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Sexta-feira, 1 de Março do 1985 I Série-Número 51 2123
III LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA 1984
REUNIÃO PlENÁRIA DE 28 DE FEVEREIRO DE 198!
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr Deputado José Augusto Seabra (PSD) referiu-se à política nacional e à necessidade de defesa da pluralidade como modo de garantir a unidade do País No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Deputados Agostinho Domingues (PS) e Lopes Cardoso (UEDS)
Também em declaração política, o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP) referiu-se a problemas ligados com a poluição das zonas ribeirinhas do vale do Tejo, recentemente inundadas, e criticou o Governo pelo degradado estado de conservação e limpeza dos diques que pôs em perigo a segurança das populações e culturas agrícolas dessa região Por outro lado, condenou ainda o Governo por este ter deliberado em Conselho de Ministros agendar o debate sobre a CEE na Assembleia da República para os próximos dias 7 e 8.
No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs Deputados José Niza (PS), Soares Cruz (CDS), António Gonzalez (Indep.) e Armando Oliveira (CDS)
Ordem do dia. - Foram apresentados pela Sr. º Deputada Odete Santos (PCP) os projectos de lei n ºs 428/11! - aprova medidas tendentes a reforçar a protecção devida aos cidadãos vitimas de crimes - e 429/III - garante a indemnização aos cidadãos vitimas de privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei -, que respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs Deputados Costa Andrade (PSD) e Raul e Castro (MDP/CDE)
Seguidamente, deu-se inicio à discussão, na generalidade, do projecto de lei n. º 196/III (UEDS), que amnistia as infracções disciplinares nos órgãos de comunicação social. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs Deputados João Paulo Oliveira (UEDS), Narana Coissoró (CDS), Lopes Cardoso (UEDS), Jorge Lemos (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Silva Marques (PSD) e Igrejas Caeiro (PS)
A requerimento do PSD, o projecto de lei baixou à Comissão respectiva ainda para apreciação na generalidade
Após o anúncio do resultado da eleição dos membros do CNAEBA, que foram todos eleitos, o Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
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Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Rosado Correia.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Zulmira Helena Alves da Silva.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
José Adriano Gago Vitorino.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Augusto Seabra.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
rancisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
osé Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
António Filipe Neiva Correia.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
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Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António Morais Sarmento Moniz.
Ramiro Martins Soares.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Miranda.
João Paulo Oliveira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente Ofícios
Da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço, a remeter uma proposta na qual manifesta o desinteresse a que está votada a saúde naquele concelho, solicitando sejam enviados todos os esforços para que sejam mandados mais médicos, possibilitando melhores resultados numa assistência a que todos temos direito.
Da Delegação dos Sindicatos do Concelho de Cascais, a enviar, para conhecimento e possível tomada de posição, uma resolução sobre a situação social daquele concelho.
Da Câmara Municipal da Moita, a enviar uma moção sobre a rede escolar do concelho e seu funcionamento, que considera deficiente, pelo que se justifica, além de obras nos estabelecimentos de ensino existentes, a construção de mais uma escola preparatória.
Da Associação dos Industriais Hoteleiros e Similares do Algarve, que, tendo em atenção o actual contexto em que a indústria de turismo se debate e que lhe foram retirados alguns benefícios de ordem financeira e fiscal, propõe a tomada de medidas que impeçam os nefastos prejuízos que uma implementação demasiado rápida do IVA poderia causar.
Da Câmara Municipal de Rio Maior, a remeter, conforme vontade expressa pelo requerente, para conhecimento e devidos efeitos, o pedido de inquérito formulado pelo vereador daquela Câmara, José da Silva Pulquério.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Foram apresentados na Mesa na última sessão os requerimentos seguintes: ao Governo e a diversos ministérios, no total de nove, formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério da Saúde e ao Governo, no total de três, formulados pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro; ao Ministério da Educação e ao Governo, no total de três, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros; ao Governo, no total de dois, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Brasileiro e Luísa Cachado; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Almeida Eliseu.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Zita Seabra, na sessão de 8 de Julho; Magalhães Mota, nas sessões de 14 de Setembro, 30 e 31 de Outubro, 6 e 27 de Novembro e 18 de Dezembro; Gaspar Martins e Manuel Fernandes, na sessão de 16 de Fevereiro; Gomes de Pinho, nas sessões de 9 de Março e 15 de Novembro; Jaime Ramos e Eurico Figueiredo, na sessão de 19 de Julho; Lino Paulo e outros, na sessão de 26 de Julho; José Magalhães, na Comissão Permanente do dia 19 de Setembro e na sessão de 5 de Dezembro; Ilda Figueiredo, na sessão de 11 de Outubro; Carlos Espadinha e Gaspar Martins, na sessão de 11 de Outubro; Álvaro Brasileiro, nas sessões de 27 de Novembro, 21 de Dezembro e 22 de Janeiro; Roleira Marinho, na sessão de 29 de Novembro; Jorge Lemos e outros, na sessão de 5 de Dezembro; José Vitorino e outros, na sessão de 5 de Dezembro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.
O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num país como o nosso, em que a construção do regime democrático tem sido uma luta permanente, em que a busca de uma nova identidade nacional tem sido um horizonte que pontua a actuação das forças políticas democráticas, num país que se encontra a braços com dificuldades de ordem económica e financeira, de ordem social, educativa e cultural, num país que se prepara para fazer parte integrante de um espaço económico e político como é o da Europa, talvez alguns pensem que falar de Pátria, que falar do patriotismo, é algo ultrapassado. No entanto, gostaria de, no regresso às minhas funções de deputado da Nação, falar hoje um pouco da Pátria Portuguesa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Desta Pátria secular, desta Pátria que foi ao longo dos tempos modelada por homens da terra e do mar, do campo e da cidade, que, em crises múltiplas, soube sempre afirmar a sua independência e a sua unidade, mesmo quando estas foram ameaçadas, quer do exterior, quer do interior.
Há quem, entre os comentadores da vida política, fale de «dois Portugais» e outros já falaram de três. Quantos mais haverá?... Eu diria, como Fernando Pessoa, «Portugal-Infinito!» Não um nem dois, mas infinito nas suas potencialidades. E a infinidade de Portugal está, essencialmente, na capacidade que o nosso povo revela, através do seu trabalho e da sua criação, para ultrapassar todos aqueles obstáculos que, ao longo da história, têm sido semeados no seu caminho! Não
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posso aceitar que se diga que «de um lado se encontra a cidade e do outro aquilo que Oliveira Martins chamou o Portugal profundo, o Portugal de antes quebrar que torcer, que criou no seu ventre os adversários da revolução de 1820, os apoiantes de El-Rei D. Miguel, os trauliteiros do Norte e os caceteiros de Rio Maior», como o faz um desses comentadores.
Vozes do: - Muito bem!
O Orador: - Não posso aceitá-lo porque isso vai contra a nossa consciência Nacional!
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não, quando se quiser falar do Norte, há que respeitar o Norte, que foi o berço do liberalismo, o Norte de Fernandes Tomás, tal como o Norte de Almeida Garrett.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nós estamos guardados para cada uma!...
O Orador: - Não, o Norte não é miguelista, o Norte é a região a que pertence a cidade que deu o nome ao nosso país e que, ao longo de várias vicissitudes, sempre assumiu o valor fundamental da liberdade!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Norte foi também o norte da República! A República do Norte, de Sampaio Bruno, a República do Norte, de Basílio Teles, a República do Norte, de Jaime Cortesão e dos homens da Renascença Portuguesa! E eu honro-me de ser filho de um republicano do Norte de Portugal!
Aplausos do PSD.
E mais! Quando as trevas da ditadura salazarista eram maiores, foi no Norte, no Porto, que o Povo Português se reuniu à volta do General Humberto Delgado!
Aplausos do PS e do PSD.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Mas para que é isto? É só para as palmas?!
O Orador: - Como, aliás, durante o gonçalvismo, quando um novo totalitarismo ameaçava o nosso país, foi no Norte que tivemos a grande resistência, que começou em Rio Maior!
Vozes do PSD: - Muito bem! Aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - isto são as palmas que não teve quando era ministro?
Vozes do PSD: - Custa a ouvir, não é?
O Orador: - É isto que não agrada àqueles que preferem os perfumes de uma pseudo pequena política, que nem é política nem é pequena, porque, simplesmente, é um zero! Já agora, seja-me permitido, perante esta Câmara, relembrar Almeida Garrett nas suas Viagens na Minha Terra, quando fala das disputas entre os campinos, os forcados e os varinos, os ílhavos, com a ironia própria de um liberal que sabe assumir o dualismo na unidade!
Ora, os homens do Norte estavam disputando com os homens do Sul, quando diz um ílhavo: «Vejam os senhores. Eles, por agarrar um toiro, cuidam que são mais que ninguém, que não há quem lhes chegue. E os senhores, a serem cá de Lisboa, hão-de dizer que sim! Mas nós...» Responde um campino: «A força é que se fala.» E o ílhavo retorque: «Pois nós, que brigamos com o mar, oito a dez dias a fio numa tormenta, de Aveiro a Lisboa, e estes, que brigam toda a tarde com um toiro, qual é que tem mais força?»
E o comentário de Garrett é este:
Os campinos ficaram cabisbaixos, o público imparcial aplaudiu por esta vez a oposição, e o Vouga triunfou do Tejo.
Não se diga que os ílhavos eram, para Garrett, a direita, porque eles eram, exactamente, a «esquerda»! É que quando se refere a uma reacção destes ílhavos, ele diz:
Parecia a esquerda de um parlamento, quando vê sumir-se, no burburinho acintoso das turbas ministeriais, as melhores frases e as mais fortes razões dos seus oradores.
Pois são estas melhores frases e estas mais fortes razões que eu penso que nós aqui - nós de todo o Portugal - devemos fazer ouvir, quer estejamos no Governo, quer estejamos na oposição, porque a unidade do País, a unidade patriótica e democrática, é feita tanto do poder, como das oposições, quais quer que elas sejam!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quero crer que mesmo aqueles que estão ligados a ideologias internacionalistas não deixarão, nos momentos críticos, de pôr a Pátria acima de tudo, se são autênticos cidadãos!
Esta tese da dualidade de Portugal foi combatida, nomeadamente por António Sérgio, no seu célebre texto sobre as duas políticas nacionais: a política de fixação e a política do transporte.
António Sérgio mostrou que, de facto, não era o Norte que encarnava exclusivamente a política de fixação e o Sul a política do transporte, repartidas pelo território. Isto, apesar de, evidentemente, as predominâncias económicas e sociais de certas classes levassem a que o Sul fosse mais inclinado para o transporte, e o Norte e o interior para a fixação.
Hoje, neste último quartel do século XX, temos de lutar pela unidade nacional, temos de lutar pela unidade da Pátria Portuguesa! Temos de lutar para que, tanto o Portugal do campo como o Portugal das cida-
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dês, o Portugal do interior ou o Portugal do litoral, o Portugal do Norte, do Centro e do Sul, sejam um e o mesmo Portugal!
Vozes do PSD: - Muito bem! Aplausos do PSD.
O Orador: - Um e o mesmo Portugal, que nós temos de defender na sua independência, na sua identidade! Mesmo quando essa identidade é sinónimo de pluralidade, porque como Heidegger mostrou, o próprio princípio da identidade lógica (A é A) implica, desde logo, a pluralidade! Não só uma pluralidade matemática, mas uma pluralidade do ser, do estar no mundo!
Vozes do PCP: - A nossa é melhor!
O Orador: - Por isso é que penso que Portugal pode ser uno e ser potencialmente infinito.
Eis porque queria terminar, dizendo apenas e muito simplesmente: Viva Portugal!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Deputado José Augusto Seabra, procurei ouvi-lo com toda a atenção, sobretudo pelo respeito que me merece a sua qualidade de intelectual. Há muito que conheço o seu valor como professor universitário - sobretudo através dos seus escritos - e pude acompanhá-lo na sua acção enquanto Ministro da Educação. É exactamente pela consideração que me merece como intelectual, com as responsabilidades que daí lhe advêm, que quero aqui registar a impressão negativa que me fica deste seu discurso.
Sr. Deputado José Augusto Seabra, creio não exagerar ao tomar a sua intervenção no sentido de que ela visa, sobretudo, questões internas do seu próprio partido! Com essas, Sr. Deputado, não tenho nada a ver! Porém, parece-me que as suas responsabilidades de intelectual, e sobretudo de deputado do País inteiro, não podem deixar de me merecer algumas considerações.
O Sr. Deputado subiu à bancada falando da necessidade de defender a unidade do País, tendo procurado desenvolver este tema com o argumento da necessidade de salvaguardar a pluralidade. Parece-me, Sr. Deputado José Augusto Seabra, que, ao pretender invocar o pluralismo do País, V. Ex.ª corre o risco de pôr em causa a unidade do próprio País. A atitude que V. Ex.ª aqui traz, parece-me uma atitude eivada de preconceitos maniqueístas, dado o perigo que todos corremos, de se pretender sobrevalorizar determinadas componentes do País em detrimento de outras.
Nós, Portugueses - e eu também sou do Norte -, não podemos esquecer que somos, de facto, um todo nacional, com virtudes e defeitos, uns mais exagerados, outros mais sobrevalorizados em determinadas zonas. Agora, pretendermos por determinadas virtudes como características exclusivas de uma zona faz-nos correr o risco de pôr em causa a própria unidade nacional! Inclusivamente quando o Sr. Deputado invoca Almeida Garrett - que conheceu talvez melhor do que eu -, nas Viagens na Minha Terra, citando concretamente a frase «O Vouga triunfou do Tejo», o Sr. Deputado extravaza claramente do espírito de Almeida Garrett, que, mais do que ninguém, soube valorizar as componentes positivas de cada uma das parcelas do povo e do território português, para as lançar num verdadeiro sentido de unidade nacional!
Termino com uma pergunta que entendo dever formular-lhe: o Sr. Deputado entende que o sentido da sua intervenção confirma, de facto, a tese que pretendeu aqui trazer-nos da defesa de unidade da Pátria Portuguesa ou, pelo contrário, o sentido profundo da sua intervenção contribui antes para uma divisão dos Portugueses e do território nacional, comprometendo aquilo que todos queremos salvaguardar e que é a inteireza e a grandeza deste Povo .. .
Vozes do P§: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Sem dúvida!
O Orador: - ... como um todo, uno, mas múltiplo pelos seus aspectos?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.
O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Deputado, estou totalmente perplexo, pois o Sr. Deputado, que é como eu professor e suponho que aluno também, devia ter-me escutado melhor. O que eu disse não tem nada a ver com a interpretação que o Sr. Deputado fez!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É da clareza da exposição...
O Orador: - Em primeiro lugar, se quer que lhe diga, em termos de educação, eu também me inspirei em Garrett, quando ele falava numa educação eminentemente nacional. E provei-o, ao defender que, por exemplo, a bandeira e o hino nacional sejam conhecidos nas escolas...
Vozes do PCP: - E que haja fominha na barriga das crianças!...
O Orador: - ... bem como ao defender a língua portuguesa, que é, aliás, uma língua universal, além de eminentemente nacional.
Vozes do PCP: - Aí a pregar um nacionalismo bacoco e as crianças cheias de fome!...
O Orador: - Citei ainda António Sérgio - que lhe deve ser caro, ideologicamente falando, assim como ao seu partido -, quando ele se opõe à ideia de que há uma separação das políticas nacionais em termos regionais, como era, aliás, defendido por alguns historiadores, como Oliveira Martins ou Basílio Teles.
Não falei em termos de maniqueísmo, antes pelo contrário, fiz o máximo esforço que se pode fazer para não ser maniqueu, ao admitir que os comunistas que estão nesta Câmara e que seguem uma posição, por to-
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dos nós conhecida, de enfeudamento à União Soviética, também podem ser patriotas.
Vozes do PCP: - Não seja parvo!
O Orador: - Não excluí ninguém da comunidade nacional. Pelo contrário, procurei ser o mais amplo possível na visão que tinha de Portugal. Por isso falei de Portugal uno, de «Portugal-Infinito», que, aliás, é uma expressão de Fernando Pessoa, pois a infinidade é o que há de mais abrangente, se me permite.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A infinidade é a potencialidade de ser sempre outro, mantendo-se o mesmo.
Falei do princípio da identidade nacional como não sendo contraditório com a diversidade. Citei um princípio lógico, da lógica aristotélica, analisado por Heidegger, que diz que mesmo o próprio princípio A igual a A ou A é A, implica já o outro!
Sr. Deputado, desculpe que lho diga - não gosto de o fazer em público -, mas dou-lhe uma má nota como intérprete das minhas palavras. E digo-o com pesar, pois julgo que me referi também ao seu partido e aos homens e mulheres que se sentam nas bancadas do PS, que muito respeito e que, ao nosso lado, defenderam a independência, a unidade, a liberdade e a democracia antes e depois do 25 de Abril.
Gostaria que se tivesse em conta o que Sartre dizia...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Olha o saloio!
O Orador: - ... «um gato é um gato»...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E um cão é um cão!
O Orador: - ... e, portanto, não podemos interpretar o que os outros dizem de outra maneira.
Peco-lhes o favor, Sr. Deputado, de ler no Diário da Assembleia da República o que eu disse e verá que não encontra nenhuma interpretação maniqueísta de Garrett, que defendia a unidade nacional, antes de mais na educação, pois foi ele, entre nós, dos primeiros que se bateu pelo conceito de educação nacional, de uma educação que fosse a de todo o povo português e não a de qualquer sector.
Peco-lhe imensa desculpa, Sr. Deputado, continuarei a considerá-lo na sua inteligência, nas suas qualidades de professor, de deputado, de democrata e de cidadão, mas creio que a interpretação que fez nada tem a ver com a que decorre das minhas palavras.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.
O Sr. Agostinho Domingues (PS): - O Sr. Deputado José Augusto Seabra diz que não falou de maniqueísmo. De facto, não falou, quem o fez fui eu, mas quem o praticou foi V. Ex.ª e foi a isso que me referi.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, disse e repito-o, tenho muita consideração intelectual por si mas nunca fui seu aluno e, portanto, rejeito-lhe integralmente essa capacidade de me dar má nota.
Quanto à possibilidade de confronto a partir do texto, veremos o que consta do Diário da Assembleia da República. Não retiro nem uma palavra daquilo que disse pois tenho razão na interpretação que fiz.
Voltando a Almeida Garrett - e termino aqui o meu protesto -, de facto, a citação que dele fez das Viagens na Minha Terra era exactamente para sobrevalorizar o Norte em detrimento do Sul, mais uma vez praticando uma atitude maniqueísta e o Diário da Assembleia da República o comprovará. O Sr. Deputado não tem razão e, portanto, não me dará má nota nem lhe darei essa possibilidade. O Sr. Deputado deu uma intenção dominante ao seu discurso e também sei interpretar textos, mesmo morais!
As intenções estão perfeitamente reveladas perante a Câmara e o País. O Diário da Assembleia da República comprovará que tenho razão quanto à interpretação que o Sr. Deputado pretendeu dar.
No entanto, o Sr. Deputado procura agora corrigi-la dizendo que realmente salvaguardou a unidade do País. Ainda bem que faz essa correcção; o País agradecer-lhe-á e o mesmo faremos todos nós, portugueses.
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.
O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Não gostaria de alimentar polémica, embora pense que ela é, por vezes, saudável, pois faz com que as contradições venham à superfície.
Sr. Deputado, li na íntegra Almeida Garrett e o que lá está escrito é isto: «Os campinos ficaram cabisbaixos. O público imparcial aplaudiu por esta vez a oposição» - repare que se diz «por esta vez», como tinha aplaudido antes os contrários - «e o Vouga triunfou do Tejo». Numa réplica precedente do texto de Garrett, foram os ílhavos que ficaram em má situação e Garrett identificou-os com a esquerda de um parlamento.
Garrett, que na altura era da esquerda do liberalismo, contrariamente a Herculano, que era da direita, tinha a noção de que o liberalismo em Portugal só era possível com esquerda e com direita e é isso que temos de defender no nosso país. Portugal não é o «povo de esquerda», Portugal é o povo português!
Aplausos do PSD.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - É um povo cego!
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado José Augusto Seabra, permitir-me-á que comece por afirmar a satisfação que tenho por podermos reatar um debate parlamentar interrompido já há muito tempo pelos incidentes da vida política.
O Sr. Deputado referiu-se frequentemente a norte, sul, centro e no fim da sua intervenção, devo dizer-lhe, já perguntava a mim mesmo quem é que teria, de facto, perdido o norte no meio disto tudo - eu ou o Sr. Deputado -, mas como não quero ser presunçoso admito que tenha sido eu. Por isso mesmo lhe
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pergunto a que propósito vem esta sua intervenção, não tanto quanto àquilo que disse mas quanto ao tom veemente, empolado e dramático com que colocou o problema da unidade nacional.
Perguntava a mim mesmo: «Que diabo se estará a passar neste país? Estamos de facto a viver num momento de crise?» O Sr. Deputado falou num momento de crise em que esperava que todas as forças políticas, de todos os quadrantes, se posicionassem na defesa da unidade da Pátria, aparentemente em perigo. Ouvindo o seu discurso e o tom empolgado com que o fez, sou levado a perguntar-lhe: onde está esse perigo?
Falando em perigos com essa veemência e procurando rememorar factos que nos pudessem levar a isso, até certa altura pensei que o Sr. Deputado talvez tivesse uma palavra para o único facto recente e significativo nessa matéria, que é do meu conhecimento - fico a aguardar que o Sr. Deputado me dê os outros - e que respeita a um seu companheiro de partido, aproveitando este apelo à unidade da Pátria para verberar, ainda que de forma não violenta, o comportamento do Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira quando recebe os líderes de movimentos separatistas das regiões autónomas. Este é talvez o único caso em que a unidade da Pátria terá sido realmente posta em causa por uma atitude política que não tem, no entanto, a meu ver, importância que justifique o tom empolado e dramático com que o Sr. Deputado aqui colocou as questões.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.
O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, tenho o maior prazer em dialogar com V. Ex.ª que pertence a um partido nitidamente de esquerda, a União de Esquerda Democrática e Socialista. Conheço-o do exílio, conheço a sua luta depois do 25 de Abril e presto-lhe a homenagem que deverá ser devida aos que assumiram sempre essa atitude política de esquerda.
Sr. Deputado, referi e citei um comentador de um semanário lisboeta - aliás, espero que isso seja posto entre aspas na acta desta sessão que constará no Diário da Assembleia da República - e é esse comentador que diz que «estamos à beira de uma guerra entre dois Portugais». Defendi precisamente o contrário, que não estamos à beira de uma guerra entre «dois Portugais», estamos, penso eu, no momento em que temos de assumir a unidade da Pátria Portuguesa, a unidade nacional, como um valor fundamental da nossa democracia.
Não se julgue despiciendo eu pôr ênfase na unidade e na identidade ao mesmo tempo que na pluralidade. É que, na realidade, quando defendemos certos valores, nomeadamente na educação, como seja, Sr. Deputado Agostinho Domingues, o valor da educação nacional, ao pretender que a bandeira é um símbolo digno de ser conhecido e que o hino nacional - A Portuguesa - exprime a nossa identidade quando, ao defendermos a língua portuguesa, não estamos a negar a diversidade mas, pelo contrário, a permitir que essa diversidade seja assumida pelas diversas famílias ideológicas e políticas do nosso país.
Citei Fernando Pessoa - ou melhor, Álvaro de Campos, que é o heterónimo mais «futuramente» se não futurista - quando fala de «Portugal-Infinito», porque penso que o infinito é aquilo que conduz a nossa acção na história, uma acção que se desdobrou de norte a sul, de leste e oeste, não apenas do rectângulo português mas do globo terrestre. Por isso, penso que se queremos construir o Estado democrático não como um Estado fraco ou «exíguo», como alguns dizem, ou como um Estado dividido contra si mesmo, mas como em Estado unitário, não no sentido de antigo regime mas no sentido democrático que queremos dar à unidade nacional, temos de assumir esse valor fundamental que é o da Pátria Portuguesa.
Estou bem acompanhado, quanto à modernidade, por Almada Negreiros, que no seu célebre manifesto às gerações portuguesas do século XX ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Faça o favor.
O Orador: - ... fala reiteradamente de que é preciso construir a Pátria Portuguesa do século XX. Neste último quartel do século, isso não é qualquer passadismo, é justamente aquilo que pode dar um grande sentido à democracia no nosso país.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado José Augusto Seabra, acredita que estejamos, de facto, à beira de uma guerra entre «dois Portugais?» Se não acredita, não pensa o Sr. Deputado que ao dar a importância que deu a esta afirmação feita por um comentarista, está a contribuir para dar credibilidade a algo que, em meu entender, não merece credibilidade de espécie alguma e que, movido pela melhor das intenções - não as coloco, de modo algum, em causa-, corre o risco de chegar a resultados diferentes daqueles que procuraria atingir? Isto é, que dando um relevo e uma credibilidade a afirmações que talvez não mereçam nem esse relevo nem essa credibilidade, deixa na sombra outras que, essas sim, merecem talvez um comentário, pela credibilidade que, pelo menos aqueles que se envolvem nesses actos, em princípio devem ter?
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.
O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Deputado, afirmei justamente que não estamos à beira de uma guerra entre «dois Portugais». Temos diante de nós uma luta comum por um Portugal que pode ser uno e diverso. Se me escutou, Sr. Deputado, sabe que o que exprimi foi a voz de muitos homens do Norte e de outras regiões do País que não se deixam identificar com os trauliteiros, que não se deixam identificar com os miguelistas...
Aplausos do PSD.
... que se bateram pela liberdade no liberalismo, que se bateram pela liberdade na I República, que se bate-
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ram pela liberdade no antigo regime e que se bateram pela liberade no Verão de 1975! É em nome desses portugueses - que são tão portugueses como os outros - que defendo que a província ou o Norte, como sinédoque, se quiser, em termos retóricos, do todo nacional, são liberais, são democráticos e são também socialistas - como o Sr. Deputado o é - são de direita, do centro ou da esquerda. Têm o direito de sê-lo, depois de 10 anos de democracia.
Nem sequer a dicotomia esquerda-direita pode hoje ser dada, como exemplo, no nosso país, porque, felizmente, nesta Câmara temos partidos que se situam em todos os quadrantes políticos e honro-me de ter lutado por isso no Norte de Portugal, desde Rio Maior ao Porto, naqueles grandes movimentos que, aliás, não fizeram senão retomar os que em 1958 uniram o povo português à volta do general Humberto Delgado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez as zonas ribeirinhas do vale do Tejo foram inundadas. As populações viveram e vivem horas amargas, pensando sempre no pior e não esquecendo a catástrofe de 1979.
As más condições de conservação dos diques e o esquecimento a que foram votadas as populações não podem deixar de ser denunciadas perante o Plenário desta Assembleia.
Na verdade, além de danificados pelas cheias de 1979, os diques não foram reparados na sua totalidade.
O péssimo estado de conservação e limpeza dos principais diques está a pôr em perigo a segurança das populações e culturas do vale do Tejo.
Várias iniciativas para resolver o problema têm sido tomadas pelas autarquias locais, sem que contudo tenham merecido a nível governamental a atenção que a situação exige, sendo quase nula a sua vigilância.
O Grupo Parlamentar do PCP apresentou no Orçamento do Estado propostas de reforço de verbas para ocorrer a esta situação mas estas foram, de forma irresponsável, recusadas pela coligação PS/PSD.
E urgente pois a concretização de um plano de regularização do vale do Tejo.
As populações atingidas continuam a aguardar há longos anos a resolução dos seus mais dramáticos problemas.
O plano de regularização do Tejo traria um adequado e correcto posicionamento dos problemas para toda a região.
A construção da vala nova de Benavente e a barragem em Almourol, prevista no projecto, bem como a implementação de diques ao longo das margens nas zonas em que se dá regularmente a inundação dos campos marginais, poderia e deveria ter já sido iniciada.
Vastas áreas com aptidão agrícola elevada poderiam assim ser recuperadas através de sistemas de regadio. Também a reconstituição de vegetação marginal abatida ou simplesmente destruída poderia reduzir os efeitos da erosão.
As potencialidades agrícolas do vale do Tejo, que podem ser consideradas como muito elevadas encontram-se, porém, num nível de extremo subaproveitamento, devido à incúria governamental.
O lançamento do projecto «Terraços do Tejo», abrangendo uma área de 135 000 ha foi adiado sem data visível de concretização.
No seu conjunto, os projectos suspensos e os que seria possível desenvolver conduziriam a uma inversão significativa nesta área, permitindo elevar o nível de vida das populações, fixando-as às terras e criando condições para a instalação de indústrias transformadoras e subsidiárias da agricultura.
O Plano Geral de Regularização do Rio Tejo, efectuado pela Hidrotécnica Portuguesa inclui sob designação «Poluição» os elementos relativos a um inquérito realizado com o objectivo de estudar a influência da poluição nas águas da bacia e propor as providências necessárias para a diminuição das cargas poluidoras para níveis que não prejudicassem o aproveitamento dos cursos de água, em benefício da economia nacional. Decorridos 14 anos sobre a respectiva publicação importa referir que se mantêm actuais os dados e conclusões então formulados. As melhorias introduzidas devem-se quase exclusivamente ao trabalho realizado pelas autarquias neste domínio após o 25 de Abril.
Apesar de as obras efectuadas pelas autarquias, a quem o Governo não dá meios financeiros para combater este problema, a situação tende a agravar-se com a implantação de novos pontos de poluição na área abrangida pelo estudo feito.
Como melhorias conhece-se apenas a construção em fase de acabamento (não se sabe para quando) da estação de tratamento de efluentes industriais de Alcanena e da estação de tratamento de Pernes.
Refira-se ainda que a estação de tratamento da fábrica de celulose do Caima funciona mal por, ao que se diz, ser «mais barato» poluir do que manter a estação em pleno funcionamento!
Vozes do PCP: - É um escândalo!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a falta de obras complementares de aproveitamento do vale do Sorraia, nomeadamente com a construção das barragens da Erra e do Divor e a necessidade urgente da construção de açudes a jusante de Montargil e Maranhão e a não regularização dos caudais do Sorraia e dos Ribeiros são a causa principal das cheias no concelho de Coruche.
Há muito que existem estudos sobre as questões que levantei. Falta apenas a vontade política de as resolver!
Em vez de os departamentos do Ministério do Equipamento Social, da Qualidade de Vida e da Agricultura trabalharem para resolver os problemas do vale do Tejo, o País vem assistindo há meses à guerrilha de competências ou incompetências entre ministérios, a declarações pouco abonatórias de directores-gerais contra ministros e mesmo críticas internas dentro do mesmo ministério sobre os critérios a que tem obedecido a aplicação das verbas e que já levaram à demissão de membros do Governo. Depois da remodelação em que acabaram por sair do Governo, Rosado Correia e Eugénio Nobre e o próprio Ministro da Qualidade de Vida, foi «suspenso» do exercício de funções, solução muito significativa; mas de duvidosos contornos constitucionais, que continua por esclarecer perante o País e perante a Assembleia da República, apesar do escândalo e dos pedidos de informação apresentados ao Governo.
Aplausos do PCP.
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O funcionamento destes dois Ministérios só por si constitui prova bastante de que as instituições se encontram paralisadas! O Governo não exerce as suas competências em defesa das populações, da economia nacional e do País, encontrando-se virado para o umbigo, actuando, sim, na continuação da campanha presidencial do Sr. Primeiro-Ministro, no que respeita a um dos parceiros da coligação e no seu lançamento, relativamente ao outro.
E o despudor é tal que o Governo arroga-se já o direito de definir as agendas do Plenário da Assembleia da República, como sucedeu ainda ontem com o Conselho de Ministros, que deliberou «agendar o debate sobre a CEE nos próximos dias 7 e 8». Isto é: o Governo quer substituir-se à Assembleia e dizer o que não se discute e o que se tem de discutir de qualquer maneira na Assembleia da República.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - O debate sobre a CEE, proposto em Setembro de 1984, tem vindo a ser sucessivamente adiado, e é agora sem que se tivessem concretizado as reuniões preparatórias das diferentes Comissões Parlamentares que o Governo veio atabalhoadamente envolver a Assembleia da República na campanha de propaganda, lançada na RTP, pelo Primeiro-Ministro. Tentaram mesmo convocar ontem à queima-roupa um simulacro de reunião das Comissões de Integração Europeia e de Negócios Estrangeiros - que fracassou! - e que visava mais uma encenação propagandística do Primeiro-Ministro!
É a mais descarada forma de governamentalização da Assembleia da República e mais um escândalo, bem revelador da forma como o Governo trata os deputados e as instituições. Ë também mais um sinal de que é preciso pôr fim urgentemente à política e ao Governo que vêm paralisando as instituições e arrastando o País para a ruína.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, penso que a sua intervenção conteve três partes distintas, uma das quais subscrevo, enquanto que as outras duas já não posso subscrever. Na mesma intervenção, meteu vários componentes, resultando daí alguma confusão que, penso, poderia ser esclarecida.
Na minha opinião, a parte mais importante da sua intervenção, a que mais me interessou, foi aquela que teve a ver com o Plano de Regularização do Vale do Tejo. Quanto às críticas que faz ao Governo e, designadamente, quanto à referência final à CEE, penso que não têm uma ligação directa com o conteúdo das suas palavras.
Parto do princípio de que o Sr. Deputado pretendeu ter uma atitude construtiva em relação aos problemas que aqui levantou. No entanto, queria fazer-lhe algumas perguntas.
Depreendo que o Sr. Deputado conhece o Plano de Regularização do Vale do Tejo, projecto esse que está terminado. Ele foi feito ao longo de variadíssimos anos e, neste momento, a única questão que se levanta é a da existência de meios no País para que o projecto possa ser realizado. Nestas circunstâncias, pergunto-lhe se acha que um plano de regularização, cujo montante vai ascender a dezenas ou mesmo a centenas de milhos de contos, pode ser feito de um momento para o outro, independentemente do governo que na altura estiver a governar. Isto porque penso que se trata de um projecto nacional e não de um projecto de um determinado governo, mesmo num governo de legislatura.
Queria informá-lo de que os deputados socialistas eleitos pelo círculo eleitoral de Santarém têm estado, junto do Governo, a tratar desta matéria e que, da parte do Governo, há uma abertura no sentido de que esse plano avance para benefício não só das populações da região mas também para benefício nacional.
No final da sua intervenção, o Sr. Deputado focou a questão da CEE. Conhecemos as posições do Partido Comunista e sabemos que esse partido não está interessado, nem concorda, com que Portugal se integre no Mercado Comum. Se Portugal estivesse noutra localização geográfica, seria, talvez, defendida pelo Partido Comunista a sua integração no COMECON! ... No entanto, não é esse o caso.
De qualquer forma, trata-se de um projecto que está a avançar. Em relação, por exemplo, a uma zona que o Sr. Deputado conhece muito bem, porque vive lá, o projecto, em termos de agricultura, vai provocar uma grande inversão e reconversão de processos de exploração agrícola na região. Pergunto-lhe se concorda ou não que todo o vale do Tejo pode ser reconvertido para a produção de outros produtos que não apenas a vinha e se, com a entrada de Portugal na CEE, designadamente com a concorrência internacional que existe em relação à produção de vinho, não será vantajoso para Portugal que haja uma reconversão em toda essa zona - designadamente arrancando a vinha e substituindo-a por outro tipo de culturas mediterrânicas - por forma de Portugal conseguir colocar os seus produtos noutros países.
Finalmente, penso que houve um aspecto negativo na sua intervenção - e não lhe chamarei de demagógico mas apenas negativo. É que se não chove, o Governo tem a culpa porque há seca; se chove, o Governo também tem culpa; se chove demais, o Governo continua a ter a culpa ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Queria perguntar ao Sr. Deputado se, sinceramente, entende que este ano as inundações que houve no Ribatejo foram, sequer, dignas de ser aqui sublinhadas. Isto porque, independentemente de ter havido inundações, não me consta que tenha havido prejuízos materiais, e muito menos pessoais, em relação ao Ribatejo, no seu global. Temos conhecimento das inundações que houve em Coruche, assim como noutras zonas do Ribatejo, mas, felizmente, não houve acidentes a lamentar e, também felizmente, há mesmo benefícios, talvez superiores aos prejuízos, em termos globais, na agricultura portuguesa.
Não é só o Ribatejo que precisa de água, outras zonas também precisam e, como sabe, designadamente no que se refere ao material lenhoso, toda a água da chuva vai constituir uma receita, digamos assim, dada pela natureza, receita essa que talvez seja muito difícil de quantificar. Isto independentemente de alguns pré-
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juízos pontuais nas searas de trigo, etc. No entanto, o benefício social ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Niza, tenha a bondade de concluir, visto que já está a exceder em muito o tempo de que dispõe.
O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente, e peço desculpa.
Queria perguntar ao Sr. Deputado Álvaro Brasileiro se tem alguma ideia - e não lhe exijo que tenha, porque sei que é difícil -, em termos nacionais, de se a pluviosidade que tem havido de há uns meses para cá é um benefício ou um prejuízo, isto independentemente dos prejuízos locais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, há mais oradores inscritos. Pergunto-lhe se deseja responder já ou no fim.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, o Grupo Parlamentar do CDS, por meu intermédio e por intermédio de outros colegas meus, tem levantado a questão da regularização do vale do Tejo imensas vezes nesta Câmara.
Ainda há dias, e não sei se V. Ex.ª estava ou não presente, tive oportunidade de, em relação às enxurradas em Coruche, no vale do Rio do Sorraia, aqui levantar a questão. No entanto, deixe-me dizer-lhe, quase estou desiludido em relação a esta matéria. Isto porque o Governo e, em abono da verdade devo dizer que não tem sido só este Governo, mas todos os governos desde há umas dezenas de anos, têm fechado os ouvidos, aos problemas que têm preocupado as gentes do vale do Tejo e não só, também as gentes das zonas ribeirinhas.
Também não é demais realçar quão importante é para a economia do País, nomeadamente para a economia agrícola, a riqueza daqueles terrenos, que são uns dos mais ricos da Europa e que, sistematicamente, estão sujeitos às intempéries.
Dizia-nos há pouco o Sr. Deputado José Niza que o Governo tem sido acusado do facto de não chover ou de chover demais. Sabe V. Ex.ª, talvez infelizmente para si, pois já lá vive há algumas dezenas de anos, que as chuvas que caíram agora em nada são comparadas às que caíram há meia dúzia de anos e que nada fizeram. Tem havido agora problemas porque o rio se encontra brutalmente assoreado, pelo que qualquer gota de água provoca danos irreparáveis para a agricultura.
O que é importante é saber se as obras que são necessárias fazer no vale do Tejo não seriam de começar imediatamente - isto para que daqui a 2 ou 3 anos os custos não sejam muito mais elevados -e se não podem ser feitas de uma forma faseada. Isto é, começar num ponto de maior importância e depois, por fases, ir evoluindo.
Não ponho em dúvida, nem questiono, a validade das obras que se têm feito nos vales do rios Douro e Mondego, mas pergunto se, perspectivada a economia nacional, não seria tanto mais importante começar em paralelo também, ainda que numa fase de menor empenhamento, as obras do vale do Tejo.
Foi aqui dito que os deputados socialistas têm feito grandes pressões junto do Governo. Pergunto ao Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, na qualidade de pessoa interessada nesta matéria, se já viu algum resultado prático dessa pressão. As pressões que os deputados das oposições têm feito, essas, sei que não se têm feito sentir e talvez também não se façam sentir as pressões feitas pelos deputados da maioria.
Este é mais um problema entre muitos, a que o Governo fecha os olhos e os ouvidos, pois não tem interesse em o resolver, estando muito mais vocacionado a resolver problemas que têm a ver com as eleições que se aproximam.
Pergunto-lhe ainda se pensa que o problema da reconversão cultural do vale do Tejo é um problema para ser resolvido nesta sede, na medida em que temos muito pouco tempo para o resolver.
Queria ainda saber se pode perguntar ao Sr. Deputado José Niza e a outros, da maioria, se estão dispostos e disponíveis para um debate público para aí assumirem a sua responsabilidade em relação à reconversão cultural do vale do Tejo. Somos dessa opinião, no entanto, custa-nos muito ouvir aqui dizer uma coisa e lá fora ouvir dizer outra, porque há custos políticos muito elevados.
Vozes do .CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.
O Sr. António Gonzalez (INDEP.): - Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, dado o profundo conhecimento que tem sobre a região, queria perguntar-lhe como é que caracterizaria a acção da hidráulica na zona do vale do Tejo, nomeadamente a existência ou não de guarda--rios e a sua acção.
Também queria perguntar-lhe como é que vê a possibilidade de o Governo fazer cumprir legislação já existente sobre poluição, quando a maior parte das empresas é incapaz de fazer frente às despesas, nomeadamente em relação ao controle dos seus efluentes, segundo as regras muito rigorosas da CEE, que virão aí. Sabemos que as autarquias não têm, neste momento, possibilidade de lhes fazer frente, porque não lhes são dadas as verbas necessárias. Gostaria também de saber se o próprio Governo tem moral para criticar essas empresas privadas, porque elas são uma das principais poluidoras.
Quero deixar aqui uma saudação às autarquias pela sua acção relativamente aos problemas ambientais, nomeadamente com a construção de ET ARES (Estações de Tratamento de Águas Residuais), com grandes sacrifícios perante outras acções mais eleitorais.
O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Oliveira.
O Sr. Armando Oliveira (CDS): - Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, depois da intervenção feita pelo meu colega de bancada Soares Cruz, talvez fosse dispensável usar da palavra. Contudo, como membro da Comissão de Agricultura e Mar, não queria deixar de reforçar a nossa preocupação pelo que se passa no vale do Rio Sorraia, na medida em que, há dias, membros
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desta Comissão fizeram, a convite da Câmara de Coruche, em visita ao vale, certificando-se e constatando as grandes preocupações que lá existem devido às inundações. Constatou-se facilmente que o assoreamento do vale do rio Sorraia é significativo e parece--nos - o consenso é também de assinalar - que não há uma interligação entre o poder central e o poder local, o que muito prejudica as populações locais, concretamente, daquela região. Era só isto o que queria dizer.
Não tenho nenhuma questão a pôr ao Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, queria, isso sim, reforçar a preocupação da bancada do CDS em relação a este assunto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro ficará inscrito para responder na próxima sessão, ou seja, ficará inscrito para responder amanhã. Aliás, fica também prejudicada uma outra inscrição, para pedir esclarecimentos, do Dr. Deputado Cunha e Sá.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tendo sido dada a possibilidade aos Srs. Deputados de colocarem as perguntas que entenderam dever pôr ao meu colega de bancada Álvaro Brasileiro, mal pareceria, e não se compreenderia, que ele não pudesse dar uma explicação, ainda que mais reduzida, às questões colocadas, sob pena de o debate ficar interrompido. Aliás, creio que teríamos tudo a ganhar, pois certamente as respostas não levariam muito tempo. Peço, pois, consenso nesse sentido.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - É para dizer, Sr. Presidente, que julgo que este problema é muito importante; é, de facto, um problema nacional. Penso, pois, que é muito mais pertinente que este problema aqui nos leve mais uns breves minutos. Creio que V. Ex.ª poderia consultar os outros grupos e agrupamentos parlamentares no sentido de obter consenso para que se consumam mais alguns minutos, a fim de que este assunto fique resolvido de vez.
V. Ex.ª sabe que se este assunto passar para uma outra sessão, é atirado para as calendas gregas e nunca mais é terminado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados interpelantes, devo dizer que a Mesa se limita a cumprir o Regimento e, portanto, dá por findo o período de antes da ordem do dia.
Se houver consenso por parte das diversas bancadas no sentido de este período ser ultrapassado - e lembro que vão gastar-se cerca de 12 minutos, pois é o tempo a que o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro tem direito -, estou de acordo em que o Sr. Deputado responda desde já. Contudo, as suas respostas podem desencadear protestos e contraprotestos.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, naturalmente não será por parte da bancada do Partido Social-Democrata que o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro deixará de responder aos Srs. Deputados que o questionaram. De qualquer forma parece-nos que é um mau princípio. Isto porque tem havido sempre questões importantes para responder que, permanentemente, têm ficado pendentes.
Pela nossa parte, excepcionalmente, não nos opomos a que as respostas sejam dadas, mas queríamos que o problema fosse posto em reunião de líderes para se chegar a um consenso quanto ao futuro, precisamente para se evitar situações como esta, em que as respostas têm de ser dadas de afogadilho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o problema que se põe à Mesa não é unicamente o das respostas do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, mas a eventualidade de termos de aceitar que haja protestos e contraprotestos, o que prolongará por largo tempo a discussão. VV. Ex.as disseram que esta discussão era muito importante, pelo que desejavam que fosse alargada. Contudo, arriscamo-nos a ir muito mais longe.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Deseja interpelar a Mesa, Sr. Deputado?
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, julgo contribuir para a resolução do problema afirmando, desde já, que da parte do meu grupo parlamentar não surgirá qualquer protesto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vale a pena alargarmos esta discussão porque, deste modo, também estamos a perder tampo. Verifico que não há consenso para que o período de antes da ordem do dia seja prolongado.
Vozes do PCP: - Há, há!...
O Sr. Presidente: - Peço desculpa, mas não ouvi ainda qualquer reacção por parte do Partido Socialista. Gostava, pois, que alguém por parte desse partido se pronunciasse.
O Sr. José Niza (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, não pedi a palavra exactamente para não gastar tempo à Assembleia. Devo dizer, contudo, que concordamos que este assunto seja arrumado ainda hoje - e talvez o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro nem precise dos 12 minutos a que tem direito! - para não estarmos sistematicamente a adiar estas questões.
O Sr. Presidente: - Verifico, então, que há consenso.
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Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me que mereceu a pena trazer aqui um dos graves problemas do País, um dos muitos problemas que os deputados deviam trazer aqui, à Câmara, em qualquer altura, e não só aquando das campanhas eleitorais. É este o local próprio para se trazerem os problemas.
Ao Sr. Deputado José Niza, que foi eleito pelo distrito de Santarém, devo dizer que nunca o vi manifestar qualquer preocupação e trazer a esta Assembleia os problemas do vale do Tejo.
Diz o Sr. Deputado que fiz críticas ao Governo. Pois fiz! Para evitar perder tempo, devo dizer que não retiro nem uma palavra, nem uma vírgula, em relação às afirmações que fiz ao criticar o Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto a saber se estou de acordo em que as verbas para o projecto são avultadas e que se podem fazer os necessários trabalhos no vale do Tejo, devo dizer, Sr. Deputado José Niza, que não é depois da casa roubada que se põem as trancas à porta. É tempo de passar das palavras às acções.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Isto por períodos, por fases. É tempo de começar os trabalhos de regularização do vale do Tejo. Foram feitos estudos sobre isso e lembro que o Sr. Deputado José Niza disse que o problema do vale do Tejo merece, realmente, uma discussão mais aprofundada.
Sr. Deputado José Niza, fez-se, em Santarém, o I Seminário do Vale do Tejo, em 24 de Julho de 1984; no entanto, não vi lá o Sr. Deputado José Niza, nem qualquer outro deputado do Partido Socialista!... Era bom que lá tivesse estado e pergunto-lhe se está documentado sobre as conclusões importantíssimas que saíram desse seminário. Era bom que lesse o que de lá saiu, porque aí estão transcritas as necessidades urgentes e prementes do vale do Tejo.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Foi abordado o problema da poluição, o problema ambiental. O problema é tão vasto e largo que até serviria que se fizesse uma intervenção mais profunda sobre ele.
Já um Sr. Deputado que pertenceu à sua bancada, Sr. Deputado José Niza, o ex-Sr. Deputado, engenheiro Sacramento Marques, que foi governador civil de Santarém, levantou os problemas da reconversão do vale do Tejo - aliás, conversámos muitas vezes sobre isto - e penso, Sr. Deputado - e, se conhece o problema, sabe bem isso -, que não poderá haver uma reconversão do vale do Tejo sem serem feitos os trabalhos que apontei, ou seja, o desassoreamento, a drenagem do vale do Tejo, enfim, os cuidados necessários. Não se pode começar pelo telhado; tem de se começar pelos alicerces, Sr. Deputado!
Com certeza que estamos de acordo em que haja uma reconversão da vinha, mas não de uma maneira desenfreada e de qualquer feitio. O Sr. Deputado sabe perfeitamente bem que ainda este ano muitos agricultores, levando em conta a situação vinícola - realmente, dá mais lucro fazer outras sementeiras -, arrancaram vinha e lançaram-se na sementeira do milho e do trigo; só que, realmente, não houve o acompanhamento necessário a esses mesmos agricultores. Fizeram as searas do milho, tiveram boas produções, mas não houve acompanhamento em relação ao problema dos secadores: muito milho estragou-se e houve traumas nos próprios agricultores devido há falta de ajuda técnica e à inexistência do andamento necessário para os estimular.
Quanto ao problema da chuva (chove muito, chove pouco), isso é verdade, Sr. Deputado; conheço desde novo os problemas do vale do Tejo: as cheias, a fome e a miséria que têm implantado naquelas populações, a sopa dos pobres, «a caridadezinha» que hoje querem retomar, a falta de emprego, enfim, todos os problemas relativos ao vale do Tejo. E é por sentir e por viver esses problemas que levantei aqui esta questão. Há realmente que começar - como já referi -, por fases, os trabalhos de desassoreamento ou drenagem do vale do Tejo.
O Sr. Deputado conhece quais são as ansiedades e as aflições dos povos de Reguengos de Vaiada e de Porto de Muge que entre o rio e as suas casas apenas têm os diques, muitos deles de terra batida, sem conservação, cheios de canas e de árvores, furados pela bicheza? Veja, Sr. Deputado, qual é a situação dessas populações!
São estes problemas que devemos encarar e, se tivermos interesse em os ajudar, que devemos discutir seriamente e resolver.
Por outro lado, durante os debates do Orçamento do Estado com os Srs. Ministros da Agricultura e do Equipamento Social, levantámos aqui os problemas do vale do Tejo, incluindo o problema das verbas. Disseram-nos que eles eram importantes e que, realmente, havia obras que deviam ser feitas. Mas, «Roma e Pavia não se fizeram num dia», há que começar e depois não parar, passando das palavras às acções.
Sr. Deputado Soares Cruz, o CDS já tem levantado muitas vezes o problema do vale do Tejo e do vale do Sorraia. Já o ouvi referir este assunto, até aqui na própria Assembleia, e muitas vezes têmo-lo discutido como deputados dessa zona porque, realmente, como tal, devemos ter essa preocupação, independentemente dos ideais que nos separam. É preciso levantar os problemas e fazer algo de útil pelas populações que nos deram o voto para que se tragam aqui, à Assembleia da República, as suas fortes aspirações e os seus graves problemas - neste caso o já citado problema do vale do Tejo.
O Sr. Deputado perguntou se os Srs. Deputados do PS têm levantado os problemas do vale do Tejo e do vale do Sorraia. Digo, com toda a franqueza, que a não ser o Sr. Deputado Sacramento Marques, não ouvi mais nenhum levantar este problema aqui na Assembleia da República. Podia ter sido levantado por um outro deputado, mas que me lembre nunca ouvi tal.
O Sr. Deputado Armando Oliveira citou, e muito bem, a deslocação da Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar ao vale do Sorraia, onde pudemos ver com os nossos próprios olhos os problemas que afectam aquelas regiões, que são os que citei na minha intervenção.
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O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Muito obrigado, Sr. Deputado Álvaro Brasileiro. É apenas para o informar, porque V. Ex.ª poderá não estar lembrado ou não ter estado presente nesta Câmara, mas a verdade dever ser reposta, que, pelo menos uma vez, recordo--me de o Sr. Deputado José Niza ter levantado aqui este problema do vale do Tejo.
Enfim, julgo que esta informação será útil para a sua intervenção, uma vez que poderia estar a tecer uma crítica de uma forma involuntária, por não ter estado aqui presente nessa altura.
O Orador: - Sr. Deputado, obrigado pela informação, mas como nunca tinha ouvido aqui uma intervenção relativa a este assunto por parte do Sr. Deputado José Niza e como gosto de falar apenas daquilo que ouço e do que realmente tenho a certeza, o que não acontecia agora, fiz essa afirmação há pouco.
O Sr. Deputado António Gonzalez falou sobre os problemas da poluição. Levantei o problema do Caima, onde as empresas deviam ser obrigadas a fazer estações de tratamento de efluentes para que se evitasse a poluição do rio Tejo. Só que isso não acontece e muitas vezes fica mais barato poluir do que, realmente, levar em conta a saúde pública e os interesses nacionais. Aquilo que neste momento a maior parte das empresas estão a fazer é um regabofe, é um salve-se quem puder!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, penso que V. Ex.ª fez mais uma segunda intervenção do que deu propriamente uma resposta às perguntas que lhe formulei concretamente, embora considere que algumas delas são de difícil resposta, até porque, eu próprio, não seria capaz de lhes dar resposta, designadamente quanto à questão da regularização do vale do Tejo e aos custos da execução desse projecto e, sobretudo, à dimensão temporal da execução do mesmo.
Queria dizer-lhe, para evitar demagogia e aproveitamentos políticos, que penso que este projecto - como disse há pouco - tem uma dimensão nacional e não se limita a legislatura de um governo, seja ele qual for. Foi dito pelo Sr. Deputado Soares Cruz - e com razão - que realmente os governos das últimas dezenas de anos, na prática, pouco fizeram por esse plano, independentemente de haver hoje um projecto feito e, portanto, pronto para ser executado. Aí estamos plenamente de acordo, Sr. Deputado, e queria dizer-lhe uma coisa que me parece importante: a atitude dos deputados socialistas em relação à questão da regularização do vale do Tejo é exactamente a mesma quer o PS esteja na oposição quer esteja no governo.
Esta é uma situação tal que, mesmo que as obras comecem amanhã, logicamente ainda voltaremos aqui a falar do assunto, estando o PS na oposição e voltando a estar no governo, a não ser que o PS fique no governo durante 15 ou 20 anos, porque será essa a dimensão temporal de um projecto destes.
Portanto, não quis colocar aqui a questão em termos da oportunidade e aproveitamento político. Penso que, por de trás disso tudo, há realmente um grande interesse nacional e regional na execução desse projecto e aí estamos totalmente de acordo.
Por outro lado, não quis fazer aqui a estatística das intervenções ou das démarches que já fiz em relação a isto. Aliás, não penso que tenha sequer a obrigação de o fazer isso, e muito menos penso que deva ter o exibicionismo!
V. Ex.ª acha natural que um deputado que apoia o Governo e cujo Primeiro-Ministro é secretário-geral do seu próprio partido não possa ter reuniões, independentemente de discursos aqui nesta Assembleia, sobre questões de interesse nacional e regional?
Posso informar o Sr. Deputado que talvez há l mês, mês e meio, houve, exactamente, uma reunião de deputados socialistas com o Primeiro-Ministro e com outros membros do Governo sobre esta questão. Isto é perfeitamente legítimo em democracia e nada obriga a que sejam apenas as intervenções parlamentares a terem a ver com o assunto.
De qualquer maneira, queria dizer ao Sr. Deputado que tenho sido eleito - e esse julgamento é para mim o essencial - pelo eleitorado da nossa região desde 1975. Já fiz aqui bastantes intervenções (não sei quantas...) sobre esta matéria e outras. O Sr. Deputado só foi eleito posteriormente, bem como o Sr. Deputado Soares Cruz, portanto não podem recordar aquilo que não presenciaram.
Aproveito para responder ao Sr. Deputado Soares Cruz dizendo que este ponto que consta do programa eleitoral dos deputados socialistas do distrito de Santarém e, já agora, aproveito também para lhe dizer que durante a campanha eleitoral, por nossa iniciativa, quisemos promover um debate sobre esta questão com os candidatos de outras listas, designadamente a nível dos cabeças de lista, concretamente com o deputado Ribeiro de Almeida que na altura era o cabeça de lista do PSD em Santarém.
A resposta a isso terá vindo apenas hoje - um pouco retardada portanto - mas acho que seria de grande interesse para o nosso distrito que esse debate tivesse concretização, porque acho que o somatório das nossas preocupações partidárias talvez seja maior do que elas próprias em si mesmas e uma vez que somos pessoas interessadas nisso - e isso tenho toda a convicção que o somos, independentemente das perspectivas políticas diversas -, penso que teria interesse que esse debate público pudesse ter ocasião, desde que feito em bases sérias, informadas e de acordo com os projectos que existem e não com improvisações à portuguesa.
Portanto, Sr. Deputado, pela minha parte (e falo em nome de todos os deputados do PS pelo distrito) penso que estamos perfeitamente abertos e disponíveis para esse debate. É uma questão de o combinar, organizar e pressionar o Governo, porque assumimos aqui a postura de exigência ao Governo em questões de interesse nacional e regional e não apenas do apoio político que também lhe damos. As coisas não são contraditórias: uma coisa é apoiar um governo, outra coisa é exigir a esse governo que promova determinadas obras e projectos! E é isso que estamos aqui a fazer.
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O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Em relação ao problema das verbas, o Sr. Deputado pergunta se tenho alguma ideia de qual seria a sua soma. É uma coisa astronómica pois sei perfeitamente que aquilo é uma obra de grande envergadura e, aliás, venho falando disso.
Mas uma coisa é certa: o Sr. Deputado sabe perfeitamente, que, no plano existente, as obras fazem-se por fases. Ora, o que eu digo é que se comece por uma fase, que se comecem os trabalhos! A situação que se vive é que não pode continuar.
E por falar em verbas, aquando da discussão do Orçamento do Estado, propusemos, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, uma verba de 200 000 contos, que não era nada mas servia, ao menos, para o arranjo e conservação dos diques. Isso foi rejeitado e o Sr. Deputado sabe perfeitamente como é que se encontram os diques das zonas ribeirinhas do vale do Tejo. Se sabe!...
Quanto ao problema que aqui foi levantado relacionado com os trabalhos, o Sr. Deputado Soares Cruz disse que há realmente necessidade, mesmo como deputados, de começarmos um debate, um trabalho conjunto de maneira a que se consiga começar a desbloquear toda esta situação. Mãos à obra, Srs. Deputados! Da nossa parte estamos livres para esse trabalho. Contem com o Grupo Parlamentar do PCP, que tem grandes conhecimentos do problema e que, por isso, pode contribuir com a sua ajuda para a resolução dos problemas reais do vale do Tejo!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, afirmei que o meu grupo parlamentar não interviria mais nesta questão por razões de tempo e nesse sentido interpelava a Mesa, solicitando a V. Ex.ª o favor de dizer ao Sr. Deputado José Niza que o meu grupo parlamentar e eu próprio sempre estivemos, estamos e estaremos disponíveis para qualquer debate público sobre esta matéria ou qualquer outra que diga respeito ao distrito e não só.
O Sr. Presidente: - Suponho que não vale a pena transmitir nada, ao Sr. Deputado José Niza, pois ele ouviu perfeitamente.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia, que na primeira parte engloba a apresentação de alguns projectos de lei e a eleição dos membros do CNAEBA.
Há algumas sugestões no sentido de que esta eleição decorra simultaneamente com o período de apresentação dos vários diplomas. A Mesa, embora reconhecendo o inconveniente que este processo sempre comporta para a boa ordem dos trabalhos e sobretudo para o silêncio que tem de existir, não quer deixar de pôr à consideração dos Srs Deputados este ponto. Há consenso para que se realizem as eleições simultaneamente com os trabalhos?
Pausa.
Como não há oposição por parte de nenhuma bancada relativamente a este ponto. A Mesa pede aos Srs. Deputados Roleira Marinho e Luís Cacito para fazerem o favor de servirem de escrutinadores nesta eleição.
Srs. Deputados, vamos passar à apresentação, pelo PCP, do projecto de lei n.º 428/III, que aprova medidas tendentes a reforçar a protecção devida aos cidadãos vítimas de crimes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um sistema jurídico que permite que sejam as vítimas a arcar com todos os danos resultantes dos crimes, deixando imunes os culpados, nem dará aos cidadãos a segurança a que têm direito nem pode inspirar confiança e menos ainda realizar a justiça.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - É a filosofia fundamental subjacente aos projectos de lei que hoje me cabe apresentar em nome do Grupo Parlamentar do PCP.
A ampla desprotecção das vítimas de crimes é sem dúvida um dos mais graves traços característicos da crise da justiça em Portugal.
É deficiente a malha legal de protecção. Estão bloqueados os meios de efectivação dos débeis mecanismos que a lei prevê.
A crise dos tribunais é um facto reconhecido e indesmentido.
Falaram dela os magistrados em luta pelo seu estatuto, mas também pelas reformas necessárias na organização judiciária, no processo civil e penal.
E muito embora o então Ministro da Justiça tivesse saído à liça com afirmações que ofenderam a magistratura, a verdade objectiva dos números revela a profundidade da crise que também se abate, injustamente, sobre os profissionais do foro.
Como já aqui o afirmámos por mais de uma vez, sobram processos por juiz, por delegado, por escrivão, por cada funcionário de justiça.
Em instalações decrépitas, por vezes em saguões, cidadãos que recorrem à justiça encontram o desespero, ou já mesmo a inércia daqueles a quem se exige uma resposta incomportável: a celeridade processual.
Incomportável também com a poeirenta perspectiva de uma legislação de processo civil e de processo penal.
Incomportável também porque alguns dos mecanismos consagrados constitucionalmente encontraram pela frente a oposição política de sucessivos governos (veja--se o que acontece, por exemplo com os tribunais de instrução criminal desprovidos de meios técnicos e humanos necessários ao seu normal funcionamento).
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Pelo contrário, do Ministério da Justiça, no meio de uma inércia perante as reformas urgentes e indispensáveis, só têm surgido com algum dinamismo, ameaças preocupantes.
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Surge, quase como um dado certo, o aumento das alçadas, tornando mais cara a justiça e impedindo ainda mais o acesso às várias instâncias judiciais.
Surge a ideia de taxas moderadoras nos processos judiciais, por forma a afastar a justiça das classes mais desfavorecidas.
Surge uma nova organização judiciária restaurando as três classes de comarcas, tornando mais difícil a gestão de quadros da magistratura. Surgem os denominados tribunais de grande instância, distanciando a justiça dos cidadãos.
Aliás, tornar a justiça inacessível, distanciada, parece ser uma das apostas deste Governo na continuidade de outros que o antecederam.
É por isso que reformas importantes, exigidas pela necessidade de relançar em novos moldes, o júri e os juízes sociais, continuam por fazer.
Os julgados de paz (aliás objecto de uma iniciativa legislativa do PCP) continuam a ser uma realidade constitucional irrealizada.
A justiça formal continua ainda a ser o traço mais indelével da justiça portuguesa.
De toda esta situação resulta uma substancial desprotecção dos cidadãos, geradora de insegurança.
E o Governo, que é o primeiro responsável pelo agravamento dos factores de intranquilidade dos cidadãos, joga nesta insegurança para procurar impor instrumentos legais que a serem aprovados restringiriam seguramente as liberdades mas não dariam segurança aos cidadãos que a ela têm direito.
Como pode acreditar-se, na verdade, que o Governo inscreve no seu programa o combate ao crime e a preocupação de protecção das vítimas de crimes?
A miséria alastra. A saúde do País degrada-se. A fome prospera, a droga continua a ser o paraíso ao alcance de tantos jovens. O desemprego arrasta, com o desespero pela sobrevivência, atitudes anti-sociais. E é o próprio Governo a incentivar o desemprego, como bem se pode depreender da entrevista dada pelo Sr. Primeiro-Ministro à RTP, conjugada com um decreto-lei que ontem saiu no Diário da República (o Decreto-Lei n. º 50/85), que incentiva os trabalhadores a apresentar as empresas à falência, escondendo assim as actividades dolosas dessas empresas.
Aplausos do PCP.
E que faz o Governo para erradicar estes factores exógenos que podem conduzir ao crime?
O Governo degrada os salários reais, conduz uma política de desemprego, atira para a marginalidade homens, mulheres, e mais atiraria não fora ainda a teimosa consciência colectiva da necessidade de combate a esta política antinacional.
Simultaneamente acomete-se contra os cidadãos, brandindo com o medo e a necessidade de uma guerra ao crime. E assim se pretende instalar o medo invencível da vitimização. Medo tanto mais compreensível quanto é certo e sabido que as vítimas de crimes aguardam sem esperança a reparação dos danos sofridos.
Nesta filosofia não cabe, de facto, a protecção às vítimas de crimes.
A opinião pública é entretanto chocada por casos que exprimem de forma exemplarmente negativa os vícios, a doença de um sistema que faz demasiadas vítimas e deixa sem protecção as vítimas que faz ou propicia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Recordamos a morte de um cidadão espanhol, abatido a tiro por agentes da Guarda Fiscal.
Recordamos a morte do médico psiquiatra, Dr. Luís Duarte Rolão Macedo, que, passeando na serra da Arrábida, foi vítima de agressão a tiro, reinvindicada pela Guarda Fiscal. Setúbal enlutou-se. A insegurança dos cidadãos ficou mais patente. Todo o processo suscita arrepiantes interrogações.
Todos os dados confluem para a afirmação de que toda a actuação deste Governo tem proporcionado aos cidadãos o medo invencível de ser vítima, o medo insuperável de vitimização.
É óbvio que, perante isto, alguns princípios que timidamente informam o nosso direito penal (como no regime de prova, de suspensão da pena) continuam por realizar.
Abrindo um parênteses, referem-se ainda aqueles princípios que, depois do 25 de Abril, tiveram em conta as vítimas de crimes e que vêm no Decreto-Lei n.º 605/75, como, por exemplo, o dever de o Ministério Público executar a sentença de indemnização no prazo de 30 dias e o facto de o juiz poder condenar, mesmo que o réu seja absolvido. No entanto, estas medidas, de qualquer forma parcas, não têm tido na prática a realização devida.
É também bem evidente que não interessa a este Governo defender e aprofundar os breves afloramentos da perspectiva vitimológica, que, logo após o 25 de Abril, começaram a informar o nosso direito processual penal.
As reformas nesse sentido continuam por fazer.
O processo cível continua ainda a ser o meio privilegiado para obtenção da reparação dos danos.
O processo penal continua a desconhecer os meios necessários para promoção dos interesses das vítimas.
O Estado, absorvido pela repressão, finge ignorar que a vítima se preocupa em primeiro lugar com o fim da agressão, com a assistência que o seu estado requer, com a reparação dos danos sofridos.
E, por isso mesmo, podem contar-se pelos dedos o número das vítimas de crimes que obtiveram reparação, mas, mesmo assim, quase sozinhas, numa acção penal que praticamente as desconhece, mas, mesmo assim, após um prolongado período em que a agressão perdurou irreparável, mas, mesmo assim, pagando à sua custa a assistência que o seu estado de vítima requeria.
Pode, pois, afirmar-se que, nesta apregoada guerra contra o crime, se assiste à reprivatização da defesa do crime.
Porque a vítima, só e esquecida, encontra pela frente, pode dizer-se, quase todos os meios de agravamento da sua situação.
Quem, entre nós, passar de vítima potencial ao estado de vítima real arrastar-se-á pelos corredores dos tribunais, fazendo exames médicos em condições penosas, ou seja, sem condições nenhumas, nas salas dos tribunais, entre funcionários da justiça, processos poeirentos, observado por um médico que rouba umas poucas horas aos seus afazeres profissionais.
Aguardará depois seguramente mais de um ano, por vezes dois, ou três, ou mesmo mais. Verá o delinquente furtar o seu património a qualquer espécie de penhora por falta de meios processuais adequados à garantia do seu direito. Assistirá depois a uma condenação exemplar. O Estado puniu. Justiça foi feita. Mas ela, a vítima, continuará a aguardar uma execução de sentença (quando a há), que quantas vezes termina em despa-
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cho de arquivamento, por falta de meios do agressor e também do Ministério Público para executar a sentença. O Estado puniu. Mas será que justiça foi feita?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - É mais do que evidente, no pulsar lentamente doloroso de um processo, que também os tempos de resposta da máquina judicial não são os adequados à protecção dos direitos das vítimas.
Mais uma vez, e aqui também, a crise dos tribunais se revela uma chaga profunda, que afecta de incapacidade o último recurso que se depara ao cidadão atingido. Inúmeras vítimas de crimes, afectadas pela pendência prolongada de um processo, descrêem do sistema, descrêem da justiça.
Urge pôr cobro a tal situação. Urge que se tomem rapidamente medidas, aliás exigidas pelos profissionais de foro. Urge uma justiça célere e eficaz.
E, simultaneamente, tardam as reformas de vulto, que, na perspectiva vitimológica, passam por profundas alterações na área do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
Os dois projectos de lei apresentados pelo PCP (n.ºs 428/III e 429/III) não pretendem ser a solução perfeita ou completa do problema, mas são um começo.
Com estas iniciativas, que não podem desligar-se do projecto sobre o acesso ao direito, o PCP pretende contribuir para que esta Assembleia debata o problema e responda às expectativas das vítimas, que, sobretudo, anseiam a reparação da injustiça de que foram alvo.
O projecto de lei n.º 428/III propõe medidas na área do Direito Penal, no Direito Processual Penal e Civil.
Tendo sempre em vista que a vítima de um crime tem como um dos objectivos principais a obtenção da reparação dos danos sofridos, objectivo que normalmente não é atingido, o projecto de lei n.º 428/III, do PCP, propõe que o Estado adiante a indemnização à vítima de uma infracção penal, se tal indemnização não tiver sido obtida do infractor, em situações de extrema gravidade. São os casos de morte, incapacidade permanente, incapacidade total por mais de um mês. São ainda os casos de perturbação grave nas condições de vida, proveniente de perda ou diminuição de rendimentos, de um acréscimo de encargos, de inaptidão para o exercício da actividade profissional ou de diminuição de integridade física ou mental.
Na querela entre reparação estadual, ou a dita reparação social, optou-se, no projecto de lei do PCP, pela reparação estadual. E isto porque entendemos que o crime não é uma fatalidade que se abate ao acaso sobre este ou aquele cidadão - ideia que está na base da reparação através do chamado «seguro social». O crime existe quando falham os meios públicos que o deveriam ter impedido. Contribuindo a vítima para o suporte financeiro da orgânica judiciária e policial, justifica-se que exija do Estado a reparação dos prejuízos sofridos.
No projecto de lei, regula-se ainda o modo de obtenção do adiantamento de indemnização, por forma a que a reparação dos danos se faça com celeridade.
Na área do Direito Penal, propõe-se uma nova previsão para o crime de frustração de créditos.
Começaremos por dizer que entendemos que, em áreas tão sensíveis como a da responsabilidade civil extra - contratual, da responsabilidade emergente de
obrigações alimentares, de contrato individual de trabalho, não é suficiente a previsão do crime de frustração de créditos constante do actual Código Penal.
Com efeito, tal como esse crime hoje é configurado, só em muito raros casos é que alguém poderá ser acusado do mesmo. A formulação do Código permite que, até à execução da sentença de condenação, enquanto decorre o processo declarativo, o devedor destrua, danifique ou faça desaparecer o seu património.
Com a nova formulação apresentada pelo PCP, não se arreda completamente a actual previsão do Código Penal.
Propõem-se ainda algumas medidas que, no quadro da concessão de liberdade provisória, acautelem os direitos das vítimas à reparação.
Prevê-se ainda a fixação provisória de indemnização, a possibilidade de recurso ao tribunal cível para obtenção de medidas provisórias que garantam o pagamento da reparação.
Por último, aproveita-se para regular em termos mais precisos o enxerto cível (que não o do infortúnio estradai), dado que os termos genéricos em que o mesmo é referido no actual Código do Processo Penal dá origem a dúvidas, indecisões, recursos, com manifesto prejuízo para as vítimas de crimes.
Este feixe de medidas merece ser bem ponderado, Srs. Deputados. Haverá certamente soluções a aperfeiçoar, mas cremos ser inegável a urgência de legislação neste campo. A sua aprovação não resolverá todos os problemas - deixará de lado, designadamente, a questão da criação de estruturas de apoio a vítimas de crimes, em particular as mulheres, hoje entregues à pior sorte e olhadas com desconfiança por um aparelho policial impreparado para o adequado acolhimento.
Toda esta matéria só por si justificaria (e esperamos que justifique ainda) outros projectos de lei, mas não é subestimável a real utilidade das que hoje vos apresentamos para protecção das vítimas de crimes.
Permitam-me que sublinhe, finalmente, que o alcance das medidas propostas, além do que ficou dito, sofre duas grandes limitações.
Em primeiro lugar, abrange sobretudo vítimas de infracções que a lei, designadamente o Código Penal, qualifique como crimes. Mas há vítimas de outros atentados igualmente graves que a lei não considera crimes.
Pense-se, por exemplo, na situação de trabalhadores com salários em atraso, vítimas de condutas culposas e mesmo dolosas do patronato, cuja criminalização vem sendo recusada, ao mesmo tempo que não é garantida a reparação estadual dos prejuízos injustamente sofridos pelos trabalhadores.
A segunda limitação de qualquer iniciativa nesta esfera é que só por si estas medidas não bastarão para restabelecer a necessária confiança na justiça, todos os dias abalada por novos episódios. Não posso deixar de transmitir-vos o generalizado espanto dos cidadãos face à inopinada evolução do escândalo do contrabando de Setúbal.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Estupefacto, o País descobre que arguidos por crimes contra a economia nacional - os que se encontram envolvidos numa vasta rede de contrabando - podem aguardar julgamento em liberdade provisória, por não se considerar aplicável nessa
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matéria a previsão do Código Penal quanto à associação criminosa.
Não está aqui em causa qualquer opção entre a decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Setúbal e a decisão do Tribunal da Relação de Évora.
Os tribunais julgam à face da lei de que dispõem, interpretando-a quantas vezes de forma diferente.
O que se põe em questão é o facto de estar por fazer uma revisão adequada da lei criminal que impeça que o crime compense.
Quer isto dizer que, se é importante indemnizar vítimas de crimes, é sobretudo preciso que a lei não permita novas vítimas nem deixe impunes os infractores.
As medidas de fundo para isso necessárias excedem em muito o âmbito do projecto de lei n.º 428/III, do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O segundo projecto de lei do PCP que hoje fundamentamos perante o Plenário visa proteger os cidadãos indevidamente atingidos por prisões ilegais.
O projecto de lei n.º 429/III desenvolve o princípio constitucional constante do n.º 5 do artigo 27.º da Constituição da República.
A explicitação constante do inciso constítucional, que obteve aprovação unânime, conforma uma importante garantia dos cidadãos contra os abusos do Poder.
Dir-se-á que não são assim tão vulgares as privações ilegais da liberdade.
Que o mecanismo constitucional, embora aplicável directamente, sem necessidade de regulamentação, não tem sido accionado. Donde nunca se poderá concluir apressadamente que não têm existido, neste campo, abusos do Poder, que o que a Constituição e a lei estabelecem quanto à privação ilegal da liberdade tem sido escrupulosamente cumprido.
Porque a verdade é que os mecanismos de que o cidadão dispõe para efectivar a garantia constitucional são de per si complicados, morosos e inatingíveis para o homem comum.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - A lei não incentiva a reacção contra os abusos. Pode dizer-se que, de facto, a lei nada garante na prática, antes desincentiva.
Vem sendo hábito, por exemplo, após o fracasso judicial da prisão dos sindicalistas, absolvidos e mandados em paz, uma nova prática, que dificilmente se pode enquadrar em qualquer preceito legal.
Depois da última absolvição - último fracasso do Governo -, os sindicalistas que se concentraram à porta do Primeiro-Ministro depararam com uma nova actuação das forças policiais.
Ao serem metidos nas carrinhas que os levaram à esquadra, julgavam ter de continuar a via sacra habitual: esquadra - Palácio da Justiça - julgamento, inquérito preliminar ou instrução preparatória.
Mas não. Guardados num sala, privados de contactar com advogado, como se tal contacto impossibilitasse a acção da justiça, os sindicalistas assim detidos ou presos acabariam por ser postos em liberdade, sem que qualquer auto de notícia fosse elaborado ou qualquer inquérito iniciado.
Esta era a desforra sobre as anteriores absolvições.
Os sincidalistas tiveram de aguardar durante horas a saída da esquadra e estiveram proibidos de contactar com advogados e deputados, mas processo não
houve, não havendo, assim, qualquer fundamento legal para aquelas medidas.
Isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é claramente uma detenção ilegal!
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - O projecto de lei do PCP preconiza medidas tendentes a melhor garantir os cidadãos contra a «hipertrofia do Poder e os abusos do seu exercício».
Prevê, para todos os casos de detenção, prisão preventiva ou prisão ilegais, a fixação pelo juiz, oficiosamente ou mediante requerimento, de uma indemnização à vítima, não inferior a 1/15 do montante mais elevado do salário mínimo nacional por cada dia de detenção ou prisão ilegais.
A indemnização será fixada no processo penal ou no processo previsto nos artigos 312.º e seguintes do Código do Processo Penal.
Prevê-se ainda que mesmo findo o processo penal, possa no mesmo ser requerida a fixação de indemnização.
Salvaguarda-se o recurso aos meios cíveis.
Garante-se o direito de repressão do Estado relativamente aos responsáveis pelos actos de privação ilegal da liberdade.
Crê-se que, por meios mais célebres e expeditos, se garantem às vítimas dos abusos do Poder a garantia da efectivação do seu direito, tornando também desta forma mais acessível a efectivação de um princípio constitucional.
Também aqui, é a perspectiva da vítima a informar o projecto de lei n. º 429/III, do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República, a partir de quatro projectos de lei do PCP apresentados no mesmo dia, dos quais se destaca o relativo ao acesso ao direito, fica munida de alguns textos-base que podem propiciar uma útil reflexão sobre o candente problema da justiça e da sua representação social.
Trazendo à liça os problemas das vítimas dos crimes e ainda os das vítimas das prisões ilegais, quisemos evidenciar uma das linhas de orientação a imprimir ao processo de reforma da nossa legislação criminal, que tem obrigatoriamente de passar por esta Assembleia. Seria inconcebível que se degradasse o debate à mera concessão de autorizações legislativas cometendo à Assembleia da República o encargo de aprovar materialmente apenas leis «liberticidas» e restritivas de direitos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Tudo faremos para que assim não suceda. Continuaremos a discutir e a apresentar, também na área da Justiça, as medidas necessárias para protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, componente fundamental do regime democrático nascido do 25 de Abril.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de declarar aberto o debate deste projecto de lei que, com certeza, vai seguir-se, declaro aberta a uma para a eleição anunciada. A Mesa vai votar em primeiro, nos termos regimentais.
Pausa.
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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, são 17 horas e 20 minutos, iniciou-se agora o processo de votação e creio que não há condições para que a Câmara possa escutar com atenção quer os pedidos de esclarecimento quer as respostas da Sr.3 Deputada Odete Santos.
Talvez pudéssemos antecipar um pouco o intervalo, durante o qual se procederia à votação, e reabriríamos os trabalhos com os pedidos de esclarecimento e as respectivas respostas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, a Mesa é sensível à sua interpelação. Acho que poderíamos perfeitamente iniciar já o intervalo e, inclusivamente, alargá-lo um pouco mais, até às 18 horas, tempo que seria bastante para se proceder à votação. A partir dessa hora, começará o apuramento dos resultados da votação.
Conforme tinha ficado estabelecido ontem, convoco a conferência de líderes para uma reunião durante o intervalo.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Foi acordado na conferência de representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares - realizada há momentos - que seriam considerados conjuntamente os projectos de lei apresentados pelo Partido Comunista Português - projectos de lei n.ºs 428/III e 429/III -, ficando o projecto de lei n.º 433/III para a primeira parte da ordem do dia, de manhã. Entretanto, discutir-se-ia imediatamente a seguir a este debate, o projecto de lei n.º 196/III, da UEDS, que faz parte da segunda parte da ordem dos trabalhos.
Há alguma objecção por parte da Assembleia, relativamente a esta alteração?
Pausa.
Como não é o caso, fica, então, confirmada a alteração.
Srs. Deputados, vamos, portanto, iniciar o debate destes dois diplomas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, começo por fazer uma interpelação à Mesa neste sentido: nesta fase do debate só posso usar a figura do pedido de esclarecimento? É que se assim o não for, se puder fazer uma intervenção, prescindirei do pedido de esclarecimento. Gostaria, pois, de saber se isso é possível!
O Sr. Presidente:.- Sr. Deputado, o Regimento diz precisamente que é para pedidos de esclarecimentos e, portanto, é a figura que V. Ex.ª tem que utilizar.
Tem então a palavra, Sr. Deputado!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada do Partido Comunista: Ouvi com a devida e necessária atenção a sua intervenção e devo dizer, francamente, que tanto ela como os projectos de lei introduzidos na Assembleia da República me decepcionaram: para além de muita coisa relativamente inútil no contexto actual, há também coisas que são desajustadas, muitas condições entre a intervenção e o projecto de lei, muita teoria criminológica que dou como assente que está correcta (não estamos aqui só a discutir a aceitação da teoria criminológica mas também da teoria vitimológica).
Do ponto de vista político, devo dizer que os projectos de lei do Partido Comunista me suscitam a mais séria reserva, salvo no que toca à ideia presente no projecto de lei n.º 428/III, de existência de uma iniciativa legislativa do Governo ou da Assembleia - e, no caso concreto, da Assembleia -, no sentido de se criar um esquema de indemnização às vítimas de crimes pelo Estado. Esta ideia é positiva mas, do meu ponto de vista, por aqui se fica o «que de positivo» tem a iniciativa do Partido Comunista - e, penso eu, apesar de tudo, já não é pouco!
Na verdade, essa ideia está concretizada em termos manifestamente desajustados, completamente afastada da lição de Direito Comparado, á revelia da teoria que preside a este tipo de indemnizações.
Queria ainda recordar uma ideia fundamental e que é a seguinte: a reparação pelo Estado às vítimas dos crimes tem carácter subsidiário. Toda a teoria moderna, numa sociedade aberta, diz que o Direito tem carácter subsidiário em relação à capacidade auto-organizativa e auto-solucionadora dos conflitos por parte da própria sociedade e dos cidadãos. Em concreto, toda a teoria diz que a reparação pelo Estado às vítimas dos crimes tem carácter subsidiário e restritivo. E é-o neste sentido: não pode pretender-se que o Estado se converta num pagador universal! Concretamente - e talvez seja este o defeito maior do vosso projecto de lei -, o Estado não pode estar aí a pagar às vítimas dos crimes, independentemente das suas possibilidades económicas. O projecto do Partido Comunista põe a tónica na gravidade da infracção; è um critério possível, mas teria, necessariamente, de ser complementado com...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, poderá terminar o seu raciocínio ao fazer um novo pedido de esclarecimento à outra apresentação? É que o tempo de que dispunha até já foi ultrapassado. ..
Tem a palavra, Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. topes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, tratou-se apenas da apresentação de um projecto de lei, portanto, creio que não há lugar a dois pedidos de esclarecimento, o que não implica que nós levantemos algum problema a que a Mesa permita ao Sr. Deputado Costa Andrade prolongar a sua intervenção pelo tempo que for necessário à exposição do seu ponto de vista.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, eu estava a guiar-me pelo período da ordem do dia,
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que é um pouco confuso porque distingue claramente as duas apresentações. Mas, Sr. Deputado Costa Andrade, suponho que a solução que tinha encontrado era no pressuposto de que V. Ex.ª não quer nenhum privilégio especial.
Peco-lhe, assim, o favor de abreviar as suas considerações.
Pode continuar no uso da palavra, Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em resumo: o Estado não está aqui e não deve estar - e não o está em nenhum país do Mundo e da Europa mais rica! - para indemnizar as vítimas ricas de crimes. Uma vítima altissimamente possidente, que sofre um crime de violência, não pode contar com o Estado como reparador imediato (não o é em mais nenhum país). O Partido Comunista baseou o estudo e preparação do seu trabalho legislativo em certas recomendações do Conselho da Europa, por isso permito-me recordar à Sr. º Deputada e ao Partido Comunista que esta matéria já aí teve os seus desenvolvimentos.
Também quero dizer - não vá eu estar aqui, «como quem tira coelhos do saco», a ter conhecimentos que outros não têm! - que no Conselho da Europa trabalhei na feitura dessa Convenção. A nível do Conselho da Europa já se chegou a uma convenção e todos os Estados acordaram no sentido de se restringir grandemente essa indemnização. E isto porquê? Além do mais, por razões de política económica internacional: é que a indemnização pelo Estado às vítimas dos crimes aplica-se não só às portuguesas mas também às estrangeiras. Ora, não é fácil a um pequeno país, com limitados recursos, estar a pagá-las a cidadãos estrangeiros, segundo critérios de dano e perda dos próprios países. Isso era impossível. Aliás, essa foi a razão por que no Conselho da Europa se chegou a acordo em torno de propostas mínimas e não maximalistas como estas do Partido Comunista.
Quanto ao segundo projecto de lei devo dizer, Sr.ª Deputada, que se me afigura completamente inútil por isto: a actual comissão revisora do Código do Processo Penal, cujos trabalhos estão em estado relativamente adiantado, tem normas que absorvem, de forma integrada - num diploma fundamental como é o Código do Processo Penal - a indemnização das pessoas, ilegal e injustificadamente detidas ou presas preventivamente.
Portanto, não há necessidade de estarmos aqui a fazer legislação extravagante contra um diploma unitário e integrado.
Era fundamentalmente isto que queria dizer e talvez em outras figuras do Regimento eu venha a acrescentar algo mais.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.
O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-nos que os projectos de lei apresentados, em especial o projecto de lei n.º 428/III e o projecto de lei n.º 429/III, contêm, efectivamente, matérias da maior importância. Eles não só se inserem no princípio contido no artigo 13.º da Constituição - funcionam em abono da igualdade, no sentido de ninguém poder ser prejudicado em razão da sua situação económica e social -, como também funcionam em abono da característica que o Estado democrático deve assumir e que não é repressiva, mas sim de protecção dos direitos e interesses dos cidadãos.
Em particular, o projecto de lei n.º 428/III «Protecção aos cidadãos vítimas de crimes», vem a acorrer a situações de flagrante injustiça e carência que diz respeito não a pessoas de situação económica privilegiada mas, pelo contrário - e, aliás, deduzo do projecto que é a isso que ele visa acorrer -, à situação de pessoas carenciadas. E todos nós sabemos que, por exemplo, no que toca em especial aos crimes de homicídio involuntário, os familiares da vítima ficam muitas vezes apenas com a possibilidade de receber uma indemnização da companhia de seguros. Assiste-se a uma situação preocupante, no nosso país, que é a da companhia de seguros jogar com o facto de ter capital na sua mão, de recorrer a todas as instâncias, e os familiares das vítimas terem de aguardar, muitas vezes, durante anos para virem a receber a indemnização a que têm direito e que corresponde a algo de fundamental na sua própria subsistência. Esta é uma situação de flagrante desigualdade económica, em que, muitas vezes, pela fome se fazem render os interessados, oferecendo-lhes uma indemnização, que eles são obrigados a aceitar porque a perspectiva da longa demora, através dos recursos, a isso os obriga!
Penso que a economia do projecto de lei n.º 428/III, nomeadamente aquilo que se contém no artigo 1.º, quanto ao adiantamento de indemnização pelo Estado, no artigo 7.º, quanto à provisão ao requerente ou no artigo 16.º, em que a fixação provisória da indemnização não visa transferir para o Estado aquilo que é uma obrigação do sujeito da indemnização, mas sim garantir o imediato recebimento provisório, por parte das vítimas, daquilo a que têm direito, se traduz numa iniciativa louvável.
Aliás, no que diz respeito ao projecto de lei n.º 429/III, parece-me também que se trata de preencher uma lacuna real, existente no nosso ordenamento jurídico.
Trata-se, portanto, de um esforço louvável e salutar por parte do partido apresentador, visto que também é sabido que se contam pelos dedos, no nosso país, as indemnizações que são arbitradas a pessoas injustamente condenadas. Para além disso, o projecto visa alargar a possibilidade de receber uma indemnização a todos aqueles que foram privados da liberdade, contra o disposto na Constituição e na lei.
Em função disto, queria pedir um esclarecimento à Sr.ª Deputada Odete Santos, ou seja, se não exclui, nomeadamente em relação ao projecto de lei n.º 428/III, a possibilidade de ser fixado o pagamento de juros, à taxa de juro bancário corrente, em relação aos obrigados a uma indemnização, a partir da decisão provisória e pelo período de tempo que medeia entre a decisão provisória e o efectivo recebimento da indemnização.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, quando há cerca de 8 dias o meu camarada José Magalhães aqui apresentou o projecto de lei sobre o acesso dos cidadãos ao Direito e aos tribunais
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compreendia-se que V. Ex.ª, porque tinha estado com o mandato suspenso, não tivesse conhecimento aprofundado do projecto.
Mas passaram 8 dias e V. Ex.ª teve tempo para ler os dois projectos hoje apresentados, embora a um deles nem se tenha referido.
No entanto, verifica-se, através do seu pedido de esclarecimento, que V. Ex.ª leu mal o projecto. E leu mal porque, se assim não fosse, teria verificado que os requisitos exigidos no artigo 2.º para a indemnização ser adiantada pelo Estado são requisitos cumulativos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - E para responder ao seu pedido de esclarecimento - que foi mais um protesto! - sobre as possibilidades económicas, diz o n.º 2 que:
É preciso provar que do facto resultou uma perturbação grave das condições de vida, proveniente de perda ou diminuição de rendimentos ou de um acréscimo de encargos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A Sr.ª Deputada dá-me licença?
A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Há pouco pensei que a Sr.ª Deputada me fosse fazer uma acusação gravíssima. Estava até a ficar um pouco atrapalhado ...
A Oradora: - Não era caso para isso. Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Perante o que diz, devo dizer-lhe que quando afirmei que este projecto de lei não respeita o princípio da subsidariedade, me refiro também a este n.º 2. E devo dizer-lhe que o li bem. Aliás, li-os todos, embora me pudesse ter escapado algum deles ou até a sistemática do diploma.
A Sr.ª Deputada sabe tão bem como eu que trabalhar com leis não é tarefa fácil.
Podia, pois, ter-me escapado alguma coisa. Mas não foi o caso deste artigo, que, além de ter lido, meditei. E é precisamente perante este artigo que lhe pergunto se um preso, que pode estar cheio de ouro, não pode sofrer uma grave perturbação nas suas condições de vida, proveniente de perda ou de diminuição de rendimentos - e que rendimentos pode ele perder!... - ou de um acréscimo de encargos ou de inaptidão para o exercício da actividade.
Pode tratar-se de uma estrela de cinema, com um trabalho altamente rentável, que sofra gravíssimas perdas no que respeita ao exercício da sua actividade profissional ou até diminuição da sua integridade física ou mental.
Não é, pois, por aqui que a Sr.ª Deputada inquina a minha objecção.
A Oradora: - Sr. Deputado, V. Ex.ª referiu-se largamente à legislação comparada, dizendo que o nosso projecto estava totalmente afastado dela. Espero, efectivamente, que o Sr. Deputado conheça a lei francesa, os seus dispositivos. Ora, comparando os nossos projectos de lei, mais precisamente este artigo, com o que consta da lei francesa, chega-se à conclusão que afinal a legislação comparada não esteve tão fora de vista dos projectos do PCP como o Sr. Deputado afirmou. Legislação francesa essa - uma vez que V. Ex.ª falou dos estrangeiros - que foi aplicada pela primeira vez, conforme foi amplamente divulgado por jornais franceses, relativamente a um português.
O Sr. Deputado afirmou também que foi para si uma decepção a intervenção de apresentação e os projectos apresentados pelo meu partido. Na verdade, tenho pena que não tenha sido V. Ex.ª, que tem obras sobre a perspectiva da vítima a apresentar na Assembleia da República um projecto sobre esta matéria. Estaria, com certeza, muito mais avalizado que eu para o fazer.
Mas o que é certo é que nem V. Ex.ª nem ninguém do PSD aqui apresentou qualquer projecto que despoletasse a discussão desta questão. Mas ainda estão a tempo de o fazer, de dar todas as sugestões, quer na generalidade quer na especialidade, para podermos dar a volta ao projecto.
É que nós reconhecemos que ele não resolve completamente o problema; reconhecemos, como disse na minha intervenção, que sofre de limitações. Daí que estejamos abertos a que V. Ex.a, com base nos estudos que fez, dê o seu contributo, pelo menos agora na discussão deste projecto de lei do PCP, para que as vítimas de crimes vejam sair desta Assembleia uma lei que as proteja devidamente.
V. Ex.ª disse ainda que, na minha intervenção, fiz considerações que não têm nada a ver com o assunto. É claro que discordo absolutamente dessa afirmação. Suponho que se refere ao que eu disse sobre as mortes causadas por agressões a tiro por parte da Guarda Fiscal, sobre o que se passa com a rede de contrabando de Setúbal e sobre a questão dos salários em atraso.
Depois de ler o seu livro A Vitima e o Problema Criminal, juraria que a sua óptica desta matéria seria precisamente abarcar o total da vida portuguesa, como se passa dentro do problema criminal, e chegar a estas mesmas conclusões. É isso, Sr. Deputado, que decorre das suas obras.
Mas V. Ex.ª está, hoje, nessa bancada com uma certa capa de político e uma determinada veste e é óbvio que estas afirmações, que foram feitas, não lhe são gratas.
Estamos na verdade, Sr. Deputado - creio que isto V. Ex.ª aceitará -, no meio de um problema que é grave e que merece uma solução rápida desta Assembleia, através de legislação adequada.
As vítimas são pessimamente atendidas nas esquadras da Polícia, nos postos da GNR.
E no que toca às mulheres, quando se vão queixar de crimes sexuais ou de agressões cometidas pelos companheiros ou pelos maridos, nem é bom falar porque, quando lá chegam, são elas as únicas culpadas.
Ora, tudo isto tem de ser alterado no nosso sistema.
Disse o Sr. Deputado que está a proceder-se à revisão do Código do Processo Penal. Nós já o sabemos. Mas acontece que esta Assembleia tem estado totalmente alheada dessa matéria, não tendo quaisquer informações, o que, realmente, é inqualificável, pois enquanto nós contribuímos, à luz do dia, com propostas que, tal como V. Ex.ª reconheceu, não representam pouco em relação à reparação estadual, o que quer dizer que se trata de uma proposta positiva. Mas, dizia eu, enquanto nós o fazemos, a comissão do Governo, longe de tudo e de todos, trabalha às escuras, não se conhecendo quais as suas propostas, que muito gostaríamos de conhecer.
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Q Sr. José Magalhães (PCP): - É um escândalo!
A Oradora: - Para terminar, Sr. Deputado Costa Andrade, devo dizer-lhe que há muito mais a debater nesta matéria e, embora V. Ex.ª nada tivesse dito em relação às várias propostas que apresentamos e que estão concatenadas no âmbito do Direito Processual Pena!, do Civil e do Penal, espero que dê o seu contributo valioso para que esta Assembleia legisle sobre estas matérias por forma a reparar as injustiças de que as vítimas têm sido objecto.
Quanto ao Sr. Deputado Raul e Castro, pareceu-me que estava de acordo com a filosofia dos dois projectos. Referiu-se concretamente ao projecto das prisões legais.
Quanto à pergunta que me fez, parece-me que a questão dos juros é matéria a ponderar, em sede de discussão na especialidade, pelo que a levaremos em conta.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para citar uma expressão que há pouco foi utilizada nesta Câmara pelo meu colega de bancada, Sr. Deputado Augusto Seabra, «um gato é um gato, uma obra é uma obra, uma teoria é uma teoria, um projecto de lei é um projecto de lei»...
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E a coerência é a coerência!
Risos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E a incoerência é a incoerência!
Risos.
O Orador: - Sr. Presidente, estou a ser «roubado» no tempo e gostaria que tal facto fosse tomado em conta. ..
Risos.
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de não dialogarem.
O Orador: - O ser é o ser, o não ser é o não ser, etc. - não sou especialista em Hegel...
Risos.
... que já nos criaria aqui particulares .complexidades entre ser e não ser e, portanto, deixemo-nos disso!
Um projecto de lei é um projecto de lei, mas não é com um projecto de lei destinado a resolver um problema num dado enquadramento teórico - e comecei por referir que dava de barato que as concepções teóricas da Sr.ª Deputada estariam correctas, assim como dava de barato que estariam correctas as concepções vitimológicas - que se resolve esse problema. Em nome de quaisquer concepções teóricas, não posso dizer que este projecto de lei - que é mau e que é inadequado - é bom.
Também não posso deixar de dizer que a Sr. Deputada teceu imensas considerações que nada têm a ver com a questão que neste momento estamos a abordar.
A Sr. ª Deputada referiu-se às vítimas e depois à pancriminilização e disse que em certos casos era necessário protestar contra as libertações, mas noutros casos deu a entender que as vítimas eram umas «coitadas». Aliás, o PCP, quando, por exemplo, se discutiu a Lei de Segurança, já deu provas manifestas de total indiferença perante vítimas de certa criminalidade, da criminalidade potencialmente mais vitimogénea e mais gravemente vitimogénea.
Também não é verdade que no pedido de esclarecimento que formulei me tenha referido apenas a um dos projectos de lei, pois referi-me aos dois: a um deles considerei-o totalmente inútil - e mantenho essa posição - e em relação ao outro disse que a ideia era boa.
Creio, pois, Sr.ª Deputada, que esta não será a altura apropriada para estarmos com galhardetes pessoais. Estamos aqui numa Câmara política onde assumo as minhas posições em nome de juízos políticos, mas outra será a sede para tratarmos de outras questões. No entanto, devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que em termos de coerência não me fere minimamente o facto de ter defendido o que defendi e fazer o juízo que fiz em relação a estes projectos de lei. Foi precisamente em nome dessas concepções que fiz este juízo sobre estes projectos de lei.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra a Sr. Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, entendi o protesto que V. Ex." formulou como um pedido de desculpa pelo facto de não ter apresentado antes um projecto de lei sobre as vítimas de crimes. Está, pois, desculpado, Sr. Deputado!
Contudo, devo dizer que no protesto que formulou V. Ex.ª fez afirmações que não são verdadeiras, porque nós nos preocupamos com todas as vítimas. Porém, o que não admitimos é que, em nome da guerra ao crime que este Governo não faz - e foi isso que demonstrei na intervenção que produzi -, venha a apresentar-se a esta Assembleia uma proposta de lei que classifiquei de repressiva e ultraliberticida.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Como criminalista que é, o Sr. Deputado também sabe muito bem que não é com aquela proposta de lei que se vão atacar os índices de criminalidade que, aliás, o Governo vem dizendo que aumentaram, mas ouvimos comandantes da Polícia, como ainda recentemente ouvimos membros da PSP de Setúbal, dizerem que não houve aumento de criminalidade. Nesse sentido, temos de chegar à conclusão que afinal isso é dito apenas para justificar uma proposta de lei que é repressiva, para justificar que em nome dela se vá atacar o «inimigo público n.º l», que é aquele que está contra o Governo. Essa foi, pois, a posição que tomámos face à proposta de lei de Segurança Interna.
Toda a política deste Governo - e é de um ponto de vista global que tem de ser encarada, analisando afirmações sobre índices de criminalidade, analisando a política económica do Governo, que conduz ao desemprego, que incentiva o desemprego, que até quer poupar os empresários de se apresentarem à falência dizendo aos trabalhadores que os apresentem eles que depois recebem 4 meses de ordenado - cria as condi-
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coes favoráveis para que o crime aumente e para que as vítimas aumentem
Ora, Sr. Deputado, perante este panorama da política portuguesa é urgente que se legisle sobre isto, é urgente que se façam reformas amplas nesta Assembleia - e não as escondidas - em matéria de Direito Penal, de Direito Processual Penal e Direito Civil É, pois, urgente que se faça tudo isso para que tenhamos uma máquina da justiça com tempos de resposta adequados aos cidadãos para que se faça justiça
Vozes do PCP: - Muito bem'
O Sr Presidente: - Srs Deputados, está encerrado o debate sobre a apresentação destes dois projectos de lei e vamos passar à discussão do projecto de lei n.º 196/111, apresentado pela UEDS, que amnistia as infracções disciplinares nos órgãos de comunicação social
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado João Paulo Oliveira
O Sr João Paulo Oliveira (UEDS)- - Sr Presidente, Srs Deputados- A UEDS submete hoje à apreciação desta Câmara o projecto de lei n º 196/III, sobre amnistia às informações disciplinares nos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado ou directa ou indirectamente dependentes do seu controle económico, por coincidência, que espero seja feliz, quando passam 10 anos, completados anteontem, sobre a entrada em vigor da uma decisiva conquista democrática a Lei de Imprensa
Não obrigarei os Srs Deputados a perderem muito tempo com a explicitação das razões que nos levam a propor a medida de clemência e de justiça constante deste projecto de lei Elas são, na verdade, de elementar clareza e, ouso dizê-lo, de indiscutível carácter
O projecto de lei retoma, aliás, no seu espirito, uma iniciativa parlamentar de 1983 subscrita por deputados de todas as bancadas, designadamente, sem que a menção signifique, como e óbvio, menor apreço pelos restantes, por dois ilustres democratas desta Câmara Teófilo Carvalho dos Santos e Nuno Rodrigues dos Santos
O artigo 39 º da Constituição da Republica consagra a salvaguarda da independência dos meios de comunicação social pertencentes ao Estado perante o Governo e a Administração Pública, e assegura a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião nesses meios de comunicação social
É óbvio que sem esta última garantia, sem a protecção do pluralismo ideológico e político, a aludida independência dos meios de comunicação social do Estado ficaria seriamente diminuída; e óbvio também que essa garantia decorre do artigo 37 º da Constituição, designadamente do seu n º l, que a todos reconhece o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento, direito que, segundo o n. º 2 do mesmo artigo, não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura, e do artigo 38.º que, no seu n.º 2, consagra a liberdade de expressão e criação dos jornalistas Poder-se, numa palavra, que a salvaguarda do pluralismo ideológico e político neste sector se confunde com a própria essência democrática da Constituição da Republica, com a própria essência da democracia
Pois bem, em muitos processos disciplinares instaurados em órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, confunde-se o legítimo exercício das liberdades constitucionalmente consagradas com a prática de uma infracção disciplinar comum a que se não pode, naturalmente, associar a postergação dos referidos direitos, sendo difícil distinguir o real objectivo do presumível ilícito Tem-se feito, por vezes, de alguma irreverência no exercício do direito da crítica (e que seria de nós, da democracia, Srs. Deputados, se a irreverência morresse?) o cavalo de batalha dos processos disciplinares; na realidade, todavia, pune-se do mesmo passo o exercício de liberdades constitucionalmente consagradas, afectando-se, deste modo, o pluralismo ideológico e político que deve reinar na comunicação social do Estado
Sr Presidente, Srs Deputados O projecto de lei que a UEDS submete a vossa apreciação não visa julgar quem quer que seja, propõe-se, tão-só, uma amnistia Trata-se, por conseguinte, de uma medida de clemência e de justiça (que exclui expressamente crimes públicos não amnistiados e infracções gravemente ofensivas do senso moral), de exercitar a tolerância, o respeito pelas opiniões alheias, traço distintivo, e dos mais nobres, do ideário democrático
Trata-se de contribuir para estabilizar e pacificar os meios de comunicação social do Estado Trata-se também, e finalmente, de propiciar melhores condições aos meios de comunicação social do Estado para participarem, como lhes compete, nas tarefas da construção da democracia
Sr. Presidente, Srs Deputados permitam-me que desde já manifeste a minha convicção de que a iniciativa da UEDS merecera de todas as bancadas um voto favorável. Na sua simplicidade e no seu estrito alcance, circunstâncias das quais será, evidentemente, despropositado inferir uma menor dignidade da questão em apreço, votaremos uma medida que enobrecera esta Câmara, do mesmo modo que estaremos a velar, como e nosso dever, pelo cumprimento da Constituição da Republica
Aplausos da UEDS, do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Narana Coissoró.
O Sr Narana Coissoró (CDS) - Sr Presidente, Srs Deputados O projecto de lei n º 196/III, relativo a amnistia as infracções disciplinares nos órgãos de comunicação social representa uma iniciativa inovadora no nosso pais, porquanto é pela primeira vez que se submete à consideraçâo da Assembleia legislativa o problema de decidir se deve ser introduzida em Portugal a amnistia por infracções disciplinares cometidas no âmbito do direito laboral - que, como se sabe, e direito privado especial
Na verdade, os trabalhadores das empresas públicas da comunicação social estão submetidos aos contratos individuais de trabalho, inteiramente disciplinados pela legislação laboral tal como nas empresas privadas, pelo que a amnistia proposta pela UEDS vem franquear as portas para a invasão pela Assembleia da República do poder das entidades patronais de sancionarem, nos termos da lei, o incumprimento pelo trabalhador dos seus deveres jurídicos ou obrigacionais.
Todavia, se o projecto em discussão e original no sistema jurídico português, tem antecedentes na legislação comparada a lei francesa da amnistia de 4 de Agosto de 1981, transbordando os limites tradicionais
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das infracções penais, estendeu o seu campo de aplicação a lês faits retenus comme motifs dês sanctions prononcées par un employer com o objectivo político de beneficiar todos os trabalhadores, incluindo os do sector privado. Esta lei levantou uma enorme celeuma na Assembleia Nacional e na opinião pública francesas, como se pode verificar na edição de 15 de Abril de 1981 do Lê Monde e série de artigos nas revistas especializadas, designadamente nas colunas de Droit Sociale. Compreende-se bem esta reacção: a amnistia é «um acto de clemência que impedindo o procedimento punitivo e destruindo efeitos da infracção, vota ao esquecimento perpétuo certos factos puníveis, genericamente determinados na lei que concede a mercê, e anteriormente cometidos». É o que os antigos chamavam a «lei do esquecimento, para todo o sempre», dos factos sobre que recaia e daí a designação de amnistia. Ela visa, em primeiro lugar, um apaziguamento social destruindo os factos puníveis ou perdoando as penas já aplicadas quando a amnistia das infracções é acompanhada do perdão geral. Mas uma coisa é o órgão legislativo retirar uma infracção concreta do mundo do direito e outra é destruir os efeitos que tal facto tenha provocado nas relações civis entre o autor do acto delituoso e as vítimas desta conduta, que podem sofrer importantes danos patrimoniais e morais. Daí que em todas as leis da amnistia se encontre sempre consagrado o princípio de que a amnistia não prejudica os direitos de terceiros. Os direitos das pessoas tuteladas pelo direito privado não são compreendidos nesta aplicação da amnistia, que assim sempre poderão judicialmente fazê-los valer para efeitos de reparação ou indemnização. Se se considerar que a infracção disciplinar é uma falta contratual na execução do contrato de trabalho, que pode causar danos à entidade patronal a amnistia das infracções disciplinares laborais entra já no domínio historicamente vedado a este tipo de providências, com manifesto prejuízo para os cidadãos ofendidos.
Poder-se-á dizer e, com certa razão, que nas empresas de comunicação social estatizadas a entidade patronal não é vítima da infracção, e compete ao legislador apreciar se o interesse público exige em certas circunstâncias, o abandono da repressão, com vista à protecção do interesse político e social. Estou de acordo com esta tese, mas também não posso deixar de sublinhar que, com semelhante medida, abre-se um precedente para publicitar as sanções disciplinares do direito privado, desbravando caminho para uma visão insti-tucionalista da empresa, concebida esta como um corpo social, cujo bom funcionamento tem de ser sancionado pelos poderes públicos. Talvez por isso, para evitar os excessos desta intromissão do legislador no âmbito das empresas privadas, o artigo 14.º da referida lei francesa tenha expressamente excluído a possibilidade da reintegração dos trabalhadores despedidos por efeitos da amnistia.
O projecto de lei que estamos a debater circunscreve o seu âmbito aos trabalhadores das empresas pertencentes ao sector público da comunicação social devendo, por isso, ser incluídas, segundo comentam Vital Moreira e Gomes Canotilho em anotação ao artigo 39.º da CRP as empresas «em que o Estado ou outra entidade pública detenha uma posição dominante no capital da empresa editora».
Ora, se a Assembleia da República, no uso da sua competência legislativa pretende amnistiar certas e determinadas infracções disciplinares cometidas desde a entrada em vigor da Constituição da República, não se compreende que vá privilegiar alguns trabalhadores - os que trabalham em certas e determinadas empresas - em detrimento dos demais sujeitos à mesmíssima legislação de trabalho. Diferentemente do indulto que consiste num acto de clemência individualizada, a amnistia tem o caracter de generalidade próprio das leis, sendo vedado ao legislador ordinário privilegiar ou beneficiar alguns trabalhadores ou grupo de trabalhadores em prejuízo dos demais, sem que se descortinem razões objectivas para esta discriminação de situações. A amnistia deve visar uma generalidade de cidadãos, independentemente das pessoas dos infractores ou das circunstâncias ou qualidades particulares que lhes concirnam. Por isso, temos como certo que este projecto está inquinado de inconstitucionalidade material por aberta violação do preceituado no artigo 13.º da CRP, porquanto deixa de fora, primeiro os trabalhadores da comunicação social do sector privado, e depois todos os outros trabalhadores do País que tenham incorrido também na mesma infracção. Por outro lado, o projecto de lei da UEDS esgota-se em amnistiar as infracções disciplinares ali referidas, sem se pronunciar sobre as penas aplicadas e cumpridas pelos infractores, aplicadas em processo disciplinares instaurados desde a entrada em vigor da CRP, maxime a pena de despedimento com justa causa. É doutrina e jurisprudência assentes, entre nós e lá fora, que os diplomas de concessão de amnistia são leis de excepção que não podem ser aplicadas fora dos seus precisos termos. Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça «a amnistia deve ser aplicada nos precisos termos em que foi concedida, sem ampliações que seriam abusivas, mas também sem restrições que seriam odiosas».
Na esfera do direito disciplinar é nosso direito positivo que a amnistia não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da pena (assim dispõe o § único do artigo 565.º do Código Administrativo e o n.º 3 do artigo 11.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários). Na doutrina o professor Marcelo Caetano ensina:
A lei que concede a amnistia pode referir-se a infracções ainda não punidas ou a penas aplicadas. Quando se refira a faltas, cessa a responsabilidade disciplinar dos arguidos pela comissão de algumas delas, devendo arquivar-se os processos em curso e pôr termo à suspensão preventiva que tenha neles tido origem, com reparação de vencimentos como no caso de absolvição. Amnistiadas penas aplicadas e que estejam a ser cumpridas, cessam os efeitos ainda não produzidos mas ficam intactos os já passados.
E acrescenta:
São raros os casos de amnistia das penas expulsivas, pois só há memória de serem decretadas para as aplicadas por infracções de carácter político, originando a reintegração dos demitidos ou a passagem destes à situação de aposentados (Manual .... 9.º ed. pp. 845-6).
O parecer da Procuradoria-Geral da República, tirado em 14 de Janeiro de 1953 diz:
O fundamento da amnistia não se encontra na ilegalidade do acto de punição dos factos amnistiados, mas na conveniência política de os lançar
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no esquecimento, fundamento que é manifestamente insuficiente para se impor a reparação de vencimentos de que tenha sido privado em consequência dos factos amnistiados.
Conclui-se, portanto, que o projecto de lei apenas pretende lançar no esquecimento perpétuo as infracções, e não as penas que tenham sido aplicadas aos factos que seriam objecto da amnistia.
Circunscrito às infracções ali especificadas, o projecto vê ainda mais limitado o seu campo de aplicação, se tivermos em conta o disposto no n.º 6 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75 conhecido por Lei dos Despedimentos: Lê-se ali:
Entre as circunstâncias (para a apreciação da justa causa entenda-se) deve ser incluído o facto da entidade patronal praticar actos que revelem não o considerar perturbador das relações de trabalho, nomeadamente deixando correr desde essa verificação ou conhecimento até ao início do processo disciplinar um lapso de tempo superior a 30 dias.
Parte-se da presunção legal de que a entidade patronal se adaptou ou se conformou com o facto originariamente ilícito, mantendo intactas a relação de trabalho pelo decurso do tempo.
Se assim é, a proposta de amnistia pouco vai beneficiar, restringindo-se aos casos em que a infracção foi praticada nos últimos 30 dias, ou aqueles raríssimos casos em que tendo tido lugar há mais tempo os empregadores «só nos últimos 30 dias tomaram deles conhecimento» e, finalmente, aquele outros que são objecto de processo disciplinar pendente. Justificarão estes casos, Srs. Deputados da UEDS, tão reduzidos em número e tão próximos da entrada em vigor uma medida tão importante como a lei da amnistia, que a Assembleia da República deve sempre parca e judiciosamente aprovar. Temos para nós como aconselhável a resposta negativa.
Concluindo: pela inconstitucionalidade material de que padece, pelo precedente que constituiria a imiscuição do Parlamento no direito disciplinar laboral, e pelo muito reduzido número de casos que caberiam na esfera da sua aplicação, retirando-lhe o carácter genérico para beneficiar ao fim e ao cabo, apenas alguns trabalhadores, que, mesmo assim, não veriam destruídas as penas sofridas, o Grupo Parlamentar do CDS não pode dar o seu voto favorável a esta proposta de lei.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Narana Coissoró, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, diria que, mais do que um pedido de esclarecimento, se trata de uma precisão, que julgo útil ser feita.
O Sr. Deputado disse que a UEDS tomou uma iniciativa inovadora trazendo, pela primeira vez, esta questão ao Parlamento da República. Ser-nos-ia agradável esse papel de inovadores, mas a precisão que eu queria fazer é a de que a nossa iniciativa não é inovadora; não é a primeira vez que é trazida a esta Assembleia, pois foi aqui trazida anteriormente e, até, com a assinatura de dois companheiros da sua bancada, o Sr. ex-Deputado Carlos Robalo e o Sr. Deputado, actualmente em funções, Prof. Adriano Moreira. Portanto, a iniciativa poderá ser inovadora e, se é, foi nessa altura, pela mão, entre outros deputados, desses seus dois companheiros de bancada. Se há alguma coisa nova é a argumentação agora aduzida pelo CDS, nomeadamente em matéria de constitucionalidade da disposição que, curiosamente, antes nem sequer aflorou.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, estão inscritos outros Srs. Deputados para lhe formularem pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou só no final?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Respondo no final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, em relação à intervenção que acabou de produzir, e que a nossa bancada escutou com toda a atenção, coloca-se-nos um conjunto de questões, que eu sintetizaria em duas, para podermos ser mais céleres na discussão desta matéria.
Sr. Deputado, ouvi toda a sua intervenção, os juristas e os constitucionalistas que citou e, em primeiro lugar, gostaria de saber, em concreto, o que pretende o CDS ao fazer essa intervenção.
Uma segunda questão é a seguinte: o CDS tem alguma proposta que permita superar a situação difícil que está criada?
Já foi aqui dito que, em 1982, uma iniciativa conjunta de todos os partidos desta Assembleia tinha permitido resolver um conjunto de situações, elas próprias bem delimitadas e que se afiguravam a todos de flagrante injustiça. Parece que hoje o CDS pensa de outra maneira.
Gostava de lhe perguntar se tem alguma medida concreta a propor ou se, nesta sede, em que estamos apenas a discutir o projecto na generalidade, o CDS se propõe, pura e simplesmente, votar contra.
O Sr. Presidente: - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Narana Coissoró, queria apenas fazer-lhe uma pergunta: estará V. Ex.ª disposto a aceitar que, em sede de comissão especializada, venha a melhorar-se este projecto de amnistia, propondo o Sr. Deputado alterações no sentido de algumas das dúvidas suscitadas durante a sua intervenção?
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Naturalmente que os Srs. Deputados Lopes Cardosos e Jorge Lemos têm razão quando dizem que a iniciativa não é inovadora e que, em tempos, dois deputados do meu grupo parlamentar teriam subscrito uma iniciativa conjunta no mesmo sentido.
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Quando disse inovadora, pretendi referir-me ao debate e não ao projecto apresentado à Assembleia da República, porque tal projecto não chegou a ser aqui discutido. Portanto, ao dizer inovador referia-me ao debate.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, queria apenas corrigir o que acabou de dizer, pois o projecto foi debatido nas sessões de 14 e 16 de Abril de 1982, se a memória me não falha. Mas foi debatido.
O Orador: - De qualquer modo, se não é inovador, peço licença para retirar que é inovador.
Quanto à assinatura, devo lembrar que essa assinatura, aposta pelos deputados do CDS - e toda a gente sabe isso -, não o foi em representação do grupo parlamentar. Este problema foi debatido no grupo parlamentar, deu-se inteira liberdade de voto aos deputados, no sentido de todos quantos quisessem assinar o projecto o fizessem. Aliás, ainda hoje, o meu grupo parlamentar tem inteira liberdade para votar como entender esta medida de clemência.
De resto, estou perfeitamente lembrado de, nessa altura, ter sido abordado por deputados de outras bancadas, que tinham tomado a iniciativa do projecto, e de ter dito que não assinava porque, segundo a minha consciência jurídica, me parecia que aquilo não podia proceder.
Sucede que expus, então - como ontem o fiz -, os meus pontos de vista ao grupo parlamentar. E o meu grupo parlamentar, votando maioritariamente, deu-me cobertura para eu expressar, em nome do CDS, os meus pontos de vista. Isto não quer dizer que haja disciplina de voto e, muito menos, numa perspectiva de clemência por este tipo de problemas. Simplesmente, como jurista que sou, os problemas que aqui trago são, para mim, problemas fundamentais.
E passo a responder ao Sr. Deputado Jorge Lemos, que me perguntou o que é que eu pretendo. Pretendo que determinada concepção histórica da amnistia só seja modificada quando haja razões muito poderosas para o fazer, com todas as cautelas necessárias, e que não seja posto em causa o princípio de ser vetado aos parlamentos imiscuírem-se na vida disciplinar e laboral das empresas. É que nós não sabemos onde isto poderá ir parar. Com efeito, quanto à lei da amnistia que aqui citei, as mesmas cautelas que o legislador francês tomou e, apesar de as ter tomado, surtiram efeitos muito maus. E eu não queria que isto se repetisse em Portugal.
Se me pergunta se eu acho que o Parlamento não pode nunca imiscuir-se na vida interna das empresas, digo-lhe o seguinte: pode e deve, mas tem de ser em casos suficientemente estudados, com todas as precauções iniciais, esperando pela ciência e por uma boa doutrina, esperando, enfim, que estas coisas se façam com todas as cautelas jurídicas e políticas necessárias.
Não podemos correr atrás de foguetes, não podemos correr atrás de benevolências' e, da maneira como este projecto está apresentado - digo-o, sinceramente -, nenhum tribunal o entenderá para beneficiar aqueles que se querem beneficiar, porque não há tribunal português - nenhum - que vá aplicar este projecto de lei para extinguir penas já cumpridas, nem há nenhum tribunal português que vá aplicar este diploma aos fins que a UEDS pretende.
Por isso, achei ser meu dever - posso estar certo, posso estar errado - não enganar pessoas, porque as pessoas podem ser enganadas, pois podem estar certas de que este projecto de lei vai beneficiá-las e, depois, verem cair, desabar sobre elas, uma negação de justiça, que elas julgavam ser justiça, dizendo que elas não podem ser reintegradas com este projecto.
Deus queira, se este projecto de lei passar, que eu não tenha razão, mas estou sinceramente convicto de que com este projecto não se vai aproveitar as pessoas para efeito da sua reintegração. Eu citei já doutrina, a Procuradoria-Geral da República, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, isto é, tudo... E, digo sinceramente, as pessoas que julgam que com este projecto de lei lançam para o esquecimento perpétuo a sua pena já cumprida não terão este benefício.
Em segundo lugar, quero também dizer que - respondendo agora ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca - pouco poderei dar do meu contributo quando ele é contra a minha consciência, isto é, como jurista é contra tal participar na intromissão do Parlamento nas empresas privadas. Esta é a minha posição e por isso estou nesta bancada, bem como, por essa razão, não queria publicitar o processo disciplinar nas empresas.
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos {PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, a sua intervenção continua a espantar-me, porquanto V. Ex.ª sabe tão bem como nós que o que, neste momento, está em causa é o facto de a Assembleia da República ter de ser chamada a pronunciar-se e a tentar introduzir correcções nos «aleijões» atentatórios da legalidade democrática que foram praticados por determinadas administrações de órgãos de comunicação social do sector público e que se mantêm. O que é mau, Sr. Deputado Narana Coissoró, é que tenha de ser a Assembleia da República a fazer isto, porque o que se deveria fazer é que tivessem já sido corrigidas pelas próprias administrações, designadamente pelo actual Governo que as nomeou, situações como as que ainda se mantêm. Isso é que é anómalo! Não nos venha agora o Sr. Deputado Narana Coissoró tentar encontrar vícios de forma para inviabilizar uma medida que, abrangendo um conjunto restritíssimo de situações, visa repor alguma legalidade ali onde ela foi vilipendiada por ilegalidades cometidas por responsáveis por esse sector. É somente isto que está em causa, Sr. Deputado Narana Coissoró.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, muito rapidamente começaria por dizer a V. Ex.ª que quando referi há pouco a assinatura de dois companheiros seus no projecto de lei anterior, não o fiz no sentido de vir chamar aqui à responsabi-
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lidade o CDS exigindo-lhe qualquer coerência. Não era esse o meu objectivo. De resto, devo dizer que não tenho da coerência um juízo estreito que me possa levar a criticar até uma alteração de votação se para isso houver razões fundamentadas. Fi-lo apenas no sentido de sublinhar, por um lado, o carácter não inovador deste projecto e, por outro, acentuar também que se inovação houve, ela foi, de certo modo, universal em termos desta Assembleia, na medida em que foi assumida por deputados de todas as bancadas e de todos os sectores. Mais nada!
Quanto à questão de o Sr. Deputado Narana Coissoró atribuir à UEDS a preocupação de fazer um projecto com destinatário, segundo a qual, no fundo, estaríamos até errados porque não atingiríamos os nossos objectivos e verificar-se-ia que o destinatário não receberia o nosso projecto, devo dizer-lhe que isso a nós não nos preocupa nada, justamente porque nós com o projecto de amnistia pretendemos contemplar situações e não indivíduos. Se os indivíduos não se enquadram eventualmente na situação que nós entendermos contemplar é um problema profundamente secundário para a UEDS, não sendo esse o que nos preocupa.
Pretendemos contemplar uma situação bem ou mal e se há, porventura, indivíduos que não se enquadram nessa situação, dir-lhe-ei que não é esse o nosso problema porque não era esse o nosso objectivo.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, não sei se devo contraprotestar ou, antes, aplaudir o Sr. Deputado Jorge Lemos porque, efectivamente, o que ele vem dizer é aquilo que eu digo, isto é, compete às administrações exercer e rever o poder disciplinar e as penas disciplinares. Portanto, se o Sr. Deputado acha que são as administrações das empresas que devem rever o procedimento disciplinar - e é a elas que cabe, em primeira linha, estatuir sobre os possíveis danos causados pela actuação dos seus trabalhadores - estou inteiramente de acordo porque acho que é às empresas que compete o poder disciplinar, bem como revê-lo e modificá-lo. Agora, se o Sr. Deputado afirma que as administrações de órgãos de comunicação social criaram «aleijões» na legalidade democrática _ pelo que o Parlamento deve intervir, quanto a isto digo «não», na medida em que à face da nossa Constituição, da nossa lei foi ao poder judicial que foi dado o controle dos despedimentos.
Se o Sr. Deputado Jorge Lemos acha que os nossos tribunais de trabalho não funcionam quando têm o encargo de «caçar» os despedimentos que sejam ilegítimos, eu, pelo contrário, pessoalmente não penso assim. Na verdade, tenho respeito pelos tribunais do meu pais e acho que a fiscalização judicial dos despedimentos está muito bem entregue e não é ao órgão legislativo, isto é, ao Parlamento, que deve caber a usurpação dos poderes que foram entregues aos tribunais, porque é a estes últimos que cabe, em cada caso, curar os «aleijões» na legalidade democrática. Para nós, ao Parlamento cabe fazer leis e não curar os «aleijões» de A, B, C, e D, criados por esta ou aquela administração.
E aqui volto, outra vez, por causa da questão do «fazer as leis» ao Sr. Deputado Lopes Cardoso. Quando eu disse que esta lei não satisfazia os destinatários, foi na sequência do meu raciocínio lógico, pois demonstrei que esta lei restringe em muito o campo da sua aplicação, que só seria aplicável aos trabalhadores que tivessem cometido a infracção 30 dias antes da entrada em vigor da lei - não sei se V. Ex.ª chegou a ouvir com atenção aquilo que eu disse, porque, talvez, seja demasiado árido o tema do Direito ou as considerações jurídicas - e, por outro lado, seria aplicada aos processos pendentes que não foram ainda julgados por infracções anteriores a esses 30 dias. Devo dizer que fazendo uma pequena pesquisa - tanto quanto foi possível efectuá-la -, não encontrei nenhum caso de processo pendente nas empresas de comunicação social por causa desta infracção, mesmo desvirtuada como a vossa apresentação disse ou considerou.
Quanto aos processos nos últimos 30 dias nada sei. Naturalmente, até se podem dar infracções hoje, amanhã, depois de amanhã que perfaçam este prazo. Por isso, não falei em destinatário A, B ou C. Teoricamente, à face do vosso projecto de lei, os destinatários devem ser um, dois ou três que vão praticar infracções nos próximos dias ou que praticaram nos 30 dias anteriores. Foi esse o sentido que dei.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado, de facto, a nós não nos preocupa o número dos destinatários. O que nos interessa são as situações. Portanto, quanto a mim, o argumento numérico parece-me que não colhe. Supúnhamos que estávamos perante uma situação de flagrante injustiça - e penso que não se pode pôr em causa o direito constitucional desta Assembleia deliberar em matéria de amnistia - que atingia apenas um indivíduo. Seria menos injusta a situação? Que a injustiça das situações mede-se em termos quantitativos e exclusivamente pelo número de sujeitos que são objecto dessa injustiça? Para mim, bastar-me-ia que houvesse um caso de injustiça para continuar a ser uma injustiça que merecia reparação, independentemente de saber se há ou não injustiça. Portanto, na teoria o número também nos interessou pouco e justamente por isso, não fizemos nenhum cálculo para fazer se era l, 100 ou 2000 indivíduos.
O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, se for somente um indivíduo atingido, perde-se o carácter de generalidade, que é próprio das leis. A lei estaria viciada porque não abrangeria a generalidade das pessoas, sendo, antes, dirigida intuitu personae a uma pessoa. Mas, de qualquer modo, há outros institutos para estes casos concretos - como seja o chamado indulto - que servem exactamente para dissipar as penas e extingui-las, não sendo preciso o canhão da amnistia para matar um «ratinho» de um caso ou dois.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Um ratinho?...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Um ratão!
O Orador: - É o que quero dizer.
Ora, um caso faz-se por indulto ou por perdão, ou seja, há outros institutos para isso. Portanto, não é uma lei da amnistia que cura um, dois casos como o Sr. Deputado Lopes Cardoso acaba de dizer.
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De qualquer modo, como acabei de dizer, estaria prejudicada a generalidade da lei e acho que ninguém criticou a minha asserção de que esta lei é materialmente inconstitucional. Isto é o sinal de que nem toda a gente está absolutamente certa de que ela é constitucional e penso que esta é uma boa razão para pensarmos se vale ou não a pena aprovar uma lei inconstitucional.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, importa referir que não perfilhamos o ponto de vista do CDS de que, face a uma não actuação - como deveria ser exigível por parte das administrações -, a Assembleia se encontra manietada ou de mãos amarradas para resolver os casos onde as injustiças são patentes. Isto para que fique claro que não perfilhamos os pontos de vista do CDS...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito obrigado Sr. Deputado.
O Orador: - ..., agora referidos pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje o projecto de lei n.º 196/III, apresentado pelos deputados do Agrupamento Parlamentar da UEDS, que visa amnistiar as infracções disciplinares nos órgãos de comunicação social previstos no artigo 39.º da Constituição que decorram da legítima expressão da liberdade de opinião individual ou colectiva dos respectivos trabalhadores, bem como da livre afirmação das suas opções políticas e ideológicas, desde que não constituam crime público, a não ser que este se encontre, ele próprio, amnistiado.
Prevê-se ainda neste projecto que esta amnistia contemple apenas as infracções disciplinares verificadas após a entrada em vigor da Constituição da República.
Esta iniciativa, como foi já referido aqui, reproduz no essencial, ainda que com aditamentos que ajudam a precisar o objecto, o disposto no projecto de lei n.º 294/II, com idêntico objectivo, que foi apresentado à Assembleia em 1982, durante a II Legislatura na Assembleia da República, tendo sido subscrito nessa altura, por deputados de todas as bancadas parlamentares. Na altura o projecto de lei n.º 294/II foi gerador de um conjunto de lamentáveis peripécias em Plenário.
Bem importa que hoje - e os trabalhos não começaram já da melhor forma - a Assembleia da República não seja novamente confrontada com os mesmos incidentes ou outros de idêntico jaez que visem, de maneira ínvia ou de fuga às responsabilidades, protelar a discussão e votação das matérias ora em apreciação.
Em 1982, o PSD, o CDS e o PPM, coligados então na AD, tudo fizeram para que iniciativa legislativa com objectivo similar não viesse a ser apreciada pelo Plenário. Mas foi-o, tal como hoje acontece.
E bem importa que seja finalmente aprovado o projecto que em 1982 foi rejeitado com os votos contrários do PSD, CDS e PPM e os votos favoráveis do PS, do PCP, do MDP, da ASDI, da UEDS e da UDP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo nosso lado, mantemos a posição que assumimos em 1982 e iremos votar favoravelmente o projecto de lei em análise.
Não se trata, Srs. Deputados, e é bom que fique claro, com a presente iniciativa, de adoptar qualquer medida de fundo sobre o estatuto e regras de funcionamento da comunicação social do sector público (medida que seria extremamente necessária e que é urgente), mas tão-somente dar resposta a certas situações bem delimitadas, a um certo número de casos gritantes de injustiça que surgiram e se mantêm nos órgãos de comunicação social previstos no artigo 39.º da Constituição.
O que está em causa nesta momento é a adopção de uma medida pontual que permita a correcção de situações cuja legalidade suscita geral dúvida e que não devem manter-se. O que está em causa, como se diz no preâmbulo, é que:
Em muitos processos disciplinares que se têm verificado em órgãos de comunicação social, directa ou indirectamente, ligados ao Estado não se tem distinguido com suficiente clareza a concretização das liberdades constitucionalmente consagradas, e que não podem se posturgadas, das infracções disciplinares comuns, que nada têm a ver com o exercício de direitos e liberdades, que não podem ser condicionados.
Diz-se, ainda, no preâmbulo que, neste quadro «se justificam medidas de clemência e justiça, desde que na sua aplicação não estejam em causa crimes públicos ou infracções gravemente ofensivas do senso moral».
É pois disto e só disto que se trata neste momento, Srs. Deputados!
Pode-se dizer que se trata apenas de uma gota de água no oceano, que não visa, nem poderia visar, pelo seu carácter limitado, dar resposta a todas as situações de manipulação e controle da informação pelo Governo, ao arrepio das pertinentes disposições constitucionais e legais, que, tendo-se verificado com a AD, permaneceram e até mesmo se agravaram com o actual governo, PS/PSD.
Sendo mais explícito. Este projecto é necessário, mas não é o instrumento próprio para pôr fim à vasta operação de propaganda e manipulação dos órgãos de comunicação social do sector público, que se tem vindo a traduzir na existência de uma poderosa cadeia hierárquica de comando que, começando no Governo, passa pelas administrações, pelas direcções, pelas sub-direcções, e se destina a desembocar no écran televisivo ou no microfone radiofónico.
Não está hoje em apreciação qualquer iniciativa legislativa que vise dar resposta à necessária garantia de independência e de pluralismo no sector público da comunicação social, conforme determina a Constituição da República, princípios totalmente abastardados pelos partidos actualmente no poder apostados em transformar tais órgãos de informação, com especial destaque para a televisão e para a rádio, em centrais de propaganda da actividade governamental e porta-vozes da candidatura e da campanha eleitoral do Dr. Mário Soares para Belém.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está!
O Orador: - Essa campanha prima pela intoxicação, de promoção da candidatura do Primeiro-Ministro mas também pelo abafarete contra as forças políticas que se lhe opõem.
Vive-se hoje uma situação anómala de interrupção do funcionamento de direitos constitucionais dos par-
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tidos da oposição, com sonegação inconstitucional dos seus espaços e tempos de antena nos órgãos de comunicação social do sector público, cuja dimensão e duração deveriam ser em tudo iguais aos concedidos ao Governo. Não há direito de resposta, nos mesmos órgãos, às declarações políticas do Governo, como determina a Constituição da República, designadamente no seu artigo 40.º, preceito, aliás, directamente aplicável.
O projecto em debate também não visa dar resposta à actual repartição partidária dos cargos de chefia dos órgãos de comunicação social do Estado, com especial destaque para a RTP e a RDP, também, em que o que tem contado é a fidelidade aos partidos do Governo, ignorando-se a competênncia profissional e remetendo-se dezenas de profissionais competentes para as bolsas de trabalho ou para a prateleira. Nem tão pouco está em causa, neste momento e com a discussão deste projecto, a adopção das medidas legislativas que permitam repor o mínimo de legalidade, aí onde o despudor e o regabofe dos partidos governamentais foi ao ponto de repartir (como se fosse um bolo de anos) as responsabilidades dos programas informativos, atribuindo a um dos parceiros da coligação a informação diária e entregando ao outro a informação não diária, como neste momento está a suceder com a Radiotelevisão Portuguesa.
Hoje fala-se de amnistia, não se fala de todo o conjunto de situações que levou a que à qualidade e competência, para o exercício do cargo, se tivessem substituído as provas dadas de fidelidade e empenhamento no projecto de levar a Belém o actual inquilino da Gomes Teixeira.
Ficarão também de lado, e é bom que se recorde isto neste momento, se for aprovado este projecto (como deve ser!), todas as situações de marcante injustiça, como as que visam os trabalhadores de RTP, despedidos da empresa após o 25 de Novembro de 1975, cuja readmissão já foi decidida pelo tribunal competente. Muito menos está em causa dar resposta a situações como a recentemente vivida na RDP - Antena l, em que a Direcção de Informação, contrariando as decisões dos jornalistas responsáveis pelos programas informativos, decidiu cancelar entrevistas com deputados de um dos partidos da coligação, só porque essas entrevistas poderiam ser incómodas para a política governamental.
Muito menos estão em causa neste momento as decisões governamentais de decretar empresas do sector em situação económica difícil, como sucedeu na EPNC, na EPDP e no Comércio do Porto, em que se visa não só restringir direitos dos trabalhadores dessas empresas, como dar um golpe de morte às próprias empresas. O que se está a passar na EPNC - e permitam-me este parênteses - é disso um claro exemplo, com a tentativa de espartilhamento da empresa, com medidas de intimidação de trabalhadores e de violação dos seus direitos constitucionais, como seja o recurso às reformas compulsivas e outras medidas arbitrárias. O mesmo se poderia dizer quanto à ANOP, que continua sem saber, depois de ter sido declarada em situação económica difícil, em que condições vai viver no ano de 1985, já que foram rejeitadas as propostas apresentadas no sentido da inserção no Orçamento do Estado de verbas que viabilizem o funcionamento da agência no corrente ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Feitas estas precisões, convém mais uma vez referir que o que está hoje em causa é o saber se a Assembleia da República entende ou não, tomar uma medida pontual que permita a correcção de algumas (apenas algumas) situações de flagrante injustiça. Trata-se também de, no quadro de uma amnistia de contornos bem definidos e limitados, adoptar medidas de clemência que se referem as situações que só abrangem infracções de menor gravidade.
A adopção de tais medidas foi inviabilizada em 1982. Hoje a situação é diferente e os partidos que votaram favoravelmente o projecto dispõem de todas as condições para o fazer aprovar, se para tanto houver vontade política.
Trata-se também de, neste quadro, saber se se pretende, ou não, manter a coerência de posições. É algo que urge clarificar durante o presente debate e na votação que se seguirá.
Pelo nosso lado não restam quaisquer dúvidas. Tal como em 1982, iremos votar favoravelmente o projecto de lei ora em apreciação. Trata-se de uma questão de princípio, trata-se de repor a justiça aí onde ela foi abastardada.
Votaremos favoravelmente o projecto de lei n.º 196/III, que, a ser aprovado, representará um passo no caminho da urgente e necessária reposição da legalidade e da justiça.
O fim da prepotência, do arbítrio e do vezo persecutório nos meios de comunicação social do sector público, esses exigem outras e mais profundas medidas e certamente um outro quadro político!
As questões estão colocadas! Que cada um saiba assumir as suas responsabilidades, cumprindo o acto de justiça em que a. aprovação desta amnistia se deverá traduzir.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lemos, ouvi com toda a atenção a sua intervenção e esperei até ao último momento para ver se V. Ex.ª dizia alguma coisa de concreto sobre o articulado do diploma que está em debate. O Sr. Deputado fez considerações gerais e costumeiras sobre a actividade do Governo. Acompanho-o em muitas das suas afirmações, mas isso pouco tem a ver com o projecto de lei que estamos aqui a debater.
Devolvo-lhe assim a seguinte pergunta: o que é que o Partido Comunista, realmente, pretende com o voto favorável de um projecto de lei manifestamente inconstitucional?
Em segundo lugar, se V. Ex.ª é o primeiro a dizer que os dois partidos da AD tudo fizeram para não votar a referida lei de clemência, quero perguntar-lhe em que ficamos. Era o PSD e CDS que queriam a clemência, ou tudo fizeram para não haver essa clemência?
Já sei que o vosso ponto de vista, sobre a competência da Assembleia da República, é completamente diferente do nosso. O Partido Comunista sempre disse que era lícito a Assembleia da República fazer leis, por exemplo, para revogar uma portaria do Ministério da Educação, sobre um caso pontual. O nosso ponto de vista não é esse, e achamos que a Assembleia da República não deve ser vilipendiada nem «barateada» ao
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ponto de ir à «caça» das portarias do Governo. No entanto, esse é o ponto de vista do Partido Comunista Português, que nós sabemos quanto preza esta Assembleia da República.
De qualquer modo, as perguntas ficam colocadas - como V. Ex.ª costuma dizer - e espero uma resposta, pelo menos desta vez, mais concreta e mais directa àquilo que acabo de indagar.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Deputado Narana Coissoró não levará a mal que eu responda telegraficamente, porque estamos preocupados com a celeridade do debate. No entanto, tentarei responder a todas as questões que colocou.
Em primeiro lugar, tenho a dizer-lhe que não estou de acordo consigo quando fala em manifesta inconstitucionalidade. Desculpe, mas o Sr. Deputado não a demonstrou e continuamos à espera que o faça.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Deputado demonstra o contrário!
O Orador: - Quanto às sugestões técnicas que o Sr. Deputado pretendia apresentar, do nosso lado e creio que também do lado dos proponentes, há abertura para isso, ou seja, para todas as sugestões técnicas que visem dar resposta à questão das injustiças e do atropelo da legalidade que se vive e que é importante que acabe. Este é o nosso objectivo e dissemo-lo com clareza.
Quanto às situações do passado, se o PSD e o CDS tudo fizeram, ou não fizeram tudo, para aprovar o diploma similar, remeto o Sr. Deputado para a leitura dos Diários de então onde encontrará pela confirmação daquilo que acabei de dizer. Chegou-se ao ponto de substituir cerca de 30 deputados para que o diploma pudesse ser votado no sentido que os senhores acabaram por entender.
Quanto à última questão, sobre se nós estamos dispostos a trazer à Assembleia da República - ou se já o fizemos - projectos de lei para revogar actos do Governo, como portarias ou outros, quero dizer-lhe que estamos e que já o fizemos.
Quanto a nós, a lei dignifica-se se dá resposta a situações de marcada injustiça e não, apenas, por ter muitos ou poucos artigos.
Onde a justiça é violada, seja através de uma portaria, ou de medidas administrativas - como é o caso que hoje estamos a analisar -, a Assembleia da República deve assumir a responsabilidade de repor as situações que foram abastardadas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os sociais-democratas são, à partida, contra o projecto de lei apresentado pela UEDS. No entanto, não queremos excluir um aprofundamento da sua apreciação. Temos dúvidas de que essa apreciação e esse aprofundamento venham a alterar a nossa posição de partida, mas não queremos excluir essa possibilidade.
Para não me alongar, tentarei traçar muito rapidamente os princípios gerais da nossa posição. Em matéria de amnistias, nós somos contra a sua concessão, excessivamente fácil. Somos, portanto, pela restrição da concessão de amnistias, pelas razões que já várias vezes foram expostas por nós, e até por outros grupos parlamentares.
Então, quando se trata de amnistiar - e tenho dúvidas que tal acto se possa designar, para esse efeito, como amnistia - infracções disciplinares, para nós não é já uma questão de restringir a prática desses actos, mas de evitar que eles aconteçam. Esta é a nossa posição de princípio. O processo disciplinar diz respeito à organização interna de empresas ou, em termos amplos, de institutos com funcionamento orgânico hierárquico. É isso que as define e por isso existem o processo disciplinar e as infracções. Por outro lado, estão salvaguardados os princípios da justiça, porque as sanções que sejam aplicadas em processo disciplinar são recorríveis quer hierarquicamente, quer administrativamente, quer judicialmente. Aliás, os nossos tribunais têm dado sobejas provas da sua independência e da sua isenção, até nos casos concretos da comunicação social. Portanto, nesse aspecto devemos estar seguros, até em consequência das provas dadas pelos nossos tribunais.
Um outro ponto importante para nós diz respeito ao problema da independência da comunicação social. Se queremos uma comunicação social independente ela deve ser independente do poder político, e não deve precisar do poder político, até para salvaguardar os seus direitos e se recuperar das injustiças que, eventualmente, ocorram em processo disciplinar. A comunicação social, para ser independente, deve estar liberta juridicamente do Estado e também económica e financeiramente.
Temos hoje um problema grave, que diz respeito à comunicação social em geral, porque existem monopólios que pertencem ao Estado, razão agravante - é o caso da RTP.
Esta Assembleia sabe, e o País também, que nós somos contra o monopólio da RTP e que nos temos batido contra isso. Queremos e desejamos que o monopólio acabe.
Mas mesmo em relação às empresas da comunicação social, que aceitamos permanecerem no domínio da propriedade pública, entendemos que se devem acrescentar as suas garantias de independência autêntica, desde logo, aumentando as garantias de independência e de isenção, quando se trata da nomeação de gestores, e da segurança desses gestores relativamente às administrações, e também garantias quanto às condições económicas e financeiras das empresas.
as mesmo relativamente à comunicação social privada, hoje é excessivamente amplo o número de empresas que, embora privadas e independentes formalmente, estão estritamente dependentes do Estado, na medida em que têm vivido dos seus subsídios.
Somos contra tudo isso, pois pensamos que, de facto, precisamos de conseguir uma comunicação social que seja um quarto poder, que seja independente, mas não no sentido em que, por exemplo, o Partido Comunista fala: a comunicação social é independente quando fala contra os partidos que não o Partido Comunista, mas é independente mesmo que esteja ligada ao Partido Comunista. Para nós, a independência da comunicação social é no sentido absoluto e sem concessões; é independente no sentido de não estar dependente do poder político, quer do poder político privado, ou seja, dos partidos, quer, e sobretudo, do poder pó-
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lírico organizado enquanto Estado. Somos pela comunicação social enquanto quarto poder, e quando ela for independente, nos termos em que nos esboçamos, será inevitavelmente incomodativa. Uma imprensa livre será sempre incomodativa para o meu partido, para a minha bancada e, decerto, para a bancada do Partido Comunista, porque - repito-o - a nossa concepção é convictamente oposta à vossa.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tem-se visto!
O Orador: - Com efeito, para vós imprensa livre e independente é aquela que diz bem de vós e mal dos outros, enquanto que para nós imprensa livre é aquela que está liberta de condicionalismos partidários e ideológicos.
Para terminar, reafirmando a nossa posição de princípio que comecei por esboçar, nós próprios vamos requerer a baixa à Comissão deste diploma. Se o nosso requerimento de baixa à Comissão for verídico, então evidentemente que votaremos contra este projecto de lei na generalidade.
Aceitamos que haja variadas posições sobre esta matéria. Não nos amofinará o facto de outras bancadas terem sentidos de voto diferentes. Temos a nossa posição que desejamos marcar claramente: em princípio, somos contra a iniciativa legislativa da UEDS. Vamos, nós próprios, requerer a baixa à Comissão porque não queremos excluir, à partida, uma melhor apreciação, mas temos muitas dúvidas de que essa melhor apreciação nos faça mudar de opinião.
Por outro lado, a questão que está em causa é, de facto, a questão geral da comunicação social. Ora, a comunicação social só existirá no nosso país como imprensa livre e independente, como quarto poder, quando estiver liberta dos condicionalismos ideológicos ou, inclusivamente, das dependências económicas e financeiras de que, infelizmente, tem vivido em termos excessivos e inaceitáveis.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Jorge Lemos, Igrejas Caeiro, João Corregedor da Fonseca e João Paulo Oliveira.
Acontece que estamos na hora regimental do termo dos nossos trabalhos, pelo que pergunto aos Srs. Deputados se acham ou não conveniente que se prolongue a sessão por mais alguns momentos.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, suponho que só há mais uma inscrição para uma intervenção, pelo que me atrevo a sugerir que prolonguemos um pouco esta sessão, a fim de encerrarmos ainda hoje o debate sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Algum dos Srs. Deputados vê inconveniente em que se prolongue a sessão?
Pausa.
Não havendo objecções, vamos prosseguir os trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, serei muito breve para não prolongar excessivamente o debate.
Sr. Deputado Silva Marques, em primeiro lugar, gostaria de perguntar-lhe se teve o cuidado de ler o projecto de lei. Isto, porque a sua intervenção dá a entender o contrário.
O projecto de lei refere-se, designadamente, aos factos a que V. Ex.ª aludiu durante a sua intervenção, ou seja, às infracções disciplinares resultantes da livre expressão de opinião, como está previsto na Constituição da República.
A segunda questão que lhe queria colocar tem a ver com a independência.
Sr. Deputado Silva Marques, é preciso ter um bocadinho de pudor quando se fala nessa matéria. Depois do que se tem passado com o RTP, em que o vosso conselho de gerência distribuiu, tal qual referi na minha intervenção, como um «bolo de anos», as diferentes fatias, o Sr. Deputado vem dizer que o Partido Comunista é que põe em causa a independência... É preciso ter um bocadinho de pudor no que se diz, Sr. Deputado, sob pena de as pessoas já não saberem onde começa o ridículo!
Gostaria, ainda, que o Sr. Deputado clarificasse em que termos requer a baixa à comissão do diploma, para não sermos confrontados, mais uma vez, com um expediente dilatório quanto a esta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, antes de mais nada, devo dizer que me congratulo que a sua bancada não se amofine se houver votações diferentes daquela que foi por vós decidida. Aliás, posso anunciar-lhe, desde já, que o meu grupo parlamentar reuniu e, por unanimidade, decidiu apoiar o projecto de lei apresentado pela UEDS. Mas como isto não o amofina, não há amofinação na maioria. .. e ainda bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não há?!
Risos do CDS.
O Orador: - Parece-me que não, porque o Sr. Deputado Silva Marques já o disse.
As perguntas concretas que gostaria de lhe fazer resumem-se a aspectos que me pareceram mal definidos pelo Sr. Deputado.
V. Ex.ª falou (e bem!) da defesa da independência nos órgãos de comunicação social. Pergunto: pode haver perfeita independência dos órgãos de comunicação social se os profissionais que servem esses órgãos de comunicação social forem afectados na sua independência com processos disciplinares que, de algum modo, possam reprimir a sua capacidade de fazer a comunicação social que desejamos?
Pergunto-lhe também se, naquilo de que temos mais ou menos conhecimento serem as infracções disciplinares que este projecto de lei poderá contemplar na amnistia, acha que estão na base dessas infracções disciplinares graves desvios de relações laborais, isto é, se
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pensa que as relações laborais é que originaram os processos disciplinares, ou não terão sido, talvez, apenas pequenas represálias aos jornalistas, aos profissionais da comunicação social por terem usado o seu direito constitucional e legítimo de expressar a sua opinião em órgãos diferentes daqueles onde estão vinculados por leis de trabalho?
Estou de acordo consigo - e, aliás, estamos de acordo em muitas matérias - quanto à independência dos meios de comunicação social em relação ao poder político. Mas não pode, de forma alguma, confundir esse aspecto, que é defendido por todos nós, com uma intervenção legítima e constitucional desta Assembleia da República.
Fica, portanto, assente que, por unanimidade, decidimos votar favoravelmente o projecto de lei da UEDS, embora reconheçamos haver necessidade de, em Comissão, verificar o que é que haverá, como decorrência deste projecto de lei, que possa merecer a nossa atenção e, se for caso disso, que possamos, melhorar. Quanto ao seu requerimento, na altura própria trataremos dele.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Silva Marques, ainda bem que V. Ex.ª, apesar de declarar que, em princípio, está contra este projecto de lei, defende a sua baixa à Comissão, o que pressupõe que, depois de uma boa análise, talvez venha a convencer-se de que é um projecto de lei justo.
Creio que esta é uma medida estabilizadora e pacificadora, que não tem perigos tão gravosos como aqueles que o Sr. Deputado Narana Coissoró apresentou.
Mas já agora que V. Ex.ª falou na questão da independência dos órgãos de comunicação social, devo dizer-lhe que estou de acordo consigo. É evidente que a questão da imprensa e da comunicação social devia ser objecto de um debate mais profundo, mais aberto, onde tudo fosse devidamente ponderado.
O Sr. Deputado referiu expressamente - e eu assentei - que a independência só é possível desde que a imprensa seja libertada dos condicionalismos ideológicos, partidários, económicos e financeiros. Nesse caso, em relação a esta questão da independência e da libertação dos condicionalismos ideológicos e partidários, gostaria de saber como é que V. Ex.ª entende que os gestores e directores dos órgãos de comunicação estatizados sejam, normalmente, divididos por partidos, nomeadamente por aqueles que estão no Poder. Enquanto assim for, com certeza que não pode haver grande independência.
Por outro lado, indo ao encontro de V. Ex.ª quanto à necessidade de independência destes órgãos, gostaria de perguntar-lhe se está ou não de acordo que se impõe definitivamente a nomeação dos administradores, dos gestores dos órgãos de comunicação social estatizados livremente pelos trabalhadores. Como V. Ex.ª sabe, existem gestores eleitos em vários órgãos de comunicação social cuja posse ainda não lhes foi dada.
Também gostaria de saber se V. Ex.ª, tendo conhecimento de alguns processos disciplinares que existem na comunicação social, pensa ou não que a maior parte deles são ou foram fruto da liberdade de expressão consagrada na Constituição e que até, talvez, alguns deles tenham sido motivados pelo facto de os jornalistas se defenderem com o n.º 2 do artigo 37.º da Constituição, que diz: «O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.»
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado João Paulo Oliveira.
O Sr. João Paulo Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Silva Marques, como V. Ex.ª não se importará de admitir, tenho estado a fazer um certo esforço para conter esta questão, que discutimos aqui, nos seus estritos limites. Todavia, não resisto a fazer-lhe duas perguntas muito breves.
A primeira é a seguinte: mesmo quando está em causa a violação de normas constitucionais, disfarçadas de simples faltas disciplinares, V. Ex.ª entende que esta Assembleia, não obstante os poderes fiscalizadores que detém, deve «lavar as mãos» dessas questões?
A segunda é a seguinte: V. Ex.ª não acha que o projecto de lei da UEDS concorrerá para o reforço da independência, mesmo no sentido que V. Ex.ª expendeu, dos órgãos de comunicação social do Estado, que, como sabe, têm um estatuto constitucional próprio?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Respondendo ao Sr. Deputado Jorge Lemos, li o projecto, mas, em rigor, ele não diz respeito a infracções, porque, nos termos em que elas estão definidas, não são infracções.
E, se o Sr. Deputado me viesse dizer que algum tribunal as tivesse considerado infracções, dir-lhe-ía: «Que diabo, houve um tribunal que falhou!»
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - São infracções disciplinares!
O Orador: - Mas, precisamente, a questão é a contrária e, nos casos em que os tribunais têm sido chamados a dar provas de isenção, eles têm acertado.
Portanto, é absolutamente despropositado que o Sr. Deputado me pergunte se li ou não o projecto de lei. Quem não leu foi o Sr. Deputado, porque o que está no projecto não são infracções. É uma figura de literatura política - chamemos-lhe assim -, mas não é um articulado com rigor jurídico, nem sequer minimamente jurídico. Esta é a minha resposta quanto à questão da leitura do projecto.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não tem razão alguma e já vai ver porquê!
O Orador: - Agora, não nos queira é «passar gato por lebre». Por isso lhe respondi nestes termos. De facto, não estão lá infracções, porque não são infracções.
Quanto à questão de saber se são consideradas - mal - como infracções em processo disciplinar, há o recurso para os tribunais para a resolver.
Repare que o que discuti - porque tinha de ser rápido - foram duas concepções de imprensa livre. Por isso, fiz referência à vossa bancada, na medida em que ela tem a concepção oposta à nossa.
Não entrei na apreciação dos casos concretos do estado actual da comunicação social, embora lhes tenha
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feito uma referência rápida, mas não tenho a menor dúvida, se por acaso é isso que deseja ouvir da minha boca, em dizer que sim, que estão a ser cometidos imensos atropelos no domínio da comunicação social.
Costuma dizer-se com facilidade que uma forma de evitar isso seria nomear gestores não partidários. Hoje, porque o independente - o independente a sério e não o falso independente - é tão cada vez mais raro no nosso país, pergunto-me às vezes se não é preferível um partidário formalmente reconhecido do que um falso independente. Daí que a questão não seja tão fácil por aí.
Portanto, se quiser ouvir a resposta, ela é: imensas tropelias! Mas do que tenho dúvidas é de que elas se resolvam com independentes (se acaso existem), muito menos quando os independentes estão, sobretudo, do. vosso lado, embora sob a capa da independência.
Estou a expor-lhe com toda a clareza e franqueza os dados do problema. Não espere de mim respostas maniqueístas.
Relativamente ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que me colocou questões pertinentes, acabei de responder-lhe pela via da resposta ao Sr. Deputado Jorge Lemos.
Quanto à nomeação dos gestores por parte dos trabalhadores, enquanto a lei estiver em vigor ela deve ser cumprida e esses gestores nomeados.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado João Paulo Oliveira sobre se eu, como deputado, fico insensível perante a violação de normas constitucionais em sede de processo disciplinar, respondo: evidentemente que não. E a Assembleia ficará insensível? Evidentemente que não.
Mas qual é a forma de a Assembleia reagir face a essas situações? Evidentemente legislando em matéria processual, fazendo leis gerais, melhorando o condicionamento geral das instituições.
Agora, para evitar um atropelo, cometer um atropelo, à partida imensamente maior? De forma nenhuma, porque isso não seria sensibilidade, no sentido rigoroso e dentro da missão e da competência que cabem à Assembleia da República. Seria até a negação da sensibilidade, porque a nossa sensibilidade deve ser para a Nação toda. A partir do momento em que a nossa sensibilidade não é para toda a Nação, ela deixa de ser sensibilidade e até passa a ser o seu contrário.
Quanto ao Sr. Deputado Igrejas Caeiro, agrada-me imenso que também não se amofinem. Tenho a impressão de que ficou claro que o nosso requerimento é feito nos termos do artigo 150.º do Regimento, isto é, entendemos que deve haver uma baixa à Comissão antes da votação na generalidade. Disse e repeti que, se tiver lugar a votação na generalidade, votaremos contra. Não queremos é excluir, antes desse acto sagrado de aceitar ou rejeitar na generalidade, uma melhor apreciação, embora eu tenha dito que tenho dúvidas de que consigamos encontrar argumentos ou factos que venham alterar a nossa posição.
De qualquer modo, penso que, de facto, tudo continua em paz numa coligação que, aliás, tem dado as suas provas.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!
Risos do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a .palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, creio que, quanto ao facto de V. Ex.ª usar figuras como «vender gato por lebre» ou algo deste género, estará enganado. Por nosso lado, fomos extremamente claros.
Voltamos a dizer que o Sr. Deputado não leu com cuidado o projecto de lei sobre o qual se pronunciou. São infracções disciplinares no âmbito das empresas, Sr. Deputado. O que se pretende amnistiar são as situações passíveis de virem a ser consideradas infracções disciplinares ou que já o sejam. É isso que se visa com este projecto e que está cá escrito.
Quanto à independência, também creio que já estamos suficientemente conversados. Mas o Sr. Deputado - permita-me que use a expressão de um seu ex-companheiro de bancada - vem «fazer o mal e a caramunha». Por um lado, vem para aqui apregoar independência, independência, independência... mas, por outro, aproveita-se da situação que é criada pelas pessoas «metidas» à frente dos órgãos de comunicação social pelo seu partido, que está no Governo, para lhe fazer a sua propaganda política, a propaganda ao seu partido, e a propaganda presidencial de um candidato que é do seu parceiro de coligação.
Portanto, deixemo-nos de grandes loas à liberdade e o Sr. Deputado, que é de um partido que está no Governo e que tem condições para influenciar essa decisão, mostre com actos concretos que quer defender, de facto, a independência dos órgãos da comunicação social.
Finalmente, com certeza que confundiu duas palavras ou citou apenas uma. Falou nos «interesses da Nação», mas esqueceu-se da palavra «discriminação». Seria bom que também se lembrasse dela.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Oliveira.
O Sr. João Paulo Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Silva Marques, para além de concluir que V. Ex.ª tem dúvidas sobre este projecto de lei por um excesso de sensibilidade, gostaria de concluir também que, certamente por deficiência do meu entendimento, V. Ex.ª não respondeu, provavelmente porque entendeu não responder - está no seu direito, mas, mesmo assim, fazia-lhe uma insistência -, à segunda pergunta que º lhe fiz. Trata-se de saber se entende ou não que o projecto da lei da UEDS, modestamente, embora, poderá concorrer para o reforço da independência dos órgãos da comunicação social do sector público.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Relativamente à última questão do Sr. Deputado João Paulo Oliveira, evidentemente que não, na nossa opinião. Inclusivamente, corre-se o risco do efeito contrário, porque a questão reconduz-se sempre ao seguinte: e os tribunais? As sanções relativas às infracções foram recorridas - já nem digo hierarquicamente ou administrativamente, mas apenas judicialmente? O problema é este. . Portanto, não vou insistir nesse ponto.
Relativamente ao Sr. Deputado Jorge Lemos, que colocou a mesma questão, a resposta é a mesma. Fez-me uma referência muito interessante, questionando-me se não tenho capacidade de influenciar. Não ré-
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sisto à tentação de lhe responder: é evidente que tenho, Sr. Deputado, porque pertenço a um grupo parlamentar que a tem. A minha força é também a força do meu grupo parlamentar, e temos capacidade de influenciar.
Simplesmente, em democracia a influência não é um poder fora da lógica democrática do poder. Por isso, a influência está na relação directa dos votos. Estou seguro de que, a partir das próximas eleições, teremos muito mais capacidade de influenciar. Não tenha a menor dúvida.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem! O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Essa é boa!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento subscrito por alguns Srs. Deputados do PSD, que é do seguinte teor: «Nos termos do artigo 150.º do Regimento, os deputados do PSD requerem a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias do projecto de lei n.º 196/III para aprofundada apreciação.»
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, gostava de ser informado sobre qual o prazo estipulado para essa apreciação em Comissão.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, gostaria de informar que se no requerimento o prazo não estiver referido é porque se pretende um prazo supletivo.
O Sr. Presidente: - É também esse o entendimento da Mesa, Srs. Deputados. Vamos passar à votação do requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do PSD, abstenções do CDS, da EUDS e da ASDI e votos contra do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque esta é a segunda vez que este projecto de lei é discutido nesta Câmara, estaríamos habilitados a votá-lo favoravelmente. Seria, pois, isso o que faríamos se não tivesse surgido o requerimento que deu entrada na Mesa.
Na verdade - e por isso me permito adiantar algumas razões nesta declaração de voto que valerão desde já para o debate aprofundado em Comissão -, a Assembleia da República não poderá ignorar que a matéria objecto deste projecto de lei é fundamentalmente algo que tem a ver com a própria competência da Assembleia da República no sentido de assegurar as condições de independência e pluralismo com que os órgãos de comunicação social estatizados têm, por dever constitucional, de actuar. E digo isto porque todos sabemos que, sob falsos protestos disciplinares - e repito, sob falsos protestos disciplinares -, o que esteve em causa nesses órgãos e que o projecto de lei contempla são acções em que se procura a censura, a manipulação, o controle e a submissão dos profissionais da comunicação social.
Creio, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se a Assembleia da República tem não só o direito como o dever de procurar assegurar condições de independência aos profissionais da comunicação social, então tem de reagir contra todas as formas que procurem a sua submissão ou a sua manipulação - formas essas que são as mais variadas; em que os processos disciplinares são apenas uma delas, assim como as baixas remunerações e as situações e as condições de trabalho. Ora, tudo isso impede que uma profissão passa ser exercida com as condições necessárias para que a independência seja uma realidade.
Se na realidade queremos - e penso que sim - a independência dos órgãos de comunicação social, tal facto passa necessariamente pela independência dos seus profissionais e pelas condições de trabalho que lhes são asseguradas. Por isso estaríamos em condições de votar favoravelmente o projecto de lei apresentado pela UEDS. Contudo, abstivemo-nos quanto à sua baixa em Comissão, porque pensamos que ela permitirá uma melhor ponderação das circunstâncias e, necessariamente, uma inflexão no voto daqueles que se propunham hoje rejeitá-lo, de imediato, sem considerar que ele é essencial à independência dos órgãos de comunicação social.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (EUDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ë evidente que a UEDS estava em condições de votar favoravelmente o projecto de lei. Consideramos particularmente importante a baixa à Comissão, mas julgamos que decorreu tempo suficiente para que a apreciação pudesse ter sido feita.
De qualquer modo, se há a perspectiva, pelo menos por parte de uma bancada, de poder rever a sua posição de voto e reclamar para isso uma mais aprofundada apreciação nesta questão, não haveria razões que nos levassem a manifestarmo-nos contrariamente, sobretudo porque estamos convictos e queremos crer que o pedido de baixa à Comissão não encobre qualquer manobra dilatória que venha a impedir que esta Assembleia se pronuncie nos prazos regimentais. Ora, um projecto de lei que já aguardou dois anos para ser apreciado nesta Assembleia pode, sem grande prejuízo, aguardar mais 30 dias, se esse espaço de tempo permitir um melhor aprofundamento e uma melhor ponderação por parte de todas as bancadas.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista estava disponível para o imediato debate suscitado pelo projecto de lei n.º 196/III, apresentado pela UEDS, e decidida a votá-lo favoravelmente, com pôs-
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terior requerimento para baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, visando a pesquisa de todas as implicações que venham a decorrer da proposta amnistia.
A tolerância, que é prática e princípio do socialismo democrático, tem sido afirmada em frequentes iniciativas do PS visando, sem pôr em causa a justiça e sem esvaziar de conteúdo diplomas legais, permitir que os efeitos de deteminadas infracções disciplinares possam ser reduzidos, sem nenhum perigo para a sociedade e que, pelo contrário, sejam susceptíveis de contribuir para o apaziguamento e maior fraternidade entre os Portugueses.
No caso vertente, lastimamos mesmo que o projecto de lei da UEDS não pudesse ter sido debatido e votado na passada terça-feira, dia 26, pois logo lhe teríamos dado o nosso voto favorável, contribuindo assim para assinalar, exemplarmente, a comemoração do 10.º aniversário da Lei de Imprensa, exactamente ocorrido nesse dia.
É que as infracções disciplinares praticadas nos méis de comunicação social, mais conhecidas e flagrantes, que poderão vir a ser contempladas pela amnistia decorrente do projecto de lei n.º 196/III, constituem exemplos paradigmáticos de processos disciplinares muito discutíveis, por nada terem tido a ver com desrespeito pela Lei de Imprensa e, muito ao contrário, podem ter contribuído para intimidar os trabalhadores da comunicação social quanto ao seu legítimo direito de exercer com independência a expressão das suas opiniões ou a livre afirmação das opções, como preceitua a Constituição e reafirma a Lei de Imprensa.
Ao que se sabe, nos processos disciplinares em causa não foram verificadas infracções que marcadamente tivessem a ver com a violação de deveres laborais. Os promotores dos aludidos processos não recorreram ao Conselho de Comunicação Social nem ao Conselho de Imprensa, submetendo-lhe a apreciação de eventuais desrespeitos pelo pluralismo ideológico e político nos meio de comunicação social do Estado ou indirectamente dependentes do seu controle económico e financeiro.
O que teria ocorrido resultaria, ao que parece, do incómodo causado, a nível de gestores, por afirmações produzidas por trabalhadores da comunicação social, fora dos órgãos onde trabalhavam, pondo em causa e discutindo os métodos e actuações de que discordavam.
O Grupo Parlamentar do PSD/PPD decidiu requerer a baixa à Comissão, antes de iniciado o debate. A bancada do Partido Socialista votou favoravelmente o requerimento por reconhecer-lhe o mérito de permitir aprofundamento prévio das consequências da aprovação da amnistia proposta pela UEDS, com o seu projecto de lei n.º 196/III ao qual o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dará o seu voto favorável, logo que a Comissão, com a necessária brevidade, habilite esta Câmara ao agendamento do diploma, para sua discussão em Plenário.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que hoje aqui se passou é tudo menos exemplar e creio que é um mau exemplo do que deve ser a comemoração de uma lei de imprensa. Vir argumentar que é necessário reflectir melhor sobre um projecto de lei que está dependente nesta Casa há pelo menos 3 anos é, a todos os títulos, espantoso.
Porém, a nossa posição poderia ter sido diferente se tivessem havido garantias, se não tivéssemos sido confrontados com o que já fomos confrontados em 1982, que no essencial foi o mesmo, só que hoje não se substituíram deputados, hoje adiaram-se votações. Portanto, nesta altura não podemos deixar de manifestar a nossa total discordância por a Assembleia da República ser confrontada com estes métodos de funcionamento.
Certamente que os Srs. Deputados ainda estarão recordados sobre o que se passou com a lei quadro dos municípios. Esperemos, pois, que, com este projecto de lei, não suceda o mesmo!
Não pactuamos em que se criem expectativas junto de alguém para depois se tratarem essas expectativas como hoje aqui foram tratadas nesta Assembleia da República.
Vozes do PCP e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Se na realidade se pretende que o projecto de lei possa voltar ao Plenário, devo informar a Câmara que entregámos na Mesa uma proposta no sentido de se dar o prazo de 15 dias à Comissão e para que, findo esse prazo, ele seja de imediato agenciado para discussão e votação. Veremos o resultado deste nosso requerimento e veremos da bondade das soluções aqui preconizadas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, também para uma declaração de voto.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O CDS absteve--se nesta votação de baixa à Comissão porque tomou uma posição muito clara em relação ao projecto hoje aqui discutido.
Fizemo-lo tendo em conta defeitos estruturais desse projecto, com destaque para aquilo que consideramos ser a violação ao artigo 13.º da Constituição. Como salientou, então, o meu colega de bancada, Narana Coissoró, respeitando a infracções disciplinares no domínio do contrato de trabalho, mas restringindo a sua aplicação apenas a determinado número de empresas, o projecto violava nitidamente o princípio da igualdade.
Por isso nos manifestamos aqui contra esse projecto!
Não quisemos, porém, com o nosso voto inviabilizar as «pias intenções» aqui manifestadas e traduzidas na baixa à Comissão.
São, porém, «pias intenções» - queremos salientado - ou, pior do que isso, são um modo de denunciar um voto e de realizar outro completamente diferente. E isso desprestigia a nossa Assembleia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E veremos se não é nessa situação que vamos, neste caso, acabar por cair.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o MDP/CDE votaria favoravelmente este projecto apresentado pela UEDS por ser um projecto pacificador e necessário.
Existem, Srs. Deputados, muitos processos disciplinares cujo fundamento é muito discutível e que tem sido denunciado. Infracções que não justificam a actuação prossecutória de certos gestores, não rejeitam a independência dos jornalistas, a sua liberdade de expressão de acordo com a Constituição da República Portuguesa.
Srs. Deputados, esperemos que esta baixa à Comissão não seja uma medida dilatória para impedir - finalmente! - o debate e a votação final desse projecto de lei. Esperemos, realmente, que o PSD ao pedir a baixa à Comissão - de acordo com o que declarou o Sr. Deputado Silva Marques e depois de uma análise aprofundada, que já tarda, pois já lá vão 2 anos!... - venha a apoiar este projecto de lei.
Daremos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o nosso apoio à proposta agora anunciada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e que estabelece um prazo de quinze dias para a Comissão estudar e apresentar o projecto final para aprovação, aqui, ao Plenário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, para uma declaração de voto.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso suscitou-me a necessidade de fazer uma declaração de voto porque ele colocou a questão de uma eventual acção dilatória.
Devo dizer que, de facto, o nosso requerimento de baixa à Comissão constitui uma violação embora não seja dilatória no sentido de «processo de intenção». Não se trata de uma má fé, mas, sim, de uma posição de princípio que eu defini.
De qualquer modo, era esta a questão que eu queria colocar-lhe. Defini a nossa posição e temos dúvidas que venhamos a alterá-la. De qualquer modo, e por uma questão de princípio, pedimos a baixa à Comissão.
Portanto, há uma dilação, mas a nossa atitude não é dilatória porque é claramente explicitada no sentido de que é de boa-fé.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É evidente que há uma dilação: poderiamos votar hoje, iremos votar aqui por 30 dias! Ó que eu disse foi que estava convicto de que isto não constitui uma manobra dilatória, o que é algo diferente de, no fundo, inviabilizar na prática o agendamento futuro desta matéria - e isso eu coloquei fora de causa.
O Orador: - Sr. Deputado, inclusivamente, não há possibilidades de recusar certos agendamentos. Portanto, e se me permite, foi isso que me suscitou a necessidade de lhe dar esta explicação normal e política. De qualquer modo tenho que registar que, havendo da parte de tantas bancadas uma clara e firme indubitável convicção quanto à bondade genérica do projecto, houve necessidade de melhor reflexão - para nós, sem dúvida! Tenho, no entanto, de concluir que se esperava da parte da Assembleia uma atitude unânime e de, certa forma, foi a nossa que induziu um adiamento da votação na generalidade. É evidente que não esperávamos que nos fosse reconhecida tanta importância política ao ponto de que a nossa pequena dúvida levasse ao adiamento da votação na generalidade.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa foi boa!
Risos do CDS.
O Sr. Presidente: - Deu entrada na Mesa um outro requerimento, subscrito por alguns Srs. Deputados do Partido Comunista Português, do seguinte teor:
Propõe-se que o pedido de baixa à Comissão para efeitos de reapreciação do projecto de lei n.º 196/III seja de 15 dias, subindo a Plenário na primeira reunião posterior ao termo do prazo referido.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste requerimento.
Pausa.
Srs. Deputados, o resultado da votação é: 19 votos a favor - do PCP, do MDP/CDE, da ASDI e da UEDS; 16 votos contra - do PSD; e 29 abstenções - do PS e do CDS. No entanto, verificando-se que não existe quórum, o requerimento não pode ser considerado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Temos que considerar que o prazo é supletivo visto que temos que considerar que as votações anteriores são todas válidas, uma vez que se parte do princípio de que antes o quórum se verificava. Só neste momento foi levantada a questão da falta de quórum, portanto só a partir de agora se poderá afirmar que a votação não poderá ter lugar. Assim, todas as outras se consideram aprovadas com o necessário quórum uma vez que a questão não foi levantada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é indiscutível, inquestionável, que não há quórum.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Agora!
O Orador: - Devo dizer, no entanto, que só agora soube que não há quórum. Mas devo também acrescentar, sem mais comentários, que, salvo por desatenção da UEDS, não se procederá mais, nesta Casa, a qualquer votação sempre que tenhamos a mais pequena dúvida quanto à existência de quórum, sem procedermos à contagem prévia.
De qualquer modo, a única coisa a que conduz o facto de não fazer quorum é a que a votação deste requerimento tenha lugar apenas quando houver quórum. A ausência de quórum não corresponde à rejeição do requerimento.
O Sr. José(PCP): - É óbvio. Isso é uma batotice.
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2158 I SÉRIE - NÚMERO 51
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pretendo apenas dizer que as conclusões do Sr. Deputado Silva Marques me parecem prematuras. A decisão não está transitada em julgado. Terá de ser assumida quando a Assembleia da República tiver quórum. Nessa altura, será decidido se se fixa ou não o prazo de 15 dias.
Assim, não há neste momento qualquer decisão quanto ao prazo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Ainda para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pretendo saber se a Mesa, nas votações anteriores, se assegurou da existência de quórum, tal como é sua obrigação, e se nos pode garantir que esse quórum existia.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devo responder-lhe que não foi pedida a contagem de quórum.
É certo que a Mesa não o verificou, uma vez que supôs que ele existisse em todas as votações.
Foi verificado agora, apenas porque foi solicitado. Assim, não pode proceder doutra maneira.
Srs. Deputados, a conclusão da Mesa é a de que, não tendo havido quórum para votar este requerimento, ele terá de ser votado numa outra reunião, presumivelmente, amanhã.
Vai agora ser lido pelo Sr. Deputado-Secretário o resultado da eleição a que procedemos para os órgãos do CNAEBA.
O Sr. Secretário (Roleira Marinho): Eleição para o Conselho Nacional de Alfabetização e de Educação Base de Adultos - CNAEBA. Aos 28 de Fevereiro de 1985, realizou-se no Plenário da Assembleia da República a eleição mencionada em epígrafe, tendo entrado na uma 192 votos, assim distribuídos por cada um dos candidatos:
Presidente: Amélia Cavaleiro Monteiro de Azevedo - Votos sim, 134; votos não, 48; votos de abstenção, 12.
Vice-Presidente: José Augusto Fillol Guimarães - votos a favor, 157; votos contra, 13; votos de abstenção, 22.
Vice-Presidente: Rogério António Fernandes - votos a favor, 94; votos contra, 76; votos de abstenção, 19; votos brancos, 3.
Vice-Presidente: Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues - votos a favor, 128; votos contra, 43; votos de abstenção, 20; votos brancos, 1.
Vice-Presidente: José Salvado Sampaio - votos a favor, 87; votos contra, 75; abstenções, 28; votos brancos, 2.
O Sr. Presidente: - Face a esta votação, a Mesa entende que todos os candidatos foram eleitos.
Srs. Deputados, resta-nos anunciar a ordem de trabalhos para amanhã.
A sessão começará às 10 horas com um período antes da ordem do dia e um período da ordem do dia que consistirá na continuação da discussão da ordem de trabalhos da sessão de hoje. Vai ser anunciada pelo Sr. Secretário a entrada na Mesa de alguns diplomas.
O Sr. Secretário (Leonel Fadigas) - Projecto de lei n.º 442/III, da iniciativa do Sr. Deputado João de Almeida Eliseu e outro Sr. Deputado do PS, relativo à elevação da povoação de Vieira de Leiria à categoria de vila. Foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 443/III da iniciativa da Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha e outros Srs. Deputados do PCP, relativo à produção, recolha, concentração e abastecimento de leite. Foi admitido e baixou à 6.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 45 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
António da Costa.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Francisco Lima Monteiro.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Maria Helena Valente Rosa.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui Monteiro Picciochi.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António d'Orey Capucho.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Francisco Antunes da Silva.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Pereira Lopes.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
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Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo de Brito.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Correia Lopes.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Paulo Areosa Feio.
Centro Democrático Social (CDS):
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Hernâni Torres Moutinho.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Lopes Porto.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Gonçalves Janeiro.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Jesus Simões Barroso.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro Amaral.
José Vargas Bulcão.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Torrinhas Paulo.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Cruz Vilaça.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel Tengarrinha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
Relatório e pareceres da Comissão de Regimentos e Mandatos enviado à Mesa para publicação
Em reunião realizada no dia 28 de Fevereiro de 1985, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por Amadeu Vasconcelos Matias. Esta substituição é pedida para os dias 28 de Fevereiro corrente a 9 de Março próximo, inclusive.
Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Augusto Gama (círculo eleitoral de fora da Europa) por Ramiro Martins Soares. Esta substituição é pedida para os dias 28 de Fevereiro corrente a l de Março próximo.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - José Maria Roque Lino (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - João Maria Ferreira Teixeira (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
As REDACTORAS: Leonor Ferreira.
Maria Amélia Motins - Maria Leonor Ferreira
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PREÇO DESTE NÚMERO 114$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.