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I Série-Número 42
Sexta-feira, 25 de Janeiro de 1985
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE JANEIRO DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários. Exmos. Srs.
Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
No primeiro ponto da ordem do dia a Câmara aprovou um voto de pesar pela morte do escritor Faure da Rosa, tendo produzido declaração de voto os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Lemos Damião (PSD), Vilhena de Carvalho (ASDI), Raul Castro (MDP/CDE) e Helena Valente Rosa (PS) Por sua vez o Governo também se associou ao voto de pesar através do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos).
Seguidamente, prosseguiu a apreciação na generalidade das propostas de lei n.º 94/III (Grandes Opções do Plano para 1985) e 95/III (Orçamento do Estado para 1985)
Intervieram no debate, a diverso título, além dos Srs. Ministros do Equipamento Social (Rosado Correia), do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo) e dos Srs. Secretários de Estado da Administração Autárquica (Helena Torres Marques), do Orçamento (Alípio Dias), da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes), do Planeamento (Mário Cristina de Sousa), os Srs Deputados Manuel Fernandes (PCP), Abílio Curta (PS), Bagão Félix (CDS), Magalhães Mota (ASDI), Domingues Azevedo, Almeida Marques e Reis Costa (PS), Bento de Azevedo (PSD), César Oliveira (UEDS), Cunha e Sá (PS), Luís Beiroco (CDS), Ângelo Correia (PSD), Acácio Barreiros (PS), Zita Seabra (PCP), Correia de Jesus (PSD), Pedro Paulo (PSD), Mota Torres e Ricardo Barros (PS), José Magalhães (PCP), Paulo Barral (PS), Carlos Carvalhas (PCP), Miguel Anacoreta Correia (CDS), Pinheiro Henriques (MDP/CDE), Octávio Teixeira (PCP), Carlos Lage (PS), Raul Castro (MDP/CDE), João Lencastre (CDS), Daniel Bastos (PSD), Ruben Raposo (ASDI), Lobo Xavier (CDS), Jorge Patrício e António Mota (PCP), Manuel Lopes (PCP), Nogueira de Brito (CDS) e Ilda Figueiredo (PCP).
Entretanto, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando o Sr Deputado Carlos Coelho (PSD) a depor como testemunha, no próximo dia 25 de Janeiro corrente, pelas 14 horas e 30 minutos, no 1.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão era 1 hora e 15 minutos
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Custódio das Neves Ramos.
Edmundo Pedro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco José Fernandes Leal.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
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Jorge Lacão Costa.
José de Almeida Valente
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luis do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Mana Roque Lino.
José Martins Pires
José Maximiano Almeida Leitão.
Litério da Cruz Monteiro.
Luis Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Luís Gomes Vaz
Mana Ângela Duarte Correia
Maria do Céu Sousa Fernandes
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Isabel Nunes Cabral
Maria Luisa Modas Daniel.
Nelson Pereira Ramos
Nuno Álvaro Freitas Alpoim
Paulo Manuel Barros Barrai
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Monteiro Picciochi.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho
Cecília Pita Catarino
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro Amaral.
Gaspar de Castro Pacheco
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luis Malato Correia.
João Maurício Fernando Salgueiro
João Pedro de Barros
Joaquim Eduardo Gomes.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes
José Manuel Pires das Neves.
José Mano de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos
Licínio Moreira da Silva.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Mana Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Victor Manuel Pereira Gonçalves.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
José Rodrigues Vitoriano
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Helena Guilherme Bastos.
Maria Luísa Cachado
Mariana Grou Lanita
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
António Bernardo Lobo Xavier.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta França.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
José Augusto Gama.
José Miguel Anacoreta Correia.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel Tengarrinha.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na Mesa um voto de pesar, que irá ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Faure da Rosa morreu. Personalidade relevante da nossa literatura, ficcionista de rara sensibilidade, foi, ao longo da vida, um homem profundamente relacionado com o seu tempo, nele intervindo de forma exemplar. Antifascista de sempre, procedeu, através da sua obra singular, ao levantamento das múltiplas inquietações do ser social e individual em épocas de conflito e amargura. De Fuga a Appassionaía, passando por diversos outros romances, com particular relevo para Escalada e Massacre (painéis de um Portugal em mudança inelutável), e um belíssico livro de contos, A Cidade e a Planície, itinerou por terrenos que são comuns à nossa identidade de cidadãos atentos e interferentes, deixando-nos o imperecível espólio de uma escrita exigente, rigorosa, anelante de intimização e fraternidade. Do seu quotidiano modesto saíram páginas que honram a mais vasta concepção do realismo e uma lhaneza de trato, uma inteireza de carácter, que, associados à firmeza dos ideais, o tornaram companheiro admirável de diferentes gerações, um amigo, um combatente sereno, lúcido, pela liberdade e pela democracia.
A Assembleia da República, reunida, em Plenário, em 24 de Janeiro de 1985, expressa o seu fundo pesar pela morte de Faure da Rosa, grande escritor português.
O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte de Faure da Rosa Suscitou, nesta Câmara, a aprovação, por unanimidade, de um voto de pesar, em cujo texto se continham considerações elementares sobre o itinerário da sua existência e da sua produção literária.
Desde muito jovem, colaborando em revistas e jornais como O Diabo, a Vértice, a Seara Nova, e publicando, desde 1945, obras de ficção que relevam de uma alta exigência e qualidade de escrita, a par de um apurado sentido de ligação às realidades, José de Azevedo Faure da Rosa, empregado de escritório e contabilista, situou-se entre os nomes cimeiros do realismo interferente em Portugal.
No estudo de problemáticas tão diversas como as do meio urbano ou rural, proeurou enlaçar os conflitos sociais numa época de combustão e renovo com a indagação psicológica em todas as latitudes.
O homem confrontado com o real, posto perante opções decisivas, foi um dos seus temas dilectos. Não há na estratégia artística de Faure da Rosa esquematismo ou duplicidade; tudo se passou numa zona profunda de fronteira onde se operam os actos conscientemente assumidos.
Exegeta finíssimo das contradições ideossensíveis e políticas da pequena e média burguesia no tempo da ditadura, como de tecidos sociais impregnados de disforia, pôde transmitir-nos, através das suas páginas, um legado de combatividade e de esperança que só podia ter desaguado no Abril de tantas colectivas hipóteses de construção.
Sonhou com esse dia uma vida inteira. Teve-o, como nós o tivemos, e morreu em pleno coração do crepúsculo, antes dos primeiros sinais de um novo horizonte.
Num dos textos que escreveu, a propósito do perecimento de uma das sua personagens centrais, procedeu a estas secas e amargas reflexões:
Aformoseram-lhe o funeral com homenagens, pessoas graves, belos discursos, tudo perpetuado em duas colunas do jornal diário. Dias volvidos, haviam-no substituído e, como é de regra, esquecido.
Bem gostaria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que este acto, honrando o grande escritor e combatente da liberdade, do 25 de Abril, que foi Faure da Rosa, meu camarada, viajeiro dos anelos comuns, contribuísse, de modo positivo, para que sobre ele se alongasse a luz de uma permanência sem reservas na nossa comunidade cultural.
Isso mereceu com o seu labor exemplar; só isso devemos. E tanto é.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD associa-se ao sentido unânime desta Câmara votando favoravelmente o voto de pesar pelo falecimento de José de Azevedo Faure da Rosa.
Fazemo-lo com o profundo sentimento de quem não esquece o que significou o seu contributo literário.
Natural de Nova Goa, completou os estudos liceais, tendo-se empregado como contabilista. Porém, Faure da Rosa, sendo um ficcionista de elevada qualidade, traduziu toda a sua sensibilidade em obras como: Ficção, Fuga, Retrato de Família, De Profundis, Escalada, As Imagens Desconhecidas, Massacre, O Adágio, etc.
Mas a sua acção foi mais além quer integrando-se na Seara Nova quer prestando a sua colaboração em O Diabo.
Pelo rigor da sua escrita, pelas suas qualidades humanas, pela sua serenidade e lucidez, bem podemos afirmar que a sociedade e a cultura portuguesas ficaram mais pobres.
Por tudo isto, aqui fica bem expresso quanto os sociais-democratas partilham a dor de quantos com ele tiveram a felicidade de privar e trabalhar.
À sua família, aos seus companheiros e em especial a todos quantos se dedicam à dignificação e aprofundamento de acções culturais, as nossas sentidas condolências. Permita-se-me, para terminar, uma pequena reflexão, numa hora em que se discute na Assembleia da República o Orçamento do Estado: quanto mais rico não teria sido o contributo cultural de Faure da Rosa se lhe tivessem sido dadas condições de a esse bem se ter podido dedicar em exclusividade? Quantos Faure da Rosa ficam pelo caminho por não poderem, por dificuldades económico-financeiras, transmitir as suas potencialidades?
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Que bom seria que o Orçamento do Estado pudesse dispor de verbas suficientes na rubrica da cultura, para que esta fosse uma realidade nacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem também a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A morte de um escritor é sempre motivo de pesar colectivo.
Morreu Faure da Rosa, escritor português e tanto bastaria dizer para que compartilhássemos desse pesar, nesta Assembleia, lugar de representação política, mas também do cultural, do povo que somos.
São os escritores, são os artistas, que melhor nos dão os contornos e a essência das coisas e dos homens, na busca de uma total compreensão e aceitação plúrima.
Morreu Faure da Rosa e nós agradecemos-lhe por ter procurado compreender e amar o povo português, povo que transpôs em muita da sua dor, dos seus anseios e até das suas quimeras, na obra que nos legou.
No devir literário situa-se esta no coração do neo-realismo, movimento que se reconhece e reclama de uma mensagem social de marcado sentido ideológico que não é, com certeza, o da maioria de nós.
Mas Faure da Rosa é, sobretudo, o escritor «exigente e probo», comprometido sobretudo com a profunda sinceridade da sua visão das coisas e do mundo.
Por isso a sua obra é autêntica e por isso se impõe à nossa admiração.
A melhor forma de o homenagear, será mesmo reler a sua obra, com que ficou enriquecida a nossa literatura.
A morte de Faure da Rosa concita, pois, o nosso pesar e também o reconhecimento pelo exemplo da sua vida e pelo legado literário que nos deixou.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O ano de 1939 marca, no nosso país, o início de uma luta na frente da cultura de um numeroso grupo de escritores que, em Portugal, se assumem como aquilo a que se tem chamado a geração do neo-realismo.
É evidente que o regime de então entendeu claramente que estava em causa uma luta contra o fascismo, uma luta dessa geração por uma sociedade diferente, nova, mais justa e mais fraterna. Por isso esses escritores foram perseguidos, censurados os seus trechos, apreendidas muitas das suas obras.
Entre esse grupo de escritores, que em Portugal encarnou a geração do neo-realismo, Faure da Rosa ocupa um local destacado.
É, por isso, inteiramente justo que, neste momento em que infelizmente assistimos ao seu desaparecimento, esta Câmara, e em particular a minha bancada, se associe ao pesar que causa a morte de Faure da Rosa, um dos homens que fez parte dessa geração do neo-realismo, um dos homens que encarnou na frente da cultura, no domínio da literatura, a luta contra o fascismo em Portugal, a luta por uma sociedade nova, por uma sociedade melhor.
Foi por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o MDP/CDE se assolou ao voto de pesar e espera que ele seja transmitido aos familiares de Faure da Rosa e à Associação Portuguesa de Escritores.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Elena Valente Rosa.
A Sr.ª Maria Helena Valente Rosa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É sempre um dia de luto para todos nós quando desaparecem figuras de relevo, quer no mundo intelectual, quer no mundo artístico, quer no mundo da cultura portuguesa.
Creio que já nesta Câmara foram ditas muitas coisas sobre a figura de Faure da Rosa, muitas, mas não suficientes. Foram ditas algumas das poucas que poderiam ter sido ditas. Mas as poucas que foram ditas naturalmente recordam a figura de Faure da Rosa e poderão despertar interesse naqueles que eventualmente o não conheciam para que possam apreciar a sua obra e inteirar-se, mesmo depois da sua morte, da figura que foi.
É por isso que também a minha bancada se associa a este voto de pesar, lastimando que tenhamos perdido mais um grande vulto do nosso mundo e do nosso povo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, associamo-nos ao voto de pesar a Faure da Rosa e informamos V. Ex.ª de que faremos chegar à Mesa uma declaração de voto, por escrito.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.
O Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, pedi a palavra para uma infracção regimental.
Não havendo, embora, legitimidade para intervir neste debate, pois não tendo o Governo votado não pode fazer declaração de voto, gostava, no entanto, de associar o Governo a esta justa homenagem a um grande combatente pela liberdade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos no período da ordem do dia que, como os Srs. Deputados sabem, é a continuação da discussão das propostas de lei n.ºs 94/111 e 95/111, relativas, respectivamente, às Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1985.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Fernandes.
O Sr. Manuel Fernandes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de Orçamento do Estado para 1985 apresentado pelo governo PS/PSD à Assembleia da República, para além dos problemas que cria devido ao seu atraso na apresentação, representa um novo passo na política de asfixia financeira das autarquias, de arbítrio e discriminação na distribuição de verbas, de sujeição do poder local às pressões e condicionalismos governamentais.
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Os municípios, nomeadamente o conselho geral da Associação Nacional de Municípios, tomaram claras posições no sentido de reivindicarem um aumento de 30% em relação às verbas recebidas em 1984, quer a título de fundo de equilíbrio financeiro, quer a título de verbas para novos encargos, e esta reivindicação de 30% representa uma verba de 72 milhões de contos e não os 65 milhões que ontem, em termos de vitória, foram anunciados pela Sr.ª Secretária de Estado.
Esta percentagem é compreensível tendo em conta os níveis de inflação verificados após a aprovação do Orçamento do Estado de 1984.
Perante esta situação, que propõe o Governo? Uma verba de 62 milhões de contos a ser distribuída pelas autarquias a título de fundo de equilíbrio financeiro, o que corresponde a um aumento nominal de apenas 20,4%, ou seja, a um corte de verbas em termos reais de 7,4%.
Deste modo, o poder local vê-se mais uma vez altamente lesado e são as populações que mais vão sofrer com isso.
Como se tudo isto não bastasse, a distribuição do fundo de equilíbrio financeiro pelos municípios é feito por forma que, apesar das informações concedidas pela Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica, discrimina negativamente muitos deles em razão de critérios, no mínimo, pouco objectivos.
Enquanto o distrito de Faro consegue um aumento de 31 %, os distritos de Setúbal, Braga e Vila Real recebem aumentos ridículos de 14,9%, 16,8% e 17%, respectivamente.
Se verificarmos ao nível de municípios, as situações tornam-se ainda mais escandalosas. Pela proposta de orçamento que entrou na Assembleia da República no dia 10 de Janeiro, vários municípios são profundamente marginalizados, recebendo verbas iguais ou inferiores a 10%, como são os casos dos municípios de Ilhavo, São João da Madeira, Barrancos, Amares, Vila Velha de Ródão, Tábua, Castanheira de Pêra, Peniche, Amadora, Loures, Vila Franca de Xira, Campo Maior, Marvão, Lousada, Alcanena, Benavente, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Colega, Vila Nova da Barquinha, Cinfães, Lamego, Tarouca, Alcochete, Moita, Montijo, Seixal e Sines. Esta situação, profundamente inadmissível, provocou a pronta e enérgica tomada de posição de muitos municípios. Alguns presidentes de câmara deslocaram-se à Assembleia da República, como foi o caso de vários presidentes de municípios do distrito de Santarém - e refira-se, encontravam-se nessa delegação presidentes eleitos pelo PS, pelo PSD e pela APU - e outros, de várias formas, nos fizeram chegar o seu mais vivo repúdio, com foi o caso da Câmara de Tábua.
Estas tomadas de posição já obrigaram o Governo a apresentar, terça-feira à tarde, uma alteração no sentido de nenhum município poder receber verbas inferiores às que em 1984 lhes foram atribuídas, deduzidas da verba destinada aos transportes escolares e à acção social escolar e acrescidas de uma percentagem de 10%. Por outras palavras, continuam a haver municípios que receberão menos de 10% em relação ao fundo de equilíbrio financeiro de 1984.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Os municípios não admitirão esta situação. Ela é um autêntico escândalo e nós, deputados, temos de assumir a responsabilidade de não permitir que haja municípios que fiquem completamente paralisados e impossibilitados de satisfazer carências urgentes das populações.
Por outro lado, no Orçamento de 1984 foi incluída uma verba de 4 250 000 contos no capítulo referente ao Ministério da Educação, destinada à acção social escolar dos quais 926 000 foram incluídos no fundo de equilíbrio financeiro com vista a financiar os novos encargos durante o último trimestre. É inadmissível que para o ano de 1985, no qual as autarquias vão ter nas suas mãos a maioria destes encargos, só lhes seja atribuída para esse fim uma verba de 3 milhões de contos.
Tudo isto é inadmissível!
Srs. Deputados, muitos de nós somos, ou já fomos, responsáveis por autarquias locais. Qual vai ser, perante este negro quadro que nos é proposto, a nossa posição? Que resposta vamos ter para com as populações? A de um deputado obediente e de costas viradas para os problemas da sua região ou de um deputado e autarca responsável que quer corresponder aos anseios das populações?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os deputados comunistas escolheram a única opção que pode dignificar um mandato de deputado e, em suma, dignificar a Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Indo ao encontro das reivindicações dos municípios, vamos apresentar propostas de modo a que nenhum município receba aumentos inferiores a 30%. Pensamos que esta nossa proposta vai ao encontro das preocupações daqueles que, independentemente das suas filiações partidárias, têm responsabilidade nas autarquias locais e pretendem assumir o mandato que as populações lhes conferiram com a dignidade que ele merece.
Aplausos do PCP.
Há alguns deputados que pensam que não se deve ceder a aumentos inferiores a 15% mas, pergunto-lhes, se com esses 15% conseguem fazer muito mais do que corresponder aos aumentos que se esperam para a massa salarial dos trabalhadores das autarquias locais.
Em contrapartida, há municípios com aumentos iguais ou superiores a 35% como sejam os casos de Albufeira, Loulé, Manteigas, Nelas, Proença-a-Nova e Aljezur que chega mesmo a um aumento de 48,1%.
Isto é a aplicação de critérios pouco testados e de difícil controle.
Por outro lado, uma série de dotações (sedes de freguesia, valores dos investimentos intermunicipais, inclusão da acção do Ministério da Administração Interna através das SEDR nos programas integrados de desenvolvimento regional) apontam para critérios menos objectivos que permitirão, se forem consagrados, a acção avulsa do ministério sem se ater à distribuição pelo conjunto do País, por forma correcta e integrada no fundo de equilíbrio financeiro.
É criada uma nova verba de 300 000 contos que poderá também ser utilizada por forma avulsa e discriminatória. Assim, sob a forma de dotações excepcionais, promove-se a possibilidade de intervenção directa do ministério.
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É inexplicável que o Governo não tenha previsto uma verba para a instalação das novas autarquias criadas ou a criar pela Assembleia da República e iremos, por esse motivo, propor uma verba com esse destino.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Orçamento é a completa ruína para o poder local e os Srs. Deputados que o aprovarem, tal como ele está, assumem enormes responsabilidades perante as populações que lhes confiaram o seu mandato.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Curto.
O Sr. Abílio Curto (PS): - Sr. Deputado Manuel Fernandes, V. Ex.ª acabou a sua intervenção dizendo que este Orçamento é a completa ruína do poder local. Gostaria que o Sr. Deputado Manuel Fernandes, que chegou a essa conclusão através de todo um enunciado de problemas que colocou, nos dissesse claramente quais, em seu entender, as alternativas para um outro orçamento para as autarquias locais.
É muito fácil dizer aqui que isto é uma ruína, mas pergunto o seguinte ao Sr. Deputado: se considera este Orçamento uma ruína para as autarquias locais o que pensa dos orçamentos anteriores, o que pode dizer em matéria de descentralização?
Não gostaria que o Sr. Deputado Manuel Fernandes pensasse que um qualquer autarca, aqui investido nas funções de deputado, que votasse o Orçamento, esquecesse que era autarca. O votarmos este Orçamento não é para arruinar o poder local, como V. Ex.ª pretende fazer crer, mas, sim, para sermos realistas, pragmáticos e dizermos às populações que este Governo, pela primeira vez, apresentou um Orçamento de Estado digno e capaz de acudir às necessidades prementes, o que não tem acontecido até aqui.
Não é, pois, ruinoso; ruinosa, sim, é a intervenção feita por V. Ex.ª, que não tem pés nem cabeça, porque mesmo que este Orçamento de Estado fosse bom para os desígnios de todos os autarcas, não seria com certeza para V. Ex.ª pois já sabemos como é a vossa linguagem nessa matéria. Nunca estão satisfeitos, são uma espécie de insaciáveis e é óbvio que este Orçamento nunca teria hipótese de agradar a V. Ex.ª, nem assim nem de outro modo qualquer.
Protestos do PCP.
O Orador: - Desculpem, mas estou a intervir. Noutra altura, se quiserem podemos conversar sobre essa matéria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi um aparte.
O Orador: - Como ia dizer, lembro a intervenção do meu colega autarca de Ponte de Lima, que ontem aqui disse claramente aceitar este Orçamento e congratular-se com a verba para as finanças locais, o que significa que também a bancada do CDS - e a opinião é de um homem abalizado, de um autarca - está satisfeita com este Orçamento.
Não é aquele que gostaríamos de ter mas é o possível e nesse ponto estamos de acordo. Penso que a intervenção de V. Ex.ª não tem o mínimo sentido quando o considera uma ruína para o poder local.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica.
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica (Helena Torres Marques): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que a atitude do PCP é muito curiosa. Na altura em que nunca imaginava possível que o Governo encontrasse 65 milhões de contos para as autarquias e 3 milhões de contos para os transportes escolares - esta era uma verba impensável nos princípios dos cálculos - apostou nos 65 milhões - tendo até um presidente de câmara, o presidente da Câmara de Mora, que fez o tal papel... - mas agora, que nós conseguimos encontrar esta verba, ela já não serve e entende que temos de encontrar outra que seja melhor!...
Em segundo lugar, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado o seguinte: o Governo está ou não a aplicar exactamente os critérios da Lei das Finanças Locais, o que dá, portanto, receitas maiores para uns municípios e menores para outros? Nunca poderia haver, com a aplicação da lei, um aumento igual para todos eles, Sr. Deputado! Limitámo-nos a aplicar a lei com o pressuposto de que nenhum município tivesse menos de 10% de aumento de receita.
O Sr. Deputado Manuel Fernandes tornou a repetir os 19 municípios a quem demos mais 299 500 contos, mas, nesse caso, sempre lhe digo que se o Sr. Deputado quiser privilegiar estes 19 municípios, se calhar esta Assembleia da República vai ter cá os outros 256 do continente aos quais os senhores propõem tirar verbas. Pergunto-lhe, então, se esta é a solução correcta.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É falso!
A Oradora: - Desde que esta equipa está no Ministério da Administração Interna todas as verbas concedidas foram-no segundo critérios objectivos. Pergunto: a que propósito faz a bancada do PCP juízos de intenção em relação à proposta relativa ao n.º 2 do artigo 18.º e a fixação da verba dos 300 000 contos?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Fernandes.
O Sr. Manuel Fernandes (PCP): - Sr. Deputado Abílio Curto, quando V. Ex.ª referindo os Orçamentos anteriores perguntou, face à minha afirmação de este ser ruinoso, o que seriam então os anteriores. Bem, Sr. Deputado, os anteriores foram tão ruinosos como o actual, pois tanto neste Orçamento como nos últimos há um decréscimo real das verbas para o poder local.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Por isso há um empobrecimento do poder local, por isso os anteriores foram ruinosos e este continua a sê-lo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em relação a sermos insaciáveis, Sr. Deputado, o que somos é realistas. Qual foi o índice de inflação verificado no ano de 1984? Se não queremos que haja um empobrecimento do poder local,
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se não queremos que as autarquias não tenham condições para resolver os problemas mais prementes das populações, temos, no mínimo, de lutar pela compensação desse índice de inflação.
Por outro lado, Sr. Deputado, quando se contenta, pelos vistos, com aumentos nominais e não com aumentos reais, sendo V. Ex.ª presidente de uma câmara municipal e dirigente de uma associação nacional de municípios, não lhe ficam bem essas palavras.
A Sr.ª Secretária de Estado referiu - e penso ter ouvido bem - que quando o Governo consegue arranjar uma verba de 65 milhões de contos para as autarquias e de 3 milhões para os transportes escolares, nós queremos arranjar uma outra!
Sr.ª Secretária de Estado, 65 milhões para as autarquias e 3 milhões para os transportes escolares são 68 milhões de contos e parece-me não ser essa verba, pois o Governo arranjou só 65 milhões para as autarquias, através do fundo de equilíbrio financeiro, e para os transportes escolares.
Por outro lado, falou também na aplicação dos critérios. Acredito, mas que critérios? São, no mínimo, como eu disse, pouco objectivos. E se não como me explica, Sr.ª Secretária de Estado, que o concelho de Lisboa tenha um aumento de 23,5% e os concelhos limítrofes, que são a continuação de Lisboa, tenham aumentos, no máximo, iguais a 10,6% - como é o caso de Oeiras -, mas que Amadora, Loures e Vila Franca de Xira tenham ainda aumentos inferiores a este? Como se explica, através dos seus critérios, esta situação?
Na realidade, temos razão para dizer que os critérios são, no mínimo, pouco objectivos.
Em relação à questão dos 19 municípios e que estaríamos interessados em retirar verbas a outros, isso não é verdade, Sr.ª Secretária de Estado. Nada disso! O que eu disse, pelo contrário, foi que iríamos propor que, no mínimo, cada município tivesse um aumento de 30%, por conseguinte não íamos retirar nada. O que propomos é que não haja nenhum município que tenha um aumento inferior ao valor da inflação verificada em 1984 e que este ano não se verifique, outra vez, na sequência dos anteriores, uma redução da capacidade financeira do poder local.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Curto.
O Sr. Abílio Curto (PS): - Sr. Deputado Manuel Fernandes, queria que V. Ex.ª entendesse que estou aqui para defender o ponto de vista das populações. E, ao fazê-lo, não esqueço que sou também presidente do conselho geral da Associação Nacional de Municípios. Portanto, ao defender esses pontos de vista, defendo igualmente os pontos de vista da Associação Nacional de Municípios Portugueses. E a prova que os defendemos é que foi pelo punho de um camarada do Sr. Deputado, que é o presidente da câmara e tem assento na ANMP, que foi colocada ao Governo esta nossa petição.
Parece-me até que não é necessário voltar a falar-lhe deste documento para lhe dizer claramente que, ao defender aqui esta posição, estou também a defender a posição da ANMP.
Sendo certo que a moção que apresentámos não teve quaisquer votos contra, é também certo que os 15 colegas da APU, que têm assento na ANMP, concordaram com o ponto de vista que aqui expus.
O Sr. Presidente: - Também para um protesto, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica.
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração Autárquica: - Sr. Deputado Manuel Fernandes, o meu protesto deve-se ao facto de o Sr. Deputado já ter tido oportunidade de conversar comigo na Comissão Parlamentar do Poder Local e, portanto, de saber muito bem que quando falei nos 65 milhões, nele se incluem também os 3 milhões relativos aos transportes escolares. Não vale a pena, portanto, estarmos aqui a perturbar e a causar dúvidas sobre este aspecto.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem está a perturbar é V. Ex.ª!
A Oradora: - Sobre os objectivos, os critérios e a sua objectividade, gostaria, Srs. Deputados, que ficasse bem claro que os critérios actuais seguidos pela Lei das Finanças Locais são muito mais objectivos e dão aos Srs. Deputados muito mais possibilidades de os acompanharem do que os que presidiram à Lei n.º 1/79, em que nem sequer se sabia a ponderação que era dada ao problema das carências.
Por outro lado, gostava de dizer que todos os Srs. Deputados têm, pela primeira vez, todos os elementos que serviram de base ao cálculo. Não houve nenhuma distorção, não houve qualquer vontade de privilegiar alguém em desfavor de outros. São os critérios da Lei das Finanças, e só pergunto, Sr. Deputado, se pretende que o Governo viole a lei!?
Não é esse o nosso objectivo, como é óbvio!
O Sr. João Amaral (PCP): - Então faça uma lei justa!
O Sr. Presidente: - Se pretender contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Fernandes.
O Sr. Manuel Fernandes (PCP): - Sr. Deputado Abílio Curto, de certo modo, vamos repetir a discussão de ontem.
Na verdade, já ontem afirmei que é fácil tentar fazer determinada leitura a partir da parte final de uma moção.
O conselho geral da ANMP aprovou um moção por unanimidade na qual reivindica um aumento de 30 % em relação às verbas do fundo de equilíbrio financeiro de 1984 e em relação às verbas para os novos encargos.
Ora, é ou não verdade, Sr. Deputado, que este aumento de 30 % representa, em números redondos, uma verba de 72 milhões de contos? É esta a questão que lhe coloco e o Sr. Deputado não procure baralhar as situações e referir novamente que esse documento refere no final «o mínimo de 65 milhões de contos».
É que, a fazê-lo, terei de lhe dizer outra vez que, de facto, 72 milhões de contos é mais do que 65 milhões de contos e, como tal, está dentro do espírito da moção que o conselho geral da ANMP aprovou.
Daí que, sobre esta questão, não tenha mais a acrescentar.
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Em relação à Sr.ª Secretária de Estado que disse que introduzi aqui um factor de perturbação relativamente aos 65 milhões e aos 3 milhões, devo dizer-lhe que, quando muito, referi o factor de perturbação que a Sr.ª Secretária de Estado introduziu ao fazer esta referência, nestes termos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr.ª Secretária de Estado, também sobre este aspecto nada mais tenho a acrescentar.
Quanto à questão dos critérios, Sr.ª Secretária de Estado, devo repetir-lhe o que já disse na minha intervenção, isto é, que o que se verifica, na prática, é que há determinado tipo de critérios - como, por exemplo, o da altitude, o da proximidade ao litoral ou o da interioridade - pouco testados, que acarretam situações que me levam a questionar a base desses critérios.
Por exemplo, para o concelho de Lisboa há um aumento de 23,5 %, para o concelho da Amadora, que é a continuação de Lisboa, o aumento é de 9 % relativamente à proposta de 10 de Janeiro.
Quais são os critérios? Será o da interioridade, será o da altitude? Será o do desenvolvimento?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - São as 7 colinas de Lisboa!
O Orador: - É que, na realidade, só se percebermos a utilização do critério da altitude com base nas 7 colinas de Lisboa!
Risos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quando uma família tem dificuldades ou está endividada, é natural que procure reduzir os seus gastos, começando pelos não essenciais. Quando uma empresa enfrenta sérios constrangimentos financeiros é previsível que isso signifique menos dinheiro para gastar. Em ambos os casos conformam-se os dispêndios às receitas e não o contrário.
Esta lógica, que parece não oferecer dúvidas a ninguém, não é, no entanto, minimamente posta em prática pelo Governo no que diz respeito ao Orçamento do Estado. Paradoxalmente, um Estado falido e altamente endividado propõe-se gastar ainda mais em 1985 do que nos anos anteriores.
Em vez de restringir a despesa à receita, opta pelo caminho inverso, isto é, cobra mais impostos e endivida-se, ou seja, endivida-nos na medida em que consome mais. Tudo isto, nós, Portugueses, pagaremos. De uma maneira ou de outra. Porque nada é neutro ou gratuito na economia.
O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Porque não se pode privilegiar um sector sem prejudicar outros. Porque por impostos, por taxas, por subidas de preços, por formas ínvias de transferir para as novas gerações encargos agora assumidos, todos pagaremos a pesada factura de um Estado perdulário, de onde já não é possível obter «algo a troco de nada».
Afinal, Srs. Deputados, em que se traduziu o «plano conjuntural de emergência» preconizado por este Governo?
O resultado foi um empobrecimento geral do País. A austeridade, porque praticada enviesadamente, foi imoral. Todos cumpriram as regras menos o Governo! Os trabalhadores e os reformados diminuíram drasticamente o seu nível de vida, as empresas privadas ultrapassaram largamente a meta relativa às exportações; as famílias, os aforradores e os emigrantes mantiveram, apesar de tudo, níveis elevados de poupança. Mas, o Governo, ao invés, viveu, desafogadamente, à custa dos nossos sacrifícios e mercê do dinheiro fácil, mas lesivo para os cidadãos, da «rotativa» do Banco de Portugal.
O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Enfim, o consumo privado desceu 2 %, o investimento 20 %, mas o consumo público cresceu, no mínimo, segundo números do Governo, 3 a 4 %!
E Srs. Deputados, não se pode escamotear que se os Portugueses vivem, hoje, pior e se se multiplicaram novas pobrezas em Portugal - e não vale a pena tentar iludir esta triste realidade com malabarismos verbais - deve-se, não exclusivamente, é certo, mas em larga medida à indisciplina e anarquia financeira do sector público. Trata-se, assim, de um imperativo nacional alterar este estado de coisas e, por isso, os deputados têm, neste momento, uma grave responsabilidade a que não se podem eximir no confronto rigoroso das suas ideias.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Perante este cenário, seria legítimo e natural esperar por uma clara inflexão da política seguida em 1984. Infelizmente, se alteração vai haver, é para pior.
Este orçamento e estas opções do plano são financeiramente um descalabro, economicamente um factor de atraso e de empobrecimento, socialmente uma discriminação, politicamente uma ausência de modelo e uma impotência. Mas, sobretudo, moralmente uma violência.
Aplausos do CDS.
Desde logo, porque partindo do orçamento suplementar de 1984, «absolve» a derrapagem - reconhecida, aliás, pelo próprio Governo - das contas públicas no ano passado. E se estas foram a expressão quantitativa da inoperância do Executivo, o Orçamento para este ano é mau sobre mau. Ou seja: péssimo!
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O défice vai ser, à partida, 33 % superior ao de 1984 (revisto) e - imagine-se! - 90 % em relação à proposta que o Governo, há um ano e dois meses, veio aqui apresentar.
Que discurso pode, nestas circunstâncias, este Governo apresentar ao País quando há um ano atrás falava em rigor e disciplina financeira e, agora, vem propor um défice quase duplo para o Estado?
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O Sr. José Gama (CDS): - É uma vergonha!
O Orador: - Em vez de um orçamento que pusesse em causa as despesas económica e socialmente menos justificáveis, isto é, um orçamento a caminho do orçamento «base-zero», o Governo opta por um orçamento «base-tudo». Ou seja: parte da ineficiência, do desperdício e da improdutividade para lhe acrescentar novos factores de ineficiência e de desperdício e de improdutividade.
Vozes do COS: - Muito bem!
O Orador: - Srs. membros do Governo, Srs. Deputados: Seria, por certo, demagógico que se exigisse a resolução instantânea dos males e da rigidez de que enferma o nosso sector público alargado.
Mas será uma inequívoca exigência nacional que se inverta aquela direcção, introduzindo, gradualmente, mas sem tibiezas, as reformas necessárias por viabilizar o nosso futuro colectivo.
Infelizmente, quase dois anos após a entrada em funções do governo PS-PSD e concluído o chamado período de emergência, todos sentimos o grande vazio de um tempo perdido sem reformas de estrutura, sempre anunciadas com pompa e circunstância, mas sempre e sempre adiadas em razão desta ou daquela estratégia partidária.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o défice previsto (excluindo o sector empresarial do Estado), corresponde já a 9,5 % do PIB, quando este mesmo Governo apresentou, no ano passado, uma proposta de défice que não ultrapassava os 6,2 %.
É certo que se poderia, aparentemente, argumentar que há défices e défices e que o que, agora, nos é presente é - e cito o texto governamental - «um factor de estímulo ao relançamento económico». Nada de mais falso! É que não se trata de uma proposta de acréscimo do endividamento do Estado ocasionado por um acréscimo sensível de despesas reprodutivas e rendíveis; bem pelo contrário... E não se trata, igualmente, de um défice resultante de diminuição real de impostos sobre o trabalho, sobre as empresas ou sobre a poupança; bem pelo contrário também...
O défice proposto é, antes, a consequência de mais despesas - não reprodutivas, sobretudo - e de mais impostos, para financiar essas despesas. É, em suma, um factor de atrofiamento da economia e da iniciativa privada ao afectar ao sector público a «parte de leão» dos recursos nacionais.
É um défice contra o futuro porque impede o progresso e porque onera injustamente as próximas gerações. É um défice contra o presente porque castiga os que trabalham e produzem e atrasa a retoma da confiança.
O primeiro orçamento suplementar aí está desde já para os Portugueses pagarem. Chama-se défice e significará que, para além dos impostos, cada um de nós ficará endividado em mais 35 contos! Que amanhã nós ainda ou os nossos filhos terão que pagar.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - As despesas correntes do Orçamento do Estado (excluindo os juros da dívida pública) aumentarão cerca de 30 % em relação a 1984, depois do reforço, e 41 % em relação ao Orçamento inicial. Isto significa, desde logo, que nem sequer é estancado, ao mesmo nível, o volume de despesas. Há, efectivamente, um acréscimo real de despesas.
Mas, além de se propor gastar muito, vai-se, também e sobretudo, gastar mal. De facto, a afectação dos meios financeiros será, mais um vez, distorcida. As despesas com a aquisição de bens e serviços crescem 46 %, os gastos com o pessoal dos serviços autónomos sobem 35 %. Em contrapartida, as despesas sociais não vão além de 22 % e os investimentos em infra-estruturas essenciais não ultrapassam os 20 %.
Dito de outro modo: vai haver mais dinheiro para alimentar a burocracia e menos para a protecção social e para o investimento.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Vai-se gastar mais e pior em vez de se gastar menos e melhor!
O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Não se vislumbram critérios, prioridades, modelos de gestão dos recursos públicos neste Plano e neste Orçamento. Alguns valores aparecem mesmo ao sabor das pressões das clientelas partidárias, das conveniências do momento, das vitórias ou derrotas pessoais.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Do lado das receitas, a opção - a triste opção do Executivo - parece estar, tão-somente, em escolher a vítima: se o trabalho, se a poupança ou se o risco.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Em 1983, com o imposto extraordinário, foi, sobretudo, o trabalho; em 1984, preferiu-se a penalização «anestesiada» do défice gerador do imposto da inflação; em 1985, assestaram-se as baterias contra a poupança e contra as classes médias.
É profundamente chocante que se pretendam ir buscar 26 milhões de contos às poupanças dos emigrantes para financiar exclusivamente a obesidade burocrática do Estado ou para pagar o serviço da dívida que, sem o contributo dos nossos compatriotas, seria bem maior e sem se cuidar das consequências de tal medida sobre as suas remessas e sobre a balança de pagamentos.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - É, igualmente, inadmissível, que se agrave a tributação sobre os juros dos depósitos a prazo dos nacionais, reforçando um adicional não já sobre o rendimento mas sobre o próprio capital. Sabendo-se da estreiteza do nosso mercado de aplicação de poupanças, que melhor incentivo podia dar o Governo à evasão cambial e à economia subterrânea?
Tudo isto, meus senhores, em nome de «sua alteza, a despesa pública»!
É em nome desta despesa que a tributação directa, por exemplo, vai, no conjunto do sector público administrativo, aumentar 46 %.
A política tributária seguida - se de política tributária se trata - é o espelho de uma verdadeira situa-
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ção de caos fiscal. Sem nexo, sem sentido, desprezando os seus nefastos efeitos sobre a vida económica e social, legitimando a fuga aos deveres fiscais pelo carácter quase confiscatório que já assume.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: este é o verdadeiro Orçamento do conformismo, do situacionismo, do socialismo e da resignação!
Aplausos do CDS.
Perante tudo isto, como é possível cumprir algumas das metas e dos objectivos que o Governo se diz propor nas Grandes Opções?
Como é possível conter a inflação em 22 % com o proposto grau de endividamento monetarizado do Estado e das empresas públicas, com o consequente atrofiamento da oferta produtiva, com a penalização do aforro e com a desconfiança dos produtores e dos consumidores?
Como é possível relançar a actividade económica privada com o consumo público a absorver recursos excessivos que não podem ser afectos a projectos da rendibilidade superior?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Como é possível dinamizar o mercado de capitais sem disciplinar financeiramente o Estado, que não se sujeita às regras de mercado para a obtenção de meios financeiros e adiando, por mais um ano, o processo indemnizatório relativo às empresas nacionalizadas?
Como é possível, enfim, diminuir o défice externo, sem ser pela quebra do investimento e da actividade económica, enquanto o sector público alargado continuar a ser um «produtor» de poupança negativa? E, todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há outros caminhos que, tendo embora em conta as dificuldades que não desprezamos podem inflectir este estado pantanoso e dar motivos de esperança aos Portugueses.
Portugal precisa, antes de tudo, de um regime económico claro e eficaz, baseado na competitividade e na justa retribuição do mérito, do esforço, da inovação, do risco e da poupança.
Aplausos do CDS.
Portugal precisa de menos Estado, como única e melhor forma de ter um Estado melhor.
Precisa de reabilitar a empresa, criando condições para premiar as mais eficientes e impedir as distorções administrativas que protegem, quase sempre, as piores à custa das melhores.
Precisa de estimular a produtividade, com incidência nas leis laborais, na intermediação financeira e na inovação tecnológica.
Precisa de sustentar um crescimento liderado pelas exportações e pela crescente especialização onde possamos ter vantagens comparativas no mercado internacional.
Precisa de dar passos significativos numa reforma fiscal que desagrave a poupança, tributando o rendimento despendido e não tanto o rendimento poupado e investido, que reduza as taxas marginais dos impostos progressivos e que elimine a tributação arbitrária de rendimentos negativos.
Precisa de uma corajosa auditoria do sector público, eliminando, de vez, Srs. Membros do Governo, os artifícios contabilísticos que, escondendo ou disfarçando sucessivos défices, mais não são do que uma forma de desresponsabilização colectiva e nacional.
Aplausos do CDS.
Precisa de uma política de redistribuição mais selectiva e orientada para a luta contra a pobreza e menos geradora de distorções económicas e sociais.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Precisa de uma verdadeira reforma administrativa que comece por suprimir o que, com esse nome, existe no aparelho do Estado (e que já custa cerca de 1 milhão de contos ao País em 1985) e encare o próprio Orçamento como seu instrumento fundamental de reforma administrativa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em conclusão, este Orçamento para 1985 é a vitória da inércia sobre a reforma; é a vitória da ineficiência sobre a produtividade; é também a vitória dos ministros sectoriais sobre o ministro das Finanças.
E significará, se for aprovado, mais pesados sacrifícios para o povo português, porque os desmandos públicos não se pagam, Srs. Deputados, com dinheiro abstracto, mas com o esforço dos Portugueses e as suas forçadas renúncias.
Nada nos garante, na prática do Governo, que no 2.º semestre deste ano, não nos vejamos sujeitos a um novo reforço orçamental, à semelhança de 1983 e de 1984. O que agora está em discussão no Parlamento é a «ponta do icebergue» de uma administração opaca e confusa. Não temos, infelizmente, razões para acreditar no aparente optimismo que o Governo quis transmitir literariamente na sua proposta.
A maioria parlamentar tem, aqui e agora, a oportunidade de ser coerente com o que disse e preveniu em Outubro passado, na discussão do Orçamento suplementar de 1984, quando exigiu, pelo menos, com palavras do Governo que apoia, uma alteração profunda na elaboração do Orçamento para este ano.
O Orçamento é a expressão quantitativa da política global. Este Orçamento não é, como alguns querem fazer crer, o Orçamento do Ministério das Finanças.
É-o de todo o Governo que nele revela todas as suas fraquezas e incapacidade para superar os problemas fundamentais do País.
Se a política é má, o Orçamento não pode ser melhor.
Em nome do rigor e da dignidade política, este Orçamento deve ser rejeitado.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Deputado Bagão Félix, queria referir-me a alguns aspectos concretos da sua intervenção.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que partilho da preocupação que exprimiu em relação ao que consta da proposta governamental no que se refere aos depósitos dos emigrantes. Penso que se trata de uma medida que só ganharia em ser reponderada e em que me parece que os efeitos perversos serão muito mais que
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os efeitos úteis. E, se o Governo teve alguma lição a tirar da ideia que teve ao criar o imposto de saída, creio que também esse mau exemplo lhe deveria servir para meditar sobre o que poderá constituir este agravamento das condições de depósito dos emigrantes.
Para além desta nota de concordância, queria pôr-lhe três questões.
A primeira refere-se à contenção da inflação.
De facto, sendo os objectivos de contenção da inflação fixados, mais ou menos, em termos semivoluntaristas - e digo semivoluntaristas porque isto representa uma certa caricatura, pois não creio que a inflação se contenha pelo simples facto de um governo dizer que ela se vai conter em determinados limites, isso viu-se em 1984... -, em que medida pensa V. Ex.ª que a liberalização da economia, e portanto a liberalização dos preços e dos mercados, não corresponde também a esse aumento de preços e não corresponde também a esse avolumar de inflação?
O segundo aspecto que lhe queria colocar diz respeito às relações entre o Estado e o sector privado da economia.
Também este aspecto tem a ver com a questão do liberalismo. Até que ponto pretendemos menos Estado para actuar livremente no mercado ou até que ponto se pretende menos Estado para protecção de alguns sectores existentes? Quer dizer, até que ponto a situação de algumas empresas portuguesas não se assemelha ao do filho-família que diz: «Meu pai, dê-me mais dinheiro que eu quero ser independente.»
Terceira e última questão: o Orçamento é não apenas o Orçamento do Ministério das Finanças mas é, de facto, o Orçamento de todo o Governo. O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é se da sua análise não resulta que este Orçamento retrata um governo - aliás, tal como o retratou um dos seus membros -, mais do que um governo, como uma federação do Ministérios?
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Bagão Félix pretende responder só no final, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Deputado Bagão Félix, ouvi com atenção a intervenção de V. Ex.ª E efectivamente uma intervenção própria da oposição.
No entanto, gostaria de lhe colocar algumas questões relativamente a certos aspectos que focou, nomeadamente em relação ao sistema fiscal português.
Parece que caiu em uso ouvir-se toda a gente dizer que o sistema fiscal português é mau. Ora, nós compartilhamos esse ponto de vista. Ele é mau. No entanto, temo-nos empenhado e temos tentado dar o nosso contributo para a melhoria desse sistema. Também já ontem aqui foi dito que temos consciência de que a alteração do sistema fiscal passa necessariamente por um repensar do conceito actual de tributação.
V. Ex.ª vem dizer que vamos ter um aumento de 30% com o pessoal, concluindo depois que «vamos ter mais dinheiro para a burocracia e menos dinheiro para outros sectores». Ora, era sobre essa afirmação que gostaria de lhe colocar algumas questões.
É sabido que o sistema fiscal é indiscutivelmente a maior fonte de receitas do Estado no que concerne ao equilíbrio do Orçamento. Assim, pergunto-lhe se V. Ex.ª acha que neste momento, em termos de administração fiscal, é possível reduzir os custos com o pessoal.
Pensa V. Ex.ª que, no ano de 1985, a nossa administração fiscal está já equipada em termos de equipamento informático - que não tem e devia ter - de forma a dar resposta ao que respeita à cobrança e liquidação dos impostos?
Isto é: pensa que é possível, em termos concretos, baixar os custos com o pessoal neste domínio?
A segunda questão que levantou parece-me bastante relacionada com o conceito que se tem de tributação e de fiscalidade. É que, V. Ex.ª falou da diminuição das taxas mas não referiu, em toda a sua intervenção, a inexistência em Portugal, neste momento, de um sistema penal fiscal, salvo o Decreto-Lei n.º 716, se a memória não me falha, que é mínimo em termos de penalização fiscal.
Isto é, V. Ex.ª nada disse sobre a necessidade de penalização relativamente a situações em que, por exemplo, uma entidade patronal ou um contribuinte, dolosamente, ficam com os dinheiros públicos, dinheiros que não são deles.
Ora, gostaria de o ouvir referir-se às questões que lhe coloco.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Deputado Bagão Félix, gostava de lhe colocar duas ou três questões relacionadas com a sua intervenção.
A primeira delas tem a ver com a afirmação que V. Ex.ª fez, segundo a qual a despesa do Estado se deveria restringir à receita - suponho que queria dizer receita efectiva. Ora, pergunto-lhe se queria realmente dizer que o Orçamento do Estado para 1985 deveria ser apresentado sem défice. Era esse o sentido da sua intervenção? É claro que nós também gostaríamos muito que isso acontecesse!
Gostaria, ainda, em jeito de reparo à sua intervenção, de me referir a um outro passo, ou seja, quando faz o cotejo entre a despesa de 1985 e a despesa de 1984. Efectivamente, se fizer esse cotejo, se se abstrair dos investimentos do PIDDAC e se ao subtotal, assim encontrado deduzir os encargos com a dívida e a circunstância de, em 1985, a proposta de lei do Orçamento incluir despesa que, em anos anteriores, era considerada como despesa de investimento, se V. Ex.ª se der ao incómodo de fazer estas contas - repito -, verificará que o crescimento da despesa constante da proposta de Orçamento para 1985, relativamente ao de 1984. é de 21,2%, isto quando nas Grandes Opções do Plano se prevê uma inflação média de 26% para 1985. Ora, pergunto a V. Ex.ª se isto não significa, de facto e apesar de tudo, um esforço muito grande na contenção das despesas.
Gostaria ainda de sublinhar o esforço que, efectivamente, foi feito em matéria de aligeiramento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, incluindo a eliminação das taxas marginais no imposto complementar. Não representará isto, igualmente, um passo seguro no sentido de se aligeirar a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e de, eventualmente, se levar a efeito uma melhor repartição da carga fiscal?
Por último, queria sublinhar que V. Ex.ª disse que o Estado «não respeita as regras do mercado para obter os capitais de que carece para a cobertura do seu défice». Ora, pergunto-lhe se isso não representa, pelo contrário, uma limitação a esse mercado. É que, sem-
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pré que o Estado coloca títulos à subscrição pública, fá-lo em abediência estrita às regras do mercado.
Julgo que o montante não será elevado e seria, de facto, totalmente desejável que a cobertura do défice se fizesse de modo a não monetarizar a dívida pública. Se era isto que o Sr. Deputado queria dizer, estou de acordo consigo. Era, de facto, um caminho correcto e é nele que devemos caminhar. Mas isso não invalida que quando o Estado coloca os títulos à subscrição o faz observando as regras do mercado.
Podemos ir mais longe e julgo mesmo que devemos fazer um esforço para ir mais longe. Nesse sentido, estou de acordo. Mas, repito, as regras do mercado são cumpridas.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado Bagão Félix, naturalmente que apreciei a apresentação que fez das questões relativas ao Orçamento, e no que respeita à primeira parte, ou seja, às questões técnicas, às evoluções e aos números, poderemos discuti-la na especialidade, pois aí haverá elementos que merecem correcções. Aliás, sobre esta matéria, o Sr. Secretário de Estado já acabou de fazer algumas considerações.
As minhas perguntas vão centrar-se, pois, sobre a parte final da sua intervenção.
O Sr. Deputado fez uma série de considerações sobre aquilo de que o País precisa. Presumo que não irá ficar surpreendido se lhe disser que estou perfeitamente de acordo em como o País precisa de muitas das coisas que V. Ex.ª afirmou.
No entanto, as questões, que são profundamente políticas, são as seguintes: saber se estas coisas são possíveis de exigir a um governo que tem 18 meses, saber se estas coisas são de ontem ou de há anos e ainda saber se estas são, neste momento, coisas de que o País necessita porque se têm vindo a agravar ou porque algumas delas, não todas, têm vindo a ser sucessivamente tratadas não com a velocidade que o País precisa (é um facto).
V. Ex.ª pode tirar todas as consequências políticas destas questões, mas ignora o Sr. Deputado, que já foi membro de um executivo, que...
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Também o Sr. Deputado!
O Orador: - Sim, também eu, e por isso falo com essa experiência.
Perguntava se V. Ex.ª ignora que, em política, uma coisa é o dever ser e outra o poder ser. E preciso distinguir a capacidade técnica, material e, porque não, também política?
Já temos ouvido nesta Câmara afirmações do CDS no sentido de dizer que, quando passou pelo governo, não fez porque estava coligado, estava com outro partido, etc.
O Sr. Deputado, tenha também em linha de conta as questões políticas.
As perguntas estão feitas. Estou certo de que as respostas virão com o rigor que costuma pôr nas suas respostas.
O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Srs. Deputados, agradeço as perguntas que me colocaram, as quais me darão ensejo para clarificar alguns aspectos que enunciei na minha intervenção.
Depois de referir a questão dos depósitos dos emigrantes, o Sr. Deputado Magalhães Mota põe três questões.
Relativamente à contenção da inflação, perguntou--me se considero que, pela liberalização dos preços, essa inflação pode ser contida. O que devemos considerar é qual a melhor solução. É evidente que estamos conscientes de que não há soluções óptimas em nada, pelo que devemos encontrar as soluções, sabendo que todas elas têm as suas dificuldades e limitações.
Agora, o que verificamos também é que, ao longo destes anos, têm sido os preços administrados pelo Estado que até sobem mais. E, curiosamente, a maior parte deles são financiados pelo endividamento do Estado, isto é, por emissão de moeda sem contrapartida produtiva, o que acaba por ser um fenómeno mais esbatido, mais anestesiado, mas também mais duradouro, de crescimento da massa monetária e, portanto, da inflação.
Em relação aos preços administrados pelo Estado, podem haver caminhos diferentes (até numa perspectiva mais social), o que não podemos é considerar apenas a questão que agora temos sobre preços e subvenções aos preços, visto que acabam por beneficiar todos de igual modo - desde o pobre ao rico, do nacional ao estrangeiro, todas as classes sociais, etc. Há, no entanto, uma maneira de poder continuar a subvencionar determinado tipo de preços de uma forma mais selectiva: através de esquemas sociais e de instrumentos de redistribuição social que o próprio Estado possui, designadamente nas prestações familiares ao nível da segurança social.
Quanto à questão de saber se deve haver menos Estado para activar o mercado ou se deve haver menos Estado para proteger o mercado, devo dizer-lhe que essa é quase a diferença entre a liberalização e o corporativismo.
Considero que tem de haver menos Estado para deixar actuar o mercado. E aí está uma das funções essenciais do Estado: assegurar o livre desenvolvimento das funções e regras fundamentais da concorrência.
Isto, porque, o que temos actualmente na maior parte dos casos, são distorções e protecções que constituem a forma mais ineficiente de afectar os recursos nacionais. E é evidente que isto se aplica ao sector privado e ao sector público.
Relativamente à última questão - a de saber se este é um orçamento do Governo ou de uma confederação de ministérios -, está mais que visto que se trata de um orçamento de uma confederação de ministérios. É até mais do que isso: é o orçamento que defende, em parte, alguns interesses das clientelas do Partido Socialista - veja-se o caso das empresas públicas -, é o Orçamento que defende, em parte, alguns interesses das clientelas do PSD - veja-se o caso das autarquias locais - e, curiosamente, talvez seja o orçamento que menos defende os interesses nacionais.
Vozes do CDS: - Muito bem!
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O Sr. José Vitorino (PSD): - Olhe que não!
O Orador: - Quanto às questões que o Sr. Deputado Domingues Azevedo me colocou, devo esclarecer que é evidente que fiz uma intervenção de oposição - outra coisa não poderia esperar de mim.
Confesso que não entendi se alguns dos problemas referidos eram comentários ou perguntas.
Falou sobre o sistema fiscal, embora com um certo ar conformista: está mal, mas, apesar de tudo, temos de repensar...
Bom, julgo que já todos repensámos, Sr. Deputado: o que está neste momento em causa é que em Portugal - e não digo que seja por culpa exclusiva deste Governo - se encerrou o ciclo da miopia fiscal: começou por se tributar os lucros, depois seguiu-se a tributação sobre o trabalho e, finalmente, ataca-se a poupança, isto é, impede-se o risco, o trabalho e o aforro.
Como é que podemos ter futuro num país que, efectivamente, apontou as baterias fiscais para estas três zonas e delas não sai por estar convencido de que, assim, pode arrecadar mais receitas fiscais?
Devo dizer que quanto mais as taxas marginais crescerem - e elas têm crescido em termos reais -, mais legitimidade há para a evasão fiscal, e é isso que infelizmente se está a verificar no nosso país. Daí que sejam cada vez menos a pagar mais, na medida em que cada vez mais fogem às suas obrigações fiscais.
O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Referiu-se depois ao problema da redução dos custos com o pessoal. Não entendi se isso era apenas na perspectiva dos impostos ou numa perspectiva mais geral.
É evidente que há formas de reduzir os custos com o pessoal. Desde logo há uma primeira maneira: não deixar admitir mais funcionários públicos.
E se é certo que eles têm sido admitidos todos os anos, eu - até como cidadão - esperaria que este governo não o permitisse. De facto, o discurso de há um ano foi extremamente peremptório e a legislação que saiu era clara. Mas o que é que aconteceu? Segundo números que não são inventados por mim, mas, antes foram fornecidos pelo Ministério das Finanças, entre 1 de Janeiro e 30 de Setembro de 1984 foram admitidos 18 000 funcionários públicos. Em nome de quê, Sr. Deputado? Provavelmente, apenas em nome da diminuição do rendimento daqueles que já são funcionários públicos.
O Sr. Manuel de Oliveira (PS): - E vocês, quantos é que lá meteram?
O Orador: - Vou dar um exemplo concreto.
A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos tem, no seu orçamento de despesas correntes, 9 milhões e 400 000 contos, o que representa metade do imposto complementar. As despesas correntes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sobem, em relação ao seu orçamento do ano transacto, 34 %.
Ora, o Estado e o Governo parecem ter dinheiro para aumentar 700 funcionários por causa do IVA, parecem ter dinheiro para comprar um prédio excelente por causa do IVA, mas continuam, por isso mesmo, a ter que penalizar os factores fundamentais da poupança, do risco e do trabalho.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à diminuição das taxas, falou o Sr. Deputado no sistema penal fiscal.
Estou de acordo consigo nesse ponto. Aliás, limitei-me a abordar alguns aspectos genéricos, já que não estamos numa discussão na especialidade.
A principal forma de tornar são um sistema fiscal não é tanto através da repressão mas sim da prevenção, evitando que se dê azo a que se torne legítima a evasão fiscal em virtude das taxas marginais e das taxas médias gravosas que existem no nosso país.
E com isso respondo já um pouco ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que me perguntou se foi ou não positivo o aligeiramento das cargas fiscais dos impostos profissional e complementar.
É evidente que foi um facto positivo. Não podemos deixar de manifestar agrado pelo desagravamento do efeito inflação do imposto profissional, embora apenas se tenha recuperado um ano em termos de inflação, sem recuperar os anos transactos.
De qualquer modo, como é que V. Ex.ª explica que o imposto profissional cresça em 1985 qualquer coisa como 37 %? Se o Sr. Secretário de Estado desagravou o efeito da inflação, se os salários nominais não cresceram em mais do que 18 % ou 19 %, se a actividade económica não produziu novos empregos, como é que explica que o imposto profissional possa crescer 37 %? Das duas uma: ou há um artifício contabilístico que é indicador de um novo buraco orçamental a meio do ano, ou estamos perante um efeito de ilusionismo e a tributação pode vir a aumentar nos impostos pessoais.
Perguntou se eu considero que conformar as receitas às despesas significa que não há défice. Não, não quero dizer isso, e é evidente que isso é impossível e irrealista.
O que é grave é que este governo não apresente um objectivo gradual no sentido da diminuição global do défice. Este problema não se pode eliminar num ano, mas pode sê-lo em 4, ou 5 ou 6 anos - é uma questão de tendência, de inflexão, é, no fundo, uma questão de ter uma política.
Ora, o Governo demonstrou não ter política, uma vez que no ano passado veio aqui com um discurso e agora com outro, em que diz ir fazer o contrário do que havia proposto no ano passado. Isto é, o Governo não só não faz a definição de metas para a eliminação gradual do défice como vai aumentar, em termos reais e gravosamente, esse défice.
Quanto à questão do mercado de capitais, é evidente que ao falar da indisciplina financeira do Estado e de ele não se sujeitar às regras de mercado no endividamento, me estava a referir ao endividamento a médio e longo prazo. Já considero perfeitamente legítimo e até justificado o endividamento a curto prazo, nas operações de tesouraria dada a própria sazonalidade de algumas receitas e despesas do Estado).
O facto de o Estado não se sujeitar às regras, de poder recorrer quase «indefinidamente» ao crédito bancário, concretamente ao banco central, definindo o preço e a quantidade como a seu bel-prazer quer, é uma forma de alienar recursos que podem ser apli-
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cados muito mais produtivamente. Foi neste sentido que disse que não há mercado de capitais a funcionar sem uma efectiva disciplina financeira do Estado. E, Sr. Secretário de Estado do Orçamento, contesto o seu malabarismo (perdoe-me a expressão) quantitativo, numérico ou algébrico de 21,2 %. Isto porque as despesas correntes do Estado, sem juros, crescem 29,8 % (não estou a pôr em causa as despesas de investimento, mas só as despesas correntes). As despesas com o pessoal - e aqui refiro-me às despesas dos serviços autónomos - crescem 35 %, as despesas com a aquisição de serviços crescem 71 %, as despesas com o fornecimento de bens e serviços crescem 46,3 %. E tudo isto, Sr. Secretário de Estado, comparado com o Ornamento revisto, isto é comparado com a derrapagem que os senhores reconheceram em Outubro passado aqui no Parlamento.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, o Sr. Deputado Almerindo Marques pergunta se será possível exigir de um governo, com apenas 18 meses, essas medidas globais, com boa parte das quais concorda, segundo disse.
Aqui estamos, mais uma vez, perante um problema de tendências. Eu próprio disse na minha intervenção que estes são problemas que não se resolvem de um dia para o outro, e seria demagógico dizer o contrário.
Agora, o que considero estar errado e ser grave é o facto de estarem decorridos mais de 18 meses de um governo que tem a maior maioria de sempre, de um governo de legislatura, tendo o tempo sido perdido em busca de reformas de fundo que sempre se anunciaram e que nunca, nunca se fizeram.
Seja na disciplina financeira do Estado, seja no mercado de capitais, seja nas leis laborais, seja no sector das empresas, seja no sector empresarial do Estado, seja da reforma fiscal, seja em todos esses capítulos e domínios, muitas palavras e muito poucos actos deste governo!
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não sei se faltará responder a alguma pergunta ... Creio que falta uma, pelo que agradecia que o Sr. Deputado me ajudasse.
O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado, referi-me, concretamente, à prática do CDS quando passou pelo governo e às dificuldades que teve em introduzir as políticas. Mas guardarei esta questão para o momento em que utilizar a figura do protesto.
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Eu julgo que é a figura do protesto, Sr. Presidente. E isto porque, da intervenção do Sr. Deputado Bagão Félix, há 3 ou 4 passagens que não podem deixar de merecer alguns reparos da nossa parte.
A primeira é a que se refere à reforma fiscal. O Sr. Deputado Bagão Félix falou como se, efectivamente, não estivesse em curso uma reforma fiscal, e já foi claramente salientado nesta Câmara que o Governo tem em curso uma reforma fiscal, que podemos distribuir em 3 capítulos: O primeiro refere-se à reforma fiscal da tributação indirecta, que está concluída, será lançada em 1985 e tem como centro o imposto sobre o valor acrescentado que será realmente um imposto único e indirecto. Haverá, depois, impostos especiais sobre o consumo, as bebidas alcoólicas, os automóveis, etc. Mas, realmente, a espinha dorsal da tributação indirecta será o imposto sobre o valor acrescentado. Está concluída e será, portanto, implementada - assim o esperamos - em 1985.
Temos, depois, na reforma fiscal da tributação directa, o imposto único sobre as empresas e o imposto único sobre as pessoas singulares, que estão em curso: 1986 como objectivo para o imposto único sobre as empresas e 1987 como objectivo para o imposto único sobre as pessoas singulares.
Simultaneamente, neste Ínterim, estamos a dar passos, julgamos, correctos, no sentido de aligeirar a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho; isso está a ser feito.
Agora, Sr. Deputado Bagão Félix, julgo que não é possível - e V. Ex.ª não pensará, porventura, de maneira diferente - implementar uma reforma fiscal, se quisermos conceber algo de novo, sem que, efectivamente, tenhamos que investir. E quando V. Ex.ª cita os números da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, digo-lhe que obviamente que tem de haver investimentos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos para que, efectivamente, possamos levar a cabo uma reforma fiscal.
O que está em causa e, parece-me, deve ser salientado é que na política do Governo temos, realmente, que medir bem onde é que vale a pena gastar mais e onde é que vale a pena gastar menos, quer dizer, não vale a pena fazer uma análise casuística e dizer que se gasta mais na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. É evidente que, se temos de apostar nas contribuições e impostos, temos de gastar mais nas contribuições e impostos.
Julgo que é o caminho correcto, até porque, durante 3 ou 4 anos, terá de haver, em sua reposição, o imposto de transacções; há o imposto de transacções para cobrar que se vai reflectir a seguir, durante 3 ou 4 anos. Portanto, não é possível desmantelar de imediato toda a máquina do imposto de transacções e pô-la a funcionar no IVA; tem de haver, de facto, um período de sobreposição.
O Sr. Deputado Bagão Félix referiu-se também à admissão de funcionários. No entanto, gostaria de salientar que quando V. Ex.ª foi Secretário de Estado da Segurança Social admitiu um número razoável de funcionários que passaram a ter um vínculo com o Estado que, efectivamente, não tinham.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Tem de provar isso, Sr. Secretário de Estado!
O Orador: - E julgo que foram uns milhares largos, Sr. Deputado.
Quanto às metas em matéria orçamental, gostaria de dizer o seguinte: nós temos tido como meta procurar equilibrar o Orçamento, abstraindo dos juros da dívida pública. E o caminho seguido - se se der ao incómodo de fazer contas - é este: em 1979, sem excluir, portanto, os juros da dívida pública, a percentagem do défice sobre o produto interno bruto (PIB) foi de 7,4%; em 1983 de 1,6%; em 1984 será de 1,8% ou 1,9%; e
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o objectivo para 1985 é de 1,7%. Portanto, está V. Ex.ª a ver que há aqui, de facto, uma meta; há uma linha que estamos a procurar seguir e julgo serem números significativos do caminho que percorremos. E repito: passámos de 7,4%, em percentagem do PIB, em 1979, para 1,6% em 1983. Em 1984 devemos fechar com 1,8% ou 1,9% e o objectivo para 1985 é de 1,7%. Portanto, há aqui, de facto, um objectivo que tem vindo a ser percorrido.
Finalmente, quanto à percentagem das despesas correntes, volto a dizer, Sr. Deputado, que não vale a pena fazer contas parciais. Eu sugeria que fizesse as contas: vamos ver em 1984 o Orçamento revisto, retirando tanto do PIDDAC, fazendo iguais contas para 1985 e abstraindo dos encargos com a dívida. Se o fizer, verá V. Ex.ª que encontra 21,2%, se tiver também em conta que em 1985 o chamado «orçamento de funcionamento» está onerado com cerca de 10 milhões de contos que, em anos anteriores, estiveram no PIDDAC.
Portanto, se tivermos em conta esta realidade, julgo - e repito - que, apesar de tudo, e tendo em mente que o objectivo da inflação média para 1985 é de 22%, o esforço também nessa área não foi despiciente.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou usar a figura do protesto porque discordo de algumas respostas que o Sr. Deputado Bagão Félix me deu.
Quando referi que o Sr. Deputado fez uma intervenção da oposição, é evidente que não estava à espera que V. Ex.ª fizesse uma intervenção das bancadas que apoiam o Governo. No entanto, esperava que, pelo menos, fizesse uma intervenção de um deputado da Assembleia da República. É que V. Ex.ª limitou-se a fazer um discurso que foi de tudo menos uma análise do Orçamento. Não ouvi V. Ex.ª, na intervenção que fez, referir nenhum aspecto do sistema fiscal português; do sistema fiscal que vem, efectivamente, no Orçamento. Por isso, quando disse que V. Ex.ª fez um discurso da oposição, queria dizer que V. Ex.ª também não se quedou, de forma alguma, em analisar as medidas que são propostas pelo Governo em matéria de fiscalidade, como seja de contribuição industrial e de imposto sobre o valor acrescentado, Sr. Deputado, que vem, efectivamente - e já avanço numa segunda pergunta que lhe faria -, numa reforma muito grande da tributação indirecta, qual seja, particularmente, o imposto de transacções.
Falou V. Ex.ª também na burocracia: a burocracia vai aumentar.
Sr. Deputado, para mim o IVA é precisamente a grande arma, diria eu, para acabar com a burocracia. Acabando, particularmente, com o imposto de transacções, Sr. Deputado, dá um golpe extremamente grande nessa mesma burocracia.
Sr. Deputado, efectivamente o sistema fiscal está todo repensado - está -, só que há responsabilidades quando se está no Poder e, quando se sai do Poder, perdem-se essas responsabilidades. É evidente que isso também não poderá ser assim tão linear. A solução destas responsabilidades no Poder também requer o cuidado da adopção das medidas para que o Estado não tenha o colapso; para que o Estado continue a receber as suas receitas. E quanto a esta reforma de fundo, Sr. Deputado - estou de acordo com ela; defendo-a acerrimamente - também estou consciente de que, durante alguns anos, vamos, infelizmente, continuar a ter necessidade de pôr retalhos na manta, que já é muito velha.
Não estou de acordo com o Sr. Deputado quando critica a admissão de funcionários na Direcção-Geral de Contribuições e Impostos. E não estou de acordo porque este é um sector onde, efectivamente, o Estado tem necessidade de admitir funcionários altamente qualificados, com duas missões fundamentais: a primeira será a de prevenir os contribuintes que não estão habituados a cumprir as suas obrigações perante o Estado. No entanto, detectados o dolo, a falta, a má-fé nestes mesmos contribuintes, o Estado tem a obrigação de os reprimir. É aqui que, efectivamente, eu estou em desacordo e, Sr. Deputado, não será despiciente também pensar nesta matéria. É que a admissão de funcionários na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos tem, quanto a mim, de aumentar.
Essa é uma herança extremamente pesada que herdámos de todo o sistema da repartição de impostos e da inoperância na administração fiscal, Sr. Deputado.
Não se compreende, eu não consigo entender, como é que as nossas repartições de finanças, hoje com um número de contribuintes que, em muitos casos, ultrapassa os 60 000, conseguem ainda fazer, pelos vistos, trabalho manual.
Numa intervenção que produzi nesta Assembleia da República justifiquei que cada funcionário fica, em média, com 9 minutos para analisar fiscalmente o contribuinte.
Terá de concordar comigo no sentido de que, enquanto este tipo de situações se mantiver, enquanto a administração fiscal, particularmente na arrecadação de impostos, continuar a trabalhar desta maneira, é provavelmente impossível fazerem-se avanços sérios nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado Bagão Félix, o meu protesto é breve: é apenas para lhe dizer que - a palavra não é a adequada, mas é por outras razões que a utilizo -, de facto, a sua falta de rigor, relativamente à resposta que deu, respeitante à prática política do CDS no Governo, tem também uma leitura política. Eu já tinha tomado esta posição e confirmo-a: uma coisa é o «dever ser» na política e outra coisa é o «poder ser». E eu penso que, quando se é oposição, ter uma visão maximalista na resolução dos problemas e, quando se é Governo, ter uma visão menos realista, talvez minimalista, uma e outra das posições é errada. A posição correcta - e é isto que é a política - é a análise das estações efectivamente existentes, das potencialidades que existem, para resolver os problemas que temos. De contrário não se tem uma leitura correcta da realidade e, ou damos passos apressados - e as sociedades não se transformam por saltos -, ou então não damos passo nenhum. Temos de dar os passos adequados ao nosso próprio ritmo, que é determinado pelos meios financeiros, humanos, organizacionais e, obviamente, tendo em conta, sempre e sempre, as condições políticas e sociais.
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A sua falta de rigor nestas considerações teve, para. mim, uma leitura política.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix para, sob a figura do contraprotesto, responder, se o desejar fazer.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Começaria pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento que me perguntou se há ou não reforma fiscal.
Eu não ignoro que foi feita alguma coisa; que foi criada uma Comissão para a reforma fiscal - não produziu trabalhos externos, mas é natural que esteja a trabalhar. Simplesmente, o que quis contestar não foi isso, Sr. Secretário de Estado. O que quis contestar foi que não é tanto a falta de reforma no estúdio ou no laboratório, mas é mais o retrocesso fiscal que, efectivamente, se verifica, particularmente desde 1983 até 1985, com os impostos extraordinários, com a criação de adicionais e com distorções fiscais perfeitamente anacrónicas, do ponto de vista de eficácia económica. É nesse sentido que, efectivamente, considero haver um retrocesso fiscal e que se encerrou agora o tal ciclo da miopia fiscal.
No entanto, Sr. Secretário de Estado, avançar-lhe-ia com um argumento que, pelo menos para mim que estou de fora, me parece um argumento político de peso. Recordo-lhe a demissão do seu Subsecretário de Estado do Orçamento, que disse publicamente que uma das razões porque se ia embora era porque, efectivamente, a reforma fiscal não tinha avançado e dado passos significativos.
A melhor prova de que, efectivamente, não se tem feito reforma fiscal, por acções, foi dada pelo seu inferior hierárquico no Governo que, com isso, tomou a atitude de se demitir.
Não sei se é falso, Sr. Secretário de Estado, apenas sei que veio nos jornais parte da carta do Sr. ex-Subsecretário de Estado do Orçamento e não foi desmentida por ninguém. Terá de me perdoar, mas penso que é uma prova com alguma credibilidade e fiabilidade neste momento.
Quanto à questão da admissão dos funcionários, tive ocasião de dizer que não escondo - também em nome do rigor que, anteriormente, foram admitidos funcionários públicos - até, em alguns anos, foram mais. Agora o que eu nunca esperei, perante o rigor com que o Sr. Ministro das Finanças e todos os membros do Governo se apresentaram aqui, há um ano e tal, com as leis que fizeram - que o Sr. Deputado do PS quase quer pôr em causa, pois diz que é preciso admitir mais pessoas para a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, etc. -, que, entre 1 de Janeiro e 30 de Setembro, vamos quase nos 20 000 funcionários públicos novos.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - É uma vergonha!
O Orador: - Em nome de quê, Sr. Secretário de Estado? Em nome da eficiência? Em nome da produtividade? Em nome da disciplina do Estado? Será realista, será justo, que o Estado, no ano em que impõe aos Portugueses fortes austeridades, no ano em que deteriora o poder de compra dos Portugueses, no ano em que os Portugueses se vêem enfrentados com a vergonha dos salários em atraso, admita mais 20 000 funcionários públicos?
Aplausos do CDS.
É neste sentido, Sr. Secretário de Estado, que quero, efectivamente, dizer-lhe que não é minimamente rigoroso que venha dizer-se que, afinal de contas, ficou, ao nível da Administração Pública, quase tudo na mesma relativamente aos funcionários.
Aqui abro um parêntesis para responder ao Sr. Secretário de Estado, relativamente à questão que me pôs sobre a segurança social, quando eu estava no Governo - não porque pensa que tenha interesse para o debate, mas porque, enfim, me pôs a questão e acho que tenho o direito de responder, apesar de o Sr. Secretário de Estado o saber, pois nessa altura já era Secretário de Estado do mesmo Ministério.
Devo dizer-lhe que a transferência para funcionários públicos da Segurança Social foi apenas resultante da mudança de estatuto; a mudança de estatuto de funcionários da Previdência para funcionários públicos, em nome de uma reorganização dos serviços: Decreto-Lei n.º 549/77, da autoria do I Governo Constitucional do PS, que cumpri quando estive no Governo.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, quero recordar ao Sr. Secretário de Estado que devo ter sido dos poucos membros do governo que lhe propus - e o Sr. Secretário de Estado até ficou um pouco admirado porque não estava habituado - duas novas leis orgânicas, aprovadas ainda pelo anterior governo, em que, por exemplo, na Direcção-Geral da Segurança Social, se reduziu o quadro de pessoal de 650 para 380 pessoas. Vá aos Diários da República e encontrará lá isso.
Aplausos do CDS.
Quanto ao aumento das despesas correntes em 29,8 %, não quero desmentir o Sr. Secretário de Estado. Limito-me a ler a proposta que o Governo nos apresentou aqui. Diz o seguinte: «(...) Por sua vez, o défice corrente do Estado revela um aumento, relativamente à posição revista de 1984, de 76,1 milhões de contos. Deduzidos os encargos com juros - que foi o que eu disse -, verifica-se um crescimento nas despesas correntes de 29,8 %» - até o Sr. Secretário de Estado me ajudou porque fez as contas antes de mim.
O Sr. José Gama (CDS): - Isso é mais claro que a água!
O Orador: - Relativamente às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Domingues Azevedo, não sei se foi um lapso verbal ou mental da sua parte, mas o Sr. Deputado disse duas coisas: que efectivamente fiz um discurso da oposição e que, por isso mesmo, não fiz um discurso de deputado. Não sei se quer que a Câmara só faça discursos de situacionismo.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Foram exactamente as duas coisas que disse: que fiz um discurso da oposição e só da oposição e que, por isso mesmo, não fiz um discurso de deputado. Bem, enfim, deixo à sua consideração esta ilação que, penso, não estava nas suas intenções, mas que é reveladora de uma certa «união nacional democrática» em que, efectivamente, este bloco se quer traduzir.
Vozes do CDS: - Muito bem!
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O Orador: - Quanto à questão do IVA, dos 700 funcionários a mais, etc., «tudo bem». No entanto, em qualquer parte do mundo, quando se compra um computador ou quando se aluga um sistema informático altamente sofisticado, não é para aumentar 700 funcionários; é para, pelo menos, estancar o pessoal ao nível que está, ou mesmo reduzi-lo, e, portanto, tomá-lo mais produtivo em termos de eficiência e de alocação dos recursos humanos. Foi isso que, efectivamente, não foi feito.
Sr. Deputado, estou muito mais preocupado com o colapso do País do que com o colapso do Estado. E isto porque o Estado continua a entrar num regime de verdadeiro colapso e está a comprometer o País, a sociedade. E o que tem de acontecer para o futuro não é mais o Estado a impor sacrifícios à sociedade, a impor austeridade, mas o contrário: a sociedade a impor austeridade e disciplina ao Estado.
Quanto às questões que o Sr. Deputado Almerindo Marques me colocou - que, aliás, não foram nenhumas - fez apenas uma ilação e ficará com a sua ilação -, o que lhe posso dizer é que o «dever ser» e o «poder ser» nem é uma visão maximalista nem minimalista da política, Sr. Deputado. É uma visão conformista, provavelmente de um sector como o socialismo democrático que deixou de ter grande futuro como ideologia e que já até na acção está conformado, está resignado, pois o «dever ser» já não interessa, o «ser» já não interessa, é apenas o «poder ser»; é o possível e, normalmente, o possível confunde-se com a mediocridade.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado e o Sr. Deputado Domingues Azevedo pediram a palavra, mas se é para responderem ou pedirem qualquer resposta não há figura regimental que lhes conceda esse direito.
O Sr, Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, queria exercer o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Deputado Bagão Félix, eu já tinha intenção de lhe pedir desculpa, não por aquilo que disse mas pela possibilidade que houve de se poder entender o que eu disse de uma forma diferente daquela que eu pretendia.
Quando eu disse que V. Ex.ª deveria ter feito um discurso próprio de um deputado desta Câmara, não estava de forma alguma a pedir-lhe um discurso situacionista, queria antes dizer que V. Ex.ª, como membro do governo que já foi, tem responsabilidades acrescidas nesta matéria e tem-nas, efectivamente, por ter já uma experiência, também, da diferença e da dificuldade que existe entre o ideal e o ser. V. Ex.ª fez aqui um discurso do que deve ser, esquecendo em grande parte aquilo que é. Foi neste sentido que apliquei o termo de se exigir de V. Ex.ª, pelo menos, um discurso próprio de um deputado desta Câmara, pois não pode esquecer a experiência que referi.
De maneira nenhuma queremos discursos situacionistas. O Partido Socialista rejeita essa fórmula mas pede, pelo menos, que os discursos sejam consequentes e que tenham expressão no documento que estamos a discutir.
O discurso de V. Ex.ª, tem que o aceitar, não tem expressão final e não ajudou absolutamente em nada a alterar o documento que estamos a discutir, pois foi o discurso do ideal, não o do possível.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, a quem agradeço que seja breve visto estarmos a transgredir os tempos disponíveis para cada figura regimental.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, usando o direito de defesa, serei extremamente breve. É que, de facto, foi aqui invocado o pedido de demissão apresentado pelo Sr. Subsecretário de Estado do Orçamento que, efectivamente, o apresentou, mas por razões estritamente particulares e concordou em estar até ao período legal de preparação do Orçamento. Houve alguma especulação na imprensa mas no mesmo dia em que a rádio comunicou que havia divergências pelo facto de a reforma fiscal não avançar, o que é falso, repito, totalmente falso, o próprio Sr. Subsecretário escreveu uma carta aos meios de comunicação social em que, expressamente, refutava e rejeitava essa interpretação esclarecendo que, de facto, apresentara o seu pedido de exoneração apenas e exclusivamente por razões pessoais e familiares. Seria bom que fosse, efectivamente, respeitada a privacidade das pessoas e que não se especulasse com actos que nada têm a ver com a reforma fiscal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Relativamente às explicações que foram dadas pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento, continuo a dizer que, efectivamente, foi o que veio publicado nos meios de comunicação social; foi publicada parte da carta do Sr. Subsecretário de Estado e tiro daí as minhas conclusões.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Domingues Azevedo, quero apenas dizer-lhe claramente que tem invocado muito - aliás, quando há falta de argumentos invoca-se, normalmente, o passado e nunca o futuro nem o presente -, as minhas funções em governos anteriores. Só lhe quero dizer que não enjeito essas responsabilidades e que estou disposto a avaliar os prejuízos e os proveitos que essa acção governativa teve para com o País quando o Sr. Deputado quiser e na devida altura.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Reis Borges.
O Sr. Reis Borges (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As Grandes Opções do Plano para 1985, anunciam medidas de reestruturação para o chamado sector empresarial do Estado (SEE), nomeadamente no que concerne ao respectivo modelo de enquadramento institucional, medidas a implementar - ao que se supõe - no âmbito do Programa de Recuperação Financeira e Económica. Observe-se que esta problemática mereceu extensas considerações do Sr. Ministro das Finanças e do Plano aquando do seu discurso de apresentação do Orçamento Geral do Estado em apreciação nesta Câmara.
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Trata-se, com efeito, de questão de especial importância no contexto actual, até porque complexa, criando naturais divergências, quer quanto ao leque de soluções possíveis quer quanto à afectação de recursos necessários. Questão, portanto, polémica mas que não deve, por isso, ser convertida em «bode expiatório» de todos os males de que padece a nossa organização económica. Mas questão que será central neste e nos próximos orçamentos.
Em vez de se procurar uma redefinição da noção de serviço público e de se discutir qual o preço a fixar para a sua prestação, alastra uma estéril querela de mais ou menos Estado (nas suas atribuições e contribuições), quando Estado e mercado constituem lógicas condenadas e coexistir. Daí não revelarmos especial simpatia pela nova designação de sector público alargado porque, no nosso entendimento, traz subjacente uma certa ideia de que os mesmos critérios devem ser aplicados aos sectores administrativo e empresarial. Preferimos, por isso e tão-somente, chamar-lhe sector público.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mas, para ponderar a problemática do SEE, seria natural que fossem previamente analisadas as razões económicas, sociais e políticas do seu desenvolvimento e os campos da sua actividade.
Acontece, porém, que tal reflexão prévia carece de sentido já que as nacionalizações não obedeceram a qualquer lógica económica e social mas tão-somente relevaram de um propósito de natureza política.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É falso!
O Orador: - Por isso, empresas, as mais variadas (e praticamente em todos os domínios da actividade económica), reverteram directa ou indirectamente para a posse do Estado. Nem mesmo escaparam algumas de titularidade municipal. Outras estariam, já então, em situação de falência técnica o que, de certo, terá retirado grandes preocupações aos respectivos proprietários...
Não tendo, pois, a sustentá-lo, uma lógica estratégica e consequente, dificilmente o SEE poderia encarnar uma vontade ou um meio de organização mais harmoniosa da sociedade e de orientação da sua economia ao serviço da população e da solidariedade nacional. Sendo, porém, um facto adquirido, havia que conferir-lhe um primeiro enquadramento. Foi o que se fez em 1976, criando-se (Lei de Bases) um modelo institucional para a sua gestão. Mas a situação de então também não permitiu uma reflexão séria e as contradições iniciais foram-se sucessivamente avolumando.
A própria Lei de Bases enfermou de pecado original como já tive ocasião de referir nesta Câmara. Inspirada na legislação francesa escapou-lhe que esta (depois do relatório Nora-Mine), ao introduzir critérios produtivistas e concorrenciais, desvirtuara a anterior concepção (Rueff-Armand) em que eram valorizadas as missões de serviço público e considerada a gestão tripartida (Estado, trabalhadores, utentes), concepção, que vinha dos governos da Frente Popular e da Libertação.
Daí a não distinção entre as empresas públicas vinculadas à prestação de serviços sociais das unidades produtivas relacionadas com o mercado corrente de bens e serviços.
Seja como for, o certo é que o SEE foi usado a seu bel-prazer pelos sucessivos governos, quer para a distribuição de sinecuras e controle partidário quer para
a obtenção de empréstimos externos. Não é de estranhar, portanto, que a situação se tenha continuamente degradado sabido até que não há qualquer entidade ou organismo autónomo que julgue as contas do SEE numa lamentável desresponsabilização. E assim chegou-se à situação actual em que se trava uma polémica emocional e extremada: para alguns o SEE é a causa de todos os males nacionais e, como tal, deve ser desmantelado; para outros o SEE é uma «instituição sagrada» e, por isso, qualquer tentativa de racionalização ou de reestruturação é confundida com ataque ao sector nacionalizado.
Ora nem uma coisa nem outra, porque profundamente irrealistas, porque não fundamentadas no conjunto integrado de razões económicas, sociais e políticas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por isso daremos ao Governo todo o nosso apoio para uma urgente e profunda reestruturação do sector empresarial do Estado com reformulação do seu enquadramento institucional. Reestruturação que lhe delimite o âmbito e fixe a sua extensão. Reestruturação que equacione a política de preços (ou tarifas) como instrumento de política económica e social. Reestruturação que não seja em proveito de meros circuitos administrativos mas contemple o verdadeiro destinatário por forma a que a condição de cliente dê lugar ao utente e este ao de cidadão. Reestruturação que tenha em conta que o sector público obriga a um dever social pelo que serão de recusar quaisquer comportamentos corporativos (voltando à centralidade cultural do século XVIII) buscando privilégios para poucos em conflito com muitos que, não tendo voz, constituem os desprotegidos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mas, recorda-se que o sector público administrativo é a pedra de toque das transformações estruturais que se reclamam. Com efeito não há Plano nem Orçamento que passe no crivo das realidades se não tiver uma Administração Pública eficiente e competente que as faça cumprir atempadamente.
Ora a nossa Administração vive ainda os tempos do império concentrando-se sobretudo em Lisboa. Em boa verdade nem sequer é burocrática pois uma tal condição exigiria uma adequada organização. Dir-se-á antes (ou melhor) que cria dificuldades e permite algumas facilidades num ritual velho de justificações da sua própria existência. Por tudo isso não está preparada para servir o cidadão nem enfrentar o futuro.
Ciclicamente, porém, agita-se um fantasma - a reforma administrativa. Mas depressa tudo volta à quietude rotineira dos dias que vão passando. É contra este estado de coisas que se eterniza (fazendo da Administração o bode expiatório perpétuo de todas as ineficácias nacionais) que desejaríamos ver implementadas as reformas preconizadas pelo Governo. Têm todo o nosso apoio. Mas recordamos que a difusão do Poder do Estado na Nação - que é a tão cantada descentralização - constitui uma das vertentes obrigatórias por onde passa a adequação da nossa Administração aos viveis europeus. Só assim poderão ser contidas as despesas públicas. Há que agir depressa. Perdeu-se já muito tempo.
É tudo.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Bento Gonçalves.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado acompanhados da intervenção do Sr. Ministro das Finanças, concretizam mais um pedido de espera do Governo e o renovar de promessas de que será no próximo ano que teremos a tão esperada mudança.
Tenhamos mais uma vez confiança nas pessoas que estão investidas em funções governativas e que mereceram o voto maioritário dos portugueses.
No capítulo fiscal o Orçamento do Estado introduz uma mudança no sistema com a introdução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), que substituirá o imposto de transacções, adaptando-o às normas vigentes na Comunidade Económica, no capítulo da tributação indirecta.
A introdução do IVA representa uma melhoria significativa na cobrança do imposto sobre o consumo, corrigindo a iniquidade e a concorrência desleal que o imposto de transacções provoca.
O IVA é assim um imposto neutro que obriga a uma maior transparência nos circuitos comerciais, pois a sua mecânica implica a fiscalização recíproca entre os agentes económicos, permitindo paralelamente um maior rigor na determinação da matéria colectável para efeito da contribuição industrial cujas receitas, por este facto, irão por certo subir.
O Governo não deve ceder às pressões para isentar quer agentes económicos quer outros produtos, pois se o fizer provocará distorções difíceis de remediar. Atente-se que o próprio Estado nas transacções em que intervém não se isentou, o que é de aplaudir.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não poderemos, no entanto, deixar de reconhecer que a sua introdução poderá levar a um aumento da inflação e exigirá aos actuais grossistas e produtores, inscritos no imposto de transacções, um maior investimento em stocks, agravando as suas já débeis tesourarias.
Também vai exigir dos pequenos comerciantes enormes dificuldades na escrituração dos respectivos livros.
Levar estes pequenos agentes económicos a organizarem a sua rudimentar escrituração é uma tarefa dos serviços quase ciclópica.
Os decretos-leis do IVA, da concorrência e dos delitos económicos, constituem um conjunto que irá por certo permitir uma clarificação e transparência nas relações comerciais, entre os diversos agentes económicos que poderá criar condições para a liberalização da nossa economia, defendendo as empresas cumpridoras e penalizando os agentes da economia paralela.
Também será de referir a abolição que o IVA impõe de alguns impostos tais como: imposto de turismo, algumas disposições sobre a percentagem para o Fundo de Socorro Social, alguns artigos da Tabela Geral do Imposto de Selo donde avulta o chamado selo de recibo e o Imposto de Selo sobre as especialidades farmacêuticas.
Será ainda de destacar a dedução que os agentes económicos sem discriminação poderão fazer no IVA relativa à aquisição de determinados bens de equipamento.
Atente-se na vasta gama da relação de artigos, incluídos na taxa zero e à taxa reduzida que revela a preocupação do Governo em desagravar os artigos de maior consumo, normalmente mais utilizados pelas pessoas de menores recursos, assim como os destinados ou oriundos da agricultura.
Noutras áreas fiscais o Governo opta, e muito bem, por não continuar a penalizar fiscalmente os trabalhadores por conta de outrém, procurando o aumento de receitas, através do agravamento das taxas dos rendimentos de capital, nomeadamente os juros dos depósitos.
Quando ao agravamento da taxa do imposto de capitais sobre os rendimentos dos juros de depósitos dos residentes e a diminuição da isenção total de impostos sobre os juros dos depósitos de não residentes, poderá ter consequências sérias no volume de poupança e em todo o sistema bancário, sem contabilizar os custos de desconfiança política que tal medida acarreta. Impõe-se aqui também dizer que estamos em desacordo com a reintrodução e a aplicação do imposto de indústria agrícola, nomeadamente no ano em que foram já abolidas as bonificações de juro para a campanha, e portanto este imposto cria dificuldades na sua implementação não devendo ser posto em prática no ano de 1985 até porque produz uma receita extremamente limitada.
Todo o sistema fiscal está de facto carecido de uma reforma profunda de modo a que sejam eliminadas as gritantes injustiças de que enferma.
Aumentar as despesas correntes do Estado à custa do aumento de impostos é profundamente injusto e imoral, pois representa o sacrifício de tantos portugueses para alimentar a burocracia inoperante e que só serve muitas vezes para bloquear a própria actividade dos cidadãos.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Este regime fiscal e este Orçamento continuam, no entanto, a ser penalizadores das empresas privadas cumpridoras, tendo de reconhecer-se o esforço do Governo no sentido de as desagravar através das medidas propostas que incentivam o investimento na empresa, isentando-as do imposto de capitais e de mais-valia sobre os montantes retidos.
Mantêm-se ainda a dedução na matéria tributável das reservas auto-investidas ao abrigo do artigo 44.º do Código de Contribuições e Impostos.
Lembra-se ainda a abolição dos impostos, de saída e da tributação sobre outras despesas.
É justo reconhecer que sem um plano económico definido será impossível equacionar um bom sistema fiscal.
A dificuldade, infelizmente ainda não resolvida, reside na definição do modelo económico que pretendemos para Portugal, sendo nesta área que a coligação, no meu entender, mais tem fracassado. Torna-se necessário diminuir o gigantismo do Estado, liberalizando a economia para permitir a salutar concorrência entre os diversos agentes económicos.
Neste contexto reconhece a minha bancada ser difícil elaborar um orçamento muito diferente do actual, pouco mais podendo fazer do que, como os anteriores executivos, continuar a gerir a crise, com a grave particularidade de não ter pelo menos continuado a manter o défice corrente em termos reais.
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Como membro desta maioria, e acreditando nas suas potencialidades políticas, sinto no entanto um certo desespero ao ver o tempo passar sem que os problemas estruturais sejam resolvidos.
Uma palavra sobre o sector cooperativo, para dizer que me solidarizo com a declaração de voto dos membros deste sector, anexo ao parecer do Conselho Nacional do Plano sobre as Grandes Opções para 1985. Acrescento ainda a preocupação da minha bancada para a intenção do Governo de alterar o Código Cooperativo que imporá às cooperativas novas adaptações dos seus estatutos, cuja perturbação que pode trazer ao sector poderá ser dramática. Por outro lado. um Código Cooperativo que foi aprovado por esta Assembleia pela Lei n.º 1/83 e que a ele já se adaptaram mais de dois terços das cooperativas existentes, é uma má opção contida nas Grandes Opções do Plano do Governo, que só pode trazer desprestígio e complicação para o sector cooperativo.
Tal como os outros códigos conceda-se o tempo suficiente para se verificar da sua bondade ou dos seus malefícios.
Ainda nesta área não seria justo deixar de sublinhar o apoio que o Governo tem concedido ao Crédito Agrícola Mútuo, nomeadamente no âmbito do projecto integrado de Trás-os-Montes «componente agrícola», que permitiu às caixas de crédito e suas organizações de grau superior constituir gabinetes de apoio aos agricultores para a elaboração gratuita de projectos agrícolas de modo que estes possam beneficiar dos créditos bonificados que estão à sua disposição. Desde 1982 a 1984 foram elaborados gratuitamente cerca de 16 000 projectos agrícolas por aqueles gabinetes de assistência e outros já existentes.
Queria aqui referir a extraordinária evolução do Crédito Agrícola Mútuo através das suas 227 caixas agrícolas que financiaram mais de 50% da totalidade do crédito agrícola concedido em 1984.
A entrada em funcionamento da caixa central, que constitui o verdadeiro banco cooperativo, e a projectada constituição de uma seguradora nacional cooperativa permitirão uma diminuição dos riscos dos investimentos agrícolas, defendendo quer os agricultores quer as instituições financeiras.
Este Governo manteve e ampliou as medidas dos executivos anteriores nesta área o que nos apraz registar.
Uma palavra ainda pela acção desenvolvida pelo Ministério do Trabalho, na área da formação profissional através da criação de centros oficiais de formação, cursos de aprendizagem ao nível das empresas, centros de formação protocolares.
Também se aplaude a intenção da Secretaria de Estado do Emprego de privilegiar apoios para a manutenção e criação de emprego apenas às empresas com dificuldades reais, mas desde que demonstrem inequivocamente viabilidade económica.
Por último, regozija-se a minha bancada que este Orçamento do Estado aposte no poder local, reforçando as dotações a ele destinadas, reconhecendo assim o importante contributo que os autarcas têm dado à democracia e ao desenvolvimento das populações.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Deputado Bento Gonçalves, estou plenamente de acordo com a intervenção que fez. Não fora eu ter dúvidas quanto a alguma matéria, particularmente uma que está relacionada com o IVA, e não lhe formularia qualquer pergunta. No entanto, estou certo de que a pergunta que vou formular-lhe vai permitir que desenvolva um pouco mais o seu pensamento.
Passo a referir: V. Ex.ª trouxe à colação as virtualidades, que são reais, do imposto sobre o valor acrescentado e interligou a entrada em vigor desse imposto com a criação de alguns elementos inflacionistas na nossa sociedade.
Entretanto - e este é um aspecto que queria frisar -, em sede de imposto de transacções e no cumprimento das obrigações administrativas previstas, nomeadamente no seu artigo 75.º - se a memória não me estiver a falhar -, qual seja a escrituração nos livros modelos n.ºs 6, 7 e 8, qualquer média empresa terá que ter, para o cumprimento destas obrigações, no mínimo, dois funcionários administrativos. Como é óbvio, o custo destes funcionários é imputado ao custo das mercadorias.
Um outro aspecto que também gostaria de relacionar é o que, actualmente, se passa com a «verba 23», no correspondente à aquisição de bens de equipamento. Como sabe, a «verba 23» só permite a isenção de bens afectos ao processo produtivo, havendo todo um volumoso processo nesta matéria - resoluções administrativas, resoluções dos tribunais, sendo muitas delas antagónicas, dado que não há uma definição correcta e precisa do que é ou não afecto ao processo produtivo.
Gostaria de saber se o Sr. Deputado entende ou não que a desoneração pela aquisição desses bens de equipamento do imposto - dado que é facultado aos seus adquirentes a sua dedução a jusante -, a supressão dos custos administrativos inerentes ao cumprimento das exigências actualmente impostas pelo imposto de transacções, pode ser um elemento importante para minorar os efeitos inflacionários que o IVA possa ter.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim entender, tem a palavra o Sr. Deputado Bento Gonçalves.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Sr. Deputado Domingues Azevedo, quando eu disse que o IVA poderá ter incidência na inflação, não queria referir-me ao pormenor que acabou de citar. O que eu disse - e o próprio Sr. Secretário de Estado do Orçamento também já o tinha referido nesta Câmara - foi que da aplicação do IVA poderá resultar algum acréscimo de inflação, embora em percentagens muito diminutas.
Quanto à questão do preenchimento dos livros, por certo, o Sr. Deputado terá em conta que o número de agentes económicos abrangidos pelo IVA é, sem dúvida nenhuma, consideravelmente maior do que o número de agentes económicos que já operavam no imposto de transacções.
Assim, os pequenos comerciantes - e era a esses que me referia -, uns do grupo C e outros do grupo B, com escritas rudimentares, vão ter, forçosamente, que preencher esses livros e, uma vez que não têm facturas, através desses livros, vão ter que fazer aquilo a que chama «ventilação do imposto». Portanto, essas pessoas vão ter um custo adicional.
Considero que uma das tarefas importantes à qual temos, todos nós, de «meter ombros» é a de que esses
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agentes económicos também terão que ser encaminhados para um registo mais aperfeiçoado das suas actividades, de modo a que possam ser justamente tributados, por exemplo, em contribuição industrial e noutros impostos que apenas sejam tributados sobre o que realmente ganham e não sobre um rendimento presumido.
Quanto à dedução do IVA sobre os bens de equipamento, estou perfeitamente de acordo com o mecanismo que o IVA introduz. Os agentes económicos poderão deduzir no IVA que têm de pagar aquilo que pagaram sobre os bens de equipamento afectos à sua actividade, seja industrial ou seja de outra natureza.
Considero que este facto representa um benefício, que o IVA introduz, extremamente importante, e de uma certa justiça. Assim, acabamos com essa dificuldade de saber o que é e o que não é afecto aos sectores produtivos. Penso que o IVA, nesta questão, introduz um mecanismo simples, objectivo que, por certo, irá beneficiar muitos agentes.
Há também, por exemplo, o caso das deduções em 50% do valor do gasóleo que as pessoas poderão efectuar no IVA a liquidar.
Tenho a impressão de que, quando as pessoas lerem muito bem o Código do IVA e compreenderem o seu mecanismo, muitas delas que hoje fazem críticas profundas ao imposto acabarão por verificar que ele clarifica algumas situações que, neste momento, são penalizadoras, pelo menos em relação àquelas entidades que estão sempre a fugir ao imposto de transacções.
Apenas queria advertir o Sr. Secretário de Estado do Orçamento para o seguinte: no meu entender, em termos de receitas, o buraco deste Orçamento pode ser grande se o Governo não conseguir pôr o IVA a funcionar no princípio do segundo semestre deste ano. Se falhar este objectivo, então a situação, em termos de arrecadação do imposto de transacções e o IVA conjugados, poderá ser dramática pela diminuição das receitas em virtude da fuga fiscal que, nesta área, poderá verificar-se no pagamento do actual imposto de transacções.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados às 13 horas, interrompemos os trabalhos, que se reiniciarão às 15 horas.
Eram 13 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, tive a oportunidade de solicitar ao Sr. Ministro de Estado que pedisse aos responsáveis do Ministério da Defesa Nacional para estarem presentes durante a minha intervenção.
No entanto, verifico que só se encontra presente o Sr. Ministro da Saúde que, felizmente, não tem directamente a ver com a matéria que vou tratar.
Desta forma, solicitaria a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que providenciasse no sentido de apurar se as pessoas que mais interessaria que estivessem presentes podem comparecer. Não me refiro ao Sr. Ministro da Defesa, visto que está numa reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, mas ao Sr. Secretário de Estado da Defesa e ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Presidente: - Vou procurar indagar, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, das duas uma: ou interrompemos por momentos ou prosseguimos. O que não posso é estar de acordo com as palavras do Sr. Deputado César Oliveira quando disse que a saúde não tem nada a ver com as forças armadas, porque homens doentes não podem ser bons militares, como é evidente!
Risos.
O Sr. Presidente: - O comentário tem toda a pertinência, quanto mais não seja para aliviar um pouco a tensão em que nos encontramos por causa desta demora, que não estava no programa.
Sr. Deputado César Oliveira, o Sr. Secretário da Mesa foi procurar saber as razões pelas quais não foi satisfeito o pedido que V. Ex.ª fizera e de que dera conta à Câmara.
Srs. Deputados, enquanto não chegam os Membros do Governo em causa, queria levar ao conhecimento da Câmara que se encontram nas galerias alunos da Escola Secundária de Almada e do Externato Luís de Camões.
Faço votos para que estes alunos levem daqui boas recordações.
Aplausos.
O Sr. Presidente: - Informo o Sr. Deputado César Oliveira que o Sr. Secretário de Estado foi informado para estar presente e que se encontra a caminho da Assembleia.
Vamos aguardar, Srs. Deputados.
Pausa.
Srs. Deputados, uma vez que estão reunidas as condições para que proceda à intervenção, dou a palavra ao Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que devo uma desculpa em relação à minha relutância em falar sem a presença do Sr. Ministro de Estado e do Sr. Secretário de Estado do Orçamento (E será por respeito a VV. Ex.ªs que abrevio o tempo de espera). É que, indo eu proferir afirmações graves em domínio importante da política orçamental e das forças armadas, não pareceria bem fazê-lo sem a presença do responsável máximo pela proposta de Orçamento do Estado para 1985, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
Esta a razão pela qual peço ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados as minhas desculpas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao longo das horas de debate que já aqui leva-
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mos em torno da proposta de Orçamento do Estado para 1985 muitas têm sido as vozes que, com maior ou menor veemência, maior ou menor radicalismo, se têm pronunciado sobre o Orçamento do Estado, sobre as situações preocupantes que envolvem as contas públicas, sobre os perigos que impendem no que respeita à execução deste Orçamento.
Disse-se já, durante este debate, que este Orçamento do Estado era um Orçamento de resignação, um documento de mera gestão do status quo, a prova provada que tudo vai continuar na mesma; falou-se, às vezes com evidente ênfase, que muitos dos aspectos deste Orçamento só poderiam ser compreendidos à luz das eleições que se aproximam. Contudo, as mesmas vozes que tão empenhadamente se mostraram na crítica ao Orçamento do Estado nada dizem, nada contestam e nada reprovam no Orçamento do Estado no que toca às forças armadas, seja porque outros têm a consciência de que mais uma vez irão recorrer a uma candidatura militar para a Presidência da República, a verdade é que o silêncio tem sido a regra nestas matérias.
O Orçamento do Estado no que respeita às forças armadas é, sem sombra de dúvidas, a mera gestão do status QUO. Aprovada que foi a Lei de Defesa Nacional e a Lei Quadro da Programação Militar, discutindo neste hemiciclo as Grandes Opções do Conceito de Defesa Nacional, no quadro das limitações que as circunstâncias presentes impõem, não se vê qualquer impedimento para iniciar transformações na articulação e na hierarquização de prioridades entre os distintos ramos das forças armadas e nos seus diversos sectores. O orçamento das forças armadas para 1985 poderia constituir um começo de viragem que traduzisse de facto a plena subordinação do poder militar ao poder civil legitimamente constituído e, ao invés, tudo continua na mesma sem que se possa notar a menor das inflexões nas rotineiras e tradicionais concepções que têm dominado a elaboração do Orçamento do Estado para as forças armadas nos últimos anos.
Darei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, alguns exemplos.
Na discussão aqui realizada sobre as Grandes Opções do Conceito de Defesa Nacional foi evidenciado um acordo relativo - e sublinho relativo - quanto à necessidade de materializar opções de defesa nacional que, partindo da posição geo-estratégica de Portugal e da existência de zonas económicas exclusivas, que urge proteger e onde importa criar condições de eficaz exploração económica, articulassem meios navais e aéreos adequados às missões decorrentes dessas mesmas opções. Por outro lado, há já bastante tempo que nesta Câmara se vem insistindo na necessidade de protecção e fiscalização das nossas águas territoriais e do espaço compreendido na ZEE, assim como no reforço do apoio e assistência à frota pesqueira nacional e aos pescadores portugueses, boa parte dos quais trabalha em mares difíceis. Na conformidade do que vimos dizendo impunha-se que este Orçamento do Estado para as forças armadas pudesse já reflectir o acolhimento destas opções, mediante a hierarquização das prioridades de investimento que privilegiassem a marinha de guerra e perspectivassem o equipamento e as missões da Força Aérea em conexão com as opções aeronavais que deverão presidir às grandes concepções orientadoras da nossa política de defesa nacional. O orçamento das forças armadas para 1985 não reflecte nada disto. O Exército continua a ser o grande privilegiado enquanto que no que respeita à Força Aérea persistem concepções e prioridades que pouco ou nada têm a ver com uma orientação que defenda os interesses nacionais definidos pelo espaço compreendido pelo continente e pelos arquipélagos atlânticos.
Manteve-se o programa de aquisição de 50 aviões A-7 para a Força Aérea, que permitiu que a empresa americana que os construiu saísse de uma situação à beira da falência. Dos 20 aviões que já foram entregues, há bastante tempo, à Força Aérea, têm estado operacionais, nos últimos meses, 4 a 5 unidades, e os encargos previstos de 1984 a 1987 para aquisição de sobressalentes e equipamentos de apoio a estes aviões somam um total previsto de 10 milhões de contos. E não se diga que este tipo de aviões, já retirados de serviço (mais adiante referir-me-ei de novo aos A-7), equipados com motores reparados (ao contrário da Grécia, que exigiu motores novos), cumprem com um mínimo de exigência as missões resultantes dos interesses económicos e militares inerentes ao vasto espaço marítimo que se abre a Portugal. Os aviões A-7 ou não voam entre o continente e os arquipélagos atlânticos, o que constitui a situação mais normal, ou quando o fazem, como aconteceu há bem poucos dias, é necessário que unidades da marinha de guerra se desloquem para o Atlântico para proporcionar a ajuda rádio indispensável ao voo dos aviões A-7. E sabe-se que o custo médio por dia de um navio, em apoio no mar ao A-7, custa não menos de 500 contos!
Porque é que se manteve o programa de aquisição deste aviões?
Porque é que além das 20 unidades, de que até agora o máximo de operacionalidade conseguido nunca excedeu as 9 ou 10 unidades, se mantém o propósito de equipar a Força Aérea com mais 30 unidades, um terço das quais já foi entregue a Portugal?
Está claro para o Governo, para os Srs. Deputados, para a opinião pública a necessidade de equipar a Força Aérea Portuguesa de aviões de combate ar-ar e ar--superfície em detrimento, dados os escassos recursos económicos disponíveis, do reequipamento com unidades aéreas com características adequadas ao patrulhamento, protecção, fiscalização do espaço aeromarítimo que constitui o teatro de operações fundamental da Força Aérea Portuguesa? Onde está a coragem dos Srs. Deputados do CDS e do PSD, sempre tão corajosos quando se trata de vituperar o sector público da economia? Não se vislumbra, sequer, agora, neste caso concreto, um assomo dessa coragem neste escândalo autêntico, constituído já pelo propósito de equipar a Força Aérea com duas esquadras de aviões que gastam milhões de contos, com coeficientes baixíssimos de operacionalidade e que não cumprem, porque estão para isso incapacitados, as missões inerentes à defesa e protecção de interesses nacionais vitais?
Sobre esta matéria diria mais alguma coisa.
Na revista Aviation Week and Space Tecnology...
Risos.
O Sr. Deputado Manuel Moreira ri-se de quê? É como a hiena?
Risos.
Nessa revista afirma-se: «Para preparar 20 aviões A-7 para Portugal, o pessoal da empresa escolheu 20 aviões
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A-7 de entre os armazenados em David Mountain. Pensava-se que seriam necessários 8 aviões a mais para se poder dispor de peças para substituir todas as que estivessem danificadas ou com sinais de corrosão nos 20 aviões. Verificou-se que as secções centrais das asas apresentavam danos significantes, devido a corrosão provocada pela humidade formada em zonas não acessíveis. Algumas asas tiveram de ser tratadas e trocadas com as dos aviões de reserva devido à corrosão excessiva.» Isto é, comprou-se mera sucata!
Há mais: até à data, já se gastou l milhão de contos em literatura referente aos aviões A-7, e este ano estão previstos no Orçamento do Estado, na verba 20.03.05, 150000 contos destinados a literatura referentes aos aviões A-7.
Mas há mais: está prevista no Orçamento do Estado uma verba de 500 000 contos para equipar os aviões A-7, que não voam, que são sucata, com míssil ar-terra Side Winder, com um custo aproximado de 10 000 contos cada, o que totaliza uma verba destinada aos A-7 para este ano de 2 milhões de contos.
Mas ainda há mais: foram abertas contas a prazo e à ordem nos Estados Unidos da América do Norte que vencem juros, que não constam do Orçamento do Estado e que foram já objecto de uma directiva emanada de um oficial-general da Força Aérea no sentido de clarificar a situação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me ocuparei dos quase 2 milhões de contos com que é dotado o corpo de tropas pára-quedistas para 1985, porque espero, sinceramente, o que o Sr. Ministro da Defesa Nacional possa, detalhada e pormenorizadamente, explicar na discussão na especialidade as razões que justificam esta enorme dotação. Não me ocuparei também do aumento bem significativo das dotações orçamentais atribuídas ao Estado-Maior-General das Forças Armadas, que os Srs. Deputados podem analisar no quadro A-1, facto que tem uma leitura política bem evidente e que pensamos também tratar com o Sr. Ministro durante a discussão na especialidade.
Referir-me-ei apenas a alguns aspectos orçamentais respeitantes à marinha de guerra. Sabe-se, por força de estudos rigorosos e ponderados que, a manterem-se os critérios de hierarquização de prioridades que se exprimem neste Orçamento do Estado para as forças armadas, a marinha de guerra portuguesa ficará reduzida, entre 1990 e 1995, ao zero quase absoluto. Quiçá por não se vislumbrar nenhum potencial candidato a Presidente da República oriundo da marinha de guerra, o Orçamento do Estado para 1985 não tem em conta, minimamente que seja, a rápida degradação da maioria das unidades navais portuguesas, o sentido fundamental que deverá presidir às grandes opções da política de defesa nacional, os interesses nacionais que se inscrevem no espaço marítimo onde se projecta Portugal, espaço que deverá ser progressivamente afirmado como pólo essencial da nossa importância geo-estratégica e da nossa presença no concerto internacional.
Pois bem, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, as verbas previstas para manutenção das esquadras de aviões A-7 para o período de 1984-1987, eram suficientes para a construção de 5 patrulhas oceânicos com helicóptero embarcado, para a modernização dos patrulhas costeiros recuperáveis e que estão ainda no activo e para a construção de 5 novos patrulhas costeiros. E direi mais, Srs. Deputados: enquanto que o programa de manutenção das esquadras de A-7 tem uma fraquíssima incorporação nacional, a construção daquelas 10 unidades navais e a modernização e recuperação de algumas que estão no activo, far-se-ia com 93% a 95% de incorporação nacional, com incidência num sector particularmente em crise como é o da construção e reparação navais.
Eis aqui, Srs. Deputados, um exemplo gritante do que é a plena subordinação do poder político ao poder militar, ou melhor, a certos interesses e lobbies militares, com a complacência, a conivência e o silêncio dos Srs. Deputados, particularmente daqueles que se têm mostrado tão pletóricos de energia no ataque ao sector público e tão interessados se têm afirmado no relançamento da economia nacional. E o mais grave, politicamente, é que tudo isto se passa num ministério cujo máximo responsável se não cansa de clamar por «reformas estruturais e advogar a assunção da manifestação da coragem política como componente indispensável da construção do futuro. Ou seja, exigem-se reformas nos sectores em que não se é responsável, quando nos próprios sectores em que se é responsável não reforma rigorosamente nenhuma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos eximiremos, na discussão na especialidade, de avançar propostas concretas que não apenas materializem as concepções de fundo para as quais, ao menos em palavras, houve relativo acordo quando da discussão em Plenário das grandes opções da política de defesa nacional como também exprimem a necessidade de pôr cobro a gastos inúteis e a programas sem sentido, como acontece em tudo o que se relaciona com os aviões A-7. Não se destinarão tais propostas a averiguar somente o grau de controle que os diferentes grupos parlamentares estão dispostos a implementar sobre a esfera militar. Tais propostas testarão também a autenticidade daqueles que, em palavras e neste hemiciclo, não se cansam de repetir a necessidade de protecção, defesa e fiscalização das nossas águas territoriais e do espaço atlântico, onde se inscreve também a nossa ZEE.
Pela nossa parte há já longos meses que vimos insistindo e batalhando, dentro e fora deste hemiciclo, pelas ideias que consideramos justas e pelas medidas concretas que, quanto a nós, melhor defendem os interesses nacionais. Não desistiremos desse combate. Não estão em causa apenas os interesses deste ou daquele ramo das nossas forças armadas. Estão também em causa os problemas de milhares e milhares de portugueses que dia-a-dia labutam no mar e a perspectiva do pleno aproveitamento do imenso potencial de riqueza que se enquadra nas nossas águas territoriais e nas zonas económicas exclusivas adjacentes ao continente e aos arquipélagos atlânticos.
Aplausos da UEDS e do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.
O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Deputado César Oliveira, na intervenção que produziu V. Ex.ª referiu que, com estas aeronaves, o total previsto para a aquisição de sobresselentes é de 10 milhões de contos. Em seguida perguntou se este valor incluía ou não a mão-de-obra e se haveria ou não mão-de-obra especializada para realizar este tipo de manutenção superior a 100 horas de utilização destas aeronaves.
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Ora, como o Sr. Deputado sabe, as aeronaves exigem ciclos de revisão: revisão hora-revisão tempo, segundo o tempo de utilização das próprias aeronaves. Dispõe V. Ex.ª de elementos que me possam indicar em que valor, horas-tempo-utilização, se efectuam as operações de top over ali, isto é, as reparações gerais especializadas nestas aeronaves? Este valor é extremamente importante porque, por exemplo, na utilização dos helicópteros, o tempo que medeia entre a hora--tempo-utilização top over ali é que acresce em valores extraordinários a própria utilização do helicóptero. Isto é, o helicóptero tem um valor extremamente elevado de hora porque esse valor não é compensado com a razão hora-top over all.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César Oliveira, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. César Oliveira (UEDS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado César Oliveira, como cheguei um pouco atrasado não pude ouvir toda a intervenção de V. Ex.ª No entanto, não quero deixar de salientar quão importante considero que neste debate sobre o Orçamento haja intervenções acerca do orçamento das forças armadas, quer pela importância de que estas se revestem na vida nacional, quer também pela importância que o orçamento do Ministério da Defesa Nacional tem no contexto do Orçamento do Estado.
Portanto, gostaria de manifestar a minha surpresa pelo facto de verificar que hoje conseguimos ultrapassar aquilo em que ontem estávamos a cair, ou seja, em se discutir apenas o orçamento da administração autárquica, esquecendo o da administração directa e indirecta do Estado. Ora, como o Sr. Deputado contribuiu para esse facto, gostaria, desde já, de lhe prestar as minhas felicitações.
É, pois, importante que nesta Câmara se comecem a travar debates sobre a política de defesa, sobre os meios e os recursos que são postos à disposição dos responsáveis pela política de defesa e também sobre as relações que necessariamente tem que haver entre uma política de defesa e uma política industrial.
O Regimento tem uma falha que não foi emendada na recente revisão que se fez, que é a de não permitir debates sobre problemas específicos, como sejam a política de defesa e a de negócios estrangeiros.
É evidente que a discussão do Orçamento do Estado é um dos momentos para se realizar esse debate, e é também evidente que podem ser utilizadas outras figuras regimentais para tal efeito. Assim - sem que o Sr. Deputado me acuse de pretender interferir no uso que outras forças políticas fazem da utilização dos seus direitos -, permito-me dizer quão importante seria, por exemplo, que o Sr. Deputado pudesse liderar nesta Câmara uma interpelação ao Governo sobre política de defesa e sobre os meios da política de defesa.
Porém, o que neste momento gostaria de saber era se V. Ex.ª considera ou não que em matéria de defesa nacional este Orçamento e a afectação de recursos que nele se faz é adequado às missões que cumprem às forças armadas portuguesas. O Sr. Deputado considera que houve uma distribuição equitativa dos recursos disponíveis entre os vários ramos das forças armadas face às missões que a cada um incumbe prosseguir ou que se verificaram distorções graves quanto à distribuição dos recursos pelos vários ramos das forças armadas?
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado César Oliveira, quero protestar por duas razões simples e elementares. A primeira delas é relativa à relação de convivência que os deputados devem ter e manifestar, entre si, na Assembleia da República.
A maneira como o Sr. Deputado César Oliveira se referiu a uma atitude de um companheiro meu é indigna de ser qualificada, ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... é, sobretudo, anormal e apenas retrata uma leviandade excessiva que não se coaduna com o estatuto normal ético e responsabilizante de um deputado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de dizer que o conteúdo da intervenção que o Sr. Deputado leu - e note-se que não disse que o Sr. Deputado fez a intervenção, mas sim que a leu, o que é substancialmente diferente -, independentemente dos disparates técnicos que tem e que são enormes, traduz, acima de tudo, uma atitude contra a qual é, eticamente, necessário protestar.
V. Ex.ª é membro da Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República, é solicitado para inúmeras reuniões com entidades militares onde se tratam alguns desses aspectos e, para surpresa nossa, nos sítios e nas sedes onde o Sr. Deputado pode fazer essas perguntas, V. Ex.ª não tem estado presente! V. Ex.ª omite com a não presença a necessidade de representação política de que está imbuído. É certo que está imbuído de uma representação política como membro da UEDS, por arrastamento do Grupo Parlamentar do PS, já que V. Ex.ª é, no fundo, deputado não eleito directamente em termos de UEDS junto do povo português, mas numa frente onde beneficia da cobertura e do símbolo político do Partido Socialista.
Porém, independentemente desse facto formal, é curioso verificar a discrepância entre as suas posições ou o seu silêncio nas reuniões da Comissão de Defesa Nacional - e a última foi na presença do ministro da Defesa Nacional há 8 dias -, com a sua contundência de hoje.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Está a mentir!
O Orador: - Quando V. Ex.ª se referiu à Armada, querendo com isso traduzir o facto de não haver nenhum eventual candidato da Armada à Presidência da República, o seu objectivo política era, por tabela
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política, chegar a outra questão? Se o era, devo dizer que esse processo não é sério, como séria, não é a referência à aquisição dos A-7.
É que, talvez, pelo facto de V. Ex.ª apenas ter lido a intervenção, não percebeu que isto se processou há muitos anos e que nada tem que ver nem com este nem com outros governos anteriores. Esta questão vem e há muito tempo atrás, da altura em que a opção era feita para outro tipo de aviões que eram extremamente mais dispendiosos em manutenção e em aquisição. Mas, enfim, cada um dá o que tem, cada um fala do que sabe e V. Ex.ª não tem mais para dar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado, engenheiro químico Ângelo Correia, em matéria de leviandade devo dizer que de quem inventou uma inssurreição militar, de quem mentiu nesta Câmara - tal como o provei há 3 anos numa interpelação que fiz - não recebo nenhuma lição no que concerne a qualquer aspecto referente a leviandade.
Já provei nesta Câmara que V. Ex.ª mentia. Porém, hoje, mais uma vez, V. Ex.ª tornou a mentir neste Plenário - e há deputados de todas as bancadas que podem testemunhar tal facto - ao dizer que na última reunião da Comissão de Defesa Nacional, onde estiveram presentes o Sr. Prof. Mota Pinto e o Sr. Secretário de Estado, não teci nenhuma crítica a este Orçamento do Estado. Tal afirmação é falsa, pois não houve silêncio da minha parte e até fiz uma intervenção que demorou bastante tempo. Portanto, se V. Ex.ª não estava presente é porque não quis ouvir e, mais uma vez, está a mentir.
Em relação ao que leio ou deixo de ler, Sr. Deputado, não vamos por aí, não vamos pela senda e pelo caminho de quem representa os interesses de quem! Por amor de Deus, Sr. Deputado, não enveredemos por esse caminho! Peco-lhe que não o façamos!
Para terminar, devo dizer que, curiosamente, foi o Governo presidido pelo Sr. Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto que, em 1978, iniciou o programa dos A-7.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra ao abrigo do direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado César Oliveira, agradeço o contraprotesto que V. Ex.ª formulou. Todavia, talvez V. Ex.ª não tenha compreendido bem ou ouvido com atenção o que referi. Não disse que V. Ex.ª não tinha formulado nenhuma pergunta na última sessão da Comissão de Defesa Nacional, mas sim que em algumas sedes, como, por exemplo, aquando da visita ao Estado-Maior da Força Aérea, ao Comando Operacional do Continente, onde V. Ex.ª poderia e deveria ter colocado estas questões, V. Ex.ª não se encontrava presente. Aliás, na última reunião da Comissão de Defesa, a pergunta que V. Ex.ª fez foi uma e eu não disse que V. Ex.ª não criticou o orçamento de defesa nacional.
Não referi isso, até porque toda a comissão o criticou num parecer assinado pelo relator Sr. Deputado Acácio Barreiros e por mim próprio.
Portanto, o problema não foi o da crítica ao Orçamento; o problema foi o conjunto das questões que V. Ex.ª hoje aqui colocou e que todos os colegas da Comissão podem perguntar se V. Ex.ª, porventura, sequer ao de leve, as tocou na frente do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César Oliveira pretende responder?
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo apenas dar uma explicação. Se o Sr. Deputado Ângelo Correia, que tão levianamente e intempestivamente fala neste hemiciclo, se der ao trabalho de analisar no Diário das Sessões os pedidos de suspensão de mandato verificará certos aspectos que enunciarei.
Em primeiro lugar, verificará que eu tinha o mandato suspenso por razões profissionais quando se efectuaram as visitas de que falou, pois como V. Ex.ª sabe estou a fazer tese de doutoramento.
Portanto, estando com o mandato suspenso não posso ir a um sítio onde só vão pessoas mandatadas como deputados.
Em segundo lugar, ao fim e ao cabo, V. Ex.ª doeu-se da minha intervenção. É legítimo. Compreendo que se tenha doído e que a minha intervenção tenha acertado nalguma mouche. Sr. Deputado, quem anda à chuva molha-se. Cá estamos todos para isso.
Não vejo que V. Ex.ª tenha qualquer legitimidade para me assacar responsabilidades - que não as tenho - de não ter feito críticas - que fiz - na Comissão de Defesa e de ter feito esta intervenção.
Porque é que eu não posso fazer, aqui, esta intervenção? Porquê?
É V. Ex.ª alguma autoridade suprema que me possa indicar a mim o que é que devo dizer num lado ou noutro?
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado César Oliveira, permite-me que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado, alguma vez eu inquiri V. Ex.ª sobre o facto de fazer aqui uma intervenção?
O Orador: - Então não vejo qual a razão da crítica!
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Apenas manifestei surpresa face à assincronia de posições de V. Ex.ª, neste e noutros locais.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Não há assincronia nenhuma. Sou livre de fazer as intervenções que considero justo fazer e V. Ex.ª não tem nada, rigorosamente nada, a ver com isso.
V. Ex.ª faz as leituras políticas que quiser e eu faço as minhas.
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Esta é uma Câmara política e, por isso, é legítimo fazer-mos as leituras políticas que entendermos.
Em relação ao Sr. Deputado Manuel Moreira, peço obviamente desculpa.
O Sr. Presidente: - Para formular pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Deputado César Oliveira, na verdade congratulo-me que esta questão respeitante ao orçamento para a defesa nacional seja aqui discutida.
Mas lamento que, em vez de uma análise serena e cuidada dessa rubrica orçamental e das reais dificuldades do conjunto dos três ramos das forças armadas, tenha sido feita uma análise que, na minha opinião, não abordou o conjunto dos problemas que deveriam ter sido abordados.
Assim, gostava de fazer algumas perguntas ao Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. Deputado defende - e esta é a primeira questão - o aumento, que neste Orçamento deveria estar inscrito, de despesas para as forças armadas?
Quando V. Ex.ª diz que cabe ao Exército a maior parte das despesas para as forças armadas, tem em conta a situação do Exército, a situação das nossas forças armadas e o esforço de guerra em que esteve empenhado?
Pretende V. Ex.ª que deveria ser reduzida a actual verba para o Exército?
Desejava ainda pôr-lhe outra questão e que respeita aos célebres aviões A-7. Antes de mais, queria também testemunhar que nunca a Comissão de Defesa encontrou da parte do Ministério da Defesa e dos diferentes ramos das forças armadas quaisquer dificuldades em debater os problemas que os deputados entendam ser oportuno.
Mas, desejava agora referir-me aos aviões A-7.
O Sr. Deputado sabe que se tratou de uma opção feita pelas forças armadas com base num determinado orçamento. Diga-nos, então, como deputado responsável da Comissão de Defesa - não estou certo se na altura desta decisão já pertencia à Comissão de Defesa -, quais são as medidas alternativas, em termos de Força Aérea, que V. Ex.ª entende que deviam ser tomadas?
Isto porque quando fala de subordinação do poder militar ao poder político - com o qual estou absolutamente de acordo -, é importante que as pessoas que têm particulares responsabilidades em termos de defesa nacional apresentem alternativas e soluções concretas para as forças armadas. Não se compravam aviões A-7. Trata-se, na verdade, de uma má solução. É talvez a pior solução, diz o Sr. Deputado.
Mas entende ou não que em 1980 a situação na Força Aérea era de tal ordem, que se não se comprassem aviões de combate a Força Aérea ficaria corripletamente paralisada. Ou melhor, ficaria praticamente transformada numa companhia de transportes aéreos.
É ou não verdade que se optou por esses aviões devido à verba orçamental de que se dispunha? Mas que outros aviões pretende V, Ex.ª que se comprem? Os F-15? Aviões Mirage? E quanto é que isso custa em termos orçamentais? Ou V. Ex.ª propõe simplesmente que a Força Aérea não adquira quaisquer aviões de combate?
Suponho - e não é esta a sede mais própria, pois teremos tempo de discutir isto - que por detrás deste debate estão conceitos de estratégia militar bastante diferentes, que V. Ex.ª tenha uma visão da defesa do continente que ignora por completo a importância da defesa territorial e que tenha uma visão de defesa naval que ignora completamente a importância, em termos de guerra moderna - nem vou tão longe, mas posterior à 2.ª Guerra Mundial -, da componente aérea em qualquer defesa naval eficaz.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado César Oliveira: Gostaria também de lhe fazer alguns pedidos de esclarecimento mas, como é evidente, começarei por explicar que não lhe pedirei nenhuma alternativa.
Não penso que o problema do Orçamento deva ser discutido em termos de obrigar cada deputado a explicar as suas alternativas. Nem penso que o problema da crítica concreta a uma despesa deva ser formulado em termos de uma alternativa a essa mesma despesa.
Portanto, não lhe vou pedir nem nenhum modelo de avião de combate, de canhão antiaéreo, ou de míssel anti-submarino.
Risos.
Sr. Deputado, aquilo que me pareceu deduzir da sua intervenção é que fazia um contraponto entre aquilo que é o excesso de despesa por parte da Força Aérea e aquilo que é uma sensível diminuição de recursos por parte da marinha de guerra.
E eu direi que há uma terceira componente. E direi que como não está descoberto o processo de os aviões voarem eternamente sem reabastecimento nem dos navios de combate andarem também eternamente sem terem portos de apoio, a uma defesa do território interessa, também, uma componente que são as próprias forças terrestes que defendem o território e, dentro deste, os portos e aeroportos que permitem a uma marinha de guerra e a uma força aérea sobreviverem.
Mas posto este condicionalismo desejo colocar-lhe várias questões concretas.
Em primeiro lugar, no entendimento do Sr. Deputado a compra dos aviões A-7 significa que as negociações internacionais que Portugal estabelece, e que têm em vista a obtenção de contrapartidas em termos militares, deverão passar por esta Assembleia?
Em segundo lugar, deverão ou não ser contempladas em todos os seus aspectos, de modo a permitirem a discussão, a fiscalização e o controle parlamentar pelo Orçamento do Estado? E se entende o Sr. Deputado como conveniente ou vantajoso que aspectos que são cedência, mesmo a título gratuito, de equipamento militar devam ser ocultados do Orçamento do Estado?
Outra questão que lhe colocava era se o Sr. Deputado tinha feito as contas em relação àquilo que representa, percentualmente, no Orçamento do Estado para 1985, a compra de literatura técnica relacionada com os aviões A-7 e, por exemplo, as verbas do Ministério da Cultura? Trata-se de uma outra hipótese de literatura, e não só na literatura se esgota a cultura.
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Mas creio que essa comparação tinha interesse para a Câmara e se V. Ex.ª a fez agradeço-lhe que no-la transmita.
Por último, gostaria de lhe colocar o problema de saber se, e em relação a essa negociação, V. Ex.ª entende que os elementos disponíveis por esta Câmara - e vários têm sido pedidos e em várias ocasiões - são de molde a poder dizer que a esta Câmara já foi prestado um esclarecimento suficiente e atempado sobre a questão?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado César Oliveira: Lamentavelmente não pude assistir à primeira parte da intervenção de V. Ex.ª, por razões que me impediram no Ministério. Por isso, vou pedir cópia da sua intervenção, porque ela me pareceu merecer um estudo cuidado e ainda hoje pediremos tempo para eu poder prestar esclarecimentos mais detalhados.
No entanto, parece-me que não devo deixar passar a oportunidade sem referir, desde já, a V. Ex.ª que de entre as incorrecções da sua exposição e de alguns processos de intenção, há uma que me parece flagrante: é aquela em que V. Ex.ª se refere à ausência de projectos de reestruturação ou de reformas.
V. Ex.ª, como membro da Comissão Parlamentar de Defesa, sabe muito bem que todo o processo de modernização e de reforma das forças armadas está condicionado a uma hierarquia de conceitos, o primeiro dos quais acabou de ser recentemente debatido nesta Assembleia. Trata-se do próprio Conceito Estratégico de Defesa Nacional, conceito que o Governo submeteu em devido tempo - e já lá vai quase um ano - ao debate desta Assembleia e que só agora foi proporcionado. Dele se deduzirá um conjunto de outros conceitos como o conceito estratégico militar, o conceito de missões, de dispositivo e forças. Em suma, o conjunto de elementos e de parâmetros que hão-de condicionar o próprio plano de reforma das forças armadas e o orçamento que lhe há-de ser atribuído.
Portanto V. Ex.ª sabia - como sabe - que era impossível - por razões de princípio e de ordenamento lógico de todas estas realidades - que são muito sérias e que, por isso, não podem ser improvisadas - avançar mais, da parte do Governo, nestes projectos.
Posteriormente, se o Sr. Presidente o consentir, ainda hoje farei uma intervenção sobre o pormenor dos aviões A-7 e de outras coisas que me parecem, de facto, altamente exageradas.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de salientar a diferença, ante a minha intervenção, manifestada pelo Sr. Deputado Ângelo Correia - que já aqui não está presente - e pelo Sr. Secretário de Estado.
Como vêem em duas áreas muito próximas as apreciações que se fazem são muito diferentes em relação à minha intervenção.
Sr. Deputado Cunha e Sá, tenho em minha posse apenas a portaria de 21 de Setembro do ano passado, na qual estão previstas, só em sobresselentes - e não sei se incluem ou não a mão-de-obra -, as seguintes verbas: para 1984, 4 milhões e 300 000 contos; para 1985, 3 milhões de contos; para 1986, l milhão 572439 contos; e para 1987, 489000 contos.
Foi, portanto, a estes dados que me referi e não tenho outros. Julgo que estas verbas não incluem custos de mão-de-obra.
Sr. Deputado Luís Beiroco, V. Ex.ª, mais uma vez - e espero que a Câmara e todos os Srs. Deputados compreendam estas minhas palavras - deu aqui uma prova do que é a coerência de um democrata, embora num campo muito diferente do meu.
Congratulo-me pelas suas palavras iniciais e agradeço-lhe as suas intervenções.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Estou plenamente de acordo com as suas palavras no que toca à articulação que pode e deve ser feita entre a política de defesa nacional e a promoção da indústria nacional. A construção de patrulhas costeiros e de patrulhas oceânicos constitui exactamente essa articulação, o que já não acontece no quadro dos aviões A-7.
A construção e reparação navais têm a ver com a incorporação da indústria nacional e, como disse - e estes dados que tenho são exactos -, no caso de patrulhas costeiras, esta incorporação anda à roda dos 93% a 95%.
Estou parcialmente de acordo com o Sr. Secretário de Estado quando diz que há que ponderar e reflectir muito bem sobre as opções que estão hoje a ser discutidas relativamente ao Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Porventura, ainda não houve tempo de meter esse conceito neste Orçamento. Compreendo isso e compreendo essa sua preocupação, de que aliás, partilho.
O que pergunto - e com isto respondo também ao Sr. Deputado Acácio Barreiros - é uma coisa bem diferente: Porque é que não se pára imediatamente o programa dos aviões A-T!
Certamente que o Sr. Secretário de Estado compreenderá, tão bem como eu, esta questão que lhe devolvo: por mais quantos anos é que o programa referente aos aviões A-7 e as verbas a ele inerentes condicionarão o investimento e a programação para as forças armadas nacionais e para a Força Aérea Portuguesa, em detrimento, por exemplo, da marinha de guerra? Por quantos anos é que teremos de estar amarrados a uma opção que hoje todos parecem considerar errada?
Esta é que é a questão fundamental e ainda não houve, Sr. Deputado Acácio Barreiros, a coragem política de parar com esse programa.
Não se trata - e julgo que o Sr. Deputado esteve com atenção à minha intervenção - de aumentar as verbas para as forças armadas. Comparei os custos dos patrulhas oceânicos - cada um dos quais leva um helicóptero embarcado - e os custos dos patrulhas costeiros, que são essenciais para a defesa das nossas águas territoriais, com os gastos programados pela portaria de 27 de Setembro em sobresselentes com os aviões A-7.
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Disse - e torno a repetir - que estas verbas davam, grosso modo, para a aquisição de 5 patrulhas oceânicos, visto que cada um custa à volta de 1 200 000 contos, de 5 patrulhas costeiros e para a reparação de alguns patrulhas actualmente no activo.
Não se trata de aumentar as verbas das forças armadas, mas sim de usar criteriosamente e em função da componente aeronaval da defesa nacional - e note que não recuso a componente territorial - a distribuição de verbas.
Pergunto ao Sr. Deputado Acácio Barreiros por que é que não se parou os investimentos e os gastos com os aviões A-7.
Com certeza que V. Ex.ª sabe - e se não sabe eu mostro-lhe - que o avião que actualmente se fabrica na fábrica que fez o A-7 já não é o A-7-1, é o A-7 Corsaire 2, e que a Grécia exigiu motores novos.
Porque é que Portugal é sistematicamente obrigado a enfiar todos os barretes que lhe queiram enfiar? Porque é que não há coragem política aqui, em Portugal, para pôr um ponto final nos barretes que uns levianamente deixam que nos enfiem pela cabeça a baixo?
Esta é a questão fundamental, a que V. Ex.ª também não pode iludir a sua resposta se quer tratar seriamente - e julgo que sim - estas questões.
Sr. Deputado Magalhães Mota, concordo plenamente com as considerações que fez.
Lembro-lhe que o orçamento para o sector da cultura é de 4 milhões de contos e que a verba já gasta em literatura técnica sobre os aviões A-7 é de aproximadamente 1 milhão de contos. Este ano está inscrita no Orçamento do Estado uma verba de 150 000 contos para a literatura técnica sobre os aviões A-7. Por outro lado, o Orçamento do Estado prevê para a cultura uma verba de 4 milhões de contos, ou seja, aproximadamente 0,28% do Orçamento do Estado.
Obviamente que dou razão a V. Ex.ª!
Estou também inteiramente de acordo em que o princípio fundamental e constitucional da subordinação do poder militar ao poder político legitimamente constituído não pode ser, como tem sido até agora, com a complacência de muitos dos Srs. Deputados, uma mera figura de retórica ou uma mera flor para se pôr na lapela.
Assim, estou inteiramente de acordo com a sugestão que fez quanto à existência de um rigoroso controle parlamentar sobre as despesas das forças armadas, porque é exactamente aí, na execução desses programas de investimento, nas despesas de uso corrente e, sobretudo, nas despesas em relação ao futuro, que se mede a plena subordinação do poder militar ao poder político.
Portanto, concordo inteiramente com V. Ex.ª no que diz respeito a esse controle, com o qual acabou por insinuar que estaria de acordo. Dou d meu inteiro apoio a essa sua asserção.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
O Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Este debate tem demonstrado e reflectido expressivamente que, após um ano e meio de governação PS/PSD, ninguém é capaz de negar que o Governo agravou todos os problemas, que o povo vive pior, que a situação económica e financeira é desastrosa.
A cena tem-se repetido ao longo dos anos porque a razão de ser de tudo isto não está neste ou naquele ministro ou secretário de Estado incompetente.
A razão de ser de tudo isto é a política seguida que, no fundamental, é a mesma chame-se o ministro João Salgueiro ou Ernâni Lopes. Os resultados estão à vista e são cada vez piores. As desculpas, essas, sucedem-se. Mas desenganem-se, que os Portugueses já não acreditam.
A primeira desculpa era o Presidente, e todo o mal vinha dos seus poderes. Retiraram poderes ao Presidente e os resultados estão à vista. Depois foi a crise internacional ou a instabilidade governativa - estão no governo há ano e meio e vêem-se os resultados.
«A culpa é das empresas públicas», disseram depois (e continuam a dizer). Mas o País sabe que são critérios de partilha política que presidem às nomeações dos gestores e à asfixia económica e financeira do sector público.
Vêm então os clamores contra a Constituição da República ou, mais grave ainda, contra o próprio regime democrático.
E neste quadro o PS assume o papel histórico de aceitar tudo isto, consentindo, por um lado, que se demarquem desta política aqueles que a fazem com os piores objectivos de destruição do regime democrático...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: -... e fazendo calar alguns dos que desejariam demarcar-se, sim, mas na perspectiva de desenvolvimento nacional, de defesa do povo, de caminho para o socialismo (como esta palavra soa distante nesta Câmara) e não no da destruição do que de melhor o povo português construiu nestes 10 anos.
Os acontecimentos, ou melhor, os casos políticos que têm ilustrado este debate são reflexo disso mesmo e só evidenciam aquilo que o PCP vem dizendo claramente: o isolamento social do Governo e o alastrar do descontentamento popular. Os Portugueses estão fartos desta política, estão fartos deste Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - É um facto inegável que o desespero se sente na rua, mas é importante dizer que esse desespero dá já lugar à esperança, noutras saídas, noutras soluções, noutras alternativas. E é o medo de isso mesmo que reina no Governo e na coligação.
Na verdade, bem pode o Governo manipular os números ou as imagens do País através da comunicação social que não muda o fundamental: a crise profunda que vivemos e a degradação real das condições de vida dos Portugueses. Este Orçamento é o aprofundar de tudo isso. É um espanto a frieza e a distância com que o Governo nos fala da situação do País. O ministro das Finanças não tem sequer uma linha sobre os desempregados, a fome, os direitos sociais ou os salários em atraso. Pelo contrário, anuncia a retirada de direitos a alguns dos sectores mais carenciados da população.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
A Oradora: - No entanto, a degradação das condições de vida assume hoje, e basta andar na rua, aspectos de gravidade sem precedentes. Largas camadas
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da população encontram-se sem capacidade de sobrevivência digna. É a crise, a crise muito profunda já. Dois ou três exemplos bastam para evidenciar esses sintomas que todos conhecemos.
A questão do emprego, por exemplo. O ministro do Trabalho pode inventar números, mas a realidade vê-se. Hoje vende-se de tudo nas ruas do País: camisolas, electrodomésticos, sapatos ou fruta. E quem circula em Lisboa, por exemplo, vê ruas inteiras transformadas em mercados ambulantes, num tira e põe constante, numa luta pela sobrevivência a todo o custo, numa fuga diária à polícia. E a prostituição. Hoje não se vê só nas cidades. Existe, existe a toda a hora e é impressionante a visão das estradas no País e significa, por si só, uma das brutais acusações que podem fazer-se aos que levaram Portugal a este ponto.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Basta ir à Avenida Almirante Reis, por exemplo, e ver à hora do almoço a bicha para a sopa dos pobres. A sopa que tinha desaparecido com o 25 de Abril! Hoje, diariamente são milhares rua fora que aguardam uma malga de caldo e o que mais impressiona - se os Srs. Deputados lá forem podem vê-lo - é encontrarem-se jovens, homens e mulheres em idade activa aguardando a sua vez.
E este Orçamento, Srs. Deputados, que prevê em termos sociais? Neste Orçamento não só não constam medidas sociais que ataquem a degradação das condições de vida de milhares de portugueses, como ainda se restringem direitos dos poucos existentes.
Aumentam os impostos, aumentam os preços, aumentam as propinas escolares, os descontos da função pública, os descontos dos trabalhadores rurais para a Segurança Social. Restringe-se o abono de família, corta-se a ADSE aos chamados tarefeiros. Para 1 800 000 reformados, que em Dezembro tiveram um aumento de 15 a 18% das suas pensões, anuncia-se para o ano de 1985 aumentos iguais. Isto é, as suas reformas vão descer em termos reais, mais uma vez. Foi profundamente chocante para o País, mas creio que espelha a realidade política deste Governo, que, por exemplo, a televisão passasse diariamente anúncios de aumentos dos reformados, onde se lia 700$ de aumento por mês, para a imensa maioria, enquanto o Telejornal escondia os imorais aumentos para os deputados e ministros.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
A Oradora: - Para manter o nível miserável das prestações da Segurança Social o Governo aumenta a comparticipação do Orçamento do Estado, que este ano ultrapassa os 38 milhões de contos. Mas esta transferência é profundamente negativa, porque resulta de uma acentuada quebra de receitas. O patronato não paga, ou paga cada vez menos, o desemprego e os salários em atraso aumentam, logo as receitas descem!
Assim, é de uma demagogia ridícula o Governo vir elogiar-se das transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social quando isso resulta simplesmente da sua necessidade de tapar um défice cujas causas não são atacadas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - O Governo não se preocupa nada com as dívidas do patronato à Segurança Social. Contra o que a lei exige, o Orçamento já nem nos apresenta dados e na exposição de motivos o número está ausente! Mas é importante para esclarecimento desta Câmara que o Governo diga aqui qual é o montante da dívida do patronato à Segurança Social e qual é a evolução dessa mesma dívida. Porque, na verdade, quando o Governo fala em grandes acções de fiscalização de fraudes, essa fiscalização incide unicamente nos beneficiários e a dívida das empresas sobe num valor que não deve andar longe dos 100 milhões de contos. Isto é gravíssimo e torna ainda mais necessária a definição do futuro do próprio sistema, tendo em conta que, por cada dois activos, há hoje no nosso país um reformado. Porém, a única inovação grande que este Governo apresenta em matéria de Segurança Social é o prever o aumento do desconto dos trabalhadores rurais que hoje pagam 150J por mês e passarão a pagar 5% do salário mínimo nacional do sector e 12% para as entidades patronais.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É um escândalo.
A Oradora: - O Governo conta, assim, receber mais 4 milhões de contos. Mas mediu o Governo as consequências sociais desta decisão para um sector da população como os camponeses?
É uma medida inaceitável e que a Assembleia da República não pode consentir!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Inaceitável é também que os desempregados vão receber apenas cerca de metade das receitas do Fundo de Desemprego - 26,5 milhões de contos serão desviados para outros fins. Basta atentar nisto para se perceber logo o logro monumental que significa o recém-instituído seguro de desemprego. Curiosamente, no orçamento da Segurança Social a rubrica que mais sobe (e mesmo assim apenas 25%) é a acção social, exactamente aquela que iria permitir ao Governo - se lá chegasse - distribuir umas quantas benessezinhas na véspera das eleições. Há mesmo nesta Câmara quem tenha feito mais e melhor dentro do género.
O orçamento da saúde retrata bem a extrema degradação a que chegou o sector. Ao longo deste ano e meio de governação, ouvimos o ministro da Saúde louvar-se, vezes sem conta, de ter conseguido colocar 5000 médicos, que, porém, continuam, hoje como ontem, por colocar. É um intolerável escândalo a situação dos especialistas, por exemplo. São cerca de 1000 médicos de todas as especialidades que aguardam há anos o concurso, a quem o Estado está a pagar nos hospitais centrais onde quase não têm trabalho, enquanto nos hospitais distritais estão serviços inteiros paralisados por falta de médicos. Existem mais médicos que doentes nos hospitais centrais (e pobres dos doentes se um dia todos os médicos se pusessem a trabalhar) e há doentes que são transportados diariamente de ambulância para Lisboa, Porto e Coimbra, fazendo centenas de quilómetros para chegar a um médico. Hoje, nas estatísticas, figuramos, entre os países desenvolvidos, com um médico por cada 500 doentes. Mas é só no papel. A incapacidade do Governo e tal que, por exemplo, hospitais como o de Castelo Branco,
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Évora, Beja e Vila Nova de Gaia funcionam com especialistas emprestados por 15 dias pelos hospitais centrais ou, pura e simplesmente, têm serviços que não funcionam.
Pois este Governo, que fez publicar, em Agosto de 1984, o regulamento do concurso para colocação destes especialistas, está ainda a renegociar - não se sabe por que jogos de interesses (os do País não são certamente!) - as alterações às normas do regulamento feito por este mesmo ministro. É uma vergonha, Srs. Deputados, uma vergonha que lesa a economia nacional e o direito à saúde dos portugueses.
E tanto mais assim é quanto o Governo atrasou igualmente todos os outros concursos de colocação de médicos, como é o caso dos clínicos gerais. E a estes ainda não assegurou sequer, nem a definição da sua carreira, nem, em muitos casos, o simples local de trabalho.
O Orçamento do Ministério prevê, no entanto, a transferência de mais de 17 milhões de contos do Serviço Nacional de Saúde para o sector privado através de «convenções». Esta verba é superior à prevista para o funcionamento de todos os hospitais distritais que, a ser assegurado de forma racional, permitiria larga económica, designadamente quanto a meios complementares de diagnóstico que constituem a maior despesa no que respeita às convenções.
O Orçamento prevê só para medicamentos do Serviço Nacional de Saúde 22,5 milhões de contos. A revisão orçamental de 1984 já visou, em larga medida, cobrir as despesas em medicamentos que subiram 43 % no ano passado. O Governo não tomou nenhuma medida para racionalizar os gastos, penalizou, sim, os doentes e vai continuar a penalizá-los mais ainda se os medicamentos não ficarem isentos do novo imposto sobre o valor acrescentado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - As construções hospitalares contam com uma verba irrisória. Para o arranque dos dois únicos novos hospitais previstos estão inscritos 10 000 contos, e estes norteiam-se mais por critérios eleitorais do que pelos interesses reais das populações.
Um outro aspecto há ainda a salientar: as dívidas do Ministério da Saúde. Este orçamento está feito transferindo um défice de 14 milhões de contos. O Governo confessou na comissão especializada uma dívida de 7 milhões de contos mas, na própria documentação que nos entregou, as dívidas são de 14 milhões de contos. É sabido que além das dívidas às farmácias, os hospitais deixaram em Novembro de pagar aos fornecedores porque não tinham verbas, e devem cerca de 2 700 000 contos. Dá vontade de perguntar o que é que vai ser realmente votado quando votarmos este Orçamento e se alguém sabe, de facto, qual é a dívida efectiva do Estado!
Se é verdade, e já o demonstrámos nas nossas anteriores intervenções, que não existe nem saneamento financeiro nem relançamento económico, é igualmente inegável que os sacrifícios pedidos aos Portugueses, além de desiguais, são em vão. Esses sacrifícios atingem muito particularmente certas camadas, da população entre os quais permitam-me que saliente as mulheres. Estas são, de facto, as primeiras vítimas do desemprego. E, enquanto a percentagem da população activa feminina sobe, o número de mulheres empregadas desce. Tal facto mostra que a mulher aspira à realização profissional e que hoje o acesso ao trabalho é, sem dúvida, a primeira e mais sentida reivindicação das mulheres. No entanto, elas foram, em 1983, 63% dos desempregados. O Governo não prevê qualquer projecção no aumento do emprego e diminui mesmo o investimento.
Este regresso forçado e contra vontade das mulheres ao lar, o seu afastamento da realização profissional e a sua condução ao exclusivo do trabalho doméstico têm consequências sociais graves sobretudo na perspectiva emancipadora da mulher.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - A igualdade homem-mulher, a igualdade na diferença não é possível com este afastamento da mulher do mundo do trabalho e a sua condução a «gata borralheira», a quem se fecha possibilidade de realização profissional e consequente alteração da tradicional e injusta divisão de papéis na família.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do ponto de vista dos cidadãos, dos direitos sociais dos Portugueses, este Orçamento não só não é luz nenhuma ao fundo do túnel, como é o agravamento das condições de vida das classes e camadas mais desprotegidas da população.
Por isso o rejeitamos e votamos contra. Mas por isso, também, o PCP considera que a única saída para uma vida melhor e maior justiça social é a mudança de política, é a mudança de governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Esta certeza não é hoje só nossa. É nossa e de todos os Portugueses que, diariamente, lutam e criam condições políticas para um governo democrático ao serviço do povo e do País.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus, para uma intervenção.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Constituição de 1976 introduziu na estrutura do Estado Português a componente regional. Tal facto, como não podia deixar de ser, tem relevantes implicações de ordem política, administrativa e financeira, quer ao nível da estruturação do poder político, quer ao nível da actuação dos órgãos de soberania.
No que toca ao Orçamento do Estado, a componente regional assume, obviamente, a maior importância. Na sua elaboração há que ter em conta, de modo institucional e sistematizado, a existência das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e as implicações que daí resultam em matéria orçamental.
Trata-se de uma evidência, mas, porque infelizmente a autonomia regional ainda não constitui um dado adquirido do quadro mental da generalidade dos responsáveis políticos portugueses, torna-se útil e até mesmo necessário chamar aqui a atenção de VV. Ex.ªs - do Governo e dos Srs. Deputados - para esta evidência.
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Srs. Deputados, é sabido que as regiões autónomas têm plano e orçamento próprios. Porém, a sua inserção no todo nacional e a debilidade e dependência das respectivas economias impõem a articulação entre o Orçamento do Estado e os orçamentos regionais.
O Orçamento do Estado deverá, assim, e antes de mais, assegurar a integral cobertura das despesas correntes da administração regional, na medida em que se mostrem insuficientes as receitas próprias; deverá proporcionar os meios financeiros requeridos pelas necessidades de investimento, de modo a garantir o desejável crescimento económico das regiões autónomas, de acordo com as políticas definidas pelos órgãos de governo próprio; deverá contemplar os instrumentos de natureza fiscal e o regime de crédito adequados às realidades insulares; deverá, finalmente, dotar as regiões autónomas com as verbas necessárias ao suporte dos custos de insularidade.
Cabe, pois, perguntar se a proposta de Orçamento apresentada pelo Governo satisfaz minimamente estas exigências constitucionais. Pensamos que a resposta terá de ser, em grande parte, negativa.
Com efeito, o Governo da República mantém-se agarrado à fórmula de cobertura do défice concebida em 1980, quando a evolução da realidade autonómica aconselhava a adopção de fórmulas mais realistas, no género da sugerida pelo presidente do Governo Regional da Madeira.
O Governo da República, apesar da inflação, apesar das dificuldades acrescidas que caracterizam a situação económica nacional e internacional, apesar do crescimento da despesa nacional total previsto para o ano de 1985, apesar do agravamento do défice, mantém inalterada a verba global destinada às regiões autónomas no Orçamento do Estado.
Reduz o limite do recurso ao crédito em condições especiais e, em matéria de custos de insularidade, utiliza um critério arbitrário, quer na determinação do montante da verba a atribuir para tal efeito, quer na repartição da mesma pelas duas regiões autónomas.
A proposta do Governo, ainda que não intencionalmente, acaba por ignorar, em grande parte, as pretensões formuladas pelas regiões autónomas através dos respectivos governos e, a ser aprovada no estado em que se apresenta, contribuiria para a estagnação das economias regionais, dificultaria a concretização da opção social-democrata feita pelas populações dos Açores e da Madeira e introduziria factores de clivagem entre as duas regiões autónomas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe, assim, à Assembleia da República aperfeiçoar a proposta do Governo de modo a que o Orçamento do Estado responda às exigências constitucionais em matéria de autonomia regional.
Os deputados sociais-democratas eleitos pelos círculos da Madeira e dos Açores apresentarão, em sede de especialidade, as propostas que consideram adequadas para o efeito.
Contamos com a colaboração do Governo e esperamos que, ao contrário do que aconteceu com o Orçamento suplementar para 1984, esta Assembleia encontre as soluções propícias à preservação da unidade nacional e ao aprofundamento das autonomias regionais, para que ao menos os povos da Madeira e dos Açores mantenham a consciência de que o 25 de Abril de 1974 valeu a pena e de que a preservação e o desenvolvimento da autonomia regional continuam a ser uma válida razão de esperança.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Paulo.
O Sr. Pedro Paulo (PSD): - Sr. Deputado Correia de Jesus, ouvi com muita atenção a sua intervenção e queria colocar-lhe apenas três questões muito simples.
A determinada altura da sua intervenção, V. Ex.ª afirmou que o Orçamento do Estado utiliza um critério arbitrário, quer na determinação da verba, quer na sua repartição pelas duas regiões autónomas.
Gostaria de perguntar a V. Ex.ª se não considera que, na base desse critério de cobertura dos custos de insularidade por parte do Orçamento do Estado, existe a consciência de que nos Açores a dispersão geográfica é maior e, portanto, os custos sociais e financeiros serão também maiores.
Por outro lado, noutra parte da sua intervenção, o Sr. Deputado disse que este Orçamento introduz factores de clivagem entre as duas regiões autónomas.
Pela nossa parte consideramos que a diferença existente poderia não ser essa, poderia ser outra. Mas entendemos que, pelas razões que apontei anteriormente, deverá sempre existir alguma diferença, por pequena embora, em matéria de cobertura dos custos de insularidade. Penso que não são critérios de justiça relativa tratar igualmente aquilo que, não sendo, à partida, desigual, vem a resultar desigual por factores de natureza geográfica.
Efectivamente, também não estamos de acordo com o Orçamento do Estado no que toca essencialmente à cobertura do défice das regiões autónomas.
No caso dos Açores - falo neste caso porque é o que conheço melhor -, como V. Ex.ª sabe, desde 1982 que o auxílio financeiro prestado pelo Estado, por força das suas obrigações constitucionais e estatutárias, é sensivelmente o mesmo, o que leva a que seja, portanto, inferior ao custo de alguns serviços periféricos transferidos para a Região Autónoma dos Açores, como são, por exemplo, os casos dos serviços de saúde e dos serviços de educação.
Acresce a isso, Sr. Deputado, que uma parcela importante das receitas da região - mais de metade - provém de fontes externas, em detrimento do auxílio financeiro do Estado.
Por outro lado, ainda, as receitas fiscais geradas na região - aquelas que são originadas por actividades económicas efectuadas na Região Autónoma dos Açores - financiam despesas públicas que não são realizadas nos Açores.
Para terminar, Sr. Deputado, pensa que, para futuro, é sadio, em termos constitucionais, continuarmos a fazer esta política de mão estendida ao continente e vir, todos os anos, pela mesma altura, pedir aquilo que, à partida, deveria ser nosso?
Em suma, queria perguntar-lhe se há ou não necessidade - de uma vez por todas - de fixar uma certa lisura nas relações entre o Estado e as regiões autónomas, sob pena de estarmos a comprometer o futuro histórico das autonomias regionais.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
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O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Na tempestade das declarações públicas que precederam o debate na generalidade do Orçamento do Estado para 1985, penso que a intervenção do Sr. Deputado Correia de Jesus constituiu um elemento de moderação e de serenidade que me apraz realçar, e pela qual o felicito.
Da sua intervenção, Sr. Deputado, penso que há alguns aspectos que merecem uma discussão e um debate mais apropriado em sede de especialidade, pelo que, em relação a eles, não o questionarei de momento.
Gostaria, no entanto, de colocar-lhe três questões que se prendem com a intervenção que V. Ex.ª produziu.
V. Ex.ª refere na sua intervenção que a Região Autónoma da Madeira - e muito bem - dispõe de um plano e de um orçamento. A oposição na Assembleia Regional da Madeira, designadamente o PS, tem, ao longo dos últimos anos, apresentado propostas de legislação regional no que diz respeito ao enquadramento orçamental da Região. Penso - e penso isto conscientemente - que numa altura em que, em todo o País, se discute a problemática financeira da Região Autónoma da Madeira, assume cada vez mais importância a indisponibilidade que a maioria regional tem manifestado à aprovação de uma lei de enquadramento orçamental que permita não só definir as regras de elaboração do orçamento regional, como permita ainda, uma maior eficácia no seu controle e na sua fiscalização. Gostaria, nesta altura em que se discute o Orçamento do Estado, de ouvir a opinião de V. Ex.ª acerca deste aspecto.
Noutro ponto da sua intervenção, refere V. Ex.ª que é preciso encontrar o regime de crédito adequado às realidades insulares. Não sei bem o que é que V. Ex.ª entende por regime de crédito adequado. A Região Autónoma da Madeira contraiu empréstimos, nos últimos anos, que ascendem, subtraídos os juros, a uma verba que ronda os 22 milhões de contos. Gostaria de saber, na perspectiva da contracção de novos empréstimos, quais as condições que V. Ex.ª considera serem adequadas às realidades insulares, partindo do princípio de que a contracção de empréstimos tem uma obrigação correspondente que é a de o devedor pagar esses empréstimos com os respectivos juros.
Neste sentido, perguntar-lhe-ia, ainda, se V. Ex.ª está de acordo com a dívida passada e com o serviço da dívida, se, de futuro essa dívida - que foi consolidada no acordo de Junho passado - deverá ser renegociada ou não e se se deverão introduzir, então sim, elementos que permitam à região autónoma satisfazer e honrar os seus compromissos, sem ferir profundamente os seus interesses.
Finalmente, ponho-lhe uma terceira questão. Há uma fórmula sugerida, de facto, pelo presidente do Governo Regional da Madeira no que diz respeito à cobertura dos custos com investimentos regionais. Essa fórmula - que não interessa agora discutir em pormenor - compreende um aspecto parcelar daquilo que seriam as transferências de verbas do continente para a Região Autónoma da Madeira - parcelar, porque não engloba custos de insularidade, não engloba as verbas destinadas a cobrir os défices do Orçamento do Estado.
Nós, PS, na Madeira, defendemos, há cerca de 4 anos, conversações que levem à definição de uma fórmula e de um critério rigorosos, que permitam acabar com esse critério de pontualidade eminente em relação a cada uma destas importâncias e a cada uma destas transferências. Pensamos que a fórmula que foi encontrada e que é sugerida - embora isto, como referi há pouco, seja mais matéria de especialidade - não cobre os aspectos e as pretensões referidas, pelo que gostaria que V. Ex.ª me dissesse qual é a sua opinião acerca da fórmula que foi encontrada e se pensa que de futuro - e numa perspectiva de tranquilidade, digamos assim, da transferência de verbas do Governo da República e do Orçamento do Estado para a região autónoma - não se deveriam desenvolver todos os esforços, no sentido de conseguir uma fórmula, de facto, eficaz e que garantisse anualmente os ajustamentos necessários.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Barros.
O Sr. Ricardo Barros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Correia de Jesus: Gostaria de lhe colocar duas questões. Antes, porém, não posso deixar de o felicitar, pela moderação existente nas suas palavras, porque, para mim, as questões de Estado tratam-se com serenidade e não com demagogia.
Disse V. Ex.ª que a autonomia regional ainda não constitui um dado adquirido no quadro mental da generalidade dos responsáveis políticos portugueses. Estou de acordo com esta afirmação, sobretudo porque V. Ex.ª não particularizou, antes entendeu - e bem - referir a generalidade dos políticos. Porém, face a esta sua afirmação, em que, porventura, poderia ter apontado as causas e não apenas os efeitos, não posso deixar de lhe pedir um comentário às afirmações de um dirigente do seu partido que, em declarações ao Açoriano Oriental, em 15 de Dezembro de 1984, disse:
O facto de uma comissão ir inspeccionar as contas da Madeira é desprestigiante para o processo autonómico, mas os Açores mantêm-se à margem de tal situação. A Madeira tem um estatuto político provisório e os Açores têm um definitivo. Enquanto a situação económica da Madeira é idêntica à do continente, os Açores surgem como excepção e, portanto, têm gerido a sua autonomia sem intervenções de Lisboa.
Sr. Deputado, sublinho, esta foi uma afirmação de um dirigente do seu partido.
A segunda questão que lhe queria colocar, prende-se com uma passagem da sua intervenção. Disse V. Ex.ª que em matéria de custos de insularidade, o Governo utiliza um critério arbitrário, quer na determinação do montante da verba a atribuir para tal efeito, quer na repartição da mesma pelas regiões autónomas. Quer V. Ex.ª com isto dizer que as verbas destinadas a cobrir os custos de insularidade deveriam ser iguais para as duas regiões autónomas?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Luís Beiroco, para formular um pedido de esclarecimento.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado Correia de Jesus: V. Ex.ª habituou-nos, de há
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muito, nesta Câmara e em várias sedes dos nossos debates, a um grande rigor e moderação, assim como a uma grande inteligência na forma como sempre tem defendido a autonomia regional.
Creio que, mais uma vez, foram essas as notas dominantes do seu discurso.
Em todo o caso, creio que algumas questões merecem ser um pouco mais elucidadas.
Em primeiro lugar, é evidente que o Sr. Deputado Correia de Jesus reconheceu aqui, que a autonomia não se pode basear apenas nas receitas próprias das regiões, necessitando da solidariedade nacional, que é aliás um princípio constitucional e que, em matéria financeira, se traduz em transferências do Orçamento do Estado para os orçamentos regionais.
Queria perguntar ao Sr. Deputado se não considera que, sendo as coisas como efectivamente são, é necessário que as regiões autónomas e os seus órgãos de governo próprio, tenham em cada momento em conta as condicionantes e as circunstâncias da conjuntura económica nacional e, portanto, procurem adaptar as suas políticas económicas a essas circunstâncias, ainda que tenham de sacrificar alguns projectos de desenvolvimento, cuja justeza não esteja, como não está, em causa.
Em segundo lugar - e isso foi o único aspecto que, do meu ponto de vista, pode ser criticável na sua intervenção - é que, se eu o ouvi bem, o Sr. Deputado, no final da sua alocução, disse que neste Orçamento, no respeitante às regiões autónomas, poderia estar em causa o princípio da unidade nacional.
Queria perguntar-lhe se realmente o que está em causa neste Orçamento - e creio que estarão muitas coisas em causa - é, efectivamente, o princípio da unidade nacional ou se não estará em questão outra coisa, como seja o próprio Estado? Ou seja, se não estará antes em causa todos e cada um de nós, na representação de interesses diversos, ainda que legítimos, pensamos que a forma de resolver os problemas económicos nacionais está em cada um reivindicar para aqueles interesses que cada um representa o mais possível e, ao mesmo tempo, pretender que a situação financeira nacional melhore e que os défices sejam reduzidos.
O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Correia de Jesus, a intervenção que aqui produziu comprova como está eivado de profundos vícios - aliás, lamentáveis - o processo de debate da problemática das finanças regionais na sua ligação com este Orçamento. A sua intervenção é verdadeiramente estranha, tal como se estranha a resposta que o Sr. Ministro das Finanças deu à pergunta que lhe formulei, logo após a sua intervenção de abertura, no sentido de elucidar algumas das questões que o Sr. Deputado Correia de Jesus veio agora colocar.
Ora, o Sr. Deputado veio neste momento - digamos, 3 meses depois da data em que o Orçamento do Estado deveria ter dado entrada aqui e muitos meses depois de termos discutido aqui alguns dos aspectos orçamentais da situação das regiões autónomas - formular graves acusações, designadamente considerando que a fórmula de cobertura dos custos de insularidade está errada, protestando pela redução do limite de crédito, afirmando serem arbitrários os critérios de repartição de verbas, nomeadamente entre as duas regiões autónomas, etc. São graves acusações e têm por detrás delas um amplo debate de questões que deveriam ser aqui examinadas - muitas delas de frente - e em que alguns governos regionais, em particular, o Governo Regional da Madeira, são responsáveis por graves equívocos e distorções. Sucede, somente, que o Sr. Deputado Correia de Jesus o faz neste momento, depois de desde a última revisão orçamental não terem sido dados passos nenhuns no sentido da clarificação de alguns aspectos centrais das relações entre as regiões e a República. Não se deu um só passo - e parece que os Srs. Deputados têm uma maioria parlamentar - no sentido da clarificação do regime de crédito; não se deu nenhum passo na direcção da revisão dos créditos quanto à cobertura dos custos da insularidade; não se deu nenhum passo em relação a outros aspectos, designadamente uns que são atinentes à dívida, que no caso da Região Autónoma da Madeira atinge proporções gravíssimas para o futuro da região, nas suas conexões, aliás, com todo o desenvolvimento nacional.
Portanto, V. Ex.ª não pode vir ostentar um ar ingénuo e límpido como se não tivesse nada a ver com isto, para clamar por isto, aquilo e aqueloutro, como clamou na sua intervenção.
Por outro lado, como V. Ex.ª sabe, o Governo Regional da Madeira subscreveu um protocolo verdadeiramente enxovalhante para a autonomia regional com o Sr. Ministro das Finanças, aqui presente, que implica mecanismos aberrantes de controle, resultante de uma gestão perfeitamente «cataclismática» de que este governo é responsável. Sobre essas matérias, o Sr. Deputado Correia de Jesus diz coisa nenhuma. O que é talvez compreensível, mas não ajuda nada a este debate.
Por isso, encaramos com estranheza que V. Ex.ª faça esse discurso seráfico, quando o presidente do Governo Regional da Madeira anuncia que os deputados devem ter em conta este Orçamento se ... Ora, creio que a sua intervenção tem como segredo o «se»! Pergunto-lhe «se» o quê, Sr. Deputado Correia de Jesus? Quais são as propostas que V. Ex.ª, como representante - presumo - de alguém para além daqueles que o elegeram, apresenta e que integram o «se» de que depende - ao que presumo - o voto favorável de V. Ex.ª e dos seus colegas?
Sr. Deputado Correia de Jesus, sabendo todos nós que o Ministério das Finanças tem - não sei se, neste momento, até aqui perto, ao lado - negociações em curso com representantes das regiões, perguntar-lhe-ia como é que foi possível que se chegasse a este ponto, a esta hora deste dia, 24 de Janeiro, com V. Ex.ª subindo àquela tribuna para produzir o discurso seráfico que produziu, quando há compromissos, protocolos e há negociações em curso - porventura muito preocupantes -, de que teria sido muito bom que o Sr. Deputado também nos tivesse dado conta, a fim de que este debate fosse transparente e não um diálogo de surdos ou de aparências.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Deputado Correia de Jesus, julgo que o Sr. Deputado tem razão quando afirma ser necessário introduzir critérios objec-
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tivos em relação à fixação dos custos de insularidade, porque isso tem a ver com a solidariedade nacional. Tal tem a ver com a solidariedade nacional, sendo esta não algo de sentido único mas que se aplica em dois sentidos.
É por isso que nos preocupa o individamento excessivo da Região Autónoma da Madeira, na medida em que ele é, neste momento, não só uma carga opressiva e opressora sobre aquela região, e sobre a sua autonomia, e o protocolo celebrado com o Ministério das Finanças aí está para demonstrá-lo, se outra demonstração fosse necessária, sendo também um mais gravame imposto sobre todos e cada um dos portugueses.
E, por isso, Sr. Deputado Correia de Jesus, que lhe pergunto dentro dessa objectividade dos custos de insularidade e da solidariedade que devem presidir a estas relações, como se explica que depois dos últimos aumentos, verificados, por exemplo, no preço dos combustíveis em Portugal continental, os preços na Região Autónoma da Madeira tenham sido fixados em 65$ o litro da gasolina super, em 60$ o preço da gasolina normal e em 30$ o litro do gasóleo, sabendo nós que o mesmo Orçamento do Estado suporta os défices da Região?
Vozes da ASDI, de alguns deputados do PS e do deputado do CDS Luís Beiroco: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Deputado, quero agradecer, antes de mais, as intervenções que os colegas produziram acerca da minha alocução e, também, agradecer as referências amáveis que me fizeram os Srs. Deputados do Partido Socialista, bem como o Sr. Deputado Luís Beiroco.
Quanto às questões colocadas, penso que há aqui, fundamentalmente, duas ou três questões relativamente às quais devo dar esclarecimentos à Câmara. Não poderei deter-me nas intervenções por cada um dos Srs. Deputados, em consequência de limitações de tempo da minha bancada.
A primeira questão que aqui se coloca prende-se com a ideia de saber se eu concordo que relativamente a cada Orçamento do Estado tenham as regiões autónomas de vir. aqui formular as suas reivindicações e levantar os seus problemas.
Na minha intervenção afirmei que na elaboração do Orçamento do Estado há que ter em conta, de modo institucional e sistematizado, a existência das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Isto quer dizer que entendo que este assunto deveria ser definido segundo regras e critérios objectivos, de modo a que, relativamente aos anos futuros, o Estado soubesse quais são as suas obrigações em relação às regiões autónomas e que estas soubessem, por sua vez, com o que podem contar da parte do Orçamento do Estado.
No que concerne aos custos da insularidade, é verdade o que afirmei ao considerar que o Governo foi arbitrário ou utilizou um critério arbitrário, quer na determinação da verba, quer na sua repartição pelas duas regiões autónomas. De facto, não há qualquer suporte lógico e também seria difícil que houvesse, dada a ausência de legislação no respeitante à determinação da verba de 2 milhões de contos, consignada na proposta do Governo para custos de insularidade. E também não há qualquer lógica relativamente ao critério utilizado pelo Governo na distribuição dessa verba pelas regiões autónomas. Baseia-se o Governo, única e exclusivamente, no número de ilhas. Ora, todos sabemos que a insularidade não é apenas caracterizada pela dispersão, mas como decorre dos estudos que a nível nacional e internacional têm sido feitos sobre este matéria, há outras características que devem ser levadas em conta na determinação de uma situação insular. Temos além da dispersão, a distância, o isolamento e a dimensão. Ora, se tivermos em conta estas quatro características, chegamos à conclusão de que as duas regiões autónomas se encontram em condições idênticas, salvo no que respeita à dispersão.
E verificando esta diferença, isto é, constatando que existe uma maior dispersão em relação à Região Autónoma dos Açores do que relativamente à da Madeira, respondo à questão formulada pelos Srs. Deputados Ricardo Barros e Pedro Paulo, dizendo que aceitamos que os Açores recebam uma verba superior à da Madeira, mas não a diferença abissal existente no modo como actualmente a verba tem sido repartida entre as duas regiões autónomas.
Portanto, esta é uma questão que deixaria respondida nestes termos. Gostaria, ainda, de me pronunciar sobre o problema que aqui foi equacionado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, no que concerne à solidariedade nacional e aos dois sentidos em que essa solidariedade deve funcionar.
Tenho sempre defendido que a solidariedade nacional é, sem dúvida, uma relação bilateral e que supõe direitos e obrigações de parte a parte.
O Sr. Deputado Magalhães Mota referiu a questão dos preços. Devo informar a Câmara de que no que toca à Região Autónoma da Madeira já se empreendeu um conjunto de medidas de actualização de preços. Estas medidas estão em curso, pois algumas delas já foram tomadas, relativamente a bens de primeira necessidade. Elas chegarão também, naturalmente, aos combustíveis, mas eu aproveitava para informar a Câmara de que esta situação de desigualdade não funciona apenas em desfavor do continente porque, por exemplo, a energia eléctrica na Madeira, em termos de preço ao consumidor, custa mais de 70 % do que no continente. Ora, como sabem, a energia eléctrica não é menos importante do que o combustível utilizado para os automóveis circularem.
Queria dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que tem razão. O segredo da minha intervenção, se é que ela tem algum segredo, é o «se», porque, efectivamente, eu disse-o: «preto no branco». Isto é, afirmei que, na nossa opinião, esta proposta do Governo não corresponde às exigências constitucionais em matéria de autonomia regional e, por força disso, os deputados das regiões autónomas, nomeadamente os deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira, vão em sede de especialidade apresentar as propostas consideradas adequadas a esse ajustamento, ou seja, à compatibilização do Orçamento do Estado com aquilo que nós consideramos as exigências da Constituição relativas à autonomia regional.
Quanto àquilo que o Sr. Deputado José Magalhães e, de alguma maneira, o Sr. Deputado Magalhães Mota referiram como atitudes ou protocolos enxovalhantes para a autonomia regional, gostaria de dizer que precisaríamos de algum tempo para determinar o acerto da afirmação feita por VV. Ex.ªs, nomeadamente pelo Sr. Deputado José Magalhães.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Já estão há semanas!
O Orador: - Mas o Sr. Deputado José Magalhães sabe ou conhece melhor do que eu o que se designa por teorias da autolimitação ou da limitação instrumental e sabe que por vezes é preciso autolimitar; sabe que por vezes a limitação funciona como instrumento, funciona para se conseguirem objectivos sérios, essenciais e indeclináveis.
Estou convencido que foi esse estado de espírito que presidiu à elaboração dos documentos em causa e, portanto, eu, como deputado pela Madeira, não me penitencio deles e entendo que a autonomia regional não foi minimamente beliscada. A autonomia regional está contida neles, existe e vai continuamente aprofundar-se, apesar de um qualquer documento na aparência poder ter esse significado.
Por limitação de tempo lamento não poder prestar mais esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando perguntámos ao Governo quais os exactos montantes que tinham sido transferidos para as duas regiões autónomas, aos vários títulos a que eles são devidos, o Sr. Ministro das Finanças, depois de alguns segundos de reflexão, declarou que não os tinha ali, nem se lembrava deles - nem tal era exigido, aliás! -, mas que ia mandar esses elementos. Largo tempo depois este debate está a fazer-se sem esses elementos, o que constitui, desde logo, uma distorção, porque o esclarecimento de como é que se têm processado as relações entre as duas regiões autónomas e os sucessivos governos da República ilumina tudo isto que aqui é dito, em tom abstracto. Houve aí, até, um Sr. Deputado que lançou um grito de alma contra aquilo a que chamou (aliás de uma maneira perfeitamente grave) a «política de mão estendida para o continente» - aliás, há quem pense estendê-la para outros continentes! Há brados terríveis, há emoção, mas só faltam os números e o que estamos aqui a discutir é números. Nessa matéria o Sr. Deputado continua a não adiantar nenhum número - talvez porque ache que o «segredo é a alma do negócio» - e, portanto, que deve manter tudo isto em sigilo, até ao último momento.
Sr. Deputado Correia de Jesus, essa é a pior forma de tratar a questão da autonomia regional. Isto porque se o Sr. Deputado chegasse aqui e nos dissesse, a todos nós, «calculamos pelas razões A, B ou C que os montantes a transferir para a Madeira são de X para os custos de insularidade, Y para o défice, Z para as empresas públicas, P para isto, aquilo e aqueloutro», nós discutiríamos os critérios e o Governo dir-nos-ia que não ou que sim! Mas o Sr. Deputado não faz isso! Faz, antes, uma ameaça, que na parte final da sua intervenção é bastante grossa, devo dizer-lhe - ainda que tenha sido dita com um tom ligeiro e civilizado, pois ela é dita pelo presidente do Governo Regional de uma maneira mais brutal, mas isso é próprio, é uma questão de estilo -, mas não tira nenhuma ilação e acaba com uma profissão de fé, em que está tudo bem em defesa da autonomia, já que é feita por quem está a favor dela e pode, portanto, como uma espécie de «legitimidade para», fazer o que quiser.
Ora, o que fez o presidente do Governo Regional da Madeira, subscrevendo o protocolo enxovalhante, é da máxima gravidade: depois de ter conduzido a região a uma situação de ruína no plano financeiro (com um endividamento galopante resultante de uma política, naturalmente, de defesa do poder e de eleitoralismo rasteiro), gaba-se de apresentar as facturas que entende e de gerir como lhe apetece - para realizar objectivos sectarissimamente eleitorais - e a República paga!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Isto não pode ser, Sr. Deputado Correia de Jesus! Ao defender o protocolo secreto, dizendo que foi uma autolimitação, V. Ex.ª autolimitará o que quiser, mas não autolimite é a Constituição! Aplique--a, encontrando as formas exactas para o fazer, fora do ambiente de paixão, de chantagem, de manipulação e de pressão, que é tudo o que há de mais lesivo da autonomia e também do prestígio da República, isto é, de todos nós: continente ou regiões.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Era isto que queríamos e é para isso que o Sr. Deputado - lamento dizer-lhe! - não contribuiu decididamente, ao prolongar aqui no Plenário a política de sigilo e de pressão que caracteriza a acção do Governo Regional, que aqui representou da forma que pode.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus, para contraprotestar.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, queria apenas dizer-lhe três coisas.
Primeiro, não referi qualquer número na minha intervenção. Trata-se de uma opção metodológica, perfeitamente consciente, deliberada, e que VV. Ex.ªs entenderão como quiserem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É por isso que o estamos a acusar!
O Orador: - Segundo ponto: entendemos que a sede própria para apresentarmos essas propostas concretas é a Comissão de Economia, Finanças e Plano.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já devia estar discutido, já devia estar trabalhado e preparado!
O Orador: - E vamos fazê-lo logo no início dos trabalhos da Comissão.
Em terceiro lugar, queria dizer-lhe que o Sr. Deputado José Magalhães não pode circunscrever o debate e a solução das questões respeitantes às regiões autónomas à Assembleia da República. A Assembleia da República é, efectivamente, um órgão de soberania, tem a sua importância, ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio!
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O Orador: - ... mas é evidente que estas questões são preocupação de outros órgãos de soberania e dos órgãos de governo próprio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas sem secretismos!-
O Orador: - E todas as diligências e esforços que se desenvolvem nessas instâncias são tão legítimos como os que se possam fazer nesta Assembleia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Salvo se forem secretistas!
O Orador: - Finalmente, quero dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que se ainda não apresentámos nesta Assembleia as soluções de fundo que consideramos adequadas para os problemas que V. Ex.ª, os outros Srs. Deputados e nós próprios aqui temos levantado em matéria de regiões autónomas, isso deve-se à circunstância objectiva e concreta de que, neste momento, está em curso o processo de revisão do estatuto dos Açores e o processo de elaboração do estatuto da Madeira. Entendemos que só quando estiverem votados estes dois diplomas e aprovados pela Assembleia da República - aliás, com dignidade constitucional - é que se torna pertinente fazer a referida actuação ao nível de legislação ordinária, sob pena de estarmos a introduzir, agora, medidas que dentro de pouco tempo se tornarão perfeitamente inúteis. Essa é a razão!
Neste momento, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Pereira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Paulo Barral, para uma intervenção.
O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não fora o interesse e a necessidade sentida em trazer a VV. Ex.ªs algumas reflexões no que respeita ao Orçamento do Estado, no capítulo relativo à habitação e obras públicas, e não teria decerto subido a esta tribuna para intervir no debate.
Não me deterei, propositadamente na análise dos números, números, aliás, que VV. Ex.ªs bem conhecem. Deter-me-ei, sim, nos aspectos que enformam a política que neste sector está a ser seguida e que, embora com fortes constrangimentos, tem a sua expressão orçamental na proposta que estamos a discutir, agora na generalidade e que podemos em certas circunstâncias afinar na discussão na especialidade.
Os exercícios que todos somos tentados a fazer, relativamente às dotações inscritas nos Orçamentos, sabemos bem, são equacionados de formas diversas sempre, no entanto, com o objectivo de satisfazermos as nossas próprias argumentações. É, pois, um estilo exaurido, nada adianta ao debate.
Que política de obras públicas pode ser feita, em alternativa à que se nos apresenta dimensionada financeiramente no Orçamento do Estado? É uma pergunta que se põe a todos nós, maioria e oposição.
Que política de habitação e obras públicas poderia ser realizada, em alternativa, num país pobre, endividado, bastante desorganizado e ainda à procura do sistema administrativo que dê suporte eficaz, global e mais completo ao modelo político institucional que temos vindo a edificar?
Um país pobre não pode almejar, de um momento para o outro, num ano ou em dois, a resolver todas as carências que se revelam a cada passo quer na habitação, quer nas obras públicas, quer em qualquer outro sector quando durante anos em demasia não tem sido permitida a estabilidade política mínima para que a economia funcione.
Durante tempo excessivo, à resolução concreta das carências, preferiu-se o discurso das palavras, variado, contraditório e ineficaz. Postergou-se o interesse público, a favor de uma vida colectiva sem rei nem roque. Decidiu-se ao sabor das correntes!
E é evidente, que se há área onde se reflicta, desde logo, o descontrole da Administração, essa área é a das obras públicas. A recondução do sector ao seu normal funcionamento, leva tempo e impõe custos acrescidos.
Analisando o Orçamento do Estado de 1985, e tomando como referências anteriores Orçamentos do Estado, sentimos que o sector das obras públicas começa a reentrar, naquilo a que podemos chamar, no seu ritmo normal de produção e concretização.
O Governo, neste capítulo, não parece ter sido, como já foi dito nesta Câmara, resignado. Porventura, terá sido até afoito nuns departamentos e talvez demasiado restritivo noutros.
De facto, o incremento que está a ser dado à construção de novas rodovias é um esforço digno de ser realçado. Ninguém contesta a nova e melhor estrada que vai servir as nossas regiões ou a nossa terra. Todavia, há que recordar que este programa, ou melhor, este plano, tem subjacente a diminuição dos encargos com a rede rodoviária de 2.ª e 3.ª classes com a sua progressiva e gradual transferência para os municípios e para as regiões. A não ser assim, a Junta Autónoma das Estradas ver-se-á a curto prazo a braços com acrescidos encargos e, sobretudo, com uma área rodoviária ingerível.
Parece-nos, pois, que como medida atenuante o Orçamento do Estado deveria contemplar com mais verbas a JAE, no que respeita à conservação da rede existente. Nos últimos anos as verbas para conservação têm vindo, em termos absolutos, a ser reduzidas. Seria, pois, bom atentarmos nos efeitos que uma falta de conservação acarreta às estradas portuguesas.
Passando a outros sectores, ainda no que respeita às obras públicas estamos em crer que as verbas inscritas no Orçamento do Estado irão permitir o relançamento de obras, que têm vindo a ter ritmos lentos de realização, e que urgem ser definitivamente acabadas. Estão neste caso as obras que se referem às escolas e aos estabelecimentos de saúde.
Há no entanto que prevenir custos adicionais, que advêm de um ultrapassado regime de empreitadas e de concursos públicos. O Governo tem de se preocupar, urgentemente, com a revisão da legislação nesta matéria.
A não acontecer essa revisão, quase impossível é fazer previsões orçamentais correctas, e não sucederem encargos suplementares não previstos, nem possíveis de cobrir com as dotações inscritas.
As derrapagens orçamentais têm de ser evitadas, e por isso mesmo têm as obras de ser devidamente acompanhadas e controladas pelos departamentos. Para isso é necessário que os serviços, nomeadamente aqueles que estão na província, não vejam diminuídas as suas próprias verbas de funcionamento.
Passemos ao sector da habitação e urbanismo.
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Neste capítulo orçamental é importante determo-nos no que à habitação diz respeito.
O que a Secretaria de Estado da Habitação tem feito neste sector é digno de registo, qualquer que seja o quadrante político em que nos situamos.
A afectação dos meios financeiros propostos, para o sector da habitação, cerca de 22 milhões de contos, não são nem excessivos (nunca se é excessivo nesta matéria) nem diminutos, como os críticos costumeiros afirmam.
É, aliás, de enaltecer a acção integrada que tem vindo a ser desenvolvida pela Secretaria de Estado da Habitação.
O lançamento de uma política de financiamento à habitação feita através das cooperativas e das autarquias está a ser decididamente realizada pelo Instituto Nacional de Habitação e com sucesso indesmentível. Que o digam as cooperativas de habitação social e câmaras municipais, já ligadas aos novos esquemas de financiamento iniciados por este organismo.
Obras que estavam paradas, ou que estavam programadas e concursadas, mas não lançadas, no âmbito do ex-Fundo de Fomento de Habitação vão ser dotadas com as verbas necessárias à sua conclusão ou ao seu arranque. São algumas largas centenas de fogos, que alguns governos atrás tinham prometido, e relativamente aos quais foram criadas fortes expectativas às comunidades directamente interessadas.
Os programas de recuperação urbana, apresentados com o novo enquadramento legal, começam a ser lançados em Lisboa e no Porto. Os programas de recuperação de imóveis degradados (PRID) são reforçados. Assim, se começa a dar resposta cabal e coerente ao problemas que é essencial solucionar, o do parque habitacional degradado em zonas de traça urbana tradicional ou de alto valor patrimonial, histórico-artístico.
O problema habitacional tem várias vertentes. Os que apostam apenas no vector de mercado, não podem apresentar-se ao povo português como solucionadores credíveis desse magno problema. Da mesma forma, os que fazem sua bandeira, dever ser o Estado exclusivo promotor de habitação, estão condenados ao irrealismo das suas próprias teses.
É numa atitude concertada, dando saída e solução de forma gradual aos constrangimentos que o sector da construção civil atravessa, que se poderá vislumbrar a solução possível para o problema habitacional.
Há um ano, em pedido de esclarecimento que fizemos a um Sr. Deputado, no debate parlamentar relativo ao Orçamento do Estado de 1984, perguntámos se não seria necessário que, a antecipar a revisão do regime do arrendamento urbano, fosse feita uma «ofensiva» (passe a expressão) no sector da habitação social.
O desenvolvimento de uma política habitacional, com o quadro de carências que o nosso país regista, obriga, de facto, a que urgentemente se reveja o regime do arrendamento urbano.
Pensamos que o que já foi feito e preparado, em termos de habitação social, nos permite aceitar agora essa revisão, pois, foram criadas as condições para que uma medida tão difícil seja posta em prática sem causar o impacte negativo que em estilo de «tacada seca» originaria na sociedade portuguesa, nomeadamente, nas classes sociais de menores rendimentos.
A terminar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, diria que o Orçamento do Estado para 1985, no sector das obras públicas e habitação, reforça a nossa opinião de que
a estabilidade política compensa. Só na estabilidade se pode fazer obra!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Que credibilidade podem merecer as metas propostas pelo Governo nas Grandes Opções quando a política do Governo é a mesma, e quando este já nos habituou ao não cumprimento de qualquer delas e às maiores variações em relação aos objectivos quantitativos propostos?
Que credibilidade pode merecer um Orçamento que, para além de um défice 90 % superior ao do Orçamento inicial e 32 % superior ao do Orçamento revisto, ainda se encontra subavaliado, com défices ocultos, sem qualquer rigor ou enquadramento numa verdadeira política de combate à crise e ao subdesenvolvimento? Nenhuma.
As críticas vêm do Conselho Nacional do Plano, das comissões desta Assembleia da República, dos deputados da oposição e até da maioria. Resta, de facto, saber quem está de acordo com estas Grandes Opções do Plano e com este Orçamento.
Não tem credibilidade a política económica, que depois de em dois anos ter diminuído a FBCF em 26 %, fixa agora um crescimento do investimento em 2 %, inclusivamente depois de o ter fixado em 3 %, com o argumento de (sic) «não agravar o peso do sector público»... Quer dizer, para este Governo a preocupação não é o desenvolvimento do País, o melhoramento das condições de vida da população, «mas evitar o peso do sector público»... quando se sabe que neste se encontram as indústrias básicas estratégicas... Mas não deixa de ser também significativo que quando o Governo nos propõe um relançamento logo nos apresenta um aumento substancial das importações e do défice da balança de transacções correntes, a mostrar a falência da sua política enleada nos «ciclos viciosos» da desvalorização do escudo-inflação, nos «arranques e travagens» que se traduzem afinal na degradação económica e na degradação financeira do Estado e da República quer na sua vertente externa, quer interna.
Mas não é nossa intenção ficarmos apenas na análise do Orçamento e das Grandes Opções do Governo. A nossa postura, nesta intervenção, é de mostrar que há soluções e alternativas à política de desastre e miséria; de demonstrar que os Portugueses não estão condenados ao atraso, à miséria e ao subdesenvolvimento.
Há uma política para sair da crise e promover o desenvolvimento e esse «modelo» encontra-se definido na Constituição. A crise não resulta do sistema económico definido na Constituição, mas sim do facto de não se respeitar esse sistema.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A crise não resulta da existência do sector nacionalizado, mas do facto de os sucessivos governos se servirem dele como de uma «vaca leiteira», drenando as mais-valias para a acumulação de fortunas privadas e a restauração dos privilégios...
Aplausos do PCP.
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Uma política de recuperação e desenvolvimento exige de imediato o fim dos ataques às empresas públicas, à reforma agrária e a outras conquistas do nosso povo que impede a dinâmica produtiva e a dinamização das diversas formações económicas surgidas com o 25 de Abril.
E àqueles que querem fazer das empresas públicas o bode expiatório da crise, para delas se apropriarem, vale a pena lembrar-lhes o compadrio, o nepotismo e os ataques multiformes às empresas públicas que têm datas, governos (PS-PSD e CDS) e ministros.
Vale a pena lembrar a escolha de certos gestores públicos, verdadeiros «comissários políticos», (como defendia Lucas Pires) para a liquidação das empresas públicas.
Apesar de tudo isto um departamento oficial demonstrava ainda recentemente que (sic), «a produtividade por cada trabalhador nas empresas públicas e nacionalizadas era, em média, mais de 3 vezes superior à verificada a nível nacional».
E quando o governo Mota Pinto e quejandos falam da degradação financeira das empresas públicas vale também a pena recordar que por imposição dos sucessivos governos de direita 80% do financiamento das empresas públicas tem sido feito no mercado externo, mais caro, enquanto as empresas privadas têm sido financiadas em 98 % no mercado interno e só 2 % no mercado externo.
Dos 1000 milhões de contos de dívida externa das empresas públicas não financeiras, nos fins de 1983 cerca de 50 % resulta exclusivamente das sucessivas desvalorizações do escudo. E, como se não bastasse o Orçamento do Estado destina às empresas públicas 58 milhões de contos (subsídios e aumentos de capital) contra cerca de 57 milhões em 1984. É significativo!
Mas os sucessivos governos, e este em particular, não se têm limitado a degradar económica e financeiramente as empresas públicas. A degradação financeira atinge o Estado, o sistema financeiro (Banco de Portugal e Banca Comercial) e a República Portuguesa.
A dívida externa, que em 1975 representava 9 % do produto interno bruto, atinge hoje mais de 90 %. Esta é uma situação dramática e insustentável. E de quem é a responsabilidade?
Por isso, perguntamos ao Sr. Ministro das Finanças (que não está aqui mas o Sr. Secretário de Estado do Orçamento pode levar-lhe esta mensagem) que nos brindou aqui, ontem, com mais uma daquelas suas grandes máximas: «É mais fácil contrair dívidas do que pagá-las». Não se lembrará o Sr. Secretário de Estado do Orçamento e o Sr. Ministro do ar triunfal com que o Sr. Ministro, em cada um dos seus regressos do estrangeiro, anunciava sorridente ao País a contracção de mais um empréstimo. Empréstimos sobre empréstimos que entre 1976 e 1984 quintuplicaram a dívida em dólares e em mais de 25 vezes em escudos, para além da venda de 230 t de ouro entre 1975 e 1984!
Por isso, nós defendemos a renegociação da dívida em termos de defesa da independência nacional, de modo a diminuir a sua compressão; defendemos a redução da sua componente de curto prazo e a preservação das reservas em ouro, não pelo seu fetiche, mas porque a sua utilização fora de um contexto de uma política global da gestão da dívida a longo prazo, devidamente planeada, apenas conduzirá à sua delapidação a curto prazo, como este Governo tem vindo a fazer
agravando o acesso futuro aos mercai, is de capitais quer em quantitativo, quer em prazos, quer em taxas de juro.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - A situação financeira e o interesse do País exige que se recorra, sempre que possível, para o financiamento da componente importada dos investimentos a sistemas de compensação a médio e a longo prazos.
Exige que se ponha fim à miragem de transformar o sector exportador - e isto é para o CDS - na «locomotiva» da economia portuguesa, pois o sector exportador goza de benesses fiscais e de crédito, para onde são drenados recursos do País, que por sua vez são colocados no estrangeiro, através da sub e da sobrefacturação.
Acresce que o padrão das nossas exportações é fortemente desvalorizado, em que a sua competitividade assenta em baixos salários e é fortemente tributário das importações. Por cada unidade exportada são induzidas 0,36 de importações intermédias e se tivermos em conta a amortização dos bens de equipamento importados poderá concluir-se que 50 % do valor das exportações corresponde a importações por ela induzidas.
Uma política de exportação, integrada numa política de desenvolvimento, exige a diversificação das nossas relações económicas externas, a valorização das nossas exportações e do seu valor acrescentado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a grave situação económica e financeira do País, a grande opção que se coloca não é a continuação da política de atraso e de miséria, para encher os bolsos do grande capital, mas sim:
a) O aumento da produção, nomeadamente o aumento da produção agrícola e a produção nacional de produtos importados, o aproveitamento dos nossos recursos e energias internas e das capacidades instaladas não utilizadas;
b) A redução dos principais défices e dependências externas (alimentar, energético, tecnológico);
c) O melhoramento das condições de vida das populações, quer pelo combate à inflação e à deterioração dos salários reais, quer pelo aumento e melhoria dos equipamentos sociais e colectivos (escolas, hospitais, creches, infantários);
d) O saneamento financeiro do Estado, do sistema bancário e da República através de uma radicalmente diferente política financeira.
O aumento da produção exige também uma nova política de crédito, a diminuição das taxas de juro e uma nova política monetária e cambial que ponha travão à constante desvalorização do escudo.
O aumento da produção e da produtividade; uma política de recuperação e de desenvolvimento tem de ter como eixo fundamental e central o respeito pelo modelo económico inscrito na Constituição e a participação activa e criadora dos trabalhadores sem os quais não é possível sair da crise.
Os Portugueses não estão condenados à política de miséria e de subdesenvolvimento.
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Existe outra política, isto é, orientações e medidas capazes de suster o caminho para o desastre nacional e de resolver os graves problemas nacionais.
À recessão nós contrapomos o desenvolvimento; ao abandono dos nossos recursos e à sua entrega ao estrangeiro, nós contrapomos o seu aproveitamento pelas empresas portuguesas; à política de aumento das despesas correntes e supérfluas do Estado nós contrapomos o aumento do investimento produtivo; à política de submissão ao imperialismo, nós contrapomos uma política ao serviço dos Portugueses e de Portugal e de firme defesa da independência nacional.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.
O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Farei em primeiro lugar algumas considerações de carácter geral sobre a proposta que nos é submetida à apreciação para o Orçamento do Estado e porei seguidamente algumas questões ao Sr. Ministro do Equipamento Social que, como não se encontra presente, espero lhe sejam transmitidas. Farei também algumas considerações relativas aos problemas da habitação, no âmbito do Ministério do Equipamento Social.
Já foi afirmado nesta Câmara que parece finalmente existir um consenso bastante alargado em que o problema financeiro do nosso país é da responsabilidade colectiva dos Portugueses e da classe dirigente, que a iniciativa privada deve ser o motor da economia nacional, que são necessárias reformas de fundo e que é essencial um novo enquadramento das empresas públicas. Sobre esta matéria o meu partido sempre tem dito que o novo equilíbrio orçamental é muito mais um problema de redução de despesas do que de aumento das receitas, como parece ser opinião deste Governo.
Pensamos, e sempre o dissemos, que o endividamento do Estado tem que ser reduzido - não basta ocultar esta realidade por trás dos resultados obtidos na balança de transacções correntes. Sempre dissemos também que uma especial atenção tem de ser prestada ao endividamento externo, sob risco de estarmos a agravar as vulnerabilidades da nossa independência nacional.
O nosso país precisa finalmente de ser rapidamente modernizado, e daí, na despesa pública, darmos o nosso sim ao investimento - não ao investimento pelo investimento mas sim ao investimento reprodutivo, corrector de distorções estruturais, investimento que produza uma redistribuição do rendimento nacional. Assim, damos o nosso não à despesa corrente e ao fomento do consumo improdutivo, que fazem deste Orçamento um verdadeiro Orçamento da burocracia.
O Orçamento de Estado que nos é proposto para discussão não tem nenhum destes objectivos, ou seja, o problema da redução da despesa - do nosso endividamento, designadamente, o externo - e o problema da modernização da economia portuguesa através do investimento.
Comecemos pelo problema da despesa. A despesa pública cresce de forma preocupante. Em 1983 o profecto de orçamento discutido nesta Câmara apresentava um volume de despesa do Estado de 800 milhões de contos. Em 1985 é-nos proposto um Orçamento de 1314 milhões de contos. Como a atitude do Governo é de resignação - sobre isso, basta ver que, entre os propósitos e as medidas enunciadas nas pp. 4 e 5 do texto orçamental que nos é proposto, há um profundo sentido de demissão -, se não houver alterações na situação e um aumento de degradação, este Governo - que se diz governar até 1987 - virá apresentar-nos nesse ano um Orçamento com volume de despesa de mais de 2100 milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A perspectiva de dentro de dois anos termos de discutir um Orçamento de mais de 2100 milhões de contos põe-nos questões bastante importantes. Qual será o sentido da moeda portuguesa nessa altura? Qual será a coerência do nosso sistema económico? Qual será o sentido de equilíbrio social? Isto, quando alguns Srs. Deputados se mostram muito preocupados que sejam introduzidas, rapidamente, algumas modificações da nossa vida económica, por causa das repercussões sociais. Ponho este problema porque parece impossível aguentarmos esta situação por muito mais tempo.
Passemos à situação do endividamento. Segundo toda a argumentação aqui expendida, os juros são os grandes responsáveis pela situação actual. Mas o que diz a proposta para este ano do Orçamento do Estado? Em 1985 iremos buscar cerca de 170 milhões de contos ao estrangeiro quando em 1984 fomos lá buscar 98 milhões de contos. E a que se destinam os 170 milhões de contos? Cerca de 64 milhões para pagamento de dívidas, ou seja, o pagamento dos juros das dívidas é feito com novos endividamentos. Em segundo lugar, vamos buscar 100 milhões de contos de novo endividamento, o que significa que nos próximos anos o factor de juro tenderá a agravar-se como fenómeno de bola de neve. E resta-nos como consolação a promessa feita pelo Governo de que esses 105 milhões de contos (600 milhões de dólares) serão aplicados no financiamento de. investimento do Plano e outros investimentos reprodutivos.
Mas como o PIDDAC da administração central prevê apenas 61 milhões de contos, temo que os 45 milhões, sobrantes entre os 105 e os 61 sejam aplicados no financiamento das empresas públicas, entrando então em incoerência com o que tem sido, por várias vezes, diagnosticado como uma das causas da nossa má situação orçamental.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Passemos à situação do investimento, terceiro ponto de consideração geral.
O Governo fala em mudanças estruturais, relançamento e questões novas. Mas o que se verifica? Verifica-se que em 1983 os investimentos da Administração Pública representavam 7,63 % do Orçamento de Estado, ou seja, 61 milhões de contos em 801. Em 1985 o PIDDAC representa apenas 5,79 %, ou seja, 76 milhões de contos em 1314 milhões de contos. Ou seja, traduzindo em números mais perceptíveis, enquanto em dois anos o investimento cresce 15 milhões de contos, a despesa cresceu 513 milhões de contos. Realmente, nesta situação não é possível falar-se de uma política de relançamento, até porque o peso relativo do investimento, entre 1983 e 1985, decresceu 31 %, como pode ser visto por estes números.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este é o problema também aqui já focado das
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palavras e dos números. Estes são apenas 3 casos de profunda incoerência entre as palavras, as intenções e as actuações. Nada fazer sob o fantasma dos custos sociais é a melhor forma de sermos envolvidos numa situação que, a curto prazo, essa sim, já não poderemos controlar.
Pediria aos Srs. Membros do Governo para comentarem, se entenderem ser caso disso, as afirmações e os comentários que fiz sobre esta matéria.
Dirijo-me agora ao Sr. Ministro do Equipamento Social. No Orçamento de 1984 afirmava-se o seguinte: «Serão a TAP e a CP as empresas públicas do sector para as quais, em 1984, e tendo em atenção o avançado estado de degradação financeira de cada uma delas, serão estabelecidos programas de viabilização, que passarão, designadamente, por uma profunda racionalização da actividade das empresas. No caso da CP, em particular, será claramente definida a vocação e âmbito de actividade da empresa (tanto no tráfego de passageiros como no de mercadorias), com as inevitáveis consequências quanto às linhas a manter e ao tipo de equipamento a adquirir.» E depois refere-se que: «Em todo o caso a atitude geral em relação ao investimento no sector será, em 1984, fortemente restritiva.» Aliás, o Sr. Ministro recorda-se, com certeza, deste passo do texto do Orçamento do Estado.
Aquando do debate do orçamento suplementar tive a oportunidade de chamar a atenção - e V. Ex.ª nessa altura concordou, bem como o Sr. Secretário de Estado dos Transportes - que o problema da CP é um verdadeiro problema nacional. Em 1984, a indemnização compensatória ultrapassou os 10,3 milhões de contos e a dotação de capital ultrapassou os 2 milhões de contos. Poderemos dizer que há um défice não coberto - dado que também foram concedidos através do plano de investimentos do sector empresarial do Estado - de 4 milhões e 700 000 contos. Poderemos dizer que a CP é um problema de cerca de 20 milhões de contos por ano para o nosso erário público.
Sr. Ministro, as intenções foram feitas no Orçamento de 1984. Em 1985 que pensa o Governo fazer? Continuar na política dos protocolos avulsos sobre o encerramento das linhas, ou termos, finalmente, a definição de uma política para a CP? A minha bancada não quer listagens de medidas, quer conhecer qual é a política do seu Ministério sobre a CP.
O segundo assunto refere-se ao Fundo Especial de Transportes Terrestres (FETT). Em debates parlamentares, no ano passado, tentei 3 vezes obter da parte de V. Ex.ª resposta, e não o consegui, sobre qual o sentido exacto, no Orçamento de 1984, da transferência de 2,3 milhões de contos para despesas de carácter reprodutivo.
O FETT é um organismo que obedece a leis de fiscalidade específica. E fico extremamente preocupado quando leio no texto do Orçamento que o FETT transferirá para o Orçamento de Estado 6,8 milhões de contos - o que já é uma coisa discutível - em parte para investimentos no domínio dos transportes. Ò Sr. Ministro pode explicar-me a que é que se destinam os 6,8 milhões de contos transferidos para o Orçamento do Estado que não se destinam a transportes e contrariam a lei orgânica do FETT? Sr. Ministro, posso dar-lhe a referência disto, inclusivamente a página em que vem referido no Orçamento do Estado.
Pergunto-lhe Sr. Ministro, qual é, finalmente, a política que o seu Ministério tem sobre o FETT. Nós temos uma política quanto a isso e gostaríamos de saber qual é a política que o Ministério segue.
A terceira questão que vou colocar é sobre a habitação de que V. Ex.ª, Sr. Ministro, é o responsável - e digo-lhe que lhe não invejo a pesada carga. Os Portugueses ficaram surpreendidos - desde o anterior regime estavam habituados a ter na orelha que Portugal tinha uma carência de 700 000 fogos - com a declaração de um membro deste Governo de que as carências habitacionais, afinal, são de 150 000 fogos. Não se trata, evidentemente, deste Governo ou dos outros que o precederam, ter construído 550 000 fogos. Trata-se sim de que este Governo admite que os padrões de habitabilidade baixaram para os Portugueses e que se têm de habituar a viver em condições piores do que aquelas que se consideravam dignas há cerca de 13 anos.
O Sr. Ministro também anunciou - pelo menos os jornais anunciaram - que se iriam construir cerca de 100 000 fogos, ou que iria iniciar-se um programa de construções de cerca de 100 000 fogos. Penso que é importante sermos esclarecidos sobre um ponto. Ò acordo político entre o PSD e o Partido Socialista - peço desculpa, entre o Partido Socialista e o PSD - diz que deve haver uma aprovação, durante o mês de Fevereiro de 1985, do novo regime de renda habitacional, com o problema da renda social, etc., para entrar em vigor no segundo semestre.
Os Portugueses já tinham ouvido dizer que o problema era para estar resolvido em Agosto de 1983. Isso fazia parte das 100 medidas que foram prometidas ao eleitorado português - 100 dias, quando foram as eleições de 25 de Abril de 1983. Mas essas, como cerca de 80 % das outras, ficaram no tinteiro. Agora, neste momento, estamos confrontados com o acordo, muito mais preciso, que é o de haver uma nova lei das rendas em Fevereiro de 1985.
Mas, Sr. Ministro, uma política de habitação não é apenas um problema de maior ou menor liberalização das rendas, pois envolve outros parâmetros: fiscais, técnicos, etc. Importa-se de nos dizer, Sr. Ministro, qual é a política do seu Ministério sobre o sector da habitação?
Terminaria fazendo um apelo a que o Sr. Ministro do Equipamento Social não nos dê listagens de medidas. Gostaríamos de saber claramente, e apenas, quais os vectores força que enformam a política do seu Ministério sobre estes 3 pontos, ou seja, o problema da CP, do FETT e da habitação.
Aplausos do CDS.
O Sr. Ministro da Saúde (Maldonado Gonelha): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, peço a sua benevolência e a da Câmara para a minha falta de experiência das figuras regimentais, mas, dada a intervenção do Sr. Deputado Anacoreta Correia, os meus colegas, quer o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, quer o Sr. Ministro do Equipamento Social, gostariam de prestar alguns esclarecimentos. Por isso, é para eles que lhe peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Saúde, poderão usar da palavra utilizando ou a figura de pedido de esclarecimento ou a do protesto.
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O Sr. Ministro da Saúde: - Então, optaremos, talvez, pela figura regimental do pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Alípio Dias): - Sr. Deputado Anacoreta Correia, ouvi-o com toda a atenção que me merece e com toda a estima que, como sabe, lhe dedico, mas gostaria que me clarificasse 2 pontos da sua intervenção.
Um dos pontos refere-se a uma passagem, em que declara haver falta de coerência entre aquilo que se afirmou e aquilo que realmente consta dos documentos remetidos a esta Câmara. Gostaria de perguntar a V. Ex.ª se acha ou não que as medidas propostas, quer em termos de aligeiramento da carga fiscal, quer em termos de reforço das verbas do PIDDAC (terá de comparar 76 milhões de contos em 1985 com 59 milhões em 1984), são compatíveis com o discurso que foi feito no sentido de que venha a assistir-se em 1985 a um relançamento da economia portuguesa.
A segunda questão - tenho de pedir desculpa a V. Ex.ª porque não retive o número - refere-se ao número que citou sobre o montante global de endividamente no final de 1985. De facto, não tive ocasião de reter esse número, mas gostaria que nos explicasse como chega a esse número e quais são de facto as premissas que estão subjacentes à sua indicação.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro do Equipamento Social.
O Sr. Ministro do Equipamento Social (Rosado Correia): - Sr. Deputado Anacoreta Correia, gostaria de esclarecer algumas questões que foram levantadas por V. Ex.ª e, em especial, de reportar-me ao facto de ter referido que tem notado incoerência nas empresas públicas.
É natural, Sr. Deputado, que refira que tem notado incoerência nas empresas públicas, na medida em que o Sr. Deputado também é responsável pela situação em que essas empresas públicas foram encontradas pelo IX Governo. O ser responsável leva-me a referir-lhe que quando este Governo tomou posse, em 1983, a dívida no sector dos transportes era de 90 milhões de contos. Sem dúvida nenhuma, alguma responsabilidade cabe ao Sr. Deputado, na altura Secretário de Estado.
Mas, na medida em que é importante referir-lhe que existe uma política, é também importante comunicar-lhe que, como herança do ano de 1983, o défice no sector dos transportes foi ainda de 23 milhos de contos e que em 1984, devido já a essa mesma política imposta por este Governo, o défice passou para cerca de 9 milhões de contos. E conforme pode ler no Plano e no Orçamento para 1985, esperamos reduzir esse défice para um terço, no sector dos transportes.
Quanto à viabilização das empresas públicas do sector dos transportes - TAP e CP - que é apontada no Orçamento para 1985, quero comunicar-lhe que, hoje mesmo, o Conselho de Ministros começou a discutir o contrato-programa para a viabilização da TAP e que já se encontram elaborados todos os contratos-programa, bem como os contratos de gestão, no que respeita às restantes empresas. Isto quer dizer que vamos todos saber finalmente quais vão ser as responsabilidades dos gestores dentro dessas empresas e os compromissos que competem também ao próprio Governo e aos próprios trabalhadores.
É com muito agrado que lhe transmito que o contrato-programa com a TAP se encontra subscrito por 10 sindicatos, bem como apresentado e acordado, quer com o Ministério, quer com a administração da própria TAP. Portanto, esperamos que, logo que esteja aprovado, o Sr. Deputado possa realmente tomar conhecimento das verdadeiras medidas, quer para o sector da TAP e da CP, quer para o sector das restantes empresas públicas.
Colocou-me algumas perguntas sobre o Fundo Especial de Transportes Terrestres (FETT). É certo que se houve indefinição nas aplicações das verbas do Fundo Especial de Transportes Terrestres, tornou-se bem explícito e bem claro que este Fundo, além de se destinar às empresas públicas, também devia ter, em conformidade com os seus estatutos e legislação em vigor, uma complementaridade de apoio ao sistema rodoviário existente. De maneira que é impossível modernizar o sistema de transportes se não existir a componente rodoviária em condições.
É assim que os números de 1984 que referiu constituíram, em grande parte, transferências para o sector da Junta Autónoma das Estradas (JAE), que bastante contribuíram para uma melhoria dentro do sistema rodoviário nacional.
Também não podemos esquecer que uma das maiores carências a nível nacional é o sistema de sinalização e de organização do trânsito a nível nacional. É também daí que surge uma verba de apoio ao sector de sinalização e ordenamento de trânsito, verba essa que já é significativa nos resultados que se estão a conseguir.
Quanto ao sector da habitação, é uma política muito mais completa a que me mandaram concluir nessa matéria. Terei talvez oportunidade de a explicitar melhor noutra altura, na medida em que ela é global e passa pelo planeamento e ordenamento territorial, pela bolsa de solos, pelo apoio às autarquias em promoção directa e às cooperativas, que, como o Sr. Deputado sabe, estavam mortas, e pelo relançamento da habitação social, que foi esquecida.
Uma nova política é também a da reabilitação urbana, que nunca foi lembrada no Governo a que o Sr. Deputado pertenceu.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Anacoreta Correia.
O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS): - Srs. Membros do Governo, agradeço os esclarecimentos que me foram prestados sobre estes assuntos pelos Srs. Membros do Governo.
Gostaria de dizer que não será este o momento de fazer comparação entre este e outros governos. Quando o Sr. Ministro do Equipamento Social quiser fazer essas comparações, estarei à sua disposição, fora desta Câmara, em qualquer debate político. Tenho muito prazer em debater politicamente essas questões. De resto, tenho o hábito de as debater com colegas seus do PS, desde antes da minha entrada no governo; tenho uma longa prática de diálogo com o PS, com o qual não me dei mal.
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Portanto, terei ocasião de o esclarecer, porque me parece que o Sr. Ministro do Equipamento Social está bastante mal esclarecido sobre alguns assuntos.
Quero dizer-lhe que me alegra saber que o Fundo Especial de Transportes Terrestres está a prestar apoios ao sector rodoviário, porque, efectivamente, sempre foi nossa posição a de que o planeamento rodoviário deveria estar integrado na área dos transportes. Isto sempre fez parte dos princípios de política dos transportes e, nesta matéria dos princípios de política dos transportes, tenho algumas metas que não se discutem.
Sr. Ministro, certo tipo de dotações que foram feitas pelo Fundo Especial de Transportes Terrestres não fazem parte dos fins específicos deste Fundo. Mas também não levantei esse problema aqui, mas sim quando surgiu o problema do Orçamento suplementar.
Hoje quis apenas saber qual era o sentido da expressão constante do Orçamento do Estado da transferência de verbas do Fundo Especial dos Transportes Terrestres, parte das quais para serem aplicadas em transportes, o que, colocado desta maneira, contraria a Lei Orgânica do Fundo Especial dos Transportes Terrestres, que o Sr. Ministro e eu somos obrigados a respeitar.
Sobre o problema da habitação, aguardamos com imensa ansiedade a explicação do que é a política de habitação.
Estou de acordo consigo em que faz parte dela um conjunto de vectores, entre os quais a recuperação de imóveis degradados. Este problema assemelha-se um pouco ao problema da energia, em que nos esquecemos muitas vezes de que a componente mais importante nas economias energéticas é a própria conservação da energia.
Mas, Sr. Ministro, esperamos uma política - e uma política significa hierarquização. Não espero catálogos de medidas, mas sim que nos digam o que é mais importante, o que é mais importante em segundo lugar, etc., e não apenas catálogos de medidas.
Sobre o problema da situação financeira das empresas públicas, é evidente que há políticas que são seguidas em determinado número de momentos. Hoje os economistas falam muito na situação conjuntural, como o Sr. Ministro falou.
Peço desculpa por ir fazer de seguida uma referência pessoal. Quando estive na Secretaria de Estado dos Transportes tive uma estratégia, e essa estratégia chamava-se consolidar as pequenas empresas para concentrar toda a atenção nos grandes problemas, depois de as pequenas dores de cabeça estarem feitas.
Para seu esclarecimento, desses e doutros pontos, devo dizer-lhe que o problema da CP não era da minha tutela. Mas o problema da CP é um problema que a minha bancada coloca aqui, ajudando, pois entendemos que deve haver um debate nacional. Há muitos fantasmas brancos e muita demagogia por detrás do problema da CP, que tem de ser levantado, porque o problema tem de ser resolvido por este, pelo nosso ou por outro qualquer governo. O problema não é do Sr. Ministro Rosado Correia, mas deste país, de uns caminhos-de-ferro que custam demasiado caro para o mau serviço que prestam. Isso tem de ser dito, Sr. Ministro.
Finalmente, quanto ao problema que o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, Alípio Dias, colocou, não quereria dizer que é uma pequena e média incoerência, porque essa utilização das «pequenas e médias pertence a outras bancadas, mas lendo a parte final da p. 4 e o início e o final da p. 5 do texto desta proposta de lei de Orçamento, entre os propósitos e depois, a confissão de incapacidade dada à despesa corrente, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento encontrará as razões por que falei em incoerência. Sobre o problema da dívida externa - era isto que o Sr. Secretário de Estado do Orçamento tinha mais interesse em conhecer -, ele encontra-se na p. 9, no n.º 4, que reza assim:
O recurso total ao crédito externo previsto é de montante equivalente a 169,3 milhões de contos, que inclui as necessidades financeiras decorrentes das amortizações de empréstimos externos com vencimento em 1985 (cerca de 64,3 milhões de contos). A diferença entre os montantes indicados corresponde a um endividamento externo líquido adicional de 600 milhões de dólares, - os tais 105 milhões de contos - de que resultarão recursos a aplicar no financiamento de investimentos do Plano ou de outros empreendimentos reprodutivos.
Como o PIDDAC são 60 milhões de contos, resulta uma diferença de cerca de 40 milhões de contos. Pelo menos fiz essas contas. A aritmética pode não estar 100 % certa, mas, enfim, julgo que ela está certa nos grandes números.
Gostaria também de dizer ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento que pessoalmente não sou adepto do tipo de oposições do «bota-abaixismo». Reconheço que neste Orçamento existem pormenores que constituem factores de avanço. O problema é que, globalmente, quanto à tal hierarquização que explicava ao Sr. Ministro Rosado Correia, é essencial saber o que é mais e o que é menos importante. Isso é que é fazer política; fazer catálogos não é fazer política.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já terminou o seu tempo, pelo que lhe peço o favor de concluir.
O Orador: - Certo, Sr. Presidente, termino já. Apenas me demorei um pouco mais porque julgo ser importante discutir alguns conceitos.
Para terminar, Sr. Secretário de Estado do Orçamento, gostaria de dizer que o desagravamento fiscal é importante. Nas orientações, considero que é extremamente importante e realista a fórmula que é posta sobre a substituição de contigentes do Estado por uma determinada percentagem, privilegiando técnicos e quadros superiores.
É matéria sobre a qual já tivemos ocasião de trocar impressões várias vezes. O Sr. Secretário de Estado do Orçamento sabe perfeitamente que esse é o meu ponto de vista.
Considero positivo que no imposto complementar seja feito um desconto de 50 % no que as pessoas pagam em propinas; considero muitas outras coisas positivas. Mas, Sr. Secretário de Estado do Orçamento, o problema é que os grandes vectores continuam a apontar para um triângulo que talvez tenha mais do que 180º. Esse é que é o problema.
O Sr. Presidente: - Deseja usar da palavra, Sr. Ministro do Equipamento Social?
O Sr. Ministro do Equipamento Social: - Não, Sr. Presidente. Agradeço a atenção, mas realmente o
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Sr. Deputado não necessita de qualquer resposta, na medida em que não a formulou.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Mário Cristina de Sousa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sua intervenção de abertura da discussão na generalidade das Grandes Opções do Plano e Orçamento do Estado para 1985, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano salientou já as directrizes essenciais a que obedecem aqueles documentos. Esclareceu, designadamente, qual o padrão de política económica pressuposta nas Grandes Opções do Plano para 1985, bem como os motivos que tinham levado o Governo a optar por aquele padrão.
Não haveria pois grande justificação para uma intervenção do secretário de Estado do Planeamento sobre essa matéria, se não fosse o caso de terem entretanto surgido diversas intervenções versando matéria que tem a ver directamente com as Grandes Opções do Plano, e que merecem e justificam a prestação de alguns esclarecimentos adicionais. Só desta forma se pode de facto criar um efectivo debate em torno de documentos tão essenciais na vida política do País, e, em qualquer caso, exigi-lo-ia o respeito que esta Câmara merece ao Governo.
Centrar-me-ei pois sobre dois temas específicos: o padrão de política económica proposto para 1985, e as questões relacionadas com o desenvolvimento regional.
A política económica proposta para 1985 assenta, como já mais que uma vez aqui foi dito, na ideia-chave de retomar o crescimento sem pôr em risco o equilíbrio externo. Não valerá a pena repetir as explicações já aqui muitas vezes dadas para esta preocupação com o equilíbrio externo: a sua recuperação, conseguida ao longo da segunda metade de 1983 e do ano de 1984 teve os custos que são bem conhecidos: deitar fora esses resultados, através da opção por um crescimento eufórico, seria uma atitude irresponsável e insensata que este Governo não quer subscrever.
O exercício da política económica é bastante menos fácil na prática que nos livros de texto. Há certas variáveis sobre as quais o Governo tem comando directo ou quase directo; há outras que só indirectamente pode influenciar, sendo por vezes imprevisíveis as reacções que se vão desencadear. As relações entre o tipo e a intensidade dos instrumentos a que se recorre e os objectivos que se pretende atingir não obedecem quase sempre a modelos rígidos e bem definidos, e são em geral estimáveis apenas em termos aproximados.
É neste sentido que têm de ser entendidas as quantificações com que, num documento como as Grandes Opções do Plano, se procura ilustrar o padrão da política económica proposto. Porque o que é verdadeiramente essencial explicitar num documento deste tipo são as escolhas que o Governo propõe como quadro de referência da política económica que pretende desenvolver em 1985 - e sobre as quais a Assembleia da República dirá se está ou não de acordo. Só a partir da aprovação dessas escolhas é que o Governo está em condições de aprofundar e desenvolver o padrão da política escolhido, e passar à sua execução prática. A quantificação macro-económica apresentada destina-se a mostrar uma trajectória possível da economia portuguesa em 1985, compatível com a estratégia proposta - mas o que está verdadeiramente em causa e aquilo que deverá ser o verdadeiro objecto de apreciação e decisão nesta Assembleia é a própria estratégia. Tanto este ano, como no ano anterior, o Governo teve a preocupação de apresentar a esta Câmara propostas de política económica adequadas à situação conjuntural efectiva do País, e susceptíveis de serem executados: em 1984 deu-se a primazia ao défice externo, porque a situação externa assim o exigia; em 1985, com a situação externa sob controle, pode apontar-se para objectivos de crescimento económico moderado, e de controle da inflação.
Deste modo, o que está verdadeiramente em causa nestas Grandes Opções do Plano para 1985 é:
Em primeiro lugar, o acordo da Assembleia à escolha pelo Governo de objectivos daquele tipo como quadro de referência para a sua política económica em 1985;
Em segundo lugar, o acordo da Assembleia às orientações propostas quanto à via pela qual o crescimento se deve dar e em relação às quais o ponto mais controverso será certamente o comportamento previsto para o investimento.
Admite-se, com efeito, que o investimento privado terá um crescimento mais forte que o público, embora em nível bastante moderado. Uma opção de política económica deste tipo envolve riscos evidentes: o investimento público é directamente controlado pelo Governo, é, pois, possível dar garantias quanto aos crescimentos que se prevêem, bem como quanto às reacções positivas da economia. Todavia, uma proposta de política económica, mesmo apresentada apenas em linhas gerais, tem de ser coerente - e, neste caso, havia que torná-la coerente com a preocupação de travar o crescimento do peso do sector público na economia. Esse peso não é determinado predominantemente - nem no sector público administrativo nem no sector público empresarial - pelas despesas de investimento. É-o, sobretudo, pela dificuldade de compressão das despesas correntes do Estado, bem como pelas situações de desequilíbrio financeiro a que certas EPs chegaram, e cujos custos se estão agora a pagar - mas são situações que existem e cuja eliminação não pode ser imediata. O lançamento de programas de investimento público com a preocupação predominante ou exclusiva de reanimar a actividade económica seria atitude de êxito fácil, mas dificilmente compatível com a preocupação de evitar que um volume excessivo de recursos seja absorvido pelo sector público.
Mas importa ainda não esquecer uma outra faceta importante do investimento, a sua faceta estrutural.
O objectivo final do investimento não é reanimar a actividade económica; é aumentar a capacidade produtiva do País em condições tais que a essa capacidade acrescida corresponda uma rentabilidade capaz de recuperar o investimento efectuado. O investimento em infra-estruturas - que constitui a quase totalidade do investimento público - só indirectamente é reprodutivo, na medida em que apoia e facilita o investimento produtivo. Daí, pois, a necessidade de garantir um justo equilíbrio entre os dois tipos de investimento e de garantir, em particular, a efectiva utilidade de cada investimento público que se faz.
É perfeitamente claro, por outro lado, que a agricultura e a indústria portuguesas necessitam de um es-
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forço sério de modernização, por forma a fazerem face aos desafios que a integração europeia lhes vai trazer. Não é o investimento público que vai dar resposta, em primeira linha, a esta necessidade. Poderá apoiá-la, através da formação profissional, do apoio tecnológico, das acções de promoção externa; mas é, em última análise, o investimento produtivo privado que poderá concretizar a desejada modernização. O próprio sector empresarial do Estado tenderá a orientar-se cada vez mais para investimentos de tipo infra-estrutural ou de apoio à actividade económica (energia, telecomunicações, transportes, etc.), e não para investimento produtivo directo.
A questão que naturalmente se põe é: como se vai obter este crescimento do investimento privado? Não se trata, naturalmente, de objectivo sobre o qual o Governo possa dar garantias firmes. Todavia, o comportamento esperado para a procura, tanto externa como interna, permite antever estímulos suficientes para desencadear uma retoma do investimento, que é, apesar de tudo, relativamente modesta, face às quebras entretanto verificadas. Até Novembro de 1984, as exportações cresceram (em dólares) cerca de 14% em relação ao período homólogo de 1983. A estimativa de crescimento implícita nas Grandes Opções do Plano para 1985 é de 5,5%, número que parece claramente verosímil face aos resultados obtidos em 1984.
Por outro lado, o comportamento dos salários em 1985 deverá ser significativamente diferente do que foi em 1984: após uma quebra significativa verificada ao longo do ano passado - com as naturais consequências no consumo privado - é propósito firme do Governo, claramente explicitado nas Grandes Opções do Plano, evitar que tal situação ocorra de novo. Admite--se, nestas condições, que o rendimento disponível cresça de cerca de 23% entre 1984 e 1985, o que deverá permitir um crescimento real do consumo privado.
O que o Governo pode fazer para estimular este crescimento do investimento privado está também dito nas Grandes Opções do Plano. Antes de mais, minimizando, dentro das limitações existentes, o recurso ao crédito pelo sector público: nesse sentido, as últimas estimativas disponíveis apontam para a possibilidade de reduzir, em 1985, de 1 a 2 pontos percentuais as necessidades de crédito do sector público alargado medidas em relação ao PIB. Este resultado deverá ser obtido, em primeiro lugar, à custa de uma total regularização das relações entre o Fundo de Abastecimento e o Fundo de Garantia de Riscos Cambiais em algumas das empresas públicas que, por força da sua posição de importadores de bens essenciais, mantêm fluxos financeiros importantes com aqueles fundos. Também o programa de investimentos das empresas públicas para 1985 está ajustado a essa preocupação de contenção das necessidades globais de financiamento do sector público, assim como, num conjunto já significativo de empresas (em especial no sector dos transportes), estão lançados programas de contenção de custos, que já deram resultados em 1984 e continuarão a dá-los em 1985.
Por outro lado, o Governo tem já pronto para aprovação em Conselho de Ministros um novo sistema de incentivos ao investimento, orientado para a modernização e desenvolvimento da base tecnológica da indústria portuguesa. Este sistema, combinado com um outro presentemente em preparação, orientado para o apoio à reestruturação de sectores industriais em crise, permitirão substituir com vantagem o Sistema de Incentivo ao Investimento Industrial. E com vantagem, porque vão ao encontro daquilo que são os dois problemas fulcrais da indústria portuguesa: a modernização do aparelho industrial e a recuperação (quando possível) de sectores com procura em regressão e que é preciso ajustar a novas realidades, designadamente à concorrência em espaços económicos mais alargados. Deste modo, não se trata de repetir, sob outra forma, um processo de impulso generalizado e indiscriminado ao investimento, tal como se fez em 1980 com o Sistema de Incentivo ao Investimento Industrial, daí resultando a situação, aqui descrita na intervenção do Sr. Deputado Guido Rodrigues, de uma concessão praticamente indiscriminada de benefícios fiscais e financeiros, que exige um controle a posteriori de execução extremamente difícil. Se bem que o sistema tenha sido revisto em 1983, com significativos melhoramentos quanto à selectividade, o essencial da filosofia não foi mudado. A substituição que agora se vai fazer orienta-se para o apoio a um crescimento qualitativo do investimento, pois só nesses termos se justifica transferir recursos públicos para investidores privados.
O novo sistema contém inovações significativas, das quais mencionarei as seguintes:
A selecção de projectos não é feita na base do seu enquadramento sectorial ou regional, mas das suas qualidades intrínsecas enquanto elemento de modernização e inovação do aparelho industrial português;
Os incentivos financeiros considerados não assumirão a forma de bonificação de juro, mas sim de subsídio ao investimento, pago em função do grau de realização do investimento e sujeito a prévio cabimento orçamental;
O sistema será gerido de forma descentralizada, atribuindo-se às entidades apreciadoras capacidade de decisão até níveis que abrangerão a grande maioria dos projectos.
Passaria, agora, à questão da política de desenvolvimento regional. O capítulo que as Grandes Opções do Plano dedicam a esta matéria é sintético e é-o deliberadamente. Com efeito, as linhas mestras da política regional do Governo foram fixadas, em termos bastante desenvolvidos, na Resolução do Conselho de Ministros n.º 21/84, de 16 de Janeiro, pelo que se considerou desnecessário reproduzi-las neste documento: tratando-se de matéria tão importante, é de presumir que a Assembleia tivesse já pleno conhecimento dessa posição do Governo. Entendeu-se, pois, citar apenas as áreas que serão objecto de actuações ao longo de 1985, tendo-se dado particular relevo às que têm consequências sobre o Orçamento do Estado. Não creio que seja objectivo de um documento deste tipo informar exaustiva e detalhadamente a Assembleia, mas indicar apenas as linhas gerais de actuação em cada área política, cabendo naturalmente à Assembleia, ao longo do debate na especialidade, exigir os esclarecimentos complementares que considerar necessários, e que o Governo naturalmente fornecerá.
Gostaria, porém, de chamar a atenção desta Assembleia para algumas questões suscitadas pelo tema «desenvolvimento regional» que têm vindo a ser abordadas em diversas intervenções proferidas nesta Câmara.
Qualquer país, como o nosso, que enfrenta problemas de assimetrias regionais de crescimento tem de se
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preocupar com o desenvolvimento regional, mas não necessariamente, ou não exclusivamente, como política autónoma: em rigor, a política de desenvolvimento regional constitui, antes de mais, a dimensão espacial da política económica, ou seja, preocupa-se com a forma como se distribui especialmente o desenvolvimento económico do País, sendo certo que números médios podem esconder graves assimetrias internas.
Deste modo, a política regional é, antes de mais, uma preocupação que tem de estar presente em todas as decisões de política económica geral que possam ter expressão espacial - e, em particular, nas decisões de investimento público que possam afectar, negativa ou positivamente, as infra-estruturas de apoio ao investimento produtivo e às condições de vida das populações; ou seja, a política regional faz-se, antes de mais, no exercício corrente da política económica, e não como política específica e isolada. Tal não impede, porém, que se possam lançar acções especificamente orientadas para potenciar o impacte regional positivo eventualmente resultante da política económica geral. É esse tipo de acções que são mencionadas no capítulo das Grandes Opções do Plano sobre política regional, e, em particular, aquelas que têm vindo a ser objecto de alguma experiência nos últimos anos. Refiro-me aos programas integrados de desenvolvimento regional - conceito que foi lançado há cerca de dois anos por iniciativa da Secretaria de Estado do Planeamento, em estreita cooperação com as comissões de coordenação regional, e que visa definir conjuntos de acções de responsabilidade dos órgãos sectoriais da administração central e dos órgãos de administração local, orientados para objectivos específicos da região em que se localizam e, em geral, ligados a aumentos da produção agrícola, assim como as melhorias das infra-estruturas de apoio à actividade produtiva e das condições de vida das populações. Tratando-se de conceito teoricamente correcto, e já objecto de aprofundamentos técnicos no âmbito da Secretaria de Estado do Planeamento, designadamente em matéria de métodos de avaliação, a experiência de realização não tem tido resultados inteiramente satisfatórios. Nalguns casos, porque o programa integrado de desenvolvimento regional foi concebido a partir de projectos em curso já inquinados de erros originais e sobre os quais espero poder, em 1985, esclarecer definitivamente o que deles se pode esperar para o futuro. Noutros, porque o êxito do programa pressupõe que as várias entidades envolvidas cumpram com rigor o programa acordado, e nem sempre isso tem acontecido. Daí, pois, que a posição defendida pela Secretaria de Estado do Planeamento nesta matéria tenha sido a de alguma prudência, exigindo que o lançamento de novos programas integrados seja precedido de cuidadoso estudo preparatório, por forma a se minimizarem as hipóteses de falhanço futuro. Em qualquer caso, o conceito não foi concebido para cobrir o País de norte a sul, e de leste a oeste. Não se pode esquecer que uma parte significativa dos investimentos públicos tem impacte regional. Só para lhes dar um exemplo: em contacto directo que tive com alguns autarcas de Trás-os-Montes, no âmbito de uma sessão de avaliação do estado de avanço do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes, pude verificar que uma das mais sentidas aspirações locais, considerado grave factor de bloqueio ao desenvolvimento da região, era a inexistência de uma via rápida Porto-Vila Real-Bragança. Como se sabe, o Governo tomou em 1984 decisões conducentes ao arranque efectivo do projecto, que vai ser executado nos próximos anos e que constitui, de facto, um excelente exemplo de como a política de investimentos da administração central pode ter um papel chave no desenvolvimento regional. E isto, se é verdade no caso das estradas, também o é no caso dos aproveitamentos hidro-agrícolas ou de fins múltiplos, na construção de escolas e hospitais, na melhoria das redes de telecomunicações e de distribuição de energia eléctrica, nas acções de extensão rural, etc. Os exemplos poderiam multiplicar-se.
Não constitui, pois, o desenvolvimento regional uma preocupação menor deste Governo mas antes uma verdadeira prioridade. A sua aplicação não se traduz necessariamente em decisões espectaculares e vistosas, resulta, sim, da selecção cuidadosa, no dia-a-dia, dos projectos de investimento público que os vários departamentos sectoriais da Administração Pública vão propondo e que na Secretaria de Estado do Planeamento são analisados. É preciso, de uma vez por todas, pôr termo ao mito de que instituições localizadas no âmbito do Ministério das Finanças e do Plano sofrem necessariamente da miopia do centralismo: não só existe, no âmbito da Secretaria de Estado do Planeamento, uma tradição séria, e já de vários anos, de estudo e profundamento das questões de desenvolvimento regional, como todo o trabalho de programação é sempre efectuado em estreito diálogo e colaboração com as comissões de coordenação regional.
Nesta perspectiva, gostaria de sossegar os Srs. Deputados quanto ao problema de existirem ou não projectos susceptíveis de absorver os fundos que a adesão à CEE porá à nossa disposição, designadamente no quatro do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.
Com efeito, tanto no quadro do PIDDAC como do PISEE dispõe-se de uma carteira de projectos, alguns já em curso, outros prontos a arrancar, com base nos quais se admite que pelo menos 60% a 70% dos fundos disponíveis poderão ser absorvidos. Não cremos que venham a existir dificuldades de maior para que a parte complementar seja absorvida com projectos de iniciativa autárquica, de cooperação entre poder central e poder local e de iniciativa das regiões autónomas. Deveremos ainda pôr em execução, ao longo de 1985, um sistema de incentivos ao investimento de base regional, cujos custos serão parcialmente comparticipados pelo FEDER.
Não vale a pena, no entanto, escamotear as dificuldades que a montagem de um esquema institucional adequado certamente vai originar. O que queria acentuar é que não partimos exactamente do ponto zero: o esquema de recolha e filtragem de propostas de investimento da administração central e das empresas públicas existe, está montado, e funciona - trata-se apenas de ajustá-lo às novas realidades e às acrescidas exigências que o processo de candidatura de projectos ao FEDER vai exigir. Também as CCRs têm uma boa experiência de contacto e acompanhamento do investimento autárquico, em particular nos casos de cooperação financeira com a administração central; delas se espera, pois, um papel importante na selecção de projectos a propor ao FEDER - papel que não será simples, face ao número elevado de autarquias com que cada comissão está em contacto e às inevitáveis arbitragens que, em consequência, vai ser necessário estabelecer.
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Este é, pois, o panorama que, nesta altura considero poder traçar. Reconhecendo que há passos importantes ainda a dar, não gostaria que ficassem com a ideia de que o Governo está parado nestas matérias, e que tudo tem de começar do zero. Há trabalho feito, há trabalho em curso e há suficiente capacidade técnica para levar por diante o que falta fazer.
Aplausos do PS e do PSD.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pinheiro Henriques, Octávio Teixeira, Abílio Curto, José Magalhães, Carlos Lage, Raul Castro, João Lencastre e Daniel Bastos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado, lamento não ter ouvido as suas palavras iniciais e por esse facto admito a possibilidade de certas questões que lhe irei colocar já terem sido abordadas ou respondidas durante a sua exposição. Isto ficou a dever-se ao facto de desconhecer que V. Ex.ª iria usar agora da palavra, em virtude de me terem informado que quem se encontrava inscrito para usar da palavra por parte do Governo seria outro elemento e não o Secretário de Estado do Planeamento.
Começaria por lhe fazer um pedido e uma crítica ao mapa VII do Orçamento. O pedido era que fosse fornecida a esta Câmara, caso exista, e caso não exista que isso seja revelado, a discriminação dos programas constituídos apenas por projectos sem carácter plurianual ou com despesa total e inferior a 50 000 contos.
A crítica também diz respeito a esta matéria e reside na minha estranheza em estarem incluídos neste mapa, que se refere a programas e projectos plurianuais, aqueles que não têm carácter plurianual. Parece-me que, por definição, já aqui deviam estar contidos. Em todo o caso poderá haver uma explicação para tal.
Relativamente às Grandes Opções do Plano e à proposta de Orçamento para o ano corrente, começaria por levantar a questão da sua articulação, da sua compatibilização. Tenho uma certa dificuldade em entender, nalguns aspectos, onde está essa compatibilização ou a coerência interna de tais documentos.
Começaria por me situar no crescimento previsto para o produto interno. A este propósito faria um parêntesis para referir a minha estranheza relativamente ao facto de os valores relativos a 1984 terem minorado da primeira versão das Grandes Opções para a segunda e isso ter correspondido a uma deterioração das previsões, isto é, prevêem-se valores não tão favoráveis para 1985. É um pouco estranho e não consigo entender.
Mas a questão que lhe queria colocar em relação ao crescimento do produto é a seguinte: porquê 3 % ou 2,9 %, como, aliás, consta da última versão? Que medidas estão previstas nas Grandes Opções que possam conduzir a esse crescimento?
Associaria isto a uma outra questão, que é a da nossa capacidade de investimento, que suponho ligada à nossa capacidade de endividamento. A questão que, quanto a esta matéria, gostaria de lhe colocar é a seguinte: até que ponto ela está a ser aproveitada ou se existiria mais capacidade de endividamento e, portanto, se seria também possível aumentar o nível do nosso investimento para o ano que vem.
Relativamente ao Sistema Integrado de Incentivo ao Investimento (SIII), estava previsto ter acabado no ano passado mas isso não aconteceu. Gostaria de saber porquê, se vai acabar este ano, se vai ser substituído por outro tipo de incentivo ao investimento e, nesse pressuposto, qual seria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Secretário de Estado, começaria por uma breve referência sobre a miopia do centralismo do Ministério das Finanças, na medida em que esta referência terá de ser muito breve, pois não é um problema entre os deputados mas sim entre o Governo. Quem faz essas afirmações são os outros ministérios, pois quando se lhes pede elementos sobre o PIDDAC dizem «bem, o que propusemos e o que pensamos é isto; o que sairá do Ministério das Finanças e da Secretaria de Estado do Planeamento nunca se sabe». É um problema interno, portanto deve ser discutido por lá.
Em relação ao problema da evolução das principais grandezas macro-económicas, é evidente - todos sabemos, não vale a pena estar aqui a aprofundar o assunto - que as projecções apresentadas são meras ordens de orientação, de análise possível de evolução, simplesmente não devem ser economicistas. Economia sim, mas economicistas não.
Há variáveis que interessa conhecer, mesmo para a análise do próprio Orçamento e de todas as outras variáveis apresentadas pelo Governo, que não são conhecidas e que estão relacionadas, designadamente, com a evolução esperada dos rendimentos e sua distribuição e com a evolução esperada do emprego.
Ora, esses elementos continuam a não ser fornecidos e era de interesse geral que o fossem.
Relacionado com isto, o Sr. Secretário de Estado prevê um aumento de rendimento disponível de 23 %. Mas de onde vem esse crescimento? Parece que não vem da parte do rendimento de trabalho, pois o máximo que se prevê é equilibrar em termos de salários reais, havendo depois o aumento da carga fiscal. Da parte dos aforradores propriamente ditos, designadamente dos que fazem as suas aplicações em termos financeiros, também parece que não, na medida em que esses vão ter uma quebra de rendimento real devido às alterações no imposto de capitais. Relativamente às transferências de emigrantes, também aí haverá uma redução e, por outro lado, em relação aos rendimentos de empresa, com a evolução prevista para a contribuição industrial, não será por aí que os rendimentos irão subir de 23 %. De onde vem, então, o crescimento do rendimento disponível em 23 %?
Mas a parte mais importante é o problema da estratégia em causa. Estamos de acordo, para além do aspecto em termos numéricos, que é o problema da estratégia que está em causa. No entanto, o primeiro ponto da estratégia apresentado por este Governo está contido numa frase que o Sr. Secretário de Estado voltou a repetir e que vem nas Grandes Opções do Plano «travar o investimento do sector empresarial do Estado».
O primeiro ponto dessa estratégia é - cito - «a preocupação de evitar o agravamento do peso do sector público na economia». Sr. Secretário de Estado, venha-me com os argumentos que quiser, com o da má
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situação financeira das empresas, com o da necessidade de repensar, etc., venha com todos esses argumentos, agora que o argumento para não deixar aumentar o investimento do sector empresarial do Estado seja evitar o seu peso na economia, isso não. Admitamos, por hipótese, que o sector privado, por quaisquer razões, não investe, mas como se quer evitar o peso do sector público na economia este também não investe - aí temos uma recessão galopante.
O segundo aspecto da estratégia é o problema de a eventual estratégia de desenvolvimento continuar a assentar em sectores ligados à exportação. Não tenho muito tempo para desenvolver esta questão mas mesmo assim direi alguma coisa. O Sr. Secretário de Estado tem consciência de que a componente importada das exportações, directa e indirecta, incluindo as amortizações de bens de capital, anda à volta dos 50 %. Ora, numa situação de graves problemas de dívida externa, de graves problemas de financiamento externo, como se pode compreender basear-se toda uma estratégia de crescimento numa variável dessas que tem 50 % de conteúdo importado?
A terceira questão, ainda ao nível da estratégia, é o problema do investimento, o problema da formação bruta de capital fixo. Depois de dois anos em que há um decréscimo da formação bruta de capital fixo de 26 %, aponta-se para um crescimento dessa formação bruta de apenas 2 %. Como se pode enquadrar isso dentro de uma estratégia? É difícil de compreender, Sr. Secretário de Estado.
Relacionado ainda com o problema da formação bruta de capital fixo, levanto concretamente o problema da construção, pois aí não há problemas de grande componente importada. O problema da construção civil é importante não só em termos económicos como sociais - o problema da habitação -, mas é necessário que, para além dos efeitos positivos a nível de emprego, seja analisada de uma maneira completamente diferente daquela que o Governo apresenta.
Sr. Secretário de Estado, baseia-se este relançamento dos cerca de 3 %, fundamentalmente, por um lado, no aumento da produção e energia - isso daria azo a uma grande discussão sobre a capacidade de aumentar essa produção face ao aumento que houve em 1984 e do seu próprio consumo, isto é, a possibilidade de consumo interno desse aumento de produção - e por outro lado baseia-se isso, apenas ou fundamentalmente, no consumo público.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, qual a posição do Governo em relação à problemática de a Rio Tinto querer adquirir a parte da Penarroya na Somincor? Julgo que até ao dia 28 de Fevereiro o Governo tem de tomar uma posição definitiva. Qual a orientação que irá seguir nesse campo?
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Curto.
O Sr. Abílio Curto (PS): - Sr. Secretário de Estado do Planeamento, ouvi atentamente a explanação de V. Ex.ª e, estando na generalidade de acordo com aquilo que explicou, gostaria de tecer algumas considerações e, ao mesmo tempo, fazer algumas perguntas.
As primeiras questões que pretendo colocar-lhe advêm não só da generalidade da sua intervenção como também da parte que toca ao desenvolvimento regional. Não considera V. Ex.ª haver um esvaziamento da
zona intermédia entre Castelo Branco e Coimbra, nomeadamente Guarda e Viseu, em relação aos dois distritos? Tendo o Sr. Secretário de Estado aqui referido que são as comissões de coordenação que propõem determinado tipo de desenvolvimento - o plano de desenvolvimento integrado -, não considera que aqui, nas zonas que referenciei dos distritos de Castelo Branco e Viseu, as Grandes Opções do Plano não contemplam praticamente nada desta matéria? Não considera, realmente, que isto não é uma política de desenvolvimento do interior?
Apenas queria dizer ao Sr. Secretário de Estado que há duas regiões fundamentalmente importantes para o desenvolvimento regional, estando uma relacionada com a Associação de Municípios do Alto Mondego-Serra da Estrela e outra com o Plano de Desenvolvimento Integrado da Região de Dão-Lafões, situadas no distrito da Guarda e Viseu, respectivamente.
Quais as razões por que estas duas zonas não são referenciadas? Se bem que V. Ex.ª tenha explicado, não fiquei devidamente esclarecido.
Por outro lado, não sei se V. Ex.ª sabe que há estudos já feitos pela Comissão de Coordenação da Região Centro para estas duas regiões e as Grandes Opções do Plano não são contempladas.
Na sua explanação, disse o Sr. Secretário de Estado que o desenvolvimento regional aponta na óptica da melhoria das condições de vida das populações - é indubitável esta afirmação. No entanto, gostaria de saber se está nos planos do Governo a possibilidade de desenvolvimento destas duas áreas e ainda, por outro lado, se dizendo como V. Ex.ª disse que «os planos de desenvolvimento integrados não foram concebidos para contemplar o País de norte a sul nem de este a oeste», considera que, por exemplo, no projecto de candidaturas ao FEDER haverá critérios anteriormente definidos pelas comissões de coordenação ou se seremos ouvidos, de alguma forma, sobre essas mesmas candidaturas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Secretário de Estado, desejo colocar-lhe duas questões.
Primeiro, acaba de anunciar a revisão do sistema de incentivos ao investimento. Entre as medidas que serão aprovadas, e que agora anuncia, integram-se medidas fiscais no sentido do agravamento e de desagravamento - sobretudo estas. Como é que concebe que tudo isto, que tem uma importância substancial para o funcionamento das empresas, e que é da competência exclusiva da Assembleia da República - pelo menos nessa parte -, se processe à margem da Assembleia? Ou, então, como é que tenciona encaminhar este processo? Ou acha, ainda, que basta uma autorização legislativa branca?
Um outro aspecto prende-se com os subsídios ao investimento: onde é que aparece essa verba no Orçamento? Gostaríamos de saber qual o seu montante.
Um segundo tipo de questões diz respeito aos planos integrados de desenvolvimento regional. As Grandes Opções do Plano anunciam acções preparatórias de novos daqueles planos. Que acções, Sr. Secretário de Estado, e como vai ser articulada a acção da sua Secretaria de Estado e a do Desenvolvimento Regional, uma vez que existem conflitos que por vezes são pró-
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fundamente nocivos à própria gestão dos projectos, com resultados obviamente perniciosos? Concretamente, quanto ao círculo de Lisboa e às suas questões, a Comissão Coordenadora Regional de Lisboa e Vale do Tejo apresentou, já no ano passado, um programa de desenvolvimento regional para o oeste, área metropolitana, lezíria e para o triângulo formado por Tomar, Torres Novas e Abrantes, no qual se prevê, de entre todos os empreendimentos, a construção do empreendimento fundamental - a circular regional exterior de Lisboa - a CREL -, bem como a circular regional interior de Lisboa - CRIL. Por outro lado, prevêem-se outros investimentos na área do saneamento básico, nos equipamentos hospitalares, no tratamento de lixos, na regularização do Vale do Tejo, etc. Folheando-se esse estranho «livrinho» relativo a projectos plurianuais - que, aliás, é ilegal, como o Sr. Secretário de Estado sabe, porque não obedece à Lei do Enquadramento em relação a vários aspectos - não vemos projecção orçamental para muitos dos empreendimentos listados neste programa de desenvolvimento regional apresentados por outras comissões coordenadoras. Por isso lhe pergunto qual vai ser a expressão orçamental que o Governo vai dar a esses projectos e programas apresentados por sucessivas comissões de coordenação regional. E, como vai articular a acção do seu departamento com a acção da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional que, perniciosamente, andam bastante desencontradas, pelo que parece?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Secretário de Estado, antes de mais, desejo sublinhar a nossa concordância com o intuito de conseguir um relançamento prudente da economia portuguesa a um ritmo próximo dos 3 %. No entanto, gostaria de lhe colocar a seguinte questão: esse ritmo de crescimento poderá ser atingido com os instrumentos que, neste momento constam do Orçamento, em particular quanto a investimentos da Administração Pública e a incentivos ao investimento privado?
Outra questão lhe coloco: não será necessário reanimar a construção civil, e em particular a construção de habitações, dados os efeitos induzidos que tem em todos os sectores de actividade do País? Não integre uma forte componente externa? Não será necessário e desejável reanimá-la e apoiá-la para conseguir esse crescimento de 3 %? Penso que se o Governo optar pelo estímulo à construção civil e à habitação, poderá atingir aquele referido nível. Se o não fizer tenho sérias dúvidas que o possa conseguir.
Quanto às questões do desenvolvimento regional, registo que são uma preocupação do Governo. Pela primeira vez no discurso do Governo entra esta mesma preocupação, no concreto, e não a demagogia da criação de regiões administrativas que numa certa altura campeou por este país. Noto, também, que o Sr. Secretário de Estado manifestou algumas dúvidas sobre a deficiente concepção dos planos integrados de desenvolvimento, PIDR. Não escamoteou, também, as dificuldades que a montagem de um esquema institucional envolve e essa atitude de prudência e modéstia é louvável. No entanto, Sr. Secretário de Estado, como
já ontem foi aqui assinalado, creio bem que a recepção dos fundos comunitários, em particular os provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional - FEDER - é um grande desafio que se coloca à Administração Pública, à sua Secretaria de Estado, ao Governo e às autarquias. Os fundos são volumosos mas a capacidade de os utilizar em projectos adequados creio que é, neste momento, diminuta.
Infelizmente, ainda não se criaram as regiões administrativas, que seriam um suporte institucional adequado, não só para participar na elaboração desses programas de desenvolvimento reginal, como, também, para termos uma participação das populações e das autarquias e um controle democrático sobre as opções e a aplicação das verbas destinadas ao desenvolvimento regional, quer as endógenas quer as que podem resultar do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.
Naturalmente - também já o afirmei - a criação de regiões administrativas é um grande desafio que se coloca ao Parlamento e ao Governo. Não é possível, no imediato e rapidamente, criá-las. No entanto, quero-lhe manifestar as minhas reservas quanto à capacidade de as comissões de coordenação regional apresentarem, a tempo, programas e planos, sobretudo pelas formas de articulação que existem entre elas e, por exemplo, os municípios. As relações nem sempre são harmoniosas e as decisões nem sempre serão as melhores. Quer dizer, estamos num quadro bastante volátil em que as responsabilidades são partilhadas por muitos. Por exemplo, a Secretaria de Estado do Planeamento para efeitos de planeamento económico do território teve, em tempos, a concepção de 7 regiões económicas, ou regiões-plano, fazendo a distinção entre as regiões do litoral e as do interior. Está correcto, uma vez que as regiões do interior envolvem uma problemática de desenvolvimento diferente das regiões do litoral. No entanto, o que acontece é que as comissões de coordenação regional que fazem parte do Ministério da Administração Interna não têm essa concepção de divisão do espaço dado que formam grandes regiões horizontais, a do litoral e a do interior. Começam logo aí as dificuldades, nomeadamente a da realização de ajustamentos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, também me parece que as opções do desenvolvimento regional podem desde já começar a ser esboçadas pelo Governo, não obstante não termos um quadro institucional adequado. Isto, porque é possível esclarecermos opções e critérios. Queremos dar ênfase ao desenvolvimento do interior? Coordenar, em particular, o litoral? Qual o tipo de padrão industria] que procuraremos desenvolver? Pequena e média indústria? E em que zonas? Estas grandes opções podem começar a ser discutidas, e acho mesmo vantajoso que o comecem a ser, quando não, teremos uma espécie de amontoado, uma amálgama de programas que vão sendo financiados pela administração central ou pelos fundos comunitários sem uma lógica interna de rentabilização dos respectivos investimentos e sem os objectivos sociais, regionais, de correcção de assimetrias e de desenvolvimento cultural e social adequados.
A sua intervenção, como, disse não é uma intervenção cheia de confiança em si mesmo. Ficam-lhe bem essas dúvidas e reservas. Creio, no entanto, que temos
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de fazer uma profunda reflexão e algumas opções nesta matéria. Foi por isso que lhe dirigi estas palavras.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - O Sr. Secretário de Estado afirmou, no início da sua intervenção, que as Grandes Opções do Plano eram a escolha a partir de onde se tinha elaborado o Orçamento. Contudo, tem o Governo afirmado que os seus dois grandes instrumentos de política económica seriam o programa de recuperação financeira e económica e o programa de modernização da economia portuguesa. A verdade é que nas Grandes Opções do Plano não aparece qualquer articulação entre as Grandes Opções do Plano e estes dois programas.
Por outro lado, o Governo afirma nas Grandes Opções do Plano que a taxa prevista de inflação será de 22 % para o ano de 1985. Quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado como é que se pode explicar que em relação à elaboração dos planos de algumas empresas públicas, como sejam a Quimigal e a Rodoviária, o Governo, em lugar de 22 %, tenha indicado uma taxa de inflação de 27 %.
Finalmente, quero salientar, relativamente ao problema do poder de compra e, naturalmente, ao grave risco da sua redução, que ele não parece equacionado nas Grandes Opções do Plano. Efectivamente, não basta a pura declaração piedosa de que o Governo no próximo ano irá assegurar que os salários reais não decresçam. Aliás, o próprio Conselho Nacional do Plano, também apresentou, no seu parecer, restrições a este facto, salientando a necessidade de compatibilizar o crescimento dos salários nominais com a taxa de inflação. A verdade é que nas Grandes Opções do Plano não aparece patente esta preocupação do Governo, o que não implica que não seja estranho o facto de o Governo se limitar a uma declaração de princípios sem ter em conta as repercussões da inflação, entre outros aspectos, na redução do poder de compra da população portuguesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.
O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Secretário de Estado, desejo começar por lhe fazer uma pergunta sobre a inflação. Esta pergunta foi dirigida, aliás, ao Sr. Ministro das Finanças, sem contudo me parecer que tenha tido uma resposta satisfatória. Prevê o Governo que a inflação seja de 22 % em 1985. Em 1984 a massa monetária teve um aumento de 22 % e a inflação foi de 30 %. Segundo julgo saber a massa monetária em 1985 está prevista ser de 27 %. Embora sabendo que não há relação aritmética entre as duas grandezas, penso saber que existe uma relação bastante estreita entre elas. Como explicar, então, os 22 % para o valor da inflação em 1985.
Por outro lado, se houver uma «derrapagem» do Orçamento, à semelhança do que aconteceu em 1984, digamos que no valor de 45 %, qual seria o seu efeito sobre a inflação? A que nível seria colocada esta? Tem, V. Ex.ª, alguns elementos sobre esse ponto?
Uma outra pergunta prende-se com os fundos de pré--adesão da CEE: está prevista alguma percentagem desses fundos destinada à iniciativa privada?
Outra questão que lhe coloco é se V. Ex.ª tem dados sobre as grandezas macro-económicas para o ano de 1986 e seguintes.
Finalmente, quero fazer um comentário relativo ao comportamento previsto para o investimento privado em 1985, sobre o qual existe alguma dificuldade. Há, com efeito, razão para dificuldade na previsão deste, dada a grande falta de confiança que a iniciativa privada tem neste Governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.
O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Secretário de Estado do Planeamento, através dos Serviços Regionais de Agricultura de Trás-os-Montes e Alto Douro tenho procurado acompanhar o desenvolvimento e implementação do projecto de desenvolvimento rural integrado de Trás-os-Montes. Segundo tenho conhecimento, por dificuldades administrativas e burocráticas na recolha de pareceres de várias entidades, a verba do Orçamento do Estado do ano anterior não foi aplicada na sua maior parte. Dado o interesse fundamental de tal projecto para o desenvolvimento da região, não deveria o Orçamento do Estado deste ano ter uma cláusula, um artigo, que permitisse a utilização das verbas do ano anterior que não foram aplicadas, obviando-se assim às terríveis dificuldades que no próximo ano se vão sentir?
Para coordenação dos vários sectores, não deveria ser unicamente uma a entidade responsável, por exemplo a Comissão de Coordenação da Região Norte, em dar os respectivos pareceres e, assim, facilitar-se o desenvolvimento e a aplicação dos investimentos?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar-lhes nota do planeamento que os senhores representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares fizeram para que se tente acabar, em tempo útil, o debate em curso. Assim, este período de debate será suspenso às 20 horas para ser retomado às 21 horas e 30 minutos e até cerca da l hora. Amanhã, os trabalhos recomeçarão às 10 horas e terão lugar até às 13 horas, a partir de quando serão suspensos até às 15 horas para procurarmos terminar o debate por volta das 20 horas.
Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Em relação às questões formuladas pelo Sr. Deputado Pinheiro Henriques, nomeadamente à relativa ao mapa VII, sobre o qual eu tinha já dado alguns esclarecimentos no primeiro dia dos debates, gostaria de relembrar que é a primeira vez que este mapa é elaborado. A forma como foi inicialmente concebido tem algumas dificuldades de ordem técnica na sua execução. Para isso, tentou-se encontrar algumas soluções que são ensaiadas pela primeira vez este ano e que, porventura, terão algumas dificuldades. A listagem de projectos de montante inferior a 50 000 contos pode ser obtida - embora seja um trabalho moroso e longo - e não foi incluída na primeira listagem precisamente para evitar que ela se tornasse excessivamente longa, tendo em conta que, em geral, projectos de valor inferior àquele montante tendem a não ser de carácter plurianual. É claro que isto é um mero raciocínio estatístico.
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O facto de aparecerem projectos de carácter anual prende-se meramente a razões de ordem técnica. Assim sendo, se aí aparecem é porque estão a mais e, embora não sendo necessários, também não prejudicarão, com certeza, o referido mapa.
A questão que colocou quanto ao crescimento do produto interno bruto e das respectivas medidas a tomar foi do que tratei, de algum modo, na minha intervenção, pelo que não me voltaria a alongar sobre o tema. As variações que anotou quanto ao crescimento do PIB entre diferentes versões das Grandes Opções do Plano, e na linha do que afirmei na minha intervenção, não têm significado porque o que está em causa é uma certa trajectória de crescimento e não o problema de ele ser de 2,9 % ou de 3,1 %. Apenas lhe desejo assinalar que a alteração introduzida em relação a 1984 corresponde, essa sim, à disponibilidade de dados entretanto obtida sob a situação efectiva desse ano, designadamente quanto ao comportamento de certas grandezas. Isto fez-nos, portanto, modificar a revisão de queda do PIB para cerca de 1,6 %. Acrescento, ainda, que uma estimativa mais recente, preparada por um departamento da minha área, aponta para uma ainda menor queda do PIB em 1984. É essa, portanto, a justificação da alteração introduzida.
Suponho que quando colocou a questão da capacidade de endividamento, ela tinha a ver com o endividamento externo do País, pelo que indagou a razão de não aumentarmos o investimento uma vez que há capacidade de endividamento. O problema da capacidade de endividamento é o de ele ser um conceito extremamente fluido. É sempre difícil definir, em cada momento, qual a capacidade de endividamento de um país, especialmente quando a sua dívida externa atinge a dimensão que a do nosso país atinge apesar do esforço realizado para que ela crescesse pouco nos últimos anos, o que não é possível enquanto tivermos défices da balança de transacções correntes. Portanto, admitimos, como saber, um aumento do défice para próximo dos 1000 milhões de dólares e cremos que este será o limite manejável para evitar que caiamos novamente numa política de paragem-arranque.
Neste caso, o problema do investimento é menos um problema do endividamento externo do que do endividamento do sector público. Portanto, é sobretudo a limitação ao nível do endividamento do sector público que pesará numa decisão de aumentar o investimento público e não o endividamento externo.
Quanto ao sistema de incentivos, devo dizer que dediquei uma parte da minha intervenção - que talvez V. Ex.ª não tenha ouvido - à apresentação sumária do novo sistema de incentivos. Na realidade, ele era para ser substituído o ano passado e só não o foi por dificuldades no acabamento do diploma. Porém, neste momento, ele encontra-se terminado.
A este propósito, gostaria de antecipar desde já uma resposta a uma questão que me foi colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães e dizer que talvez o sistema de incentivos possa - e digo «possa» porque ainda não foi aprovado em Conselho de Ministros - vir a conter incentivos de natureza fiscal, ainda que em versão moderada, pois para o efeito está solicitada a necessária autorização legislativa na proposta de lei do Orçamento e está claramente explicitada a finalidade a que se destina, como V. Ex.ª poderá verificar. Em todo o caso, acentuo que a decisão de incluir ou não incentivos fiscais ainda não está tomada - a decisão está tomada em relação as incentivos financeiros e, por isso mesmo, citei-os explicitamente.
Se o Sr. Deputado estiver de acordo, poderei facultar-lhe uma cópia da minha intervenção onde poderá ler a descrição que fiz do novo sistema de incentivos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Secretário de Estado, estamos cientes da explicação que V. Ex.ª deu sobre o conteúdo do sistema, e que, de resto, também já tinha sido ventilada.
Porém, a questão que colocámos foi muito diferente. Dada a importância da questão, gostaríamos de saber como é que é possível recorrer a um mecanismo de autorização legislativa para discutir a componente fiscal de um sistema que deveria ser objecto de outra atenção e de outro tipo de debate na Assembleia da República e não de uma mera autorização insuficiente e vaga contida na Lei do Orçamento. Foi isso que nos mereceu discordância, Sr. Secretário de Estado!
O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira levantou uma questão relativa à evolução esperada do rendimento e do emprego. Ora, os números que apresentei quanto ao rendimento disponível correspondem às estimativas técnicas elaboradas na Secretaria de Estado do Planeamento, encontram-se ainda numa forma provisória e reflectem o conhecimento que os técnicos têm sobre a evolução esperada de vários tipos de rendimento, tendo em conta, designadamente, a opção que o Governo tomou de assegurar que os salários não cairão em termos reais em 1985.
No que se refere à questão do emprego ainda não apresentámos nenhuma previsão. As experiências de previsão em matéria de emprego nos últimos anos não têm sido as mais felizes e, por consequência, os modelos tradicionalmente usados não se têm revelado particularmente adequados. De qualquer forma, uma retoma moderada do crescimento económico tal como a prevemos para 1985 garantirá, pelo menos, o não agravamento da situação.
Agradeço a questão que o Sr. Deputado me colocou sobre o investimento público porque me permite esclarecer um ponto. É possível que não tenha sido suficientemente claro na minha intervenção, mas a realidade é que não se trata de travar o investimento público. No caso do sector empresarial do Estado, o programa que neste momento está a ser analisado e que em breve estará em condições de ser aprovado corresponde às propostas que as empresas apresentaram. Dir-se-á que, em alguns casos, as empresas tiveram o bom senso de ajustar os seus programas de investimento às suas reais situações financeiras. Porém - excepto num ou noutro caso pontual -, não houve uma intervenção deliberada do Governo no sentido de «cortar» propostas de investimento apresentadas pelas empresas.
No caso do sector público administrativo houve que condicionar o montante global de investimentos às preocupações em matéria de défice, mas no caso das empresas públicas esse problema nem sequer se coloca.
Não vejo muitas alternativas quanto à questão da estratégia baseada em sectores ligados à exportação, por-
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que a condicionante externa que impende sobre a economia portuguesa vai ainda impender durante muitos anos e ou nós conseguimos modificar substancialmente a taxa de cobertura das importações pelas exportações, ou então não conseguiremos sair desta situação de crescimento rastejante. Só que há exportações e exportações e nesse ponto estou de acordo com a política que consiste em dar o máximo apoio às actividades que aproveitem os recursos naturais do País - se se fizer exportação, o valor acrescentado nacional é máximo! Portanto, uma estratégia de apoio às exportações não é incompatível com uma estratégia de fomento máximo dos recursos naturais do País.
Quanto à formação bruta de capital fixo, na opinião do Sr. Deputado ela é modesta, na opinião de outras pessoas ela é exagerada, mas eu diria que é aquela que o Governo considerou possível. Se for ultrapassada sem descalabro na balança de pagamentos, tanto melhor!
Respondendo a uma questão formulada pelo Sr. Deputado Carlos Lage, devo dizer que o problema da construção é muito importante no relançamento. A construção é um sector que não exclusivamente activado pelas obras públicas, mas é também bastante activado pela habitação e, como sabem, em termos de contas nacionais está incluído no investimento privado. Talvez eu devesse ter explicitado este pormenor quando fiz a intervenção, pois uma componente do investimento privado nas contas nacionais é a habitação. Portanto, estou de acordo com uma política orientada para o fomento da habitação.
A estimativa das componentes da oferta que deverão permitir atingir os 3% não é um objectivo quanto à questão da produção de energia. Aquilo de que partimos é de uma certa projecção da procura, Sr. Deputado!
Já tive oportunidade de explicar os números apresentados para 1984 quanto ao comportamento da energia, e é muito possível que a situação se repita em 1985. E isto, porque se num ano em que o PIB caiu tivemos, apesar de tudo, um crescimento da produção e do consumo de energia, é muito provável que tal torne a acontecer em 1985 com um crescimento moderado e ainda é mais provável que tenhamos uma componente significativa do valor acrescentado, porque tudo indica que este ano a componente hídrica será elevada, pois, como se sabe, o valor acrescentado do sector aumenta.
Quanto à questão da Somincor, devo dizer que o Governo ainda não exerceu o seu direito de opção - como o Sr. Deputado sabe, o Governo tem uma proposta de aquisição - e irá exercê-lo ou não até ao fim de Fevereiro. No entanto, ainda não está qualquer decisão tomada nesse sentido.
O Sr. Deputado Abílio Curto levantou o problema da não existência de programas integrados de desenvolvimento regional na zona intermédia, concretamente nas áreas do Alto Mondego, Serra da Estrela, Dão e Lafões. Como os Srs. Deputados devem calcular, tenho conhecimento da existência de estudos nesta matéria e posso afirmar que eles também existem em relação a outras regiões do País.
Não me oponho a que venham a ser introduzidos novos programas integrados de desenvolvimento regional. A única coisa que quis dar foi uma nota de alerta e de cautela relativamente a uma inserção precipitada destes programas porque, para além dos estudos que sobre eles são conduzidos - e devo dizer que esses estudos são de boa qualidade técnica -, há que recrutar a adesão e o acordo dos departamentos da administração central que deverão estar envolvidas na sua implementação. Este é, pois, um passo essencial e, portanto, a experiência diz-me que não vale a pena impor soluções; é necessário que elas sejam negociadas e aceites.
É, pois, neste sentido que queremos progredir devagar mas seguramente! Já agora assinalo que em termos de região centro esta é a única que até já tem dois programas integrados de desenvolvimento regional, embora eles tenham vindo de trás. Infelizmente, eles ainda não terminaram, continuam a pesar sobre o Orçamento e não podemos, de um momento para o outro, passar de uma situação em que não havia verba dedicada a este tipo de programas de cariz marcadamente regional para uma situação em que ocupamos 50% do PIDDAC com esse fim. Temos uma tendência nesse sentido, mas mais devagar do que seriam as aspirações de todos nós.
Quanto à questão das candidaturas ao FEDER, devo dizer que - tal como creio ter deixado claro na intervenção que produzi - o enquadramento institucional ainda não está clarificado e, portanto, não estou em condições de responder. No entanto, penso que esses mecanismos terão de ser estabelecidos.
Devo dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que os subsídios ao investimento estão previstos no PIDDAC na verba do Ministério da Indústria e Energia. Porém, esta questão poderá oportunamente ser discutida em comissão especializada.
As acções preparatórias dos PIDR estão também inscritas no Orçamento e estão citadas no capítulo das Grandes Opções do Plano.
Quanto à questão que o Sr. Deputado colocou relativamente aos programas da área de Lisboa e Vale do Tejo, devo dizer que este é um problema de, mais uma vez e progressivamente, irmos integrando novos programas integrados no PIDDAC.
O Sr. Deputado Carlos Lage perguntou se os 3% poderão ser atingidos com os instrumentos previstos. Analisei com algum cuidado essa questão na minha intervenção e tive a honestidade de dizer que há uma incógnita, que é o investimento privado, em que temos de fazer alguma aposta. Por outro lado, estou inteiramente de acordo - como já referi há pouco - em que o que pudermos fazer para fomentar a habitação será, certamente, um contributo muito importante para apoiar esse relançamento do investimento privado.
O Sr. Deputado Raul Castro colocou a questão do problema da articulação do PRFE com as Grandes Opções do Plano. Devo, pois, dizer que no PRFE fizemos um primeiro ensaio de formulação de uma estratégia de médio prazo e foi com base nessa estratégia que se prepararam os documentos anuais. O programa de memorização está ainda em preparação e, portanto, a revisão dos cenários de médio prazo só estará disponível durante o mês de Fevereiro.
Quanto a haver empresas públicas que usaram uma taxa de inflação de 21%, gostaria de saber quando é que essa indicação foi dada. Posso dizer que, neste momento, estamos a reunir os instrumentos previsionais da gestão e a reajustá-los dentro da base de uma taxa de inflação de 22%. Portanto, isso pode ter sido um primeiro cálculo que, entretanto, vai ser objecto de reajustamento.
Em relação ao risco de redução do poder de compra, creio que não se pode ser mais claro do que se
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é nas Grandes Opções do Plano quando se refere que uma das condicionantes - e não foram muitas que se estabeleceram - é a de que não querermos que o salário real caia. Portanto, creio que por aí temos acautelada a questão-chave neste processo.
Quanto à questão que o Sr. Deputado João Lencastre colocou ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, gostaria de dizer que não estou envolvido directamente na política monetária - pois essa é uma questão do foro do Banco de Portugal. Porém, o que se passou em 1984 não tem que ver exclusivamente com a moeda em circulação, mas sim com problemas de ajustamento estrutural na área dos preços, designadamente com o abandono de níveis elevados de subsidiação que existiam e que não podiam manter-se. Isso introduziu distorções pesadas que não são necessárias porque foram quase totalmente eliminadas e, portanto, não deverão acontecer novamente em 1985.
Quanto a saber o que é que acontecerá se houver uma derrapagem no Orçamento, devo dizer que - tal como o Sr. Ministro das Finanças referiu - essa derrapagem não está prevista. Portanto, não ensaiei nenhuma hipótese baseada nessa derrapagem.
Quanto aos fundos de pré-adesão, devo dizer que a partir da formulação de um sistema de incentivos ao investimento de base regional está prevista uma parcela para apoio à iniciativa privada. Por razões que são evidentes, não posso qualificar essa parcela, pois tudo depende do êxito do sistema e, portanto, do grau de adesão; contudo, estou certo de que vai ser prevista uma parcela.
Fizemos um primeiro ensaio de projecção muito agregado, no quadro do programa de recuperação financeira e económica e, no quadro do programa de memorização, estamos a preparar cenários bastante desenvolvidos, a partir de um modelo relativamente sofisticado, que deverão estar prontos, em primeira versão, durante o próximo mês.
O Sr. Deputado Daniel Bastos colocou algumas questões quanto ao programa de desenvolvimento regional integrado de Trás-os-Montes. Neste momento não disponho de elementos que me permitam responder... porque não tenho aqui informação sobre a tramitação que ocorreu e não sei, inclusivamente, se isto se refere ao programa inicial ou a algumas alterações que tenham sido introduzidas. Se estivesse de acordo, eu propunha que em comissão especializada retomássemos este tema, talvez' na presença do Sr. Ministro da Agricultura, uma vez que è uma área particularmente interessada.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, ontem, no seguimento do facto de alguns deputados se terem referido ao modo como estava a ser feita a cobertura televisiva, os jornalistas de serviço na Assembleia da República tornaram público um comunicado garantindo a sua independência e recusando eventuais influências no seu trabalho.
Chegou-nos há momentos à mão um telex da NP que diz o seguinte:
O jornalista Luís Ochoa pediu hoje a demissão das funções de director do Jornal da Tarde da RDP, Antena l, alegando interferência inaceitável da Direcção de Informação. Essa interferência ter-se-ia registado quarta-feira quando uma entrevista com João Salgueiro, a propósito do Orçamento do Estado, foi mandada retirar do ordenamento do Jornal da Tarde, por decisão do director-adjunto de Informação, Carlos Mendes. Luís Ochoa, que edita desde há 4 anos aquele Jornal, tantos quantos os da existência daquele espaço de informação, considera que tal decisão do director-adjunto representa uma interferência na esfera de competência dos editores, pelo que apresentou o seu pedido de demissão.
Este texto poderá criar na opinião pública a suspeição de que os órgãos de comunicação social estão a sofrer um controle no sentido de subvalorizar vozes discordantes relativamente às propostas e à discussão aqui em apreço. Por esse facto, o presidente do grupo parlamentar da minha bancada apresentará na Mesa um requerimento, solicitando informações concretas sobre este assunto. Mas como estas respostas normalmente resultam de um processo moroso, que envolve requerimentos, e porque se encontra na sala o Sr. Secretário de Estado Dr. Anselmo Rodrigues, responsável pelo sector da comunicação social, nós solicitávamos que, ainda no decorrer deste debate, fosse dada a toda a Câmara uma informação completa sobre o que, realmente, se passou na RDP. Estamos certos de que essa informação provará, por um lado, a inexistência de controle sobre os meios de comunicação e garantirá, por outro, perante a opinião pública, que as mensagens informativas que estão a receber e lhes são facultadas correspondem exactamente aos factos que envolvem a presente discussão e às diferentes opiniões expressas.
Era neste sentido que eu solicitava à Mesa que, junto do Governo e através do Sr. Secretário de Estado, fosse pedida esta garantia, para além de uma informação correcta sobre este assunto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, posso informar V. Ex.ª, para não permitir o alongamento do debate, que se estão a fazer diligências junto da Radiotelevisão Portuguesa para saber das razões pelas quais não foi feita a cobertura nos termos em que os Srs. Deputados a princípio pretenderiam. Estão a processar-se essas diligências, tendo havido já uma conferência de líderes em que o assunto foi tratado, de maneira que eu pedia a VV. Ex.ªs o favor de aguardarem, certamente até amanhã. Não foi possível obter a resposta que tinha sido pedida telefonicamente porque a pessoa que estaria em condições de o poder fazer não se encontrava nem ontem da parte da tarde, nem hoje. Ficaram apenas recados, segundo me disse o meu chefe de Gabinete, para que o assunto seja tratado e logo me seja dada resposta conveniente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas penso que V. Ex.ª não percebeu. O problema que nós temos aqui hoje, segundo o telex da NP, diz respeito à RDP, Programa 1, da Radiodifusão e ao jornalista Luís Ochoa, editor do Jornal da Tarde, da RDP.
O Sr. Presidente: - É para mim um facto novo, Sr. Deputado. Vou procurar saber o que é que se passa.
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Sr. Deputado Jorge Lemos, V. Ex.ª deseja intervir sobre este assunto?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, assim vamos generalizar o debate e perderemos o tempo que tínhamos planeado, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª compreenderá que quando a bancada do PSD traz a esta Câmara, através de um comunicado lido por um dos seus vice-presidentes, um facto da gravidade do que aqui acaba de ser relatado não se compreenderia que não houvesse hipótese de os outros partidos, na Câmara, manifestarem a sua posição face aos dados de que tomaram conhecimento neste momento.
É nesse sentido, Sr. Presidente, que eu solicitava a palavra a V. Ex.ª para, usando a figura da interpelação à Mesa e tentando não roubar muito tempo à Câmara, tecer algumas considerações sobre este facto.
O Sr. Presidente: - Ainda que a contragosto da minha parte, porque não gostaria de ver flectir o debate, sobretudo depois do planeamento que fizemos para este debate, se V. Ex.ª entende que realmente é importante a manifestação que pretende fazer, faça favor de usar da palavra. Certamente que terei de proceder do mesmo modo em relação aos restantes grupos parlamentares.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Corresponderei ao apelo de V. Ex.ª.
Sr. Presidente, creio que o comunicado e a intervenção do Sr. Deputado Jaime Ramos devem merecer, por parte desta Assembleia da República, uma profunda reflexão.
Creio que estamos perante um facto que viola claramente a autonomia e a liberdade de criação e expressão de um responsável por um programa, no âmbito da RDP. Trata-se de um ataque frontal a uma liberdade de criação, a uma liberdade de expressão de um jornalista na RDP. Ele terá tomado uma atitude que entendeu como mais justa e mais coerente e que, da nossa parte, obtém todo o apoio. Mas o que nos parece também importante é que se pergunte e se vá ao fundo para saber como situações como essa se podem continuar a repetir. Da nossa parte, tem-se verificado, nesta Assembleia, a constante de não estarmos de acordo com as cadeias hierárquicas de comando que funcionam em termos dos órgãos de comunicação social do sector público, e que começam no Gabinete do Sr. Ministro, passam pelo conselho de gerência, vão até ao director de Informação e, felizmente, neste caso não desembocaram, por uma atitude frontal de um jornalista que soube dizer não.
Pensamos que é importante que os responsáveis desta cadeia digam aqui qualquer coisa, porque alguém tem a responsabilidade pela nomeação da pessoa que deu a ordem para essa entrevista com o Deputado João Salgueiro não ir para o ar.
O que há a preservar, no nosso entender, é a liberdade de expressão, a liberdade de actuação, a possibilidade de os diferentes partidos políticos, as diferentes sensibilidades verem expressos, na comunicação social, os seus modos e pontos de vista face aos problemas.
Isto não acontece e por isso temos protestado - e ainda ontem o fizemos - contra atitudes que são atentatórias do pluralismo e da liberdade de expressão, nunca contra os profissionais da comunicação social. Que fique, portanto, bem claro que esta nossa intervenção é no sentido de se apurarem responsabilidades porque este acto é um ataque frontal a direitos legais e constitucionais dos jornalistas em Portugal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jaime Ramos, quero pedir desculpa a V. Ex.ª porque interpretei mal o conteúdo das palavras que proferira, certamente por deficiências de ordem técnica. Pensei que eram em relação à Radiotelevisão Portuguesa e na sequência daquilo que ontem aqui se haveria desenvolvido. Vejo que o espaço de problemática é totalmente diferente e peço, portanto, as minhas desculpas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço desculpa de discordar um pouco destas intervenções constantes da Assembleia da República em relação às formas de trabalho dos órgãos de comunicação social.
De um modo geral quer-se dar a entender que determinados órgãos de soberania pretendem interferir e manipular a comunicação social. Pergunto se, a certa altura, não será também esta própria Assembleia da República que está a querer interferir na vida da comunicação social.
Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PCP.
O Orador: - O que sabemos nós, Srs. Deputados, do que se passa numa «redacção», de quais foram os objectivos do director de Informação, o que é que resultou de um trabalho que não agradou a um produtor, mas que foi determinado pelo chefe de redacção?
Podemos admitir, imediatamente, que foi um membro do Governo que telefonou para o Sr. Chefe de Informação proceder assim?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não era novo! Não era virgem!
O Orador: - Estamos a desrespeitar os órgãos de comunicação social. Estamos a desrespeitar os intérpretes da comunicação social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, posso informar, neste momento, que, realmente, o director de Informação da Antena l sugeriu que aquela entrevista não fosse transmitida porque entendia que era mais curial fazer a outra hora um frente-a-frente com os Srs. Drs. Almeida Santos e João Salgueiro, ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - E acabou por falar sozinho!
O Orador: - ... e o Sr. Dr. João Salgueiro não compareceu.
Protestos do PCP, do PSD e do CDS.
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O Orador: - Temos, portanto, aqui, uma ignorância completa do que se passa nas redacções...
Protestos do PCP e do CDS.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Pergunte à bancada do PSD!
O Orador: - ..., das razões dos respectivos chefes e queremos interferir, com a nossa posição de membros desta Assembleia, no que se passa na comunicação social! Não se passa um único dia sem que esta Assembleia seja perturbada com problemas que não lhe dizem respeito.
Protestos do PCP e do CDS.
O Orador: - É exacto! Pergunto se alguém indagou se o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, programavam de uma ou de outra maneira?! O que interessa aos Srs. é, principalmente, a televisão...
Protestos do PCP e do CDS.
O Orador: - ..., o grande espelho a que os Srs. não querem deixar de resistir para aparecerem na altura própria.
Isto é uma interferência na comunicação social e estes órgãos não podem continuar a ter a pressão da Assembleia da República sobre as suas formas de trabalho.
Protestos do PCP e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pese, embora, o respeito que me merece o planeamento dos trabalhos feitos na reunião de líderes, não há dúvida, como aqui foi já afirmado hoje, que há factos importantes que são trazidos ao nosso conhecimento, que têm de admitir inflexões a esse planeamento. Admitir inflexões ao planeamento está, aliás, no feitio do CDS.
Diz o povo que o pior cego é aquele que não quer ver. Não pude deixar de me lembrar deste ditado quando ouvia as palavras do Sr. Deputado Igrejas Caeiro.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Ao menos, Sr. Deputado, ao seu partido exigíamos um mínimo de coerência entre as intervenções sobre um mesmo tema, feitas em dois dias seguidos de funcionamento desta Assembleia.
Ontem o seu colega de bancada Jorge Lacão levantou o problema da comunicação e provocou até um comunicado feito, aqui, pelos jornalistas presentes na Assembleia.
Hoje, V. Ex.ª critica, frontalmente, esse tipo de atitude. Quando as coisas se passam com elementos de outro partido não têm, obviamente, a mesma importância; curioso é que seja, apesar de tudo, com outro tipo de coligação.
Sr. Deputado, como é óbvio não nos congratulamos com o que se passou. Lamentamo-lo profundamente e entendemos que deve ser por nós apreciado e profundamente averiguado.
Infelizmente são coisas deste tipo aquelas de que nos temos queixado e que nos levaram, aqui, a apresentar propostas e pedidos de inquérito.
É inadmissível!
Não há critério inteligível para ninguém desta Câmara que, em relação a um deputado, que fez, obviamente, uma intervenção importante, como a própria comunicação social o entendeu em todos os jornais, permita excluí-la de um debate na rádio, na televisão, num jornal. Não é admissível que se interfira dessa maneira com os critérios dos profissionais de informação!
Não é admissível que se procure escamotear, esconder, transmitir sob uma outra forma um facto importante como o que aqui se passou. É essa a ideia que queremos deixar. Terá todo o nosso apoio qualquer averiguação profunda deste tipo de factos, deste tipo de acontecimentos, que permita, realmente, avaliar o que é a interferência do Poder na comunicação social.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, nós não quisemos, de maneira nenhuma, insinuar qualquer tipo de interferência por parte do Governo. O que nós achámos foi que o telex suscitava alguma suspeição na opinião pública, sobre o tipo de mensagem informativa que lhe é facultada e, uma vez que estava nesta Sala o membro do Governo responsável pela comunicação social, era nosso interesse - para que não se levantasse qualquer tipo de suspeição - que fossem dadas aqui as informações complementares perfeitamente correctas, que não dessem qualquer hipótese de suspeição. Queria, em todo o caso, referir-lhe ainda que, quanto ao afirmado pelo Sr. Deputado do PS, o Sr. Deputado João Salgueiro não foi convidado para nenhuma «mesa-redonda» fora daquela entrevista. Não o foi e isso volto a dizê-lo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, vou fazer um protesto muito curto em relação às declarações do Sr. Deputado Igrejas Caeiro que envolvem o comportamento que a minha bancada assumiu durante todo este processo.
A intervenção que o Sr. Deputado Igrejas Caeiro fez, neste debate, é - além de confusa e incoerente com as posições anteriormente adoptadas pelo seu grupo parlamentar - lamentável. E é lamentável porque, por um lado, veio dar explicações que são desprovidas de qualquer base e, corroborar e defender procedimentos que são indispensáveis, sobretudo tendo-o feito com uma tão escassa base, desfeita agora pelo próprio PSD e desmentida formalmente. E repito-o: o Sr. Deputado foi desmentido formalmente, o que quer dizer que ficou sem face - e não digo mais nada quanto a este aspecto...!
Por outro lado, estabelece uma confusão, porque, a Assembleia da República, naturalmente, não deve, não pode mesmo interferir negativamente na vida dos órgãos de comunicação social. O que pode e deve é combater todas as interferências que signifiquem a asfixia da liberdade dentro dos órgãos de comunicação
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social, isto é, deve pronunciar-se, firme e claramente, contra qualquer forma de censura, contra as cadeias hierárquicas que conduzam a que profissionais da comunicação social não reportem ou não informem de forma isenta e plural como lhes cabe nos termos legais. É esse o nosso dever e fugir a esse dever, isso, sim, seria inaceitável. Dizer, como o Sr. Deputado Igrejas Caeiro disse - e eu creio que isso é o segundo aspecto profundamente lamentável -, que a atitude de que aqui se pronuncia contra esses comportamentos censórios resulta da vontade de aparecer na televisão ou na rádio - lamento dizê-lo - é um argumento que eu não esperava ouvir da boca de ninguém nesta Câmara.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Mas é verdade!
O Orador: - É porque é, enfim, um argumento inqualificável.
A Assembleia da República, como o Sr. Deputado reconhecerá, deve ser tratada de determinada forma na comunicação social, respeitando, naturalmente, a liberdade de criação dos jornalistas, mas tendo em conta, também, o dever de informação rigorosa e imparcial.
Isto é uma grave questão, porque os partidos da oposição, por exemplo, são seriamente discriminados na comunicação social estatizada. Séria e lamentavelmente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PS: - Não é verdade!
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - São os mais ouvidos!
O Orador: - O Sr. Deputado só sente isso quando se recorda de uma atitude e, então, salta de vara na mão, para dar uma paulada no profissional da comunicação social. Mas digo-lhe que isso é mau; isso é negativo e isso nós não aceitamos.
Quanto à questão do tratamento da Assembleia da República pela comunicação social, devo dizer-lhe que ela é importante. Ela prende-se com o prestígio da própria Assembleia e já está a ser objecto de reflexão na sede adequada para que, com respeito pelo estatuto dos jornalistas e com ponderação de todas as normas em presença, cheguemos a soluções que de resto já foram aventadas pela direcção da RTP em diversas circunstâncias e são desmentidas todos os dias. E é isto que é preciso que acabe, e não estabelecer a confusão e usar esse argumento ínfimo de que o que os Srs. Deputados querem é aparecer na televisão. Isso, Sr. Deputado, não é maneira decente de discutir as coisas, não é aceitável no quadro da Assembleia da República, sobretudo quando nos anunciam um acto lamentável e vergonhoso como aquele que aqui foi denunciado e que condenamos firmemente.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu tenho impressão que continuamos a laborar num erro e numa suspeita permanentes. Sobre os profissionais dos órgãos de comunicação social, ...
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não apoiado!
O Orador: - ... sobre o trabalho dos profissionais dos órgãos de comunicação social. E numa suspeita permanente, insisto, porque queremos intrometer-nos nos seus processos de trabalho, queremos intrometer-nos na paginação das suas notícias, queremos intrometer-nos no tamanho das linhas ou do tempo que utilizam e tenho a impressão de que não deixamos exactamente aos profissionais da comunicação social o direito de escolherem a notícia...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É incrível!
O Orador: - ... e de a tratarem como lhes compete. É esta a minha posição. E se lhe digo, Sr. Deputado, que não é ínfima a minha afirmação de que muitos dos Srs. Deputados gostam de aparecer na televisão, é porque assim é, porque, realmente, não lhes interessa um jornal ou outro mas, sim, esse órgão de comunicação social que é a televisão...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Essa é boa!
O Orador: - ..., que é fundamental para tudo.
Hoje, o que acontece é que os órgãos de comunicação social já não sabem o que hão-de fazer. Por isso, assiste-se a esta coisa espantosa: a televisão vem combinar com o órgão de soberania, que é a Assembleia da República, como é que há-de tratar a informação que lhe diz respeito.
Ora bem, nós devíamos confiar à própria comunicação social a sabedoria profissional para tratar este problema. É evidente que é um «negócio» permanente a maneira como este órgão de soberania deve ser tratado pela comunicação social. Com esse «negócio» eu não estou de acordo e não estou em defesa da independência da própria comunicação social.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dar uma breve nota de esclarecimento ao Sr. Deputado Igrejas Caeiro no sentido de lhe dizer que, quem preza a independência da comunicação social, somos, de facto, nós.
O Sr. Deputado João Salgueiro foi convidado «- não pediu - para ir à Radiodifusão Portuguesa - ao programa das 13 horas - e quando lá chegou mandaram-no embora educadamente, porque, segundo dizem neste telex da agência «Notícias de Portugal», houve uma interferência - invoca-o inclusivamente o editor do programa.
Aquilo que nós perguntamos em requerimento dirigido ao Governo, através do Sr. Presidente, é que nos informe das razões e origens - internas ou externas - da invocada interferência. Apenas isso, Sr. Deputado Igrejas Caeiro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Reprivatize-se a empresa.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interpelação à Mesa é no sentido de tentar colocar as coisas no seu devido lugar e evitar que se façam aqui afirmações que são, no mínimo, gratuitas.
O Sr. Deputado Igrejas Caeiro é deputado há muitos anos e deveria saber que o que acabou de afirmar é profundamente falso.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se chegou ao ponto de a Assembleia combinar com a RTP o modo como deveria transmitir os debates desta Assembleia.
O que se passa é, exactamente, aquilo que é prática há muitos anos, isto é, a Assembleia acorda num processo de contacto dos grupos parlamentares aqui representados com os telespectadores, através de uma determinada forma que nada tem a ver com a transmissão que à televisão e aos outros órgãos de comunicação social cabe dos debates desta Assembleia, transmissão essa que é feita em total liberdade por esses órgãos de comunicação social. São duas coisas completamente distintas.
Pretender vir aqui afirmar que a Assembleia pretende impor à comunicação social determinado modo de transmitir o que aqui se passa é, Sr. Deputado Igrejas Caeiro, totalmente falso.
Vozes do PSD, do PCP e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Eu compreendo o calor com que o Sr. Deputado defende estas questões. Porque foi um distinto trabalhador da comunicação social, sente-as de uma forma particular, mas também lhe quero dizer, Sr. Deputado, que eu não sou daqueles que julgam que os trabalhadores da comunicação social - ou a própria comunicação social - são algo que neste país está acima de qualquer crítica por parte desta Assembleia e que os deputados não podem tecer críticas em relação aos órgãos de comunicação social e aos seus trabalhadores. Nesse caso, esses trabalhadores beneficiariam neste país de um estatuto especial que nenhum de nós reconhece sequer ao Sr. Presidente da República. Considero isso perfeitamente inaceitável porque não me coloco nem acima nem abaixo da comunicação social, mas em perfeito pé de igualdade em relação a ela e penso que esse estatuto de privilégio que alguns lhe pretendem dar também nós o devemos recusar e discutir, sempre que esteja em causa, de facto, a liberdade de informação e a liberdade de imprensa. Ora o que se passa é que nós, neste país, tendemos a caminhar para uma situação que não é de liberdade de imprensa mas, sim, de irresponsabilidade de imprensa, que é uma coisa totalmente diferente e muitíssimo mais grave, e com a qual esta Assembleia não pode, de modo nenhum, ser cúmplice.
O Sr. Presidente: - Os demais Srs. Deputados que pediram a palavra ficam com ela reservada para a sessão da noite porque são 20 horas e, como havíamos combinado, vamos interromper os trabalhos para o jantar.
Está suspensa a sessão.
Eram 20 horas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão, Srs. Deputados.
Eram 22 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos para interpelar a Mesa.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação vai no seguinte sentido: creio que quando encerrámos os nossos trabalhos estava em discussão na Câmara, por iniciativa do PSD, um assunto que consideramos de máxima relevância.
Eu pretendia ouvir a Mesa, sobre se o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social se teria inscrito para poder dar uma resposta às questões que aqui foram colocadas, mas constato que ele não se encontra presente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Soares Cruz, V. Ex.ª deseja intervir sobre o mesmo assunto?
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Não, Sr. Presidente. Sem prejuízo de se esclarecerem as situações que levaram à discussão há pouco encetada na Câmara, eu solicitava a V. Ex.ª que me informasse quais os tempos disponíveis, por partido, em relação ao debate sobre o Orçamento.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai, de imediato, informá-lo, Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Secretário: - São os seguintes os tempos ainda disponíveis: O Governo tem 166 minutos, o PS tem 66, o PSD 67, o PCP 87, o CDS 77, o MDP/CDE 35, a UEDS 20, a ASDI 31 e o deputado independente 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não sei exactamente ao abrigo de que figura regimental posso invocar este pedido de palavra, mas atrevia-me a dizer que é, também, uma interpelação à Mesa, para através dela dar uma explicação à Câmara.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não precisa de interpelar a Mesa, está o diálogo aberto.
O Orador: - Queria apenas tentar dar uma conclusão, muito singela, da parte da minha bancada, sobre o incidente de há pouco, para dizer que também nós pensamos - e visto não haver nenhuma contradição no que disse o Sr. Deputado Igrejas Caeiro - que estes sucessivos incidentes sobre as temáticas da comunicação social não ajudam a prestigiar os deputados e não são formas suficientemente pedagógicas para ajudar a prestigiar os jornalistas e a comunicação social em geral.
Ontem, por meu intermédio, levantámos um incidente, quando constatámos a ausência física da RTP, durante uma intervenção que presumimos da maior importância, não só para este grupo parlamentar como para a Câmara em geral, questão essa que foi devidamente tratada - em termos que achamos suficiente-
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mente adequados - em conferência de líderes. Portanto, não fazemos disso nenhuma nova questão na Assembleia da República, entendendo - pela nossa parte - não continuar a participar num processo que, realmente, não ajuda a clarificar as eventuais dificuldades que possam neste momento existir entre os grupos parlamentares e a comunicação social.
Será, portanto, nesta matéria, a última posição - irredutível - nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.
O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra porque o Sr. Deputado Jaime Ramos quis fazer uma pergunta ao Governo. Quis saber exactamente o que se tinha passado acerca do facto relatado pelo telex da agência Notícias de Portugal.
Sobre isso nada lhe posso dizer, porque eu próprio tive conhecimento do facto também através do próprio telex.
Se o Sr. Deputado assim não o entender, o Governo fará as indagações necessárias e terá com certeza a informação sobre isso. Em todo o caso, lembrava-lhe que esta Assembleia votou uma lei, está promulgada e em vigor, do Conselho da Comunicação Social e elegeu os seus representantes por maioria de dois terços.
É a este Conselho da Comunicação Social que compete saber e averiguar se foram cumpridas todas as regras da liberdade de imprensa, isto é, se houve rigor, objectividade e pluralismo na actuação, quer do jornalista Luís Ochôa, quer do director-adjunto Carlos Mendes.
É só isto que neste momento lhes posso dizer.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia-lhes o favor de porem ponto final neste problema, pois não faz parte da ordem do dia e foi uma concessão da Mesa, que já foi demasiado longe.
É que temos meios para investigar, para procurar esclarecimentos e porventura para actuar, que não através do diálogo acrescido e constante, flectindo porventura num sentido diferente daquele que nos trouxe aqui.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Si. Deputado Jaime Ramos, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, para colocar ponto final no assunto, solicitando apenas ao Sr. Secretário de Estado que se tivesse a possibilidade de dar algumas informações correctas e complementares sobre a questão, ainda no decorrer deste debate, nós agradecíamos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, nós corresponderemos ao apelo de V. Ex.ª no sentido de não prolongarmos este debate, mas não queremos deixar de significar que achamos extremamente grave que, tendo havido um espaço para se poder colher mais informação, o Governo tenha adoptado a posição facilitista que adoptou quando está em causa...
Vozes do PCP: - Apoiado!
Vozes do PS: - Não apoiado!
O Orador: - ... a correcta imagem e o correcto tratamento em termos de comunicação social das posições expressas nesta Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendia fazer apenas um brevíssimo protesto que não vai fora da orientação da Mesa. Assim, gostaria de dizer que no intervalo da sessão o Governo jantou e que as pessoas que o poderiam informar, necessariamente, também estiveram a jantar.
Risos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por acordo dos senhores representantes de grupos e agrupamentos parlamentares, havia necessidade de obter da vossa parte, deliberação sobre um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos que diz o seguinte:
Em conformidade com o solicitado pelo Exmo. Sr. Deputado Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho ao Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, a fim de comparecer em juízo como testemunha no próximo dia 25 de Janeiro corrente, pelas 14 horas e 30 minutos, no 1.º Juízo Civil da Comarca de Lisboa, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a prestar declarações no processo referenciado.
Srs. Deputados, vai proceder-se à votação do parecer que acaba de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Raposo.
O Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Afirmar que o debate e a votação do Orçamento do Estado é um dos momentos mais altos e de maior significado na vida Parlamentar não passa de um lugar comum, no discurso hodierno, mas não resistimos à tentação de, mais uma vez, o repetir.
E lembrar que a aprovação das receitas e despesas públicas, a sua fiscalização e o seu controle andam ligados à história do parlamentarismo, a partir do momento em que os povos exigiram que fossem consultados, através dos seus representantes, acerca dos impostos e tributos que a Coroa desejava ver cobrados.
Na história recente da nossa democracia, o Orçamento já foi causa próxima da queda do IV Governo Constitucional, como o foi também responsável pela maior cisão partidária registada na história parlamentar portuguesa.
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É que o Orçamento do Estado repercute-se de tal maneira no quotidiano dos portugueses e das portuguesas, que a sua discussão, a sua aprovação levantam problemas, pelas opções feitas ou a fazer, em matéria das despesas a efectuar.
É que as opções económicas feitas no Orçamento do Estado têm uma tradução social, têm consequências sociais.
Porque, para nós, a democracia só estará completa se for democracia política, mas também económica e social.
Porque a democracia social e a democracia política se implicam mutuamente. Uma exige a outra.
Democracia social que é urgente, no tempo que vamos vivendo.
Democracia social que começa com o reconhecimento a todos, mas em particular às classes e grupos sociais mais desfavorecidos, do direito ao trabalho, do direito à segurança social, do direito à saúde, do direito à educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Hoje, estão em debate, na Câmara, as propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para o ano de 1985.
Propostas que parecem indiciar um princípio de viragem na nossa política económica. Depois da gestão conjuntural de emergência prosseguida nos últimos 18 meses, depois dos sucessos obtidos nas nossas contas externas, assiste-se a um virar de página.
Sem pôr em causa os êxitos conseguidos na balança de transacções correntes, aponta-se para o início do relançamento económico, para o começar da animação da actividade económica.
Depois da estabilização financeira forçada, dos custos sociais, é a vez do relançamento que traga o desenvolvimento e o bem-estar.
Não um relançamento qualquer, mas uma recuperação controlada, um crescimento económico moderado, de forma a que a saída da estabilização financeira da economia portuguesa não se faça com manifesta aceleração, provocando a prazo, de novo, políticas mais duras de estabilização.
Estas propostas de lei traduzem não o fim da política económica restritiva.
Mas traduzem um virar de página. Ainda não é o fim da política restritiva, mas é o princípio do fim.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Falar de política de emprego e de formação profissional, neste debate das Grandes Opções do Plano e do Orçamento, é analisar a política do emprego e a evolução das receitas e despesas do orçamento do Fundo de Desemprego.
Mas antes de analisar a política de emprego, vale a pena referir como quadro de fundo, a estimativa do Governo de que a taxa de desemprego é de 10,3 % e colocar algumas questões.
O Governo estima que a economia irá crescer durante o ano de 1985. A questão que se coloca é quantos postos de trabalho irão ser criados? Quantos postos de trabalho irão ser criados pelo sector privado e pelo sector público?
Está também prevista uma transferência de 12,5 milhões de contos do orçamento do Fundo de Desemprego para o Orçamento do Estado, destinado à comparticipação em investimentos públicos geradores de empregos.
Que investimentos e a quantos postos de trabalho correspondem?
Está prevista uma dotação de 4,5 milhões de contos para a implementação do emprego.
São verbas a afectar à concessão de empréstimos para a criação e manutenção de postos de trabalho.
A avaliar pelas verbas utilizadas durante o ano de 1984, quantas são as empresas que irão ser beneficiadas? Quantos postos de trabalho irão ser mantidos ou criados?
Importa que essas verbas sejam canalizadas, na sua maioria, para a criação de postos de trabalho.
Interessa averiguar se a manutenção de postos de trabalho corresponde a empresas que atravessam dificuldades pontuais ou se estamos em presença de unidades produtivas tecnicamente falidas.
A manutenção de postos de trabalho é, naturalmente, uma preocupação social, sustendo as incidências de desemprego, mas importa que a atribuição dessas verbas tenha por contrapartidas comportamentos empresariais que se empenhem na viabilização e recuperação das unidades produtivas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A política de emprego que tem sido prosseguida nos últimos 18 meses tem-no sido numa perspectiva defensiva. Com efeito, elegeu-se como objectivo número um a redução do défice da balança de pagamentos.
Tal política de austeridade e restritiva saldou-se no sentido do reequilíbrio dos mecanismos financeiros, gerando sequelas sociais.
Neste quadro, a política do emprego manteve as suas actividades tradicionais. Tem pago subsídios de desemprego, feito formação nos centros de formação profissional e subvencionado empresas em termos de conseguir criar e manter postos de trabalho.
Como novas actividades desenvolvidas, salientam-se os dois programas de ensino técnico-profissional e de aprendizagem.
É a consciência da necessidade de alterar o nosso desemprego, que é muitas vezes o resultado do desajustamento estrutural entre a oferta e a procura do emprego.
Quer-se assim gerar saídas profissionais e não desemprego juvenil.
A lei do seguro de desemprego substituiu o regime jurídico de subsídio de desemprego. Reforçou-se a rede dos centros de formação profissional e apoiaram-se acções de formação nas empresas.
Sem negar que a resolução dos problemas do emprego, no nosso país, passa por uma política de relançamento da actividade económica, sou daqueles que pensa que há instrumentos em matéria de política de emprego que podem ser melhor accionados.
Desde logo, melhorar a transparência do mercado de emprego. Por isso, há que manter actualizada a informação sobre os desajustamentos entre a oferta e a procura de emprego, a nível regional.
Há que alargar o conhecimento e publicitar os lugares vagos nas empresas e nos serviços.
Há que incentivar a mobilidade profissional (designadamente através da reconversão, da reciclagem e aperfeiçoamento) dentro e fora da empresa.
Há que criar postos de trabalho no interior do País. Para isso, importa participar activamente no programa da OCDE sobre iniciativas locais de criação de empregos, utilizando os apoios que a própria organização faculta, apostando no dinamismo do poder local.
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A formação profissional é um elemento de uma política activa de emprego. Uma política de formação profissional não é suficiente para resolver, só por si, o conjunto dos problemas económicos e sociais que defrontamos, nomeadamente o emprego, mas constitui resposta adequada a este tipo de problemas.
Formação profissional que é particularmente importante, uma vez que permite a mobilidade profissional e aumenta a oferta de trabalho nos sectores industriais, onde se apresenta um défice de mão-de-obra qualificada.
O Governo refere, nas Grandes Opções do Plano, o lançamento da construção das I e II fases do programa da rede nacional de centros de formação profissional, bem como o lançamento de novos centros protocolares de formação profissional.
Lançamento destes novos centros que resulta de ajudas de pré-adesão da CEE e de financiamentos do Banco Mundial.
Tem o nosso apoio. É uma forma de dotar o País de uma nova rede de centros, que responda às necessidades presentes e futuras dos sectores da actividade económica.
Mas importa não esquecer que os actuais centros estão subutilizados. Com efeito, os centros de formação Profissional estatais e protocolares, responsáveis por só 5000 estágios por ano, carecem de maior número de instrutores e monitores, com novos métodos de ensino, de modo a maximizar-se a capacidade de formação instalada.
Há que integrar directa ou indirectamente na gestão dos centros de formação profissional os parceiros sociais e as autarquias locais. Conseguir-se-á assim uma formação mais adequada e atempada, contribuindo-se para saídas profissionais e para o desenvolvimento regional.
O Governo refere também a continuação do programa de aprendizagem, durante o ano de 1985, iniciado no ano passado.
É um programa urgente e necessário. Ele visa a preparação de saídas profissionais. O nosso desemprego decorre em grande parte do desajustamento estrutural entre a oferta e a procura. Com efeito, os jovens à procura do primeiro emprego representam um largo espectro do desemprego, cerca de metade. São jovens que saem do nosso sistema escolar com uma fraca preparação profissional.
Precisamos de fazer um esforço sério na formação dos nossos quadros médios e intermédios, tão necessários ao desenvolvimento Jus nossas empresas e da nossa economia.
Precisamos substituir o desemprego juvenil por saídas e ocupações profissionais.
Este programa pode conseguir esse objectivo.
Agora que as comissões nacional e regionais de aprendizagem foram empossadas e estão a trabalhar, importa que se saiba: quantos aprendizes vão ser formados este ano? Em que sectores? As empresas já estão escolhidas e já deram o seu acordo? Qual é a verba que vai ser gasta com este programa em 1985? Para quando também a implementação de um novo regime de seguro de desemprego? Trata-se de uma boa lei, pois ela representa a solidariedade do Estado para com os desempregados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As propostas de lei do Orçamento de Estado e das Grandes Opções do Plano para 1985 permitem, pois, uma estratégia positiva em matéria de emprego e de formação profissional e de justiça social uma estratégia adequada à presente conjuntura. Daí o nosso voto favorável.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo propôs à Assembleia da República um Orçamento que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano qualificou como o Orçamento possível. É óbvio que o PSD votará a favor desse Orçamento possível, mas também é óbvio que o PSD preferiria que a explicitação do Sr. Ministro das Finanças e do Plano fosse feita em termos do Orçamento necessário, mais do que do Orçamento possível. É que desde, aproximadamente, 1980 até aos finais de 1983 - e o fecho das suas contas mostra-o - Portugal viveu numa situação de défice orçamental compatível nos 180 ou 190 milhões de contos.
Nos finais de 1984, princípio de 1985, o Governo propõe à Assembleia da República um Orçamento que dá um salto de quase 80 %. São os factos, são os números, são as realidades.
Aliás, são ainda visíveis as realidades que decorrem de, por um lado, com os dados disponíveis que o Orçamento nos mostra, se verificar uma acentuação de discrepância dos crescimentos do consumo público e privado, em detrimento claramente do consumo privado, favorecendo o consumo corrente público.
É também manifesto e evidente que a indução do crescimento do investimento privado e público que decorre da proposta do Orçamento se situa ainda em níveis insuficientes. Orçamento este com um grau de défice muito acentuado, repartição da austeridade em termos de desigualdade relativa, desfavorecendo o consumo privado.
Por outro lado, a não resolução, o não vislumbrar o ataque ao problema dos juros da dívida pública e o seu relevo nos dias de hoje, comparados com os dias de ontem e projectáveis para os dias do amanhã, manifesta uma situação bastante difícil, bastante evidente e que não se encontrou ainda uma fórmula de alterar substancialmente e inflectir essa questão.
Por último, face àquilo que tinha sido a postura do PSD aquando da discussão da revisão orçamental, nem o problema das bonificações, nem o problema das indemnizações é suficiente ou minimamente, em alguns casos, contemplado nesta proposta orçamental.
Estes elementos indiciam com evidência e com clareza sinais mais de manutenção, mais de continuação e menos de inovação. São elementos que permitem extrapolar mais uma tendência de continuidade e bastante menos de mudança, conforme nos tinha sido sugerido. Assim, estes elementos não parecem ser suficientemente indutores de ondas cinergéticas para o País e para nós próprios.
Contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, elementos existem no Orçamento do Estado que manifestam e indiciam claramente uma inovação. É evidente que nós congratulamo-nos com esses referidos elementos, com essas novas balizas, que são extremamente positivas, e por isso as salientamos.
Salientamos, em primeiro lugar, uma necessidade manifesta de um maior grau de autofinanciamento nos
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sectores da saúde, da educação e da segurança social. É uma medida difícil, mas necessária. Por isso, achamo-la extremamente correcta na generalidade da proposta.
É óbvio que parte da política de reforma fiscal que está contemplada nesta proposta orçamental é positiva, caso a aproximação e introdução do IVA, o regime de capitalização das empresas, mormente a isenção do imposto de mais valia e redução do imposto de selo, julgo eu que, em 50 %.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para o Santos Silva!
O Orador: - Estes são aspectos positivos que contém a proposta orçamental. Também o novo critério das valometrias é positivo, o mesmo acontece com a dinamização do mercado de capitais através de um conjunto de benefícios fiscais propostos no Orçamento e também o mesmo diríamos de uma diminuição da taxa do imposto de capitais, no que respeita à parte dos lucros distribuídos. Estes elementos são positivos e relevam de uma óptica de aliviar minimamente algumas áreas empresariais portuguesas, para não falar nas próprias diminuições dos escalões dos impostos complementar e profissional, que se reporta directamente aos rendimentos do trabalho, sobretudo pessoais, e cuja redução de escalões é vantajosa, é positiva. Por isso a saudamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São elementos positivos que contrabalançam relativamente, mas não alteram algumas questões de fundo presentes na proposta orçamental e que não encontram suficiente tratamento, nem suficiente perspectiva para o futuro. Aliás, aqui radica-se uma questão que o Sr. Deputado José Luís Nunes com alguma pertinência colocava ao Sr. Deputado João Salgueiro, julgo que há 2 dias: será que se defende uma política que traduza custos sociais e políticos maiores? Permitam-me que nos centremos um pouco nesta questão.
Qualquer política séria e necessária hoje é uma política dolorosa. Mas o problema que se põe é que uma política séria e dolorosa hoje é-o mais do que o era no ano passado, há 2 anos ou há 3 anos e de certeza é menos da que será para o próximo ano. Daí a necessidade de um encontro mínimo entre a comportabilidade social das medidas e a necessidade de resolver alguns problemas de fundo das finanças portuguesas. Daí o termos introduzido a questão ou a nuance fundamental entre o Orçamento possível e o Orçamento necessário.
Mais que a questão orçamental, está talvez uma questão de novo enfoque que, seja-nos permitido, se torna necessário contemplar e perspectivar. Penso, talvez erradamente, que vivemos demasiado nos últimos anos em Portugal uma perspectiva macro-económica em circuito aberto, isto é, contemplou-se um problema de per si sem qualquer injunção, sem qualquer perspectiva do que estava a montante e a jusante do que lhe respeitava. Daí a maior parte da análise da política ter sido conduzida em termos estritamente financeiros, sem atacar o nó de algumas questões económicas portuguesas. Daí a debilidade da política económica portuguesa hoje.
É necessário, do nosso ponto de vista, alterar o enfoque da política económica, passá-la de uma perspectiva macro-económica em circuito aberto para circuito fechado, uma visão mais clara em termos da matriz e do que isso significa nos vários sectores, nas suas várias inter-relações e nas suas várias consequências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É possível e é necessário passarmos de uma lei de grandes números, dos grandes valores, dos valores globais do Estado, para as unidades elementares que constituem o tecido industrial português, ou seja, as empresas.
Aliás, é difícil - eu compreendo - para a maior parte da classe política portuguesa essa visão. Sejamos francos: quantos membros do Governo têm experiência concreta da economia privada portuguesa? Quantos membros da classe política em concreto têm conhecimento real, visível e prático do que significa a vida do dia-a-dia das empresas portuguesas? Alguns terão, naturalmente, uma visão da empresa pública - já é uma melhoria, já é substancial -, mas há um círculo vicioso em Portugal na classe política portuguesa que gera, a meu ver, uma certa insensibilidade em relação aos problemas da economia privada, da economia de empresa, da microeconomia em Portugal.
Aliás, Sr. Presidente, Srs. Deputados, os problemas começam há muito mais anos, começam fundamentalmente numa política de condicionamentos que sempre tivemos em Portugal, condicionamento industrial no passado, condicionamento psicológico depois do 25 de Abril.
Aquilo que mais se quis condicionar em Portugal depois do 25 de Abril foi ser-se criativo, ser-se inovador, aquilo que mais se quis evitar foi ser-se empresário. Aquilo que hoje em dia mais custa neste país, em algumas circunstâncias, independentemente das dificuldades pessoais de cada um, é muitas vezes o exercício daqueles que têm uma actividade no dia-a-dia da empresa, sejam eles nos quadros superiores ou mesmo nos quadros de direcção. Portugal viveu demasiado voltado para a macroeconomia, em sentido estrito, e esqueceu--se bastante do que significava a vida nas empresas.
E é por isso, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que hoje em dia, quando circulamos pelo País e compreendemos a terapêutica do Governo em muitos domínios da sua política económica e financeira, ouvimos também, e simultaneamente - e os senhores ouvirão muito mais do que nós -, uma situação de dificuldades no dia-a-dia das empresas públicas e privadas portuguesas.
É a situação financeira, ou seja, o conjunto dos encargos financeiros nas empresas, que lhes dificulta a vida de uma maneira estrondosa. O PRFE previa, por exemplo, a transformação de parte, ou da totalidade, das dívidas das empresas à banca em capitais provisórios. Estava previsto no papel continuarmos na prática à espera que isso seja suficientemente consolidado.
Estávamos à espera de outras medidas neste domínio, articuladas com a própria revisão e reorganização do sistema financeiro. E, 8 meses depois da apresentação do PRFE, ainda não vimos uma medida num sector que é vital, e cuja debilidade alguns meios de comunicação têm trazido a público, mostrando uma dificuldade real da vida portuguesa.
Em segundo lugar, é evidente na vida do dia-a-dia das empresas um grau de burocracia e de intervenção que revela aquilo que sempre considerámos ser um excessivo papel do Estado na vida portuguesa. Portugal contemplou um Estado fraco, mas grande. A nossa perspectiva seria - e isto é uma ideia partilhada pelo Partido Socialista, pelo Partido Social-Democrata e por outros partidos democráticos - a de conseguirmos
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transformar em conjunto, progressivamente, um Estado que aparentemente é forte mas na sua génese tem áreas de pés de barro num Estado menor, menos interventor, um Estado, por isso, mais capaz e mais forme. E por isso, Sr. Ministro, que quando V. Ex.ª fala de nós cegos - e falou anteontem - e na existência de uma política de modernização da Administração Pública, permita-me que lhe recorde um exemplo: já ouço falar da modernização da política da Administração Pública há 13 anos, desde o início da minha vida profissional e sempre ouvi falar de planos complexos, abrangentes, com caracterizações diversificadas, ...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa do abrangente é boa!
O Orador: - ... e não vejo até hoje uma acção capaz de conseguir alterar algo.
Permita-me que lhe lembre, Sr. Ministro, um episódio, de que por caso li alguns elementos, relativo à experiência brasileira: em vez de uma comissão ou de várias comissões para fiscalizar as comissões, criou-se um ministério com um conjunto limitado de pessoas, com um objectivo muito simples quando atacaram alguns ministérios, que foi o de reduzir a metade os circuitos de intervenção de papel e de decisão.
É que, Sr. Ministro, se há corrupção em Portugal - e há - o grande gerador dessa situação é o Estado. É o Estado que a forja, que a induz e que na exacta medida permite o conjunto de intervenções dos agentes e dos funcionários em numerosas áreas que dizem respeito à vida de cada um de nós. Ë o próprio Estado que, infelizmente, induz circunstâncias dessas. Era preferível que o Estado, ao atacar o problema, o atacasse na sua génese, ou seja, diminuindo o número de graus de intervenção da máquina administrativa, central e local sobre a vida dos Portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Várias áreas nos seriam permitidas sugerir, mas o Governo sabe melhor que nós quais elas são e com certeza não lhe faltará capacidade e vontade de o fazer. Só queremos, todavia, manifestar a cada vez maior evidência da distância que vai entre o País real e o País legal. Cada vez o País manifesta mais um tecido de afastamento da situação real: é a economia clandestina, são os comportamentos anormais face àquilo que está instituído como lei, como pi ática. Por vezes, creio que nós próprios violentamos em excesso o País e talvez precisemos de alterar a nossa própria postura sobre ele.
Aliás, o supremo cerne da contradição deste país é termos uma Constituição de génese socialista e não termos na prática conseguido até hoje aplicar a consequência elementar de uma construção dessa natureza, que seria a aprovação por esta Assembleia de um plano de médio e longo prazo.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Era o mínimo e seria a consequência natural e inevitável do que significaria uma postura constitucional socialista. Só isto demonstra, Sr. Ministro, o paradoxo, o irrealismo, do mundo relativo em que vivemos. A distância entre o País real e o País legal, o País da postura institucional e o País da prática, que não emerge em nada daquilo que nós próprios dizemos nos papéis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As acções que agora referimos, e que o Governo tem presentes, fazem parte do discurso quotidiano do Sr. Primeiro-Ministro e de vários ministros. É um discurso correcto, aceitável, mas há uma distância entre ele e a prática que lhe é consequente. E essa é a questão de fundo que para nós hoje se põe. É por isso que não nos desresponsabilizamos, pelo contrário, somos hoje tão responsáveis como éramos no passado em relação à vida que agora vivemos em Portugal.
É por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que não vamos embora, que não fugimos, que nem sequer admitimos atitudes de renúncia. O que fazemos é uma atitude de participar empenhadamente numa situação que hoje não é da exclusiva responsabilidade deste Governo, é também do passado.
E hoje, quando as oposições atacam, criticam e às vezes se riem, pergunto: que grau de participação de co-responsabilidade não têm elas no conjunto de situações que hoje em dia vivemos? Com que moralidade é possível que elas multipliquem o sorriso e a crítica, quando a sua co-responsabilidade é tão grande, ou maior, do que aquela que têm os que hoje ali estão e dos que aqui apoiam o próprio Governo?
Protestos do PCP.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a questão de fundo que sempre se nos coloca, nesta circunstância, é encontrar que o mínimo de empenho político do executivo consiga criar uma vontade política suficiente e clara para passar em termos orçamentais daquilo que é o Orçamento possível para o Orçamento desejável ou Orçamento necessário.
O sentido do nosso voto, Srs. Membros do Governo, traduz duas realidades. Uma que é a política e é emanente à própria coligação, mas que não deixa de ser crítica em algumas áreas. E é-o na exacta medida em que reflectimos e projectamos aqui aquilo que, no dia-a-dia, o nosso eleitorado, o nosso mandante político, nos transmite e nos diz. E é nesse sentido que achamos que há áreas de inflexão que têm de ser expressas e manifestas pelo Governo.
Por isso lhe damos um voto favorável, porque o voto favorável não é só político e porque sem esse voto o Governo derraparia mais facilmente na sua política orçamental. Um voto favorável da nossa parte é um voto de empenho, de co-responsabilidade, mas é um voto para forçar o Governo a fazer não aquilo que se propôs, mas outra política, não o Orçamento possível, mas o Orçamento necessário. O Orçamento necessário é mais doloroso do que este? Com certeza. Mas é mais justo e mais necessário.
Há razões que são meramente a razão, que são da vontade política. Se o Governo não tiver vontade política e não se sentir apoiado para o fazer não vai longe.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não vai, não!
O Orador: - Só que, Sr. Primeiro-Ministro - que não se encontra presente -, Srs. Membros do Governo - os que estão e os que não estão presentes -, sem vontade política não há alterações de fundo. Permitam-me que lhes diagnostique uma atitude que hoje em dia, de um modo geral, o povo da rua sente: o sistema cm
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que vivemos não é gerível, tem de ser transformado. E se não é transformado rapidamente, se essa transformação não tem alguns custos sociais e políticos, hoje falamos em regime democrático, mas amanhã muitas perguntas se poderão fazer em relação ao futuro.
Há momentos na vida em que é preciso ser doloroso, duro e corajoso, porque são essas circunstâncias que evitam a derrapagem. Que ao Governo não falte essa coragem.
Damos o nosso voto para que, ao longo dos 12 meses que se seguem, o Governo inflicta a sua política em muitos sentidos e muitas direcções, porque em algumas áreas o que nos apresenta não é consequente com o que nos disse há um ano. Em muitas áreas o que nos propõe não vai melhorar as finanças da Nação e do Estado. Em muitas áreas o que nos diz hoje justifica para o amanhã uma política diferente.
O nosso voto, mais do que um voto político, é um voto de reforço e de estímulo para que o Governo passe do possível ao necessário. Para isso contará sempre com o nosso apoio.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luis Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, da sua intervenção, muito rica quer em aspectos de análise deste Orçamento, quer porventura em questões mais amplas, como sejam as da política económica geral e mesmo a da natureza do regime económico vigente em Portugal, retive sobretudo, a sua distinção entre o Orçamento possível e o Orçamento necessário e, por outro lado, a constatação que fez, com a grande responsabilidade que é a sua, de que efectivamente o País real está muito longe do País legal. Ligando as duas ideias, talvez o País real quisesse e esperasse o Orçamento necessário e o País político acabe por se conformar com o Orçamento possível.
Recordo-me que, aquando da discussão do Orçamento Suplementar, a sua bancada teve uma intervenção crítica muito clara e condicionou o seu apoio ao desejo de que o Orçamento de 1985 pudesse significar uma inflexão numa política que estava a ser mal conduzida e que não nos levaria a parte nenhuma. No fundo, quando o Sr. Deputado Ângelo Correia diz que os sinais de manutenção e de continuidade são muito mais evidentes neste Orçamento do que os sinais de inovação, está porventura a dizer, por palavras diferentes, o mesmo que o seu colega de bancada Sr. Deputado João Salgueiro disse quando falou de um Orçamento de resignação.
A questão que lhe ponho, Sr. Deputado, é a de saber se o voto que o seu partido vai dar a este Orçamento significa que considera que houve alguma mudança fundamental na política económica, desde o Orçamento Suplementar até à apresentação desta proposta de lei do Orçamento de Estado, ou se são apenas outras razões de ordem política - que todos poderemos compreender, ainda que não todos estejamos, porventura, inteiramente de acordo com elas - que levam o seu partido a votar favoravelmente um orçamento possível.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Correia, responde de imediato ou no fim dos outros pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Haveria muito a dizer sobre a intervenção do Sr. Deputado Ângelo Correia, principalmente depois de ainda reter nos meus ouvidos uma das frases mais importantes da intervenção do Sr. Deputado João Salgueiro, que é a de que «as palavras nesta Câmara devem ter as suas consequências».
Mas, gostava apenas de dizer ao Sr. Deputado - e não leve estas palavras como ofensivas do ponto de vista pessoal, porque não é essa a minha intenção - que V. Ex.ª, aqui, ao longo dos 15 ou 20 minutos da sua exposição, passou por 3 fases: começou pelo ilusionismo político, passou a meio para o malabarismo político e, finalmente, com a questão do voto passou à fase do chamado contorcionismo político.
Risos do PS, do PCP, do CDS e da UEDS.
Aplausos do Sr. Deputado Hasse Ferreira.
Efectivamente, e recordando até as palavras do Sr. Deputado no discurso do orçamento suplementar para 1984, V. Ex.ª dizia concretamente - e vou citar um excerto do Diário da Assembleia da República, que apesar de tudo ainda é dos sítios onde se guardam segredos em Portugal porque é lido por pouca gente, mas que, para mim, ainda tem alguma importância, porque é um aferida da coerência das pessoas nesta Casa e também porque a coerência, o rigor e a dignidade política ainda são valores essenciais no nosso país:
O Orçamento para 1985 é a segunda fase da discussão do reforço orçamental para 1984. Aí, é preciso que o Governo não só pondere e equacione mas dê pistas de resolução daquilo que hoje dizemos ser o nosso compromisso com o próprio Governo e que também é o compromisso do Governo connosco.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Continuava o orador, Sr. Deputado Ângelo Correia:
Hoje, o nosso discurso, mais do que um alerta e do que um aviso, é o de chamar a atenção do Governo que a solidariedade que tem de ter connosco, pois não pode exigir-nos votos mecaniscistas.
Pergunto-lhe concretamente, Sr. Deputado: o voto que vai dar é, ou não, depois da sua intervenção tão crítica, um voto mecanicista?
Depois, V. Ex.ª, após a sua intervenção, está satisfeito porque no fundo consegue aquilo que quer: vota a favor de instrumentos fundamentais da política do Executivo e do País - bons ou maus, não é isso que está em causa -, mas pode continuar a dizer mal deste Governo, nos seus círculos, ao falar com as bases e nos bastidores. É assim, é assim que efectivamente se dignifica a política em Portugal e que os políticos podem afirmar com rigor o futuro do nosso país?
Vozes do CDS: - Muito bem!
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O Orador: - Efectivamente, Sr. Deputado, o País precisa de mais rigor, seja o rigor dos comunistas, dos socialistas, dos sociais-democratas ou dos democratas-cristãos. Não pode é continuar a ter aquilo de que a sua intervenção foi um exemplo: hipocrisia e indignidade políticas.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Poderia dizer aqui que o meu colega de bancada Bagão Félix quase me tirava as palavras da boca. Mas eu diria ainda mais ao Sr. Deputado Ângelo Correia. Quando começámos a ouvir o seu discurso, temíamos, aqui, na bancada do meu partido, que dentro em pouco se esboçasse uma tendência para que amanhã apenas se vissem caras novas na bancada do PSD quando se fosse votar a proposta do Orçamento. Temíamos, também, que o Sr. Deputado Ângelo Correia fosse suspender o seu mandato. Mas o que é facto é que o Sr. Deputado Ângelo Correia teve a sinceridade de revelar que ia votar a favor. Quero-lhe dizer, Sr. Deputado, que a primeira parte do seu discurso, na qual constata uma série de males da situações económica e financeira do País, é uma posição típica da solução governativa a que aderiu e que apoia. Uns Ministros deste Governo tem constatado a burocracia e afirmado que ou rebentam eles próprios ou rebentam com a burocracia. Outros têm denunciado existir corrupção nos seus próprios ministérios. Acções no sentido de obviar a tais ocorrências não as temos visto.
O Sr. Deputado Ângelo Correia denuncia aqui uma situação catastrófica da economia, das finanças públicas, mas vai votar a favor deste Orçamento. Por outras palavras, é contra o Orçamento mas vai votar a favor dele. A pergunta concreta que lhe coloco, Sr. Deputado, é se não tem receio que o seu comportamento, bem como o comportamento semelhante de outros seus colegas de bancada, não só agora como noutras situações idênticas, possa fazer crer à opinião pública que as soluções fundamentais e necessárias para os problemas do País já não passam por esta Câmara; se não tem receio que atitudes como a sua, e semelhantes, contribuam para a diminuição da importância da Assembleia da República?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Prescindo do uso da palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Srs. Deputados, recordo-me de uma campanha eleitoral em 1976 em que o CDS concorreu com o slogan: «nós temos as mãos limpas». E perdeu as eleições, apesar de ter subido um pouco. Porquê? Talvez pela razão, muito simples, de que o País sabe que há, com certeza, entidades puras, ultrapuras, bactcriologicamente puríssimas, que não metem a mão em nada, mas que não correm riscos, que não têm problemas. Atiram com certeza, algumas tiradas, sabidíssimas, consabidíssimas. Simplesmente, não tentam meter as mãos nos problemas. Posteriormente, o CDS «meteu as mãos» por duas vezes: uma vez com o PS, outra com o PSD. E não estamos arrependidos da coligação com o CDS - esperamos que o CDS não esteja arrependido das suas coligações. Só que em política há duas maneiras de o fazer: uma é isolada do exterior, outra é tentar alterar uma situação.
Portugal não teve revolução industrial, repare-se, mas, sim, condicionamentos e problemas de toda a natureza e tem hoje uma situação que carece de um governo forte. Não dizemos lá fora o que não dizemos aqui, por isso temos a coragem de sermos apoiantes deste Governo. E sermos apoiantes é, também, sermos críticos para com este Governo; ser apoiante é dar-lhe o apoio, mas poder igualmente dizer-lhe o que sentimos e traduzimos do exterior.
É nesse sentido que não vamos dizer lá fora o que não dizemos aqui. Achamos que o Orçamento tem inúmeros pontos de continuidade, poderia ter mais pontos de mudança e deveria tê-lo. Mas a questão de fundo é a de que votemos contra, sejamos consequentes, como o Sr. Deputado quis sugerir. E tanto mais que a consequência que nos pede é errada. A consequência política da crítica pode ser o maior apoio e o maior empenho, porque se o não fizéssemos o que é que se criaria no País a partir deste momento? O que teríamos politicamente? Teríamos o Dr. Cunhal a sorrir, com certeza. É isso o que VV. Ex.ªs querem? Teríamos todos aqueles que no espectro partidário de todas as matizes políticas desde o 25 de Abril nunca se conseguiram inserir e que encontram hoje numa sombra protectora, num chapéu protector, a capacidade nova de fazer política à sombra desse guarda-chuva.
O que é que se nos pede? Que para esses criemos condições políticas - que são essas, sim - para provocar maior desequilíbrio e maior e inevitável derrapagem orçamental?
O nosso voto é de dupla natureza: é político por estas razões que acabei de dizer. E é-o porque se o não fosse criaríamos condições no País para maiores dificuldades.
Mas o nosso voto teve também o significado de tentar que no futuro, com algum empenho que se dê, o Governo consiga transformar o Orçamento possível no Orçamento desejável. O nosso voto não é mecanicista mas, sim, consciente.
E não estamos satisfeitos, Sr. Deputado Bagão Félix. Penso que ninguém pode estar, a não ser quem queira uma política do «quanto pior, melhor». Não estamos nada satisfeitos nem com o Orçamento nem com a situação que o País atravessa. Mas também sabemos que é pela vontade e pelo exercício da mesma que se mudam as coisas.
O nosso empenho é consciente para mudar. É consciente, participativo e corresponsabilizado pela nossa acção pretérita nos vários governos como o é neste. Mas a solidariedade não é só nossa. É também de todos aqueles que no passado da ditadura, da democracia ou da transição colocaram o País no estado em que ele está. O problema não é deste Governo - como diz o Sr. Ministro das Finanças - mas, sim, da classe política em geral. Ai de nós se não temos a presciência e a percepção de sermos solidários numa responsabilidade para salvarmos um país.
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Temos erros. Não estamos satisfeitos. Sr. Deputado Bagão Félix, critique a minha posição, classifique-a como quiser, mas não a intitule decorrente de um estado de satisfação nem sequer de um estado de permissividade. O que desejamos acima de tudo é co-responsabilizar mais o Governo numa orientação que salve o País. É difícil, tem-no sido. Não tem sido suficiente, mas não encontramos, neste momento, perante a circunstância política actual, outra atitude que nos permita no plano político uma atitude diferente e não consonante com aquela que hoje transmitimos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, vou aproveitar o facto do nosso novo Regimento ainda não estar em vigor para usar a figura do protesto sem que se trate de um verdadeiro protesto, mas para continuar, por mais dois minutos, o meu diálogo com o Sr. Deputado Ângelo Correia.
Foi claro que ao contrário do Governo, que não fez o Orçamento necessário e apenas o possível, o Sr. Deputado Ângelo Correia deu aqui, desta vez, a resposta necessária quando poderia ter-se ficado apenas pela possível. Foi muito claro que o Sr. Deputado disse claramente na Assembleia da República que o voto do seu partido ao Orçamento do Estado não significava nenhum apoio à política financeira deste Governo.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - É falso.
O Orador: - Mas sim que o PSD entendia não poder, neste momento, provocar uma crise na vida portuguesa. É uma posição perfeitamente respeitável, e desejo apenas que o Sr. Deputado Ângelo Correia possa, nos próximos tempos, dar provas de que quer realmente construir a vontade política para se fazerem orçamentos necessários em Portugal.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, eu poderia usar da figura do protesto dizendo que V. Ex.ª não me incluiu nas suas palavras; mas isso poderia revelar, porventura, algum despeito ou algum sentimento ressabiado, e, no entanto, eu tenho a suficiente humildade de reconhecer que as minhas palavras podem não ter merecido a sua atenção. Mas não era para isto que pedi a palavra. Exactamente por V. Ex.ª estar ao lado de quem me ensinou estes termos, o Sr. Deputado Costa Andrade, pergunto-lhe se essa alusão irónica àqueles que «têm as mãos limpas e perdem» não será a exaltação da chamada cultura do smart guy.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, contraprotestarei aproveitando o regimento ainda em vigor.
Ouvi o Sr. Deputado Lobo Xavier falar em inglês. Preferia que V. Ex.ª utilizasse uma terminologia mais consentânea com a nacionalidade. Mas, enfim, V. Ex.ª terá a sua cultura própria, eu terei a minha. Apesar de tudo, percebi-o.
Quero, todavia, dizer-lhe duas coisas. Ouvi o que V. Ex.ª disse e a questão mais importante que colocou merece resposta, não sendo um problema de ressabimento: é a questão de alguns problemas estarem a passar, ao fim ao cabo, à margem desta Câmara. Por eu não desejar que assim seja, que vivamos numa situação de anemia política, que dilui o sentido democrático da República, que acho que esta Câmara tem de ser um eco mínimo daquilo que ouvimos pelo País, pelo povo, e que temos de transmitir ao próprio Governo. É por isso que o nosso apoio existe, mas reflecte o ponto de vista que o País nos transmite. De outra maneira, sim, se esta Câmara funcionasse em circuito fechado, com aquilo que o povo lá fora diz, então o País, um dia, teria de chamar para outra instância, para outra sede, o debate político que aqui não se faz. É por o não querermos que colocamos as questões com a vertente que aqui hoje colocámos com humildade, com dificuldade, mas acima de tudo com o máximo de lealdade possível.
Sr. Deputado Luís Beiroco, V. Ex.ª fez o favor de colocar uma questão que, todavia, na maneira como colocou o problema, não traduziu aquilo que eu disse nesta Câmara. Assim sendo, poderei perceber a postura em que o Sr. Deputado Luís Beiroco está. Mas não correspondem nem ao sentido material nem sequer ao substancial da minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge Patrício.
O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estamos em 1985, Ano Internacional da Juventude. Ou seja, estamos no ano em que, por decisão da ONU, os governos e, neste particular, o Governo Português deveriam dar uma atenção especial aos problemas juvenis.
Atenção especial, conducente à resolução desses problemas, nomeadamente nos domínios do desemprego, do primeiro emprego e da educação.
E poder-se-ia perguntar: não seria legítimo esperar que o Governo, ao apresentar à Assembleia da República as propostas de Lei do Orçamento e as Grandes Opções do Plano para 1985, contemplasse nestes dois documentos, que agora estamos a discutir, as verbas e as orientações políticas necessárias e adequadas que conduzissem à minimização dos mais graves problemas com que se defrontam os jovens portugueses?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Lidas as propostas, verificamos que a expectativa foi inútil!
As propostas apresentadas têm um significado claro. O Governo continua fechado. Continua sem se preocupar com a situação degradada e degradante em que a juventude se encontra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Disso temos um exemplo recente que importa não só recordar, como desmontar.
O seguro de desemprego, propalado aos 4 ventos pelos megafones governamentais, para além de constituir uma má medida, que deixa de fora sem qualquer apoio
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a esmagadora maioria dos trabalhadores no desemprego, não responde ao problema da maioria dos jovens desempregados, ou seja, aqueles que pela primeira vez procuram um emprego.
E perguntamos: não seria positiva uma medida que, no âmbito do Ano Internacional da Juventude, estabelecesse a concessão de um subsídio aos jovens candidatos ao primeiro emprego? Nós entendemos que sim!
Mas assim não entende o Governo e, fruto desta situação, os penalizados vão ser as centenas de milhares de jovens que, sem responsabilidade alguma, nem encontram emprego, nem encontram da parte do Estado qualquer tipo de ajuda que minimize os problemas de tal situação.
Mas tal como este problema não encontrou resposta, o mesmo destino terão outros, designadamente no campo do ensino.
Perante o orçamento para a educação que nos é apresentado é a única conclusão que podemos tirar. É o orçamento para o sector da educação mais baixo que até hoje nos foi presente. Ele vem na sequência da política de direita que tem sido aplicada e que é marcada pela diminuição anual com os gastos neste sector de vital importância para o desenvolvimento económico e social e para a formação dos jovens.
Com as verbas propostas não se resolverão os problemas graves que existem e que carecem de ser urgentemente ultrapassados. E não somos só nós que o dizemos. Atente-se no parecer da Comissão Parlamentar de Educação e retirem-se daí as devidas conclusões.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, com este Orçamento, por exemplo, ficarão por lançar, no âmbito do ensino pré-primário, mais de 50 % dos jardins-de-infância, apesar de já existirem instalações para a sua entrada em funcionamento. O ensino superior politécnico continuará numa situação indefinida, nomeadamente no que respeita às escolas superiores de educação. Para a escolaridade obrigatória as verbas previstas não correspondem às exigências, enquanto que para os gabinetes do Ministro e Secretários de Estado estão orçamentadas verbas elevadas, residindo sobre elas grande indefinição quanto aos fins a que se destinam.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - Estas opiniões, associadas ao sentimento unânime dos membros da Comissão, de que as verbas propostas estão longe de corresponder às necessidades dos diferentes sectores da educação, dão-nos a perspectiva de quais as consequências reais de tal Orçamento.
Esperamos que, quer na discussão na generalidade quer na especialidade, os deputados assumam idêntica posição à assumida aquando da elaboração do parecer da Comissão depois de ouvidos os membros do Governo.
Mas importa ainda, pela nossa parte, realçar outros aspectos e que não poderão ser arredados desta discussão.
Falemos, por exemplo, da alfabetização. As verbas destinadas à Direcção-Geral de Educação de Adultos são exactamente iguais às que foram orçamentadas para 1984 - 210 730 contos. Perante isto, o que é que se vai passar? Se em 1984 pouco se fez neste sector da educação, em 1985 não se irá fazer nada.
Entretanto, enquanto que para o ensino público as verbas previstas ou estacionam ou sofrem aumentos ridículos, verifica-se que o maior aumento previsto no orçamento do Ministério da Educação vai para o apoio ao ensino particular, cifrando-se num acréscimo de 60 %.
É inaceitável que o Governo se proponha, mais uma vez, sacrificar o ensino público.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Assim como não podemos aceitar que o Governo, ao mesmo tempo que reduz os impostos sobre o consumo de artigos de luxo, pretenda taxar, através do IVA, os livros escolares.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - E que dizer da total ausência de propostas e verbas quanto à situação profissional de todos quantos trabalham no ensino? O Governo continua a insistir no caminho da degradação do exercício da função docente, designadamente quanto ao Estatuto da Carreira Docente do Ensino não Superior.
Mas há mais. Com este Orçamento e com as orientações políticas traçadas, os problemas que tivemos com a abertura do ano lectivo, e que ainda subsistem, continuarão a existir. Para as regiões da Grande Lisboa, Setúbal e Porto, não encontramos, nem no Orçamento nem no Plano, respostas concretas e exactas que permitam ultrapassar, no próximo ano lectivo, os enormes problemas e dificuldades que tivemos e ainda temos no presente ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Outra questão que importa abordar relaciona-se com as verbas previstas e a atribuir às autarquias locais, para fazerem face às despesas com os transportes escolares e a acção social escolar. Os valores que o Governo pretende transferir para as autarquias locais - cerca de 3 milhões de contos - são manifestamente insuficientes para o exercício, pelo poder local, das suas novas competências que para ele foram transferidas, e estão muito abaixo da taxa de inflação verificada em 1984. É evidente que se torna impossível para as autarquias locais, com as verbas que lhes são destinadas, poderem assegurar os transportes e a acção social escolar.
Mas é também evidente que o que o Governo pretende é limpar a água do capote, tentando transferir para as autarquias locais o odioso da situação.
Este Orçamento deixa sem resposta as justas expectativas das famílias, dos professores, dos estudantes e da juventude em geral. E um orçamento antijuvenil, aspecto tanto mais chocante quanto 1985 é o Ano Internacional da Juventude.
Esta é mais uma razão a acrescer para a urgente mudança de Governo e de política.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo): - Sr. Presidente, Srs. Depu-
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tados, Srs. Membros do Governo: As propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1985, em discussão nesta Assembleia, consagram, a meu ver, as soluções mais convenientes para o País, no momento presente e numa perspectiva de futuro, tendo, naturalmente, em conta a realidade política, económica e social.
Consideradas em abstraio ou isoladamente, algumas ou mesmo muitas destas soluções podem perfeitamente ser objecto de um juízo de discordância ou mesmo de rejeição. Mas os documentos aqui apresentados pelo Governo não são um exercício académico, porque assentam em realidades e problemas bem concretos que terão de ser encarados e resolvidos na base de previsões realistas e com os recursos disponíveis, naturalmente limitados.
Por isso se pode afirmar que o Orçamento do Estado não é o orçamento desejável, abstractamente, mas apenas o orçamento possível, sem que daqui se possa inferir que o Governo se resignou perante os problemas, renunciando a tomar as medidas necessárias apenas porque as considera difíceis ou impopulares.
Não foi nem tem sido essa a orientação do Governo, nem, em particular - o que me cabe aqui acentuar -, a do Ministério do Trabalho e Segurança Social.
Ponderados todos os aspectos e interesses em jogo, como é imperioso que sejam ponderados, sempre têm sido adoptadas as decisões que se julgam mais certas, na linha da defesa dos interesses nacionais, e se tem colocado todo o empenhamento na sua execução.
Mas não se pense que considero ilegítimas opiniões ou perspectivas diferentes, até porque os problemas e as dificuldades só são conhecidos e avaliados em toda a sua complexidade e extensão por quem os conhece e os vive, sendo certo que cada um formula os seus juízos com base, naturalmente, nos dados e nos elementos que possui.
Estas considerações também servem, todavia, para concluir que devemos resistir à tentação de pensar que só nós é que temos dificuldades plenamente justificativas dos nossos comportamentos, quando não resolvemos os problemas, e que outros tudo podem fazer e só não resolvem esses e outros problemas porque não querem ou adoptam perante eles uma atitude de resignação.
Vivemos tempos difíceis. Os nossos recursos, já de si diminutos, estão comprometidos em boa parte - nada menos que 405 milhões de contos em 1985 -, com os encargos da dívida pública, e é com os recursos de que efectivamente dispomos que temos de fazer face aos nossos encargos e de resolver os nossos problemas, alguns dos quais - precisamente os de maior impacte financeiro - se têm vindo a protelar e a agravar ao longo dos anos, assumindo, por isso, relevância, peso e complexidade que vão muito além do que é normal e normalmente suportável por qualquer sociedade.
É compreensível que este estado de coisas desencadeie, nos cidadãos e nos seus mais directos representantes, sentimentos de insatisfação, mesmo quando são realmente adoptadas as políticas e as medidas mais adequadas.
Mas há que pedir, sobretudo aos mais responsáveis, que ponderem os efeitos das suas críticas e das suas atitudes, não vão elas contribuir para aumentar o número daqueles que só criticam e lamentam, alheando-se dos problemas, e para diminuir o número daqueles que lhes fazem frente, procurando resolvê-los, por maiores que sejam os custos e as dificuldades.
Na área do Ministério do Trabalho e Segurança Social, pode dizer-se que os principais objectivos a prosseguir no ano de 1985 encontraram a necessária tradução orçamental.
Gostaria de pôr em relevo, em primeiro lugar - para me referir apenas aos aspectos mais importantes -, o compromisso assumido pelo Governo de preservar o valor real dos salários e das pensões, que teve já tradução em sectores dos mais significativos na fixação de tabelas salariais, por acordo, durante o mês de Janeiro do ano em curso.
Procura-se, assim, contrariar uma tradição a que só escapou, aumentando mesmo o valor real dos salários e das pensões, o governo presidido por Francisco Sá Carneiro.
Na área da segurança social, para além da política de preservação do valor real das prestações sociais, as grandes linhas de orientação no ano de 1985, relacionadas com o Orçamento do Estado, prendem-se essencialmente com um programa de racionalização do sistema que passa, em primeiro lugar, pela fiscalização das prestações sociais que são auferidas pelos cidadãos, procurando-se combater, sem tréguas, todas as situações de fraude ou de irregularidade, a fim de se poder, com as economias daí resultantes, beneficiar as prestações daqueles que a elas têm efectivamente direito.
Mas esta orientação não se prende apenas com o problema da regularidade das prestações sociais, porque tem em conta, naturalmente, a necessidade de obter uma cobrança mais efectiva das contribuições devidas à segurança social.
A primeira operação de grande vulto desencadeada em finais de 1984 teve um impacte financeiro que atingiu cerca de 3 milhões de contos, tendo em conta prestações que deixaram de ser pagas, porque irregulares, e cobranças de contribuições que passarem a ser feitas e que, de outro modo, poderiam não o ser. Esse impacte, que vai continuar durante o ano de 1985, permitirá manter o equilíbrio do sistema financeiro da segurança social e poderá, como já disse, permitir até melhorar a situação dos beneficiários e, porventura, reduzir o peso das contribuições que incidem sobre as entidades patronais e sobre os trabalhadores.
Poderei mesmo adiantar que, em face dos resultados já conseguidos, é perfeitamente possível e provável que venha a ser feito um novo reajustamento das pensões e prestações familiares ainda durante o ano de 1985 e antes da revisão normal, que terá lugar no mês de Dezembro deste ano.
Em segundo lugar, torna-se indispensável prosseguir mais activamente a política de pôr termo à excessiva diversidade dos regimes da segurança social, que é uma fonte de injustiças e de despesas evitáveis, na linha das orientações estabelecidas na Lei Quadro do Sistema de Segurança Social.
A redução dos regimes vai permitir uma maior unidade e justiça nas prestações sociais e uma gestão mais racional e mais económica na orgânica dos serviços da segurança social.
Outra linha de orientação, que será fundamental em 1985, será a humanização do sistema. Todo o esforço será feito no sentido de a acção dos serviços da segurança social ser sempre orientada com base na ideia de que a finalidade essencial consiste na satisfação, tão
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completa quanto possível, das necessidades dos cidadãos a que se destinam os serviços da segurança social.
Finalmente, e ainda neste domínio, vai dar-se início ao estudo do problema do financiamento do sistema da segurança social, numa perspectiva de médio-longo prazo, já encomendado a um gabinete especializado da Universidade Nova de Lisboa, a fim de poderem ser tomadas tempestivamente as medidas indispensáveis para assegurar o necessário equilíbrio financeiro do sistema da segurança social.
Para terminar este capítulo gostaria de referir uma nota claramente positiva: de acordo com os dados, ainda que provisórios, sobre o apuramento final, em 1984, das cobranças das contribuições, há que referir que a previsão da última revisão orçamental foi ultrapassada em 2,5 milhões de contos, uma vez que, em vez dos 191 milhões de contos, se vieram a cobrar efectivamente 193,55 milhões de contos. Naturalmente, isto dá maior flexibilidade ao orçamento da segurança social nas previsões feitas para 1985.
Ainda dentro desta área e em ligação com a área do emprego, gostaria de pôr em relevo um aspecto significativo do orçamento do Ministério do Trabalho e Segurança Social, aquele que se refere à cobertura financeira do novo regime de protecção no emprego. Este regime permite melhorar significativamente a protecção dos trabalhadores desempregados e, ao mesmo tempo, uma fiscalização mais eficaz da aplicação dos regimes e ainda, o que é extremamente importante, pôr em prática programas de ocupação dos trabalhadores desempregados em actividades que venham a beneficiar entidades que não tenham fins lucrativos e em actividades que normalmente se não inserem no mercado do emprego.
Para assegurar a cobertura financeira do novo regime foram necessários mais cerca de 3 milhões de contos do que aquilo que seria necessário se se mantivesse o regime de vigorava anteriormente.
Há que referir ainda os encargos com o Fundo de Garantia Salarial, já aprovado pelo Governo, que assegura aos trabalhadores a percepção de um mínimo de 4 meses de salários no caso de as empresas para que trabalham virem a ser extintas ou declaradas falidades ou insolventes.
Esses encargos serão assumidos pelo Fundo de Desemprego sem qualquer aumento das contribuições devidas pelas empresas pelos trabalhadores, pensando-se que o seu montante atingirá em 1985 cerca de 1 milhão de contos.
Na área do emprego e formação profissional há que pôr em relevo o facto de virem a ser cada vez mais progressivamente executadas as orientações do Programa do Governo, que, sinteticamente, consistem na execução da política de emprego e formação profissional, na protecção social no desemprego e em incentivos à criação de empregos e à reestruturação de sectores de actividade, tendo em vista a protecção do emprego economicamente justificável.
A evolução do peso das verbas para o instituto de Emprego e Formação Profissional, que é o organismo do Ministério do Trabalho encarregado de executar as políticas de emprego e formação profissional, é a seguinte: nestas políticas gastaram-se, em 1983, 18% das verbas do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego; em 1984, 23%, e em 1985, 27%.
No que respeita à evolução do peso das verbas para subsídio de desemprego, portanto, na linha de uma protecção mais eficaz dos trabalhadores desempregados, a situação é a seguinte: gastaram-se 22% em 1983, 26% em 1984 e prevê-se gastar 33% em 1985.
Quando à evolução das verbas para a criação e manutenção de postos de trabalho, a situação é a seguinte: gastaram-se 14% em 1983, 14% ainda em 1984 e apenas 8% em 1985. No entanto, em relação às despesas nesta rubrica, há que ter em conta que, em virtude de terem sido despendidas, já em 1984, verbas pertencentes ao Orçamento de 1983, está subavaliada a importância respeitante ao primeiro dos anos, 1983, e, naturalmente, sobreavaliada a verba respeitante a 1984. Verifica-se assim um decréscimo progressivo das verbas destinadas à concessão de apoios financeiros às empresas, uma vez que se entende que outra deve ser a política de apoio à manutenção e à criação de postos de trabalho. Este objectivo deve procurar-se através de modificações estruturais da nossa economia e não através de apoios financeiros directos, que muitas vezes se arriscam a criar desigualdades injustificáveis entre as empresas. E é por isso e não por outras razões que em 1985 se vai evoluir do sistema de apoios financeiros individualizados a empresas para um sistema de apoios a sectores da nossa economia.
A evolução das verbas para despesas de funcionamento do Instituto de Emprego e Formação Profissional tem significado, uma vez que, embora com um pequeníssimo agravamento relativo resultante da adopção de novos instrumentos técnicos de controle, o valor se mantém claramente abaixo dos 2%, o que tem de entender-se, no contexto da Administração Pública portuguesa, como um nível francamente positivo.
Finalmente, a evolução das transferências do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego para o Orçamento do Estado, em termos de percentagem, é a seguinte: em 1983 foram transferidos 38% dos fundos do Gabinete de Gestão para o Orçamento do Estado; em 1984, 29%, em 1985 apenas 25%, o que mostra, portanto, que a linha política de gestão no Ministério do Trabalho, no que toca ao Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, está de acordo com a orientação política do Programa do Governo e tem sido feita de acordo com critérios previamente definidos, que são dos mais exigentes no seio da Administração Pública.
Do conjunto destes dados pode concluir-se que é inequívoca a expressão orçamental das linhas de política anunciadas, que a gestão do Fundo de Desemprego se pauta, como disse, por critérios de crescente rentabilidade económica e social, que a gestão orçamental tem sido feita com todo o rigor e ainda que a cobrança das receitas e respectiva fiscalização se apresenta como crescentemente eficaz.
Mas o facto que mais merece ser assinalado, em matéria de política de emprego, é o esforço que este orçamento vai permitir fazer no domínio da formação profissional, com um impacte muito significativo em aspectos relevantes da nossa economia.
Em primeiro lugar na política de emprego, na medida em que, das acções de formação profissional, é de esperar a criação de novos empregos e uma maior estabilidade no emprego.
Além disso, a formação profissional terá um impacte positivo na modernização da nossa economia, na melhoria da produtividade e da competitividade das empresas, na preparação do nosso país para receber as ajudas a que terá direito, no âmbito do Fundo Social Europeu, após a nossa entrada na Comunidade Eco-
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nómica Europeia, e, finalmente, no acesso dos jovens ao primeiro emprego, especialmente através dos programas de aprendizagem.
Temos de considerar que o factor mais relevante na criação de situações de desigualdade para os jovens reside no facto de as empresas procurarem naturalmente contratar trabalhadores que dêem mais rendimento, que tenham melhor preparação profissional e que tenham já alguma experiência. Ora, é indiscutivelmente através da formação profissional que se pode dar aos jovens condições de igualdade e até, porventura, de superioridade, uma vez que é a eles que se destinam exclusivamente os cursos de aprendizagem e, em maior número, os cursos de formação profissional. E, na medida em que eles tenham a qualificação desejável, eles terão abertas, em condições de igualdade - até talvez com preferência porque são mais jovens -, as portas do emprego.
Assim, para as acções de formação profissional, a dotação, no Orçamento de 1985, passa de 1 360 \000 contos em 1983 e de 3 500 000 contos em 1984 para 5 170 000 contos em 1985. Estas verbas são destinadas à formação profissional, nas suas mais diversas modalidades: em primeiro lugar, como já disse, à implementação dos cursos de aprendizagem que vão arrancar em 1985 e onde se espera que venham a participar entre 10 000 a 15 000 jovens; à formação profissional realizada no seio das empresas e de instituições públicas ou privadas através de acordos com o Instituto de Emprego e Formação Profissional; nos centros protocolares de formação profissional, criados através de um acordo entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional e associações empresariais, e através dos centros oficiais de formação profissional.
A este valor há que acrescentar ainda, no âmbito da formação profissional, a verba de 3 milhões de contos, que vai permitir o arranque da construção de 15 novos centros oficiais de formação profissional, em 1985. 10 dos quais são co-financiados pela CEE, a fundo perdido, e os outros 5 pelo Banco Mundial. Como se sabe, estes 15 novos centros de formação profissional integram-se num programa de 25 novos centros, destinados a cobrir nesta área as necessidades do País e que vão ser lançados - os outros - já em 1986. esperando-se que toda a rede esteja completada no ano de 1987. E isto a par de medidas que estão a ser adoptadas no sentido de dar pleno aproveitamento e rentabilidade aos centros de formação profissional já existentes, alguns dos quais estavam desactivados ou a trabalhar em escala reduzida, e esperando-se, ou podendo assegurar-se que este objectivo estará atingido antes do final do primeiro semestre de 1985.
Importa finalmente referir que entre as medidas que acompanham a proposta de lei do Orçamento e as Grandes Opções do Plano se conta a prossecução do programa de revisão da legislação laboral, que tem vindo a ser executado a um ritmo perfeitamente aceitável e que em breve, até ao próximo mês de Maio, se traduzirá na revisão dos importantes diplomas sobre o regime jurídico da cessação dos contratos de trabalho, a nível individual e colectivo, e dos contratos a prazo. Tudo numa óptica de flexibilidade equilibrada da legislação laboral vigente, na linha da sua aproximação às recomendações feitas pela OCDE sobre a matéria, e ainda do modelo subjacente às legislações vigentes nos países da CEE.
Com estas políticas e outras, que naturalmente serão desenvolvidas ao longo do ano de 1985, o Ministério do Trabalho está seguro de poder dar um contributo muito positivo para que se modifique estruturalmente a nossa economia, no sentido da sua modernização e da sua maior competitividade, a fim de se poder, naturalmente a prazo e progressivamente, atingir a meta de dar a cada trabalhador um posto de trabalho e de proporcionar, no âmbito mais amplo da segurança social, a cada cidadão português, as condições necessárias para que possa ter uma vida digna.
Aplausos dos PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Sr. Ministro do Trabalho, se há sectores da vida política, económica e social portuguesa em que não se deve fazer demagogia, o sector da segurança social é efectivamente um deles. E por isso mesmo as perguntas que vou fazer não vão ser perguntas maximalistas porque sou o primeiro a ter consciência de que não se pode ser maximalista na protecção social, num país que tem a economia em estagnação, sabendo nós que a política social é, fundamentalmente, a economia em distribuição. Por isso não seria de esperar que este orçamento da segurança social para 1985 fosse um orçamento expansionista. Pensar assim seria pouco rigoroso; seria mesmo demagógico.
As questões que lhe vou colocar não são nesse plano maximalista repito, mas são mais numa perspectiva de afectação de recursos, dentro da totalidade dos recursos afectos ao sector público, quer administrativo, quer social, quer económico.
Começaria por lhe levantar esta questão, Sr. Ministro: as despesas correntes do Estado aumentam 30 %, as despesas com aquisição de bens e serviços, como já foi aqui focado em intervenções anteriores, aumentam 45 %, as despesas de pessoal com serviços autónomos aumentam 35 % e o sector da segurança social aumenta, no conjunto das suas despesas, quer correntes quer de investimento, 21,2 %, o que até é inferior ao ano passado, em que foi de 22,6 %.
Assim, a pergunta que lhe faço é no sentido de saber se o Sr. Ministro, como ministro responsável pela pasta da Segurança Social, considera que, dentro da afectação, da alocação de recursos de todo o sector público, esta é uma afectação correcta, no sentido de gastar melhor, fundamentalmente num período de crise em que as pessoas de um modo geral vivem efectivamente pior.
Em segundo lugar - e embora, repito, não se possa fazer tudo num ano, longe disso, continuo sem essa perspectiva maximalista -, gostaria de lhe perguntar, porque não consigo visualizar, quer nas Opções do Plano, quer no Orçamento, qual é a política de redistribuição que o Governo procura implementar nesta área, perante a crise, perante as dificuldades e perante a economia em estagnação. É uma política mais selectiva? É uma política mais assistêncial? É uma política mais baseada em prestações universais? É, portanto, uma política que considera a segurança social mais como uma segurança social substitutiva dos rendimentos ou como garante de padrões mínimos?
Isso não está suficientemente explicado, mas não deixa de ser, do ponto de vista de afectação de recur-
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sos, uma questão fundamental de ligação entre a técnica de utilização dos recursos e a satisfação da necessidade das pessoas.
Gostaria de lhe formular só mais duas ou três perguntas muito concretas. Em primeiro lugar a questão seguinte, que, aliás, é uma questão ainda relacionada com a questão da afectação dos recursos.
Considera o Sr. Ministro, como responsável pela pasta da Segurança Social, que é correcto prever um aumento das pensões de 18 %, quando a pensão média é de 7, 8 ou 9 contos - enfim, não quero precisar, mas deve andar à volta de 8 ou 9 contos -, quando as pensões dos aposentados da função pública, cuja média é de 25 a 30 contos, vão aumentar cerca de 20 %?
Finalmente, Sr. Ministro, a pergunta que gostaria de lhe fazer tem também a ver com o plano de investimentos.
Os valores dedicados ao plano de investimentos são inferiores aos valores nominais de 1983, apesar de este ano crescerem 12,6 %, em termos nominais, em relação ao ano passado. Está o Sr. Ministro, como responsável pelo sector da segurança social, satisfeito com esta afectação de recursos?
O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Ministro, que V. Ex.ª, por economia de processo, pretenderá responder no fim de todas as questões, não é verdade?
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Ministro, nas Grandes Opções do Plano para 1984 afirmava-se o seguinte: «o desenvolvimento de acções de sustentação do nível de emprego susceptíveis de minimizar o efeito sobre o emprego que uma política de contracção inevitavelmente arrasta». Portanto, acentuava-se que se iriam desenvolver acções desta natureza.
Esta é uma questão particularmente importante para os jovens em busca do primeiro emprego, como, aliás, foi referido na intervenção que imediatamente precedeu a de V. Ex.ª
Há outros exemplos de áreas até bastante diversas como, por exemplo, aquilo que o Sr. Bispo de Setúbal referiu recentemente à rádio. Portugal tem uma população jovem da ordem dos 2 milhões e, de entre estes, 200 000 não têm emprego; 12 000 não conseguiram ingresso para as universidades; dois terços da população das nossas cadeias é constituída por jovens e cerca de 40 000 são casos perdidos, devido ao consumo de droga; numerosas famílias não têm condições para fazer frente à situação económica por estarem desempregadas ou com salários em atraso.
Esta é, pois, a questão que colocava ao Sr. Ministro: que acções se levaram a cabo em 1984 para atacar este problema? Estão previstas algumas para o ano corrente?
É certo que para este ano já não se afirma que a política será de contracção. De qualquer forma, parece-me que a situação justificaria a adopção de determinadas medidas.
Por outro lado há uma incompatibilidade, pelo menos aparente, ou seja, não consigo entender aquilo que vem afirmado na proposta de lei das Grandes Opções do Plano e o que consta da proposta de lei do Orçamento.
Efectivamente, no respeitante às pensões da Segurança Social afirma-se num dos documentos que se procurará que elas mantenham o seu nível real, enquanto no outro se aponta para aumentos que não ultrapassam os 20 % na maior parte dos casos. Portanto, era esta incompatibilidade que eu gostaria que o Sr. Ministro procurasse elucidar. De facto, trata-se ou não de valores diferentes?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro, penso que, analisando globalmente o seu discurso, podemos dizer que o Sr. Ministro falou muito mas disse pouco. No entanto, compreendo até que V. Ex.ª tenha dito pouco. O que é que nos poderia dizer um Ministro do Trabalho e da Segurança Social quando o País está numa crise tão profunda, afectando os cidadãos no dia-a-dia e, em muitos casos, atingindo o nível da sobrevivência e quando é unânime a opinião do País de que é assim? Não somos só nós a dizê-lo nem os sindicatos, mas também a Igreja e o Presidente da República. Toda a gente chama a atenção para isso, já que os sintomas são visíveis!
Hoje, na minha intervenção, tive mesmo oportunidade de salientar alguns desses aspectos. Eu sei lá... desde os vendedores ambulantes que há aí por todas as ruas de Lisboa até à prostituição que aumenta por todo o lado, até às sopas dos pobres. Na verdade, fui há dias visitar - e era bom que o Sr. Ministro fosse lá também - a bicha à porta da Misericórdia. Ela vai pela Avenida de Almirante Reis fora, todos os dias à hora do almoço, e tem gente jovem à espera da sopa! É uma vergonha, Sr. Ministro!
Bom, mas mais do que isso, por exemplo, atravessa-se actualmente Lisboa e em todas as ruas se encontram automóveis com um letreiro que diz «vende-se». Ora isto não se via há uns tempos atrás, mas vê-se agora!
Sr. Ministro, a questão é esta: que medidas sociais toma o Governo para garantir os direitos mínimos dos cidadãos?
Ao olhar-se para o que tem feito o seu Ministério, nós dizemos que não toma medida nenhuma. Pelo contrário, até retira direitos que já existiam anteriormente.
O Sr. Ministro teve o desplante político de dizer isto na sua intervenção: «mantivemos o valor real das pensões de reforma». Ora isto é falso, Sr. Ministro!
Só tenho pena de que as declarações falsas dos Srs. Ministros não passem a pagar o imposto sobre o valor acrescentado porque então talvez medissem melhor as palavras que dizem!
Sr. Ministro, é falso o que referiu, pois as pensões aumentaram, no ano passado, entre 15 % e 18 %, isto é, uma média de 16,5 %, e a taxa de inflação oficial foi de 29,3 %. As pensões e as reformas desceram em termos reais 10 % e negue que isso é verdade, Sr. Ministro!
Ora, o que se refere no Orçamento do Estado para 1985 e o que está escrito na página 56 é «para as pen-
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soes em geral», não se dizendo que se lhes mantém o valor real!
Por outro lado, diz-se no Orçamento que: «Admite-se que em Dezembro de 1985 serão aprovados aumentos iguais em percentagem aos que foram ultimamente afectados». Ora, como o Governo previu uma taxa de inflação de 22 % para 1985, as pensões vão novamente descer pelo menos 4,5 %! Será que as contas do Sr. Ministro serão diferentes ou a lógica dos números não existe? Existe antes a demagogia das palavras, das promessas, daquilo que se afirma e que não tem nada a ver com a realidade?!
Duas últimas questões: o Sr. Ministro afirmou também que o Governo está a fazer um esforço para acabar com a diversidade dos regimes e seria louvável se assim fosse. Simplesmente o esforço que o Governo está a fazer é somente para equiparar os regimes no respeitante aos descontos e não relativamente aos benefícios. Que «diabo» de equiparação, Sr. Ministro!...
Isto é, os rurais, até à data, pagavam uma taxa fixa de 150$ por mês e agora os trabalhadores vão passar a pagar 800$ e a entidade patronal 1200$ ou 1300$. É isto que o Sr. Ministro chama equiparação de regimes? Essa equiparação não deveria igualmente incidir nos benefícios? Mas aí os Srs. Ministros não mexem, antes pelo contrário!...
Uma última questão: este ano o Orçamento do Estado transfere 38 milhões de contos ou um pouco mais para a Segurança Social, o que se deve a uma quebra de receitas e ao aumento da dívida do patronato. Isto não se deve a nenhuma melhoria nos benefícios sociais, pois durante todo este ano eles só baixaram em termos reais.
Sr. Ministro, uma vez que esse número não existe no Orçamento do Estado pergunto-lhe mais uma vez quanto é neste momento o montante da dívida global do patronato à Segurança Social, e, peco-lhe, não escamoteie a questão das letras, e qual é a evolução da dívida?
Na verdade, os Srs. Ministros têm referido numerosas vezes que estão a fazer fiscalização mas esta incide unicamente nos beneficiários e não no aspecto mais gravoso para o País, como seja na dívida do patronato. Depois, lá vai o Orçamento do Estado financiar aquilo que devia ser a contribuição das entidades patronais para a Segurança Social!
O Orçamento que temos aqui presente é de injustiça e é particularmente grave que isto suceda num momento de crise do País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - O Sr. Ministro habituou-nos já, quando faz intervenções neste hemiciclo, a um grande optimismo em relação ao bem-estar dos trabalhadores. Quanto à política do trabalho, vai tudo bem! Os trabalhadores com este Governo até estão bem, nem estão mal!... Mas, Sr. Ministro, a realidade é bem outra e com certeza que não a desconhece. Assim, gostaríamos de expor alguns factos a fim de que o senhor nos responda daqui a pouco se é assim ou não.
Em relação ao Fundo de Desemprego, o Sr. Ministro faz uma grande apologia do dito Fundo, refere que os trabalhadores vão ser mais abrangidos por ele e que as verbas para os desempregados vão aumentar. Ora, eu gostava de fazer aqui algumas comparações para chegarmos a algumas conclusões.
Em 1984 as receitas do Fundo de Desemprego foram de 45 milhões de contos, em 1985 estão previstos 52,1 milhões, o que significa apenas 15,7 % de aumento.
O Governo prevê utilizar esta receita, isto é, os 52 milhões de contos, deste modo: transferências para o Orçamento do Estado, 12,5 milhões, transferências para o Instituto de Emprego e Formação Profissional, 14 milhões, para pagar subsídios a desempregados, 14 milhões (o que é muito pouco relativamente ao ano passado), e empréstimos e subsídios a empresas, 7 milhões. Isto quer dizer, Sr. Ministro, que apenas um aumento de 27,7% será utilizado para pagar subsídios a desempregados. Ora, como o Sr. Ministro sabe, no ano passado, com uma verba de 9,8 milhões de contos, foram somente abrangidos pelo Fundo de Desemprego 60 000 trabalhadores e neste momento temos à volta de 600 000 desempregados!
Assim, pergunto-lhe: será que com estas verbas o Sr. Ministro vai aumentar os desempregados ou vai aumentar os subsídios aos desempregados?
O que nós queríamos perguntar a V. Ex.ª eram coisas muito concretas: não será que com esta política que o Sr. Ministro defende não irá haver nenhuns benefícios para os trabalhadores, ao contrário daquilo que o Governo diz e do que V. Ex.ª apregoou ainda há pouco na intervenção que efectuou e naquilo que tem vindo nos jornais? Qual é a política de evolução para criar empregos neste país? Qual é o número de trabalhadores infelizmente desempregados que vão ser abrangidos pelo Fundo de Desemprego?
Sr. Ministro, para terminar queria dizer o seguinte: a política de um Governo não se vê pelos subsídios aos desempregados, mas antes pelo esforço que faz para a criação de postos de trabalho, isto é, para a criação de empregos para os trabalhadores. Não é com o Fundo de Desemprego, isto é, a «acenar com uma cenoura» aos trabalhadores que se resolve o problema deles. Pelo contrário, esse problema soluciona-se criando postos de trabalho e condições para que eles trabalhem e tenham, de facto, uma vida digna como cidadãos que são.
O Sr. Ministro a isto não diz nada ou diz muito pouco. Por isso está provado e comprovado que a política deste Governo não vem solucionar nenhum problema dos trabalhadores mas, inversamente, vem agravar ainda mais a sua situação, que é já bastante má neste momento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito mal!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro do Trabalho, V. Ex.ª afirmou na sua intervenção que se iriam realizar modificações estruturais na economia e assegurar postos de trabalho. São afirmações verbais, naturalmente optimistas, mas eu permitia-me pedir, a fim de se poder julgar do que será a actuação do Governo em 1985, que o Sr. Ministro indicasse com
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números qual a previsão do Governo relativamente ao número de desempregados que o Ministério do Trabalho, através da política de emprego a desenvolver, conta diminuir?
Ainda há pouco o meu colega de bancada referiu, por exemplo, que há 200 000 jovens que não têm emprego. Assim sendo, pergunto quantos jovens sem emprego é que esta política irá empregar durante o ano de 1985? Nesta matéria, peco-lhe que dê respostas quantitativas e não puramente verbais.
Queria perguntar ao Sr. Ministro por que razão é que o Governo não incluiu nas Grandes Opções do Plano as medidas que estão definidas nas leis-quadro do emprego e da promoção do emprego que são os Decretos-Lei n.ºs 444/80 e 445/80.
Por outro lado, queria ainda perguntar-lhe quais foram os resultados da primeira fase do programa de cooperação técnica e financeira com o Ministério da Educação. Como o Sr. Ministro sabe, esta política foi largamente anunciada na televisão e houve milhares de jovens que se inscreveram, mas, na realidade, apenas algumas dezenas de estudantes beneficiam do ensino técnico-profissional. O Sr. Ministro poderá dar os esclarecimentos relativos a esta matéria?
Finalmente, queria ainda perguntar-lhe por que razão estão a funcionar a menos de 50 % da sua capacidade a quase totalidade dos centros de formação profissional, quando V. Ex.ª tem anunciado a abertura de novos e numerosos centros de formação profissional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho, quando aqui ouvi referir «um emprego para cada português» quase que me fez recordar uma outra máxima do tempo do governo da Aliança Democrática, isto é, «uma casa para cada português». É claro que isto não é verdade e que o Sr. Ministro não disse isso a sério, tratando-se antes de demagogia. Mas porque é que faço esta afirmação? Porque, simultaneamente com o seu discurso, V. Ex.ª veio aqui trazer de novo à colação a questão da cessação do contrato de trabalho e da revisão da respectiva lei. Assim, de facto, trata-se de criar mais desemprego!
O Sr. Ministro não disse uma palavra sequer sobre a situação dos trabalhadores com salários em atraso. Para isso, o Governo não tem qualquer proposta e, depois deste tempo todo, apesar de a situação se agudizar, continua a não dizer nada!
Mas tratemos concretamente dos aspectos que o Sr. Ministro aqui nos trouxe. E uma das questões que lhe queria referir, porque continua sem resposta, é esta: o orçamento do Fundo de Desemprego aumenta, entre o ano anterior e este ano, 15,7%, ou seja, de 45 para 52 milhões de contos. Assim, pergunto: o Governo está a contar que aumentem vertiginosamente as dívidas do patronato ao Fundo de Desemprego ou com o crescente aumento do desemprego? Pergunto isto porque de um outro modo não se justifica que, em termos de receitas, o Fundo cresça somente 1,7%!
Uma outra questão que lhe queria colocar era a seguinte: o Sr. Ministro tece elogios ao seguro de desemprego. Muito bem! Porém, hoje existem 600 000 desempregados no nosso país e pergunto-lhe quantos vão ser abrangidos. Por outro lado e para além disso, peço-lhe que refira concretamente quantos trabalhadores
pensa o senhor que vai cobrir, efectivamente, com o Fundo de Desemprego?
É escandaloso que até à data somente cerca de 10% dos trabalhadores no desemprego tenham recebido qualquer subsídio do chamado «Fundo», que agora, com o seguro de desemprego, implica verbas maiores.
Segunda questão, Sr. Ministro: o senhor referiu que havia verbas para a formação profissional, falou da criação de centros de formação profissional, mas não disse qual o montante dessas verbas que destinava para as empresas do sector privado e do sector público. Quais vão ser as empresas a quem vão ser distribuídas essas verbas?
Por outro lado, o Governo, ao prever a formação profissional, deve ter critérios - ou pelo menos devia tê-los! Assim, pergunto de novo (porque o Governo se tem escusado a responder a esta questão) se existe um planeamento das necessidades regionais e sectoriais, em termos de emprego, para aqui se vir falar de uma política de centros de formação profissional?
Por agora, são apenas estas as questões que lhe queria colocar, Sr. Ministro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para pedir esclarecimento.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro do Trabalho, também não irei pôr-lhe questões numa perspectiva de maximalismo e começarei mesmo por me congratular com a publicação do recente Decreto-Lei n.º 20/85, registando, porém, que ele vêm com um ano de atraso. Aliás, ia dizer: «Quando aqui há um ano estivemos nesta Câmara a discutir o Orçamento», mas na verdade não foi há um ano que discutimos o último orçamento. Foi em 1983. Nessa altura V. Ex.ª prometia já, para Fevereiro ou Março de 1984, a substituição do sistema de protecção do desemprego, constituído pelo subsídio de desemprego e por um seguro de desemprego. Essa substituição veio com um ano de atraso, mas chegou e, realmente, é razão para congratularmo-nos com isso.
Simplesmente, Sr. Ministro, nesta matéria de emprego, ou melhor, nesta matéria respeitante à política de protecção do desemprego, continuamos com deficiências graves. E isto desde logo no que respeita às projecções macro-económicas, pois, como aqui foi salientado - com certeza porque permanecem os defeitos de colheita de estatística -, V. Ex.ª continua sem nos dar números sobre a evolução previsível do desemprego.
Temos, porém, um indício que nos parece importante: como o novo sistema de seguro se vai aplicar apenas aos novos desempregados e como, na realidade, nos parece que a verba respeitante a este sistema e transferida para a segurança social será da ordem dos 2,5 a 3 milhões de contos, pergunto ao Sr. Ministro se isto nos pode dar ideia do que será o crescimento do desemprego em 1985.
Sr. Ministro, concretamente no que respeita ao sistema de seguro do desemprego de que falou, queria pôr-lhe as seguintes questões: porquê exigir, como condição para atribuição das prestações do seguro, o trabalho em 36 meses consecutivos, excluindo, desta forma, o desemprego involuntário nos contratos a prazo? Será que se vai pôr termo ou inverter a situa-
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cão, de tal maneira que os contratos que dão origem a este tipo de trabalho a prazo vão terminar?
Sr. Ministro, por que é que o novo seguro é aplicável apenas aos novos desempregados, como disse há pouco? Não havendo, em princípio, alteração no sistema de quotização para o seguro, parece-me que a situação é perfeitamente injusta e a desigualdade que vai estabelecer-se entre os actuais e os novos desempregados não terá razão de ser e será mais uma desigualdade a afectar a sociedade portuguesa e os trabalhadores portugueses.
Finalmente, Sr. Ministro, que significa o desaparecimento de qualquer previsão orçamental em matéria de aplicação do regime jurídico do lay-off? Significa, realmente, que aquilo que aqui previmos e que ia no sentido de que tal regime não iria ter aplicação prática se veio afinal a verificar?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, para um pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho, V. Ex.ª sabe, como aliás todos os que aqui estamos, que um dos principais problemas dos trabalhadores neste momento, no nosso país, são o desemprego e, por outro lado, a quebra brutal dos salários reais. Aliás, na sua intervenção, pela demagogia que utilizou nas afirmações que fez, não deixou de pôr em destaque a existência, exactamente, destes dois graves problemas no País. Simplesmente, também sabemos que não é por afirmarmos que vão ser criados novos empregos e que os salários reais vão aumentar que essa situação se vai verificar! O Sr. Ministro sabe que a primeira condição para haver criação de novos empregos é o aumento do investimento.
Gostaria, então, de lhe pôr a seguinte questão: como compatibiliza V. Ex.ª a sua afirmação de que vão ser criados novos empregos com as propostas e medidas que estão contidas nas Grandes Opções do Plano para este ano e que apontam para uma estagnação na recessão?
Como sabe, o investimento, nos últimos dois anos, diminuiu cerca de 26% e para este ano aponta-se um ligeiro aumento - em 2% - dessa quebra brutal de 26%. Portanto, é a estagnação na recessão, Sr. Ministro!
Então, como é possível criar novos empregos para se poder afirmar, como o senhos o fez, «um emprego para cada português»?! É ou não verdade que as ofertas de emprego diminuíram cerca de 50% durante os três primeiros trimestres de 1984? Como vai resolver esta questão? Sr. Ministro, em concreto, que medidas se vão tomar para afirmar que vai resolver o problema do desemprego - se quiser dos 400 000 desempregados que diz que existem ou, se quiser dos mais 600 000 que, de facto, existem? Que medidas, em concreto, vai apontar para a resolução do problema do desemprego dos jovens - e só destes - à procura do primeiro emprego? Diga-me, em concreto, que medidas vão ser tomadas em 1985 para resolver o problema dos jovens à procura do primeiro emprego e o problema do desemprego? Não se refugie nas questões de formação profissional, no apoio à criação de emprego. Diga, em concreto, quantos postos de trabalho vão ser criados, quantos desempregados vão desaparecer e qual o número de desempregados previsto pelo Ministério do Trabalho!
Quanto aos salários reais, Sr. Ministro, é ou não verdade que eles diminuíram brutalmente em 1984? E para 1985 qual é a subida que aponta? O que o Governo indica, todos o sabemos, é um tecto salarial de 22%, porque, ao dizer que a taxa de inflação é de 22%, está a apontar um tecto salarial. Aliás, já em 1984 foi assim. Disse que a taxa de inflação ia ser 24% - na realidade foi de 30% - e o tecto salarial funcionou, tendo-se verificado uma quebra brutal dos salários reais! Como é que em 1985 esta situação vai ser resolvida, Sr. Ministro? Que medidas concretas é que o Ministério do Trabalho vai tomar? Como é que as compatibiliza com as Grandes Opções do Plano e com a política apontada aqui pelo Sr. Ministro das Finanças?
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Por último, Sr. Ministro, seria importante que aqui ficassem clarificadas que medidas é que vão ser tomadas quanto ao Fundo de Desemprego, quanto ao Instituto de Emprego e Formação Profissional e quanto às dívidas das empresas, de milhões de contos, ao Fundo de Desemprego! Que medidas em concreto vão ser tomadas para averiguar das possibilidades de pagamento dessas dívidas e de recuperar o dinheiro que for possível (sem pôr em causa, naturalmente, a sobrevivência das empresas), mas averiguando os casos que são de dolo e aqueles que, de facto, são de dificuldades das empresas!
Que medidas vão ser tomadas, em concreto, Sr. Ministro?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Laje.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Ministro, a sua exposição foi, a todos os títulos, correcta e positiva e quero sublinhá-lo, antes de lhe por a questão que a seguir lhe colocarei. Aliás, ao sugerirem que fosse aplicado o IVA à sua extensa exposição, leva a admitir que ela tem, de facto, um valor acrescentado!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, acho que a política de formação profissional - aliás, todos achamos - é fecunda e portadora de futuro. Se queremos um modelo de sociedade diferente e trabalho para as gerações mais jovens - as quais não podemos deixar precipitar numa crise moral e existencial preocupantes -, temos de apostar na formação profissional. E, por isso, a criação de diversos centros de formação profissional que anunciou - aliás, era do nosso conhecimento que esses centros de formação estavam a ser lançados - é uma decisão muito positiva. Mas, Sr. Ministro, concretamente, a questão que lhe quero pôr é a seguinte: também o Ministério da Educação está a apostar no ensino técnico profissional, ou seja, num outro esquema de formação profissional. É um esquema diferente, mas é também um sistema de formação profissional. Por outro lado, o seu Ministério possui também, se não estou em erro, formas de apoio à formação nas empresas, ou seja, neste momento dispomos de vários mecanismos, alguns deles envolvendo fundos apreciáveis e verbas impressionantes, e tenho algum receio que não haja a coordenação necessária e adequada entre estes diversos esquemas de formação profissional.
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Assim, a questão que lhe ponho - e não é propriamente uma interrogação, mas mais um convite a que esse assunto seja examinado - vai no sentido de se articularem esses diversos esquemas de formação profissional, para evitar os esbanjamentos de recursos e para os tornar mais eficazes.
Parece necessário planear esses centros de formação profissional de tal forma que eles se articulem com a actividade económica, industrial e, naturalmente, com as linhas de desenvolvimento do Pais. Se o Ministério do Trabalho e o Governo - porque é um assunto que envolve vários ministérios - apostarem na articulação da formação profissional e convergirem no mesmo esforço, creio que se pouparam recursos e se obterão melhores resultados.
Como este é um assunto muito importante, peço ao Sr. Ministro uma pequena reflexão sobre esta matéria. E mesmo que ela não seja feita neste momento, peço a V. Ex.ª que tenha em conta a necessidade de uma articulação desses diversos esforços para que eles se reforcem mutuamente e não se criem, pelo contrário, duplicações desnecessárias.
O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho.
O Sr. Ministro do Trabalho (Amândio de Azevedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Bagão Félix: Creio que considerou que a minha intervenção está plena de demagogia. O Sr. Deputado tem o direito de formular os juízos e as opiniões que entender, mas posso assegurar-lhe que na minha intenção não houve demagogia, mas sim a preocupação de apresentar os assuntos com toda a seriedade.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Eu não disse que a intervenção do Sr. Ministro foi demagógica, eu disse é que a minha intervenção não ia ser demagógica.
O Orador: - A minha também não foi... então, óptimo.
O Sr. Bagão Félix (CDS): - Eu não disse nem que sim nem que não.
Risos.
O que eu disse é que a minha intervenção não ia ser demagógica e o Sr. Ministro não entendeu bem.
O Orador: - Peço-lhe desculpa, mas gostaria de reafirmar que a minha preocupação - pode ser que não consiga atingir esse objectivo - foi a de fazer uma intervenção séria, não demagógica, e de contribuir para o esclarecimento das questões.
O Sr. Deputado estranha que na área da segurança social haja apenas um aumento de 21,2 % quando noutras áreas há um aumento superior. Posso dizer-lhe que, descontando os encargos com a dívida - que na realidade devem ser descontados para fazer as devidas comparações - a percentagem de aumento das despesas na segurança social é exactamente idêntica à percentagem do aumento nos outros sectores. Isto, segundo informação, que considero fidedigna, do Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Deputado tem razão quando diz que não se compreende que as pensões da segurança social, já de si diminutas, aumentem numa percentagem inferior àquela em que aumentam as pensões dos funcionários públicos, pensões essas de valor muito superior.
Ao longo da minha intervenção, tive oportunidade de dizer que, já hoje, sobretudo tendo em conta as economias que resultaram das acções de inspecção levadas a efeito de uma forma intensiva - que se traduziram em economias de cerca de 3 milhões de contos -, se torna possível um reajustamento do aumento das pensões e das prestações familiares. Penso, aliás, que é exactamente nesse momento que se deve fazer a correcção que se impõe, porque na verdade a situação não é aceitável - e o facto explica-se por as decisões terem sido tomadas em momentos diferentes. Quando foram aumentadas as pensões sociais não tinha sido ainda definida a política de rendimentos e preços, que se orientava no sentido de salvaguardar o poder real de compra dos salários, prevendo que a inflação em 1985 se situasse na casa dos 22 %. Por isso mesmo, penso que é indispensável fazer as necessárias correcções.
Felizmente, tivemos uma surpresa agradável relativamente às cobranças de 1984, bem como no que respeita às economias feitas nas acções de inspecção, o que nos permite fazer essa correcção, a qual, posso assegurar-lhe, tem a solidariedade de todo o Governo. No que respeita ao problema dos investimentos, seria desejável que contássemos com uma verba superior para investimentos na área da segurança social, que aliás foi pretendida.
No entanto, como disse no início da minha intervenção, temos de nos confrontar com a realidade e, em termos da ponderação global das verbas disponíveis, tivemos de considerar aceitável a verba que nos foi dada para investimentos no ano de 1985.
Ainda assim, queria dizer que é preciso ter em conta que dentro desta verba a parte de longe mais substancial se destina a equipamentos sociais e não a instalações dos serviços. E nessa medida há uma melhoria sensível na acção social que se pretende levar a cabo.
O Sr. Deputado Pinheiro Henriques veio citar uma vez mais as declarações do Sr. Bispo de Setúbal. Queria dizer, com toda a clareza, que considero perfeitamente compreensível que os mais altos responsáveis da Igreja, os Srs. Deputados, aqueles que contactam directamente as dificuldades dos cidadãos, procurem acentuar essas dificuldades, mesmo, porventura, até com uma ponta de exagero, como há, em minha opinião, nas declarações do Sr. Bispo de Setúbal. A operação de emergência lançada e executada no distrito de Setúbal demonstrou que, sem embargo de existirem dificuldades, elas ficam muitíssimo aquém daquilo que tem sido propalado.
Normalmente as coisas nunca são tão negras como as pintam. Para lhe citar um número que tenho de memória, porque resultou de uma apresentação que foi feita hoje em Conselho de Ministros, devo dizer-lhes que o montante dos prejuízos calculados em empresas nas cheias de 1983, segundo as declarações dos interessados, atingia 5 780 000 contos. As verbas que foram consideradas razoáveis pelos serviços da Secretaria de Estado de Emprego e Formação Profissional não chegaram sequer a 1 milhão de contos. Nas operações de recuperação das empresas foi possível salvaguardar
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mais de 2000 postos de trabalho, atendendo-se todos os pedidos de empresas afectadas pelas cheias, no que foi despendido o montante de cerca de 618 000 contos. Só ficaram de fora algumas empresas, poucas, que não quiseram aceitar a cooperação do Ministério do Trabalho e Segurança Social por razões que nada têm a ver com as intenções deste Ministério.
Nós reconhecemos a existência de dificuldades e poderemos divergir quanto ao seu grau, mas uma coisa temos de reconhecer: é que não é com lamentações, sobretudo exageradas, que os nossos problemas se resolvem. O Governo não ignora as dificuldades e está a fazer tudo o que está ao seu alcance, pelos meios mais racionais, numa política de verdade e de serenidade, para efectivamente combater os males existentes e atenuar as dificuldades por que passam os cidadãos. Quanto às acções que o Governo está a empreender no domínio do Ministério do Trabalho e Segurança. Social, creio que não posso ser mais explícito do que na intervenção que fiz nesta Assembleia.
Há todo um conjunto de acções que têm tradução neste Orçamento que se não destinam a outra coisa senão a salvaguardar o direito ao trabalho dos Portugueses e a atenuar as dificuldades que os cidadãos têm, qualquer que seja a origem dessas dificuldades.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra insiste em que o País está numa crise profunda, etc. Pois está numa crise, admitamos mesmo que é profunda, todos o sabemos, mas nós estamos a enfrentar a crise e estamos a fazê-lo numa situação que não é cómoda, não virando a cara às dificuldades. E não desistimos. Temos feito uma política séria e corajosa, que não é demagógica nem popular. É uma política, muitas vezes, com medidas até impopulares, mas que contém em si mesma um projecto que se destina a resolver os problemas e não a camuflá-los. Por exemplo, na política de apoios financeiros do Ministério do Trabalho e Segurança Social, talvez fosse politicamente mais cómodo ir dando subsídios às empresas para não terem salários em atraso, atenuando todos os problemas sociais, mesmo que isso representasse um desbaratamento dos dinheiros públicos. Nós preferimos a política certa, mesmo que ela envolva, como envolve, maiores custos sociais.
O problema dos salários em atraso é um problema estrutural que se resolve com medidas estruturais e económicas e não com demagogia nem com paleativos.
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - E é essa política que estamos a prosseguir, na qual nos manteremos com toda a determinação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto às medidas sociais, Sr.ª Deputada, estamos a procurar maximizar os recursos de que dispomos para dar a maior satisfação aos problemas sociais existentes.
É patente na política do Governo a vontade de preservar o valor real das pensões. Eu não disse que o ano passado o Governo manteve o valor real das pensões, mas sim que me congratulei por a política do Governo em 1985 se fixar numa meta e num objectivo de manutenção desse valor real, o que é coisa diferente.
Efectivamente, não foi possível em 1984 nem manter o valor das pensões nem manter o valor real dos salários. As razões disso toda a gente as conhece e não vale a pena pensar-se que podemos ignorar os problemas e resolve-los como se eles não existissem e sem suportar os consequentes sacrifícios.
Temos de ter a consciência de que os problemas do nosso país têm de ser resolvidos à custa dos Portugueses. E os erros cometidos no passado têm de ser pagos pela geração presente se não quisermos transferi-los para as gerações futuras. E este Governo está a fazer uma política que não é de transferência dos problemas presentes para as gerações futuras. Estamos já hoje a suportar sacrifícios, talvez em maior grau até do que seria normal, para que efectivamente os problemas não se agravem e as gerações futuras não tenham de vir a pagar uma conta demasiado elevada e a encontrar-se em situações de ruptura, em que, felizmente, no ponto de vista social, ainda não nos encontramos.
A Sr.ª Deputada diz que a equiparação dos regimes se faz apenas procurando equiparar os encargos. Mas isso não é exacto, porque o novo regime dos rurais tende para a equiparação, não só no domínio dos encargos como também no domínio dos benefícios. O que acontece é que no presente momento há muito maior diferença no domínio das contribuições do que no domínio dos benefícios sociais, que, aliás melhoram com o novo regime e se aproximam do regime geral.
Nós tomámos uma medida que em termos razoáveis, vai aproximar o regime dos rurais do regime geral. Hoje acontece que o orçamento da segurança social despende cerca de 50 milhões de contos no regime dos rurais, arrecadando apenas, dessa origem, cerca de 1 milhão de contos. Isso é uma distorção que é gritantemente injusta e temos, naturalmente, que a minorar. E isto é fazer a política da verdade, não é fazer a política cómoda.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Porque, num ano de eleições, se quiséssemos fazer a política cómoda e demagógica não teríamos adoptado esta medida que, indiscutivelmente, vai provocar reacções negativas da parte dos trabalhadores rurais, ainda por cima das camadas mais sacrificadas da nossa população.
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nós temos, necessariamente, que definir e executar políticas correctas e não temos, naturalmente, que continuar com políticas fáceis mas que sacrificam e comprometem o futuro dos Portugueses.
Quanto às transferências do Orçamento do Estado, estamos a realizar com equilíbrio a política que está consagrada na Lei Quadro do Sistema da Segurança Social. O Orçamento do Estado tem vindo a fazer transferências, cada vez mais significativas, para o orçamento da segurança social. Aliás, se assim não fosse, não era possível manter, no nível desejável, o montante das prestações sociais.
De qualquer modo, importa que se esclareça que o Orçamento do Estado só cobre - ainda hoje, em 1985 - 52 % das despesas da segurança social que não têm base contributiva. Estamos, portanto, a metade da-
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quilo que se considera a meta desejada no problema do equilíbrio da segurança social. Porque é muito mais justo que a política social que não tem base contributiva seja suportada por todos os cidadãos e portanto pelo Orçamento do Estado, em vez de ser suportada, apenas, por uma parte dos cidadãos, que são aqueles que fazem descontos para a segurança social.
Mais uma vez refiro que estamos a executar uma política equilibrada, que progressiva e moderadamente vai caminhando no sentido das soluções que se consideram mais desejáveis.
Quanto às dívidas que a Sr.ª Deputada refere do «patronato» - creio que atribui essa expressão só às empresas privadas - quero dizer-lhe que não são só as empresas privadas. São de todas as empresas, também das públicas. Posso dizer-lhe que, relativamente ao fim de 1984, essas dívidas se cifram em cerca de 76 milhões de contos. Mas devo acrescentar, para apagar o seu sorriso irónico, ...
Risos do PCP.
... que em 1984 o nível de cobrança das contribuições da segurança social atingiu 91,5 %, o que se pode considerar um resultado francamente positivo e uma recuperação neste domínio das receitas da segurança social.
Quanto ao Sr. Deputado António Mota gostaria de dizer que os seus números estão todos errados e poderemos ver isso na especialidade. As receitas do Fundo de Desemprego aumentam em 1985, não quinze e tal por cento, mas 24 %, se nos referirmos às contribuições. De qualquer maneira, num debate na generalidade não vou, porque até não estou preparado para isso, fornecer-lhe os números pormenorizados. Teremos oportunidade de os discutir no debate da especialidade.
A política de emprego está mais que esclarecida.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Lá isso está!
O Orador: - No que respeita à política de criação de postos de trabalho, creio que também já disse o suficiente. Quanto ao pagamento de subsídio de desemprego quero referir que temos um número de trabalhadores com subsídio de desemprego que resulta, naturalmente, do regime vigente, que é de carácter assistêncial. Porque só têm direito ao subsídio de desemprego os trabalhadores que, além de respeitarem as condições, nomeadamente, de garantia, demonstrarem que têm carências económicas. Isto é, que não excedem uma certa capitação no seu agregado familiar. E tudo isso conduz a que o número de desempregados com subsídio de desemprego ande à volta, não sei os números de cor...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - 60 000!
O Orador: - Entre os 60 000 e os 70 000, à volta disso.
É natural que este número aumente com o novo regime de subsídio de desemprego, uma vez que ele não exige - tal como o subsídio social de desemprego, que se mantém no regime actual - que o trabalhador demonstre a carência económica. Isto é, se um trabalhador tem três anos de trabalho e está desempregado, por esse simples facto, respeitando as outras condições, tem direito a uma prestação de cerca de dois terços do seu salário, independentemente da sua situação económica, apenas com o limite de o montante ir até três vezes o salário mínimo nacional.
O Sr. Deputado Raul Castro fala na previsão dos desempregados, dos jovens desempregados, etc. Creio que já tive oportunidade de dizer que, segundo as últimas estatísticas, aquelas de que dispomos, o número de desempregados não subiu significativamente no ano de 1984. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a última taxa, atendendo ao desemprego em sentido amplo, cifrava-se em 10,3 %, quando já tinha sido, em trimestres anteriores, de 10,6%. E, segundo os dados disponíveis, nomeadamente da OCDE, não se prevê que o desemprego venha a aumentar em Portugal, que aliás é, juntamente com a Áustria, se não estou em erro, um dos poucos países em relação aos quais não se prevê aumento de desemprego em 1985.
O Sr. António Mota (PCP): - Falso!
O Orador: - Há uma coisa que o Sr. Deputado António Mota diz com a qual estou plenamente de acordo: a política de emprego não se promove através do pagamento de subsídios de desemprego, mas através da criação de emprego e de postos de trabalho. Estou de acordo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Então quantos é que vai criar?
O Orador: - Por isso é que o Ministério do Trabalho e Segurança Social está a apostar fortemente na política e nas acções de formação profissional, porque constituem indiscutivelmente uma base susceptível de, por via directa e indirecta, se vir a aumentar os postos de trabalho e a possibilidade de combater o desemprego.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas quantos empregos? Gostaria de saber quantos.
O Orador: - Quantos desempregados? São 460 000, segundo o INE; 300 000, segundo as estatísticas do Ministério do Trabalho e Segurança Social.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não, Sr. Ministro, não é isso! Não me refiro aos desempregados, mas sim aos empregos a criar.
O Orador: - Já lá iremos, Sr.ª Deputada.
O Sr. Deputado Raul Castro pretende, mais uma vez, a previsão dos desempregados. Toda a gente conhece os números existentes.
Quanto aos jovens desempregados, posso dizer-lhe que o seu número diminuiu em 1984; não aumentou, apesar de tudo. E posso dizer-lhe que, com as políticas que estão previstas para 1985, é de prever que venha a reduzir-se significativamente o número de desempregados jovens.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não, Sr. Ministro, não!
O Orador: - Diz que há centros de formação profissional que funcionam a 50 % da sua capacidade, não se compreendendo assim que sejam criados novos centros de formação profissional.
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Sr. Deputado, creio que terá ouvido na minha intervenção que se estão a desenvolver e a chegar ao seu termo diligências e acções no sentido de dar plena capacidade de actuação aos centros de formação profissional existentes, até final do primeiro semestre de 1985. E todos aqueles que estão planeados são considerados necessários para atender às necessidades de formação profissional do nosso país.
Basta dizer-lhe que a Irlanda, que é um país semelhante ao nosso, despendeu em acções de formação profissional, no ano de 1984, qualquer coisa como 50 milhões de contos, recebendo 25 milhões da CEE.
Nós estamos ainda a uma distância muito grande das nossas potencialidades e necessidades para podermos aproveitar, em pleno, as verbas que nos podem chegar exactamente através do Fundo Social Europeu.
Estamos a prepararmo-nos para isso, para que a nossa entrada se venha a saldar em benefícios para o nosso país.
Sr. Deputado Manuel Lopes, creio que percebeu que, quando falei do objectivo de encontrar um posto de trabalho para cada trabalhador, isso significa uma meta, que sei que dificilmente será atingida, mas que deve ser uma meta da política do Governo. Não devemos ter receio de fixar objectivos ambiciosos, embora estejamos conscientes de que, na prática, porventura não seremos capazes de os alcançar. Mas, normalmente, quem não é ambicioso nos seus objectivos também não consegue nada na sua realização prática. É necessário ser ambicioso, mas ser também consciente das realidades. É essa a política do Ministério do Trabalho e Segurança Social.
Com o regime da cessação dos contratos de trabalho, pode estar seguro, Sr. Deputado, de que não se irá contribuir para o aumento do desemprego. Pelo contrário, porque esse regime será equilibrado, irá contribuir-se exactamente, proporcionando-se melhores condições no regime que deve vigorar nas relações de trabalho, para que aumente o número de postos de trabalho.
Está demonstrado que não é com uma rigidez excessiva que se promove o emprego. É, sim, com um regime equilibrado de protecção adequada dos interesses dos trabalhadores, sem descurar os problemas das empresas, que efectivamente se resolvem os problemas do emprego.
Não podemos esquecer a lição dos países que têm estádios de desenvolvimento superiores ao nosso e que realizam esse desenvolvimento com relações profissionais e laborais adequada e não com relações laborais distorcidas, como são aquelas que ainda existem no nosso país.
Quanto ao número de desempregados abrangidos pelo seguro de desemprego, há cálculos, sobre os quais também podemos ir mais longe na discussão na especialidade. Não os posso citar de memória, mas também não creio que seja um problema importante numa discussão na generalidade.
Vozes do PCP: - Não?!
O Orador: - Já disse que, segundo as previsões, o orçamento do Fundo de Desemprego em termos de receitas cresce 24% em 1985 e não 15,7%, como diz.
Também lhe posso dar uma informação rigorosa, na especialidade, sobre as verbas que são destinadas às várias modalidades de formação profissional, isto é, às
acções de formação profissional em empresas e outras instituições privadas, em institutos públicos ou departamentos do Estado, em centros protocolares de formação profissional e em centros oficiais. Posso fornecer-lhe todas as verbas, que vêm todas perfeitamente discriminadas no orçamento do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Quanto às necessidades de emprego, naturalmente que não se conhecem com todo o rigor, mas há, evidentemente, cálculos e previsões que assentam em dados provenientes de organismos especializados, nomeadamente das comissões de coordenação e de outros departamentos do Estado.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito diz - e é exacto - que o seguro de desemprego vem com um ano de atraso. Sou o primeiro a lamentar, mas devo dizer-lhe que a responsabilidade não cabe ao Governo, nem tem nada que ver com a falta de vontade de aprovar este regime no mais breve prazo possível. Tem que ver essencialmente - não veja nisto uma crítica - com a criação e a entrada em funcionamento do Conselho Permanente da Concertação Social, que acabou por apreciar o diploma e que, por causa do PRFE e dos seus trabalhos, só deu o parecer mais tarde do que estava previsto. Mas este regime foi aprovado, com um breve intervalo, logo a seguir ao parecer do Conselho Permanente da Concertação Social.
Posso dizer-lhe que não é preciso pôr em relevo que não terão faltado dificuldades que foi necessário ultrapassar para que este novo regime fosse aprovado e entrasse em vigor no dia 1 de Fevereiro do ano corrente.
Quanto à evolução previsível do desemprego, nem eu nem ninguém lhe pode dar números seguros neste momento. Pode haver previsões, infelizmente não muito sólidas, porque as nossas estatísticas estão longe de corresponderem àquilo que seria desejável, mas as nossas previsões são as de que o desemprego não aumentará muito significativamente no ano de 1985, uma vez que os desempregos pela necessária reestruturação de empresas podem e devem ser compensados com um moderado crescimento da economia, que se espera para o ano de 1985, e por medidas indirectas, que, de qualquer maneira, têm sempre um impacte positivo na área do emprego.
Por que é que se exigem 36 meses consecutivos? O Sr. Deputado poderia fazer esta e muitas outras perguntas. Pretendeu-se consagrar o novo regime numa linha de prudência, que é sempre aconselhável. Não podemos calcular com rigor os encargos que vão resultar do novo regime, nem o Orçamento do Estado suporta um aumento perfeitamente disparado das suas despesas. Por isso, houve que adoptar soluções equilibradas, que pareceram as mais aconselháveis.
De qualquer maneira, o seguro de desemprego é uma prestação que se destina a compensar os trabalhadores em relação aos quais já houve descontos para a Segurança Social e para o Fundo de Desemprego e é lícito presumir que existe já uma certa confiança na estabilidade do emprego. Porque é essa perda ou quebra de confiança compreensível que justifica uma prestação social que se equipara à prestação que e conferida no caso de doença.
Ora, quando há um período mínimo de trabalho, não há contribuições que sirvam de suporte - isto tem um certo esquema de seguro de desemprego - e, por outro lado, também não há ainda uma base muito só-
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lida para se acreditar na estabilidade do emprego, como acontece quando este já dura há mais de três anos.
Porquê só em relação aos novos desempregados é que temos aqui discriminações? Sr. Deputado, teríamos sempre discriminações. Uma nova lei consagra sempre um regime diferente do anterior e há sempre um momento, seja ele qual for, a partir do qual se aplica o novo regime e deixa de se aplicar o anterior. Há sempre desigualdades para uns ou para outros: é um problema de aplicação das leis no tempo.
Mais uma vez por uma razão de prudência, e até porque não é praticável que, de um momento para o outro, se aplique logo maciçamente todo o regime, porque os serviços não comportam as operações que seria necessário realizar para esse efeito. Resolveu-se, por isso, aplicar o princípio normal: a lei vigora para o futuro, isto é, são sujeitas ao novo regime as situações que se vierem a verificar na vigência deste novo regime.
Finalmente, o Sr. Deputado Nogueira de Brito pergunta por que é que a verba prevista para a suspensão dos contratos de trabalho - não gosto de empregar expressões estrangeiras - é mais reduzida do que a do ano passado.
Sr. Deputado, o facto é que, por razões a que o Governo é inteiramente alheio e de que não tem qualquer responsabilidade, não se tem feito o recurso, que seria normalmente previsível, a esta medida de resolução de problemas de excesso temporário de volume de emprego. É um problema que não é da responsabilidade do Governo, mas sim da responsabilidade de quem assegura a gestão das empresas. O Governo recusa-se terminantemente a interferir, por qualquer forma que seja, nos problemas que cabem às próprias empresas, sendo esta uma constante da sua política.
Ao Governo cabe, indiscutivelmente, a responsabilidade de dotar o País e o sistema jurídico com os mecanismos que podem vir a ser necessários para resolver os problemas que venham a surgir no caminho das empresas.
Também prevê despedimentos colectivos, individuais, etc., e não se rala nada que não venham efectivamente a ser tomadas essas medidas. O Governo está satisfeitíssimo, por si, que as empresas não reconheçam a necessidade de recorrer à suspensão de contratos de trabalho e à redução de tempo de trabalho. Tanto melhor para os trabalhadores e para o País!
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo parece pretender que o desemprego só se combate com o aumento do investimento e que, quanto ao resto, cruzemos os braços. Não é essa a perspectiva do Ministério do Trabalho e Segurança Social, que, naturalmente, não é responsável, em linha principal, pelo montante do investimento, que cabe, obviamente, a quem tem a responsabilidade da definição da política económica e financeira.
Mas o Ministério do Trabalho e Segurança Social tem a consciência de que, independentemente desse factor, que é relevante e importante, há outros factores que podem contribuir para o combate ao desemprego.
Exactamente no domínio da formação profissional, acredita-se que as acções empreendidas e as que estão programadas podem dar uma contribuição muito importante para o combate ao desemprego, porque fortalecem as empresas e aumentam a competitividade. E empresas prósperas e progressivas aumentam sempre os postos de trabalho e garantem muito mais a estabilidade do emprego.
Sr. Deputado Carlos Lage, o tempo é muito curto, mas quero agradecer-lhe as referências que fez à minha intervenção e dizer-lhe que tocou num dos pontos capitais da política do Ministério do Trabalho e Segurança Social, que pretende arvorar-se em campeão da coordenação dos vários sectores e organismos, não só do Estado, mas também da iniciativa privada.
A formação profissional é um campo exemplar de esforço de cooperação, nos mais diversos domínios e com todas as entidades. Desde logo, com o Ministério da Educação: não se confundem o ensino técnico-profissional com a formação profissional, mas entrelaçam-se. Por isso é que o Ministério do Trabalho e Segurança Social coopera com o Ministério da Educação, financiando a aquisição de equipamentos para as escolas técnico-profissionais - em 1984, no montante de 100 000 contos; em 1985, no montante de 400 000 contos - para o desenvolvimento deste programa, a que se atribui a maior relevância.
Em segundo lugar, a formação profissional é desenvolvida essencialmente através de acções de cooperação.
Mesmo nos centros oficiais de formação profissional, a nossa intenção é a de levar tão longe quanto possível - de qualquer maneira, muito longe - a participação das organizações empresariais na gestão de centros de formação profissional, pela simples razão de que as acções de formação profissional, desenvolvidas no quadro de centros protocolares de formação profissional ou de empresas, têm garantido, praticamente a 100 %, o emprego dos trabalhadores que delas beneficiam.
Nós cooperamos com empresas, com entidades públicas e particulares, com universidades, com associações empresariais e com Ministérios como, por exemplo, o do Comércio e Turismo, o da Agricultura, etc.
E é exactamente através desta cooperação que podemos fazer melhor a coordenação das acções de formação profissional.
Felizmente já conseguimos hoje vencer e ultrapassar resistências à cooperação neste domínio, que existiam em tempos passados. Isto porque cada departamento, nomeadamente do Estado, queria salvaguardar a sua liberdade de acção.
Hoje, a grande realidade é que há um espírito de cooperação generalizado entre todas as entidades. Estamos mesmo a encontrar um eco, que se pode considerar extremamente positivo, nomeadamente na iniciativa privada, para todas as acções de formação profissional que estamos a empreender. E isto exactamente porque acreditamos - e todos aqueles com quem contactamos continuam também a acreditar - que aquilo que fizermos na formação profissional pode ter uma influência muito significativa, diria mesmo decisiva, no futuro da economia do nosso país.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para protestar, os Srs. Deputados Bagão Félix, Zita Seabra Nogueira de Brito.
Atendendo ao facto de já faltarem apenas 8 minutos para a 1 hora, agradeço a maior brevidade aos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félis (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei extremamente rápido. Deixarei de lado o equívoco sobre a expressão e qualificação demagó-
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gica - o Sr. Ministro lá terá as suas razões para considerar as minhas observações demagógicas -, visto que não é isso que está em causa.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Se fui injusto, peço-lhe desculpa.
O Orador: - Gostava apenas de lhe pedir para responder à pergunta que lhe formulei e a que o Sr. Ministro não respondeu. Isto é, perante as dificuldades que todos conhecemos, perante a crise económica, perante a dificuldade de distribuição social, que medidas de alteração de critérios e de técnicas de cobertura se impõem neste momento? E também que políticas de redistribuição, nesse aspecto, tem o Ministério do Trabalho e Segurança Social? Ou seja, se é uma política de distribuição mais contributiva, mais assistêncial, mais selectiva ou mais universal.
E faço fundamentalmente esta pergunta porque há um artigo na proposta de lei do Orçamento que se refere às prestações dos familiares onde penso que está indiciado, eventualmente, um caminho diverso.
Era sobre isto que gostava de obter uma resposta do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Começaria por lhe dizer que, em números e em contas, não é melhor que o Primeiro-Ministro.
Daí que o meu sorriso não fosse irónico, mas sincero. Acredite.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Porque na verdade, em relação aos números, V. Ex.ª cita os mais variados, conforme os momentos do seu discurso.
Por exemplo, ao falar do saldo da Segurança Social, V. Ex.ª referiu 2,3 milhões de contos e no Orçamento, página 53, vem escrito 4,9 milhões de contos. Em relação ao Fundo de Desemprego, o Sr. Ministro disse a determinada altura que o aumento das contribuições será de 22 % e depois, na resposta a outro deputado, disse que será de 24 %. Mas, Sr. Ministro, estes números não condizem com os números que aqui estão!
Se até Outubro os senhores receberam 36 milhões de contos, como está aqui escrito, até ao fim do ano receberam certamente 45 milhões de contos! Ora, como no Orçamento se indicam 52 milhões de contos, estamos perante uma subida de 15 %.
Como é que o Sr. Ministro faz uma regra de três simples? Ou não a sabe fazer?
Na verdade, são 15 % e não 22 % nem 24 %, como vem dizendo ao longo do seu discurso.
Mas a questão fundamental que queria colocar-lhe era outra. Quando se lhe colocam as questões sociais - tanto dos salários em atraso, como dos reformados -, o Sr. Ministro fala em política correcta, colocando esse conceito de política correcta acima dos direitos dos cidadãos, como se a política não fosse feita exactamente para o bem-estar do povo e dos cidadãos!
Por exemplo, V. Ex.ª fala dos salários em atraso e eu pergunto como é que uma política correcta pode ter em conta uma empresa que não é viável?!
Sr. Ministro, e os trabalhadores dessa empresa que não é viável? O que é que lhes acontece? V. Ex.ª já visitou alguma empresa que esteja, por exemplo, há seis meses com salários em atraso?!
Podemos considerar isto uma política correcta?
Em relação aos reformados, V. Ex.ª fala também em política correcta, dizendo, relativamente aos reformados rurais, que não se podem aumentar os benefícios. Sr. Ministro, desta forma, em termos de benefícios, V. Ex.ª distancia os reformados rurais dos reformados do regime geral.
Este ano o aumento das pensões de reforma foi de 17% para os reformados rurais e de 18% para os do regime geral. V. Ex.ª só procura equipará-los, agora, em termos de descontos. Mas, em nome de que princípios de política correcta?
Esta é, quanto a nós, uma política incorrecta, porque ela gere-se exactamente por um princípio de injustiça social: aqueles que menos podem que pagem a crise!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro: O meu protesto será muito curto. V. Ex.ª fez aqui repetidamente afirmações tais como: não foi por culpa do Governo que se agravou o desemprego, foi por culpa da concertação social, não é por culpa do Governo que as pessoas não recorreram à lay-off, etc.
Sr. Ministro, há uma coisa chamada responsabilidade política, e governar é, em grande parte, prever!
Quando aqui discutimos a proposta do programa do Governo e do Orçamento para 1984, esta bancada disse que não ia haver seguro de desemprego em 1984. Isto porque o nível de transferências previsto não iria permiti-lo.
Esta bancada disse que a lay-off seria inaplicável e não teria qualquer utilidade para ninguém. E isto não foi previsto nessa altura. Recordo-lhe, Sr. Ministro, que V. Ex.ª respondeu agastado a estas nossas observações.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Agastado? Não acredito! Não é o estilo do Sr. Ministro!
O Orador: - É este o sentido do meu protesto.
O Sr. Presidente: - Para responder aos protestos, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Responderei muito rapidamente.
Sr. Deputado Bagão Félix, vou responder à sua pergunta concreta no domínio das prestações familiares.
O que entendo desde já - sem prejuízo de uma necessária reflexão, que há-de ser feita no seio do Governo - é que será discutível, para mim é, que, tendo em conta as necessidades sociais que o País tem e que não podem ser satisfeitas num grau desejável, se paguem abonos de família a famílias cujo rendimento se situa acima de determinado nível.
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Acho que, por isso, é uma medida acertada limitar o abono de família a famílias que detenham rendimentos até um certo montante.
Portanto, nessa linha, a nossa política será em parte selectiva, na medida em que vamos procurar desenvolver o sistema da segurança social de modo a realizar o máximo de justiça relativa entre os cidadãos, resolvendo as situações que são naturalmente mais dignas de ser atendidas.
Sr.ª Deputada Zita Seabra, V. Ex.ª produz afirmações sobre números com grande segurança. Não a acompanho nesse domínio. Embora esteja em condições de demonstrar aquilo que afirmo, não vou fazer esse exercício aqui, no debate da generalidade, até porque não disponho dos elementos necessários. Nem é, aliás, a ocasião de o fazer.
Vamos ter ocasião, no debate na especialidade, de ver se aquilo que V. Ex.ª diz, com tanta segurança, corresponde à realidade.
Se os números que refiro foram devidamente interpretados ver-se-á que são sempre os mesmos, salvo qualquer omissão involuntária.
Uma voz do PCP: - Omissão involuntária!
O Orador: - Por outro lado quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada Zita Duarte, que não se devem fazer confusões sobre o respeito e a salvaguarda de direitos.
É evidente que é um direito dos trabalhadores receberem os salários pelo tempo que trabalharem. Certamente que é.
Só que o sujeito passivo desse direito não é o Estado mas as empresas. Só que infelizmente não é boa política - já o afirmei aqui muitas vezes, não vamos repetir essa questão - o Estado substituir-se às empresas no pagamento dos salários.
O Estado tem que garantir a protecção adequada aos trabalhadores com salários em atraso, em primeiro lugar equiparando-os a desempregados quando as empresas estão totalmente paralisadas. É perfeitamente possível. Está feito.
Em segundo lugar, deve dar aos trabalhadores com salários em atraso, para além de um mês, o direito de se despedirem com justa causa, com direito a indemnização. Medida esta que o Governo já adoptou e que vai ser brevemente posta em vigor.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada Zita Seabra pretende que é uma contradição eu ter dito que as pensões em geral aumentaram 18% quando as dos rurais só aumentaram 17%. Não é, Sr.ª Deputada. É exactamente uma medida que se situa na linha daquilo que afirmei, ou seja, estabelecer uma pequena diferenciação entre aqueles que contribuem para as prestações sociais que recebem e aqueles que praticamente nada pagam.
E como vê, a diferença entre o aumento das prestações é só de 1 %, enquanto que a diferença das contribuições é de 100%, porque não há praticamente contribuição rural. Creio que isto é claro como água.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, há, também, aqui - permita-me que lhe diga - uma conclusão que à primeira vista parece muito correcta, mas que na realidade não o é. Evidentemente que o Governo tem que ter responsabilidade por aquilo que diz e faz, mas já lhe disse que a responsabilidade do Governo em matéria de legislação é a de criar os instrumentos e mecanismos adequados.
Nunca me ouviu dizer a mim qual seria o número de empresas a recorrer a esse mecanismo. Fiz uma previsão, que se revelou em 1984 excessiva, e não tenho a mínima dúvida em aceitar que a previsão não foi confirmada pela realidade. Mas gostaria que o Sr. Deputado me contrariasse no momento da previsão - e não o fez -, e não agora. Creio que não propôs nenhuma alteração ao Orçamento que foi aprovado na Assembleia. É muito fácil, depois das coisas acontecerem, vir dizer: nós é que tínhamos razão.
Por outro lado, o Sr. Deputado não tem razão quanto ao seguro de desemprego, porque não foi seguramente por dificuldade de transferências que o seguro de desemprego não foi aprovado mais cedo. Garanto-lhe que não foi efectivamente por causa disso, mas não quero aqui responsabilizar ninguém.
Em política é tremendamente mais fácil falar do que fazer. Nem sempre as realidades nos permitem agir com a celeridade que desejamos.
Quer num caso quer no outro o Sr. Deputado - permita-me que lhe diga - não tem razão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero agradecer a generosidade com que suportaram o peso continuado do trabalho que se vem produzindo, muito para além do que a normalidade impunha, o que leva a crer que para amanhã só nos restam 7 horas de trabalho. Assim, começando às 10 horas a sessão de amanhã, poderemos terminar os debates em tempo útil.
Da parte da tarde, Srs. Deputados, haverá a eleição, simultânea com os debates, do juiz para o Tribunal Constitucional.
O Sr. Secretário vai ler o expediente.
O Sr. Secretário (Roleira Marinho): - Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: Ratificação n.º 135/III, da iniciativa do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 399-A/84, de 28 de Dezembro, que estabelece normas relativas à transferência para os municípios das novas competências em matéria de acção social escolar em diversos domínios; ratificação n.º 136/III, iniciativa do PCP, sobre o Decreto-Lei n. º 399-B/84, de 28 de Dezembro, que altera a redacção do artigo 404.º e do § 3.º do artigo 406.º e revoga o artigo 405.º do Código Administrativo (nomeação e exoneração do governador civil e do vice-governador civil; substituição e impedimentos; delegação e subdelegação de poderes; regalias e honras), estabelece o novo regime remuneratório dos governadores civis, altera a composição do nível remuneratório do gabinete de apoio pessoal dos governadores civis e revoga o Decreto-Lei n.º 197/78, de 20 de Julho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Nazaré Conceição.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
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Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Victor Hugo Sequeira.
Zulmira Helena Alves da Silva.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Amândio Domingos Basto Oliveira.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António D'Orey Capucho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Silva e Sousa.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Baptista Nogueira.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Torrinhas Paulo.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António Gomes de Pinho.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Jorge Forte Góes.
Narana Sinai Coissoró.
Manuel Eugénio C. Brandão.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Carlos Pinheiro Henriques.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
António Nascimento Machado Lourenço.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
Joaquim Rocha dos Santos.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Relatório e Pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação.
Em reunião realizada no dia 24 de Janeiro de 1985, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
João Maurício Fernandes Salgueiro (círculo eleitoral de Braga) por Telmo da Silva
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Barbosa. Esta substituição é pedida para os dias 25 de Janeiro corrente a 22 de Fevereiro próximo, inclusive.
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por Fernando Baptista Nogueira. Esta substituição é pedida para os dias 24 e 25 de Janeiro corrente.
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. Esta substituição é pedida para os dias 26 de Janeiro corrente a 1 de Fevereiro próximo, inclusive.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos (círculo eleitoral de Santarém) por Anacleto da Silva Baptista. Esta substituição é pedida por um dia (25 de Janeiro corrente).
Maria Margarida do Rego Salema de Moura Ribeiro (círculo eleitoral de Lisboa) por José Nobre Fernandes. Esta substituição é pedida por um dia (25 de Janeiro corrente).
Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
João Lopes Porto (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão. Esta substituição é pedida para os dias 24 e 25 de Janeiro corrente.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - António Nascimento Machado Lourenço (PSD) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Em reunião realizada no dia 24 de Janeiro de 1985, pelas 17 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados, solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Joaquim dos Santos Pereira da Costa (círculo eleitoral do Porto) por Domingos Silva e Sousa (a). Esta substituição é pedida para os dias 22 a 25 de Janeiro corrente, inclusive. A Comissão é de parecer que a substituição deve operar-se a partir do despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. Entretanto, o pedido de suspensão do Sr. Deputado Joaquim dos Santos Pereira da Costa não deve ser prejudicado, pelo que deve ser tomado em conta a partir do dia 22 de Janeiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral, apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - José Maximiano de A. Almeida Leitão (PS) - Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS) - Luis Silvério Gonçalves Saias (PS) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - José Augusto Santos S. Marques (PSD) - António Nascimento Machado Lourenço (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS).
O Sr. Deputado Joaquim Costa suspendeu o mandato no dia 22, mas o Sr. Deputado Domingos Silva e Sousa só assume o seu no dia 24, data do despacho de publicação deste relatório e parecer.
Os REDACTORES: Maria Leonor Caxaria Ferreira - José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz - Carlos Pinto da Cruz - - Maria Amélia Martins.
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PREÇO DESTE NÚMERO 246$00
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