-lhe que não estive presente porque não era deputado aquando do debate da moção de censura do CDS.
Por conseguinte, não tive oportunidade de ouvir e, aliás, nem sequer de ler - porque desconhecia que o fez - o balanço sobre o ano de 1984.
De qualquer forma, penso - e foi por isso que o disse - que teria sido oportuno que esse balanço fosse feito no documento das Grandes Opções do Plano e que não se restringisse a temas em relação, estritamente, ao programa da gestão conjuntural de emergência mas que entrasse também na área das reformas estruturais que foram anunciadas nas próprias Grandes Opções do Plano para 1984, tendo-se inclusivamente dito que havia programas prontos a implementar.
Era, portanto, quanto à execução desses programas, relativos à reformulação do aparelho produtivo, que urgia também fazer um balanço.
Como referi, vai para um ano que o Sr. Ministro disse, também aqui, que até Outubro procederia aos ajustamentos estruturais necessários na banca nacionalizada. Esses ajustamentos não foram feitos, pelo que a minha pergunta continua válida: quando serão?
E o plano de modernização da economia portuguesa também não foi apresentado até ao fim do ano. De qualquer forma, existia um compromisso com algumas responsabilidades - e refiro termos usados na altura que o Governo pretende cumprir e está, naturalmente, a trabalhar e a dar os primeiros passos nesse sentido. Não conseguiu cumpri-lo mas a questão que subsiste é: quando vai então ser possível apresentar tal plano?
Quanto à falta de articulação entre a proposta de Orçamento do Estado e a das Grandes Opções do Plano, na minha opinião existe essa falta de articulação. Aliás, outros deputados manifestaram-se aqui também em relação a ela, particularmente no que se refere aos objectivos estabelecidos para o crescimento de produto interno bruto e da inflação, cuja compatibilidade com o défice orçamental e o volume das despesas correntes e de capital não vejo que se possa entender no quadro das medidas que são propostas.
E, porque não tenho mais tempo, ficarei por aqui.
O Sr. Presidente: - Partindo do pressuposto de que o Sr. Ministro pretende responder no fim de todos os protestos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, o meu protesto não tem em vista cobrir o conjunto das respostas que V. Ex.ª deu à minha bancada, uma vez que sobre elas a Assembleia e o País farão o juízo político.
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Começaria, por isso, por fazer um primeiro reparo ao facto de o Sr. Ministro não ter dado nenhuma resposta à questão que lhe coloquei sobre o ponto da situação em relação aos fundos autónomos e também ao facto de não ter feito nenhuma referência quanto à estimativa que lhe pedi sobre a dívida total da administração central.
O Sr. Ministro afirmou que era necessário uma política de verdade - verdade sim, mas não tanta!
O protesto que quero formular tem a ver com a questão por nós colocada relativamente à renegociação da dívida. Renegociação da dívida não significa o não honrarmos os nossos compromissos externos, mas sim podermos propor aos nossos parceiros que se reexaminem taxas e sobretudo prazos, de forma a diminuir a pressão da dívida externa e do seu serviço na nossa vida económica. Ora, são os próprios membros deste Governo que se fartam de referir o condicionamento imposto pela dívida externa e pelo seu serviço.
Portanto, aquilo que temos proposto ao País é uma solução honrada, de grande dignidade nacional e que, bem abordada, longe de diminuir o nosso prestígio externo, aumentaria o nosso prestígio, na arena e no quadro internacional. O que é desprestigiante para o País é uma política de constante agravamento do endividamento externo, ao mesmo tempo que se verifica um constante agenciamento de novos empréstimos, sob a tutela do Fundo Monetário Internacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ora, tudo isso é pago à custa de sacrifícios impostos ao nosso povo, incluindo a própria fome e a miséria que começam a alastrar em importantes regiões do País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Essa é, pois, a vossa política, Srs. Membros do Governo! A nossa é a de encontrar uma forma honrada de diminuir a pressão da dívida externa, de diminuir o recurso aos empréstimos externos e, ao mesmo tempo, ir criando as condições necessárias para carecermos cada vez menos de empréstimos externos. Esta é, pois, a política que pode levar à solução dos problemas nacionais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: Regimentalmente, intervenho para protestar, sendo a minha intenção esclarecer, inicialmente, as razões que estiveram na base de questões que foram formuladas.
Contrariamente ao Sr. Ministro, penso que há que apurar responsabilidades políticas e esclarecer com nitidez comportamentos e decisões que a nível político contribuíram para a deterioração do sector empresarial do Estado. Compreendo as suas dificuldades actuais, quiçá derivadas do seu próprio posicionamento político e institucional: Ministro das Finanças de um Governo de coligação. Contudo, não posso deixar de me bater pela denúncia clara da hipocrisia de alguns que contribuíram largamente para afundar o sector público empresarial e hoje vertem lágrimas de crocodilo - sem ofensa para os crocodilos - e dizem que as empresas públicas são as responsáveis por essa deterioração. As empresas públicas têm responsabilidades nessa deterioração, mas também há responsáveis políticos que cobriram com o seu poder, ou até decidiram, investimentos errados, endividamentos excessivos, preços inadequados, para não falar de outros aspectos que irão sendo esclarecidos no quadro das normas democráticas que nos regem.
Mas, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, para que o meu pensamento fique mais claro, gostaria de referir que estranho o facto de V. Ex.ª ter dito - se bem entendi - que os objectivos da política económica e financeira do Governo foram atingidos em 1984. No meu modesto entender, não me parece que o valor atingido no défice da balança de transacções correntes constitua uma vitória. Se quiser ir para o Porto e acordar em Viana do Castelo não atingi o meu objectivo; ultrapassei-o.
Com os números que estão disponíveis no que concerne ao défice da balança de transacções correntes, pode dizer-se que o Governo, partindo de Lisboa com destino ao Porto, chegou a Vigo, ou seja, chegou muito mais longe, porque o défice foi muito menor que o previsto. Ora, como o valor desse défice esteve intimamente articulado com a descida do produto nacional bruto e o abaixamento, mais ou menos generalizado, do nível de vida em Portugal, esse objectivo financeiro foi ultrapassado, mas com custos sociais e políticos muito elevados. É, pois, pelo menos duvidoso que se trate de um êxito. Pelo acarretar de consequências nefastas na esfera socioeconómica, nomeadamente na quebra de produção e na baixa do nível de vida, julgo que efectivamente não se tratou de um êxito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, sob a forma de protesto gostaria de tecer alguns comentários em relação às respostas que V. Ex.ª deu às perguntas que formulei e de manifestar a minha estupefacção ao ouvir o Sr. Ministro dizer que este Orçamento é a continuidade da apresentação do Orçamento que apresentou há pouco mais de um ano. Então como é que o Sr. Ministro justifica que o défice aumente 90% em relação à proposta que nos apresentou há um ano?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Então como é que justifica que, excluindo os juros, as despesas correntes do sector público administrativo cresçam 29,8%, enquanto o Governo prevê uma inflação de 22%? Então como é que se justifica que, além de se gastar mais, se gaste pior? Como é que se justifica que as despesas com a aquisição de bens e serviços cresçam 45%, que as despesas com serviços cresçam 71%, mas que as despesas sociais só cresçam 22%?
15to é, o Governo não se limita a gastar mais; gasta mais, mas também gasta pior, ou seja, afecta os recursos de uma maneira mais injusta e menos reprodutiva!
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Nesta proposta orçamental já nem sequer há a preocupação que havia na proposta orçamental do ano passado, ou seja, de estancar as despesas ao nível real do ano anterior. De facto, há um crescimento real da despesa não produtiva - não é da despesa produtiva, porque essa é prejudicada mais uma vez.
O Sr. Ministro pode argumentar que há défices e défices. Mas, Sr. Ministro, este nem sequer é um défice pelo facto de os impostos terem diminuído ou de as despesas reprodutivas ou de investimento terem aumentado. É um défice que, acima de tudo, é maior pelo facto de as despesas correntes e das despesas não reprodutivas aumentarem brutalmente.
De facto, este Orçamento não é seguimento do Orçamento do ano anterior. Como é que o Sr. Ministro justificaria o facto de no ano passado se apresentar aqui uma proposta de défice de 6,2 % do PIB e agora se apresentar uma proposta de 9,5 % do PIB? Todos sabemos que é difícil mudar as coisas de um momento para o outro. Porém, trata-se da inflexão, Sr. Ministro, e a inflexão neste Orçamento foi feita ao contrário daquilo que foi dito no ano passado.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Já não me vou referir à política fiscal, nem ao mercado de capitais, nem à vítima que escolheram fiscalmente - que foi a poupança -, nem das distorções do IVA, em que o Governo isenta o queijo flamengo, mas tributa os medicamentos e os livros escolares.
Afinal de contas, chega-se à conclusão de que, do lado das despesas, do endividamento e das receitas este Orçamento é muito mais gravoso do que o do ano passado, que já era mau. Portanto, este Orçamento é péssimo, Sr. Ministro.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Deputado Pinheiro Henriques, como não retive a imagem de quem no ano passado ocupava o seu lugar, fico agora a saber que V. Ex.ª não tinha ouvido o que se passou. Portanto, ficamos entendidos.
Em relação ao programa de modernização, já tive, há pouco, oportunidade de dizer, ele está numa fase embrionária de preparação e, portanto, não está em condições de ser apresentado na data que inicialmente tinha sido prevista. Espero ter conhecimento da sua evolução e poder comunicá-la à Câmara na altura que for oportuna. Porém, neste momento o programa de modernização não está em condições de ser apresentado e foi por isso que não me referi a ele.
No que diz respeito aos ajustamentos, em termos legais, do sistema bancário devo dizer que eles também serão progressivamente apresentados ao longo deste ano, pelo que confirmo o que V. Ex.ª há pouco disse.
O Sr. Deputado Carlos Brito formulou um protesto e, para usar a linguagem própria do Plenário, eu deveria contraprotestar, mas vou fazer um protesto.
Na verdade, gostaria de fazer também um protesto porque a exposição que o Sr. Deputado fez deixou-me completamente perplexo. Certamente que a culpa é minha, pois não consigo conceber que quando V. Ex.ª se refere à renegociação da dívida tal signifique que não está a fazer aquilo a que se chama "renegociação da dívida" nos países que não podem pagar. Esse é um conceito que me transcende a capacidade de V. Ex.ª em termos de raciocínio, e só não transcende em termos estritos do jogo político. Portanto, nesse quadro, posso compreender o protesto que V. Ex.ª fez, mas não em termos de outro quadro, que seja o da negociação em termos internacionais.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não tente confundir!
O Orador: - Quando V. Ex.ª terminou o seu protesto e se referiu à fome e miséria que alastram pelo País, creio que estava a dar o tom da intervenção que fez a este respeito, Portanto, mantenho a posição que já tinha definido quanto à questão que levantou sobre a dívida externa.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira exprimiu a sua posição e tem todo o direito em o fazer. Eu já disse aquilo que penso sobre a matéria e, portanto, não valerá a pena estarmo-nos a repetir.
Quanto ao grau em que os objectivos foram atingidos, devo dizer que não o acompanho, pelo menos não o faço com a singeleza da exposição que V. Ex.ª fez. O Sr. Deputado pode, com alguma razão, dizer que não há rigor absoluto e exacto em termos de definição desses objectivos. Porém, como já tive oportunidade de referir noutro quadro, julgo que em comissão especializada só por acaso seria possível obter um resultado igual ao objectivo. Esforçamo-nos por assegurar que o objectivo seria cumprido e obtivemos resultados mais favoráveis, designadamente em matéria de exportações e de turismo, do que aqueles que tínhamos previsto porque tínhamos previsto com alguma prudência. Assim, o resultado final foi o de que, embora tivéssemos a possibilidade de "atingir Vigo", o nosso objectivo de chegar ao Porto ficou plenamente assegurado.
Também gostaria de dizer que os efeitos em matéria de produto interno e os efeitos em termos de situação interna da economia estavam a priori definidos. Tivemos oportunidade de o dizer na Assembleia e tal aconteceu, como tínhamos afirmado, em termos claros, não só perante a Assembleia como, através dela, perante o País.
O protesto formulado pelo Sr. Deputado Bagão Félix leva-me à obrigação de fazer um contraprotesto, figura com a qual não simpatizo, mas a vida leva-nos, por vezes, a estas circunstâncias. V. Ex.ª vê-se na obrigação de estar estupefacto comigo; admito que seja uma estupefacção genuína, mas é só com grande esforço de imaginação, Sr. Deputado, porque sei que não é.
Quando falava em termos da apresentação deste Orçamento e das questões sérias e reais que temos que enfrentar e não apenas nas questões de simples discussão em termos de quadro teórico, queria referir que o simples facto da dificuldade enorme - inclusivamente maior do que a do ano anterior - que tivemos para chegar à apresentação da proposta de Orçamento é uma prova indirecta da busca que houve, dentro do Governo, de manter a linha de orientação anterior. Julgo que essa linha de orientação se deve manter e que o Governo tem obrigação de a sustentar.
Por isso mesmo, Sr. Deputado - e esse é o elemento que gostaria de pôr em evidência para reduzir o grau expresso de estupefacção, visto não ser necessário reduzir o grau real, porque esse imagino qual seja, isto é, muito mais pequeno, na medida em que conhece as realidades -, devo dizer que a prova em definitivo
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dessa busca é o acompanhamento da execução do Orçamento com as medidas de ataque a duas das áreas mais importantes, no que respeita à redução da despesa. V.Ex.ª sabe tão bem como eu - os Orçamentos para 1985, 1986 e 1987 já estão predeterminados se não se fizerem mecanismos de transformação. E isto já era verdade há alguns anos atrás e não começou a ser verdade nem em 1983, 1984 ou 1985.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - 1985 reflecte o contrário!
O Orador: - Não, Sr. Deputado, não reflecte o contrário!
Portanto, temos perante todos os portugueses - e permita-me que num parênteses diga que, por maioria de razão, perante aqueles que como V. Ex.ª e eu próprio pertencemos à nossa geração - a responsabilidade de enfrentar estes problemas em termos políticos e de conjunto, porque, em boa parte, está em jogo, neste tipo de problemas gerais, a vida futura de Portugal. A esses temos que responder em conjunto e em termos de desafio e de responsabilidade.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Enviado à Assembleia da República em 10 do corrente, e sem prévia consulta dos partidos políticos que não fazem parte do Governo, com violação do Estatuto do Direito da Oposição (Lei n.º 59/77, de 5 de Agosto), o presente Orçamento é apresentado, por isso, tarde e mal.
Para um Governo que tanto se arroga de uma autoproclamada política de "rigor", e de "diálogo", é este um estranho rigor que o leva a não cumprir o prazo legal de apresentação do Orçamento, só o fazendo quase 3 meses depois, e uma não menos estranha forma de "diálogo", que o leva a ignorar a obrigação legal de ouvir previamente os partidos da oposição em relação ao Orçamento. Mas o presente Orçamento não só começa mal, como acaba por não ser sequer credível.
O n.º 2 do artigo 108.º da Constituição estabelece que o Orçamento é elaborado de acordo com as Opções do Plano.
Todavia, não só a dissociação entre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento mais permite admitir que aquelas foram elaboradas já depois de ultimado o Orçamento, como as Grandes Opções não aparecem sequer relacionadas com o Programa de Recuperação Financeira e Económica e o Programa de Modernização da Economia Portuguesa, apesar de tais Programas serem apresentados pelo Governo como os grandes instrumentos da sua política económica.
Por outro lado as próprias Grandes Opções do Plano não passam de meras intenções, quer porque fogem a questões fundamentais como a redução brutal do poder de compra ou a degradação do aparelho produtivo nacional, quer ainda porque as suas previsões acabam por ser desmentidas com o tempo, como sucedeu no ano de 1984 em que a inflação prevista de 24% acabou por atingir 30% e o défice da balança de transacções correntes não atingiu quase metade do previsto, enquanto que a formação bruta do capital fixo diminuiu 20% em vez dos 9% previstos.
Mas a falta de credibilidade do Orçamento para 1985 resulta ainda do facto, admitido até por quem não milita na oposição, de que dentro de alguns meses um vultoso Orçamento suplementar virá novamente pôr a nu as carências de largos milhões de contos que este Orçamento ocultou, para não avolumar ainda mais o défice que apresenta de 335 milhões de contos.
Todavia, nem o Orçamento é um mero jogo de números e cifrões, nem a sua discussão se devia processar num ambiente de "apagada e vil tristeza".
Estando em causa as grandes linhas da gestão económica e financeira do Estado, estão simultaneamente em causa os interesses do nosso povo.
Deveria ser com interesse e até com entusiasmo que a população do nosso país interviria, interessada e participativamente, na discussão deste Orçamento do Estado Português.
Os problemas da habitação, da saúde, da educação, dos transportes, e todos aqueles que afectam as condições de vida da população, deveriam constituir, no Orçamento, uma razão de esperança em melhores dias.
Mas se os membros do Governo nas diversas comissões da Assembleia se apresentam todos com um ar pesaroso e conformado, explicando que não podiam dar respostas positivas e ultrapassar problemas e carências por não disporem de verbas para tal, como hão-de os Portugueses acolher este Orçamento com manifestações de interesse ou de, satisfação?
Como se não bastasse toda uma política de degradação acelerada das condições de vida do nosso povo, o Governo resolveu comemorar a apresentação do Orçamento com as suas "grandes opções" do aumento dos preços: aumentou a gasolina, o gasóleo, o gás, e, não satisfeito, o pão, o leite, o açúcar, os transportes, em suma, agravou todos os produtos que tornam ainda mais difícil a vida sobretudo das camadas mais desfavorecidas da população.
E como se isto ainda não bastasse, fez incidir, através do IVA, novo aumento sobre bens essenciais, desagravando, como é próprio da sua política, a tributação sobre artigos de luxo ou não essenciais, desde o whisky e os perfumes até aos filmes de conteúdo pornográfico!
Torna-se assim evidente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, que deste Governo e da sua política, o nosso povo já não espera nada.
Já nos últimos dias de Dezembro os comerciantes concluíram que houve uma grande quebra nas vendas de Natal, excepto nos produtos mais caros, o que define uma política que apenas favorece um grupo restrito, dificultando cada vez mais as condições de vida da grande maioria da população.
É, por isso, compreensível que este Orçamento seja recebido com o mesmo descrédito de que goza o Governo.
Bem pode o Governo, em ano de eleições, anunciar o aumento do salário mínimo ou o seguro de desemprego, embora restrito apenas aos desempregados posteriores á publicação de tal seguro, e ignorando os que procuram o primeiro emprego.
De um hospital espanhol, construído à custa de um certo doador, dizia o povo espanhol:
O Sr. D. Juan de Robres, com caridade sem igual, fez este santo hospital; mas antes fez os pobres.
De tal Governo, tal Orçamento.
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As Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1985 orientam-se no sentido de fazer regredir ainda mais a economia é acentuar a degradação do aparelho produtivo nacional, no quadro de uma filosofia capitalista neoliberal, e virão agravar os desequilíbrios sociais e a distribuição não equitativa dos sacrifícios pedidos aos Portugueses, com prejuízo da satisfação das necessidades básicas da população, subalternizando o aproveitamento dos recursos nacionais e acentuando a dependência externa do País.
O MDP/CDE afirma que tal orientação contraria a política de ajustamento que a economia portuguesa carece, e contraria também a necessária estratégia de desenvolvimento económico.
Por isso o MDP/CDE rejeita liminarmente as Grandes Opções do Plano e o Orçamento propostos pelo Governo à Assembleia da República.
Este é um Orçamento desastroso, ao serviço de uma política condenada e condenável.
Este é o Orçamento incredível de um Governo indesejável.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não posso deixar de protestar pelo facto de que, dos elementos presentes do Governo, apenas talvez um, o Sr. Secretário de Estado do Planeamento, tenha dado atenção às palavras proferidas pelo meu colega de bancada.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.
O Sr. João Salgueiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Começo por perguntar se devo aguardar que o Sr. Ministro das Finanças esteja presente ou se o Sr. Ministro de Estado entende que posso continuar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.
O Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Deputado, vou providenciar no sentido de chamar o Sr. Ministro das Finanças, que suponho ter ido, finalmente, fazer a sua comunicação à RTP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, aguardar alguns momentos para que o Sr. Ministro das Finanças possa estar presente à intervenção do Sr. Deputado João Salgueiro.
Pausa.
Visto o Sr. Ministro das Finanças estar já presente, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.
O Sr. João Salgueiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Agradeço em particular a presença do Sr. Ministro das Finanças, porque se algumas das palavras que tenho para proferir são difíceis mais o seriam se não estivesse presente. Penso não ser de estranhar, nesta Câmara, que estejamos preparados para discursos que não são fáceis. Ao contrário da ideia que se vem generalizando de que nesta Assembleia as coisas são muito fáceis para todos os Srs. Deputados, isto é, que a sua função é muito fácil exercer, neste período relativamente curto em que tenho compartilhado desta experiência, tenho a testemunhar o contrário. Nas bancadas da maioria e, também, nas bancadas da oposição - com cujos Srs. Deputados tenho tido oportunidade de contactar - registei grande preocupação por um diagnóstico claro dos problemas e por um posicionamento firme em relação às dificuldades que podem surgir no presente ou no futuro.
Poderemos discordar da maneira como cada um de nós vê os problemas, mas não tenho realmente encontrado, nem por factos nem por intenções, a vontade de fugir às dificuldades do diagnóstico ou da tomada de posições claras perante escolhas difíceis.
É essa, aliás, a razão de ser de qualquer Parlamento em qualquer país do Mundo - a capacidade de traduzir os sentimentos profundos da população, dos eleitores, a quem devemos a prestação de contas, da definição do quadro legislativo e da fiscalização dos actos do Governo, com a clareza necessária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como aqui já várias vezes foi repetido por vários colegas, não é por outra razão que as decisões parlamentares sobre os orçamentos de Estado têm acompanhado o nascer de todas as democracias. Também se deve dizer que não há verdadeira democracia sem partidos, sem a sua representação em parlamentos, e sem um posicionamento claro das bancadas partidárias.
O que nos reúne aqui, hoje, é a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o Orçamento do Estado para 1985.
A proposta de Orçamento tem, como é natural, mas não quero deixar de lhes fazer referência expressa, aspectos que pelo menos a maior parte de nós considera positivos.
Nos aspectos formais a própria Comissão de Economia, Finanças e Plano, por unanimidade, referiu a inclusão de orçamentos com algum detalhe sobre os fundos autónomos e um princípio de tratamento de programas plurianuais. Num aspecto mais substancial, em matéria de política fiscal, um princípio de correcção do irrealismo do imposto complementar - pela primeira vez se faz neste recente período da nossa história - bem como a introdução do imposto sobre o valor acrescentado - com as dificuldades que todos sabemos vai ter, e a intenção de a levar a cabo em meados deste ano - é um acto político maior que altera toda a nossa fiscalidade indirecta.
Não estranharão, no entanto, que me refira em particular aos aspectos que não considero positivos, em primeiro lugar, porque estamos desde há anos perante uma difícil situação financeira do Estado.
A via que veio sendo seguida foi a de uma correcção gradual e lenta, certamente demasiado lenta para as aspirações da maior parte dos deputados da maioria. Neste ano corremos o risco, com este Orçamento, de assistir a um agravamento real, pela primeira vez desde 1979. E isso não é um facto menor ou que possa passar sem referência expressa.
As palavras que o Sr. Ministro das Finanças proferiu há instantes, na apresentação desta proposta,
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facilitam-me o que tenho a dizer porque correspondem a um diagnóstico que quase subscrevo na íntegra. Vou salientar apenas quatro frases aqui proferidas - mas poderia salientar muitas mais - porque me permitem ir ao encontro de algumas das dificuldades que existem.
Uma ideia que o Sr. Ministro avançou foi a de que este problema financeiro do Estado Português se traduz necessariamente numa responsabilidade colectiva dos Portugueses e da classe dirigente dos últimos 10 anos - eu talvez alongasse esse período. No entanto, não há dúvida que estamos perante uma situação que,
qualquer Governo, seja ele qual for, terá de assumir. portanto, de uma responsabilidade colectiva que se trata. Aqui a minha concordância não é matizada de qualquer comentário.
As outras 3 frases que quero destacar são as seguintes: primeira, a de que "a iniciativa privada deve ser o cerne e o motor da economia"; segunda, a de que a "organização económica não é viável sem reformas de fundo"; e, terceira, a de que "é preciso rever o modelo de enquadramento institucional das empresas públicas".
Estas 3 frases são, em meu entender, perfeitamente correctas, só que infelizmente não se traduzem em directrizes correspondentes no Orçamento. E isso permite introdução ao que penso dever dizer com clareza, por que perante a Nação Portuguesa e nesta Casa todos devemos ter particular preocupação de clareza. Nem sempre é fácil a missão da comunicação social em transmitir o que se passa nesta Assembleia, mas sê-lo-á ainda mais se as nuances forem de tal ordem que desvirtuem a clareza do que devemos dizer.
O Sr. Ministro das Finanças e o Governo têm toda a razão - porque é de um documento do Governo que se trata -, e merecem, sem dúvidas, o apoio das bancadas da maioria, quando se refere que se trata de problemas de "fôlego", que não se resolvem de um ano para o outro, mas que têm de ser combatidos com persistência. É necessário vermos se a proposta de Orçamento corresponde ao esforço necessário para resolver a crise em que estamos envolvidos. Tanto quanto vejo, é em grande parte, e infelizmente, um orçamento de resignação e não orçamento de mudança.
Não diria, como já aqui disseram Srs. Deputados das bancadas da maioria, que neste domínio houve duas linguagens. Diria certamente que o posicionamento do Governo aquando da apresentação do Orçamento para 1984 bem como da apresentação de um pacote legislativo de emergência para corrigir desvios orçamentais em 1983 - houvessem, ou não, aspectos de pormenor que fossem discutíveis - correspondia mais a uma vontade de encarar de frente a crise financeira do Estado. O posicionamento aquando da alteração do Orçamento do Estado para 1984 e o posicionamento, agora, na apresentação da proposta do Orçamento para 1985 têm uma ressonância de resignação à crise que não parece bom augúrio para encarar de frente as dificuldades.
Como já referi, o défice corrente agrava-se em termos reais pela primeira vez desde 1979, quer o consideremos com ou sem juros, como, aliás, o Sr. Ministro das Finanças já referiu. Vem isto a seguir a um aumento que já se tinha verificado na prática com a revisão do Orçamento para 1984. A proposta do Orçamento para 1984 apontava - e foi sublinhado o apoio que dedicámos a essa proposta de reduzir o défice - para 6,3 % o défice do Estado, 6,5 % da Administração. Desta vez aponta para 9,5 %.
Não adianta a linguagem que se use. Estamos a falar de um verdadeiro problema nacional - e , aí, a minha concordância é total para com a linguagem que o Sr. Ministro das Finanças usou. Mas não adianta explicar o "resvalar" financeiro pelo agravamento dos encargos da dívida pública ou dos juros das mesmas.
B exactamente porque temos de pagar os juros da dívida pública que desde há muitos anos defrontamos uma crise financeira. Se não houvesse o problema dos juros, a nossa dívida externa seria pelo menos 40 % menor e a maior parte das empresas públicas não estava numa posição de dificuldade, a maior parte das empresas privadas inviáveis ou falidas não teriam problemas. É exactamente porque há um problema de juros que temos um problema financeiro no Estado. É isso que obriga a que tomemos medidas mais radicais.
Deve, aliás, citar-se que da proposta do Orçamento de 1984 para a de 1985 há um aumento de juros de 53,6 milhões de contos, mas há um aumento de outras despesas correntes de 190 milhões de contos. Não é o aumento das despesas com os juros que explica a parte maior do aumento das despesas correntes. O aumento é relativamente menor, para as despesas de capital - 27 milhões de contos. Tais aumentos explicam que o défice da proposta do Orçamento de 1984 para a de 1985 tenha um agravamento de 90 %, como já aqui, hoje, foi citado. E devemos comparar as duas propostas, porque estamos num momento de discussão de uma proposta de lei, no início de um ano orçamental. Há sempre imprevisíveis em qualquer proposta de orçamento, tanto do lado das receitas como no das despesas, mas, quando os imprevisíveis se somam no mesmo sentido, a probabilidade de termos dificuldades é maior. Parece-me que em várias rubricas será esse o caso.
No entanto, não quero, nesta intervenção, atribuir um carácter demasiado técnico aos reparos. Além do mais, essa mudança fundamental que significará a introdução do imposto sobre o valor acrescentado traduz-se a meio do ano, na possibilidade de dificuldades se tudo não correr perfeitamente e se a verba que está orçamentada para esta receita vier a ter alguma redução, o que pode ser possível pela inovação que representa.
Também não parece fácil imaginar que as profundas reformas, cuja necessidade as bancadas da maioria e do Governo compartilham, designadamente em relação à reestruturação da Administração Pública e do sector empresarial do Estado, venham a decorrer de modo que não surjam imprevistos nessas duas áreas.
O Sr. Ministro das Finanças diz - e quanto a mim bem - que se não tivessem lugar tais reformas de fundo este Orçamento não faria sentido. E a expressão que usou foi a de que este era o Orçamento do possível, para se estar a discutir aqui neste momento.
O Orçamento que eu desejaria ver apresentado, por parte do Governo, não era o do possível mas o do desejável para responder à crise financeira. Não o desejável para resolver os problemas nacionais de uma vez só, porque ninguém terá a ilusão de acreditar que isso seja possível, mas um Orçamento que permitisse caminhar no sentido da correcção, e não somasse, em termos reais, para o próximo ano, uma dívida ainda maior do que a que temos (voltarei a este ponto dentro de instantes).
Devemos lembrar-nos que o problema do défice não é uma questão técnica, mas uma questão política, questão de sociedade e até de civilização. Porque défices
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prolongados com esta dimensão são responsáveis pela inflação - especialmente quando o seu modo de financiamento é feito através de crédito bancário -, por grande parte dos desequilíbrios da balança de transacções correntes - que é estrutural no nosso país, passadas as fases de contenção da procura de uma forma mais dura - e também pela dificuldade do crédito ao investimento e ao sector produtivo em geral.
O segundo reparo tem a ver com a política de relançamento que está implícita neste Orçamento. O Orçamento é o documento básico da política económica e financeira que vai ser seguida neste ano. É tão mais importante a discussão das coordenadas que o Orçamento fixa quanto é certo que não dispomos de coordenadas a médio prazo. As Grandes Opções são referenciadas apenas ao ano de 1985, porque, como tem sido prática desde há muitos anos para cá, não se pode ainda dispor do enquadramento a médio prazo. O relançamento que está previsto assenta predominantemente no sector público e, até, predominantemente também, na Administração Publica, o que é contrário ao que devíamos procurar, após dois anos de contenção em que foram particularmente penalizadas outras componentes da despesa - consumo privado, investimento privado e, em segundo lugar, o investimento público.
Num programa de relançamento, avolumar prioritariamente o consumo público e não o investimento produtivo, seja ele privado ou público, e não prever um andamento mais desafogado para o consumo privado, quando se devia tratar de compensar a perda de dinamismo dos anos anteriores, parece um modelo que não é o mais adequado.
Aliás, é difícil explicar que num ano de relançamento sejam as verbas correntes, com carácter mais permanente, que sejam avolumadas e, pelo contrário, prevê-se que cresça o consumo público 3% e o investimento público 0,8%, ou seja, também, que o consumo público cresça mais do que o consumo privado. É o tipo de relançamento que acentua os males da nossa economia - a estatização crescente -, porque nas épocas de crise corta-se a parcela directamente produtiva e nas épocas de relançamento acaba-se por favorecer a componente mais beneficiada ao longo destes anos. E não há país na Europa em que o consumo público, em termos relativos, tenha crescido mais neste decénio do que em Portugal. Aliás, o mesmo traduz-se, designadamente, nas orientações da política fiscal.
O realismo orçamental que leva a privilegiar aumentos dos impostos na área do imposto de capitais - como o adicional ao imposto sobre os depósitos de residentes, e eliminar parte da isenção para o imposto de capitais sobre os depósitos dos emigrantes - tem, de facto, numa óptica de modelo global muito menor justificação.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Em primeiro lugar, porque a intermediação bancária, nas novas condições do sistema, já está agravada de mais pelo imposto de capitais e, em segundo lugar, porque na óptica dos emigrantes o que se trata é de depósitos de não residentes, que têm de ser comparados com as condições que outros países oferecem aos mesmos portugueses não residentes. Mas agora não devo alongar-me em comentários de especialidade.
Aproximo-me do final da minha intervenção e quero fazê-lo de uma forma que seja tão clara como os reparos anteriores.
Assim, quero declarar, desde já, a minha posição quanto ao voto na generalidade. Não considero que nestas circunstâncias esteja em condições pessoais de votar as propostas das Grandes Opções e do Orçamento. E quero defini-lo, desde já, para que não seja mal interpretado o que se passará depois.
Neste momento, não estamos apenas a discutir o Orçamento - embora seja isso que nos reúne aqui. Infelizmente, por um conjunto de circunstâncias, o momento da vida política portuguesa é de molde a que ponderemos as várias interpretações que qualquer decisão pode ter. Daí que me alongue um pouco mais, com a benevolência dos Srs. Deputados.
Penso que o prestígio da Assembleia da República não permite que possam subsistir dúvidas sobre a possibilidade de as palavras aqui proferidas não terem consequências. O prestígio político de um órgão de decisão implica que as palavras tenham consequências.
As palavras que dirigi à síntese orçamental e à política de relançamento, que não desenvolverei agora, traduzidas depois numa aceitação passiva de tal quadro de fundo levariam, no meu entender, exactamente, ao contrário daquilo que penso. A expressão de um pensamento deve ter tradução na assunção das responsabilidades que implica.
Não esperarão as bancadas da oposição que eu me associe ao seu sentido de voto. A minha intenção é pedir a suspensão do mandato. E digo-o também claramente para que não fiquem dúvidas.
Penso que a disciplina partidária, no actual contexto português, deve ser respeitada. Não contribui em nada para a estabilidade e para a consolidação da democracia estarmos a favorecer a indisciplina e a incerteza política.
Podiam alguns dos Srs. Deputados perguntar-me - e antecipadamente quero responder-lhes - se, se não põe em causa a solução política, qual o sentido de não apoiar um Orçamento. Estaria capaz de aceitar intenções de que este estilo de política orçamental será corrigido ao longo do ano, se não tivesse sido já muito claro aquando da discussão da proposta de Orçamento suplementar para 1984. Nessa altura pareceu-me, bem como a alguns companheiros, que seria possível aceitar a indispensável inflexão em fases subsequentes.
Para que não fiquem dúvidas, Srs. Deputados, vou apenas ler algumas das palavras que tive oportunidade de dizer e que estão no Diário. Vou apenas referir 3 extractos:
A preparação e votação do Orçamento para 1985 é um exercício que terá consequências para os próximos anos e para vários anos. De facto, a revisão orçamental com a amplitude que fomos chamados a abordar neste momento indicia, necessariamente, que deverá haver uma discussão muito aprofundada do Orçamento para 1985. Mais adiante disse: Uma maioria tem, antes de mais, um dever de solidariedade para com o Executivo, que só sobrevive enquanto e na precisa medida em que maioria parlamentar mantém a confiança a esse governo. Mas entendemos que essa solidariedade não deve ser interpretada de forma superficial e apressada. A dignidade desta Câmara exige que a co-responsabilização dos parlamentares se faça com uma discussão aprofundada das razões das di-
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ficuldades financeiras que o Estado atravessa. A nossa co-responsabilização não pode existir se não tivermos a possibilidade de discutir e de fazer inflectir eficazmente o estilo de funcionamento financeiro quando ele não for suficientemente justificado.
Termino com uma última citação:
Neste momento a manifestação da nossa solidariedade ao Governo deve andar associada a um aviso. É o aviso de que pensamos que o alargamento de um défice tão vasto, como este que agora nos é apresentado, deveria ser acompanhado de medidas para o limitar no futuro.
Não teria sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que um aviso - a menos que fosse um mero jogo de palavras - feito alguns meses antes não se traduzisse agora em factos.
Termino, Srs. Deputados, com mais um comentário. O sentido desta minha atitude poderia ser interpretado, apenas, como sensibilidade pessoal. E é disso que se trata também nesta Assembleia da República, porque senão não haveria lugar para eleições de pessoas e bastava passarmos ao copiador as decisões de voto de cada direcção. No entanto, há que interpretar em cada momento as responsabilidades. Poderia ser interpretado como tendo particular sensibilidade neste domínio. Não é, e quero repeti-lo expressamente, a intenção de atirar pedras a ninguém, porque comecei por dizer que me associo a 100% com o que o Sr. Ministro das Finanças disse em relação às enormes dificuldades de inflectir a situação, quanto às responsbilidades acumuladas ao longo destes anos e quanto ao enorme esforço que representará para o povo português a sua solução. Não se trata de superficialidade no julgamento das dificuldades nem de querer atirar pedras a ninguém. Aliás, devo dizer que, tendo amigos de há muitos anos na bancada do Governo e admiração política, também, por vários desses membros do Governo, não me é grato o meu posicionamento agora.
Mas penso, também, que o que está em causa para o futuro do povo português e da democracia exige traduzir em actos - que não seja apenas aviso de palavras -, as reservas expostas para reduzir a possibilidade de, durante os próximos meses, resvalar para situações que não seriam boas, nem para o Governo, nem para a Assembleia da República, nem para o País.
Mas porque podiam os Srs. Deputados interpretar que se tratava apenas de uma sensibilidade pessoal, quero dizer claramente que é mais do que isso. Também para explicitar o que distingue o meu posicionamento do de qualquer das oposições. É mais do que isso. Está implícita a confiança que tenho em que este Governo tem condições políticas para um Orçamento que não seja de resignação. Um governo com 20 meses, com uma maioria sólida, tem condições - se este não tiver, qual as terá nos próximos tempos? ... para um estilo de resposta diferente face aos problemas nacionais.
Esta Câmara, no meu entender, poderia e deveria ser chamada a pronunciar-se sobre medidas difíceis se isso implicasse a sua co-responsabilização. É menos justificado que se faça a responsabilização face à não adopção dessas medidas necessárias para corrigir a situação e que este ano pode correr o risco de se agravar de novo, em vez de continuar na mesma linha de atenuação.
Devo claramente expressar, e termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta minha reserva em relação à proposta de Orçamento não é uma reserva em relação às virtualidades desta coligação e deste Governo, neste momento. Tenho defendido a remodelação necessária, mas não se confunda uma reserva em relação a esta proposta de Orçamento do Estado com uma reserva às virtualidades do Governo. E no actual momento político essa clarificação é particularmente necessária.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, estão inscritos, além do Sr. Ministro de Estado, os Srs. Deputados Pinheiro Henriques, António Capucho, José Luís Nunes, Carlos Lage, Hasse Ferreira, Almerindo Marques, Jorge Lacão e Lucas Pires.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - O Sr. Deputado João Salgueiro fez uma crítica em relação às propostas apresentadas sobre as Grandes Opções do Plano e Orçamento do Estado para o ano corrente e manifestou as suas profundas - assim nos pudemos aperceber - reservas em relação a esses documentos. Penso, no entanto, que foi um pouco mais além.
Tratando-se de uma pessoa que teve responsabilidades governamentais nesta área e que, por consequência estará certamente bem documentado em relação à realidade portuguesa nesta matéria, penso que talvez tivesse algum sentido sabermos quais serão as perspectivas que, em seu entender, deviam ser as adoptadas para a evolução da economia portuguesa.
Não estou, obviamente, a pedir-lhe que apresente uma proposta alternativa às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento do Estado, mas penso que poderia ir um pouco mais além na sua análise dando o salto em relação a propostas. Ou seja, que o seu discurso fosse um pouco mais pelo positivo e menos pelo negativo.
Queria salientar - e peço-lhe que não entenda isto com sentido provocatório, porque efectivamente o não tem - que dificilmente consigo perceber qual é a diferença fundamental entre a política que está a ser adoptada por este Governo, e que é apresentada nestas Grandes Opções do Plano, e aquela que V. Ex.ª defendeu e praticou enquanto ministro das Finanças.
Não queria deixar também de manifestar a nossa diferença de opinião em relação às suas palavras, e também em relação às do Sr. Ministro das Finanças, visto que elas coincidem. Penso que isso é lógico e normal, porque temos posições ideológicas bastante diferentes em relação ao papel do sector empresarial do Estado. Certamente, ninguém estranhará esta diferença de opinião. Nós entendemos, com efeito, que ao sector empresarial do Estado compete um papel dinamizador. Eu diria que ele deveria ser o motor de arranque, não o motor da viatura. De qualquer forma, deveria ter uma função que certamente seria fundamental ao nível do arranque para a recuperação. Esta é a nossa opinião.
A pergunta que lhe queria fazer a este propósito é no sentido de saber se entende, ou não, que deve existir o sector empresarial do Estado e, nesse caso, apontar limites para o seu dimensionamento e algumas orientações, que sejam as suas, em relação à sua racionalização e dinamização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
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O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado João Salgueiro: Utilizo esta figura regimental para dizer que a intervenção que V. Ex.ª produziu a título pessoal, como foi notório, reflecte uma atitude que respeitamos, mas que não corresponde à posição que, sobre as duas propostas de lei, tem a Comissão Política Nacional do nosso partido.
Não posso, no entanto, deixar de salientar - e agora também a título pessoal - que a intervenção que V. Ex.ª produziu, com a dignidade com que o fez, honrou o seu mandato, prestigiou a função de deputado e dignificou esta Câmara.
Aplausos de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado João Salgueiro, desejava pôr-lhe algumas questões acerca da intervenção que acaba de fazer.
O Sr. Deputado utilizou uma terminologia idealista, que exprime menos a análise mais ou menos fria do economista do que um estado de alma. Falou em resignação, falou no desejável e falou no possível.
A primeira questão que lhe quero pôr, utilizando a terminologia que usou é a seguinte: quais são, no seu ponto de vista, os custos sociais de um orçamento - sublinho isto - que fosse ideal?
Segunda questão: pensa que esses custos sociais seriam possíveis de suportar neste momento?
O Sr. Deputado falou nos juros como um problema financeiro do Estado e devo dizer-lhe que este foi um dos pontos importantes da sua intervenção. São efectivamente os juros, no sentido próprio da palavra e não a expressão, que muitas vezes se usa aí demagogicamente, endividamento externo que constituem um problema muito claro do Estado. Mas seria interessante que o Sr. Deputado explicasse a esta Câmara se é ou não possível distinguir, nas dificuldades que actualmente atravessamos, o endividamento do Estado, que foi feito através dele próprio e o endividamento do Estado, que foi feito através de empréstimos contraídos por empresas públicas.
O terceiro ponto que gostaria de sublinhar era o seguinte: o Sr. Deputado disse que o Orçamento previa - pelo menos assim o entendi - um relançamento essencialmente centrado no sector público. Devo dizer ao Sr. Deputado que não considero que o sector público seja uma espécie intocável de "vaca sagrada". Inclusivamente, o Sr. Deputado focou um problema importantíssimo que é o da situação' institucional deste sector e da inexistência da sua inserção em qualquer direito administrativo português, que não é um problema deste Governo mas de todos os que o antecederam e que também nele encalharam.
A questão que lhe queria colocar era no sentido de saber em que medida é que esse desenvolvimento, que V. Ex.ª vê essencialmente colocado no sector público, pode ser definido num Orçamento do Estado em relação ao sector privado. Dito de outra forma, em que medida é que o Estado português, para além das suas próprias dificuldades, se pode substituir às próprias dificuldades do sector privado? É que parece que se exige ao Estado português que administre bem o sector público, o que é uma exigência que se lhe deve fazer, e simultaneamente que seja ele próprio um factor de criação e de dinamização do sector privado, até limites que o próprio sector privado não parece capaz de superar. Era esta aparente contradição, que daria pano para mangas para um mais amplo discurso, que gostaria de ver desenvolvida nas palavras do Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado João Salgueiro, se entendi perfeitamente a sua intervenção, ela sublinha que não põe em causa a solução política votada, reconhece virtualidades ao Governo e à coligação, mas parece distanciar-se deste Orçamento e da política económica do qual é uma peça, por razões de natureza marcadamente técnica.
Uma voz do CDS: - Técnica?
O Orador: - E é sublinhando o plano das soluções técnicas diferentes - que têm sempre, naturalmente, implicações políticas que o Sr. Deputado João Salgueiro faz algumas considerações.
Diz que este Orçamento é de resignação e pretende de alguma maneira dizer com isso que este Governo é resignado, que aceitou a inércia administrativa, que aceitou as coisas.
Começo por dizer que este Governo revelou não ser resignado quando inverteu a tendência, essa sim catastrófica, do agravamento do défice da balança de transacções correntes. Esse era, como o Sr. Deputado João Salgueiro sabe, o maior de todos os problemas com que se defrontava a nossa economia, que comprometia inclusivamente a própria independência nacional. Creio que este Governo mostrou não ser resignado e ser capaz de tomar medidas drásticas para evitar essa situação.
O Sr. Deputado disse também concordar, por exemplo, com alguns princípios expostos pelo Sr. Ministro, designadamente, quanto à intenção de modificar o quadro institucional das empresas públicas relativamente a várias medidas preconizadas, mas no plano estritamente orçamental manifestou as suas discordâncias. Eu penso que elas são legítimas. Só que gostaríamos de saber quais são as soluções alternativas que o Sr. Deputado João Salgueiro preconiza. O Sr. Deputado diz que se verifica um agravamento das despesas correntes. Gostaríamos de saber em quais destas despesas gostaria o Sr. Deputado de verificar cortes, ou seja, onde é que é possível reduzi-las. Está disposto a fazer recomendações? Que política de rendimento e preços recomenda? Já o Sr. Deputado José Luís Nunes aqui falou das consequências sociais que podem estar implícitas nalgumas posições alternativas que o Sr. Deputado João Salgueiro eventualmente defenderá. Que medidas recomenda para estimular o investimento privado? É que me pareceu que o Sr. Deputado disse recusar o agravamento das despesas correntes, assim como me pareceu pôr reservas ao aumento das despesas de capital, tendo referido que a mudança se poderia verificar através do incremento do investimento e da despesa privados.
Que medidas de natureza monetária, fiscal e outras recomenda o Sr. Deputado João Salgueiro para reactivar esse investimento privado de forma a que o investimento e as despesas privadas não só permitam reanimar a economia mas também atingir o relançamento,
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que me parece não recusar? É que creio bem que o Sr. Deputado não recomenda a estagnação da economia, pretendendo, pelo contrário, o seu relançamento e a sua reactivação. O que nos faltou foi a indicação das medidas que, em alternativa, preconiza.
Pensamos que esta questão é essencial, e uma pessoa que muito respeitamos, como o Sr. Deputado João Salgueiro, que já foi responsável pela economia e pelas finanças deste país, talvez tenha algum dever de dizer a esta Câmara e aos deputados, que o escutaram com atenção, quais são as medidas e as soluções que tem para os nossos problemas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado João Salgueiro: Mais do que esclarecer profundamente as motivações do seu posicionamento político neste debate, que se vai revestindo de grande importância, gostaria de esclarecer as perspectivas de propostas político-económicas alternativas que V. Ex.ª defende.
Partilho as suas preocupações quanto ao crescimento dos gastos do sector público administrativo, mas já estranho um pouco a defesa que faz - da forma como o faz - do relançamento do investimento privado versus investimento público. Gostaria pois que clarificasse se a sua oposição ao tipo de crescimento económico previsto, da forma como está proposto, se refere mais à preocupação com o crescimento de despesas não reprodutivas ou ao ressuscitar da velha querela entre investimentos privados e públicos. O problema não estará antes, ou bastante, em termos - o País herdado investimentos públicos de rendibilidade mais que duvidosa ou até negativa a exigirem talvez desinvestimentos? E como será possível, em seu entender, o sector privado ter um quadro claro de intervenção na vida económica, se nem se conhece sequer o tal enquadramento macroeconómico a médio prazo, no que se terá recuado em relação ao anterior regime, onde ao menos dispunhamos de planos plurianuais, fossem intercalares ou de fomento?
Considera ou não o Sr. Deputado que há condições para a elaboração e aprovação de um plano a médio prazo, com os recursos técnicos e humanos de que o País dispõe, com as estruturas de planeamento existentes e com a vastíssima maioria parlamentar de que o Governo dispõe, embora maioria não incondicional, como se vê?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado João Salgueiro, não é novidade, nem para o Sr. Deputado, nem para o Governo, a circunstância de partilhar algumas das preocupações que hoje expressou aqui na Câmara. Contudo, gostaria que o Sr. Deputado me respondesse a duas questões, uma de política geral e outra de ordem mais específica, em relação aos reparos que fez.
Relativamente à primeira, o problema que se põe, em termos de tese, é o seguinte: se concorda, ao nível das afirmações feitas, com a intenção do Ministro das Finanças e do Governo, nós, deputados da maioria, que temos que fazer? Compreendo a impaciência!...
Quanto às questões mais específicas dos reparos, gostaria de dizer o seguinte: é verdade, e todos temos de o reconhecer e assumir política e socialmente, que este não é o Orçamento ideal. Mas será mesmo possível fazer orçamentos ideais? É verdade que por não ser o Orçamento ideal se pode concluir que é o Orçamento da resignação? Ou não será antes um pouco mais aproximado do mundo, do dia-a-dia, da política, da economia e da sociedade, e, portanto, um Orçamento de mudança possível?
Quanto à política de relançamento também tenho as minhas reservas sobre a possibilidade de a fazer através da despesa pública, sobretudo se esta for, como em muitos casos é, mal concretizada. Contudo, gostaria de ouvir o comentário do Sr. Deputado João Salgueiro relativamente à discriminação que se prevê para a formação bruta de capital fixo, nomeadamente quando se prevê um investimento privado de 2,5%, salvo erro, e público de 0,8%.
Quanto ao irrealismo fiscal, penso que é a questão ainda a discutir. Partilho naturalmente das preocupações relativas às propostas feitas pelo Governo na área fiscal. Mas a pergunta que lhe faria é se está terminada a discussão das propostas do Governo.
Em suma, com a sinceridade com que proeuro aprofundar estas questões, terminaria perguntando-lhe, Sr. Deputado, se todos já terminámos as nossas tarefas?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado João Salgueiro, é um facto indesmentível que esta Câmara acompanhou com a maior atenção a intervenção de V. Ex.ª, certamente porque nela, para além do deputado, há também o ex-ministro das Finanças e, simultaneamente, o presidente da Comissão de Economia. O que é de estranhar - e isso já foi salientado nalgumas perguntas que ouvi fazer-lhe - é que a sua intervenção se tenha pautado, fundamentalmente, por uma visão pelo lado negativo, sem ter avançado da sua parte alternativas para alguns dos aspectos que mais criticou. Daí o perguntar-lhe o seguinte: se é verdade que não podemos utilizar o álibi dos juros e dos custos da dívida como uma panaceia para todas as dificuldades orçamentais, não é também verdade que, relativamente aos mais de 9% do défice, que referiu, cerca de 8% são justamente do custo dessa dívida acumulada? Não concorda, por conseguinte, que este problema é mais do que o problema de um governo que propõe um orçamento num determinado momento, sendo antes um problema nacional para o qual devem concorrer na sua solução não apenas aqueles partidos que se encontram num determinado momento em posição de maioria mas todos aqueles que, no mínimo, estando na oposição, também concorreram para o agravamento desse défice?
Por outro lado, quando critica o excesso de despesa no sector público administrativo, poderia concretizar quais aqueles departamentos ou sectores onde, do seu ponto de vista, este Orçamento reflecte esse excesso?
Relativamente ao sector público em especial, será que o problema deste sector é tão-só o do seu modelo institucional, ou será que é também um problema do sec-
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tor económico em que esse sector público se situa? E não será que a nossa reflexão tem de ser mais profunda não apenas sobre as questões de natureza institucional, mas também sobre as próprias questões da estrutura produtiva nacional onde esse sector público está sedimentado, tendo, portanto, a discussão que ser mais vasta e concorrer com a cooperação construtiva de todos nós?
Gostaria também de lhe perguntar se não é de admitir que, na sua qualidade de presidente da Comissão de Economia da Assembleia da República, fosse possível ter tomado, ao longo da gestão do Orçamento de 1984, iniciativas para avaliar com o Governo, atempadamente, a forma como esse Orçamento estava a ser executado. Gostaria também de saber, da parte do Sr. Deputado, as iniciativas que pôde ter nessa matéria e mesmo as propostas alternativas que, a partir da Comissão de Economia, puderam, atempadamente, ter sido feitas ao Governo.
Gostaria de terminar com a seguinte nota: já vi aqui, nesta Câmara, este Governo ser criticado por excesso de liberalismo e hoje vi-o ser criticado por excesso de colectivismo. Talvez não seja uma coisa nem outra, mas se trate de uma atitude prudente entre liberalismo excessivo e o colectivismo a mais. É desta atitude prudente que todos devíamos participar e ela aconselha, mais do que nunca, a uma atitude de solidariedade política entre todos nós.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regulamentar para o encerramento dos trabalhos, mas, se não houver objecções, ouviremos ainda as perguntas do Sr. Ministro de Estado e do Sr. Deputado Lucas Pires e as respostas do Sr. Deputado João Salgueiro.
Pausa.
Não havendo objecções, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.
O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado João Salgueiro, ouvi-o com a atenção que é devida à sua qualidade, mas não o ouvi sem surpresa. E não o ouvi sem surpresa porque vivi algumas horas amarguradas na feitura deste Orçamento, em que colaborei convicto de que se tratava de um orçamento difícil.
Durante a intervenção do Sr. Deputado João Salgueiro perpassou no meu espírito a ideia de que ele ainda assim é mais fácil do que eu julgava e é possível fazer um orçamento melhor.
Mas quando eu esperava que o Sr. Deputado João Salgueiro nos dissesse como é que seria possível fazê-lo melhor, ou até nos viesse dizer que estava disposto a contribuir para fazê-lo melhor - não esqueçamos que o Orçamento não está feito e que é a este Parlamento que compete fazê-lo... o Governo teve apenas de elaborar uma proposta, que é o que temos, neste momento, em discussão -, o Sr. Deputado João Salgueiro disse que não estava em condições de votar este Orçamento e que pedia a suspensão do seu mandato.
É pena que tenha que optar por essa atitude. Porque no fundo, o Sr. Deputado João Salgueiro já votou. E votou da pior maneira: realçando os aspectos negativos do Orçamento, ou da proposta de Orçamento, privando-nos do seu contributo para melhorarmos essa proposta.
Indo-se embora não nos diz onde é que está a resignação.
Quando o ouvi falar num "orçamento de resignação", apeteceu-me lembrar-lhe que porventura não é mais resignado, talvez até menos, do que aqueles a que deixou ligado o seu nome. Mas, se ele é resignado, não nos prive da sua coragem e da sua ousadia.
E como a votação na generalidade só será feita na próxima sexta-feira, e como os problemas de consciência que invocou só imporão que nos deixe antes da expressão do voto, o Sr. Deputado tem ainda tempo para nos dizer como é que aumenta as receitas, como é que reduz as despesas. Que receitas aumenta, que despesas reduz como conjuga uma coisa e outra e qual é o défice que propõe, Sr. Deputado João Salgueiro?
Em suma, diga-nos qual é o Orçamento do Sr. Deputado João Salgueiro! Porque pode ser que eu esteja disposto a concordar com ele, se ele for melhor do que esta proposta de Orçamento.
Eu gostaria de poder concordar com um orçamento melhor e de ter a honra de que esse orçamento viesse de uma proposta do Sr. Deputado João Salgueiro.
O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!
O Orador: - Se assim não for, o Sr. Deputado terá tomado a atitude mais cómoda...
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Mais resignada!
O Orador: - ... , mas não terá seguramente tomado a atitude mais construtiva, e permita-me que lhe diga, não terá tomado também a mais patriótica.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Quero, sem dúvida, congratular-me com o teor, conteúdo e até com o tom da intervenção do Sr. Deputado João Salgueiro.
Quero sobretudo congratular-me porque é a primeira vez que um crítico do PSD resolve tirar uma ilação da crítica que faz ao Governo.
Estivemos, portanto, a assistir àquilo que já tardava do PSD, ou seja, a um momento de verdade, embora também tenha sido um momento de crise da primeira das formas de solidariedade institucional que deve existir e que é a da solidariedade institucional entre uma maioria e o seu Governo. Crise essa que, aliás, a intervenção do Sr. Ministro de Estado veio agravar, dado que se trata, não apenas do deputado João Salgueiro mas, inclusivamente, do presidente da Comissão de Economia desta Assembleia.
Agora passarei a fazer algumas perguntas ao Sr. Deputado João Salgueiro, a primeira das quais tem a ver com a coragem contra a resignação.
Falou de coragem para mudar de política. E eu perguntar-lhe-ia se, sendo presidente da Comissão de Economia desta Assembleia e não apenas deputado do PSD, é uma suficiente forma de coragem, forma de mudar de política, o pedir simplesmente a suspensão do seu mandato sem ter a coragem de afrontar completamente, em público, nesta assembleia, a sua atitude negativa, e globalmente negativa, contra este Orçamento.
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Em segundo lugar, perguntar-lhe-ia como é que, depois de ter separado claramente Orçamento e política global, V. Ex.ª compatibiliza isso com uma intervenção em que começou por afirmar que as democracias nascem da discussão de orçamentos, que este momento é grave, importante e decisivo no futuro da política portuguesa.
Como é que considera apenas um acidente na política do Governo um Orçamento que demorou 3 meses a discutir, um Orçamento que implicou todos os ministros deste Governo e sobretudo a autoridade - ou não... - do primeiro-ministro?
Protestos do PS.
Como é que consegue separar estes dois aspectos?
É que se não explicar suficientemente isso, ou seja, por que é que a rejeição de um Orçamento é menos do que uma moção de censura ao Governo, se não explicar isso, estará a diminuir a sua intervenção ao nível de uma querela entre ministros das Finanças - ex e actual - e a sectorizar o Orçamento como produto, mero e simples, do ministro das Finanças deste Governo.
Para nós, este Orçamento é assim e é mau porque é o produto deste Governo e da falta de autoridade política do primeiro-ministro.
Protestos do PS.
Este Governo é assim e é mau porque é uma mera soma dos custos dos serviços, dos custos dos ministérios, das reivindicações do PS somadas às do PSD.
É por isso que, ao contrário do que disse o Sr. Deputado João Salgueiro, este Orçamento é mau. Deve dizer-se que o Orçamento é mau porque esta política é má e não que este Orçamento é mau apesar desta política ser boa.
Esta moção de confiança que o Sr. Deputado João Salgueiro deu ao Governo não é compatível com a moção de censura que apresentou em relação a este Orçamento.
Para terminar, Sr. Deputado João Salgueiro, já que V. Ex.ª disse que neste Orçamento as palavras iam para um lado e os números iam para outro, pergunto-lhe por que é que o Sr. Deputado foi atrás das palavras deste "desgoverno" em vez de ir atrás dos seus números.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Salgueiro, pretende responder às questões que lhe foram formuladas?
O Sr. João Salgueiro (PSD): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite...
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. V. Ex.ª dispõe de 27 minutos.
O Sr. João Salgueiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desculpar-me-ão os Srs. Deputados o carácter sintético das respostas. Agradeço, a maneira correcta como expuseram as perguntas e o ensejo que me dão de melhor esclarecer questões relevantes.
O Sr. Deputado Pinheiro Henriques, que se me dirigiu em primeiro lugar, no fundo, faz uma pergunta que é a de saber qual a diferença entre esta política e aquela que tentei ajudar a definir quando ministro das Finanças e do Plano.
Suponho Sr. Deputado, que a resposta está no simples facto de eu ter tentado explicar e mostrar a profunda diferença que existe entre a política que o Governo anunciou quando tomou posse e quando apresentou o Orçamento de 1984, política que procurava encarar de frente alguns problemas financeiros do País, e esta política em que agora me parece haver alguma resignação. Há, de facto, uma profunda diferença e o Sr. Deputado sabe qual é. Ela está entre tomarmos alguns parâmetros como inelutáveis e deixarmos que as situações se vão mantendo ou tentarmos inflecti-las.
Aliás, o meu posicionamento hoje não poderia ser o mesmo e há 3 anos atrás, porque, evidentemente, o simples facto de, na vida de uma empresa ou de um país, permanecer um problema traduz um agravamento. Mas, por outro lado, as condições políticas hoje também me parecem diferentes e daí a minha reafirmação de que penso que as virtualidades desta coligação não estão esgotadas.
Não vou, evidentemente, apresentar agora e aqui um orçamento alternativo, mas vou responder àquela pergunta que me pôs com mais insistência sobre qual o papel das empresas públicas. Em muitas afirmações públicas tenho várias vezes dito que não sou por princípio contra as empresas públicas. Não é disso que se trata. Trata-se de que penso que temos um sector público demasiado extenso e, em particular pelas regras de administração que têm fixadas, ineficaz e custoso para o País. Tutelas políticas ao nível ministerial são a forma pior de tutelar e de organizar o enlace institucional com o Governo; manutenção de monopólios sectoriais, como se fizeram pela fusão de algumas empresas nacionalizadas, é outra maneira errada de quebrar o dinamismo e a emolação entre as empresas.
Nos países da Europa onde há grandes sectores nacionalizados - na Áustria, na Itália, em França,... -, esses sectores são integrados numa filosofia de mercado, o que em Portugal ainda não se conseguiu.
É necessário um enlace institucional diferente - como aliás tentei fazer e estava aprovado em lei em que essa tutela, de carácter ministerial directo, seja substituída por uma tutela mais profissionalizada. E sempre defendi, mas para isso é necessário um quadro constitucional diferente, que se devia reduzir esse peso a que estamos sujeitos por imperativos legais e não por imperativos económicos, do excessivo conjunto de empresas públicas em sectores onde não se justifica.
São mudanças - quer a do quadro jurídico, quer a do quadro de gestão, quer a da filosofia de mercado por oposição a uma filosofia administrativa - que são decisivas, porque as empresas públicas tal como estão a ser geridas nem são órgãos da administração pública, porque como tal, teriam o controle orçamental, nem são controladas pelo mercado.
O Sr. Deputado António Capucho não pôs perguntas. Agradeço-lhe as suas palavras.
O Sr. Deputado José Luís Nunes, como aliás alguns dos Srs. Deputados que depois fizeram perguntas com extrema correcção, penso que não ouviu toda a intervenção do Sr. Ministro das Finanças. Quando usei a tal "fraseologia idealista" - e até tive o cuidado de tomar notas e de ir ler expressamente algumas das afirmações que o Sr. Ministro das Finanças tinha feito procurei expressar a minha concordância. O Sr. Ministro das Finanças foi até um pouco mais longe em al-
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gumas das afirmações, que penso correctas, e chegou a dizer que este Orçamento é o que é possível neste momento, atitude que, no meu entender, é de resignação. Mas disse mais, que não se chega a tocar no essencial sem algumas das mudanças que depois enunciou.
Depois o Sr. Deputado levantou outra questão: a dos custos sociais, do Orçamento "desejável" e dos custos possíveis neste momento. É uma boa questão que esta Câmara poderia discutir, evidentemente, mas deveria fazê-lo sobre um política, porque é normal ser o Executivo a propor a execução da política que quer que seja seguida. Julguei ver em algumas das perguntas que me fizeram uma tentativa de não aprofundar esta análise no quadro próprio que é o da discussão de uma proposta do Governo. Evidentemente que poderemos sempre fazer retoques mas não é crível, em país nenhum, que seja a Assembleia da República, um Parlamento, a apresentar uma alternativa a um orçamento que o Executivo prepara, com numeroso serviço de apoio, ao longo de vários meses. 15so não faz sentido.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Eu permitia-me, Sr. Deputado, ir até ao fim porque vou ter pouco tempo e considerando o adiantado da hora.
Portanto, o problema está em aprofundar esta questão sobre um conjunto de propostas apresentadas pelo Governo, propostas tão duras como as que o Governo fez a esta Assembleia - e que a maioria votou disciplinadamente, embora com algum desacordo em algumas delas - aquando do "pacote legislativo" em 1983. Mesmo em relação a propostas que na altura não mereceram um consenso teórico, esse apoio existiu. Hoje, já tive oportunidade de dizer que seria preferível discutirmos as dificuldades de apoiar as difíceis medidas que o Governo nos propusesse para vencer essa crise do que resignarmo-nos a tomar o estado de coisas como inevitável.
Quanto à "vaca sagrada" do sector público o que o Governo nos propõe não é um desenvolvimento centrado no sector público, mas apenas um relançamento centrado no mesmo sector, o que é diferente. Não se trata de um desenvolvimento o que seria muito mais grave. O relançamento é possível e é o que está nesta proposta. O relançamento centrado no sector produtivo - e procurei algumas vezes na minha intervenção não falar só de sector privado mas de sector produtivo porque penso que uma parte das empresas públicas defronta as mesmas situações que as empresas privadas - seria outra coisa, seria o desagravamento fiscal, a recuperação dos atrasados, transferir capacidade de iniciativa para as empresas ou para os agentes económicos e não ser o Estado a gastar directamente. Desde as análises keynesianas que isto é um lugar-comum em qualquer curso fundamental de Economia.
Sr. Deputado Carlos Lage, permita-me que não esteja de acordo com a sua interpretação.
Não quis falar de distanciamento por razões técnicas, como aliás julgo ter frisado várias vezes. De facto, nem o problema do défice, nem o problema do ordenamento fiscal, nem o problema da natureza do relançamento são problemas técnicos: envolvem problemas técnicos, mas não representam antes de mais uma concepção diferente.
Quanto ao problema da resignação, o distanciamento em relação ao Orçamento não é por o Governo ser resignado: é porque penso que o Governo podia não ser resignado.
A dificuldade não está em aceitarmos um orçamento por ser o único possível: o problema é que esta maioria e o apoio que tem sido proporcionado ao Governo permitiriam um outro tipo de proposta de orçamento.
Apenas referi como exemplo algumas das realidades. O facto de nós termos conseguido desde 1979 até 1983, incluindo portanto a primeira gestão orçamental deste Governo, uma redução do défice é uma realidade orçamental bem diversa de termos um aumento em 1984 e depois outro em 1985.
Não quis ignorar as dificuldades que o problema dos juros constitui, como constitui para qualquer empresa em dificuldades, e para tantos países do Terceiro Mundo e até industrializados. O problema dos juros é um problema maior, mas do que tínhamos necessidade era de saber qual a proposta do Executivo - que tem os meios para fazer análises suficientemente exactas e os instrumentos para apresentar uma proposta coerente.
Perante este quadro, que não se pode resolver num ano, como provavelmente todos concordaremos, seria indispensável que tivéssemos alguma estimativa sobre qual o calendário necessário. De facto, o ritmo que o Governo nos propôs o ano passado - baixar de 8,5 % para 6,5 % - dava um horizonte de resposta, ao fixar uma redução anual da ordem dos 2%. Mas agora não é assim. Havendo agravamento não sabemos quando é que a inflação se poderia verificar.
Não vou, como é evidente, apresentar agora um programa alternativo, mas posso dizer ao Sr. Deputado Carlos Lage que, por exemplo, aquilo que fosse feito para desenvolver o mercado de capitais - e isso não foi feito este ano, antes regrediu - limitaria o peso do Estado e permitiria que a actividade privada tivesse mais facilidade no acesso ao crédito; uma política como a do aumento da fiscalidade da taxa de juro (está agora proposta) seria com certeza o oposto de facilitar a vida ao sector produtivo, quer se trate de empresas privadas ou públicas; as diversas reformas de estrutura, que foram defendidas pelo Sr. Ministro das Finanças e que o têm sido por outros membros do Governo, permitiriam criar um quadro diferente e mais seguro às actividades empresariais pelo que haveria vantagem em precederem, ou ao menos acompanhar as propostas em discussão.
Agradeço ao Sr. Deputado Hasse Ferreira que não tenha querido pôr o problema no domínio das intenções.
Mas na intervenção inicial procurei tornar clara a minha intenção; vou repeti-la: o que eu pretendo é que a Câmara não abdique das possibilidades, que tem, de influir nos acontecimentos, nomeadamente num acontecimento tão pesado como é o da aprovação de um orçamento, tanto mais que há poucos meses, aquando da apreciação do Orçamento Suplementar para 1984, era já previsível encontrarmos uma tal dificuldade no Orçamento para 1985.
A demora na apresentação da proposta de Orçamento foi exactamente a dificuldade de arbitrar opções que são pesadas.
Pela nossa parte, não temos que entrar nos mecanismos das decisões internas do Governo: temos apenas que ver e julgar a proposta que nos é apresentada.
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Do que já disse atrás, Sr. Deputado Hasse Ferreira, fica claro que para mim mais importante do que o dilema investimento privado-investimento público é o dilema entre o investimento produtivo e o consumo corrente, e em particular o consumo público, que é a componente que vem aumentando de uma forma mais desregrada.
Mas não penso que em relação ao investimento produtivo no sector empresarial do Estado seja automaticamente assegurada a sua bondade. 15to é visível não só desde as decisões que foram tomadas em 1978 e 1979 sobre grandes projectos de investimento mas já muito detrás, antes do 25 de Abril, nos grandes programas de investimento em empresas ou no sector administrativo, designadamente o projecto de Sines. São ónus que o País terá de pagar faça o que fizer agora. O simples facto de se querer racionalizar, do ponto de vista técnico, a estratégia das empresas públicas não dá garantia de boa afectação dos recursos.
Quanto ao quadro de médio prazo, é evidente que não só é possível como desejável neste contexto. Só que não adiantaria definir um quadro de médio prazo em termos de padrões económicos e de variáveis se o quadro jurídico e institucional dessas mudanças - que têm sido ditas indispensáveis - não estivesse já tomado e calendarizado. Sem isso, não inspiraria a mínima credibilidade uma projecção que se baseava em alterações institucionais tão profundas.
O Sr. Deputado Almerindo Marques perguntou-me se seriam possíveis "orçamentos ideais". Julgo que não são possíveis orçamentos ideais! Todos os orçamentos têm uma parte do possível. Penso é que há que ver, em cada momento, qual o limiar de aceitabilidade. Julgo que um limiar da aceitabilidade é fixado pela necessidade de não permitir a aceleração do agravamento, em termos reais, dos passivos financeiros do Estado. Na apresentação da proposta de Orçamento para 1984 não era assim. Manifestámos, portanto, em comissão sugestões diversas, visto que na generalidade aquela proposta estava dentro do caminho do possível.
Um outro problema que se põe - apenas para me cingir a alguns dos mais importantes - é o de saber se não seria possível até ao final (porque estamos ainda no princípio) introduzir correcções. E possível e serão com certeza introduzidas correcções. Devo dizer que espero, aliás, que o facto de o problema ser colocado com mais clareza logo de início, ajuda a que o Governo e a Assembleia da República tenham mais receptividade e mais capacidade para corrigir aspectos que são indispensáveis.
Já referi que não seria agradável a qualquer de nós tomar esta atitude, e penso, aliás, que algumas das questões foram mais de desconforto do que de discordância. Parece-me, no entanto, que aquilo que de melhor se podia fazer nesta altura seria provocar um esforço sério de revisão do quadro orçamental em que estamos a caminhar. Tentei fazê-lo de uma outra forma há 3 meses atrás. Até reli algumas passagens dessa intervenção. Como expliquei, a coerência impõe-me agora tentar outro caminho.
Vários Srs. Deputados falaram em visões positivas e visões negativas.
É evidente que nesta Assembleia já tive várias intervenções e em algumas delas fiz diversas sugestões em relação ao sector empresarial do Estado, à parte fiscal, à política de crédito, ao sistema bancário, à tutela das empresas públicas, etc. Na intervenção feita há pouco, não entendi que devesse proceder da mesma forma.
Por isso, em relação à pergunta do Sr. Deputado Jorge Lacão, vou antes pegar no problema dos juros.
O Sr. Deputado diz - e bem - que este é um problema nacional e que por isso deveria ser da responsabilidade não só dos partidos da maioria mas também dos da oposição.
É uma filosofia que é defensável, mas preferia pegar-lhe por outro lado.
Em todos os países onde há maioria - e a nossa maioria é confortável - as responsabilidades estão, antes do mais, na mão dessa maioria e do Governo, visto que é este que detém o poder de decisão.
Em circunstâncias piores, quando tive essa responsabilidade preocupei-me mais em tentar ver o que era possível fazer no momento do que fazer análises do passado.
Julgo que um governo e a maioria que o apoia devem, antes do mais, olhar para o que é possível mudar tendo em vista corrigir os problemas mais graves.
É evidente que há um acumular de dificuldades - e os juros representam isso. Essas análises estão feitas e um resumo publicado até em 1982 na exposição de motivos da proposta de lei de Orçamento Geral do Estado para esse ano. No entanto, penso que não é nesse clima que poderemos progredir. Temos de encarar o problema do peso dos juros! A única entidade que, neste momento, está capacitada para o conseguir é o Governo, com o apoio necessário, e é nesse clima que penso que se deve discutir.
Concordo com o que diz, que o problema das empresas públicas não é só de enquadramento, como já referi atrás a propósito da pergunta do Sr. Deputado Pinheiro Henriques. Em relação à administração pública deve referir-se o inconveniente do seu alargamento e do excesso de burocratização.
Como presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, evidentemente, que algumas iniciativas são possíveis de ter - aliás, as que tive foram do conhecimento público. Ao longo do ano, lembro-me que tivemos - com o Sr. Vice-Presidente - entrevistas com o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, nomeadamente em 1984, antes de férias de Verão, perante as ameaças do resvalar do Orçamento que estavam à vista.
Mas também aqui, Sr. Deputado, não penso que qualquer comissão, que não tem apoio especializado, possa constituir uma alternativa ao acompanhamento do Orçamento por parte de serviços que têm os meios necessários (informáticos e de pessoal). A função de uma comissão parlamentar não pode ser essa.
Já a intervenção do Sr. Ministro Almeida Santos é diferente e inclui algum desafio. O Sr. Ministro de Estado sabe que não me recusei a participar em mais do que uma reunião com V. Ex.ª e alguns membros do Governo antes de o Executivo fechar a preparação do Orçamento. E continuaria a não me recusar se tivesse sido convidado! Só que essas reuniões foram suspensas e não viemos a ter oportunidade de qualquer intervenção posterior.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não penso que seja numa altura de discussão na generalidade que nós possamos propor um
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modelo alternativo, mas estou disposto, quando o Sr. Ministro de Estado entender, a continuarmos a conversa sobre o assunto, o que terá de ser é com tempo necessário!
O Sr. Ministro de Estado quereria que eu apresentasse uma proposta alternativa ao Orçamento do Estado. Eu não vou passar um atestado de incompetência ao Governo dessa maneira.
Risos do PSD e do CDS.
Um governo que detém um prazo constitucional para apresentar uma proposta e que demorou mais quase 3 meses a apresentá-la não vai querer que um deputado se substitua ao que foi essa difícil arbitragem. Posso fazer algumas perguntas - e fá-las-ia, com certeza, na comissão especializada, se participasse nos debates como fiz noutras reuniões. Mas não vamos, por esse caminho, pensar chegar a uma proposta capaz de substituir um programa laboriosamente articulado pelo Governo de modo a corrigir os desequilíbrios de base. No entanto, estou disposto a discutir com o Sr. Ministro, quando entender, as matérias que considerar mais delicadas na preparação deste Orçamento.
E, como disse, o melhor teste seria a votação que a maioria fizesse sobre as propostas que o Governo entendesse necessárias.
Mas penso, Sr. Ministro, que tivemos frases muito claras, e o Sr. Ministro das Finanças e do Plano há pouco referiu que sem alterações estruturais na administração pública e em algumas empresas públicas não vai ser possível inflectir este estado de coisas. Não é, portanto, com remendos de última hora que vamos corrigir o Orçamento, mas penso que os 3 meses que passaram desde a discussão para a revisão do Orçamento de 1984 até agora teriam permitido tomar algumas das medidas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mesmo algumas medidas que estavam calendarizadas, já depois do protocolo adicional do acordo PS/PSD, ainda não estão dentro desse calendário, e há poucas semanas pareciam possíveis. Se mesmo ao nível do Governo, que está em funções há quase 20 meses, houve dificuldade na calendarização de medidas em algumas semanas, tenho a impressão de que a sugestão que eu agora poderia dar não seria muito produtiva. Mas estarei, e repito de novo, ao dispor do Sr. Ministro de Estado para prosseguirmos nessa análise.
O Sr. Deputado Lucas Pires põe, evidentemente, as suas perguntas em termos de bancada de oposição, como lhe compete.
Sr. Deputado, se pensasse que o meu sentido de voto deveria ser diferente, com certeza que não teria fugido a isso. Já em outros momentos bem mais difíceis tive oportunidade de tomar decisões que envolviam corte com as situações existentes... Mas não é agora o caso. Em política temos de escolher entre as alternativas possíveis. Até tenho experiência do que são crises de governo prolongadas, sei o custo que isso pode ter para o País e sei que se for possível evitá-las melhor é.
Quando se fala das dificuldades financeiras - e algum Sr. Deputado do Partido Socialista há pouco o referiu - da balança de pagamentos em Julho de 1983, deve recordar-se que não era a situação em Dezembro de 1982. Duvido mesmo que uma crise, que agora se traduzisse por um governo de gestão durante 5 meses, desse, apesar de tudo, resultados tão limitados como deu a crise de 1982-1983.
Porque tenho consciência do que são as realidades portuguesas penso que temos de escolher entre as soluções ao nosso alcance. E porque penso que esta maioria tem condições - que outras não tiveram e, provavelmente, não vamos ter tão cedo - para conseguir equacionar, em termos mais exigentes. Aliás, na linha do que alguns membros do Governo têm traduzido, até para a opinião pública, penso que teríamos obrigação de ir para essa maior exigência.
O Sr. Deputado Lucas Pires disse que era preciso coragem, não só para mudar a política orçamental mas para mudarmos a política global. Aliás, foi isso que o Governo e a coligação prometeram solenemente em Dezembro passado.
Portanto, aí, o Sr. Deputado está apenas a exigir ao Governo que siga as pisadas que, por sua própria vontade, decidiu seguir.
É, realmente, normal - como o Sr. Deputado disse - que em democracia o Orçamento seja um ponto alto. Não penso que esta proposta de Orçamento seja inaceitável do ponto democrático nem que ponha em risco as instituições. Não é disso que se trata e aproveito a sua pergunta para tornar isso claro. O que penso é que não esgota as virtualidades que este Governo e esta coligação têm de encarar de frente a crise financeira que o País e a Administração Pública defrontam neste momento.
Evidentemente que o Sr. Deputado, como representante e líder de uma das bancadas da oposição, está no direito de se propor como alternativa. Mas não queira ver, nesta minha posição, uma posição de crítico do PSD porque não foi nesse clima nem com essa intenção que fiz aqui esta intervenção. Está no seu direito de interpretar assim, mas permita-me que lhe diga que não foi essa a minha intenção. Se fosse, não teria procurado que fosse uma atitude isolada como tenho empenho em que seja.
Será outra a estratégia das bancadas da oposição. Temos de jogar o jogo democrático claro: das bancadas da maioria, não se trata de criar dificuldades ao Governo; trata-se de usar todos os trunfos que estão na mão das bancadas da maioria num parlamento democrático para inflectir o acontecimento tal como nós o vemos e lutar por melhores resultados.
Quanto à lógica das palavras e dos números, é evidente, Sr. Deputado, que, por formação, tenho mais inclinação para me situar no domínio dos números.
Mas estas realidades que estamos a discutir são daquelas que são fáceis de perceber, mesmo sem acrescentar muitos números. Portanto, se o Sr. Deputado me permite, desta vez não cairia na tentação de reduzir isto a problemas de números.
Aplausos de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para um protesto mas, como tem sido norma nesta Casa, uso desta figura regimental para responder a algumas das afirmações do Sr. Deputado João Salgueiro, porque não tenho qualquer razão para protestar contra o que quer que seja.
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Dito isto, invocando a jurisprudência que a este respeito se tem feito nesta Casa, passarei a dirigir-me ao Sr. Deputado João Salgueiro.
É muito natural que, por deficiência própria eu tenha entendido mal as palavras do Sr. Deputado João Salgueiro. Mas aquilo que julguei entender foi o seguinte, e o Sr. Deputado dir-me-á se não for assim: o Sr. Deputado começou por citar 4 afirmações do Sr. Ministro da Economia e Finanças dizendo "estas afirmações encerram uma política e eu estou de acordo com essa política". Pranto.
E depois expressou a seguinte ideia: mas o Orçamento não executa estas afirmações que aqui são feitas.
Portanto, quando há pouco lhe sugeri a apresentação de soluções alternativas, baseava-me num ponto de acordo que não sublinhei porque era evidente: eu e o Sr. Deputado João Salgueiro estávamos de acordo quanto à política do Governo. O Sr. Deputado João Salgueiro achava que, em diversos aspectos, estávamos de acordo.
A segunda questão - que é uma questão muito ao de leve - é a seguinte: eu sei que, dentro de uma concepção do mais elementar keynesianismo - como disse - se deve pôr o acento tónico em não ser o Estado a gastar directamente mas em libertar ou permitir que os agentes económicos o façam. Mas não era isso que eu estava a discutir, Sr. Deputado João Salgueiro.
Aquilo para que eu chamava a atenção de V. Ex.ª, era o seguinte: é que, quando numa análise económica, se fala em agentes económicos, isso tem nome, tem figuras jurídicas e tem processos. E esses processos, essas figuras jurídicas, esses estatutos e essa responsabilidade, se são deficientes no sector público, estão, em grande parte, desactualizados no sector privado.
O terceiro ponto que gostava de sublinhar tem a ver com uma referência feita pelo Sr. Deputado ao quadro constitucional.
No seu ponto de vista, será só ao quadro constitucional que impede a tomada de medidas que o Sr. Deputado propõe?
O último ponto que tentei colocar com toda a serenidade e urbanidade foi o seguinte: em relação a este Orçamento o discurso do Sr. Deputado João Salgueiro aponta para um rigor maior do que aquele que este Orçamento impõe, o que não quer dizer que esse rigor - não no sentido de exactidão mas no sentido de piores condições de vida imediatas para os Portugueses não possa ser compensado no seu espírito e no futuro por umas muito maiores compensações. Mas o facto é que o discurso de V. Ex.ª ultrapassa o discurso do Governo, pelo menos nos custos sociais imediatos. É, pois, isto que tem de ficar claro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro de (Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado João Salgueiro, retenho duas afirmações da resposta que V. Ex.ª deu, sem cuidar agora se o faço ou não a título de protesto, pois a figura regimental não tem grande importância.
A primeira delas é a de que V. Ex.ª não quer passar ao Governo um certificado de incompetência quando, no entender do Sr. Deputado, eu teria sugerido que fizesse uma proposta integral de substituição da proposta do Governo. Ora, eu não disse isso nem se tratava da substituição de uma proposta integral, até porque o Sr. Deputado não fez uma crítica integral, não disse que tudo era péssimo, e até fez algumas apreciações positivas acerca da proposta.
A minha ambição era muito mais simples: era a de solicitar os seus conhecimentos para corrigir os pontos mais errados da proposta do Governo. Ora, sabendo nós que V. Ex.ª é talvez um dos deputados mais qualificados nesta matéria e que, portanto, poderia dar um maior contributo à correcção da proposta do Governo até porque preside à comissão especializada, não se compreende essa deserção, a menos que o Sr. Deputado faça aquilo que lhe pedi, ou seja, desertar no último minuto antes da votação e até lá ensinar-nos aquilo que sabe, ou seja, como é que corrige as receitas, as despesas, que défice, que medidas arrojadas é que temos de somar às que lá estão no aspecto administrativo e empresarial, etc...
A segunda retenção que quero fazer é que V. Ex.ª disse que o apoio da maioria ao Governo permitia outro tipo de Orçamento. Se me permitisse, gostaria de fazer uma das minhas ironias ou um dos trocadilhos que aprendi com o Sr. Deputado Lucas Pires, pois acho estranho que o Sr. Deputado prescinda de nos ajudar a corrigir o Orçamento e pareça estar mais empenhado em corrigir a maioria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.
O Sr. Soão Salgueiro (PSD): - Sr. Ministro de Estado, Sr. Deputado José Luís Nunes: Agradeço a oportunidade que VV. Ex.ªs me dão de dizer o seguinte: não se trata de exercícios verbais, pois esta não é propriamente uma causa forense, nem se trata de fazermos exercícios com números à última da hora. A realidade que está perante os nossos olhos é mais pesada e é a de saber se o resvalar do Estado e da economia portuguesa deve continuar sem um combate mais frontal e se esta maioria tem ou não condições efectivas para inflectir mais fortemente a situação.
Eu penso que tal seria possível. E seria para bem dos Portugueses: da criação de novos empregos e mais estáveis, da melhoria real dos rendimentos, e pôr termo às ameaças de ruptura dos salários; de melhores condições de futuro para as novas gerações. E a crise financeira do Estado condiciona toda a perspectiva de desenvolvimento económico sustentado. Nenhum de nós tem a ilusão de pensar que são coisas fáceis!
Aqui o problema, Sr. Ministro, é de saber se queremos reduzir esta discussão a um pingue-pongue de argumentação que penso que não é intenção de nenhum de nós. V. Ex.ª sabe que pode contar com a minha colaboração para reflectir de novo sobre estas questões. Suponho que o sentido da minha intervenção é bastante claro e a esta hora da noite seria um abuso para os colegas continuar a falar durante muito mais tempo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 96/III, da Assembleia Regional da Madeira, cujo
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assunto é a garantia de fixação das carreiras aéreas entre o continente-Madeira e Madeira-Porto Santo; proposta de lei n.º 97/III, da Assembleia Regional da Madeira, que se refere à actualização dos vencimentos dos professores ex-regentes escolares; proposta de lei n.º 98/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir ilícitos criminais ou contravencionais e as correspondentes penas.
Deu ainda entrada na Mesa o projecto de lei n.º 432/III, apresentado pelo Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, do PS, relativo a indemnizações aos ex-titulares de direitos sobre sociedades em autogestão ou em que o Estado praticou actos de gestão de negócios sem que para tal estivesse devidamente mandatado; projecto de lei n.º 433/III, apresentado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho e outros, do PSD, relativo à elevação de Anha, no concelho de Viana do Castelo, à categoria de vila; projecto de lei n.º 434/III, da iniciativa do Sr. Deputado Roleira Marinho e outros, do PSD, relativo à elevação de Darque, no concelho de Viana do Castelo, à categoria de vila.
Estes diplomas foram admitidos e baixaram à respectiva Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão será amanhã às 10 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Almerindo da Silva Marques.
António da Costa.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Francisco José Fernandes Leal.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Martins Pires.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Fontes Orvalho.
Nelson Pereira Ramos.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Zulmira Helena Alves da Silva.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Serafim de Jesus Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Manuel Correia Lopes.
Maria Helena Guilherme Bastos.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Miguel Anacoreta Correia.
Narana Sinai Coissoró.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Fernando José da Costa.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Torrinhas Paulo.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Cruz Vilaça.
José Vieira de Carvalho.
Relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação
Em reunião realizada no dia 22 de Janeiro de 1985, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Octaviano Geraldo Cabral Mota (círculo eleitoral dos Açores) por Paulo Manuel Pacheco da Silveira. A Comissão é de parecer que a substituição deve operar-se a partir do despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. Entretanto o pedido de suspensão do Sr. Deputado Octaviano Geraldo Cabral Mota não deve ser
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prejudicado, pelo que deve ser tomado em conta a partir do dia 21 de Dezembro passado, inclusive.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Teixeira Pinheiro. Esta susbstituição é pedida por um dia (17 de Janeiro corrente).
Solicitada pelo Partido Comunista Português:
Georgette de Oliveira Ferreira (círculo eleitoral de Lisboa) por Francisco Manuel da Costa Fernandes. Esta substituição é pedida por um período não superior a um mês, a partir do dia 22 de Janeiro corrente, inclusive.
Solicitada pelo Partido do Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca (círculo eleitoral de Setúbal) por João Carlos Queirós Pinheiro Henriques. Esta substituição é pedida para os dias 22 a 25 de Janeiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - José Maximiniano de A. Almeida Leitão (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Arménio dos Santos (PSD) - José Augusto Santos Silva Marques (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - António Nascimento Machado Lourenço (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Em reunião realizada no dia 22 de Janeiro de 1985, pelas 17 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Leonel Santa Rita Pires (círculo eleitoral de Lisboa) por João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. Esta substituição é pedida para os dias 22 a 25 de Janeiro corrente, inclusive.
Abílio Gaspar Rodrigues (círculo eleitoral de Santarém) por Anacleto da Silva Baptista. Esta substituição é pedida para os dias 28 de Janeiro corrente a 15 de Fevereiro próximo, inclusive.
Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Luís da Cruz Vilaça (círculo eleitoral de Coimbra) por António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. Esta substituição é pedida para os dias 23 a 25 de Janeiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - António Machado Lourenço (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Rectificações ao n.º 39, (16 de Janeiro de 1985)
Na p. 1 495, 1.ª col., 1. 13 e 14, onde se lê "Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação" deve ler-se "Relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação".
Na mesma p., 2.ª col., 1. 36 e 37, onde se lê "Ovídio Augusto Cordeiro" deve ler-se "Manuel Luís Gomes Vaz".
Os REDACTORES, José Nogueira Diogo - Maria Leonor Ferreira.
PREÇO DESTE NÚMERO 132$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.